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Rafael García Bárcena

Estrutura da estrutura
(esquema para a filosofia da estrutura)
I. O sentido da concepção estruturalista
Toda investigação cautelosa da realidade, em qualquer de suas modalidades, impõe
como ponto de partida indispensável o reconhecimento de certas categorias ou
determinações formais correspondentes à realidade que se pretende conhecer, ao
sujeito cognoscente e à conjunção de ambos os termos da relação de
conhecimento.
O fato de o homem constituir um ser histórico, um ente que transforma sua
consciência segundo condicionamentos de ordem temporal, instiga que se
diferencie mais ou menos ostensivamente a série de categorias com que o
investigador, dentro de uma concepção geral do mundo, pretendeu em cada
momento da realidade.
Nossa época tem posto em plena vigência uma nova concepção -e um método
conseguinte- na interpretação da realidade, concepção que leva implícito um
complexo categorial suprido de significação especial, por supor-se capaz de ajustar
a realidade investigada, o sujeito investigador e a integração necessária que
subentende a relação entre os ditos dois polos do conhecer. Tal é a concepção da
estrutura, cuja utilização em grande escala na investigação da realidade promete
uma fecundidade em resultados tão notável, pelo menos como a concepção
matematicista, mecanicista ou evolucionista, ainda tendo em conta os excessos e
inadequações que possam ter feito estas últimas recaírem.
É claro que nossa época não foi a descobridora da concepção estruturalista, mas
sim a que mais profunda e extensamente a tem patrocinado, do mesmo modo que
as concepções matematicistas e evolucionistas não foram descobertas pelo
Renascimento nem pelo século XIX. Nos Diálogos de Platão, já se dá, em esboço,
uma caracterização dos elementos fundamentais da estrutura. Aristóteles dizia que
“todas as partes são independentes e coordenam sua atividade”. O mesmo
postulava a medicina hipocrática, e de tal ideia Boerhave fez o centro de uma
doutrina médica “o organismo é uma organização, não uma simples soma”.
No século XIX a patrocinaram naturalistas como Cuvier e Lamarck, e também
Goethe e as concepções organicistas do Romantismo. No campo do social, o
organicismo levado até limites pueris por Spencer, Schaeffle e von Lilienfeld
constitui expoente de uma visão estruturalista que, pela mesma razão que encontra
o padrão comum na vida e na sociedade, se sente arrastada irreflexivamente a
converter em orgânica, biológica, vegetativa, a estrutura do social. Porém, é o nosso
século XX o que dá uma maior amplitude e um sentido mais profundo à concepção
estruturalista, configuracionista, holista, gestaltista. Por isso, Hartmann disse que
hoje em dia somos mais ou menos “gestaltistas”.
Ao investigar o homem a realidade mediante o tal complexo de categorias que a
estrutura implica, tem que enriquecer seu conhecimento dela mesma. O homem do
Renascimento entendeu que a natureza “estava escrita em linguem matemática” e
esta interpretação matemática enriqueceu sobremaneira seu saber do mundo físico
-não obstante as muitas limitações e restrições que ela lhe impôs à apreensão da
realidade natural-, assim também a concepção estruturalista é chamada a
enriquecer imensamente o conhecimento da realidade em geral, salvo quando a
estrutura não for certamente o molde em que se fraguou a existência nem a
linguagem em que está escrita seu texto.
Nas quatro zonas da realidade que a ontologia regional do homem consigna à
natureza dele mesmo -o físico, o biológico, o psíquico, o espiritual- tentou-se já
verificar a interpretação estruturalista, Köhler tratou de aplicar a dita concepção ao
mundo físico; von Uexkull, entre outros, advogou por uma concepção estrutural do
mundo biológico; Wertheimer, Koffka e o mesmo Köhler são os pais da teoria da
estrutura no reino do psíquico; e Dilthey, mais que qualquer outro, patrocinou a
compreensão da vida espiritual e da orbe da cultura sobre os fundamentos de uma
concepção estrutural.
Afirma Katz que “tudo o que ainda pode dizer-se da essência da psicologia da forma
(Gestalt) corresponde à teoria do conhecimento e à metafísica”. A dificuldade de
reconhecer os traços gnosiológicos e metafísicos da psicologia da forma faz com
que diga, o psicólogo norte-americano Weber, que é muito difícil determinar se a
teoria de forma é um sistema racionalista ou uma ciência empírica e que melhor
guarda semelhanças com o idealismo absoluto. Ao nosso juízo, o que dota a
concepção estruturalista de certa significação um tanto mística parece residir, entre
outras coisas, no fato de que a estrutura implica, por sua própria essência, uma
integração do diverso sobre a base de um princípio de unidade, o que supõe a
concretização de um esquema que tem aspirado a verificar sobre a realidade, a
metafísica e a religião de todos os tempos.
A estrutura é uma classe especial das totalidades integradas por elementos
diversos. Para admitir a estruturidade de um todo será, pois, condição indispensável
supor a esse todo como composto de diversos elementos. O esquema estruturalista
pode resultar assim como um esquadro suscetível de aplicar-se a qualquer tipo de
realidade heterogênea, em vista de determinar se é possível catalogá-la como
simplesmente diversa ou unitária, funcionalmente, em sua diversidade. A integração
monista do plural a que sempre tem aspirado o espírito filosófico encontra assim um
precioso instrumento conceptual de investigação no esquema da estrutura. Aí onde
se mostram qualidades essenciais da estruturidade, onde se ponha manifesta uma
totalidade cujos elementos diversos se articulam entre si e, com respeito à
totalidade, a realidade pode considerar-se funcionalmente como una, monista em
sua multiplicidade. Onde a realidade diversa resiste ao molde da estrutura, exceto
quando algum tipo de unidade possa ser postulado, a unidade funcional não poderá
ser admitida. Isto faz nascer a possibilidade de que determinadas zonas do real
possam ser dotadas de significação unitária em sua diversidade e outras
permaneçam à margem de toda integração monista; mas também faz nascer a
possibilidade de que, à luz da concepção estruturalista, toda a realidade cognoscível
possa ser caracterizada como constituída estruturalmente e, por tanto, integrável em
unidade desde algum ponto de vista ou princípio de ordenação.
