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A proporção áurea vem encantando pessoas ao longo de séculos. Dizem que ela pode ser encontrada na natureza, na arquitetura, em pinturas de
Leonardo da Vinci e até no corpo humano. Infelizmente, boa parte do mito que rodeia a divina proporção foi bastante exagerado.
Alguns estudiosos – como o matemático Keith Devlin, o físico Donald E. Simanek e o astrofísico Mario Livio – vêm tentando por muitos
anos desmistificar a proporção áurea. Por exemplo, Devlin nota que diversos exemplos populares – o Partenon, as pirâmides egípcias, a Mona Lisa
– na verdade não se encaixam na proporção áurea. O que há de real na divina proporção? Vamos conferir.
Um pouco de história
Antes de tudo: o que é a proporção áurea? Ela surge quando você divide uma linha em dois pedaços (A e B), de forma que a razão entre eles (A/B)
é igual à razão entre a linha inteira e o pedaço maior ((A+B)/A). Isto é aproximadamente igual a 1,618.
Stannered/Wikipedia
Ela é representada pela letra grega phi (φ), e foi descoberta pelo matemático Euclides há 2.300 anos, na Grécia Antiga – mas só ganhou o
nome “divina proporção” muitos séculos depois.
Na verdade, esse nome surgiu a partir de uma confusão: em 1509, Luca Pacioli escreveu o livroDe Divina Proportione, no qual ele analisava essa
proporção. Pacioli não acreditava que ela deveria ser aplicada à arte nem à arquitetura: em vez disso, ele defendia o sistema vitruviano de
proporções racionais.
Mas, em 1799, começaram a dizer que Pacioli havia criado uma teoria da estética baseada na proporção áurea. Para aumentar a confusão, o livro
foi ilustrado por seu amigo, Leonardo da Vinci. Daí a dizer que da Vinci usou a tal proporção em suas pinturas, como a Mona Lisa, foi um pulo.
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O número ganhou ainda mais popularidade por causa de Adolf Zeising, um psicólogo alemão que via a razão áurea em “todas as estruturas,
formas e proporções”. Ele dizia que a distância entre o umbigo e os pés sempre se encaixa na proporção áurea – ou seja, seria muito próximo a
1,6.
As teorias de Zeising se tornaram terrivelmente populares no século XIX, e repercutem até hoje – mesmo não estando certas. O matemático Keith
Devlin diz à Fast Company: “ao medir algo tão complexo como o corpo humano, é fácil chegar a exemplos de razões que chegam muito perto de
1,6”.
Claro, nem tudo sobre a proporção áurea é “uma lenda urbana, um mito”, como diz erroneamente aFast Company. Vamos separar o joio do trigo, e
ver onde a proporção áurea realmente se aplica – e onde usá-la é forçar a barra.
Uma delas é a espiral áurea, que cresce de acordo com a razão φ. É possível se aproximar dela dividindo-se os lados de um retângulo em
proporções áureas e ligando os pontos com um compasso.
A linha vermelha é a espiral áurea; a linha verde é a aproximação feita com quartos de cirncunferência; a linha amarela é a sobreposição entre as
duas. (Wikipedia)
Ela também está relacionada à importante sequência de Fibonacci: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233… Ela é formada pela soma dos dois
números anteriores: 1+1=2, 1+2=3, 2+3=5, e assim por diante. Ao dividir um número pelo outro, você se aproxima continuamente da proporção
áurea.
É possível encontrar exemplos da espiral áurea e da sequência de Fibonacci na natureza. Como explica a revista Nautilus:
Por exemplo, indícios da proporção áurea foram detectados no nível quântico, onde átomos magnéticos ligados entre si parecem vibrar em frequências
descritas por φ. Na escala macroscópica, a sequência de Fibonacci e a proporção áurea descrevem as disposições naturais de sementes e folhas em muitas
plantas. Se você examinar a embalagem de sementes na cabeça de um girassol, há uma série de espirais no sentido horário e anti-horário, que geralmente
aparecem em números de Fibonacci sucessivos.
O matemático Revlin explica que, no caso do girassol, “a natureza quer colocar o máximo de sementes possível, e a maneira de fazer isso é
adicionar novas sementes numa forma em espiral”. Vale notar que girassóis nem sempre obedecem à sequência de Fibonacci.
Revlin também nota que a razão áurea também está relacionada ao pentagrama (estrela de cinco pontas), a certas estruturas cristalinas e a
fractais.
A proporção áurea também era usada como um guia na obra de artistas como Salvador Dalí e de arquitetos como Le Corbusier.
A Última Ceia (1955), por Salvador Dalí, com linhas inseridas pelo programa PhiMatrix
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Institute of Science in Society via CNET
A questão aqui não é se você pode encontrar a proporção áurea em algum lugar. Se você olhar o bastante, você será capaz de encontrar qualquer número
(razoável) em quase qualquer lugar…
Faça a pergunta: existe uma boa explicação científica para mostrar por que a razão áurea aparece? Há provas definitivas de que, por exemplo, um
determinado artista fez uso deliberado da proporção áurea em seu trabalho? Se não, tudo que você tem é uma crença sem fundamento.
Obras históricas
Há quem diga que a fachada do Partenon, templo construído na Grécia Antiga para louvar a deusa Atena, foi feito com base na proporção áurea.
No entanto, ele foi construído em 447 a.C., mais de um século antes que Euclides descobrisse a razão áurea. Como o arquiteto Fídias usaria esse
número sem conhecê-lo?
