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ANAIS DA II SEMANA INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO, DIREITOS


HUMANOS, DIVERSIDADE SEXUAL E GÊNERO

Book · March 2024

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1 author:

Jonathan Machado Domingues


Universidade Federal de São Paulo
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Jonathan Machado Domingues
(Organizador)

ANAIS DA II SEMANA INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO,


DIREITOS HUMANOS, DIVERSIDADE SEXUAL E GÊNERO

Realização: Projeto Direitos Humanos e Educação


Apoio: Escola Superior de Advocacia - Ilha do Governador - RJ
Ordem dos Advogados do Brasil - Ilha do Governador - RJ
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
APRESENTAÇÃO

Promovido pelo Projeto Direitos Humanos e Educação, com o apoio da ESA-

Ilha do Governador e OAB Ilha do Governador, a II Semana Internacional sobre

Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero foi um evento de

grande relevância realizado de 18 a 22 de março de 2024, no formato híbrido.

Durante essa semana, o evento se destacou pela diversidade de atividades,

contando com dezenas de palestras, mesas-redondas e oficinas, que

proporcionaram uma rica troca de experiências e conhecimentos. O intuito era

fomentar a discussão e reflexão sobre temas cruciais que envolvem educação,

direitos humanos, diversidade sexual e de gênero, buscando promover um

ambiente inclusivo e respeitoso.

Os Grupos de Trabalho (GTs) destinados à submissão de comunicações orais

foram essenciais para consolidar o caráter participativo do evento. A II Semana

recebeu mais de 80 trabalhos de diversas partes do Brasil, demonstrando a

abrangência nacional e a relevância que o evento alcançou.

Os participantes puderam desfrutar de uma programação diversificada, que

abordou desde questões teóricas até experiências práticas no campo da educação,

direitos humanos e diversidade. As palestras proferidas por especialistas

enriqueceram o debate, proporcionando uma visão abrangente e aprofundada dos

temas em discussão.

Destacamos também a importância das mesas-redondas, que propiciaram a

interação entre diferentes perspectivas e expertises, estimulando debates

produtivos e a troca de ideias. As oficinas práticas foram uma oportunidade única

para os participantes adquirirem habilidades específicas e promoverem a aplicação

prática dos conceitos discutidos.

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
Neste volume dos Anais, apresentamos uma compilação dos trabalhos

submetidos, refletindo a diversidade de abordagens e a qualidade das

contribuições recebidas. Cada artigo representa uma peça valiosa no mosaico de

conhecimentos construído durante a II Semana Internacional sobre Educação,

Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero.

Agradecemos todes participantes, palestrantes, as comissões, a OAB Ilha

do Governador e a ESA - Ilha do Governador, que contribuíram para o sucesso

deste evento. Desejamos a todas as pessoas uma boa leitura e que as reflexões e

aprendizados compartilhados durante esta semana possam ecoar e inspirar ações

transformadoras em suas respectivas áreas de atuação.

Abraços Fraternos,

Jonathan Machado Domingues…

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
GRUPOS TEMÁTICOS

GT1: Promovendo a Inclusão: Estratégias Educacionais para a Diversidade Sexual


e de Gênero

GT2: Convergência Científica: Explorando a Interseção entre Ciências Exatas e


Identidades de Gênero para Avançar nos Direitos Humanos

GT3: Sinergia Educativa: Integrando os Direitos Humanos no Coração do


Ambiente Educacional

GT4: Diálogos Escolares: Fomentando a Compreensão e Respeito às Identidades


e Expressões de Gênero

GT5: As encruzilhadas das identidades de gêneros na infância

GT6: Educar os Educadores: Formação e Sensibilização para uma Educação


Inclusiva de Gênero e Diversidade Sexual

GT7: Explorando Precedentes: Estudos de Caso e Análise Jurídica em Questões


de Diversidade Sexual e de Gênero

GT8: Marco Legal: Avanços e Desafios na Proteção dos Direitos LGBTQ+ em


Contexto Jurídico

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
GT9: Além das Políticas: Efetividade na Implementação dos Direitos Humanos

GT10: Lacunas Jurídicas: Desafios e Estratégias na Defesa dos Direitos


Humanos

GT11: Inteligência Artificial e Direitos Humanos: Desafios Éticos, Transparência


e Responsabilidade

GT12: Sinergia entre Direitos Humanos, Educação Sustentável e Conservação


Ambiental

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
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COMISSÃO ORGANIZADORA

Jonathan Machado Domingues (Universidade Federal de São Paulo)


Matheus Reuter Sena (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

COMISSÃO CIENTÍFICA

Jonathan Machado Domingues (Universidade Federal de São Paulo)


Matheus Reuter Sena (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Pedro Brígido (Universidade de Taubaté)
Will Paranhos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
André Luiz Avelino da Silva (Universidade Federal de Santa Catarina)
George Seabra (Universidade Federal do Tocantins)
Ivone Lemos (Universidade Federal de São Paulo)

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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2024
DESVENDANDO TABUS: GÊNERO E SEXUALIDADE NAS FACULDADES DE
DIREITO DO BRASIL

Jonathan Machado Domingues


Matheus Reuter Sena
RESUMO

O debate sobre gênero e sexualidade tornou-se central no século XXI, especialmente no campo
jurídico, onde se regula os direitos e deveres dos cidadãos. Este artigo objetiva explicitar a
importância dos estudos em Gênero e Sexualidade nas faculdades de Direito, na formação de
profissionais que serão operadores da lei. A pergunta central: como vêm sendo tratadas as
questões de gênero e sexualidade no âmbito das faculdades de Direito do Brasil? Para isso,
foram analisadas ementas e fluxogramas das principais faculdades de Direito, junto com uma
revisão bibliográfica e análise de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre os direitos
da comunidade LGBT+. Os resultados revelam uma presença limitada de disciplinas que
abordam questões de gênero, muitas vezes focadas apenas no feminismo, negligenciando a
diversidade sexual e de gênero. Isso levanta questionamentos sobre o compromisso das
instituições públicas com a promoção do bem-estar de todas as pessoas. Considerando o
alarmante cenário de violência contra a comunidade LGBT+ no Brasil, especialmente a
população trans, urge a inclusão desses temas no currículo das faculdades de Direito. Este
artigo traça uma intersecção entre gênero, sexualidade e campo jurídico, expondo a necessidade
de revisão curricular e inclusão de tópicos relevantes nas faculdades de Direito brasileiras.

Palavras-Chave: Comunidade LGBT+. Formação Jurídica. Currículo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Questões relacionadas a gênero e sexualidade vêm sendo amplamente debatidas na


atual conjectura do século XXI diante das transformações sociais que vêm ocorrendo.
Especificamente no campo jurídico, tratar essas questões se torna relevante uma vez que é o
campo responsável pelo estudo das leis, dos direitos e deveres de todas as pessoas que
participam da vida em sociedade.
O objetivo deste artigo é explicitar a importância dos estudos em Gênero e
Sexualidade nas faculdades de Direito, na formação de profissionais que serão operadores da
lei. A partir disso, tem-se como questão norteadora “como vêm sendo tratadas as questões de
gênero e sexualidade no âmbito das faculdades de Direito do Brasil?
A partir dessa questão, utilizou-se como metodologia a análise das faculdades de
Direito mais bem conceituadas pela Ordem dos Advogados do Brasil no Ranking Universitário
da Folha de São Paulo, bem como a revisão bibliográfica de teóricos na área de Gênero e
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
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Sexualidade e, por fim, a análise de Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal em relação
aos direitos da comunidade LGBT+.
Ao analisar os fluxogramas e as ementas das Faculdades de Direito selecionadas 1,
percebe-se, de forma tímida, a presença de disciplinas abordando questões de gênero. Apesar
disso, nem todas possuem uma disciplina referente a gênero, e aquelas que possuem, se limitam
a tratar questões relacionadas ao feminismo, deixando de fora as questões atinentes à
diversidade sexual e de gênero.
Isso nos leva a refletir sobre se efetivamente há um compromisso das Instituições
Públicas de promover o bem-estar de todas as pessoas, indistintamente, por meio da educação
e da conscientização.
O Brasil continua sendo o país que mais comete violência contra pessoas da
comunidade LGBT+, em especial, a população trans, o que leva a crer a urgente e necessária
abordagem de temas relacionados à diversidade sexual e de gênero, a fim de que todas as
pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual, sejam
reconhecidas e respeitadas.
Com o intuito de trazer este debate à baila, inicia-se o artigo traçando uma ligação
interseccional entre gênero, sexualidade e campo jurídico, expondo-se não apenas a literatura
tradicional das questões atinentes a gênero e sexualidade, mas também reflexões provocadas
por pessoas do âmbito jurídico e julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre os Direitos
da comunidade LGBT+.
No percurso teórico-metodológico, apresenta-se os critérios estabelecidos para a
escolha das Universidades a terem a grade curricular analisada e as respectivas fontes de
análise, expondo-se o motivo pelos quais as Universidades selecionadas foram analisadas.
No tópico de análises e resultados, passa-se a uma análise minuciosa dos currículos.
Estabelecidas aquelas Universidades que possuem alguma matéria atinente a gênero no
currículo, passou-se à análise da ementa e/ou fluxograma das disciplinas a fim de se verificar
o que é tratado na disciplina e qual a bibliografia recomendada.
Feita a análise das ementas e/ou fluxogramas, passou-se a detalhar os pontos tratados
na disciplina e as suas particularidades, pontuando-se a carência existente sobre questões

1
A seleção das Faculdades de Direito foi feita com base em um critério objetivo: a média de aprovação na OAB,
conforme apresentada no Ranking da Folha de São Paulo. Foram escolhidas quatro instituições que se destacaram
nesse indicador, garantindo assim uma base sólida para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos
estudantes. Essa abordagem visa assegurar que os futuros advogados recebam uma formação de qualidade e
estejam preparados para os desafios do mercado jurídico.
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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relacionadas à diversidade sexual e de gênero, provocando-se uma reflexão sobre a necessidade
de se incluir tópicos referentes ao estudo da temática.
É a partir das reflexões feitas no presente artigo que se busca responder “como vêm
sendo tratadas as questões de gênero e sexualidade no âmbito das faculdades de Direito do
Brasil?

DESVENDANDO AS COMPLEXIDADES DA INTERSEÇÃO ENTRE GÊNERO,


SEXUALIDADE E O CAMPO JURÍDICO

A interseção entre gênero, sexualidade e o contexto jurídico é um terreno complexo que


exige uma cuidadosa reflexão e análise. Compreender essa interação é crucial para uma
abordagem jurídica mais inclusiva e sensível, capaz de reconhecer e lidar adequadamente com
as diversas realidades enfrentadas por diferentes identidades de gênero e orientações sexuais.
A Constituição de 1988, que procurou organizar uma sociedade sem preconceito e
sem discriminação, fundada na igualdade de todos, não contém norma expressa
acerca da liberdade de orientação sexual. Como consequência natural, também não
faz menção às uniões homoafetivas. Faz referência, no entanto, às uniões
heterossexuais, reconhecendo como entidade familiar a união estável entre o homem
e a mulher . O Código Civil, por sua vez, ao disciplinar o tema da união estável,
seguiu a mesma linha (BARROSO, 2011, p. 106).

Ao longo da história jurídica, observamos uma notável evolução nas concepções de


gênero e sexualidade, que espelham as contínuas transformações sociais. Essa trajetória revela
a plasticidade e adaptabilidade do Direito diante das mudanças nas percepções culturais e
normativas.
Uma análise crítica desses desdobramentos históricos não apenas nos permite
compreender o contexto em que as leis foram elaboradas, mas também lança luz sobre as bases
sobre as quais o arcabouço jurídico contemporâneo foi construído.
No passado, muitas sociedades adotavam paradigmas rígidos e binários em relação a
gênero e sexualidade, refletindo preconceitos arraigados e normas sociais estritas, que giravam
em torno do que sempre se entendeu ser homem sob a perspectiva conservadora. A promoção
dos direitos das mulheres e de pessoas que não se enquadram no padrão imposto por uma
sociedade patriarcal sempre foram vilipendiados pela falta de flexibilidade na construção de
teorias jurídicas. É nesse contexto que as teorias feministas na decorrentes do movimento
feminista comçeçam a trazer perspectivas que combatem o conservadorismo, tendo forte
influência nos estudos de gênero e sexualidade (LOURO, 2023).
As teorias tradicionais do direito recusam analisar o gênero e a sexualidade para além
de um binarismo essencialista porque, conforme vimos, o essencialismo é fácil e
conveniente. Elas se poupam do trabalho e do desconforto de terem que aprender
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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sobre a diferença, sobre o marginal, sobre as múltiplas dimensões materiais da
exploração e dominação de mulheres e pessoas LGBT. Em seu conservadorismo
moralista, as doutrinas jurídicas hegemônicas se arrepiam diante da defesa dos
desejos eróticos e dos prazeres, diante da contestação da violência do domínio
patriarcal e da heterossexualidade compulsória. Mesmo boa parte da crítica, apegada
aos diagnósticos unidimensionais da dominação humana, tende a ver no gênero e na
sexualidade aspectos secundários das violências estruturais ou esquemas teóricos
fúteis e desestabilizadores da luta revolucionária. Para mim, entre os múltiplos
métodos e estratégias, a contribuição mais potente das críticas feministas e queer está
justamente em seus esforços de análises multidimensionais da opressão, da abertura
para as experiências e posições daqueles que se encontram nos extremos da margem
em razão das intersecções das opressões econômicas, raciais, étnicas, sexuais e de
gênero (RAMOS, 2021, Mp. 1703-1704)

Diante do atual contexto de negação de direitos enfrentado pela população LGBT+ e


das novas perspectivas que emergem dessa realidade, surge, então, a necessidade de
desenvolver políticas públicas como instrumentos eficazes para promover os direitos
individuais que têm sido desrespeitados. Nessa encruzilhada, as políticas públicas
protagonizam-se como instrumentos orientadoras das ações do poder público, com a finalidade,
por exemplo, de corrigir problemas coletivos identificados na sociedade. De acordo com Secchi
(2013), essas políticas representam uma resposta direcionada a questões específicas, visando,
assim, atender às demandas emergentes e assegurar um ambiente mais inclusivo e justo para
todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Apesar de ser um importante instrumento, a política pública pode acabar sendo
desvirtuada por questões relacionadas a conflitos de interesse existentes no ciclo administrativo
de políticas públicas. Dessa forma, é de grande valia haver a implementação de mecanismos
de transparência, participação democrática e accountability no processo de formulação,
implementação e avaliação das políticas públicas. Essas salvaguardas são essenciais para
assegurar que as ações governamentais estejam alinhadas com os princípios de justiça social e
respeito aos direitos individuais, especialmente quando se trata de grupos historicamente
marginalizados, como a comunidade LGBT+.

We ask: how do policies ‘work’ as instruments of governance, and why do they


sometimes fail to function as intended? What are the mobilizing metaphors and
linguistic devices that cloak policy with the symbols and trappings of political
legitimacy? How do policies construct their subjects as objects of power, and what
new kinds of subjectivity or identity are being created in the modern world? How are
major shifts in discourse made authoritative? How are normative claims used to
present a particular way of defining a problem and its solution, as if these were the
only ones possible, while enforcing closure or silence on other ways of thinking or
talking?” (SHORE; WRIGHT, 1997:3).

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
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Entretanto, ao longo do tempo, movimentos sociais, avanços na teoria crítica e
mudanças culturais influenciaram as percepções dominantes, levando a uma revisão das
normas jurídicas. A luta por igualdade de gênero e direitos LGBTQ+ desempenhou um papel
crucial nesse processo, desafiando concepções tradicionais e promovendo a revisão e
atualização das leis para refletir uma compreensão mais justa e inclusiva da diversidade
humana.
A análise desses desdobramentos históricos também nos permite identificar resistências
e obstáculos que persistem, evidenciando a necessidade contínua de reformas e adaptações no
âmbito jurídico. Além disso, compreender como as noções de gênero e sexualidade foram
historicamente construídas nos ajuda a desvendar e desafiar possíveis preconceitos e
estereótipos ainda presentes nas estruturas legais contemporâneas.
As perspectivas que sempre foram passadas de geração em geração se referem à visão
estruturalista de que a pessoa se encontra presa ao sexo biológico. Todavia, estudos pós-
estruturalistas propõem uma nova visão do que é “ser homem” e do que é “ser mulher”,
desvinculando o conceito de sexo biológico do conceito de gênero.

A identidade de gênero é a profunda convicção que uma pessoa tem de ser um


homem, uma mulher, ambos, nenhum ou qualquer coisa diferente do gênero que foi
atribuído a ela no momento do nascimento. Não se relaciona necessariamente
à anatomia ou aos cromossomos, mas, em vez disso, está ligada à experiência interna
e pessoal de alguém. Isso significa que uma pessoa pode ser designada como homem
ao nascer, mas identificar-se como mulher, tendo, assim, uma identidade de gênero
feminina (DOMINGUES, 2023, p. 10).

Nessa mesma direção, Louro (2023) sinaliza que:

[...] ao afirmar que que o gênero institui a identidade do sujeito (assim como a
etnia, a classe, ou a nacionalidade, por exemplo) pretende-se referir, portanto, a
algo que transcende o mero desempenho de papéis, a ideia e perceber o gênero
fazendo parte do sujeito, constituindo. [...] O que importa aqui considerar é que -
tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade - as identidades são
sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento
(LOURO, 2023, p. 30-31).

Seria este último termo aquele que de fato define a pessoa, pois seria o marcador das
diferenças sociais existentes entre homens e mulheres, e seria a construção social do indivíduo
que o definiria como sendo homem ou mulher (JESUS; ALVES, 2010). A expressão do gênero
se daria através de atos performativos materializados de forma discursiva (BUTLER, 2003).
Um dos resultados desses estudos seria, por exemplo, a existência de diversas masculinidades.
O reconhecimento da existência de mais de uma forma de masculinidade implica reconhecer
que não existe um homem universal (BENTO, 2017).
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
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Ao compararmos o ponto de vista construcionista com o queer, podemos afirmar que
se, por um lado, a perspectiva construcionista sobre a sexualidade propiciou maior
alcance para contestar a naturalização dos sexos a partir da emergência do conceito
de gênero, por outro lado, ao não problematizar que o sexo também é construído
socialmente, incorporando na discussão a constituição dos corpos, ela não conseguiu
romper a ideia de entidades polarizadas e fixas - homens e mulheres-,
homossexualidade e heterossexualidade. A teoria queer diferencia-se da perspectiva
construcionista na medida em que radicaliza o questionamento de estabilidade, da
fixidez e da coerência das identidades sexuais, representando uma ruptura com as
teorias que compreendiam a identidade como algo fixo, coerente e natural (BORGES
et al., 2013, p. 734-735).

A legislação, como um reflexo dinâmico das transformações sociais (CAVALCANTE,


2023), tem demonstrado uma notável capacidade de adaptação para incorporar e reconhecer os
direitos relacionados à identidade de gênero e à orientação sexual. Esse processo evolutivo
reflete a resposta do sistema jurídico às demandas por inclusão e igualdade, que emergem dos
movimentos sociais e das mudanças de percepção na sociedade. A análise atenta dos
dispositivos legais e das decisões judiciais nesse contexto não apenas destaca o progresso
alcançado, mas também oferece uma visão detalhada das garantias e desafios enfrentados pelos
indivíduos em sua busca por equidade e justiça.
A legislação, todavia, não deve ser considerada de forma isolada, mas de uma forma
sistemática, em conjunto com os princípios de direito, a jurisprudência, a doutrina etc. Essas
diversas fontes contribuem para a construção de um entendimento mais completo e consistente
do sistema jurídico como um todo. A jurisprudência, por exemplo, representa as decisões
judiciais anteriores, que podem fornecer orientação sobre a aplicação e interpretação das leis.
A doutrina, por sua vez, consiste nas análises e interpretações elaboradas por estudiosos do
direito, oferecendo insights valiosos sobre a intenção legislativa e a evolução das normas.
Ao considerar apenas a legislação como fonte de direito, estar-se-ia diante da negação
de direitos, pois muitos direitos foram reconhecidos através de outras fontes e, no caso do
Brasil, especificamente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), como uma
fonte basilar na construção e consolidação dos direitos, demonstrando a relevância de se
considerar diversas fontes para uma compreensão abrangente e efetiva do ordenamento
jurídico.
O exemplo mais utilizado na sistemática atual, em outras palavras, no contexto
contemporâneo, é o reconhecimento da união homoafetiva2. Se apenas se levar a letra da lei
em consideração, a união homoafetiva seria estritamente proibida, uma vez que o art. 226, §§

2
Vide: Barroso, 2011.
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3º e 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e os arts. 1.517 e 1.723 do Código Civil de
2002 (CC/02) se referem ao homem e à mulher como sujeitos passíveis de união um com o
outro.
A partir disso, foi deflagrada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 no
âmbito do STF, de relatoria do ex-Ministro Ayres Britto, que provocou a mais alta Corte do
país a se manifestar sobre a possibilidade de união homoafetiva.
Em seu voto, o ex-Ministro traz à baila o compromisso da República Federativa do
Brasil de promover o bem de todos, insculpido no art. 3º, IV da CF/88, e a falta de proibição
em lei de união homoafetiva, sinalizando que, segundo o art. 5º, II da CF/88 “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988).
Além disso, expôs o direito à busca felicidade, sinalizando que se

[...] as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes


heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada:
só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente (BRASIL, 2011, p. 14)

A partir desses preceitos, deu interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do


Còdigo Civil, a fim de proibir qualquer óbice ao reconhecimento da união de pessoas do mesmo
sexo.
Observa-se, nos últimos anos, um reconhecimento crescente da diversidade de
identidades de gênero e orientações sexuais nas leis de muitas jurisdições. Legislações
antidiscriminatórias, leis de identidade de gênero e reconhecimento do casamento entre pessoas
do mesmo sexo, como exemplificado acima, são exemplos concretos desse avanço. No entanto,
a eficácia dessas medidas frequentemente depende da interpretação e aplicação coerente por
parte dos tribunais.
Outro caso que pode ser trazido à baila para demonstrar a importância da aplicação de
determinados princípios, interpretações e preceitos constitucionais diz respeito ao julgamento
do Mandado de Injunção (MI) nº 4.733. Nesse contexto, o STF mais uma vez foi provocado a
se manifestar sobre os direitos da população LGBT+.
Nesse caso em específico, a motivação para se provocar o Poder Judiciário foi a falta
de norma criminalizadora dos atos de homotransfobia.
Na oportunidade, foi reconhecida a omissão do Poder Legislativo Federal em editar lei
para criminalizar os atos de homotransfobia. Como fundamento, o relator, Ministro Luiz Edson
Fachin, utilizou o princípio da dignidade da pessoa humana insculpido no art. 1º, III da CF/88,
e o princípio da igualdade previsto no art. 5º, caput.
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Considerou-se que a falta de uma legislação editada por quem possui legitimidade
(Congresso Nacional) é tolerar o sofrimento da comunidade LGBT+. A prática de atos
discriminatórios a essa parcela da população seria um ato atentatório ao Estado Democrático
de Direito, uma vez que a proibição da discriminação se estende à identidade de gênero e à
orientação sexual, e que a própria Constituição determina a criminalização de quaisquer atos
atentatórios aos direitos e liberdades fundamentais, conforme art. 5º, XLI da CF/88 (BRASIL,
2020).
Nas palavras do relator:

Afirmar que uma República que tem por objetivo “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas
de discriminação” tolera alguns atos atentatórios à dignidade da pessoa
humana, ao tempo em que protege outros, é uma leitura incompatível com o
Texto Constitucional (BRASIL, 2020, p. 23).

Essa afirmativa é importante pois há de se considerar que a identidade de gênero e a


orientação sexual são manifestações da personalidade do indivíduo, e permitir que outras
pessoas se utilizem dos direitos fundamentais para afrontar os direitos da comunidade LGBT+
é tolerar que direitos sejam negados e pessoas sejam infelizes.
Em seu voto, o ex-Ministro Celso de Mello fez as seguintes ponderações:

A orientação sexual e a identidade de gênero constituem elementos essenciais


da personalidade humana. Não há maiores dificuldades em se entender que as
escolhas tomadas nesses campos concretizam a capacidade de
autodeterminação do indivíduo. Em essência, cuida-se de decisões tomadas
pelos indivíduos no exercício da liberdade de projetar sua própria vida e de
aspirar à busca da felicidade (BRASIL, 2020, p.2).

Dessa forma, em um primeiro momento, equiparou-se a homotransfobia ao crime de


racismo da Lei nº 7.716/89, alargando-se o conceito de raça. Nas palavras do Ministro Luiz
Fux em seu voto: “É premente se reconhecer que a homofobia e a transfobia constituem
espécies do gênero racismo, o que acarreta sua inclusão no conceito de “raça”, para a aplicação
extensiva da Lei do Racismo” (BRASIL, 2020, p. 28).
. Todavia, ficou de fora a equiparação ao crime de injúria racial, tendo sido reconhecida
essa omissão no julgamento dos Embargos de Declaração no Mandado de Injunção nº 4.733,
estendendo-se a criminalização aos casos de injúria racial.
Através de uma análise nas decisões proferidas, por exemplo, é exemplificada neste
artigo, anteriormente é possível observar vestígios de lacunas, ambiguidades e desafios
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enfrentados pelos indivíduos LGBTQ+ no acesso à justiça e na proteção de seus direitos. A
interpretação jurisprudencial desempenha um papel crucial nesse processo, moldando a
efetividade das leis e determinando seu impacto na vida cotidiana. Portanto, compreender como
a legislação é aplicada na prática é essencial para avaliar a eficácia das proteções legais
existentes e para promover contínuas reformas que garantam a plena igualdade e inclusão de
todos os cidadãos, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
As abordagens teóricas que fundamentam o diálogo entre Gênero, Sexualidade e
Direito desempenham um papel crucial ao contextualizar as interpretações legais,
proporcionando uma compreensão mais profunda e enriquecedora das complexidades
envolvidas nessa interseção. A interdisciplinaridade entre teorias de gênero e estudos jurídicos
oferece uma perspectiva ampla, desafiando preconceitos arraigados e fornecendo as bases para
novas formulações conceituais que refletem de maneira mais precisa as realidades sociais
(RAMOS, 2021).
Ao adotar uma abordagem teórica interdisciplinar, os estudiosos e pesquisadores podem
explorar as raízes históricas das normas de gênero e sexualidade, analisando como essas
concepções foram incorporadas no direito ao longo do tempo. Além disso, a
interseccionalidade dessas teorias permite uma análise mais completa das experiências vividas
por diferentes grupos sociais, considerando não apenas o gênero e a sexualidade, mas também
fatores como raça, classe e habilidades diversas.
Os indivíduos têm se valido do seu direito à liberdade para sua autodeterminação,
estando mais abertos à construção de si mesmos, sem se prender a conceitos pré-determinados
do binarismo. As pessoas transexuais, por exemplo, em dado momento podem se entender
assim, enquanto em outro momento podem se entender como pessoas não-binárias,
reconhecendo a fluidez existente na definição de seu gênero.

É fundamental compreender que a identidade de gênero é única para cada


pessoa e pode variar amplamente. Algumas pessoas têm uma identidade de
gênero que corresponde ao seu sexo designado, enquanto outras têm
identidades de gênero diversificadas, como pessoas não-binárias, que não
se encaixam nas categorias tradicionais de homem ou mulher. [...] Em suma,
a identidade de gênero e a expressão de gênero são elementos centrais da
experiência humana que vão além das normas binárias de masculino e feminino.
Reconhecer e respeitar a diversidade de identidades de gênero e expressões de
gênero é essencial para promover a igualdade e os direitos humanos de todas as
pessoas (DOMINGUES, 2023, p. 11-12, grifo do autor).

No contexto contemporâneo, deparamo-nos com desafios substanciais relacionados à


inclusão, ao reconhecimento e à garantia de direitos para todas as identidades de gênero e
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orientações sexuais. Esses desafios refletem as complexidades e as resistências presentes nas
estruturas sociais e legais, evidenciando a necessidade premente de abordagens inovadoras e
inclusivas. Identificar esses obstáculos e, mais importante ainda, propor caminhos para superá-
los emerge como um imperativo ético e jurídico, buscando efetivar a promessa de igualdade
consagrada nos princípios democráticos.
A diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais é vasta, e, muitas vezes,
o sistema jurídico enfrenta dificuldades em se adaptar a essa complexidade. Discriminações,
estigmatizações e lacunas legais persistem, criando barreiras para o pleno exercício dos direitos
fundamentais por parte de diversas comunidades. A conscientização dessas problemáticas,
aliada à compreensão das nuances e especificidades de cada grupo, é fundamental para o
desenvolvimento de estratégias eficazes e abrangentes.
A busca por soluções não apenas envolve a revisão e reforma de leis discriminatórias,
mas também demanda uma mudança cultural profunda para promover a aceitação e o respeito
à diversidade. A educação e a sensibilização são ferramentas de grande valia nesse processo,
capacitando a sociedade a questionar preconceitos arraigados e a construir uma cultura mais
inclusiva e igualitária.
Ao propor caminhos para superar esses desafios, é crucial considerar a voz e as
experiências das comunidades afetadas, garantindo que as soluções sejam culturalmente
sensíveis e eficazes. Ao se considerar essas vozes, o Direito estará promovendo o bem estar
de todos e a garantia de permanência do Estado Democrático de Direito.

Não escapará a ninguém que tenha olhos de ver e coração de sentir que a
comunidade LGBTI+ constitui um grupo vulnerável, vítima de preconceito,
discriminação e violências ao longo da história da humanidade. Violências
privadas, i.e., praticadas por particulares, e públicas, provocadas pelo Estado.
Os números falam por si, como noticiado acima. Nesse cenário, o direito e o
Estado têm o dever de interferir na defesa dos direitos fundamentais dessas
minorias. Não se está falando apenas do direito de viver a própria liberdade
sexual, mas de preservar a integridade física e psíquica, quando não a própria
vida de membros da comunidade LGBTI+; E aqui penso ser o caso de
estabelecer um respeitoso diálogo com o Congresso Nacional e a sociedade,
à luz da teoria constitucional e da teoria democrática (BRASIL, 2020, p. 14)

Além disso, abre-se espaço para futuras reflexões e pesquisas que possam aprofundar
ainda mais a compreensão dessas questões, alimentando um ciclo contínuo de aprendizado e
aprimoramento das práticas jurídicas e sociais. Em última análise, ao enfrentar esses desafios
de frente, estamos contribuindo para a construção de um mundo mais justo, inclusivo e
respeitoso com a diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais.
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PERCURSO METODOLÓGICO

A metodologia adotada para a seleção das universidades objeto de estudo no exame da


presença de gênero e sexualidade no Curso de Direito teve como ponto de partida o ranking de
cursos de 2023, fornecido - elaborado - pela Folha de São Paulo3. Esta escolha estratégica
baseou-se na relevância das instituições de ensino superior, conforme avaliação da mencionada
fonte, considerando critérios diversos que impactam diretamente na qualidade e
reconhecimento dos cursos ofertados.
Dentre os critérios utilizados para a seleção das quatro universidades incluídas na
pesquisa, destaca-se a média formulada do quesito "OAB" (Ordem dos Advogados do Brasil).
Tal indicador foi considerado como um elemento de grande valia para a avaliação da excelência
e adequação dos cursos de Direito analisados. A preocupação em incluir universidades que
apresentassem um desempenho consistente no Exame de Ordem contribuiu para garantir a
representatividade do estudo, assegurando que as instituições selecionadas possuíam padrões
de qualidade reconhecidos pela Ordem dos Advogados do Brasil.
A escolha das universidades com base na média formulada do quesito OAB reflete a
busca por uma amostra significativa e representativa do panorama educacional no campo
jurídico. Acredita-se que instituições que se destacam nesse critério possuem estruturas
acadêmicas sólidas, capazes de proporcionar um ambiente propício para a análise da presença
de temáticas relacionadas a gênero e sexualidade no contexto do Curso de Direito.
Assim, a metodologia adotada para a escolha das universidades foi cuidadosamente
delineada, visando assegurar a qualidade e representatividade dos dados coletados. O enfoque
na avaliação da OAB como parte integrante desse processo reforça a relevância e a
credibilidade das instituições selecionadas, fornecendo uma base sólida para a investigação
sobre a inclusão de questões de gênero e sexualidade nos currículos desses cursos.
Diante da importância atribuída à avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
como critério fundamental na seleção das universidades para o presente estudo, foram
escolhidas quatro instituições de ensino superior que se destacaram significativamente nesse
quesito. Conforme evidenciado no Quadro 01, as universidades selecionadas, juntamente com
suas respectivas pontuações na avaliação da OAB, são as seguintes: Universidade de São Paulo
(USP) com 38,00 pontos, Universidade Federal de Sergipe (UFS) com 37,95 pontos,

3
Vide: https://ruf.folha.uol.com.br/2023/ranking-de-cursos/direito/
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Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com 37,91 pontos e Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) com 37,86 pontos.

Quadro 01: Instituições escolhidas para realização do artigo


INSTITUIÇÃO OAB

USP 38,00

UFS 37,95

UFMG 37,91

UFPE 37,86
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Folha de São Paulo4, 2023.

Com a delimitação das universidades estabelecida, o próximo passo consistiu em


realizar uma investigação detalhada nos sites das instituições listadas no Quadro 01. O objetivo
principal foi identificar e analisar os fluxogramas e ementas dos cursos de Direito oferecidos
por essas universidades, visando verificar a presença de disciplinas relacionadas a Gênero e/ou
Sexualidade.
Nesse contexto, o Quadro 02 apresenta os links utilizados neste estudo para acesso aos
materiais empíricos pertinentes. A pesquisa atenta nos sites das universidades selecionadas
permitiu a coleta de informações cruciais para a análise da inclusão de tais temáticas nos
currículos acadêmicos, oferecendo uma base concreta para a compreensão da abordagem
dessas questões no contexto específico do Curso de Direito em cada instituição. Esse processo
metodológico rigoroso contribui para a robustez e confiabilidade dos resultados obtidos,
oferecendo uma visão aprofundada sobre a integração de Gênero e Sexualidade nos planos de
ensino das universidades em questão.

Quadro 02: Links para acesso aos fluxogramas e ementas das disciplinas de Gênero e/ou
Sexualidade nos Cursos de Direitos das instituições selecionadas para realização do artigo
INSTITUIÇÕES LINKS UTILIZADOS

USP https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/listar
GradeCurricular?codcg=2&codcur=2014
&codhab=102&tipo=N

4
Vide: https://ruf.folha.uol.com.br/2023/ranking-de-cursos/direito/
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https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/listar
GradeCurricular?codcg=2&codcur=2014
&codhab=104&tipo=N

UFS https://www.sigaa.ufs.br/sigaa/link/public
/curso/curriculo/35391980

https://www.sigaa.ufs.br/sigaa/public/curs
o/curriculo.jsf

UFMG https://colgrad.direito.ufmg.br/?page_id=
1348

UFPE https://www.ufpe.br/documents/39312/19
08903/Perfil+807.1/72d53156-b2b7-4780-
bf3e-2635fd8b4580
Fonte: Elaborado pelo autor.

Jacques Le Goff (1996) destaca a ideia de que os documentos históricos são resultados
de montagens das sociedades que os produziram ao longo do tempo. Ele sugere que os
documentos são monumentos moldados pelas sociedades históricas para transmitir uma
imagem específica ao futuro. Le Goff (1996) também enfatiza a importância de analisar e
desmontar esses documentos para compreender as condições de sua produção.
A partir da visão de Le Goff (1996), há de se assumir a possibilidade de se considerar
os fluxogramas e as ementas como documentos históricos capazes de transmitir uma realidade.
Neste contexto, destaca-se que a pesquisa em questão adotou uma abordagem
fundamentada na análise documental. Conforme delineado por Bardin (1977), a análise
documental se caracteriza pelo manuseio e organização de documentos, utilizando técnicas
como classificação e indexação. Diferenciando-se da análise de conteúdo, que lida com a
interpretação de mensagens e comunicações, a análise documental visa à representação
condensada da informação, tornando-a acessível para consulta e armazenagem. Essa escolha
metodológica reflete a intenção de capturar nuances e significados subjacentes aos
documentos, a saber, fluxogramas e ementas de disciplinas enriquecendo a compreensão da
temática em estudo.

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ANÁLISES E RESULTADOS

A Universidade de São Paulo -USP-, em sua grade curricular, nos apresenta duas
disciplinas optativas eletivas denominadas de Direito e Equidade de Gênero e Direito do
Trabalho sob a Perspectiva de Gênero, Raça e Classe. Inicialmente, ao considerar apenas a
presença dessas duas disciplinas na grade curricular, tem-se a ideia de que a temática é
relevante e merece ser tratada no âmbito acadêmico.
Conquanto tais disciplinas estejam presentes, mesmo que como disciplinas optativas,
na grade curricular da instituição, a ementa e a bibliografia de ambas nos demonstram que há
uma carências de questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero, existindo um foco
maior em questões relacionadas ao feminismo.
A Disciplina Direito e Equidade do Gênero, indicada como disciplina optativa do 2º
período da graduação, se encontra ativa desde 15/07/2020, e possui o objetivo de transmitir aos
alunos conhecimento sobre as relações estabelecidas entre Direito e equidade de gênero,
levando à reflexão sobre a exclusão e discriminação de mulheres na sociedade.
A partir dessa premissa, a ementa nos apresenta os tópicos que são abordados na
disciplina, sendo eles: (a) Conceito de gênero; (b) Igualdade de gênero; (c) Teoria Feminista
do Direito (feminist legal theory); (d) Direitos Humanos das Mulheres; (e) Presença e
participação de mulheres no ensino jurídico; (f) Presença e participação de mulheres nas
carreiras jurídicas; (g) Presença e participação de mulheres na diplomacia; (h) Presenpa e
participação de mulheres na política; (i) Gênero, raça, classe, idade e sexualidade: um olhar
interseccional; (j) Estudos feministas e questões éticas; (k) Mulheres e violências; (l)
Feminismo e Pesquisa Científica: epistemologia e metodologia; (m) Acesso à justiça e gênero:
o processo como mecanismo de criação, reforço ou desestabilização de desigualdades de
gênero.
Conforme depreende-se da ementa, a abordagem de uma variedade de tópicos
relevantes para compreender as complexas relações entre Direito e equidade de gênero parece
ser uma iniciativa de extrema relevância. Abordar temas como Teoria Feminista do Direito,
Direitos Humanos das Mulheres e interseccionalidade deixa em evidência a intenção de
apresentar uma perspectiva abrangentes a respeito das questões de gênero.
Mas é sempre importante considerar a forma como os tópicos são abordados na prática,
pois a eficácia que a disciplina pretende alcançar depende intrinsecamente da qualidade do
ensino, do diálogo aberto e inclusivo no decorrer das ministrações. A efetividade pode ser
aferida a partir de atitudes e práticas dos alunos matriculados frente a questões de gênero.
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Apesar disso, não deixa de ser notório o fato de que há uma certa carência de tópicos
relacionados à diversidade sexual e de gênero. Na verdade, há apenas um tópico que trata sobre
sexualidade de forma interseccional, sendo ele o tópico “i”, que trata de gênero, raça, classe,
idade e sexualidade: um olhar interseccional. Todavia, questões de diversidade sexual e de
gênero merecem um aprofundamento próprio.
Por mais, com relação à bibliografia recomendada da disciplina, há apenas um livro
utilizado em larga escala por pesquisadores de diversidade sexual e de gênero, o denominado
Problemas de gênero, da autora pós-estruturalista Judith Butler, uma vez que a visão
apresentada por ela é essencial ao estudo da diversidade de gênero.
De outro lado, a disciplina Direito do Trabalho sob a Perspectiva de Gênero, Raça e
Classe é indicada como disciplina optativa do 7º período da graduação em Direito está ativa
desde 01/01/2022, e tem o objetivo de trazer visibilidades às questões de gênero, raça e classe
nas relações jurídico-trabalhistas.
A ementa nos apresenta os seguintes tópicos abordados na disciplina: (a) História da
classe trabalhadora no Brasil, com destaque para a participação dos negros e das mulheres
brancas e negras; (b) A precarização tem rosto de mulher; (c) Discriminação racial; (d) A visão
do mundo que impera na jurisprudência trabalhista; (e) A visão de mundo que impera na
doutrina trabalhista.
A disciplina se concentra nas relações de trabalho das mulheres e pessoas negras,
abordando questões relevantes para o reconhecimento da importância de se dar visibilidade a
grupos historicamente marginalizados. O destaque para a história da classe trabalhadora no
Brasil, com ênfase na participação de mulheres brancas e negras, juntamente com o debate
sobre precatrização, discriminação racial e visões de mundo na jurisprudência e doutrina
trabalhista contribui para se compreender critica e contextualizadamente as dinâmicas laborais.
Ao analisar a inclusão de disciplinas relacionadas a questões de gênero, vemos uma
conscientização sobre a necessidade de uma educação mais inclusiva, que abrace a minorias
historicamente marginalizadas, por mais que sejam disciplinas optativas.
Além de as disciplinas encontrarem limitações devido à sua falta de obrigatoriedade,
ambas esbarram em limitações decorrentes da falta de representatividade, uma vez que não
abarcam todas as minorias existentes.
A diversidade sexual e de gênero é uma dimensão importante das discussões
contemporâneas sobre equidade, e a inclusão dessas temáticas em cursos que buscam uma
integração entre Direito e Gênero é fundamental.

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A falta de abordagem pode ser interpretada como uma limitação da representação das
vozes dentro da comunidade LGBT+. Uma análise crítica poderia questionar se as disciplinas
estariam refletindo adequadamente a pluralidade de existências e desafios enfrentados por
pessoas de diferentes orientações sexuais e identidades de gênero.
Essa análise não desmerece a importância dos temas já abordados na grade curricular
da USP, mas destaca a necessidade de uma abordagem mais holística, que englobe a
diversidade mais ampla de perspectivas relacionadas à equidade de gênero e à diversidade
sexual.
A ausência de disciplinas relacionadas ao estudo de gênero no fluxograma da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG- e da Universidade Federal de
Sergipe -UFS- é uma observação significativa que merece atenção e análise crítica. Essa lacuna
pode indicar uma limitação na abordagem do currículo jurídico em relação às questões de
gênero, sugerindo a possibilidade de não haver uma inclusão sistemática e estruturada de
tópicos relacionados a essa temática.
A análise da ausência de disciplinas de gênero na Faculdade de Direito pode suscitar
questões sobre a sensibilidade do currículo para abordar as complexas interseções entre direito
e gênero. A falta de disciplinas específicas -eletivas ou obrigatórias- reflete uma lacuna na
formação dos estudantes de direito em relação às questões de igualdade de gênero,
discriminação e outras temáticas relevantes para a prática jurídica contemporânea.
Além disso, a inexistência de disciplinas de gênero pode indicar a necessidade de uma
revisão curricular para incorporar uma perspectiva mais abrangente e inclusiva. A inclusão de
disciplinas obrigatórias ou eletivas voltadas para o estudo de gênero pode ser fundamental para
preparar os futuros profissionais do direito para lidar com as nuances e desafios apresentados
pela sociedade moderna.
Essa análise ressalta a importância contínua de revisões curriculares e a necessidade de
uma abordagem mais aberta e reflexiva na construção do currículo jurídico, assegurando que
as mudanças e avanços sociais sejam refletidos de maneira adequada na formação dos
estudantes de direito.
A análise do Fluxograma de Direito da Faculdade da Universidade Federal do
Pernambuco - UFPE-, revela a inclusão de duas disciplinas eletivas, a saber: "Direito do
Trabalho e Estudo de Gênero" e "Direito e Gênero". A presença destas no currículo acadêmico
sugere um reconhecimento da importância de integrar perspectivas de gênero no ensino
jurídico. Contudo, a designação como eletivas levanta questões quanto à profundidade e

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alcance da abordagem, sugerindo uma possível limitação na participação dos estudantes e,
consequentemente, na efetividade do impacto desejado.
A categorização como disciplinas eletivas suscita reflexões sobre a ênfase atribuída a
tais temas no âmbito acadêmico, podendo resultar em uma participação limitada e, por
conseguinte, na mitigação do impacto dessas disciplinas na formação jurídica geral. A
ponderação sobre a integração mais orgânica desses estudos de gênero em disciplinas
obrigatórias seria pertinente para assegurar uma compreensão mais abrangente e profunda dos
aspectos jurídicos relacionados ao gênero.
Adicionalmente, a análise do fluxograma evidencia a necessidade contínua de avaliação
e atualização do currículo jurídico para refletir as mudanças na sociedade e no campo do direito.
O reconhecimento da importância do estudo de gênero é um avanço positivo, contudo, a
eficácia dessas disciplinas no contexto acadêmico deve ser cuidadosamente monitorada para
garantir uma contribuição efetiva à formação jurídica equitativa e sensível às questões de
gênero. Em última instância, a integração efetiva de temas de gênero no ensino de direito é
crucial para preparar futuros profissionais jurídicos para lidar com a complexidade e
diversidade das questões sociais contemporâneas.
A disciplina "Direito do Trabalho e Estudo de Gênero", oferecida pelo Departamento
de Direito Público Especializado da UFPE, estabelece como pré-requisito a conclusão da
disciplina "Direito Individual do Trabalho". Em relação à ementa, a disciplina abrange um
conjunto diversificado de saberes a serem ministrados. Dentre estes, estão contemplados os
seguintes temas: (a) introdução ao estudo de gênero, (b) interseccionalidade, (c) justiça
tridimensional, (d) formação sexista do Direito do Trabalho, (e) o sujeito de direito universal,
tratamento jurídico do trabalho doméstico, (f) direito e gênero na saúde e segurança do trabalho,
(g) parentalidade e licenças por nascimento, e a (h) interconexão entre cuidado e trabalho.
Esta abordagem reflete uma considerável amplitude, incorporando desde os
fundamentos introdutórios até questões mais específicas e contemporâneas relacionadas à
interação entre o Direito do Trabalho e as questões de gênero. A inclusão de temas como a
formação sexista do Direito do Trabalho e o tratamento jurídico do trabalho doméstico sinaliza
a intenção de examinar criticamente as dimensões históricas e sociais dessas áreas. A análise
da interseccionalidade e a introdução ao estudo de gênero indicam uma perspectiva moderna e
alinhada com os debates atuais na área jurídica. Nesse contexto, a disciplina se posiciona como
um espaço de estudo abrangente, proporcionando aos estudantes uma compreensão mais

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profunda das complexidades jurídicas e sociais envolvidas na interseção entre Direito do
Trabalho e questões de gênero.
Na disciplina "Direito e Gênero", vinculada ao Departamento de Direito Público Geral
e Processual, o pré-requisito estabelecido é a conclusão da disciplina "Direito Constitucional
1". A ementa da referida disciplina compreende uma abordagem multifacetada, englobando os
seguintes tópicos: (a) princípios constitucionais, (b) efetividade e a proteção da mulher; (c)
teorias feministas; (d) direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos; (e) violência de
gênero, violência obstétrica e cultura do estupro; (f) gênero e direito à cidade; (g) gênero,
políticas públicas e políticas afirmativas; e (h) demandas de gênero e regulamentação do
Estado, destacando o feminicídio e a Lei Maria da Penha.
A disposição desses saberes a ensinar revela uma abordagem abrangente e
contemporânea, incorporando tanto fundamentos constitucionais quanto questões específicas
relacionadas às dinâmicas de gênero. A interligação entre princípios constitucionais e a
efetividade na proteção da mulher indica uma análise crítica dentro do contexto normativo. A
inclusão de teorias feministas e a consideração dos direitos sexuais e reprodutivos como
direitos humanos posicionam a disciplina em consonância com os debates atuais no campo do
Direito e Gênero.
Questões sensíveis, como violência de gênero, violência obstétrica e cultura do estupro,
são abordadas, ressaltando a importância de examinar criticamente manifestações de
discriminação e violência contra as mulheres. A conexão entre gênero, direito à cidade e
políticas públicas ressalta a amplitude da análise, incorporando aspectos urbanos e políticos às
considerações jurídicas. Por fim, a discussão sobre as demandas de gênero e a regulamentação
do Estado evidencia a contextualização normativa, destacando instrumentos legais específicos,
como o Feminicídio e a Lei Maria da Penha. Essa organização coesa da ementa demonstra uma
abordagem completa e aprofundada no estudo das relações entre Direito e Gênero.
Em síntese, a análise do fluxograma de Direito na UFPE destaca a progressiva
incorporação de disciplinas voltadas para o estudo de gênero, como "Direito do Trabalho e
Estudo de Gênero" e "Direito e Gênero". Embora o reconhecimento da importância dessas
perspectivas seja evidente, a designação como disciplinas eletivas suscita a necessidade de uma
reflexão mais profunda sobre a efetividade da abordagem, considerando a possibilidade de
limitação na participação dos estudantes e, consequentemente, na amplitude do impacto
desejado.

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A proposição de integração orgânica desses estudos de gênero em disciplinas
obrigatórias emerge como uma consideração válida para garantir uma compreensão mais
abrangente e profunda dos aspectos jurídicos relacionados ao gênero. Além disso, a constante
necessidade de avaliação e atualização do currículo jurídico, refletindo as mudanças sociais e
jurídicas, é crucial para assegurar que o ensino jurídico esteja alinhado com as complexidades
e demandas da sociedade contemporânea.
Em suma, a integração efetiva de temas de gênero no ensino de direito é um passo
positivo, contribuindo para a formação de profissionais jurídicos mais sensíveis e capacitados
para lidar com as intrincadas questões sociais e de gênero que permeiam a prática jurídica. O
desafio futuro reside na constante revisão e adaptação do currículo, assegurando uma educação
jurídica equitativa, atualizada e apta a preparar os estudantes para enfrentar as transformações
dinâmicas da sociedade.
As análises e resultados das disciplinas relacionadas a gênero nas grades curriculares
da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Federal do Pernambuco (UFPE)
revelam tanto semelhanças quanto divergências nas abordagens e oportunidades oferecidas.
Em relação às semelhanças, identificou-se vestígios na conscientização sobre a
importância de uma educação mais inclusiva, com ênfase na necessidade de integrar
perspectivas de gênero no ensino jurídico. As disciplinas optativas, como "Direito e Equidade
de Gênero" e "Direito do Trabalho sob a Perspectiva de Gênero, Raça e Classe", refletem um
reconhecimento da relevância da temática no âmbito acadêmico. Ambas abordam questões
cruciais, como a (1) igualdade de gênero, (2) teorias feministas do direito e a (3) participação
das mulheres em diversas esferas.
No entanto, as divergências surgem ao examinar a abrangência das abordagens.
Enquanto as disciplinas da USP apresentam uma carência de questões relacionadas à
diversidade sexual, focando mais no feminismo, as da UFPE incorporam temas mais amplos,
como interseccionalidade, violência de gênero e políticas públicas. A falta de
representatividade de todas as minorias é comum, registramos que a ausência de saberes a
ensinar relacionadas à diversidade sexual em ambas as instituições.
A oportunidade reside na conscientização contínua sobre a necessidade de revisões
curriculares. As disciplinas da UFPE, apesar de serem eletivas, demonstram uma abordagem
abrangente, incluindo desde fundamentos introdutórios até questões mais contemporâneas
relacionadas à interação entre Direito do Trabalho e gênero. No entanto, a designação como

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disciplinas eletivas levanta preocupações sobre a profundidade do impacto desejado, indicando
a necessidade de reflexão sobre a integração mais orgânica desses estudos em disciplinas
obrigatórias.
A partir da análise do fluxograma e de das ementas das disciplinas analisadas, infere-
se, em relação aos desafios, uma falta de representação de diversidade sexual e de gênero em
algumas disciplinas, bem como na categorização de disciplinas como eletivas, o que pode
limitar sua participação e impacto. Além disso, a constante necessidade de atualização e
avaliação do currículo jurídico destaca a complexidade de manter uma formação equitativa e
sensível às questões de gênero diante das mudanças sociais e jurídicas.
Em síntese, a análise expõe progressos de grande valia na integração de temas de gênero
no ensino jurídico, mas também destaca desafios persistentes relacionados à profundidade da
abordagem e à representatividade. A busca por uma educação mais inclusiva e atualizada deve
ser contínua para preparar os estudantes de direito para enfrentar os desafios complexos da
sociedade contemporânea.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou-se explicitar a importância dos estudos em Gênero e


Sexualidade nas faculdades de Direito, na formação de profissionais que serão operadores da
lei. A pergunta central foi: como vêm sendo tratadas as questões de gênero e sexualidade no
âmbito das faculdades de Direito do Brasil?
A análise das disciplinas relacionadas a gênero nas grades curriculares das
universidades estudadas - USP, UFMG, UFS e UFPE - revela um reconhecimento crescente da
importância dessas perspectivas no ensino jurídico. No entanto, os desafios persistentes em
relação à profundidade da abordagem e à representatividade indicam a necessidade de uma
reflexão contínua sobre a inclusão desses temas nos currículos das faculdades de Direito.
As semelhanças entre as instituições evidenciam um movimento geral em direção à
conscientização sobre a necessidade de uma educação mais inclusiva, com a inclusão de
disciplinas optativas dedicadas ao estudo de gênero. Isso reflete um reconhecimento da
relevância da temática no âmbito acadêmico e demonstra um esforço conjunto em abordar
questões fundamentais como igualdade de gênero, teorias feministas do direito e participação
das mulheres em diversas esferas.

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No entanto, as divergências nas abordagens destacam a necessidade de uma maior
variedade de perspectivas nos currículos. Enquanto algumas instituições parecem focar mais
no feminismo, negligenciando questões relacionadas à diversidade sexual, outras incorporam
temas mais amplos, como interseccionalidade, violência de gênero e políticas públicas. Essa
disparidade ressalta a importância de uma abordagem mais holística e inclusiva para garantir
que todas as minorias sejam representadas adequadamente.
As oportunidades residem na conscientização contínua sobre a necessidade de revisões
curriculares para integrar de forma mais orgânica os estudos de gênero em disciplinas
obrigatórias. Disciplinas como as oferecidas pela UFPE demonstram um progresso
significativo nesse sentido, abordando desde fundamentos introdutórios até questões mais
contemporâneas relacionadas à interação entre Direito do Trabalho e gênero. No entanto, a
designação como disciplinas eletivas ainda levanta preocupações sobre a profundidade do
impacto desejado, destacando a importância de uma revisão mais ampla dos currículos.
Por outro lado, os desafios persistem, especialmente em relação à falta de representação
de diversidade sexual e de gênero em algumas disciplinas, bem como na categorização dessas
disciplinas como eletivas. Isso pode limitar sua participação e impacto, evidenciando a
necessidade de uma revisão mais abrangente dos currículos para garantir uma formação
equitativa e sensível às questões de gênero.
Em síntese, embora haja progressos significativos na integração de temas de gênero no
ensino jurídico, ainda existem desafios persistentes que exigem uma abordagem contínua e
reflexiva. A busca por uma educação mais inclusiva e atualizada deve ser uma prioridade para
preparar os estudantes de direito para enfrentar os desafios complexos da sociedade
contemporânea, garantindo uma formação jurídica equitativa e sensível às questões de gênero.

REFERÊNCIAS

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e raça no Brasil (2003 - 2015). Cadernos Pagu, n. 51, p. 1-54, 2017.

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Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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Fachin. Brasília, DF, 13 de junho de 2019. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 01 jul. 2019.
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Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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A PRESENÇA DE IDENTIDADE DE GÊNERO, SEXUALIDADE E
EDUCAÇÃO SEXUAL NO ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA
EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS (ENPEC)
Danrvney Christian Monteiro dos Santos
Igor Victor da Silva
Mateus Vinicius Teles Lima
Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki

Resumo

Mesmo com as temáticas de identidade de gênero e sexualidade tendo ganho mais destaque
nos últimos anos, a visibilidade do tema permanece restrita a espaços específicos, resultando
na invisibilização dessas temáticas. O presente trabalho visa analisar a presença dos temas de
identidade de gênero, sexualidade e Educação Sexual nas edições do encontro nacional de
pesquisa em educação em ciências (ENPEC) de 1997 a 2023. Com essa abordagem
quantitativa, foi encontrado que dos 12.056 trabalhos publicados em todas as edições do
ENPEC, apenas 230 dissertam sobre esses conteúdos, sendo expresso em 1,9%, o que é
problemático, pois esse evento tem como público alvo professores e graduandos da
licenciatura, que podem se deparar com as mais variadas formas de preconceito sexual ou de
gênero no ambiente escolar.

Palavras-chave: Diversidade. Ensino. Preconceito. Professores.

INTRODUÇÃO

O Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), promovido pela


Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), é um evento
acadêmico de destaque na área. Reconhecido pelo CNPq com classificação Qualis A, o ENPEC
congrega pesquisadores de todas as áreas da Educação em Ciências, oferecendo um espaço
crucial para a discussão de problemas, apresentação de resultados de pesquisa e
compartilhamento de contribuições fundamentais para o Ensino de Ciências. A ABRAPEC,
por sua vez, desempenha um papel central na promoção da pesquisa em Educação em Ciências,
conectando pesquisadores, fomentando eventos de relevância e contribuindo
significativamente para o desenvolvimento e aprimoramento da educação científica. Seu
compromisso é evidenciado por meio de eventos de pesquisa e publicações, consolidando-se
como uma entidade ativa na promoção e perpetuação do conhecimento nesse campo.
O público alvo do ENPEC é constituído por professores da Educação Básica e Superior,
pesquisadores em Educação em Ciências da Natureza e suas áreas vinculadas, estudantes de
graduação, estudantes de pós-graduação e licenciandos (ABRAPEC, 2019).

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Sua penúltima edição ocorreu em setembro de 2021 de forma online com a temática de
“A Centralidade da Pesquisa em Educação em Ciências em Tempos de Movimentos de não
Ciência: Interação, Comunicação e Legitimação”, com a presença de apresentação de trabalhos
e painéis, conferências, lançamentos de livros, mesas-redondas e mostra culturais (ABRAPEC,
2019).
Tendo em vista o papel da escola na promoção da educação integral, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s), estabelecem como meta a participação ativa dos alunos na
sociedade respeitando os direitos civis, sociais e políticos, bem como a cooperação,
solidariedade e repúdio à discriminção, assim fazendo com que os discentes compreendam
acerca do respeito às diferenças culturais e sociais dos indivíduos, frente a isso, foram
incorporados como Temas Transversais, conteúdos que os professores devem aplicar
independente da disciplina/matéria ministrada, sendo reconhecidos os temas: Ética, Pluralidade
Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Trabalho, Consumo e a Educação Sexual, de forma
multidisciplinar e baseado na transversalidade, como dito nos PCN’s. Vale ressaltar que a
urgência social e abrangência nacional são alguns dos critérios da seleção desses temas
(BRASIL, 1997).
Apesar dos assuntos que sejam ligados com sexualidade estejam presentes em
documentos e leis oficiais, na área da educação, sendo inseridos como Temas Transversais para
os PCN’s, desta maneira, docentes devem desenvolver e aplicar estratégias distintas para
dissertar acerca dessas pautas em suas aulas, entretanto, na prática a realidade é outra, no qual
esses temas são ignorados, silenciados e unicamente tratados como os conhecimentos voltados
às infecções sexualmente transmissíveis (IST’s), órgãos reprodutores, gravidez e os
mecanismos contraceptivos (QUIRINO; ROCHA, pág 216-217, 2012). Leite (2019) acrescenta
que mesmo sendo classificadas como obrigação nos documentos curriculares, defendidos por
leis específicas, questões como essas ainda são ignoradas, invisibilizadas e consideradas
difíceis de trabalhar.
Neste cenário observa-se que um tema que deveria intercruzar diversas disciplinas,
recebe apoio predominantemente de professores de ciências e biologia, que devido a sua
formação ser carente de conhecimentos relacionados com Educação Sexual, há uma tendência
na perpetuação biológica desses conteúdos, negligenciando as vertentes sociais e psicológicas
envolvidas (SANTOS, M. S. A; MIANUTTI, J; CERDAS, E, pág 28, 2022).
Na Base nacional Comum Curricular (BNCC) a temática não é tratada de forma direta,
ficando a cargo do professor aborda-la nesta vertente, como por exemplo na habilidade

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EF01CI04 do ensino fundamental I de ciências da natureza diz “Comparar características
físicas entre os colegas, reconhecendo a diversidade e a importância da valorização, do
acolhimento e do respeito às diferenças” ou na habilidade EF08CI08 do Fundamental II
“Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade considerando a atuação dos
hormônios sexuais e do sistema nervoso.”
No ensino médio, podemos exemplificar a EM13CNT207 “Identificar, analisar e
discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos desafios contemporâneos aos quais as
juventudes estão expostas, considerando os aspectos físico, psicoemocional e social, a fim de
desenvolver e divulgar ações de prevenção e de promoção da saúde e do bem-estar” Passagens
como essas podem abrir precedentes para a discussão do tema mas não garantem que o
educador o faça. A presença de “Sexualidade” aparece diretamente no documento apenas no
8º ano na habilidade EF08CI11 o qual consiste em selecionar argumentos que evidenciem as
múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e
ética).(BRASIL, 2018, p.349).
Universidades e escolas são essenciais no processo de compartilhamento de
conhecimento voltado aos temas transversais no currículo escolar, as universidades, por
lidarem com a formação inicial de docentes e as escolas por agirem na formação de cidadãos
críticos e humanizados. A educação sexual proporciona espaços para diálogos e discussões
dessas temáticas dentro do ambiente escolar, oferecendo uma compreensão mais aprofundada
de pautas que permeiam o dia-a-dia das pessoas e dos currículos escolares, tais como,
orientação sexual, identidade de gênero, hormônios, genes entre outros (MOIZES; BUENO,
2010).
A sexualidade é um termo que está incluso na vida dos seres humanos com suas
expressões ocorrendo do nascimento até o falecimento do indivíduo, manifestada de diferentes
formas e culturas, como gestos, expressões, vestimentas e desejos/interesses (QUINTELA;
DIETRICH, 1992).
Além disso, discussões sobre educação sexual ultrapassam conhecimentos acerca dos
sistemas reprodutores, métodos contraceptivos, IST’s e sexo seguro. Falar sobre educação
sexual é uma oportunidade de ensinar as pessoas, principalmente crianças e adolescentes, sobre
abuso sexual, exploração sexual e sobre quais comportamentos de adultos não deverão ser
tolerados e deverão ser comunicados a um responsável (UNESCO, 2018). Dissertar acerca
desses temas no ensino é de fundamental importância, visto que ocorre a promoção do diálogo
antipreconceito, permitindo também trocas de conhecimentos sobre o uso correto de

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mecanismo contraceptivos e da transmissão de infecções sexualmente transmissíveis
(ALTMANN, 2005; CRUZ, 2008).
Cada vez mais, gênero e sexualidade vão aparecendo em debates e pautas em ambientes
de socialização, como escolas e universidades, que por serem instituições sociais, devem ser
ligadas com práticas e conceitos pertencentes a conteúdos presentes na sociedade. Essas
instituições são caracterizadas pela sua pluralidade, havendo diferenças em expressões e
identidades de gêneros e de sexualidade, que formarão a identidade pessoal do indivíduo
(QUADRADO, p. 20-23, 2013).
Segundo Seffner & Picchetti (2014) a escola é essencial no processo de perpetuação
das temáticas de gênero e sexualidade, pois a mesma atua como “mentora” para os estudantes,
os guiando e socializando em problemáticas presentes na realidade social e cultural, como o
preconceito, além de ter papel importante no desenvolvimento do conhecimento científico,
assim ajudando a formar sujeitos conscientes e que respeitem as diferenças e individualidades
dos demais.
É de fundamental importância o desenvolvimento de pesquisas que façam um
levantamento acerca de como identidade de gênero e sexualidade estão no ENPEC, pois,
servem como um diagnóstico para a invisibilidade que esses temas sofrem, desta maneira, os
pesquisadores podem evidenciar essa problemática em um dos maiores eventos da área da
educação.
Levando em consideração a importância de debates e conversas a respeito de identidade
de gênero, sexualidade e Educação Sexual em eventos que reúnam estudantes e pesquisadores,
a vigente pesquisa tem por objetivo quantificar e compreender como essas temáticas são
desenvolvidas em pesquisas de Ensino de Ciências, com uma análise dos trabalhos
apresentados em todas as edições do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências
(ENPEC), sendo este um dos maiores eventos da área de ensino, assim, contribuindo para uma
linha de pesquisa que por muitas vezes é ignorada e silenciada.

METODOLOGIA

A vigente pesquisa é caracterizada por apresentar uma abordagem quantitativa, onde


foi realizada através de um estudo bibliográfico com as publicações que envolvessem as
temáticas de Identidade de Gênero, Sexualidade e/ou Educação Sexual no Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC). O levantamento de dados ocorreu por meio

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do site da Abrapec, disponibilizado pelo link: https://abrapec.com/enpec-edicoes-anteriores/,
no qual foram averiguados todas as edições do evento, ou seja, do I ENPEC ao XIV ENPEC.

Essa pesquisa se apresentou em três situações:

● 1. Identificação dos trabalhos, sendo utilizados descritores: “gênero”, “sex*”, “corpo”,


“contraceptivos” e “preconceito” em títulos, palavras-chave e resumos das
apresentações, os mesmos foram escolhidos por possibilitarem uma maior abrangência
de trabalhos envolvendo as temáticas, vale pontuar que a descritor “sex*” foi
selecionado por juntar “sexualidade”, “sexual” e “sexo”;
● 2. Leitura e análise dos títulos, palavras-chave e resumos para a validação desses
trabalhos encontrados, onde com o uso desses descritores, os trabalhos foram separados
e lidos, caso as temáticas estejam presentes de alguma maneira em seus títulos,
palavras-chave e/ou nos resumos, os mesmos eram inseridos na Tabela 1. Reforçando
que mesmo que um descritor esteja no título de um trabalho, só será levado em
consideração, caso esse objeto de estudo seja encontrado também na leitura dos
resumos ou das palavras-chave. Trabalhos foram desconsiderados em 3 situações: 1 -
Quando o descritor só for registrado nos títulos ou só nas palavras-chaves, sem estar
sendo pontuada nos resumos. 2 - Quando a palavra for disposta de mais de um
significado, por exemplo, “gênero”, o qual para a taxonomia e para a gramática contém
conceitos distintos, sendo necessária uma leitura no resumo para a validação da
temática. 3 - Quando o objeto de estudo não eram identidade de gênero, sexualidade ou
educação sexual, mesmo que presentes nos títulos, resumo e palavras-chaves;
● 3. Desenvolvimento da Tabela 1, contendo o número de publicações totais no ano
específico, quantidade de trabalhos que envolvem as temáticas e a edição do evento.

Vale ressaltar que foram consideradas tanto as apresentações orais, quanto as


apresentações em painéis, havendo um somatório das duas formas de apresentação dentro do
mesmo ano.
Esse tipo de metodologia fica dependendo única e exclusivamente da atualização do
próprio site da abrapec, responsáveis pelo desenvolvimento dos anais, o que dificulta a busca
de dados, pois nem todos os anais estão disponíveis, além disso, os anais das 3 primeiras
edições são baixados por um aplicativo, o que intensificou essas dificuldades.

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A escolha do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) é
justificada pela sua posição proeminente como um dos principais eventos de socialização e
pesquisa nas áreas de educação e ciências, englobando pesquisas nas áreas de Ensino de
Ciências, Física, Biologia e Química. Além de sua abrangência temática, o evento é
reconhecido pela qualidade e relevância das pesquisas apresentadas, consolidando-se como um
espaço crucial para a troca de conhecimentos e discussões no cenário acadêmico. Sua
classificação Qualis A pelo CNPq atesta a excelência do evento, reforçando a pertinência de
explorar suas contribuições para o avanço do conhecimento e aprimoramento das práticas no
campo da Educação em Ciências.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como visto na tabela 1, entre 1997 a 2023 foram apresentados 12.056 trabalhos no
Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), onde 229 abordam de
alguma forma as temáticas de Identidade de Gênero, Sexualidade e Educação Sexual. É
importante pontuar que as publicações do II ENPEC estão indisponíveis, sabendo unicamente
a totalidade de trabalhos apresentados nesse ano.

Tabela 1: Quantidade de trabalhos apresentando nos últimos 20 anos de ENPEC.

Ano Edição Quantidade de publicações totais Quantidade de publicações


(comunicação oral e comunicação por envolvendo Identidade de
painel) Gênero, Sexualidade e
Educação Sexual

1997 I ENPEC 128 0

1999 II ENPEC 163 X (indisponivel)

2001 III ENPEC 236 5

2003 IV ENPEC 451 4

2005 V ENPEC 739 9

2007 VI ENPEC 601 7

2009 VII ENPEC 693 15

2011 VIII ENPEC 1235 20

2013 IX ENPEC 1.526 23

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2015 X ENPEC 1.768 14

2017 XI ENPEC 1.335 32

2019 XII ENPEC 1.246 44

2021 XIII ENPEC 895 26

2023 XIV ENPEC 1040 30

Fonte: autoria própria, 2023.

Segundo Miranda (2017), discussões acerca de identidade de gênero e sexualidade


estão ganhando espaços cada vez mais, estando presentes em locais que geralmente
“ignoravam” esses assuntos, o ENPEC não seria diferente, apesar de que em sua primeira
edição não haver nenhum trabalho encontrado, esse valor foi aumentando nas edições
seguintes, atingindo 23 publicações na 9º edição (IX ENPEC), assim como, a quantidade total
de trabalhos também aumentou, indo de 128 no I ENPEC para 1.526 no IX ENPEC.
O X ENPEC (2015) teve como proposta principal “As políticas educacionais e
Educação em Ciências: impactos na pesquisa, no ensino e na formação profissional”, por ter
um tema central distante do objeto de estudo desta pesquisa, a quantidade de trabalhos
encontradas foi a menor em suas últimas 8 edições, mesmo com um valor considerável de
publicações totais neste ano. Já o XI ENPEC (2017) se caracterizou por abordar em suas mesas
redondas e debates pautas que abriram margens para uma maior concentração de trabalhos
englobando as temáticas ao se comparar com os anos anteriores, somando 32 registros, sendo
elas, por exemplo, o “Abandono Escolar”, “Desafios e Evolução da Inclusão Escolar” e
“Memórias de Conquistas e Movimentos de Resistência”,
Em 2019, na sua décima segunda edição, a quantidade de trabalhos chegou a 44, isso
ocorre principalmente por causa da temática do evento, sendo ela, “XII ENPEC: Educação em
Ciências: Diferença, Justiça Social e Democracia”, por tratarem também de questões de
diversidade, atraiu pesquisadores a falarem de temas como Identidade de Gênero, Sexualidade
e Educação Sexual.
No ano de 2001, destacam-se 3 trabalhos que abordam de alguma forma sobre
identidade de gênero e sexualidade, em contraste com apenas 1 abordando a educação sexual.
Nesse período, os trabalhos que abordam questões de gênero o fazem sob uma perspectiva
envolvendo desigualdade, analisando como meninos e meninas são tratados em sala de aula.
Além disso, a sexualidade é explorada no sentido de iniciar práticas sexuais e reprodução. Essa
tendência persiste até 2005.
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A partir de 2007, há uma transformação significativa, com um crescimento constante e
no aprofundamento das temáticas e no número de trabalhos sobre identidade de gênero e
sexualidade, alcançando seu ponto máximo em 2019, com 40 trabalhos às abordando, e 4 se
dedicando exclusivamente à educação sexual.
Nas últimas duas edições do ENPEC, foram encontradas 26 (2021) e 30 (2023)
apresentações com identidade de gênero e sexualidade sendo utilizadas como objeto de estudo,
o que foi considerado incipiente, pois mesmo com temas centrais que davam a possibilidade
dessas discussões, sendo eles, “A centralidade da pesquisa em educação em ciências em tempos
de movimentos de não-ciência: interação, comunicação e legitimação” no XIII ENPEC, e
“Pensar o conhecimento, agir em sociedade” no XIV ENPEC, ainda assim, o número de
trabalhos encontrados foi baixo ao se comparar com a algumas edições anteriores, como
também com a quantidade total de publicações nesses anos.
O ENPEC é um evento que reúne estudantes de diversas regiões do Brasil, bem como
de outros países, focando principalmente para os licenciados/licenciandos, sendo considerado
um dos melhores nacionalmente, contendo um número significativo de pesquisadores
participando, o qual teve 128 apresentações em seu ano de estreia e 1.040 em sua última edição
em 2023, apesar disso, o número de trabalhos apresentados que contenham essas temáticas é
abruptamente baixo, totalizando 1,9%. Mesmo que esses conteúdos sejam mais presentes,
ainda são tratados como tabus e mitos com conceitos e concepções distorcidas que ocasionam
discriminações, violência e preconceitos (MOIZÉS; BUENO, 2010).
Diante disso, a participação desses conteúdos em eventos de âmbito nacional, como o
ENPEC, é essencial, pois, além de apresentarem como público-alvo, professores e futuros
docentes, também desenvolvem um espaço para que temas que geralmente são ignorados,
como sexualidade, ganhem notoriedade. Assim, preparando-os para os futuros casos de
segregação envolvendo gênero ou sexualidade que possam acontecer na escola (MOIZES;
BUENO, 2010).
Gomes (2012) concorda que falar sobre questões raciais, de gênero e sexualidade está
ligado ao que acontece na sala de aula, pois nela existem alunos de diferentes grupos étnicos e
sociais, portanto é papel do professor incluir a referida temática em suas aulas.
Ter discussões sobre essas tematicas em eventos como o ENPEC aproximam os
participantes com a realidade global: a violência e discriminação presentes em temas como
feminicidio, homofobia, transfobia, LGBTQIAP+fobia, entre outros. Assim possibilitando
espaços para que os pesquisadores, professores ou futuros docentes desenvolvam conceitos que

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concordem com o “Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação” de Paulo Freire, no qual disserta que “[...] Faz parte igualmente do pensar certo
a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça,
de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia
[...]” (FREIRE, pág. 17, 2019).

CONCLUSÃO

Em suma, com os resultados obtidos é possível expressar que as temáticas de


Identidade de gênero, Sexualidade e Educação Sexual são invisibilizadas, pois apenas 1,9% da
totalidade de trabalhos apresentados em todas as edições do ENPEC dissertam acerca desses
conteúdos. Assim, pesquisas que evidenciem e exponham a ausência dessas temáticas em
grandes eventos se mostram essenciais, pois servem como um alerta/aviso de como os
pesquisadores tratam desses assuntos.
Com exceção da passagem da nona para a décima edição do ENPEC, nas demais foi
perceptível uma crescente na quantidade de trabalhos encontrados que envolvem esses temas,
o que reforça a ideia de que cada vez mais conteúdos que são tratados como tabus estão
ganhando mais espaços, mesmo que não seja numericamente significativo.
É essencial que um evento voltado para a educação contenham discussões acerca dos
temas de identidade de gênero e sexualidade, pois aproximam os participantes com assuntos
que podem ser tratados como tabus em suas escolas, além de preparar ainda mais esses
educandos com as realidades de seus estudantes. Ter pesquisas que contenham essas temáticas
como objeto de estudo por professores-pesquisadores em eventos desse tipo é essencial, pois
Freire (2019) pontua que os professores devem compreender que os mesmos precisam ser
figuras antipreconceito e que “[...] respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros [...]” (FREIRE,
2019, p. 58). Tratar de forma discriminatória qualquer pessoa por causa de sua identidade de
gênero é algo inadmissível, pois como a violência “fere a ontológica e histórica vocação dos
homens – a de ser mais”, ou seja, afeta diretamente nos direitos humanos dos indivíduos.
(FREIRE, 2019, p.47).

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AGRADECIMENTOS

Carrefour, CAPES, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Programa de Pós-


Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECMat).

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ISBN: 978-65-00-92987-4
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ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E TRANSTORNOS
MENTAIS: GARANTIA DOS DIREITOS NAS INSTITUIÇÕES DO
PARANÁ
Natalha Cunha dos Santos
Márcia Gomes E. da Luz

Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar a natureza jurídica das medidas socioeducativas (MSE)
aplicadas em adolescentes em conflito com a lei e com transtornos mentais no Paraná, a fim de
compreender em que medida os direcionamentos dados a esses jovens atendem os seus direitos
de pessoas em desenvolvimento biopsicossocial, propondo reflexões acerca da temática. O
estudo se justifica pelo fato de que, embora existam várias pesquisas sobre adolescentes que
cumprem medida sócia educativa, estas não costumam discutir sobre jovens atendidos com
transtornos mentais. A metodologia utilizada privilegiou a abordagem qualitativa de coleta de
dados, que se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, as quais foram analisadas à luz do
referencial teórico. A partir dos dados obtidos, constatou-se que, apesar de existirem leis
voltadas para adolescentes em conflito com a lei, inexistem projetos governamentais voltados
a esse público que possui transtornos mentais. Isso desampara os serviços oferecidos pelas
instituições que atendem esses jovens, levando a diversas lacunas que ferem seus direitos e
precisam ser superadas.

Palavras-chave: Adolescentes. Medida sócio educativa. Transtorno Mental. Legislação.


Direitos humanos.

Introdução

Atos infracionais cometidos por adolescentes sempre existiu ao longo do tempo, no


entanto, a forma como a sociedade enxerga e direciona esses jovens foi se modificando ao
longo dos anos. Para se compreender os adolescentes em conflito com a lei nos dias atuais e a
maneira como são tratados, faz-se necessário entender quais são os contextos individuais,
sociais e culturais que produzem a criminalidade. Esse estudo investigou sobre a temática,
buscando compreender brevemente os encaminhamentos dados aos adolescentes que cumprem
MSE no Paraná. Considerando que a adolescência é um período de muitas transformações e,
por tal, demanda uma medida socioeducativa que atenda suas particularidades, o Art.112 do
ECA dispõe que a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-
la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Além disso, versa que os adolescentes com
transtorno mental devem receber tratamento individual e especializado em local adequado às
suas condições, que lhes garantam atendimentos específicos, com equipe multidisciplinar. Vale
destacar que, embora os estudos que abordam adolescentes em conflito com a lei sejam
amplamente discutidos na literatura, poucas são as pesquisas que discutem o adolescente em
medida socioeducativa com transtornos mentais. Assim, o presente estudo torna-se relevante
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na medida em que questiona as lacunas legais que impedem com que estes jovens tenham seus
direitos garantidos.

MÉTODO

Essa pesquisa é resultado de um projeto de Iniciação Científica desenvolvido em uma


instituição de ensino superior, devidamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética. Os
seis participantes da pesquisa possuem formação em Psicologia e atuam em instituições que
atendem adolescentes em conflito com a lei. Inicialmente, os profissionais foram orientados
em relação aos objetivos da pesquisa e seu caráter sigiloso, bem como, informados de que a
entrevista seria gravada. Todavia, salientou-se que a qualquer momento a participação destes
poderia ser interrompida. Mediante a concordância verbal, quanto à participação no estudo, foi
solicitado que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de
dados ocorreu através de uma entrevista semiestruturada a qual, posteriormente, foi analisada
à luz do referencial teórico. As categorias de análise foram a abordagem inicial com o
adolescente em conflito com a lei e transtornos mentais; o plano individual de atendimento
(PIA) e os procedimentos adotados em adolescentes com transtornos mentais e os critérios para
o encerramento da medida socioeducativa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A forma como a sociedade lança o olhar sobre um determinado fenômeno não é


universal, atemporal e imutável, e isso se aplica, inclusive, à criminalidade, afinal, nem sempre
o que a sociedade atual entende por “crime” foi percebido como um delito e/ou um
comportamento transgressor em sociedades anteriores. Levisky (2000) retrata que os atos
infracionais cometidos por adolescentes, tendem a ser a resultante de uma construção social
cuja raiz, muitas vezes, está na própria violência familiar e social.

Não é nossa intenção neste texto se aprofundar no assunto, porque excede nosso
propósito, mas ressaltar que ao se aplicar uma MSE em um adolescente em conflito com a lei,
deve-se considerar todos os aspectos de sua vida, social, cultural e, inclusive, biológico, que é
o caso de jovens com transtornos mentais. De acordo com o DSM-V (2014), o transtorno
mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição,
na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento

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mental. Desse modo, ao pensarmos em um adolescente em MSE e com transtorno mental, é
importante oferecer um atendimento global que considere todas as suas particularidades.

O Estatuto da criança e do adolescente (ECA), assegura em seu art.112, que ao cumprir


MSE, o adolescente deve receber tratamento individual e especializado e o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE, 2012), propõe que o atendimento seja realizado na
rede pública de atenção à saúde mental. Desta forma, se faz necessário que as unidades
socioeducativas se adequem para receber esses jovens, oferecendo um tratamento adequado e
especializado. Vale lembrar que, é dever do Estado garantir o direito de crianças e adolescentes,
por meio de projetos e políticas públicas que os atendam na sua integralidade. Ademais,
entende-se que, mesmo que esses jovens sejam direcionados para um atendimento na área da
saúde, isso não exime a responsabilidade das unidades socioeducativas, de promover oficinas
que abordem vários aspectos, dentre eles os de saúde (CONASS, 2013). Diante do exposto, na
sequência, será apresentada uma breve síntese da análise realizada na pesquisa.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste estudo, intencionou-se compreender os trâmites legais, sobretudo, no momento


em que o adolescente com transtorno mental inicia seu atendimento em MSE e entender se o
atendimento e encaminhamentos dados garantem os direitos do jovem. Neste sentido,
constatou-se que em cinco das seis instituições pesquisadas, as formas de conduzir o início da
medida são semelhantes, ou seja, realizam uma entrevista com os pais e com os adolescentes,
uma investigação da estrutura familiar e social e do quadro de saúde físico do jovem e elaboram
o Plano Individual de Atendimento (PIA). Vale lembrar, que o PIA não contempla um tópico
específico para investigar e trabalhar os aspectos de possíveis, transtornos mentais, fato este
que fragiliza o atendimento ao jovem, que deve considerar sua individualidade e integralidade.

Ao serem indagadas, as instituições informaram que neste primeiro contato com o


adolescente, não é investigado os aspectos psíquicos, exceto quando a família, de forma
espontânea, relata que o jovem possui algum transtorno mental. Nestes casos, ele é
encaminhado para ser atendido no CAPS ou CAPSi. No entanto, a própria instituição não
oferece nenhum tipo de atendimento específico e/ou programas e adaptações necessárias para
ele, fato este que, a nosso ver, viola os direitos do adolescente, pois de acordo com ECA, art.
7, “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,

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em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990). Oferecer um suporte individual e
especializado, não se resume apenas ao tratamento medicamentoso e psicoterapêutico, antes
disso, é garantir um espaço de acolhimento e inclusão, de modo a romper com as barreiras que
impedem o adolescente de se desenvolver.

São muitos os transtornos mentais existentes, cada um com suas particularidades, que
geram alterações fisiológicas e mudanças comportamentais e essas alterações podem ser
potencializadas por estímulos ambientais estressores. Um aspecto importante a se considerar é
que no regime de internação, o adolescente fica sozinho e trancado, e isso pode servir de gatilho
para o desencadeamento de quadros clínicos. Assim, é de grande valia que os profissionais que
trabalham nestas instituições, tenham uma formação adequada que garanta o manejo adequado
ao jovem, considerando suas demandas específicas.

Frente a isso, o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2016) expressa que o


profissional, no exercício da função de técnico de referência, deve orientar e dar suporte ao
adolescente para a construção de um novo projeto de vida. Construir um projeto de vida requer
primeiramente condições adequadas, consideradas fatores de proteção na fase da adolescência,
período que reflete as aspirações e desejos de realizações para o futuro. Além disso, o art. 3 do
ECA destaca que o indivíduo tem direito a “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade” (BRASIL, 1990). Para tanto, é preciso que existam parâmetros que busquem
prestar o atendimento devido, considerando o compromisso socioeducativo dos adolescentes
com transtorno mental, que vão para além da responsabilização do ato.

Um outro aspecto a se considerar é a medicalização nos meios fechados, assim neste


estudo, constatou-se que são muitos os adolescentes que fazem uso de medicação, sendo estes
inseridos pela própria instituição como alternativa para acalmar alguns jovens. Diante disso, se
evidencia que apesar das instituições afirmarem que elaboram estratégias que viabilizem a
socialização e a reconstrução de valores, atitudes e da própria identidade dos adolescentes, não
atendem as demandas dos casos de transtorno mental. Antes disso, utilizam de métodos mais
práticos (uso de remédios) ao invés de realizarem estratégias e práticas adequadas e especificas
a esse público. Vale lembrar que, a psicologia é contrária a esse tipo de prática, tanto que o
Conselho Federal de Psicologia (CFP) assinou o Manifesto realizado pelo Fórum sobre
Medicalização da Educação e da Sociedade, em 2012, que lançou a campanha Nacional

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denominada “Não à medicação da Vida”, cujo objetivo era chamar a atenção às questões éticas
da Medicalização (CFP, 2012).

Considerações Finais

Mediante ao exposto se percebe que o atendimento da MSE nas instituições é de certo


modo, inadequado, pois não oferece atendimento específico e não efetiva os direitos garantidos
no ECA de 1990, na lei 10.216/2001 de saúde mental e até mesmo o exposto pelo SINASE
(2012). É preciso ter a compreensão de que, antes do adolescente em questão ser autor de ato
infracional, é um sujeito com transtorno mental que precisa de tratamento e que demanda um
manejo adequado às suas capacidades. Neste estudo constatou-se que as unidades não estão
adequadas para prestar atendimento a este público, pois não atendem as demandas especificas
e, nem tampouco, oferece capacitação aos profissionais para tanto. Todavia, não se deve
desconsiderar os serviços já existentes que constituem uma resposta às violações de direitos,
entretanto, mesmo com os avanços neste campo as situações de violação ainda são recorrentes,
no que diz respeito a adolescentes com transtorno mental privados de liberdade. Além de que,
as demandas são muito maiores do que a capacidade de atendimento dos equipamentos
existentes, sendo necessário o fortalecimento da rede.

Percebe-se que as instituições precisam ser transformadas em verdadeiras unidades


socioeducativas, prezando pela socioeducação e não por transformar o local em pequenos
“presídios”, como prevalece em boa parte do sistema. Assim, tal critica diz respeito a atuação
do setor de segurança, que corresponde ao maior número dentro das unidades, na qual, por
vezes prevalece a forma de atuação voltada para o olhar da punição e da coerção. Evidencia-se
também, a necessidade do posicionamento efetivo do Estado, que devido à insuficiência no
atendimento, se torna notório que este não tem cumprido o seu papel de promover ações
intersetoriais de modo a viabilizar, de fato, o atendimento adequado desse público, uma vez
que têm recebido um atendimento precário, sem atender as suas demandas específicas. Diante
do exposto, é preciso prestar atenção à fragilidade do atendimento institucional, tendo em vista
que o adolescente com transtorno mental necessita de tratamento específico, devido ao seu
comprimento psíquico e vulnerabilidade social.

Pretende-se com este estudo, não esgotar o tema proposto, mas antes contribuir com as
discussões que podem instigar outros estudos na área. Compreender esse assunto torna-se
relevante na medida em que gera reflexões acerca do trato com adolescentes em MSE e com

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transtornos mentais, que favorecem o repensar sobre a construção de um novo modo de
atuação, mais ético e humanizado.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014

BRASIL. Lei Nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. SINASE - Sistema Nacional de


Atendimento Socioeducativo.

______. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente e dá


outras providências.

______. Lei Nº 10.216, de 6 de abril De 2001. Proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

CONASS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, nota técnica. Política de Atenção


Integral à Saúde dos Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e
Internação Provisória (PNAISARI). Brasília, 2013.

CFP, Conselho Federal de Psicologia, nota técnica. Parâmetros para a atuação das e dos
profissionais de Psicologia no âmbito sistema único de Assistência Social (SUAS). Brasília,
2016.

CFP, Conselho Federal de Psicologia. Subsídios para a Campanha não a medicalização da


Vida. Brasília, 2012.

LEVISKY, D. L. (org.). Adolescência e violência: consequências da realidade brasileira. 1.


ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 143 p. ISBN 9788573960938, 8573960930.

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DIREITOS HUMANOS, DESAFIOS E TRANSFORMAÇÃO DA
EDUCAÇÃO

João Vitor Santos Silva


Maria Aparecida Augusto Satto Vilela
Rosiele Rita Guimarães Megda

Resumo

Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo principal apresentar reflexões e discussões
dos direitos humanos, com o enfoque na educação. Metodologia: Para o desenvolvimento do
trabalho adotou uma abordagem qualitativa, contando com pesquisas bibliográficas em livros,
periódicos, tratados, legislações sobre o tema da pesquisa, bem como análise aprofundada do
documentário “Fora de série” em diálogo com o livro “O que é educação?”, de Carlos Henrique
Brandão. Resultados: A partir da análise bibliográfica sobre direitos humanos e educação, foi
possível identificar a relevância dessa discussão para o desenvolvimento de uma cidadania
crítica. Conclusões: A educação é uma prática social que transforma realidades, visto que, em
uma perspectiva libertadora, humaniza os sujeitos que terão um papel social significativo, pois
se permitirão, também, contribuir para a emancipação de outros seres humanos, lutando por
justiça social.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Educação. Ensino. EJA. Humanização.

Introdução

O presente trabalho trata sobre o documentário “Fora de série” em diálogo com o livro
“O que é educação?”, de Carlos Henrique Brandão. Buscamos perpassar a discussão dos
direitos humanos, com o enfoque na educação, uma vez que se trata de um princípio básico
para o desenvolvimento humano.
O documentário, dirigido pelo professor Paulo Carraro, lançado em 2018, com
produção do Observatório Jovem do Rio de Janeiro da Universidade Federal Fluminense, trata
sobre a trajetória de jovens da educação de jovens e adultos - EJA, que cursam o ensino médio
em escolas públicas do Rio de Janeiro. Enfocando experiências de alguns jovens, evidenciam
as dificuldades enfrentadas para permanecer e concluir esse nível de escolaridade, assim como
o suporte encontrado por alguns deles, como cônjuges, amigos, dentre outros.
No que se refere ao livro, Brandão (2007) apresenta reflexões sobre a educação em uma
perspectiva antropológica, considerando diferentes períodos da história da humanidade. No
decorrer do texto, o autor fundamenta-se em Paulo Freire (1967; 1968), dentre outros autores,
bem como em dicionários, legislações, a Lei nº 9.394 - LDB: Lei de Diretrizes e Bases da

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Educação Nacional, por exemplo, procurando destacar as finalidades e condições nas quais a
educação vai se configurando, destacadas ao longo de todo o livro.
Brandão (2007) afirma que a educação está em todos os lugares, ela não se dá somente
na sala de aula, pois quando a criança vai para a escola já apresenta um vasto repertório de
aprendizados e experiências. A educação acontece nas nossas relações sociais quando estamos
dispostos a aprender.
Entendemos que a educação é parte constituinte do mundo em que vivemos, e que
acontece nas relações com algo ou alguém. Quando nos remetemos a algo, nos referimos aos
objetos que propiciam a educação como o celular, o computador, a televisão, o jornal “etc”,
pois podem contribuir quando bem utilizados no processo de ensino e aprendizagem das
pessoas, como ocorreu no período pandêmico, quando em 2020, com o isolamento e
distanciamento social, para conter o alastramento da Covid-19 viu-se a necessidade de repensar
a educação que passou a se configurar em outro formato.
Com base nessas considerações iniciais, estruturamos este artigo em duas seções, exceto
a Introdução: “Direitos humanos e a educação”, que tratamos sobre o que significa assegurar
esse direito, dentre outros, às pessoas e as implicações em suas vidas, principalmente para os
jovens e adultos em processo de escolarização. Em “A educação como possibilidade de
transformação”, discutimos sobre o papel da educação para além da transmissão de
conhecimento, como potencializadora do humano, assim como discutimos acerca do
documentário “Fora de série”. E, por fim, as considerações em que procuramos apresentar uma
síntese de aspectos relevantes do trabalho.

DIREITOS HUMANOS E A EDUCAÇÃO

No final da Segunda Guerra Mundial, a discussão sobre a importância da educação


como fator indispensável para a reconstrução do pós-guerra emergiu nos primeiros trabalhos
da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU. Ainda, o
filósofo Malik refletia que a declaração universal no preâmbulo de conquistas dos povos e de
todas as nações, deveria intervir no ensino e na educação para garantia dos direitos e liberdades
[...]. Todavia, a consideração do conceito holístico da natureza humana – de seres
essencialmente livres, sociais e instruídos e capazes de participar de tomadas de decisão
fundamentais (Claude, 2005):

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• O Artigo 22 diz que toda pessoa tem direitos sociais, econômicos e culturais "
indispensáveis [...] ao livre desenvolvimento de sua personalidade" .
• O Artigo 26 consagra um direito à educação e afirma: " A educação será orientada
no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana" .
• O Artigo 29 reafirma a visão holística dos direitos humanos ao estabelecer: " Toda
pessoa tem deveres perante a comunidade, onde – e somente onde – é possível o livre
e pleno desenvolvimento de sua personalidade". (Claude, 2005, p. 39-40).

Para os autores Souza e Rena (2021), os processos políticos, quando o assunto era
guerra, entendiam que esse cenário sequestrava a dignidade humana, o qual produzia
sofrimento às pessoas, permitindo a construção e intermediação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, pois diante dos acontecimentos era preciso restabelecer novamente a
convivência humana, construindo certos limites das ações eminentes dos Estados sobre os
indivíduos e as populações vulneráveis. “O processo civilizatório havia regredido e a
humanidade demandava um novo marco legal; uma referência ético-moral para orientar a vida
em sociedade para o presente e o futuro das próximas gerações (Souza; Rena, 2021, p.1)”.
No Brasil, os direitos humanos também tiveram seu marco diante da violência social e
políticas que foram vivenciadas nas décadas de 1960 e 1970, marcadas pelo Golpe Militar de
1964. A partir dos anos 80 e 90, os direitos humanos, bem como a formação para a cidadania,
foram ampliados, tendo maior relevância no Brasil (Silva; Nunes, 2019).
Como afirma Sader (2007 apud Silva; Nunes, 2019, p.257):

O tema dos direitos humanos não estava incluído, como tal, na agenda de discursos e
de debates antes do golpe militar de 1964. Os modelos de desenvolvimento, suas
consequências sociais, a inserção internacional do país – ocupavam grande parte das
formulações teóricas e políticas. Até mesmo um conceito, como o de direito, ficava
relegado ao plano do direito, como se tivesse apenas uma dimensão jurídica (p. 75).

Segundo Flávia Piovesan (2009 apud Silva, 2012, p. 27)., no dizer de Hannah Arendt,
“os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em
constante processo de construção e reconstrução”
Os direitos humanos perfazem os conjuntos dos direitos que são indispensáveis à vida,
como a liberdade, igualdade e a dignidade, pois são essenciais e indispensáveis, mas não existe
um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais à vida digna. A
sobrevivência da humanidade está em constante mudança e as novas questões sociais que
surgirem são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos. (Ramos, 2014).
Comparato (1997 apud Torquato, 2022, p.21), baseando-se em Kant e outros filósofos,
afirma que os direitos humanos:

[...] se fundamentam na dignidade humana, ou seja, nas características principais que


nos constituem como humanos. Dessa forma, vai além da ordenação estatal, não se

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limita ao direito positivo, a estar incluído na Constituição, portanto não se fundamenta
no contrato social simplesmente, pois se assim fosse correríamos o risco de alguns
Estados acordarem a não existência dos direitos para todos os humanos.

