Você está na página 1de 12

204 Teorias da Aprendizagem

em Harvard (Tolman, 1952). Pouco mais de dez anos depois (por volta de 1923), ele
voltou à Alemanha para estudar com os psicólogos da Gestalt.

P sicologia da Gestalt: Crenças Básicas


Na época em que estourou a Primeira Guerra Mundial, um jovem psicólogo alemão
chamado Wolfgang Köhler foi impedido de sair da ilha de Tenerife, na costa da Áfri-
ca, impossibilitado de voltar para casa por causa do conflito. Em Tenerife havia uma
estação de pesquisa para estudar macacos, e Köhler trabalhou nela durante os quatro
anos em que permaneceu no local. Ele registrou esses estudos num livro intitulado The
Mentality of Apes (1925).
Há macacos inteligentes e outros estúpidos, concluiu Köhler. Os menos dotados
parecem aprender por associação e repetição, praticando repetidamente os mesmos
comportamentos. Na tentativa de resolver problemas, disse Köhler, fazem “erros
ruins” – ou seja, erros baseados em soluções antigas e inadequadas. Em contraposição,
macacos inteligentes aprendem como o fazem as pessoas, apresentando repetidamente
uma surpreendente capacidade de usar processos mentais superiores. No geral, quan-
do falham em resolver um problema, eles fazem “erros bons” – ou seja, suas tentativas
de solução, baseadas na reflexão, poderiam ter funcionado, o que não aconteceu, por
uma razão ou outra.
Köhler realizou vários estudos para observar o comportamento de solução de
problemas por macacos em jaulas. Quase sempre exigia que o macaco inventasse ou
descobrisse uma solução para um problema, que era obter um cacho de bananas. Em
alguns estudos, por exemplo, o macaco tinha de usar uma vara comprida para alcançar
a fruta. Em outros, era necessário juntar diversas varas para obter uma comprida o
suficiente. Em um estudo, o macaco deveria usar uma vara curta que não conseguia
alcançar as bananas e encaixá-la numa outra maior para conseguir seu objetivo. Em
outra situação, o macaco tinha à sua disposição vários caixotes que, empilhados, lhe
possibilitavam alcançar o cacho de bananas.

Insight Versus Tentativa e Erro na


Aprendizagem de Chimpanzés
Thorndike estava errado, alertou Köhler: chimpanzés inteligentes não aprendem sim-
plesmente por tentativa e erro. Eles não ficam vagando pelas jaulas berrando por causa
de um cacho de bananas que não conseguem alcançar, nem sobem pelas grades ou
fazem qualquer outra coisa que os macacos sabem. Ao contrário, pelo menos alguns
chimpanzés parecem solucionar problemas complexos muito subitamente, como se
tivessem encontrado a solução naquele momento. Por exemplo, quando Sultan, o mais
famoso dos chimpanzés de Köhler, verificou que não conseguia alcançar o cacho de
bananas com uma varinha curta, ele parou e, nas palavras de Köhler, “lançou-lhe um
olhar fixo”. Então, como que impelido a agir pela visão da solução correta, “(ele) su-
A Transição para o Cognitivismo Moderno: Hebb, Tolman e os Gestaltistas 205

