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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA BAIANO,

CAMPUS SENHOR DO BONFIM

ESPECIALIZAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SEMIÁRIDO


COM ÊNFASE EM RECURSOS HÍDRICOS

MURILO MELO CHRISTINO

O LUXO DO LIXO: O PROCESSO DE AUTORIA DE MODA CONCEITUAL A


PARTIR DE RESÍDUOS SÓLIDOS POR UMA ARTISTA DO SEMIÁRIDO
JAGUARARIENSE CONSIDERANDO AS INTER-RELAÇÕES DIALÓGICAS
ENTRE LIXO, MODA, ARTE E SUSTENTABILIDADE

Senhor do Bonfim, BA
2020
MURILO MELO CHRISTINO

O LUXO DO LIXO: O PROCESSO DE AUTORIA DE MODA CONCEITUAL A


PARTIR DE RESÍDUOS SÓLIDOS POR UMA ARTISTA DO SEMIÁRIDO
JAGUARARIENSE CONSIDERANDO AS INTER-RELAÇÕES DIALÓGICAS
ENTRE LIXO, MODA, ARTE E SUSTENTABILIDADE

Projeto de Pesquisa apresentado ao


Curso de Especialização em
Desenvolvimento Sustentável no
Semiárido com Ênfase em Recursos
Hídricos – DSSERH, oferecido pelo IF
Baiano, Campus Senhor do Bonfim, para
participação em sessão de
qualificação/debate no I Seminário de
Pesquisa e Pesquisadores do If baiano,
Campus Senhor do Bonfim.

Orientador(a): Prof. Dr. José Radamés


Benevides de Melo

Senhor do Bonfim, BA
2020
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ................................................................................ 5
1.2 HIPÓTESE ........................................................................................................... 5
1.3 JUSTIFICATIVA ................................................................................................... 5
2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 6
2.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................................. 6
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................ 6
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 6
4 METODOLOGIA ................................................................................................... 12
4.1 O SUJEITO E SEU CONTEXTO ........................................................................ 12
4.2 ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................... 12
4.3 CORPUS DA PESQUISA ................................................................................... 13
5 CRONOGRAMA ................................................................................................... 15
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 16
ANDAMENTO DA PESQUISA E ENCAMINHAMENTOS FUTUROS ..................... 17
4

1 INTRODUÇÃO

O Nordeste, o Semiárido, a Bahia, alojam os ricos detalhes dessa pesquisa. O


nosso objeto de estudo dialoga com o meio ambiente, com a cultura, com a arte,
com a moda, com a filosofia, enfim, estabelece relações dialógicas instigadoras. A
autora a qual decidimos estudar, não é apenas artista, professora e comerciante, ela
é mãe, mãe do autor desta pesquisa. E o caminho pelo qual o objeto de estudo
trilhou até que chegasse com clareza para este estudo, passa primeiramente por aí.
Por uma Jaguarari dos anos 1990, onde a professora Fátima Melo criava e
apresentava moda conceitual produzida a partir de lixo, ou “sucata” (como ela
costumava designar). Antes de tudo, vimos em sua força e determinação o olhar
diferenciado para a realidade como inspiração para a sustentabilidade, como fruto
da arte, como vertente da moda, como polêmica para o lixo.

A infância do autor deste projeto inclui não só as regulares atividades de uma


criança em fase de crescimento, como estudar e brincar. Mas a catar “lixo” nas ruas.
Foram marcantes as viagens ligeiramente interrompidas para resgatar guarda-
chuvas danificados (posteriormente, lindamente estampados) descartados ao longo
da estrada. Guardávamos os canudos depois de tomar refrigerante, assim como as
tampilhas, as embalagens de bala e salgadinhos. Aprendemos a tingir sacos de
roupas e passamos a enxergar o saco, o guarda-chuvas, o canudo, a tampilha e
todos os outros resíduos sólidos, como matérias-primas atravessadas de beleza e
significado. Sem dúvida, toda a empolgação e criatividade de Fátima Melo foram
determinantes para que esse objeto de estudo se estruturasse da maneira que se
estruturou.