Os direitos humanos têm sua representação pelos direitos considerados essenciais que
constam nas Constituições ou nos tratados internacionais. Os direitos formais são considerados
fundamentais e estão protegidos nas Constituições e tratados, os direitos materiais integram os
direitos humanos, mas não são expressos e são indispensáveis para a promoção da dignidade
humana. Nesse sentido, os direitos humanos têm em comum a abordagem da universalidade,
essencialidade, superioridade normativa (preferenciabilidade) e reciprocidade (Ramos, 2014).
A educação em direitos humanos no diálogo com o desenvolvimento da cidadania, visto
que se materializa levando em consideração o cotidiano, diante das leis e normas, dos deveres,
direitos e na forma de exigência e aplicação, busca a garantia do acesso aos bens sociais a todos
(Silva; Tavares, 2011). Sendo assim, “[...] com o surgimento de novos direitos, emergem
direitos a prestações sociais, nos quais se cobra uma ação prestacional do Estado para assegurar
direitos referentes à igualdade material, como, por exemplo, direito à saúde, direito à educação
etc” (Ramos, 2014, p.51).
É mister destacar que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, assegura o direito à educação em seu art.13, considerando que os Estados-partes
devem assegurar os direitos de todos à educação, visto que a educação é para suprir o
desenvolvimento da personalidade humana e dignidade, além de fortalecer o respeito às
liberdades fundamentais. O Pacto tem o condão de concordância de que a educação deverá
capacitar todos a participarem de forma efetiva e consciente de uma sociedade livre,
favorecendo a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os
grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da
paz (Brasil, 1992).
Ainda, o Pacto considera que os Estados-partes reconhecem que, ao assegurar o pleno
exercício desse direito:

1. A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.


2. A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária
técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos
os meios apropriados e, principalmente, pela implementação (Brasil, 1992, p.7).

O Estado-parte tem o intuito de desenvolver uma rede escolar em todos os níveis de


ensino. Além disso, a Carta Magna de 1988 determina que a educação básica é obrigatória e
gratuita dos 4 aos 17 anos, assegurando inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria (Ramos, 2014).
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Compreende-se que os direitos humanos se constituem por um processo sistemático e
multidimensional que orienta a formação dos sujeitos de direitos, pois se refere a educação em
direitos humanos, permitindo os seguintes dizeres:

a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos;


b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos
direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em
favor da promoção, da proteção. (Ramos, 2014, p.423).

O direito à educação está respaldado na Declaração Universal dos Direitos Humanos,


conforme o dispositivo do artigo 26, além das leis nacionais específicas, no Brasil, através da
LDB e dos artigos 205 ao 214 da Constituição Federal de 1988, que tratam do acesso e da
obrigatoriedade ao ensino formal. “Nesse sentido, há um relativo consenso no marco jurídico
de muitos países, principalmente daqueles que compõem a ONU, de que a educação é um
direito de todos e uma obrigação do Estado e da família” (Andrade, 2013, p.21). Segundo a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948, p.4), no dispositivo do artigo 26:

1. Todos os seres humanos têm direito à educação. A educação será gratuita,


pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A educação elementar será
obrigatória. A educação técnico‑profissional será acessível a todos, bem como a
educação superior, esta baseada no mérito.
2. A educação será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A educação promoverá a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do género de educação que será
ministrada aos seus filhos (ONU, 1948, p.1).

Já o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) propõe vivenciar a


realidade na educação em direitos humanos nas políticas públicas, estimulando os institutos
promissores das ações previstas nos mais diversos setores (educação, saúde, comunicação,
cultura, segurança e justiça, esporte e lazer, dentre outros) (Ramos, 2014).
Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos estabelecidas
pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação em 2012, por meio da Resolução nº
1, de 30 de Maio de 2012., a educação em direitos humanos tem por base os seguintes
princípios:

Art. 3º - A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a educação


para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios:
I - dignidade humana;
II - igualdade de direitos;
III - reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades;
IV - laicidade do Estado;

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V - democracia na educação;
VI - transversalidade, vivência e globalidade; e
VII - sustentabilidade socioambiental. (Candau, 2012, p.724).

Todavia, a Educação para os Direitos Humanos é uma estratégia que deve ser
direcionada a longo prazo com o intuito de suprir as necessidades das gerações futuras. Para
tanto, essa educação pensada para o futuro é essencial aos novos programas educacionais que
permitam o desenvolvimento humano, a paz, a democracia e o respeito pelo Estado de Direito.
Nesse sentido, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Resolução
49/184, que instituiu a Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos
Humanos – 1995-2004. “Ao fazer isso, a comunidade internacional identificou a educação para
os direitos humanos como uma estratégia única para o “desenvolvimento de uma cultura
universal dos direitos humanos” (Claude, 2005, p.3).
A Constituição Federal de 1988, assegura o direito à educação a todos(as) e estabelece
como objetivo desta, conforme o artigo 205:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Assim, diante do direito à educação, a EJA, como modalidade de ensino (Brasil, 1996),
constituiu-se como fator essencial para assegurar a todos aqueles excluídos do processo de
escolarização, ou nunca tiveram acesso a ele, condições de estudar, serem alfabetizados e
prosseguirem em seus estudos. Contudo, é preciso que esteja voltada à realidade, considerando-
se o “direito à educação de qualidade”; “direito ao estudo”; “direito à igualdade” e “direito à
diferença”. Além disso, é preciso o respeito às características e peculiaridades estudantes da
EJA, para ser realmente efetiva a “ [...] educação de qualidade social, a qual oportunize a
igualdade de direitos, bem como o respeito e o reconhecimento das suas diferenças individuais
e coletivas” (Ribas et al, 2017, p.113).
Dessa forma, a educação a ser construída nos âmbitos escolares, quando se considera a
qualidade enquanto pressuposto, precisa promover a inserção dos discentes no processo
educativo, pois, dessa forma, fará sentido ao educando o que está sendo ensinado. No próximo
tópico nos debruçamos acerca da educação como possibilidade de transformação, uma vez que
se trata de uma perspectiva em que o aprendiz é o principal agente do processo.
Para que a educação aconteça de maneira significativa precisa fazer sentido a quem
aprende. Essa é a educação que acontecia nas aldeias, que ocorre nas relações com os pais, tios
e amigos. Os envolvidos nesse processo de construção de saberes entendiam a importância
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desses ensinamentos, pois a educação era voltada para uma determinada finalidade na aldeia,
como o que os meninos aprendiam era diferente do que as meninas. Evidenciamos nesse trecho
do livro o que Brandão (2007) aponta:

As meninas aprendem com as companheiras de idade, com as mães, as avós, as irmãs


mais velhas, as velhas sábias da tribo, com esta ou aquela especialista em algum tipo
de magia ou artesanato. Os meninos aprendem entre os jogos e brincadeiras de seus
grupos de idade, aprendem com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guerreiros,
com algum xamã (mago, feiticeiro), com os velhos em volta das fogueiras. Todos os
agentes desta educação de aldeia criam de parte a parte as situações que, direta ou
indiretamente, forçam iniciativas de aprendizagem e treinamento. (Brandão, 2007,
p.19)

O interessante é que em alguns momentos se criam situações para acontecer esses


ensinamentos, ou seja, os adultos constroem uma didática para que essas crianças consigam
compreender o que querem ensinar e não simplesmente ensinam de qualquer jeito, sem
intencionalidade. Exemplificando isso, não se espera acontecer uma guerra para ensinar as
crianças como se protegerem ou atacarem, visto que promovem esses saberes com o intuito de
se prepararem para uma possível guerra e as adversidades que podem ocorrer no cotidiano.
Ensinam para a vida e por meio da vida, de modo que o ensinado faça sentido para quem
aprende.
Os ensinamentos advêm das experiências, que são ricas quando estamos dispostos a
vivenciá-las. Na cultura africana, os Griôs são as pessoas mais experientes e responsáveis por
socializar os conhecimentos, pois ensinam as crianças oralmente conforme a tradição do seu
povo, até mesmo como meio de resistir no mundo, vinculados “a saberes referentes ao mundo
sagrado e profano” (Costa; Lima, 2000, p. 257).
Dada a importância dessas pessoas para a resistência de uma cultura, é notada que se
reconhecem que são importantes os saberes para as crianças, jovens e todos os envolvidos na
aldeia, uma vez que é a possibilidade de perpetuar a cultura. Contudo, nas escolas o currículo
é eurocêntrico, que desconsidera grupos que representam de fato o povo brasileiro, como: os
africanos e os indígenas, os quais fizeram e fazem parte da formação do povo brasileiro.
Por isso, é problemático utilizar um currículo que vem pronto, que precisa ser cumprido,
tendo em vista as especificidades e culturais plurais que identificamos no espaço escolar.
Assim, é preciso que se promova uma educação na qual seja possível se humanizar, sair da
condição de alienado e transformar-se em sujeito, que tem condições e capacidade de fazer
escolhas, de pensar seu processo formativo e lutar por um mundo melhor.

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A EDUCAÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO

No documentário “Fora de série”, dirigido por Paulo Carrano, há algo em comum entre
os 13 jovens: José Gerardo, Francisca Clarice, Tamiris da Silva, Leonardo de Souza, Maycon
Pereira, Michael John, Thiago Andrade, Maria Nunes, Thayonara da Silva, Jhonata Barbosa,
Ellen Pinheiro, Alexandre Guimarães e Pedro Bruno. Todos saíram da escola e retornaram em
outro momento, na busca de melhoria de vida, seja sair das drogas ou ter um salário melhor.
Todos acreditam que a educação pode ser transformadora, pois, é por acreditar nela que
voltaram para as instituições de ensino.
Como já foi apontado, a educação pode ocasionar mudanças de uma realidade. Nesse
sentido, precisa ser significativa, potencializadora, com intencionalidade. É importante
considerar as intenções que as pessoas envolvidas nesse processo trazem para não haver
negação do que elas têm direito. No livro, Brandão (2007, p.81-82), citando Ortega Y Gasset,
salienta que “se educação é transformação de uma realidade, de acordo com uma ideia melhor
que possuímos, e se a educação só pode ser de caráter social, resultará que pedagogia é a ciência
de transformar a sociedade. Ou seja, a pedagogia, como ciência da educação, tem o papel de
mediar essas transformações, mas não sozinha. É necessário o apoio de toda a comunidade para
contribuir nessa transformação. Ainda, é imprescindível que os governantes entendam que a
educação não deve ser pensada somente por quem está no poder, mas sim por meio de quem
vivencia, com a intenção de humanizar todos os envolvidos. Quando o ensino tem o intuito de
humanizar, nós nos tornamos mais humanos.
No artigo “Jovens e adultos como sujeitos de aprendizagem”, Marta Kohl de Oliveira,
destaca o perfil dos adultos que estão na busca de ensinamentos. Segundo ela, esses estudantes
são:

O adulto, no âmbito da educação de jovens e adultos, não é o estudante universitário,


o profissional qualificado que freqüenta cursos de formação continuada ou de
especialização, ou a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em
áreas como artes, línguas estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é geralmente o
migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas,
filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar
(muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não
sistemática pela escola e trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após
experiência no trabalho rural na infância e na adolescência, que busca a escola
tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino
supletivo.(Oliveira, 2005, p.59)

Os adultos do artigo são parecidos com os do documentário quando verificamos as


condições de acesso e permanência na educação escolar. Esses adultos são pessoas que, quando
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crianças, tiveram, em sua maioria, o acesso negado às escolas, pois tinham que trabalhar desde
muito cedo para contribuir com as contas da casa.
Alguns desses adultos e jovens ao voltar para escola têm vergonha de estudar devido à
idade mais avançada, comparando-se aos outros colegas de classe, ou por estar fora da série
que deveriam estar. No documentário há um jovem de 21 anos na segunda série, e ele fala dessa
vergonha. Em relação a essa questão Oliveira (1989 apud Oliveira, 2005, p.64 ) afirma:

Os alunos têm vergonha de freqüentar a escola depois de adultos e muitas vezes


pensam que serão os únicos adultos em classes de crianças, sentindo-se por isso
humilhados e tornando-se inseguros quanto a sua própria capacidade para aprender .

A vergonha é um fator que atrapalha esses jovens a irem para a escola e aprenderem.
Isso se dá pela diferenciação de idade, como apresentado na citação feita anteriormente,
ocasionada por fatores que extrapolam, na maioria das vezes, questões do sujeito da EJA. A
realidade que esses jovens e adultos encaram é o da prática, e da educação informal, que
acontece no dia a dia, em uma conversa de bar com os amigos, ou na periferia da cidade onde
moram. O que prevalece é essa educação que acontece na maior parte do dia desses sujeitos e,
na escola, têm que ficar sentados, têm apenas 3h30min com professores, já estão cansados, pois
trabalham o dia todo. Esses, dentre outros fatores, como um ensino sem significância e sentido,
impossibilita, muitas vezes, de que se apropriem de conhecimentos que contribuam para a
transformação de si e do mundo.
É por acreditar nessa práxis transformadora, que humaniza de fato esses sujeitos,
tornando-os cidadãos críticos, reflexivos e que sabem que têm direitos e deveres, que
compreendemos a necessidade de que esses estudantes tenham leitura de mundo, não só da sua
comunidade. É uma forma de ler o mundo que os faça entender o porquê ocupam a comunidade
periférica, por exemplo.
Uma ação que os próprios estudantes apontam no documentário é a relevância de que
as vozes deles sejam escutadas, no sentido de poderem explanar suas experiências para os
colegas de sala, pois, segundo eles, nunca tiveram a oportunidade de falarem o que sabem fazer,
com o que trabalham, como ocorreu no documentário.
A construção do currículo da escola pode e deve ser oportunizada a todos por meio de
sua participação, pois têm um conjunto de experiências significativas, que precisam ser
consideradas e respeitadas. A construção dos saberes, quando relacionada à vida dessas
pessoas, terá mais potencial para promover mudanças, por ser algo que eles consigam
relacionar com a vida e não se sentirão excluídos do processo de ensino e aprendizagem.

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Outro fator que deve ser pensado e que é recorrente na vida desses estudantes da EJA é
a questão socioeconômica, como Oliveira (2005, p.63) aponta:

Na verdade, os altos índices de evasão e repetência nos programas de educação de


jovens e adultos indicam falta de sintonia entre essa escola e os alunos que dela se
servem, embora não possamos desconsiderar, a esse respeito, fatores de ordem
socioeconômica que acabam por impedir que os alunos se dediquem plenamente a
seu projeto pessoal de envolvimento nesses programas. .

É difícil pensar em ações que contribuam para a permanência desses estudantes na EJA,
uma vez que precisam trabalhar e não têm auxílio como uma bolsa que contribua para a sua
permanência. Ainda, é preciso pontuar a remuneração dos professores para que pudessem se
dedicar exclusivamente a esses alunos, ao planejamento das aulas, etc.
Essas são algumas ações que precisam ser levadas em conta quando se pensa na
permanência dos estudantes na escola e acerca de uma educação transformadora, também é
importante, que os professores reflitam sobre suas práticas, pois, eles são os agentes que farão
as mediações para essa transformação.
O currículo que observamos em algumas escolas não atende a todos, pois, muitos não
participam do processo de construção. Os que elaboram os currículos não sabem, e nem fazem
questão de saber, o que as classes mais desfavorecidas precisam. Isso ocorre porque a educação
é intencional, pois os que controlam a sociedade, economicamente, por exemplo, aprendem
para continuar sendo ricos, mantendo os pobres nos locais que eles já ocupavam, ou seja, o
status quo. Não era oportunizado, no século XVIII, por exemplo, a ascensão socioeconômica;
hoje, por mais difícil que seja, já conseguimos ver pessoas cuja vida se modificou
financeiramente.
O ensino precisa se pautar pela compreensão de que o estudante não é uma tábula rasa,
entendendo que o processo de cada um é individual. Não é como a Grécia defendia uma
educação cuja criança não era respeitada como se demonstra abaixo:

Assim, a educação grega não é dirigida à criança no sentido cada vez mais dado a ela
hoje em dia. De algum modo, é uma educação contra a criança, que não leva em conta
o que ela é, mas olha para o modelo do que pode ser, e que anseia torná-Ia depressa
o jovem perfeito (o guerreiro, o atleta, o artista de seu próprio corpo-e-mente) e o
adulto educado (o cidadão político a serviço da polis). (Brandão, 2007, p.46-47)

A “educação contra a criança” não enxerga a subjetividade de cada um, e a educação


contra o jovem e o adulto da EJA também não o faz, não respeita as vivências que possuem.
Assim, é preciso que o “fora de série” que dá título ao documentário não se refira ao
descompasso na escolarização, mas sim às capacidades das pessoas e suas trajetórias na EJA.

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Considerações Finais

Este texto teve como objetivo central apresentar reflexões e discussões dos direitos
humanos, com o enfoque na educação. Para tanto, utilizamos o livro “O que é Educação?” de
Brandão e também o documentário “Fora de Série”, de Paulo Carrano para direcionar essas
reflexões no decorrer do texto. Entretanto, foi possível identificar os desafios e possibilidades
de transformação na educação, no propósito de humanização dos sujeitos envolvidos, visando
que os estudantes sejam cidadãos críticos, que saibam se impor na sociedade e saibam de seus
direitos e deveres e que não fiquem limitados a um só ao lugar de vivência, que saiba que seus
direitos são garantidos em todo o mundo.
Entendemos que o professor não é dono de todo o saber; ele pode ter mais experiências
de fato que os estudantes, mas ainda há vivências que ele pode ter em sua vida, considerando
seu inacabamento. Portanto, essa pode ser a oportunidade de aprender com os alunos que estão
cada vez mais informados e com perfis diferentes daqueles que o professor, dependendo de sua
faixa etária, teve contato. Nessa perspectiva, cada sujeito é um ser único, singular, com muito
a aprender e a ensinar na relação com o outro.
É função social do professor contribuir para que essas pessoas não sejam alienadas e se
humanizem, problematizando o acesso à informação, acreditando em tudo que veem em
jornais, internets, por exemplo. É necessária uma educação reflexiva crítica, para que os
estudantes sejam capazes de entender o que estão lendo e acessando, não apenas uma educação
bancária em que só recebem o que o professor coloca como verdade.
Portanto, a educação é uma prática social que transforma realidades, visto que, em uma
perspectiva libertadora, humaniza os sujeitos que terão um papel social significativo, pois se
permitirão, também, contribuir para a emancipação de outros seres humanos, lutando por
justiça social.

Referências
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se justificar o direito de formar-se como humano. Educação (Porto Alegre, impresso), v. 36,
n. 1, p. 21-27, jan./abr. 2013.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007.

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A AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UMA FORMA DE
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA COMUNIDADE LGBT

Márcia Cavalcante de Araújo


Maria Antônia Moreira Dias Dantas

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo destacar as dificuldades da comunidade LGBT e


enfatizar a ausência de políticas públicas capazes de assegurar os direitos humanos para estes.
Para tanto, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e a pesquisa dogmático-jurídica de
natureza bibliográfica, por meio da consulta de obras e documentos. A partir das as
considerações desenvolvidas sob a perspectiva do princípio constitucional de igualdade,
analisou-se as dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBT com relação ao contexto
jurídico, a ausência de políticas públicas e a ausência de leis específicas para o crime de
homofobia e que diante destas ausências tem como resultado altos números de crimes
homofóbicos, de forma física, verbal e/ou psicológica. Por fim, verificou-se a necessidade de
políticas públicas efetivas para a promoção de vida digna e no combate às várias modalidades
de violência contra a comunidade LGBT.

Palavras-chave: LGBT. Direitos Humanos. Homofobia. Violência. Políticas Públicas.

Introdução

Em um país com níveis de profundas desigualdades como o Brasil, é premente a


necessidade de criação de leis, políticas públicas e ações concretas para suprir as carências de
uma comunidade LGBT que, para ter a garantia de direitos basilares, como o direito a uma vida
digna, ainda encontra barreiras intransponíveis, como também, é de suma importância a
discussão teórica acerca dos instrumentos legais possíveis para a garantia do bem-estar de toda
e qualquer pessoa, independente de sexo, idade ou cor.
Esses direitos fundamentais, embora descritos na Constituição Federal, ainda
encontram-se em discussão quanto a sua efetivação, tendo em vista os constantes problemas
de ordem social e de ausência de políticas públicas ou ações afirmativas que visem o combate
a situações constantes de discriminações e violações destes direitos.
Ao desenvolver este artigo, será evidenciado que os direitos para comunidades LGBT
são esquecidos e “maquiados” pela legislação brasileira, mesmo diante de tantos casos de
homofobia e sendo o Brasil, o país que mais mata homossexuais em todo o mundo, nessa lógica
seria de suma importância haver atitudes governamentais para que ao menos mitigassem essas
práticas.
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A discriminação por orientação sexual no Brasil é fundamenta por meio do princípio
constitucional da igualdade, o qual está descrito no Art. 5º da Constituição Federativa Brasileira
de 1988, dispondo que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” Todavia,
apesar da Constituição resguardar o direito da igualdade, não havendo superioridade sobre
nenhum cidadão brasileiro, entretanto, essa regulamentação não é suficiente para mitigar
práticas discriminatórias que já se encontram enraizadas na sociedade brasileira.
Diante dessa circunstância, a organização The Intermational Lesbian, Gay, Bisexual,
Trans and Intersex Association (ILGA), observou no relatório de 2017 sobre homofobia no
Brasil:
A Constituição do Brasil não contém uma proibição explícita da descriminação com
base na orientação sexual. No entanto, várias jurisdições dentro do país o fazem. Entre
elas estão as Constituições dos Estados de Alagoas (Art. 2.1; 2001), Distrito Federal
(Art. 2.5; 1993), Mato Grosso (Art. 10.3; 1989), Pará (Art. 3.4; 2007), Santa Catarina
Art. 4.4; 2002 e Sergipe (Art. 3.2; 1989). (CARROLL, MENDOS, 2017, p. 47,
tradução livre)

Segundo o pesquisador Roger Rios (2001), a homossexualidade ainda é um objeto de


imenso preconceito, discriminação e violência na conjuntura brasileira. A pesquisa aponta que
no Brasil, a cada três dias uma pessoa é assassinada em virtude do preconceito sobre a
orientação sexual. E diante desta pesquisa internacional da ILGA é possível observar que os
dados de violência e violações dos direitos humanos demonstra uma necessidade de
intervenção do Estado, por intermédio de legislação e políticas públicas que visem a garantia
dos direitos da comunidade LGBT, mas é notório e diante deste cenário, o qual se vive hoje no
Brasil, que muito se fala sobre os direitos fundamentais, direitos humanos e a igualdade, mas
que pouco se age quanto às políticas públicas do país, capaz de mudar esta inconcebível
situação.
O desenvolvimento de políticas públicas para o combate à homofobia vai muito além
de palestras, kits anti-homofóbicos e caracterizar a homofobia como um crime. Ao desenvolver
uma política pública estará se iniciando uma nova transformação social, cultural e política, uma
vez que o combate às práticas homofóbicas precisam estar presentes em todas as esferas,
educação, saúde, segurança pública, previdência social e assistência social, para que de fato
seja, ao menos, mitigada a homofobia.
Impende observar que as políticas públicas instituídas por quaisquer dos níveis de
governo devem obediência aos imperativos da Carta Magna Brasileira, que está permeada por

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direitos fundamentais de toda ordem (civis, políticos, sociais, criminais…). Neste sentido,
destaca-se o entendimento da socióloga brasileira, Celina Souza (2006, p. 24), a qual define
políticas públicas “a definição mais conhecida [de política pública] continua sendo a de
Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes
questões: quem ganha o quê, por quê e qual diferença faz”.
Diante desta exposição da pesquisadora fica também o questionamento de quem ganha
o quê com as políticas públicas, o por quê elas existem ou precisam existir e qual diferença ela
pode fazer na sociedade e de como a ausência das políticas públicas para a população LGBT
afeta os direitos humanos desses indivíduos, como também viola diretamente o princípio
constitucional da igualdade, cláusula transformadora da Constituição Federal.

A AUSÊNCIA DE LEIS ESPECÍFICAS PARA COMUNIDADE LGBT E O REFLEXO


DE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

A ausência de uma lei específica para quem comete o crime de homofobia é um grande
problema para o contexto brasileiro, tanto sobre a perspectiva social, legislativa e jurídica. Para
a questão social, é notório que a ausência de uma lei específica para uma população há muito
sofre com o efeito social da impunidade, demonstra ainda mais que essa parte da população
encontra-se marginalizada em razão das mais variadas formas de preconceitos. O reflexo social
é exteriorizado pela mora do poder legislativo na criminalização específica da homofobia e a
fixação de prazo razoável para elaborar legislação que criminalize de forma específica todas as
formas de homofobia. Ademais, lembrando-se que, quando um indivíduo comete homofobia,
ele será condenado por racismo, discriminação, injúria ou agressão, sendo que nenhum destes
crimes, foi o que de fato ele cometeu, dessa forma, sendo sentenciado por qualquer outro crime,
mas não pela homofobia.
No entanto, Vecchiatti (2020, p. 155), ao comentar sobre a decisão do STF na ADO 26
e no MI 4733 afirma que o julgamento histórico e emblemático “longe de afrontar uma
compreensão garantista do Direito Penal”, e acrescenta, “efetiva o princípio constitucional da
proporcionalidade, ao tentar garantir uma proteção eficiente à população LGBT+, através do
uso do Direito Penal como mecanismo de proteção dos direitos humanos”.
Em uma outra vertente, apesar dessa decisão do STF, que é de suma importância para
a garantia dos direitos da comunidade LGBT, é urge a necessidade de uma regulamentação

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específica, MACHADO et al (2020, p. 381), a necessidade de uma cobrança absoluta de normas
exclusivas para a garantia dos direitos da comunidade LGBT, mesmo com o silêncio legislativo
em que, embora garantido pela Constituição Federal, que é considerada uma lei maior, é notório
o aumento de ocorrências discriminatórias levado ao preconceito dentro de atitudes
homofóbicas. Dessa forma, se não existir atitudes legislativas - os quais possuem competência
normativa para isso - torna-se mais difícil a garantia dos direitos fundamentais para a
comunidade LGBT.
Para tanto, é preciso levar em conta que a Constituição Federativa do Brasil de 1988
tem em seu primeiro artigo, que o Brasil possui como um dos seus fundamentos, a dignidade
da pessoa humana, fundamento este que é um dos pilares para os Direitos Humanos. O jurista
Ingo Wolfgang Sarlet afirma sobre a dignidade da pessoa humana:

Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e


distintiva reconhecida em cada ser humana que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além, de propiciar e
promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2005, p. 37).

A definição de Wolfgang sobre a dignidade da pessoa humana, demonstra que esse


fundamento está muito além do que um simples direito constitucional, ensejo em que este deve
proporcionar uma melhor qualidade de vida para todos os cidadãos brasileiros, independente
da sua origem, raça, orientação sexual, cor e sexo. Ou seja, a existência de uma lei específica,
que garanta os direitos da população LGBT, é uma forma de assegurar com plenitude os direitos
desta população, de maneira que também a sua dignidade seja exercida, pois, a realização
destes preceitos, mesmo tendo caráter progressivo e dinâmico, e de certo modo inacabado,
caminha em busca de uma sociedade mais justa.

A implementação de uma Lei qualificando a homofobia como um crime é de suma


importância para o desenvolvimento social e jurídico da sociedade, uma vez que ao haver uma
lei que puna especificamente pessoas por crimes de homofobia. No entanto, sem políticas
públicas, com a efetivação de programas governamentais e transferências diretas de recursos
com a finalidade de retrair os índices de desigualdade social para esta camada da sociedade,
esta Lei não produzirá os efeitos esperados.

Cabe destacar, também, que essa é uma maneira de exercer dignidade humana, haja
vista que uma lei que sentencie pessoas por homofobia, trará consequências jurídicas para
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aquele que deferir palavras de baixa calão, violências físicas e psicológicas, e até mesmo,
mortes, pelo simples fato da vítima fazer suas próprias escolhas em relação à orientação sexual.
Por mais óbvio que pareça, é preciso deixar claro que nenhum indivíduo deve ser
menosprezado por escolher outra opção sexual diferente da historicamente convencionada
socialmente.

Cabe observar também que a criação de uma Lei específica que considere a homofobia
como um crime, será mais um reflexo da busca pela igualdade social e jurídica que o Brasil
demanda, afinal, o princípio da igualdade está postulado na Constituição brasileira como uma
garantia fundamental. Neste contexto, Norberto Bobbio (1996) define a igualdade como uma
relação que se estabelece entre distintas pessoas, coisas ou situações; o direito, como ordem
normativa, prescreve tal relação entre os entes objetos de comparação, estabelecendo quando,
como e por que serão sustentadas equiparações ou diferenciações.

Concebido nestes termos sobre a igualdade, cabe destacar a fala do doutrinador


brasileiro, Rios (2001, vol. 2, n.2, p. 390), a qual destaca: “a igualdade não deixa espaço senão
para a aplicação absolutamente igual da norma jurídica, sejam quais forem as diferenças e as
semelhanças verificáveis entre os sujeitos e as situações envolvidas”. Visto isso, sobre a
igualdade e a ausência de leis que define a homofobia como um crime, é perceptível que há
uma violação dos direitos humanos nesta parcela da sociedade, e essa violação se dar
exatamente pela falta da inaplicabilidade de leis específicas, a ausência do princípio
constitucional da igualdade e ausência da dignidade humana. Todos esses três pontos
abordados são essenciais para análise da necessidade de assegurar os direitos humanos da
comunidade LGBT e que com a ausência de algum desses, torna-se impossível garantir direitos
a essa sociedade plenamente.

A DESIGUALDADE SOCIAL COMO CULTURA BRASILEIRA E OS DESAFIOS


PARA COMUNIDADE LGBT

O Brasil é um país extremamente desigual, desigualdade esta que abrange os mais


diversos problemas sociais, sendo aspectos que envolvem a raça, etnia, pessoas de baixo status
econômico e a comunidade LGBTQIA+, que no contexto social brasileiro, ainda amarga várias
facetas de discriminação. Para tanto, verifica-se que esta desigualdade é devido à existência de
um preconceito que já se encontra enraizado na população, uma vez que, foi-se ensinado, desde
sempre, que os homens, héteros, cis, brancos e com maiores ascensões financeiras, são

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melhores do que qualquer outro indivíduo que não possui essas características, esses
privilégios.

Nesse sentido, Feijó e Gomes (2018, vol. 11, nº1, p. 284), destacam: “Existe no Brasil
uma cultura de agressão e violação de direitos contra o “diferente”. Podemos perceber
conforme são tratadas em nossa sociedade de forma desumana, subalterna e negativamente
desigual as pessoas que apresentam alguma característica “não convencional” (...). Essa cultura
de agressão é um reflexo deste preconceito enraizado que se encontra na sociedade brasileira,
em nosso contexto social, desde dos tempos imperiais, era considerado normal menosprezar as
classes inferiores. As Ordenações Filipinas promulgou que qualquer pessoa que cometesse
sodomia seria queimado, veja-se:

Toda pessoa , de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por qualquer
maneira cometer, seja queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo
e sepultura possa haver memória, e todos os seus bens sejam confiscados para a Coroa
de nossos Reinos, posto que tenha descendência; e pelo mesmo caso seus filhos e
netos ficarão inabilitados e infames, assim como os daqueles que cometem crime de
Lesa Majestade. (Título XIII do Quinto Livro das Ordenações Filipinas)

Para os moldes da antiguidade, o conteúdo das Ordenações Filipinas estão de acordo


com os preceitos da sociedade, mas que com o passar dos anos, os avanços da sociedade e a
desqualificação de que a homossexualidade seja um crime, ainda, sim, há o preconceito como
pessoas que se intitulam homossexuais. Sobre esse preconceito que percorre gerações, é preciso
dizer que os costumes são repassados de geração em geração e são enraizados por toda a
sociedade. Nesse sentido, é possível perceber que a desigualdade social no contexto brasileiro
é algo que se perdura desde do princípio da civilização brasileira e é o que explica todo o
contexto de desigualdade em nosso país. O historiador Bédarida (2015) destaca que é possível
compreender o presente por meio do passado, de maneira que se compreende o passado por
meio do presente.

Dando à luz a esse entendimento de Bédarida, é compreensível que a forma cultural em


que a desigualdade social, que passa pela desigualdade de gênero, orientação sexual, dentre
outras, pode ser entendida pelos costumes anteriores da sociedade que se pendurou até os dias
atuais e juntamente com esses costumes veio o preconceito enraizado contra a população
LGBTQIA+. Essa desigualdade, devido às intolerâncias que se encontram implantadas na
comunidade, faz com que estas pessoas passem por inúmeros desafios, que partem por

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dificuldades no ambiente educacional, no trabalho, na política e até mesmo dentro de sua
própria casa, com seus genitores e familiares.

Um exemplo brasileiro dos desafios enfrentados sobre o preconceito com a comunidade


LGBTQIA + que ganhou notoriedade na imprensa nacional, é o da Deputada Federal do Estado
de São Paulo, Erika Hilton, a qual durante uma CPI, sofreu uma transfobia, pelo Deputado
Abílio Brunini.

Essa conduta, que notadamente não é isolada, demonstra a cultura de violência


homofóbica e preconceituosa presente no contexto brasileiro, atitudes estas que infligem os
direitos humanos, a dignidade da pessoa e demonstra o quão difícil pode ser um ambiente
homofóbico para o bem-estar destas pessoas. Diante dessa conjuntura, cabe relembrar que não
há Lei que puna ações homofóbicas, sendo este Deputado condenado por qualquer outro crime,
menos pelo que de fato cometeu. Esse contexto expõe o quanto desigual está inserida a
comunidade LGBT, a qual não possui lei, sendo o seu direito não materializado e não é garantia
como deveria ser garantidos a todos, independente da sua cor, raça, orientação sexual e demais
discriminações, como está descrito na Constituição Federal.

BRASIL: O PAÍS QUE MAIS MATA TRANSSEXUAIS NO MUNDO

Ao que já foi destacado, o Brasil é um país que possui uma cultura de violência aguda
e os números comprovam esse contexto social, por intermédio do site TGEU, a ONG
Transgender Europe, destaca que o Brasil comanda o maior número de assassinatos de pessoas
trans, dados estes que assustam o brasileiro, mas sendo esses dados, retratos de
comportamentos violentos, o que infelizmente foi normalizado pela sociedade desde do tempo
imperial, sendo ordenado que qualquer pessoa que mantivesse relações homossexuais, seria
queimado até que seu corpo virasse cinza. Um país que se desenvolve sobre esses contextos de
homofobia não se faz diferente em ter números tão altos quando se trata dos homossexuais.

Diante disso, cabe destacar que tal número se dá, devido à ausência de políticas públicas
capazes de sanar esses problemas reais e tão cruéis com essa parcela da população brasileira, o
que resulta, na maioria das vezes em mortes, sendo esses corpos considerados como corpos
abjetos. Sobre corpos abjetos, a pesquisadora Butler (2002), diz que estes corpos, são corpos
cujas vidas não são consideradas vidas e cuja materialidade do fato é entendida como algo que
não importa. Esse entendimento de Butler sobre corpos abjetos, é um grande exemplo para
explicar o alto índice de mortes de pessoas trans, pois para o Estado que seria o órgão
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competente, o qual poderia viabilizar políticas públicas que interviessem nesse contexto de
transfobia e de uma cultura de violência no Brasil, para eles não é vantajoso, uma vez que tais
mortes não são consideradas importantes e de interesse do Estado.

A negligência governamental é apenas mais um reflexo do preconceito enraizado que


existe na sociedade atualmente, visto que é um país que não luta por políticas públicas efetivas
que mitiguem ou eliminem a discriminação sexual e de gênero e que acabam revelando
números como estes da ONG Transgender Europe. Diante da realidade dos fatos, é coerente
dizer que o Brasil é um dos países mais transfóbicos e observando o contexto sócio - político
esse fato não pretende mudar, visto que se não há políticas públicas e interesse estadual para o
combate efetivo da homofobia no país, então, enquanto essa realidade não trouxer nenhum
ganho ao governo, o Brasil irá continuar sendo o país que mais mata transsexuais.

Recentemente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, tornou aplicável a Lei


Maria da Penha para mulheres transexuais, em casos de violência doméstica, sobre o efeito de
que mulher trans também é mulher, mesmo não tendo o sexo feminino como seu sexo
biológico. Tamanha atitude demonstra que o poder judiciário está agindo a fim de garantir os
direitos dessa minoria que em muitos dos casos são esquecidas. O ministro do STJ Rogério
Schietti (2022), argumenta que “Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma
categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata.
As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em
discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de
falas de ódio contra minorias”.

Essa decisão do STJ tem como intuito erradicar e prevenir a violência doméstica e
familiar para com as mulheres trans, tendo em vista o alto números de homicídios contra
mulheres trans que o Brasil demanda, liderando este ranking. O preconceito no Brasil é algo
cultural, mas sem dúvidas, medidas como essas visam desculturalizar a homofobia no país, não
deixando situações homofóbicas, falas pejorativas, costumes homofóbicos, passar impune, não
sendo devidamente punidos, conforme deveriam ser, afinal, quanto mais se silencia diante
dessa conjuntura que o Brasil se encontra, sendo o país que mais mata transsexuais no mundo,
só irá propagar ainda mais a realidade a qual vivemos hoje para o futuro.

Em suma, os entendimentos como esse do STJ, são de extrema importância para o


contexto brasileiro, tanto para mitigar práticas como essas, como também no reconhecimento

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dos direitos da comunidade LGBT e para garantia plena dos direitos humanos a toda e qualquer
pessoa.

A sociedade é muito mais complexa do que se possa imaginar, há muitos fatores que
influenciam os fenômenos sociais no Brasil e, ao se utilizar de uma ciência exata para definir
o que é homem e o que é mulher de uma definição biológica, não se torna justo e coerente com
a realidade que o Brasil vem enfrentando. Assim, entende-se que a Lei Maria da Penha para
mulheres trans tem como intuito punir a violência de gênero, independente da condição
biológica que a mulher trans se encontre ou tenha nascido, a proposta é de fato cumprir o que
está estabelecido na Constituição Federal de 1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se verifica, o presente trabalho destacou as dificuldades enfrentadas pela


comunidade LGBT no âmbito social, político, educacional, com enfoque na ausência de
políticas públicas e de lei específica que criminalize a prática de homofobia, e como essa
ausência interfere nos direitos da comunidade LGBT, uma vez que são naturalizados ou
invisibilizados pela sociedade.

A observação acima norteou as considerações desenvolvidas a partir do princípio


constitucional de igualdade, o qual não é prevalente a todos os brasileiros como deveria ser.
Portanto, cabe responder os três pontos colocados sobre políticas públicas ao início deste
trabalho, vejamos.

A princípio, o por quê elas existem ou precisam existir, no contexto deste trabalho, as
políticas públicas precisam existir, mas de maneira eficaz que tragam resultados e para que os
direitos da comunidade LGBT sejam garantidos, combatendo o preconceito e intolerância e em
relação a isso, a diferença que as políticas públicas pode fazer na sociedade seria a seguridade
dos direitos humanos para a comunidade LGBT e por fim, como a ausência destas políticas
aflige essa comunidade, ao longo deste trabalho foram expostas situações do cotidiano das
pessoas LGBT, desde a ausência de uma lei específica que condene a homofobia como crime,
a desigualdade social sendo cultural no Brasil e o fato do Brasil liderar o ranking dos países
que mais mata transsexuais no mundo. Portanto, observou-se que a ausência de políticas
públicas é um dos principais problemas enfrentados pela comunidade LGBT, tendo em vista
que é uma parcela da população esquecida pelos órgãos públicos e pela sociedade.

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Esse esquecimento reflete diretamente nos altos números de mortes por homofobia,
tornando-se o Brasil o país mais perigoso do mundo para as pessoas transexuais, com ênfase
para as mulheres transsexuais. Toda essa conjuntura é devido à negligência governamental.
Deste modo, torna-se premente que sejam desenvolvidas políticas públicas capazes de
transformar esta realidade inaceitável, combatendo de forma eficaz a homofobia no Brasil.

Contudo, conclui-se que este trabalho mostrou de maneira expositiva as dificuldades


enfrentadas pela comunidade LGBT e como a ausência de lei específica dificulta ainda mais a
realidade desta comunidade, os deixando cada vez mais às margens da sociedade e ocasionando
ao Brasil um número tão alto de práticas homofóbicas. Além disso, tem como objetivo
evidenciar a importância da luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA +, não os deixando
esquecidos pela desatenção da sociedade, desatenção esta que se perdura durante anos e que
tornou a homofobia extremamente cultural em nosso contexto.

Pelo exposto, não se crê em uma solução milagrosa, em uma única política pública
capaz de resolver ou sanar todos os problemas sociais, políticos, culturais que envolvem a
comunidade LGBT, mas, ao mesmo tempo, é inaceitável aderir ao argumento derrotista de que
não há solução exequível por tratar-se de um problema enraizado historicamente na nossa
sociedade.

Referências

BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da história. FERREIRA, Marieta de M.;


AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Editora FGV, 2015.
BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade, tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro,
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MACHADO, Geovanna Costa; GONÇALVES, Jonas Rodrigo; DA COSTA, Danilo. O direito


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SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano
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VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. O Supremo Tribunal Federal, a homotransfobia e seu


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OS DESAFIOS DA COMUNIDADE LGBTQIA+ PELA A AFIRMAÇÃO
DE DIREITOS

Mylene Aparecida da Costa Oliveira

Resumo

O presente artigo tem como objetivo elucidar, ao longo da história, as principais conquistas da
comunidade LGBTQIA+, destacando eventos marcantes como a Revolta de Stonewall, nos
EUA, e a Ditadura Militar no Brasil. Traz também, a progressão legislativa brasileira, marcada
pela Lei da Identidade de Gênero e o reconhecimento do Casamento Igualitário, em contraste
a exclusão inicial da comunidade LGBTQIA+ nas leis, como evidenciado pela Lei da União
Estável de 1996. Também menciona a situação atual em diversos países, tendo como exemplo
Quênia e Estados Unidos, incluindo desafios enfrentados pela comunidade, como a
criminalização da homossexualidade e a discriminação de pessoas LGBTQIA+. O artigo
também enfatiza a necessidade de implementação integral das leis e mudanças estruturais para
combater o preconceito arraigado na sociedade, ressaltando que a proteção legal é essencial,
mas apenas parte de um processo contínuo de reconhecimento e respeito à diversidade.

Palavras-chave: Comunidade, LGBTQIA+, direitos, igualdade.

Introdução

Apesar de ações afirmativas, que garantam o direito da comunidade LGBTQIA+ como


a Lei da Identidade de gênero, em 2018, que possibilita pessoas Trans a alterarem seu nome e
gênero nos documentos oficiais sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual, e a
possibilidade, em 2013, ao casamento igualitário. Tomamos como exemplo, a Lei nº 9.278, de
10 de Maio de 1996, que se refere a União Estável. A mesma garante que,

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e


contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família. (BRASIL, 1996, Lei n° 9.278)

A lei acima reforça o padrão heteronormativo e conservador da população. Na época,


excluía a comunidade LGBTQIA+, considerando apenas homens e mulheres capazes de serem
amparados pela Lei. Subsequentemente, a interpretação da legislação evoluiu ao longo do
tempo, culminando no reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011.

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Porém, a luta que hoje nos permite gozar de leis voltadas à garantia de direitos da
população LGBTQIA+, teve início a 50 anos atrás. Período esse marcado pela rebelião de
Stonewall (1969) em Nova York, Estados Unidos e pela Ditadura Militar (1964-1985), no
Brasil.
A revolta de Stonewall foi marcada por uma série de protestos por parte de membros da
Comunidade LGBT. Segundo Blakemore, (2021), na região de Manhattan, em 1969, bares gays
sofreram batidas policiais, que abusando da autoridade, ameaçavam e espancavam clientes e
funcionários do bar Stonewall Inn. A reação de clientes frente às batidas policiais gerou uma
confusão que durou dias e resultou na Revolta de Stonewall que conhecemos hoje.

Figura 1:Clientes resistem à prisão em frente ao Stonewall Inn, na região de Greenwich


Village em Nova York, no dia 28 de junho de 1969.

FOTO DE N.Y. DAILY NEWS ARCHIVE, GETTY, National Geographic.

Aqui, no Brasil, em 1970 as reuniões LGBTs aconteciam em bares e clubes, e


posteriormente, em 1979, ocorria o primeiro encontro de brasileiros homossexuais, na
Associação Brasileira de Imprensa. O primeiro encontro de membros da comunidade serviu
como uma reafirmação do próprio movimento, além de exigir a retirada da homossexualidade
da lista de doenças mentais e exigir o respeito pela “opção sexual”, como era conhecido na
época. O primeiro movimento dito acima serviu de incentivo para vários movimentos que

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ocorreram posteriormente a fim da reivindicação de direitos a comunidade, como luta pela
visibilidade lésbica em 1983, despatologização da homossexualidade e luta contra AIDS em
1985, criação da fundação da Associação de Travestis e Liberados em 1992, realização da
primeira parada do orgulho LGBT em 1997, proibição da “cura gay” em 1999, a permissão da
redesignação sexual pelo conselho de medicina em 2002, união estável entre pessoas do mesmo
sexo em 2011, uso do nome social em 2018, criminalização da homofobia em 2019 e a
liberação para doação de sangue em 2020.

A Comunidade LGBTQIA+

A comunidade LGBTQIA+ é um movimento político e social, que tem como referência


a luta por direitos e a reivindicação de políticas afirmativas que garantam os direitos previstos
na Constituição Brasileira e na Declaração dos Direitos Humanos. A composição da
comunidade diz respeito a pessoas que não se identificam com o padrão cis-heteronormativo,
ou seja, que não se identificam com o sexo biológico ou com a heterossexualidade.
A sigla da comunidade LGBTQIA+ diz respeito a Lesbicas, Gays, Bissexuais,
Transgênero, Queer, Intersexo, Assexual. A sigla “+”, diz respeito à inclusão de outras
identidades de gênero e orientações sexuais. De acordo com Ignacio (2022), “a sigla foi
abreviada para facilitar a comunicação sobre o tema, mas o “+” foi incluído justamente para
demonstrar que ela não se limita a essas letras.”. Ainda de forma mais detalhada, a autora traz
a sigla “LGBTTTQQIAAACPPF2K+”, na qual as letras significamLésbicas, Gays,
Bissexuais, Transgêneros, Queer, Questionando, Intersexuais, Curioso, Assexuais, Aliados,
Pansexuais, Polissexuais, Familiares, 2-espíritos e Kink. A autora reitera que:

Ser LGBTQIA+ não se trata de um “estilo de vida”, uma “opção” ou tipo de


“conduta” adotada livremente. Está consolidado no meio científico que ser
LGBTQIA+ é uma manifestação natural da sexualidade humana. (IGNACIO, 2022).

Cenário Internacional quanto à Comunidade LGBTQI+

Apesar da luta e a reivindicação de direitos à Comunidade LGBTQIA+ caminhar a


passos lentos no Brasil, em alguns países, os direitos básicos ainda são negados à comunidade.
No Quênia, a Suprema Corte, desde maio de 2019, manteve as disposições que
criminalizam relações sexuais consensuais de pessoas do mesmo sexo. A criminalização pode

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ser responsável por incentivar a discriminação com a comunidade além da violação dos direitos
humanos. Segundo a UNAIDS, (2019),

A criminalização de relações sexuais homossexuais consensuais é uma violação dos


direitos humanos e legitima o estigma, a discriminação e a violência contra as pessoas
LGBTI. A criminalização impede que as pessoas acessem e usem serviços de
prevenção, testagem e tratamento do HIV e aumentam o risco de contrair o vírus.
(UNAIDS lamenta decisão no Quênia de criminalizar pessoas LGBT,2019)

Ainda, em outras partes do mundo, segundo a BBC (2021), 69 países ainda possuem
leis que criminalizam a homossexualidade, a maioria localizado no continente africano. Porém,
alguns países como Angola, São Lourenço, Gabão e Caribe, após a movimentos e protestos,
reverteram leis que criminalizavam a homossexualidade. Segundo o jornal BBC (2021):

Há uma tendência global de descriminalização de atos sexuais entre pessoas do


mesmo sexo. Até agora, 28 países no mundo reconhecem os casamentos entre pessoas
do mesmo sexo e 34 outros oferecem algum reconhecimento de parceria para casais
do mesmo sexo, diz a Ilga. O Brasil reconhece a união estável de casais homoafetivos
desde maio de 2011. Em dezembro de 2020, 81 países tinham leis contra
discriminação no local de trabalho com base na orientação sexual. Vinte anos atrás,
eram apenas 15. (Dia do Orgulho Gay: os países onde é ilegal ser homossexual, BBC,
2021)

Confirmando os efeitos de governos essencialmente preconceituosos e conservadores


sobre a comunidade LGBTQIA+, um vídeo publicado pela ONU Brasil, na plataforma de
vídeos YouTube, em 2017, afirma que cerca de 40% dos jovens sem-teto nos EUA são da
comunidade LGBTQIA+. Kellen, um homem transsexual apoiado pelo Centro Ali Forney, dá
seu depoimento ao logo do vídeo, o mesmo conta que decidiu sair da casa dos pais após
inúmeras brigas e tensões. Tais se originaram após seu médico contar aos pais de Kellen sobre
sua identidade de gênero. Segundo ele “Foi difícil sair da casa dos meus pais porque eu morei
lá a vida inteira, e essa era a primeira vez que eu estava sozinho. Também foi difícil ficar sem
casa, sem ter um lugar estável para ficar. Então eu vim pra cá (Centro Ali Forney) pela sugestão
de um amigo”. Em 2017, existiam cerca de 500 mil jovens morando nas ruas nos EUA, desses
500 mil cerca de 40% eram LGBT.

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Figura 2: Kellen, um homem trans apoiado pelo Centro Ali Forney.

Foto de Nações Unidas Brasil, 2017.

Sendo berço de um dos primeiros movimentos reivindicatórios de direitos pela


comunidade LGBTQIA+, os Estados Unidos, no ano de 2023, apresentaram mais de 400
projetos de leis que ameaçam os direitos da comunidade. Deputados, governadores, federais
lançaram-se a uma corrida conservadora a fim da conquista de votos, e para isso, apresentaram
cerca de 491 projetos de leis que restringem e limitam direitos de pessoas da comunidade
LGBTQIA+, atacando principalmente pessoas e crianças transsexuais. Um exemplo do exposto
acima é o estado da Flórida, nos EUA. Ron DeSantis, Governador, aprovou em 2022 uma lei
chamada “Don’t Say Gay”, que proíbe que qualquer temática ligada à comunidade seja debatida
em salas de aula.
No Brasil, assim como nos EUA, projetos de leis também seguem o movimento de
repressão à comunidade LGBTQIA+. Advindo das práticas da ditadura militar (1964-1985),
época marcada pelo controle de espaços públicos e privados, o comportamento contemporâneo,
de boa parte de componentes do Estado, se mostra semelhante ao da época. De acordo com
Quinalha, (2021), “discursos religiosos, médicos, legais, criminológicos, e de diversas outras
ordens se intercalam e se combinavam de modo a produzir uma regulação específica das
sexualidades em cada momento histórico”.
Porém, não podemos afirmar que o preconceito frente a comunidade LGBTQIA+ surgiu
de fato durante a Ditadura Militar. Mas podemos afirmar que práticas preconceituosas sofreram
um amparo por parte do estado na época. LGBTs eram presos arbitrariamente, torturados,
extorquidos e assassinados pelas mãos do Executivo. Quinalha (2021), afirma que:

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Desejos e afetos entre pessoas do mesmo sexo também foram alvo do peso de um
regime autoritário com pretensão de sanear moralmente a sociedade e criar uma nova
subjetividade” (QUINALHA, 2021)

A partir do exposto, é viável expor que vivemos em uma estrutura social essencialmente
discriminatória e preconceituosa. O preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ persiste em
diversos aspectos da sociedade, como no mercado de trabalho, acesso à educação e
oportunidades de crescimento. Além disso, a discriminação e o preconceito são evidenciados
em atitudes moldadas pelo preconceito enraizado há seculos em nossa sociedade, o que
contribui para a perpetuação dessas desigualdades.

A Homofobia Como um Desafio Para a Garantia de Direitos

Apesar leis e artigos da constiuição, que afirmem a igualdade e a liberdade da


população, independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero, a comunidade
LGBTQIA+ ainda sofre com a população heteronormativa. A comunidade enfrenta uma
constante luta contra a homofobia e a transfobia a fim da igualdade de direitos civis. A falta de
reconhecimento legal das relações homoafetivas e a ausência de políticas públicas efetivas para
combater a discriminação contribuem para a marginalização e vulnerabilidade da população
LGBTQIA+.
Tendo em vista o exposto acima, a homofobia se mostra como uma violação dos direitos
e liberdades fundamentais. Garantidos pelo Art. 5° da Constituição Federal, que reitera que
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade”. E pela Declaração Universal de direitos humanos,
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 nos
seguintes artigos:

Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados
de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade. (UNICEF, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)

Artigo 2
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos
nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. (UNICEF, Declaração Universal dos
Direitos Humanos, 1948)
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E ainda pelo Art. 5°, inciso XLI:

A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades


fundamentais; (BRASIL, 1988, Art. 5°)

Bem como, pelo Art. 3°, inciso IV:

Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988, Art. 3°)

Tomando conhecimento do elucidado acima, podemos observar que, o Estado,


enquanto garantidor de direitos, possui leis afirmativas, desde a Constituição Federal de 1988,
que garantem tantos direitos à comunidade hétera quanto a comunidade LGBTQIA+.
Entretanto, implementação e a eficácia dessas leis muitas vezes deixam a desejar. Além disso,
a discriminação e o preconceito contra pessoas trans persistem em vários níveis da sociedade,
se mostrando como uma clara violação de direitos da comunidade.

A homofobia é um fenômeno que se manifesta de diversas formas e que tem impactos


significativos na garantia dos direitos das pessoas LGBTQ+. A discriminação e o preconceito
baseados na orientação sexual ou identidade de gênero têm sido uma realidade persistente em
muitas sociedades ao redor do mundo. Além de impedir o acesso igualitário a serviços básicos,
como saúde, educação e moradia, limitar as oportunidades de emprego e o pleno exercício da
cidadania, sua presença representa uma barreira significativa para a conquista da igualdade e
da justiça para a comunidade.

As violências física e verbal, discursos de ódio, exclusão social e a marginalização são


alguns exemplos pelos quais a homofobia se manifesta. Além disso, a homofobia também se
reflete em leis e políticas discriminatórias que limitam os direitos civis e humanos das pessoas
da comunidade, tais como a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a
criminalização da homossexualidade e a falta de proteção contra a discriminação no local de
trabalho.

Essa realidade contribui para altos índices de depressão, ansiedade e suicídio entre a
comunidade LGBTQIA+, devido ao estigma e à rejeição social que enfrentam. Além disso,
cria um ambiente de medo e insegurança para essas pessoas, impedindo-as de viverem suas

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vidas de forma autêntica e plena. O medo da discriminação e agressão leva muitas pessoas da
comunidade a esconderem suas identidades e a viverem em constante ansiedade e desconforto.

Apesar de políticas afirmativas para a garantia de direitos, o judiciário ainda enfrenta


problemas para a implementação de leis de forma integral para com a população. Para Siqueira
et. al. (2018), o homem em sua essência é preconceituoso e discriminador. Para o autor, “a
discriminação está em todos os lugares e no cotidiano de todas as pessoas, uma vez que as
pessoas são discriminadas pelo jeito de vestir, pela forma de falar, em razão de sua raça, sua
cor, sua etnia, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, de uma doença
infectocontagiosa, da pele tatuada; enfim, a discriminação pode ser velada ou incisiva”.

Em resumo, Ignacio, (2022) reitera:

[...] temos que lembrar que o nosso supremo é um tribunal maravilhoso para proteger
da discriminação minorias e grupos vulneraveis em geral. Defendo que é muito
importante estar previsto em lei, para termos mais segurança jurídica, pois é mais
difícil mudar a lei do que mudar uma decisão judicial por nova composição de
Tribunal. E mudar a Constituição pelo mesmo motivo naquilo que for necessário, por
exemplo, alterar a expressão ‘entre o homem e a mulher’ por ‘entre pessoas’, pois
embora não seja necessária a alteração para quem leva o Direito a sério, a mudança
encerraria a polêmica sobre o tema. Ou seja, por um lado, não precisa mudar a lei e a
Constituição para proteger a cidadania das pessoas LGBTQIA+ e reconhecer que não
somos cidadãs e cidadãos de segunda classe, e as decisões do Supremo mostram isso.
Mas mudar a lei e a Constituição nos dará maior segurança jurídica. Sendo previsto
em lei, qualquer retrocesso é mais custoso. Para mudar, para cassar o direito, tem que
mudar a lei ou a Constituição novamente. Assim, se houver qualquer movimento
contra, teremos um argumento a mais pela inconstitucionalidade do retrocesso
(IGNACIO, 2022, p. 22, Apud COSME, 2021, p. 134).

Considerações Finais

Em resumo, é evidente que, apesar dos progressos políticos e legislativos apoiarem os


direitos LGBTQIA+, a persistência da homofobia e da transfobia continua a ser um grande
obstáculo à implementação eficaz destas medidas. A discriminação enraizada na sociedade é
muitas vezes apoiada por discursos religiosos, culturais e políticos, minando os esforços para
garantir a igualdade e a justiça para a comunidade LGBTQIA+. A homofobia não só perpetua
o sofrimento e a marginalização destas populações, mas também cria um ambiente de medo e
ansiedade que mina o pleno gozo dos direitos civis e humanos. A este respeito, é importante
perceber que a luta pela igualdade não se limita à promulgação de leis, mas também requer
mudanças fundamentais nas atitudes e na cultura social. Só através de um compromisso
colectivo de tolerância, respeito e inclusão poderemos verdadeiramente criar uma sociedade
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onde todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de género,
possam viver com igual dignidade e direitos.
Por fim finalizo com palavras de William Shakespeare e Oscar Wilde:

O mundo é um grande teatro… (William Shakespeare)


Talvez o mundo seja um palco, mas o elenco é um horror.
(Oscar Wilde)

Referências

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https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2021/06/gay-lgbt-revolta-de-stonewall-
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CONHEÇA as conquistas do movimento LGBT no Brasil - D'Or Consultoria. Disponível em:


https://dorconsultoria.com.br/2022/05/20/conquistas-do-movimento-lgbt-no-
brasil/#:~:text=(1978)%20O%20início%20da%20organização,reuniões%20em%20bares%20
e%20clubes. Acesso em: 19 jan. 2024.

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https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 19 jan.
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IGNACIO, Letícia Giollo. Direitos humanos da comunidade LGBTQIA+: ativismo judicial.


2022.

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MAURÍCIO, Álvaro Filipe da Silva. A atuação dos sistemas de proteção de direitos


humanos na defesa da comunidade LGBT. 2018. Tese de Doutorado.

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pelo canal ONU Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5AVzeTBd4EA.
Acesso em: 19 jan. 2024.

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OS PAÍSES onde é ilegal ser homossexual - BBC News Brasil. 28 jun. 2021. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57641679. Acesso em: 19 jan. 2024.

PAIVA, Pedro. 54 anos após Stonewall, direitos LGBTQIAPN+ estão sob ataque nos EUA.
24 jun. 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/29/54-anos-apos-
stonewall-direitos-lgbtqiapn-estao-sob-ataque-nos-eua. Acesso em: 19 jan. 2024.

PARANHOS OLMOS, Cristina. Discriminação. São Paulo: Enciclopédia Jurídica da PUC-


SP, 2015. E-book. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/395/edicao-
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QUINALHA, Renan. Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão à


comunidade LGBT. Companhia das Letras, 2021.

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https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-2-capitulo-1-artigo-5. Acesso
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UNAIDS lamenta decisão no Quênia de criminalizar pessoas LGBT. 4 jun. 2019.


Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/83319-unaids-lamenta-decisão-no-quênia-de-
criminalizar-pessoas-lgbt. Acesso em: 19 jan. 2024.

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PERSPECTIVAS ACERCA DAS TEMÁTICAS DE
GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL EM UMA ESCOLA
DO CAMPO EM UM MUNICÍPIO DO PARÁ

José Wilker Machado Quaresma


Julie Christie Damasceno Leal

Resumo
Na presente pesquisa objetivamos analisar abordagens acerca das vivências LGBTQIAPN+ em
uma escola do campo no município de Igarapé-Miri/PA. Metodologicamente, essa pesquisa é
de natureza exploratória, delineou-se por meio de revisão bibliográfica, tendo como referencial
teórico, dentre outros, Butler (2010), Louro (2012), Arroyo (2012) e Linares; Bezerra (2019),
os quais subsidiaram as discussões sobre gênero e sexualidade no currículo escolar. Também
se realizou pesquisa documental, uma vez que analisamos o Projeto Político Pedagógico (PPP)
da referida escola e pesquisa de campo para a coleta de dados por meio de entrevistas com duas
docentes e duas coordenadoras pedagógicas. Diante dos resultados, evidenciou-se que, apesar
de o PPP destacar a importância da inclusão, não é realizado um trabalho sistematizado sobre
as expressões de gênero e orientação sexual na escola.
Palavras-chave: Educação do Campo. Currículo escolar. Gênero. Diversidade sexual.

Introdução

Em um panorama geral, partindo de questões culturais e sociais, com ênfase no


ambiente escolar, percebe-se inúmeras exclusões geradas pelo discurso cisheteronormativo5,
dentre elas, a diferenciação dos papéis sociais baseados no binarismo de gênero, igualmente
difundida no sistema de ensino quando é possibilitado apenas o contato com questões de teor
biológico.
Além disso, nos últimos anos acompanhamos o levante de uma ala conservadora na
sociedade e política, os quais preconizam a ideia de que a educação sexual não deve ser pautada
nas escolas, tendo como um dos argumentos de que esse é um papel da família e da igreja
(LINARES; BEZERRA, 2019).
Nesse sentido, na presente pesquisa, objetivamos analisar os desafios e potencialidades
das temáticas de gênero e diversidade sexual em uma Escola de Ensino Fundamental do campo,
localizada no município de Igarapé-Miri/PA. Para isso, buscamos, por meio dos objetivos
específicos, verificar se no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola apresenta e desenvolve
direcionamento para discussões referentes às expressões de gênero e diversidade sexual;

5
Sistema de normas relacionadas com as atribuições aceitáveis às pessoas que se identificam com o gênero
designado ao nascimento e que sejam condizentes com o sexo biológico e a heterossexualidade.
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identificar como essas temáticas apresentam-se nas abordagens de docentes e reconhecer como
essas abordagens se refletem na educação dos e das estudantes.
Desse modo, essa pesquisa de natureza exploratória, delineou-se por meio de revisão
bibliográfica de pesquisas concernentes às temáticas abordadas, tendo como referenciais Butler
(2010), Louro (2012), Arroyo (2012) e Linares; Bezerra (2019), os quais subsidiaram as
discussões sobre gênero e sexualidade no currículo escolar; pesquisa documental, uma vez que
se utilizou de dados de documentos oficiais e analisamos o Projeto Político Pedagógico (PPP)
da referida escola, visando constatar como são direcionados os conteúdos referentes às relações
de gênero; e pesquisa de campo para a coleta de dados por meio de entrevistas com duas
docentes e duas coordenadoras pedagógicas, os dados coletados na entrevista foram analisados
com base na Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2016). Por meio desses procedimentos,
foi possível realizar um paralelo entre teoria e prática.

AFIRMAÇÃO DAS DIVERSIDADES NA ESCOLA: Problemáticas e Tensões

Segundo Arroyo “a afirmação e emergência de sujeitos nas salas de aula acompanham


a tensa emergência e afirmação da diversidade de sujeitos sociais, étnicos, raciais, de gênero,
campo, periferias, mantidos em longas e históricas ausências e ocultamentos”, sendo, desse
modo, “urgente torná-los visíveis e reconhecê-los sujeitos críveis” (2011, p. 148), o que pode
ser feito por meio de pedagogias que questionem a sociedade e os currículos.
Desse modo, o currículo exige das escolas que haja real inclusão dos diferentes
sujeitos, uma vez que a estes é outorgado o direito constitucional à educação, sem exceções.
Assim, as práticas de ensino precisam contemplar as diversidades dos alunos.
De acordo com Louro (2012), para além de questionar, é necessário estranhar e
subverter o conhecimento, como propõem os estudos queer. Para a autora:

[...] Trata-se de por em questão o que é conhecido e as formas como chegamos a


conhecer determinadas coisas e a não conhecer (ou a desconhecer) outras. Isso
significa questionar sobre as condições que permitem (ou que impedem) o
conhecimento. Quais as condições que possibilitaram que determinadas noções
fossem tomadas como verdades e, mais do que isso, fossem consideradas importantes
e indispensáveis para serem introduzidas nos currículos e transmitidas de geração a
geração? Quais as condições que empurraram para o silêncio outros saberes, que os
esconderam ou secundarizaram na sistematização das disciplinas? (LOURO, 2012, p.
368)

Cabe destacar que os estudos queer tensionam perspectivas comprometidas com as


minorias sociais e não desprezam outras contribuições, no entanto, se pautam nas
possibilidades de subversão e ampliação das práticas e concepções. Dentre os principais pontos

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desses estudos, está a compreensão das identidades de gênero como construções sociais e
performativas, tal qual postula Butler (2012):

O fato de a realidade do gênero ser criada mediante performances sociais contínuas


significa que as próprias noções de sexo essencial e de masculinidade e feminilidade
verdadeiras ou permanentes também são constituídas, como parte da estratégia que
oculta o caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas de
proliferação das configurações de gênero fora das estruturas restritivas da dominação
masculina e da heterossexualidade compulsória. (BUTLER, 2010, p. 201. Grifos da
autora)

Conforme exposto, realizar tais discussões com estudantes é fundamental para que
reflitam sobre seus papéis sociais e até mesmo reconheçam as exclusões que sofreram e
sofrem no ambiente escolar pela afirmação de suas identidades. Assim, o currículo poderá
ampliar a concepção de quais valores devem fundamentar a educação escolar, apartando-se
de violências subjetivas e físicas geradas pela concepção binária de gênero.

EDUCAR PARA A CIDADANIA: Expressões de Gênero na Escola

A intenção da escola lócus da pesquisa de ofertar um ensino que perpasse tanto pelo
desenvolvimento acadêmico quanto social é uma das bases da escola, pois de acordo com o
PPP, a filosofia da instituição “Educar para cidadania, parte do princípio de que [...] as
desigualdades sociais sejam combatidas e a pessoa seja valorizada além do aluno, mais como
um ser humano pautado de sentimentos e emoções” (PPP, 2017, p. 12-13, grifos no
documento). Diante desse excerto, cabe destacar que para que a filosofia “educar para a
cidadania” seja posta em prática, faz-se necessário combater as desigualdades e valorizar os
sentimentos e emoções. Desse modo, as questões subjetivas e sociais não podem ser ignoradas
durante as práticas pedagógicas que objetivam a cidadania.
Ademais, ainda de acordo com o documento:

O exercício da cidadania exige o acesso de todos à totalidade dos recursos culturais


relevantes para a intervenção e participação responsável na vida social. Para que a
escola atenda esses objetivos, torna-se necessário uma proposta educacional que
expresse a busca da qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes. A
escola mais do que nunca é um espaço social privilegiado de construção de
conhecimentos, significados éticos necessários e constitutivos das ações de cidadania
[...]. Assim, exercemos nossa cidadania através de lutas contra as discriminações e
contra as opressões e tratamentos desiguais. (PPP, 2017, p. 13)

Nesse sentido, evidencia-se a proposta de ofertar um ensino que contribua para o


exercício da cidadania e que, portanto, deve se opor a todas às formas de exclusão, dando,
assim, “condições aos educandos de se tornarem cidadãos conscientes, organizados e
participativos do processo de construção político-social e cultural onde a educação constitui-
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se em um dos principais instrumentos de formação da cidadania” (PPP, 2017, p. 14). Logo,
para que a instituição promova o respeito à diversidade, a tolerância e a responsabilidade social,
as quais são expressões da cidadania, faz-se necessário que sejam trabalhados temas
relacionados às questões de gênero e orientação sexual.
Entretanto, compreendemos que os padrões de comportamento são norteados pela
cisheteronormatividade, a qual desaprova qualquer comportamento que não se encaixa nessa
norma. Nesse sentido, algumas professoras evidenciaram situações de violência presenciadas
na escola e outras relatadas por estudantes, relacionadas ao comportamento de pessoas queer,
demonstrando como atuaram nessas situações. De acordo com a profissional de Educação
Física:
A gente já presenciou algumas situações em relação a alguns alunos, né? Que até pela
questão, eu creio que não pela orientação sexual deles, mas pelo comportamento deles
em si em relação aos outros colegas. Então isso, querendo ou não assusta ainda
muitos, né? Uns a gente sabe que não tem acesso a determinadas informações, alguns
alunos...acabam praticando bullying. Alguns porque querem mesmo, porque são
preconceituosos e outros não, porque às vezes vão "na onda" e, às vezes, não
conhecem profundamente. Mas assim, já teve relatos deles agirem assim com esses
alunos pela maneira como eles agem em relação a eles. Então eles acham que se eles
não se respeitam por si, por que que eles querem que os outros respeitem? Então
algumas atitudes desses alunos nossos acabam assustando os outros que não sabe
como lidar. E com isso acontece o bullying, a falta de respeito, o preconceito, né?

Desse modo, a professora elucida sobre como a LGBTQIAPN+fobia praticada por


alguns estudantes reverbera a falta de informações sobre gênero e sexualidades, bem como se
perfaz em uma resposta, segundo ela, à falta de respeito dessas pessoas consigo, o que é
bastante problemático e coaduna com a perspectiva heterocisnormativa, a qual é um
“dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem
heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior
e "natural" da heterossexualidade” (MISKOLCI, 2009, p. 157), e faz com que pessoas que não
são cis e/ou heterossexuais sejam vistas

[...] como sujeitos abomináveis, cujos corpos não possuem valor e que, por esse
motivo, podem ser desacreditados socialmente. Corpos desacreditados são corpos
reconhecidos como ilegítimos, inadequados, marcados por um querer pretensamente
perigoso. São corpos marginais, sujeitos à correção que, ao serem considerados
desviantes, são constantemente confrontados e perseguidos. (ROCHA; MAFRA,
2020, p. 62)

Esse discurso é legitimado pelos grupos sociais hegemônicos e reproduzido na escola,


o que faz com que as pessoas que não se encaixam nesses padrões sejam deslegitimadas e,
como no relato da educadora, sejam entendidos como causadores da discriminação que
sofrem.
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A professora de ciências abordou uma das situações vivenciadas em aulas com enfoque
na temática de gênero e sexualidade, na qual houve um relato sobre abuso sexual:

Então quando foi a tarde que eu também trabalhei nisso de fazerem perguntas foi um
menino, ele contou depois pra mim que ele tinha sido abusado, então são vivências
assim, a gente tem na escola meninas que tem até filho de violência, de
abuso...meninos que eles dizem assim, “olha, professora, falam que eu sou gay porque
fulano lá no meu rio já abusou de mim. Mas eu não sou”. Então são estereótipos que
foram colocados nele por uma consequência de uma agressão. [...] Então assim, eu
como sou professora de ciências, eu tenho essa vivência, essa proximidade de
conversar com os alunos. Sempre quando é esse tema que a gente conversa, é um
tema que vai muito no emocional deles, porque têm muita gente que têm machucados,
têm feridas por conta dessas situações (Professora de Ciências).

Observa-se, em ambos os casos, a importância que esses diálogos têm para esses
estudantes, dando-lhes oportunidade de falar sobre as violências que sofreram e sobre como se
sentem diante das consequências, no entanto, é importante destacar que esses diálogos
ocorreram em particular, o que pode se dar tanto pelo fato de serem questões pessoais, quanto
pelos demais estudantes não tratarem com seriedade as diversidades sexuais e expressões de
gênero, o que precisa ser trabalhado para que entendam a complexidade dessas situações.
Tais dificuldades e tensões justificam e motivam docentes e instituições a se apartarem
desses conteúdos, visto que ainda que saibam como lidar com os problemas no âmbito escolar
por meio de medidas pedagógicas, terão que enfrentar os conflitos com as famílias que se
opõem a essas abordagens. No entanto, isso não deve ser um impedimento para que o corpo
profissional receba a devida formação, pois a escola também possui essa responsabilidade e
compromisso no sentido de buscar alternativas para o enfrentamento às causas e consequências
das violências e exclusões.
Assim, é importante reconhecer que a escola atua como um espaço de socialização
saudável, posto que, de acordo com Pires e Midões:

[...] Nesse espaço, os jovens começam a se aproximar dos seus semelhantes,


compreendendo e partilhando ideias e pensamentos. A não aceitação da diversidade
e a conivência do professor nessa não aceitação é um dos fatores que influencia e por
vezes prejudica o desenvolvimento estudantil dos jovens. Em muitos momentos, a
violência na escola não ocorre de forma física. A imposição do pensamento e a
discriminação de ideias é uma forma de violência que pode afastar estudantes da
escola e prejudicá-los em suas atividades (PIRES; MIDÕES, 2022, p. 14).

Assim, portanto, compreendemos que a implementação de um ambiente acolhedor pode


evitar a evasão. Para tanto, de acordo com a Coordenadora Pedagógica, o ponto principal a ser
trabalhado é o respeito:

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Tudo começa pelo respeito. Todos se respeitarem, entenderem, terem a sensibilidade,
a compreensão de que nós somos todos diferentes, que são pessoas diferentes e que
precisam principalmente de apoio, de respeito. Eu acredito que não tem problema,
não. Porque é tão fácil a gente trabalhar, é tão fácil lidar com essas pessoas, porque
são pessoas sensíveis, pessoas que merecem o nosso respeito, que merecem o apoio.
Então eu não vejo preocupação, pelo contrário, no que a escola puder ajudar, ajuda
sim. E no que puder defender, também defende (Coordenadora Pedagógica)

Essa compreensão de que pessoas LGBTQIAPN+ precisam de apoio no ambiente


escolar é muito importante para que possam se desenvolver de forma plena e tenham
oportunidade de um futuro melhor, mas também reforça que haja real inclusão à comunidade
escolar, não como pessoas que se distinguem, mas que se sintam pertencentes ao lugar, no
entanto, que precisam de uma atenção especial devido os estigmas vivenciados em uma
sociedade hegemonicamente cisheteronormativa.

Considerações finais

Diante dos resultados, evidenciamos que, apesar de o PPP destacar da importância de


que a escola seja um ambiente inclusivo e que trabalha para a construção de sujeitos que
questionam a realidade, bem como as mazelas que sofrem, não é dado não é realizada qualquer
menção às temáticas de gênero e diversidade sexual no referido documento, o que causa
impacto direto nas práticas pedagógicas, visto ser este o documento que norteia o planejamento
escolar e reflete a realidade do ensino brasileiro ainda pautado em práticas conservadoras que
não estranham o status quo.
De acordo com os relatos das participantes da pesquisa, a escola não trabalha as
temáticas de gênero e orientação sexual de forma efetiva por inúmeros motivos, sendo tais
temas elencados apenas mediante alguma situação específica, ou seja, de forma pontual ou
paliativa. Os relatos também evidenciam a necessidade que sejam planejadas formações e
atividades continuadas, uma vez que as situações de violência se perpetuam, o que atesta a
necessidade de inserção de tais abordagens no currículo escolar como uma medida de proteção
e prevenção, bem como para que as vítimas saibam como e onde procurar ajuda.
De fato, ainda que a escola pública seja laica, é importante reconhecer que o
conservadorismo afeta a abordagem dessas temáticas e desestimula o corpo discente e docente
ao enfrentamento da situação, devendo, portanto, ser garantido o direito de ensino a esse
público sobre as vivências dessas pessoas na intenção de possibilitar que se desvinculem dos
estigmas sofridos ao longo da vida e se reconheçam cada vez mais como sujeitos de cidadania
plena.

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Referências

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FREIRE, P. ‘Ideologia de gênero’ e a política de educação no Brasil: exclusão e manipulação


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TRANSGÊNERO NA ESCOLA: DESAFIOS E REFLEXOES SOBRE
IDENTIDADE DE GÊNERO E INCLUSÃO

Luani Silva Alves


Caroline Severino Calabar
Evelyn Magalhães Silva Toledo

As estruturas doutrinárias conservadoras nas instituições de ensino dificultam a inclusão de


estudantes transexuais, perpetuando visões unidimensionais que reconhecem apenas a
heterossexualidade como legítima (PORTO et al.,2020). METODOLOGIA: O presente estudo
adota uma abordagem qualitativa, utilizando o método de revisão de literatura. A análise crítica
de artigos científicos relacionados à transgêneros, escola, identidade de gênero e educação
inclusiva, obtidos por meio de pesquisas na base de dados Scientific Electronic Library Online
(SciElo). Abrange artigos publicados entre 2013 e 2023. OBJETIVOS: Analisar as estruturas
doutrinárias conservadoras presentes nas instituições de ensino e compreender sua influência
na inclusão de estudantes transexuais. CONCLUÇÃO: Nota-se que a formação de identidade
de estudantes transgêneros é profundamente impactada por estruturas conservadoras nas
escolas, exigindo uma revisão crítica das práticas educacionais. Nesse contexto, o estudo
defende a necessidade de ambientes educacionais mais igualitários e respeitosos, incentivando
uma mudança positiva para as futuras gerações.

Palavras-chave: Transgênero. Escola. Identidade de Gênero. Sexualidade. Educação


Inclusiva.

Introdução

As estruturas doutrinárias conservadoras nas instituições de ensino dificultam a


inclusão de estudantes transexuais, perpetuando visões unidimensionais que reconhecem
apenas a heterossexualidade como legítima. Esse cenário contribui para a invisibilidade e
isolamento desses indivíduos, evidenciando a necessidade de reflexão sobre o papel das escolas
como agentes moldadores de identidades. O controle exercido por essas instituições sobre
normas, valores e significados atribuídos ao conhecimento pode legitimar ideologias
discriminatórias, levantando a questão de como podem perpetuar mentalidades conservadoras
e discriminatórias. (PORTO et al.,2020)

Dessa forma, a finalidade deste texto é fomentar um debate acerca do poder que as
instituições detêm na formação da identidade do indivíduo, destacando também a influência da
sociedade nas escolas e em sua visão. Além disso, busca-se compreender o pertencimento de
estudantes transgêneros dentro das instituições de ensino, promovendo reflexões que visam não
apenas desconstruir concepções tradicionais de normalidade, mas também incentivar uma
reflexão crítica sobre práticas inclusivas, com o objetivo de criar ambientes educacionais mais
igualitários e respeitosos. A opção por uma abordagem qualitativa, utilizando o método de
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revisão de literatura de artigos sobre transexualidade, escola, gênero, sexualidade e identidade
de gênero, proporciona uma base de pesquisa ampla, diversificada e fundamentada em
diferentes perspectivas de diversos autores. A pesquisa abrangerá artigos publicados entre 2013
e 2023. Para nortear este trabalho, formulamos as seguintes perguntas: O que é transgênero?
Qual a distinção entre sexo e gênero? Como esses conceitos são modificáveis e multifacetados?
As escolas estão preparadas para acolher alunos transexuais? Como os professores com essa
realidade? E de que maneira a sociedade influencia a visão dos professores sobre a inclusão de
alunos transexuais na escola?

EXPLORANDO AS COMPLEXIDADES DA IDENTIDADE DE GENÊRO


É incontestável que a construção e moldagem dos seres humanos ocorrem de maneira
intrínseca ao contexto social. Quem são, o que são e quem se tornarão estão ligados à cultura,
política e à época em que estão imersos. Ao longo da história, as sociedades têm sido
influenciadas por um padrão heterocêntrico, que não apenas orienta as expectativas de
comportamento, mas também delineia os critérios de pertencimento em uma comunidade.
(MELOS & SOBREIRA, 2018). Essa estrutura heterocêntrica, impõe normas que ditam como
as pessoas devem se comportar e se apresentar para serem reconhecidas e aceitas na sociedade.
Como resultado, aqueles que não se alinham a esse padrão estabelecido são frequentemente
relegados a posições marginalizadas, excluídos das esferas de poder, silenciados e submetidos
a uma exclusão que os priva do senso de pertencimento e participação plena na sociedade.
(PEREIRA & SANTOS, 2021)
Nesse cenário, emergem indivíduos que desafiam ativamente o padrão socialmente
aceito, recusando-se a se conformar aos tradicionais padrões de gênero historicamente
impostos. Esses indivíduos, ao não se identificarem com as expectativas sociais relacionadas
ao gênero, encontram-se aprisionados em seus próprios corpos, devido às pressões sociais
sobre quem devem ser e como devem agir. Essa condição resulta em uma profunda sensação
de não pertencimento quando comparados a outros indivíduos do mesmo gênero, sendo
conhecidos como transgêneros. (PORTO et al., 2020)
Entretanto, antes de compreendermos o significado da transgêneros é importante que
compreendemos alguns conceitos fundamentais, tais como gênero, orientação sexual,
identidade de gênero, sexo e cisgênero. Somente ao assimilarmos esses conceitos, seremos
capazes de compreender de maneira mais abrangente como a sexualidade humana é maleável,
complexa e expansiva, apresentando diversas formas e modos de ser vivenciada.

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Conforme destacado por Carvalho: o conceito de "gênero" enfatiza que as
características biológicas não determinam automaticamente a identidade de alguém como
homem ou mulher, masculino ou feminino. Esses significados são socialmente construídos por
meio do processo educacional, moldando as identidades de sexo e gênero. Nesse sentido, a
construção e as expressões de masculinidade e feminilidade são diversificadas e
multifacetadas, influenciadas por fatores como classe social, religião, etnia e região,
apresentando variações ao longo do tempo, considerando a época histórica e a fase da vida
individual.
Podemos afirmar que o gênero é algo múltiplo, uma pluralidade de sentimentos e
comportamentos que transcende o biológico, sendo uma construção psicológica e cultural. O
gênero não é estático, não pode ser rigidamente definido como estritamente masculino ou
feminino, macho ou fêmea, uma vez que é historicamente construído e varia conforme o
contexto em que os indivíduos estão inseridos. Assim, impor padrões femininos e masculinos
na sociedade torna-se uma simplificação inadequada, uma vez que essas idealizações são
produtos do meio social. (PORTO et al.,2020)
De acordo com a socióloga Oakley, em seu livro “Sex, Gender and Society”, o sexo é
meramente um termo biológico utilizado para designar o que é homem ou mulher, estando
diretamente relacionado a características físicas, como genitália externa e interna, gônadas,
hormônios, cromossomos, entre outros. Desta forma, podemos afirmar que o sexo é
intrinsecamente ligado à biologia, enquanto o gênero é uma construção social moldada pela
sociedade e pelo ambiente em que o indivíduo está inserido. (MELO & SOBREIRA,2018). O
gênero transcende o sexo, sendo definido não pelos cromossomos ou confirmações genitais,
mas pela autopercepção e pela forma como a pessoa se expressa socialmente. (JESUS, 2012)
A concepção da identidade de gênero reside na percepção interna individual sobre a
própria expressão de gênero. Essa compreensão é mais apropriadamente visualizada como um
espectro, oferecendo a cada indivíduo a oportunidade de ocupar um espaço singular dentro
desse espectro. Uma variedade de termos está associada a esse espectro, tais como homem,
mulher, gênero fluido, queer, transgênero e dois espíritos, embora essas categorias não esgotem
a diversidade existente. Na expressão de sua identidade de gênero, os indivíduos têm a
liberdade de se identificar simultaneamente como homem e mulher, escolher não se vincular
exclusivamente a uma única identidade ou optar por se identificar como não binários. (MELO
& SOBREIRA,2018).

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Jesus define orientação sexual como sendo à atração afetivo-sexual por indivíduos de
um ou mais gêneros. Essa dimensão não está interligada de maneira determinante com a
identidade de gênero, indicando que não existe uma norma predefinida de orientação sexual
com base no gênero das pessoas. Assim, é importante compreender que nem todo homem ou
mulher é "naturalmente" heterossexual. A orientação sexual está diretamente vinculada aos
desejos individuais em relação ao outro sexo, ao mesmo sexo, a ambos ou a nenhum. Como o
autor supracitado, define cisgênero, ou apenas "cis", indivíduos que se identificam com o
gênero que lhes foi designado ao nascer. Por contraste, o termo não-cisgênero é utilizado para
descrever indivíduos que não se identificam com o gênero atribuído inicialmente, englobando
categorias como transgênero, ou simplesmente, trans
O conceito de pessoa transgênero engloba uma diversidade de identidades, como
travestis, crossdressers, drag queens e transformistas (JESUS, 2012). Neste artigo, optamos por
focar especificamente no termo transexual, utilizando a expressão "pessoa transexual" para
descrever aqueles que expressam o desejo e a necessidade de modificar o seu corpo biológico,
buscando alinhar-se com a sua identidade de gênero. A busca pela congruência entre identidade
de gênero e corpo é considerada uma via para a manutenção da saúde mental e integração social
(BENTO, 2008).
O termo "trans" é adotado para se referir a pessoas cuja identidade de gênero ou
expressão de gênero difere daquilo que é tipicamente associado ao sexo atribuído no
nascimento. No contexto da diversidade de identidades transgênero, o termo trans pode
abranger várias experiências, e as pessoas que se identificam como trans podem utilizar uma
variedade de rótulos para descrever sua identidade de gênero. Isso inclui, mas não se limita ao
termo "transgênero". É fundamental reconhecer a complexidade e a individualidade das
experiências de gênero, proporcionando um espaço inclusivo para a expressão autêntica de
identidades. (MELO & SOBREIRA,2018).

DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: REFLEXÕES SOBRE A


FORMAÇÃO E ATUAÇÃO ESCOLAR DE ALUNOS TRANS
A instituição escolar, como um reflexo das construções sociais e históricas, influencia
pensamentos e comportamentos no ambiente educacional. Apesar da diversidade presente nas
escolas, seja em termos de gênero, raça, posições políticas ou orientações sexuais, a mera
presença de pluralidade não garante automaticamente o respeito mútuo (PALMA et al.,2015).
A escola, paradoxalmente, não apenas produz, mas também reproduz diferenças e
desigualdades, muitas vezes utilizando mecanismos de classificação ancorados em um modelo
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heterocentrado (LIMA, 2020). Estudantes transgêneros enfrentam vulnerabilidade, intolerância
e discriminação, desafiando a tradicional binariedade de gênero (CAFÉ & COROA, 2020).
A presença de ideias discriminatórias e conservadoras no ambiente escolar contradiz a
missão fundamental da educação de proporcionar um espaço inclusivo. O resultado é a
invisibilidade, silenciamento e exclusão de estudantes que não se enquadram, tornando as
escolas prolongamentos dos estigmas sociais e perpetuando padrões discriminatórios
(XAVIER, 2018). Diante desse cenário, é crucial refletir sobre como as instituições de ensino
menosprezam, invisibilizam, diminuem, violentam e excluem os corpos dos alunos
transgêneros em suas salas de aula e corredores.
O nome desempenha um papel crucial na individualização das pessoas, mas essa
importância torna-se limitada quando se trata da identidade de gênero (SILVA, 2013). A
utilização do nome registrado no documento civil pode resultar em punição quando
confrontada com uma identidade de gênero divergente do sexo biológico. O nome social
representa a escolha de tratamento adotada por pessoas trans, diferindo do nome oficial
registrado em documentos (LIMA,2020). O reconhecimento do nome social, não apenas
individualizaria, mas também minimizaria situações vexatórias e humilhações públicas.
A Resolução nº 12 de 2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação destaca
a necessidade do nome social como direito dos estudantes trans, tornando-se uma
responsabilidade da escola criar ambientes inclusivos e respeitosos. O Decreto n. 8.727/2016
respalda esse direito, regulamentado em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal, marcando
avanços na proteção dos direitos dessa comunidade.
A recusa e desrespeito ao uso do nome social constituem formas de discriminação que
excluem e diminuem a presença de estudantes trans nas escolas, representando mais do que
letras formando palavras, mas simbolizando pertencimento e identificação com o gênero
reconhecido (LIMA, 2020). Assegurar a harmonia nas relações sociais e o pleno exercício da
cidadania requer o reconhecimento e respeito à identidade de gênero por meio do uso do nome
adequado, promovendo um ambiente mais inclusivo, conforme destacado por Silva. O não
reconhecimento e desrespeito à identidade de gênero configuram-se como uma forma de
exclusão social, causando sofrimento e obstáculos no acesso a serviços, tornando a
obrigatoriedade do uso do nome social crucial na ampliação do acesso dessa população a
diversos espaços sociais.
O banheiro escolar vai além de sua função fisiológica, desempenhando um papel
essencial na formação de identidades e na reprodução de diferenças. Neste ambiente,

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estudantes trans enfrentam constrangimentos, aversões e diversas formas de agressão e
segregação (OLIVEIRA JUNIOR & MAIO, 2016, p. 167). Guacira Louro destaca que a escola,
por meio de símbolos e códigos, estabelece normas que definem espaços permitidos aos
sujeitos, influenciando suas ações. O banheiro, portanto, atua como divisor entre espaços
destinados ao masculino e feminino, tornando-se inacessível e arriscado para pessoas trans
(ALMEIDA & CICILLINI, 2018).
A Resolução nº 12 de 2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoção dos Direitos de Lésbicas, no Art. 6º, assegura o uso de banheiros e espaços
segregados por gênero, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito. No entanto, para
estudantes transexuais, a restrição ao uso do banheiro de acordo com suas identidades de gênero
reflete intolerância às suas diferenças e pode impactar negativamente a experiência
educacional. Os banheiros, aparentemente simples, revelam-se como espaços onde a identidade
de gênero é frequentemente submetida a uma intensa escrutinação social. O desejo de pertencer
ao banheiro alinhado à identidade de gênero confronta-se com estigmas e preconceitos
arraigados. A hostilidade, manifestada por olhares discriminatórios e comentários ofensivos,
destaca a urgência de reavaliar as políticas escolares relacionadas aos banheiros (LIMA, 2020).
O direito ao uso dos banheiros conforme a identidade de gênero é essencial. Nesse contexto, é
crucial adotar estratégias que promovam ambientes escolares inclusivos, respeitando a
diversidade de identidades de gênero e garantindo o direito fundamental de todos os estudantes
se sentirem seguros e acolhidos em seu processo educacional (LIMA,2020)
A ausência de estudos sobre sexualidade e gênero nos currículos escolares, conforme
apontado por Louro, reflete um evidente preconceito. As escolas não apenas reproduzem as
concepções de gênero e sexualidade da sociedade, mas as produzem ativamente.
Desempenhando um papel fundamental na produção e influência dessas concepções, as escolas
se tornam instrumentos para estabelecer regras, valores e controlar significados, revelando
relações de poder por meio dos currículos.
A recusa das escolas em incorporar questões de gênero e sexualidade reforça a violência
sobre os alunos, manifestando-se em piadas discriminatórias, apelidos ofensivos, humilhação
e até negação do direito à educação. Essa violência pode resultar em consequências graves,
como bullying e suicídio (SANTOS & JOCA, 2020).
Além do currículo, a postura dos professores é crucial para a inclusão de alunos
transgêneros. A formação dos professores nas faculdades de pedagogia é o ponto de partida,
sendo essencial que eles se familiarizem com conteúdo acadêmicos sobre gênero e sexualidade.

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No entanto, a formação não se limita às universidades; os professores devem continuar
estudando e se atualizando para lidar com a diversidade na prática pedagógica. A busca
contínua por conhecimento é vital para preparar educadores sensíveis e informados, capazes
de promover ambientes educacionais inclusivos (Novoa). A formação continuada e a interação
com profissionais experientes são cruciais para construir educadores aptos a lidar com a
diversidade e promover ambientes inclusivos (SANTOS & JOCA, 2020).
A ausência de reconhecimento do nome social, a restrição ao acesso a banheiros
conforme a identidade de gênero, a falta de compreensão por parte dos professores e a carência
de empatia contribuem para uma realidade na qual os alunos transgêneros se veem compelidos
a buscar uma única saída para escapar de um ambiente marcado pela discriminação e
preconceito, comprometendo não apenas sua capacidade de expressar autenticamente quem são
e de se sentir plenamente integrados, mas também desencadeando um cenário propício para a
evasão escolar. A falta de apoio como um fator crucial na desistência escolar. A escola, incapaz
de acolher a diversidade, leva à fuga de um ambiente hostil, resultando em repetência e evasão.
A marginalização de pessoas transgêneros no ambiente escolar contribui para a evasão, sendo
um mecanismo de controle para reduzir a qualidade de vida dos não normativos, como
evidenciam as estatísticas alarmantes sobre violência e expectativa de vida para essa população.
(SALVADOR et al.,2021)
Para combater o alto índice de evasão, a Resolução nº 12 de 2015 do Conselho Nacional
de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas propõe medidas, como o
reconhecimento do nome social, tratamento oral exclusivo pelo nome social e garantia do uso
de espaços segregados de acordo com a identidade de gênero de cada indivíduo.
Considerações Finais

Diante da complexidade das questões abordadas, é inegável que a promoção da


identidade de gênero dentro das escolas desempenha um papel crucial na permanência e bem-
estar dos alunos trans. Desde a necessidade de reconhecimento do nome social, garantindo não
apenas individualização, mas também evitando situações vexatórias, até a importância de
políticas inclusivas nos banheiros escolares, esses elementos são fundamentais para criar
ambientes educacionais respeitosos e acolhedores. A luta contra a evasão escolar, as
discriminações e o preconceito demandam uma abordagem holística, envolvendo não apenas
os currículos, mas também a formação dos professores e a conscientização sobre as
necessidades específicas da comunidade trans. O estudo buscou de maneira aprofundada
destacar as complexidades e os desafios que estudantes transexuais sofrem no âmbito das

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instituições de ensino. Deve-se ir além da mera transmissão de conhecimento, provocando
então uma reflexão crítica acerca de práticas inclusivas, já que o desejo é buscar a criação de
ambientes educacionais mais igualitários e respeitosos. Mostrou-se necessária a compreensão
da diversidade de gênero e de orientações sexuais quando citada a construção social de gênero
e sexualidade. Conclui-se que a promoção da identidade de gênero nas escolas exerce um papel
fundamental no bem-estar dos alunos transexuais, ajudando também na permanência deles
nela, sendo o tema de alta complexidade envolvendo o futuro escolar de certos alunos, que
vivenciam em suas organizações psíquicas essas diferenciações, lutando por um direito
inalienável de igualdade, independente de gênero ou de sexo. A postura pedagógica de
inclusão, baseada nos termos da lei, precisa ainda de grande impulsão para atingir as metas
propostas pela educação inclusiva, esforçando-se cada vez mais para que essas dicotomias de
tratamentos possam ir sendo diluídas num processo igualitário de assimilação na convivência
de diversas culturas. O que se espera desse apanhado curricular, no qual a postura da inclusão
se faz presente, é que os olhares com maior acuidade percebam a real necessidade de abertura
a paradigmas outrora firmados, oferecendo chances de, com estudo metódico e experimental,
realizarem-se aprofundamentos nos comportamentos, que até hoje são ditos tradicionais.