bitamente executou as ações corretas num todo seqüencial” (Köhler, 1927, p. 150). O
termo gestaltiano para o processo envolvido nesse tipo de solução é insight.
Insight é o fundamento da psicologia da Gestalt. Em suma, significa a percepção das
relações entre os elementos de uma situação-problema. O que significa solucionar um pro-
blema pela percepção das relações entre todos os elementos importantes da situação.
Nas palavras de Köhler (1925), o pensamento por insight é um tipo de pensamento
relacional. Requer uma reorganização mental dos elementos do problema e o reconhe-
cimento da correção da nova organização.
Entretanto, alerta Köhler, só porque o termo insight ou pensamento relacional é
usado para descrever o que pode ser considerado uma realização extraordinária para
um chimpanzé, não devemos interpretá-lo erroneamente, como “alguma faculdade
especial e sobrenatural que produz resultados admiráveis ou, de alguma forma, inex-
plicáveis. Como usei e atribuí significado ao termo, nada deste tipo está nele” (1929,
p. 371). Como Köhler o utiliza, o termo aplica-se à compreensão de fatos comuns e
soluções gerais de problemas do cotidiano.
Dentre as convicções mais importantes de Köhler está a crença de que a tentati-
va e erro desempenha papel de menor importância no comportamento de solução de
problemas, mesmo entre macacos e galinhas, e especialmente entre os seres humanos.
“ Não tenho certeza de que após anos de tentativa e erro”, escreve Köhler, “uma criança
aprenderia a organizar [um campo sensorial]” (1929, p. 177). E organizar o que é per-
cebido, alerta ele, é muito mais importante do que as propriedades específicas daquilo
que é percebido. Por quê? Porque é somente por meio da compreensão de sua organiza-
ção – por meio da compreensão de sua estrutura – que as pessoas conhecem as coisas.
Tome, por exemplo, algo simples como uma melodia. Você sabe que uma melodia
é feita de notas individuais. Contudo, você não poderia entendê-la – não saberia nada
dela – se tivesse de ouvir as notas num arranjo feito aleatoriamente. Da mesma manei-
ra, o significado de uma figura geométrica deriva não de cada um de seus elementos
(número de lados, dimensão de suas partes, ângulos dos cantos), mas das relações de
uns com os outros.

Gestalt Significa “Todo”