Requer-se, no entanto, a maior vigilância do risco de cair na ilusão de encontrar
unidade funcional nas realidades falsamente providas –por obra do esforço
conceitual- de atributos estruturais. Daí que seja indispensável um conhecimento
rico, não somente das qualidades fundamentais dessa realidade, como também dos
atributos essenciais da estrutura como tal, para que não se caia no autoengano de
descobrir qualidades de estruturidade no que está desprovido de semelhantes
qualidades.
Para proceder a investigar as condições de estruturidade de uma zona qualquer da
realidade, é necessário tomar como ponto de partida certos indícios mínimos
presentes nela mesma e reconhecíveis no complexo categorial da estrutura.
Sempre, por exemplo, que uma totalidade diversa apresenta uma qualidade geral
capaz de afetar-se pelo fato de que alguma das partes da dita totalidade seja
afetada, pode supor-se condição estrutural nessa totalidade diversa. Köhler nos
provê outro exemplo, desde o ponto de vista da psicologia da Gestalt, disto que
poderíamos chamar de critério de estruturidade: “Onde se distribui e por si mesmo
se ordena dinamicamente um acidente segundo a constelação da condição dada
para a totalidade de seu campo, ali existe um caso que cai dentro do domínio da
psicologia da forma”. O valor gnosiológico e metafísico do tal critério de
estruturidade não é mister esclarecer, sobre a base das anteriores considerações.
O primário, portanto, para investigar as condições da estruturidade de uma
realidade determinada, é investigar as categorias e leis próprias desse complexo
que é a estrutura como tal. Deve-se tratar de desmontar, por abstração, uma a uma
as peças que constituem um esquema forma da estrutura e deve-se tentar
apreender suas leis essenciais, até onde seja possível. Isso nos permitirá
aproximarmos a uma determinação do que cabe designar-se como estrutura da
estrutura.
Usamos o termo estrutura, e não forma, figura ou configuração, mesmo tendo em
conta as atendíveis razões de Boris Goldenberg na sua documentada Nota
Semântica sobre O todo, a Conexão, a Gestalt e a Forma (publicada no primeiro
número da Revista Cubana de Filosofia): “Se o termo estrutura não se pode utilizar
por razões históricas (a escola associacionista de Titchener nos Estados Unidos e a
psicologia alemã de Spranger se chamam, ambas, psicologia da estrutura, o melhor
seria empregar o termo configuração, que às vezes já se empregou para traduzir
Gestalt”. Preferimos, no entanto, utilizar o termo estrutura, porque este vocábulo nos
parece expressar mais fielmente em nosso idioma o objeto que queremos significar.
II. Conceito sumário da estrutura
Antes de proceder com detalhe à determinação dos diferentes elementos que
integram a noção de estrutura, devemos contar com um conceito sumário dela
mesma.
Wertheimer tem definido assim a estrutura: “Formas são conjuntos cuja conduta não
se determina pela conduta de seus elementos individuais, senão pela natureza
interna do conjunto”. E von Uexkull: “a natureza da estrutura consiste em uma
determinada disposição de cada uma das partes, que não pode ser perturbada à
vontade sem que receba dano o todo”.
Por estrutura devemos entender, pois, um todo com partes diferenciadas, as quais
não podem ser segregadas da totalidade que formam parte sem que se
decomponha essa totalidade. Isto quer dizer que a estrutura é um todo indivisível. A
indivisibilidade, como qualidade mais ostensível da estrutura, se expressa já em
Teeteto, de Platão, com estas palavras: “Segundo o que dizes, Teeteto, a sílaba
deve ser uma espécie de forma indivisível”.
Por que não podem ser segregadas as partes integrantes de um todo estrutural sem
que se destrua o todo? Por que é a indivisibilidade a característica sobressalente de
uma estrutura? De que fatores essenciais da estrutura depende esta
particularidade?
III. A Totalidade, como integrante estrutural
A primeira notificação que se pode fazer do que conhecemos com o termo estrutura
é a de constituir uma totalidade. Não pode haver estrutura onde não se
pressuponha um todo estruturado. Porém, o termo todo ou totalidade pode ser
aplicado propriamente a realidades que não se considerem estruturadas. Podemos
falar da totalidade da areia contida em uma praia ou da totalidade de uma pedra,
sem pressupor por isso que a totalidade da areia ou da pedra estejam constituídas
estruturalmente.
Em Teeteto já se põe manifestada esta circunstância: “O todo e o total ou soma são
coisas diferentes”. Neste caso, o todo que se refere o Teeteto, segundo se faz
patente pelo desenvolvimento do diálogo, é o todo estruturado, e o total ou soma
equivale ao todo não estruturado, meramente aditivo. Este todo somativo, o qual
constitui um agregado, é o que trata de consignar Wertheimer com estas palavras:
“Alheio ao sentido é, segundo a psicologia da forma, tudo o que não é forma, senão
que unicamente pode ser pensado unido por um e”. Husserl, no Tomo III de suas
Investigações Lógicas, ao estudar os todos e as partes, diz: “não a todos os todos
pertence necessariamente uma forma própria”. E Katz enuncia com toda clareza
esta determinação de que o fator da totalidade não é um atributo exclusivo da
estrutura: “Todas as formas são totalidades; mas nem todas as totalidades são
formas, se se submetem a uma crítica sistemática”.
IV. A Particidade, como integrante estrutural
Posto que não basta à existência de um todo para constituir uma estrutura, deve
haver algum outro elemento ou atributo caracterizando-o e dando lugar à estrutura.
Podemos supor que tal atributo consista na particidade, no fato de que sejam
determináveis partes na totalidade. “Por todo entendemos um conjunto de
conteúdos que estão envoltos em uma fundamentação e sem o auxílio de outros
conteúdos. Os conteúdos de semelhante conjunto se chamam partes” (Husserl).