Referências

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Travestis: Uma Análise a Partir de um Transfeminismo Marxista.
JESUS, Jaqueline Gomes de. (2012). Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e
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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/aluno-transgenero-podera-escolher-o-
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Observatório de Educação, Ensino Médio e Gestão. (2023). Evasão Escolar e Abandono:


Um Guia para Entender Esses Conceitos.
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EDUCAÇÃO COMO DIREITO NO BRASIL: PESSOAS TRANS E O
“CISTEMA” DE ENSINO PÚBLICO
Adriana Cristiane Lopes Lino
Marcelo Victor da Rosa

Resumo: Este artigo tem como foco a educação como um direito no Brasil, diante dos avanços
da agenda neoliberal. Com base em perspectivas pós-identitárias que interpretam as identidades
como construções socioculturais, portanto, sujeitas a variações conforme o desejo de mudança
do indivíduo, objetiva-se problematizar a respeito da efetividade desse direito para pessoas
trans6 frente ao “CIStema” de ensino público.

Palavras chave: Educação, Pessoas trans, Ensino Público.

Introdução

Em oposição ao que é público está o que é privado, contudo, parece-nos que ao que se
refere à história da escola pública no Brasil existem contradições. Uma delas seria o modo
como em determinado período a educação foi gerida no Brasil, dentre essas destacamos a
destinação de verbas públicas às instituições privadas de ensino.
Ainda que desejássemos traçar algum paralelo entre a ideia que temos hoje de escola
pública no Brasil com alguns dos fatos históricos que marcam o nascimento desse conceito,
seria necessário o empreendimento de uma longa empreitada ao menos para tentar triangular
sua formulação. Contudo, por ora não nos dispomos do tempo necessário para a realização
dessa tarefa. Ainda, que por um recorte muito preciso nos deteremos por um momento às
análises de Dermeval Saviani,

parece importante a compreensão da polissemia do termo como um recurso


de vigilância crítica no manuseio das fontes, instigando-nos a captar as
nuances de significados nelas contidas e nos mantendo abertos ao eventual
aparecimento de sentidos ainda insuspeitados (Saviani, 2005, p. 5).

Atentos, as recomendações de Saviani, seguiremos com o desenvolvimento das nossas


problematizações considerando, as implicações dessa polissemia para a nossa proposta de
discutirmos educação como um direito. Diante do exposto, se tratando de escola pública no

6
Partindo do princípio da autodeterminação, entende-se que este é um termo guarda-chuva ainda que seu uso não abarque as
infinitas possibilidades do sujeito se autoidentificar o que torna seu emprego em alguma medida problemático. Desse modo,
aponta-se para os limites do seu uso, considerando à pluralidade dos sujeitos mediante as suas autodeterminações. Tendo em
vista, os limites epistêmicos do termo trans, estaremos atentas/os ao perigo que incorremos em buscar exemplificar uma gama
de experiências possíveis em um único termo.

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Brasil, colocamos a seguinte questão, todas/os as/os brasileiras/os são igualitariamente
contempladas da mesma maneira ao acesso a um ensino laico, gratuito e de qualidade?
De pronto, entende-se por sistema de ensino um “conjunto de campos de competências
e atribuições” conforme o Parecer CNE/CEB, 30/2000,

sistemas de ensino são o conjunto de campos de competências e atribuições


voltadas para o desenvolvimento da educação escolar que se materializam em
instituições, órgãos executivos e normativos, recursos e meios articulados
pelo poder público competente, abertos ao regime de colaboração e
respeitadas as normas gerais vigentes. Os municípios, pela Constituição de
1988, são sistemas de ensino (Parecer CNE/CEB, 30/2000, online).

Visando ampliar debates como esses, que marcam o campo da educação, nos
utilizaremos parcialmente de pesquisas desenvolvidas entre os anos de 2018 e 2021, que
apontam para imbricações entre o campo da educação e dos estudos de gênero e sexualidades.
Este artigo está dividido em dois momentos. No primeiro deles, problematiza-se a educação
como um direito, a partir de uma agenda neoliberal, que tem avançado no contexto brasileiro.
Em um segundo momento, a partir da experiência de pessoas trans, problematizaremos sobre
a importância das ações do sistema público de ensino na garantia desse direito.

EDUCAÇÃO COMO DIREITO: Apenas uma Prerrogativa Constitucional?


A ascensão da teoria neoliberal que tem se consolidado em solo brasileiro não chegou
aqui por vias contrárias aos ideais liberais que, conforme David Harvey (2008, p. 12-13),
também orientaram o desenvolvimento dessas mesmas práticas neoliberais em três grandes
epicentros como, China, Grã-Bretanha e Estados Unidos. A partir das décadas de 1970-1980,
tanto a teoria como, também, as práticas neoliberais, que passaram a ser implementadas e
incorporadas pelas políticas econômicas, aplicadas por esses países protagonistas na formação
da corrente neoliberal que chega ao Brasil com o governo de Fernando Collor de Mello (1990),
já nos dão fortes indícios das potentes forças neoliberais que agiram e seguem agindo na
composição e organização da educação e do ensino em nosso extenso e diverso território
nacional.
Essa expansão e exportação da teoria neoliberal para o Brasil causou grande impacto
nas estruturas políticas e econômicas que por aqui estavam sendo desenvolvidas,
principalmente, as que giram em torno do extenso e conturbado processo que marca a formação
e a conceitualização da escola pública brasileira.
Um processo iniciado com tímidos, mas potentes movimentos que se deram a partir
das eleições municipais de 1977, e estaduais de 1982, movimentos esses que apontavam para
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o surgimento de forças políticas capazes de abrirem novos caminhos que nos direcionariam à
estratégias de retomada do governo federal pela instituição do sufrágio universal.
No entanto, essas mesmas forças políticas que se concentravam nas eleições diretas
em todos os níveis e que em parte contribuíram para o enfraquecimento do regime militar
instaurado, como resultado de um golpe ocorrido em março/abril de 1964, aparecem segundo
Luiz Antônio Cunha (2005, p. 11), como as mesmas forças que por vezes pareciam contrárias
quando não impediram “que a opinião pública desse a devida importância aos trabalhos da
Assembleia Nacional Constituinte, instalada em fevereiro de 1987 que deu origem a nova Carta
promulgada em outubro de 1988”.
Segundo Cunha (2005, p. 11), “a luta pelas liberdades democráticas no Brasil mostrou
sinais de que poderia ser vitoriosa”, dando um grande impulso a instauração de um processo
que indicou o rumo que deveríamos seguir na busca pela instituição de um regime político
liberal democrático. Um desses pleitos dá se no direcionamento dessas forças políticas de
oposição que almejavam a derrubada do regime militar fomentando a vontade pública por
eleições diretas.
Assim com os avanços de diferentes frentes na luta pela democracia no Brasil,
chegamos à década de 1989, ano em que se deu a primeira eleição direta para Presidente da
República, atingindo assim a principal meta estabelecida para que completássemos o processo
de “transição” política, que se deu em janeiro de 1985, com a eleição de Tancredo Neves,
primeiro civil Presidente da República desde abril de 1964.
O processo de redemocratização instaurado no Brasil, em meados dos anos 1974-
1985, muito nos diz sobre outro processo que corre paralelamente a esse, a produção, o
desenvolvimento, a ampliação e a renovação daquilo que nos acostumamos a tratar por escola
pública no Brasil, tema que gerou muitas polêmicas acerca de uma construção histórica
correspondente aos principais fatos que marcam tanto esse período como a atualidade.
Esse processo toma rumos consideráveis com a promulgação da Constituição
Nacional de 1988, que delibera sobre os direitos das cidadãs e dos cidadãos, bem como sobre
os deveres do Estado. É a partir dela que compreendemos tantos os nossos direitos quanto
nossos deveres a fim de que toda a sociedade seja beneficiada e amparada igualitariamente.
Tendo em vista, o que fora exposto mais acima, sobre alguns dos processos mais
importantes que especificam um determinado período sociopolítico vivenciado pela sociedade
brasileira, trataremos de fatos que marcam algumas das implementações de diretrizes que
determinam as principais características da Escola Pública Brasileira. De forma que, através do

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conhecimento de alguns desses elementos que constituem o processo de redemocratização, nos
permitam levantar pontos relevantes que possam ser atribuídos as principais mudanças que se
deram nos últimos anos no Brasil.
Com base em tudo que já fora descrito de tempos difíceis enfrentados por toda a
sociedade brasileira podemos destacar que decorre desse período também, uma das principais
características da escola pública brasileira declaradas desde o Art. 205 até o Art. 214, da nossa
Constituição Brasileira, que tratam dos deveres do estado frente ao direito dos seus
cidadãos/cidadãs no que se refere a educação brasileira. A proposta desses artigos da nossa
Constituição, versa acerca dos deveres do Estado sobre uma ampla gama de direitos que se
inicia com a declaração de que é de dever do Estado e da família a responsabilidade pelo pleno
desenvolvimento humano ao qual todos temos o direito e a liberdade assegurados em lei.
Tratando logo em seguida da igualdade de acesso e permanência na escola. Escola, assim
compreendida, como uma escola laica, gratuita e de qualidade, inclusive no que tange a
formação e a capacitação de educadores.
Tendo vista que todos os direitos das cidadãs/cidadãos e os deveres do Estado, no que
tange a educação pública, estão significativamente descritos nesta que é nossa Carta Régia, ou
seja, documento pelo qual nos orientamos quanto às tomadas de ações e decisões, é que
podemos analisar quais são os avanços e retrocessos vividos desde a década de 1990. Este,
torna-se, assim, um ano emblemático para nós brasileiras/os pela demonstração da nossa
soberania com a realização da primeira eleição direta que nos levou a mudanças políticas
econômicas contundentes.
Mudanças essas advindas da implementação de teorias neoliberais que se iniciam com
as propostas do governo Collor, da criação de uma nova moeda, privatização de estatais,
abertura do mercado internacional e mudanças nas leis trabalhistas que se consolidaram com
os dois mandatos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e de 1999-2003).
Muitas dessas transformações políticas econômicas não podem ser analisadas sem nos
darmos conta da existência e implicância de um processo ainda mais amplo e em plena
expansão, o fenômeno da globalização. Num primeiro momento pela interpretação de uma
importante organização surgida após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Organização
das Nações Unidas (ONU), o Brasil foi classificado como um país subdesenvolvido, porém,
com a abertura do mercado internacional podemos aqui destacar o bloco econômico do
Mercosul, criado em 1991, como demonstração dos avanços políticos e econômicos

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vivenciados nos anos 1950-1980, portanto, pós Segunda Guerra, que contribuíram para que o
Brasil alcançasse a posição de país emergente, ou seja, em pleno desenvolvimento econômico.
Essa organização intergovernamental criada para promover a cooperação entre países
toma como base o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), fazendo uma avaliação baseada
no índice de desenvolvimento social e econômico, tendo como parâmetro certos indicadores
apresentados por outros países, entre esses estão itens como riqueza, alfabetização, educação,
esperança de vida, natalidade, etc; com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população de
países considerados desenvolvidos ou em pleno desenvolvimento.
Outro importante marcador é o Produto Interno Bruto (PIB), este entre outros
marcadores seriam algumas das principais ferramentas utilizadas pela ONU para classificar o
aumento ou a diminuição das taxas que apontam para os avanços e/ou retrocessos que ajudam
na classificação de todos os países.
A educação neste sentido é uma importante medida utilizada para compor e decifrar
o IDH de um determinado país, nesse quesito o Brasil oscila entre a eleição de governantes
preocupados com a qualidade da educação pública e a tomada do poder por forças neoliberais,
que visam o mercado como o agente mais importante nas suas tomadas de decisões. Nesse
sentido, a escalada ascendente dos governos cada vez mais comprometidos com as teorias
neoliberais expõem e reforçam a fragilidade do processo de inclusão de todas/todos no processo
de desenvolvimento desses índices em âmbito nacional.
Assim, o desmonte tanto da educação básica quanto da reformulação obscura, por
vezes negligentes no que tange aos interesses e apontamentos de renomados educadores que
foram contra a muitas das mudanças e implementações propostas pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), um documento normativo que visa a regulamentação nacional da educação
em todos os níveis, demonstra os avanços e a intensificação dessas práticas neoliberais.
A BNCC enquanto um documento normativo proposto desde a promulgação da
Constituição em 1988, prevista no Art. 210, passa a ser desenvolvida com base na aprovação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, chegando a sua versão final em 2017.
Deste modo, tais desmontes e cortes das verbas que eram repassadas não deixaram de
fora, nem mesmo as universidades, reduzindo e, até mesmo, extinguindo a fomentação de
diversos campos de pesquisa que atuam numa ampla frente de formação de qualidade de
milhões de jovens brasileiros, apontando para os retrocessos que as práticas neoliberais
promovem focando sempre nos interesses do mercado e das classes mais abastadas.

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Ações como estas nos dão indícios dos retrocessos que possivelmente os historiadores
tratarão como uma das especificidades da educação que, ao que nos parece, sempre está sob o
potencial risco de servir como força de manobra daqueles que chegam ao poder e que legislam
em prol apenas dos interesses de uma determinada classe que não depende exclusivamente do
ensino público.
Neste sentido, a história e a historiografia da educação brasileira na atualidade
certamente ainda sofrem dos mesmos males como os já observados e analisados por Saviani
(2005). Diante da polaridade política em que se encontra a sociedade brasileira não nos parece
uma tarefa fácil organizar uma proposta educacional que passe pelo crivo de uma maioria,
apontando para uma saída constitucional desse caos relegado não só as escolas públicas, bem
como a todos os trabalhadores da educação.
Sabemos que a globalização produzida pelo capitalismo não tem volta, para tanto,
precisamos definir políticas internas que não correspondam somente aos interesses de uma
parcela da sociedade, mas políticas educativas que descambem em produtivos caminhos que
nos levem a uma tomada de decisões que produzam avanços para o campo da educação. Nos
permitindo deixar para traz tempos tão incertos para aqueles que ainda não acessam as salas de
aulas, percorrendo de forma justa e igualitária as trilhas do conhecimento.
Prosseguindo com nossas formulações, apresentaremos algumas frases que representam
o que significa as teorias neoliberais na prática da vida social. Sigamos com algumas frases
proferidas pelo Ex-Ministro da Educação Milton Ribeiro, em 9 de agosto de 2021, em
entrevista à TV Brasil, conforme aparece na matéria redigida por Luiza Tenente, publicada no
portal de notícias, G1. Segundo o artigo de Tenente, o ex-ministro teria dito o seguinte:

a "universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil
à sociedade". Ele defendeu que as verdadeiras "vedetes" (protagonistas) do
futuro sejam os institutos federais, capazes de formar técnicos. "Tem muito
engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação
devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem
uma demanda muito grande".

Declarações como essas nos ajudam a observar como as teorias neoliberais são
propagadas e implementadas de maneira que sentimos na pele seus efeitos mais devastadores,
por exemplo, com corte de verbas para as universidades ocorridos durante o governo do Ex-
Presidente Jair Messias Bolsonaro.
Ao analisar profundamente as teorias e práticas neoliberais, David Harvey (2011, p. 86)
escreveu que “a rede de seguridade social é reduzida ao mínimo indispensável em favor de um

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sistema que acentua a responsabilidade individual”. Assim, imersos nas teorias neoliberais,
pelas quais somos levados a acreditar que qualquer pessoa pode se tornar uma/um
empreendedora/or de sucesso, deixamos de perceber as sutilezas desses discursos que emergem
como “verdade”.
De modo que, se não alcançarmos sucesso profissional e/ou econômico, se não
ascendemos socialmente é porque “não nos empenhamos o bastante”, “não investimos
suficientemente em nossa própria formação”. Conforme Harvey (2008, p. 86), “em geral, os
fracassos pessoais são atribuídos a falhas individuais, e com demasiada frequência, a vítima é
quem leva a culpa!” Somos, portanto, responsabilizadas/os pelos nossos insucessos de todas as
formas possíveis pelas potentes vozes que comunicam sutilizas como essas que sustentam esse
sistema político-econômico.
Destacamos que de forma geral discursos assim são proferidos por indivíduos que
ocupam posições de destaque em diferentes instituições, o que contribui para sua notoriedade.
Ao passo que mascaram a violência, o preconceito e a exclusão social que tais discursos
produzem.

ENTRE RISOS E PARADGMAS: Monalisa

De pronto, reconhecemos que é nas sutilezas das palavras e das ações que, em termos
foucaultianos, se mascaram o movimento das correlações de forças que sustentam e pelo qual
são formulados os sistemas hegemônicos. Conforme Foucault (2017, p. 101), “é o suporte
móvel das correlações de forças que, devido a sua desigualdade, induzem continuamente
estados de poder, mas sempre localizados e instáveis”. Desse modo, procuramos demarcar
nosso posicionamento crítico na construção desse diálogo. Declarando que não temos
pretensão alguma de fazer ressoar nossas vozes como detentoras de quaisquer “verdades” ou
“saberes”.
Temos como referência os princípios assinalados por Jaqueline Gomes de Jesus (Jesus,
apud Nascimento, 2021), em específico o quarto princípio que conforme descrito por Letícia
Carolina Pereira do Nascimento (2021, p. 89), “orienta o transativismo prevê que, dentro do
transfeminismo, haja a validação das contribuições de quaisquer pessoas, sejam elas
transgêneras ou cisgêneras”.
Com o objetivo de analisar o uso do nome social por pessoas trans de uma universidade
pública do centro-oeste brasileiro, foi que desenvolvemos a primeira pesquisa que

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recuperamos, em parte aqui, tendo em vista a sua relevância para as discussões que propomos.
Tendo como ponto de partida o Decreto nº 8.727/2016, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre
“o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou
transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”
(Brasil, 2016), chegamos a compreensão de que “apesar das mudanças históricas e culturais,
as experiências trans ainda têm enfrentado grandes desafios nos espaços institucionais de
ensino no Brasil quando o assunto é direito à educação” (Lino; Duque, 2022, p. 267).
Já em uma segunda pesquisa, com foco, também, nas experiências de pessoas trans
femininas, trans masculinas e travestis que nos debruçamos, a partir de suas memórias, em
alguns dos principais fatos que marcaram suas histórias de vida (Lino; Passamani, 2021).
Dentre as histórias de vida é que apresentaremos um pouco da história de Monalisa, mulher
trans, negra e evangélica, que na época da entrevista estava com quarenta e quatro anos de
idade.

“quando completei dezoito anos, voltei do colégio interno. Já em casa resolvi


falar para os meus pais porque naquele tempo eu já sabia quem eu era. E essa
foi a época mais difícil da minha vida porque meu pai é pastor e nessa época
ele não aceitava. Meu pai falava que não era para eu continuar desse jeito
porque desse jeito ele não iria mais me aceitar em casa. Meus pais me levaram
a um psicólogo. Assim, me tratei com psicólogos até os meus vinte anos. Aí,
falei: “não, é desse jeito mesmo que eu sou” desse jeitinho... Risos. Daí, meus
pais me colocaram para fora de casa’’. Depois dessa expulsão, se deu uma
sequência de acontecimentos que marcou a sua vida. Manter-se no trabalho
se tornou a primeira preocupação de Monalisa. Nesse período, ela trabalhava
durante o dia como cuidadora de idosos e, à noite como, atendente em uma
lanchonete. Monalisa não ficou muito à vontade para falar do tempo em que,
longe de casa, também ganhou dinheiro com o trabalho sexual, mas, quase
como em confidência, disse que não sentia vergonha, pois seria algo que faz
parte da sua história (Lino; Passamani, 2021, p. 316).

Os pais da Monalisa, são de uma denominação tradicional o que em certa medida


contribuiu para a expulsão de Monalisa. Fora de casa e fora da família, Monalisa também se
viu fora da escola. Ela que tinha muitos sonhos enfrentou muitas situações difíceis para se
manter, dentre elas abandonar os estudos pelos menos por um tempo da sua vida.
Diante de fatos como expulsão e necessidade de sobrevivência que marcaram a
trajetória de Monalisa, apresentamos os seguintes questionamentos: será que todas as vidas
igualmente importam? Diante da dura realidade enfrentada por muitas pessoas autodeclaras
trans no Brasil, pelo fato de serem expulsas ainda muito jovens de suas casas, qual seria o papel
do sistema de ensino público brasileiro enquanto uma possibilidade de ressignificação de
histórias como a de Monalisa?
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Buscamos inspiração nas potentes formulações de Donna Haraway (1995, p. 37-38),
que nos ensina que “reconhecer a agência do mundo no conhecimento abre espaço para
algumas possibilidades desestabilizadoras, inclusive para a percepção de um senso de humor
independente do mundo” nesse sentido, propomos considerar que histórias de vida de pessoas
dissidentes do sistema sexo/gênero7 surgem como tal “possibilidade desestabilizadora” pois,
nos ajudam a pensar nas violências e exclusões que estão em operação nos sistemas
hegemônicos que punem para além da conta uma pluralidade de sujeitos/corpos que não são
considerados inteligíveis pela norma.
Ainda durante a entrevista Monalisa, narrou sobre como se deu o restabelecimento dos
seus vínculos familiares, “com 25 anos por aí, meus pais resolveram me chamar de volta para
morar com eles e eu voltei”. Ela também relatou que refez seus laços de fé, e como estava feliz
por estar no coral da igreja e de como sentia-se acolhida por todas/todos, em especial pelas
“irmãs do coral” e por seu pastor.
Ela também nos contou que estava cursando pedagogia em uma faculdade particular e
que já estava trabalhando como professora em um Ong. da cidade. Mesmo depois da entrevista
mantemos contato, assim com o fim da pandemia ela me contou que estava frequentando outra
igreja e que teve alguns problemas para continuar o curso, estava um pouco atrasada, mas que
já havia retornado e que em pouco tempo concluiria seu curso.
Com base no dossiê publicado em 2023, pela Associação Nacional de Travestis e
Transexuais do Brasil (ANTRA), observamos que não é incomum as violências praticadas pela
família reverberar em diferentes âmbitos da vida de pessoas trans.

entre tantos casos de violência, são as adolescentes trans as que mais


enfrentam dificuldade de ter seus direitos respeitados, principalmente, quando
não tem uma família acolhedora. Muitas escolas não têm garantido o direito
ao uso do nome social e/ ou o respeito a identidade de gênero dessas pessoas,
alargando os motivos que propiciam à exclusão do ambiente escolar,
interrompendo o direito à Educação de uma parcela considerável da
população. Não existem centros especializados em saúde integral de crianças
e adolescentes trans. Além de duas iniciativas experimentais e limitadas às
pesquisas, com difícil acesso para a demanda de todo o Brasil, políticas
públicas para crianças a adolescentes excluem sistematicamente a juventude
trans (Benevides, 2023, p. 36).

7
Segundo Gayle Rubin (2017, p. 54), que desenvolveu este conceito em seu ensaio, de 1975, “O tráfico de
mulheres: notas sobre a ‘Economia Política’ do sexo”: “como definição preliminar, podemos dizer que um
‘sistema de sexo/gênero’ consiste em uma série de arranjos por meio dos quais uma sociedade transforma a
sexualidade biológica em produto da atividade humana, nos quais essas necessidades sexuais transformadas são
satisfeitas”.

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Dentre os muitos impactos sociais negativos que incorrem desse abandono familiar
destacaremos a não garantia dos seus direitos à educação, ao uso do nome social conforme seu
gênero autopercebido e exclusões socioculturais devido à falta de políticas públicas
educacionais específicas. Assim, para além de rompimentos afetivos uma onda de
atravessamentos negativos segue sucumbindo suas vidas. Multiplicando os entraves que
impedem seus acessos a direitos constitucionais legais que por conta dessa dura realidade social
não permitindo que estes se convertam em uma efetiva cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil desde a promulgação da sua Constituição Nacional, tem enfrentado diversos


processos internos e externos para fazer valer os direitos de todas/todos. Portanto, no quesito
educação pública de qualidade, que passa pelo acesso de todas/todos, observa-se que a atual
governança neoliberal que, por aqui se instalou, tem promovido amplos cortes nas verbas
previstas para a educação.
De modo que questões como acesso e permanência a um ensino de qualidade e gratuito
centrais para pesquisadoras/es em educação, também, devem ser consideradas de grande
relevância para o campo dos estudos de gênero e sexualidades brasileiro. Bem como
consideramos que os estudos de gênero e sexualidades possam contribuir para melhorias e
avanços no campo da educação.
Sublinhamos que continua sendo imprescindível a atuação do Estado brasileiro na
promoção e condução de toda a sociedade a um período de ascensão, não apenas econômica, é
certo que divisões mais igualitárias das riquezas não fiquem de fora de qualquer debate, porém
se tratando de educação acredito que será pela abrangência de uma equidade do saber a via
mais eficaz na produção de um equilíbrio social que há tempos buscamos. Sobre Monalisa,
consideramos que sua história de vida está marcada por muitas quebras de paradigmas. Se
sabemos de alguém que habita este mundo de insensatez com determinação é Monalisa.
Declaramos que somos gratos pela generosidade de seus compartilhamentos.

Referências

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de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 31 de jan. de
2024.

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BRASIL. Parecer CNE/CEB nº 30/2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb030_00.pdf Acesso em: 30 de jan. de 2024.

BRASIL. Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016. Disponível em:


https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm Acesso em: 26
de jan. de 2024.

BENEVIDES, Bruna G. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais


brasileiras em 2022 / Bruna G. Benevides. ANTRA (Associação Nacional de Travestis e
Transexuais) – Brasília, DF: Distrito Drag; ANTRA, 2023. 109 p. Disponível em:
https://antrabrasil.files.wordpress.com/2023/01/dossieantra2023.pdf Acesso em: 31 de jan. de
2024.

CUNHA, Antônio Luiz. Educação, Estado e democracia no Brasil. 2º ed. São Paulo: Cortez;
Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense; Brasília, DF: FLACSO do brasil,
1995. (Biblioteca da educação. Série 1. Escola; v. 17).

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: A vontade de saber. 6ª ed. Rio de


Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017. (Coleção Biblioteca de Filosofia). 175 p.

HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da


perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 5, p. 7–41, 2009. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 Acesso em: 19 jan.
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HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Tradução: Adail Sobral; Maria


Stela Gonçalves. Edições Loyola; São Paulo, 2008.

LINO, Adriana Cristiane Lopes. & DUQUE, Tiago. (2022). Experiências de “camuflagem” de
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brasileiro. Série-Estudos - Periódico Do Programa De Pós-Graduação Em Educação Da
UCDB, 27(59), 261–283. Disponível em: https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v27i59.1578
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LINO, Adriana Cristiane Lopes. PASSAMANI, Guilherme Rodrigues. O sujeito da


experiência: “desalinhamentos” e estratégias de experiências trans em Campo Grande-
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NASCIMENTO, Letícia Carolina Pereira do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021. 192
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SAVIANI, Dermeval. História da Escola Pública no Brasil: questões para pesquisa. A


escola pública no Brasil: história e historiografia/ José Claudinei Lombardi, Dermeval Saviani,
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TENENTE, Luiza. Milton Ribeiro: veja 6 frases do ministro da Educação e entenda por que
elas foram questionadas. G1/Globo, [S.l.], Disponível em:
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/08/23/milton-ribeiro-veja-frases-do-ministro-da-
educacao-e-entenda-por-que-elas-foram-questionadas.ghtml Acesso em: 27 de jan. de 2024.

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CORPOS QUEER, REPRESENTAÇÕES E EDUCAÇÃO: O MUSEU DA
DIVERSIDADE SEXUAL
Ana Carolina Ferreira Echeverria
Thaynara dos Santos Bezerra
Merilin Baldan

Resumo
O presente trabalho se insere na temática Gênero e Sexualidade em Educação, tendo como
objeto de estudos os corpos queer. A problemática do trabalho está em compreender de que
modo os museus virtuais podem contribuir com os processos de visibilidade e cidadanização
dos corpos queer, bem como de apreender a relevância das representações dos corpos queer
para a educação e a formação humana. O objetivo está em compreender os processos de
invisibilização e visibilização dos corpos queer e suas implicações no processo de subjetivação
e constituição das identidades Os objetivos específicos podem ser descritos como apreender os
efeitos da LGBTfobia; compreender as implicações das representações para os processos de
(in)visibilização e (sub)cidadanização da população LGBTQIAP+; e, refletir acerca da
relevância dos museus virtuais para uma pedagogia da sexualidade e a promoção dos direitos
e respeito à diversidade sexual. O trabalho apresenta uma abordagem qualitativa, ancorada em
estudo teórico bibliográfico e a investigação etnovirtual no Museu da Diversidade Sexual de
São Paulo. Os resultados permitem observar que as representações dos corpos queer ainda são
invisibilizadas na sociedade cisheteronormativa e isso tem levado a permanente subcidadania
que esses corpos estão submetidos.

Palavras-chave: LGBTQIAP+. LGBTfobia. Educação. Museus. Formação.

INTRODUÇÃO

A nossa discussão está inserida na temática gênero e sexualidade em educação, tendo


como objeto os corpos queer.
É importante compreendermos que a sociedade capitalista, patriarcal, racista e
cisheteronormativa tem apresentado como referência padrão determinados corpos como
“norma”, operacionalizando a discriminação, exclusão e opressão com os “outros” (LOURO,
2022). Como consequência, tem-se legitimado uma violência contra os corpos queer, seja pela
vigilância e controle da sexualidade, seja pela invisibilização/subcidadanização de seus corpos,
suas lutas e resistências/subversões/transgressões, assim como o apagamento das contribuições
de pessoas LGBTQIAP+ nas diferentes esferas da sociedade e da/na produção do
conhecimento (BUTLER, 2003; LOURO, 2022;).
Não podemos deixar de mencionar que tanto os corpos queer e suas representações são
marcadas por estereótipos e estigmas que contribuem para reforçar a discriminação e a
identificar quais corpos não são desejados na sociedade e levado, não por acaso, a violência de
gênero estrutura, como a LGBTfobia (LOURO, 2022; SCHWARCZ, 2019).
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Os regimes de poder e disciplinamento estão presentes nas instituições, dentre elas a
família, a igreja, a escola e demais instituições. Chamando para a discussão a escola (formal),
desde a sua arquitetura, o currículo, os materiais e recursos didáticos pedagógicos, a prática de
ensino, entre outros elementos estão presentes e regulam o gênero e a sexualidade, seja na
educação básica, seja no ensino superior (BRITZMAN, 2022; LOURO, 2014) e, por
conseguinte, “(...). É indispensável questionar não apenas o que ensinamos, mas o modo como
ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as dão ao que aprendem” (LOURO, 2014. P. 68).
Dentro dessas premissas, a problemática da pesquisa pode ser expressa nas seguintes
questões: De que modo os museus virtuais podem contribuir com os processos de visibilidade
e cidadanização dos corpos queer? Qual é a relevância das representações dos corpos queer
para a educação e a formação humana?
O objetivo está em compreender os processos de invisibilização e visibilização dos
corpos queer e suas implicações no processo de subjetivação e constituição das identidades Os
objetivos específicos podem ser descritos como apreender os efeitos da LGBTfobia;
compreender as implicações das representações para os processos de (in)visibilização e
(sub)cidadanização da população LGBTQIAP+; e refletir acerca da relevância dos museus
virtuais para uma pedagogia da sexualidade e a promoção dos direitos e respeito à diversidade
sexual.
A nossa pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa. A pesquisa conta com uma
investigação de cunho teórico conceitual, fundamentada a partir dos teóricos dos estudos de
gênero e queer.
Ademais, também utilizamos a etnografia virtual, para fundamentar a empiria da
investigação em museus virtuais. Destacamos que os princípios norteadores da “etnografia
tradicional” permanecem, ainda que sejam reatualizados pela sociedade digital na qual vivemos
e interagimos (FERRAZ, 2019). Por sua vez, Colling (2021) aponta que, se por um lado, o
tempo de imersão cultural exigida pela etnografia digital em relação a etnografia tradicional
seja distinta, os instrumentos e procedimentos se mantem: o caderno de campo, as descrições
que permitem chegar à compreensão, as reflexões evocadas tanto pela experiência sensitiva
que a exposição emana cruzada com as teorias e conceitos que servem de elementos para a
análise das representações.

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O MUSEU DA DIVERSIDADE SEXUAL DE SÃO PAULO

Concordamos com Colling (2021) acerca de não ser uma novidade os “grandes” museus
do ocidente apresentar a vontade de expor cenas de nudez e/ou práticas sexuais, geralmente
por artistas homens. No entanto, para o autor, a novidade mais recente está na vontade desses
museus de expor obras e artistas feministas e da comunidade LGBTQIA+ que, interseccionados
ou não, questionam as normas de gênero e sexualidade (COLLING, 2021). Ademais, Oliveira
(2022) sinaliza que é necessário superar a arte “tradicional”: eurocêntrica, branca,
heteronormativa, com ares conservadores que nega a existência da produção e dos
protagonismos de grupos minoritários. Para a autora, a perspectiva decolonial da arte envolve
discussões interdisciplinares, éticas, estéticas e políticas que levam em consideração a
(re)existência dos grupos subalternizados.
É nesse sentido que selecionamos o Museu da Diversidade Sexual de São Paulo (MDS),
criado pelo Decreto n. 8.075, de 25 de maio de 2012 e está vinculado à Secretaria de Cultura,
Economia e Indústria Criativa do Estado de São Paulo. Conforme o Decreto n. 63.375, de 04
de maio de 2019, indica como atribuições do MSD atuar na transformação social e destina-se
à memória, à arte, à cultura, ao acolhimento, à valorização da vida e, também, no agenciamento
e desenvolvimento de pesquisas para e pela comunidade LGBTQIAP+.
O Museu tem um vasto acervo e programações físicas e virtuais, acessadas por todo e
qualquer cidadão interessado na temática. Os Museus virtuais permitem maior visibilidade
para as instituições, quanto contribuem significativamente com a difusão dos acervos.
Em nossa visitação virtual, a seleção de exposição para a investigação etnográfica
digital levou em consideração as possíveis contribuições para a educação e a formação
humanada. Os seguintes acervos/exposições foram selecionados para o campo: “Museologia
Comunitária LGBTQIA+ e outros ensaios Queer Interseccionais”, “Acervos e referências de
memória LGBTQIAP+” e o “Guia para pensar junto”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira exposição virtual é intitulada como “Exposição: Dando pinta no Brasil


Colônia”, tem a curadoria de Amara Moira e celebra a resistência e existência dos sujeitos e
grupos que foram perseguidos pela inquisição religiosa e pela Coroa Portuguesa no contexto
da colonização brasileira.

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A exposição permite acessar cartas de denúncias e confissões feitas à Santa Inquisição,
além de fragmentos de textos onde são relatadas práticas sexuais e afetivas dissidentes que
desafiavam as normas de gênero daquele contexto. O acervo é acompanhado de breves e
necessários comentários reflexivos da curadora que servem de subsídio para a visita
autoguiada, isto é, como uma mediação entre o usuário e o acervo/artefato.
O mais interessante percebido é que, ainda que os documentos e registros estejam sob
a ótica do colonizador, é possível realizar uma análise crítica do material, percebendo para além
do que é apresentado. Esse acervo, composto de fontes escritas variadas, podem ser utilizados
para o ensino de história, assim como seu conteúdo permite trazer as vozes dissonantes e as
memórias dos grupos subalternizados, os corpos invisibilizados.
Dito de outra forma, esses materiais podem servir para superar o currículo etnocêntrico
e, consequentemente, o epistemicídio, por permitir trazer os conhecimentos e narrativas
históricas desses grupos subalternizados, isto é, a “história dos vencidos” que pode ser
visualizada pela curadoria da exposição. Ademais, destacamos alguns documentos que
contribuem com o (re)conhecimento da existência das sexualidades e gêneros dissidentes desde
o Brasil Colônia, assim como todo o processo de perseguição e violência contra esses
indivíduos a partir das seguintes fontes: confissões, cartas, cantigas, documentos oficiais, etc..
A segunda exposição é denominada “Palomas”, composta de fotografias de Dan
Agostini acompanhadas do texto visceral de Uma Reis Sorrequia e relatos de vivências de
muitas Palomas. É importante destacar que “Paloma” é um nome de origem espanhola e
significa pomba, símbolo de paz e liberdade; tem sido o nome emprestado pelas travestis para
compartilhar suas histórias e vivências.

Esta exposição em particular conta com audiodescrição que acompanha cada uma
das fotografias apresentadas para a acessibilidade de pessoas com deficiência visual/baixa
visão. Ainda que possamos ter acesso às imagens a partir de nossos olhos, a experiência de
ouvi-las a partir de um olhar, muitas vezes, mais sensível que o nosso, foi enriquecedora,
trazendo um encanto a mais para a visitação. Concordamos com Colling (2021) que a
observação como meio de compreensão envolve muito mais do que os olhos, mas toda a
experiência sensitiva reflete no processo.

Além da audiodescrição, essa exposição conta com uma poesia (Pauta Identitária) e,
também, um documentário com o mesmo título que apresenta as narrativas das travestis
contadas por elas mesmas. Nestas narrativas, as “Palomas” destacam a Casa Florescer, uma
casa de acolhimento social localizada na capital de São Paulo, e falam também sobre os
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processos de escolarização/escolaridade, o encarceramento, a prostituição, as violências, as
afetividades, etc.

A exposição é um convite para a reflexão das representações das travestis e para a


escuta sensível sobre os processos de invisibilização, silenciamento, violências sofridas,
assim como seus medos e sonhos. É, também, um espaço sensível e seguro para que as
“Palomas” possam ser quem elas são e cultuem as suas existências do passado e do presente.
Tanto a exposição quanto o documentário permitem dar visibilidade e trazer as discussões
acerca da necessidade de cidadanização dos corpos queer.

A terceira exposição intitulada “Sexualidades Múltiplas: Autobiografias Indígenas


Colorindo a luta em defesa do território” tem curadoria Tipuici Manoki. A exposição é o
resultado das discussões iniciadas em 2017, a partir das discussões do Seminário da
Juventude Indígena, no Maranhão; e, também, em 2022, com a Plenária Nacional dos
Indígenas LGBTI+, no 18º Acampamento Terra Livre.
Nesta exposição, localizamos o documento “Manifesto Indígena LGBTI+: Colorindo
a luta em defesa do território” que trata da luta pelo território indígena, a dignidade e a
proteção dos corpos queer indígenas, fazendo o destaque ao Tupinambá Tibira, indígena
assassinado por ser um corpo desviante no contexto da colonização. Além do Manifesto,
localizamos as obras do artista plástico pernambucano Aislan Pankanaru, indígena
Pankanaru, que cultua a ancestralidade, a memória, a luta e a resistência de seu povo.
Nesta exposição encontramos duas referências que podem corroborar com a
discussão da população LGBTQIAP+ com o recorte regional e local, isto é, Mato Grosso e
Rondonópolis. Isto porque dentro da temática da exposição, pudemos localizar registros que
trazem a história de Majur Traitowu, mulher trans indígena, primeira liderança trans do povo
Boé Bororo, na Aldeia Apido Paru, dentro do Território Indígena Tadarimana, em
Rondonópolis-MT.
A outra referência é o filme “Pinjawuli: O veneno me alcançou”, do diretor Bih Kezo.
O filme é um manifesto contra as violências causadas pelo agronegócio em Mato Grosso,
em especial, contra as populações indígenas. No filme retrata o envenenamento da Aldeia
Paredão, em Brasnorte-MT, no processo de aplicação de agrotóxico nas lavouras pelos
aviões que sobrevoam a região.

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REFLETINDO

O acervo do Museu da Diversidade Sexual traz a (res)existência da população


LGBTQIAP+, permitindo rompendo com os processos de invisibilização e subcidadanização
dos corpos queer. Ademais, o acervo e as exposições apresentam uma perspectiva decolonial e
dissidente da arte que permite problematizar os efeitos do epistemicídio, bem como visibilizar
e potencializar a (re)existência de artistas e arte produzida pela comunidade LGBTQIA+.
Se, por um lado, essas discussões contribuem com o processo de subjetividade, de
constituição das identidades e com a formação humana; por outro, também contribuem com a
formação de estudantes da educação básica e do ensino superior, em especial, na formação de
professores. Ao incorporar a temática gênero e sexualidade nos currículos, operacionalizar
transformações nos materiais e recursos didáticos pedagógicos, bem como mudanças nas
práticas educativas.
A escola e as instituições como os museus são espaços privilegiados para essa atividade
educativa e formativa, pois entendemos que a intencionalidade e a perspectiva crítica,
decolonial e queer é um poderoso elemento de transformação social, pois ao conhecer outras
perspectivas para além da nossa, podemos ampliar nosso olhar para com o mundo.

Referências
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corpo educado: pedagogias da sexualidade. 4ª. Ed. 4ª. ReImpressão. Belo Horizonte-MG:
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2023. Disponível em: https://museudadiversidadesexual.org.br/. Acesso em 20/09/2023.

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brasileira. Bauru-SP: Mireveja, 2022.

LOURO, Guacira L. (ORG). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 4ª. Ed. 4ª.
ReImpressão. Belo Horizonte-MG: Autêntica, 2022.

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SCHWARCZ, Lilia M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.

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MÍDIAS E JUVENTUDES: (DES) CONSTRUÇÕES DE GÊNEROS E
CORPOS?

Raquel Guimarães Lins

Resumo: O presente estudo é situado na experiência pedagógica como docente no Ensino


Médio Integrado de uma escola federal de educação profissional e técnica, com inspiração nos
estudos das pedagogias culturais (ANDRADE; COSTA, 2015) e de Michael Foucault (1984).
No cotidiano da escola, filmes e séries indicam relações com identidades, discursos e
comportamentos. Tem-se como objetivo problematizar como as mídias tensionam ou
perpetuam as práticas regulatórias de corpos e das perspectivas de gênero nos processos de
constituição dos sujeitos. O estudo foi realizado com discentes do primeiro ano do Ensino
Médio Integrado, na disciplina de Educação Física. Foram indicadas imagens que
representassem relações entre corpo e mídia. A maior parte dos alunos citou um modelo de
homem branco, cis e com o corpo ‘definido’ como o ideal. Dentre as alunas, a maioria citou
como padrão uma mulher branca, com cabelos compridos. lisos e corpo ‘definido’. Percebe-se
que as construções de gênero representaram estruturas binárias e um discurso cultural
hegemônico de corpos. Somente a imagem de duas mulheres negras e de uma pessoa não-
binária foram referenciadas nos trabalhos. O trabalho propõe uma reflexão sobre ações
pedagógicas que questionem discentes sobre mídias e corpos, dentro das diferenças e
diversidades.

Palavras-chave: Mídias. Juventudes. Gênero. Sexualidades.

Referências

ANDRADE, Paula Deporte de; COSTA, Marisa Vorraber. Usos e possibilidades do conceito
de pedagogias culturais nas pesquisas em estudos culturais em educação. Revista Textura,
vol.17, n.34, Canoas, mai/ago 2015, p.48-63.

FOUCAULT, Michael. História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres, Vol. II. Rio de
Janeiro: Graal, 1984.

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ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DE DOCENTES: UMA PROMOÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS
Carolina Abreu Nunes
Resumo: O trabalho apresenta um relato de experiência referente a um evento realizado em
parceria entre a rede SESC e Junior Achieviment Piauí. O objetivo central foi promover
atividades pedagógicas que fortalecessem a reflexão de docentes atuantes no eixo educacional
da instituição a respeito da importância dos cuidados com a saúde mental no campo no
protagonismo da sala de aula, fortalecendo assim a garantia de direitos humanos. Ações
interventivas no espaço educativo são essenciais para a prevenção e redução de transtornos
mentais tanto de professores, quanto de gestores escolares. A proposta metodológica contou
com palestras e atividades práticas com foco na compreensão de saúde como estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença. Os resultados
elencados pelos próprios participantes no processo avaliativo realizado ao final do evento
revelaram: satisfaçam pela escolha de sua profissão, superação em dificuldades pessoais e no
âmbito educacional e mental, avanço em conhecimento de novas técnicas aplicadas na saúde,
dentre outros. Em suma, foi possível compreender a relevância de planejamento de ações
voltadas para a saúde mental de professores como ferramenta para a qualidade de vida no
exercício profissional.
Palavras-chave: Direitos humanos. Saúde mental. Docência.

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COMO PENSAR OS DIREITOS HUMANOS DO TRABALHO?

Fernanda Barcellos Mathiasi

Resumo: Com advento da globalização as empresas se viram obrigadas a desenvolver suas


tecnologias para se tornarem mais competitivas diante do novo cenário de concorrência
mundial (Kallenberg;2009). Frente a este frenesi de concorrência no mercado empresarial, os
direitos dos trabalhadores deixaram de ser o principal foco e assim as normas trabalhistas de
proteção cederam espaço para instituições sindicais e trabalhistas enfraquecidas
(Kallenberg;2009). Por isso é ideia deste artigo é desenvolver a teoria dos Direitos Humanos
do Trabalho no Brasil explicando cada uma das características fundamentais neste conceito,
fortalecendo o debate jurídico que contribua para a construção desta disciplina dentro do
ordenamento jurídico pátrio. A pergunta de investigação que conduz a pesquisa é: como se
constrói os Direitos Humanos do Trabalho? O objetivo é construir a teoria dos Direitos
Humanos do Trabalho realizando uma discussão sociojurídica com os atributos do “trabalho
decente” na sociedade contemporânea. Metodologicamente a pesquisa parte de um estudo
bibliográfico, desenvolvendo os 14 indicadores dos Direitos Humanos do Trabalho e
concluindo, por tanto que é possível construir uma teoria dos Direitos Humanos do Trabalho,
até a aplicação prática de indicadores desses direitos, que deverão ser observados e fiscalizados
pelas instituições trabalhistas, sindicatos, Ministério Público e Auditores Fiscais do Trabalho.

Palavras-chave: Direitos humanos. Direitos sociais. Direito do trabalho. Direitos humanos do


Trabalho. Precarização do trabalho.

Referências

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EDUCAÇÃO MALCOMPORTADA: RESPEITO À DIVERSIDADE NO
ENSINO DE CIÊNCIAS EM UMA ABORDAGEM CTS

Nathália Ferreira Silva


Hawbertt Rocha Costa
Carolina Pereira Aranha

RESUMO

Ao refletir a atividade docente no cotidiano do alunado, percebemos o quanto ela pode


influenciar e impactar no futuro das pessoas de forma positiva ou negativa. Compreender as
particularidades de cada indivíduo que compõe uma sala de aula e adaptar nossos conteúdos
para abranger essa diversidade, embora seja um desafio, é um dos papéis da profissão. Partindo
desse pensamento, o presente artigo propõe o desenvolvimento de uma Sequência Didática
(SD), seguindo os pressupostos de Zabala, que sugere três categorias a saber: atitudinais,
conceituais e procedimentais. A Sequência Didática versa sobre a contribuição de pessoas
LGBTQIAPN+ no desenvolvimento científico-tecnológico, que busca promover uma
compreensão crítica e inclusiva sobre essa temática, na qual utilizará o filme "O Jogo da
Imitação" como recurso de discussão. Escolhemos trabalhar a sequência na perspectiva Ciência
Tecnologia e Sociedade (CTS), para promover reflexões sobre diversidade sexual, preconceitos
e a participação inclusiva na sociedade. Para alcançar nossos objetivos, as Tecnologias Digitais
serão partícipes deste processo de constituição de conhecimento.

Palavras-chave: Homofobia, tecnologias digitais, sequência didática, inclusão.

INTRODUÇÃO

Pensar a prática docente no ensino de Ciências, no contexto atual, significa perceber e


valorizar a diversidade presente em nossas salas de aulas, desenvolver senso crítico, abordar as
diferentes linguagens e tecnologias digitais, fomentar o respeito dos alunos por si, pelo outro e
pelo meio ambiente, entre outras competências elencadas pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Dessa maneira, uma das principais responsabilidades da educação formal
é conduzir estudantes à compreensão da realidade ao seu redor, de modo que possam participar,
de forma crítica e consciente, dos debates e discussões que permeiam a sociedade no qual se
encontram inseridos (Cruz e Zylbersztajn, 2001). Nesse sentido, a abordagem CTS surge como
alternativa de referencial teórico-metodológico, podendo significar uma transformação nos
processos cognitivos (Linsingen, 2007).
A escola tem a função de promover saberes que vão além dos conteúdos clássicos e dos
conceitos tradicionais (Brancaleone e Vieira, 2016), por ser uma instituição capaz de

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transformar-se em um espaço de promoção de uma vida física e mentalmente saudável. Sendo
assim, estimular debates, por exemplo, sobre como a sociedade influencia no desenvolvimento
científico-tecnológico; o respeito às diferenças de cor, gênero, etnias, crenças, pessoas com
deficiência; e o uso responsável das tecnologias digitais se faz necessário.
No Maranhão, estado em que 1,4% da população adulta se declara homossexual ou
bissexual, e visto que este mesmo estado é o sétimo maior em registros de crimes de homofobia
no Brasil, é pertinente propor estratégias para discutir assuntos relacionados à diversidade
sexual e preconceito no ambiente escolar. Portanto, criar/adaptar metodologias e abordagens
capazes de levar aos alunos informações embasadas em dados científicos e, consequentemente,
promover reflexão e sensibilização, por parte de nosso alunado, acerca de temáticas de
diversidade sexual é pauta relevante para a prática do ensino de Ciências.
Partindo de tais perspectivas, este trabalho objetiva propor uma SD abordando o tema:
“A contribuição de pessoas LGBTQIAPN+ no desenvolvimento científico-tecnológico”. A SD
utiliza (toma por base, se embasa no ,etc) o Filme “O Jogo da Imitação”, para promover a
reflexão sobre como as pessoas podem contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade,
independente de sua orientação sexual ou qualquer outra característica considerada divergente
dos padrões sociais construídos histórica e culturalmente e como os preconceitos podem
invisibilizar determinados grupos da sociedade.

A SEXUALIDADE E O ENSINO DE CIÊNCIAS

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a


Cultura (UNESCO), o termo sexualidade pode ser definido como “uma dimensão central do
ser humano que inclui: compreensão e relacionamento com o corpo humano, vínculo
emocional, amor, sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, intimidade sexual,
prazer e reprodução” (UNESCO, 2019 p.17). Portanto, a sexualidade é complexa e inclui não
apenas dimensões biológicas, mas também sociais, psicológicas, espirituais, religiosas,
políticas, legais, históricas, éticas e culturais, capazes de sofrer modificações ao longo da vida
do indivíduo.
Em conformidade com as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), a
educação sexual deve ser integrada ao currículo escolar, adaptando-se à faixa etária e
necessidades em sala de aula, em consonância com a BNCC de 2018. Este documento, que
regula as aprendizagens da Educação Infantil ao Ensino Médio, suscita debates, especialmente

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entre a corrente conservadora, que defende a responsabilidade da família nesse tema (Silva, et
al, 2019).
A BNCC destaca a presença explícita na seção de Ciências da Natureza, associando a
sexualidade a anatomia, fisiologia e prevenção de IST/AIDS, enfatizando a promoção da saúde.
Contudo, não aborda a diversidade de gênero de maneira específica, apesar de incentivar a
formação de cidadãos sem preconceitos. Em contrapartida, as orientações da UNESCO,
publicadas em 2019, recomendam a Educação Integral Sexual (EIS) em todos os âmbitos,
visando prevenir iniciação sexual precoce, infecções, violência de gênero e promover
autoconhecimento e respeito. Embora não seja impositivo, o documento fornece diretrizes
relevantes para uma abordagem abrangente e adequada da educação sexual nas escolas a partir
dos 5 anos, sugerindo consideração para sua implementação.

O ENFOQUE CTS COMO SUPORTE À EDUCAÇÃO SEXUAL

Para promover uma abordagem capaz de agregar contextualização e


interdisciplinaridade, numa perspectiva mais democrática e menos tecnocrática (Auler e Bazzo,
2001), optou-se por trabalhar o a partir do enfoque em Ciência, Tecnologia e Sociedade.
A expressão Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) é utilizada para descrever as
relações entre o desenvolvimento científico-tecnológico e a sociedade, refletindo de que
maneira um é capaz de influenciar na construção do outro (Linsingen, 2007). O movimento
surgiu em meados da década de 60 em resposta às consequências do uso indiscriminado das
tecnologias, fomentando guerras, contaminando o meio ambiente e aumentando as
desigualdades sociais. Com base em duas tradições bem definidas - europeia e americana - os
estudos em CTS são voltados para três campos principais: acadêmico, políticas públicas e
educação (Strieder, 2012).
Corroborando com o pensamento de Lima e Siqueira (2013, p.154), Bazzo (2018)
afirma que “o movimento CTS na educação em ciências relaciona-se à percepção da
necessidade de se desenvolver as capacidades dos estudantes para agirem como cidadãos
responsáveis em um mundo crescentemente permeado pela ciência e tecnologia”. O autor
defende que a educação deveria ser tratada para promover igualdade e harmonia e, para isso,
deve ser mais “malcomportada”, no sentido de transcender o conteudismo e refletir mais as
reais necessidades da sociedade.

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Nesse sentido, a abordagem em CTS revela-se como uma alternativa propícia na busca
por um caminho capaz de conduzir estudantes à constituição do conhecimento de maneira
racionalizada, reflexiva e crítica, de modo a contribuir para com a desconstrução e reconstrução
de diferentes formas de pensar e agir de uma sociedade patriarcal e racista.
Para Lima e Siqueira (2013) a articulação do conteúdo sobre gênero e sexualidade com
questões que dizem respeito à vida de estudantes, no desenvolvimento de conteúdos de
ciências, incrementa o processo de ensino e aprendizagem em termos de motivação e a
consequente assimilação do conteúdo, além de contribuir para o desenvolvimento da
autonomia juvenil.
Nessa perspectiva, Cunha e Almeida (2017) ressaltam a importância de trabalhar na
sala de aula a formação de valores e as relações sociais, ideias propagadas no enfoque CTS,
mesmo diante da preocupação com o conteúdo programático, as cobranças da sociedade,
alunos, familiares e escola. Pensando a partir dessa ótica, refletimos que a escolha da
metodologia de inclusão de temáticas LGBTQIAPN+ em sala de aula pode ser mais
significativa por meio das Tecnologias Digitais (TD).

TD DE MÃOS DADAS COM TEMÁTICAS LGBT EM SALA DE AULA

Apesar de as TD parecerem, ainda, uma realidade distante nos espaços escolares,


sobretudo, nas escolas públicas brasileiras, frequentemente, nosso alunado as acessam fora
desse ambiente, fazendo parte intrínseca do cotidiano de crianças e adolescentes através da
música, cinema, literatura, televisão, redes sociais, acessos esses, muitas vezes, intermediados
pela Internet, conforme explicam Menin e Pedro (2021).
Apoiamo-nos nas ideias de Rosa (2022), ao pensar nessa proposta de SD, quando o
autor destaca o papel das TD como “potencializadoras da performance identitária” (p. 212),
pois, segundo este autor, as TD são capazes de provocar a disposição a pensar, ultrapassando
o modelo conteudista, promovendo aulas mais reflexivas e significativas e que, principalmente,
se oponham à heterossexualidade compulsória e à exclusão de todo e qualquer tipo de
“estranho”.
O ambiente escolar é um local em que se permite vivenciar a convivência com
diferentes grupos sociais, com pluralidade cultural e identitária. Assim sendo, não é incomum
ser um ambiente em que se produz e reproduz atitudes de discriminação contra essa
diversidade. A homofobia, por exemplo, é um problema social, presente no cotidiano escolar,

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portanto é de grande importância que se trabalhe a desconstrução dos preconceitos, por diversas
vezes naturalizados e enraizados em uma cultura (Cunha, Costa e Sá-Silva, 2021). Optamos
aqui por tratar na proposta de SD, em especial, da homofobia, em face do reconhecimento da
resistência social em se falar sobre questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero na
escola e da percepção da necessidade de se discutir a temática (Viana, 2021), o que não invalida
as demais formas de preconceito.
Ao se tratar de Tecnologias Digitais (TD), é possível perceber que estes recursos se
tornaram parte do cotidiano, passando por constantes atualizações, mesmo que não tão
acessíveis a todos os públicos. No entanto, não é somente sua presença em nossas vidas que
torna iminente sua inserção em nossas salas de aula, mas a possibilidade de potencializar a
constituição de conhecimento que esses recursos carregam consigo (Rosa, 2018).
Por fim, Rosa (2022) discute ainda, em seus estudos, o fato de que por meio da inserção
das TD como partícipes do processo de ensino e de aprendizagem, é possível discutir a hexis
política e a responsabilidade social de docentes e estudantes em diversos contextos.

O CINEMA COMO PARTÍCIPE NA CONSTITUIÇÃO DE CONHECIMENTO -


APRESENTANDO A PROPOSTA DE SD

A fim de discutir a contribuição de pessoas LGBTQIAPN+ no desenvolvimento


científico-tecnológico, desmistificando preconceitos e promovendo reflexão sobre o tema, é
que se propõe uma sequência didática, definida por Zabala (1998, p.18) como “um conjunto de
atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos, tanto pelo professor como pelos
alunos”. Nesta proposta, os estudantes serão estimulados a pesquisar e reconhecer os feitos
notáveis de pessoas LGBTQIAPN+ no panorama do desenvolvimento científico e tecnológico,
celebrando, assim, as múltiplas facetas da diversidade humana que impulsionam a inovação
em nossas sociedades.
Ao nos perguntarmos como poderíamos materializar tal proposta, nos ancoramos na
percepção de Rosa (2018) de que a análise de produtos cinematográficos de temática
LGBTQIAPN+, favorece a compreensão/constituição da héxis política, “ao se identificarem
com os filmes, sendo-com-TD” (p.239). Dessa maneira, optamos por tomar como ponto de
partida e discussão da SD apresentada aqui o filme “O Jogo da Imitação”. Nesse filme,
produzido em 2014 pelo diretor Morten Tyldum vemos a história real da ascensão do cientista

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Alan Turing no mundo da tecnologia, quando seus conhecimentos em matemática, lógica e
ciência da computação contribuíram para decifrar um importante código que trouxe êxito ao
exército dos Estados Unidos sobre as tropas alemãs durante a Segunda Guerra Mundial. No
entanto, a perseguição que sofreu por ser homossexual e os próprios conflitos internos o
marcaram profundamente até o fim de sua vida.
Utilizando princípios defendidos pelo enfoque CTS no contexto escolar:
contextualização, interdisciplinaridade e criticidade (Strieder, 2012), disciplinas como
História, Artes (Cinema), Matemática e Informática serão abordadas nas aulas de Ciências para
compor o contexto da temática e enriquecer os debates. O público-alvo poderá ser composto
por estudantes do 7º ao 9º ano, haja vista a classificação indicativa do filme, foco da SD, ser de
12 anos. Nesse sentido, propõe-se uma sequência didática em quatro momentos, perfazendo
um total de sete aulas, considerando a hora/aula de 50 minutos, elencadas a seguir.

Momento 1 - A Arte do Cinema como Porta de Entrada

Objetivo: Analisar as contribuições de pessoas LGBTQIAPN+ e de que maneira as


manifestações de preconceito podem impactar no progresso científico-tecnológico.
Será exibido o filme "O Jogo da Imitação", que retrata a vida e as contribuições de Alan
Turing para a ciência da computação. Os alunos serão orientados a descrever e registrar, de
acordo com suas percepções, nuances e desafios enfrentados por Turing devido à sua orientação
sexual. O filme tem duração de 1 h e 54 min, portanto, para realização deste momento, serão
necessárias três aulas. Dessa forma sugerimos fracionar o filme, ou promover um momento de
integração entre duas ou mais turmas, a fim de possibilitar a exibição do filme na íntegra.

Momento 2 - Debate Estruturado e Discussão Pós-Filme

Objetivo: Refletir sobre as contribuições de Turing e os desafios enfrentados por sua


orientação sexual.
Será conduzido uma sessão de debate estruturado sobre os temas apresentados no filme,
incluindo a relação entre a orientação sexual de Turing e seu trabalho. Será aberta uma
discussão, em roda de conversa, sobre como as barreiras enfrentadas por Turing podem ter
impactado seu ambiente de trabalho e o progresso científico. Para isso, pode-se utilizar de
perguntas norteadoras como: Se Allan Turing assumisse ser homossexual, frente a toda a

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contribuição que ele estava fazendo na computação, para vencer a guerra contra os nazistas, o
governo ainda permitiria que ele continuasse? Por que submeteram Turing a tomar medicação,
como se a homosexualidade fosse uma doença? Qual foi a parcela de responsabilidade da
sociedade daquela época para o suicídio de Turing? Nesse momento, pode-se também chamar
a atenção para a contribuição da medicina e seus diagnósticos, como potencializadora da
homofobia e a perspectiva das duas facetas da tecnologia: de fomento a guerras à solução para
o fim desta. O momento terá duração de uma aula.

Momento 3 - Imersão histórica

Objetivo: Refletir, de maneira crítica, sobre as barreiras superadas e contribuições


específicas de pessoas LGBTQIAPN+ na ciência e na tecnologia.
Tomando como referencial de contribuição científica Alan Turing, a turma irá se dividir
em cinco grupos, que irão pesquisar em casa, mediante sorteio, a biografia de cinco pessoas
LGBTQIAPN+ que tiveram relevância no desenvolvimento científico-tecnológico (cada
grupo, uma personalidade). Como sugestão, é possível citar: Alan Hart, Florence Nightingale,
Francis Bacon e Leonardo da Vinci, destacando figuras LGBTQIAPN+ influentes na ciência e
tecnologia, buscando explorar como as jornadas individuais impactaram a inovação. Ao final,
os grupos irão ilustrar e expor seus resultados. Faz-se necessário uma aula para tal,
considerando apresentações de 7 a 10 minutos por grupo.

Momento 4 - Reflexão e socialização

Objetivo: Refletir e socializar os resultados das reflexões em sala de aula, tendo as redes
sociais como veículo de comunicação para boas práticas de inclusão e acolhimento.
Em duas aulas, o professor irá estimular e orientar o desenvolvimento de materiais
colaborativos, onde os estudantes destacam contribuições de pessoas LGBTQIAPN+ na
ciência e tecnologia. Será estimulada, em grupos, a pesquisa, a criatividade, a criticidade e o
uso de tecnologias digitais para a produção de animações, documentários, vinhetas ou qualquer
recurso digital disponível aos estudantes.
Neste momento final, o professor, seguindo as sugestões dos alunos, irá criar e
gerenciar uma página em uma rede social (Facebook. Instagram, Tik Tok ou outras), postando
os materiais por eles criados, de forma a divulgar suas ideias e opiniões.

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Momento 5 – Avaliação

A avaliação será processual, valorizando os aspectos qualitativos, ressaltando pontos


como participação, proatividade, trabalho em equipe e criatividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que a proposta de SD apresentada aqui pode transcender o aspecto


curricular, integrando-se ao cotidiano estudantil, abordando uma temática considerada
sensível, podendo constituir ou aproximar-se, assim, da educação em CTS malcomportada
almejada por Bazzo (2018).
Ao mesmo tempo, esperamos que a arte cinematográfica, bem como as demais TD
utilizadas durante a execução da sequência didática, sejam agentes de transformação e reflexão,
não como meras ferramentas, mas como partícipe do processo de constituição de conhecimento
e de hexis política (Rosa, 2022)
Ao término do processo, aspiramos que os estudantes não apenas acumulem
conhecimento sobre as contribuições de indivíduos LGBTQIAPN+, mas também internalizem
a necessidade de uma sociedade científica e tecnológica mais inclusiva, onde a diversidade seja
um catalisador para a excelência e a inovação. A exibição do filme "O Jogo da Imitação" e o
subsequente debate proporcionarão uma perspectiva tangível sobre os desafios enfrentados e
as realizações notáveis de uma figura proeminente, como Alan Turing.
Além disso, estimamos que os estudantes possam cultivar uma compreensão mais
profunda sobre o impacto positivo da diversidade na pesquisa e desenvolvimento científico,
identificando as realizações de cientistas e inovadores LGBTQIAPN+ no avanço tecnológico.
Dessa forma, poderão contribuir para uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa.

REFERÊNCIAS

BAZZO, W. A.Quase três décadas de CTS no Brasil!: sobre avanços, desconfortos e


provocações. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa, v. 11, n. 2,
p. 260-278, mai./ago. 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,


2018.

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CRUZ, S. M. S. C.; ZYLBERSZTAJN, A. O enfoque ciência, tecnologia e sociedade e a
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concepção integradora. Florianópolis: Ed. da UFSC,2001. p. 171-196,

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CUNHA, D. B. da; COSTA, H. R.; SÁ-SILVA, J. R. Proposta de sequência didática para


a discussão do tema homofobia no ensino de ciências.
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10.35818/acta.v15i1.979. Disponível em:
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2023.
https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2022/04/21/ma-e-o-7o-estado-com-o-maior-
registro-de-crimes-de-homofobia-do-brasil.ghtml. Data do acesso: 16/12/2023
https://www.tecmundo.com.br/ciencia/218623-6-personalidades-lgbtqia-mudaram-rumo-
ciencia.htm . Data do acesso: 23/01/2024.

LIMA, A. C; SIQUEIRA, V. H. F. Ensino de Gênero e Sexualidade: diálogo com a


perspectiva de currículo CTS. ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciência e
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MENIN, A. F.; PEDRO, J. M.. Escola, Tecnologias Digitais e Educação Sexual: uma análise
do Brasil e países de língua portuguesa. Revista Estudos Feministas, v. 29, n. 3, p. e76425,
2021.

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual. MEC, Secretaria de Educação


Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

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ROSA, M. Tessituras Teórico-Metodológicas em uma Perspectiva Investigativa na Educação


Matemática: da Construção da Concepção de Cyberformação com Professores de Matemática
a Futuros Horizontes. In:

OLIVEIRA, Andréia Maria Pereira de; ORTIGÃO, Maria Isabel Ramalho


(Orgs.). Abordagens teóricas e metodológicas nas pesquisas em educação matemática.
Brasília: SBEM, 2018. p. 255-281.

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SILVA, C. S. F. (et. al). Base Nacional Comum Curricular e Diversidade Sexual e de Gênero:
(Des)Caracterizações. In Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação. Disponível em:
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VIANA, B. P. Estamos preparando Licenciados/as da área de Ciências da Natureza para falar


sobre Diversidade Sexual e de Gênero na Educação Básica?. 2021. 83f. Dissertação –

Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal


de Pelotas, Pelotas, 2021.

Pesquisa nacional de saúde: 2019: orientação sexual autoidentificada da população adulta /

IBGE, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios. - Rio de Janeiro: IBGE, 2022.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre, RS: Artmed, 1998.

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TRANSgressoras: Práticas interseccionais em arte, abolicionismo penal e
diversidade sexual e de gênero
Murilo Moraes Gaulês

Resumo

O presente artigo visa relatar uma experiência de ação interseccional entre arte, abolicionismo
penal e formação anticolonial de gênero a partir das experiências adquiridas durante a
realização do Projeto TRANSgressoras, realizado pela CiA dXs TeRrOrIsTaS, na cidade de
São Paulo.

Palavras-chave: abolicionismo penal. artivismo. travesti.

Uma matéria realizada pelo médico oncologista Dr. Drázio Varella, no programa
Fantástico(2020) da Rede Globo de televisão, entrevistou um grupo de mulheres trans e
travestis encarceradas pelo sistema prisional brasileiro. Cheia de equívocos, a reportagem
levanta o debate sobre prisões humanizadas, apoiado nas afirmações feitas por muitas das
entrevistadas que dizem se sentir mais “livres” na prisão do que no convívio com a sociedade.
A estrutura do referido documento televiso segue um molde similar ao mesmo melodrama que
pauta a estrutura da quase totalidade das novelas tupiniquins (cuja maioria é exibida pela
mesma referida rede de televisão). Nem a cena do casamento com final feliz e cerimônia cristã
religiosa faltou na dramaturgia. A narrativa fantasiosa, iniciada com o mito da conquista do
emprego, a redenção depois da liberdade e a cenografia da cela adornada de iconografias
afetivas conseguem convencer o espectador desavisado da importância de se construir prisões
humanizadas para lidar com o encarceramento de corpas trans/travestis.
Dráuzio e a Rede Globo pecam ao negligenciar informações importantes sobre a rotina
que essas corpas vivenciam dentro desses espaços de tortura.
Não estou aqui tentando difamar a imagem do Dr. Varella. Acho importante salientar
que seu trabalho como médico dentro do sistema carcerário já salvou muitas vidas descartadas
pelo Estado e que ele é uma figura importantíssima em termos de ação direta pela manutenção
da vida de quem está preso.
Mas isso também não pode nos impedir, enquanto sociedade civil politicamente
engajada na luta por mudança social, de pensar criticamente sobre uma afirmativa que se
constrói pautada em um pensamento datado, que não põe em perspectiva os incansáveis
movimentos de luta dos coletivos LGBTQIA+ que tentam, na contramão do mundo, reescrever

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histórias que foram apagadas pelos modos de silenciamento que constituíram nosso Brasil
colonial.
Ele esquece de dizer que pessoas LGBTQIA+ presas, em suma abandonadas pela
família e amigos antes, durante e depois do cárcere, precisam se prostituir para poder ter acesso
a elementos básicos de sobrevivência como pasta de dente e alimentos, além do cigarro (moeda
de troca principal para aquisição de itens diversos na prisão).
Ele esquece de dizer que elas têm que guardar drogas dentro de seus ânus durante as
blitz da polícia, para manter os irmãos da facção contentes e continuarem vivas.
Ele esquece de dizer que pessoas LGBTQIA+ tem que olhar para o chão, porque a
população carcerária, doutrinada pelos dogmas cisheteronormativos patriarcais, sente sua
masculinidade ameaçada quando é encarado por uma “mona”. E isso sim é imperdoável.
O maior erro dessa matéria é justamente a sua intenção. Isso porque, ao final da
conversa com o Dr. Varella saímos com a sensação de como é importante batalharmos pela
construção de cadeias humanizadas, que respeitem a identidade de gênero dessa população,
quando na verdade poderíamos nos perguntar coisas como:
- Que sociedade é essa que construímos onde pessoas LGBTQIA+ são tão comumente
oprimidas que essas pessoas conseguem se sentir mais livres quando estão privadas de sua
liberdade? Em um país que é pelo 15º ano consecutivo considerado o que mais mata pessoas
trans e travestis no mundo (BENEVIDES, 2024)
- Por que a escolha do Estado para lidar com as respostas desesperadamente “violentas”
que corpos historicamente massacrados produzem para sobreviver é o encarceramento ao invés
de uma reparação justa e condigna para com a dívida que a cultura cisheterobrancaeurocêntrica
não paga há mais de 520 anos?
- Será que somos ingênuos o suficiente de acreditar que a prisão reeduca? Você acredita
mesmo que alguém sai da prisão uma pessoa melhor? Se sim, me responda. Você contrataria
para trabalhar, em sua casa ou no seu negócio, alguém que já foi preso? Você abrigaria uma
pessoa necessitada na sua casa se lesse, em um pedaço de papel qualquer, que ela cometeu um
crime, mesmo que tenha “pago” por isso?
- Nossa sociedade é pautada na reparação, na responsabilização, na reeducação ou na
vingança?
- Corpas dissidentes de gênero e sexualidade são apartadas de todos os espaços sociais.
Jogadas para fora da família, da escola, do mercado de trabalho, dos banheiros públicos e,
consequentemente, empurradas para a prostituição e para o tráfico de drogas como alternativas

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de sobrevivência (SERRA, 2019). A vigilância policial e o sistema prisional é presença
constante em suas vidas. E quando presas, ainda tem que lidar com o duplo castigo de conviver
com um atestado de antecedentes criminais carimbado por cima do estigma de travestis/pessoas
trans (o que faz com que sejam constantemente reinseridas no cárcere).
A questão é: ninguém quer falar sobre prisão e enquanto o silêncio opera, o chicote
estrala forte na carne desumanizada debaixo do uniforme desbotado. Precisamos debater (o fim
d)as prisões. E não só com um discurso pacifista mediado, mas um papo reto com suor, sangue
e saliva de quem já habitou e sobreviveu as paredes do cárcere.
Quando se percebe, mesmo que ainda de forma superficial, as tantas camadas que
produzem as relações entre travestilidade, crime e prisão, e tendo em vista o quanto a
comunidade LGBTQIA+ e principalmente mulheres T são, ao mesmo tempo, apartadas de
todos os espaços e jogadas para a marginalidade, fica muito evidente que somente ações com
a mesma complexidade podem responder à altura do horror que assombra essas corpas.
Para lidar com essa dura realidade, grupos organizados da sociedade civil têm realizado
projetos inovadores em movimentos comunitários com experiência em ação de base, que
acabam suprindo as insuficiências do Estado em lidar com as múltiplas mazelas que se
produzem a partir da insistência na justiça punitivista.
Um desses exemplos que trago aqui é a atuação da CiA dXs TeRrOrIsTaS, coletivo de
arte e ativismo localizado na zona norte de São Paulo, formado por pessoas LGBQTIA+ que
busca, a partir de saberes indisciplinares e ações interseccionais, atuar sobre essa ferida social
de forma criativa e comunitária
Desde a sua fundação, a CiA dXs TeRrOrIsTaS tem procurado desenvolver novas
linguagens estéticas e políticas que dialoguem com as demandas do contexto periférico
contemporâneo. Em 2017, o grupo começa a focar a produção destas novas linguagens em
torno da ideia de contranormatividade, ou seja, a produção de linguagens e discursos narrativos
que rompam com as imposições estéticas de norma que tornam-se plataforma de distribuição
de violência para corpos minorizados. Durante esses anos de pesquisa, o grupo conhece as
mulheres transvestigêneres que se abrigam na Casa de Acolhida Zaki Narchi, na região do
Carandiru, Zona Norte de São Paulo, e desenvolvem atividades diversas no local como
treinamentos que juntam técnicas de dança e autodefesa, e atividades de promoção a economia
criativa e sustentável (como oficinas de confecção de peças em tricô e crochê para produção
de renda). Essas mulheres, organizadas em um grupo de luta por moradia autointitulado como

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Valérias, lidam com uma série de violências nos espaços que habitam, dentro e fora do centro
de acolhida.
O nome “Valérias” é uma homenagem a uma travesti que foi abusada sexualmente e
assassinada por outros conviventes homens cis. Sempre à revelia desta violência dentro e fora
de espaços de acolhida, as Valérias se mantém juntas propondo atividades de socialização e
articulação local por meio de atividades artísticas e de lazer. Por estarem sempre muito
sozinhas, as Valérias entendem ser de fundamental importância para a permanência delas no
território e no Centro de Acolhida ações propostas por parceiros e coletivos, a fim de fortalecer
sua agremiação e resistência pela vida. A CiA dXs TeRrOrIsTaS, durante as atividades
desenvolvidas em residências com estas transvestigêneres, levantaram alguns diagnósticos
importantes.
Primeiro que grande parte dessas mulheres são sobreviventes do sistema prisional,
muitas delas vítimas de um judiciário despreparado e injusto que entende a figura de mulheres
travestis como “pessoas afeitas ao crime”(SERRA, 2019). A CiA dXs TeRrOrIsTaS percebe
aí um vício sistêmico: mulheres que tem um estigma de travesti e outro de criminosa, não
conseguem se ressocializar e são obrigadas a voltar para as ruas, muitas se prostituindo,
novamente ficando vulneráveis ao poder punitivo e regressando aos presídios. É um ciclo
sistêmico do qual essas mulheres dificilmente conseguem sair.
Segundo que os estigmas de violência que demarcam corpos LGBTQIA+ em situação
de vulnerabilidade social, normalmente lidos como perigosos e promíscuos, são fruto de um
imaginário colonial construído ao longo de séculos de produções de narrativa que sequestraram
o protagonismo dessas corpas de si, tendo sempre um outro (normalmente cisgênero masculino,
heteressexual, branco e privilegiado economicamente), com interlocutor de sua própria
história. Essa ausência de protagonismo coloca esses corpos a mercê dos mesmos responsáveis
pela manutenção de suas opressões sistêmicas para oferecer alguma garantia de sobrevivência
ou alternativa de redução de danos ao estado de escassez e morte hegemonicamente instituído.
O olhar direto para essa situação de vulnerabilidade e o abandono social em que
transvestigêneres sobreviventes do cárcere se encontram (inclusive por setores que se entendem
como progressistas) mobilizou o coletivo a realizar o projeto TRANSgressoras.
O projeto busca possibilidades de encontro e criação coletiva que vão muito além dos
processos sócio-educativos geralmente oferecidos para essas corpas marginalizadas, voltados
quase que unanimemente para a formação profissional e empregabilidade. Afinal, como pautar
empregabilidade se o selo de TRAVESTI e o de CRIMINOSA estão chanfrados em sua carne

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e impedem qualquer possibilidade de realocação no mercado para prover uma sobrevivência
digna? Será suficiente que algumas dessas mulheres, bem poucas, sejam re-inseridas no
mercado de trabalho em postos precarizados e desvalorizados?
Realizado desde março de 2020, no auge da crise sanitária global de COVID-19,
TRASNgressoras é um projeto que visa operar, denunciar e intervir nas coreografias cíclicas
da violência que fazem com que estas mulheres sejam forçadas a regressar para o crime, pela
falta de uma rede complexa que opere contra toda uma gama de violações que atuaram sobre
esse corpo que se viu preso político do estado.
O projeto busca aliar a experiência de mulheres transvestigêneres sobreviventes do
sistema prisional em um processo formativo, integrado e interdisciplinar que invente
fisicalidades, imagens e palavras que são traduzidas em forma de materialidades artísticas e
conteúdos criativos.
Para isso ele se apoia em uma metodologia autoral que tem como base alguns princípios
que serão abordados a seguir.

Ficções visionárias – o manejo da ficção científica como potencializador do


imaginário político

Eixo central na construção das práticas pedagógicas do projeto, o termo ficções


visionárias foi cunhado pela poeta, abolicionista, escritora e educadora Walidah Imarisha
(2013). Trata-se de uma perspectiva de compreensão e manejo de narrativa que nos ajuda a
compreender as dinâmicas de poder e que inventa formas de imaginar cenários futuros mais
justos. Tal como o afrofuturismo, é um movimento artístico que vai da literatura à música, das
artes plásticas ao cinema, da dança ao teatro, perpassando pela ficção científica, fantasia,
realismo mágico, horror em suas mais variadas formas. O objetivo de Imarisha com esse
conceito é buscar uma diferenciação da ficção mainstream (que tem o costume de replicar as
desigualdades em um futuro próximo ou distante), para destacar produções que visem as
possibilidades de criar um mundo melhor a partir da literatura de ficção especulativa,
mostrando mundos possíveis. A ficção visionária não é uma utopia, pois ela não imagina
sociedades perfeitas e totalmente igualitárias. Utopias, distopias, são todas experimentos, são
maneiras de se experimentar realidades diferentes da nossa de maneira a inspirar, até mesmo
alertar. Utopias plenas são rídiculas por si, pois não existem seres humanos perfeitos. O
exercício da ficção visionária é mitigar os problemas dos sistemas, transgredindo a narrativa

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para uma possibilidade de mudança possível. A exemplo disso, a própria Walidah cita um
trecho do célebre discurso de Ursula K. Le Guin que diz: "Nós vivemos o capitalismo. Seu
poder parece inescapável. Mas também assim o foi com o direito divino dos reis. Qualquer
poder humano pode ser resistido e transformado por seres humanos" (RODRIGUES, 2018) e
complementa: "É precisamente por isso que precisamos da ficção científica (IMARISHA,
2013, p.3)".
Essa intersecção entre o território inerentemente criativo e libertário das artes e a
convocatória de corpas marginalizadas para a assumir o protagonismo da narrativa é uma
alternativa viável para construir alternativas coerentes com as realidades vividas dentro das
comunidades acometidas por opressões sistêmicas.

Movimento fractal

Fractais são figuras geométricas muito loucas, produzidas por meio de equações
matemáticas que podem ser interpretadas como formas e cores por programas de computador.
Sua principal característica é a autossimilaridade. Eles contêm, dentro de si, cópias menores
deles mesmos. Essas cópias, por sua vez, contêm cópias ainda menores e assim sucessivamente.
Os fractais estão ligados a áreas da física e da matemática chamadas Sistemas Dinâmicos e
Teoria do Caos, porque suas equações são usadas para descrever fenômenos que, apesar de
parecerem aleatórios, obedecem a certas regras – como o fluxo dos rios, as colmeias, o refletir
da luz em um prisma.
adriene maree brown co-editora, de Walidah Imarisha, analisou a dinâmica dos fractos
para cunhar o termo “movimento fractal” (IMARISHA, 2021). Agir de forma fractal significa
reconhecer o fenômeno de que mesmo os menores movimentos são capazes de ir se refletindo,
nutrindo e crescendo. Assim, refletimos essa consciência para a forma como nos tratamos e
como tratamos quem se aproxima de nós. A proposta de uma pedagogia fractal parte desse
pressuposto de agremiar, relacionar, refletir e propagar as narrativas e modos de agir daqueles
com e sobre os quais falamos. É um movimento de retomada da ação aos seus primórdios,
partindo de fenômenos de criação que se geram em relação com as pessoas, para além das
caixas que organiza(ra)m o mundo da forma cisheteronormativa e supremacista branca
ocidental que conhecemos. Dessa forma, qualquer pessoa tem potencial e relevância estético-
discursiva nos processos de criação, proposição e resolução, desde que se coloque disponível

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para refletir os movimentos de todos envolvidos no ato de fazer, sem a necessidade de
hierarquizar as funções pelo renome ou diplomas dos envolvidos.
A pesquisadora mexicana Sayak Valência (2021) vai olhar para esses movimentos a
partir da história das práticas de cuidado desenvolvidas ao longo da história por corpos que
performaram o gênero feminino. Ela vai dizer que essas práticas produziram um modo de
elaboração e organização social que se opõe ao conceito de cidadania (que se funda a partir do
iluminismo francês e que opera em direção às benesses e privilégios do homem branco
europeu). Sayak nomeia essa performance política como “cuirdadania”, em uma analogia as
palavras cuidado e cuir (uma tradução desamericanizada de queer, mais condizente com as
epistemologias do sul do mundo).
Ainda sob a perspectiva fractal podemos vislumbrar outra relação possível com o
tempo. Tente acompanhar comigo. A narrativa branca segue um rumo linear em direção ao
progresso e ao ato de seguir (um pensamento supremacista branco). Essa concepção nos afirma
a todo momento que o passado está perdido e que o futuro é incerto, restando-nos apenas o
contentar com o presente, com aquilo que temos e o que nos está dado. Na contramão, povos
africanos, afrodiaspóricos e indígenas sustentaram saberes ancestrais (apesar das tentativas de
silenciamento e soterramento) que nos convidam a pensar que a história e o tempo se movem
como ondas, de forma circular, espiral ou emaranhada (de forma fractal). Os sonhos,
tecnologias e sabedorias de nossos ancestrais estão conosco enquanto construímos essa outra
visão de história e de mundo. Sendo assim, o futuro também está conectado e pode ser
constantemente reescrito.

Abolicionismo penal

O abolicionismo penal é uma teoria criminológica relacionada à descriminalização, ou


seja, a retirada de determinadas condutas de leis penais; e a despenalização, extinção da pena
quando da prática de determinadas condutas. Trata-se de um movimento antirracista e
anticlassista que possui frente de ações nos mais variados setores (direito, sociologia,
antropologia, artes, urbanismo, etc) e “que busca enfrentar as práticas e os costumes que partem
de uma sociabilidade fundada na autoridade e na hierarquia, e é nessa sociabilidade que surge
uma noção baseada na naturalização da punição.” (MONTEIRO et. al, 2021, p.503). Prisões
são instrumentos de poder seletivo que miram em populações dissidentes e pobres, sendo ainda
um dos braços mais efetivos da sustentação das desigualdades na contemporaneidade.

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ISBN: 978-65-00-92987-4
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Nesse contexto, as artes em suas múltiplas linguagens têm sido de grande contribuição
por possibilitar contatos outros com outros mundos. Mundos que não sejam esses que prendem,
segregam e nos fazem crer que é possível um processo de ressocialização de um corpo que é
destituído da sociedade (e de sua humanidade, seus direitos, seus desejos, sua potência). A CiA
dXs TeRrOrIsTaS parte do princípio de que justiça e vingança não deviam ser equiparadas, e
que a outras formas de responsabilização possíveis àqueles que provocaram dano ou dor a
outrem.
Se a arte é território de produção de subjetividades, de construção de pontes entre
mundos e conexão de universos distintos, então TRANSgressoras assume o fazer artístico em
sua máxima potência, ao programar a arte como espaço de invenção de novas alternativas, de
criação de utopias, de elaboração dos sonhos a serem pregados na matéria das coisas do mundo.
Um saber que ressoa a mente, o corpo e a alma, que desloca sensações e verdades a fim de
construir coletivamente alternativas para as durezas do mundo, pela ação do encontro, do estar
junto, da efemeridade da presença e das sensações.
O trabalho formativo do projeto se dá de forma indisciplinar, pois objetiva, para além
da produção das obras, o fortalecimento das transvestigêneres egressas que habitam o território
com ações que estimulam a promoção de autonomia, a economia criativa e o autocuidado. Tudo
isso a partir da captação de fundos por editais de cultura do Estado, que possibilitam o
pagamento de bolsas em dinheiro, a fim de garantir a permanência e dignidade das participantes
do projeto, de modo que não tenham que escolher entre a garantia de sua sobrevivência ou a
possibilidade de ocupar espaços de formação e aprimoramento técnico, político e afetivo.

Ações e resultados

Se tem algo que coletivos que vivem a marginalidade e o abandono das políticas
públicas sabem fazer bem é emergir das cinzas. Somos experts em criar tecnologias de
sobrevivência que nos mantém vivas apesar do mundo.
Apesar de todas as perdas e dificuldades no início do projeto, agravadas pelo contexto
pandêmico, apesar de todas as violências potencializadas pelo ranço de alguns privilegiados
que resolveram sair às ruas para descontar sua ira acumulada por estarem trancado em casa em
corpas vulneráveis, apesar da dificuldade de se comunicar, a vontade de abraçar, de trocar,
amar... O projeto TRANSgressoras atingiu os seguintes resultados.

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- Fortalecimento de uma rede de 30 mulheres trans/travestis sobreviventes do sistema
prisional, com bolsas de estudo para atuarem como co-criadoras em diversas materialidades
artísticas como curtas e longas-metragem cinematográficos, publicação de livros, exposições,
performances, desfiles de moda e espetáculo teatral.
- Aproximação e integração com outros coletivos e organizações abolicionistas,
culminando na produção do Festival POWlítico de Corpas Rebeldes, espaço aberto para
pessoas de todas as áreas de saber promoverem escambos de práticas na busca por um mundo
possível sem prisões.
- Atuação em encaminhamento de denuncias à violações de direitos humanos causadas
em estabelecimentos da rede de assistência, como centros de acolhida. A formação política a
partir de estratégias de produção de segurança e educação em direitos, possibilitou que a rede
de atendidas criassem canais de comunicação com ouvidorias, sem o medo de represálias
(comuns nesses espaços). À exemplo, o grupo atuou na CPI da violência trans junto a (na
época) vereadora Érika Hilton, denunciando maus tratos e violações de direitos no Centro de
Acolhida Especializado em Mulheres Trans e Travestis Florescer II8.
- Geração de renda a partir da formação em arte para as participantes do projeto.
Segundo pesquisa realizada pelo CEDEC (2021), a segunda maior fonte de renda de pessoas
trans e travestis são trabalhos com arte em suas múltiplas linguagens, perdendo somente para
a prostituição.

Considerações Finais

A produção de narrativa foi historicamente importante para legitimar toda uma sorte de
torturas que sempre chegou para corpas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade. Somos
colocadas em canhões, queimadas, atiradas de prédios, esfaqueadas e, quando com muita sorte,
somos presas por tentarmos sobreviver pelas poucas alternativas que nos restam nesse mundo
CISmado.
Por isso que não podemos parar. Se antes recuperávamos nosso fôlego gritando, agora
continuamos nos movendo contra essas mesmas ondas todas, num gesto de correr e TRANS-
pirar.

8
Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/cpi-da-violencia-contra-trans-e-travestis-encontra-
falhas-em-casa-de-acolhimento/
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TRANS-pirar é o ato de alucinar com o corpo, de colocar todos os poros em movimento
a fim de nos encontrar. É um gesto de perceber nas nossas cicatrizes os feitiços que foram
lançados por nossas TRANScestrais e as tecnologias que nos mantiveram vivas e resistentes
até os dias de hoje.
Como já nos disse a bruxa travesti Jota Mombaça:

... eles virão para nos matar, porque não sabem que somos imorríveis. Não sabem que
nossas vidas impossíveis se manifestam umas nas outras. Sim, eles nos despedaçarão,
porque não sabem que, uma vez aos pedaços, nós nos espalharemos. Não como povo,
mas como peste: no cerne mesmo do mundo, e contra ele. (MOMBAÇA, 2017, p.11)

Entendemos a importância que a produção de narrativas tem tanto para a manutenção,


quanto para a derrocada dos poderes que nos oprimem e deixam nossas corpas à beira do
abismo do mundo.
Enquanto a mídia branca cisgênero e heterossexista utiliza de programas de narrativa
televisivas, como o Cidade Alerta, para reforçar diariamente que somos perigosas, abomináveis
e, justamente por isso, merecemos sofrer toda a sorte de tortura e expurgo de terror sobre nossas
corpas, em projetos como o TRANSgressoras nossa comunidade resiste procurando contar
outras versões não contadas de nossas histórias. Versões que nos tiram dos lugares de dor, de
marginalidade, de coitadas, para enaltecer nossas potências. Produzir narrativas junto às nossas
que ecoem para os quatro ventos que, apesar do mundo que nos quer em pedaços, nos
mantemos vivas, potentes e criadoras de sabedorias TRANScestrais no enfretamento à
pedagogia punitista, carcerária e genocida que por tantos anos nos fizeram aceitar como única
possível.
É TRANS-pirar esse CIS-tema falido
Apesar da urgência imprescindível na manutenção e ampliação das políticas públicas
de cuidado, é urgente que as organizações estatais abram uma escuta mais atenta para
tecnologias que já vem sendo produzidas e que profetizam novos e melhores mundos onde a
justiça social pode ser realizada por meio da reparação e responsabilização. Não pela vingança.

Referências

BENEVIDES, Bruna. DOSSIÊ: assassinatos e violência contra travestis e transexuais em


2023. 2024. ANTRA. Brasília

CEDEC. Mapeamento das pessoas trans no município de São Paulo. 2021. São Paulo
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IMARISHA, Walidah. Reescrevendo o futuro: usando ficções visionárias para rever a justiça.
Disponível em:
<https://issuu.com/amilcarpacker/docs/walidah_imarisha_reescrevendo_o_fut>. Acesso em:
05 janeiro 2024.
IMARISHA, Walidah. 2º FPCR - O USO DA FICÇÃO CIENTÍFICA COMO
EXERCÍCIO PARA O IMAGINÁRIO POLÍTICO. 2021. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=QYpbKo5-
u08&list=PLgMtWkqOwc5ZzQ6DfGIp2LP_76lSM0dC_&index=18&t=5963s Acesso em 27
janeiro 2024.

MOMBA MOMBAÇA, Jota. O mundo é meu trauma. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n.


11, p. 20-25, nov. 2017. PISEAGRAMA.ORG ISSN 2179-4421

MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da


violência! Disponível em:
<https://issuu.com/amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_redistribuic__a__o_da_vi>. Acesso em:
04 janeiro 2024.

MONTEIRO, V. de O., Amaral Damasceno, R., & Fonseca Morais, R.. Uma imaginação
anticolonial: a epistemologia do abolicionismo penal em torno dos sentidos da violência / An
anti-colonial imagination: the epistemology of penal abolitionism around the meanings of
violence. 2021. Revista Direito E Práxis, 12(1), 497–523. Recuperado de https://www.e-
publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/57082

MULHERES TRANS PRESAS ENFRENTAM PRECONCEITO, ABANDONO E


VIOLÊNCIA. Fantástico, São Paulo: Rede Globo, 1º de março de 2020. Programa jornalístico
de televisão.

RODRIGUES. Ana Cristina. O discurso de Ursula K. Le Guin no National Book Award de


2014. 2018. Disponível em https://medium.com/especulativa/o-discurso-de-ursula-k-le-guin-
no-national-book-award-de-2014-5d5f13c9f829 Acesso em 27/01/2024

SERRA. Victor Siqueira. Pessoa Afeita ao Crime: criminalização de travestis e os discursos


do TJ/SP. 2019. IBCCRIM. São Paulo.

VALÊNCIA. Sayak. A cuidadania como arsenal contra o necropoder. 2021. Disponível


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https://www.youtube.com/watch?v=3i8TUFXfrmk&list=PLgMtWkqOwc5ZzQ6DfGIp2LP_
76lSM0dC_&index=7&t=22s>

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O NOME SOCIAL COMO UMA DAS FORMAS DE GARANTIR O ACESSO E
PERMANÊNCIA DAS PESSOAS TRANS NO SISTEMA DE ENSINO

Brena Braga Faria


Mônica Alves da Costa

Resumo Simples

O presente resumo abordará a importância do nome social e uso do pronome adequado ao


gênero que a pessoa trans se identifica, como um dos instrumentos para garantir o acesso e a
permanência das pessoas trans no sistema de ensino. Pretende-se avançar no debate jurídico-
sociológico, trazendo alguns temas para o centro, mesmo que alguns conceitos sobre a temática
não tenham uma definição considerada majoritária. A partir da análise dos dados apresentados
no dossiê “A Espacialização da Transfobia no Brasil: assassinatos e violações de direitos
humanos em 2021”, aplicou-se a metodologia jurídico-sociológica de Miracy Gustin e Maria
Tereza Dias (2013) ao refletir sobre os processos de criação das normas que enfrentam o direito
ao uso do nome social nas escolas públicas. Optou-se pela observação das vítimas entre 16 a
20 anos, ao levar em consideração os contextos observados na prática profissional das autoras.
Por fim, buscou-se demonstrar que o gozo de um direito social (educação) pode depender da 2
fruição de um direito individual (nome). Este trabalho resultou em uma pesquisa empírica em
direito, onde foi possível refletir sobre os obstáculos históricos e estruturais contra os quais ela
foi erigida. Palavras-chave: Nome. Pessoa transgênero. Direito à educação.

Referências:

ANZALDÚA, Gloria. La conciencia de la mestiza/rumo a uma nova consciência. Estudos


Feministas. Florianópolis, vol.13 n.3, setembro-dezembro/2005.

ARAÚJO, Tathiane Aquino; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. A Espacialização da


Transfobia no Brasil: assassinatos e violações de direitos humanos em 2021. Série
Publicações Rede Trans Brasil, 6a. ed. Aracaju: Rede Trans Brasil, Uberlândia: IBTE, 2022.

ARAÚJO, Tathiane Aquino; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim; CABRAL, Euclides


Afonso. Registro Nacional de Assassinatos e Violações de Direitos Humanos das Pessoas
Trans no Brasil em 2022. Série Publicações Rede Trans Brasil, 7a. ed. Aracaju: Rede Trans
Brasil, Uberlândia: IBTE, 2023. Disponível
em:https://storage.googleapis.com/wzukusers/user31335485/documents/bc54ba2f24a145ce93
773269285ea7e5/DOSSI%C3%8A2023dow nload.pdf. Acesso em 02 out. 2023.

BRASIL. Lei no 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional.: seção 1, Brasília, DF, 23.12.1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 17 de set. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Instituiu o Código Civil. Brasília, DF:
Presidência da República, 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 05 out.
2023.

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BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
Brasília, DF: Presidência da República, 1992. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 05 out. 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Presidência da República, 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 05 out. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Direito das pessoas LGBTQQIAP+ [recurso
eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. – Brasília : STF : CNJ, 2022. eBook (138 p.) –
(Cadernos de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal : concretizando direitos humanos.
p. 61. Disponível em:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/1_Cadernos_S
TF_LGBTQIA.pdf. Acesso em 02 out. 2023.