O curso de pós Graduação em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido


com Ênfase em Recursos Hídricos, que parecia inicialmente, uma maneira
específica de estudar o Semiárido, considerando apenas seus recursos hídricos,
mostrou-se muito mais abrangente e diverso. No “Desenvolvimento Sustentável” a
que ele se refere, definitivamente caberia uma pesquisa sobre resíduos sólidos,
sobre moda, sobre arte, sobre lixo, sobre sustentabilidade. Foi quando essa
possibilidade se mostrou dentro do curso que o anseio por caracterizar os processos
que envolvem a produção de moda conceitual a partir de resíduos sólidos por
5

Fátima se aclarou ainda mais. O desenvolvimento sustentável teria a voz da moda


no Semiárido por uma artista jaguarariense. Caminhos tortuosos e longos nos
levaram longe. E para fechar todas as ideias e possibilidades nos apoiamos na
leitura bibliográfica, onde Bakhtin e o Círculo nos mostraram conexões e significados
transcendentes para tudo o que era criado por Fátima. Graças a essa bibliografia,
poder-se-á identificar as vozes sociais presentes nas obras, estabelecer relações
dialógicas entre a moda, o lixo, a arte e a sustentabilidade, caracterizar o processo
de autoria, usufruir do plurilinguismo dialogizado, dentre outros processos e
categorias específicas do pensamento bakhtiniano.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Como se dá o processo de autoria de moda conceitual por uma artista


jaguarariense considerando as inter-relações dialógicas entre lixo, moda, arte e
sustentabilidade?

1.2 HIPÓTESE

O processo de autoria de moda conceitual de Fátima encaixa-se nas


dimensões apresentadas por Melo (2017) a partir do estudo que empreende da obra
de Bakhtin, Medviédev, Volochínov: autoria como atividade autoral e autoria com
posicionamento autoral, à medida que reflete e refrata inter-relações dialógicas entre
lixo, moda, arte e sustentabilidade. Relações essas que compreendem desde vozes
sociais centrífugas (descentralizadoras) até a composição de um heterodiscurso que
se manifesta ao se compararem os enunciados concretos (as produções de moda
conceitual feitas a partir de resíduos sólidos) estudados.

1.3 JUSTIFICATIVA

O processo de autoria na produção de moda conceitual por uma artista do


semiárido jaguarariense, nunca antes pesquisado nem tampouco visto através do
prisma que engloba as teorias Bakhtinianas e do círculo, apresenta-se como
essencial não apenas pelo ineditismo, mas por dar à luz novas perspectivas e inter-
relações dialógicas. A pesquisa justifica-se, sobretudo, por nos permitir conhecer as
características de um processo autoral peculiar, assim como trazer à tona as vozes
6

sociais de cada enunciado e possibilitar inter-relacionar dialogicamente lixo, moda,


arte e sustentabilidade.

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Examinar o processo de autoria considerando as inter-relações dialógicas entre lixo,


moda, arte e sustentabilidade na produção de moda conceitual, a partir de resíduos
sólidos, por uma artista jaguarariense.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Definir autoria e duas das quatro dimensões de autoria apresentadas por


Melo (2017): autoria como atividade e autoria como posicionamento
autoral;
 Descrever o processo de autoria das produções de moda conceitual de
Fátima apoiando-se nas seguintes categorias: plurilinguismo dialogizado,
autoria, voz social e enunciado concreto do círculo de Bakhtin;
 Precisar os sentidos de autor, forma, conteúdo e material considerando as
ideias de Bakhtin e do círculo;
 Descrever relações dialógicas entre lixo, moda, arte e sustentabilidade;
 Analisar as relações dialógicas entre o processo de autoria de Fátima e o
diálogo construído nas relações entre lixo, moda, arte e sustentabilidade.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste estudo, vamos nos apoiar no arcabouço teórico de Bakhtim e de seu


Círculo para pensar as relações entre moda, arte, sustentabilidade e lixo.
Trabalharemos as peças produzidas por Fátima como enunciados concretos e
conceberemos discussões sobre moda conceitual, usando as teorias do Círculo para
dialogar com as vozes sociais contidas no objeto de estudo desta pesquisa.

