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Da ciência empı́rica à especulação sobre o universo Whitehead não teve nenhum tipo

de educação formal em filosofia além de seus estudos pessoais durante a graduação.[7] A


despeito de ter demonstrado grande interesse pela metafı́sica, considerava-se, na época,
um amador. Em uma carta a seu amigo e ex-aluno Bertrand Russell, depois de discuti-
rem se a ciência deveria ser meramente descritiva ou explicativa, Whitehead sentenciou:
”Essa pergunta nos leva para o oceano da metafı́sica, onde minha profunda ignorância
dessa ciência me proı́be de entrar.”.[29] Mais tarde, Whitehead tornou-se um dos maiores
metafı́sicos do século XX.[30]
Como filósofo, ele interessou-se pela metafı́sica num momento em que ela era conside-
rada fora de moda, uma vez que as conquistas cada vez mais impressionantes da ciência
empı́rica classificavam sistemas metafı́sicos como inúteis pela impossibilidade de testes
empı́ricos.[31] Numa nota de um dos alunos de Whitehead, feita em 1927, encontra-se
a seguinte citação: ”Todo cientista, a fim de preservar sua reputação, deveria dizer que
odeia metafı́sica.”.[32] De acordo com Whitehead, cientistas estão constantemente pres-
supondo sistemas metafı́sicos sobre como o universo funciona, mas estes pressupostos não
são facilmente visı́veis, pois eles não são explicitamente formulados e, portanto, não são
examinados ou contestados. Ele argumenta que os pesquisadores devem constantemente
restabelecer os seus pressupostos básicos sobre como funciona o Universo para a filoso-
fia e a ciência poderem fazer progressos reais. Por esta razão, ele considera os estudos
metafı́sicos como essenciais para a ciência e para uma filosofia correta.[33]
Retomando antigas ideias metafı́sicas Whitehead considerou o dualismo cartesiano
o responsável por todas as premissas metafı́sicas modernas. A ideia desenvolvida por
Descartes — de que a realidade é construı́da a partir de um dualismo entre mente-corpo
ou matéria-substância sem demonstrar uma capacidade de sı́ntese — influenciou todos os
metafı́sicos modernos, tais como Hegel, Kant e Espinoza.[34]
Whitehead descartou essa hipótese e desenvolveu a premissa de um processo on-
tológico, onde os eventos são relacionados e dependentes entre si. Ele também argumenta
que os elementos mais fundamentais da realidade são as experiências. Assim, o termo
”experiência”é usado de uma forma muito ampla na sua obra. Por exemplo, para ele,
processos inanimados — tais como colisões de elétrons — compõem uma experiência. Ele
enxerga a metafı́sica como uma ”filosofia da organização”, mais conhecida como filosofia
do processo.[35]
De acordo com o filósofo Xavier Verley, Whitehead desenvolveu e concluiu ideias fi-
losóficas como as de Spinoza (causa sui) ou Leibniz (teoria sobre as mônadas). Para ele,
Deus age no mundo de uma forma imanente, uma vez que é a causa eficiente das entida-
des as quais atualiza, mas age também de uma maneira transcendente, pois se manifesta
por meio da finalidade. A originalidade do pensamento de Whitehead está em sua forma
holı́stica, pois ela engloba várias ciências, como a matemática (ideia algébrica de vetor e
multiplicidade), a fı́sica, a ética e a teologia rompendo a ideia de uma filosofia dividida em
especialidades, tais como lógica, epistemologia, filosofia moral, filosofia polı́tica, etc..[34]
Seu pensamento metafı́sico retoma, em muitos aspectos, a filosofia do século XVII com
elementos platonistas, aristotélicos e estoicos aos quais ele se inspira para unir a lógica à
fı́sica e à ética.[34]
A Metafı́sica de Processo e Realidade
Whitehead se opôs às ideias de Kant em alguns aspectos. Em Processo e Realidade,
publicado originalmente em 1929, ao contrário de Russell e do cı́rculo de Viena, Whitehead
usa o termo metafı́sica de maneira positiva. Ele a emprega de maneira substantiva numa
época em que o termo era utilizado como um adjetivo. Quando Whitehead desenvolve

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suas ideias filosóficas ele não utiliza em um primeiro momento a palavra ”metafı́sica”mas
sim ”filosofia especulativa”. Essa filosofia especulativa seria a organização de um sistema
lógico, coerente e necessário de ideias em termos onde cada elemento de nossa experiência
pode ser interpretado. Ele define interpretação como tudo aquilo de que estamos cons-
cientes, como, o que gostamos, percebemos, desejamos ou pensamos. Para Whitehead, é
especulativo usar a razão para se desenvolver ”um esquema que abarque completamente
o universo”. Sua filosofia especulativa tem vários aspectos únicos como o de se apresentar
na forma dinâmica, ou seja, num constante processo.[36]
Whitehead foi um crı́tico da noção de que se podia chegar à certeza por meio da
dedução. Desse ponto de vista, ele acreditava que a filosofia não deve imitar a matemática.