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. (Brasil). Belo Horizonte,


2020. Portal. Disponível em: https://defensoria.mg.def.br/programas/prenome-e-genero-dos-
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DOMINGUES, Jonathan e SENA, Matheus. Infância Trans e os Direitos Humanos: um olhar


sobre o reconhecimento e proteção. São Paulo. Conference: IV CEI, 2023. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/375072023_Infancia_Trans_e_os_Direitos_H
umanos_um_olhar_sobre_o_reconhecimento_e_protecao Acesso em: 27 jan. 2024.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca Dias. (Re)Pensando a
Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre a população transgênero: conceitos e


termos. Brasília: 2012. Disponível em:
https://issuu.com/jaquelinejesus/docs/orienta__es_popula__o_trans. Acesso em: 09 out. 2023.

PEREIRA, Flávia; MURADAS, Daniela. Decolonialidade do saber e direito do trabalho


brasileiro: sujeições inte rseccionais contemporâneas. Revista Direito & Práxis, Rio de
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SANTOS, M. C. M. D. dos. Quem pode falar, onde e como? uma conversa "não inocente" com
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SILVA, Fábio de Sá e. VETORES, DESAFIOS E APOSTAS POSSÍVEIS NA PESQUISA


EMPÍRICA EM DIREITO NO BRASI. Revist de Estudos Empíricos em Direito. Brazilian
Journal of Empirical Legal Studies. vol. 3, n. 1, jan 2016, p. 24.

SOUZA, Dediane (org); ARAÚJO, Tathiane (org). CENSO TRANS. Reflexões sobre os
dados do censo trans. [s.l]. [2023?]. Disponível em:
https://storage.googleapis.com/wzukusers/user31335485/documents/1522a23d2de24794adee
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A VISIBILIDADE DE DOCENTES MULHERES NO CURSO DE
DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA – ESTUDO
DE CASO ENTRE 2019 E 2023

Douglas Verbicaro Soares

Resumo: A presente investigação tem por objetivo visibilizar a participação feminina das
docentes do curso de Direito da Universidade Federal de Roraima. Com essa ideia, se buscará
acompanhar, como objetivo, a situação das professoras que integram o curso no intervalo de
2019 a 2023, compreendendo os nuances de gênero e suas relações no âmbito do ensino jurídico
feminino no extremo norte do país. Esse trabalho acompanha o projeto macro que está sendo
desenvolvido na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, intitulado: “A presença das
mulheres na educação jurídica no Brasil sob a perspectiva de gênero e raça (2001-2021)”, sendo
relevante pelo pioneirismo no levantamento de dados e na visibilização das dinâmicas de
gênero no espaço das Universidades pelo país. Desse modo, tendo uma relação direta com o
tema do presente estudo sobre as docentes do curso jurídico da UFRR. O estudo analisará,
apesar do ingresso de um número maior de professoras nos anos da pesquisa, que ainda não foi
possível alcançar um trato igualitário e efetivo no espaço dessa Universidade, o que vem
perpetuando nos obstáculos que dificultam a igualdade entre todos os professores e seus
reflexos na academia. Por meio desse levantamento se planteará uma alternativa para a
implementação de ações pela igualdade de gênero no espaço acadêmico, na identificação dos
temas de gênero, no acompanhamento, adequação, na ampliação das experiências das docentes
e, também, na redução das desigualdades de gênero. A investigação utilizará uma metodologia
de abordagem qualitativa e quantitativa, com método dedutivo, alicerçada com as pesquisas
bibliográfica, documental e de campo. O estudo pretenderá responder a seguinte pergunta:
como está a presença das docentes mulheres no curso de Direito da UFRR? Os resultados
obtidos revelam que diversos fatores impedem a igualdade material no âmbito acadêmico da
entidade. Fatores esses que carecem de iniciativas para o combate às discriminações de gênero
e mudanças de realidades no contexto do ensino jurídico feminino de Roraima.

Palavras-chave: Ensino Acadêmico. Feminismo. Igualdade.

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RUPTURAS EPISTEMOLÓGICAS COM A INSERÇÃO DE
METODOLOGIAS FEMINISTAS NO DIREITO: UMA EXPERIÊNCIA
JURÍDICA DE REESCRITA TRANSFEMINISTA

Matheus de Souza Silva

Resumo: O presente trabalho investiga a necessidade de o ensino jurídico questionar saberes


hegemônicos que cristalizaram estruturas de conhecimentos opressoras no campo de gênero e
sexualidade. A proposição de uma reconstrução epistemológica, como nomeia Quijano (2019),
reside em contestar o patriarcado e a cisheteronormatividade tendo em vista que sua origem
está na lógica dominante de gênero e sexo estabelecida pela racionalidade européia durante o
período colonial. O objetivo da pesquisa consiste em visualizar a relevância de abordagens
feministas para romper com esse discurso dominante no campo jurídico. Diante disso, é trazida
a experiência de reescrita transfeminista aplicada por Sposato, Silva e Abreu (2023), utilizando
como referencial teórico os estudos de Nascimento (2021), a interseccionalidade em Collins
(2022) e o método da posicionalidade de Barlett (2020). Neste caso, ao indicar a necessidade
de garantir a aplicação justa da Lei da Maria da Penha para mulheres trans, utilizou-se um fazer
pedagógico a partir de metodologias e abordagens feministas. A reivindicação por uma
mudança de padrão decisório na situação explanada possibilitou enfatizar que afastando-se do
ensino jurídico convencional é possível considerar o Direito como instrumento emancipatório
e essencial para efetivação dos direitos fundamentais dessa população socialmente vulnerável.

Palavras-chave: Decolonialidade. Transfeminismo. Feminismo. Metodologias feministas.

Referências

BARTLETT, Katharine T. Métodos Jurídicos Feministas. In: Tecendo fios das Críticas
Feministas ao Direito no Brasil II: Direitos Humanos Das Mulheres e Violências: volume 1,
Os Nós De Ontem: Textos Produzidos Entre Os Anos De 1980 E 2000. Fabiana Cristina Severi;
Ela Wiecko Volkmer de Castilho; Myllena Calasans de Matos, organizadoras. Ribeirão Preto:
FDRP/USP, 2020.

COLLINS, Patricia Hill. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica.
São Paulo: Boitempo, 2022.

NASCIMENTO, Letícia Carolina Pereira do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.

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QUIJANO, Anibal. Ensayos en torno a la colonialidad del poder. 1. ed. Buenos Aires: Del
Signo, 2019.

SPOSATO, Karyna Batista; SILVA, Matheus de Souza; ABREU, Lídia Nascimento Gusmão.
A aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans: aportes da teoria crítica feminista e do
método da posicionalidade. Revista Direito Público, Brasília, Volume 20,n. 106, 141-160,
abr./jun. 2023.

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PARCERIAS INTERSETORIAIS COM FOCO NA INOVAÇÃO
SOCIAL: A PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DAS INSTITUIÇÕES
DE APOIO E PROTEÇÃO À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM BELO HORIZONTE/MINAS GERAIS

Júnia Fátima do Carmo Guerra

Resumo: O contexto brasileiro é marcado por dilemas sociais caracterizados pela


desigualdade, pela pobreza, pelas questões de ordem ambiental e sustentável e, sobretudo, pela
falta de garantias de direitos humanos fundamentais. Destaca-se nesse cenário a violência
doméstica contra a mulher baseada na relação desigual de gênero como um problema social
que atinge a sociedade como um todo. A complexidade que envolve esses problemas sociais
demanda um olhar criterioso acerca das possibilidades e desafios sobre as parcerias
intersetoriais com foco na inovação social, cujo fim é buscar soluções coletivas. Desse modo,
o objetivo central desta pesquisa é analisar a percepção dos profissionais que atuam nas
instituições de apoio e proteção à mulher vítima da violência doméstica em Belo Horizonte/MG
sobre a importância das dinâmicas intersetoriais como recurso para se promover a inovação
social. Por meio de uma pesquisa qualitatitva, apoiada na análise documental e em um survey
aplicado nas quatro instituições investigadas foi possível observar não haver, inicialmente,
produção de inovação social, uma vez que a maioria dos profissionais tem conhecimento
superficial sobre as parcerias intersetoriais estabelecidas. Porém, os mesmos as compreendem
como um importante recurso para a produção de soluções coletivas a partir da colaboração e
da produção de conhecimento.

Palavras-chave: Parcerias Intersetoriais. Inovação Social. Violência Doméstica. Instituições


de Apoio e Proteção a Mulher.

Introdução

Inicialmente, cumpre esclarecer que o presente artigo é fruto de uma pesquisa de


produção (PQ), realizada e financiada pela a Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG), em 2023.

Em um contexto marcado por profundos dilemas sociais caracterizados pela


desigualdade, pela pobreza, pelas questões de ordem ambiental e sustentável e, sobretudo, pela
falta de garantias de direitos humanos fundamentais, se observa uma significativa valorização
acerca de proposições orientadas para dinâmicas intersetoriais com foco na inovação social,
cujos princípios se apoiam no resultado do conhecimento aplicado a necessidades sociais

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através da participação, da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas
e duradouras para grupos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral (BIGNETTI,
2011, p.08; BRONZO, 2010; JUNQUEIRA & INOJOSA, 1997).

A complexidade dos problemas acumulados por décadas de marginalização possui


inúmeras causas e poucas soluções. Embora seja possível verificar um considerável avanço
democrático no Brasil a partir da promulgação da Constituição de 1998, no qual se espera
estruturas e dinâmicas políticas, sociais e econômicas mais participativas, transparentes e com
forte apelo a um Estado de direito, são notáveis os desafios impostos a uma sociedade
fragmentada, desigual, culturalmente machista e com baixo nível de capital social. Essa
realidade, somada ao elevado grau de vulnerabilidade social e limitado acesso às políticas
públicas, torna o presente estudo emblemático ao apontar as dinâmicas intersetoriais, com foco
na inovação social, como uma das formas de se buscar alternativas viáveis para o futuro da
sociedade humana.

A partir dessa perspectiva destaca-se o fenômeno da violência doméstica e familiar


contra a mulher baseada na relação desigual de gênero a qual Silva (2022) considera como um
grave problema social que atinge a sociedade como um todo. Para a autora a violência
doméstica contra a mulher pode estar presente independente da distinção de classe social, raça,
etnia, qualificação profissional, ou qualquer outra classificação. Dessa forma, a mulher que
hoje não se encontra numa posição de vulnerabilidade, amanhã pode passar a estar vulnerável
e, por consequência, vir a ser vítima dessa violência (SILVA, 2022).

No bojo dessa complexidade, é possível observar, diariamente, casos de violência


doméstica ser veiculados nos meios de comunicação. Segundo os dados do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP), entre março de 2020, mês em que foi decretada a pandemia de
Covid-19, até dezembro de 2021, foram registrados 2.451 casos de feminicídio e 100.398 casos
de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino. Em média, durante o ano de
2021, uma mulher foi assassinada a cada 7 horas no Brasil, vítima de feminicídio. No ano de
2022, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o índice de homicídio feminino
era de 3,9 e o de feminicídio de 1,4 por 100 mil habitantes.

Esse cenário demonstra que a complexidade da violência doméstica contra a mulher


exige vários olhares, diversas maneiras de abordá-lo, integrando saberes e práticas para o
entendimento e a construção integrada de soluções que garantam às vítimas o direito da

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proteção e de integridade, princípios básicos dos direitos humanos, bem como, o de
emancipação.

Nessa vertente, a pergunta de pesquisa é: qual a percepção dos profissionais das


instituições de apoio e proteção à mulher vítima da violência doméstica em Belo Horizonte/MG
sobre a importância das dinâmicas intersetoriais como recurso para se promover a inovação
social? Na tentativa de responder a pergunta o objetivo geral é analisar a percepção dos
profissionais das instituições de apoio e proteção à mulher vítima da violência doméstica em
Belo Horizonte/MG sobre a importância das dinâmicas intersetoriais como recurso para se
promover a inovação social. Entende-se que essa análise permitirá potencializar as práticas
intersetoriais como recurso central da inovação social.

Destaca-se que o munícipio de Belo Horizonte/Minas Gerais (MG) foi escolhido por
ser o município de origem da pesquisadora deste estudo e por apresentar em 2022 a maior taxa
feminicídio entre os estados da região sudeste (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA
PÚBLICA, 2023). De caráter qualitativo, a metodologia se apoiou na pesquisa bibliográfica,
documental e em um survey aplicado aos profissionais dessas instituições.

Violência doméstica contra as mulheres

A violência de gênero, em especial a violência contra a mulher, ganhou maior


repercussão a partir dos anos 1980, e passou a constituir uma das áreas fundamentais para
estudos feministas no Brasil. Estes estudos estão, também, atrelados ao processo de
redemocratização brasileira e o movimento de mulheres, cujo principal objetivo era dar
visibilidade às ações violentas sofridas por elas e discutir e propor intervenções sociais,
jurídicas e psicológicas (OLIVERIA, 2017).

Para além da Constituição Federal de 1998 e da Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006,


mais conhecida como Lei Maria da Penha, os quais apoiam as instituições de apoio e proteção
à mulher vítima da violência doméstica em Belo Horizonte/MG, faz-se necessário apresentar,
de forma introdutória, as abordagens científicas que conceituam a violência doméstica.

Segundo Pires (2023), apoiada em Soares (1999), Piovesan (2010) e Mendes (2014), o
estudo da violência contra a mulher perpassou a compreensão de que o gênero é fator estrutural

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e que o regime patriarcal forjou uma organização social estruturada em uma hierarquização de
poder entre o masculino e o feminino, com predomínio do homem sobre a mulher (SAFFIOTI,
1999).

Saffioti (1999, p. 83), por sua vez, define que a violência contra a mulher é vetorial,
marcada pela “falocracia como caldo de cultura”, de modo que a violência é exercida
predominantemente pelo homem. Como consequência, Pires (2023, p. 29) observa que “a
condição feminina traduz o fato de que mulheres estão mais sujeitas à violência no âmbito das
relações privadas do que os homens, suportando com mais intensidade danos de ordem
psicológica, física e o feminicídio”.

Silva (2022, p. 168) corrobora com essa perspectiva ao inferir que “a violência tipificada
pela Lei Maria da Penha é a violência doméstica baseada na relação de gênero, e não qualquer
violência desferida contra a mulher, como, por exemplo, a morte de uma mulher em razão de
um latrocínio”. Depreende-se, à vista disso, que violência doméstica e relação de gênero são
conceitos que precisam ser analisados em conjunto e como parte de um sistema que tem como
uma de suas consequências essa violência específica (SILVA, 2022). Nesse sentido, a violência
de gênero é aquela que não leva em consideração o aspecto biológico, que diferencia homens
e mulheres em razão do sexo, mas sim a violência decorrente da relação de poder desigual entre
homens e mulheres. “A violência que foi sendo naturalizada ao longo do tempo pela dominação
masculina diante da submissão e exploração feminina em razão do paradigma patriarcal que
ressoa o seu poder nas dimensões moral, política, jurídica e social” (SILVA, 2022, 168).

Intersetorialidade e Inovação Social

A intersetorialidade é um fenômeno que pode ser observado no âmbito das


organizações, sejam elas privadas, públicas ou sociais. Essas, por sua vez, são complexas e
essa complexidade é determinada, sobretudo, pelas relações que os atores organizacionais
estabelecem mediados pelos objetivos da organização, que determinam a direção e a eficácia
dos seus resultados (JUNQUEIRA, 2008). Tais relações se inserem nos princípios das parcerias
intersetoriais que, de acordo com Van Tulder et al. (2016, p. 2), de Brinkerhoff (2002a, 2002b),
Gray (1989a) e Huxham e Vangen (1996), Borges (2017) são interações e integração esperadas
para entregar soluções melhoradas e inovadoras para os problemas econômicos, sociais e
ambientais por meio da combinação das capacidades e recursos dos atores organizacionais em
diferentes setores (BORGES, 2017).

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Para além dessas perspectivas, as parcerias intersetoriais podem ser observadas como
aspecto central na criação e consolidação de inovação social. Uma análise da literatura
confirma não haver um consenso sobre a definição de inovação e sobre a sua abrangência
(BIGNETTE, 2011). A variedade das noções que hoje se estabelecem sobre a inovação social
“se vincula ao fato dessas noções mostrarem como esse tipo de inovação procura beneficiar os
seres humanos antes de tudo, diferentemente das noções econômicas tradicionais sobre
inovação, que são voltadas fundamentalmente para benefícios financeiros” (BIGNETTI, 2011,
p. 06). O foco passa a transitar pelas dimensões sociais marginalizadas, excluídas, em que se
“atribui uma natureza não mercantil, um caráter coletivo e uma intenção que não só gera, mas
também visa transformações das relações sociais” (ANDRÉ E ABREU, p. 125, 2006).

Os recursos que sustentam o seu processo se baseiam em tecnologias intangíveis ao se


considerar o conhecimento ou saberes tácitos ou codificado, que tem como objetivo o aumento
da efetividade dos processos, serviços e produtos relacionados à satisfação das necessidades
sociais (DAGNINO E GOMES, 2000). A participação é outro recurso para se desenvolver um
processo de construção social de geração de soluções. Espera-se que a concepção, o
desenvolvimento e a aplicação estejam intimamente imbricados e que sejam realizados através
da relação e da cooperação entre todos os atores envolvidos. Significa um processo de
aprendizagem coletiva, que se baseia no potencial dos indivíduos e dos grupos, que adquirem
as capacidades necessárias para realizar as transformações sociais (CLOUTIER, 2003).

Nesse contexto, há que se considerar que as parcerias intersetoriais dependem da


comunicação, seja entre os parceiros, seja no âmbito de cada organização e com seus públicos.
Nesse processo de relacionamento há expectativas mútuas que exigem responsabilidades para
que sejam satisfeitas. Essas por sua vez, demandam compromissos para que a cooperação se
realize, tendo a intersetorialidade, como a integração de saberes e de competências existentes
entre as organizações envolvidas (BORGES, 2017).

Percursos Metodológicos e discussão dos dados

O percurso metodológico aplicado teve como base uma pesquisa exploratória


fundamentada em uma revisão bibliográfica constituída de livros, artigos científicos, teses,
dentre outros, bem como documental, essencialmente, de informações oriundas dos sítios
institucionais das unidades de análise e de notícias veiculadas nas mídias. Além disso, se apoiou
na aplicação de um questionário/survey, direcionado aos profissionais atuantes nas instituições

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de apoio e proteção à mulher vítima da violência doméstica em Belo Horizonte/MG. Ele foi
direcionado a cinco (05) instituições públicas e a duas (02) organizações da sociedade civil.
Porém, como um dos limites da pesquisa, somente quatro (04) das cinco (05) instituições
públicas responderam o survey e somente uma (01) das duas (02) organizações da sociedade
civil, o respondeu.

O survey foi aplicado por meio eletrônico no mês de outubro de 2023. Utilizou-se a
ferramenta do Google Forms para a elaboração e o envio do questionário, o qual foi direcionado
às gestoras/coordenadoras das instituições pesquisadas a fim de que fosse repassado aos
profissionais. Destaca-se que as instituições investigadas contam com um número reduzido de
profissionais que atuam diariamente no apoio a violência doméstica, portanto, cada uma enviou
entre 2 a 3 respostas, sendo que a organização social enviou apenas 1 resposta. Nesse sentido,
obtiveram-se 9 respostas em sua totalidade. Para um survey esse quantitativo pode fragilizar
ou enviesar a pesquisa, mas como o número de profissionais é reduzido o total de respostas
permitiu que se realizasse uma análise dos dados.

As instituições foram selecionadas, considerando os serviços ofertados no apoio e


redução da violência doméstica de Belo Horizonte e as dinâmicas intersetoriais e/ou capacidade
de integração e interação em rede. Elas são: Casa da Mulher Mineira (Polícia Civil de MG);
CEAM- Benvinda (Prefeitura de Belo Horizonte/MG - PBH); Núcleo de Defesa da Mulher
Vítima de Violência (NUDEM) - Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; Ponto de
Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência – Câmara Municipal de Belo
Horizonte/MG e a Casa Tina Martins que é uma organização da sociedade civil.

Conforme informações no sítio eletrônico de cada uma, a inauguração desses aparelhos


públicos se deu entre 2016 a 2022, somente o Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência
(NUDEM) iniciou suas atividades em 2005. Os serviços ofertados são: medidas protetivas de
urgência, orientação jurídica, elaboração de ações iniciais de família e acompanhamento
psicossocial, além de atuarem em serviços extraoficiais como com participação em palestras
educativas, seminário, cursos, roda de conversa e outros eventos de educação em direitos. O
CEAM - Benvinda, da PBH, atua diretamente no atendimento psicossocial de mulheres vítimas
de violência doméstica e as orienta para as outras instituições em caso de direcionamento
jurídico. Já a Casa Tina Martins, que é uma organização da sociedade civil, além de oferecer
formação política, encaminhamentos jurídicos e psicológicos, oferece também abrigo às
mulheres.
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O questionário foi respondido por três defensoras públicas, três policiais civis, duas
analistas de políticas públicas e uma coordenadora que apresentam idade, em sua maioria, entre
35 a 45 anos. Quanto ao tempo de exercício profissional, a maioria tem entre 8 a 4 anos de
trabalho e relativo a escolaridade a maioria tem Pós-graduação/Especialização, sendo que 23%
tem mestrado e 15,4% tem doutorado.

A partir da análise de conteúdo, as categorias se relacionaram com a importância da


participação, da confiança, da comunicação, da decisão coletiva, do processo de aprendizagem
e da produção de conhecimento como recursos para gerar a inovação social.

Primeiramente, observou-se, a partir de informações noticiadas em veículos de


divulgação pública que a Casa da Mulher Mineira, o Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de
Violência (NUDEM) e o Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de
Violência, assinaram um Termo de Cooperação Técnica entre o Estado de Minas Gerais,
PCMG e a Defensoria Pública de MG.

Para além desses atores, a Casa da Mulher Mineira (Polícia Civil de MG), também tem
um acordo de cooperação técnica com a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção de
Belo Horizonte, Guarda Municipal de Belo Horizonte com a Câmara de Dirigentes Lojistas. Já
a CEAM- Benvinda, que é um órgão da Prefeitura de Belo Horizonte/MG, apesar de não
mencionar parcerias, informou em seu sítio eletrônico que orienta às mulheres vítimas de
violência doméstica para a rede especializada da PCMG, Polícia Militar de Minas Gerais,
Ministério Público e Defensoria Pública, indicando uma integração com esses órgãos públicos.
Quanto a Casa Tina Martins, há em suas redes sociais informações que os parceiros são os
doadores e que o imóvel ocupado é do Estado de Minas Gerais.

As respostas do survey também indicaram que as instituições têm parcerias com outras
organizações, porém, quando perguntado se sabiam sobre a identidade dos parceiros menos da
metade, 46,2%, disseram saber, 38,5% disseram saber parcialmente e 7,7% disseram não saber,
bem como não souberam responder. Esses dados demonstram que, apesar de haver um Termo
de Cooperação Técnica entre as instituições investigadas ou outras parcerias, nem todos os
profissionais conhecem os parceiros.

Relativo a participação, confiança, cooperação, decisão coletiva , comunicação e


produção de conhecimento, que são o alicerce para se efetivar parcerias e gerar inovação social,
observou-se que a maioria dos respondentes, 70%, os consideram de extrema importância.
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Além disso, quando perguntado se acreditavam que as parcerias seriam capazes de promover
aprendizagem coletiva, 61,5% disseram que sim e 38,5%, disseram que sim, parcialmente,
indicando uma correlação entre os recursos intangíveis da inovação social com um de seus fins
que é a produção de conhecimento como possibilidade para soluções sociais. Essa indicação
foi confirmada quando, 76,9% afirmaram que a troca de informação e produção de
conhecimentos gerados pelas parcerias contribui para solucionar problemas sociais.

Entretanto, quando perguntado se as parcerias contribuiriam para uma visão global dos
problemas sociais, menos da metade, 30,8% disseram que sim, 46,2% disseram que sim,
parcialmente, 15,4% não souberam responder e 7,6% disseram que não. Infere-se que, embora
deem importância à integração e a produção de conhecimento ainda não seria suficiente para
produzir uma visão global dos problemas sociais, talvez pelo fato da maioria não ter
conhecimento sobre quem são os atores envolvidos nas parceiras. O envolvimento dos
atores/profissionais é seminal para que os benefícios da parceria sejam efetivos, os parceiros
devem ser capazes, de acordo com (BORGES, 2017 APUD NELSON; ZADEK, 2002),
cumprir o objetivo social comum e central da parceria (benefícios sociais) e satisfazer os
objetivos mais diversos ou agendas de cada organização participante.

Considerações finais

O presente estudo buscou analisar a percepção dos profissionais das instituições de


apoio e proteção à mulher vítima da violência doméstica em Belo Horizonte/MG sobre a
importância das dinâmicas intersetoriais como recurso para se promover a inovação social. Os
dados indicam que as instituições investigadas estabelecem parcerias com outras instituições,
inclusive, entre elas mesmas por meio de Termos de Cooperação Técnica e que os profissionais
percebem a importância dos aspectos que se relacionam com as parcerias intersetoriais e com
a inovação social. Porém, observou-se que a maioria dos profissionais não tem conhecimento
sobre a identidade dos parceiros, implicando na falta de integração. Por outro lado, se as
parcerias não são efetivadas pelos os atores envolvidos a inovação social também não se
concretiza, pois são necessários recursos como a produção de conhecimento por meio da
interação e de processos de aprendizagem social para tal.

Embora haja poucas instituições no combate a violência doméstica em Belo Horizonte


e que as existentes têm menos de 10 anos em exercício, compreende-se que há um caminho
frutífero para as dinâmicas intersetoriais e de inovação social entre as instituições investigadas,

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pois, ainda que cada instituição avance conforme os seus objetivos específicos e ferramentas,
o fim é o mesmo, o de reduzir a violência doméstica contra as mulheres e de garantia dos
direitos humanos.

Referências

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141, 2006.

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PARA ALÉM DAS QUATRO LINHAS DO CAMPO DE FUTEBOL: CORPO, GÊNERO E
EDUCAÇÃO FÍSICA

Regiane Caris dos Santos


Samilo Takara

Resumo: O trabalho trata-se de um relato de experiência que aconteceu em uma escola pública
do município de Ji-Paraná, Rondônia, região Norte. Na perspectiva de apresentar
possibilidades críticas e reflexivas que auxiliem na prática pedagógica, este relato teve como
objetivo discutir como o futebol contribui para tratar sobre gênero nas aulas de Educação Física
escolar, tendo como representatividade a jogadora Marta Silva. Foi desenvolvida uma
sequência didática de 4 aulas, com os alunos do 5ª ano do ensino fundamental. A primeira aula
foi abordada a história do futebol. A segunda foi focado no ensino dos fundamentos básicos do
futebol, essas aulas iniciais, foram para investigar o conhecimento e a relação com a
modalidade e seus pares. A terceira foi o documentário da jogadora Marta sobre o futebol
feminino. A quarta e última foi realizado uma prática de futebol. Essa etapa teve como objetivo
vivenciar, discutir e refletir sobre gênero no futebol, permitindo assim uma reflexão, para além
das quatros linhas do campo. Observamos que os comportamentos e os discursos dos meninos
e meninas durante as aulas são fortemente padronizados, apresentando-se misóginas, sexistas
e machistas, o que ficou explícito em alguns comentários. Para superar esses comportamentos
se fez necessário que os estudantes entendessem que o futebol não deve ser compreendido
como um universo masculino, mas sim como uma prática para aqueles que se interessam por
ele, e que os corpos, independente de gênero, são capazes de desenvolver e executar inúmeras
habilidades exigidas por esta modalidade esportiva. Utilizar o futebol, e em especial a trajetória
da jogadora Marta, para discutir a temática de gênero na escola foi enriquecedor para refletir
sobre comportamentos padronizados e discutir a inclusão de meninas nos esportes. Dessa
forma, por meio de abordagens que discutem sobre gênero, podemos desconstruir
comportamentos hegemônicos que excluem o acesso a participação nas práticas corporais.
Entendemos que pesquisas e práticas pedagógicas sobre diversidade e gênero contribuem para
uma sociedade que enfrenta discriminações. Para promover o pleno desenvolvimento das
pessoas, promovendo a igualdade e colaborando para uma sociedade justa, democrática e
inclusiva.

Palavras-chave: Educação. Gênero. Corpo. Práticas Pedagógicas. Educação Física.

Referências
ARAUJO, Rubenilson Pereira de. Brincadeiras De Masculinidades, (Re) Configurações
Familiares E Relacionamento Interrelacional Em Menino Brinca Com Menina?, De Regina
Drummond. Revista Humanidades e Inovação v.5, n. 3 – 2018.
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COSTA, Leda Maria da. O futebol feminino nas décadas de 1940 a 1980. Revista do Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 13, p. 493-507, 2017.

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geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 127-140, v. 16.

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KIMMEL, M. S. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas.


Horizontes Antropológicos. Ano 4, n. 9, p. 103-117, out/1998.

VITORETTI, Guilherme Bernardo. RIBEIRO, Jessica Teixeira. ROITBERG, Larissa Prado,


CAMPOS, Vanderson Gomes de. ARGENTI, Vinícius da Silva. CARVALHO, Wanessa
Alves. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): uma visão crítica de sua formulação.
Franca: UNESP-FCHS-Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas
Públicas, 2022. Disponível em
<https://www.franca.unesp.br/Home/ensino/posgraduacao/planejamentoeanalisedepoliticaspu
blicas/lap/2022-guilherme-vitoretti_artigo-11.pdf > acesso em 17 de janeiro de 2024.

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BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E DOCUMENTO
CURRICULAR REFERENCIAL DO CEARÁ: COMO A EDUCAÇÃO
PARA AS SEXUALIDADES E AS QUESTÕES DE GÊNERO SÃO
PROPOSTAS NOS CURRÍCULOS DO ENSINO MÉDIO.

Luana Vanessa Barbosa Martins


José Wilker Moraes Vieira
Raquel Crosara Maia Leite

Resumo: O artigo faz um comparativo entre como a educação para as sexualidades e as


questões de gênero são expressas nos documentos curriculares do ensino médio, Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e Documento Curricular Referencial do Ceará (DCRC). Esses
documentos são usados, além de tantas funções, para orientar as instituições de ensino público
e privado, e o que eles trazem são de grande relevância para a educação. Ao fazer a análise
documental de ambos percebemos uma relevante diferença entre as preocupações com o ensino
de sexualidades. A BNCC não apresenta interesse com essa área, sem apresentar estratégias ou
qualquer menção às sexualidades, inclusive com a retirada de termos chave dessa temática,
presentes nas versões anteriores, ficando esse ensino dentro de aspectos gerais como direitos
humanos e combate a preconceitos. Já o DCRC traz um discurso específico para esses assuntos,
com termos e objetivos claros, sendo um avanço nessa perspectiva, e mostrando o interesse em
criar estratégias que visam discutir a educação para as sexualidades com todos os seus vieses.
Ter um documento que entende a importância em trazer esses assuntos para dentro da escola,
é de suma importância para uma educação sexualmente saudável, que combate preconceitos e
busca uma sociedade igualitária.

Palavras-Chave: Educação para as Sexualidades, Currículo, Gênero, BNCC, DCRC.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. 3. versão.


Brasília: MEC, 2018.

CEARÁ, Secretária da Educação do. Documento Curricular Referencial do Ceará.


Fortaleza: UNDIMECE, 2019.

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DESVENDANDO O DOCUMENTO CURRICULAR REFERENCIAL DO
CEARÁ: UMA PERSPECTIVA CRÍTICA SOBRE O TEMA
INTEGRADOR “RELAÇÕES DE GÊNERO” E A BUSCA POR UMA
EDUCAÇÃO IGUALITÁRIA9

José Wilker Moraes Vieira


Luana Vanessa Barbosa Martins
Raquel Crosara Maia Leite

Resumo

O artigo direciona seu foco para o Documento Curricular Referencial do Ceará para a Educação
Infantil e Ensino Fundamental (DCRC) a fim de realizar uma análise sobre o Tema Integrador
"Relações de Gênero". Tem como objetivo rastrear a configuração dos assuntos apresentados
nessa parte do documento, os quais têm como principal proposta a formação integral dos
educandos frente aos desafios contemporâneos. O Tema Integrador "Relações de Gênero",
portanto, abre caminhos com o propósito de promover compreensões que ultrapassam o senso
comum e os preceitos e preconceitos instituídos que permeiam o espaço educativo por meio
dos sujeitos da escola. O artigo também examina concepções correntes relacionadas às
subjetividades buscadas por meio do currículo escolar. A hipótese sustentada é a existência de
uma pedagogia alargadora mobilizada para promover o igualitarismo a partir da dimensão do
reconhecimento de sujeitos e subjetividades subalternizadas, legitimando direitos
institucionalmente negados.

Palavras-chave: Subjetividades. Igualdade de gênero. Sujeito de direitos. Currículo.

INTRODUÇÃO

Este artigo reflete sobre as políticas curriculares e as formas de regulação do eixo


corpos, sexos, gêneros e sexualidades imbricadas no contexto da formação integral frente aos
desafios contemporâneos e os movimentos que permeiam a sociedade no sentido de uma
pedagogia alargadora. Propusemos, portanto, uma Análise Textual de Conteúdo (ATD)
(Moraes; Galiazzi, 2020) do Tema Integrador “Relações de Gênero” inserido no Documento
Curricular Referencial do Ceará para a Educação Infantil e Ensino Fundamental (DCRC)
(CEARÁ, 2019).
O DCRC, por sua vez, parte do contexto das reformas curriculares promovidas pré e
pós golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff, que deram origem à atual Base

9
Este artigo decorre da construção da dissertação intitulada “Educação para a(s) sexualidade(s) e os
contraespaços: o Documento Curricular Referencial do Ceará em Questão” no âmbito do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará.
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Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) e ao Novo Ensino Médio (NEM). Esse
conjunto de mudanças curriculares estruturais balizam a educação básica no País. A BNCC,
que, em última análise, é uma listagem de aprendizagens essenciais para toda a educação
básica, resguarda o dever de todas as escolas segui-la dada a sua taxação em um documento
normativo (BRASIL, 2018). Nesta análise compreendemos que a BNCC se comporta como um
documento engendrado no sentido de que se mostra enquanto um currículo pré-definido que
modula o que deve ser ensinado na educação escolar básica. Assim, por sua vez, exclui uma
gama de conhecimentos que possam atingir os objetivos para enfrentar os desafios sociais
contemporâneos que incluem patriarcado, machismo, homotransfobia, direitos sexuais e
reprodutivos dos sujeitos historicamente subalternizados, dentre outras problematizações afins
(BAPTISTA, 2020; SILVA; BRANCALEONE; OLIVEIRA, 2019; MONTEIRO; RIBEIRO,
2020).
O Tema Integrador "Relações de Gênero" do DCRC, por sua vez, em contraposição à
norma instituída pela BNCC, se mostra enquanto parte de um currículo que escapa às formas
e formas regulatórias hegemônicas. A análise que aqui se mostra, demonstra a preocupação
com a relevante emergência das problemáticas relacionadas a desigualdade de gênero na
sociedade.
O documento também destaca a importância de a escola discutir democraticamente
questões de gênero, visando criticar e superar a subordinação feminina. Sua abordagem
questiona práticas educativas patriarcais e machistas, propondo uma reconstrução
paradigmática, além de enfatizar como o currículo escolar e as práticas pedagógicas perpetuam
normas de gênero. Por sim, inferimos que o tema integrador se propõe uma educação que
reconheça a multiplicidade de identidades e promova a igualdade de gênero por meio de
práticas educativas alargadoras capazes de enfrentar os problemas sociais emergentes. Por fim,
conseguimos refletir acerca da capacidade do currículo de resistir às forças normalizadoras,
favorecendo a legitimidade das identidades subalternas.

METODOLOGIA
Acerca do tratamento e análise dados, propomos sua realização a partir dos pressupostos
da Análise Textual Discursiva (ATD). Esse método está entre duas formas de análise na
pesquisa qualitativa, que são a análise de conteúdo e a análise de discurso (MORAES;
GALIAZZI, 2006). Moraes (2003) pontua que a ATD pretende aprofundar a compreensão dos

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fenômenos que investiga a partir de uma análise rigorosa e criteriosa das informações,
entretanto, não busca testar hipóteses ou refutá-las, sua real intenção é compreender.
Diante do exposto, Moraes (2003, p. 194) ressalta que

Os textos não carregam um significado a ser apenas identificado; são significantes


exigindo que o leitor ou pesquisador construa significados com base em suas teorias
e pontos de vista. Isso exige que o pesquisador em seu trabalho se assuma como autor
das interpretações que constrói dos textos que analisa.

Para isso, a ATD enquanto abordagem que leva à compreensão de um dado fenômeno
perfaz um conjunto de passos que, em última análise, consiste na fragmentação do todo em
unidades de sentido que permitem sua realização. O todo, a que se refere, consiste nos objetos
e em amostras dos dados levantados, dos quais constituirão, no âmbito da ATD, ao corpus da
pesquisa, são, portanto, fragmentos dos documentos e a entrevista proposta para essa análise
(Figura 1).
Moraes (2003) expõe que a ATD se organiza em etapas que se sucedem, sendo:

• Fragmentação do corpus em unidades de significados a partir de uma leitura


rigorosa
• Categorização, sendo o ato de reunir elementos semelhantes e nomear e definir
as categorias;
• Captação do novo emergente, do qual refere-se ao processo de expressar as
compreensões atingidas através do metatexto contrastando com teorias já existentes.

Figura 1. Sequência de análise da ATD.

Fonte: elaborado pelas autoras e o autor (2024).

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

A imersão no corpus possibilitou que fossem reconhecidas categorias de análises


compreendidas em iniciais, intermediárias e final. A análise dessas categorias e discussão
dessas categorias permitiram que fosse construído o metatexto que se segue.

Quadro 1. Categorizações
Categorias iniciais Categorias intermediárias Categoria final
Gênero A construção das
identidades de gênero a
Interdição ao
partir da cultura
feminino As práticas pedagógicas alargadoras
hegemônica
para o enfrentamento dos problemas
Violência de
sociais relacionados à desigualdade de
gênero
Simbologia que molda o gênero
Desigualdade, sujeito subalterno
dominação e
submissão
Fonte: elaborado pelas autoras e o autor (2024).

O Tema Integrador “Relações de Gênero” do DCRC, inicia-se com pressupostos legais


que guiam a educação básica no Brasil. Reconhece, nesse ínterim, o conjunto de objetivos
interligados ao contexto e a formação escolar, bem como a diversidade e a própria desigualdade
na sociedade brasileira no que diz respeito às relações de gênero. O documento traduz essas
afirmativas ao citar:

Partindo desses pressupostos legais, compreendemos que temos na sociedade


meninos e meninas com histórias de vida diversificadas. Eles nos motivam a pensar
o quão é essencial que a escola incorpore e discuta democraticamente as questões que
envolvem as relações entre sujeitos, considerando o respeito e a autonomia como
basilares ao relacionamento humano. Isso possibilita uma ampla crítica cultural do
domínio masculino e da subordinação feminina baseada em relações desiguais de
gênero (CEARÁ, 2019, p. 99).

Ao citar a escola, esse documento toma para a prática educativa a responsabilidade de


repensar as relações sociais que influenciam o desenvolvimento de ideias e subjetividades
vinculantes ao padrão heteronormativo que permeia o corpo social e dá legitimidade às
violências de gênero traduzidas em subordinação ao masculino.
O texto, por sua vez, denuncia e põe em questão a continuidade de forças e formas
vigentes no processo escolar, possibilitando aos educadores e às educadoras perceber que a
construção do que pensam os sujeitos da escola é, também, resultado de toda uma política e
prática curricular reprodutora das desigualdades de gênero.

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A fim de que sejam questionados esses valores, propõe uma crítica ao modelo
sociocultural de subordinação feminina ao masculino que permeia a escola. Assim,
constituindo e abrindo espaço para uma reconstrução do paradigma acionando que, é sim papel
da escola problematizar, discutir e propor práticas pedagógicas alargadoras para o
enfrentamento dos problemas sociais relacionados à desigualdade de gênero.
Louro (2014) aponta que a sociedade tem sido atravessada por um conjunto de
acontecimentos e transformações que têm possibilitado a problematização de processos e
barreiras, promovendo o contato com múltiplas subjetividades, saberes, comportamentos e
valores que promovem deslocamentos e rupturas.
A epidemia da aids e do HIV e as altas taxas de gravidez na adolescência na década de
1990 foram desses acontecimentos que obrigaram a reformulação de um currículo nacional
intuído pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998) e a práticas
educativas para romper com antigas barreiras do pensamento. Nesse sentido, a prevenção
contra o vírus configurou-se num discurso relativo ao dispositivo da sexualidade, desde então
esse modelo foi institucionalmente o principal enunciado em relação aos corpos, sexos, gêneros
e sexualidades. Entretanto, a visão médica não se inscrevia, exclusivamente, na prevenção ao
vírus, mas tornou-se núcleo da normatização das condutas dos sujeitos, demarcando
comportamentos estéreis que evitariam problemas de saúde.
Esses atravessamentos, perpassam também pelos estudos feministas, pelas novas
formas e ferramentas de comunicação social e a emergência discursiva acerca dos gêneros.
Butler (2021) postula que os discursos sobre sexo e gênero estão indissociavelmente ligados, e
ambos são construções sociais que confinam o corpo dentro de uma construção binária rígida
- masculino/feminino. O corpo, portanto, é construído pelos discursos de gênero existentes e,
portanto, nossas performances de gênero são condicionadas por esses discursos.
Essas novas formas de pensar e reconhecer a construção social dos papeis de gênero
nos permite questionar a naturalidade com que são executadas e desenvolvidas as práticas
pedagógicas enrijecidas. O DCRC, por sua vez, atenta-se a isso ao citar que

“A ideia de que as meninas devem brincar de certos jogos e brinquedos (bonecas,


panelas...) e os meninos, com outros (carros, bolas, armas...) tem como fundamento
o patriarcado e machismo, geralmente velados nas práticas educativas. [...]
Educadoras/es precisam compreender que, durante a infância e a adolescência as
pessoas estão em processo de formação em sua identidade, seus desejos e vontades
subjetivas. Determinar comportamentos, brincadeiras, objetos, cores, roupas “para
meninos” e “para meninas”, gera segregação sexista na compreensão da realidade das
crianças. É nesse tipo de comportamento que o significado do lugar social se
solidifica numa perspectiva de predeterminação.” (CEARÁ, 2019, p. 99-100).

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As categorizações “corpo”, “sexo” e “gênero” são de natureza, sobretudo, normativa
regulatória. Para Butler (2019, p. 194) “é parte de uma prática regulatória que produz os corpos
que governa, isto é, toda força regulatória manifesta-se como uma espécie de poder produtivo,
o poder de produzir”. O Estado, por meio de diversos mecanismos, a exemplo do currículo
escolar, exerce a dual função do poder: jurisdicional e produtor. Butler (2021, p. 18) afirma
que “o poder jurídico ‘produz’ inevitavelmente o que alega meramente representar”, nesse
sentido, a modulação dos comportamentos e subjetividades através das práticas pedagógicas
veladas patriarcais e machistas, são formas de reprodução de um poder invisível que tem como
função regular as formas de vida enquanto condizentes com à política social hegemônica.
Silva (2001) infere que as representações culturais não se valem apenas de signos que
expressam aquelas coisas que “representam”, para o autor (2001, p. 42) “os signos que
constituem as representações [...] não se limitam a servir de marcadores para objetos que Ihes
sejam anteriores: eles criam sentidos [...] É precisamente por parecerem ‘reais’, por serem
‘reais’, que esses sentidos têm efeito de ‘verdade’”.
A quebra desse paradigma, portanto, perpassa pela tomada de consciência da existência
desses mecanismos pelos educadores por meio da inserção dessas temáticas nas discussões de
formação inicial e continuada. Há de se atentar, entretanto, de forma controversa, que ao
recalcular essa mesma formação, os discursos de tom emancipatório poderão ser ao mesmo
tempo discursos regulatórios das identidades e subjetividades quando são traduzidos em
práticas educativas. Haja vista que o Estado, através do poder regulatório discursivo, produz
os sujeitos que alega representar.
No sentido de compor um currículo práticas pedagógicas alargadoras mobilizadas em
promover o igualitarismo a partir da dimensão do reconhecimento de sujeitos e subjetividades
subalternizadas, o DCRC enfatiza que

Devemos praticar um processo educativo que identifica a/o estudante como


protagonista e considera, além da relação com o meio ambiente, as relações sociais
ali estabelecidas. Portanto, identidades, relações sociais de desigualdade e
enfrentamento à violência contra a mulher são questões que podem ser consideradas
didaticamente pelas várias disciplinas (CEARÁ, 2019, p.101).

Em suas análises e proposições, Paraíso (2010, 2015) nos aciona olhar para as forças e
as formas do currículo. Trata-se de um território fundamentalmente organizado por estruturas
capazes de prescrever, enquadrar, generalizar e ainda limitar a abertura de possibilidades.
Nesse espaço, enquanto discursivo, diz Paraíso (2010, p. 588): “o que está em jogo em um

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currículo é a constituição de modos de vida, a tal ponto que a vida de muitas pessoas depende
do currículo”.
Essa capacidade de elucidar a vida dentro do currículo nos leva a questionar o lugar das
relações de gênero e identidades subalternas, embora alguns grupos sociais reconheçam
enquanto legítimas, a realidade traz à tona o quanto são invisibilizadas, esmagados pela força
normalizadora do currículo e das pedagogias que possibilitam tornar esse espaço antiquado.
É de nosso interesse investigar se é possível haver um currículo compreendido enquanto
um espaço plural, em que caiba dentro de si as identidades e diferenças acerca dos corpos,
sexos, gêneros e sexualidades denotados como anormais. Nesse empreendimento, é necessário
destacar que, muito embora o currículo seja composto de formas e forças que o engendram em
perspectivas normalizadoras, também é claro compreender que nesse “mote” fechado, não há
força capaz de segurar os vazamentos da vida. Afinal, tudo escapa. A existência de forças
normalizadoras no currículo pode ser diametralmente oposta a existência de forças capazes de
ascender a vida.
Para Butler (2019, p. 195)
Os corpos não se conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua
materialização é imposta”. Na verdade, são as instabilidades, as possibilidades de
rematerialização, abertas por esse processo, que marcam um domínio no qual a força
da lei regulatória pode se voltar contra ela mesma para gerar rearticulações que
colocam em questão a força hegemônica daquela mesma lei regulatória.

No ato de pensar os escapes, cabe-nos refletir: e o que cabe no currículo? Há de haver


uma delimitação? E passamos a compreender, entretanto, que em sua materialidade, trata-se de
um espaço de multiplicidades, que apesar dos ordenamentos, é, em sua essência, como afirma
Paraíso (2010, p. 588):

Um território de disseminação de saberes diversos, de encontros “variados”, de


composições “caóticas”, de disseminações “perigosas”, de contágios
“incontroláveis”, de acontecimentos “insuspeitados”. Um currículo é, por natureza,
rizomático, porque é território de proliferação de sentidos e multiplicação de
significados. Apesar de todos os poderes que fazem o controle, demarcam as áreas e
opinam sobre como evitar a desorganização em um currículo e que demandam sua
formatação, tudo vaza e escapa.

É nesse sentido que visualizamos a capacidade da ascensão de práticas e pedagogias


para além das forças normalizadoras, que possibilite ao conjunto de sujeitos abjetos ser tornado
legítimo. Necessariamente, precisamos orientar que o poder intrínseco nas relações sociais tem
a capacidade de classificar os sujeitos, de forma sutil ou violenta, organizando as predileções
de naturalização. Entretanto, é preciso refletir sobre práticas educativas que inferem nesse
sistema.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, consideramos a face normalizadora do currículo enquanto capaz de


produzir engendramentos que permitem a subalternização dos sujeitos. Muito embora essa
força crie estruturas, existem outras potencialidades que permitem escapar ao instituído, sendo,
necessariamente a partir disso, que problematizamos e colocamos em xeque esse modo de
operar a produção de subjetividades e normalidades nos espaços educativos.
Em síntese, a análise do Tema Integrador "Relações de Gênero" do DCRC revela a
necessidade premente de uma educação que vá além de simplesmente transmitir
conhecimentos, mas que se comprometa em desconstruir e reconfigurar as estruturas sociais
que perpetuam a desigualdade de gênero. Ao reconhecer a multiplicidade de identidades e
promover a igualdade de gênero, a escola deve se posicionar como um agente de transformação
social. A reflexão sobre o papel do currículo como espaço de resistência às normas
hegemônicas reforça a importância de uma abordagem pedagógica que valorize a diversidade
e legitime as identidades subalternas. Assim, ao encarar os desafios das relações de gênero
desiguais na educação, o documento abre espaço para compor uma sociedade mais justa e
inclusiva.

AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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habilidades, como ficam as questões de gênero?. Diversidade e Educação, [S. l.], v. 8, n. 2, p.
467–495, 2021. Disponível em: https://periodicos.furg.br/divedu/article/view/12099. Acesso
em: 3 dez. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação e Esportes. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília,


DF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pnld/195-secretarias-112877938/seb-
educacao-basica-2007048997/12640-parametros-curriculares-nacionais-1o-a-4o-series.
Acesso em: 01 set. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF, 2018.
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Acesso em: 01 set. 2023.

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BUTLER, J. Corpos que pensam: os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes
(org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
p. 193-220.

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 21. ed. Rio de


Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2021.

CEARÁ. Secretaria da Educação. Documento Curricular Referencial do Ceará. Fortaleza,


CE, 2021. Disponível em: https://www.seduc.ce.gov.br/wp-
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LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 16. ed.


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MONTEIRO, S. A. S.; RIBEIRO, P. R. M. Sexualidade e Gênero na atual BNCC:


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MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual


discursiva. Ciência e Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003. Disponível em:
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PARAÍSO, M. A. Um currículo entre formas e forças. Revista Educação, Porto Alegre, v.


38, n. 1, p. 48-58. 2015. Disponível em:
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curricular e diversidade sexual e de gênero: (des)caracterizações. Revista Ibero-Americana
de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n.2, p. 1538–1555, 2019. Disponível em:
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SILVA, T. T. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. 2. ed. Belo
Horizonte, MG: Autêntica, 2001.

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UMA ANÁLISE PRELIMINAR SOBRE O REGIME DOMICILIAR
PARA AS PUÉRPEAS NO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-
ESPANHOL DO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA

Ingrid Leandra Camargos Antonio


Micheli Suellen Neves Gonçalves

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar os limites e as potencialidades


didático-pedagógicos do regime domiciliar para as puérperas do curso de Licenciatura em
Letras-Espanhol do Instituto Federal de Brasília. A escolha dessa temática surgiu com a minha
própria experiência com o regime domiciliar, diante disso fui instigada a pensar sobre como
possível tema para o Trabalho de Conclusão de Curso. A pesquisa é de abordagem qualitativa,
com dois instrumentos de pesquisa: o questionário, via google forms com objetivo de traçar um
panorama geral das estudantes, e a entrevista semiestruturada com o objetivo de alcançar
informações mais aprofundadas. O referencial teórico dessa pesquisa baseia-se no Ministério
da Saúde (MS), para compreender o puerpério e suas fases; na Lei 6.202/1975 e na Organização
Didático-Pedagógica (ODP), para compreender a política geral, além da política interna do IFB
sobre regime domiciliar; e alguns autores para discorrer sobre a formação docente como:
Fernandes (2019), Ribeiro (2006) e Gonçalves (2019). Os resultados são parciais e aponta uma
legislação desatualizada frente aos avanços teórico prático para o atendimento das mulheres
em puerpério, comprometem a permanência de estudantes mães nos cursos superiores e/ou
torna mais desafiador o processo formativo.

Palavras-chave: Estudantes puérperas. Formação docente. Regime domiciliar. Ensino


Superior. IFB.
Referências

BRASIL. Lei n° 6.202, de 17 de abril de 1975. Atribui à estudante em estado de gestação o


regime de exercícios domiciliares instituído pelo Decreto-lei nº 1.044, de 1969, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6202.htm.
Acesso em: 27 maio 2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Manual técnico – Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e


humanizada. 2006. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_pre_natal_puerperio_3ed.pdf.

Acesso em: 26 jun. 2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher.


2001. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf. Acesso em: 26
jun. 2023.
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ISBN: 978-65-00-92987-4
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FERNANDES, Fernanda. A história da educação feminina, 2019. Disponível em:
http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/reportagens/14812-a-hist%C3%B3ria-da-
educa%C3%A7%C3%A3o-feminina. Acesso em: 27 jun. 2023.

GONÇALVES, Micheli Suellen Neves. Gênero e formação docente: análise da formação das
mulheres do Campo do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal
do Sul e Sudeste do Pará. 2019. Tese (Doutorado) - Doutorado em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília, na Linha
Educação Ambiental e Educação do Campo, 2019.

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). Resolução N.º 027-2016/CS-IFB. Aprova


alterações no Regulamento dos Procedimentos Administrativos e da Organização Didático
Pedagógica dos Cursos de Graduação do Instituto Federal de Brasília - IFB. Disponível em:
https://www.ifb.edu.br/attachments/article/10765/RESOLU%C3%87%C3%83O%20n%C2%
BA%20027-2016_%20ALTERA%20ODP_CEPE%20(2).pdf. Acesso em: 14 out. 2023.

RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Mulheres e educação no Brasil-Colônia: histórias


entrecruzadas. Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil",
Faculdade de Educação – Unicamp.

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PERMANÊNCIA, SEGURANÇA E REPRESENTATIVIDADE
LGBTQIAPN+ NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO

Marcos Vinicius Cavalcante Dos Santos


Cecília Amanayara Cruz Da Silva

Resumo: Este estudo, parte do Projeto de Pesquisa "Permanência LGBTQIAPN+: Segurança


e Representatividade no Ensino Superior Público" na Universidade do Estado da Bahia, que
tem como intuito analisar a inclusão e a continuidade de estudantes LGBTQIAPN+. O trabalho
visa criar representações gráficas sobre estabilidade, segurança psicológica e educacional,
destacando a importância de combater a LGBTfobia no ambiente acadêmico. O texto explora
a complexidade das identidades de gênero e orientação sexual, enfatizando a necessidade de
uma cultura inclusiva nas instituições universitárias, discute a persistência da LGBTfobia na
sociedade brasileira e apresenta considerações sobre linguagem e identidade de gênero, a
metodologia do trabalho adota uma abordagem exploratória quantitativa, utilizando um
formulário para coleta de dados e construção de gráficos. Os desafios neste domínio, conforme
revelados pelos resultados da pesquisa, denotam avaliações que delineiam uma multiplicidade
de perspectivas, sublinhando, assim, a complexidade das percepções dos participantes no que
se entende aos esforços institucionais voltados à promoção da inclusão e igualdade, ressalta-se
imperativamente a exigência de implementação de medidas eficazes para mitigar a LGBTfobia
no contexto acadêmico, fornecendo, subsídios fundamentais para o desenvolvimento de
políticas inclusivas e estratégias de apoio à comunidade afetada, considerando a reverberação
em âmbito acadêmico e as esferas éticas e sociais.

Palavras-chave: Permanência Estudantil. Representação. Educação Pública. LGBTQIAPN+.

Introdução

O estudo em questão é uma pesquisa abrangente sobre a inclusão e permanência de


estudantes LGBTQIAPN+ nas Universidades Estaduais da Região Baiana, que parte do projeto
"Permanência LGBTQIAPN+: Segurança e Representatividade no Ensino Superior Público",
a pesquisa busca criar representações visuais que destacam aspectos cruciais relacionados à
estabilidade, segurança psicológica e educacional nessa instituição de ensino superior pública,
conhecida como a maior da América Latina em extensão territorial.

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O trabalho destaca a conexão inseparável entre o ambiente educacional e o problema
da LGBTfobia, que cria obstáculos para a continuidade dos estudantes LGBTQIAPN+ nos
espaços educacionais, revelando desafios enfrentados por esta comunidade.

Este trabalho é considerado de fundamental importância, não apenas pela contribuição


para a compreensão do ambiente acadêmico LGBTQIAPN+, mas também por sua relevância
social na busca por justiça, igualdade e consolidação de um ambiente educacional
verdadeiramente inclusivo.

O ENSINO SUPERIOR COMO UM ESPAÇO DE INCLUSÃO E DIVERSIDADE

Reconhecendo que a abrangência do espectro identitário no seu ensino universitário


exige uma atenção zelosa, é imperioso que se estabeleça um ambiente inclusivo, propício ao
florescimento de todas as identidades, sem cedências a atitudes excludentes ou problemáticas.
Levando em consideração que

a “identidade” assegurada por conceitos estabilizadores de sexo, gênero e


sexualidade, a própria noção de “pessoa” se veria questionada pela emergência
cultural daqueles seres cujo gênero é “incoerente” ou “descontínuo”, os quais
parecem ser pessoas, mas não se conformam às normas de gênero da inteligibilidade
cultural pelas quais as pessoas são definidas (BUTLER, 2008, p.38).

O ambiente acadêmico quando reconhece e celebra a multiplicidade de identidades e


experiências dentro da comunidade universitária, contribui para a criação de um ambiente
inclusivo e enriquecedor, consolidando-se como uma vanguarda na promoção da equidade e
na formação de cidadãos conscientes.

Debate De Gênero E Sexualidade Dentro Da Universidade

No contexto em que impera a necessidade premente de internalizar a compreensão de


que a singularidade de cada indivíduo deve ser objeto de escrupuloso respeito e enaltecimento,
desconsiderando quaisquer situações discriminatórias, em um ambiente permeado pela
multiplicidade e heterogeneidade, a intolerância revela-se destituída de lugar, sendo, portanto,
inaceitável.

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É muito comum que uma profissional, já adulta, refira a si própria no masculino: “eu
como pesquisador...”. Afinal, muitos comentariam, isso é “normal”. Como também
será normal que um/a orador/s, ao dirigir para uma sala repleta de mulheres, empregue
o masculino plural no momento em que vislumbrar um homem na platéia (pois essa
é a norma, já que aprendemos e internalizamos regras gramaticais que indicam ou
exigem o masculino) (LOURO, 1997, p. 66).

As abordagens relativas à diversidade e pluralidade sexual e de gênero no meio


acadêmico demandam uma ênfase premente na viabilidade do ambiente universitário como um
cenário propício para o estímulo de diálogos que abrangem as complexidades intrínsecas às
mencionadas questões.

CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

O presente escopo investigativo se caracteriza como um estudo de natureza


exploratória, adotando uma perspectiva metodológica quantitativa, cujo desiderato consiste na
construção de um levantamento elaborado por meio da empregabilidade de um formulário
como instrumento de coleta de dados, onde tal procedimento visou obter informações
relevantes e fundamentais, propiciando a construção de representações gráficas que, por sua
vez, forneceram subsídios para a inferência de conclusões e a formulação de conjecturas no
âmbito da pesquisa.

Por meio desta abordagem metodológica meticulosamente delineada, o presente


trabalho também contribui significativamente para a expansão do conhecimento no domínio
investigado, por meio da apresentação de resultados e hipóteses e pela demonstração da solidez
e acuidade do arcabouço metodológico adotado.

Cumpre enfatizar que, em virtude da intrínseca vinculação deste projeto com a esfera
humana, submeteu-se este estudo à escrupulosa análise e aprovação por parte de um comitê de
ética, deste modo, ao longo do presente trabalho, abstém-se da exposição de informações que
possam identificar ou vulnerabilizar qualquer indivíduo, pautando-se pela preservação integral
da identidade e segurança dos participantes envolvidos, assegura-se que nenhum dos sujeitos
desta investigação foi exposto a contextos vexatórios.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

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Em virtude da diversidade que caracteriza a comunidade acadêmica, o formulário
elaborado para esta pesquisa obteve um total de 64 respostas, congregando indivíduos
provenientes de distintos campi e departamentos ao redor da Bahia, nas localidades de:
Salvador, Alagoinhas, Juazeiro, Jacobina, Santo Antônio de Jesus, Caetité, Barreiras,
Guanambi, Itaberaba, Conceição do Coité, Bom Jesus da Lapa e Euclides da Cunha.

No escopo da identidade de gênero, revelou nuances significativas, constituindo uma


contribuição à discussão contemporânea sobre a fluidez e complexidade das identidades de
gênero, dentro do ambiente acadêmico.

Figura 1: Gráfico circular abordando a questão sobre gênero.

Fonte: Autor (2024).

As respostas relacionadas à orientação sexual propiciaram uma análise refinada,


categorizando os participantes de acordo com suas identidades, a abordagem cuidadosa dessas
categorias visou captar a riqueza das experiências vivenciadas pelos respondentes, adicionando
complexidade e profundidade aos resultados.

Figura 2: Gráfico circular referente a questão de identidade de gênero.

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Fonte: Autor (2024).

Destaca-se que a comunidade acadêmica demonstrou, em sua esmagadora maioria,


familiaridade com o termo “LGBTfobia”, evidenciando uma conscientização preponderante
sobre as questões enfrentadas pela comunidade LGBTQIAPN+.

No entanto, os dados revelaram uma realidade alarmante, com um percentual


significativo dos participantes admitindo ter sofrido discriminação em seu ambiente acadêmico
em razão de sua identidade de gênero ou orientação sexual.

Figura 3: Gráfico de coluna horizontal pertinente às indagações sobre denúncias.

Fonte: Autor (2024).

A pesquisa explorou ainda a experiência específica da comunidade


transgênero/travesti/não-binárie, indagando sobre constrangimentos em relação ao nome e/ou
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artigo (pronome) de tratamento nas dependências físicas de seus campus/departamentos. Os
resultados revelaram uma expressiva porcentagem de indivíduos dessa comunidade que
afirmaram já terem se sentido constrangidos nesse contexto.

Figura 4: Gráfico semicircular, sobre a questão do constrangimento, que foi


exclusiva para a comunidade transgênero/travesti/não-binárie.

Fonte: Autor (2024).

Outras dimensões abordadas incluíram a percepção da comunidade quanto à sua


integração no ambiente acadêmico e científico, a experiência de assédio moral, físico e/ou
sexual, bem como a busca de ajuda profissional para questões de saúde mental em decorrência
de vivências acadêmicas.

É salientado que os dados gráficos presentes neste artigo configuram dados ainda mais
elaborados mediante apresentação de outros gráficos do levantamento realizado a partir do
formulário elaborado, que foi exclusivamente direcionado para pessoas LGBTQIAPN+,
oriundos de universidades estaduais do estado da Bahia.

Considerações Finais

Esta pesquisa aponta para a necessidade urgente de implementação de medidas mais


eficazes no combate à LGBTfobia no ambiente acadêmico, as avaliações de satisfação que
foram aplicadas quanto às políticas educacionais nacionais e internas, à abordagem curricular
da comunidade LGBTQIAPN+ nos cursos, e aos serviços de pesquisa, ensino e extensão
relacionados à referida comunidade dentro dos campus/departamentos refletem a eminente
necessidade da revisão da matriz curricular dos variados cursos que lidam diretamente com a
subjetividade humana e sua sociabilidade, garantindo o acesso democratizado à diversidade e

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suas pautas em conjunto ainda com medidas afirmativas que garantam o acesso e permanência
com seguridade moral e psicológica dos estudantes LGBTQIAN+.

Este projeto se constitui de uma fonte substantiva de elementos que podem servir para
a elaboração de políticas inclusivas e a criação de estratégias de suporte destinadas à
comunidade supracitada.

Tais medidas visam assegurar a permanência e o desenvolvimento integral desses


indivíduos no ambiente do ensino superior público, este estudo não apenas concorre para a
apreensão mais aprofundada das vivências desta comunidade, mas também delineia a
possibilidade de criação de prospectivas iniciativas subsequentes de pesquisa e
aprimoramentos institucionais voltados para a inclusão e diversidade.

Referências

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 2ª edição. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista.


Petrópolis: Vozes, 1997.

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E SE EU PRECISAR DE AJUDA? INICIATIVAS VOLTADAS À
GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES NA
UNIVERSIDADE NO ESTADO DO PARANÁ

Joyce Luciane Correia Muzi

Resumo: Ao integrar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Caleidoscópio: Rede


Nacional de Estudos e Pesquisas Feministas, Transfeministas, Antirracistas, Interdisciplinares
e Decoloniais (CNPq), cuja função primordial é articular a área de estudos e pesquisas em
gênero, sexualidade, feminismos e transfeminismos, de modo interdisciplinar, antirracista e
anticapitalista, tenho podido colaborar em uma das frentes de trabalho no Observatório Sul-
Sudeste, que se pauta em três vertentes principais: 1) produção de conteúdos de divulgação
científica; 2) levantamento de indicadores/estudos concernentes aos temas de interesse da
Rede; e 3) o estabelecimento de redes e parcerias. Dentro desse escopo, realizamos um
levantamento com o objetivo de mapear ações de Direitos Humanos e combate à violência de
gênero em instituições de ensino superior (IES) no Estado do Paraná. Assim, buscou-se
identificar os canais de acolhimento como ouvidorias (e/ou instâncias responsáveis), núcleos
de estudos ou ainda coletivos relacionados aos temas de Direitos Humanos nas 15 IES
paranaenses públicas, fosse ela federal, estadual ou municipal. Nosso objetivo nessa
comunicação, portanto, é apresentar as informações encontradas para entender qual o cenário
do acolhimento às vítimas de violência de gênero nas IES paranaenses, isto é, em que medida
elas têm mecanismos de denúncia para o exercício de seus direitos.

Palavras-chave: Direitos humanos das mulheres. Violência de gênero. Universidade pública.

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DIREITOS HUMANOS, TECNOLOGIAS DIGITAIS E HISTÓRIA
PÚBLICA: DESAFIOS DOCENTES NO ENSINO DE HISTÓRIA.

Lucas Alexandre de Lima


Aislan Dias Aguiar
Márcio José Pereira

Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo uma análise sobre possibilidades de um Ensino de
História e uma Educação em Direitos Humanos na educação básica. Busca ainda, investigar
como os recursos tecnológicos influenciam novas estratégias metodológicas para ensinar diante
de uma realidade digital, principalmente em um contexto de História Pública. Sendo assim seu
principal objetivo é compreender a importância das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação no processo de criação e ampliação de metodologias para o ensino de História,
como difusoras dos direitos humanos e ferramenta pedagógica para a prática de História
Pública e Ensino de História com estudantes do Ensino Fundamental II na rede pública estadual
de educação de Campo Mourão. A metodologia da pesquisa está ancorada em uma intervenção
dialógica que propõe articular a produção de dispositivos tecnológicos, tais como, websites,
redes sociais, documentários, filmes, publicidades, desenhos animados, dentre outros.
Indagamos como as tecnologias digitais contribuem para a formação de estudantes no que se
refere às discussões dos direitos humanos. Consideramos que tecnologias digitais veiculam,
produzem discursos, sentidos e significados aos sujeitos, por isso a necessidade de assumir uma
função pedagógica voltada aos estudos dos direitos humanos e o ensino público de história.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos. Ensino de História. História Pública.

Introdução

A presente pesquisa é parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica


da Universidade Estadual do Paraná Campus Campo Mourão e tem como objetivo
compreender a importância das TDIC (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação)
no processo de criação e ampliação de metodologias para o ensino de História, como difusoras
dos direitos humanos e ferramenta pedagógica para a prática de História Pública e Ensino de
História com estudantes do Ensino Fundamental II na rede pública estadual de educação de
Campo Mourão, como objetivos específicos buscamos investigar como os recursos
tecnológicos influenciam novas estratégias metodológicas para ensinar diante de uma realidade
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digital, principalmente em um contexto de História Pública avaliando a percepção de
professores e alunos sobre os Direitos Humanos e como as redes sociais impactam o
aprendizado histórico sobre o tema em sala de aula, bem como auxiliar na produção de
metodologias de ensino sobre os Direitos Humanos considerando o protagonismo dos alunos
nesse processo produtivo e por fim fomentar práticas de História Pública e Direitos Humanos
em sala de aula.

Dificuldades de um Ensino de História para os Direitos Humanos e História Pública.

Quando o assunto é História parece que todo mundo “sabe” um pouco. Isto poderia ser
um aspecto positivo, afinal, que professor não gostaria de ter um aluno interessado em sua
disciplina? Mas na prática, não é bem assim que funciona. Se por um lado temos uma grande
quantidade de fontes de informações, como as videoaulas do YouTube, canais de divulgação
histórica e de outros temas da educação no Instagram e Facebook, ancoradouros de podcasts,
documentários em aplicativos de streaming etc.
Por outro lado, a facilidade de divulgação de informações não confiáveis historicamente
nas redes sociais produz uma série de equívocos e absurdos sobre o tema, o que pode ter um
impacto prejudicial na construção do aprendizado do estudante. Não é incomum encontrarmos
páginas enfatizando a não existência do Holocausto, a cordialidade da escravidão, o nazismo
de esquerda, etc. Estes fatos atentam para a relevância do professor no processo de mediação
do conhecimento.
É preciso salientar que, em especial no Brasil, estamos todos tomados por certo
sentimento de constrangimento e mal estar diante de inúmeros discursos que fazem
uso do passado, estrategicamente, para abrigarem interesses de setores
conservadores, a fim de legitimarem sua posição política e social em meio a situações
de conflitos, violências e desigualdades que se agravam. Discursos que procuram
construir representações sobre grupos vulneráveis no processo histórico,
culpabilizando-os das injustiças sofridas, naturalizando e simplificando relações
sociais complexas num descompromisso com a chamada “verdade” ou “honestidade”
histórica. Assim, por meio de redes públicas virtuais e pelas mais diversas formas de
difusão, promovem a desqualificação do conhecimento produzido a partir do acúmulo
conflituoso de saberes e da objetividade científica na Academia, nomeando-o de
“doutrinário” a fim de colocarem-se em seu lugar como legítimos. (Rovai, 2020, p.
2).

De maneira geral, a narrativa pública pode ser encarada como um cenário repleto de
diversas perspectivas, proporcionando a oportunidade de reconhecer o outro em sua
singularidade e cultivar diálogos, facilitar intercâmbios e fomentar uma multiplicidade de
interpretações em prol de um entendimento histórico mais abrangente. A história pública se
fundamenta em um domínio interdisciplinar, abarcando uma diversidade de vozes,
conhecimentos, métodos e reflexões teóricas. Embora tenha sua essência na disciplina
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histórica, ela não se limita nem se confina estritamente a esse campo, escapando das fronteiras
institucionais.
Especialmente na área de História isso é muito comum. Dificilmente nos deparamos
com alguém resolvendo cálculos matemáticos nas esquinas, bares, ou em redes sociais. Mas
quando o assunto envolve o Regime Militar, os melhores presidentes que o Brasil já́ teve, ou
os horrores que a esquerda ou à direita podem proporcionar, a discussão é muito comum,
mesmo sem um embasamento teórico adequado sobre o tema. Nessa temática os Direitos
Humanos passam por uma politização exacerbada que corrompe seu sentido conceitual e
aplicado, tornando-o um tema contraditório ou de pautas de grupos políticos.
Esse talvez seja um dos maiores desafios do professor de História na atualidade: ensinar
uma disciplina tão importante na formação do aluno, mas que muitas vezes foi considerada de
pouca relevância. O atual contexto pandêmico provocou profundos impactos na educação
brasileira. Docentes tiveram de repensar práticas pedagógicas, neste cenário de aprendizados,
receios e novas exigências. Sensíveis a tais questões, pensamos no referido projeto de iniciação
científica a fim de provocarmos reflexões sobre estas novas realidades escolares,
desenvolvendo, com a participação de estudantes e professores, análises quanto ao oficio
histórico. Segundo Marta Rovai:
Observamos, cada vez mais, a apropriação social de novas tecnologias a partir de
opções individualizadas sobre o que ver e ouvir, e também sobre o narrar histórico.
Fronteiras narrativas foram rompidas há tempos, assim como a circulação mais veloz
de informações tem facilitado e também confundido a produção e o acesso ao
conhecimento histórico, transformando os sujeitos em espectadores, clientes,
produtores e consumidores de “produtos históricos”. As ondas e as redes de
comunicação que promovem os usos do passado nunca foram tão dinâmicas e passam
a concorrer com o tempo mais lento e necessário do historiador, tirando dele certa
exclusividade sobre o fazer historiográfico. (Rovai, 2020, p. 1)

Quando dizemos que as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)


mudaram os paradigmas da educação, não estamos afirmando que os objetivos da educação
tenham mudado, pelo menos não por essa razão. O que está sendo dito é que as tecnologias
desenvolvem meios diferenciados na realização do processo ensino- aprendizado, ampliando
os recursos. Assim como a TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), a TDIC não
soluciona os problemas escolares, nem substitui as relações humanas desenvolvidas no
ambiente escolar, seja ele universitário ou básico. Não devemos entender que um videoaula
tomará lugar do professor, mas sim auxiliá-lo nesse processo. Esse novo profissional deve
repensar suas estratégias de ensino introduzindo a TDIC para o seu plano de aula, entendendo

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que as tecnologias sejam elas digitais ou não, são recursos que o auxiliam a alcançar melhores
resultados no seu trabalho.
Como menciona Circe Bittencourt (2018) existem uma diversidade de materiais
didáticos que muitas vezes tem “um papel de instrumento de controle do ensino por parte dos
diversos agentes do poder”, o professor deve ficar atento a esses aspectos da produção cultural
e trabalhar sempre que possível com documentos que são criados inicialmente “sem intenção
didática” e podem ser transformados em importante recurso didático pelo professor. Algumas
tecnologias que inicialmente foram criadas com outras finalidades como o radio e a TV
passaram a servir de recursos para educação. Evidentemente que a criação de ambos está mais
associada ao entretenimento, mas não podemos negar que para entreter eles utilizam a
comunicação, e esse é um dos elementos primordiais no processo educacional.
Os desafios docentes devem contemplar todos esses pontos que foram ressaltados nesse
artigo. Devemos ter o domínio da História e como historiadores, estarmos abertos aos
conhecimentos tecnológicos e, pensá-los como recursos, sermos pedagogos e buscar
metodologias de ensino que sejam eficientes para os nossos alunos e pensar e repensar todos
os dias como educar de forma ética. Em conjunto, buscar a real formação do aluno entendendo-
o como um ser integral, que precisa de ter noções de moral, ética, mas também uma bagagem
de conhecimentos que faca dele um ser livre para pensar e agir, somente assim a educação fará
realmente sentido na vida das pessoas. Sonia Meneses, enfatiza que precisamos ser mais
atuantes e menos enfadonhos em nossas propostas didáticas, bem como, possibilitar a
ampliação desse diálogo com outros públicos:

Muito embora tenhamos avançado no processo de construção do conhecimento


histórico, alguns velhos problemas pareciam permanecer, tais como o lento e desigual
processo de divulgação dessa produção para o grande público, as disputas em torno
do ensino, o relativo distanciamento das produções mais inovadoras relativamente ao
universo escolar, a dificuldade de adequação das licenciaturas em história no Brasil
(ainda bastante bacharelescas). Destaca-se também a pouca inserção das obras dos
historiadores no mercado editorial brasileiro, no qual ainda predomina a imagem de
que a obra de história não vende ao grande publico porque é rebuscada, carregada de
informações enfadonhas e feita apenas para uns poucos pares. (MENESES, 2018, p.
160).

A autora, em nosso entendimento, destaca a necessidade urgente de os historiadores


adotarem um posicionamento ativo e ampliarem sua interação com o público. O objetivo é criar
formas mais democráticas de elaborar e ensinar a história, especialmente em um momento em
que somos desafiados a responder a eventos em uma velocidade desconcertante. Este período
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requer maior agilidade, atenção e criatividade em nossa abordagem à história, sem abrir mão
dos princípios científicos. O desafio que se apresenta não é mais apenas "traduzir" a história
para um público passivo, tratando-o meramente como audiência, mas sim estabelecer uma
relação humilde e politizada com o mundo. Isso implica reconhecer a necessidade de escuta e
interação com outras narrativas e formas de conhecimento.
Não é nossa pretensão ensinar professores a darem aulas. O projeto apenas propôs uma
reflexão sobre as inúmeras possibilidades que as mudanças tecnológicas oferecem e a
importância de se pensar nisso. Mostrar que a TDIC pode promover uma ampliação na
possibilidade de criar metodologias de ensino eficientes para o ensino de História, que
associada às práticas tradicionais podem oferecer resultados mais satisfatórios para os alunos
no processo de ensino-aprendizagem, principalmente quando a temática são os Direitos
Humanos.

Caminhos Metodológicos da Pesquisa


A metodologia consiste em realizar observações participantes no ambiente escolar
registradas no diário de campo (MINAYO, 1993), questionários e entrevistas no momento de
contato com docentes de história interessados na proposta sobre como trabalham os Direitos
Humanos no Ensino de História e como percebem a manifestação de informações históricas
nas redes sociais e na internet em geral sobre a temática. Em seguida continuaremos a aplicação
de questionários (Google Forms) com os alunos do Ensino Fundamental II sobre o que
entendem por Direitos Humanos. Aplicados os questionários realizaremos a tabulação dos
dados coletados, para então analisarmos junto às literaturas e referências teóricas produzidas
sobre a temática.
É imprescindível não apenas refletir sobre o conteúdo relacionado aos Direitos
Humanos que é abordado e divulgado, mas também compreender os processos que
fundamentam esses temas. Isso envolve a análise das razões subjacentes, a natureza dos
conhecimentos envolvidos e as relações entre os agentes que participam na construção e
consumo de representações. Esses agentes utilizam estrategicamente o passado para atribuir
significado à sua própria existência ou à existência alheia, buscando a continuidade de seus
interesses, memórias e engajamentos em lutas identitárias e políticas.
Nesse contexto, percebemos que a pesquisa realizada por meio do Google Forms pode
oferecer insights valiosos sobre como os alunos compreendem os Direitos Humanos. O diálogo
e a mediação do historiador com diversos sujeitos tornam-se fundamentais, não com o
propósito de controlar, mas de perceber como outras narrativas históricas são geradas e
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socialmente circulam. Essas narrativas desempenham um papel crucial na formação do senso
comum e na atribuição de significados à história.
Realizada a análise, produziremos formas de intervenção dialógica com os alunos
utilizando-se de Oficinas e Rodas de Conversa fomentando uma educação para, através e sobre
os Direitos Humanos em uma perspectiva histórica. E por meio dessas oficinas trabalhar com
os alunos a produção de conteúdos sobre Direitos Humanos através de ferramentas digitais
(TDICs), fomentando a divulgação dessa produção em redes sociais de vídeos curtos (Tik Tok).

Considerações Finais

A pesquisa ainda está em desenvolvimento e por meia dela esperamos contribuir para
uma melhor compreensão acerca da importância dos Direitos Humanos como conceito
histórico em alunos e professores, visando uma maior qualidade das inserções sobre a temática
em sala de aula e uma possibilidade de enriquecimento da capacidade de ambos em debater e
refletir sobre a importância desses direitos no Brasil. Bem como pretendemos desenvolver
mateais que auxiliem os docentes em suas dificuldades.
Diante do contexto de dúvidas acerca do papel fundamental dos Direitos Humanos e de
uma educação emancipadora, concordamos com Juniele de Almeida e Sonia Meneses (2018)
que se o nosso ambiente atual é caracterizado por divisões, nós, historiadores, somos instados
a transcender nossos próprios limites e fronteiras, enfrentando os desafios de explorar os
extremos de nossa profissão como criadores de conhecimento e educadores. Nosso objetivo é
ir além, contribuindo para a formação de novas compreensões, mesmo que temporárias, do
mundo contemporâneo. Compreender a contemporaneidade emerge como nosso desafio
primordial. E essa contemporaneidade é cada vez mais tocada pela questão dos Direitos
Humanos.
Desejamos ainda solidificar a consciência acerca da historicidade dos Direitos
Humanos, bem como, dar aos alunos o protagonismo necessário para exercerem seu papel de
cidadãos conscientes e habilitados para sua cidadania. Uma vez que, o que outrora foi
reprimido, banido e violentado por não atender as demandas da maioria, hoje pode ser
contestado e contemplado como direito de existir, direito de pertencer, em suma, a máxima
arendtiana dos Direitos Humanos, o direito a ter direitos (ARENDT, 1989).
Identificamos a necessidade de intensificar o questionamento, a interação e a escuta,
promovendo a aproximação ou redução das barreiras entre diversos agentes sociais (minorias
sociais, excluídos econômicos, populações marginalizadas), espaços e formas de
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conhecimento, através de abordagens e tecnologias que, embora familiares, são frequentemente
subestimadas devido à aderência a métodos convencionais no fazer historiográfico e na
educação histórica. Assim, torna-se crescentemente crucial implementar uma educação
centrada nos Direitos Humanos, abordando, refletindo e aplicando esses princípios na
sociedade contemporânea.

Referências

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história. Rio de Janeiro: Cortez Editora,
2018.

ALMEIDA, Juniele R.; MENESES, Sônia. História Pública em Debate, São Paulo: Letra e
Voz, 2018.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em


saúde. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1993.

ROVAI, Marta. História Pública: um desafio democrático aos historiadores In: REIS, Tiago
Siqueira Coleção História do Tempo Presente: volume 2 / Tiago Siqueira Reis et al.
organizadores. – Boa Vista: Editora da UFRR, 2020. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5440936/mod_resource/content/1/capítulo%20HIST
ÓRIA%20PÚBLICA%20UM%20DESAFIO%20DEMOCRÁTICO%20AOS%20HISTORIA
DORES%20(1).pdf Acesso em: 22.jan.2024.

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INTERSECCIONALIDADE E DIREITOS HUMANOS LGBTQIAPN+

Rachel Honorato Nascimento


Maylla Monnik Rodrigues de Sousa Chaveiro

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir acerca da interseccionalidade como ferramenta teórico-


metodológica para efetividade da implementação dos Direitos Humanos para a população
LGBTQIAPN+. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e de natureza exploratória,
amparada em levantamentos bibliográficos e pesquisas teóricas. Para as análises de dados e
interpretações, o artigo embasa-se epistemologicamente na teoria crítica dos direitos humanos,
proposta por Herrera Flores (2009) e na ferramenta teórico-metodológica da
interseccionalidade, cunhada por Kimberlé Crenshaw (1989) e Carla Akotirene (2018). A
metodologia utilizada pela Teoria Crítica dos Direitos Humanos aliada ao conceito de
interseccionalidade representa uma valiosa e enriquecedora contribuição para entender as
tensões dialéticas presentes na modernidade e os paradoxos subjacentes à abordagem ocidental.
Buscou-se confrontar questões relacionadas à diversidade sexual e aos desafios na proteção
dos direitos LGBTQI+ e dos grupos étnico-raciais, fazendo uma análise sobre a construção de
identidades de gênero e expressão da sexualidade sob a influência da Modernidade/
Colonialidade Ocidental. Por fim, este artigo articulou os conceitos de interseccionalidade com
a noção de Direitos Humanos, buscando analisar os avanços jurídicos na proteção dos direitos
LGBTQIAPN+ visando evitar o dogmatismo jurídico enclausurado, e a excessiva
especificidade temática nas diversas áreas que compõem os direitos humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Interseccionalidade. Racismo. Colonialidade Ocidental.


Expressão da Sexualidade.

Introdução

A cultura da cisheteronormatividade estabelece o que é considerado "natural", tanto em


relação à orientação afetivo-sexual quanto à identidade de gênero, excluindo aqueles que não
se enquadram nos padrões da heteronormatividade e os categorizando como anormais. Essas
diferenciações também abrangem variáveis como cor da pele, cultura, origem, classe social,
presença de deficiência, gênero, religião e sexualidade. Diante das interações sociais entre
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grupos marcados por esses fatores históricos e sociais de diferenciação, cabe ao Estado o
desafio de atender às diversas e específicas demandas de cada grupo em uma sociedade tão
plural.

No contexto brasileiro, a vivência da população LGBTQIAP+ é marcada por desafios


urgentes. A ocorrência do falecimento da influenciadora Karol Eller, conhecida por sua defesa
do ex-presidente Jair Bolsonaro, trouxe à tona uma discussão relevante sobre as terapias de
conversão sexual. A deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) apresentou um projeto de lei com
o objetivo de equiparar tais terapias ao crime de tortura. Este cenário evidencia a necessidade
urgente de adotar a proibição de determinadas práticas desumanas. No entanto, a Comissão da
Câmara dos Deputados aprovou a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa
forma de iniciativa legislativa coloca em risco os direitos anteriormente conquistados pela
comunidade LGBTQIAPN+, representando um retrocesso perigoso.

É responsabilidade do Estado atender a todos os indivíduos e seus interesses,


assegurando a efetiva proteção dos direitos e liberdades fundamentais dos grupos
historicamente invisibilizados. A luta pelo reconhecimento desses grupos não opera
separadamente de outros tipos de sistemas de opressão. Os que pertencem a minorias raciais e
sexuais enfrentam níveis de discriminação e de violências ainda maiores do que os que fazem
parte dos grupos hegemônicos. Principalmente quando não correspondem com os ditames da
heterossexualidade compulsória. A transversalidade das políticas públicas consiste numa
articulação e diálogo entre os diversos setores da gestão pública. Com essa concepção a
implementação de políticas na perspectiva da superação da desigualdade de gênero, raça, classe
passa a não ser apenas do órgão responsável pelo setor responsável, mas de uma
responsabilidade compartilhada por todos os órgãos da gestão.

A perspectiva interseccional foi concebida pela jurista norte-americana Kimberlé


Crenshaw no ano de 1989. Segundo a autora, a interseccionalidade é uma perspectiva que visa
compreender as implicações estruturais e em constante evolução da interação entre diversos
sistemas de opressão. A interseccionalidade busca capturar as consequências estruturais e
dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. A interseccionalidade trata
especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcado, a opressão de classe e outros
sistemas discriminatórios estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e
outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas

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geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos
do desempoderamento (CRENSHAW, 2002, p. 177).

A autora brasileira Carla Akotirene, assistente social e pesquisadora da epistemologia


de gênero e relações étnico-raciais, afirma que interseccionalidade é uma ferramenta teórica e
metodológica para refletir sobre as articulações decorrentes do entrelaçamento entre racismo,
capitalismo e cisheteropatriarcado (AKOTIRENE, 2018). Pensar a produção de políticas
públicas dentro de uma perspectiva interseccional é pensar o processo de colonização e
hierarquização de corpos racializados combinado com outras formas de discriminação seja ela
de gênero, classe e outros gerando um sistema de opressão interligado. (AKOTIRENE, 2019).
Além disso, uma abordagem interseccional é necessária para entender os processos de
subjetivação ou de formação de identidades. O conceito de interseccionalidade é polissêmico
(CHAVEIRO, 2023) e não surge de maneira independente ou singular. É crucial reconhecer
que as bases das proposições teóricas têm suas raízes em um processo anterior, visíveis nas
resistências das mulheres negras durante o período do escravismo colonial e no movimento
abolicionista.

Embora haja um reconhecimento das singularidades identitárias por parte dos


legisladores aos grupos hegemônicos, mas as comunidades marginalizadas têm suas
especificidades invisibilizadas. Esses marcadores sociais exercem influência nas interações
sociais e estabelecem padrões de socialização. A adoção de uma abordagem interseccional se
torna imperativa para identificar e evidenciar situações de exclusão que se sobrepõem,
especialmente diante do contexto brasileiro, país que apresenta uma alarmante estatística de
homicídios de indivíduos LGBTQIAPN+ e de pessoas negras.

Diante desse cenário, diversas demandas surgem como urgentes para esses grupos.
Torna-se essencial garantir a habitação para os membros da comunidade LGBT+ que são
desalojados de seus lares, ao mesmo tempo em que é fundamental garantir o acesso a uma
renda básica, serviços de saúde e alimentação para esse grupo populacional, muitas vezes
sujeito a situações de exclusão e discriminação em diversos âmbitos sociais.

Pensar a produção de políticas públicas dentro de uma perspectiva interseccional é


pensar o processo de colonização e hierarquização de corpos racializados combinado com
outras formas de discriminação seja ela de gênero, classe e outros gerando um sistema de
opressão interligado. (Akotirene, 2019). Dessa maneira, a interseccionalidade como princípio

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orientador reconhece a pluralidade e busca estabelecer uma articulação entre as categorias de
gênero, raça/etnia, classe, geração, sexualidade entre outras, tendo em vista o reconhecimento
das especificidades de cada uma das categorias e como as desigualdades nelas operam. Estudos
focalizados em aspectos mais abrangentes e gerais, por si só, não conseguem focalizar os
intricados processos de interseccionalidade nos quais as subalternidades geram práticas
opressoras mais complexas.

As dinâmicas de poder na sociedade resultam frequentemente em diversas formas de


marginalização. Não é coincidência que a pobreza no Brasil esteja fortemente associada a uma
determinada cor, assim como a composição da população carcerária ou seja, a
interseccionalidade reafirma a materialização dos corpos como desprezíveis. Isto é, a sociedade
considera esses indivíduos que interseccionam subalternidades, sendo categorizados
como não humanos (BUTLER,2003; CARRARA, 2006; PERLONGHER, 1987).

No que tange à questão LGBTQIAPN+ poucos avanços foram feitos desde a


promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que o texto original não aborda de
maneira específica esse grupo, o Supremo Tribunal Federal (STF) por maioria, reconheceu a
mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos
integrantes da comunidade LGBT. Dessa forma enquanto o Congresso Nacional não elaborar
uma legislação específica, as condutas consideradas homofóbicas e transfóbicas podem ser
enquadradas na tipificação da Lei do Racismo. Tal omissão é resultado da oposição por parte
de setores conservadores do Congresso Nacional. Paralelamente, mesmo modo o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar
o casamento civil e converter a união estável em casamento. Essas decisões têm importância
histórica como uma conquista sem precedentes para a garantia dos direitos às populações
LGBT brasileiras. A jurisprudência dos tribunais brasileiros passou por um processo de
transformação significativos passando a reconhecer a orientação sexual como um fator tutelado
pelas normas jurídicas. Passando a entender os princípios da dignidade humana e da cidadania
demandam a igualdade de tratamento para pessoas homossexuais em todas as dimensões da
vida. motivo pelo qual as instituições públicas e privadas não podem submeter os membros
desse grupo a tratamento desigual.

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Considerações Finais

A discriminação de grupos marginalizados tem como resultado a criação de obstáculos


ao reconhecimento do pleno gozo de direitos desses grupos nos diversos planos da vida social,
tais como no campo jurídico, na cultura, na economia, na vida civil ou em quaisquer espaços
relevantes de exercício da cidadania. Dessa maneira, “permitir o conhecimento livre e crítico
da sexualidade humana, sem preconceitos, ainda é uma construção em desafio” (FILHO, 2009,
p. 118). A discriminação se mostra pela ausência de proteção legal para os grupos
LGBTQIAPN+, pela negação da necessidade de tratamento diferenciado dos grupos
invisibilizados em algumas situações, pela ausência de representação adequadas nos diversos
processos deliberativos e na inexistência de normas específicas que tipifiquem como crime a
homofobia e transfobia, pela ausência de medidas destinadas a promover o seu progresso
social, pela permanência de padrões culturais que naturalizam funções sobre as quais elas não
possuem poder para determinar suas vidas. Silva, Bonfim e Franco (2021, p. 217) afirmam que
“enquanto não houver uma mudança de paradigma real desse núcleo social, persistirão o
preconceito de raça, cor, gênero e orientação sexual. Enquanto houver estruturas conceituais
distintas, subsistirá a categorização do "outro" e do diferente”. A inclusão social depende,
portanto, de uma reforma cultural e política que busca reconhecer a igual dignidade
independente da orientação sexual, raça, classe em que ocupem. Esse movimenta se torna
necessário pois a autonomia parcial restringe a autonomia individual desses indivíduos. A
inexistência de leis antidiscriminatórias efetivas possibilita a perpetuação de diversas formas
de violências contra esses corpos invisibilizados.

Referências

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Justificando, 2018.

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______, Jéssica de Paula Bueno da. Bomfim, Rainer. Franco, Alexandre Gustavo Melo
DECOLONIALIDADE E A PERSPECTIVA LGBTI: A EXCLUSÃO DAS
SEXUALIDADES E GÊNERO PELAS CONSTRUÇÕES HEGEMÔNICAS- Revista da
AGU, Brasília-DF, v. 20, n. 01. p. 201-222, jan./mar. 2021.

DIREITOS HUMANOS E A INVISIBILIDADE DA DIVERSIDADE SEXUAL


E DE GÊNERO PELAS CONSTRUÇÕES HEGEMÔNICAS

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Rachel Honorato Nascimento
Maylla Monnik Rodrigues de Sousa Chaveiro

Resumo

Este artigo visa apresentar uma análise crítica da definição de direitos humanos buscando
analisar os avanços jurídicos na proteção dos direitos LGBTQI+. Para as análises de dados e
interpretações, o artigo embasa-se epistemologicamente na teoria crítica dos direitos humanos,
proposta por Herrera Flores (2009). Com efeito, este artigo tem o objetivo, buscar observar as
mudanças de perspectivas sobre os direitos humanos, visando evitar o dogmatismo jurídico
enclausurado, e a excessiva especificidade temática em suas diversas áreas. A metodologia
utilizada pela Teoria Crítica dos Direitos Humanos representa uma valiosa contribuição.
Segundo esta teoria, os direitos humanos representam um fenômeno que confronta a ideia de
uma suposta "neutralidade" científica, buscando reinventar os direitos humanos dentro da
dialética da vida cotidiana. Isto é importante, pois há uma argumentação quanto à ineficácia da
legislação brasileira na garantia de proteção, igualdade e liberdade para o grupo
LGBTQIAPN+, considerando que o Brasil é um dos países com elevados índices de violência
contra esse grupo. Por fim, compreende-se que as violências transcendem a esfera simbólica,
afetando também as subjetividades e as percepções individuais relacionadas aos prazeres e à
corporalidade.

Palavras-chave: Direitos Humanos. LGBTQIAPN+. Diversidade Sexual e de Gênero.

A importância desta análise reside em salientar como a assimilação de conceitos


predominantes na vida social diária da sociedade se manifesta por meio da naturalização de
corpos e comportamentos. Esse fenômeno de naturalização da sexualidade não se limita a uma
manifestação meramente biológica, mas surge dos contínuos intercâmbios, relações e
interações sociais, culturais e políticas que ocorrem diariamente nos diversos espaços e
territórios ocupados por esses indivíduos. As imposições de binariedade, heteronormatividade
e cisnormatividade, ao tornarem obrigatória a vivência da sexualidade conforme seus
imperativos e regras, tudo que foge do padrão e da norma é atacado de diferentes maneiras e
intensidades. Examina-se a capacidade do direito racional de abordar as lacunas deixadas pelo
Estado em relação a grupos historicamente invisibilizados. Os direitos humanos na análise da
Teoria Crítica dos Direitos Humanos são percebidos como um mecanismo orientado a
reestruturar o Direito por meio de disposições críticas e subversivas diante da realidade

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predominante, onde uma minoria favorecida explora a grande parte da humanidade. Esta
dinâmica se dá por meio da estratégia de universalização dos indivíduos, gerando uma
percepção ilusória de igualdade hierárquica entre indivíduos.