O filósofo russo concebe a linguagem como um processo usado para


“plurissignificar” sentidos, concepções, teorias, vozes, autores, obras, arte. O próprio
ser, segundo Bakhtin, “é comunicar-se dialogicamente” (aqui a referência), o sentido
7

está ligado à ideia de fluidez e de relação. O ser não existe autonomamente


definindo-se própria e isoladamente, pelo contrário, ao se contradizer ou corroborar
em relação a outro ser, ou discurso, ou sentido, ou momento, ou tudo isso, o ser
está sendo. Hartmann (2007, p. 61) afirma que “O dialogismo é uma concepção
dinâmica da produção de discurso, e justamente este dinamismo confere ao
discurso uma propensão à pluralidade de sentidos”, ou seja, o ato de se opor, de
concordar, de discordar parcialmente, de comparar, de ouvir, de falar, de confrontar,
tira do ser, a possibilidade de ser de forma inerte. Discursos compõem discursos,
tanto quando endossam suas ideias, quanto quando as afrontam. E esse sentido
dinâmico do ser, segundo Bakhtin, constitui um movimento dialógico que sempre
será inconclusivo, incompleto, e dependente, obrigatoriamente, da presença de
outrem ou das vozes de outrem. Fiorin (2019, p. 22) completa dizendo que “O
dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados.”

Com as vozes sociais, a ideia de Bakhtin se reitera. Bakhtin e o Círculo dizem


que as vozes sociais têm seu sentido concebido num emaranhado de categorias,
ações, acontecimentos. Sua concepção, segundo os estudiosos do Círculo, é dada
dentro de uma ideia de movimento. A voz social não “é”, ela está sendo, dando-se,
acontecendo (MELO, 2017, p. 87). Como afirma Melo (2017, p. 87), “É um tipo de
síntese dialética formada pelos índices de valor de signos e pelos acentos
apreciativos de enunciados concretos.”

Assim como as palavras são povoadas de sentidos, carregam consigo


contextos que são evocados, refletidos e refratados conforme a realidade tensa
onde existiram/existem. As intenções que povoam sua existência manifestam-se
através de vozes sociais plurais (MELO, 2017, p. 67), que coordenam sentidos à
medida que se significam. Faraco (2009, p. 48) afirma que “para o Círculo, não é
possível significar sem refratar”, já que as ideologias desse arcabouço teórico veem
a refração como uma condição necessária do signo, pois segundo Faraco (2009, p.
51),

[...] as significações não estão dadas no signo em si, nem estão garantidas
por um sistema semântico abstrato, único e atemporal, nem pela referência
a um mundo dado uniforme e transparentemente, mas são construídas na
dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade de experiências dos
grupos humanos, com suas inúmeras contradições e confrontos de
valorações e interesses sociais.
8

Melo (2017, p. 88) ainda afirma que, “[...] sendo um ponto de vista, uma
concepção, voz social é também um posicionamento sócio-histórico e
ideologicamente determinado que se constrói em meio, em resposta a outras
posições, outros posicionamentos.” Nesse sentido, a voz social abrange seu sentido
e toca enunciações materializadas na dinâmica da interação sócio-verbal (MELO,
2017, p. 88). Faraco (2009, p. 54) afirma sobre as vozes sociais: “elas vão se apoiar
mutuamente, se interiluminar, se contrapor parcial ou totalmente, se diluir em outras,
se parodiar, se arremedar, polemizar velada ou explicitamente e assim por diante”. A
pluralidade dos sentidos, para o Círculo, existe no vir a ser. A voz social, e por que
não dizer também o sentido, constitui-se com dinamicidade, diálogo, por meio de
inter-relações, hibridização, harmonia, conflitos; categorias e processos que se
entrecruzam continuamente e multiformemente, refletindo, refratando, gerando
novos sentidos, novas vozes, novos discursos. O novo constitui o antigo à medida
que se constitui (FARACO, 2009, p. 58).