Que o todo é maior do que a soma de suas partes é a afirmativa mais intimamente as-
sociada à psicologia da Gestalt. Assim, a melodia, não suas notas individuais e pausas,
é o todo, uma organização, a gestalt – como é o caso do trapézio, do triângulo e do
quadrado. Seu significado não vem da soma das partes, mas da capacidade dos huma-
nos (e chimpanzés) de perceber a sua organização. Perceber uma organização ou uma
estrutura é alcançar um insight. Gestalt é a palavra germânica para todo; daí a denomi-
nação dessa abordagem da psicologia.
Não é à toa que uma forma de resumir a psicologia da Gestalt é descrever suas leis
da percepção. Essas leis foram desenvolvidas e elaboradas principalmente pelos três
homens considerados os fundadores do movimento da Gestalt: Wertheimer (1959),
Koffka (1922, 1925, 1935) e Köhler (1927, 1969). Desses, Wertheimer era reconheci-
do como o líder, mas Koffka e Köhler foram os responsáveis por popularizar o movi-
mento por meio de suas publicações.
Kurt Koffka (1886-1941)
Wolfgang Köhler (1887-1967)
Max Wertheimer (1880-1943)
As idéias e teorias de Kof- porquê de as luzes e as cenas rápidas que via
fka, Köhler e Wertheimer passar pela janela do trem seqüencialmente,
são quase inseparáveis, co- darem a ilusão de movimento. As investi-
mo foram suas vidas. To- gações seguintes de Wertheimer sobre esse
dos se formaram na Uni- “fenômeno phi” envolveram tanto Köhler
versidade de Berlim (fica- quanto Koffka como assistentes e resultaram
ram conhecidos como o na elaboração da psicologia da Gestalt. Em
“grupo de Berlim”), estu- 1933, Wertheimer emigrou para os Estados
daram filosofia e psicologia e emigraram para Unidos, onde viveu até sua morte, em 1943.
os Estados Unidos devido à perseguição de Köhler nasceu em Reval, Estônia, em 21
Hitler aos judeus (Koffka e Wertheimer eram de janeiro de 1887. Obteve o título de dou-
judeus). Trabalharam juntos, compartilhando tor na Universidade de Berlim, em 1909,
suas convicções, uniram-se nos ataques ao in- em seguida, junto com Koffka, foi trabalhar
trospeccionismo e ao behaviorismo e eram com Wertheimer em Frankfurt. Durante
amigos: o livro de Köhler de 1929, Gestalt a Primeira Guerra Mundial, passou quatro
Psychology, é dedicado a Max Wertheimer, e anos em Tenerife, como diretor de uma
o livro de Koffka de 1935, Principles of Gestalt base de estudos de antropóides, pesquisan-
Psychology registra a dedicatória “A Wolfgang do o comportamento de chimpanzés (e tam-
Köhler e Max Wertheimer, em agradecimen- bém de galinhas). Os resultados dessas in-
to à sua amizade e inspiração”. vestigações foram publicadas em 1917 num
Wertheimer, quase 12 anos mais velho livro importante chamado The Mentality of
do que Köhler e Koffka, nasceu em Praga, no Apes (1925).
dia 15 de abril de 1880. Seus estudos iniciais De Tenerife, Köhler voltou para Berlim,
foram na área do direito, em Praga mesmo. onde ficou até 1935. Publicou muitos traba-
Mais tarde foi para Berlim estudar filosofia e lhos durante esse período, tornando-se um
psicologia. Lá obteve o título de doutor, em dos principais porta-vozes do movimento
1904. Dentre seus muitos interesses estavam da Gestalt. Conflitos com o regime nazista
escrever poesias e compor sinfonias. o forçaram a deixar a Alemanha definitiva-
Conhecido como o líder intelectual da mente em 1935. Foi para os Estados Unidos,
psicologia da Gestalt, Wertheimer fez mui- onde já havia passado um bom tempo dando
to menos para popularizar o movimento do aulas. Lá ficou até morrer, em 1967. Köh-
que Köhler e Koffka. Escreveu pouco, mas ler continuou a escrever livros importantes
planejou um grande número de experimentos nos Estados Unidos, engajou-se em ferozes
importantes, elaborou os princípios da Ges- batalhas com behavioristas como Hull e até
talt em suas aulas e recrutou Koffka e Köhler debateu publicamente contra Watson. Foi
para trabalharem juntos. A idéia de um dos homenageado com o prêmio de contribuição
seus mais famosos experimentos lhe ocorreu científica notável da American Psychological
durante as férias, no começo de sua carreira. Association e (como Skinner, Guthrie, Tol-
Viajando de trem, ele começou a elocubrar o man e Hebb) presidiu a associação.
Koffka nasceu em Berlim no dia 18 de tor do grupo de Berlim, publicou um grande
março de 1886, freqüentou a universidade e número de livros importantes e algumas ve-
conseguiu ali também o seu título de doutor zes difíceis.
em psicologia, em 1909. Tinha anteriormen- Como Köhler e Wertheimer, Koffka le-
te estudado filosofia e ciência em Edimbur- cionou por um tempo nos Estados Unidos
go. De Berlim foi para Frankfurt onde ele e antes de mudar-se para lá definitivamente,
Köhler trabalharam com Wertheimer. Co- em 1927. Deu aulas no Smith College e se-
meçou a escrever os extensos trabalhos que guiu escrevendo até a sua morte, em 1941
mais tarde influenciaram a popularização da (Boring, 1950; Sahakian, 1981; Woodworth
psicologia da Gestalt. Foi o mais prolífico au- e Sheehan, 1964).

Foto: D e U nde rwood e U nde rwood. Cortesia de Smith Coolege Ar ch ives, Smith Co llege.