Mas o conceito de parte, tomado em sentido amplo, abarca os elementos somativos
integrantes de agregado qualquer. Assim, se de um montículo de areia
sustentaremos uma porção, podemos dizer que temos tomado parte da areia total
contida no montículo. Em geral, quando de uma quantidade total segregamos uma
quantidade menor, podemos dizer que segregamos uma parte da quantidade total,
sem pressupor condição estrutural na dita totalidade.
Em princípio, qualquer realidade determinável quantitativamente pode ser dividida
em quantidades menores, em porções, pelo qual em toda realidade são possíveis
neste sentido todo e partes. “Em tudo o que resulta dos números, entendemos o
mesmo pelo total que por todas suas partes” (Teeteto). Mas, nessas totalidades
quantitativas, a segregação de quantidades menores pode fazer-se sem menoscabo
da condição de totalidade, ainda que se possa sempre distinguir-se entre o todo que
consta de mil unidades e o que consta de cem; e neste sentido, inclusive a mesma
porção segregada pode ser considerada também como todo com respeito às
unidades contidas nela, as quais se consideram como partes, quantitativamente,
desse novo todo. Em um todo estruturado, não obstante, as partes não podem ser
segregadas do todo sem que o todo altere sua condição, porque estas partes
guardam com a totalidade uma relação tal que sua eliminação deixa incompleto o
todo. Em um todo estruturado, a parte depende do todo e o todo da parte. “Na
relação do agregado de uma forma, se determinam o todo e suas partes
reciprocamente: as partes se encontram unidas de forma totalmente dependente
umas das outras; imprimem ao todo sua estrutura” (Matthaei). “No ovo em
desenvolvimento, cada parte é um efeito do conjunto; de igual maneira que o
conjunto é um efeito das partes” (Rabaud). Dürken, seguindo Smuts, chama de
holística a atividade total, e merística a particular; contrapõe a biologia do todo à
biologia das partes, e sustenta que o critério merístico foi definitivamente superado
pelo critério holístico (no sentido do todo estrutural).
Em um organismo vivente, não podemos segregar impunemente um órgão de vital
importância sem que o organismo sucumba, sem que se deixe de ser o todo, a
estrutura orgânica que antes era. Porém, em um todo quantitativo tal como uma
quantidade determinada de areia, podemos segregar qualquer quantidade, sem que
por isso deixemos de atribuir à quantidade restante, e também à segregada, a
condição de totalidade de uma quantidade de areia. É claro que nenhum todo é
meramente quantitativo, sem determinação qualitativa de algum gênero. Em um
agregado quantitativo de areia, se trata qualitativamente de um agregado de areia,
não de um agregado de pedra ou ferro. Inclusive em uma magnitude matemática
pura, se trata de uma magnitude pura, ideal, categorizada ontologicamente, ou seja,
qualificada em algum sentido. Todavia, em um todo que determinamos como não
meramente qualitativo, a qualidade não reside exclusivamente no todo, à maneira
como podemos chamar totalidade de areia o mesmo que um agregado de mil, que
de cem unidades -sem que se perca a qualidade de agregado porque sejam
segregadas partes-; senão que também reside nas partes, as quais possuem algo
que não possui o todo, e daí que se alguma delas é suprimida, o todo perde algum
atributo que somente possuía quando estava dotado dessa parte.
Em um todo estruturado distinguimos, pois, além da qualidade inerente a qualquer
todo, que serve para o designar como totalidade de areia ou ferro ou como todo
vital, uma qualidade inerente a cada uma das partes, algo que permite distinguir
funcionalmente uma da outra, e do todo, distinguir a qualidade. Em um vertebrado
distinguimos a parte que intervém na respiração da parte de intervém na circulação,
mesmo admitindo que ambas estão dotadas do atributo vital que é comum à
totalidade do organismo. A diferença entre todo e partes em um agregado é, pois,
uma diferença meramente quantitativa; a diferença entre todo e partes em uma
estrutura é, ademais, uma diferença qualitativa, porque a parte, ainda que possua
qualidades inerentes à totalidade, possui também atributos que lhe são próprios. “A
parte é a parte do total, antes de ser a parte do todo” (Teeteto). A estrutura não é
meramente um conjunto de partes, pois neste caso seria o mesmo que um
agregado qualquer. “O todo não é composto de partes, porque se o fosse, o
conjunto das partes seria um total” (Teeteto).
V. A Unidade, como integrante estrutural
Se em lato sensu, pode haver todo e partes sem que ainda haja estrutura
propriamente, devemos supor a presença de algum outro ingrediente capaz de dotar
da significação estrutural a uma totalidade suscetível de ser dividida em partes. Será
este ingrediente a unidade, a conexão entre todo e partes?
Por que em um todo meramente quantitativo podem ser segregadas partes,
porções, sem que se altere a qualidade do todo, sem que uma quantidade total de
areia deixe de seguir sendo uma totalidade de areia –ainda que essa quantidade
não seja a mesma- e por que em um todo estruturado não pode dar-se tal
segregação?
Porque, como temos visto, no agregado não se dá mais que uma qualidade, a do
todo, pelo que se pode fizer que a qualidade é mais homogênea em todas as partes
do agregado. No entanto, em uma totalidade estruturada, essa totalidade fica
destruída ao ser segregada alguma parte essencial, porque em dita parte reside
uma qualidade distinta à do todo, uma qualidade heterogênea com respeito à
qualidade do todo e que torna possível que dito todo estruturado se mantenha como
tal. No primeiro caso, a relação que liga uma parte com seu agregado total é uma
relação entre qualidades homogêneas; no segundo, a relação é entre qualidades
heterogêneas.