Para Bakhtin (2003, p. 272), cada “enunciado é um elo na corrente


complexamente organizada de outros enunciados”. Faraco (2009, p. 65) fala sobre
as relações de sentido estabelecidas entre enunciados e diz que “[...] quaisquer
enunciados, se postos lado a lado no plano do sentido, acabam por estabelecer uma
relação dialógica”. Isso corrobora de forma integral os vislumbres de diálogo entre
lixo, moda, arte e sustentabilidade que acontecem nas peças de moda conceitual
produzidas por Fátima Melo e a partir delas. Podem ser feitas, baseando-se nessas
orientações, relações dialógicas sobre esses objetos de estudo à medida que são
postos no plano do sentido, e inter-relacionados por constituírem o mesmo
enunciado concreto. Como, por exemplo, o vestido “céu de canudos”, que foi feito
com o uso de canudos coloridos, saco de roupas tingido e barbante, e o vestido
“brilhete de chuva”, confeccionado de tecidos oriundos de guarda-chuvas quebrados
e descartados. Dois enunciados concretos inter-relacionados dialogicamente pelo
sentido. Melo (2017, p. 165) afirma que

[...] todo enunciado participa de cadeias discursivas, de


circuitos da comunicação verbal, concreta, real, e, por isso,
possui autor, destinatário, e está situado histórica, social e
9

culturalmente, apresenta um acabamento real, é irreprodutível,


embora possa ser citado.

Sobre enunciado, Fiorin (2019, p. 26) acrescenta: “são réplicas, têm


acabamento específico e admitem resposta”. Ou seja, o enunciado é endereçado a
alguém e, por sê-lo, transgride o sentido da completude e fala. A voz social que
atravessa o enunciado, concebendo a ele um acabamento específico, gera tensão e
promove choque de sentidos ao provocar um diálogo entre discursos acerca dele
(FIORIN, 2019, p. 26). Quando o autor coloca que: “os enunciados carregam
emoções, juízos de valor, paixões [...]”, trazemos isso para as obras de Fátima.
Nelas, podemos “ler” a estética de um vestido feito de canudos, restos de barbantes
e sacos de fardo como uma obra de acabamento específico endereçada ao mercado
da moda, por exemplo. As réplicas que ele admitiria nesse campo vão desde
admiração à criatividade numa esfera de inovação para a moda conceitual até
insatisfação, angústia, incômodo pela condução a uma esfera de reflexão sobre a
destinação de resíduos sólidos, a poluição ou até mesmo pelo próprio consumismo
exagerado. “Um enunciado está acabado quando permite a resposta de outro”, e,
sempre que um enunciado é produzido, participa-se de um diálogo com “n”
discursos, pois ele não existe fora das relações dialógicas (FIORIN, 2019, p. 24).

Silva e Mori (2017, p. 185) afirmam que “a moda é muito mais que um reflexo,
já que age, em conjunto com o universo cultural/social e pode também agir sobre
ele”. Sem limites, a moda conceitual pode provocar diversas vozes sociais e novos
olhares ao contemporâneo.

Existe uma relação parte e todo que pode nos ajudar na compreensão de um
enunciado. O todo, aqui, seria o plurilinguismo dialogizado, que existe segundo inter-
relações dialético-dialógicas, de sentido, que ecoam sobre vozes sociais
dinamicamente existentes e que nos permitem ver a parte, o enunciado,
considerando seu tempo histórico e suas relações com outros enunciados e com as
mais diversas vozes sociais. A parte (enunciado) existe graças ao todo
(plurilinguismo dialogizado), que, por sua vez, é o que é graças à parte.