Para ele, portanto, a tarefa da metafı́sica deveria ser inferior a de ”construir um sistema
dedutivo do pensamento da premissa clara”, como postulou Spinoza. Se na metafı́sica
tradicional esse sistema é dado com antecedência, na filosofia do processo ela passa a ser
um ”desenvolvimento potencial que se atualiza”. O objetivo de sua metafı́sica é o avanço
do conjunto por meio da disjunção.[36]
Enquanto a filosofia de Kant procura examinar ”a possibilidade de um conhecimento”,
a de Whitehead define a ”inteligência de uma experiência particular que deve se lapidar
e ficar cada vez mais clara gradativamente”. Além disso, enquanto para Kant o tempo é
visto como ”uma forma pura de sentido interior”utilizando-se da fı́sica de Isaac Newton,
Whitehead se baseia na relatividade restrita de Einstein, bem como na mecânica quântica
que utiliza fragmentos concretos da realidade como objetos de estudo.[36]
Em relação à história da filosofia, ele é radicalmente contrário a Heidegger, pois a
define como ”o avanço criativo do pensamento civilizado”ao passo que para Heidegger,
ela foi interpretada como ”o declı́nio da verdade e do esquecimento de ser”.[36]
A concepção de realidade de Whitehead Whitehead acredita que a noção de que o
materialismo é uma forma enganosa de descrever a natureza dos fatos. Em seu livro
Ciência e o Mundo Moderno (1925), ele escreveu:
John Locke foi uma das principais influências de Whitehead. No prefácio de Processo
e Realidade, Whitehead escreveu que ”O autor que antecipou as principais posições da
filosofia do processo foi Locke em seu Ensaio acerca do Entendimento Humano. Essa
posição persiste, no entanto, ao longo de todo o perı́odo da cosmologia cientı́fica esta-
belecida, a qual pressupõe que a realidade última de uma matéria bruta irredutı́vel, ou
material, estende-se por todo o espaço em um fluxo de configurações. Em si, uma tal
matéria é absurda, sem valor, sem sentido. Apenas faz o que faz fazer, seguindo uma
rotina fixa imposta pelas relações externas que não emergem da natureza de seu ser. É
essa pretensão que chamo de ”materialismo cientı́fico”. Também é uma pretensão que
objetarei como sendo inteiramente imprópria para a situação cientı́fica a que agora chega-
mos.[37] De acordo com Whitehead, conceitos como ”qualidade”, ”matéria”e ”forma”são
problemáticos. Na verdade, eles não levam em conta adequadamente a mudança e esque-
cem a natureza ativa e experimental dos elementos básicos do mundo. Eles são abstrações
úteis de estudos, mas não os blocos de construção essenciais do universo. Ele rejeita a
posição de que um objeto possa ter uma identidade imutável que descreve precisamente
o que ele realmente é. Ainda que as pessoas sejam vistas como basicamente as mesmas
ao longo do tempo, as mudanças são apenas qualitativas e secundárias para a identidade
básica (por exemplo, ”o sujeito fica com o cabelo grisalho, mas permanece sendo a mesma
pessoa”). É possı́vel dizer que ele retoma, em partes, a ideia de Heráclito de que ”É
impossı́vel pisar no mesmo rio duas vezes.”[38]
Uma nota que soa imutável é explicada como o resultado da vibração do ar; uma cor

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imutável é explicada como uma vibração no éter. Se explicarmos a imutável duração da
matéria com o mesmo princı́pio, conceberı́amos seus elementos ondulações vibratórias de
uma energia ou atividade fundamental. Whitehead levanta a ideia de que, se supuséssemos
a ideia fı́sica da energia cada elemento primordial seria um sistema organizado de corrente
vibratória de energia. Com isso haveria um perı́odo definido associado a cada elemento.