Mas nem sempre que se dá uma qualidade de todo e qualidades diferenciais de
parte e um momento de unidade entre um e outra pode dizer-se que a unidade é de
tipo estrutural. Quando em um conjunto de cristais de diversas cores estabelecemos
a unidade entre os diferentes cristais sobre a base de que todos possuem uma
qualidade comum: a de serem* cristais, essa unidade do diverso por via de suas
semelhanças não constitui uma unidade estrutural, senão um tipo especial de
conjunto dotado simultaneamente de conteúdos semelhantes em algum aspecto e
dessemelhantes em outro, dentro do qual tipo cai o conjunto do exemplo anterior*,
onde as qualidades individuais se unificam com a qualidade da espécie a que
pertencem. Esta classe de unidade do diverso através de suas semelhanças é de
índole lógica. Porém, a unidade da estrutura entre o todo e suas partes não é de
índole lógica, fundamentada nas semelhanças, mas de índole funcional. A unidade
da estrutura é, pois, uma unidade funcional. Isto é certo para toda classe de
estrutura, mas é particularmente ostensível nas estruturas biológicas, onde o
funcional é maximamente explícito. Assim, disse von Uexkull: “A unidade que resulta
desta maneira” (“uma determinada disposição das diferentes pastes de um objeto
que fazem dele uma unidade”) “é sempre funcional, pois o que se enlaça em uma
unidade não é a forma, mas a função das diferentes partes”. As partes passam a
coordenar-se, a articular-se, a constituir unidade, enquanto há função. “Assim que
intervém a função, se acaba a independência do órgão originado nos territórios
germinais. Certo que sigam crescendo os órgãos até que alcancem sua magnitude
normal, porém são completamente dependentes uns dos outros em seu
crescimento” (Von Uexkull). A unidade funcional nas estruturas animais mais nas
estruturas animais mais diferenciais reside nos órgãos endócrinos e no sistema
nervoso. “Existem dois meios de relacionar as diferentes partes do organismo: o
laço nervoso e a influência humoral “. “Destes meios, o segundo em aparecer [29]
no pensamento filogenético foi o nervoso. E foi precisamente o que se estudou em
primeiro termo pelos fisiólogos devido ao evidente de seus efeitos”. A simples
condução pelos nervos motores e sensitivos é já um caso de correlação funcional:
se excita uma parte do organismo e o efeito se produz à distância. Isto se vê mais
claramente nos simples reflexos (...) e mais ainda nas complexas funções do
sistema nervoso central”. “O conhecimento da influência unificadora do sistema
nervoso, não somente à respeito dos fenômenos da vida em relação, mas também à
respeito da vida vegetativa e o trofismo, nos vai conduzindo pouco a pouco a
entrever os meios de realizar a unidade funcional... (Pi Suñer, A Unidade Funcional)
O juízo de Tschermak de que o sistema nervoso é capitão vigilante que em todo
momento dirige e sustenta a atividade animal, ao mesmo tempo que confirma a
afirmação de que a unidade funcional da estrutura animal mais diferenciada reside
no sistema nervoso, serve de orientador para determinar a unidade funcional na
estrutura da vida social. O Estado, ao nosso juízo. Pode também conceber-se como
o capitão vigilante que a todo momento dirige e sustenta a atividade social, como a
força coordenadora das diferentes funções sociais.
Se o termo unidade, que temos assinalado como terceiro integrante da estrutura, é
aplicável também à simples união entre as partes de um conjunto, homogêneo ou
diverso, temos que assumir que entre os todos e as partes existe sempre unidade,
conexão, fundamentação -que diria Husserl-, pois ao contrário não se poderia
atribuir tais partes ao tal todo.
Porém em um conjunto deve dar-se algum ingrediente adicional ao todo, às partes e
à unidade para que se possa dizer propriamente que constitui uma estrutura, dado
conta de que estes três ingredientes podem ser admitidos, em lato sensu, na
integração de um agregado homogêneo. Assim como têm distinto caráter as partes
e o todo em uma totalidade estrutural e em um mero agregado somativo, também
ocorre com o integrante de unidade no que diz respeito à estas duas classes de
conjuntos.
VI. O princípio configurante, como integrante fundamental da estrutura
Com um termo farto insuficiente: princípio configurante, designamos –por chama-lo
de alguma maneira- aquele que constitui o quase misterioso integrante que dá lugar
a que um conjunto no qual se possa determinar o todo, partes e unidade seja
efetivamente um conjunto estrutural. Se há algo de mistério, de enigma na estrutura,
esse algo parece residir fundamentalmente neste integrante que temos denominado
princípio configurante. É este integrante o aludido por Platão quando diz: “Talvez
seria preciso supor que a sílaba não consiste nos elementos, senão em um não sei
o quê, resultado deles, e que tem sua forma particular, que é diferente dos
elementos”. É este misterioso não sei o quê o que dá o caráter principal ao núcleo
de problemas que apresenta a estrutura ao investigador e acaso o que fez dizer
Francisco Romero: “A noção da estrutura, clara por alguns cantos, participa ainda
por outros dessa desesperante ambiguidade, dessa imprecisão de contorno, dessa
obscuridade espessa”. “Não há noção mais prenha de porvir, mais repleta de
possibilidades, de dificuldades, de problemas, A cada passo se nos apresenta
agora, e sempre se nos mostra enigmática, quase impalpável/inacessível”.
Este princípio configurante encarna, por sua própria essência, um determinante
concreto de ordenação ou organização que está presente em cada estrutura e que é
o que lhe subministra sentido a ela mesma e a faz tal. Disse Katz: “Segundo a
psicologia da forma, sentido quer dizer ordem interna da forma”; e comenta que “a
organização é diametralmente oposta à distribuição ocasional”. E Koffka: “O
processo que conduz à forma é organização”. Devemos, pois, pressupor em toda
estrutura um princípio configurante cujo resultado concreto, como processo e como
produto, é a organização da estrutura mesma. Se o todo se faz estruturado, se a
parte resulta diferenciada, se a unidade se produz como função articuladora entre
qualidades heterogêneas, é porque o fator organizador lhes tem dado o caráter de
tais. O essencial da estrutura, o que ela possui que não tem nenhuma outra classe
de totalidade, é este princípio organizador. Quando em um conjunto se dá este
princípio, a unidade, as partes e todo mostram-se dotados de um peculiar caráter
que torna possível que se possa falar propriamente de estrutura. O qual quer dizer
que este ingrediente fundamental não determina a estrutura pelo fato de somar-se a
um todo com suas partes em unidade, mas dá lugar a um novo tipo de todo, de
parte e de unidade”.