As obras de Bakhtin e do Círculo tratam ainda do sentido de autoria, do ser


autor. Hartmann (2007, p. 62) afirma:
10

O que caracteriza a autoria para Bakhtin (2002) está intrinsecamente ligado


ao caráter dialógico da linguagem. Para ele, um enunciado tem um autor na
medida em que a enunciação deste enunciado provocar uma reação
dialógica na qual a enunciação será personificada. De fato, é a reação
dialógica que produz o autor. O autor não é somente aquele que escreve,
fala, copia, enfim que enuncia, mas aquele que, ao enunciar, provoca uma
reação dialógica, quer dizer, aquele que é reconhecido no diálogo.

E muitas das suas obras tratam do autor e da autoria em maior ou menor grau
e trazem algumas distinções, como as existentes entre autor pessoa e autor criador
(FARACO, 2009, p. 89). Melo (2017, p. 228) complementa com mais algumas
distinções, baseado nas teorizações do Círculo, ele afirma que existem “[...] quatro
concepções e/ou dimensões de autor: 1) o autor como atividade; 2) o autor na
qualidade de posição do autor; 3) o autor enquanto um princípio representador puro
ou puramente representativo; e 4) o posicionamento do autor”. Dessas quatro
dimensões, vamos eleger para este estudo, apenas a dimensão 1, que trata do autor
como atividade, e a dimensão 4, que trata do posicionamento do autor. A dimensão
1 é aquela onde o autor, enquanto artista, é responsável pela superação do material
a partir do próprio material. A dimensão 4 trata do autor como pronunciador de um
discurso frente a outros discursos, marcando um posicionamento no interior do
plurilinguismo dialogizado.

Só há posicionamento autoral por que existe atividade autoral. O


posicionamento do autor está carregado de inúmeros outros discursos, e através da
sua criação, ele se posiciona contrário ou favorável a outras vozes sociais. Essa
criação constitui uma voz que atravessa outras vozes que corroboram a sua, à
medida que atravessa outras vozes que também a refutam.

A atividade artística apresenta-se como um articulador entre material, forma e


conteúdo. Onde a forma aparece como produto do material, mas com conteúdo
transcendente aos limites dele. Todo sentido passado pela forma, refere-se ao
conteúdo, ao que ela representa por ter a forma que tem, ou melhor dizendo e
localizando essa informação nesta pesquisa: por ter a forma que tem segundo os
conteúdos que tematiza (MELO, 2017, p. 250). Afinal, um resíduo sólido como a fita
cassete que dá a obra estética de Fátima uma forma de vestido já não é mais
somente um resíduo sólido, pois a atividade do autor supera o material na sua
própria determinidade. Por isso, não é vista apenas como um material articulador de
forma. Vai além disso, por ser um material já carregado de sentido que povoa a obra
11

estética final e transcende sua significação nos universos da moda, da arte, do lixo e
da sustentabilidade.
Moda e arte, sobretudo, caminham juntas, e essa inter-relação dialógica
reflete fatores culturais de determinados períodos históricos. Refletem experiências
sensoriais pelo prazer da descoberta e da experimentação. São visões de mundo
apoiadas na sociedade (HATTA, 2013, p. 06). Arte e moda têm uma relação
simbiótica, o que entra no espectro do plurilinguismo dialogizado, pois são duas
entidades diferentes que se alimentam uma da outra. “A arte e o lixo se relacionam
como a desafiar o sentido de tudo.” (MENEZES, 2016, p. 56). A arte podendo virar
lixo, e o lixo podendo virar arte, os diálogos plurais que essa inter-relação estabelece
desafiam, transgridem ou advertem (MENEZES, 2016, p.56). As pontes
estabelecidas pelo lixo na moda conceitual refletem preocupação com a não-
sustentabilidade do consumismo, com a destinação de resíduos sólidos, com a
própria diversidade de expressividade da moda na arte. Tais inter-relações
dialógicas ainda dialogam estreitamente com o processo de autoria.
Ainda sobre autoria, podemos considerar a posição de Bakhtin, em
Metodologia das ciências humanas, onde o filósofo ressalta que