E dentro desse perı́odo o sistema de corrente vibraria de um máximo estacionário a outro
máximo estacionário - ou, tomando uma metáfora do movimento da maré, o sistema
vibraria de uma maré alta a outra maré alta.[37]
O sistema — completa Whitehead — formando um elemento único, não é nada em
cada um dos instantes. Demanda o seu perı́odo integral para se manifestar. De modo
análogo, uma nota de música não é nada em um instante, pois também demanda o seu
perı́odo integral para se manifestar.[37]
O segundo problema com o materialismo, de acordo com Whitehead, é que ele obs-
curece a importância dos ”relacionamentos”, analisando todos os objetos separados dos
outros objetos. Cada objeto é simplesmente um buquê material inerte que é única ”ex-
ternamente”ligada a outras coisas. A ideia do materialismo levou as pessoas a pensar
em objetos como basicamente separados no tempo e no espaço, e não necessariamente
relacionadas a qualquer coisa.[37]
Para Whitehead as relações são matéria.[39] Essa afirmação pode ser constatada em
notas de seus alunos de aulas proferidas durante o outono de 1924; (A) é real para (B) e
(B) é real para (A), mas em suas realidades, eles não são independentes um do outro.[40]
A criatividade das entidades Whitehead descreveu qualquer entidade como nada mais
nada menos do que a soma das suas relações com outras entidades - a sua ”sı́ntese”e
”reação”ao mundo ao seu redor. Os relacionamentos não são secundários ao objeto, eles
são o que o objeto é.[39]
Deve-se enfatizar, no entanto, que a entidade não é apenas a soma de suas relações,
mas também o “feedback”. Para Whitehead, a criatividade é o princı́pio absoluto da
existência, e cada entidade (seja ela um ser humano, uma árvore ou elétrons) tem algum
grau de inovação na forma como responde a outras entidades, fugindo do determinismo
integral das leis mecânicas e causais. Para o filósofo, a maioria das entidades não têm
consciência. Assim como as ações de um ser humano não podem sempre ser prevista,
não podemos prever onde as raı́zes de uma árvore vão crescer, como um elétron se move
ou se vai chover amanhã. Além disso, a incapacidade de prever o movimento de um
elétron, por exemplo, não se deve a um erro ou a uma tecnologia inadequada; mas sim
à criatividade/liberdade fundamental de todas as entidades, como explicado por Charles
Hartshorne.[41]
O outro aspecto da criatividade/liberdade como princı́pio absoluto é que cada enti-
dade é limitada pela estrutura social de sua existência (ou seja, suas relações). Sendo
assim, cada entidade real deve estar em conformidade com as condições estabelecidas no
mundo ao seu redor. A liberdade existe dentro de algumas limitações, a individualidade
e singularidade de uma entidade de sua autodeterminação leva em conta o mundo e os
limites que lhe foram delimitados.[39]
Em resumo, Whitehead rejeitou a ideia de blocos separados e imutáveis em detrimento
à ideia de uma realidade onde os eventos estão interligados em um constante processo. Ele
concebeu a realidade como um conjunto de processos dinâmicos do ”tornar-se”ao invés
da estática ou do ”ser”, enfatizando dessa maneira que todas as coisas fı́sicas mudam e
evoluem, e que as ”essências”imutáveis como a matéria são apenas abstrações dos eventos
inter-relacionados que são, de fato, as coisas reais.[34]