Teoria da Gestalt: As Leis da Percepção


O primeiro e o mais básico dos argumentos defendidos pelos gestaltistas contra os
procedimentos que enfatizam a análise do comportamento é que o comportamento
não pode ser compreendido por meio de suas partes – que não pode ser reduzido a
sensações isoladas (como a introspecção da psicologia alemã tendia a fazer) ou a estí-
mulos e respostas isoladas (como fazia o behaviorismo americano). Isso não significa
negar que o conjunto é composto de partes ou que as partes podem ser descobertas
por meio da análise.
O cerne do argumento, nota Murray (1995), é que o todo (a Gestalt) é diferente das
partes, como fica evidente em incontáveis eventos do cotidiano. Como foi dito antes,
a percepção global, quando se ouve uma melodia, não é a das notas isoladas, mas, a
percepção dos compassos ou das passagens. Não fosse assim, a ordem das notas e os
intervalos de tempo que existem entre elas, bem como as pausas, não seriam impor-
tantes. Do mesmo modo, os objetos físicos derivam sua identidade da maneira como
suas partes são combinadas, e não apenas das partes que os compõem. Algo simples
como uma maçã deixa de ser apenas uma maçã após ser batida no liquidificador; nem
uma casa ainda é uma casa quando todo o seu madeiramento e pregos e outras partes
dela estão separados e classificados.

Prägnanz: A Boa Forma


A preocupação básica dos gestaltistas era descobrir as leis que governam a percepção
dos todos. Essas leis, descritas primeiro por Koffka (1935), são resumidas aqui. Elas
são predominantemente perceptuais e é mais fácil descrevê-las e ilustrá-las como tal.
É bom ressaltar, entretanto, que os psicólogos da Gestalt não vêem descontinuidade
entre percepção e pensamento. Consideram essas leis aplicáveis a ambos.
Um único princípio simples governa a percepção e o pensamento: prägnanz (que
significa “boa forma”). Como ressalta Köhler, as soluções de insight parecem envolver
uma “abrupta reorganização de certos materiais, uma revolução que, de repente, apa-
rece pronta na cena mental” (1969, p. 163). Por que essa é a revolução correta e como
a pessoa (ou o animal) a reconhece como correta? Pelo menos parte da resposta, argu-
menta Köhler, é que o cérebro parece ser direcionado por uma tendência de perceber
seja lá o que for, da melhor forma possível.
212 Teorias da Aprendizagem

O Campo Comportamental
Do ponto de vista daquele homem, seu comportamento ocorreu num ambiente muito
diferente – naquilo que Koffka chama de campo comportamental (ou campo psicológi-
co). O campo comportamental é a visão pessoal do ator daquilo que é real. No campo
comportamental desse homem, havia uma planície varrida pelo vento. No entanto,
como descobriu mais tarde, no mundo físico real o que havia era um lago congelado.
Ambos, o campo comportamental e o ambiente físico afetam o comportamento de
uma pessoa, afirma Koffka. E embora o ambiente físico interfira claramente no campo
comportamental, os dois não são a mesma coisa. Em outro exemplo, Koffka refere-
se ao comportamento de dois macacos colocados em jaulas separadas; cada um deles
consegue alcançar um cacho de bananas empilhando caixotes uns sobre os outros. Um
deles, o macaco inteligente, faz exatamente isso, sobe na pilha e pega as bananas. O
outro, menos inteligente, senta-se num caixote e fica olhando, triste, para o cacho de
bananas que não consegue alcançar. Ambos estão num mesmo campo físico. Entretan-
to, no campo comportamental do macaco inteligente, há caixotes que podem levá-lo
até o alto da jaula; no campo comportamental do outro, há apenas um caixote para
sentar e bananas que ele não consegue alcançar.