Este último integrante se monstra como o mais sobressalente e o fundamental em
uma estrutura, pelo mesmo que dele depende a qualidade significativa, a finalidade,
o sentido peculiar dessa estrutura. É, pelo mesmo, o máximo condicionante da
estrutura. A unidade funcional se dá em toda a estrutura, mas a qualidade estrutura
do princípio configurante varia segundo a estrutura de que se trate. Uma paisagem
pode ser estruturada desde um ponto de vista lógico, estético, utilitário, segundo o
sentido que vá dotado o sujeito percipiente*, [30] que neste caso –pelo mesmo de
que se trata de uma estrutura perceptual- porta em seu espírito o princípio
organizador. “Para os famintos –diz Katz- o mesmo campo de percepção se ordena
de distinto modo para os fartos; a paisagem, de distinto modo para o soldado que
busca proteção que para o esteta; para o misantropo pode ser a solidão da
paisagem um paraíso, que torna melancólico o filantropo, em busca do próximo para
proteger-lhe". “Nenhuma forma é possível sem o que se faz a forma” -tem
expressado W. Stern-; e isto nos faz nascer a interessante questão de se a estrutura
pressuporá necessariamente a organicidade essencial da vida outorgando-a a um
conjunto de elementos determinados este ou aquele sentido desde o ponto de vista
da percepção ou da ação criadora. Mas este ponto some nosso tema em um
oceano de metafísica dentro do qual não quiséramos afogá-lo neste momento.
Quando contemplamos uma estrutura lógica ou estética, toda ela se nos mostra
lógica ou estética em cada um de seus momentos. Em cada momento da
construção de uma estrutura, desde seu início até o seu término, a qualidade que se
impõe à estrutura é aquela que é inerente ao princípio configurador. Este princípio
se nos mostra como algo, se não equivale ao que stricto sensu pode designar-se
como uma força dotada de um sentido ou direção determinada, ao menos
semelhante a ela. Daí* que desde o primeiro momento, qualquer construção
estrutural possa ser caracterizada teoricamente com o resultado de uma pugna
dialética entre uma original dinâmica configurante e um material passivo, inerte,
resistente, que lastra a configuração. [A]
Para von Uexkull, o “plano funcional ou plano de estrutura” do organismo é “o plano
segundo o qual as diversas funções das partes concorrem à função do conjunto do
todo”; o plano não é nenhuma propriedade da matéria, senão o que governa de um
modo tão limitado o material de células existente como o plano da casa os
ladrilhos”. Se traçamos uma circunferência sobre uma folha de papel, supridos de
um compasso e um lápis, podemos dizer que ainda antes de traçar a circunferência,
esta vai até certo ponto pressuposto no fato de que nossa mãe esteja à disposição
de manipular o compasso em um sentido determinado, vencendo a resistência que
opõe a essa manipulação o compasso, o lápis e o papel. Desde o começo do
traçado, se porá de manifesto uma atividade projetada em um sentido determinado
e uma série de elementos resistentes a* ela mesma, de cuja pugna dialética brotará
a figura geométrica caracterizada como circunferência.
O primeiro que salta à vista no que chamamos princípio configurante é esse fator
dinâmico, essa espécie de atividade, que não é uma atividade ao acaso, senão
projetada em uma determinada direção ou sentido. Esta direção ou sentido pode
considerar-se como a qualidade própria dessa atividade, que dá origem à
organização interna do conjunto. “Forma, estrutura, organização, termos que tanto
pertencem à linguagem biológica como ao psíquico. Tal forma, em biologia como
em psicologia, virá de uma atividade formadora original, própria da maneira de ser
do indivíduo que vive”. “O modo de ação das hormozonas é comparável à suposta
influência material plasmática que se manifesta por uma ação de governo, de
direção, de equilíbrio dos mecanismos, dos que resultam as formas” (Pi Suñer). “A
ação de um gene provoca ao gene imediato uma intervenção mecânica, não
segundo a lei de causa e feito, mas conforme o plano, como um tom evoca ao outro
segundo a constrição da melodia”; “a natureza introduziu os chamados estímulos
formativos. São estes uns estímulos, em geral, de caráter químico, que produzidos
por determinadas células, atuam sobre as restantes, dando-lhes direção”. “A nova
biologia volta a acentuar principalmente que todo organismo é uma produção na
qual as diversas partes se encontram reunidas segundo um plano permanente, e
que não representa um informe e fermentante montão de elementos que somente
obedeça às leis físicas e químicas”. “Assim, pois, para a atual biologia cada espécie
nova está caracterizada por um novo plano, e os indivíduos de espécies diversas
são organismos cujas diversas partes estão constituídas e ordenadas segundo
planos diversos” (von Uexkull).
Estas referências concretas a estruturas de ordem biológica -como as que puderam
fazer-se as físicas, psíquicas e espirituais- não significam que se pretenda assimilar
toda classe de estrutura às que são de ordem existencial, devinientes*, temporais.
Somente se trazer aqui como exemplos relevantes do que significa o princípio
configurante da estrutura quando se apresenta nas estruturas biológicas. Outros
exemplos poderiam levar-se também ao terreno da cultura. Assim, disse Cassirer
em sua Antropologia filosófica: “a visão estrutural da cultura deve proceder a visão
meramente histórica. A mesma história se perderia em massa informe de feitos
dispersos se não possuísse um esquema estrutural geral cuja virtude é poder
classificar, ordenar e organizar estes feitos”*. E Dilthey: “A cultura é antes que nada,
um entremeado de nexos finais. Cada um deles, linguagem, direito, mito e
religiosidade, poesia e filosofia, possui uma legalidade interna que condiciona sua
estrutura e ela determina seu desenvolvimento”. Como muito acertadamente dissera
Aristóteles, [31] a tragédia e a comédia se escrevem com as mesmas letras, e têm
no entanto, sentidos muito diversos.