Nosso intuito não é esgotar completamente o tema, mas oferecer uma contribuição
relevante ao debate sobre interseccionalidade, com foco na perspectiva dos direitos humanos.
A teoria crítica dos direitos humanos representa um fenômeno que confronta a ideia de uma
suposta "neutralidade" científica e que busca reinventar esses direitos dentro da dialética da
vida cotidiana. (HERRERA FLORES, 2002, 2009). De acordo com Cadermartori e Grubba
(2012, p.7):
Pensar os direitos humanos significa abrir a possibilidade de pensá-los como algo
transitório, um constructo histórico que pode ser reconstruído, em busca de um
mundo livre, sem opressão, sem discriminação, sem exclusão, que não imobilize o
pensamento ou a ação. Reinventar como busca de um mundo instituinte de pessoas –
em suas diferenças, mas na identidade de sua humanidade – e de povos de diferentes
culturas. Para tanto, é imprescindível que a própria Teoria Crítica dos Direitos
Humanos seja modificada de acordo com o contexto histórico-social
(CADERMARTORI, GRUBBA, 2012, p.7).

Os Direitos Humanos ultrapassam os limites da interpretação jurídica convencional e


adentram na proposição de estratégias de combate aos processos hegemônicos que fragmentam
a vivência humana e relegam grupos marginalizados à invisibilidade. Conforme Herrera Flores
(2002, 2009), observa-se uma abstração dos direitos quando grupos marginalizados e seu
contexto social são desconsiderados, enquanto as categorias universais moldadas pela
colonialidade são rigidamente replicadas pelo Direito. Assim, é legítimo reformular as
estruturas para um universalismo que emerge do respeito e da criação de estruturas sociais,
econômicas e culturais que estimulem e fortaleçam a busca pela dignidade humana. Isso
implica na disseminação do valor da liberdade, entendida como uma característica intrínseca
àqueles historicamente foram excluídos das estruturas de poder dominantes. De acordo com a
Teoria Crítica dos Direitos Humanos de Herrera Flores (2009, p.39) afirma que os Direitos
Humanos são resultado “(...) será o conjunto de lutas pela dignidade, cujos resultados, se é que
temos o poder necessário para isso, deverão ser garantidos por normas jurídicas, por políticas
públicas e por uma economia aberta às exigências da dignidade”. O histórico de alijamento
preconceituoso da população LGBTQI+ não parte apenas de pessoas enquanto indivíduos, mas
também de instituições públicas e privadas das áreas da saúde, educação e trabalho, por

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exemplo, mesmo que algumas resoluções normativas tentem estabelecer programas sociais
voltados para esse grupo de pessoas (AMARAL; TONELLI, 2013, p. 13).

De acordo com Scott (1995), gênero é uma categoria de análise sociológica e histórica
que permite compreender que as relações sociais são estabelecidas pelos saberes, ou seja, são
os saberes que dão significados às diferenças sociais e corporais, entretanto, estes saberes não
são absolutos, e modificam-se em cada cultura. “Gênero é, segundo esta definição, uma
categoria social imposta sobre um corpo sexuado” (SCOTT, 1995, p. 05). É dentro deste espaço
que nós devemos articular o gênero como categoria de análise” (SCOTT, 1995, p. 14). Nesse
sentido, existem sujeitos que não são reconhecidos enquanto tais e vidas que jamais serão
reconhecidas como vidas (BUTLER, 2019). E, se esses “sujeitos” e essas “vidas” não são
registrados, sua perda também não será computada ou lamentada. Assim, “a condição de ser
enlutada é uma condição para toda vida que importa (...), sem a condição de ser enlutada, não
há vida (...), há algo que está vivo, mas que é diferente de uma vida” (BUTLER, 2019, p. 33).
Nessa perspectiva, “as vidas LGBTIs não são passíveis de luto, pois não são, nem mesmo,
categorizadas como vidas válidas, de modo que passam a ser sujeitos descartáveis, o que
aumenta sua condição precária com relação ao restante dos indivíduos, sendo alvos constantes
das mais diversas formas de violência” (LELIS, 2018, p. 30)

A manifestação de intolerância na forma de homofobia não apenas prejudica indivíduos,


mas também impacta negativamente a coletividade em sua totalidade. Conforme dados do
Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, em 2020, foram registrados 237 casos
de mortes de pessoas LGBTI+, número que aumentou para 316 em 2021 e se manteve em 273
casos em 2022, configurando situações de crimes de ódio. A análise das entidades indicou que,
apesar desses registros, houve pouca alteração no cenário geral de violência contra essa
população, evidenciando a ausência de medidas efetivas por parte do Estado no combate à
LGBTIfobia. A intolerância atinge o direito à coexistência simultânea das diversas identidades
e expressões da sexualidade. A trajetória do ativismo LGBT no Brasil apresenta mudanças e
reconfigurações significativas, impulsionadas tanto pelas dinâmicas internas da militância
quanto por fatores sociais externos, como alterações na estrutura do Estado brasileiro e eventos
e abordagens internacionais relacionados aos direitos humanos LGBTQI+

Uma vez acionada, a intolerância ofende o princípio da dignidade humana que é um dos
requisitos para a vida democrática. Daí a compreensão de que os chamados crimes de ódio,

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manifestação que merece intensa reprovação jurídica, atentam contra a convivência
democrática.

Conforme evidenciado por Hunt (2009), os direitos humanos não são concebidos como
direitos concedidos de maneira gratuita e absoluta; ao contrário, representam conquistas
humanitárias obtidas por meio de intensos conflitos, lutas e sacrifícios, exigindo esforços
coletivos e individuais ao longo do tempo para serem formalmente reconhecidos e proclamados
em benefício da humanidade.

Como exemplo, a Ação Civil Pública Cível promovida pela Aliança Nacional LGBT
em face da União Federal e do atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro pelas falas
proferidas pelo ministro investida contra os cidadãos com identidade de gênero homossexual
condenando a União Federal ao pagamento de indenização como forma de reparação pelos
danos morais coletivos.

A teoria crítica dos direitos humanos afirma que as normas são apenas instrumentos
para efetivação dos direitos protagonizados pelos sujeitos coletivos numa dinâmica de
mobilização política de grupos sociais pela dignidade humana (HERRERA, 2009). Os direitos
humanos são percebidos como um mecanismo orientado a reestruturar o Direito por meio de
disposições críticas e subversivas diante da realidade predominante, onde uma minoria
favorecida explora a grande parte da humanidade. Esta dinâmica se dá por meio da estratégia
de universalização dos indivíduos, gerando uma percepção ilusória de igualdade hierárquica
entre indivíduos. Expõe Moreira que “as sociedades humanas são atravessadas por relações
hierárquicas de poder, relações responsáveis por diferenciações de status entre grupos sociais,
um processo que possui consequências significativas ao longo do tempo” (MOREIRA, 2020,
p. 86).

A declaração universal dos direitos humanos (ONU, 1948) no seu texto escrito consiste
em trinta artigos, todos começando com a expressão "todo ser humano" ou "nenhum ser
humano". Essa opção linguística enfatiza a abrangência universal da declaração, porém sugere
a concepção de um ser humano único, sem considerar suas particularidades e individualidades.
Esse discurso está fundamentado na noção de meritocracia, que busca obscurecer as
disparidades sociais ao enfatizar uma lógica individualista. No entanto, essa abordagem não
abarca uma análise crítica das oportunidades historicamente desiguais oferecidas aos
indivíduos marginalizados ao longo da história.

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A presença de um considerável contingente de pessoas excluídas e marginalizadas do
processo econômico evidencia as limitações - especialmente em relação à aplicação prática -
em termos de implementação efetiva - da racionalidade e das promessas associadas à
modernidade. Na perspectiva de Michel Foucault (FOUCAULT, 1996), há uma sanção
normalizadora que se articula, em seguida, a uma nova modalidade de poder, o poder sobre a
vida, o que Foucault denominou de biopoder, moldando e regulando as experiências dos
indivíduos. A crítica foucaultiana ressoa na maneira como esse sistema pressupõe normas
sociais, notadamente a heterossexualidade, como ponto de partida, submetendo as experiências
diversas a uma visão normativa restritiva (FOUCAULT, 1996). Dessa forma, o autor denuncia
a violência presente na negação das identidades de grupos invisibilizados na sociedade.

Essa violência transcende a esfera simbólica, afetando também as subjetividades e as


percepções individuais relacionadas aos prazeres e à corporalidade. Tal fenômeno é evidente
até mesmo no cenário legislativo brasileiro, onde a aprovação de projetos referentes à temática
LGBT enfrenta significativa oposição por parte de setores conservadores. Isso ocorre tanto na
promoção dos direitos desse segmento quanto na luta contra a discriminação. A Constituição
Federal de 1988, desde seu preâmbulo, estabelece a valorização da dignidade humana como
diretriz central para a realização plena de toda a humanidade, abrangendo todos os aspectos
necessários à preservação dessa dignidade. Embasada nos princípios da igualdade e da
liberdade, proíbe qualquer forma de discriminação baseada em origem, raça, sexo ou idade.

Considerações Finais

Há uma argumentação quanto à ineficácia da legislação brasileira na garantia de


proteção, igualdade e liberdade para o grupo LGBT, considerando que o Brasil é um dos países
com elevados índices de violência contra esse grupo. Esse comportamento violento pode ser
atribuído à falta de respeito pela orientação sexual desses indivíduos por parte da sociedade.
No contexto legislativo brasileiro, não existia uma normativa específica que caracterize a
homofobia como um crime punível. Diante desta lacuna legislativa que criminalize
explicitamente os atos de homofobia e transfobia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu
que, enquanto o Congresso Nacional não elaborar uma legislação específica, as condutas
consideradas homofóbicas e transfóbicas podem ser enquadradas na tipificação da Lei do
Racismo. Além disso o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou favoravelmente a Ação Direta

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de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 132,1 que equipararam as uniões de pessoas de mesmo sexo às uniões
entre pessoas de sexos diferentes. E o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução
que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável
em casamento. Essas decisões têm importância histórica como uma conquista sem precedentes
para a garantia dos direitos às populações LGBT brasileiras.

Referências

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LELIS, Rafael Carrano; MACHADO, Joana de Souza; PAULA JUNIOR, Mizael Moreira de.
A condição precária de pessoas lgbti+ encarceradas: uma análise da ADPF Nº 527 a partir da
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RIOS, Roger R. Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e nos contextos dos estudos
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SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto
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OS DIREITOS HUMANOS COMO PILAR DA EDUCAÇÃO PELA


DEMOCRACIA NO BRASIL

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Gladys Maria da Costa Mazone
Victória Silveira da Silva Amaral

Resumo

O artigo busca compreender a educação como instituição com primazia na aplicação,


consolidação e expansão dos direitos humanos e, também, como se relaciona ao aspecto do
fortalecimento das práticas sociopolíticas democráticas. A educação pela democracia atinge
diretamente as formas institucionais que se constroem na sociedade e existem na sociedade
civil, que devem ser expressas junto com as formas institucionais das relações sociais. Embora
a educação seja de certo modo, produto do capitalismo, a confrontar-se com sérios desafios que
resultam de novas ideologias ou de novas concepções do papel do Estado reforçando a visão
“libertária” dos direitos, ela não pode abster-se da sua contribuição, designadamente dentro da
proposta de uma democracia comunicativa e de uma democracia como direito humanos, para
a criação de espaços públicos mais democráticos, para o debate público, para a potenciação da
“voz”, para inclusão, para conhecimento e uma aprendizagem das diversas formas através das
quais os direitos humanos podem ser negados, omitidos ou promovidos. O artigo objetiva tratar
da educação para os direitos humanos, na qual precisamos compreender tal significado, refletir
diversos temas e ao tratamento interdisciplinar que deve ser dado ao estudo dos direitos
humanos e da cidadania nas escolas.

Palavras-chave: Diretos. Educação. Cidadania. Direitos Humanos. Democracia.

INTRODUÇÃO

[...] educação para os direitos humanos na perspectiva da justiça, é certamente aquela


educação que desperta os dominados para a necessidade da ‘briga’, da organização,
da mobilização crítica, justa, democrática, séria, rigorosa, disciplinada, sem
manipulações, com vistas à reinvenção do mundo, à reinvenção do poder (FREIRE,
2001, p.99).

A relação entre educação e democracia é intrínseca e fundamental para o


desenvolvimento de sociedades justas, igualitárias e participativas. A educação não apenas
fornece ferramentas cognitivas, mas também molda valores, atitudes e habilidades necessárias
para o pleno exercício da cidadania em uma democracia robusta. Alicerçada nos princípios da
liberdade, igualdade e respeito pelos direitos individuais, a democracia prospera quando os
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cidadãos são educados e informados. A educação não se limita à transmissão de conhecimentos
acadêmicos; ela é a força propulsora que capacita os indivíduos a compreenderem a
importância da participação ativa na sociedade, por meio da consolidação de uma escola cidadã
(GADOTTI, 2002). A democracia pressupõe a inclusão e o respeito à diversidade. O ambiente
educacional desempenha um papel crucial na promoção da compreensão intercultural, do
respeito à pluralidade de perspectivas e da valorização da igualdade de oportunidades para
todos. A educação democrática não apenas reconhece, mas celebra a diversidade como uma
riqueza social (JUNIOR; FEZTNER; SANTOMÉ, 2022).

Direitos humanos, cidadania e democracia no contexto brasileiro

No Brasil, a construção da cidadania foi um processo histórico-social de avanço do


projeto de privilégios, desde nossa colonização (SINGER, 2010). Por conseguinte, temos uma
educação que participa da construção ideológica dos privilégios em detrimento da democracia.
A trajetória da democracia no Brasil é marcada por uma jornada complexa, repleta de desafios,
lutas e transformações ao longo dos séculos. Desde os primórdios da colonização até os dias
atuais, a construção do conceito de cidadania reflete a rica diversidade e as tensões presentes
na história brasileira.

Durante o período colonial, a cidadania era reservada a uma elite restrita, composta
principalmente por portugueses brancos e proprietários de terras. A população indígena e os
africanos escravizados eram excluídos desse conceito, enfrentando a marginalização e a
ausência de direitos básicos. Com a independência e a instauração do Império, a cidadania
permaneceu limitada. A Constituição de 1824, embora tenha estabelecido a igualdade perante
a lei, ainda excluía amplas camadas da sociedade, mantendo a escravidão e restringindo os
direitos políticos (BORIS, 2008; PRIORI, 2016).

A abolição da escravatura, em 1888, foi um passo significativo na evolução do conceito


de cidadania no Brasil. No entanto, a liberdade concedida aos ex-escravizados não foi
acompanhada por uma inclusão efetiva na sociedade. A abolição deixou um vácuo social, sem
políticas de inclusão, contribuindo para a persistência de desigualdades (BORIS, 2008). O
advento da República em 1889 trouxe consigo a promessa de uma cidadania mais ampla. No
entanto, ao longo do século XX, desafios persistiram. As lutas por direitos, como o voto
feminino e a busca por participação política mais efetiva, foram enfrentadas em meio a regimes
autoritários e movimentos de resistência (MORAES, 2010; CANÊDO, 2010).

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A redemocratização do Brasil nas décadas de 1980 e 1990 representou outro marco na
história da cidadania. A promulgação da Constituição de 1988 consolidou princípios
democráticos e estabeleceu direitos fundamentais para todos os cidadãos. No entanto, as
desigualdades sociais, econômicas e raciais ainda persistem como obstáculos para a plena
efetivação da cidadania (SCHWARCZ, 2019). Marco importante em nossa história foram os
movimentos sociais e a sociedade civil que, ao longo de nossa história, lutaram pelos direitos
políticos, sociais e civis. Como a luta pela recuperação do regime democrático, após a Ditadura
Civil-Militar (1964-1985). Como fruto dessa luta obtivemos a promulgação da Constituição de
1988 - momento de reconstrução no país - fundamentada nas bases da Declaração Universal
de Direitos Humanos, direitos esses garantidos na Constituição como fundamentais (GOMES
DE JESUS, 2013).

Direitos Humanos e Garantias Fundamentais no texto Constitucional (1988)

A Constituição Federal promulgada em 1988, informalmente chamada de Constituição


Civil, melhor corresponde ao diploma da Constituição Brasileira para fins de explicação e
reconhece a riqueza do ser humano. Os Diretos são essenciais fundamentais, colocando-os no
topo dos sistemas jurídicos nacionais, estando todo o resto essencialmente subordinado a lei e
tratado como órgão regulado através das normas constitucionais. O artigo 4º da Constituição
Federal reconhece a supremacia dos direitos humanos sobre os demais no âmbito da
cooperação entre os povos para o avanço da humanidade (artigo 4º-IX), e dispõe sobre
reconhecer e reproduzir princípios e direitos.

O documento de 1988 introduziu uma ordem econômica baseada na livre iniciativa, na


livre concorrência, na propriedade privada, em princípios de origem liberal e com princípios
de origem socialista, como a função social da propriedade, o pleno emprego e dignidade. Além
dos direitos de terceira geração, como os direitos do consumidor e os direitos ambientais, o
trabalho humano também está incluído. Esses direitos e garantias fundamentais estão expressos
no Título II da Constituição Federal na seguinte estrutura: Deveres (capítulo I), Direitos sociais
(capitulo II), Nacionalidade (capítulo III), Direitos Políticos (capítulo IV) e Partidos Políticos
(capítulo V). Esses direitos e garantias fundamentais através de políticas públicas eficazes que
garantam o cumprimento efetivo dos preceitos e normas fundamentais e, em particular,
daquelas que conduzem a redução das desigualdades sociais, fazendo e apoiando o pleno
exercício dos direitos civis.

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Nesse sentido, o alerta de Candau (2013) é relevante pois a luta pelos direitos humanos
acontece todos os dias na nossa vida quotidiana e tem um impacto profundo em cada um de
nós e em todos os ambientes sociais. Não é apenas uma crença teórica que torna os direitos
uma realidade, a menos que esta crença seja traduzida em atitudes e ações práticas que
indiquem como pensamos, sentimos, agimos e vivemos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos: educação para a diversidade

Muito se fala que a Declaração Universal é deveras genérica e cumpre um papel inócuo.
A essa questão Norberto Bobbio (1992) respondeu explicando que a Declaração Universal é
um tipo de ‘conhecimento histórico profético’ porque foi balizar na história da humanidade,
justamente por conta da universalidade da proposta, apesar das diversidades culturais, políticas,
étnico-raciais, sociais, religiosas dos países. O que Bobbio nos fala é que a Declaração
Universal é um conhecimento, um passo inicial de uma vasta e ampla jornada onde cada país
signatário deverá ao seu modo e de acordo com suas demandas expandir e torná-la cada vez
mais significativa e menos genérica e mais específica.

Ao longo dos anos a própria Declaração Universal foi se atualizando, por meio de
diversas conferências reunindo diversas nações, não somente as fundadoras, mas agregando
cada vez mais a fim de atualizar e complementar tal documento (HUNT, 2012). O Brasil teve
grande participação nessas conferencias e se tornou exemplo de grandes propostas e
articulações, tendo como a Educação seu maior pilar defensor, diversas pautas propostas em
diversas conferências, foram de suma importância para inclusão e reflexão para repensar o
modelo de Educação no país e no mundo de modo a garantir como direito fundamental. Tais
pautas como: A luta pela escola pública na década de 1950, a luta pelo acesso à escola de
crianças e adolescentes de zonas rurais, a Educação da mulher e desenvolvimento, educação
étnico racial, onde entram lideranças indígenas e afro-brasileiras nas cadeiras de representação
internacional e onde discutimos sobre o sistema de cotas.

No Brasil, infelizmente, muitas vezes, aprendemos acerca dos direitos humanos pela
sua violação e/ou negação. A violação nos alerta e faz perceber que o direito que tínhamos – e,
nem dávamos importância – precisa ser constantemente (re)conquistado; afinal, os direitos não
estão dados, precisam ser reafirmados constantemente. A educação pode ser uma importante
aliada na consolidação da cidadania via uma educação pela/na democracia. Na educação que
podemos atuar no sentido de que nossas pesquisas e práticas docentes auxiliem a formar essa

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consciência do ‘direito a ter direitos’, de que fala Hannah Arendt; a formar o conhecimento,
desde cedo, dessas construções históricas que fazem a história social humana, nos intervalos
das diferentes opiniões, porque é a história que se constrói com diálogo e negociação, por meios
não-violentos, ainda que muitas vezes possam ser conflituosas e de difícil negociação
(ARENDT, 1989).

Mas, apesar de grande atuação no cenário internacional e tantas conquistas na


diplomacia, de maneira geral, o nosso país toma um rumo na contramão do não-conflito,
embora muito se fale em democratização e direitos para todos - como está garantido na
Constituição Federal de 1988 - esses direitos não são cotidianamente garantidos a todos. Como
o acesso à educação de qualidade que é direito fundamental e garantido, não é acessível a todos
de maneira igualitária. O Brasil, ao contrário do que se prega nas grandes mídias de massa, é
um lugar violento e autoritário, para não dizer vertical, hierárquico está polarizado entre a
carência e o privilégio, onde encontramos resistências e bloqueios à instituição dos direitos
civis, econômicos, sociais e culturais, isto é, dos Direitos Humanos. E a violência aqui citada
não se trata de criminalidade, mas tudo aquilo que atenta contra o indivíduo e sua capacidade
de ser, pensar, ou seja, que vai do físico ao psíquico. Em nossa sociedade, as diferenças sociais
e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades, e estas, em relação de
hierarquia (mando e obediência) (SCHWARCZ, 2019).

A educação para a cidadania incentiva a participação cívica ativa desde os primeiros


anos escolares. Projetos práticos, simulações e atividades extracurriculares são ferramentas
poderosas para envolver os alunos em questões sociais, instigando um senso de
responsabilidade para com a comunidade. A educação para a cidadania começa com uma
compreensão clara do que significa ser um cidadão responsável. Os alunos exploram os direitos
e deveres associados à cidadania, entendendo que a participação ativa na comunidade vai além
do exercício do voto, incluindo a defesa de valores como justiça, igualdade e respeito.

Direitos humanos e educação: cidadania crítica

A interseção entre educação e direitos humanos é vital para o desenvolvimento de


sociedades justas e inclusivas. Paulo Freire destacou a importância da educação como um ato
político que transcende a simples transmissão de conhecimento. Para o autor, a educação tem
um potencial de transformação social porque transforma pessoas que, como cidadãs, atuam na
construção da vida em sociedade (FREIRE, 1979). O filósofo John Dewey complementa essa

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visão ao enfatizar que a educação não é apenas a preparação para a vida, mas uma parte integral
dela. Ele argumenta que a educação deve cultivar a capacidade crítica e reflexiva dos alunos,
permitindo-lhes não apenas adquirir conhecimento, mas também compreender e desafiar as
injustiças. Nesse sentido, a educação torna-se um meio essencial para a promoção e defesa dos
direitos humanos, forjando cidadãos conscientes e comprometidos com a construção de
sociedades mais justas e equitativas.

Candau (2013) aborda a importância de uma cidadania crítica como um componente


essencial da formação dos indivíduos. De acordo com seu pensamento, a cidadania crítica não
se limita à mera compreensão de direitos e deveres, mas envolve uma postura ativa na
sociedade. Ela destaca a necessidade de uma educação que vá além da transmissão de
informações, enfatizando a importância de desenvolver a capacidade dos alunos de questionar,
refletir e agir diante das injustiças sociais. Candau argumenta que uma cidadania crítica implica
não apenas conhecer os problemas sociais, mas também engajar-se na transformação dessas
realidades. Ao integrar a perspectiva de Candau, a educação para a cidadania crítica torna-se
um processo dinâmico e emancipador. Ela inspira os alunos a se tornarem agentes de mudança,
capazes de analisar criticamente as estruturas sociais, confrontar desigualdades e contribuir
para a construção de uma sociedade mais justa. A visão da sobre a cidadania crítica ressoa
como um convite à formação de cidadãos ativos e conscientes, comprometidos em reinventar
não apenas a escola, mas também a própria sociedade em que estão inseridos (CANDAU,
2013).

Implementar a cidadania crítica na escola requer uma abordagem pedagógica que vá


além dos conteúdos tradicionais e promova a formação integral dos alunos. Professores
desempenham um papel crucial ao criar ambientes educacionais que incentivem o diálogo, a
reflexão e a participação ativa, contribuindo assim para a formação de cidadãos críticos e
engajados.

A educação como direito humano

A educação é, antes de tudo, um dever para com a pessoa. Em outras palavras é, uma
relação dialógica. É um ato de amor, um ato de transformação, lembra Paulo Freire. Para o
antropólogo Carlos Rodriguez Brandão, ninguém escapa da educação. Em casa, na igreja, na
escola, todos nós participamos de alguma forma de vida: aprendendo ou ensinando.
Combinamos vida e educação a cada dia para conhecer, agir e conviver. Porém, não

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confundimos educação com vida. Nesse sentido, a educação, entendida como um compromisso
com o indivíduo, com a humanidade, não só pode desempenhar um papel fundamental, como
deve desempenhar esse papel na construção e desenvolvimento de uma consciência cívica
preocupada com a defesa e afirmação da sociedade. Isso porque, como afirma Gadotti, o direito
humano a cidadania tem sua origem no próprio ser humano em sua formação. A essência das
considerações educacionais é a condição humana, o homem e a antropologia (BRANDÃO,
1986).

O direito a educação faz parte da Declaração (Artigo 26) e, conforme afirmado no


Preâmbulo, a implementação dos direitos humanos está ligada a intervenções educativas. As
escolas e os professores são mais uma vez chamados a desempenhar um papel importante na
promoção e defesa dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos em
seu artigo 4 e a Constituição Federal em seu artigo 205 determina que: “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Desse modo, o Estado partilha a responsabilidade
pela educação de cada individuo com a sua família como um direito e um dever, e expressa-a
coletivamente na medida em que requer a participação da sociedade neste processo
(ANDRADE, 2006).

Portanto, a função social da educação no Brasil é proporcionar acesso ao conhecimento


humano com o objetivo de preparar os alunos para a vida e o trabalho, com o objetivo de
proporcionar aos alunos o pleno exercício do conhecimento. O objetivo é incutir informações
e ações que incentivem e garantem esse processo de cidadania. Educação para a cidadania
significa educação para demonstrar a credibilidade da democracia na intervenção em questões
sociais e culturais. A escola, enquanto instituição formal, é um importante canal de formação
de cidadãos conscientes e críticos do seu papel como sujeito de direitos e deveres, bem como
do seu compromisso duradouro como ser humano como agente de mudança social, sendo
esta,um importante via de confirmação. A escola será um espaço privilegiado de debate
democrático e de afirmação de seus valores, bem como uma autoridade social para a construção
de valores éticos e a formação da cidadania individual e coletiva (CANDAU, 2013).

Considerações finais

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Ao presumir que a educação é um direito do cidadão, não podemos usa-la como simples
fator de transmissão de conhecimentos ou como habilitação rápida de jovens ou adultos que
precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho como máquinas com longas e exaustivas
jornadas de trabalho que serão brevemente descartas por serem considerados obsoletos. Muito
menos, podemos tomá-la como forma de adestramento para obtenção de competências onde
todos seus outros talentos e aptidões serão deixadas de lado já que não servem ao propósito do
sistema, sendo assim, negadora dos direitos em nome de privilégios. Outrossim, não podemos
colocá-la serviço da chamada “sociedade do conhecimento”, isto é, do saber como força
produtiva do capital.

Se a educação é um direito, precisamos pensar na educação no sentido profundo que


possuía em sua origem, isto é, como formação integral da pessoa humana e como formação
para a cidadania, isto é, como direito de todos – crianças, jovens e adultos – para se libertar dos
preconceitos e da violência e ter acesso ao conhecimento e à de criação de conhecimento
(CANDAU, 2013). Deixando de ser vitima da manipulação dirigente e tomar seu lugar na
sociedade. A educação que prioriza os Direitos Humanos trabalha para desfazer criticamente
os preconceitos sociais, políticos e culturais e, dessa maneira, trabalha criticamente contra o
exercício da violência, isto é, contra aceitação da naturalidade da injustiça e da exclusão de
uma parte da humanidade da condição de dos seres humanos (FISCHMANN, 2009).

A formação pelos Direitos Humanos considera o exercício do pensamento como um


direito porque é ele que nos lança na indagação, que nos pede reflexão crítica, questionamentos,
descoberta, invenção por meio da criatividade. Portanto, se quisermos falar sobre educação
para os direitos humanos, precisamos compreender o que significam direitos humanos e
educação. Vale ressaltar que a educação para os Direitos Humanos esta diretamente
relacionada com o aspecto de integração das práticas sócio-políticas democráticas e é
reconhecida como uma miríade de relações construídas na sociedade e expressas não apenas
em formas institucionais, mas também pelos cidadãos, abrangendo também os resultados das
formas organizacionais (FISCHMANN, 2009).

Referências

ANDRADE, P. V. Teoría crítica de la educación y derechos humanos: Lineamientos para


uma propuesta educativa. León: Universidad de Léon, 2006

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São Paulo, Faculdade de Educação: São Paulo, 2009. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/QPz7bgW7FmF3K4tbVRHVNMt/ Acesso em: 12 jan. 2024.

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EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE: ABORDAGENS DE GÊNERO E


SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA)

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Lucas Santos de Assis
Natália Luczkiewicz da Silva
Flávia Colen Meniconi

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a percepção de estudantes de uma
turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) frente a discursos que propagam a ideia de que
as manifestações sexuais que destoam da heteronormatividade são doenças e/ou pecado. Para
tanto, foram desenvolvidas aulas temáticas, na disciplina de Língua Portuguesa, em uma escola
pública do estado de Alagoas. Em relação à metodologia, configura-se como uma pesquisa-
ação interventiva (Thiollent, 1986) e os dados foram analisados de forma qualitativa. A
pesquisa está fundamentada na teoria da decolonialidade, partindo das discussões de autores
como: Quijano (1999), Maldonado-Torres (2018), Walsh (2013) etc.; com enfoque na
colonialidade de gênero Lugones (2010; 2022), Butler (2022) e Bezerra (2023). A partir da
análise dos dados, verificou-se que, apesar de convivermos com diversos avanços no que diz
respeito à temática abordada, estamos longe de ressignificar esses discursos de inferiorização
do outro, isso foi observado a partir do desafio que enfrentados para desenvolver essas aulas
na escola, bem como da resistência e/ou desconhecimento dessas questões por parte dos alunos.
Por outro lado, considera-se salutar o desenvolvimento de pesquisas como esta, para que seja
possível, mesmo que aos poucos, contribuir para uma sociedade mais inclusiva e menos
intolerante.

Palavras-chave: Colonialidade de gênero. Educação de Jovens e Adultos. Ensino Médio.


Língua Portuguesa.

O ESPAÇO DO SABER COMO O LOCAL DA REFLEXÃO SOBRE A


DIGNIDADE HUMANA

Joathan Alves da Silva

Resumo

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Discutimos neste trabalho sobre a docência, pelo viés da dignidade humana, objetivamos
evidenciar a função social da escola relacionando aos direitos humanos, para tanto, utilizamos
como metodologia uma pesquisa bibliográfica que se apropria de Freire, Araújo e Aquino, a
BNCC e entre outros, relacionando a teoria à docência, indagando como as práticas
pedagógicas podem ser melhor aproveitadas na discussão proposta, e como sua efetivação tem
influência no todo social. Diante disso, acreditamos ser a sala de aula o local propício para
formação social, espaço de relações que geram debates que envolva a dignidade humana, a
relação com o todo.

Palavras-chave: Educação. Dignidade Humana. Saberes. Prática Docente.

INTRODUÇÃO

A prática docente desenvolve no educador a percepção sobre as várias realidades que


envolvem a escola, os educandos, suas famílias, o contexto econômico e o lugar social destes.
Para Alves “um educador é um fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de
projetos” (2005, p. 37), diante da constatação, o educador assume papel fundamental na
engrenagem social, onde percebemos que o ato de educar colabora de maneira direta na
construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Com isso, objetivamos analisar neste
ensaio o valor da dignidade humana partindo da teoria, aplicado ao ato de educar.
Para tanto, adotamos como metodologia uma pesquisa bibliográfica, sobre a qual nos
apropriando de Freire, Araújo e Aquino, a BNCC e entre outros. Buscando evidenciar a partir
destes, além dos demais, como o espaço escolar intervém na formação integral, com o todo da
sociedade. Com isto, questionamos como a formação humana (social) tem sido aproveitada nas
disciplinas pedagógicas já pré estabelecidas, e sua importância no desenvolvimento social.

Dessa maneira, justificamos que na base educacional deve-se prezar por um ensino que
envolva práticas pedagógicas que formem a consciência dos educandos para além da sala de
aula, possibilitando discussões sobre desigualdades, gênero e afetividade, pobreza e miséria,
além de vários outros tipos de violações humanas sobre o qual somos bombardeados e
violentados todos os dias em nossa dignidade.

PERSPECTIVAS DA DIGNIDADE HUMANA SOB A ÓTICA DIDÁTICA

Desigualdades, injustiças, sobreposição de uns sobre os outros, sempre permearam a


história da humanidade, “a história de nosso período é, portanto, desigual” (HOBSBAWM,

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2002, p. 21). Este cenário evidencia com mais clareza as rachaduras e fissuras presentes no
progresso (BAUMAN, 2001 p. 168), a atualidade, caracterizada pela liquidez, mostra-nos
novas formas de desigualdades, “seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda
mudança que o advento da ‘modernidade fluida’ produziu na condição humana” (IBIDEM, p.
15). Dados os fatos, a prática docente, amparada pela BNCC, instiga-nos a trabalhar na inserção
das realidades, visto que a ação pedagógica se solidifica na veracidade do chão social dos
envolvidos no processo educacional, daí a necessidade do dialogismo entre a escola e
comunidade, teo

O comprometimento da rede educacional em experenciar aos alunos uma formação


integral, delineada nos direitos humanos, é critério da BNCC, o próprio termo aparece 64 vezes
no documento, visto sua importância, além disso, “esta Base Curricular Comum descreve que
caberá aos sistemas de ensino a inclusão das matérias relacionadas aos direitos humanos como
temas transversais de forma integradora, dialogando com todo o currículo” (SILVA, 2020, p.
46). Nesse solo pedagógico percebemos que é necessário “desnaturalizar qualquer forma de
violência nas sociedades contemporâneas, incluindo a violência simbólica [...] valores e
conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes
culturas [...]” (BRASIL, 2018, p. 59. Grifo nosso).

Para Freire (1996, p. 23) “ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos”, se a


educação não reflete as contradições sociais, se torna bancária, estéril, preocupada apenas em
depositar conteúdo (IBIDEM, 1987, p 37). É a reflexão crítica que pressupõe a empatia, a
educação como prática da liberdade é a que se propõe a reflexão autentica sobre os homens em
suas relações com a humanidade (IBIDEM, p. 45).

DIREITOS HUMANOS E DOCÊNCIA: A EFETIVAÇÃO É POSSÍVEL?

A declaração Universal dos direitos humanos em seu preambulo, explicita que haja um
esforço mútuo a fim de que esses direitos possam ser promovidos e respeitados, “[...]se
esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades
[...]” (DECLARAÇÃO, 1948, preambulo, p. 02). Nessa situação, a formação humana (social)
assume papel integrador do discente à sua realidade.
Relevante destacar também a adoção do Plano Nacional em Educação em Direitos
Humanos em 2006, “esse plano foi o estabelecimento do compromisso estatal para a promoção
da educação em direitos humanos no âmbito de incidência da soberania brasileira” (SILVA,
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2020, p. 43). Infelizmente nos últimos anos, dado a questões ideológicas dos governos que
estiveram à frente do Brasil, esses valores foram sendo cada vez mais distorcidos.
Ponderando sobre as tribulações próprias da liquidez dos tempos, Araújo e Aquino
(2001, p. 9) constatam que “a noção de crise de valores na sociedade atual tornou-se lugar
comum [...]”, evidenciando que essas mudanças atingem as várias esferas da sociedade. É nesse
contexto de fragmentações que trabalhamos, e por isso o espaço educativo assume um lugar de
confiança, do alargamento da visão de mundo.

Quando as crianças participam de uma relação em que não são excluídas, e são
reconhecidas nas suas potencialidades, elas adquirem condições para exercitarem a
sua escrita com segurança e empoderamento [...] essa segurança passa pelo
reconhecimento da professora, o ideal seria que passasse pelo reconhecimento da
escola e da estrutura social, reconhecimento de que somos humanos e nos
humanizamos nas relações de cuidado também. (VARANI; CAMPOS; ROSSIN,
2019, p. 188. Grifo nosso).

Para as autoras a abertura para discutir direitos humanos se dar no ato de educar, ou
melhor, como educar. O reconhecimento dos passos dados pelos alunos no caminho da
humanização, incentiva a não se contentar com o raso, enriquece e instiga a romper com a
estrutura social adversa, que teima em nos acostumar com as incoerências sociais, “não aceitar
como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os
comportamentos de nossa existência cotidiana: jamais aceitá-los sem antes havê-los
investigado e compreendido” (CHAUI, 2000, p.09). Teria a escola a tarefa de formular a
consciência crítica dos educandos, a fim de não aceitar o óbvio.
Entendemos que é na prática docente que a transformação social acontece, “ou seja,
educar na perspectiva do pensamento e ressignificar o mundo que habitamos é uma urgência”
(VARANI; CAMPOS; ROSSIN, 2019, p. 188), é nesse contexto que podemos alargar a
discussão sobre a dignidade humana em qualquer disciplina didática, “é a consequência de uma
reflexão que o homem começa a fazer sobre sua própria capacidade de refletir. Sobre sua
posição no mundo. Sobre o mundo mesmo. Sobre seu trabalho. Sobre seu poder de transformar
o mundo” (FREIRE, 1967, p. 142). Essa conscientização muda a maneira de ver e agir no
mundo, a consciência leva a tomada de decisão. Essa mudança de concepção remete a uma
mudança social, uma nova maneira de entender o mundo e de agir sobre este, que só será
alcançada com uma educação libertadora, quando os educadores e a educação refletirem as
questões sociais. Para tanto, seria necessário um compromisso de todos que fazem parte da

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educação. Na compressão de Carvalho e Colombani (2020, p. 17) isso só seria possível através
de;

Uma política educacional que garanta uma formação que enfrente a banalidade do
mal, concretizada em inúmeros casos de injustiças, violências e intolerâncias desses
tempos sombrios, deveria garantir aos educadores as condições para que, diante dos
desafios na sala de aula, eles possam educar para e no pensamento e,
consequentemente, para e em valores.

Efetiva-se a educação em direitos humanos na teoria, nos documentos, pois, como visto,
legislação existe, contudo, na prática escolar a legitimação disto se dar a passos lentos, de modo
que alguns docentes pouco ou nada discutem. Em todo caso, uma boa iniciativa para atividades
surge com Araújo e Aquino em “Os direitos humanos na sala de Aula: a ética como tema
transversal”, sobre o qual os autores propõem a educação em valores que significa “dar as
possibilidades da construção dos mesmos por meio das mais diversas trocas dos alunos com
outros elementos da comunidade escolar e externa à escola e com as mais variadas produções
culturais” (MENIN, 2003, p. 335).
Os citados autores recomendam ainda atividades pedagógicas adaptáveis a serem
desenvolvidas no espaço educativo, que se alinham a qualquer componente curricular, como é
o caso da seguinte sugestão; “no início da aula, sugerimos que se entregue um texto aos
estudantes, solicitando que reflitam individualmente [...] O objetivo desse primeiro momento,
é permitir que cada um expresse seu próprio pensamento [...]” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p.
54). A atividade possibilita aos estudantes a capacidade de se expressar, a partir de sua maneira
de ver e entender o mundo, e ao docente, a capacidade de compreensão do outro.
Como visto, o leque para discutir direitos humanos é vasto e se encaixa em qualquer
disciplina, sem a necessidade de distanciar-se do que está proposto dentro do currículo escolar,
seria utilizar aquilo que se dispõe, abordando questões da dignidade do homem. Dessa forma
seria a formação humana, aplicada de maneira “efetiva” no ensino básico, o caminho para
formação de uma nova mentalidade, partindo daquilo que tange a definição de direitos
humanos, instigando, dentro do espaço escolar, as mudanças que são necessárias nas relações
sociais e humanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresenta-se um cenário desafiador à prática docente, onde as relações sociais são


estabelecidas no instantâneo, no imediato, no liquido. Diante de tal quadro se torna cada vez
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mais necessário uma educação que forme para além dos muros da sala de aula, para a sociedade,
irmanados com a consciência do todo, de iguais.

Dessa maneira, ao pensar a educação deve-se entender que esta é parte de um processo
que parte da necessidade do coletivo, e é neste viés que a formação proposta pela escola deve
enveredar, através de um caminho que conscientize sobre os nossos direitos – e também
deveres – de modo que a prática docente atinja o discurso dos direitos humanos, na reflexão
sobre a dignidade humana.

Essa mudança de paradigma somente se alcançará quando o viés da dignidade humana


assumir a prática docente, estabelecendo relações entre os saberes pré estabelecidos e o
discurso dos direitos humanos, assumido na sala de aula como competência, como critérios
para uma nova conjuntura humanizada.

REFERÊNCIAS

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Terra, 1996.

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meio da (in)formação de alunos-professores. Dissertação (Mestrado profissional em ensino de
Humanidades) – Instituto Federal do Espirito Santo, Programa de Pós-graduação em Ensino
de Humanidades. Vitória/ES, 2020, 155 f.

VARANI, Adriana; CAMPOS, Cristina M; ROSSIN, Elizabeth. A formação humana integra


a educação integral? O que as práticas pedagógicas têm a nos dizer. Cad. Cedes, Campinas,
v. 39, n. 108, p. 177-192, maio-ago., 2019. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ccedes/a/jJDVLwBtf5NqqK3ghXM5cfF/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 18 jan. 2024.

DIÁLOGOS ESCOLARES SOBRE O RESPEITO ÀS IDENTIDADES


AFRODIASPÓRICA E EXPRESSÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA PELO ESPECTRO DO ENSINO
DE ARTE

Antônia Mary Pereira da Silva

Resumo: Este artigo objetiva refletir e entrecruzar diálogos escolares sobre o respeito às
identidades afrodiaspórica e expressões de gênero na Educação Profissional e Tecnológica pelo
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espectro do Ensino de Arte. A população negra é maioria no Brasil, pensar uma educação
antirracista na escola implica incluir as contribuições e saberes dos povos africanos, sua cultura,
arte e modos de existir, reconhecendo sua diversidade e valoração das identidades
negligenciadas ao longo do tempo por uma cultura de apagamento das contribuições que
integram a população afro descendente na formação do povo brasileiro, ora forjada pela
escravidão. Dessa forma, as diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais
impulsionada pela lei 10.639\03 que trata da obrigatoriedade do ensino de História e cultura
afro-brasileira na escola prevê a necessidade de valorar o direito do cidadão, universalizando
as questões emergentes a diversidade cultural na educação profissional. Para tanto, no estudo
indagamos, como entrecruzar diálogos escolares sobre o respeito às identidades afrodiaspórica
e expressões de gênero na Educação Profissional e Tecnológica pelo espectro que do ensino de
arte? A metodologia versa uma abordagem qualitativa, exploratória, descritiva com base na
metodologia triangular para o ensino de arte.

Palavras-chave: Identidades Afrodiaspóricas. Expressões de gênero. Educação Profissional.


Ensino de Arte.

DA INVISIBILIZAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA EM CONFLITO COM A


LEI: “NINGUÉM ME VIA NA ESCOLA MESMO”

José Heleno Ferreira

Resumo

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O texto apresenta uma análise do trabalho de extensão realizado com adolescentes acautelados
no Centro Socioeduticativo de Divinópolis MG durante os anos de 2015 a 2019. A garantia do
direito à escolarização e da cidadania foram as premissas básicas do trabalho realizado e a arte
a ferramenta estratégica para o envolvimento dos adolescentes nos debates propostos. Os
resultados evidenciam a potencialidade das atividades artísticas na perspectiva da construção
da autonomia e no processo de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei.

Palavras-chave: Adolescentes. Conflito com a lei. Educação. Direitos Humanos. Arte.

INTRODUÇÃO

“Ninguém me via na escola mesmo...” Esta foi uma das observações ouvidas de
adolescentes evadidos da escola durante o trabalho com meninos acautelados no Centro
Socioeducativo de Divinópolis, MG, entre os anos de 2015 e 2019, com fomento do Programa
de Apoio à Extensão da Universidade do Estado de Minas Gerais (PAEX – UEMG). A
expressão do adolescente revela e a realidade dos meninos em situação de vulnerabilidade
social e denuncia a flagrante violação dos direitos humanos representada pela evasão escolar,
que agrava os problemas enfrentados por esta parcela da população.

Ao analisar este trabalho de extensão, busca-se discutir as bases legais que garantem a
escolarização como direito humano e o processo de construção de uma instituição escolar dual
e excludente.

EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

O reconhecimento do direito à escolarização está preconizado pela Declaração


Universal dos Direitos Humanos (1948), da qual o Brasil é signatário (artigo 26). Além da
premissa básica, ao afirmar que todos os seres humanos têm direito à educação, afirma-se ainda
a obrigatoriedade e a gratuidade da escolarização fundamental, que deverá promover a cultura
da paz e do combate à violência e a todo tipo de discriminação. Tal afirmação está presente
também na Convenção dos Direitos da Infância das Nações Unidas (ONU, 1990),
particularmente, nos seus artigos 28 e 29.

Na contemporaneidade, é possível afirmar que todos os países democráticos consagram,


em suas legislações, o direito à educação. É o caso do Brasil que preconiza esse direito na sua
carta magna, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1990), e no Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990).
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Compreende-se que o acesso à educação escolar é condição para que o sujeito possa
acessar e usufruir outros direitos fundamentais. Tem-se, pois, que o direito à educação é um
direito de cidadania e que negá-lo é violar os direitos fundamentais da pessoa humana. E como
o acesso aos direitos fundamentais alimenta a consciência do direito a ter direitos, à medida
que avança a conquista da escolarização, avançam também as lutas pelos direitos fundamentais,
inclusive a compreensão de que não basta ter acesso à escola, não basta estar matriculado. É
preciso também garantir o direito à aprendizagem.

ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL E EVADIDOS


DO PROCESSO ESCOLAR

O município de Divinópolis, MG possui, aproximadamente, 230 mil habitantes. Desse


total, 40,8% não possuem o ensino fundamental completo – inclusos, nesse percentual, os
analfabetos. Apenas 49,11% dos jovens de 18 a 20 anos concluíram o ensino médio. Entre os
adolescentes de 15 a 17 anos, apenas 68,60% possuem o ensino fundamental completo[1].

Embora o município, assim como todo o país, tenha universalizado a oferta do ensino
fundamental, não há dados confiáveis acerca da evasão escolar – em torno de 1,49%, no final
do ensino fundamental. A inexistência de um levantamento socioeconômico da realidade dos
adolescentes, bem como a ausência de políticas públicas de acompanhamento dos alunos
evadidos não permitem afirmar com segurança dados acerca da realidade desses meninos e
meninas. Essa situação foi problematizada pelo Fórum Municipal de Educação de Divinópolis
e expressa do Plano Decenal Municipal de Educação 2015-2024 (FERREIRA, 2016), com o
apontamento de metas a serem alcançadas no enfrentamento do problema.

Tem-se cada vez mais claro que a evasão escolar precisa ser discutida no âmbito do
debate acerca da segurança pública. Pesquisa realizada por Rolim (2016) destaca a estreita
relação entre violência e evasão escolar. Em um trabalho inédito no país, o pesquisador ouviu
111 jovens acautelados em Centro Socioeducativos no Rio Grande do

Sul e amigos de infância indicados por esses mesmos jovens que não se envolveram com a
criminalidade. O resultado da pesquisa aponta um dado de extrema relevância: a totalidade dos
jovens ouvidos havia evadido da escola por volta dos 11-13 anos de idade. Dessa forma, a
hipótese com a qual o pesquisador inicialmente trabalhava – a de que a convivência familiar
conflituosa fosse a principal causa do envolvimento dos jovens e adolescentes com a
criminalidade – deu lugar à evasão escolar. O sociólogo aponta ainda o fato de que os
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adolescentes, evadidos do processo escolar, tornam-se alvo dos grupos ligados ao tráfico e ao
esquema de formação para a violência.
Evadidos – ou expulsos, ainda que a expulsão não se dê de forma legal – do ambiente
escolar, os adolescentes tornam-se alvo fácil do tráfico de drogas que os utilizam como mão de
obra barata e, em pouco tempo, aderem à criminalidade, seja em busca de status, de acesso a
bens materiais ou mesmo diante da necessidade de vincular-se a um grupo de referência. Esta
é a realidade dos adolescentes entrevistados por Rolim (2016) e também dos meninos com os
quais foram desenvolvidas as ações extensionistas aqui analisadas.

Adolescentes em privação de liberdade


No Centro Socioeducativo de Divinópolis foram desenvolvidas as “Oficinas de
Educação em Direitos Humanos” com adolescentes em conflito com a lei internados no Centro
Socioeducativo – uma possibilidade de emancipação”. A falta de perspectivas dos adolescentes
acautelados nos centros socioeducativos em relação a uma nova realidade, causada
principalmente pelo isolamento social e pela institucionalização, justifica a relevância social
deste trabalho. Além disso, destaca-se a contribuição à garantia de direitos dos adolescentes
em situação de internação, expressos no artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) (BRASIL 1990), mais especificamente em seus incisos XI, que garante o direito de
receber escolarização e profissionalização, e XII, de realizar atividades culturais, esportivas e
de lazer.
Os adolescentes inseridos nos centros socioeducativos, ao serem internados, têm
reduzidas suas esferas de convivência, são exilados do convívio social por um longo período,
passam a conviver com as mesmas pessoas, num mesmo lugar, com regras comuns a todos e
realização de tarefas e atividades impostas. Estão inseridos numa “instituição total”,
instituições essas que têm como característica o “desculturamento”, que, segundo Goffman
(1974, p. 23), é também chamado de "destreitamento", ou seja, uma condição que incapacita o
internado, temporariamente, para alguns aspectos de sua vida diária.
Essa condição de afastamento e isolamento, sem o apoio do seu mundo doméstico, em
geral provoca uma série de "rebaixamentos, degradações, humilhações de profanações do eu"
(GOFFMAN, 1974, p. 24) e é geradora de ressentimento e este nos faz prisioneiros, e “se va
alejando de la zona expressiva y activa de la persona (SCHELER, 1944, p. 147). Tal condição
é geradora de violência e não promove, junto ao adolescente, perspectiva alguma de
emancipação.

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Isso posto, o trabalho orientou-se no sentido de contribuir para o resgate da zona de
expressividade e vitalidade dos adolescentes acautelados, através da realização de oficinas de
educação em Direitos Humanos, atividades estas desenvolvidas sempre a partir do viés da arte
e da estética, contemplando a plasticidade de um trabalho artesanal que envolvesse a
“coordenação da alma, do olhar e da mão (...) típica do artesão” (BENJAMIN, 2013, p. 18.).

A educação em e para os direitos humanos apresenta-se como o caminho acertado para


a construção da identidade cidadã e para a consolidação do indivíduo enquanto sujeito humano.
Ainda que a primeira declaração de direitos, proclamada nos brados da Revolução Francesa,
seja em grande medida, como nos alerta Hobsbawm (1977), a Declaração dos Direitos do
Homem Burguês, uma vez que exclui de seu texto a preocupação com as parcelas feminina,
escravizada e empobrecida da sociedade francesa, trata-se de um marco importante na história
das lutas pela igualdade. Mais de um século depois, temos a Declaração de 1948, que incorpora
demandas, ainda que de maneira parcial, destes grupos sociais silenciados e invisíveis.

A história dos direitos humanos é também a história do reconhecimento – individual e


coletivamente – do ser humano como sujeito de direito. Assim, diante da conquista de um
direito, novos direitos são almejados. No entanto, este processo não acontece de forma linear
e, paralelamente ao avanço da instituição legal dos direitos humanos, há também as reações
contrárias a este processo. Em larga medida, é esta a contradição que percebemos na sociedade
brasileira contemporânea, em que a intolerância religiosa, o machismo, o sexismo, o racismo e
a homofobia têm se manifestado de forma, às vezes, assustadora. Uma realidade – o avanço
das forças conservadoras e reacionárias – que também pode ser percebida noutros países latino-
americanos e no continente europeu.

A educação ofertada aos jovens em situação de vulnerabilidade social precisa fazer


sentido para eles. Um aspecto relevante da educação que é negado a esses jovens é justamente
o conhecimento a respeito de seus direitos humanos fundamentais, pois sua realidade não é a
mesma de um jovem de classe média. Enquanto o jovem branco de classe média e alta pode
passar a vida toda sem sofrer qualquer ataque aos seus direitos, um jovem em situação de
vulnerabilidade vive em permanente violação de seus direitos fundamentais, o que garante a
manutenção de seu status quo. Dessa forma, justifica-se a importância da educação em direitos
humanos nos trabalhos desenvolvidos com jovens e adolescentes em conflito com a lei,
acautelados ou cumprindo medidas socioeducativas em liberdade.

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Uma educação em direitos humanos se baseia na necessidade de formação constante de
uma cultura de respeito à dignidade humana, por meio da defesa, promoção e vivência dos
valores ligados ao respeito, à tolerância, ao reconhecimento, às diversidades – étnica, religiosa,
cultural, geracional, territorial, físico‑individual, de gênero, de orientação sexual, de
nacionalidade, de opção política –, à solidariedade, à cooperação, à paz, à liberdade, à
igualdade, ao diálogo, dentre outros, necessários para a construção de uma sociedade mais
fraterna. Conforme disposto no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),
a educação é tida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros
direitos (BRASIL, 2013).
Nesse sentido, a educação em direitos humanos deve ser ação permanente adotada pelo
poder público e pelos gestores educacionais, garantindo aos educandos conhecimento amplo
sobre cidadania, democracia e seus direitos fundamentais. Além da conscientização acerca dos
direitos, é necessário que eles façam parte do cotidiano desses jovens, de suas vidas e suas
práticas diárias. Ampliar o repertório acerca das questões que dizem respeito à violação e à
promoção dos direitos humanos é fundamental ao processo de construção de cidadania.

Ao definir um percurso metodológico é imprescindível que estejamos atentas e atentos


ao ponto de chegada. Noutras palavras, o caminho que se faz e a forma como se caminha
revelam os princípios teóricos com os quais se trabalha e os objetivos que se busca alcançar. A
realização das atividades de educação em direitos humanos com adolescentes acautelados no
Centro Socioeducativo de Divinópolis pautou-se nos princípios defendidos por Santos e
Meneses em “Epistemologias do Sul” (2009) e nas metodologias colaborativas não
extrativistas, que têm como sustentação o pensamento de Boaventura de Sousa Santos e Paulo
Freire e vêm sendo discutidas, no Brasil, entre outros, por Fanasello, Nunes e Porto (2018).

Tal opção metodológica parte do pressuposto de que é necessário reconhecer o


conhecimento do outro e que as práticas sociais emancipadoras precisam se constituir como
encontros e diálogos entre pessoas e grupos sociais com seus saberes, culturas e lutas por
dignidade. Denunciam-se, assim, as práticas de extensão e pesquisa que buscam extrair
informações dos grupos sociais com os quais se trabalha para analisá-las, sem o devido
reconhecimento quanto aos saberes produzidos por esses mesmos grupos. Tendo como
princípio o diálogo – que somente pode se efetivar se se considera a outra pessoa como
portadora de saberes – afirma-se que não há sujeitos passivos em contexto de dominação. É

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nesse sentido que Santos e Meneses (2009) vêm aprofundando as pesquisas quanto às
epistemologias do Sul

O reconhecimento dos saberes e das potencialidades dos oprimidos ou, mais


especificamente, dos adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade social com os quais
se realizou este trabalho, não significa a negação da existência de uma consciência ingênua
acerca da realidade. Ao contrário, afirma-se que a passagem de um estado de consciência
ingênua para um estado de consciência crítica exige um processo educativo. “Se não se faz este
processo educativo, só se intensifica o desenvolvimento industrial ou tecnológico e a
consciência sofrerá um abalo e será uma consciência fanática. Este fanatismo é próprio do
homem massificado” (FREIRE, 1983, p. 39).

O que enuncia Paulo Freire em texto escrito em 1979, data da primeira edição de
“Educação e Mudança”, soa profético quando analisamos a realidade brasileira contemporânea.
E tal profecia coloca, para as universidades, o desafio de construir processos de construção do
conhecimento que sejam emancipadores, para além do conhecimento regulador (SANTOS,
2001) que, muitas vezes, marca o processo de produção do conhecimento das ciências e todo
o fazer universitário.

Santos (2001) afirma que a ciência tem sido pouco cuidadosa na análise das
consequências de seus atos, o que, paradoxalmente, tem ocasionado a perda da identidade e
referência cultural das comunidades tradicionais, a deterioração da vida no planeta e, em última
escala, colocado em risco a própria humanidade. O autor defende uma epistemologia que
trabalhe com a perspectiva do conhecimento emancipador, ao invés do conhecimento
regulador. Enquanto o segundo caracteriza-se pela ênfase no experimento e pela produção de
conhecimento a partir da realização de experiências que possibilitem um conhecimento
fidedigno, o primeiro caracterizar-se-ia por uma relação sujeito-objeto que tem como base a
reciprocidade. Tal princípio pressupõe o reconhecimento de diferentes saberes e a
solidariedade entre os sujeitos envolvidos na produção/construção de novos saberes. Afirma
ainda o sociólogo português que a ciência moderna se erigiu contra o senso comum e, se por
um lado, tal característica contribuiu para o desenvolvimento científico, para a avanço
tecnológico, por outro negou os saberes populares e impediu homens e mulheres de
participarem da construção do conhecimento “enquanto atividade cívica no desvendamento do
mundo” (SANTOS, 2000, p. 224).

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Os questionamentos que se faz à ciência moderna estariam no desequilíbrio entre o
conhecimento como regulação e o conhecimento como emancipação. Um conhecimento que
se basta a si mesmo, que, ao desencantar o mundo, tornou-o triste. Um conhecimento que não
reconhece os saberes populares, os saberes tradicionais produzidos fora da academia e, por
isso, não dialoga com a realidade dos grupos socialmente menorizados. Em última instância, é
um conhecimento que quantifica a natureza e o respeito à diversidade. Nesse sentido, é
importante também considerar a contribuição de Benjamim (1980), ao analisar o
empobrecimento do sujeito diante da perda da capacidade de vivenciar e narrar experiências.
Diz-nos o autor que se torna cada vez mais raro o encontro com pessoas que sabem narrar
alguma coisa direito. É cada vez mais frequente espalhar-se em volta o embaraço quando se
anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma faculdade, que nos parecia inalienável,
a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada, ou seja: a de trocar experiências (p.
57).

A negação da experiência e a afirmação do experimento trazem como consequência a


negação dos processos coletivos de vivência do mundo e de produção de conhecimentos fora
do âmbito universitário. Afinal, a vivência e a experiência não compõem o universo científico,
mas, sim, o experimento, a descoberta, a comprovação. Assim, as práticas que se realizam
fora desse universo, o científico, são hierarquizadas como de segunda ou terceira categoria.

O que se busca afirmar neste texto é o potencial do trabalho de extensão na superação


da dicotomia entre saberes científicos e saberes populares e ou tradicionais, na ruptura com o
princípio de hierarquização de diferentes saberes e diferentes culturas.

As construções dos adolescentes

As atividades desenvolvidas durante as oficinas foram construídas considerando a


horizontalidade e a facilitação de um espaço de diálogo e escuta que contribuiu para o
entendimento da realidade social e psíquica dos adolescentes, assim como trouxe uma maior
lucidez das temáticas que necessitavam serem trabalhadas com maior atenção e
aprofundamento. Dessa forma, focou-se num dos objetivos do projeto que se refere à execução
de uma pedagogia arte-educativa que opere para a emancipação dos meninos a partir do
entendimento das estruturas sociais que os cercam.

As discussões acerca dos direitos humanos, assim como a liberdade de expressão das
manifestações por meio de práticas artísticas, refletem diretamente em uma ampliação crítica
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da realidade que vivenciam, possibilitando uma maior compressão de si e do mundo no qual
estão inseridos ao assumirem o papel autônomo de se tornarem construtores do próprio
processo de ensino e aprendizagem.

A ferramenta base para o desenvolvimento do trabalho foi a arte que, ao ser utilizada
como meio de comunicação e expressão, rememora o art. 16 do ECA (BRASIL, 1990), no qual
encontramos a afirmação do direito à liberdade de opinião e expressão, assim como o direito
de brincar, praticar esportes e divertir-se e participar da vida política, na forma da lei. Para
além, a arte pode demonstrar que o processo de aprendizagem pode ser prazeroso, pois aguça
os sentidos emocionais, estabelecendo uma relação de participação entre aluno/conteúdo,
fazendo com que este exerça o papel de protagonista do seu processo de aprendizagem.

O conteúdo expresso nos desenhos, poesias, rimas ou rabiscos produzidos pelos


adolescentes podem revelar os níveis de absorção e reflexão dos conteúdos trabalhados, assim
como, revelar aquilo que não é dito, seja por ações inconscientes ou pelo medo da censura –
considerando a situação de institucionalização total na qual estão inseridos. Diante do quadro
de observação do histórico de evasão escolar e da precariedade da alfabetização que marcam
os meninos em suas trajetórias formativas, outro objetivo da metodologia utilizada é
experienciar novas possibilidades pedagógicas.

Num dos encontros, foi realizado um debate inicial a partir da análise de charges e
cartuns que retratavam questões sociais e políticas do Brasil. Em seguida, foi proposta a
imersão em fotografias feitas por adolescentes do Complexo da Maré, localizado no Rio de
Janeiro, as quais retratam, a partir da experiência artística, a realidade e o cotidiano da
comunidade em que vivem. Ao se aprofundar na experiência visual das fotografias questões
como a exclusão social, racismo, precariedade, fome, abandono, desigualdade, violência e
prisão foram levantadas por eles, fazendo-nos apreender que a interpretação subjetiva do
material diz muito sobre o contexto da realidade que vivenciaram na infância e adolescência.

Durante o debate, questões latentes como o racismo e a realidade das favelas foram
melhor aprofundadas, fazendo-se necessário introduzir uma perspectiva histórica da escravidão
no Brasil e do processo de abolição da escravatura no século XIX, período que marca o início
da formação dos guetos e periferias, construídas por uma população recém liberta do sistema
escravista que, sem ter para onde ir, ou continuaram trabalhando em fazendas e nas casas
grandes ou ocuparam morros, becos e vielas das cidades, a partir da construção de casas com

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recursos precários devido ao descaso e o abandono do poder público. Situação essa que perdura
e mantém resquícios, mesmo após dois séculos, facilmente averiguados ao analisarmos a
realidade das “favelas” ou “periferias” das médias e grandes cidades brasileiras.

Em seguida, foi proposto aos meninos que expressassem por meio de desenhos ou
palavras o que eles haviam compreendido da discussão e o que pensavam sobre o assunto, que
resultou em produções diversas nas quais retratam o cotidiano nas periferias e denunciam a
exclusão, o racismo, a aporofobia.

A partir deste ponto, foram apresentados aos meninos diversos poetas brasileiros,
tomando o cuidado de, entre esses, apresentar poetas negros e negras, originários das periferias
das cidades brasileiras. Ou seja, poetas com cujas histórias de vida os meninos pudessem se
identificar. Dessa forma, selecionamos um material que envolvia poesias que retratam questões
relacionadas ao racismo e à exclusão social; cantigas populares que remetem ao sofrimento
vivenciado pela população africana durante a escravidão; uma entrevista com o cantor e
compositor Emicida, que apresenta em seu conteúdo o atual cenário da desigualdade racial no
país.

Outras manifestações recorrentes nos desenhos e demais produções dos adolescentes e


que nos chamam atenção retratam brincadeiras de rua, como “jogar bola” ou “soltar pipa”.
Expressões de lembranças familiares também foram recorrentes. Acreditamos que a análise de
tais produções pode ser muito significativa para os/as profissionais que atuam nos centros
socioeducativos e querem contribuir com a formação e o processo de emancipação desses
meninos. O conteúdo que remete à ostentação se apresentou como indicativo de uma temática
que necessitava de um maior aprofundamento em um próximo encontro.

Os debates com os meninos indicaram a necessidade de discutir a questão do


consumismo e da ostentação, o que foi feito a partir de três cartuns que trabalham tais temas.
Ao realizar um encontro, cujo tema central foi a reflexão sobre o conceito “ostentação”, tornou-
se possível identificar, através da narrativa dos adolescentes, que o desejo de adquirir bens
através do dinheiro e do consumo é, em sua grande maioria, ocasionado pela ausência de
visibilidade.

A partir desse ponto, foi possível estudar com os adolescentes a desigualdade social
como uma das marcas da sociedade brasileira, bem como outros temas, tais como políticas
afirmativas e equidade. Uma outra questão que exerce grande influência refere-se à atuação da
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mídia e do marketing ao incentivar em suas produções comunicativas cada vez mais o consumo
e a exposição, ocasionando uma violentação daqueles que não têm renda, contribuindo para a
manutenção da exclusão social. Após o debate, tratou-se brevemente sobre a história das
manifestações artísticas negras, como a capoeira e o hip-hop, sugerindo, em seguida que os
adolescentes expressassem o conteúdo apreendido, assim como suas reflexões.

Outra temática abordada foi a desigualdade entre homens e mulheres e a problemática


da violência doméstica, sendo apresentados a eles, inicialmente, dados e estáticas sobre o
número de casos de agressões a mulheres no Brasil. Foi questionado se eles já haviam
presenciado alguma situação parecida, seja em suas famílias, no seu bairro ou no seu círculo
de amigos. A discussão foi intensa e aguçada, sendo revelado por eles após certo tempo de
debate que a maioria já havia presenciado situações de violência doméstica entre os pais,
durante sua infância, situações essas ocasionadas pelo machismo, pela dominação ou pelo
abuso de álcool. Ao final, foi exibido um documentário produzido a partir de relatos de
mulheres que sofreram durante anos violência doméstica, possibilitando um maior
aprofundamento da temática, assim como a compreensão da Lei Maria da Penha.

Posteriormente, foi realizada uma oficina de fotografia e, atendendo a uma


reivindicação dos adolescentes, foi organizada também uma oficina musical, composta por
instrumentos de percussão como: tambores, pandeiros, reco-reco, tamborim, com o
acompanhamento de cantigas populares de roda. Dentre todas as oficinas essa foi a que mais
integrou os meninos, assim como os agentes do Centro Socioeducativo que trabalham com
eles. Foi esse um momento de profunda participação e expressão coletiva através da arte
musical.
Na última oficina, realizou-se a montagem colaborativa de uma exposição que reúne
grande parcela das produções realizadas pelos adolescentes.
As condições nas quais os trabalhos foram realizados impedem que sejam publicizadas
as produções dos adolescentes (regra colocada pela instituição na qual estão acautelados os
meninos). Todavia, é importante afirmar que são produções que revelam a potencialidade
artística e a capacidade de refletir sobre a realidade e as experiências vivenciadas. Em síntese,
capacidade de se tomar a vida em suas próprias mãos, como sujeitos, e não mais assujeitados
pela realidade.

O combate à evasão escolar e a efetivação do direito à escolarização

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Findo o trabalho de extensão, foi organizado pela equipe coordenadora, juntamente com
outras instituições ligadas à educação no município, o Grupo de Trabalho (GT) Realidade
Escolar e Violência. Entre as propostas que vêm sendo desenvolvidas por este grupo está a
instituição da transferência assistida. Tal medida, que vem sendo discutida com o Poder
Legislativo, com as instituições gestoras da educação pública e com o Conselho Municipal de
Educação, tem como objetivo normatizar a transferência escolar. Propõe-se que a transferência
de crianças e adolescentes entre 04 e 17 anos de idade seja emitida após a matrícula efetivada
noutra unidade escolar.
Acredita-se que, desta forma, será possível acompanhar a trajetória escolar de
adolescentes em conflito com a lei e com as unidades escolares e, principalmente, produzir
dados reais acerca da evasão escolar – e, a partir destes dados, elaborar políticas públicas para
o enfrentamento do problema.

Considerações finais
Os trabalhos realizados com adolescentes em privação de liberdade e com uma trajetória
escolar marcada pela exclusão foram extremamente relevantes. São experiências que, por um
lado, evidenciam a violação de direitos humanos desta parcela da população – adolescentes
pobres, na sua maioria, negros – principalmente no que diz respeito ao direito à educação.
Evidenciam também a dificuldade da instituição escolar em dialogar com este público. A
expressão utilizada por um adolescente para se referir à escola – expressa no título deste texto
– demonstra com clareza a dificuldade de diálogo. São adolescentes que não conseguem
encontrar sentido na escola, por isso a abandonam. São adolescentes que não encontram, no
ambiente escolar, um espaço tempo de respeito e de diálogo, por isso reagem, às vezes, de
forma violenta e acabam evadindo ou sendo convidados a se retirarem da escola. A pesquisa
feita por Rolin (2016) demonstra as consequências desta evasão: a marginalidade, a exclusão,
a criminalidade.
Por outro lado, as experiências com os adolescentes demonstram também a criatividade,
a vivacidade de meninos que não desistiram de sonhar, apesar de todas as violências que
sofreram em tão pouco tempo de vida.
A análise de toda esta experiência é uma tarefa ainda não cumprida. Mas, desde já,
pode-se afirmar com certeza a importância de que a instituição escolar se abra para o diálogo
com a adolescência, mais especificamente com os adolescentes pobres. Tal abertura passa,
necessariamente, pelo reconhecimento da diversidade. Pelo reconhecimento de que todos e

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todas têm direito à igualdade, sempre que a diferença discrimina. Mas também que todas e
todos têm direito à diferença, sempre que a igual de massifica.

Referências

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1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

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SCHELER, M. El resentimiento en la moral. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1944.

A LITERATURA COMO ALIADA NA PROMOÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS E DA INCLUSÃO DE GÊNERO EM “COISA DE MENINA
E COISA DE MENINO” DE PRI FERRARI

Ana Carolina da Silva Oliveira

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Resumo

Este artigo, elaborado por meio de revisão bibliográfica, busca demonstrar a literatura como
um direito essencial e uma ferramenta crucial na promoção da igualdade de gênero e
sexualidade nas salas de aula. Explorando a obra "Coisa de Menina e Coisa de Menino" de Pri
Ferrari como ponto de partida, a análise objetiva enriquecer a compreensão desses temas. A
metodologia incluiu uma revisão bibliográfica abrangente, explorando fontes acadêmicas,
literárias e educacionais relacionadas ao papel da literatura na promoção da igualdade de
gênero. Os resultados parciais destacam o papel fundamental da literatura na reflexão sobre
inclusão e representatividade na sala de aula, especialmente no contexto da diversidade de
identidades de gênero. A obra analisada revela-se como um instrumento valioso para uma
abordagem mais inclusiva e compassiva dessas questões. Conclusões preliminares sugerem
que a literatura pode ser uma poderosa aliada na promoção da igualdade de gênero e
sexualidade, contribuindo para ambientes educacionais mais acolhedores e respeitosos,
enfatizando a importância contínua na produção de obras sensíveis e representativas.

Palavras-chave: Literatura. Direitos. Igualdade. Gênero.

Introdução

A narrativa "Coisa de Menina e Coisa de Menino" de Pri Ferrari transcende convenções


literárias, convidando-nos a explorar um terreno onde as páginas se tornam janelas para
compreender, aceitar e celebrar a diversidade de gênero e sexualidade. Este artigo busca
desvendar a importância intrínseca da literatura na construção de uma compreensão inclusiva
desses temas, utilizando a obra de Ferrari como inspiração e exemplo. A literatura infantil,
especialmente, concebe a criança como sujeito da educação, conforme aponta Zilberman
(1987), surgindo da preocupação em prepará-la para o mundo.

Segundo a autora, nesse contexto, há frequentes tentativas de restringir o livro infantil


ao âmbito didático, negligenciando sua natureza ficcional e autonomia, submetendo-o a normas
estéticas. A ideologização da literatura infantil possui raízes históricas inegáveis.

A formação de um acervo de textos infantis ocorreu utilizando materiais preexistentes,


especialmente os clássicos e os contos de fadas. Estes últimos se mostraram mais adequados
para a tarefa devido ao conteúdo onírico que reflete aspirações frustradas de certos estratos
sociais e à presença do elemento mágico, compartilhando similaridades com a condição da
criança. (Zilberman, 1987)
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Ao tratarmos da literatura, é necessário que se reconheça que ela não é apenas uma parte
relevante na vida humana, mas trata-se de um direito. O direito à literatura é essencial para a
promoção da diversidade cultural, da liberdade de expressão e do enriquecimento intelectual
de uma sociedade. A literatura transcende fronteiras, conectando pessoas através de narrativas
que exploram as complexidades da condição humana e desafia preconceitos. (Cândido, 1995)

Tratar da literatura como um direito pode ser uma tarefa árdua e necessita de reflexões,
inclusive sobre a como a sociedade se comporta e o que ela considera direitos e o que não
considera. Em sua reflexão sobre direitos humanos, Candido questiona a razão pela qual
assumimos que aquilo que é vital para nós também é crucial para o próximo. Essa indagação
parece constituir o cerne do desafio, mesmo em nível individual. Nesse contexto, as pessoas
frequentemente se deparam com uma peculiaridade, declarando de maneira inquestionável que
o próximo indubitavelmente possui direito a certos bens fundamentais, como moradia,
alimentação, educação e saúde. Tal realidade, conforme salienta Cândido, é reconhecida como
um privilégio de minorias no Brasil. (CANDIDO, 1995, p. 174-175)

O autor continua que, entretanto, é válido questionar se essas mesmas pessoas ponderam
se seus semelhantes têm o direito de apreciar obras de Dostoiévski ou escutar os quartetos de
Beethoven. Mesmo quando movidas por boas intenções, é possível que essa consideração não
surja em suas mentes, não por má-fé, mas simplesmente porque, ao enumerar seus próprios
direitos, podem não os estender completamente aos seus semelhantes. O esforço para incluir o
próximo na mesma lista de bens que reivindicamos constitui a base dos direitos humanos.
(CANDIDO, 1995, p. 174-175)

Na sequência o autor trata da literatura da maneira mais ampla possível, segundo ele:

Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de


todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver
sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de
fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as
vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O
sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo,
independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional ou
poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidade, está presente
em cada um de nós, analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em
quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco.
Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção
fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance. (CANDIDO,
1995, p. 176-177)

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Essa citação ressalta de maneira profunda a natureza intrínseca e universal da literatura
na vida de todos os seres humanos. Ao afirmar que a literatura é uma manifestação presente
em todas as culturas e períodos da história, o autor destaca sua importância como uma
expressão essencial da condição humana.

A analogia entre o sonho e a literatura é particularmente intrigante. Assim como todos


sonham durante o sono, a literatura assegura uma presença constante do universo fabulado em
nossas vidas, independentemente da nossa vontade.

Essa perspectiva ressalta a literatura como uma força omnipresente que molda nossas
experiências, alimenta nossa imaginação e cria uma teia de conexões culturais. A citação
destaca a importância da literatura não apenas como uma atividade intelectual, mas como uma
expressão vital da criatividade humana que está profundamente entrelaçada em nossa
existência diária.

Segundo Fernandes, a priorização do acesso à educação e à leitura está presente em


todas as agendas governamentais, com a participação do Estado, universidades, setor privado
e organizações da sociedade civil em discussões sobre a interação entre leitura e integração
social.

A relevância da leitura no ambiente escolar é destacada, e é ressaltado o surgimento e


desenvolvimento de políticas públicas destinadas a aprimorar as condições de alfabetização da
população. No contexto brasileiro, ao longo das últimas três décadas, foram implementados
programas, instituições, leis, congressos, movimentos e campanhas com o propósito de formar
leitores e fomentar e aprimorar a prática da leitura na sociedade. Como resultado dessas
iniciativas, observou-se um aumento na produção e circulação de livros, especialmente por
meio de aquisições governamentais de materiais didáticos e de literatura infantojuvenil,
elevando o Brasil à posição de oitavo maior mercado editorial global. (FERNANDES, 2007,
p. 10)

A citação destaca o comprometimento do Brasil em priorizar o acesso à educação e à


leitura como elementos fundamentais para a integração social. É inspirador observar a sinergia
entre o Estado, universidades, setor privado e organizações da sociedade civil em esforços
conjuntos para promover a importância da leitura.

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Os resultados dessas iniciativas são palpáveis, com um aumento notável na produção e
circulação de livros. A ênfase em aquisições governamentais de materiais didáticos e de
literatura infantojuvenil contribuiu significativamente para elevar o Brasil à posição de oitavo
maior mercado editorial global. Este avanço não apenas reflete a transformação positiva na
abordagem do país em relação à leitura, mas também destaca como a colaboração entre
diversos setores pode resultar em conquistas notáveis.

É crucial manter e fortalecer esses esforços para garantir que o acesso à leitura continue
sendo uma prioridade nacional. O Brasil, ao investir na formação de leitores e na promoção da
cultura literária, não apenas enriquece as vidas individuais, mas também fortalece os alicerces
de uma sociedade mais informada, participativa e culturalmente vibrante.

Desenvolvimento

Ao mergulharmos nas páginas de "Coisa de Menina e Coisa de Menino", de Pri Ferrari,


somos imediatamente confrontados com personagens que transcendem estereótipos
convencionais. A literatura, como meio de expressão artística, permite que Ferrari desafie e
subverta expectativas literárias, realizando uma narrativa que surpreende o leitor a cada página,
rompendo com as normas estabelecidas de gênero.

Segundo Turino:
Determinar o gênero das brincadeiras é apenas uma das formas, muitas vezes sutil,
de manter um machismo estrutural que oprime mulheres e coloca sempre tudo o que
é feminino como de menor importância e menos atraente. Dentro desta lógica, cabem
às mulheres as tarefas geralmente enfadonhas e cíclicas da manutenção do lar. A
divisão das brincadeiras também reforça a ideia de que a criação dos filhos é algo
naturalmente feminino. Também mantém a noção de que toda mulher está
biologicamente pronta para cuidar das crianças e que a maternidade é o caminho
natural, sendo o instinto materno suficiente para que as mães sejam capazes de
descobrir como se cuida de um bebê, enquanto aos pais não é feita a mesma cobrança.
Uma mulher que erra não recebe o mesmo julgamento que um pai que não participa.
Para a sociedade, de uma maneira geral, um homem que faz alguma coisa no cuidado
diário com os filhos já é um superpai que merece todo tipo de reconhecimento.
(TURINO, 2018, p. 8)

Analisando a visão expressa por Turino (2018) sobre a determinação do gênero nas
brincadeiras como uma estratégia sutil de perpetuar o machismo estrutural. Essa prática não
apenas oprime as mulheres, mas também subestima o valor do feminino, relegando-o a uma
posição de menor importância e menos atratividade. A divisão de brincadeiras não apenas
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reflete, mas também contribui para a consolidação da ideia de que as responsabilidades
domésticas e as tarefas consideradas "enfadonhas" são inerentemente femininas.

Dada essa perspectiva, trabalhar obras como, a comentada no presente artigo, auxilia na
quebra de paradigmas desde a infância dos alunos.

A obra destaca a permissão de escolhas para meninos e meninas, enriquecendo a


experiência literária e permitindo a exploração autêntica da identidade de gênero. A quebra de
estereótipos não é apenas narrativa, mas uma afirmação literária que celebra a diversidade
humana. A literatura torna-se uma plataforma para descontruir preconceitos, promovendo
compreensão aberta e tolerante. Ela constrói pontes entre perspectivas diversas, desafia
preconceitos e molda ativamente uma narrativa cultural mais inclusiva.

Trabalhar uma obra assim em sala de aula nos permite transcender limites e
preconceitos ao mesmo tempo que, por meio do direito à literatura, proporcionamos a nossos
alunos mais direitos que talvez não estejam claros ainda em seu dia-a-dia.

A literatura, assim, desempenha um papel crucial na construção de uma narrativa


cultural que celebra a diversidade de gênero e sexualidade, proporcionando lições valiosas para
um futuro mais inclusivo e compreensivo.

Considerações Finais

É evidente que a literatura se destaca como um farol na jornada pela inclusão de gênero
e sexualidade. A obra abordada no artigo, não é apenas um exemplo de narrativa cativante, mas
também uma declaração audaciosa sobre o papel transformador da literatura na construção de
uma sociedade mais inclusiva e compassiva.

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A quebra de estereótipos literários emergiu como um tema central, mostrando-nos como
a literatura pode desafiar normas preestabelecidas e criar narrativas que transcendem as
fronteiras da expectativa. A narrativa literária não é apenas uma ferramenta de desconstrução
de preconceitos; é também um instrumento de empoderamento.

À medida que concluímos esta exploração, fica claro que a literatura é mais do que uma
forma de arte; é um agente de mudança social. A literatura, com sua capacidade única de contar
histórias, oferece uma bússola para um futuro mais inclusivo, onde a diversidade de gênero e
sexualidade é não apenas aceita, mas celebrada.

A obra e reflexão convidam a explorar o potencial transformador da literatura para uma


sociedade mais inclusiva, valorizando cada história e respeitando cada identidade. Destaca-se
a poderosa interseção entre literatura, direitos humanos e inclusão de gênero. A subversão de
estereótipos literários vai além da estética, expressando o direito à igualdade e não
discriminação. Ao desafiar normas, a literatura contribui para uma narrativa cultural alinhada
aos ideais dos direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assegura igualdade perante a


lei, sem distinção, conforme o Artigo 7º. Tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
reforçam a proibição da discriminação a nível internacional. No Brasil, a Constituição Federal
de 1988, no Artigo 5º, estabelece o princípio da igualdade e veda qualquer forma de
discriminação. A Lei nº 7.716/1989 trata de crimes resultantes de preconceito racial ou de cor,
enquanto outras leis abordam áreas específicas, como trabalho, educação e acesso a serviços
públicos.

A narrativa literária, ao empoderar e amplificar vozes marginalizadas, se alinha ao cerne


dos direitos humanos: o direito à participação plena na sociedade, independentemente da
identidade de gênero. Esta obra, além de ser um tributo à arte literária, é uma contribuição
relevante para promover os direitos humanos. A literatura, ao refletir e impulsionar os
princípios fundamentais dos direitos humanos, destaca-se como uma aliada crucial na
construção de um mundo onde todos, independentemente de sua identidade de gênero ou
orientação sexual, possam desfrutar plenamente de seus direitos humanos.

Referências

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BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de
raça ou de cor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jan. 1989.

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raça ou de cor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jan. 1989.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 3. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263.

CURIA, Denise Fonseca dos Santos. A Literatura Infanto-juvenil na Contemporaneidade: um


outro olhar para o literário em sala de aula. Revista Thema | 2012

FERRARI, Pri. Coisa de menina. 1ª edição. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2016.

FERNANDES, Célia Regina Delácio. Leitura, literatura infantojuvenil e educação. Londrina:


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em: https://www.un.org/pt/documents/udhr/. Acesso em: 14 jan. 2024.

Turino, F. F. (2018). Brincadeira: um projeto prático de livro infantil para questionar os papéis
de gênero na infância. Monografia de graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Escola de Comunicação, Habilitação Produção Editorial, Rio de Janeiro.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 4 ed. São Paulo: Global, 1985.

UMA PEDRA NO CAMINHO?


SEXUALIDADE, SEXO E GÊNERO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE
CIÊNCIAS DO 8º ANO

Monique de Camargo

Resumo: O Brasil ocupa o lugar de país que mais mata pessoas LGBTQIA+ do mundo (BNCC,
2023) e, neste sentido, temáticas voltadas à sexo, gênero e sexualidade precisam ser com
urgência debatidos no ambiente escolar. Neste sentido, sabendo da essencialidade dos livros
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didáticos na rotina de professores e alunos, este trabalho realizou uma revisão bibliográfica
sobre sexo, gênero e sexualidade, visando contextualizar a educação sexual no Brasil nos anos
recentes, para uma análise dos livros didáticos de ciências do 8º ano recomendados pelo Plano
Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2024. O foco foi problematizar a abordagem desses
temas, destacando a importância de transcender o enfoque biológico, considerando a
sexualidade como um fenômeno sociocultural e histórico. A análise abrange treze dos quatorze
livros do PNLD 2024, priorizando capítulos relacionados a Sistemas genitais, Ciclo menstrual,
Gravidez e Infecções sexualmente transmissíveis, nos quais é possível identificar discursos
acerca dos corpos, de suas estruturas, funcionamentos e sexualidades. Neste sentido, a
metodologia se delimitou, primeiramente, na busca por palavras chave nos materiais
selecionados e, posteriormente, na classificação dos trechos de interesse dentro de 4 categorias
de abordagem contemporânea de educação sexual proposta por Furlani (2016): Biológico-
higienista, Direitos humanos, Direitos Sexuais e Queer. Na segunda fase da pesquisa, um dos
livros (com abordagem mais próxima da literatura contemporânea acerca de sexo, gênero e
sexualidade) foi selecionado para uma análise mais aprofundada em conversa com o referencial
teórico. O estudo, como um todo, revela a persistência de uma visão biológico-higienista nos
materiais, destacando o reforço da diferença entre gêneros nas próprias descrições de corpos
femininos e masculinos, como é exemplificado no reforço à consulta ginecológica necessária
e frequente, enquanto a consulta ao urologista é tida como ocasional, além de descrições dos
ovócitos como células passivas ao comparar com a agilidade do espermatozoide. Além disso,
foi possível observar que a orientação heterossexual é predominantemente enfatizada, com
poucos momentos dedicados a abordagens alternativas, principalmente observado na ordem
dos assuntos nos materiais didáticos, na qual a reprodução aparece como objetivo final dos
corpos e das relações sexuais, além do enfoque à esta sexualidade no que abrange a proteção
contra Infecções Sexualmente Transmissíveis. No entanto, é encontrado também nas materiais
abordagens voltadas à assuntos como pobreza menstrual, luta feminina por direitos, combate a
violência contra a mulher e a sexualidade dentro do âmbito da diversidade, principalmente no
livro selecionado. Assim, pode-se contar com livros onde também há abordagens Queer e de
direitos humanos e sexuais, assuntos extremamente necessários de serem discutidos nos
materiais de ensino de ciências e nas salas de aula. Podendo assim, os materiais serem aliados
à prática docente de educação sexual no âmbito da diversidade.

Palavras-chave: Educação sexual. Livros didáticos. Gênero. Sexo. Sexualidade

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Luís Henrique Sacchi, meus pais, meus amigos, meus avós, irmão
e ao meu noivo por todo o apoio.

REFERÊNCIAS

FURLANI, J. Educação sexual na sala de aula: Relações de gênero, orientação sexual e


igualdade étnico-racial numa proposta de respeito às diferenças. Belo Horizonte: Autêntica, 1ª
edição, 2016.

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ENSINAR SOBRE, POR MEIO E PARA OS DIREITOS HUMANOS NO
ESPAÇO ESCOLAR ATRAVÉS DA SÉRIE TELEVISIVA “SEGUNDA
CHAMADA”

Aislan Dias Aguiar


Lucas Alexandre de Lima.
Márcio José Pereira

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Resumo: Apesar do desenvolvimento econômico e social alcançado por diversas sociedades,
a necessidade de políticas públicas que promovam a dignidade e os direitos humanos persiste.
Este cenário é particularmente evidente no âmbito educacional, onde a ausência do
cumprimento dos direitos constitucionais impacta significativamente. Este estudo concentra-
se na abordagem dos direitos humanos no Ensino de História, com o objetivo de investigar o
papel das séries televisivas como ferramenta pedagógica para promover tais ensinamentos. A
pesquisa utilizará a série "Segunda Chamada" como fonte, explorando questões cotidianas
escolares, como direito à educação, sexualidade, aborto, abandono de incapazes, permanência
e evasão, intolerância religiosa, entre outras. O recorte temporal e espacial se concentra no
Brasil contemporâneo, desde a redemocratização até os dias atuais (1989-2019), com incursões
ao período da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) para fundamentar
historicamente os direitos humanos. O objetivo final é explorar formas de capacitar professores
do ensino fundamental e médio para abordar temas relacionados aos direitos humanos em suas
aulas, utilizando linguagem imagético-verbal, neste caso, através de uma série televisiva.
Busca-se, assim, promover a reafirmação e a práxis desses direitos na escola.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Educação. Série Televisiva. Ensino de História.

Referências
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PROTEÇÃO AOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E O PROCESSO DE FORMAÇÃO


INICIAL DE PROFESSORES/AS

Silvânia de Jesus Pina

Resumo:

As crianças vivenciam diferentes circunstâncias de violação de direitos, independentemente de


sua condição econômica. Diante disso, é relevante problematizar como os futuros
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professores/as entendem o compromisso com a garantia aos direitos das crianças no espaço
escolar. Este artigo pretende analisar as relações existentes entre as abordagens do curso de
formação inicial de professores/as e a proteção aos direitos das crianças mediante as
determinações da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 e a Lei nº 14.679, de 18 de setembro de
2023. Com esse objetivo buscamos fundamentar as discussões sobre formação docente em
autores como Veiga (2022), Novóa (2019), Arroyo (2012), Charlot (2005). As abordagens
sobre os direitos das crianças serão baseadas nos estudos de Miranda (2018, 2023), Monti
(2023), Friedmann (2020), Furlanetto (et al 2020), dentre outros. Os resultados do estudo
comprovarão o valor que a função intelectual e social do professor tem na identificação,
prevenção e intervenção da violência contra a criança. Trata-se de uma tese em andamento
vinculada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Rural de
Pernambuco, na linha Ensino de História e Cultura Regional.

Palavras-chave: Formação inicial de professores; infância; violação aos direitos das crianças.

Introdução:

O compromisso com os direitos das crianças é um projeto coletivo que deve ser
compartilhado por todos os profissionais que atuam no espaço escolar (MIRANDA, 2018). Isto
posto, constata-se que os estudos sobre os direitos das crianças e adolescentes têm se
configurado no currículo da formação inicial docente, sobretudo após a promulgação da Lei n°
14.679 de 18 de setembro de 2023, que inclui a proteção integral dos direitos de crianças e
adolescentes entre os fundamentos da formação dos profissionais da educação básica.
A nova norma altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394,
de 20 de dezembro de 1996. As modificações garantem que a formação dos profissionais da
educação básica deverá incluir a capacitação permanente para a identificação de violações de
direitos e sinais de maus-tratos, negligência e abuso sexual de crianças e adolescentes
(BRASIL, 2023). Diante disso, “questões sociais são importantes para a formação de
professores como intelectuais transformadores da escola, da universidade, da teoria pedagógica
para educar como prática da liberdade” (ROCHA, 2022, p. 191).

Tendo em vista a necessidade da formação inicial de professores/as oferecer uma


melhor compreensão das diferentes narrativas jurídicas sobre os direitos das crianças, tomamos
como ponto de partida o debate sobre a concepção de infância, as determinações da
Constituição Federal (BRASIL, 1988) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,

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1990), que resultam nos marcos legas vigentes que atribuem à criança o status de sujeitos de
direitos.

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de


julho de 1990, “a sociedade brasileira firmou um novo compromisso político com a forma de
pensar as infâncias, convenção eu deve ser vivenciada nos espaços sociais onde esses meninos
e meninas circulam” (MIRANDA, 2018, p.160). Todavia, diante dos registros de violação dos
direitos das crianças e dos adolescentes, podemos verificar que os desafios à implementação
das normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a transgressão aos
direitos básicos das crianças precisam ser debatidos, conhecidos e execrados por toda a
sociedade para a conquista de uma realidade de respeito à dignidade de toda e qualquer criança,
independente de etnia, religião, condição física, psíquica ou social.

Portanto, os direitos das crianças precisam ser referência nas propostas pedagógicas dos
cursos de formação inicial de professores/as a partir da normatização estabelecida pela Lei nº
14.679/2023. Desse raciocínio nasce a percepção que, apenas a existência de um texto legal
não garante a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, mas, é preciso ações coletivas
que permitam a ampliação do sentido literal das Leis.

A concepção de infância e a criança enquanto sujeito de direitos

A infância é considerada um fruto da modernidade, especialmente depois dos estudos


de Philippe Ariès (1986), “que estabeleceu a gênese do sentimento de infância no processo
simbólico de constituição do sujeito moderno” (SARMENTO, 2008, p. 23). A infância tem um
significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado está vinculado às
transformações sociais, visto que, cada sociedade tem seu próprio sistema de classes etárias
que estão associadas a um sistema de status e de papéis desempenhados (KHULMANN
JÚNIOR, 1998).

Os estudos sociais da infância constituem-se como um campo de conhecimento que, em


síntese, partilha entre si a visão das crianças como atores com significativa participação na
construção da história e da cultura (CORSARO, 2011) e a visão da infância como categoria

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estrutural subordinada da sociedade (QVORTRUP, 2010). Os estudos sobre a infância são
desenvolvidos tomando como base A história social da criança e da família, do escritor
Philippe Ariès (1986) que descreve os costumes e o comportamento das famílias, apesar de não
fazer uma leitura das transformações socioeconômicas e políticas do período estudado. A
maioria das discussões sobre a criança nem sempre dá conta de explicar a concepção de
infância numa perspectiva histórica ou demonstrar que o conceito de infância foi
historicamente e socialmente constituído (RODRIGUES; DEMIZU, 2018).

A análise da infância como categoria sociológica do tipo geracional é recente, sobretudo


no percurso das duas últimas décadas do século XX, dissociando-se progressivamente de outras
variantes disciplinares da Sociologia como a educação e a família, ainda que em diálogo
contínuo com elas (SARMENTO, 2008). A Sociologia da Infância é originária da necessidade
de compreensão do que é um dos mais importantes paradoxos atuais:

Nunca como hoje as crianças foram objeto de tantos cuidados e atenções e nunca
como hoje a infância se apresentou como a geração onde se acumulam
exponencialmente os indicadores de exclusão e de sofrimento. Ao incorporar na sua
agenda teórica a interpretação das condições atuais de vida das crianças, a Sociologia
da Infância insere-se decisivamente na construção da reflexividade contemporânea
sobre a realidade social (SARMENTO, 2008, p. 19).

Pela ótica do autor, contata-se que a Sociologia da Infância não se ocupa apenas com
as crianças, mas com a totalidade da realidade social. Além disso, Sarmento (2008, p. 19)
ressalta a subalternidade da infância relativamente ao mundo dos adultos, e afirma que “as
crianças, durante séculos, foram representadas prioritariamente como homúnculos, seres
humanos miniaturizados que só valia a pena estudar e cuidar pela sua incompletude e
imperfeição”. Estes seres sociais em transição para a vida adulta foram, deste modo, analisados
prioritariamente como objeto do cuidado dos adultos. Esta imagem dominante da infância
“remete as crianças para um estatuto pré-social: as crianças são invisíveis porque não são
consideradas como seres sociais de pleno direito” (SARMENTO, 2008, p. 12).

Mais recentemente a infância tem ocupado um espaço significativo nas diversas


ciências humanas. Suas pesquisas e reflexões teóricas têm trazido outras verdades e outras
imagens da infância e interrogam as verdades com que a pedagogia construiu seu pensar e fazer
educativos (ARROYO, 2008). Acrescente-se a isso, o fato que as crianças não são seres
passivos na construção das suas vidas. Como afirma Corsaro (2001, p. 19) “as crianças, assim
como os adultos, são participantes ativos na construção social da infância e na reprodução
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interpretativa de sua cultura compartilhada.”. Em outras palavras, Qvortrup (2011, p. 326)
atribui as crianças o status de sujeitos, e como tal, de atores sociais que historicamente sempre
foram participantes úteis à sociedade. A representação da criança é socialmente determinada,
uma vez que exprime as aspirações e as recusas da sociedade e dos adultos que nela vivem. “A
ideia de criança veicula, assim, todas as significações ideológicas contidas na pedagogia e
acrescenta lhe, além disso, significações próprias, ligadas à intervenção da temporalidade”.
(CHARLOT, 1979, p.109).