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Teoria da Percepção
Henri Bergson
William James
John Dewey ”Eu também sou muito agradecido a Bergson, William James e John
Dewey. Uma das minhas preocupações era a de resgatar o pensamento classificado como
anti-intelectual, ao qual, com ou sem razão, eles foram associados.”Como a metafı́sica de
Whitehead descreve um universo em que todas as entidades vivenciam experiências, ele
precisava de uma nova maneira de descrever a percepção, a qual não se limita à vida de
seres autoconscientes. O termo que ele usa é o ”grip”, que vem do latim prehensio, que
significa ”aproveitar”.[42] Esse termo indica uma percepção que pode ser consciente ou
inconsciente, e se aplica tanto para as pessoas como para os elétrons.[42] Para Whitehead,
o termo ”grip”indica que a própria percepção incorpora aspectos da coisa percebida.[42]
Desta forma, as entidades consistem em percepções e relacionamento. Além disso, para
Whitehead, a percepção ocorre em dois modos: o da ”eficácia causal”e o da ”imediação
de apresentação”(ou ”aderência conceitual”).[33]
Whitehead descreveu a eficácia causal como a direção causal das relações entre as en-
tidades e a sensação de estar sendo influenciado e afetado pelo ambiente sem interferência
de um sentido. A imediação de apresentação, por outro lado, é o que é chamado de ”per-
cepção pura do sentido”,[39] sem a mediação de uma causalidade ou de uma interpretação
simbólica. Em outras palavras, o imediatismo de apresentação é a sua aparência pura,
que pode ser falsa (como, por exemplo, ”o objeto real”sendo visto por meio do reflexo de
um espelho). Em organismos superiores (como seres humanos), estes dois modos de per-
cepção se confluem naquilo que Whitehead chamou a ”referência simbólica”; algo que liga
a aparência de causalidade em um processo que é tão automático que pessoas e animais
dificilmente renunciam.[39]
Como ilustração Whitehead exemplificou a reação de uma pessoa diante de uma ca-
deira. Uma pessoa comum a observa, enxerga uma forma colorida e imediatamente deduz
que aquilo é uma cadeira. Já um artista, no entanto, não poderia sintetizar a noção de
uma cadeira pura e simplesmente; ele analisaria sua cor e sua harmonia estética.[39] Mas
essa atitude não é comum, pois pessoas categorizam objetos por hábito e instinto, sem
refletir sobre ele. Os animais fazem o mesmo. Usando ainda a cadeira como exemplo,
Whitehead aponta que um cão ”agiria como se ele tivesse posse da cadeira e saltaria
nela de acordo com sua perspectiva”. Whitehead também classifica a referência simbólica
como uma fusão da percepção sensorial pura e suas relações causais.[39]
Whitehead recusou a ideia da ”dissociação entre a nossa percepção da realidade e as
ideias que aprendemos”defendida por Bertrand Saint-Sernin. Ele recusou até mesmo uma
divisão entre ”abordagem poética e a abordagem cientı́fica do universo”. Ele resumiu
esse ponto de vista em O Conceito da Natureza: ”O fulgor avermelhado do poente deve
ser parte tão integrante da natureza quanto o são as moléculas e as ondas elétricas por
intermédio das quais os homens da ciência explicariam o fenômeno. Cabe à filosofia natural
analisar como esses diferentes elementos da natureza”.[34] A ciência não é construı́da como
uma abstração racional contrária da percepção habitual. Whitehead busca articular os