VII. Qualidade imanente e qualidade transcendente da estrutura
Temos assinalado o princípio configurante como o distintivo de toda estrutura com
respeito a qualquer outra totalidade estruturada. Em um agregado homogêneo,
como temos visto, falar de todo, partes e unidade significa falar de diferenciações
meramente quantitativas, pois somente existe uma qualidade, a do todo
homogêneo. Qualquer elemento desse todo pode considerar-se parte
homogeneamente unida à totalidade. Não há, pois, qualidade de parte nem
tampouco qualidade de princípio configurante. Porém, desde o momento em que se
supõe presente em uma totalidade um princípio configurante, a relação entre todo,
partes e unidade assume um caráter inteiramente distinto.
A nota primeira que caracteriza o elemento da totalidade que é indispensável em
toda estrutura é a homogeneidade. No todo, deve-se supor uma qualidade própria
que se distribui homogeneamente por todos seus elementos da totalidade. Se o
fator de totalidade se caracteriza pela homogeneidade de sua qualidade específica,
ele deve significar que as diferenças que se estabeleçam nos graus desta qualidade
dever ser diferenças de quantidade.
Outra nota do complexo qualitativo do todo pode caracterizar-se como passividade.
O todo é configurando pelo princípio organizador e opõe certa resistência a essa
organização. Enquanto essa resistência ou inércia pode interpretar-se como
respondendo à ação de uma força determinada, poderia em certo sentido admitir-se
como atividade, ainda que não seja própria do todo tal atribuição. Poderia dizer-se
paradoxalmente que a forma de atividade do todo era a passividade, à maneira
como explicamos a passividade inerte de um corpo físico em repouso como o
resultado da ação da força gravitacional. A qualidade própria do todo é aquela que o
define como tal, inclusive em uma estrutura, o que permite distinguir uma estrutura
física de uma biológica ou psíquica ou espiritual. A passividade do físico é distinta
da passividade do orgânico: a passividade do lógico é distinta da passividade do
estético, porquanto os mesmos elementos do conjunto dado têm que ser movidos
com um sentido distinto. Tal todo é o que pode chamar-se genericamente matéria -
física, orgânica, psíquica, espiritual. A qualidade de cada matéria, de cada
totalidade, faz valer sua lei qualitativa na configuração e por isso esta há de
verificar-se em harmonia com a qualidade específica de cada estrutura e como em
transação com ela, ainda que sempre fique subordinada ao princípio configurante.
O primeiro que diferencia o todo de um agregado homogêneo do todo de uma
estrutura, em outras palavras, do todo sobre que atua um princípio configurante, é
que neste último todo se altera a homogeneidade que é característica das outras
classes de todos. Desde o momento em que atua o princípio configurante sobre um
material dado -tragamos à mente, por via de ilustração, um material orgânico
embriológico-, começam a perfilar-se partes, diferenciações, e já não se pode falar
de um agregado homogêneo. Pode dizer-se, portanto, que p primeiro efeito da ação
de um princípio configurante sobre o material de uma totalidade homogênea
consiste em determinar a formação de partes, ou o que é o mesmo, a manifestação
de qualidades diferentes às do agregado, ainda que dentro da qualidade do
agregado (os diferentes órgãos dentro do território germinal seguem sendo matéria
orgânica ainda que se distingam entre si desde o ponto de vista de suas respectivas
qualidades diferenciais). A qualidade homogênea da totalidade tenderá a estar
presente, de uma ou outra maneira, em todos os momentos e lugares da estrutura;
mas pela ação do princípio configurante surgirão junto a ela qualidade que
implicarão heterogeneidade. As diferenças então não serão já meramente
qualitativas dentro do conjunto, senão também qualitativas. Dentro dessas
diferenças qualitativas, ocupa um lugar de primeira ordem a qualidade do princípio
configurante.
Toda estrutura consta, pois, de três qualidade essenciais: 1ª uma qualidade de
totalidade que pertence ao conjunto como tal, à maneira própria da estrutura
(psíquica, orgânica, espiritual), a qual pode considerar-se como homogênea no
sentido de que está presente em todas as partes da estrutura, dentro da qual
somente se diferencia qualitativamente (nos processos psíquicos diversos há mais
que matéria psíquica que em um só deles). Esta qualidade inerente ao todo pode
dizer-se que é uma qualidade imanente dentro da estrutura; 2ª uma qualidade de
particidade que permite diferenciar cada parte dentro de uma mesma estrutura e
que resulta heterogênea no que diz respeito à qualidade geral (distinguimos a
qualidade da respiração da que corresponde a da circulação; a do pensamento, a
da vontade, etc.) e às próprias qualidades cada uma das partes. Em cada parte se
dá, pois, uma qualidade singular que se pode considerar também como qualidade
imanente, própria da parte, dentro da estrutura, e uma qualidade específica
enquanto pertence a um todo determinado; 3ª uma qualidade do princípio
configurante, que dá finalidade ou sentido à estrutura [32] e a cuja realização plena
desta qualidade funcionam unitariamente todo e partes. Desta terceira qualidade
cabe dizer-se que é transcendente a cada um dos integrantes da estrutura,
enquanto todo, parte e unidade transcendem até dita qualidade, coincidindo
funcionalmente na mesma**** pelo qual podemos dizer que constitui transcendente
da própria estrutura*. [B]
Como se verifica a unidade funcional dessas três qualidades? Se tomamos como
exemplo o conjunto estrutural que constitui uma Orquestra, reconhecemos a
qualidade específica de ser um conjunto sinfônico -não vocal, nem coreográfico-, e a
as qualidades diferenciais dos diversos instrumentos, ademais da peculiaridade da
composição musical que se executa em cada caso e que constitui a qualidade do
princípio configurante. A intencionalidade do conjunto musical transcende até a
composição a executar: cada um dos instrumentos ajusta sua qualidade ao
conteúdo da composição, transcendendo também até a mesma composição; a
indispensável unidade de cada um dos instrumentos com respeito à qualidade
sinfônica do conjunto e com respeito à qualidade diferencial dos instrumentos têm
que verificar-se também transcendendo à qualidade distintiva que a própria
composição implica. O que chamamos o princípio configurante fica representado
aqui pelo maestro da orquestra conjuntamente com a composição que dirige, assim
como uma sociedade ficaria encarnada no Estado conjuntamente com o complexo
de valores que ele patrocina [C]. A unidade funcional da orquestra, na sociedade ou
em qualquer outra classe de estrutura, ainda que dimana do princípio configurante,
não se identifica com ele mesmo em nenhum de seus componentes. A unidade
parece, pois, constituir uma função relacionante que figura como centro de três
qualidade diferentes: da totalidade, da particularidade e do princípio configurante.