O autor de uma obra só está presente no todo da obra, não se encontra em


nenhum elemento destacado desse todo, e menos ainda no conteúdo
separado do todo. O autor se encontra naquele momento inseparável em
que o conteúdo e a forma se fundem intimamente, e é na forma onde mais
percebemos a sua presença. (BAKHTIN, 2011, p. 399 apud MELO, 2017, p.
241)

Faraco (2009, p. 90) afirma que “o ato criativo envolve, um complexo


processo de transposições refratadas da vida para a arte”. Nessa afirmação de
Faraco sobre o ato criativo, é notória a iluminação concebida pela ideologia do
cotidiano para um processo ideológico constituído: a arte. A produção criativa
artística, ou no campo da moda, fala o mundo social e, particularmente, à medida
que é constituída no universo de tensão ideológica, autorada numa atmosfera
heteroglóssica constituída em meio a incontáveis entrechoques dinâmicos infinitos
(FARACO, 2009, p. 87).

Podemos dizer, seguindo as orientações de Bakhtin, que o autor-criador é


também portador ou construtor de uma posição. Ele transpõe um plano de valores
para outro plano de valores, destacando aspectos do plano da vida de sua
12

eventicidade e organizando um novo mundo e sustentando uma nova unidade. É


dada uma forma ao conteúdo que se posiciona esteticamente frente à realidade, ao
mundo, ao passado, concebendo sentidos novos, refratando outros, registrando
mais alguns e assumindo papel valorativo pelas vozes sociais que o constituem.
(FARACO, 2009, p. 90).

4 METODOLOGIA

4.1 O SUJEITO E SEU CONTEXTO

Para esta pesquisa, caracterizaremos o processo de autoria das obras de


Fátima Melo, moradora da cidade de Jaguarari, região norte da Bahia, professora de
formação, comerciante e artista. Fátima atuava como professora das redes de
ensino pública e privada na cidade de Jaguarari desde a década de 1990. E foi no
período de docência que começou a criar roupas a partir de “sucata” para serem
apresentadas em desfiles realizados nas escolas onde trabalhara tendo alunos e
professores como modelos para desfilar suas obras. Fátima ainda mora em
Jaguarari, hoje já aposentada, atua como comerciante, mas permanece firme na
criação dessas roupas.

4.2 ÁREA DE ESTUDO

Para compreender e situar social e culturalmente a cidade de Jaguarari,


vamos considerar os atributos físicos e culturais, assim poderemos caracterizá-la
mais precisamente. O município localiza-se no extremo Norte da Bahia, limitando-se
a leste e sul com os Municípios de Uauá, Andorinha e Senhor do Bonfim, a oeste
com Campo Formoso, e a norte com Juazeiro e Curaçá. A área municipal é de 2.574
km² (MINAS E ENERGIA, 2005, p. 03). O município de Jaguarari localiza-se na
microrregião de Senhor do Bonfim. E é rico em manifestações culturais como
reisado, samba de palma, quadrilhas juninas, roda de São Gonçalo, poetas e
cordelistas.
13

4.3 CORPUS DA PESQUISA

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, serão consideradas fotografias de


cinco obras criadas por Fátima assim como as próprias peças, que serão refeitas
pela artista, visto que os originais foram perdidos ou danificados com o tempo. As
cinco obras escolhidas para essa pesquisa, serão:

1. Vestido e boina bordados, feitos de fitas cassete e plástico protetor de


prateleiras;
2. Vestido de saco de roupas tingido com gola feita com canudos e
barbante;
3. Vestido confeccionado com tecidos provenientes de guarda-chuvas;
4. Vestido confeccionado a partir de sacos de batata com discos plásticos
provenientes de disquetes;
5. Vestido confeccionado com mosquiteiro tingido e papéis de seda
coloridos.