Aparência Versus Realidade


As leis da percepção da Gestalt destacam que aquilo que as pessoas vêem não é neces-
sariamente a realidade. A realidade, como coloca Lehar (2003), está toda dentro de
sua cabeça. Quando você olha para o livro que está lendo agora, está olhando para a
sua consciência interna e pessoal desse livro. Pode muito bem haver um objetivo, uma
realidade física além do confinamento da sua cabeça, mas você só consegue “conhecê-
los” dentro da sua consciência. E seu conhecimento disso pode não ser acurado. Assim,
quando você vê um triângulo completo na Figura 6.7, não percebeu o campo físico
adequadamente. No entanto, o triângulo que você viu na Figura 6.7 torna-se parte
concreta da sua realidade psicológica. É por isso que a psicologia da Gestalt enfatiza a
diferença entre a realidade física e o que parece ser real.
Os gestaltistas acreditavam que, para entender o comportamento, é necessário co-
nhecer alguma coisa da percepção do indivíduo sobre a realidade (ou seja, o campo
comportamental ou psicológico da pessoa) (Smith, 1988). É por isso que as pessoas
respondem à aparência (o que pensam ser real) mais do que à realidade. A tarefa da
psicologia, afirmava Koffka, é “o estudo do comportamento em sua conexão causal
com o campo psicofísico” (1935, p. 67). Em muitos aspectos, esse é um desafio bem
mais complexo do que aquele que os behavioristas definiram para si próprios – ou seja,
o de compreender respostas a estímulos reais no ambiente físico concreto. Por outro
lado, uma vez que o campo psicológico abrange também as percepções individuais de
outras pessoas (bem como de coisas, animais, e tudo o mais que possa ser relevante),
essa abordagem torna mais fácil o entendimento do comportamento social.

A Psicologia da Gestalt e o Cognitivismo Contemporâneo


A psicologia da Gestalt é considerada o início da psicologia cognitiva moderna por
dois motivos principais: primeiro, por causa de sua preocupação com a percep-
A Transição para o Cognitivismo Moderno: Hebb, Tolman e os Gestaltistas 213

ção, a consciência, a solução de problemas e o insight; segundo, porque rejeitou o


behaviorismo por este ser excessivamente mecanicista, incompleto e não adequado
para explicar os processos mentais superiores. Köhler, em particular, sentiu que
abordagens como as de Hull eram impraticáveis por insistirem demais na objetivi-
dade, por rejeitarem a utilidade de tentar compreender as percepções individuais e
a consciência privada.
Todavia, a psicologia da Gestalt e o cognitivismo contemporâneo em vários aspec-
tos importantes representam diferentes interesses e abordagens diferentes. A psicolo-
gia cognitiva moderna lida com temas como solução de problemas, tomada de decisão,
processamento da informação e compreensão (são exemplos as teorias de Jerome Sey-
mour Bruner e Jean Piaget, discutidas no próximo capítulo). Os teóricos cognitivos
conduzem a pesquisa sobre ampla gama de tópicos, usando principalmente sujeitos
humanos. Seus temas incluem a compreensão da prosa, a memorização de palavras,
o parafraseado, a aprendizagem da fala e da leitura. A psicologia da Gestalt, em con-
traposição, fez amplo uso da experimentação animal (bem como da humana) e lidou,
prioritariamente, com problemas da percepção humana.

Implicações Educacionais da Psicologia da Gestalt


Em pelo menos dois aspectos a psicologia da Gestalt proporciona um forte contraste
em relação às abordagens mais behavioristas sobre as quais discorremos nos capítulos
anteriores: primeiro, rejeita explicações de tentativa e erro elaboradas por psicólogos
como Thorndike. As pessoas aprendem por insight, não por tentativa e erro.
Segundo, rejeita a abordagem “reducionista” do behaviorismo inicial. Os psicó-
logos que desejam entender a aprendizagem e o comportamento, insistem os gestal-
tistas, deveriam evitar reduzi-los a elementos simples como estímulos e respostas. Em
vez disso, deveriam se fixar nos aspectos mais molares do comportamento – ou seja,
deveriam olhar mais para o todo do que para as partes.
Esses aspectos – a crença de que a aprendizagem ocorre por meio do insight, e a
crença de que a psicologia deveria se concentrar nos aspectos molares, e não molecu-
lares, da aprendizagem – são dois dos temas mais importantes que resumem a psico-
logia da Gestalt. Uma vez que essa teoria não apresenta princípios de aprendizagem
tão simples e claros como, digamos, aqueles do behaviorismo skinneriano, não é tão
facilmente aplicada às firulas das práticas educacionais dentro das salas de aula. Con-
tudo, essas duas correntes de pensamento têm, sim, implicações muito poderosas e
elucidativas para os educadores.
A rejeição da tentativa e erro como instrumento útil para a aprendizagem significa
que professores e pais não deveriam oferecer aos aprendizes problemas que os levem a
tentar uma ampla variedade de diferentes soluções até encontrarem “a que se encaixa”.
Em vez disso, as situações de aprendizagem deveriam ser estruturadas de forma que os
aprendizes pudessem ter um insight. Mas como se faz isso?
Primeiro, sugere Wertheimer (1959), não deveria haver a possibilidade de os pro-
blemas apresentados aos alunos serem solucionados pela memorização de uma série
de etapas. As pessoas que aprendem por esse método, explica, estão propensas a desen-
214 Teorias da Aprendizagem