diferentes ”pedaços de realidade”, repetindo o método timeu de Platão.[43]
Valor e evolução De acordo com Whitehead, ”a vida é relativamente pobre em valor de
sobrevivência”. Se a vida humana é limitada a cem anos, enquanto uma pedra pode durar
oitocentos milhões de anos, a questão do porquê complexos organismos não conseguiram
remediar esta situação, surge. Ele observa que a caracterı́stica de formas de vida superiores
é a de participar ativamente na mudança de seu ambiente, uma atividade que ele enxerga

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diante de um triplo objetivo: viver, viver bem e viver melhor. Em outras palavras,
de acordo com o filósofo, a vida está voltada para o objetivo de aumentar sua própria
satisfação. Sem tal meta, a vida seria totalmente ininteligı́vel. Dois pontos podem ser
especificadas aqui: o de que o valor não é sobreposto aos fatos, mas é o coração deles.[44]
Teologia do processo Ver artigos principais: Teologia do processo e Teı́smo De acordo
com Donald Viney, a teologia do processo baseia-se na metafı́sica de Whitehead e de
Charles Hartshorne, o qual foi seu aluno por um semestre em Harvard. Ela se difere do
conceito de alguns neotomistas chamados de ”teı́stas abertos”. Se para estes, Deus limita
seu poder de se abrir para o mundo, para Whitehead, Deus é, em alguns aspectos eterno e
imutável, mas em outros, temporal e suscetı́vel de mudanças. Portanto, suas concepções
são muito distintas.[45]
A dupla natureza de Deus Para Whitehead, Deus não está necessariamente relacionado
à religião.[39] Não conceber Deus a partir da fé religiosa foi algo necessário em seu sistema
metafı́sico o qual justifica a existência de uma ordem. Todas as possibilidades existentes
de ordem estão contidas no que ele chama de ”natureza primordial de Deus”.
Para Leibniz Deus tem consciência imutável de tudo, ao passo que para Whitehead
Deus está em constante atualização de possibilidades. No entanto, a fim de abranger a ex-
periência religiosa, ele apresentou o que chamou de uma segunda natureza de Deus ou sua
”natureza substancial”, exibindo uma abordagem dupla para o conceito de Deus, como
uma entidade ”dipolar”.[46] Ele mudou, ao longo dos anos, profundamente seu pensa-
mento teológico. Isso o levou a refletir mais intensamente sobre o que via como a segunda
natureza de Deus, a ”natureza consequente”. A natureza primordial de Deus é por ele
descrita como ”a realização ilimitada conceitual de uma riqueza absoluta em termos de po-
tencialidade”, ou seja, as possibilidades ilimitadas do universo. Esta natureza primordial
é eterna e imutável, proporcionando várias formas de viabilidade ao universo.[47] Viney
observa a esse respeito que para Whitehead ”A natureza primordial de Deus é a de estar
sempre considerando todas as opções”ao passo que Leibniz afirma que pertence a Deus
“O conhecimento de todos os fatos possı́veis”.[39] Whitehead também chama esse aspecto
primordial de ”a atração pelo sentimento, o eterno impulso do desejo”.[48] A natureza
consequente de Deus, por outro lado, é tudo menos imutável – é a recepção de Deus à
atividade do mundo. Conforme Whitehead coloca, ”[Deus] salva o mundo conforme ele
[o mundo] passa pela imediação de Sua própria vida. É o julgamento de uma ternura que
não perde nada que possa ser salvo”.[49] Whitehead vê Deus e o mundo preenchendo um
ao outro.