Nesse horizonte, o campo da sociologia da infância tem nos ensinado que as crianças
são atores sociais porque interagem com as pessoas, com as instituições, reagem frente aos
adultos e desenvolvem estratégias de luta para participar no mundo social. Mesmo assim, ainda
necessitamos construir referenciais de análise que nos permitam conhecer estes atores sociais
que nos colocam inúmeros desafios, seja na vida privada ou na vida pública (DELGADO.
2004). O foco da perspectiva da criança como ator social é determinar o olhar, a relação e a
interação que as crianças estabelecem com os diferentes elementos que integram a sua vida.
“O modo como as crianças são atualmente entendidas pela sociedade foi alvo de significativas
alterações com o passar dos séculos” (AZEVEDO, 2017, p. 2).

Os direitos das crianças na proposta de formação inicial de professores/as

No Brasil, marcando o contexto da redemocratização e da luta pela garantia de direitos


humanos, a Constituição de 1988 incorporaria princípios de proteção integral à criança e ao
adolescente, mudando completamente o conceito de política pública de assistência à população
infanto-juvenil estabelecida pelo “Código de Menores promulgado em 1924 pelo então Juiz
Mello Mattos, considerado uma referência para época como o modelo de legislação a ser
adotado” (MIRANDA, 2023, p. 158). A partir Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 5 de outubro de 1988 não apenas a população infanto-juvenil em situação de
risco, mas o conjunto de menores brasileiros ganharam o status de sujeitos detentores de direito,
de acordo com o Art. 227, caput:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao


jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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Conhecida como Constituição Cidadã, a atual Carta Política tem essa nova base
doutrinária, que “valoriza o ser humano e sua dignidade, trazendo princípios e valores
democráticos e de bem-estar social” (SOBRAL e MACÊDO, 2022, p. 196). A construção de
um novo ordenamento jurídico que se ocupasse seriamente dos direitos da infância e da
adolescência era de caráter imprescindível, pois “havia uma necessidade fundamental de que
estes passassem da condição de menores, de semicidadãos, para a categoria de cidadãos”
(VERONESE, 2013, p. 49-50).

O fundamental é que, juridicamente, a concepção do que é uma criança e um


adolescente, mudou consideravelmente. “O que se depreende do Art. 227, e se diz com todas
as letras no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990 (ECA), é que a criança e
o adolescente são sujeitos de direitos” (NAVES, 2004, p.75), pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento e que devem receber cuidados com prioridade absoluta. Assim, a
homologação dos dispositivos da Carta Magna em favor da infância, fundamentado na
Declaração dos Direitos Humanos e na Declaração Universal dos Direitos da Criança, foi
estabelecida no ECA, “este documento legal que representa uma verdadeira revolução em
termos de doutrina, ideias, práxis, atitudes nacionais ante a criança” (MARCÍLIO, 1998, p. 51).

Uma das principais características do ECA é a universalização dos direitos que, antes
voltados para os menores em “situação irregular”, agora valem para todas as crianças e
adolescentes. Nesse entendimento Sobral e Macêdo (2022, p. 197) destacam que “o ECA aborda
desde os direitos fundamentais, como a saúde e a vida, até a responsabilidade penal e
administrativas dos professores e diretores de escolas”, como mostra o trecho abaixo:
Art. 11. § 3o Os profissionais que atuam no cuidado diário ou frequente de crianças
na primeira infância receberão formação específica e permanente para a detecção de
sinais de risco para o desenvolvimento psíquico, bem como para o acompanhamento
que se fizer necessário (BRASIL, 1990, incluído pela Lei nº 13.257, de 2016).

Diante disso, o ECA pode ser considerado uma lei inédita na medida em que rompe
com as injustiças das Leis menoristas brasileiras, bem como oportuniza a criação e
implementação de política pública de atendimento à criança e ao adolescente. Adita-se, para
tanto, que de modo geral todos têm o dever de cuidar das crianças e dos adolescentes e, em
particular, os profissionais que atuam no contexto educacional. Após a promulgação da Lei n°
14.679 de 18 de setembro de 2023, que inclui a proteção integral dos direitos de crianças e
adolescentes entre os fundamentos da formação dos profissionais da educação básica a escola,
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de maneira especial, é percebida como um local promissor para o exercício da cidadania. Nesse
sentido, o § 9º do Art. 26, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996
destaca que:

Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de


violência contra a criança, o adolescente e a mulher serão incluídos, como temas
transversais, nos currículos de que trata o caput deste artigo, observadas as diretrizes
da legislação correspondente e a produção e distribuição de material didático
adequado a cada nível de ensino (Redação dada pela Lei nº 14.164, de 2021).

Diante dos marcos legais da educação brasileira, “a escola torna-se responsável por
fazer com que crianças e adolescentes tomem conhecimentos dos seus direitos e deveres através
de aulas e atitudes que devem ser tomadas no interior e fora das instituições para auxiliar na
formação de cidadãos conscientes” (SOBRAL e MACÊDO, 2020, p. 199). Nesse entedimento,
estamos desenvolvendo uma tese vinculada ao Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal Rural de Pernambuco, na linha Ensino de História e Cultura Regional,
que examina as vivências das propostas de integração entre a formação inicial de professores
e a rede de proteção da criança mediada pela Lei n° 14.679.
Sobre a Lei n° 14.679, é importante ressaltar que seu projeto foi apreciado pela
Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e após exame da Comissão de
Assuntos Sociais do Senado Federal a Lei foi sancionada em 18 de setembro de 2023, uma
legislação de suma importância que pretende incluir, nos currículos dos cursos de licenciatura,
conteúdos programáticos referentes à identificação de maus-tratos, negligência e abuso sexual
praticados contra crianças e adolescentes.

Portanto, formar professores é preparar para o exercício de práticas direcionadas e


contextualizadas, é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples
instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem, mas também
de dificultarem a adaptação da prática ao contexto (CHARLOT, 2005, p. 93). Na verdade, a
profissão docente tem sido desafiada na contemporaneidade. Pois lhe é exigido atuar em papéis
nunca antes exercidos. Ao professor vem sendo solicitado a atuar ante problemas que eram
exclusivos da esfera privada das famílias e que agora exigem dele uma atitude ativa e
responsável com obrigações legais, como em denúncias de violência contra crianças (MONTI;
SIGOLO, 2023). Existe, portanto, a necessidade de que o professor desenvolva habilidades
com o intuito de lidar com casos de violação dos direitos das crianças.
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Cabe ainda destacar que de acordo com o parágrafo único do Art. 61 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394/1996, a formação dos profissionais da educação, de
modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das
diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos


fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação
entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço;
III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de
ensino e em outras atividades; IV – a proteção integral dos direitos de crianças e
adolescentes e o apoio à formação permanente dos profissionais de que trata o caput
deste artigo para identificação de maus-tratos, de negligência e de violência sexual
praticados contra crianças e adolescentes (BRASIL, 1996).

O inciso IV foi incluído no parágrafo único do Art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da


Educação brasileira pela Lei nº 14.679, de 18 de setembro de 2023. Diante disso, constata-se
que a proteção integral dos direitos de crianças representa uma trajetória desafiadora, que a
formação de professores/as precisa percorrer, haja vista que este caminho representa a fronteira
entre o ensino e os Direitos Humanos.

Todavia, no atual cenário, deparamo-nos com políticas de formação de professores que


trazem o aligeiramento do processo formativo, sem levar em consideração o contexto de
produção da docência e de vivência dos alunos. (MOREIRA et al, 2022). Sob o ponto de vista
de Veiga (2022, p. 98) a “Resolução CNE/CP n° 2/2019 deixa de lado o preparo para o
exercício da cidadania uma das finalidades da educação brasileira. Há uma preponderância da
racionalidade técnico-instrumental sobre a formativa emancipatória e libertadora. Para Novóa
(2019, p. 13) “não podemos permitir que, por ausência das universidades e fragilidade das
políticas públicas, a formação de professores seja transformada num verdadeiro mercado”.

Considerações Finais

Desconhecemos os saberes que as crianças têm sobre o mundo e até mesmo sobre nós
adultos, saberes que são construídos socialmente e conferem identidades culturais às crianças”
(DELGADO, 2004). Como consequência a prática de ensino não tem as infâncias como
referência direta no ato educativo, os futuros professores desconhecem ou sabem pouco sobre
os direitos das crianças e a função docente no âmbito da rede de proteção à infância.

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Vemos o quanto a prática de ensino tem negligenciado os sabres e experiências dos
alunos. Temos uma imensa dificuldade de perceber como são as crianças de fato. Para
Furlanetto (2020, p. 44), “o não reconhecimento da capacidade dos sujeitos de possuir direitos,
sua exclusão da estrutura social, implica mais do que um conflito legal, posto que se constitui
como violação de sua autonomia pessoal". A violação dos direitos das crianças, fere, de modo
direto, a possibilidade de essas crianças, entenderem-se a si próprias como seres estimados por
suas propriedades e capacidades características (HONNETH, 2009). “Aspectos esses que
atingem a própria constituição das subjetividades de crianças que possuem o reconhecimento
dos demais membros de sua comunidade e de outras que permanecem a margem dos direitos
que são amplamente proclamados” (FURLANETTO, 2020, p. 44).

Diante disso, é necessário rever o lugar da criança no processo de formação dos


professore/as e na prática de ensino, considerando que “a pedagogia moderna construiu seu
pensamento tendo como referência as imagens de adulto civilizado e a partir dessa referência
projeta sua ação pedagógica na infância e na adolescência” (ARROYO, 2008, p. 127). Segundo
Charlot (1983), as pedagogias tradicional e nova se apoiam na ideia de natureza infantil e não
a partir da condição infantil. Estas pedagogias influenciaram nosso corpus de representações
acerca das crianças. Nesse referencial foram idealizados os sistemas educacionais. Daí a
importância de problematizar as questões referentes a rede de proteção à infância, na formação
inicial dos professores/as.

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GÊNERO E SEXUALIDADES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS/ES: POR UMA


EDUCAÇÃO QUE GARANTA OS MUITOS CORPOS NO MUNDO

Carolina Romanazzi Freire

Resumo: O presente trabalho é desdobramento de uma pesquisa de doutorado em andamento


que busca entender como os conceitos de gênero e sexualidades que aqui são entendidos através
de: Louro (2003-2010), Butler (2002-2003) entre outras, atravessam a formação nos cursos de
licenciatura da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense. A relevância desse estudo se
dá, principalmente, porque nos propomos a conversar com licenciandas/os sobre um tema
extremamente sensível no momento que antecede sua carreira docente. Além disso, sua
importância se revela também no que concerne ao modo como a universidade tem produzido e
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fomentado esses debates num importante lugar de produção de conhecimento, bem como num
importante espaço de formação. Metodologicamente optamos pelas cartografias de conversas
(Ferraço, 2018), pois acreditamos que pesquisamos com e não sobre os sujeitos. As conversas
são um importante lugar de acolhimento, abertura e escuta sensível. As motivações que levam
a escolher esse tema de pesquisa são múltiplas, com especial destaque a necessidade de
fomentar o debate acerca do tema supracitado na formação inicial docente para que este seja
trabalhado e levado a educação básica com embasamento teórico. Entendemos que o amparo
na teoria é fundamental em tempos de ataques à educadoras/es. Como a pesquisa ainda está em
andamento, não temos resultados.

Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Estudantes de licenciaturas.

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato


Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

A IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO AMBIENTE


ESCOLAR COMO INSTRUMENTO PARA UMA EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE

Gicele Santos da Silva

Resumo

O Artigo apresenta como tema central a necessária implementação dos Direitos Humanos no
Ambiente Escolar, na busca de um padrão de qualidade da Educação, constitucionalmente
exigida. A metodologia adotada consiste em uma pesquisa hipotético-dedutiva e utilizando de
uma pesquisa bibliográfica, com verificação da doutrina e a comparação do posicionamento do
Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, sobre o tema, e respondendo a questão objeto do
estudo: O padrão de qualidade da Educação Nacional requerido por normas formalmente
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constitucionais e supralegais, tem como conteúdo o ensino e a implementação dos Direitos
Humanos protetores de todos, mas, em especial, de grupos populacionais identificados como
vulneráveis, e qual a amplitude dos conteúdos daqueles direitos no contexto escolar? O estudo
tem por objetivo geral verificar se os conteúdos e os fins da Educação vinculam-se aos Direitos
Humanos. E, como objetivos específicos: Identificar os elementos de garantia do padrão de
qualidade, na Educação Escolar, conforme a Constituição Federal; Compreender a
interpretação realizada pelos três Poderes; Analisar se é possível e de que modo o padrão de
qualidade é indissociável da normativa dos Direitos Humanos no país. Constatou-se que,
embora tenham ocorrido avanços na implementação dos Direitos Humanos, no contexto
Escolar, há resistências ideológicas, demonstradas na atuação dos três Poderes, ao elaborar Leis
e Atos Normativos.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Escola. Ambiente Escolar. Educação. O Estado.

INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade, há a consciência de que o Estado precisa configurar a educação


em seu território por meio das Leis, a fim de que aquela seja o seu instrumento principal para
o alcance dos fins objetivados. Exatamente por isso, Platão (1999, p. 89 e 92) afirma que: “[...]
as crianças bem educadas se revelarão bons indivíduos” e que cada um destes terá por alvo
transformar-se em “cidadão perfeito”, com “a compreensão tanto de governar quanto de ser
governado com justiça”. Daí o afirmar o filósofo ateniense que “em caso algum a educação
deve ser depreciada, pois ela é o primeiro dos maiores bens que são proporcionados” aos seres
humanos (1999, p. 93).

Na Era Moderna, Montesquieu (1874) argumenta que cada modalidade de Governo –


diz-se hoje, de Estado – requer certo tipo de educação, já que esta se presta ao alcance dos
objetivos políticos por meio da formação da espécie de cidadão necessária, ao bom
funcionamento do ente estatal e necessário à sua perpetuação, consistindo no padrão de
qualidade da educação. Deste modo, exemplifica o Pensador Francês Montesquieu (1874, p.
29): “[...] os governos nas monarquias buscarão o desenvolvimento da honra; nas Repúblicas,
[a educação para] a virtude; no despotismo, [a formação para] o temor”.

Partindo-se das mencionadas ideias de Platão (1999) e Montesquieu (1874), bem como,
do emprego de pesquisa bibliográfica e do método hipotético-dedutivo, abordar-se-á ao
seguinte problema: O padrão de qualidade da educação nacional requerido por conjunto
sistêmico de normas formalmente constitucionais e supralegais tem como conteúdo o ensino
e a implementação dos direitos humanos protetores de todos, mas, em especial, de

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grupos populacionais identificados como vulneráveis, e qual a amplitude dos conteúdos
daqueles direitos no contexto escolar?

A hipótese é a de que o conceito de qualidade da educação no contexto escolar expresso


pelas normas constitucionais e supralegais implica a formação do educando para os Direitos
Humanos e sua implementação, com especial destaque à proteção integral dos indivíduos
pertencentes aos grupos populacionais qualificados normativamente como vulneráveis porque
são sujeitos com hipossuficiência econômica, cultural e social. Em outras palavras, sob a ótica
do ordenamento jurídico pátrio, não é possível haver Educação Escolar de adequada qualidade
sem que se efetive, por meio do processo de Ensino e Aprendizagem, a Educação para a
concretização dos Direitos Humanos.

O estudo tem por objetivo geral verificar se os conteúdos e os fins da Educação


vinculam-se aos Direitos Humanos. E como objetivos específicos: Identificar os elementos de
garantia do padrão de qualidade, na Educação Escolar, conforme a Constituição Federal
(BRASIL, 1988, art. 206, VII); Compreender a interpretação realizada pelos Legislativo,
Executivo e Judiciário; Analisar se é possível e de que modo o padrão de qualidade é
indissociável da normativa dos Direitos Humanos no país.

EDUCAÇÃO DE QUALIDADE, DIREITOS HUMANOS E OS TRÊS PODERES: AS


EXIGÊNCIAS DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR DE QUALIDADE

Na literatura, os estudos a respeito da Educação Escolar de qualidade, realizados sob as


óticas constitucional e dos Direitos Humanos, têm reconhecido sua exigibilidade porquanto se
trata de Direito Público subjetivo de todos os residentes no Brasil, devendo a previsão
constitucional e legal de educação escolar de qualidade ser alvo de Políticas Públicas dela
consumadas, levadas a efeito com a participação dos diferentes grupos populacionais (ALVES;
VIDINHA; DIÓGENES, 2019), a fim de se coibir a prevalência ideológica de um segmento
popular sobre os demais (OLIVEIRA; SANTELLI, 2020).

Igualmente, há a defesa de que a Educação Escolar veicule conteúdos protetores da


dignidade humana e dos vulneráveis, de modo a ocorrer com base nos direitos humanos e para
o seu exercício, pois essa exigência tratar-se, conforme Almeida e Almeida (2023, p.75) de
um: “[...] direito fundamental e humano [...]”. Há, também, estudiosos que argumentam existir
relação causal entre a Educação para os Direitos Humanos e o adequado Padrão de Qualidade,
com reflexos na aprendizagem, tendo sido detectada intuição dos Professores da Educação
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Básica de que a Qualidade do Ensino apenas ocorrerá se houver a Educação para os Direitos
Humanos no Ambiente Escolar (FERNANDES; CANDAU, 2017).

Nesse contexto, há consciência de que, embora tenham ocorrido avanços no campo da


educação para o conhecimento e prática dos direitos humanos desde o advento da Constituição
de 1988 (FISCHMANN, 2009) – a exemplo da curricularização das históricas contribuições
civilizatórias de indígenas e africanos ou da necessidade de proteção ao meio ambiente – ainda
há muito que se implementar, especialmente para se atender às metas indicadas em
documentos internacionais como a Declaração de Incheon Educação 2030 (MENEGAT;
SENIW; LINDEMANN, 2016), avançando-se do que está proclamado para o que se deve ter
por realizado (SILVA, 2015), a fim de que aconteça a qualidade constitucional requerida no
processo de ensino-aprendizagem (SOUZA; KERBAUY, 2017).

O que pensam os Três Poderes sobre a relação entre uma Educação de Qualidade e os
Direitos Humanos

O Poder Legislativo interpreta à Constituição Federal (BRASIL, 1988), quando da


análise de Projeto de Lei destinada a completar o sentido ou detalhar ordem normativa do texto
constitucional, bem como ao derrubar veto presidencial. Ademais, interpreta um Tratado
Internacional seja quando o aprova mediante Decreto Legislativo, seja ao elaborar lei que ao
seu conteúdo detalha.

Tem-se um exemplo de interpretação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), pelo


Legislativo em matéria educacional na elaboração da Lei n. 9.394/1996 - Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Quanto à interpretação de conteúdo de Tratado
Internacional de Direitos Humanos relacionado ao contexto escolar, cite-se a elaboração da Lei
n. 8.069/1990 - O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), inspirado no texto
da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1979 (ONU, 1979).

O Poder Legislativo, de um lado, interpreta seus projetos de lei em harmonia com as


normas constitucionais e supralegais. De outro lado, parece corroborar o entendimento de que
os Direitos Humanos, embora se destinem a todos, são especialmente úteis à proteção de grupos
vulneráveis, a exemplo das mulheres, crianças e adolescentes, afrodescendentes e deficientes.
É o se infere da Lei n. 9.394/1996 (BRASIL, 1996) quando protege as pessoas com deficiência
(arts. 58; 59; 60-A; 60-B), economicamente carentes ou pobres (arts. 4º, VIII; 71, IV) e os
educandos dos povos indígenas (art. 79).
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Tal proteção, no contexto escolar, requer não só tratamento que proíba à diferenciação
fundada em discriminação baseado no sexo, idade, deficiência ou outro qualquer que impeça a
justa expressão do mérito individual, como, também exige políticas e ações de natureza
afirmativa com o objetivo de gerar avanços na igualdade material. Um primeiro exemplo dessa
realidade é a Lei do PROUNI – Lei n. 11.096/2005 (BRASIL, 2005), que prevê prestações
sociais positivas no âmbito da educação, a exemplo da concessão de bolsas de estudo integral
ou parcial em curso de graduação para estudantes de baixa renda (art. 1º).

Outro exemplo da preocupação com a proteção dos vulneráveis pelos Direitos Humanos
no campo educacional é encontrado na Lei de Cotas – Lei n. 12.711/2012 (BRASIL, 2012),
que garante a reserva de cinquenta por cento das vagas existentes nas Universidades e
Instituições Federais de ensino.

Também, o Executivo, interpreta as normas constitucionais e supralegais para a


progressiva e constante implementação detalhada dos Direitos Humanos. Este poder o faz
quando da sanção ou veto a texto de lei, bem como por ocasião da promulgação do decreto
necessário à eficácia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no país ou, ainda,
quando da efetivação de ato administrativo normativo. Ao interpretar norma constitucional ou
supralegal, percebe-se que o Executivo não destoa intencionalmente da essência do
entendimento do Legislativo expresso ao elaborar a lei.

Ao Poder Judiciário impõe-se reconhecer a especial atribuição de importância à


interpretação realizada pelo Judiciário, especialmente quando oriunda do Supremo Tribunal
Federal. Deve-se expressar alguns aspectos específicos da interpretação realizada pelo
Supremo Tribunal Federal acerca da obediência à exigência de formação no contexto escolar
que leve o estudante à conscientização da importância dos Direitos Humanos e ao
conhecimento do seu conteúdo protetor enquanto requisito indispensável à efetivação do
padrão de qualidade da educação requerido pelo Estado por meio do ordenamento jurídico.

Verifica-se, pois, que, preponderantemente, os órgãos de cúpula dos Poderes


Legislativo, Executivo e Judiciário têm interpretado as normas constitucionais e supralegais
veiculadoras dos Direitos Humanos de modo a proteger a todos, dando especial atenção aos
grupos populacionais e indivíduos em situação de vulnerabilidade pois, tendem a um maior
risco de exclusão social. Igualmente, pode-se deduzir que aqueles Poderes entendem ser

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indispensável à efetivação do adequado Padrão de Educação Escolar preconizado no Direito
Pátrio uma formação que prepare os estudantes para o respeito e defesa dos Direitos Humanos.

Desafios para o Avanço dos Direitos Humanos no contexto da Exigência de Educação


Escolar de Qualidade Adequada

Embora tenha ocorrido avanço na concretização dos direitos humanos desde o advento
da Constituição Federal (BRASIL, 1988), ainda há muito a realizar. Exemplificam tal
constatação, de um lado, a necessidade de aprimoramento do ideário de parte do Poder
Legislativo existente nos entes federados do Estado Brasileiro, como o demonstra o surgimento
de Leis Estaduais e Municipais declaradas inconstitucionais porque veiculadoras de elementos
de intolerância e discriminação contra grupos populacionais mais vulneráveis. Tal foi a
situação já abordada no tocante à Educação Sexual Inclusiva em Escolas Públicas e em
relação à tentativa de proibir que educadores expressem posições ideológicas minoritárias,
o que somente não prosperou em decorrência das decisões contramajoritárias do Supremo
Tribunal Federal, atento no cumprimento de seu dever constitucional de proteção de todos, o
que inclui a preservação dos Direitos Humanos dos grupos populacionais vulneráveis
(LELLIS, 2011). De outro lado, também o Poder Executivo tem, por vezes, sido intolerante
com indivíduos pertencentes às minorias religiosas, étnicas ou culturais. O demonstram as
recentes decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas para a proteção de grupos vulneráveis,
com o afastamento de atos administrativos a elas prejudiciais porquanto imbuídos
exclusivamente de elementos ideológicos majoritários (LELLIS, 2013).

No campo das crenças religiosas, ilustra-se tal afirmação com a decisão do Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.099.099/SP (BRASIL, 2021)
para a concessão da segurança – em que Professora concursada em fase laboral probatória teve
recusada solicitação de alternativa ao cumprimento de dever com fundamento em objeção de
consciência pelo Município de São Bernardo do Campo/SP, em desrespeito à Constituição
Federal (BRASIL, 1988, art. 5º, VIII) e a Tratados Internacionais ratificados, tais como o Pacto
dos Direitos Civis e Políticos (BRASIL, 1992, art. 18) e a Convenção Americana de Direitos
Humanos (BRASIL, 1992, art. 12), que afirmam apenas ser possível restrição da liberdade de
crença por lei e se necessário: “[...] para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral
públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas”.

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Igualmente, o referido Tribunal declarou no Recurso Extraordinário n. 611.874/DF
(BRASIL, 2021), que o Poder Executivo da União violou o direito constitucional à prestação
alternativa decorrente de escusa de consciência quando o concursando solicitou a realização de
prova de exercícios físicos, em outro dia, que não aquele que era sagrado e no qual deveria
abster-se de atividades seculares em benefício próprio, mesmo havendo candidatos que
prestariam a prova prática em outros dias da semana. A fim de coibir violações ao princípio da
igualdade e ao direito de objeção de consciência, aquele Tribunal estabeleceu como diretrizes
a futuras negativas por parte do Poder Executivo em casos de solicitação de prestação
alternativa a presença da “razoabilidade da alteração”, da necessidade de “preservação da
igualdade entre todos os candidatos” e o não-acarretamento “de ônus desproporcional à
Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada” sobre
desproporcionalidade existente.

Há, pois, o desafio, de se avançar na concretização dos Direitos Humanos para a


proteção dos vulneráveis em face das resistências ideológicas por parte da maioria e baseadas
em interpretações expressas por normas legais e regulamentares emanadas dos poderes
Legislativo e Executivo, sobretudo nos âmbitos Estadual e Municipal, haja vista serem seus
membros preponderantemente defensores dos anseios da população majoritária.

Igualmente, existe a necessidade de implementar os elementos objetivos e subjetivos da


Educação Escolar e indicadores de Adequado Padrão de Qualidade, uma vez que tem ocorrido
resistência do Legislativo e Executivo às decisões derivadas do ativismo judicial, sob o
argumento de ilegitimidade democrática e de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio
constitucional da atuação harmônica e independente dos Três Poderes do Estado, o qual
constitui Cláusula Pétrea da Lei Fundamental (BRASIL, 1988, art. 2º e 60, § 4º, III,
combinados).

Em que pese o risco do efeito backlash - O backlash é uma reação adversa não-desejada
à atuação judicial.Trata-se de um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação
judicial - (POST; SIEGEL, 2007). O Supremo Tribunal Federal tem decidido que, em caso de
omissão administrativa, que obstaculize a implementação de Políticas Públicas requeridas
constitucionalmente. O Judiciário tem o poder-dever de atuar ativamente para que sejam
implementadas até que a omissão estatal seja sanada.

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Nesse sentido, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu em Agravo
regimental no Recurso Extraordinário n. 1.101.106/DF (BRASIL, 2018) que, para a
eficácia do Direito à Educação, em caso de omissão do Poder Público em oferecer quantidade
satisfatória de vagas em creches e pré-escolas, para as crianças de até cinco anos, é dever, do
Judiciário, suprir aquela omissão para que se proteja a efetividade do direito fundamental
inerente à cidadania e não se pode argumentar a reserva do possível como fundamento
legitimador para aquela omissão.

Ademais, em sede de Agravo regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n.


769.977 (BRASIL, 2014), a Segunda Turma do Tribunal em questão, por votação unânime,
decidiu não apenas pela possibilidade de intervenção do Judiciário, em Políticas Públicas, para
a efetivação de Direitos Fundamentais – um dos quais o de Educação Escolar, como, ainda,
afirmou ser isso possível para que Centro Educacional, em condições precárias seja alvo de
reforma, inexistindo usurpação de competência executiva pelo Poder Judiciário.

Já o Pleno do Supremo Tribunal Federal acordou, em Agravo regimental no Recurso


Extraordinário n. 1.230.668/AM (BRASIL, 2022), que é possível ao Judiciário, em caso
de omissão da Administração Estatal, atuar para implementar Política Pública de construção
de Escolas, com a decorrente disposição de recursos para tal fim, e que isso não fere ao
princípio da separação dos Poderes, ocorrendo para a eficácia de Direito Fundamental.

Conforme Souza e Kerbauy (2017), deve-se não apenas atuar para a implementação
dos Direitos Humanos no contexto Escolar, a fim de que esta esteja em harmonia com o
adequado Padrão de Qualidade requerido por normas constitucionais e supralegais como,
também, trabalhar para a efetivação da oferta dos demais elementos necessários a uma
Educação de Qualidade, sejam eles Objetivos – a exemplo da infraestrutura e da titulação
Docente, sejam eles Subjetivos – tais quais aqueles inerentes à construção didático-
metodológica do Projeto Pedagógico.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do problema de pesquisa, utilizou-se um processo


metodológico contemplando a realização de uma pesquisa hipotético-dedutiva e partindo do
preconizado pela revisão bibliográfica, objetivando o nivelamento dos conhecimentos, através
de bibliografias de autores que dão ênfase à questão e na sua contribuição. As buscas

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bibliográficas foram realizadas no período entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024. Para Karl
R. Popper (1975), sobre o método de pesquisa Hipotético-Dedutivo:

Meu ponto de vista é de [...] que a ciência parte de problemas; que esses problemas
aparecem nas tentativas que fazemos para compreender o mundo da nossa
‘experiência’ -‘experiência’ que consiste em grande parte de expectativas ou teorias,
e também em parte em conhecimento derivado da observação – embora ache que não
existe conhecimento derivado da observação pura, sem mescla de teorias e
expectativas”. (POPPER, 1975, p.181).

Além da verificação da doutrina e a comparação do posicionamento do Poder


Legislativo, Executivo e Judiciário, sobre o tema, e respondendo a questão objeto do estudo:
O padrão de qualidade da Educação Nacional requerido por normas formalmente
constitucionais e supralegais, tem como conteúdo o ensino e a implementação dos Direitos
Humanos protetores de todos, mas, em especial, de grupos populacionais identificados como
vulneráveis, e qual a amplitude dos conteúdos daqueles direitos no contexto escolar?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se que, a exemplo de outros Estados e seguindo constatação clássica


informada pelos Filósofos Platão e Montesquieu, também, no Brasil configuraram-se um
modelo obrigatório de Educação Escolar em seu território. Este modelo é de natureza ética
liberal com enfoque igualitário e democrático, com os conteúdos, procedimentos de ensino e
objetivos educacionais pertinentes, a fim de transformar os indivíduos nos cidadões
desejáveis, tudo a partir de normas constitucionais e supralegais.

Assim, um estabelecimento de ensino somente deverá ser autorizado a funcionar se


avaliado pelo Poder Público como detentor de uma adequada Educação de Qualidade
determinada pela Constituição Federal, logo, ao educar para a efetividade dos Direitos
Humanos, o que é reforçado por Tratados Internacionais, propagado pelos Direitos Humanos.

Tal realidade implica, dentre outras constatações, que deverá ocorrer no contexto
escolar à Educação para a Igualdade e Liberdade, com respeito aos Direitos Humanos para
todos, inclusive para os grupos e indivíduos vulneráveis, pois estão expostos ao maior risco de
discriminação, exclusão e sofrimento econômico, cultural e social.

Os Três Poderes instituídos pela Constituição Federal enquanto harmônicos e


independentes entre si, são os principais intérpretes desta Lei, uma vez que sua interpretação
poderá ser seguida de obrigatoriedade para todas ou algumas pessoas, pois dela emanam Leis,
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Atos Administrativos e Normativos e Decisões Judiciais com a pretensão de determinar.
Analisou-se, ao menos parcialmente, o posicionamento dos referidos Poderes quanto à
necessária implementação dos Direitos Humanos no contexto Escolar

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, C. L. de; ALMEIDA, W. G. R. de. O direito à educação sobre direitos humanos


no sentido integral. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, Florianópolis, v. 8, n. 2, 2022,
p. 72-88. Disponível em:
https://www.indexlaw.org/index.php/revistadhe/article/view/9341/pdf. Acesso em:
08/12/2023.

ALVES, M. D. F.; VIDINHA, M. S. P.; DIÓGENES, E. M. N. Educação e Dignidade:


Construção histórica de garantia de direitos? Jornal de Políticas Educacionais, Curitiba, v.
13, n. 31, Set 2019, p. 1-19. Disponível em:
https://revistas.ufpr.br/jpe/article/view/63687/39498. Acesso: 03/12/2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente


da República. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 09/12/2023.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Lei nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996.


Dispõem sobre a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em: 09/12/2023.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: Acesso em:
09/12/2023.

BRASIL. Lei Federal nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa


Universidade para Todos - PROUNI; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá
outras providências. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/Lei/L11096.htm Acesso em: Acesso em: 09/12/2023.

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades
federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 29 de agosto, 2012. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm Acesso em:
09/12/2023.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário com Agravo n.
1.099.099/SP, rel. Min. Edson Fachin, j. 26.11.2020, DJe 12.04.2021. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755554694 Acesso
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BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Civis
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e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo
nº 226, 24 de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo decreto nº 592, de 6 de julho de
1992. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm
Acesso em: 10/12/2023.

BRASIL. Decreto No 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana


sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm Acesso em:
10/12/2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário n. 611.874/DF, rel.


Min. Dias Tofolli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, j. 26.11.2020, DJe 12.04.2021.
Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755555145. Acesso
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Agravo regimental no Recurso


Extraordinário n. 1.101.106/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 21.06.2018, DJe 22.06.2018,
v.u. Disponível em:
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Agravo regimental no Recurso


Extraordinário com Agravo n. 769.977/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.10.2014, DJe
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https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7290858. Acesso em:
12/12/2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Agravo regimental nos Embargos de


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09/12/2023.

UMA REFLEXÃO DO PODER DISCIPLINAR NO ÂMBITO DOS


COLÉGIOS CÍVICO-MILITARES NO PARANÁ

Gabriele Ewilin de Oliveira Ribas


Ramon de Oliveira Bieco Braga

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
Resumo

A presente pesquisa aborda a influência das dinâmicas do Poder Disciplinar nos Colégios
Cívico-Militares no Estado do Paraná (CCM/PR). Inspirado nas ideias de Michel Foucault,
explora como o poder disciplinar configura as experiências escolares, direcionando o foco para
o manual e de experimentações educacionais. Destaca-se a relação entre poder e saber,
evidenciando sua manifestação na proibição, repressão e utilidade dos corpos individuais.
Desta forma, busca-se relacionar como essas dinâmicas tensionam a educação no Paraná, sobre
a ótica do Poder Disciplinar. Operacionalmente, foi realizado um levantamento das diretrizes
do modelo dos CCM paranaenses, socializada pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná
(SEEDPR) (PARANÁ, 2024b) e, analisado sob o método qualitativo (LUDKE; ANDRÉ,
1986) e conduzida na técnica de 'análise de conteúdo' (BARDIN, [1997] 2016), com a
finalidade de conectar abordagens individuais às intencionalidades gerais na manutenção e
modulação social. Assim, discute-se os tensionamentos acerca do modelo CCM/PR, iniciada
na ótica da aceitação ideológica, que se encaminha para projeto de normalização social.

Palavras-chave: CCM. Poder Disciplinar. Paraná. Ratinho Júnior.

Introdução

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar,


tem como função maior "adestrar"; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar
ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para
multiplica-las e utilizá-las num todo. (FOUCAULT, [1975] 2014, p.167).

Iniciamos o trabalho com um trecho sobre o bom adestramento, conforme formulado


por Michel Foucault ([1975], 2014), para refletir sobre os Colégios Cívico-Militares no Estado
do Paraná (CCM/PR). As linhas citadas expressam a intenção de direcionar este trabalho com
base no modelo implementado pela gestão do governador Ratinho Carlos Massa Junior (Partido
Social Democrático – PSD, 2019-Atual), observando a finalidade construída no cenário
educacional paranaense. Assim, a pesquisa problematiza: ‘De que maneira a lente do poder
disciplinar delineia a percepção sobre a individualidade discente e docente, nos espaços
escolares paranaenses militarizados?’.

A questão problematizadora compõe parte da trajetória profissional das pessoas que


assinam a autoria desta pesquisa, pois ambas são docentes da rede estadual paranaense e tem
experienciado a aplicação das políticas públicas dos CCM/PR desde o ano de 2020 (PARANÁ,
2024a), quando a gestão do governador Ratinho Junior iniciou o processo de implementação
dos CCM/PR. Desde então, até o início do ano 2024, 312 instituições já tinham aderido ao
modelo cívico militar (PARANÁ, 2023b). Contudo, questiona-se como o modelo cívico militar
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contribui com o processo ensino e aprendizagem, tendo em vista os episódios de violência que
tem sido denunciado pela mídia paranaense.

Dentre os episódios que foram denunciados pela mídia paranaense, Caldas (2023)
denunciou como o corpo discente teve a individualidade desrespeitada, uma vez que foi
proibido nos CCM/PR a prática de tingir o cabelo, além dos meninos serem proibidos de ter
cabelos compridos (RODRIGUES, 2023). Além dessas normas, existe um conjunto de
denuncias que tem indicado as ocorrências de assédios sexuais, ameaças, agressões e
constrangimentos evidenciados por parte da equipe militar direcionado aos/as estudantes
(BARAN, 2021; BEM PARANÁ, 2021; FOLHA DE LONDRINA, 2021; RPC NOROESTE,
2022; CALDAS, 2023; APP-SINDICATO, 2023; RODRIGUES, 2023); bem como do
encerramento do ensino noturno em colégios estaduais, promovendo a interdição no acesso dos
colégios para os/as adolescentes que dependem do ensino noturno para trabalhar durante o dia
(APP-SINDICATO, 2023) Referente as denúncias divulgadas pela mídia, a Secretaria de
Estado de Educação do Paraná (SEEDPR) abstêm-se das ocorrências e ainda continuou
investindo em tentativas de ampliar a militarização das instituições educacionais, conforme o
projeto político gestão do governador Ratinho Junior.

A adesão ao modelo dos CCM no Paraná manifesta o desmonte da educação pública.


Denunciado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-
SINDICATO, 2023), o desmonte reverbera um projeto político ideológico, promovido sob
disfarce da implementação de modelos das ‘Escolas Sem Partido’. Esse modelo afeta
diretamente a individualidade de cada discente, suprime a autonomia dos/as docentes em salas
de aula ao serem interferidas pela equipe militar, de estratégias que oprimem e sufocam a
continuidade de uma educação crítica e acessível, de uma falsa sensação de uma gestão
democrática e de até uma tentativa de suspensão da consulta a comunidade escolar sobre a
aplicação do modelo cívico-militar.

Além disto, há um considerável investimento financeiro pela militarização das escolas


e colégios, não direcionadas a estrutura e equipes que compõem o espaço escolar, mas
destinada aos militares da reserva que ao atuarem nos CCM, além de receberem as suas
aposentadorias, também recebem mensalmente uma gratificação no valor de R$5.500,00, que
é superior ao piso dos(as) professores(as) que atuam diretamente na educação básica
paranaense que em 2023 era de R$ 4.420,55 por 40 horas semanais de trabalho (APP-
SINDICATO, 2023).
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Apesar da percepção pública sobre alguns acontecimentos, que são diretos e pontuais
para serem percebidos, existem violências e processos que ultrapassam a essas lentes que são
vivenciadas. Lentes que atingem práticas e rituais das verdades que produzem quem e o que
somos. Manifestadas pelo poder disciplinar que opera em diferentes níveis, a saber: regular,
corrigir, coagir, da ortopedia física e moral, dos processos de internalização das normas; das
classificações das pessoas que estão no espaço escolar. Aqui, o/a individuo/a começa a compor
uma realidade fabricada, aquela imposta politicamente quando implementados os modelos dos
CCM. Ressaltamos que, a partir da implementação, a comunidade escolar não volta a ser
consultada sobre o modelo, quando institucionalizado, não há alternativas de rápida reversão.
Desta forma, expressa-se o poder relacional (FOUCAULT, [1975] 2014), em que o poder não
é apenas para a manutenção e reprodução das relações, mas uma relação de força.

Elucida-se que o Poder Disciplinar (FOUCAULT, [1975] 2014) possui premissas de


compreensão, evidenciando que o poder e o saber estão relacionados em seus exercícios, ou
seja, na exterioridade do poder. Este poder também é microscópico, uma vez que interage com
os corpos individuais e, simultaneamente, sobre os corpos e suas manifestações, evidenciadas
ao refletir sobre proibições, repressões e a utilidade de cada corpo. Além disso, o poder é
relacional, não apenas uma manutenção e reprodução de relações, mas uma relação de força,
com instâncias para conduzir, moldar e abstrair condutas.

Destarte, justifica-se que a realização desta pesquisa deve-se a promoção da discussão


sobre como as dinâmicas do Poder Disciplinar tencionam os CCM/PR, reverberando os corpos
discentes e docentes, intermediados pelo processo ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, esta pesquisa objetivou analisar como as dinâmicas do Poder Disciplinar
influenciam diretamente os tensionamentos educacionais nos Colégios Cívico-Militares no
Estado do Paraná (CCM/PR), destacando implicações nas práticas educacionais.

Operacionalização

Operacionalmente, a coleta de dados consistiu na análise das diretrizes propostas para


os Colégios Cívico-Militares pela gestão política do Estado do Paraná (CCM/PR), socializadas
em documento publicado pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEEDPR),
intitulado ‘Manual dos Colégios Cívico-Militares’ (PARANÁ, 2023a), que se constituiu como
a fonte de dados desta pesquisa.

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A partir dos dados coletados, a técnica de análise da pesquisa foi desenvolvida pelo
método qualitativo, que como exposto por Menga Ludke e André Marli (1986), permite a
conexão das abordagens que relacionam experiências individuais, neste caso para os/as
discentes e docentes do Ensino Básico, para intencionalidades gerais, visando a manutenção e
modulação da sociedade. Além disso, a análise foi conduzida pela técnica de 'Análise de
conteúdo' proposta por Laurence Bardin ([1997] 2016), com base nas etapas da exploração do
conteúdo a partir do material de análise que foi o documento da SEEDPR mencionado
anteriormente (PARANÁ, 2023) e a perspectiva teórica conceitual dos estudos foucaultianos10.

Modelo CCM/PR, um projeto de normalização social?

A partir da busca por documentos norteadores no sítio da SEEDPR (PARANÁ, 2024),


foi selecionado o documento intitulado ‘Manual dos Colégios Cívico-Militares’ (PARANÁ,
2023a), sendo está a última diretriz (re)formulada destinada aos CCM’s do Paraná. O próprio
direcionamento do manual considera “informações necessárias ao estudante e ao seu
responsável sobre a vida estudantil, organização dos colégios, normas sociais e práticas que
garantem uma boa convivência” (PARANÁ, 2023a, p. 03), no qual exploraremos sob a ótica
do Poder Disciplinar.

Faz-se necessário ressaltar que o Estado do Paraná, governado pelo Carlos Massa
Ratinho Júnior (2019-atual), filiado ao Partido Social Democrático (PSD), tem adotado
direcionamentos que enfatizam reforços ideológicos e da necessidade da militarização em
escolas e colégios. A fim de promover não apenas a segurança dos/as discentes, mas também
a preservação de valores tradicionais, com tensionamentos da influência e discursos da direita
política e do movimento de ‘Escolas Sem Partido’, que se intitula apartidário, mas reforça os
ideais da direita conservadora e da militarização das escolas e colégios (SILVA; VEIGA;
FERNANDES, 2020). E, com esses anseios nutridos pela população paranaense, o CCM surge
como oportunidade de resgatar ideais de ordem, condizentes com as expectativas da
comunidade escolar11, assegurando, portanto, o afastamento de qualquer ideologia às crianças

10
Os estudos foucaultianos referem-se a uma abordagem interdisciplinar desenvolvida com base nas obras de
Michel Foucault. Para esta pesquisa, foca-se em seu livro 'Vigiar e Punir' (FOUCAULT, [1975], 2014), no qual
atribui uma análise das formas de Poder e conhecimento nas relações sociais e institucionais. Assim, adotamos
essa reflexão para articular sob a lente do Poder Disciplinar - conceito criado por Foucault, afim de refletir sobre
os mecanismos de controle e disciplina sobre os indivíduos.
11
No Estado do Paraná, antes de uma escola adotar o modelo Cívico-Militar, são publicados editais que tornam
públicas as listagens de instituições a serem consultadas pela comunidade escolar – entende-se por comunidade
escolar os/as responsáveis dos/as estudantes, estudantes com mais de 16 anos, funcionários/as e docentes
(PARANÁ, 2024).
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e/ou adolescentes que não seja a vigente, reforçando a 'utilização do conhecimento público, da
experiência e da reflexão da comunidade social' (PÉREZ GÓMES, 1998, p.22) sobre o modelo.
Na prática, essa abordagem se traduz em ações de reprimir e estabelecer limites, suprimindo
qualquer individualidade que se mostre sobressalente aos valores gerais.

Assim, iniciamos a análise dos tensionamentos educacionais nos Colégios Cívico-


Militares no Estado do Paraná (CCM/PR), a partir das diretrizes socializadas pelo documento
vigente (PARANÁ, 2023a). O manual inicia-se com instruções básicas da rotina escolar, como
a organização da instituição de ensino, agora com a incorporação da equipe de militares,
composta por um Diretor Cívico-Militar e uma equipe de Monitores, que possuem a
responsabilidade de acolhimento discente (PARANÁ, 2023a, p. 03-09). Em seguida, é
contextualizado o calendário geral, que é definido pela Secretaria de Estado de Educação e do
Esporte do Paraná (SEEDPR) e, enfim, o horário. Neste ponto partimos o direcionamento do
Poder Disciplinar, percebido por Foucault ([1975], 2014) também como um poder
microscópico, sutil.

Corroborando com Ángel. I. Pérez Gómes (1998), os mecanismos de regulação sobre


os corpos estudantis buscam refletir a reprodução social e cultural amplamente, no sentido de
coagir os comportamentos dentro de sistemas pré-definidos, em uma lógica conservadora. O
delineamento das ações e comportamentos executados nos espaços militarizados reafirma os
mecanismos de socialização e coação, adentrando em algo mais profundo do que a mera
performance dos corpos, mas sim na internalização dos/as indivíduos/as que refletirão
socialmente esses mecanismos (FOUCAULT, [1975], 2014).

Na seção Horário (PARANÁ, 2023a, p. 09-10), destaca-se a cerimônia chamada de


formatura, momento que antecede o início regular das aulas, direcionado ao canto do hino e a
apresentação da bandeira. Na formatura, os/as discentes possuem seus lugares de apresentação,
considerando a espacialização de cada corpo estrategicamente posicionado para a ordem, com
a distância definida entre os/as colegas de turma, da equipe docente e pedagógica em frente
suas respectivas turmas. A equipe militar supervisiona o cumprimento desse ritual, garantindo
a ordem. Apesar de preceder as aulas, não são permitidos atrasos e, se possuírem, o/a discente
é advertido/a, com o registro do respectivo atraso na ficha individual e ocorre a notificação do
atraso aos/as responsáveis. Este é um exemplo inicial da aplicação da sanção normalizadora,
entendida como uma micropenalidade do tempo e da atividade (FOUCALT, ([1975], 2014), p.
175).
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Na sequência, temos a seção Estudante (PARANÁ, 2023a, p.10-18), em que temos a
ênfase do cumprimento de expectativa sobre os corpos discentes, momento no documento que
percebemos a disciplina como uma nova tecnologia de poder sendo operada, em: regular,
corrigir e coagir. Das imposições aos/as estudantes do CCM, temos a primeira expectativa, do
fardamento (uniforme para as escolas regulares), que deve ser usado sem alterações ou
adaptações, conforme disponibilizado pela Governo do Estado do Paraná, que financia cada
uniforme/farda aos/as discentes matriculadas em cívicos-militares12. Além da compreensão da
individualidade que se reforça a ser apenas uma com o uso dos trajes, há também a apresentação
individual. A apresentação individual se refere a externalidade sobre cada corpo estudantil, que
expressam a apresentação da honra e dever de cada um/a, carregando a imagem e o nome do
Colégio que integram.

E, disto, temos o alinhamento sobre como deve estar a apresentação de cada discente,
sendo que para o ‘corpo masculino’, é exigida uma revista mensal do corte de cabelo, o qual
deve ser discreto, sem adornos, cortes raspados, pinturas ou penteados que desviem do
tradicional. Adicionalmente, é aconselhado que não se utilize bigodes ou barba. Para o ‘corpo
feminino’, temos as instruções de que cabelos curtos podem ser utilizados soltos, enquanto
cabelos médios e longos devem ser mantidos presos, a coloração artificial dos cabelos podem
ser mantidas apenas em cores naturais e discretas, também não são permitidos adornos e
penteados que divergem do rabo-de-cavalo alto ou coques, maquiagens, adornos como brincos,
piercing, anéis e objetos afins que são considerados de vaidade, além das unhas que devem
estar sempre alinhadas as pontas de seus dedos (PARANÁ, 2023a. p. 16-18).

Nesta disposição da seção do manual, temos o que consideramos uma ortopedia física
e moral sobre os corpos discentes, manifestado para internalizar a norma e a classificá-la, não
sendo permitidos corpos desviantes a normalização. O/a indivíduo/a passa para uma realidade
fabricada, dirigida essencialmente para o poder disciplinar, em que se for manifestado
negativamente, há a exclusão, distanciamento, ocultação e a invalidade do corpo. Para os
corpos normalizados, temos a percepção da espacialização do campo de objeto no ritual da
verdade, neste caso, verdade e a validade que produzem o que somos (FOUCALT, ([1975],
2014).

12
Se faz pertinente considerar que, no Estado do Paraná, o fardamento destinados/as aos/as estudantes, embora
obrigatórios, não foram distribuídos para todos/as. Em todo o Estado, inclusive na capital (Curitiba/PR), os
uniformes, que desempenham um papel importante na decisão da comunidade escolar em adotar o modelo, não
foram disponibilizados por todas as escolas cívico-militares.
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Na sequência, temos as recomendações gerais e os deveres dos/as responsáveis, que
não divergem dos regulamentos dos colégios/escolas regulares (PARANÁ, 2023a, p.18-23).
Contudo, na seção de Ações Cívico-Militares (PARANÁ, 2023a, p.23-27), temos instruções
acerca da continência individual, que deve ser realizada na formatura, aos símbolos estaduais
e nacionais, aos cumprimentos e a equipe do colégio, incluindo a equipe docentes,
pedagogos/as, direção e monitores. Da mesma forma apresentada na seção de Horário, há a
especificação da funcionalidade de cada corpo, com a finalidade das atividades cívico-militares
em desenvolver a disciplina de cada discente. Além disso, são atribuídas responsabilidades de
chefia e subchefia de turma, onde dois/as discentes semanalmente assumem a direção da turma,
coordenando eventos como a formatura e a apresentação de cada aula aos/as docentes, além de
fiscalizar a sala de aula para os monitores.

Qualquer anormalidade no comportamento e disciplina deve ser relatado a equipe de


monitoria, em que são consideradas aos sistemas de créditos de cada discente, que
posteriormente se revertem em recompensas e méritos, como também a orientações
disciplinares (PARANÁ, 2023a, p.27-31). Condicionamos a reflexão sobre as
micropenalidades, em que o Poder Disciplinar também pode ser operado por discentes,
resgatando a premissa de que o poder não é um atributo, ou seja, não é algo que se tem, é algo
que se exerce. E, no momento em que os/as estudantes podem ter esse poder, que é delegado
se o desempenho estiver na norma, há o reforço de que agora o vigiar e punir, como discorrido
por Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir ([1975], 2014), também é algo a se desejar,
reforçando a disciplina como algo natural.

Por fim, o manual finaliza com os direcionamentos de orientações disciplinares,


reafirmando as disposições anteriores do material e, as medidas disciplinares, atribuindo
também aos/as docentes o acompanhamento das medidas disciplinares e a expectativa sobre as
práticas estudantis que devem ser executadas (PARANÁ, 2023a, p.31-56). Portanto, com o
documento percebe-se a ideia de disciplina que transcende a particularidade dos regulamentos,
agora, a disciplina interage não apenas com a busca de moldar e docilizar os corpos, mas
também de utilizá-los eficientemente e fazer deles anatomias políticas que operarão a
sociedade, fabricando a conformidade social e seus princípios.

Desde o ordenamento do tempo, o controle de atividade, a organização das atividades


e a instauração dos papéis de cada corpo, não apenas dos/as discentes, mas de todo o organismo
escolar. Destaca-se o princípio da composição das forças, onde os corpos são vistos como úteis
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não em uma ideia de autonomia ou cooperação, mas sim de competição e execução da
normalidade. Assim, o conceito de "Corpo Dócil", cunhado na perspectiva foucaultiana
(FOUCALT, ([1975], 2014), revela a complexidade das práticas disciplinares que visam
moldar não apenas corpos físicos, mas também subjetividades e interações sociais.

Considerações Finais

A presente pesquisa questionou: ‘De que maneira a lente do poder disciplinar delineia
a percepção sobre a individualidade discente e docente, nos espaços escolares militarizados?’
e, buscou-se analisar como as dinâmicas do Poder Disciplinar influenciam diretamente os
tensionamentos educacionais nos Colégios Cívico-Militares no Estado do Paraná (CCM/PR).
A partir deste tensionamento, foi utilizado Manual CCM (PARANÁ, 2023a) para considerar a
discussão.

A análise do Manual CCM/PR revelou a complexidade das práticas disciplinares que


permeiam a educação paranaense, ao abordar de forma subjetiva a conformidade social e a
utilização eficiente dos corpos discentes. Percebeu-se, pela ótica do Poder Disciplinar e no viés
foulcaltiano, que tanto o manual como as práticas escolares vivenciadas pelo organismo
estudantil são transcendidos, uma vez que opera uma disciplina de que reflete a normalização
sobre os/as estudantes. Neste sentido, a disciplina molda não apenas corpos físicos, mas
também subjetividades e interações sociais, ao se colocar expectativas e direcioná-los no
espaço em que estão inseridos.

Devido a extensão da discussão considerando o Poder Disciplinar, deixamos nesta


consideração a estrutura do panóptico, que transcende apenas a relação de uma estrutura de
uma sala de aula, da formatura que as antecede. Isto se afirma pela reflexão de que no momento
que nós, discentes ou docentes, sabemos que estamos sendo monitorados, nossas ações acabam
sendo premeditadas, fazendo com que a nossa operação da individualidade também se
discipline. Reafirmando, portanto, a normalização.

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em:<https://www.folhadelondrina.com.br/geral/mppr-denuncia-dois-militares-da-reserva-por-
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 42ª ed. Petrópolis, Rio de
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LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.


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PARANÁ – Secretária de Educação do Governo do Estado do Paraná. Colégios Cívico-


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PARANÁ – Secretária de Educação do Governo do Estado do Paraná. Editais - Colégios


Cívico-Militares (CCM). 2024a. Disponível em:<
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PARANÁ – Secretaria de Estado de Educação do Paraná. Manual dos Colégios Cívico-


Militares. 3ª_ed. 2023a. Disponível em:<
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2023-
02/colegio_civico_militar_manual_3edicao.pdf> . Acesso em 12/01/2024.

PÉREZ GÓMEZ, A. I. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do


conhecimento e da experiência. In: GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A.I.
Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998.

RODRIGUES, Franciele. Londrina: Estudantes denunciam violências em colégios cívico-


militares. Portal Verdade, Paraná, 29 de nov. de 2023. Disponível
em:<https://portalverdade.com.br/londrina-estudantes-denunciam-violencias-em-colegios-
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jan. de 2024.

RPC NOROESTE - Norte e Noroeste. MP-PR investiga suspeita de assédio sexual contra
alunas em colégio militar de Paranavaí. Grupo Globo, Londrina, 06 de jan. de 2022.
Disponível em:<https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2022/01/06/mp-pr-investiga-
suspeita-de-assedio-sexual-contra-alunas-em-colegio-militar-de-paranavai.ghtml>. Acesso
em: 28 de jan. de 2024.

SILVA, E. F.; VEIGA, I. P. A.; FERNANDES, R. C. A. Militarização e escola sem partido:


repercussões no projeto político-pedagógico das escolas. Revista Exitus, v. 10, 2020.

A IDENTIDADE DE GÊNERO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS


DO ENSINO FUNDAMENTAL NO MUNICÍPIO DE ARAGUAÍNA – TO.

Thamires Maia Paula Oliveira

Resumo
O presente artigo analisa pesquisas realizadas com quatro professoras da educação básica, na
cidade de Araguaína-TO, em especial, profissionais do segmento do ensino fundamental e
busca discutir o quanto o tema gênero na educação é um assunto postergado há anos. Um
assunto tão urgente e fundamentador de culturas, não pode continuar sendo deixado de lado
como se fosse algo que não mereça a devida relevância. Dialogamos como podemos corroborar
as transformações necessárias na reformulação dos currículos e formação dos profissionais que
levam até a comunidade a aprendizagem, a entrevista demonstra o quanto as professoras se
sentem despreparadas e de mãos atadas frente a esse assunto e necessitam de instrução
apropriada para fazer a diferença na vida dessas crianças que passam pelas salas de aulas sem
ter o entendimento necessário para que suas vidas tenham futuros diferentes dos de seus
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responsáveis. Como transmitir o que não se conhece? Essa é a pergunta central que permeia
essa pesquisa e movimenta transformações promissoras para o âmbito educacional do
município. Analisando as diferentes narrativas, podemos afirmar de forma assertiva que o
primeiro caminho para uma progressão nesse tema é despertar nessas profissionais
primeiramente, o desejo de compreender o assunto de forma abrangente e indulgente.

Palavras-chave: Gênero, Patriarcalismo, Preconceito.

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa faz parte da disciplina “História, Memória e Educação” do Mestrado


Acadêmico em Educação da Universidade Federal do Tocantins, e tem a intenção de refletir
sobre a formação de professores e professoras e suas concepções de ensino nas séries da
educação básica no Município de Araguaína-TO. Para promover essa tarefa, o método de
pesquisa escolhido foi História Oral (HO) e tem como objetivo identificar como ocorre a
transmissão de conhecimento teórico e prático dessas professoras aos seus estudantes do
ensino fundamental séries iniciais e finais, do Colégio Santa Cruz de Araguaína-TO. Turmas
estas, que correspondem diretamente às viradas de ciclos educacionais (anos iniciais e anos

finais do ensino fundamental), consolidando etapas imprescindíveis para a base de seus


conhecimentos acadêmicos, como também, marcos significantes dessas crianças que estão
em constante evolução cognitiva, biológica, emocional e social de suas vidas.
A tradição oral representa um legado milenar, portanto, sempre foi uma das formas
mais eficazes de preservação e de manutenção de conhecimentos, tradições, hábitos, crenças
e práticas e a HO nos permitirá estudar e conhecer melhor as convenções sociais e
educacionais difundidos pela oralidade, assim como as interfaces de transmissão do
conhecimento social.
A pesquisa fundamenta pautas merecedoras de uma nova óptica, considerando-se que
está arraigado em nossos corpos um olhar colonizador e eurocêntrico, no qual a mulher deve
ser submissa e aprisionada em tradições e concepções patriarcalistas que nos causam nocivos
efeitos em meio à globalização, essa concepção efetiva que a mulher não é vista a partir de si
própria, mas comparada ao homem, submissa e que vive sob dominação da hierarquização
patriarcalista.
Nesse sentido, a análise de como podemos corroborar as transformações necessárias
na reformulação dos currículos e formação dos profissionais que levam até a comunidade a
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aprendizagem, é de suma importância. Demonstrar através das entrevistas que a questão do
gênero passou despercebido para essas inúmeras professoras formadoras, instigar que as
mesmas reflitam o quanto perderam ao negar que essa discussão fosse necessária e libertadora
tanto para as mesmas quanto para seus aprendizes e comunidade em geral.

METODOLOGIA

A metodologia a ser trabalhada será em História Oral e constituída nas seguintes


fases: entrevista, transcrição, conferência de fidelidade e redação do artigo. O artigo se
norteará, principalmente, pelas orientações do Manual de História Oral, de Verena Alberti.
Será elaborado um roteiro para as entrevistas.
As interlocuções serão individuais e se estenderão à um quadro de quatro professoras, no
Município de Araguaína - TO.

REFERENCIAL TEÓRICO
O conceito gênero foi criado no início dos anos 60, teóricas e professoras feministas
que desejavam a entrada das mulheres no comando público do trabalho, política, educação
dentre outros. A ordem gênero foi utilizada para declarar a discriminação sofrida por mulheres
em vários níveis, social, interpessoal, e principalmente profissional.
O magistério não deveria se dissociar da realidade, a formação dos estudantes deve ser
pautada na relação da atuação social, cidadã e em toda a amplitude do contexto vivenciado por
eles, direitos garantidos pela constituição federal, ECA e políticas educacionais brasileiras.
Agindo como mediadores e facilitadores do conhecimento, os docentes devem instigar o
pensamento crítico pessoal dos estudantes e auxiliar na percepção dos conceitos apresentados,
a mediação neutra e ampla sempre será fundamental, pois ela fará toda a diferença nas
hipóteses que poderão ser pensadas.

Meninos e meninas aprendem, também desde muito cedo, piadas e


gozações, apelidos e gestos para dirigirem àqueles e àquelas que não
se ajustam aos padrões de gênero e de sexualidade admitidos na cultura
em que vivem. (GUACIRA LOPES, 2018, p.35).

O fato de a discriminação ser uma convenção social desde cedo, é como se o


enraizamento de culturas conservadoras e nada inclusivas não evoluíssem em nenhum
percentual, comparando a um século de tanta evolução em tantos outros aspectos como o
tecnológico entre outros. Crianças que não tem ainda sua própria identidade formada, são

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estimuladas e persuadidas por mentes fechadas e preconceituosas que ainda que
inconscientemente, disseminam ideais retrógrados e opressores, retrocedendo a formação que
deveria ser de forma protagonista das próprias crianças.

Falas regressistas que na maioria das vezes, são expostas automaticamente como:
“homem não chora por qualquer coisa”, “esse comportamento é de mulherzinha”, “sente-se
como uma mocinha”, “você parece um moleque”, “isso é brincadeira de maricas”, “você
precisa ser um homem de verdade”, “homem não sente dor”, “isso não é coisa / cor de mulher
usar” ... entre outras, essas afirmações fazem parte de uma formação machista que fomenta a
forma pejorativa do gênero feminino, fragilizando e diminuindo esse sexo, bem como, reprime
o sexo masculino a não expor de forma integral seus sentimentos e preferências.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dessa forma, ao considerar os impasses supracitados, faz-se os seguintes
questionamentos: por que não são formadas professoras que tenham a consciência de conduzir
seus estudantes de forma integral e protagonista? Qual a diferença entre os estudantes da
geração anterior à geração atual? Qual o caminho para chegarmos à verdadeira amplitude do
conhecimento de gênero das professoras afim de que, a transmissão também seja de forma tão
natural e quase automática?
Compreendemos que as mudanças trazem descomodidade e resistências, contudo,
sabemos também que são necessárias e urgentes, a chave está na fonte da informação, na raiz
dos saberes, no embasamento científico, na conscientização que vivemos um novo século, e
que, se infelizmente, não gozamos da oportunidade de acessar informações transgressoras
enquanto estudantes, temos agora as ferramentas que nos perspetivam, o dever, dessa
transmissão.

Para que essas conversas se tornem até mesmo pensáveis em relação à


educação é preciso que as educadoras e os educadores e tornem
curiosos sobre suas próprias conceptualizações sobre o sexo, e ao fazê-
lo, se tornem abertos também para as explorações e as curiosidades de
outros relativamente à liberdade do “domínio imaginário”.
(GUACIRA LOPES, 2018, p.140).
Do que adiantaria novas políticas, novas formações e ou disciplinas nas graduações,
se as mentes permanecessem detidas ou tendenciadas apenas ao que já conhecem. Como em
qualquer outro tipo de conceituação, o tema gênero demanda de discernimento, imersão,

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disposição para se alimentar de fontes lícitas e empíricas que consigam abarcar de forma
elucidativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das entrevistas realizadas, pode se observar através da HO, que o panorama
de concepção do tema gênero na formação de professores e professoras, em absoluto século
XXI, não é comtemplado de maneira efetiva, visto que, as professoras entrevistadas, são
formadas em áreas de conhecimentos diversos e com idades e tempos de atuação distintas.
Portanto, o que não se sabe, não se transmite, o que não se é de apropriação, não se dissemina,
o que não é de domínio, não perpassa.

Se o conhecimento for sempre inadequado, se o conhecimento também


se mascara, de alguma forma, nossa capacidade para a ignorância e se
nós devemos, mesmo assim ter a ilusão do conhecimento para poder
perambular pelo mundo, existe uma abordagem do conhecimento que
possa nos permitir tolerar suas incertezas, surpresas e transformações?
(GUACIRA LOPES, 2018, p.130).

bell hooks13, pensadora, professora, escritora e ativista negra norte-americana,


deixou-nos trabalhos extraordinários em seus mais de trinta livros, onde ela testemunha sua
própria luta em busca de direitos igualitários, deixa óbvio que as políticas de gênero não podem
ser eficazes se elas não perpassarem os muros das raras instituições que ofertam eixos de
pesquisa e estudo sobre o tema, não podem verdadeiramente tocarem as próprias mulheres sem
que aja sonoridade real entre elas, onde muitas vezes o conhecimento chega apenas às mulheres
brancas e de classe média que utilizam o conhecimento sobre o gênero feminino para se
autopromoverem.

Por fim, é certo a constatação de que a ignorância, a falta de conhecimento específico


e aprofundado nos temas, acarreta o preconceito, a intolerância e consequentemente à
estagnação de temas que já deveriam permear o âmbito educacional com tranquilidade e
abrangência devida, visto que, falamos de um povo diverso, multicultural e que deveria ser
realmente protagonista de suas próprias histórias.

13bell hooks é o pseudônimo escolhido por Gloria Jean Watkins em homenagem à sua avó. O nome escolhido,
grafado em minúscula, é um posicionamento político da recusa egóica intelectual. hooks queria que prestássemos
atenção em suas obras, em suas palavras e não em sua pessoa.
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ANEXO I – ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMIESTURADAS

ENTREVISTADA 1:
1) Identificação: Nome completo, idade, ano e campo de formação, tempo de
atuação, séries de atuação.
Kamilla Pereira da Silva, tem 25 anos, finalizou a graduação em 2018-Licenciatura em
Biologia, ministra aulas de ciências, biologia e química para os 5º anos, 6º ano ao 3º ano
EM.

2) Durante sua formação, qual a quantidade de pessoas do gênero feminino havia


em sua turma?
Cerca de 80% da turma era do gênero feminino, uma turma muito boa e cheia de mulheres
inteligentes e ávidas para adquirirem conhecimentos.

3) Lembra-se de alguma disciplina e ou professores que debatiam o tema gênero?


Não diretamente, o tema sempre foi superficial, por mais que um grupo significativo
tivesse interesse, o tema quase nunca se adequava aos conteúdos estudados, também existia
o “respeito” para os que não tinham o mesmo interesse.

4) Qual o seu nível de conhecimento esse tema?


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Considero que seja mediano, busco, estudo e tento ao máximo estar por dentro, mas não
chega ser de forma aprofundada.

5) De qual forma você transmite conteúdos e conhecimentos aos seus alunos? Com
igualdade ou com distinção de gênero?
Com igualdade e respeito a todos, a escola é um espaço complexo, onde temos sim vontade
de debater e levar mais conhecimentos, porém, também é um lugar onde devemos ter
cautela com os preconceitos.

6) Se sente preparada suficientemente para abordar esse tema com seus alunos?
Não, infelizmente falta espaço para isso, e quando digo espaço, quero dizer tanto de
recebimento quando de transmissão. Não é em qualquer assunto que podemos fazer esse
tipo de abordagem, e muito menos para qualquer grupo.

7) Se arrepende de algum tipo de distinção de gênero que fez de forma consciente


ou inconsciente?
Sim, muitas vezes, a forma em que a própria sociedade nos coloca, a distinção existe de
maneira implícita. Não é diferente em sala de aula, as convenções sociais muitas vezes
acabam falando mais alto.

8) Entende qual a importância de compreensão do assunto para que a transmissão


seja feita de forma assertiva?
Sim, com certeza, e quero muito ter essa compreensão de forma mais embasada e
apropriada para que a transmissão seja leve e tranquila.

9) Se no próximo ano, houvesse a obrigatoriedade de se tratar do tema gênero entre


os conteúdos já pré-estabelecidos pelo currículo educacional, como se
comportaria?
Estaria disposta, mas necessitaria de uma formação para isso, visto que tudo o que
trabalhamos em um espaço precisa ser bem justificado e respaldado pelas políticas
educacionais.

10) Esse espaço ficará aberto para a contribuição da entrevistada.


Me senti instigada com essa entrevista, nunca havia sido questionada por tal tema, isso
mostra-me que preciso me envolver mais e buscar mais respostas para questionamentos
que eu considerava não necessários.

ENTREVISTADA 2:
1) Identificação: Nome completo, idade, ano e campo de formação, tempo de
atuação, séries de atuação.
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Kamila Soares de Araújo Coimbra 38 anos, Historiadora há 13 anos. Atua atualmente
com a disciplina de história de 5º ao 8º ano do ensino fundamental e sociologia no 9º
ano do EM.

2) Durante sua formação, qual a quantidade de pessoas do gênero feminino havia


em sua turma?
A maioria da turma na graduação era formada por mulheres, cerca de 90%, no entanto,
no mestrado, éramos 6 mulheres numa turma de 20 alunos.

3) Lembra-se de alguma disciplina e ou professores que debatiam o tema gênero?


Disciplina específica de gênero não, mas em alguns debates falava-se da questão, mas,
raramente.

4) Qual o seu nível de conhecimento esse tema?


Considero relevante, uma vez que utilizo o conhecimento histórico para fazer análises
sociais.

5) De qual forma você transmite conteúdos e conhecimentos aos seus alunos? Com
igualdade ou com distinção de gênero?
Com igualdade de gênero.

6) Se sente preparada suficientemente para abordar esse tema com seus alunos?
Me sinto, mas, não posso, pois meu gênero atravessa minha atuação e por questões
estruturais por vezes sou cerceada.

7) Se arrepende de algum tipo de distinção de gênero que fez de forma consciente


ou inconsciente?
Me arrependo sim, inconscientemente fiz, e quando tomei consciência ressignifiquei a
questão.

8) Entende qual a importância de compreensão do assunto para que a transmissão


seja feita de forma assertiva?
Entendo, e sei também o quanto é difícil, toda questão estrutural é extremamente
complicada de se trabalhar.

9) Se no próximo ano, houvesse a obrigatoriedade de se tratar do tema gênero entre


os conteúdos já pré-estabelecidos pelo currículo educacional, como se
comportaria?

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Ficaria extremamente feliz, e se enquanto professora tivesse de fato meu direito de
cátedra seria melhor ainda. Pensaria projetos envolvendo toda a escola, do infantil ao
médio, assim como em questões raciais. Quando se tem questões estruturais a de se
envolver toda a comunidade escolar, trabalhos pontuais não são efetivos, por exemplo,
trabalhar a consciência negra só no 20 de novembro, são “projetos” para cumprir
protocolo.

10) Esse espaço ficará aberto para a contribuição da entrevistada.


Amei a pesquisa, e penso, futuramente refletir sobre a diferenciação salarial dentro do
ambiente educacional seria ótimo.

ENTREVISTADA 3:
1) Identificação: Nome completo, idade, ano e campo de formação, tempo de
atuação, séries de atuação.
Poliana de Jesus Sousa, 44anos. Formação técnica em Magistério, Licenciatura em
história, bacharel em Direito, especialização em pedagogia escolar com ênfase em
administração, supervisão e coordenação. Tenho 23 anos que trabalho como professora.
Sou docente do 1°ano do Fundamental l.

2) Durante sua formação, qual a quantidade de pessoas do gênero feminino havia em


sua turma?
80% eram do gênero feminino, normalmente natural em turmas de magistério e pedagogia,
já no Direito, havia muito mais homens que mulheres.

3) Lembra-se de alguma disciplina e ou professores que debatiam o tema gênero?


Somente no curso de Bacharel em Direito havia disciplina que discutia sobre as minorias,
nessa englobava indígenas, negros, LGBT entre outros, claro que devo considerar aqui que
esses temas eram abordados em forma de leis.

4) Qual o seu nível de conhecimento esse tema?


Mediano, não posso dizer que não sei nada, mas também seria negligente em dizer que
tenho grandes conhecimentos.

5) De qual forma você transmite conteúdos e conhecimentos aos seus alunos? Com
igualdade ou com distinção de gênero?
Com igualdade, tendo cuidado de trabalhar conforme a idade dos alunos, trabalhar com
crianças tão pequenas requer alguns cuidados mais específicos.

6) Se sente preparada suficientemente para abordar esse tema com seus alunos?
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Acredito que é um tema no qual, precisamos sempre nos atualizarmos. Com isso, não me
sinto tão preparada.

7) Se arrepende de algum tipo de distinção de gênero que fez de forma consciente ou


inconsciente?
Não. Pois no meu grupo de convívio, procuro me relacionar com todos as pessoas.

8) Entende qual a importância de compreensão do assunto para que a transmissão


seja feita de forma assertiva?
Com certeza é necessário conhecer para que possamos acabar com as discriminações.

9) Se no próximo ano, houvesse a obrigatoriedade de se tratar do tema gênero entre


os conteúdos já pré-estabelecidos pelo currículo educacional, como se
comportaria?
Estaria buscando mais conhecimento, para abordar de forma clara com meus alunos e com
os pais. Pois hoje vejo, que o grande problema são os pais.

10) Esse espaço ficará aberto para a contribuição da entrevistada.


Após a conclusão do trabalho, desejo ler o artigo. Para complementar meus
conhecimentos nessa área.

ENTREVISTADA 4:
1) Identificação: Nome completo, idade, ano e campo de formação, tempo de
atuação, séries de atuação.
Crisllem Lorrany Viturina de Sousa Igreja. Tenho 28 anos, sou especialista em Educação
Matemática. Atuo há 6 anos com as turmas de 5°, 6° e 7° ano.

2) Durante sua formação, qual a quantidade de pessoas do gênero feminino havia


em sua turma?
Pouquíssimas, 7 mulheres dentre 28 homens, na área de exatas é padrão esse contexto
sexista.

3) Lembra-se de alguma disciplina e ou professores que debatiam o tema gênero?


Nenhuma disciplina abordou o tema, inclusive posso dizer abertamente que em nenhum
momento isso foi possibilitado, nem ao menos em trabalhos...

4) Qual o seu nível de conhecimento esse tema?


Considero que tenho conhecimento relevante, sou uma apreciadora dos direitos das
mulheres, então busco sempre estar atualizada às políticas.
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5) De qual forma você transmite conteúdos e conhecimentos aos seus alunos? Com
igualdade ou com distinção de gênero?
Das duas formas, vivemos em um mundo em que as pessoas se blindam dos acontecimentos
e transformações, alguns querem e acreditam na igualdade, enquanto outros apenas ignoram
e se fecham, portanto, transmito da forma em que a abertura me é dada.
6) Se sente preparada suficientemente para abordar esse tema com seus alunos?
Não me sinto, sempre esbarro em preconceitos e afirmações contrárias aos temas
propostos.

7) Se arrepende de algum tipo de distinção de gênero que fez de forma consciente


ou inconsciente?
Não, faço meu possível para me comunicar de forma respeitosa e assertiva com ambos os
gêneros.

8) Entende qual a importância de compreensão do assunto para que a transmissão


seja feita de forma assertiva?
Entendo, e sei também o quanto é difícil, toda questão estrutural é extremamente
complicada de se trabalhar.

9) Se no próximo ano, houvesse a obrigatoriedade de se tratar do tema gênero entre


os conteúdos já pré-estabelecidos pelo currículo educacional, como se
comportaria?
Gostaria, no entanto, precisaria de orientação, já que em um ambiente escolar lidamos com
diferentes tipos de pensamentos, principalmente por ser uma escola particular, os assuntos
não conhecidos têm uma tratativa melindrosa.

10) Esse espaço ficará aberto para a contribuição da entrevistada.


Agradeço a escolha para responder a essa pesquisa, realmente precisamos conhecer mais
sobre os assuntos que consideremos delicados, quem sabe assim eles possam se tornar um
dia mais leves e tranquilos de serem tratados.

AGRADECIMENTOS

Sou grata a Deus, por me abençoar e me manter firme em minhas convicções, grata à
minha família, que é minha rede de apoio incondicional, que me ancora e me proporciona
sustentação física e emocional para que eu possa continuar em busca do constante aprendizado,
fazendo com que meu trabalho como educadora tenha significado todos os dias.

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Gratidão à minha Filha, que é uma jovem mulher forte, dedicada, estudiosa, apoiadora
e companheira de pesquisa do Feminismo.
Aos meus irmãos, que mesmo de longe, torcem e vibram por cada conquista de forma
tão carinhosa. À memória da minha Mãe querida, que mesmo sem ter consciência, foi uma
Feminista fervorosa, que deixou seu legado de Mulher Forte, Resiliente e Guerreira, me
transformando em uma pessoa melhor todos os dias quando me recordo de seus ensinamentos
e palavras.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação


Getúlio Vargas, 1990.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.

GARRET, Annette. A ENTREVISTA, SEUS PRINCÍPIOS E MÉTODOS. Agir, Rio de


Janeiro, 1967.

GONÇALVES, José Henrique Rollo. TRABALHANDO COM FONTES ORAIS.


Cadernos de Metep, DFE/CCH/UEM, Ano4, No 3:1-33, 1991.

HALBWACHS, Maurice. A MEMÓRIA COLETIVA. Vértice, São Paulo, 1990.

hooks, bell. ENSINANDO A TRANSGREDIR: a educação como prática da liberdade. São


Paulo Martins Fontes, 2013.

hooks, bell. O FEMINISMO É PARA TODO MUNDO: políticas arrebatadoras. Rio de


Janeiro, Rosa dos tempos, 2020.

LOURO, GUACIRA LOPES, UM CORPO ESTRANHO – Ensaios sobre sexualidade e


teoria queer, Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LOURO, GUACIRA LOPES (org.), O CORPO EDUCADO – Pedagogias da sexualidade


Autêntica, 4ª ed. 2018.

RIBEIRO, Djamila. LUGAR DE FALA: FEMINISMOS PLURAIS. 1ª Ed, Editora


Jandaíra, 2019.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. A COLÔNIA BRASILIANISTA: HISTÓRIA ORAL


DE VIDA ACADÊMICA. Nova Stella, São Paulo, 1990.

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A VIOLÊNCIA CONTRA A DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO
NA ESCOLA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS DOS DOCENTES
Moisés Santos de Menezes
Roberta Brito Lima

Resumo

A violência contra a diversidade sexual e de gênero nas escolas atualmente é marcada pelos
fenómenos da subnotificação, revitimização e impunidade destes casos. Este estudo apresenta
através de dez entrevistas semiestruturadas com docentes do ensino fundamental de escolas do
município de Aracaju/SE, os desafios e perspectivas destes profissionais no processo de
prevenção e combate a homotransfobia no ambiente educacional. Com isso percebeu-se que a
homotransfobia é um fenômeno bastante presente no contexto escolar apresentando-se em
contextos diversos que atinge desde o projeto político pedagógico escolar aos posicionamentos
sobre esse assunto sinalizados em salas de aula. Trabalhar com estratégias de prevenção e
enfrentamento a estes tipos de violências é uma necessidade urgente para os docentes e dos
mesmos dentro do ambiente educacional.

Palavras-chave: Homotransfobia. Docente. Diversidade Sexual e de Genero. Escola.


Violência.

Introdução

A diversidade sexual e de gênero e suas expressões se encontram constantemente


presentes no ambiente escolar. Os alunos com identidades sexuais e de gênero distintas da
cisheteronormatividade são vítimas frequentes de diversas práticas homofóbicas e transfóbicas
decorrentes, sobretudo, de preconceitos e estereótipos de gênero reproduzidos e reiterados na
instituição escolar (Louro, 2004).

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2024
A instituição escolar é permeada pela diversidade sexual e de gênero, que engloba as
diferentes práticas, vivências e expressões da sexualidade e do gênero não reguladas pelo
padrão cisheteronormativo. A homofobia e a transfobia são fenômenos que ocorrem de modo
implícito ou explícito diariamente no ambiente escolar, seja de forma sutil através de piadinhas
de cunho preconceituoso feita entre os próprios docentes e discentes, com apelidos pejorativos,
seja de forma direta e espontânea através de ameaças, exclusões e violências diversas com
aqueles sujeitos que demonstram fugir dos padrões e regras heterossexuais e cisgêneras
impostos socialmente.

A escola, como uma instituição que possui grande relevância social, tem um papel
bastante importante no processo de combate às diversas formas de preconceitos e
discriminações contra a diversidade sexual e de gênero, principalmente no que tange à
população LGBTI+. Diante disto, o contexto escolar tem demonstrado profunda escassez de
conhecimento dos docentes em relação ao debate sobre gênero e sexualidade na educação.
Temáticas que dizem respeito à sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero,
homofobia, transfobia, entre outras, são normalmente pouco debatidas em sala de aula. Esta
omissão ou carência de aprofundamento no ambiente escolar contribui para o enaltecimento
das diversas práticas homofóbicas e transfóbicas (agressões verbais ou físicas, exclusões,
ameaças, entre outras), as quais são perpetradas contra jovens que destoam do padrão
cisheteronormativo, uma vez que a diversidade sexual e de gênero se encontra diretamente
presente no contexto escolar. Negar-lhe esta realidade é buscar ocultar sua presença e
significado.
A homotransfobia perpetrada contra a diversidade sexual e de gênero de forma
interseccional se apresenta como toda ação de preconceito, discriminação e/ou violência
direcionada à Orientação Sexual, Identidade, Expressão de Gênero e Características Sexuais
(OIEC) de todos os sujeitos sociais, tendo como critérios mínimos para sua execução a ameaça
ou o rompimento da cis-heteronormatividade como modelo de sexualidade e identidade de
gênero a ser seguidos. A Homofobia é direcionada a ameaça ou o rompimento da
heterossexualidade como única norma social de vivência afetiva e sexual a ser seguida; e a
Transfobia consiste na ameaça ou o rompimento da cisgeneridade como única norma social de
identidade de gênero a ser seguida (Menezes, 2021). O objetivo desse trabalho é analisar a
percepção dos professores de uma escola pública estadual localizada na cidade de Aracaju –
SE, sobre a violência contra a diversidade sexual e de gênero no cotidiano escolar. Para isso,
foi realizada pesquisa de campo através de entrevista semiestruturada dirigida a dez professores

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com graduações diversas. Estabeleceu-se esta amostra com a finalidade de analisar as
principais demandas dos/as docentes e discentes sobre as questões que envolvem a diversidade
sexual e de gênero no contexto escolar. Os docentes entrevistados são formados nas áreas da
Pedagogia, Letras e Letras-Português-Espanhol, Letras- Inglês, Educação Física e História,
com 02 (dois) a 26 (vinte e seis) anos de experiência em educação.

A escolha do lócus da pesquisa (Escola pública de ensino fundamental do 6º ao 9º ano),


deve-se à escassez de estudos acerca dessa temática no estado de Sergipe. Os/as participantes
são professores das disciplinas de Português, Matemática, Ciências, Geografia, História, Inglês
e Educação Física. Essa escolha justifica-se por corresponderem às disciplinas obrigatórias e
que devem abordar os temas transversais de modo interdisciplinar, inclusive a questão da
sexualidade e da diversidade sexual e de gênero. Nessa direção, cabe expor os principais dados
sociodemográficos dos/as docentes participantes. A entrevistada 1 é formada em Pedagogia,
tem 37 anos de idade, possui experiência de mais de 12 anos na educação básica e sua religião
é católica; a entrevistada 2 é graduada em Letras, tem 24 anos, e experiência docente de 1 ano,
também é católica; o Entrevistado 3 é professor de Ciências, tem 26 anos e atua na área da
educação há 4 anos, é católico, formada em Pedagogia; a 4 é professora de Letras Português -
Espanhol, tem 26 anos e atua na profissão há 4 anos, católica; o 5, professor de História, tem
37 anos e experiência docente de 08 anos, sua religião é católica, possui Especialização em
Gestão de Políticas Públicas Em Gênero e Raça e Especialização em Ensino de História.; Já a
6, é professora de Inglês tem 45 anos, com cerca de 19 anos de atuação na área, católico
formada em Pedagogia; a 7 tem 45 anos Pedagoga com experiência profissional de 18 anos,
católica; a 8, possui 50 anos, católica, leciona a 11 anos e formada em pedagogia; a professora
9 tem 21 anos formada em Inglês, católica, com 2 anos de experiência em sala de aula; e por
fim a professora 10 é de Educação Física, tem 35 anos, atua há 10 anos como docente, é católica
e possui especialização em Metodologia e didática do Ensino Superior.

A escola conta com aproximadamente 800 alunos/as matriculados/as e um quadro de


35 funcionários, entre professores/as, equipe diretiva e pessoal de apoio. Nessa escola funciona
a modalidade de ensino fundamental (6º ao 9º ano), e existem na instituição sete docentes
licenciados/as nas disciplinas de ensino obrigatórias. A escola costuma realizar semanas
especiais com palestras acerca de temas de interesse dos/as adolescentes, contudo, ainda não
focaliza a questão da diversidade sexual e de gênero, entre outros motivos devido à falta desses
temas durante a formação inicial e continuada dos/as docentes, o que contribui para

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representações ancoradas em crenças preestabelecidas. Para coleta de informações foi
elaborado um instrumento constituído por um questionário para auxiliar na entrevista
semiestruturada, ambos desenvolvidos com base na bibliografia estudada (Borrilo, 2010;
Louro, 1997, 2000, 2004).

RESULTADOS/DISCUSSÃO

O primeiro questionamento realizado aos docentes buscou analisar a percepção dos


educadores em relação ao fenômeno da homossexualidade e das identidades trans,
questionando se essas identidades para os mesmos podem ser consideradas como uma
orientação, opção, condição ou identidade afetiva-sexual. Entre os respondentes, 07 (sete)
professores responderam que seria uma identidade afetivo-sexual, alegando, ainda, que cada
um é livre para realizar suas “escolhas” e que cada ser humano é, desde pequeno, construído
com sua identidade pessoal. Um lecionador respondeu que seria uma condição, por causa da
naturalidade com que as coisas acontecem; e, dois (02) não quiseram se posicionar em relação
à questão, afirmando não terem conhecimentos precisos para escolher quaisquer das opções
colocadas. É importante ressaltar que 01 (uma) educadora alegou que a homossexualidade e a
transexualidade são doenças e desvio de conduta, enquadrando tal postura e/ou identidade de
gênero em princípios religiosos e doutrinais apreendidos no decorrer de sua vida.

Penso que seja uma condição, mas hoje tudo é natural então acaba sendo de certo
modo aceito. (Entrevistado 3).
É uma doença, um desvio de conduta, isso não está correto conforme a bíblia.
(Entrevistada 8).

Em relação à postura dos educadores em tratar a homossexualidade e as identidades


trans como uma “escolha”, Borrillo (2010) conceitua essa forma de interpretar a
homossexualidade e as identidades trans como homofobia liberal. Oliveira (2013),
comungando do mesmo debate, sinaliza que afirmar que a homossexualidade e/ ou as
identidades trans são escolhas culpabiliza determinados sujeitos pelas consequências da
mesma, ou seja, ao se adotar uma postura de dizer que o sujeito homossexual e/ou transexual
escolheu vivenciar tais desejos afetivo-sexuais ou identidade de gênero “destoante” da
cisgeneridade atribui-se ao próprio sujeito todas as questões que sejam decorrentes de sua
escolha, como as situações de preconceito e discriminação. Alega-se, pois, que poderiam ser
evitadas se estes sujeitos tivessem escolhido a heterossexualidade e a cisgeneridade para
vivenciar suas experiências identitárias, afetivas e sexuais. Desta forma, observa-se que a
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concepção da homossexualidade como identidade sexual, para alguns docentes, não é sólida.
O conceito sobre a homossexualidade e as identidades de gênero ainda se encontra ligado ao
senso comum e a conhecimentos estereotipados. A condição de doença direcionada a
homossexualidade e a transexualidade pela docente reafirma a urgente necessidade de se
trabalhar essas temáticas na formação contínua destes profissionais, uma vez que estas
concepções discriminatórias podem afetar diretamente a vida das pessoas LGBTI+ dentro do
ambiente educacional.

Em relação a formação docente sobre está matéria, questionou-se se os mesmos, durante


sua formação, tiveram acesso a disciplinas ou cursos que abordavam essas temáticas. Dentre
os respondentes, 07 (sete) alegaram que não tiveram acesso a nenhuma disciplina ou cursos de
formação ou extensão que abordavam estes temas, enquanto 03 (três) deles responderam que
tiveram acesso a tais conteúdos, porém, sem o aprofundamento necessário, com poucas
propostas de discussões e através de experiências vivenciadas e relatadas por colegas. Ao
questionamento acerca da importância de tal assunto durante sua formação, os educadores
responderam positivamente, alegando que todos têm direitos iguais e que a discussão destes
temas é, em qualquer esfera da sociedade, inevitável. Algumas respostas pontuaram que o
debate sobre a homossexualidade levaria os demais sujeitos sociais a respeitarem a OIEC, o
que se pode observar nos relatos:

Hoje, esse é um tema inevitável de ser discutido em qualquer esfera (Entrevistado 5).

Sim. Porque vivemos em uma sociedade com diversidade (Entrevistada 9).

Claro, porque todos têm direitos, não importa raça, religião ou escolha sexual
(Entrevistada 7).

Analisando a ausência de formação necessária dos respondentes relacionada às


expressões da diversidade sexual e de gênero no ambiente escolar, questionou-se se tais
educadores sentem-se preparados para trabalhar com o público LGBTI+, Oito educadores
responderam positivamente, mesmo reconhecendo suas limitações e dificuldades, dada a
ausência de conhecimento e experiência, necessitando buscar auxílio e capacitação, enquanto
02 (dois) responderam negativamente.

Nunca estamos preparados o suficiente, pois há várias realidades, embora esteja


ciente que o respeito deve ser mútuo e recíproco. (Entrevistada 10).

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Não. Por não possuir uma base de reflexão adequada para um ambiente e o público.
E os conceitos religiosos implicarem determinadas condutas homossexuais.
(Entrevistada 6).

Sobre os direitos conquistados pela população LGBTI+, como adoção de casais


homoafetivos, união estável, utilização do nome social de travestis e transexuais, dentre outros,
questionou-se aos docentes se os mesmos concordavam com tais conquistas e o porquê. Dentre
os respondentes, 02 (dois) disseram que não concordam com as conquistas de tais direitos,
fundamentados em princípios religiosos. Os demais concordaram, porém, alguns
condicionaram esta aceitação às transformações sociais e evolução do pensamento social,
enquanto outros reafirmaram que todos possuem o direito e a liberdade de escolher sua
sexualidade, não devendo este fato ser empecilho para a conquista de tais direitos.

Sim, estamos passando por um século de inovações e transformações, que deve-se


respeitar toda e qualquer pessoa (Entrevistada 5).

Não. Por não existir uma base familiar aceitável para toda a sociedade (Entrevistado
7).

Não concordo porque descaracteriza a estrutura familiar criada por Deus, mas
entendo que existem crianças que são abandonadas por seus pais e que podem ser
acolhidas, amadas e educadas por casais homossexuais (Entrevistada 6).

A aceitação dos direitos da população LGBTI+, conforme analisamos nas falas dos
respondentes, não é naturalizada .Condicionar uma postura de aceitação voltada para as
condições mutáveis da sociedade em relação a tais direitos é submetê-los às concepções e
formas de pensamento da sociedade. Os direitos que equivalem à população LGBTI+ devem
estar assegurados tanto quanto os que equivalem às identidades afetivo-sexuais dos Cisgêneros
e heterossexuais. No ambiente escolar, estes direitos precisam ser vistos como naturais e
necessários, pois, ao negar, por exemplo, que um estudante ou docente utilize seu nome social
neste espaço, é o mesmo que violar um direito importante e fundamental de tal sujeito.

Considerações Finais

A escola possui um papel importante nesse processo de enfrentamento à homotranfobia


Conforme Tessariolli (2013), esse tipo de violência sem dúvida está assentado nas crenças,
atitudes e valores transmitidos ao longo das gerações pelos núcleos familiares, sendo esse
contexto um marco importante para a construção do preconceito e da discriminação contra a
diversidade sexual e/ou de gênero. Sem dúvidas, as influências socioculturais internalizadas

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são determinantes importantes no decorrer do desenvolvimento de todas as pessoas. Em se
tratando da sexualidade e identidade de gênero, as únicas influências apreendidas e
automaticamente aceitas socialmente são a padronização pelas relações e comportamentos
heterossexuais, cisgêneros, as demais identidades afetivas e sexuais são desnaturalizadas e
consequentemente desumanizadas.
A escola nesse contexto possui um importante papel em romper esse ciclo, sendo
convidada muitas das vezes para dar continuidade a uma educação sexual que não se resume
nas questões biológicas e de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis - IST, mas
que seja capaz de contemplar a diversidade humana de forma ampla e transversal, com
conhecimentos e informações capazes de promover uma educação verdadeiramente inclusiva
e transformadora, capazes de transcenderem os muros da própria escola. Deste modo, é possível
verificarmos que os respondentes das entrevistas possuem diversas dificuldades no trabalho
com as expressões da diversidade sexual e de gênero na escola, principalmente no que tange à
população LGBT. A ausência de informações básicas no processo de formação acadêmica e
profissional, os conceitos, os estereótipos negativos, a influência de princípios religiosos
conservadores, culturais e tradicionalistas, bem como a carência de debates e convivência com
o público LGBT, entre outras questões, acarretam diversas consequências para os docentes das
escolas públicas pesquisadas no estado de Sergipe. Entretanto, esta realidade, não é fato isolado
de determinada escola e quadro docente, mas um fenômeno bastante presente na grande maioria
das escolas e formações dos professores quando tratamos de temas como a diversidade sexual
e de gênero.
Todo este contexto reforça a necessidade e a importância de uma intervenção
sistemática e eficaz neste processo de enfrentamento da violência homotransfóbica no contexto
educacional, demandando ações interventivas capazes de sensibilizar todos os sujeitos
envolvidos no processo educacional, sejam eles: professores, estudantes, técnicos
administrativos, coordenadores, diretores e todos os sujeitos presentes no que denominamos
instituição escolar, como seus familiares e sociedade em geral, visando a desconstrução de
conceitos e comportamentos “encaixados” em normas e padrões excludentes e “limitantes”. É
preciso entendermos que os fenômenos como a homofobia, transfobia, o racismo, a misoginia,
a xenofobia, entre outras formas de preconceitos e discriminações, são questões sociais e não
individuais, cabendo a todos combatê-las de forma horizontal e vertical de modo constante e
direto.