volver uma dificuldade denominada predisposição de respostas.9 Predisposição de respos-


tas é uma tendência forte a responder ou a perceber de modo predeterminado mesmo
quando há respostas mais apropriadas. Segundo, Wertheimer argumenta que os pro-
blemas deveriam ser apresentados em situações significativas da vida real de modo que
os estudantes pudessem perceber a importância delas e a sua relação com os problemas
reais do dia-a-dia. Terceiro, os estudantes precisam ser encorajados a entender o pro-
blema mais do que tentar copiar um conjunto de procedimentos prescritos. De acordo
com isso, a orientação dos professores deveria ser voltada para ajudar os estudantes a
descobrir as soluções por eles mesmos – ou seja, ter os seus próprios insights – em vez
de partilhar com eles toda a informação e todos os procedimentos.
No jargão da psicologia educacional moderna, a perspectiva da Gestalt dá suporte
ao que é chamado de construtivismo em vez de dar suporte ao ensino direto (Lefran-
çois, 2000). As abordagens construtivistas são métodos altamente centrados no apren-
diz e refletem a crença de que a informação significativa é construída por ele, e não dada
a ele. O ensino direto, em contraposição, implica abordagens mais voltadas para o ensi-
no centrado no professor. Os métodos do construtivismo encorajam a aprendizagem
pela descoberta, abordagens cooperativas dentro da sala de aula e participação ativa do
aluno no processo ensino/aprendizagem. Como veremos no próximo capítulo, esses
métodos são mais compatíveis com teorias cognitivas como as de Bruner e Piaget.

Psicologia da Gestalt: Uma Avaliação


A psicologia da Gestalt foi uma importante reação contra o introspeccionismo que a
precedeu, bem como contra o behaviorismo que chegou a dominar a psicologia norte-
americana na primeira metade do século XX. Köhler, por exemplo, sentiu que um
behaviorismo tal como o da teoria de Hull estava errado em rejeitar o valor científico
de conceitos como consciência ou pensamento. “Eu me vejo, por esse motivo, tomado
de profunda aversão e rejeição ao behaviorismo ou a qualquer outro purismo sectário
e impraticável na ciência”, escreveu Köhler (1929, p. 34). Ele argumentava que a insis-
tência dos behavioristas em lidar apenas com a realidade objetiva forçou-os a rejeitar a
validade e a importância daquilo que ele chamou de “experiência direta”: “ Não tenho
a menor dúvida de que, quando criança, tive ‘experiência direta’... Houve experiências
que pertenceram exclusiva e intimamente apenas a mim” (p. 20).
De alguma forma, as teorias da Gestalt não se encaixam bem nos critérios listados
no Capítulo 1. “As idéias teóricas dos gestaltistas eram notoriamente vagas”, escreve
Holyoak e Spellman (1993, p. 268). Como resultado, elas não são úteis em especial
para prever e explicar o comportamento. “ Na visão da maioria dos observadores con-
temporâneos”, diz Gardner, “o programa teórico da psicologia da Gestalt não foi bem
fundamentado... há demasiadas exceções ou exemplos indeterminados” (1987, p. 114).
Um exemplo da imprecisão da teoria da Gestalt, como destacam Latimer e Stevens
(1997), diz respeito ao uso que faz das palavras “todo” e “parte”, ambas fundamentais
para a teoria. Algumas vezes a palavra “partes” parece significar unidades específicas