Quando concebemos uma totalidade heterogênea qualquer em unidade, o
diferencial tem que ser desdenhado para que se possa verificar essa unidade, existe
nesse caso uma subordinação completa das partes ao todo. Porém, se surgisse
uma terceira qualidade em que as partes pudessem coincidir funcionalmente com o
todo, então ficaria reivindicada a qualidade da parte, pois não teria que ser anulada
ou desconhecida pela qualidade do todo com vistas à união. Neste caso se trata
não já de salvar uma condição comum que têm as diferentes partes, com o fim de
garantir a unidade –tendo que renunciar já uma cara essência específica ou singular
para salvar a essência genérica comum-, senão de salvar também a essência
específica ou singular buscando um ponde de coincidência compatível com a
diferenciação e com a qualidade genérica. É claro que a qualidade singular ou
específica pode salvar-se prescindindo da qualidade genérica, anarquicamente; mas
nesse caso desaparece a unidade do singular e o específico com o genérico ao
desaparecer a qualidade do todo. A outra solução para alcançar a unidade em uma
totalidade heterogênea consiste, como temos visto, em subordinar as partes ao
todo, renunciando ao singular e ao específico, passando por alto sua própria
qualidade diferencial. Nenhuma das duas são soluções quando se reconhece que
são dadas qualidades do todo e de partes, genéricas e específicas, que devem ser
mantidas. Como as qualidades específicas não podem coincidir logicamente com as
genéricas, pelo mesmo que são diferentes, e não há maneira de salvar uma se não
é anulando a outra, a coincidência de ambas terá que buscá-la* em uma terceira
qualidade que salve as duas. Se essa qualidade pe dada, poderá contar-se com a
reivindicação de parte no todo e com que nenhuma das duas qualidades seja
anulada pela outra. A unidade poderá verificar-se assim subordinando
funcionalmente as qualidades do todo e de partes a essa terceira qualidade que
corresponde ao princípio configurante.
VIII. Diversas classes de estrutura
Pode-se enumerar diversas classes de estrutura: reais e ideais; estáticas e
dinâmicas; teoréticas, estéticas, éticas e religiosas; lógicas e axiológicas,
pragmatológicas e teológicas; temporais e intemporais.
Quando queremos representar uma estrutura, tendemos geralmente a representá-la
espacialmente, e pelo menos em um espaço de duas dimensões, em uma
superfície. O conceito de estrutura, no entanto, não significa necessariamente uma
forma espacial, pois tal conceito surgiu justamente da psicologia, onde é
reconhecido que o espacial carece de sentido.
Não se dá a estrutura em um espaço dimensional, em uma parábola, em uma linha
qualquer, com um princípio de organização que a ordene?********************
Podemos traçar uma linha quebrada em que se distingam dimensões proporcionais,
de modo que a segunda linha seja o dobro da primeira, e a terceira o dobro da
segunda. Não reconhecemos integração estrutural nesses três elementos lineares
situados em uma só dimensão? No exemplo exposto, não podemos eliminar a
segunda linha sem alterar a totalidade da linha em sua significação de dupla
proporção sucessiva. Em uma linha reta ou curva em que estejam marcados
diferentes ponto, podemos falar de toda a linha e de parte dessa totalidade e de
unidade entre todo e partes. A qualidade configurante seria a da propriedade
geométrica que caracteriza essa linha. [33]
Uma linha pode também ser dividida em quatro partes iguais, e não se pode
eliminar uma das partes sem eliminar o todo, do mesmo modo que um quadrado
dividido em quatro pequenos quadrados iguais perderia sua forma se lhe amputasse
um dos quadrados, os quais, ainda sendo iguais, se diferenciam por sua ordem de
colocação dentro do quadrado máximo. Assim em uma linha dividida em quatro
partes iguais, cada parte ocupa um lugar diferente na linha, pelo que se elimina-se
(?)* uma das partes da linha, já não se tratará de uma linha dotada de quatro partes,
pois a igualdade quantitativa não obsta a desigualdade de colocação, que permite
distinguir a primeira porção da segunda, e a terceira da quarta. No caso do
quadrado advertimos facilmente a configuração; mas se em uma linha qualquer
podemos distinguir todo, partes, unidade ou articulação e um princípio de
organização, há algo de comum, desde o ponto de vista estrutural, entre essa linha
dividida em partes e qualquer classe de estrutura. É claro que quanto mais simples
seja a dimensão em que se apliquem as categorias estruturais e quanto menos
diferentes sejam as partes, menos ostensível será a condição estrutural do dito
todo.