”Deste modo, Deus é completado pelo indivı́duo em satisfações confluentes de fato
finito. As as ocasiões temporais são concluı́das por sua união eterna com os seus próprios
transformados, purificados em conformação com a ordem eterna que é a final absoluta
’sabedoria.’ O resumo final só pode ser expressado por meio de um grupo de antı́teses. Em
cada antı́tese há uma mudança de sentido, que converte a oposição em um contraste.”[33]
”É verdade que Deus é permanente e o mundo é fluente, assim como é verdade que o
mundo é permanente e Deus é fluente.”
”É verdade que Deus é um só e o mundo, muitos, assim como é verdade que mundo é
um só e Deus muitos.”
”É verdade que, em comparação com o mundo, Deus é real eminentemente, assim
como é verdade que, em comparação com Deus, o mundo é real eminentemente.”
”É verdade que o Mundo é imanente em Deus, assim como é verdade que Deus é
imanente no mundo.”
”É verdade que Deus transcende o mundo, assim como é verdade que se o mundo

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transcende Deus.”
”É verdade que Deus cria o mundo, assim como é verdade que o mundo cria Deus.”[33]
Os escritos de Whitehead sobre Deus inspiraram o movimento conhecido como teologia
do processo, uma escola teológica que continua em constante evolução.[50]
Deus, a criatividade e a religião
Whitehead se alinha a João de Patmos em relação à adoração. A cosmologia de Whi-
tehead tem como substância a criatividade, chamada como o princı́pio de inovação. De
acordo com Roland Faber, a ideia de Deus de Whitehead é muito diferente das noções mo-
noteı́stas tradicionais.[51] Em sua crı́tica mais famosa ao cristianismo ele acusa a Igreja de
dar a Deus os atributos que pertenciam exclusivamente a César.[33] Na formulação oficial
da religião, foi assumida a trivial forma da simples atribuição dos juı́zes, que apreciaram
uma falsa concepção sobre o Messias. Mas a profunda idolatria no poderio de Deus, con-
cebido à imagem dos dirigentes egı́pcios, persas e romanos, permanece. A Igreja dá a
Deus os atributos que pertencem exclusivamente a César.[33]
”César conquistou o mundo ocidental na época em que o cristianismo foi acolhido.
Os textos recebidos da teologia ocidental foram editados por seus juristas. O código e a
teologia de Justino são as duas obras que exprimem um mesmo movimento do espı́rito hu-
mano. Na formulação oficial da religião, foi assumida a trivial forma da simples atribuição
dos Juı́zes, que apreciaram uma falsa concepção sobre o Messias. Mas a profunda idola-
tria no poderio de Deus, concebido à imagem dos dirigentes egı́pcios, persas e romanos,
permanece. A Igreja dá a Deus os atributos que pertencem exclusivamente a César.”[33]
Para Whitehead, Deus não é invocado para introduzir uma ordem normativa diferente
do que existe no mundo. Deus é sim o nome dado a este elemento aqui e agora que
assegura a solidariedade do universo. Na teologia do processo é a criatividade de Deus
e dos homens que cria continuamente a ordem. Viney observa que a criatividade é ”o
caráter de cada fato concreto. Para ilustrar isso, Whitehead usa a declaração de Platão
em Sofista onde ele tenta compreender e apreender o ato. Para Whitehead, entidades
nunca são inteiramente determinada pela atividade do outro, pois elas sempre conservam
uma liberdade intrı́nseca.[45]
Em Religion in the Making (1926), Whitehead analisa a origem da religião e evidencia
sua análise sobre o culto, a revelação ou o dogma e a moral. Para ele, Deus é a razão de
ser do mundo e seu elemento de união.[52] Whitehead se alinha a visão do Apóstolo João
em relação a adoração a Deus. Para ambos, adorar Deus é assimilar sua razão como uma
relação de amor mútuo. Sendo assim, a visão está sempre presente e tem o poder de amar