9
Na literatura sobre solução de problemas, essa dificuldade é mais comumente denominada de predisposição
negativa. (NRT)
A Transição para o Cognitivismo Moderno: Hebb, Tolman e os Gestaltistas 215

da análise perceptual, como as notas musicais ou os ângulos e as linhas das figuras geo-
métricas; outras vezes, parece se referir à atividade neuronal e fisiológica no cérebro.
Com relação a isso, os teóricos da Gestalt discorrem sobre o que chamam de unidades
fenomenais, que parecem ser as unidades subjetivas da percepção, mas a natureza pre-
cisa dessas unidades fenomenais permanece indefinida.
Em relação a alguns dos outros critérios, entretanto, a teoria da Gestalt se encaixa
muito bem. Por exemplo, ela continua a ter aplicação prática no aconselhamento e
na terapia (Lobb, 2001). Noções similares às de campo comportamental e de self de-
sempenham importante papel nas teorias humanísticas de aconselhamento, como a
de Carl Rogers (ele usa as expressões fenomenológica e campo fenomenal, alternada-
mente). A terapia rogeriana se baseia na noção de que para entender o comportamento
de uma pessoa é primordial olhá-la do ponto de vista dela; a mudança de comporta-
mento acontece quando muda a visão da realidade da pessoa.
Mais importante ainda, a teoria da Gestalt provou ser muito provocativa e contri-
buiu de forma considerável para o desenvolvimento das teorias cognitivas posteriores
(ver Lehar, 2003; Uttal, 2002). Na verdade, destaca Epstein (1988), a psicologia da
Gestalt serviu de base para a teoria cognitiva moderna. Entre outras coisas, proveu a
psicologia com os primórdios de uma nova metáfora.

M etáforas em Psicologia
Uma metáfora é uma comparação. As metáforas têm presença marcante na literatura
e em especial na poesia, na qual se propõem a evocar imagens (algumas vezes impos-
síveis) mais impactantes, claras e motivadoras do que a realidade que representam.
Por exemplo, no poema de Pablo Neruda, Little America, a mulher que o poeta ama
não é apenas uma mulher. É um país, com “ramos de árvores e terras, frutos e água, a
primavera que eu amo... as águas do mar ou dos rios e o vermelho denso dos arbustos
nos quais os famintos e os sedentos se deitam à espera” (1972, p. 110).10 Em Letter on
the Road, de Neruda, o amor não é apenas um sentimento; é semente, e terra, e água e
fogo, de modo que “talvez chegue o dia em que um homem e uma mulher como nós
tocarão esse amor e ele ainda terá a força de queimar as mãos que o tocaram” (Neruda,
1972, p. 148).11
Na psicologia, como na poesia, as metáforas são abundantes. Entretanto, na psico-
logia seu propósito é menos motivar ou surpreender e mais informar e esclarecer. Na
psicologia da cognição, afirma Bruner, “é evidente que não houve nada senão metá-
foras” (1990a, p. 230). Talvez a mais comum das metáforas correntes para a cognição
humana seja o computador, da qual a psicologia extrai noções de seres humanos, como
unidades de processamento de informação. Os psicólogos criam modelos cognitivos
que se referem a processamento, armazenamento, recuperação, input, output etc.

10
O texto original é: “ramas y tierras, frutas y agua/la primavera que amo,/la luna del desierto, el pecho/de
la paloma salvaje,/la suavidad de las piedras gastadas/por las aguas del mar o de los rios/y la espesura roja/
del matorral en donde/la sed y el hambre acechan”.
11
No original: “ Tal vez llegará um dia/en que un hombre/y una mujer, iguales/a nosotros,/tocarán este
amor y aún tendrá fuerza/para quemar las manos que lo toquen”.

Você também pode gostar