Como o acervo da artista é muito grande, com cerca de 100 peças, optamos
por obras de diferentes materiais e estruturas a fim de se ter uma amostra que
expressasse de forma mais clara e fiel o trabalho da artista.

O mundo e as coisas estão formados por infinitos nexos externos e internos e


em processo de desenvolvimento. Para esta pesquisa, faremos uso do método
dialético-dialógico. A dialética, por sua vez, como diz KONDER (2008, p. 08), é o
modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a
realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação.

Em seu livro O que é dialética?, Konder (2008, p. 10) comenta uma afirmação
de Aristóteles, a qual dizia: “[...] todas as coisas possuem potencialidades; os
movimentos das coisas são potencialidades que estão se atualizando, isto é, são
possibilidades que estão se transformando em realidades efetivas.” A dialética nos
permitirá caracterizar o processo de autoria de Fátima, por reconhecer que tudo tem
a ver com tudo, ou seja, não há como observar ou significar um enunciado sem
considerar sua relação com o mundo, com as coisas, com as pessoas. Está tudo
inter-relacionado. E o processo de autoria em questão será destrinchado até que
14

nos mostre dialético-dialogicamente as inter-relações entre lixo, moda, arte e


sustentabilidade constitutivas dos enunciados concretos em questão.

Bakhtin (apud MELO, 2017, p. 241), ao falar de material, forma e conteúdo nos
norteia a descrever os materiais utilizados em cada enunciado, assim como a
capturar fotografias que possam contemplar suas cores e sua configuração. Será
aplicada uma entrevista semiestruturada, em que a autora nos contará sua história
dentro da produção de moda conceitual a partir de resíduos sólidos, visto que o
objetivo principal desta pesquisa é a caracterização da autoria. E ainda que essa
caracterização independa do que a autora pensa sobre si ou sobre o que produz,
acreditamos que a sua visão possa clarear ideias e nos mostre inter-relações entre
lixo, moda, arte e sustentabilidade, não consideradas até então.

As categorias voz social, enunciado concreto, autoria e plurilinguismo


dialogizado serão analisadas e descritas apoiando-se na pesquisa bibliográfica. O
corpus desta pesquisa, composto por cinco obras de moda conceitual, terá cada
uma de suas peças analisada a partir do conjunto de categorias já citado, de tal
forma que possam promover o estabelecimento de relações dialógicas entre si.
Ouviremos as vozes sociais de cada obra, usaremos o conceito de enunciado
concreto para cada uma, o plurilinguismo dialogizado que atravessa cada uma delas
também será descrito. Por fim, faremos a caracterização do processo de autoria,
considerando duas das quatro dimensões apresentadas por Melo (2017, p. 228),
que são: autoria como atividade e autoria como posicionamento autoral.

A bibliografia de Bakhtin e do círculo nutrirá a produção dessa pesquisa. Toda


a pesquisa bibliográfica a ser utilizada abarcará desde autores e pesquisadores do
universo da moda, da arte, do lixo e da sustentabilidade até autores cujas teorias e
princípios bakhtinianos são adotados e corroborados, como é o caso de Melo
(2017). Tal método nos permitirá o alcance do objetivo geral estabelecido: examinar
o processo de autoria considerando as inter-relações dialógicas entre lixo, moda,
arte e sustentabilidade na produção de moda conceitual, a partir de resíduos sólidos,
por uma artista jaguarariense.
15

5 CRONOGRAMA
2019 2020 2021
1
Etapas Bimestres Bimestres Bimestres
5º 6º 1º 2º 3º 4º 5º 6º 1º 2º
Escolha do tema X
Levantamento bibliográfico X X X X
Elaboração do anteprojeto X X
Qualificação do anteprojeto X
Estudo da teoria X X X X X X X
Elaboração do projeto de pesquisa X X X
Coleta de dados X X X X X
Análise dos dados X X X
Redação da monografia X X
Correção do texto monográfico X
Entrega da versão final X
Defesa da monografia X

1
Considerando-se que o primeiro bimestre do ano é formado por janeiro e fevereiro, o quinto
corresponde aos meses de setembro e outubro.
16

REFERÊNCIAS

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de


Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.