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A educação tem um papel indispensável neste processo, muito além do debate punitivo
que corriqueiramente é assumido quando debatemos os casos de violência contra a população
LGBTI+, sendo necessário enveredarmos por um caminho educativo, tendo em vista que a
escola é uma das instituições reconhecidas socialmente como responsáveis pela construção,
confirmação e perpetração de determinados conceitos, reforçando ou eliminando estereótipos,
preconceitos e discriminações em relação às diversas situações da vida humana. A escola
também se apresenta como uma instituição normativa que se regulariza e impõe normas sociais.
Esse ambiente quando não possui como estratégia de funcionamento a luta pela igualdade
social, tendo o reconhecimento e o respeito pela diversidade sexual e/ou de gênero dos sujeitos
como meta e objetivo a ser seguido, essa instituição torna todos aqueles sujeitos que não se
enquadram nesse perfil, verdadeiros “reféns” das inúmeras situações de exclusão social,
negação e violação de direitos humanos e sexuais.

Referências

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista (2a


ed.). Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

___________. Pedagogias da Sexualidade. 2. ed. (pp.07-34). In: LOURO, G. L. (Org.), O


corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

___________. Um Corpo Estranho: ensaio sobre sexualidade e teoria queer. Belo


Horizonte: Autêntica, 2004.

Menezes, M. S. Violência contra a diversidade sexual e de gênero em Sergipe: uma análise


dos registros oficiais da Secretaria de Segurança Pública entre os anos de 2015 e 2018.
[Tese de doutorado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2021.

TESSARIOLI, G. M. Todos a favor da educação sexual. In: RIBEIRO, H. C. F., et al. (


Orgs.). As minhas, as suas, as nossas sexualidades. São Paulo: CEPCoS, 2013.

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LETRAMENTO DECOLONIAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Moema de Souza Esmeraldo


Datyane Freitas de Alencar

Resumo

Este trabalho trata do relato de experiência sobre projeto de extensão no âmbito da


Universidade Federal de Roraima (UFRR) durante o ano de 2023, que teve como objetivo
realizar ações que discutiram diferentes tipos de letramentos, com foco em práticas sociais de
letramento (Cosson, 2018). As ações extensionistas em comento contribuíram com a formação
de professores de educação básica, público alvo participante, sejam discentes em formação,
discentes atuantes no magistério, egressos e professores que atuam em escolas de Boa Vista,
do interior de Roraima e de diferentes lugares do país. A partir a ideia de que o acesso à
literatura e as artes, de modo geral, trata-se de um direito universal e alienável do sujeito,
conforme assegura Antonio Candido no ensaio “O direito à literatura” (2004). Assim,
pretendeu-se não só problematizar práticas pedagógicas que envolvem a representatividade dos
diversos grupos e minorias sociais, mas realizar processos de construção de uma sociedade
mais justa e de uma educação mais inclusiva e menos excludente, provenientes de diferentes
corpos sociais invisibilizados historicamente (Hooks, 2017).

Palavras-chave: Decolonialidade. Literatura. Minorias sociais. Práticas Pedagógicas.

Introdução

Nas universidades públicas brasileiras vem ocorrendo um movimento de


implementação de ações afirmativas especialmente por meio de políticas públicas, que vão
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desde a reserva de vagas “cotas” até a incorporação curricular de conteúdos de história e cultura
afro-brasileira e indígenas, entre outras ações que fazem emergir diferentes sujeitos,
movimentos sociais e a práxis docente vem transformando os silenciamentos em emergências.

Neste cenário, a população do campo, negra, quilombola, indígena, LGBQIAP+14 se


apresentam, anunciando a necessidade de pedagogias decoloniais (Walsh, 2015, 2017) e não
mais aceitando uma prática pedagógica submetidas a reprodução sistemática histórica de
desigualdades sociais elegendo como cultura acadêmica, política e curricular uma educação
eurocêntrica e hegemônica. A prática pedagógica e a formação de professores ainda são por
uma educação bancária, destituída do entusiasmo, da curiosidade epistemológica e da boniteza
do ensinar (Freire, 1997). Cada vez mais, em contrapartida, à prática pedagógicas hegemônicas,
baseia-se no pressuposto de educação pautada no ensino de literatura, que incorpora práticas
pedagógicas para os Direitos Humanos. Uma vez que privilegia o direito à diferença na
perspectiva decolonial e intercultural para que se construam positivamente identidades a partir
da diversidade e no reconhecimento da inclusão e da representatividade de minorias sociais.

Desse modo, as experiências aqui tratadas propuseram discussões e análises de obras


literárias destinadas ao público que ultrapassam a perspectiva tradicional de ensino da literatura
por meio da historiografia literária. Visando a comunidade e uma formação docente crítica e
libertária que rompe com a práticas colonialistas, racistas e preconceituosas enraizadas na
sociedade brasileira.

Práticas Sociais de Letramento

As atividades realizadas oportunizaram a formação de um repertório literário e


metodológico de modo a executar uma formação pedagógica para discentes de cursos de
licenciatura e formação continuada para professores de educação básica que inclua diferentes
representatividades como protagonistas de ações de ensino, letramento e recepção da literatura.
Sendo fundamental compreender como urgente a realização de uma crítica ao paradigma
europeu de colonialidade, progresso e modernidade (Mignolo, 2007).

Assim, propôs-se discutir teorias, bem como práticas que assuma uma perspectiva de
“descolonização epistemológica”, possibilitando a liberação das relações interculturais e o
intercâmbio de experiências que pautam a representação de minorias sociais. Nessa trilha, é

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Atualmente, a sigla mais usada para contemplar a diversidade de gênero é a LGBQIAP +, que abarca oito
variações, além do sinal de mais, que indica outros grupos.
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indispensável pensar a perspectiva decolonial a partir de questões de ordem pedagógicas que
perpassam a formação humana crítica.

O referencial metodológico desta proposta pretendeu propor alternativas para práticas


pedagógicas na formação de professores a fim de compreender como sendo fundamental o
trabalho com a perspectiva decolonial no ensino, sobretudo, de literatura. Por meio de práticas
pedagógicas orientadas esta ação de extensão oportunizou uma formação de professores que
busca entender o processo decolonialidade no ensino da literatura a fim de provocar um
posicionamento contínuo e cotidiano de transgressão e insurgência das minorias sociais e
étnico-raciais.

Dentro desse cenário, para pensar movimentos e práticas pedagógicas com a questão
dos Direitos Humanos perpassa também não só o acesso e permanência dessas minorias na
universidade, mas inclusive apagamentos epistemológicos que circundam o universo
acadêmico. Para incluir saberes contra hegemônicos nas nossas práticas docentes é preciso
conhecer e reconhecer esses saberes oportunizando espaços de diálogo, sobretudo, com
representantes da comunidade como os movimentos sociais.

Nesse sentido, evidenciamos apenas três atividades dentre as atividades veiculadas ao


projeto, que impactaram positivamente a formação docente e a comunidade, envolvendo as
temáticas de educação inclusiva, Direitos Humanos, diversidade sexual e gênero. A primeira
foi uma oficina seguida de roda de conversa sobre a(s) violência(s) contra as mulheres do
campo, das águas e das florestas, que contou com a participação do movimento estudantil,
grupos de pesquisa, mulheres representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
cooperativas de agricultores.

Figura 1: Oficina e roda de conversa

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Fonte: Datyane Alencar (2023).

A segunda atividade teve como foco promover um letramento tendo em vista a temática
de diversidade e gênero na universidade, em que foi realizada uma mesa redonda e roda de
conversa intitulada "Diversidade, sexualidade, formação de professores" contando com a
participação de palestrantes e convidados representantes de movimento sociais e a participação
do reitor da nossa universidade.

Figura 1: Mesa redonda e debate

Fonte: Datyane Alencar (2023).

Por último, neste artigo destacamos a oficina sobre bordaduras de memórias durante as
Jornadas universitárias em Defesa da reforma Agrária promovida pelo Movimento Sem Terra
de Roraima. A atividade foi fruto também de parcerias interdisciplinares com o curso de artes
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visuais da Universidade Federal de Roraima (UFRR/LAPECCA), o Centro de Educação e o
Centro de Ciências Humanas e Sociais, que coordenou o evento.

Figura 3: Oficina Bordaduras de Memórias

Fonte: Datyane Alencar (2023).

Considerações Finais

Pretendeu-se relacionar e propor práticas pedagógicas que permeiam as temáticas sobre


identidade étnico-racial, gênero, feminismos e inclusão. Cabe destacar ainda que o intuito de
realização de experiências de formação com professores e futuros professores ocorreu tendo
em vista o distanciamento de uma perspectiva hegemônica eurocêntrica enraizada em todos os
níveis de escolarização.
Nesse sentido, também observamos o movimento pedagógico de inserção das práticas
decoloniais no ensino tanto na Educação Básica e no Ensino superior ao propor nesses
contextos atividades que permeiam a representação das minorias sociais subalternizados se
afastando de modelos tradicionais que valorizam apenas leituras literárias que perpetuam um
modelo eurocêntrico da produção literária como manifestação cultural promovida distanciando
da necessidade de construção da identidade e diversidade dos sujeitos.

Referências

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, A. Vários escritos. 3. ed. São
Paulo: Duas Cidades, 2004, p. 169-191.

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COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2018.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Trad. Marcelo
Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de


identidade em política. Cadernos de Letras da UFF–Dossiê: Literatura, língua e identidade, n.
34, 2008.

WALSH, Catherine. Pensamiento crítico y matriz (de)colonial. Reflexiones


latinoamericanas. Quito: Ediciones Abya-yala, 2005.

WALSH, Catherine. Pedagogías Decoloniales. Práticas Insurgentes de resistir, (re)existir e


(re)vivir. Quito: Editora Abya-Yala, 2017.

O RACISMO AMBIENTAL COMO UM DOS VIOLADORES DOS


DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Verônica Maria Félix da Silva


Roselma Coelho Santana
Allan Ribeiro dos Santos

Resumo

O Racismo Ambiental consiste na discriminação e injustiças sociais que populações formadas


por minorias étnicas padecem, advindas da degradação ambiental em decorrência das
mudanças climáticas. Esta pesquisa objetivou demonstrar que os problemas e impactos
socioambientais não atingem igualmente as populações. Ou seja, todos o planeta está sofrendo
mudanças climáticas, todavia de forma diferenciada. O questionamento que esta pesquisa se
propõe a responder é o seguinte: de que forma as populações mais vulneráveis têm sua
dignidade e seus direitos violados? Pode -se inferir ao término do trabalho que as minorias
étnicas (negros, povos indígenas e populações tradicionais, quilombolas e
ribeirinhos),populações historicamente excluídas e invisibilizadas pela sociedade sofrem
drasticamente a falta de políticas públicas eficazes, principalmente a questão do saneamento
básico e caso dos indígenas a exploração e suas terras de forma arbitrária, tendo assim seus
direitos usurpados. Os procedimentos metodológicos adotados foram : pesquisa básica, na qual

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foi usada a abordagem qualitativa ,tendo como método de abordagem o dedutivo e quanto aos
procedimento foi utilizada a pesquisa bibliográfica .

Palavras-chave: Dignidade. Direitos humanos. Grupos vulneráveis. Racismo. Meio ambiente.

Introdução

Racismo ambiental é um termo utilizado para descrever a injustiça ambiental em


contexto racializado, no qual observa-se a predominância de negros, indígenas e comunidades
quilombolas Refere-se a como comunidades de minorias étnicas que são sistematicamente
submetidas a situações de degradação ambiental. A expressão “racismo ambiental” decorre de
uma aritmética simplória: quanto mais a pessoa é excluída do contexto socioeconômico, maior
é sua chance de ser impactada de forma negativa por alterações ambientais.
Justifica-se esta pesquisa devido a sua relevância em mostrar que as desigualdades que
os grupos vulneráveis sofrem, sempre estiveram na sombra do esquecimento político
principalmente os negros e os povos originários esta temática ainda mostra-se pouco debatida
e de interesse dos que podem fazer algo para liquidar as diferenças sociais, principalmente no
quesito saneamento básico e moradias dignas e exploração das terras indígenas de forma
desordenada e predatória.
O problema que permeia este trabalho gira em torno de responder como os direitos
humanos e a dignidade das pessoas em condição de vulnerabilidade são violados quando estas,
estão submetidas em um contexto de desfavorecimento ambiental.
Os procedimentos metodológicos adotados foram : pesquisa básica, na qual foi usada
a abordagem qualitativa, tendo como método de abordagem o dedutivo e quanto aos
procedimento foi utilizada a pesquisa bibliográfica tendo como fonte de consulta artigos
acadêmicos, notícias oriundas de sites confiáveis bem como literaturas a pesquisa . o trabalho
está organizado da seguinte maneira: no primeiro tópico, busca-se elencar os grupos que mais
sofrem com o racismo ambiental, logo em seguida são tecidas considerações acerca da
dignidade das pessoas que estão inseridas em um contexto de desigualdades ambientais. no
último tópico, aborda-se de que forma o racismo ambiental viola os direitos humanos e como
ele coloca a sociedade em um nível abissal de desigualdade.

OS GRUPOS VULNERÁVEIS QUE MAIS SOFREM O RACISMO AMBIENTAL NO


BRASIL

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Em 2002,quase mais de 20 anos em uma audiência pública realizada pela Durante a
reunião promovida pelas comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Meio Ambiente (CMA),
foi esclarecido no debate que quem mais sofre com o racismo ambiental no Brasil são os negros
e os indígenas:

Tragédias ambientais impactam de forma mais dura negros e indígenas. A


constatação foi compartilhada por participantes de audiência pública sobre os
impactos das mudanças climáticas em territórios negros e indígenas no Brasil e o
racismo ambiental realizada em 2002. O termo racismo ambiental é utilizado para se
referir à forma desproporcional que a degradação ambiental recai sobre etnias
vulnerabilizadas. Durante a reunião promovida pelas comissões de Direitos Humanos
(CDH) e de Meio Ambiente (CMA), pesquisadores e representantes de comunidades
quilombolas criticaram o descaso do poder público com os impactos das mudanças
climáticas nas periferias e em territórios indígenas e quilombolas. Também
apontaram um desmonte do governo na área ambiental.
(Negros e indígenas são os são os mais afetados por catástrofes ambientais,
Brasília,AgênciaSenado,2022.Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/27/negros-e-indigenas-
sao-os-mais-afetados-por-catastrofes-ambientais-aponta-debate>.Acesso em 12 de
jan.de 2024.)

A Constituição Federal de 88 , em seu art. 5º preceitua que: todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a os brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Logo, se vê claramente maculação dos direitos humanos de forma bem explícita,
pois se de fato todos fossem tratados de forma igualitária não estaríamos debatendo este tema
.
Há uma gigante discrepância são visíveis na forma que os grupos mais vulneráveis
enfrentam os fenômenos como temperaturas extremas, enchentes, rompimento de barragens,
deslizamentos de terra e secas por longos períodos , todos típicos e advindos da ação humana
desenfreada. Enquanto uma parcela da população está em áreas seguras e pavimentadas, outros
estão totalmente jogados à margem e sofrem de forma direta todos os impactos oriundos dos
desequilíbrios ecológicos. O acesso precário a serviços básicos, como moradia, infraestrutura,
tratamento de água e esgoto, nesses locais são rotineiros e antigos.

Uma outra expressão do racismo ambiental ocorre em comunidades tradicionais,


como territórios indígenas e quilombolas. Essas populações vivem em áreas de
grande valor ecológico, como florestas e naturais e, embora conheçam bem as
peculiaridades da natureza local, têm pouca ou nenhuma influência sobre as decisões
políticas que afetam seus territórios. Enquanto isso, industrias e latifúndio avançam
sobre essas regiões, desmatando, poluindo rios, contaminando o solo e expondo a
população local a substâncias nocivas.(SPAGNA Julia Di. O que é racismo
ambiental e como ele ocorre no Brasil e no mundo. São Paulo, Guia do Estudante,
2022. Disponível em:<https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-

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racismo-ambiental-e-como-ele-ocorre-no-brasil-e-no-mundo>.Acesso em 12 de
jan.de 2024.)

O ato de instalar indústrias poluentes de resíduos perigosos e outras atividades nocivas


à saúde humana em áreas onde o número de comunidades de baixa renda, que na maioria das
vezes são compostas por pessoas negras, indígenas e imigrantes, evidenciam que o racismo
ambiental está presente de forma escancarada. Essas comunidades geralmente têm menos
recursos para se defender desses impactos, tornando-as alvos fáceis para a negligência dos
governos e das empresas. Existe uma carência de legislação contra o racismo ambiental. Prova
disso é que tal prática necessita ser tipificada, a partir daí já se daria um grande passo para
combater essa questão. Reconhecer oficialmente o racismo ambiental como uma forma de
discriminação é essencial para aumentar a conscientização e desenvolver estratégias para
mitigar seus efeitos devastadores.

O racismo ambiental versus a dignidade humana

O princípio da dignidade humana, é um pilar da Constituição do Brasil de 88 , haja vista


se ter um Estado Democrático de Direito. Este princípio molda toda a legislação e ordenamento
jurídico do país. A dignidade é difícil de ser conceituada, por ser algo abstrato que não se
concretiza de forma palpável, todavia muito fácil de ser identificada, quando existe sua
ausência. Por ser o princípio mais contundente do sistema jurídico brasileiro , vem logo descrito
no artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III: que diz: a República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III a dignidade da
pessoa humana.
O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos traz que a igualdade
entre as pessoas humanas é primeiro em relação à sua dignidade: art. :1º todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem
agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Figura 01- Moradias em áreas sem saneamento básico e área de risco

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Fonte: BOPPRÉ ,Bárbara. O que é racismo ambiental. São Paulo , 2023.Disponível em; <
https://simpleorganic.com.br/blogs/simple-blog/o-que-e-racismo-ambiental >. Acesso em
15 de jan.de 2024.

A imagem acima exemplifica de forma explícita a falta de saneamento básico e


áreas de risco. Denota-se que a injustiça ambiental faz jus à cena, pois verifica-se esgoto a céu
aberto denotando a ausência de saneamento básico, bem como moradias em área de risco. O
racismo ambiental e a injustiça ambiental entendem que populações vulnerabilizadas e
racializadas têm menor acesso a bens ambientais do que populações com baixa vulnerabilidade
socioambiental. Além disso, os impactos ambientais causados pelas mudanças climáticas e
direcionados a essa diferentes populações é desigual. Quando esta problemática está associado
à questão racial, tem-se o racismo ambiental.

De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São


Paulo, o termo Racismo Ambiental, foi criado por Benjamin Franklin Chavis Jr.,
liderança do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, nos anos
de 1980. Ele era assistente de Martin Luther King, o ativista político estadunidense
que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1964 por suas ações de combate ao racismo
baseadas na resistência não-violenta. CASTRO,Geovana.Racismo ambiental: o que
é e de onde surgiu a expressão? Terra, 2024.(Disponível em:<
https://www.terra.com.br/nos/racismo-ambiental-o-que-e-e-de-onde-surgiu-a-
expressao,9db0613658f4c0a78538e8e23288e6584eznedf6.html?utm_source=clipbo
ard>. Acesso em 14 de jan. de 2024).

O RACISMO AMBIENTAL COMO VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS

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Hodiernamente não existe nenhuma lei específica tratando do termo racismo
ambiental. Até o momento , inexiste uma norma específica que trate especificamente das
questões que envolvem o racismo ambiental. Existem diversas legislações dispersas que
abordam as questões climáticas e ambientais tais como: Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente – nº 6.938 de 17/01/1981,Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – nº 12.365
de 02/08/2010Lei de Recursos Hídricos – nº 9.433 de 08/01/1997,Lei dos Agrotóxicos – nº
7.802 de 11 de julho de 1989Lei 11.445/2007 – Política Nacional de Saneamento Básico,
todavia ainda não há uma que aborde de frente a temática do racismo ambiental, bem como
pouco se fala sobre justiça climática que está interligado com o tema deste trabalho.

A expressão “violação dos direitos humanos” é uma das mais forte que se pode
ouvir e ver na prática. O privilégio de existir deve estar atrelado a proteção e a dignidade.
O ser humano tem direito à moradia digna, saneamento básico, à água tratada, alimentação
dentre tantos outros. Ocorre que com a visível desigualdade entre os humanos , muitos direitos
estão apenas no plano utópicos , longe de serem reais. Ainda que as mudanças climáticas
sejam uma realidade global, suas consequências impactam a população de forma desigual. É
nas periferias, por exemplo, que enchentes e deslizamentos ameaçam a vida das pessoas.

O racismo ambiental pode ser definido como o reconhecimento da dimensão racial


dentro do contexto da crise climática. Dimensão que usa o conceito de raça, mas que
inclui além de negros e negras, indígenas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores,
pantaneiros, geraizeiros, caiçaras, ciganos, quilombolas, moradores de favelas e
encostas, mulheres, mães solos e jovens.
(DULTRA, 2023,p.89).

Faz-se necessário direcionar as atenções e as ações para esses grupos, que são os
mais afetados pelos desastres ambientais, agravados pelas mudanças climáticas, e que vivem
cotidianamente com a falta de serviços básicos, em situações de risco, vulneráveis a processos
de escassez hídrica, enchentes, inundações, deslizamentos, falta de energia, insegurança
alimentar, entre outros. A distribuição desigual desses riscos segue o modelo da própria
urbanização, que historicamente tem se estruturado enquanto espaço excludente e racialmente
definido. Padrões de renda, nível de escolaridade, raça/cor da pele, gênero e local em que se
vive definem quem são as populações mais vulnerabilizadas e mais impactadas. São problemas
estruturantes que exigem transformações radicais, muitas das quais passam também por
alterações nos espaços de representação política.
O planeta passa por uma grande crise climática, todavia a maneira como os grupos são
atingidos por todos os fenômenos sejam naturais, sem em decorrência da ação humana tem
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uma diferença abissal. O governo sabe disso, no entanto faltam política públicas sociais e
econômicas para mitigar as colossais diferenças. A Constituição de88 no art. 225 diz que:
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A questão é global, as populações periféricas e povos tradicionais, como indígenas e
quilombolas, seja nas cidades, no campo ou nas florestas, são as mais impactadas pela
degradação ambiental. Há um grau gigantesco de desigualdade, que só aumenta. O ser humano
não pode usado como simples meio, objeto de valor, pois se diferencia dos demais por ter
racionalidade, sendo capaz de elaborar e seguir as próprias Leis.O ser humano, como um fim
em si mesmo e sujeito de dignidade, é colocado acima de todas as coisas, e até mesmo, do
próprio Estado. O pensamento de Emanuel Kant é extremamente eficaz , no que se refere a
dignidade da pessoa humana:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem
um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando
uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela
tem dignidade. (KANT, 2011, p.82).

Considerações Finais

Os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os


seres humanos. Esses, regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em
sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e de como este atua nos campos
político , social e econômico. Um dos balizadores dos direitos humanos sem dúvidas é a
dignidade. Ao se abordar acerca de racismo ambiental, verifica-se que tantos os direitos
humanos quanto a dignidade estão sendo transgredidos.
A pesquisa mostrou que o racismo ambiental se refere às pessoas que residem nas
favelas, morros, nas beiras dos rios e nas beiras de trilhos, nas beiras de represas e em grandes
cidades, bem como os quilombolas e os indígenas .Constata-se que a cor dos corpos levados
pelas enchentes, soterrados pelos deslizamentos e que são afetados pela escassez de alimentos
nas cidades, fundamentam a tese de desigualdade.

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Como visto, o racismo ambiental tem relação com o processo histórico de
vulnerabilizarão da população nos territórios, para não dizer esquecimento, até que a política
de remoção chega e gentrifica aquele lugar, o embranquece com grandes condomínios.
Comunidades indígenas, quilombolas, de zonas rurais e ribeirinhas comumente são as mais
afetadas pelos efeitos da crise climática ou pelos impactos de avanços industriais desmedidos
nas regiões em que vivem.
Diante do exposto, infere-se que a problemática do Racismo Ambiental nos desafia a
ter ruma visão mais holística de mundo, olhar com mais cautela ao nosso redor e enxergar que
existe sim uma segregação exposta que torna a sociedade desigual. Faz-se urgente lutar por
um novo modelo civilizatório, por uma sociedade igualitária e justa, na qual democracia plena
e cidadania e a dignidade não sejam direitos de poucos selecionados , mas sim de todos
independentemente de cor, origem e etnia e raça.

Referências

BOPPRÉ,Bárbara. O que é racismo ambiental. São Paulo , 2023.Disponível em; <


https://simpleorganic.com.br/blogs/simple-blog/o-que-e-racismo-ambiental >. Acesso em 15
de jan.de 2024.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Presidente da República, 2016.Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acesso em : 26 de
dez.de 2023.

COMO O RACISMO AMBIENTAL AFETA A VIDA DAS PESSOAS NEGRAS E


INDÍGENAS.Rio de Janeiro , 2023.Disponível em:
<https://www.conectas.org/noticias/entrevista-como-o-racismo-ambiental-afeta-a-vida-das-
pessoas-negras-e-indigenas/>.Acesso em :26 de dez. de 2023.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em:


<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>.Acesso em: 26
de dez. de 2023.

DULTRA, Andressa .Racismo ambiental e emergência climática no Brasil. São Paulo:


Oralituras,2023.

LIMA, Mariana . Racismo ambiental e injustiça ambiental: o que são? Politize, Paulo, 04 de
nov. de 2021. Disponível em: <https://www.politize.com.br/racismo-e-injustica-
ambiental/>.Acesso em :27 de dez. de 2023.

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PASCAL, G. Compreender Kant. Petrópolis: Vozes Editora, 2011

NEGROS E INDÍGENAS SÃO OS MAIS AFETADOS POR CATÁSTROFES


AMBIENTAIS. Agência Senado,2022. Disponível
em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/27/negros-e-indigenas-sao-os-
mais-afetados-por-catastrofes-ambientais-aponta-debate>.Acesso em :26 de dez. de 2023.

SPAGNA, Julia Di. O que é racismo ambiental e como ele ocorre no Brasil e no mundo.
Guia do estudante . 26 set 2023.Disponível em:
<https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-racismo-ambiental-e-como-ele-
ocorre-no-brasil-e-no-mundo>.Acesso em 27 de dez. de 2023.

“O ESTADO É LAICO, MAS ESSA MINISTRA É TERRIVELMENTE


CRISTÔ – REFLEXÕES SOBRE GÊNERO, RELIGIOSIDADE,
EDUCAÇÃO E PROJETO DE PODER
Carolina Marcelli da Luz Alves

Resumo

Esse artigo tem como objetivo apresentar um panorama sobre as ofensivas antigênero que, a
partir de 2015, tiveram grande notoriedade no cenário político-educacional no Brasil. Além de
pensar os desafios, perante disputas de narrativas sobre o conceito de gênero, com forças cristãs
fundamentalistas, que articulam e instrumentalizam instituições de poder em busca de um ideal
único de sociedade, invisibilizando grupos sociais minoritários, como as mulheres.

Palavras-chave: Gênero. Educação. Religiosidade. Antigênero.

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Introdução

“O Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã”15. Essa fala foi dita por
Damares Alves, advogada e pastora evangélica, em seu discurso de posse no Ministério da
Mulher, Família e Direitos Humanos em janeiro de 2019. “É uma nova era no Brasil: menino
veste azul e menina veste rosa”16 ouvimos a ministra dizer em um vídeo que teve grande
circulação nas redes sociais dias após assumir a pasta do ministério. O slogan “Brasil acima de
tudo, Deus acima de todos17”, parte do governo em que Damares Alves estava inserida, reflete
a ênfase na identidade religiosa sem surpreender os observadores. Com essas falas, inicia-se a
discussão sobre gênero, educação e religiosidade que esse artigo se propõe.
As disputas acerca de ideias, projetos e narrativas estão postas, há muito tempo, ao
longo da nossa história colonial. Esse artigo visa pensar os desafios que temos hoje, diante de
um projeto político nacional do qual a presença religiosa cristã é verbalizada em “Deus acima
de todos”.
A máxima “Deus acima de todos” é uma verdade histórica que nos forma enquanto
nação e está presente em diversos espaços sociais: de repartições públicas às escolas. Há um
projeto único, exclusivo, universal cristão desde que a primeira cruz foi fincada aqui
(CARDOSO, 2003) numa terra que não foi descoberta e sim invadida onde os povos originários
que estavam aqui e até hoje estão sendo extirpados como não parte também dessa nação.
Ao evocar a simbologia da primeira cruz fincada em terras brasileiras, é crucial
refletirmos sobre as persistências e mudanças ao longo de nossa história. A analisar as cruzes
aqui fincadas permite uma reflexão sobre as disputas históricas e as estratégias possíveis para
desafiar hegemonias.
Vivemos em um país formado pela colonialidade cristã, que opera de maneira opressora
e violenta contra as minorias e diversidades que nos compõem. Ao longo da nossa história, as
manifestações não-cristãs foram, e ainda são, perseguidas, criminalizadas e deslegitimadas em
favor de um projeto de Deus único, inclusive como a única possibilidade de desenvolvimento
social, político e cultural, vide o slogan de governo do ex-presidente da república.
Estamos em disputa dos discursos nos processos de construção de significados de
conceitos – deus, religião, raça, gênero, sexualidade. Devemos entender que religião é uma das

15
Discurso da ex-ministra Damares Alves, na ocasião de sua posse, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Disponível em:< Menino veste azul e menina veste rosa, diz Damares em vídeo | Exame>
16
Idem 1.
17
Slogan do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Disponível em: <"Brasil acima de tudo": Slogan de
Bolsonaro faz referência ao da Alemanha nazista | Revista Fórum (revistaforum.com.br)>
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instituições de sentido (BERGER, 1985) que exerce papel fundamental nas relações, nas
subjetividades, nas consciências, na construção de narrativas e conceitos, sobretudo no
Brasil. Assim, a ordem única cristã é vigente nas mentalidades e na própria memória do país.
País esse que foi forjado por esse sentido impositivo único, cristão. Cristão verbalizado a partir
de uma ideia específica que traz consigo uma série de sentidos racistas, machistas e
conservadores.
Naquele momento, ainda agora, vivemos um tempo-espaço-histórico onde há a
verbalização de uma ordem impositiva de sentido único, proferido ali, por uma ministra do
Estado, numa democracia, que se estrutura em uma Constituição dita cidadã, mas que continua
a experenciar uma série de opressões às minorias sociais e feitos perversos aos povos negros,
originários, mulheres, aos corpos LGBTQIA+18.
O aparelhamento das estruturas de poder por discursos fundamentalistas religiosos teve
uma crescente no país, especialmente a partir de 2015, desencadeado pela proposta do Governo
Federal da cartilha Escola sem Homofobia e a grande notoriedade do movimento Escola Sem
Partido (ESP). O que vivemos, com muita força, foi um pânico moral em torno da temática de
gênero. A partir de então, gênero passou a ser o “vocábulo do pecado” tendo que ser
completamente retirado dos documentos e discursos dos agentes públicos (ALMEIDA, 2017).
Utilizando narrativas de medo e polêmicas de grande alcance nacional, o ESP conseguiu
grande adesão de diferentes setores da sociedade civil e da bancada cristã no Congresso
Nacional. Alegavam que abordar a temática de gênero nas escolas estimularia desde a
homossexualidade até a pedofilia, nasce então o que eles chamariam de “ideologia de
gênero19”.
É importante fazer algumas considerações sobre gênero. Gênero é um conceito político
que visa desnaturalizar as violências e desigualdades entre mulheres e homens na perspectiva
de quebrar a ideia de que existiria uma justificativa biológica para a diferenciação entre homens
e mulheres. O questionamento da biologia como justificadora de desigualdades está na base da
discussão de gênero no sentido de afirmar que as desigualdades e violências são frutos de
construções sociais, culturais e políticas, em diferentes contextos e momentos históricos
(SCOTT,1994).

18
É uma sigla utilizada para se referir a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers,
intersexos e assexuais. A sigla reúne identidades de gênero e orientações sexuais.
19
Os críticos a proposta de discussão de gênero no PNL – Plano Nacional de Educação, usaram o termo como
acusação do Ministério da Educação de promover doutrinação de crianças, homossexualismo, corromper o
conceito cristão de família.
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Scott (1994) propõe uma desconstrução da dicotomia masculino-feminino, além de
demonstrar que o pensamento moderno é marcado por muitas outras: presença-ausência, teoria-
prática, ciência-natureza, bom-mau, homem-mulher. Segundo ela, "Neste 'jogo das
dicotomias', os dois polos diferem e opõem-se, marcando a superioridade do primeiro
elemento" (SCOTT, 1994). É dentro desta lógica que aprendemos a pensar a proposta da
desconstrução das dicotomias. A desconstrução trabalha contra a lógica de que existe um lugar
natural e fixo para cada gênero, levando a percepção de que a oposição é também construída e
não inerente e fixa. A desconstrução dos polos masculino e feminino traz uma proposta de
reflexão e aproximação das formas de agir e pensar na sociedade.
Então, quando falamos de gênero, não estamos restritos ao que se refere às mulheres ou
população LGBTQIA+, estamos falando de algo que permeia a vida de todos. Como cada um
de nós se coloca no mundo, como se relaciona com os corpos, com as outras pessoas, com
ideologias e culturas. Dessa forma, gênero é algo que atravessa nossas trajetórias de vida desde
o nascimento até o fim da nossa existência.
Quando falamos que gênero é um conceito histórico-político-cultural (SCOTT, 1994)
queremos dizer que existem muitos jeitos de ser mulher, de ser homem, de ser humano em
diferentes culturas, tempos e sociedades, para além dos binarismos. O debate de gênero, em
toda sua luta, fundamentada por muitos movimentos, é um conceito em movimento, debate,
disputa e permanente transformação. Assim, gênero diz respeito às noções de família, de
cidade, de escola etc. Ou seja, estamos falando do conjunto da sociedade, de como se organiza
e como operam as relações de poder.
Nessa perspectiva, entender a origem da ofensiva antigênero20, que ganhou força no
Brasil a partir de 2015, é fundamental para compreender a complexidade da questão. O que se
tornaria uma cruzada antigênero21 apareceu pela primeira vez nas Nações Unidas no ano de

20
Os ataques sistemáticos de diferentes instituições contra o conceito de gênero defendido pelo Movimento
Feminista como uma construção social e política.
21
Cruzada é um termo utilizado para denominar movimentos militares cristãos que partiram da Europa em
direção ao Oriente Médio com intuito de conquistar a região, mantendo-a sob domínio da Igreja Católica. A
analogia “cruzada antigênero” diz respeito as investidas e perseguições que a temática gênero sofreu das
instituições religiosas, especialmente as cristãs.
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1995, se intensificando na Conferência do Cairo22 em 1994 e na Conferência Mundial das
Mulheres de Beijing23 em 1995.
A partir desse contexto, começou uma produção intelectual robusta sobre gênero e/ou
“ideologia de gênero”, seguida a produção teológica. Tais produções tiveram peso importante
e trouxeram credibilidade ao debate24.
Dessa elaboração, complexa e ampla, que durou quase uma década, resultou o
“espantalho da ideologia de gênero” (VIEIRA JUNIOR; PELÚCIO, 2020) que coloca a
discussão de gênero como ameaça a família, a infância, a ordem natural da vida e que na
verdade, viria não para reivindicar a igualdade entre homens e mulheres e sim, a desordem
sexual, estimulando o homossexualismo e outras “práticas perversas”, tendo como palco
principal de disputa a Escola.
É importante olhar para a história da educação brasileira e observar que a escola
enquanto direito universal, democrático e laico é algo muito recente. Pensar a escola como uma
instituição de direito, de acesso universal, gratuito e democrático como um acontecimento
ainda em construção é importante para o debate e questionamento de problemáticas e soluções.
A escola não é um lugar apartado da sociedade, portanto, se vivemos um contexto
histórico-político- cultural conservador, a escola por sua vez, também é. Ela segue uma longa
e expressiva lógica universal de supostos valores morais ancorados nos princípios cristãos
(LOURO, 2014).
Nos últimos anos, com a intensificação da disputa do conceito de gênero e a ofensiva
antigênero, os setores conservadores transformam o ambiente escolar em espaço de disputa de
sentido, de currículo, de narrativas e de cerceamento dos professores (ALMEIDA, 2017).
Como pensar quais os desafios de se enfrentar essa ofensiva quando a própria formação
docente não é antissexista, antirracista e pluralista? Há uma série de déficit na formação inicial
no professor. O debate de gênero, raça e sexualidade deve fundamentar essas discussões no

22
A partir de uma intervenção construída pelo Movimento Feminista Global permitiu que fossem
adotados/legitimados alguns conceitos/linguagem que até então não haviam chegado em textos negociados
pelos Estados – esses termos foram gênero, conceito de várias formas de família, conceito de saúde reprodutiva
e direitos reprodutivos, uma seção sobre educação sexual, saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, uma
seção para HIV/AIDS e a definição do aborto como um grave problema de saúde pública.
23
Na Conferência Mundial das Mulheres em Beijing, o Vaticano pediu que o conceito de gênero, fosse colocado
entre colchetes, o que significa “uma palavra/conceito sobre a qual não há consenso” isso provocou grande
tumulto na negociação, onde o Vaticano, junto de uma série de Estados aliados, como alguns Estados Islâmicos,
Estados latino-americanos e a direita cristã norte-americana, grupos da sociedade civil cristã norte-americana.
24
O livro Agenda de Gênero de Dale O’Leary; O Evangelho perante a Desordem Mundial e A
Escolha da Vida: Bioética e População de Michel Schooyans; Lexicon - Termos ambíguos e
discutidos sobre família, vida e questões éticas; são exemplos dessas produções.

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sentido de desnaturalizar crenças, pautadas em princípios hegemônicos de dominação de poder,
em razão de desvendar papéis e lugares sociais designados as mulheres e homens. Entretanto,
por ser uma questão polêmica, essa discussão, por vezes, é minimizada, o que acaba
contribuindo para um ambiente mantenedor de uma educação sexista e violenta.
Ao pensar a formação docente, Nóvoa (2009) pontua que:

A formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de


uma “nova” profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma cultura
profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das escolas.
A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal,
confundido “formar” e “formar-se”, não compreendendo que a lógica da actividade
educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação. (NÓVOA, 2009,
p.12, grifos do autor)

O processo de formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva para que


ofereça aos docentes instrumentos de um pensamento autônomo que proporcione dinâmicas de
autoformação participada (NÓVOA, 2009). Estar no processo de formação demanda do
professor um olhar sobre as suas jornadas e os seus projetos, implicando na formulação de
identidade que, por sua vez, também é sua identidade profissional.
Para além de cursos, palestras, seminários e oficinas, a pesquisa sobre a própria prática
mediada pela reflexão é um elemento decisivo para que sejam estabelecidos novos referenciais
pedagógicos e, assim, de novas práticas (NÓVOA, 2009).
Nessa direção, Kramer (2006) evidencia que, na formação da identidade docente, um
fator importante é o modo como o professor lida com as diferentes situações vivenciadas no
cotidiano da escola, suas crenças, suas posturas e seus princípios, bem como a forma de se
relacionar e de compreender o ambiente escolar. É nessa teia de trocas de experiências pessoais
e de saberes com outros professores que a identidade docente vai sendo construída.
O saber docente é múltiplo, pois se relaciona com as diversas ações que se desenvolvem
na prática educativa (TARDIF, 2000a, 2000b; TARDIF & GAUTHIER, 2000, citados por
AQUINO, 2005). O saber docente é constituído de inúmeros atravessamentos, é resultado da
prática, da experiência individual e coletiva e é no fazer pedagógico que vão sendo elaborados
seus conhecimentos, valores, atividades e hábitos (GÓMEZ, 1995, SCHÖEN, 1995, SILVA,
2000, citados por AQUINO, 2005).
A formação docente deve ser concebida como um dos componentes da mudança do
cenário conservador e opressor que, a cruzada antigênero evidenciou nas escolas. Entretanto, a
formação não se faz antes da mudança, ela está sendo construída durante o processo, é nesse
esforço que se produzem os percursos para a transformação da escola (NÓVOA, 2009).

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É necessário pontuar que educar é um ato político; portanto, é impossível uma educação
neutra (FREIRE, 2011), pois o professor deve estar consciente de seu papel na vida educativa,
social e afetiva de seus alunos. É seu papel oferecer oportunidades de desenvolvimento integral,
de conscientização e de politização.
Sendo assim, é preciso, por meio de amplos debates e exigências aos agendes de poder
do Estado, exigir o compromisso político e ideológico com a formação docente para a educação
das relações de gênero, adotando um posicionamento crítico em busca de uma educação para
a diversidade e com vistas à superação de práticas discriminatórias, sexistas e violentas.
É papel da escola e seus agentes explicar para as famílias o que é gênero e que faz parte
do campo da diversidade humana, não exclusivamente sobre sexualidade e saúde sexual, mas
sobre garantia de direitos humanos para as crianças e adolescentes.
Não podemos deixar conceitos tão valiosos sejam apropriados e deturpados por
movimentos ultraconservadores. Observar a resistência do campo educacional brasileiro em
aceitar narrativas opressoras como a da ministra Damares Alves e tantas outras que
sistematicamente atacam a dignidade de grupos minoritários demonstram que a arena de guerra
está montada e o jogo não está ganho. A educação brasileira resiste e resistirá.

Referências:

ALMEIDA, R. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. Cad. Pagu [online].


2017, n.50, e175001. [visitado em 08/01/2024]. ISSN 1809-4449. DOI:
10.1590/18094449201700500001. Disponível em: http://ref.scielo.org/5zqkb7

AQUINO, Ligia Leão de; Professoras de Educação Infantil e Saber Docente. TEIAS: Rio
de Janeiro, ano 6, nº 11-12, jan/dez 2005. Disponível em https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/viewFile/23983/16954 Acesso em
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BERGER Peter L; LUCKMANN Thomas. O dossel sagrado: elementos para uma teoria
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LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 2. Ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
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NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Educa: Lisboa, 2009

PEREIRA, Nancy Cardoso. Palavras... se feitas de carne: leitura feminista e crítica dos
fundamentalismos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2003.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a


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António (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

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Realidade. Vol. 20, nº 2, Porto Alegre, 1995, pp.71-99.

VIEIRA JUNIOR, Luiz A. M.; PELÚCIO, Larissa. “Memes, fake news e pós-verdade ou
como a teoria de gênero vira uma ‘ideologia perigosa”. Estudos de Sociologia, Araraquara,
v. 25, n. 48, jan./ jun. 2020. Disponível em https://bit.ly/3fcYjvu. Acesso em 08/01/2024.

RECORTES SOCIAIS DENTRO DA ESCOLA: EDUCAÇÃO


LIBERTADORA OU PARA O CAPITAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
Samira Polegario de Oliveira
Aline de Menezes Bregonci

Resumo

Este artigo abre espaço para os primeiros apontamentos sobre a quem a escola serve, para quem
é a escola da atualidade, qual a finalidade dela. Propomos assim, à luz de reflexões sobre a
função da escola, nessa era do neoliberalismo, como este modelo de sociedade está
impregnando a escola e definindo os rumos, conteúdos, práticas que os profissionais da
educação devem seguir. A escola é local de descobertas, de libertadora de acordo com Paulo
Freire (1987), assim, devemos praticar uma pedagogia engajada, como discorre a autora Bell
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Hooks (2013). Assim, nós enquanto docentes, vemos diariamente nossa função ser pré-
determinada por terceiros para se obter “sucesso escolar”, frente ao capital, mas afinal qual
papel da escola na vida dos estudantes? Este texto, propõe uma revisão de literatura do tema,
com discussões, diálogos, sendo importantes para a comunidade acadêmica e sociedade civil
para repensar o sentido da escola na vida dos alunos (as) e o quanto nós professores devemos
anunciar e denunciar práticas que estão adentrando o espaço escolar, não agregando em nada
no processo formativo
Palavras-chave: Educação, Desigualdade, Docente, Crítica, Capital.

Introdução

As discussões em torno da educação, sobre como está se apresenta e como as escolas


estão se reformulando atualmente, e como se educam nossos jovens, são temas que inquietam
muitos pesquisadores da área da educação, sobretudo os autores Masschelein e Simons (2013),
no qual citaremos neste texto, assim, em seu livro “Em defesa da Escola”, nos trazem desta
forma, questões pertinentes e muito atuais sobre o espaço escolar. Sendo assim,
questionamentos que circundam nossa sociedade, estão ligados a escola, sendo: as
desigualdades presentes quando se trata do cenário escolar, no entanto, os autores dialogam
que a escola é uma reprodutora de desigualdades sociais, a desigualdade é praticada no
tratamento com os estudantes e na acessibilidade e ao processo educacional.
Muito é posto sobre a educação a serviço do mercado de trabalho, estamos formando
jovens para o trabalho e não uma educação que propicie a construção de conhecimento,
socialização, uma formação cidadã, humana, tudo sendo reduzido ao ingresso no mercado de
trabalho, os autores Masschelein e Simons (2013, p. 4) afirmam que “[...] a escola está a serviço
do capital, e todo o resto é mito ou mentiras necessárias perpetuadas, antes e acima de tudo, a
serviço do capital econômico”.
A escola pode ser vista como local que contribua para permanência do status quo,
mantendo conteúdos, regras, normas, currículo, divisão de classe, avaliações entre outras
estruturas usadas para limitar a vida e as possibilidades de ascensão pela educação.
Diariamente, como tal, a escola é acusada de ser um local cruel aos estudantes, mas do contrário
deveria ser palco para libertação, autonomia, ensino pedagógico e oportunidades iguais
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
Diante de tantas formas de coaptar e dominar nossos jovens, os autores trazem um ponto
específico sobre a desmotivação de frequentar a escola, muitos jovens se tornam evadidos, pois
não percebem a escola como um espaço seu de criação, de conhecimento e de aplicabilidade

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do conteúdo posto para a realidade. Tal perspectiva é um problema que muitas escolas
enfrentam diariamente, “[...] os jovens não gostam de ir à escola” (p. 04). Os autores expõem
a problemática e a justificam, pois os estudantes não entendem “[...] por que precisam saber
isso?” (p. 05), dessa maneira, a escola necessita modificar a forma de ensinar, aliar conteúdos
que sejam vistos na prática, no dia a dia dos discentes, abandonando este viés conservador de
educar e passando a se tornar local atrativo, de estímulo, a escola do futuro necessita mudar.
Sabemos que este caminho é difícil de ser percorrido, diante de tantas amarras que
impedem a educação de seguir adiante. Quebrar dessa maneira antigas estruturas que alicerçam
as relações pedagógicas de hierarquia, tal se revela como uma ideia pobre da pedagogia ali
empregada. O exercício que precisamos enquanto educadores com nossos estudantes é de
propor a leitura e escrita do mundo. A caminhada para chegar lá, não será fácil é uma atividade
diária, que necessita de atenção e presença no ato educativo (MASSCHELEIN; SIMONS,
2013).
Para começar a caminhar na direção que leve a educação ao êxito na escola pública,
devemos romper com o capitalismo dentro do espaço escolar, que no dia a dia, que quer aliciar
a escola e seu público para servi-lo apenas como mercadoria. Devemos enquanto educadores
abolir a ideia de educação eficaz para “apenas arrumar emprego”, não sendo uma função da
escola tal tarefa. A escola produz, sua tentativa de possibilitar a aprendizagem dos estudantes
e formá-los para o mundo do trabalho (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
Masschelein e Simons (2013) afirmam “[...] somos uma escola, não um negócio” (p.6).
Na contemporaneidade a escola foi reduzida apenas a ideia de aprendizagem e seus resultados,
este é realmente o papel da escola? Qualificar e certificar nossos estudantes, “[...] ofertar
diplomas válidos” (p.7)? Ao limitar desta maneira o papel formador da escola colocamos em
sério risco todo o sistema educacional, uma vez que, é na escola, que cada indivíduo se mostra
um sujeito ativo, com saberes, provenientes de um contexto em que age, em cada local que se
move, as relações que cria, a socialização, o valor do que foi assimilado, podendo ser aplicado,
é indispensável para educação de qualidade e mais humana (MASSCHELEIN; SIMONS,
2013).
Os autores ainda trazem em seu texto a ideia do que é a escola, local de iniciar ideias,
que gerem conhecimentos, habilidades e socialização, para uma futura vivência na cultura
social, além de ensinar, disciplinar, propor a mediação de conteúdos a escola e ao docente são
atribuídos meios para socialização dos jovens, o tempo “livre”, que é passado na escola e que
também é usado para socializar. Pela perspectiva do capital, alguns estudiosos entendem este

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tempo “livre” na escola, como tempo não produtivo, que não contribui com a formação do
estudante, não atendendo ao capital, sendo inútil, assim autores explicitam “[...] os professores
não trabalham para o ritmo do mundo produtivo” (p. 13). A educação passou a estar a serviço
do capital, da produtividade, perdendo a essência de ensinar e aprender, o docente possui papel
importante para se libertar dessa imposição que se estabelece na escola. Sua prática deve levar
aos estudantes a reflexão de caminhos que possibilitem unir seus contextos, sendo espaço
aberto de ideias, realizações e transição entre mundos (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
Diante do exposto, “[...] a escola é o tempo e espaço onde os alunos podem deixar para
lá todos os tipos de regras e expectativas sociológicas, econômicas e relacionadas à cultura”
(p. 15), de nada serve uma estrutura escolar que continua a ser engessada pelas amarras sociais,
que limitam e impedem o crescimento do estudante como ser humano ativo e emancipado no
mundo, o importante é entender os meios deste processo de reflexão, aprendizado e
socialização (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
Em se tratando de questões de desigualdade social, sabemos que a escola reproduz e
age de maneira violenta contra os estudantes. Essa reprodução, fruto de uma sociedade
preconceituosa, machista e classista, que transporta essas ideias ao ambiente escolar, e em nada
ajudam as relações que estabelecem dentro deste espaço escolar, a escola precisa assim como
seus sujeitos, agir no sentido mais humano, propor práticas que visem o respeito, oportunizando
falas e ações de igualdade entre gênero, raça e classe, recortes estes que limitam a vida de
muitos estudantes, dentro de cada contexto (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013), um caminho
para emancipação e liberdade, pode ser pela prática pedagogia engajada, de acordo bom bell25
hooks (2013) com os alunos e pelos alunos, tomando a fala e suas experiências, como pontos
geradores de aprendizado, contribuindo na formação de conteúdo, que é importante na
realidade escolar e para além dos muros da mesma.
“A escola, neste sentido, sempre tem a ver com a experiência de potencialidade” (p.33),
Masschelein e Simons (2013), dizem que apesar de todos os imperativos que agravam a escola
e as relações de desigualdade existentes, as experimentações, habilidades, possibilidades,
levam a um caminho para “tentar” propor uma igualdade, mesmo que em suposição para
oportunidades dos sujeitos, claro, não devemos aqui cair em discursos rasos, de “[...] todo
mundo é capaz” (p.33), pois temos ciência, que cada estudante parte de um ponto, de um

25
bell hooks é uma teórica e ativista feminista estadunidense. Seu nome, Glória Jean Watkins, foi 1 substituído
pelo pseudônimo bell hooks - uma homenagem a sua bisavó materna Bell Blair Hooks. A grafia em letras
minúsculas tem um autêntico propósito político, pelo qual a autora se posiciona rompendo as convenções
linguísticas e acadêmicas, dando enfoque às suas ideias e sua obra, e não a sua pessoa
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contexto de uma estrutura familiar e financeira, vários pontos que culminaram na sua história
de vida, assim, o que podemos enquanto educadores é possibilitar a experiência de “[...] ser
capaz de” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 33, apud RANCIÉRE, 1991).
Portanto, por meio desse texto, propomos uma discussão sobre as relações que são
construídas na escola, com relação ao gênero e a classe social. Para tanto faremos considerações
sobre as perspectivas que a sociedade atual no qual os governos se projetam para dentro da
escola, neste viés neoliberal, percebendo a escola como local que prepara para o trabalho,
desconsiderando os sujeitos envolvidos, seus contextos e preocupações que cercam e limitam
sua vida. Para tanto, tecemos um diálogo entre os teóricos Paulo Freire (1987), bell hooks
(2013), Masschelein e Simons (2013) e suas teorias sobre a educação e o fazer pedagógicos,
objetivando contribuir para uma educação livre, humana que dialogue com a realidade material
do estudante.

Qual é a prática libertadora?

hooks (2013) em sua obra “Ensinando a transgredir: a educação como prática da


liberdade”, ao dialogar sobre a educação, parte do ponto da forma de se comunicar, sendo por
meio de uma linguagem fluida, abordando a forma como as teorias feministas podem vir a
contribuir para uma educação mais diversa, libertadora, humana, à medida que é percebido
como sistema educacional continua a ser conservador e perpetuador de estruturas reacionárias,
importante assim, são os estudos e a prática das teorias feministas na educação, se opondo a
todas as formas de opressão, possibilitando emancipação dos sujeitos, a criticidade ao aprender,
valorizando as experiências do cotidiano, levando a uma formação com bases em teorias
feministas que libertam o indivíduo (hooks, 2013). Ao se aplicar as contribuições do
pensamento feminista como uma prática para transformar a vida das pessoas, este nos leva a
pensar de forma crítica, buscando uma mudança social, o feminismo é movimento26
comprometido com a classe trabalhadora, se impondo contra o patriarcado, sistema este que
domina, oprime, torna tudo e todos em mercadoria. Desta forma o feminismo tem um
compromisso com a prática libertadora quer subverter a ordem, propiciar alterações para
transformar a sociedade, este caminho só é possível quando nos aliamos a uma educação
transformadora, uma educação “transgressora” (hooks, 2013).

26
“movimento político, ideológico e social, assim a autora dialoga que tal movimento surgiu para desmascarar
e dar visibilidade a exploração e a opressão mundial que as mulheres vem sofrendo, por parte de uma cultura
patriarcal e machista, exercida frequentemente por dominação masculina” (hooks, 2019).
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A autora ainda nos diz que “[...] nossa teoria feminista que tem o objetivo de
transformar a consciência, que realmente quer falar com um público diversificado, funciona:
não é uma fantasia ingênua” (hooks, 2013, p. 100). Com essa afirmação, ela sugere que nossa
fala enquanto educadores, precisa romper com a ordem vigente e buscar ir além das fronteiras
da escola. Quando docentes e discentes se apropriam de suas falas e as levam para o contexto
escolar para criar um meio de aprendizado nos seus processos, tal prática é um ato libertador,
pelo olhar de bell hooks (2013), e isso renova o compromisso com pedagogia libertadora, que
faça uso da prática feminista, que abraça o coletivo dentro das estruturas sociais, possibilitando
a criação de um movimento feminista revolucionário, para além da dominação masculina,
nesse sentido, a autora afirma que realizar tal ação é um desafio diário, criar “[...] uma luta
feminista de resistência com base nas massas” (p.104).
Mesmo quando se trabalhando com a ideia de uma pedagogia libertadora, hooks (2013),
dialoga que por vezes teve sentimentos de desmotivação, uma vez que, alguns estudantes se
mostraram menos comprometidos com a educação que recebiam da mesma na universidade.
Elas nos dizem que quando não praticava uma educação tradicional em suas aulas, os alunos
se manifestavam contra o tipo de educação mais “livre”, pois uma pedagogia que aproxima
docente de discente obriga a reconhecer sua presença e participação, desse modo as resistências
vieram do não “querer” participar ativamente das aulas por alguns estudantes.

Por razões que não consigo explicar, ela também era cheia de alunos “resistentes”
que não queriam aprender novos processos pedagógicos, não queriam estar numa sala
que tem algum modo se desviar-se da norma. Esses alunos tinham medo de
transgredir as fronteiras (hooks, 2017, p. 19).

Assim, as mudanças de posicionamentos e de hábitos são importantes. Mudar as


estruturas que alicerçam a sala de aula é necessário para transformar o tipo de educação que se
quer se envolver com os estudantes. “É difícil mudar as estruturas existentes por que o hábito
da repressão é a norma” (p. 197). hooks (2013) continua suas explicações afirmando que uma
educação libertadora deve ir além do conhecimento ofertado, mas também precisa estar
centrada na prática em sala de aula. A partir dessas posturas que se apropriou em sua prática
pessoal como docente nas universidades que lecionou nos Estados Unidos da América (EUA),
hooks sofreu muitas críticas por parte dos acadêmicos, questionavam constantemente sua
conduta, as resistências para se romper com a forma tradicional de ensino sempre iram existir
e se justificar na visão da autora.
Quando se discute a educação libertadora, que bell hooks (2013) propõe, nos
lembramos de Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do Oprimido” (1987), cita, “[..] como

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posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?” (p. 46). Muitos
docentes temem a mudança por não entender o processos, os contextos e não se abrem para
que a educação que o fazem, podendo ser mais próxima da realidade do outro, mas, não
deixando assim de ser necessária para formação do sujeito (FREIRE, 1987). Transformar o ato
educacional, é na visão dos autores citados, pelo diálogo, pela valorização do outro, de suas
realidades, Freire dialoga com hooks (2013) ao afirmar que “[...] não há o diálogo verdadeiro
se não há nos sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar critico” (p.47). Dessa forma, podemos
modificar a educação e levar real sentido para a prática educacional e contribuir ativamente na
vida dos estudantes, por uma educação que liberte, que se proponha a pensar e refletir, falas,
diálogos, aproximações e realidade (FREIRE, 1987).
Freire (1987) nos ensina, que as experiências reais dos sujeitos envolvidos quando
levadas para a escola, dentro da sala de aula, contextualizando uma prática mais humana, que
dialogue com o real, contribui para a formação pessoal e reflexão enquanto sujeito do processo
de ensino-aprendizagem, “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (p.
21). Assim, o autor define sendo como práxis, um conceito que une a verdadeira reflexão da
sua experiência na realidade material do ser (FREIRE, 1987). Construir uma comunidade
pedagógica para se educar, como prática da liberdade, é uma proposta em conjunto, levando os
sujeitos ao entendimento e compreesão de que todos são responsaveis pela fala e ações e este
papel participativo é o que possibilita a construção do saber, este tipo de educação vai contra o
modelo conservador de educação bancaria (FREIRE, 1987), limitando os estudantes a um
depósito de conhecimento e nada mais (hooks, 2013).
Freire (1987) nos diz que,

Na concepção “bancaria”, que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de


despositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem
pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora,
sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação bancária” mantém e estimula
a contradição (1987, p. 34).

A educação bancária por vezes continua a ser vinculada nas práticas atuais do docentes,
por muitos motivos, assim ciclos de dominação e opressão, moldados pela cultura dominante
continuam a se reproduzir. Dessa forma, autora hooks (2013) nos direciona a pensar, por meio
de suas teorias, que a educação libertadora não se realiza quando nós docentes voltamos a
práticar a educação “bancária”, o rompimento deve ser diário, não silenciando o outro, a criação
de conteúdo deve ser junto com os discentes, não é, para que dessa forma, nos enxergamos
como iguais entre a relação de docente e discentes, mas iguais no compromisso de criar
cenários de aprendizado, o poder esta na criação de uma comunidade verdadeira, que crie uma
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dinâmica libertadora para um processo de aprendizagem (hooks, 2013). A autora ainda explica
sobre a importância de uma pedagogia engajada27, por meio dos estudos de Paulo Freire (1987),
com suas falas e experimentações, uma pedagogia com uma visão mais holística, pesquisando
os cenários práticos entorno das práticas pedagógicas.
Na visão de hooks (2013), a sociedade burguesa se alicerça, pelo viés educacional na
objetificação deste meio de ensino aprendizagem, e de todos os estudantes e educadores, e por
conta disso, se faz importante ouvir a voz, a fala de cada ser humano, como citado
anteriormente neste texto, sendo cada um, um protagonista que compreende seus métodos de
ensino-aprendizagem. Tal prática pedagógica é transgressora, pois contribuiu para quebrar os
padrões já estabelecidos no processo educacional, movendo o docente do seu local de
hierarquia, devendo ele próprio se desfazer de antigas posições de privilégio (hooks, 2013).

Na comunidade da sala de aula, nossa capacidade de gerar entusiasmo é


profundamente afetada pelo nosso interesse uns pelos outros, por ouvir a voz uns dos
outros, por reconhecer a presença uns dos outros. Visto que a grande maioria dos
alunos aprendem por meio de práticas educacionais tradicionais e conservadores e só
se interessa pela presença do professor, qualquer pedagogia radical precisa insistir em
que a presença de todos seja reconhecida (hooks, 2017, p. 18)

A relevância no contexto educacional, ao se escutar os estudantes é uma quebra de


paradigmas, encarando de frente a estrutura social de dominação, que sempre se fez presente
nas escolas de forma real, anunciando dessa maneira a necessidade das “práxis”, tal como
propõe a prática de Paulo Freire (1987), na sua necessidade de mudanças da prática. Dessa
forma, entendemos, que é preciso como educadores/as, nos posicionarmos, e levar nossos
contextos e histórias para o ambiente educacional, dentro da sala de aula, criando uma
comunidade pedagógica livre, avançando assim, muitos degraus para a construção da
pedagogia engajada, pois o acordo do profissional e o pessoal são lado a lado, nas mediações
do efeito que se tem o fazer educacional. Quando se trata da ética e da posição política, tais são
entendidos e postos em prática de forma pessoal e profissional em uma fase que não termina,
sendo assim, o mundo onde é perpetuado os posicionamentos de privilégio, exercer a profissão
de forma horizontal é constantemente indagado (hooks, 2013).
A concepção da construção da imagem do docente é fortemente impregnada em nosso
imaginário, se desfazer desse padrão, em alguns casos quando não se é rígido na fala e no
ensino, passa a ideia “errônea” de ser docente muito sociável, pouco rigoroso, pois o que vemos
muito na realidade são posturas em sala de aula rígida e intocáveis. Ao se analisar e entender

27
“Isso significa que os professores devem ter o comprimisso ativo com um processo de autoatualização que
promova seu proprio bem estar. Só assim poderão ensinar de modo a fortalecer e capacitar os alunos.” (p. 28).
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que ter uma posição de educador/educadoras uma figura rígida, começa em umas das
dificuldades presentes no processo de ensino-aprendizagem, já cria um distanciamento nas
falas e aproximações, não leva a uma aproximação para a construção da comunidade de
aprendizagem. hooks (2013), volta sempre a expor que a fala com rispidez, leva a uma
percepção de falta de respeito, nossa prática docente pode ficar com essa percepção pela
ausência de objetividade do nosso engajamento.
Com igualdade nos fatos, outras pesquisas com temas que não os das práticas
tecnocráticas, continuamente são compreendidos incorretamente pelos estudantes, que
possuem a ideia da escola como local de formação para o trabalho, como abordam Masschelein
e Simons (2013) em seu livro. Uma prática pedagógica sem sentido com a realidade dos
discentes, do cenário na comunidade escolar ou do papel da sociedade, as práticas deste
trabalho, levam uma possibilidade para alterações neste fazer. Por isso, o capital, tem objetivo,
de que os estudantes e docentes se vejam e exerçam funções determinadas de suma relevância
para a formação do mercado de trabalho (hooks, 2013).
Pensando no que o mercado de trabalho objetiva da escola, numa perspectiva
neoliberalista, é a obtenção de mão de obra dos estudantes, de forma barata, introjetando na
educação a perspectiva da escola como uma atividade profissional. No que diz respeito ao
período e das visões de mundo, a educação tradicional se refere a buscar a utilidade para quem
é de interesse, sendo o aqui e o agora. Por essa razão, um pensamento direcionado de algumas
culturas sociais, possui como resultado, a ocultação de outros povos e culturas, assim
compreender a forma de se propagar uma educação libertadora é importante, a autora hooks
(2013), considera que os espaços escolares necessitam repensar a aprendizagem não apenas
voltada com centralização no ocidente, mas de todos os povos, todas as culturas, para uma
concepção multiculturalista e descentralizada, que estimularia “[...] os educadores a centrar sua
atenção na questão da voz. Quem fala? Quem ouve? E por quê?” (hooks, 2013, p. 57). Por fim,
por que são legitimas as falas e conhecimentos de outras memorias? Uma vez que, na validação
de nossas características e vivências em cenários que somos capazes de ver a importância dos
outros.
Para bell hooks (2013) e Freire (1987), produzir a educação para a liberdade necessita
de coragem e compromisso, por isso a pedagogia engajada, se torna presente e particular, na
imagem dos docentes para com os discentes. Educar na perspectiva da liberdade, dessa forma,
“[...] temos que desafiar e mudar o modo como todos pensam sobre os processos pedagógicos”
(hooks, 2017, p. 193). No viés da pedagogia engajada, a voz dos indivíduos é ouvida e

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respeitada como igual. Essa comunidade pedagógica tem disposição para ouvir as falas e
ressignificar, com isso entre si, no período que ocorre o processo educacional, os estudantes
são levados a vivencias com objetivo de construir conhecimento, não é somente um espectador.
Contrariamente, do que ocorre dentro da sala de aula, com as práticas de educação tradicionais,
uma criação da pedagogia engajada, docente e discente percorrem o mesmo caminho sem
objeções estruturadas da educação tradicional, abrindo espaço à educação humana (hooks,
2013).

Recortes sociais dentro da escola: raça, classe e gênero

A educação que ocorre nas salas de aulas, não dialoga com a realidade, não expõe as
diferenças de classe social dos estudantes, bell hooks (2013) discute em um capitulo de sua
obra, “Confrontação da classe social na sala de aula”, de seu livro “ Ensinando a transgredir”,
sobre como temos a falsa ideia de uma democracia instraurada no espaço escolar, [...] “ [...]
uma zona livre onde o desejo de estudar e aprender nos torna todos iguais” (p. 235), porém,
nas realidades que conhecemos, e por vezes experimentados, não é essa. Cada ser atuante na
educação possui uma origem de classe, partindo de visões diferentes deste mundo, assim ,
quando todos são agrupados de uma sala de aula, quando o docente deixa de propor uma nova
forma de educar, ele aceita a educação tradicional imposta e não permite a pedagogia engajada
em sua sala de aula, não se manifesta o diálogo aberto, os contextos, as falas, entendendo ser
essa a conduta apropriada com seus estudantes.
Dialogando com Masschelein e Simons (2013), quando designam em sua obra, que a
tarefa fundamental da escola é “[...] a renovação da sociedade por meio da nova geração”
(p.85), no espaço escolar precisa-se permitir diferentes possibilidades, experimentações,
vivências, renovando a sociedade com a libertação de antigos modelos educacionais, que não
contribuem para efetiva formação do sujeito, o tempo destinado dentro da sala de aula,
necessita ser livre para o estudo, para a prática e para o pensamento. A ideia de se aplicar um
currículo “multidisciplinar”, pode assim, abranger todas as classes sociais dos estudantes,
possibilitando a produção de resultados na aprendizagem destes.
Porém, sabemos que existem muitas salas de aulas em que professores não permitem
novas formas de se praticar a educação, contribuindo para dominação; e a dinâmina continua a
mesma, sendo perpetuada as diferenças de raça, classe e do gênero.
bell hooks (2013), cita que a medida que praticava uma sala de aula feminista, o
reconhecimento de classes era mais visivel, pois ao se abordar como o gênero é tratado na
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sociedades, se revela-va assim, um exemplo, para entender como a classe importava neste
processo, como as mulheres em sua maioria eram marcadas por um status social
desprevilegiados, difundia-se a importância do conhecimento e das diferenças de classe social
no espaço escolar, sobretudo para as pessoas negras.
As mulheres foram historicamente e continuam em alguns casos, a serem socialmente
negadas a ascenção social em determinados ambientes, notavelmente, uma das construções do
patriarcado, que perpetua ciclos de privação da mulher apenas aos ambiente domésticos, do lar.
O patriarcado, este sistema econômico que limita, silencia e determina as vida das mulheres,
está presente no espaço escolar, quando privilegia alguns sujeitos por questões de classe e
gênero (homens, brancos, heterossexuais), silenciando outros e passando a moldar os
estudantes a uma educação violenta, excludente, superior (hooks, 2013).
Assim, é urgente que nós docentes, engajados na pedagogia crítica feminista,
proponhamos meios e direcionamentos, voltados a questões de classe social, raça e gênero que
possam refletir, intervir e desafiar a ordem social que ainda vivemos, rompendo com a proposta
pedagógica que reforça esteriótipos para a classe média, perpetuando modelos que violentam
e excluem “outros” sujeitos, “[...] a confrontação construtiva das questões de classe não é
simplesmente uma tarefa que cabe aqueles entre nós que vieram da classe trabalhadora ou de
meios pobres; é um desafio para todos os professores” [...] (p. 251).
A consciência de classe que precisa ser trabalhada na escola, pela vertente da
pedagogia feminista28, ajuda a moldar novas estratégias de intervenção, aulas criativas, com
ideal democrático da educação para todos, criando assim, rupturas na ordem estabelecida pela
“cultura hegemônica burguesa” (hooks, 2013, p. 245).
Os autores Masschelein e Simons (2013) corroboram com hooks (2013), referindo-se
ao professor como uma “figura pedagógica” da escola, possuindo seu papel unicamente
reservado ao ensino, se opondo a não escolher ou promover uma educação para o capital, com
viés puramente reprodutivo, não alienando nosso jovens a meros trabalhadores produtivistas,
este é um dos caminhos para se abordar e construir no contexto escolar a consciência de classe.
O docente é uma figura pública, que ocupa posição importante na ordem social
estabelecida, frente ao capitalismo e ao patriarcado, urge desmontar tal conformação, tornando
os sujeitos cientes de sua posição no mundo, a escola é um dos espaços que possibilita inúmeros
meios aos estudantes de romper com determinismos sociais, a classe, mas no mesmo tanto que

28
Nas palavras de bell hooks (2013, p 245) “conciência das diferenças de classe, que oportunizam a abertura da
academia, em espaços onde a questão da classe social possa receber atenção”.
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pode revelar a realidade, pode também contribuir com educação neutra, onde o ensino é
deixado a margem (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
A estratégia das classes dominantes é a permanência da ordem vigente, “[...]
transformando um escravo liberto em escravo real (o funcionário público-escravo do Estado, o
escravo da fé da religião, o escravo doméstico da economia) [...] (p81). , o trabalho do professor
é desafiador, contra uma profissionalização do ensino, a responsabilidade de não tornar a
educação um produto do mercado e a não perpetuação de ciclos da classe trabalhadora, como
fator limitantes a nosso estudantes, de não se tornarem mão de obra no mercado capitalista, é
um trabalho diário feito por professores autônomos, cientes da diferença de seu trabalho, que
não é a de ser domado pelo sistema, no sentido de não vender a educação, mas a tornar um
caminho para seu reconhecimento no mundo, enquanto ser social, dotado de valores, saberes e
experiências (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
Assim, os pesquisadores trazem reflexões em torno da sociedade e da educação,
devendo ser livre, renovadas e que a figura do professor não se faz meramente em produção de
resultados, mas de possibilidades para autonomia, conhecimento e emancipação no mundo
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
A escola possui uma responsabilidade pedagógica para com a sociedade, pois o papel
pedagogico dos docentes é, em grande parte, desenvolver o individuo e sua formação cidadã,
desassociado com relações determinadas para o trabalho reprodutivista. Na visão dos autores,
o pedagogo torna o tempo livre dos discentes um tempo de possibilidades para os jovens,
referindo-se assim “[...] a fazer do tempo livre uma realidade” (p. 48).
Quando a criança esta plenamente incluída no contexto escolar, possibilitamos asssim
a ela, como educadores, compreender as relações de socialização entre os pares e
posteriormente também, outro entendimento, o da formação recebida (MASSCHELEIN;
SIMONS, 2013). Em tempo que ocorre essa distinção, os autores comentam:

Só então poderemos evitar confundir a formação com a socialização, provendo


cuidados ou assistência do desenvolvimento. Formar e educar uma criança não é a
uma questão de socialização e não é uma questão de garantir que as crianças aceitem
e adotem os valores de sua familia, cultura ou sociedade (MASSCHELEIN;
SIMONS, 2013, p.48).

Diante do exposto, tratamos a escola como espaço para as promoções e descobertas


de possibilidades, abrir o mundo para as crianças e jovens, fazendo isso por meio de práticas
para a vida, considerando o conteúdo curricular e também muito além dele. “[...] é sobre
transformar o mundo (coisas, palavras, práticas) em algo que fala com eles” (p.49). Paulo Freire
(1987) trabalha em seus textos o conceito de a escola promover a leitura do mundo, e por meio
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dos saberes iniciados na instituição escolar, que os educandos conseguem dialogar com
ambiente que estão inseridos, fazendo suas leituras e desenvolvendo suas potencialidades, a
práxis.
Os autores Masschelein e Simons (2013) concordam com Freire (1987) e hooks
(2013) sobretudo quando se trata de promover uma educação libertadora no mundo, o indivíduo
passa a se reconhecer e a entender o meio que está inserido, fazendo sentido. O tempo livre que
os autores propõem a nos explicitar, é um tempo que se refere a desenvolvimento e
crescimento. “[...] tempo livre não é tempo de qualidade; não é tempo reservado de antemão
que deve ser aproveitado ou sujeito a certos requisitos” (p. 52). A responsabilidade do tempo
livre para com os estudantes é também, “compartilhar” o mundo e suas especificidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se por meio das leituras aqui presentes, a escola, enquanto espaço de
possibilidades de aprendizado para o mundo, está sobe ameaças e ataques. No sentido do que,
o que deve ser ensinado/transmitido ou não, sendo um reflexo da sociedade, estando esta
propagando conceitos, comportamentos e preconceitos, esperando-se, assim, reproduzir
também, a produtividade por parte dos estudantes. A sociedade capitalista, racista e classista,
dominada pela burguesia, impõe este papel as instituições de ensino. Cabendo a nós, docentes,
comprometidos com a pedagogia libertadora, fugir dessas amarras que tentam dominar e tornar
a escola a serviço do capital, criando novos meios e práticas para educação que faça sentido na
vida e comunidade dos nossos estudantes. O caminho é longo, e a luta também, resistir é um
ato de amor para com nossos jovens estudantes, que precisam do espaço escolar para construir
compreenções, significações, formação cidadã, de caracter mais humano e também social,
assim finalizo citando Paulo Freire (1987, p. 45), uma vez que, a escola promove a criação de
relações e aproximações com mundo, assim “[...] não há diálogo, porém, se não há um profundo
amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação
e recriação, se não há, amor que a infunda”.

REFERÊNCIAS

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. 364p

hooks, bell. Teoria feminista. Editora Perspectiva SA, 2019.


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hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução:
Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins Fontes. 2013. 283p.

MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. Autêntica,


2013.

RANCIÈRE, J. intellectual emancipation. 1991. (K. Ross, trans. and introduction).


Stanford, CA: Stanford University Press

PATRIARCADO, GÊNERO E FEMINISMO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO


CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ.

Diuliane Fortunato de Souza


Douglas Marques

Resumo

Esse resumo tem como objetivo demonstrar a realidade das alunas do curso de Serviço Social
da Universidade Estadual de Maringá acerca da abordagem de gênero. Para tanto, utilizamo-
nos de pesquisa qualitativa, através de pesquisa bibliográfica na literatura especializada em
gênero, como Scott (1941), Beauvoir (1908-1986), Saffioti (1934-2010) e Cisne (2016). As
questões recortadas e trazidas para o trabalho, demonstram que existe uma dualidade na
percepção das alunas em relação a discussão de gênero, assim, uma parte considera que essa
discussão acontece em ambiente acadêmico, e em igualdade, outra parte considera que essa
abordagem não ocorre, o que pode nos remeter a uma abordagem reducionista do tema Gênero,
pautada na perspectiva feminino e masculino.

Palavras-chave: Patriarcado. Gênero. Feminismo. Universidade Pública.


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Introdução

O presente resumo tem como objetivo demonstrar e problematizar a discussão de


gênero que atualmente é feita no curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá
Campus Ivaiporã Paraná, tecendo assim, considerações importantes para uma discussão maior
interligada a questão de gênero.
Para tanto, o resumo volta-se para a natureza de pesquisa qualitativa, pois (Godoy,
1995, p. 21), foi realizada a partir de um levantamento de informações que, segundo Gil (2002,
p. 50), envolve a interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Para
além de pesquisa de campo, por meio de aplicação de questionários diretamente às estudantes
do Curso de Serviço Social da UEM, valemo-nos de pesquisa bibliográfica na literatura
especializada sobre gênero, como Scott (1941), Beauvoir (1908-1986), Saffioti (1934-2010) e
Cisne (2016). Vale ressaltar que a pesquisa apresentada nesse resumo foi submetida ao Comitê
Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Copep) da UEM sob o número CAEE
65053822.7.0000.0104.
Gênero e patriarcado são discussões que geralmente costumam estar associadas e
abordadas dentro do feminismo, mas é importante dar atenção a cada uma das discussões para
que possamos construir uma problemática, numa perspectiva de totalidade. Cada item constitui
uma complexa rede que caminha para diferentes abordagens e todas são muito importantes.

Patriarcado, Gênero e Feminismo: uma abordagem conceitual.

Seguindo o caminho ao qual esse resumo foi construído, é importante começarmos a


tratar de patriarcado para iniciarmos o debate:
No entanto, não há uma homogeneidade sobre o conceito. Diferentes autores(as), tais
como Max Weber (2009), Jean-Jacques Rousseau (2003), John Locke (1998) e outros,
teorizam sobre como uma forma de organização social em que o pai, chefe de família,
exerce seu poder sobre os demais membros de sua família ou sobre a comunidade em
que vive, e também para denominar regimes políticos mais complexos como a
monarquia (Azevedo, 2017, p. 1 apud Aguiar, 2015, s/p).

É importante entendermos que o patriarcado se trata de uma organização social voltada


para benefício masculino, no qual os homens detêm poder sobre as mulheres.
Pateman (1993) em seu livro O Contrato Social, resgata a importância de tratar o
patriarcado através do contrato sexual como um conceito central da dominação das
mulheres. É importante lembrar que, para a autora, “a diferença sexual é uma diferença política;
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a diferença sexual é a diferença entre a liberdade e a sujeição’’ (Pateman, 1993, p. 21). Nessa
direção, entendemos que o matrimônio é a fonte direta de tal dominação como um contrato,
pelo qual as mulheres são exploradas como trabalhadoras assim como os capitalistas exploram
seus empregados.
Uma crítica feita pela autora supracitada é a descentralização das feministas sobre o
tema patriarcado, resultando em estudos desfocais sobre a real forma de dominação masculina,
ou seja, o desfoque sobre patriarcado e o enfoque em outros temas, que para ela, não são as
reais fontes da dominação. Dessa forma, a autora constrói uma discussão binária pautada na
questão política, ao qual coloca a família em alusão a essas relações, considerando que o
homem detém poder sobre a mulher e sua família, numa sociedade criada e moldada para os
homens. A estudiosa desconsidera outros determinantes, como a construção de gênero, por
exemplo, o qual vai explorar profundamente as construções identitárias dos indivíduos.
Percebemos que as pesquisas se modificam e complexificam-se, acompanhando o
movimento histórico e as necessidades das construções sociais. O feminismo como uma
corrente teórico /política vasta, vai acompanhar esse movimento inserindo em seu bojo de
estudos, novas teorias que foram desde a necessidade do voto até mesmo a discussão de
representatividade de gênero.
Gênero, trata-se de uma construção coletiva. Scott (1995) utiliza uma completa
explicação no assunto, o que consideramos importante para a compreensão do leitor. Dessa
forma, ela explica as três posições teóricas, as quais as feministas apropriam-se para a discussão
em gênero, lembrando que algumas nem mesmo utilizam essa nomenclatura, como já visto
com Pateman (1993).
A primeira posição centra em “explicar as origens do patriarcado”, a segunda “se situa
no interior de uma tradição marxista e busca um compromisso com as críticas feministas” e a
terceira “fundamentalmente dividida entre o pós-estruturalismo francês e as teorias anglo
americanas de relação do objeto” (Scott, 1995, p. 77).
A partir do desenvolvimento dos estudos feministas, novas estudiosas vão surgindo e
colocam novas percepções a serem analisadas. Nessa perspectiva, é imprescindível citar Butler
(1956) para endossar essa discussão, para a qual, Firmino e Porchat (2017) salientam:

Butler explica que o conceito de gênero foi forjado como oposição ao determinismo
biológico existente na ideia de sexo, que implica na biologia como um destino: o
sujeito nasceria homem ou mulher e suas diferentes experiências e lugares na
sociedade seriam determinados naturalmente de acordo com o sexo que o sujeito
nasceu. Essa determinação biológica serve à naturalização da desigualdade entre
homens e mulheres (p.55).

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É certo nesse contexto que Butler dialoga com conceitos trazidos por Beauvoir (2016)
em outro tempo histórico, quando ela já nos tensionava a discussão sobre construção de
feminino e masculino na sociedade, ultrapassando a perspectiva biológica, em sua obra O
Segundo Sexo ela traz uma de suas frases mais famosas:
Não se nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,
econômico define a forma que a fêmea assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre macho e o castrado que
qualificam de feminino (Beauvoir, 2016, p.11).

Butler (1956) dispõe um espaço para construção subjetiva que inclui outras categorias
abarcadas dentro de dominação, que também constituem a temática de gênero. Ela trabalha
com a identidade de gênero, e nessa diversidade inclui outras classes marginalizadas que não
tinham representação com o reducionismo binário.
Partindo das discussões de dominação de classe e gênero, foi realizada uma pesquisa
no ano de 2023, com estudantes que contam com tripla jornada de vida, no curso de Serviço
Social da Universidade Estadual de Maringá. Importante frisar, que num panorama geral, o
curso de Serviço Social é majoritariamente composto por mulheres, muitas vezes, mulheres
trabalhadoras, portanto, é extremamente importante se pensar em práticas pedagógicas que
comportem essas realidades.
Oito estudantes foram escolhidas para participarem dessa pesquisa. Dentre elas, quatro
estudantes regularmente matriculadas e que frequentam o curso, uma de cada ano, e as outras
quatro em situações de trancamento ou cancelamento de matrícula por conta dos reflexos da
tripla jornada. Os dados foram obtidos através de aplicação de questionário contendo doze
questões de múltipla escolha, e uma questão aberta. Para a interligação com o intuito desse
trabalho, trouxemos as questões específicas que abordam gênero, a partir da perspectiva das
alunas.

A abordagem de gênero na universidade: a realidade das estudantes do Curso de Serviço


Social

Nessa etapa da pesquisa foi levantado à análise acerca do tema gênero no contexto
universitário e como ele é abordado pelos professores. A partir dessas informações, podemos
refletir como ocorrem as abordagens de gênero no ambiente acadêmico, sob a ótica das
participantes, ambiente no qual se aspira à liberdade e igualdade de gênero.

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Abaixo segue gráfico 1: Abordagem de Gênero na UEM CRV, que diz respeito às
informações de gênero na universidade:

Gráfico 1: Abordagem de gênero na UEM CRV

Fonte: Souza, 2023.

A partir do gráfico 1 podemos acompanhar que três participantes referem-se que a


abordagem de gênero ocorre na universidade. Já para três participantes, não. A posição
“acontece em parte” com duas respostas, pode evidenciar que o posicionamento dos
professores a respeito desse tema pode estar pautado sob uma perspectiva reducionista e
binária, desconsiderando os outros públicos que foram sendo acrescentados dentro da discussão
de gênero: a população LGBTQIAPN+, demonstrando que o aprofundamento em gênero na
universidade é raso na observação dos determinantes que compõem a temática.
No gráfico 2: Evidenciamos a percepção das alunas em relação ao preparo dos
professores em relação a discussão de gênero:
Gráfico 2: Preparo dos professores, em relação a discussão de gênero.

Fonte:
Souza, 2023
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A pergunta específica abordando o preparo dos profissionais, aponta para quatro
alunas que disseram que os professores estão preparados para abordar o tema, enquanto duas
alunas disseram que eles não estão, outras duas afirmaram que os professores estão pouco
preparados. Essa divisão entre as respostas, interliga os dois gráficos, evidenciando despreparo
para o tema, o que resulta numa abordagem incompleta.
A relação do preconceito com a opção/orientação sexual das participantes será a
próxima pergunta analisada e demonstrada no gráfico 3.

Gráfico 3: Quanto ao preconceito na universidade.

Fonte: Souza, 2023.

A pergunta em questão, teve múltiplas interpretações quanto à condição de


homossexualidade e heterossexualidade no ambiente acadêmico, sem distância relevante entre
as opções. Notamos que a maioria das entrevistadas responderam que não existe preconceito
dentro da universidade. Em contrapartida, em igualdade, as outras participantes responderam
que “há muito preconceito, e há preconceito às vezes”, o que evidencia que, apesar das
respostas positivas em relação a esse tema, é necessário pensar também sob a perspectiva das
alunas que sofreram ou presenciaram algum tipo preconceito, a fim de pensar estratégias para
tais situações que não sejam recorrentes dentro da universidade.
Essas perguntas selecionadas, as quais compuseram parte do Trabalho de Conclusão de
Curso defendido (Souza, 2023), evidenciaram alguns aspectos de como a construção de gênero
é colocada na universidade se tratando de espaços nos quais já se tem parcial debate sobre o
assunto, as respostas mostram que uma desconstrução contínua e aperfeiçoamento constante
são importantes e muito válidas, seja em qual for o espaço.

Considerações Finais

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O presente resumo apresentou um recorte sobre a construção de temas que compõem o
feminismo, como patriarcado e gênero, demonstrando assim, a importância de cada tema no
seu tempo histórico, salientando ainda que uma discussão não substitui a outra, mas que os
estudos contínuos acompanham o movimento histórico da sociedade, e que novos temas
chegam para aprimorar e responder as novas demandas sociais que chegam com essas
mudanças, na intenção de inclusão e igualdade.
As questões recortadas e trazidas para esse resumo demonstram que existe uma
dualidade na percepção das alunas do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de
Maringá, visto que é possível perceber uma lacuna nessa discussão, já que uma parte delas
apontaram a incompletude da discussão, o que pode nos remeter a uma abordagem reducionista
do tema Gênero, pautado na perspectiva feminino e masculino.
É importante que os profissionais estejam sempre se atualizando quanto as novas
requisições sociais, a fim de contribuírem ativamente para uma nova percepção de mundo justa
e democrática. Afinal, quando um tema não é discutido da forma devida na universidade, os
profissionais que se formam, deixam de contribuir nesse sentido, reforçando até mesmo o
preconceito que já existe nessa discussão.
Cabe um maior diálogo com os discentes. Pensar em maneiras que façam com que os
projetos de extensão fornecidos dentro da universidade, os quais comportem esse tema possam
ser ofertados aos estudantes, para que assim, possam atingir um maior público. Isso inclui
oficinas, dentre outros projetos e práticas pedagógicas, adequadas a realidade da(os)
estudantes, que como já citado, se trata em sua maioria de mulheres trabalhadoras.

Referências

AZEVEDO F. M. C. de. O conceito de patriarcado nas análises teóricas das ciências


sociais: uma contribuição feminista, Revista Três Pontos, Minas Gerais, 2017.
Disponível em: file:///C:/Users/diuli/Downloads/giselecosta,+Gerente+da+revista,+2+-
+o+conceito+de+patriarcado-1.pdf. Acesso em: 10 out. 2022.
BEAUVOIR, S.de. O segundo Sexo: a experiência vivida. 3.ed. Rio de Janeiro:Nova
Fronteira, 2016.
FIRMINO F, H; PORCHAT, F. Feminismo Identidade e Gênero em Judith
Butler:Apontamentos a partir de “Problemas de Gênero”: Doxa: Rev. Bras. Psicol.
Educ.,Araraquara, v.19, n.1, p. 51-61, jan./jun. 2017. Disponível
em:file:///C:/Users/diuli/Downloads/4+Firmino-1.pdf. Acesso em: 10 out 2022.

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SOUZA, D, F. Direitos das mulheres, Tripla Jornada e a Construção de Gênero no
ambiente acadêmico. Monografia (em Serviço Social), Universidade Estadual de Maringá,
Ivaiporã/Pr, p. 95. 2023. Disponível em: http://www.crv.uem.br/cursos-de-graduacao/servico-
social/trabalhos-de-conclusao-de-curso/2022/diuliane-fortunato.pdf/view. Acesso em: 14 jan
2024.
GIL, A, C. Como elaborar Projetos de Pesquisas. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GODOY, A, S. Pesquisa Qualitativa, Tipos Fundamentais, Revista de


Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n.3, p, 20-29, 1995. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rae/a/ZX4cTGrqYfVhr7LvVyDBgdb/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 07 nov, 2022.

PATEMAN, C. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

SCOTT, J. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica, Educação e Realidade, 1995.

ATRAVESSAMENTOS DE UMA VIVÊNCIA NEGRA E GAY NO


AMBIENTE EDUCACIONAL

Nelson Bruno Delfino da Conceição29

Resumo

Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre a vivência de crianças, e adolescentes, negros e
gays dentro dos espaços de educação para se pensar quais as articulações possíveis de serem
realizadas para promoção de uma experiência, a partir do prazer e da alegria, de estudar e obter
conhecimentos para essa minoria social. Utiliza-se a revisão bibliográfica e o relato de
experiências como metodologia de pesquisa. Percebe-se que é necessário a estruturação de
instrumentos institucionais para a discussão do assunto no âmbito da comunidade escolar e
efetiva participação de todos, e todas, que constroem a escola.

Palavras-chave: Pedagogia queer. Pretagogia. Negro. Gay. Educação.

29 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Artes da Cena da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O


presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES).
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Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência.
Se a gente desestabilizar esse padrão, talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura,
como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a
gente já não caiu?

Ailton Krenak, Ideias para adiar o fim do mundo, 2019.

Introdução

A escola é um espaço hostil para uma criança e adolescente negra e gay. O menino que,
através da sua forma de falar, andar e se comportar, demonstra um maior traço de feminilidade,
do que o esperado, é tratado, geralmente, com preconceito, desdém e violência dentro dos
espaços de educação privados e públicos. A escola é um espaço que procura normatizar os
indivíduos, e encaixá-los, em modelos bem definidos do que é ser menino e do que é ser
menina. Aqueles que, de alguma forma, tensionam esses modelos pré-concebidos de
identidades atraem para si, de todos os participantes que formam a comunidade escolar, um
sinal de alerta que aponta para a sua diferença que passa a ser motivo para perseguições no
campo da institucionalidade e das afetividades. Para um menino, queer30 e negro, está no
ambiente escolar requer um grande conhecimento de si para se manter firme diante das
inúmeras tentativas diárias que são feitas para excluir esse individuo desse espaço.
bell hooks, professora e pensadora norteamericana do feminismo negro, em seu livro
“Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” (2017), nos aponta a
diferença, para uma criança negra, de está em um ambiente que acolhe a sua existência e, por
outro lado, a situação inversa de ser estudante e ao mesmo tempo nadar contra as densas águas
do preconceito, e da discriminação, de uma escola que não reconhece a vida e história de
pessoas negras como importante. Na introdução de seu livro, hooks conta a sua vivência

30De acordo com a professora Helena Viera (2015): Queer é uma palavra inglesa, usada por anglófonos há quase
400 anos. Na Inglaterra havia até uma “Queer Street”, onde viviam, em Londres, os vagabundos, os endividados,
as prostitutas e todos os tipos de pervertidos e devassos que aquela sociedade poderia permitir. O termo ganhou o
sentido de “viadinho, sapatão, mariconha, mari-macho” com a prisão de Oscar Wilde, o primeiro ilustre a ser
chamado de “queer”. Desde então, o termo passou a ser usado como ofensa, tanto para homossexuais, quanto para
travestis, transexuais e todas as pessoas que desviavam da norma cis-heterossexual. Queer era o termo para os
“desviantes”. Não há em português um sinônimo claro, talvez, como propõe a professora Berenice Bento,
possamos pensar o queer como “transviado”. Conforme aponta Gracia Trujillo, podemos pensar em queer como
a uma estranheza, um desvio da normalidade em termos sexuais e de gênero (2023).
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durante o período em que estudou em uma escola segregada no sul dos Estados Unidos (Booker
T. Washington) e, depois, como foi estudar numa escola dessegregada, em uma “escola
branca”. A segregação racial foi uma discriminação institucionalizada, através das leis Jim
Crow, que operou nos Estados Unidos da America, a partir do período de escravidão, e visava
separar os espaços para pessoas negras e brancas como escolas, transportes públicos e, até
mesmo, o lado da rua. Martin Luther King Jr., Rosa Parks, Malcolm X, e outros ativistas, foram
alguns dos que lutaram contra esse regime de segregação que só teve um fim (se é que podemos
pensar num fim) a partir das leis dos Direitos Civis de 1964 e a Lei de Direito ao Voto de 1965.
Sobre as escolas segregadas, hooks relata: “Naquela época, ir à escola era pura alegria. Eu
adorava ser aluna. Adorava aprender. A escola era o lugar do êxtase - do prazer e do perigo.
Ser transformada por novas ideias era puro prazer.” (HOOKS, 2017, p.11). Em relação às
escolas dessegregradas:

De repente, passamos a ter aula com professores brancos cujas lições


reforçavam os estereótipos racistas. Para as crianças negras, a educação já não
tinha a ver com a prática da liberdade. Quando percebi isso, perdi o gosto pela
escola. A sala de aula já não era um lugar de prazer ou de êxtase. (HOOKS,
2017, p.12).

A experiência relatada por hooks, certamente, está dentro de um contexto bem


específico e fala sobre a vivência de uma criança, apaixonada por aprender, em meio a transição
da educação em escolas segregadas para escolas, predominantemente, constituídas de pessoas
brancas em seu corpo estudantil e docente. Mas, o relato de hooks nos apresenta importantes
chaves de leitura, uma vez que se trata da experiência de estar em uma escola que acolhe sua
história e sua existência. Esse, talvez, seja o principal contraponto que a autora se depara
quando adentra o ameaçador mundo da branquitude; primeiro por não se reconhecer nas
narrativas que ali são tecidas; e segundo por se tornar alvo de tentativas de destruição. Assim,
podemos pensar que a experiência do menino afeminado e negro dentro do ambiente escolar,
em sua maioria, não se configura como um lugar de prazer e êxtase, nas palavras de hooks.
Pelo contrário, não se reconhecer nas diversas produções simbólicas que lhe são apresentadas,
não ter sua existência validada, e ser alvo de perseguições, minam as suas possibilidades de
experimentar a educação como uma atividade prazerosa. Como o ambiente escolar pode se
tornar um espaço de prazer para uma criança e adolescente negro e queer? Que estratégias e
modificações são necessárias para que estar na escola seja possível para um corpo dissidente
negro? Essas são perguntas que os sistemas educacionais, e sua comunidade, devem se fazer

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para que ocorra mudanças significativas e que, cada vez mais, a escola não seja um lugar de
morte simbólica para o menino negro afeminado.
hooks, tece o seu pensamento teórico sobre a educação como prática de liberdade em
diálogo com os questionamentos e propostas educacionais de Paulo Freire. Em “Pedagogia do
Oprimido”, Freire nos alerta de que a opressão é necrófila, ou seja “Nutre-se do amor à morte
e não do amor à vida” (FREIRE, 2023, p.90). Se você está num ambiente que constantemente
lhe diz que o seu modo de falar, agir e ser é errado, incorreto e pecaminoso. Que você é incapaz,
não sabe e não poderá saber nada. Que você é doente, indolente e improdutivo. De tanto ouvir
e ser colocado nessa posição, certamente, esse indivíduo estará suscetível a se convencer dessas
percepções sobre a sua pessoa como verdades e até reproduzir, e se adequar, a comportamentos
que ratificam essas mensagens simbólicas (FREIRE, 2023, p.69).