Além disso, as medidas da fachada não se encaixam na proporção áurea. Isso só funciona quando você “força a barra” e inclui no retângulo parte
dos degraus:
Isso é totalmente arbitrário. Claro que, se você tentar encaixar uma espiral áurea apenas na fachada, ela não vai caber:
Também existe a crença de que Leonardo da Vinci usou a proporção áurea em suas obras. Por exemplo, dizem que o Homem Vitruviano se
encaixa na razão áurea, por ter a proporção perfeita entre altura e largura – mas as medidas não batem. Como explica o físico Donald E. Simanek:
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A relação umbigo/altura na
imagem é 0,604, um pouco menor
do que 1/φ = 0,618. Da Vinci
escreveu um texto que
acompanha a imagem, mas ele
não diz nada sobre essa relação,
nem sobre a distância do umbigo
até os pés. O texto não contém
nenhuma menção de φ. Não há
nenhuma sugestão na imagem de
que Leonardo estava fazendo
algo mais profundo do que
relacionar o homem a um círculo
e um quadrado.
O retângulo
áureo e a
linha do
umbigo.
Eles não se
encaixam.
A Mona
Lisa
também é
“vítima” das
linhas
áureas.
Basicamente, você pode inserir um retângulo áureo arbitrário na cara da Gioconda, e ele vai se encaixar… de alguma forma. Eis alguns exemplos:
Na primeira imagem, a espiral áurea começa, sem motivo, do espaço entre as mãos da Mona Lisa. Na segunda imagem, colocaram um retângulo
começando na testa da mulher, só para ele ficar alinhado com os olhos e o lábio superior. Vale tudo! Nesse espírito, eis minha contribuição:
Até mesmo Mario Livio, autor do livro que é referência na história do φ, jogou a toalha: “isso tem sido alvo de tanta especulação erudita e popular
que fica praticamente impossível chegar a quaisquer conclusões inequívocas”.
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Pencil Scoop/Photoshop Tutorials
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Padrão de beleza
Ei, mas a razão áurea não era uma “proporção da beleza universal”? Bem,um estudo de 2009 fez quatro experimentos para testar a existência de
um arranjo facial que fosse considerado bonito pela maioria das pessoas. Os cientistas descobriram que as proporções não se encaixam na razão
áurea:
Faces femininas foram julgadas mais atraentes quando a distância vertical entre os olhos e a boca era aproximadamente 36% do comprimento do rosto, e a
distância horizontal entre os olhos era de aproximadamente 46% da largura do rosto.
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Os retângulos não se encaixam muito bem nos cantos dos olhos, nem nos cantos da boca, e outros mal fazem sentido (o que o primeiro retângulo
azul está medindo, exatamente?). Só que isso é o bastante para fazer muitas pessoas acreditarem na conexão entre proporção áurea e beleza.
A razão áurea foi usada até mesmo para criar a “máscara Phi“, um modelo patenteado de beleza para rostos femininos criado pelo cirurgião
plástico Stephen Marquardt:
Essa ideia é refutada por um estudo de 2008, que diz: “as alegações de Marquardt sobre sua máscara não são consistentes com a literatura
existente sobre correlatos de beleza facial”. Na imagem abaixo, o rosto “recomendado” pela máscara Phi está à esquerda; ele é realmente mais
bonito que o rosto à direita?
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O designer russo Igor K-Chm fez uma brincadeira
sobre o assunto em “Cirurgia Plástica do Dr.
Fibonazi“:
Na natureza
Outro exemplo – desta vez menos polêmico – é a concha do náutilo, um molusco que vive no Oceano Pacífico. Ela tem formato de espiral, mas não
obedece nem de longe a proporção áurea:
Esse formato corresponde ao de uma espiral logarítmica, que permite à concha crescer sem mudar de forma. Para fazer isso, ela não precisa
obedecer a razão áurea.
Também é possível encontrar espirais logarítmicas em galáxias, só que elas geralmente não se encaixam na proporção áurea:
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Chris 73/Wikipedia modificada por Photoshop Tutorials
Pencil Scoop
Até na Apple?!
Tentaram até relacionar a espiral áurea com o logotipo da Apple (socorro). O designer brasileiro Thiago Barcelos elaborou a imagem abaixo, que
parece mostrar como a sequência de Fibonacci se encaixa na maçã:
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Só que essa não é a maçã real da Apple. O logotipo de verdade não se encaixa numa espiral áurea:
O Thiago
também
criou essa
imagem,
dando a
entender que
o iPhone 4
obedece a
proporção
áurea:
Mas David
Cole, diretor
de design
no Quora,
diz que um
iPhone com
proporções
áureas seria
mais ou
menos
assim:
Nós
poderíamos
listar
inúmeros
outros
exemplos:
moléculas de
DNA,
furacões,
padrões de
voo de
animais etc.
Sempre vão
tentar encaixar algo na proporção áurea – na maioria dos casos, será algo equivocado.
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Por que vemos a proporção áurea onde ela não existe
E por que as pessoas fazem isso? Há um motivo mais profundo, como explica a revista Nautilus:
Basicamente, quanto mais fácil for o entendimento de uma situação (por ser matematicamente simples, por termos visto muitas vezes antes, por ser
simétrico, etc.), mais provável é que pareça certo… E talvez, como a razão áurea tem se revelado interessante em certos aspectos, e é fácil de entender, as
pessoas saltam naturalmente à conclusão de que ela também deve ser usada em outros casos nos quais a proporção simplesmente não é encontrada.
É muito gratificante descrever a natureza através de simetrias, razões e medidas unificadas. Isso nos dá uma sensação de controle, e faz parecer
que o mundo à nossa volta pode ser melhor compreendido.
Infelizmente, isso nem sempre é verdade, mesmo que nossa mente esteja determinada a encontrar padrões onde eles não existem. No fim, é uma
diferença entre matemática e numerologia: algo que parece impressionante à primeira vista, mas que desmorona sob um olhar mais atento.
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