HARTMANN, Fernando. A voz na escrita. 250f. Tese (Doutorado em educação) -


Universidade Federal do Rio Grande do sul. Porto Alegre, RS, 2007.

HATTA, K. S.; SANTOS V. S.; COSTA, M. Como a moda se inspira na arte a fim
de agregar valor aos seus produtos. Disponível
em: <http://www.coloquiomoda.com.br/coloquio2017/anais/anais/edicoes/9-Coloquio-
de-Moda_2013/POSTER/EIXO-3-CULTURA%20_POSTER/Como-a-moda-se-
inspira-na-arte-a-fim-de-agregar-valor-aos-seus-produtos.pdf>. Acesso em: set. de
2020.

KONDER, L. O que é dialética? 28ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2008

MELO, J. R. B. Vozes sociais em construção: dialogismo, bivocalidade


polêmica e autoria no diálogo entre Diário do hospício, O cemitério dos vivos,
de Lima Barreto, outros enunciados e outras vozes sociais. 455f. Tese
(Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, SP, 2017.
Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/150922>. Acesso em: 02
set. de 2020.

MENEZES, A. Olhares transformando o lixo. Disponível em:


<http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v68n4/v68n4a18.pdf>. Acesso em: ago. de
2020.

SILVA, K.M.; MORI, F.M. O registro de uma ideia: asserções sobre moda
conceitual. Net, < https://goo.gl/Hpo3od >. Acesso em outubro de 2019.
17

ANDAMENTO DA PESQUISA E ENCAMINHAMENTOS FUTUROS

1. Estamos trabalhando na elaboração do questionário para entrevista


semiestruturada;

2. Com o corpus da pesquisa definido, já começamos a procurar fotos dos


enunciados, e a artista já começou o trabalho de reprodução das obras
escolhidas;

3. Estamos trabalhando no aumento da nossa bibliografia. Adquirimos


recentemente alguns exemplares, são eles:

 Moda e Sustentabilidade: uma reflexão necessária, de Lilyan Berlim;


 A edição do corpo: tecnociência, artes e moda, de Nízia Villaça;
 Moda e Arte na Reinvenção do Corpo Feminino do Século XIX, de
Maria Alice Ximenes;

Aguardamos a chegada dos livros para dar andamento às leituras e à


produção da fundamentação teórica da pesquisa. Pelo histórico de pesquisa
dos autores dos livros em questão, acreditamos que, em aliança aos
exemplares já adquiridos sobre Bakhtin e o círculo, poderemos fazer
asserções importantes sobre as inter-relações dialógicas que constituem o
objeto de estudo considerado nesta pesquisa;

4. A fundamentação teórica está sendo ainda estudada, no que diz respeito às


ideias e teorias de Bakhtin e do Círculo;

5. Foi feita pesquisa relacionada à área de estudo e elaborado um tipo de


fichamento contendo informações em “retalhos” para subsidiar a parte da
fundamentação teórica que trata do entorno (a parte extra-verbal do
enunciado) do nosso objeto de estudo;

6. Muitas pesquisas têm sido lidas, tanto aquelas que tratam das teorias de
Bakhtin e do Círculo, quanto aquelas que tratam de moda, lixo, arte e
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sustentabilidade. Essas leituras têm nos permitido estabelecer e aclarar inter-


relações, como por exemplo, aquelas que podem ser estabelecidas a partir do
encontro entre Bahktin e a moda conceitual, entre o processo de autoria e a
arte, entre a voz social e o enunciado concreto, entre o plurilinguismo
dialogizado e as vozes da sustentabilidade.

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