que apresenta o único propósito cujo cumprimento é a eterna harmonia.[53]
Compreendido como “amor”, para ele Deus não é a força caracterı́stica de César. Deus
é um elemento unificador que acode o mundo do caos advindo da falta de harmonia. Nisso,
não há mal moral; o mal refere-se tão somente ao estado de fragmentação dos seres. O
caráter essencial da religião, deste modo, é a visão do que está além, a fim de unir-se a
ele.[33]
“A adoração a Deus não é uma norma de salvação, é uma aventura do espı́rito... A
morte da religião é acompanhada da repressão da sublime esperança de aventura.”[53]
Crı́tica à ciência moderna Whitehead lança a crı́tica à tendência de imobilizar o mundo
a fim de torná-lo observável como fato irredutı́vel, por concebê-lo como simples matéria
– decorrência da filosofia cartesiana – e dependente da vontade de um criador transcen-
dente.[54]
“A ciência moderna deve ter se originado da insistência medieval na racionalidade
de Deus [. . . ]. Minha explicação é que a fé na possibilidade da ciência, gerada antes

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do desenvolvimento da teoria cientı́fica moderna, foi uma consequência inconsciente da
teologia medieval”.[55]
Educação Whitehead mostrou durante toda sua vida um forte interesse em reformas
educacionais. Além de seus muitos trabalhos sobre o assunto, ele foi membro de uma
comissão nomeada pelo então primeiro-ministro britânico David Lloyd George que visava
estudar e reformar o sistema de educação no Reino Unido.[56]
O livro The Aims of Education and Other Essays (1929) inclui muitos ensaios e pa-
lestras de Whitehead publicados entre 1912 e 1927. Este livro foi escrito a partir de
um discurso feito em 1916, quando ele era presidente da filial londrina da Associação
Matemática. Durante o discurso ele criticou o ensino que chamou de ”ideias inertes”, ou
seja, desconectadas e sem aplicação prática ou cultural. Ele ressalta que o ensino de ideias
inertes não é apenas inútil, mas também prejudicial.[34]
Uma das principais caracterı́sticas de seus escritos sobre a educação é sua ênfase no
fomento da imaginação. Em seu livro Universidades e sua função (1929), Whitehead
abordou sobre o tema:
”A imaginação não deve ser separada dos fatos; ela deve ser uma maneira de iluminá-
los. Ela age estimulando os princı́pios gerais aplicáveis aos fatos da forma como eles
realmente existem. [...] Ela permite aos homens a formulação de uma visão intelectual de
um novo mundo.”[34]
Influência e legado Durante as décadas de 1970 e 1980 o pensamento de Whitehead
ficou restrito a um pequeno grupo de filósofos e teólogos, sobretudo americanos. Somente
a partir da década de 1980 foi que seu trabalho despertou maior atenção e passou a ser
estudado pela perspectiva de diversas áreas cientı́ficas.[5]
Recepção de seu pensamento
Whitehead foi orientador de Quine. Apesar da filosofia de Whitehead ter despertado
forte interesse por sua originalidade num contexto onde o empirismo lógico era dominante,
isso não significa que seu pensamento foi amplamente compreendido e aceito. De acordo
com Philip Rose, sua obra é considerada uma das mais difı́ceis de serem compreendidas
dentre todo o cânone ocidental.[5] O teólogo Shailer Mathews da Escola de Teologia de
Chicago comentou sobre a obra Religion in the Making (1926): ”É frustrante e embaraçoso
ler página após página constituı́das por palavras relativamente familiares e não entender
uma única frase”. Na verdade, o interesse da Escola de Teologia para o trabalho de
Whitehead se deve muito a uma conferência onde Henry Nelson Wieman explanou o
pensamento de Whitehead. A conferência causou forte impacto e Henry foi rapidamente
contratado pela universidade. Graças a ele, por pelo menos trinta anos, a Escola de
Teologia permaneceu intimamente associada ao pensamento de Whitehead.[57] Logo após