O espacial é geralmente homogeneizado matematicamente, mas em rigor, o
determinado espacialmente é heterogêneo, pois cada ponto do espaço supõe um
ponto diferente de colocação dentro da totalidade do espaço. Pode supor-se um
alinha completamente irregular projetada no espaço. Neste caso, podemos flar de
toda a linha e de partes da linha determinadas espacialmente: mas sempre haverá,
para fazer dessa linha uma estrutura, que supõe um princípio configurante em
virtude do qual dividimos a linha irregular nestas partes e não em tais outras, pois já
sabemos que o que dota de forma a um todo é o princípio de ordenação, de onde
surge a ordem de colocação ou de sucessão.
IX. As leis da estrutura
Baseando-nos em tudo antes exposto, propomos algumas leis estruturais:
1ª Lei da indivisibilidade: O todo estrutural é um todo indivisível.
O mais característico da estrutura é sua indivisibilidade, o fato de que não podem
separar-se as partes do todo sem afetar este último. Esta característica, [D] que
diferencia essencialmente uma estrutura de qualquer outra totalidade, homogênea
ou heterogênea, depende de um fator específico, que é o princípio configurante.
2ª Lei de unitrindade [E]: Em toda estrutura se dão três fatores integrantes com suas
respectivas qualidades, os quais se coordenam em uma unidade funcional.
3ª Lei da dupla diferença: A diferença entre todo e partes em uma estrutura é uma
diferença quantitativa e qualitativa simultaneamente.
4ª Lei de implacabilidade: Cada um dos integrantes da estrutura contém a todos os
demais. *
Isto se adverte com mais claridade em uma estrutura germinal. “Nas células
primitivas –os organismos rudimentares e os elementos embrionários- encontra-se
capacidade funcional para tudo”. “É somente mais tarde que se produz a
polarização das atividades em um só ou em vários sentidos: diferenciação funcional,
com sua correspondente diferenciação da estrutura” (Pi Suñer). Nos momentos
iniciais de uma estrutura biológica, ainda que haja diferenciação relativa, também há
diferenciação, e está presente toda a estrutura e suas funções. Por sua vez, em
cada parte da estrutura, estão representadas as qualidades do todo e do princípio
configurante.
5ª Lei de condicionamento recíproco: Cada um dos fatores condicionantes da
estrutura condiciona os demais e é por sua vez condicionado por eles.
6ª Lei de hierarquia intraestrutural: Em toda estrutura, o todo, as partes e a unidade
ficam subordinados ao princípio configurante como condicionante supremo da
mesma estrutura.
A estrutura é tal estrutura na medida em que o princípio configurante se manifeste
com mais plenitude. Dentro de cada estrutura se pode estabelecer um critério
axiológico dimanante das relações ontológicas. Ao subordinar todas as funções à
finalidade e sentido da estrutura, se pode fazer surgir* um conceito de dever ser
originado no ser ideal da estrutura. (?????????????????????)
7ª Lei de integração sucessiva: Quando uma estrutura qualquer passa a integrar um
todo estrutural de maior amplitude, dita estrutura fica integrada nessa nova
totalidade em condição de parte, sua qualidade transcendente passa a constituir a
qualidade imanente que como nova parte a corresponde dentro da nova estrutura e
a qualidade transcendente dessa nova estrutura passa a ser sua própria qualidade
transcendente [34].
A família dentro da nação; a nação dentro da sociedade humana universal
organizada politicamente, constituem bons exemplos desta lei [F]. A finalidade da
estrutura maior passa a ser também finalidade da estrutura menor, sem que por isso
na estrutura menor * desapareça sua finalidade imanente ou intrínseca. Em uma
integração crescente de estruturas cada vez mais amplas, se pode considerar meio
–ainda que também possua um fim para si- a que se subordina á finalidade
transcendente da estrutura mais ampla. Seguindo as leis ideais da estrutura, se
pode chegar a conceber uma estrutura definitiva e uma finalidade “ultérrima”, a qual
fique subordinada toda outra finalidade em qualquer tipo de realidade dotada de
condição estrutural.

Notas adicionadas à nova versão:


[A] (mudado de lugar) Se traçamos uma circunferência sobre uma folha de papel,
supridos de um compasso e um lápis, podemos dizer que ainda antes de traçar a
circunferência, esta vai até certo ponto pressuposto no fato de que nossa mãe
esteja à disposição de manipular o compasso em um sentido determinado,
vencendo a resistência que opõe a essa manipulação o compasso, o lápis e o
papel. Desde o começo do traçado, se porá de manifesto uma atividade projetada
em um sentido determinado e uma série de elementos resistentes a* ela mesma, de
cuja pugna dialética brotará a figura geométrica caracterizada como circunferência.
[B] (adicionado) Francisco Romero, em seu Programa de uma Filosofia, expôs com
toda claridade este poder de transcender-se que mostra os elementos da estrutura:
“a estrutura agrega algo que não estava presente nas partes, mas que tem seu
fundamento ou raiz nas partes. Mas se não estava patente devia estar latente, já
que somente aparece mediante a conjunção das partes: estava, pois, nelas como
potência, capacidade ou possibilidade, como um dom existente de antemão nas
partes de contribuir para a aparição dessa novidade que brota na estrutura. Tal
potência ou possibilidade admitida nas partes não funciona senão na estrutura; isto
é, as partes transcendem em certo modo ao compor estrutura. O reconhecimento
das estruturas arrasta consigo a aceitação deste poder de transcender-se nos
elementos que as constituem.”
[C] (frase substituída pela seguinte) O que chamamos de qualidade configurante fica
representada aqui pela composição musical que executa o maestro da orquestra
conjuntamente com os músicos acompanhantes, assim como em uma sociedade
ficaria encarnada dita qualidade no complexo de valores que o Estado patrocina.
[D] (substituído por) Tal característica
[E] (substituído por) 2* Lei de unidade funcional
[F] (início do parágrafo substituído por) A amplitude de uma estrutura não se basei
em sua extensão espacial ou temporal, mas nas zoas que podem ser governadas
pelo seu princípio configurante. Assim, a estrutura orgânica pode ser maior que a
física, e a espiritual, maior que todas as demais.
Portanto –a n

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