a publicação do livro Processo e Realidade, Wieman escreveu na revista The Journal of
Religion:
”Nesta geração, poucas pessoas irão ler o livro de Whitehead. Mas sua influência irá
irradiar através de cı́rculos concêntricos de uma forma cada vez mais ampla até que o
homem comum passe a pensar e trabalhar à luz desse livro sem saber de onde vem essa
influência.”[58]
Embora Processo e Realidade tenha sido descrito como ”sem dúvida o texto metafı́sica
o mais impressionante do século XX”por Peter Simons, ele realmente foi pouco lido e pouco
compreendido. Em parte, porque exige - como enfatizou Isabelle Stengers - ”que seus
leitores devam aceitar a aventura de perguntas que os separa do consenso”. Whitehead
põe em causa os pressupostos mais básicos da filosofia ocidental sobre como o universo
funciona, mas ao fazê-lo, ele antecipa uma série de problemas cientı́ficos e filosóficos do

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século XXI.[5]
Ciências Durante o século XXI, o trabalho de Whitehead passou a ser abordado por
diversas disciplinas, sobretudo com o livro Fı́sica e Whitehead (2004) escrito pelos fı́sicos
Timothy E. Eastman e Hank Keeton.[59] Além dele, Michael Epperson lançou Mecânica
Quântica e a Filosofia de Alfred North Whitehead (2003) e os biólogos Brian G. Henning,
Adam Scarfe e Dorion Sagan lançaram Beyond Mecanism (2013).[60]
Matemática e lógica Quando jovem, Whitehead conduziu sua pesquisa sobretudo nos
campos da lógica e da matemática, dando continuidade ao trabalho iniciado por Gottlob
Frege, George Boole, Giuseppe Peano e Hermann Grassmann. O Tratado de Álgebra
Universal é um dos os últimos trabalhos importantes de Whitehead nos campos da álgebra
e da lógica. Em Principia Mathematica, Russell e Whitehead utilizaram um sistema de
classificação que foram notadamente influenciados por Frege e Peano. Whitehead foi
um grande admirador de Charles Sanders Peirce e, assim como Pierce, ele enxergou no
desenvolvimento da lógica moderna novas ferramentas de desenvolvimento metafı́sicos da
álgebra. Por meio desse desenvolvimento, Whitehead viu a possibilidade de aprimorar os
estudos das ciências naturais.[61]
Ciências naturais
Latour é um proeminente sociólogo francês influenciado por Whitehead. Whitehead
foi particularmente influenciado pelo eletromagnetismo de Maxwell e pela teoria da re-
latividade de Einstein. Em O Princı́pio da Relatividade (1922), ele criou uma teoria
da gravitação. Sua abordagem é conhecida pelo termo ”teoria da gravitação”. Muitas
abordagens e descobertas importantes feitas pelas ciências naturais no século XX foram
antecipadas pela metafı́sica de Whitehead. Portanto, a natureza estatı́stica das leis da
natureza é um resultado direto da abstração das leis de identidades estruturais de eventos
reais. O debate atual sobre como alterar as leis da natureza ao longo do tempo pode ser
facilmente observado nas construções metafı́sicas whiteheadianas.[62]
Filosofia Através do seu trabalho com Bertrand Russell e seu papel na formação de
Willard van Orman Quine (seu orientado de doutorado),[63] Whitehead está associado a
duas grandes figuras da filosofia analı́tica - uma das principais correntes da filosofia em
paı́ses de lı́ngua inglesa, de acordo com John Searle. No continente europeu, sobretudo
na França, ele influenciou filósofos como Jean Wahl, Raymond Ruyer, Gilles Deleuze e
o sociólogo Bruno Latour. Raymond Ruyer, metafı́sico e filósofo da ciência, cita Whi-
tehead muitas vezes em uma de suas principais obras, A Nova Teologia (1952). Deleuze o
considerou ”o último grande filósofo anglo-americano, em contraste com os discı́pulos de
Wittgenstein que espalharam a obscuridade e o terror pela filosofia”.[64]

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