Caminhos pedagógicos possíveis

Diante das questões que se apresentam, que caminhos são possíveis para que os
sistemas educacionais possam, cada vez mais, se tornarem um ambiente que acolha, respeite e
seja um espaço de prazer e alegria para crianças negras e queers? O pensamento feminista
negro, o movimento negro e a teoria queer tem trabalhado em prol de descortinar outros modos
pedagógicos para se pensar a escola e a educação. A pretagogia31 (2015), desenvolvida pela
professora e pesquisadora Sandra Haydée Petit, através do seu trabalho docente em torno da
lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-
brasileira na educação básica, se apresenta como uma linha de fuga para o racismo institucional,
que prevalece no ambiente escolar, e para pensarmos em outras maneiras possíveis do fazer
pedagógico. A proposta da pretagogia coloca o corpo como principal fonte de conhecimento e

31Sandra Haydée Petit, Professora da Universidade Federal do Ceará, desenvolveu o conceito de pretagogia a
partir da sua experiência de formação de professores, para atuação em quilombos, com o intuito de criar uma nova
abordagem de ensino e pesquisa dentro da ótica das africanidades em consonância a Lei nº 10.639/2003. O grupo
de pesquisa e intervenção, NACE (Núcleo das Africanidades Cearenses), coordenado pela professora, trabalha
com a formação de professores em vista de novas concepções afrorreferenciadas e inovadoras. Nas palavras de
Petit: “Denominamos de pretagogia a abordagem teóricometodológica que parte de referências das filosofias que
atravessam as tradições africanas e os estudos embasados em Bâ (1982), Munanga (2009), Sodré (1988; 2012),
Cunha (2007), Oliveira (2006; 2007), Silva (2013), Cruz (2011), Meijer (2012), Videira (2010), dentre outros,
para propor uma pedagogia que atualiza seus princípios nas culturas afrobrasileiras e afrodiaspóricas em geral a
partir dos seguintes fundamentos: 1) o autorreconhecimento afrodescendente; 2) a tradição oral; 3) a apropriação
dos valores das culturas de matriz africana; 4) a circularidade; 5) a religiosidade de matriz africana entrelaçada
nos saberes e conhecimentos; 6) o reconhecimento da sacralidade; 7) o corpo como produtor espiritual, produtor
de saberes; 8) a noção de território como espaço-tempo socialmente construído; 9) o reconhecimento e
entendimento do lugar social atribuído ao negro.”(PETIT, 2016, p.665)
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produção de saberes, valoriza o conhecimento oral e promove a consciência e o
desenvolvimento de um pertencimento afro. Para uma criança negra e queer aprender a amar o
próprio corpo, não negar o que seu corpo expressa e que narrativas cria é um passo importante
para o crescimento da sua autoestima, de se reconhecer como um sujeito capaz de aprender.
Não ter o seu corpo negado, ou perseguido, dentro do espaço escolar é uma das estratégias
pedagógicas que podemos aprender com a pretagogia que tem como um dos seus principais
objetivos a conscientização desses sujeitos em relação a questão política da racialidade que
desloca a ótica de pertencimento afro. Para o menino negro e queer é necessário pensar também
as dimensões da sexualidade e de gênero que se apresentam, por exemplo, na pedagogia queer.
De acordo com Nilson Fernandes Dinis (2013), o termo pedagogia queer aparece pela
primeira vez em artigo das pesquisadoras canadenses Mary Bryson e Suzanne de Castell,
publicado em 1993, em que as autoras afirmam que “pedagogia queer poderia referir-se à
produção deliberada de relações queer e à produção de subjetividades como performance
desviante - isto é, a uma espécie de pedagogia carnavalesca pós-moderna do submundo, como
agitação.” (DINIS, 2013). Gracia Trujillo, nos relembra que “a escola é um agente fundamental
de socialização e é central na construção das subjetividades, nas quais um dos elementos
relevantes, por sua vez, é a identidade de gênero e sexual” (TRUJILLO, 2023, p.128) e que o
ambiente educacional “rejeita e violenta estudantes que são diferentes” sendo, portanto, uma
“máquina do regime heteronormativo” (TRUJILLO, 2023, p.129). A pedagogia queer nos
possibilita a produção de outras narrativas, dentro do ambiente escolar, através de uma prática
cotidiana de repensar atitudes viciadas na heteronormatividade.

Podemos queerizar o ensino em muitos momentos; intervindo na linguagem,


falando no feminino plural inclusivo como uma crítica ao uso da linguagem
sexista na escola; falando de autoras negras, feministas menos conhecidas, de
contribuições de bichas, sapatonas, bissexuais, trans*, pessoas não-binárias,
gender queers etc. (TRUJILLO, 2023, p.143).

O pensador Paul Preciado, em “Quem defende a criança queer?” (2013), nos diz que é
necessário a defesa de uma educação que vise a formação de crianças, não apenas como força
de trabalho e reprodução, mas que possam existir práticas pedagógicas que percebam a
multiplicidade da existência de cada indivíduo em sua diversidade e diferença. Práticas
pedagógicas que apontam outras possibilidades de educação, como a pretagogia e a pedagogia
queer, que florescem no duro solo do ambiente educacional:

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Nós defendemos o direito das crianças a não serem educadas exclusivamente
como força de trabalho e de reprodução. Defendemos o direito das crianças e
adolescentes a não serem considerados futuros produtores de esperma e
futuros úteros. Defendemos o direito das crianças e dos adolescentes a serem
subjetividades políticas que não se reduzem à identidade de gênero, sexo ou
raça. (PRECIADO, 2013, p.99).

As experiências de crianças dissidentes dentro do ambiente escolar demonstram que é


necessário repensarmos o modo como a educação é praticada. É necessário que coloquemos
em prática outras maneiras de relação entre aqueles e aquelas que compõem a comunidade
escolar. Não é possível que continuemos compactuando com a exclusão, e posterior evasão, de
crianças que não se enquadram nas regras impostas por um mutilador e dizimador sistema
heteronormativo. É necessário que estratégias sejam pensadas no momento de discussão e
produção de instrumentos orientadores dos sistemas educacionais, para que os profissionais da
educação recebam formação para abordar e mediar as discussões sobre gênero, sexualidade e
raça que aparecem no ambiente educacional. Que novas narrativas sejam possíveis nesses
espaços. Que não seja negado o direito de existir, em sua diferença, na diversidade que é a vida
àquele que é dissidente. Essa não pode ser uma discussão nichada, mas sim que faça parte das
pautas gerais, uma vez que, o que se coloca em questionamento são situações rotineiras de
opressão. As abordagens pedagógicas, aqui mencionadas, nos mostram que é possível
caminharmos por novas estradas metodológicas que reconheçam às diferenças e
multiplicidades que cada sujeito, participante da comunidade escolar, possui. É preciso que as
instituições escolares, e seus fazedores, estejam atentos a essas pedagogias que são possíveis
de ramificações como, por exemplo, a insubordinação criativa pensada no contexto da
matemática por Jonathan Machado Domingues que coloca como ponto chave: a criação de um
ambiente seguro na escola; utilização de materiais inclusivos; e a promoção do diálogo aberto
que, na sua perspectiva geram a equidade, engajamento dos estudantes, pensamento crítico e
habilidades de resolução de problemas (DOMINGUES, 2023). Outres pensadores e teóricos da
contemporaneidade tem aberto caminhos possíveis para pensarmos a educação e precisamos
nos atentarmos para esses chamados.

Relatos de experiência como potente produção teórica

Neste ponto do texto, será aberto um parêntese para o relato de uma vivência do autor.
Percebe-se, através do processo de escrevivência, desenvolvido pela escritora Conceição
Evaristo, que é possível uma compreensão mais aprofundada, e precisa, das experiências

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vividas pela minoria social posta aqui em discussão. Evaristo nos aponta que o conceito de
escrevivência, inicialmente, surge como uma ação através da letra, da escrita, sem esquecer a
oralidade, em que o corpo-voz de mulheres negras borram e desfazem uma imagem do passado
através do poder da emissão. (EVARISTO, 2020, p.30). Escrevivência “é uma busca por se
inserir no mundo com as nossas histórias, com as nossas vidas, que o mundo desconsidera”.
(EVARISTO, 2020, p.35). Os relatos, expostos neste tópico, tornam-se aportes teóricos que
nos ajudam a pensar a experiência de ser negro e queer dentro do ambiente escolar. Não
somente se descortinam como experiências a serem analisadas como objeto de pesquisa, mas
como a inserção de histórias invisibilizadas, histórias antes não ouvidas e desconsideradas.
Histórias que falam sobre uma coletividade e não uma busca narcísica. Sobre a genealogia do
termo, a autora diz que remete a 1994, enquanto fazia sua pesquisa de mestrado na PUC, em
que fazia um jogo com “a palavra escrever e viver, se ver e culmina com a palavra
escrevivência”. (EVARISTO, 2020). Assim, “a escrevivência quer justamente provocar essa
fala, provocar essa escrita e provocar essa denúncia”. (EVARISTO, 2020)
É necessário também esclarecer que os meninos negros e gays, aqui mencionados, são
considerados como bixas pretas como parte da construção de um pensamento politico de
retomada.

Bixas pretas refere-se a pessoas negras dissidentes sexuais que reelaboram


este termo, usado contra elas de forma pejorativa, através da construção de
outros imaginários possíveis, o que Judith Butler chama atenção como o
“poder de mobilização da injúria” (2019). Bixa preta, grafada com “x”,
propõe um ato de rebeldia na própria linguagem (Fernando Luís Morais,
2022) e como já apontava Neuza Santos Souza, “uma das formas de exercer
autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo" (1983). (CONCEIÇÃO,
2023)32

Em minha vivência dentro do ensino fundamental, um dos piores momentos para mim,
além da hora do recreio em que me sentia vulnerável aos xingamentos e violências fisicas dos
outros meninos, por eu ser um menino bixa afeminado e negro, ou nos momentos de ir ao
banheiro, era a hora da chamada. Em minha experiência como aluno em uma escola pública
municipal, situada em Nova Iguaçu na Baixada Fluminense, era comum a chamada dos alunos
e alunas através da numeração. O meu número da chamada, normalmente, era o 24, já que a
associação do nome ao número era por ordem alfabética. Eu sabia que naquele momento seria

32Este trecho faz parte do texto em desenvolvimento pelo autor “A produção poética de bixas pretas na
cena contemporânea” a ser publicado em 2023.

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ridicularizado, todos os dias, pelos outros, meninos e meninas, com insultos e risadas que não
tinham nenhum tipo de repreensão por parte dos professores e professoras.
Repensar atitudes cotidianas, como a realização da chamada, como exemplificado
acima, são ações que a pedagogia queer nos convoca, pois a regularidade dessas situações que
desrespeitam, e oprimem, estudantes dissidentes no ambiente escolar é imensa e ao mesmo
tempo considerada comum, e banal, como nos aponta Preciado com o seguinte relato:

Lembro do dia em que, na minha escola de freiras, Irmãs Reconstituidoras do


Sagrado Coração de Jesus, a madre Pilar nos pediu para desenhar a nossa
futura família. Eu tinha sete anos. Desenhei eu casada com a minha melhor
amiga, Marta, três crianças e vários cachorros e gatas. Eu tinha imaginado
uma utopia sexual, na qual existia casamento para todos, adoção, PMA…
Alguns dias depois a escola enviou uma carta à minha casa, aconselhando os
meus pais a me levarem a um psiquiatra, para consertar o mais rápido possível
o problema de identificação sexual. Depois dessa visita, vieram várias
represálias. O desprezo e a rejeição do meu pai, a vergonha e a culpa da minha
mãe. Na escola foi espalhado o rumor de que eu era lésbica. Uma
manifestação de copeístas e frigide-barjotianos era organizada todos os dias
na frente da minha sala de aula. “Sai daí sapatão, diziam, você vai ser violada
para aprender a beijar como Deus ensinou.” Eu tinha um pai e uma mãe, mas
eles foram incapazes de me proteger da depressão, da exclusão, da violência.
(PRECIADO, 2013, p.99).

Fica evidente, no relato de Preciado, o papel da escola em instrumentalizar uma série


de técnicas disciplinares com o intuito de normatizar padrões de gêneros e para regular a
sexualidade de seu corpo discente. Megg Rayara, ao refletir sobre a experiência de corpas
dissidentes dentro do ambiente educacional, nos alerta que:

As técnicas disciplinares estavam presentes nos jogos, nos brinquedos e


brincadeiras, nas filas, nas atividades escolares, nas cores das mochilas e
lancheiras, nos cartazes, nos banheiros, nos uniformes, nos cortes de cabelo,
nos nomes e pronomes de tratamento, tudo rigorosamente separado por
gênero. (OLIVEIRA, 2022, p.13).

Como a intercessão da perseguição pelo controle das sexualidades e a padronização de


gênero se cruzam com a racialidade? Rita de Cassia Santos Côrtes, em sua dissertação de
mestrado, apresenta entrevista realizada com Renato, jovem gay, negro e de classe popular para
pensar as tensões sobre o se assumir como gay e a sua ida da capital do Rio de Janeiro para
Jequié-BA. Renato, nessa entrevista, apresenta um relato detalhado de sua vivência, dentro do
ensino médio, em uma escola pública passando pelos conflitos, internos e externos, que
entrecruzam sua existência bixa e negra.

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Após minha chegada e depois de ter entrado em um período de aceitação
própria eu comecei a estudar aqui na Bahia. Só que pra não passar os mesmos
tormentos que eu passava no Rio, decidi que queria me masculinizar pra
esconder ao máximo minha orientação sexual. Por causa dessas e outras meu
guarda roupa passou a ter somente roupas conhecidas como uniforme de
marginal, como por exemplo: marcas marginalizadas pela sociedade como,
blusão da Adidas, shorts de veludo da Ciclone e coisas do tipo e as novas
amizades passaram também a ser pessoas com este mesmo perfil. (...) Não me
sentia nem um pouco confortável naquela situação, fingindo ser quem não
era! Quando comecei a me sentir assim aconteceu uma greve nos colégios
municipais aqui na cidade que duraram quase três meses e eu aproveitei esse
tempo para me isolar completamente de todos. O único contato que eu tinha
com a vida lá fora era pela internet, onde ninguém iria saber se eu era preto
ou branco, gay ou hétero, cristão ou ateu, nada disso ninguém saberia a não
ser que eu quisesse me expor. (...) Quando as aulas retornaram eu
simplesmente saí do meu quarto com outra visão de tudo, já nem lembrava
mais que eu tava ali e que eu conhecia aquelas pessoas, foi tudo muito rápido
e de uma hora pra outra. Minha vida tinha mudado, meus gostos tinham
mudado. Tudo tinha ficado diferente. Nos primeiros meses do retorno às aulas
eu comecei a sofrer as mesmas chacotas que sofria no Rio, porém agora eu já
estava com o cabelo enorme, me davam apelidos de cachinhos dourados
quando eu passava na rua, pois tinha pintado o cabelo de loiro. Perguntavam
indiscretamente sobre minha orientação sexual com o propósito, na maioria
das vezes, de me deixar constrangido. Outros gays também faziam resenhas
comigo, coisas do tipo: a hétera, a incubada, a nárnia, a machinho, entre várias
outras coisas. Só que dessa vez tudo foi diferente, eu já não me incomodava
mais em relação aos apelidos e de vez em quando eu até ajudava fazendo
alguma gracinha para o povo rir mais. É como se fosse tipo: quer rir, então
sorria, pois eu não ligo! E realmente já não ligava mais, estava decidido que
eu gostava de homens, e que não ia tentar mudar pra ver ninguém feliz, eu
tinha que pensar na minha felicidade primeiro! Nunca me vi sendo
protagonista da tão falada família tradicional brasileira (Renato). (CÔRTES;
SOUZA, 2019, p.34-35).

O relato de Renato nos apresenta uma das inúmeras consequências da opressão sofrida
por corpos negros e queers dentro do ambiente escolar, a tentativa de mascarar sua
personalidade para conseguir sobreviver nesse espaço. O vestuário, a forma de falar, a tentativa
de inserção em determinados grupos são estratégias desenvolvidas por alguns desses meninos
gays. Renato, através de um processo de conscientização modifica a percepção das
características que formam o que podemos chamar de sua identidade. A valorização da sua
negritude, da sua sexualidade e da sua forma de ser é possível a partir do momento em que
ocorre o processo que a pretagogia chama de pertencimento afro. O relato de Renato é
importante aspecto do texto de Côrtes, uma vez que se torna voz que ecoa de uma coletividade,
historicamente, cerceada do direito à fala. Os relatos são importantes estratégias pedagógicas
adotadas dentro da pretagogia e da pedagogia queer e, assim como Evaristo salienta, esse
processo, que podemos chamar de escrevivência, acontece, pois “o agente, o sujeito da ação,
assume o seu fazer, o seu pensamento, a sua reflexão, não somente como um exercício isolado,
mas atravessado por grupos, por uma coletividade”. (EVARISTO, 2020 p.38).

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É importante ponderar que a escrevivência é pensada, inicialmente, por Evaristo dentro
do campo da literatura e não diz respeito somente a um processo autobiográfico, mas também
de fabulação e ficcionalidade. Aqui o movimento é pensar a escritura da vida de pessoas negras
queers em suas infâncias como um ato de assumir a autoria de suas narrativas, produção de
novas imagens simbólicas e como importante estratégia pedagógica.

Considerações finais

O ambiente escolar é, particularmente, um espaço de rejeição, violência, negação e


exclusão para pessoas dissidentes. Pensando, especificamente, no caso de meninos negros e
gays podemos perceber a escola como uma forte instituição que reprova a sua forma de existir
no mundo. É, portanto, necessário que sejam implementadas estratégias sistêmicas que
possibilitem a institucionalização de medidas que protejam, e corroborem, com a permanência
de meninos negros e gays dentro das instituições escolares evitando, assim, a evasão, a
reprovação e a destruição de bixas pretas na escola. É preciso que não esqueçamos o papel da
família, dos profissionais da educação e do estado nesses processos e que, cada vez mais, essas
instituições, indivíduos e comunidades estejam abertas, preparadas e prontas para a discussão
dessas temáticas e que novas propostas pedagógicas e, modos de pensar a educação, sejam
colocados em roda. Que novas narrativas possam ser criadas e que os meninos negros e gays
possam se sentir pertencentes e movedores do espaço escolar.

Referências

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Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2009.

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EVARISTO, C. Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha


escrita. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós:
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CÔRTES, R. de C. S.; DE SOUZA, M. L. “A homossexualidade não era uma coisa que eu
estava disposto a aceitar”: narrativas de um estudante negro, gay e de classe popular.

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O MOVIMENTO ANTI-LGBTQIAP+ NO BRASIL E NO MUNDO
Marlon Kumpfer Nascimento
Resumo: Diante da crescente onda de retrocessos e ameaças aos direitos da população
LGBTQIAP+, este estudo analisa as raízes históricas e manifestações contemporâneas do
movimento anti-LGBTQIAP+ global, com ênfase no contexto brasileiro. Utilizando
abordagem qualitativa, a pesquisa revisa publicações relacionadas ao tema, destacando a
importância de compreender fatores históricos para entender as motivações atuais do
movimento e suas estratégias. Identificam-se formas de oposição, como propostas legislativas
e discurso de ódio, enfrentadas pela comunidade LGBTQIAP+. Ressalta-se a necessidade
urgente de estratégias eficazes contra a onda anti-LGBTQIAP+ para promover uma sociedade
justa e inclusiva. Destacam a crucial importância de garantir igualdade, combater
discriminação e assegurar direitos fundamentais. A pesquisa contribui para a compreensão
mais profunda das complexidades na luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+,
oferecendo subsídios para políticas que promovam igualdade e segurança, tanto no Brasil
quanto globalmente.
Palavras-chave: Anti-LGBTQIAP+. Políticas públicas. Direitos LGBTQIAP+.

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INTRODUÇÃO

A questão dos direitos LGBTQIAP+ tem sido objeto de discussão e, em decorrência


disto, ensejou avanços significativos nas últimas décadas, em âmbito global, no que se refere à
conquista de garantias fundamentais para a comunidade (ADAM; DUYVENDAK;
KROUWEL, 1999; GREEN, 2000; PARKER, 2002; NUNAN, 2003; TRINDADE, 2005;
OTTOSON, 2006; OKITA, 2007; ENCARNACION, 2013). No entanto, este cenário vem
sendo ameaçado por uma crescente onda anti-LGBTQIAP+, que põe em xeque essas
conquistas, em uma tentativa de perpetuação da discriminação e da violência em diversas partes
do mundo. Esse fenômeno ganha contornos alarmantes em um contexto global marcado pelo
avanço de governos de extrema-direita e neoconservadores, que adotam discursos de
preservação do conceito de “famílias tradicionais”, implicando a proposição de projetos de lei
que visam, em última instância, a criminalização de gêneros e orientações sexuais dissidentes
(TREVISAN, 2015; DOS SANTOS, 2023).
A Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA)
regional europeia relatou um significativo aumento da violência contra a comunidade
LGBTQIAP+, abrangendo ataques planejados, violência aleatória e assédio oficial. Esses
incidentes ocorrem em um contexto de crescente discurso de ódio promovido por políticos,
líderes religiosos, organizações de direita e especialistas da mídia, sendo exemplificados por
tiroteios em bares gays em Oslo e Bratislava, resultando em fatalidades (CAVALLUZZO,
2023). De maneira notável, ao longo dos últimos 15 anos, o Brasil tem consistentemente
ocupado a liderança em relatar o maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo. Nos
últimos sete anos, os Estados Unidos registraram 242 assassinatos, enquanto o Brasil
contabilizou 1057 casos, representando quase cinco vezes o número de ocorrências nos EUA
(BENEVIDES, 2024).
Em face dessa realidade, este artigo propõe uma análise sobre o movimento
antiLGBTQIAP+ no Brasil e em nível global, buscando compreender as raízes desse
fenômeno, suas manifestações contemporâneas e as implicações para a promoção dos direitos
humanos. A delimitação deste estudo concentra-se na análise comparativa entre a experiência
internacional e a brasileira, considerando os avanços legais e sociais recentes, bem como os
desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAP+ em ambos os contextos. A justificativa
para essa abordagem reside na necessidade premente de compreender as nuances desse
fenômeno social complexo, permitindo uma visão mais abrangente sobre as dinâmicas que
moldam a luta pelos direitos da comunidade.

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O problema de pesquisa que orienta este trabalho está intrinsicamente ligado à
compreensão das raízes e manifestações do movimento anti-LGBTQIAP+, investigando suas
origens históricas, suas motivações contemporâneas e as estratégias utilizadas para minar os
avanços conquistados pela comunidade. Nesse contexto, a pesquisa visa lançar luz sobre os
desafios específicos enfrentados pela população LGBTQIAP+ no Brasil diante da atual onda
anti-LGBTQIAP+ global.

METODOLOGIA

Para cumprir o seu objetivo, esta pesquisa utilizou-se de uma abordagem qualitativa,
utilizando-se da revisão bibliográfica e da análise documental de estudos, relatórios,
normatizações e matérias veiculadas na mídia relacionadas ao tema “LGBTQIAP+”. Para
tanto, recorreu-se às bases de dados acadêmicas e repositórios institucionais, como o Periódicos
CAPES, Google Acadêmico e SciELO Brasil, utilizando termos (strings e palavras-chaves)
como “políticas públicas e direitos LGBTQIAP+”, “movimento anti-LGBTQIAP+” nas buscas
em português, “anti LGBT” e “LGBT rights” em buscas na língua inglesa.
A triagem inicial dos resultados baseou-se nos resumos das publicações, priorizando a
relevância para o tema da pesquisa, somando 63 artigos científicos. Posteriormente, as
publicações selecionadas passaram pela leitura e análise na íntegra, considerando aspectos
como raízes históricas do movimento anti-LGBTQIAP+, manifestações contemporâneas,
estratégias utilizadas e desafios específicos enfrentados pela população LGBTQIAP+,
elegendo 8 artigos.

AS RAÍZES DO MOVIMENTO

No século XVIII, as sociedades burguesas vitorianas reprimiram a sexualidade,


expulsando-a, negando-a e reduzindo ao silêncio. As “sexualidades periféricas” eram toleradas
em locais específicos, “que vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser
reinscritas, senão nos circuitos da produção, pelo menos nos do lucro” (FOUCAULT, 2005, p.
10). Michel Foucault argumenta que, mesmo na era pós-moderna, permanecemos vinculados
ao puritanismo vitoriano em relação à sexualidade, pois nossas ações e reações ainda refletem
os padrões do século XIX. “Estaríamos liberados desses dois longos séculos em que a história

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da sexualidade devia ser lida inicialmente como a crônica de uma crescente repressão?”
(FOUCAULT, 2005, p. 11).
No século XIX, médicos assumiram a autoridade sobre a verdade da sexualidade.
Segundo Simões e Facchini (2008), a concepção do homoerotismo como uma condição
patológica, especialmente promovida pela Psiquiatria naquele período, passa a ser reavaliada
no final daquele século, com o surgimento da Sexologia. Dessa forma, emerge o termo
“pervertido” ou “invertido” como uma categoria a ser examinada e compreendida pela
Medicina, deixando de ser sujeita a condenações judiciais.
Segundo Fry e MacRae (1985), os primeiros médicos que exploraram as relações
sexuais entre pessoas do mesmo sexo inventaram as palavras “uranista” e “homossexual”, que
passaram a ser utilizadas como sinônimas. A palavra “uranista” tem origem no trabalho do
jurista alemão Karl Heinrich Ulrichs, um defensor ativo contra a criminalização imposta pela
Lei Prussiana. Ulrichs, reconhecido como o primeiro homem homossexual a se declarar
publicamente em defesa da homossexualidade, é considerado um pioneiro nas práticas
modernas de afirmação da diversidade sexual (Simões, Facchini, 2008). A segunda palavra,
“homossexual”, foi introduzida publicamente pelo jornalista húngaro Karl-Maria Benkert em
dois panfletos, nos quais criticava a postura do Estado e argumentava contra a Lei Prussiana.
Benkert expressou sua indignação em uma carta aberta, condenando o fanatismo, a ignorância
e a intolerância. Assim, o estado de Hanôver promoveu uma modificação em sua legislação,
equiparando legalmente as relações homossexuais às heterossexuais. O esboço da lei para essa
igualdade legal foi elaborado por Benkert em 1840, quando assumiu a posição de ministro da
Justiça no país. Benket advertiu contra os perigos da aplicação nacional do Parágrafo 175,
considerando-o um sinal arriscado de retrocesso na marcha da História.
A revogação gradual das leis anti-homossexuais na Alemanha foi liderada por ativistas
como Magnus Hirschfeld, um dos fundadores do Comitê Científico-Humanitário da Alemanha,
com objetivo de defender os direitos dos “invertidos” e revogar o parágrafo 175 da Lei Alemã,
marcando o ponto de partida do movimento LGBT europeu, de acordo com Okita (2007) e
Simões e Facchini (2008).
O século XX trouxe mudanças, com a argumentação a favor da homossexualidade como
inata e imutável, combatendo a patologização da homossexualidade. Henry Havelock Ellis, em
coautoria com John Symonds, defendia a ideia de que a homossexualidade não constituía uma
doença, mas sim uma variação natural nas inclinações sexuais, encontrada inclusive em
diversas espécies animais (ELLIS e SYMONDS, 1897 apud MELO). Este entendimento

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contribuiu para o surgimento de organismos em prol da luta pelos direitos à cidadania, a
exemplo do Comitê CientíficoHumanitário na Rússia, em 1917, e do Instituto de Ciência
Sexual em Berlim, fundada por Magnus Hirschfeld, em 1919. Nas décadas subsequentes, os
avanços foram refreados em razão da ascensão nazista, resultando na destruição do instituto de
Hirschfeld. A União Soviética também promoveu campanhas violentas contra a
homossexualidade sob o comando de Stalin, de modo que justificavam a perseguição a
homossexuais como traidores, espiões e contrarrevolucionários (GREEN, 2000; OKITA,
2007).
A década de 1940 trouxe uma nova onda de lutas nos Estados Unidos, com Alfred
Kinsey publicando relatórios inovadores sobre comportamento sexual em 1948, desafiando a
visão binária da sexualidade, a exclusivamente hétero ou homossexual (KINSEY; POMEROY;
MARTIN, 1948). Nesse mesmo ano, houve a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que, embora com efeito limitado, representou um marco civilizatório, enquanto organizações
com objetivo de educar o público a respeito da homossexualidade ofereciam apoio à
comunidade LGBTQIAP+ (NUNA, 2003). Surgiram, nas décadas de 1950 e 1960, um ativismo
mais radical, passando a adotar o termo norte-americano “gay” como forma de
autoidentificação (GREEN; TRINDADE, 2005). Contudo, conforme salientado por Rodrigues
(2011), não é suficiente apenas proclamar direitos, é preciso positivá-los, promovê-los e
garanti-los.
A luta pela legitimação da identidade de gênero ganhou destaque nos anos 1960, com a
formação de organizações de transexuais e debates sobre intervenções cirúrgicas. Surgiram,
nos Estados Unidos, as então chamadas “clínicas de identidade de gênero”, vinculadas a
universidades tradicionais. Essas clínicas desenvolveram abordagens tecnológicas para o
tratamento de indivíduos designados como hermafroditas e travestis. Nesse período, esses
grupos passaram a ser reconhecidos como intersexuais e transexuais. A busca por intervenções
cirúrgicas assumiu um papel crucial na luta dos transexuais para expressar livremente sua
identidade, surgindo as primeiras organizações de transexuais nos Estados Unidos, como a
Transexual Action Organization, destacando-se por seu estilo combativo e libertário (GREEN,
2000; PARKER, 2002).
O ano de 1969 foi marcado pela “Batalha de Stonewall”, um ponto crucial na luta pelos
direitos LGBTQIAP+, quando frequentadores do Stonewall Inn resistiram à violência policial,
simbolizando o surgimento de um “poder gay”, resultando no Dia do Orgulho Gay e Lésbico.
Conforme apontado por Simões e Facchini (2008), os sentimentos homoeróticos tornaram-se

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visíveis nas ruas, dando origem a uma rede própria de interações, encontros e solidariedade. O
movimento adotou uma postura política ampla, contestando cultural e politicamente e
alcançando conquistas, como a retirada da classificação da homossexualidade como doença
psíquica.
As décadas seguintes viram a formação de organizações LGBTQIAP+ mais radicais,
como o Gay Liberation Front, questionando a eficácia das mudanças legais e buscando
transformações culturais e políticas. Adicionalmente, mulheres lésbicas nos Estados Unidos
organizaram-se com sucesso dentro do movimento feminista pela libertação da mulher, mesmo
enfrentando tentativas de expulsão durante um período em que algumas mulheres
heterossexuais resistiram à inclusão da imagem lésbica (OKITA, 2007, p.74). Essa luta se
estendeu globalmente, com movimentos no México, Porto Rico e na Argentina. Em Buenos
Aires, o primeiro grupo político homossexual da América do Sul, chamado Nuestro Mundo,
formado em 1967, posteriormente adotou a denominação Frente de Liberación Homossexual a
partir de 1971, até desaparecer durante a ditadura militar peronista de 1976.
O Brasil também se tornou parte desse cenário de mobilizações políticas. Na década de
1970, durante a ditadura militar, o movimento LGBTQIAP+ começou a se organizar,
realizando reuniões em bares e clubes frequentados por gays, lésbicas e travestis. Em 1978, foi
fundado o primeiro jornal nacional de temática homossexual, “O Lampião da Esquina”, que se
opunha à ditadura e denunciava abusos contra a comunidade LGBTQIAP+. Em 1979, ocorreu
o Primeiro Encontro Brasileiro de Homossexuais Militantes, marcando o fortalecimento do
movimento. Na década seguinte, já em 1983, um protesto no Ferro’s Bar, em São Paulo,
impulsionou a luta pela visibilidade lésbica, estabelecendo o Dia do Orgulho Lésbico em 19 de
agosto. O ano de 1985 foi crucial para a comunidade, enfrentando a estigmatização da AIDS e
a luta contra o preconceito. Grupos ativistas, como o Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS
(GAPA) e o Grupo Gay da Bahia (GGB), surgiram nesse contexto, contribuindo para a retirada
da homossexualidade da lista de doenças. Em 1992, a fundação da Associação de Travestis e
Liberados (Astral) marcou avanços para a visibilidade das pessoas travestis e transexuais. A
primeira Parada do Orgulho LGBT ocorreu em 1997, na Av. Paulista, em São Paulo, e em
1999, o Conselho Federal de Psicologia proibiu a prática da “cura gay”.
Na década de 1990, “praticamente todos os centros urbanos” na América do Norte, na
União Europeia, na Austrália, na Nova Zelândia e em “muitas outras grandes cidades da
América Latina, Ásia Oriental e África do Sul” abrigavam diversas organizações LGBT
(ADAM; DUYVENDAK; KROUWEL, 1999, p. 85). O século encerrou-se com a esperança

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de dias melhores para a comunidade LGBT, à medida que as lutas pelos direitos ganharam
força, culminando na revogação do Parágrafo 175 na Alemanha em 1994, 154 anos depois da
publicação da carta de Benkert (OKITA, 2007; POLITO, 2004). Esse período foi caracterizado
por uma mudança em direção à defesa de direitos positivos, assim como na reorientação longe
da “libertação sexual” em direção à “integração social” (ENCARNACION, 2013).

O MOVIMENTO CONTEMPORÂNEO

Há evidências crescentes de que o movimento global de direitos humanos LGBTQIAP+


está influenciando a política em outros países fora do ocidente político (DRUCKER, 2000).
Desde 1998, diversas nações, especialmente muitas no sul global, implementaram medidas
legais que proíbem a discriminação com base na orientação sexual. Países como Equador,
Costa Rica, México, Peru, Coréia do Sul, Taiwan, Uruguai e Venezuela seguiram essa
tendência (OTTOSON, 2006). É fundamental ressaltar que a internacionalização ocorrida não
se limita a um discurso exclusivamente sobre a sexualidade entre pessoas do mesmo sexo, mas
abrange um discurso mais amplo que engloba identidades e direitos LGBTQIAP+.
No Brasil, o Programa “Brasil sem Homofobia”, lançado em 2004 pelo Ministério da
Saúde, Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Secretaria de Direitos Humanos,
visou combater a violência e discriminação contra a população LGBTQIAP+ e promover sua
cidadania. Em 4 de junho de 2010, o presidente da república decretou o dia 17 de maio como
o Dia Nacional de Combate à Homofobia. A união estável entre pessoas do mesmo sexo é
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde maio de 2011. O segundo relatório
da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (BRASIL, 2013) destaca o um
“movimento paradigmático” no Brasil em relação à busca pela garantia de direitos humanos da
população LGBTQIAP+. A resolução nº 11, de 18 de dezembro de 2014 estabeleceu os
parâmetros para a inclusão dos itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome
social” nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais no Brasil. A resolução
nº12, de 16 de janeiro de 2015, estabeleceu diretrizes para assegurar o acesso e permanência
de pessoas travestis, transexuais e aquelas cuja identidade de gênero não é reconhecida em
diversos ambientes sociais, especialmente nos sistemas e instituições de ensino. Em 2018, o
STF permitiu que pessoas transgêneros alterassem seus registros civis em cartório, autorizando
a mudança de nome, mesmo para aqueles que não passaram por cirurgia. No ano seguinte, em
2019, ocorreu a criminalização da homofobia no país. Em 2020, houve a liberação para doação

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de sangue por pessoas homossexuais, superando estigmas associados à AIDS. Em 2021, mais
de 2,1 mil uniões homoafetivas foram registradas no Brasil. Nas eleições de 2022, conforme
dados do Programa Voto com Orgulho da Aliança Nacional LGBTI+, um total de 20 políticos
LGBTQIAP+ foram eleitos. Aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei
Orçamentária Anual (LOA) para 2024 prevê um orçamento histórico destinado à promoção e
defesa dos direitos LGBTQIAP+. Além disso, leis estaduais e municipais regionalmente
buscam garantir direitos para esse grupo.
A evolução do reconhecimento legal e social dos direitos LGBTQIAP+ em diversos
países ao longo dos anos é marcada por marcos significativos. A Holanda tornouse o primeiro
país a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 1º de abril de 2001, permitindo
também a adoção por casais homoafetivos. Nos Estados Unidos a Suprema Corte
descriminalizou a homossexualidade em todos os estados americanos em 27 de junho de 2003.
Massachusetts, EUA, tornou-se o primeiro estado americano a permitir o casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo em maio de 2004. O Canadá legalizou o casamento civil entre pessoas
do mesmo sexo em junho de 2005. Na África do Sul, 2005, o Tribunal Constitucional declarou
inconstitucional negar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e exigiu a alteração na lei.
No mesmo ano, o Reino Unido realizou as primeiras uniões civis homossexuais após a
legislação aprovada em 2004. A Argentina tornou-se o primeiro país da América Latina a
legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo em julho de 2010. A nova Zelândia, em
agosto de 2013, tornou-se o 15º país do mundo e o primeiro da região Ásia-Pacífico a permitir
o casamento homoafetivo. Em 2015 a Irlanda legalizou o casamento gay por meio de um
referendo, sendo o primeiro país a fazê-lo dessa maneira. Nos EUA, a Suprema Corte legalizou
o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país em 26 de julho de 2015. A Austrália
legalizou o casamento homoafetivo em dezembro de 2017 após uma pesquisa que indicou o
apoio da maioria da população. Em 2020 a Alemanha proibiu terapias de “cura gay” para
menores de 18 anos.
Tanto a experiência internacional quanto a brasileira apresentam avanços notáveis na
luta pelos direitos LGBTQIAP+, evidenciando um progresso significativo na legislação e na
conscientização social. No Brasil, reconhecimento da união estável pelo STF desde 2011,
programas governamentais como o “Brasil sem Homofobia” e a criminalização da homofobia
em 2019 são passos significativos. Além disso, avanços como a possibilidade de alteração de
registros civis para pessoas trans e a liberação da doação de sangue por homossexuais em 2020
reflete esforções na promoção da igualdade. Em contraste, outras nações como a Holanda,

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Estados Unidos e Canadá tomaram iniciativas precursoras na legalização do casamento
homoafetivo e na descriminalização da homossexualidade mais cedo. Apesar desses avanços,
desafios como a resistência cultural e religiosa e a falta de reconhecimento legal em muitas
nações ainda representam obstáculos significativos para a plena inclusão da comunidade
LGBTQIAP+.

A CRESCENTE ONDA ANTI-LGBTQIAP+

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, divulgada pelo IBGE (2022), devido à


controvérsia sobre inclusão de questões LGBTQIAP+ no Censo Demográfico, revelou que
cerca de 2,9 milhões de brasileiros (1,8% da população adulta) se identifica como
homossexuais ou bissexuais. No entanto, dados do Tribunal de Contas da União (TCU) e da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
(ABLGT) estimam mais de 20 milhões, destacando a subestimação. Apesar de expressiva, essa
comunidade enfrenta marginalização e violência, evidenciada pelo alto índice de mortes, com
uma pessoa LGBTQIAP+ morrendo a cada 34 horas, e o Brasil liderando em assassinatos de
transexuais e travestis (GGB, 2023). A falta de dados precisos contribui para a minimização de
suas questões e direitos.
Globalmente, não há dados abrangentes sobre o número total de mortes de pessoas
LGBTQIAP+ em cada país ou continente, exceto por um levantamento específico para pessoas
transexuais (SCHMITZ, 2024). Esse estudo revelou que, em 2023, em 35 países documentados,
ocorreram 321 assassinatos de pessoas transgênero, com o Brasil liderando com 100 casos
(31%), seguido do México com 52 e pelos Estados Unidos com 31.
Nos últimos anos, a escalada de violência e propostas anti-LGBTQIAP+ têm se
intensificado globalmente, incluindo no Brasil. A LGBTQIAP+fobia, que reflete intolerância
e aversão à diversidade sexual, representa uma séria ameaça à comunidade LGBTQIAP+. Esse
fenômeno é agravado em um cenário mundial marcado pelo avanço e governos de extrema-
direita e neoconservadores (TREVISAN, 2015; DOS SANTOS, 2023), que promovem
discursos de preservação das “famílias tradicionais” e buscam projetos de lei para criminalizar
diversas orientações sexuais (TREVISAN, 2015).
Em diversas regiões do mundo, propostas anti-LGBTQIAP+ têm sido aprovadas,
impondo restrições significativas aos direitos dessa comunidade. Em 2022, nos Estados
Unidos, a Movement Advancement Project (MAP) registrou a aprovação de 16 leis estaduais

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contra os LGBTQIAP+, e de acordo com a Human Rights Campaign (GUIMARÃES, 2023),
em 2023, foram apresentados mais de 525 projetos de lei em 41 estados, dos quais mais de 75
foram aprovados até 5 de junho do mesmo ano, declarando estado de emergência para essa
população nos EUA (BLOW, 2023). Em 2023, legisladores em Uganda aprovaram leis anti-
LGBTQIAP+ extremamente rigorosas, estabelecendo penas que incluem a possibilidade de
pena de morte para alguns crimes e sentenças de até 20 anos de prisão para aqueles que se
identificam como LGBTQIAP+ (MADOWO e NICHOLLS, 2023). O discurso é reproduzido
em todas as nações impactadas pelo avanço da nova direita nos últimos anos. A Hungria, sob
bandeira dos “valores da família”, proibiu a adoção por casais do mesmo sexo e aprovou uma
lei que equipara a homossexualidade à pedofilia. Na Polônia, o governo nacionalista cristão
rotula os direitos LGBTQIAP+ como “ideologia subversiva” e estabeleceu mais de 100 áreas
onde ser abertamente gay é proibido. Na Rússia, o Parlamento expandiu uma lei de 2013 contra
a “propaganda LGBT” para permitir a prisão de quem afirmar que ser gay é “normal”
evidenciando uma preocupante tendência global (PÉCHY e BARROS, 2022).
No Brasil, o movimento anti-LGBTQIAP+ é liderado pelo setor conservador religioso,
notadamente pelos pentecostais, que desempenham um papel significativo na vida política do
país e atualmente buscam aprovar o Estatuto da Família, projeto de lei que estabelece que o
núcleo familiar é composto por um homem e uma mulher (PL 580/2007), contrariando a
decisão de 2011 do STF. Segundo levantamento do O GLOBO, nos três primeiros meses de
2023, existiam ao menos 68 propostas anti-LGBTQIAP+ no Congresso e nas esferas estaduais
e municipais (MARZULLO et al., 2023). De acordo com a Agência Diadorim, quatro temas
principais dessas propostas incluem a proibição de linguagem neutra, de banheiros unissex, de
publicidade que promova diversidade LGBTQIAP+, e da participação de atletas trans em
competições esportivas. Entre os projetos em análise no Congresso, alguns alegam combater a
“ideologia de gênero”, argumentando que ela “doutrina crianças a serem homossexuais”. A
maioria dessas propostas foi originada por membros do Partido Liberal (PL), partido do ex-
presidente Jair Bolsonaro, e do Republicanos, vinculado à Igreja Universal (NOMURA e
MALVEZZI, 2022).
A separação jurídica entre a Igreja Católica Romana e o Estado brasileiro, estabelecida
com a República em 1889, não impediu que igrejas e grupos religiosos continuassem a buscar
influência na definição de leis e políticas públicas. Nos últimos anos, uma “onda conservadora”
consolidou forças que buscam conter, restringir e retroceder em relação a direitos garantidos
pela Constituição de 1988 (ALMEIDA, 2017).Os conservadores, por meio da instalação do

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pânico moral expresso pela “ideologia de gênero”, promovem o temor em torno da ameaça ao
modelo heteronormativo. Essa narrativa busca preservar uma concepção ilusória da família
contra a alegada destruição, utilizando de uma estratégia que Robin (1993) descreve como
geradora de indignação na mídia, provocando uma reação pública hostil, resultando na
implementação de novas leis.
A atuação dos parlamentares conservadores fundamentalistas reflete a resistência de
uma classe dominante historicamente avessa a avanços sociais, mesmo quando estes não
ameaçam seus interesses econômicos, como argumentado por Braz (2017). Essas
manifestações contrárias aos direitos LGBTQIAP+ confrontam o consenso social fundamental
expresso na Constituição, representando uma negação dos princípios democráticos e dos
direitos humanos essenciais, o que ressalta a necessidade de enfrentar essa resistência para
promover a igualdade e a inclusão na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz dos desafios enfrentados pela população LGBTQIAP+, é fundamental reconhecer


fatores históricos para compreender as motivações contemporâneas do movimento. Analisando
tanto o cenário brasileiro quanto o contexto global, identificou se uma escalada alarmante de
violência e propostas que visam restringir os direitos dessa comunidade.
A escalada de violência e propostas anti-LGBTQIAP+ é enquadrada em um contexto
marcado pelo avanço de governos de extrema-direita e neoconservadores, que promovem
discursos de preservação das “famílias tradicionais” e submetem projetos de lei para
criminalizar diversas orientações sexuais. O uso do chamado “pânico moral”, pelos
conservadores, especialmente pelos setores religiosos no Brasil, enfatiza a promoção da
narrativa da “ideologia de gênero” para restringir os direitos da comunidade LGBTQIAP+.
Considerada uma falácia, busca confundir o debate ao apresentá-lo como um suposto projeto
de destruição da família. Servindo, entretanto, como um mecanismo de obtenção de poder
político em potencial. O conservadorismo fundamentalista, apoiado por parlamentares,

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representa uma resistência aos avanços sociais, negando princípios democráticos e direitos
humanos essenciais. Dessa forma, ressalta-se a urgência em desenvolver estratégias eficazes
para enfrentar essa onda anti-LGBTQIAP+.

REFERÊNCIAS

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EXCLUSÕES E NEGLIGÊNCIAS NO COMBATE À POBREZA
MENSTRUAL NO BRASIL E NA GARANTIA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS DAS PESSOAS TRANS
Isabela Maria Valente Capato

Resumo

O presente artigo tem como intenção investigar os impactos da pobreza menstrual enquanto
fenômeno social para a população transexual brasileira e as negligências e exclusões presentes
nas políticas públicas de combate a tal problema. Para tanto, foi empreendida uma pesquisa de
caráter exploratório, com estudo bibliográfico de produções científicas e dispositivos
legislativos, e análise documental de dados recolhidos por órgãos governamentais ou
instituições acadêmicas. A primeira parte da pesquisa explorou a configuração da pobreza
menstrual como uma violação de diversos direitos previstos na Constituição Federal de 1988,
e o modo como esta afeta gravemente os homens trans menstruantes. A segunda parte
concentrou-se em analisar os efeitos de tais preconceitos no âmbito das políticas públicas de
combate à pobreza menstrual, examinando a exclusão dos homens trans menstruantes entre os
beneficiados pelo Lei 14.214/21, que instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde
Menstrual.

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Palavras-chave: Pobreza Menstrual; Políticas Públicas; Pessoas Trans.

Introdução

O relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”,


lançado em 2021, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) classificou o
problema como um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, e uma violação
de diversos direitos, assegurados em instrumentos internacionais de direitos humanos e
previstos pela Constituição Federal de 1988, como o direito à saúde, à água, da equidade de
gênero e da autonomia corporal.
O documento ressaltou que, apesar da pobreza menstrual se tratar de um problema de
saúde público, que gera consequências para toda a sociedade, a força do seu impacto é sentida
em maior intensidade por aqueles que menstruam, isto é, mulheres, meninas, homens e meninos
trans e pessoas não-binárias, sobretudo se estes se encontram em posições sociais
marginalizadas ou de vulnerabilidade socioeconômica (Unicef, 2021), algo que se torna
evidente ao se estudar os impactos de tal fenômeno para pessoas transgêneros.
O presente artigo tem como intenção, portanto, investigar os impactos da pobreza
menstrual enquanto fenômeno social para a população transexual brasileira e as negligências e
exclusões presentes nas políticas públicas de combate a tal problema. Para tanto, foi
empreendida uma pesquisa de caráter exploratório, com estudo bibliográfico de produções
científicas e dispositivos legislativos, e análise documental de dados recolhidos por instituições
acadêmicas e matérias jornalísticas. A primeira parte da pesquisa explorou a configuração da
pobreza menstrual como uma violação de direitos fundamentais, e o modo como esta afeta
gravemente os homens trans menstruantes, buscando evidenciar como a sua posição
marginalizada na sociedade brasileira e os preconceitos por eles enfrentados agravam as
consequências de tal fenômeno. A segunda parte concentrou-se em analisar os efeitos
desempenhados por tais preconceitos no âmbito das políticas públicas de combate à pobreza
menstrual, examinando a exclusão dos homens trans menstruantes entre os 2 beneficiados pelo
Lei 14.214/21 e a ausência de políticas públicas que abordam explicitamente as vivências de
tal grupo social e busquem amparar seus direitos fundamentais.

As dimensões da pobreza menstrual e os impactos para as pessoas trans

A menstruação é um evento cíclico biológico, mas culturalmente associado ao universo


e aos corpos femininos, através de um discurso que reafirma a lógica heteronormativa binária
de gênero, que busca enquadrar os indivíduos dentro de normas integralmente femininas ou
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masculinas, não se admitindo outras manifestações da sexualidade alheias a esta visão (Abílio,
2017). No caso de homens transexuais e travestis, pessoas que não se identificam plenamente
com a identidade de gênero correspondente ao seu sexo biológico (Júnior, 2020), tal discurso
faz com que, muitas vezes, suas necessidades relacionadas à dignidade menstrual sejam
ignoradas pela sociedade, intensificando os impactos da pobreza menstrual em suas vivências.
A associação entre a menstruação e o universo feminino também é responsável por
desencadear em muitos homens transgêneros que menstruam o sentimento de disforia de
gênero e sofrimento psíquico, principalmente na época da puberdade (Policarpo, 2023). As
barreiras psicológicas e o receio do preconceito, ocasionado pelas tentativas de imposição da
lógica heternormativa binária sobre pessoas trans, faz com que muitos transmasculinos deixem
de buscar auxílio de profissionais da saúde ou não recebam as devidas informações sobre como
gerenciar seu ciclo menstrual, com consequências para sua saúde física e mental.
A falta de acesso a recursos de higiene menstrual, medicamentos e serviços médicos
para administrar a própria menstruação é uma das facetas da pobreza menstrual e uma violação
ao direito fundamental à saúde, assegurado no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. O
carecimento desses recursos e o consequente manejo insuficiente da menstruação, além de
incutir o desconforto de uma situação anti higiênica, também pode levar a outros problemas
fisiológicos, como alergias, irritações da pele e mucosas, infecções urogenitais e Síndrome do
Choque Tóxico, uma infecção bacteriana que pode levar à morte (Unicef, 2021). No caso dos
homens trans, a proteção ao seu direito à saúde envolve o desenvolvimento de serviços médicos
de qualidade e preparados para atenderem às suas necessidades físicas e psicológicas
específicas ligadas à menstruação.
O manejo inadequado da saúde menstrual também está relacionado à falta de
conhecimentos sobre o próprio ciclo menstrual, o que caracteriza uma violação ao direito à
educação das pessoas menstruantes, previsto no artigo 205 da Constituição Federal. A melhor
forma de combater a desinformação é a educação menstrual e sexual, que deve ser promovida
visando o pleno desenvolvimento das pessoas que menstruam, e é capaz de desmitificar a
construção social da menstruação como sinônimo de feminilidade e auxiliar a saúde mental de
homens trans ao lidarem com tal processo fisiológico.
Muitos homens trans também escondem seu ciclo menstrual e não buscam atendimentos
médicos ou os recursos necessários à sua higiene devido ao temor à violência. O Brasil é, pelo
décimo quinto ano consecutivo, o país do mundo que mais mata pessoas trans, de acordo com
o Dossiê “Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023”

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(Benevides, 2023). Tal cenário de violência generalizada, verdadeira violação aos seus direitos
fundamentais à segurança e integridade, coage muitos transmasculinos a ocultar sua identidade
de gênero em espaços de trabalho e estudo, e transforma atividades rotineiras de cuidado, como
uso de banheiros públicos, em situações de perigo e insegurança.

Banheiros femininos são um espaço de gatilho para muitas pessoas transmasculinas,


quando estas são lidas enquanto uma expressão de gênero masculina, podem ser
negadas de usar o banheiro ou passarem por diversos tipos de violências. No banheiro
masculino, as violências também são possíveis, principalmente para corpos que são
percebidos como trans, além disso muitos banheiros masculinos possuem apenas o
mictório, o que dificulta o uso para pessoas transmasculinas, principalmente durante o
período menstrual (Policarpo, 2023).

O preconceito e a violência também são responsáveis pela situação de marginalização


socioeconômica em que se encontra quantidade considerável da população trans brasileira. A
discriminação espalha-se pelos setores econômicos e privados da sociedade, como o âmbito
familiar, dificultando a entrada e permanência de pessoas trans no mercado de trabalho formal
e fazendo com que muitas sejam expulsas de seus lares quando assumem suas identidades de
gênero. Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, pelo Grupo pela Vidda, com apoio do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2022, expõe com clareza tal
situação. Das 147 pessoas trans entrevistadas, apenas 15% relataram ter um trabalho com
carteira assinada, enquanto 15,6% possuía trabalho autônomo formal e 27,2%, trabalho
autônomo informal. A prostituição era a atividade remunerada de 14,3% dos entrevistados
(Lisboa, 2022). Fora isso, 36,7% disseram ter sido vítimas de transfobia, 34% de homofobia e
10,9% de racismo. Dos responsáveis por essas agressões, 30,8% foram pais, mães e irmãos
(Lisboa, 2022).
Quando se leva em consideração que, atualmente, a carga tributária média de
absorventes é de 27,25%, segundo a Receita Federal do Brasil, percebe-se que as condições de
vulnerabilidade socioeconômica restringem ainda mais o acesso de homens trans a produtos de
higiene menstrual (Brasil, 2021a). Essa precariedade cria condições para o uso de soluções
inseguras e improvisadas para conter o fluxo menstrual – como o uso de jornais, trapos, sacolas
plásticas, miolo de pão – ou mesmo a manutenção de um absorvente por mais tempo do que o
indicado pelos ginecologistas, sem a realização de 3 a 6 trocas necessárias à saúde (Unicef,
2021). A marginalização também leva muitas pessoas trans a viverem em situação de rua, sem
disporem de banheiros adequados e saneamento básico, outro aspecto do fenômeno
multidimensional da pobreza menstrual.

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Fica evidente, portanto, como os impactos da pobreza menstrual englobam a população
transmaculina brasileira e são acentuados pelas várias formas de desigualdade social por esta
enfrentada, frutos da discriminação, e reflexos de violações a seus direitos fundamentais. Resta,
portanto, investigar se a agenda pública brasileira tem buscado abarcar tal problema e combatê-
lo, contemplando toda a sua complexidade.

A invisibilidade trans nas políticas públicas de combate à pobreza menstrual


Nas palavras de Leonardo Secchi (2016, p.5), “o problema público está para a doença
como a política pública está para o tratamento”. É finalidade das políticas públicas o
enfrentamento, a diminuição e a resolução desses problemas, a fim de concretizar os objetivos
constitucionalmente estabelecidos para o Estado brasileiro. Entretanto, existem alguns
fenômenos sociais que se mantiveram fora do foco de elaboração das políticas públicas por
muito tempo, ainda que gerem sérios danos ao bem-estar da sociedade. Foi o que se deu com a
temática da pobreza menstrual, que só adentrou as agendas públicas recentemente, tendo sido
convertida em políticas há pouco mais de três anos.
Destaca-se, nesse cenário, a elaboração da Lei Nᵒ 14.214, sancionada em outubro de
2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Foi o primeiro
dispositivo legislativo em âmbito federal visando o combate à pobreza menstrual. Seu projeto
de origem, o PL 4.968/19, era de iniciativa da deputada federal Marília Arraes, do partido
Solidariedade, e observou a Recomendação Nᵒ 21 do Conselho Nacional de Direitos Humanos
(CNDH), que recomendou ao Presidente da República, ao Presidente da Câmara dos Deputados
e ao Presidente do Senado Federal a criação de um marco legal para a superação da pobreza
menstrual e a garantia de isenções de impostos aos produtos de higiene menstrual (Conselho
Nacional de Direitos Humanos, 2020).
O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual prevê a oferta sem custeios
de produtos higiênicos e outros cuidados básicos de saúde menstrual a estudantes de baixa
renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou em
situação de vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em
unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida
socioeducativa (Brasil, 2021b). Observa-se, todavia, que a palavra utilizada para descrever o
grupo de beneficiados foi “mulheres”, ao invés de “pessoas menstruantes”, excluindo assim os
homens e meninos transmasculinos que menstruam e sofrem com os impactos da pobreza
menstrual.

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É uma escolha, senão deliberada, inconscientemente negligente, mas que, de qualquer
modo, expõe a invisbilidade das pessoas trans nas agendas públicas do país. Como explica Ana
Paula Capella (2018), as agendas são o conjunto de discussões políticas que avaliam quais
questões merecem a atenção do sistema estatal. Os estudiosos do campo de políticas públicas
compreendem que existem diferentes tipos de agenda: a sistêmica, a governamental e a
decisória. Os estudos de Roger Cobb e Charles Elder (1972) definem a agenda sistêmica como
o conjunto de questões que recebem a atenção da opinião pública e são entendidas como
assuntos de competência das autoridades governamentais. Nem todos os assuntos que se
manifestam na agenda sistêmica compõem a agenda governamental, que englobam as questões
consideradas relevantes pelos tomadores de decisão, seja em plano nacional, estatal ou
municipal (Capella, 2018). Já a agenda decisória, abordada posteriormente nos estudos de John
Kingdon (2003), se trata de um subconjunto da agenda governamental que reúne as questões
que estão prontas para uma decisão ativa.
Nota-se, dessa forma, que o processo de formação das agendas de políticas públicas
envolve uma série de decisões influenciadas pelas ideologias dos grupos sociais inseridos na
esfera pública. Considerando a força simbólica da transfobia no Brasil, evidenciada pelos dados
relacionados a discriminação e violência, é possível que esta também engedre os meios das
agendas de políticas públicas, o que se relaciona com a falta de reconhecimento social das
pessoas trans e também com a falta de representação política destas nos órgãos legislativos
brasileiros. A efetividade dos direitos sociais, que incluem o direito à saúde, educação, moradia
e saneamento básico, todos violados pela pobreza menstrual, depende diretamente da
concretização de direitos civis e políticos, como o direito à liberdade e à representação política:

Só o reconhecimento integral de todos esses direitos pode assegurar a existência real


de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e
culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais.
Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da
liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e
culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação (Espiell, 1986, p.6-17).

Houve avanços nos últimos anos quanto à concretização dos direitos políticos das
pessoas trans brasileiras. Destaca-se, por exemplo, o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4275, na qual os ministros do Supremo Tribunal Federal
admitiram a possbilidade de alteração de nome e gênero no assento de registro civil, mesmo
sem a realização de cirurgia de redesignação de sexo (Supremo Tribunal Federal, 2021).
Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, pelo menos vinte e sete

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pessoas trans foram eleitas para as Câmaras Municipais nas eleições de 2020 (Resende, 2020),
e a atual bancada feminina do Congresso Nacional conta, pela primeira vez na história do país,
com duas deputadas trans: Erika Hilton, do partido Psol-SP, e Duda Salabert, do PDT-MG
(Siqueira, 2022). Também é impossível não reconhecer o crescimento dos movimentos sociais
brasileiros que lutam pela visibilidade trans e buscam combater a discriminação contra toda a
comunidade LGBTQIA+.
Imagina-se que o aumento da representatividade trans nos ambientes legislativos
brasileiros há de render mais políticas voltadas à melhoria das condições de vida da população
trans brasileira. Contudo, nota-se que ainda há um longo caminho a se percorrer a fim de que
problemas originados de desigualdades socioeconômicas, e que atingem mais arduamente a
população trans, como a pobreza menstrual, sejam combatidos simultaneamente à transfobia
nas agedas públicas do país.

Considerações finais

A pesquisa empreendida expõe claramente a invisbilidade das pessoas trans no âmbito


das políticas públicas brasileiras, tendo como um dos ecos dessa ofensa a sua dignidade humana
a não comtemplação de homens transgêneros dentre os beneficiados por programas nacionais
de combate à pobreza menstrual. A principal causa de tais negligência mostra-se ser a
discriminação, sustentada por tentativas, consciente ou não, da parte de agentes sociais e
públicos de impor a lógica heternormativa binária a pessoas que não se identificam com as
disposições desta.
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus principais objetivos a construção
de uma sociedade livre, diversa e igualitária. Para tanto, é preciso que a transfobia seja
combatida de maneira assertiva e abrangente nas agendas públicas nacionais, por meio de
políticas que busquem erradicar as consequências do preconceito nos diversos âmbitos da vida
das pessoas trânsgêneros, sendo um deles relacionado à concretização da sua dignidade
menstrual. Mostra-se necessário, assim, a elaboração de políticas públicas de educação sexual
e auxílio social inclusivas, a fim de que a pobreza menstrual seja combatida em todas as suas
formas e impactos específicos.

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menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf. Acesso em: 11 mar. 2023.

PARTICIPAÇÃO FEMININA NAS CARREIRAS CIENTÍFICAS NO


BRASIL: ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA
SUBREPRESENTAÇÃO SOB A PERSPECTIVA ISOMÊNICA

Fernanda Maria Policarpo Tonelli


Naony Sousa Costa Martins

Resumo: Objetiva-se com a presente investigação científica propor estratégias para efetivação
da participação feminina nas carreiras científicas sob a perspectiva isômenica. Desta forma,
parte-se da análise qualitativa e quantitativa da participação feminina nas carreiras científicas,
com o objetivo de demonstrar a existência de uma sub-representação, para depois se discutir a
necessidade da utilização de mecanismos que garantam a inclusão da mulher de forma
isomênica das mencionadas carreiras. Importante esclarecer que a abordagem crítica do objeto
de investigação proposto se deu mediante à pesquisa bibliográfica e documental, além das
análises comparativas, interpretativas e sistemáticas. Foi constatada a sub-representação
feminina em cargos mais elevados da carreira científica no Brasil, principalmente nas áreas
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conhecidas como STEM. Para transformar-se este cenário, a educação inclusiva visando
combate a preconceitos e sexismos e a implementação de garantias para que a maternidade não
ocasione evasão de cientistas são aspectos importantes. Logo, é fundamental e urgente garantir
à mulher pesquisadora efetiva participação, igualdade argumentativa e maior reconhecimento
no cenário da ciência nacional.

Palavras-chave: Isomeria. Gênero. Participação feminina. Carreiras científicas. Igualdade de


gênero.

Introdução

Para acesso à educação universitária no Brasil foi necessária muita luta por parte das
mulheres. Em 1827 passou a ser permitido que as brasileiras pudessem estudar além da escola
primária, para aprenderem sobre as operações matemáticas básicas e as ditas “prendas” que
fossem úteis à economia doméstica (BRASIL, 1827). Apenas em 1879, no entanto, é que
puderam cursar o ensino superior (DA MOTTA et al., 2022).
Até os dias atuais as brasileiras que optam por continuar os estudos para além do curso
de graduação e seguir carreira científica enfrentam muitos desafios no percurso; desde o início
da trajetória até degraus mais elevados: associados a posições de liderança/coordenação
ocupadas por docentes das universidades e/ou ao recebimento de reconhecimento através de
incentivos como Bolsa Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Sobre estas Bolsas, por exemplo, apenas cerca de 33,5% do montante
investido de 2004 a 2021 foi recebido pelas mulheres pesquisadoras do Brasil (GORZIZA e
BUONO, 2023).
A diminuição da presença feminina quando se observa a progressão do percurso
profissional mencionado é conhecido como “efeito tesoura” e resulta no fato de mulheres serem
sub-representadas em posições mais elevadas da carreira científica no país (ARÊAS et al.,
2020).
Este cenário, no entanto, não é constatado com a mesma intensidade em todas as áreas
da ciência. Essa redução na presença feminina é mais acentuada em STEM, sigla do inglês para
representar as áreas de ciência (Science), tecnologia (Technology), engenharia (Engineering)
e matemática (Mathematics) (SAID, 2021). Destaca-se que a subrepresentação feminina

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abordada não se limita ao Brasil, e que dentre os fatores que contribuem para a mesma
destacam-se: preconceito, assédio e maternidade (STANISCUASKI et al., 2023a).
No que tange o preconceito, este pode prejudicar não apenas as mulheres em processos
seletivos ao longo da carreira (EATON et al., 2020), mas, também, motivar que abandonem a
carreira na ciência, principalmente nas áreas STEM (ANDRADE et al., 2023); pode ocasionar
tanto a geração de ambiente hostil à presença feminina, quanto resultar em práticas que
obstaculizam o protagonismo feminino. Estas últimas são analisadas sob a perspectiva do efeito
Matilda: termo utilizado para se referir a situações nas quais as descobertas e méritos de
mulheres são atribuídos a seus colegas de trabalho homens. Como exemplo tem-se o que
ocorreu com Rosalind Franklin. Esta foi a cientista responsável por realizar o experimento que
permitiu a compreensão de que o ácido desoxirribonucleico (DNA) possui estrutura organizada
em dupla hélice. No entanto, foram dois outros pesquisadores, Francis Crick e James Watson,
que teriam tido acesso aos resultados de Franklin, os mundialmente reconhecidos pelo feito
através do Prêmio Nobel. Atualmente reconhece-se que o nome de Rosalind ficou injustamente
à margem desta história, mas não é possível premiá-la com o Nobel, já que este não pode ser
atribuído a pesquisadores já falecidos (YAKOVENKO et al., 2021).
Com relação ao assédio, este pode adotar diferentes formas. Estudo de Aycock e
colaboradores, realizado junto a acadêmicas da área da Física que participavam de evento da
Sociedade Americana de Física, revelou que cerca de 75% delas já havia sofrido assédio sexual
em seu percurso ao longo da carreira científica (AYCOCK et al., 2019). Brito e colaboradores,
em estudo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) constataram
cenário de assédio moral e sexual, tendo como vítimas principais mulheres, autodeclarados
pardos ou pretos e pessoas não-heterossexuais; importante destacar que a sub-notificação
constatada foi de cerca de 90% e que dentre as razões principais para tal fato encontrava-se o
medo de denunciar (BRITO et al., 2022).
Acerca da maternidade, esta pode contribuir para o cenário desigual em gênero na
ciência e para o abandono da carreira científica pelas mulheres, devido à falta de apoio/suporte
para cientistas mães. Comumente as mulheres vivenciam queda de produtividade no trabalho
após o nascimento de filhos, e como o cenário atual considera a produtividade para concessão
de financiamento/auxílio por agências de fomento à pesquisa, por exemplo, ficam prejudicadas
nas análises. Como consequência, enfrentam mais dificuldade de seguirem com seus projetos
e podem terminar por abandonar a carreira na ciência (MACHADO et al., 2019).

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O presente texto tem por objetivo abordar a sub-representação feminina em cargos mais
elevados da carreira científica no Brasil e apresentar estratégias para enfrentamento do
problema sob a perspectiva isomênica. A escolha do tema se justifica por ser crucial para um
estado democrático garantir efetiva participação feminina, sem disparidade de gênero, em todos
os cargos associados à carreira científica, garantindo igualdade de argumentação entre todos os
sujeitos.
Para sistematizar e delimitar o objeto de investigação da presente pesquisa propõe-se a
seguinte pergunta-problema: quais são as estratégias para se combater a subrepresentação
feminina ao longo da progressão na carreira científica no Brasil? Assim, foi realizada pesquisa
teórico-bibliográfica para demonstrar quais são os principais fatores responsáveis pelo cenário
desigual e mecanismos aptos a combatê-los, visando garantir igualdade entre os gêneros na
possibilidade de argumentação na ciência nacional.

Análise qualitativa e quantitativa da representação feminina na ciência brasileira

No Brasil, a maior parte da ciência produzida deve-se à atuação de pesquisadores em


Universidades Federais. Segundo análises na base de dados Web of Science, de 2011- 2016, os
pesquisadores brasileiros publicaram mais de 250.000 artigos, fazendo com que o país
ocupasse a décima terceira posição no ranking global de produção científica. As 20 principais
instituições responsáveis pelo feito eram 5 (cinco) universidades estaduais e 15 (quinze)
universidades federais (MOURA, 2019).
Logo, pessoas que desejam desenvolver sua carreira na ciência como pesquisadoras,
comumente seguem a seguinte trajetória: enquanto ainda cursando a graduação nas
universidades participam de projetos de pesquisa realizando iniciação científica.
Posteriormente ingressam em programa de pós-graduação stricto sensu para a realização de
mestrado e/ou doutorado. Findada esta formação os pesquisadores normalmente participam de
concursos públicos para se tornarem professores em universidades federais ou estaduais e
realizam residência pós-doutoral (durante esta fase ou após a contratação). Enquanto
profissionais vinculados a estas instituições podem ocupar algumas posições de
liderança/coordenação/representação como coordenadores de grupos de pesquisa e reitores ou
pró-reitores de universidades. Com a finalidade de reconhecer e incentivar a manutenção da
produtividade elevada de pesquisadores brasileiros, o CNPq confere Bolsa Produtividade
àqueles que se destacam em suas respectivas áreas.

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Como previamente mencionado, no entanto, a trajetória profissional relatada não é
percorrida por homens e mulheres em situação de igualdade. De 2013 a 2017, os dados do
CNPq acerca da participação de homens e mulheres em diferentes cargos da carreira científica
(DE ASSIS, 2018) revelam um gráfico que se assemelha a uma tesoura aberta (Figura 1); neste,
é possível evidenciar que as mulheres evoluem de uma posição de maioria dentre os estudantes
de graduação para um cenário de sub-representação dentre os bolsistas produtividade.

Dados mais recentes, de 2022, do CNPq organizados pelo movimento Parent in


Science, revelam que dentre os bolsistas produtividade, no nível mais elevado (nível 1A), as
mulheres são apenas 27%. Com relação à mestrado e doutorado, a participação feminina
aumentou, alcançando 55% e 53%, respectivamente. No entanto, na figura 1 evidenciou-se que
as mulheres eram 46% entre professores universitários, e em 2022 a participação feminina
diminuiu para 42% (GORZIZA e BUONO, 2023).
O percentual de ingresso de mulheres em cursos de graduação e pós-graduação não se
dá de maneira equilibrada quando analisa-se as diferentes áreas do conhecimento. No ano de
2020, por exemplo, apenas 18% dos mestrandos em Ciência da computação, 23% dos de
Astronomia/Física, 26% dos de Matemática, e 35% dos de Engenharia eram mulheres. Logo,
as áreas STEM, que oferecem ambiente com sexismo mais intenso manifestando-se como
hostil a mulheres, sofrem com menor percentual destas interessadas em desenvolver carreira
nestas (KUCHYNKA et al., 2018). Consequentemente, a evasão de mulheres ao longo da
progressão da carreira, o efeito tesoura, também, não ocorre com a mesma intensidade em todas
as áreas da ciência. Na Figura 2 estão representados os percentuais de mulheres em diferentes
áreas do conhecimento, do mestrado à docência universitária, em 2020.

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O declínio da participação feminina na carreira científica é acentuado em áreas como
astronomia/física, economia, engenharias, filosofia, geociências, zootecnia, química e
medicina, resultando em percentual de docentes mulheres inferior a 50%. Portanto, a partir da
presente análise é possível se evidenciar que, de fato, no que se refere à participação feminina
nas ciências, ainda existe uma acentuada desigualdade em relação à participação masculina.
Assim, o referido cenário, sob uma ótica democrática e inclusiva, reclama a ampliação dos
mecanismos de acesso das mulheres especialmente aos cargos mais elevados da carreira
científica, de modo a garantir sua participação sob a ótica isomênica, como se abordará adiante.

A sub-representação feminina na pesquisa no contexto isomênico

Visa-se discutir a sub-representação feminina nas carreiras científicas sob a perspectiva


da isomenia. Conforme já destacado, a participação da mulher nas carreiras científicas ainda
não é equivalente à dos homens sendo reduzida à medida que se progride na análise dos cargos
da carreira científica da base ao topo. As mulheres, portanto, ainda são minoria entre docentes
universitários e bolsistas produtividade no Brasil.
Dessa forma, de modo a estabelecer um ponto de equilíbrio entre a participação de
forma igualitária entre gêneros, o presente trabalho destaca a necessidade de se oportunizar à
mulher igualdade de argumentação e participação nas carreiras científicas. A isomenia está
diretamente relacionada à ideia de igualdade de argumentação entre os sujeitos em um espaço
de construção democrático. Portanto, o instituto da isomenia caminha para além do direito
fundamental da igualdade material e formal entre pessoas.

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A igualdade de participação argumentativa nas democracias é essencial, já que a
democracia “é por excelência o regime do discurso, isto é, da palavra pública: toda decisão
(política, jurídica ou judiciária) supõe a discussão aberta, a confrontação explícita das posições
das partes presentes, a exposição a todos de razões válidas para todos, [...]” (WOLF, 2006, p.
73). Francis Wolf dispõe que “a democracia discursiva é, positivamente, um regime de discurso
que obedece, como corolário, ao que podemos chamar o princípio da substitutibilidade infinita
dos lugares dos locutores e dos ouvintes” (WOLF 2006, p. 73). Nesse sentido, o filósofo
apresenta duas importantes concepções para a denominada democracia discursiva: isegoria e
isocrítica.
Segundo Francis Wolf, a isegoria diz respeito ao “reconhecimento da equivalência dos
locutores, ou seja, a indiferença a priori do enunciado quanto à qualidade ou ao estatuto do
enunciador” (WOLF 2006, p. 73). Trata-se da igualdade dos sujeitos interessados apresentarem
seu ponto de vista diante de toda a coletividade que participa do debate democrático. Assim, a
isegoria está associada ao conceito descrito no princípio constitucional da igualdade, ou seja, à
garantia da “igualdade estrita dos tempos de fala, equiparação de todos os meios de defesa das
teses opostas” (WOLF, 2006, p. 73).
Por sua vez, a denominada isocrítica significa “jamais admitir como verdadeiro senão
o que o outro a quem nos dirigimos admite como tal, e reconhecer a qualquer outro o direito
igual de ser esse interlocutor legítimo” (WOLF, 2006, p. 74). Portanto, a isocrítica relaciona-
se diretamente com a ampla possibilidade de manifestação e influência na formação das
decisões. A isocrítica e a isegoria, assim, são elementos que garantem a racionalidade
argumentativa e a legitimidade de um discurso democrático.
Nesse sentido, os estados democráticos devem garantir uma efetiva participação
feminina na ciência de modo a observar a isomenia, isegoria e isocrítica, se pretende ser, de
fato, democrático. Ou seja, garantir à mulher cientista uma igualdade argumentativa e um
reconhecimento de legitimidade para o debate, para uma efetiva participação nos diversos
cargos acadêmicos, de docência e de liderança/coordenação. Não é possível conceber esta
igualdade se primeiro não se garantir uma igualdade no que tange ao lugar de fala da mulher
cientista, bem como mecanismos para se efetivar essa igualdade. Dessa forma, o próximo
tópico da pesquisa objetivará apresentar alguns mecanismos para se garantir a participação
efetiva feminina na ciência sob a perspectiva isomênica.

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Mecanismos para combate à sub-representação nas carreiras científicas especialmente
das áreas STEM

Para transformar-se o cenário de disparidade entre os gêneros nas carreiras científicas


no Brasil, especialmente nas áreas STEM, revertendo-se a sub-representação feminina em
cargos mais elevados destas carreiras, a educação é de crucial importância.
Educação inclusiva para combater o preconceito contra as mulheres e o sexismo, por
exemplo. Nesse sentido, a utilização de histórias de mulheres para o ensino das crianças pode
ser uma estratégia interessante (CASAGRANDE, 2022). Motivar-se também o ingresso de
mulheres na carreira científica, especialmente nas áreas STEM, é importante para garantir que
o ingresso desigual em números de mulheres e homens nestas áreas não seja motivado por
ambiente hostil a mulheres. Olimpíadas científicas e projetos nas escolas para motivar o
engajamento de jovens do sexo feminino nas áreas STEM e na pesquisa científica já no último
ano do ensino médio (através de programas como o PIBIC Júnior do CNPq), são também
estratégias interessantes de serem adotadas. O projeto da UFRGS chamado “Meninas na
Ciência” é um exemplo de iniciativa que visa atrair meninas para as carreiras de Ciência e
Tecnologia no país. Este projeto preocupouse, dentre outros aspectos, com a formação
continuada de professores em Astronomia e questões de gênero, estabelecimento de canais em
redes sociais para diálogo com a comunidade, realização de oficinas de ciência e discussões de
gênero em escolas públicas, e produção de curtas da série “Lugar de Mulher” (BRITO et al.,
2015).
Especialmente com relação ao efeito tesoura, como a maternidade é um dos principais
causadores da sub-representação feminina em cargos de liderança/coordenação na carreira
científica (STANISCUASKI et al., 2023b), atitudes também são necessárias para evitar que os
obstáculos causem o abandono da carreira por cientistas mães.
Neste sentido destaca-se o “Parent in Science”. O movimento envolve pais e mães
cientistas que não só discutem maternidade e ciência, mas também realizam levantamento de
dados acerca da temática e propõem ações para evitar a evasão de pesquisadoras da ciência
brasileira após o nascimento de filhos. Graças ao trabalho realizado, atualmente vários editais
de financiamento para pesquisa consideram os períodos de licençamaternidade para não haver
prejuízo às mulheres em função desta em etapa de análise de currículos (PARENT IN
SCIENCE, 2023).

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Neste âmbito é ainda importante ressaltar a Lei nº 13.536 de 2017, derivada do Projeto
de Lei da Câmara nº 62 do mesmo ano, de iniciativa da deputada Alice Portugal. A referida Lei
conferiu o direito a afastamento motivado por maternidade ou adoção a estudantes bolsistas na
carreira científica. A bolsa é prorrogada por 120 dias e as atividades podem ser suspensas por
este prazo, sem interrupção do pagamento da bolsa de estudos durante este período. Exceto se
abandonar o filho ou se a criança falecer, na hipótese de falecimento da(o) bolsista que teve a
bolsa prorrogada, o cônjuge, caso também seja bolsista, poderá solicitar a prorrogação de sua
bolsa pelo período restante dos 120 dias (BRASIL, 2017).
Além das estratégias destacadas de educação inclusiva para o combate ao preconceito
contra a mulher e o sexismo, motivação de meninas para seguirem carreira científica, e atenção
à situação das pesquisadoras mães para evitar-se injustiças na análise de produtividade após a
maternidade, há outras medidas que podem contribuir para reverter-se o cenário de sub-
representação de mulheres em cargos de liderança/coordenação/representação da carreira
científica.
A mídia, por exemplo, pode atuar de maneira relevante conferindo visibilidade às
conquistas femininas na ciência. Alterar, também, a maneira de se perceber a ciência,
combatendo-se no meio científico a competitividade prejudicial e fomentando-se a
cooperação/colaboração, é atitude que pode ser benéfica nesta seara (DE BARROS, 2022).
Portanto, essas são algumas estratégias que podem ser adotadas para o enfrentamento da sub-
representação da mulher cientista, de modo a garantir a igualdade e o reconhecimento da sua
carreira, bem como das suas contribuições científicas.

Considerações Finais

A presente investigação objetivou abordar a sub-representação feminina em cargos


mais elevados da carreira científica no Brasil e apresentar estratégias para o seu enfrentamento
sob a perspectiva isomênica. No contexto dos estados democráticos, é fundamental garantir a
efetiva participação feminina, sem disparidade de gênero, em todos os cargos associados à
carreira científica, especialmente para observância do direito fundamental à igualdade e do
discurso isomênico.
Conforme destacado, a ideia de isomenia objetiva garantir uma igualdade de discurso
para a mulher também no que se refere a sua atuação na área científica. No entanto, em razão
da sub-representação feminina referida igualdade argumentativa e de lugar de fala não é

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viabilizada, já que a trajetória profissional percorrida por homens e mulheres não se dá em
situação de igualdade, pois em que pese maioria dentre os estudantes de graduação, as mulheres
enfrentam um cenário de sub-representação dentre os bolsistas produtividade. No que se refere
às áreas STEM, a questão do sexismo manifesta-se de forma mais evidente, o que acarreta, por
consequência, a evasão de mulheres ao longo da progressão da carreira.
De modo a contribuir para o enfrentamento desta situação de desigualdade, a pesquisa
apresenta algumas estratégias, dentre elas destaca-se a educação inclusiva, com o destaque para
o projeto da UFRGS, denominado “Meninas na Ciência’. Somado a isso, tem-se, ainda, o
movimento denominado “Parent in Science”, cujo principal objetivo é o levantamento de dados
para propositura de ações para se evitar a evasão de pesquisadoras da ciência brasileira após o
nascimento de filhos. Destaca-se que referidas estratégias foram citadas de forma
exemplificativa, já que existem outros projetos que objetivam oportunizar o acesso amplo e
irrestrito da mulher à carreira científica.
Portanto, a pesquisa evidencia a urgência de se garantir à mulher cientista uma
igualdade argumentativa e um reconhecimento no que atine a sua efetiva participação nos
diversos cargos acadêmicos, de docência e de liderança/coordenação. Para se alcançar este
escopo, é imprescindível a utilização de estratégias e mecanismos para se combater visando
eliminar-se preconceitos, sexismos e desigualdade de gênero, especialmente nas áreas STEM.
Dessa forma, a mulher cientista alcançará o devido reconhecimento na sua atuação e
contribuição para as diferentes áreas da ciência.

Referências

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A POSSIBILIDADE DA INSERÇÃO DOS TEMAS DE IDENTIDADE DE


GÊNERO E SEXUALIDADE NA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR (BNCC)

Danrvney Christian Monteiro dos Santos

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ISBN: 978-65-00-92987-4
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Igor Victor da Silva
Mateus Vinicius Teles Lima
Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki

Resumo: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento aprovado pelo


Conselho Nacional de Educação e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
sendo um guia obrigatório para docentes da Educação Básica seguirem. Caracterizando-se
como uma base da formação dos currículos das escolas, interligando habilidades específicas
com a realidade dos estudantes e influenciando o que os professores inserem nas aulas,
temáticas que afetem diretamente a sociedade, como transfobia, homofobia, etc. Neste sentido,
esta pesquisa objetiva quantificar as habilidades da BNCC nas áreas das Ciências Humanas e
da Natureza para o Ensino Fundamental e Médio que possibilitem trabalhar com identidade de
gênero e sexualidade. Com abordagem quantitativa, a pesquisa foi realizada através de um
estudo bibliográfico dessas habilidades. Para o levantamento de dados, foram utilizados os
descritores: “gênero”, “sex*”, “contraceptivos”, e “preconceito”. A escolha desses descritores
decorre da observação que as respectivas temáticas não são explicitamente citadas no
documento e a sua utilização pode suscitar discussões sobre os mesmos. A BNCC contém 445
habilidades, onde 21 delas falam desses assuntos, totalizando 4,7%. O que é problemático, pois
os professores desempenham um papel anti-preconceito no ambiente escolar, conectando os
alunos a conteúdos que impactam diretamente a sociedade e suas vidas. Tornando a presença
dessas habilidades na discussão desses conteúdos essenciais.
Palavras-chave: Sociedade. Currículo. Anti-preconceito. Professores.

Agradecimentos: PPGECMat, UFGD, Carrefour.

Referências Bibliográficas

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DF, 2017.
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Paulo: Paz e Terra, 2019. 143 p.

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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2024
OMISSÃO DA UNIÃO NA CONTENÇÃO DO GARIMPO ILEGAL: UMA ANÁLISE
DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS GERADOS À SAÚDE ALIMENTAR
DAS POPULAÇÕES AMAZÔNICAS

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
João Victor Tayah Lima

Resumo: A submissão da Amazônia à lógica exploratória do ouro foi agravada nos últimos
anos, não só por fatores econômicos do mercado internacional, mas sobretudo pelas políticas
implementadas pelo governo federal, no período de 2019 a 2022. A presente pesquisa tem
como objetivo geral analisar as políticas minerais do governo Bolsonaro para a Amazônia.
Partindo deste propósito, apresentam-se os objetivos específicos de analisar o impacto destas
políticas na segurança alimentar das populações amazônicas e verificar se a União poderá ser
responsabilizada juridicamente por estes impactos. Estabeleceu-se uma pesquisa explicativa,
utilizando-se sobretudo fontes da imprensa e dos sítios oficiais do Executivo Federal e do
Congresso Nacional para evidenciar as ações e omissões da União relacionadas ao tema. Foi
reservado um capítulo à análise de cada pressuposto da responsabilidade civil da União – ato,
nexo causal, dano e culpa -, correlacionando a postura do governo com os parâmetros jurídicos
impostos pelo Direito Administrativo e pelo Direito Ambiental, principalmente sob a ótica de
Mello e Fiorillo. Concluiu-se que houve omissão ilícita e proposital, ou ao menos negligente,
da União no cumprimento dos deveres jurídicos que lhes são impostos para a preservação
ambiental, sendo causadora indireta dos danos gerados à natureza e à saúde das populações
amazônicas. Por isto, a União é devedora de reparação indenizatória às populações da região.
E os órgãos de controle (Judiciário, Ministérios Públicos e Tribunais de Contas) devem atuar
incisivamente para evitar que os mesmos erros sejam repetidos por qualquer governo.

Palavras-chave: Amazônia; Bolsonaro; Dano Ambiental; Garimpo; Mercúrio.

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para o setor mineral em parceria com a OCDE. Observatório da Mineração, 11 jun. 2020. Disponível

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
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LA EDUCACIÓN SUPERIOR COMO POLÍTICA PÚBLICA CUBANA:


ESTRUCTURA Y PRINCIPALES ASPECTOS

Yordanis Crespo Urrutia


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INTRODUCCIÓN

Según Celina Souza en su escrito “Políticas Públicas: uma revisão da literatura” expresa
que:

no existe una definición única de lo que es la política pública. Mead


(1995) la define como un campo dentro del estudio de la política que
analiza el gobierno a la luz de las principales cuestiones públicas y
Lynn (1980), como un conjunto de acciones gubernamentales que
producirán efectos específicos. Peters (1986) sigue la misma línea: la
política pública es la suma de las actividades de los gobiernos, que
actúan directamente o por delegación, y que influyen en la vida de los
ciudadanos. Dye (1984) resume la definición de la definición de
política pública como "lo que el gobierno decide hacer o no hacer".
La definición más conocida sigue siendo la de Laswell, es decir, que
las decisiones y los análisis de las políticas públicas implican
responder a las siguientes preguntas: ¿quién obtiene qué, por qué y
qué diferencia supone? (SOUZA, 2006)

Atendiendo a la interpretación del autor de este trabajo se puede proponer como


políticas públicas aquellas que son desarrolladas para dar respuesta a los grandes problemas o
desafíos identificados que pueden surgir en la sociedad y que a menudo involucran a diferentes
actores políticos, funcionarios, expertos y ciudadanos de manera general. Estas políticas
pueden evolucionar con el tiempo a medida que son sometidas a un proceso de evaluación de
su eficacia y se adaptan para abordar o cumplir nuevas realidades y desafíos que determinan la
dirección y la calidad de nuestra convivencia.
En este sentido, la educación superior en Cuba con el transcurrir de los años ha sido
considerada como una política pública y un elemento clave en el desarrollo del país. Desde el
triunfo de la revolución en 1959, el gobierno ha apostado y realizado grandes inversiones en
educación, y una de las áreas mayor beneficiada ha sido precisamente la educación superior.
Hasta la actualidad, Cuba cuenta con una amplia red de universidades y centros de educación
superior que brindan tanto a la sociedad cubana, así como la extranjera una gran variedad de
carreras y programas de posgrado, por lo que el análisis del sistema de educación superior
como política pública es lo que se discutirá en el presente trabajo.
También, será abordado la caracterización del sistema de educación superior en Cuba
como política pública y su enfoque en la formación integral de los estudiantes, así como por su
énfasis en la igualdad de oportunidades y en la educación gratuita para todos.
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EDUCACIÓN SUPERIOR COMO POLÍTICA PÚBLICA
Partiendo que los debates sobre políticas públicas implican responder a la pregunta
sobre el papel de los gobiernos en la definición y aplicación de las políticas públicas (SOUZA,
2006, p. 26), en este sentido como política pública, la educación superior se refiere a la
planificación, implementación y regulación de los sistemas de educación superior por parte de
los gobiernos y autoridades educativas para lograr objetivos específicos en beneficio de la
sociedad en su conjunto.
Uno de los elementos a tener en cuenta es que las políticas se diferencian entre sí, entre
otras cosas, por su aparición durante el proceso de toma de decisiones (Moteiro, 2006 p. 271).
Es por eso que la educación superior es considerada como una política pública atendiendo que
el gobierno desempeña un papel activo en su financiamiento, regulación y dirección para
garantizar que esté alineada con los objetivos y necesidades de la sociedad en su conjunto
llegando a ser la educación superior considerada como un componente esencial para el
desarrollo y el progreso de un país teniendo un abordaje y mayor atención mediante la creación
de políticas públicas específicas.
Atendiendo a lo expresado anteriormente para Joan Subirats los problemas y sus
soluciones están relacionados constantemente. De la misma manera que hay muchas posibles
definiciones de un problema, hay muchas soluciones para un mismo problema.
Atendiendo al/los problemas presentes en una sociedad, en este caso problemas
relacionados a la educación superior para que esta sea considerada o sean propuestas políticas
públicas se deben tener algunos aspectos clave como:
➢ Diversificación de Oferta Educativa
➢ Inclusión de Grupos Marginados
➢ Inversión en Infraestructura Educativa
➢ Acceso y Equidad
➢ Objetivos Educativos y Sociales
que según Tamayo Sáez (1997), siempre existirá la necesidad de realizar un análisis de
las políticas públicas desde diferentes perspectivas o puntos de vistas, teniendo en cuenta
factores políticos, sociales y económicos. También destaca la importancia de evaluar el
impacto de las políticas en la sociedad y cómo influyen en la toma de decisiones públicas.

LA EDUCACIÓN SUPERIOR COMO POLÍTICA PÚBLICA CUBANA:


ESTRUCTURA Y PRINCIPALES ASPECTOS

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En este primer tópico será realizado un abordaje de la Resolución 210 del 2007 del
Ministerio de Educación Superior de Cuba, el cual es el Reglamento de Trabajo Docente y
Metodológico de la Educación Superior, donde están descritos todos los procesos en las
universidades cubanas y como estos deben desarrollarse.
El estado cubano, mediante la Ley No. 1306 del 28 de julio de 1976, creó el Ministerio
de Educación Superior (MES). En la misma se especifica qué el Ministerio tiene la atribución
de la “ejecución de la política del Gobierno relativa a la educación superior como órgano rector
tanto sobre los centros que le son directamente subordinados como sobre los adscritos a otros
organismos” (NODA, 2019). Con esto se crea la red de 28 centros y se adscriben al MES y a
otros organismos cada uno de ellos. Los Institutos Superiores de Ciencias Médicas al
Ministerio de Salud Pública, los Institutos Superiores Pedagógicos al Ministerio de Educación,
los centros de enseñanza superior militares al Ministerio de las Fuerzas Armadas, el Instituto
Superior de Deportes al Instituto Nacional del Deporte, la Educación Física y la Recreación
(INDER y los de Relaciones Exteriores y Cultura a los ministerios respectivos (NODA, 2019).
De esta forma, el MES “ejerce la dirección metodológica, técnico-docente y
administrativa de las universidades, institutos y centros de educación superior directamente
subordinados al mismo y, en los casos de los que se subordinan a otros organismos, ejercerá la
dirección metodológica”.
En la actualidad, el perfeccionamiento de la Educación Superior en el país y su
integración son las principales direcciones de trabajo, está formado por 50 instituciones, 113
especialidades y ha graduado 1 410 984 profesionales, casi el 50% de la población de la isla
caribeña posee un título de educación superior. Las universidades cubanas gradúan
aproximadamente 35 739 estudiantes por año según la Oficina Nacional de Estadística e
Información (ONEI) (CUBA, 2021, p.128).
El plan de ingreso a la educación superior se realiza atendiendo a las necesidades de los
territorios y teniendo en cuenta cuántos graduados necesitarán en las especialidades al
transcurrir 4 o 5 años.
La Educación en Cuba de manera general está estipulada en la Constitución de la
República donde establece que es un derecho pleno de todo ciudadano, en el Título III
Fundamentos de la política educacional, científica y cultural en su artículo 32 establece que el
Estado fomenta, orienta y promueve la educación, la ciencia y la cultura en todas sus
manifestaciones. En los incisos inciso b y c establece lo siguiente:

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b) la enseñanza es función del Estado, es laica y se basa en los aportes
de la ciencia y en los principios y valores de nuestra sociedad;
c) la educación promueve el conocimiento de la historia de la nación
y desarrolla una alta formación de valores éticos, morales, cívicos y
patrióticos (CUBA, 2019, p. 80)

Además, en el Título V: Deberes, Derechos y Garantías, en el Capítulo II Derechos y


en su Artículo 73 establece:
La educación es un derecho de todas las personas y responsabilidad
del Estado, que garantiza servicios de educación gratuitos, asequibles
y de calidad para la formación integral, desde la primera infancia
hasta la enseñanza universitaria de posgrado.
El Estado, para hacer efectivo este derecho, establece un amplio
sistema de instituciones educacionales en todos los tipos y niveles
educativos, que brinda la posibilidad de estudiar en cualquier etapa
de la vida de acuerdo a las aptitudes, las exigencias sociales y a las
necesidades del desarrollo económico-social del país.
En la educación tienen responsabilidad la sociedad y las familias.
La ley define el alcance de la obligatoriedad de estudiar, la
preparación general básica que, como mínimo, debe adquirirse; la
educación de las personas adultas y aquellos estudios de posgrado u
otros complementarios que excepcionalmente pueden ser
remunerados (CUBA, 2019, p 89 )

En Cuba todos los niveles de enseñanza son gratuitos, de esta forma todos los
ciudadanos cubanos desde la infancia acceden a ella, desde el jardín de la infancia hasta el 12
grado, hasta este grado es obligatorio para todos, siendo el nivel mínimo exigido para los
empleos.
Para acceder a la Universidad los estudiantes en su 12 grado escogen 5 carreras y la o
las universidades donde deseen estudiar y luego deben presentarse a un examen de ingreso
donde serán evaluadas las materias de Matemática, Español e Historia, siendo la nota mínima
de 60 puntos. Una vez aprobado el examen el estudiante se somete a un escalafón por la
puntuación obtenida y se comienza a otorgar las plazas a partir de la disponibilidad de las
misma. Si el estudiante no obtiene la primera carrera en la que se inscribió esperará a la oferta
de su segunda opción y así sucesivamente. En caso de que el estudiante no alcance ninguna de
sus 5 opciones por tener alta demanda y no llegar hasta él, se le ofrece la posibilidad escoger
entre otras carreras que estén disponibles.
El Ministerio de Educación Superior reglamenta a las Universidades Cubanas como se
comentó anteriormente y establece un conjunto de normas y disposiciones para su
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funcionamiento donde el Trabajo Docente Metodológico de las Universidades Cubanas es
establecido por la Resolución Ministerial 210/2007, donde explica que:
Corresponde al Ministerio de Educación Superior dirigir normativa y
metodológicamente en lo que le corresponde, la política del Estado y
el Gobierno en cuanto a la Educación Superior, según lo establecido
en el Apartado Segundo del Acuerdo No. 4001 de 24 de abril de 2001
dictado por el Comité Ejecutivo del Consejo de Ministros (CUBA,
2007, p. 209).
La 210 está estructurada en 4 capítulos y 222 artículos que le dan cuerpo a la Resolución
para establecer dicho proceso. Su Capítulo I, Generalidades con un total de 23 artículos abordan
temas sobre los principios que utiliza para implementar la educación, en el artículo 1 en unos
de sus trechos aborda el fin que tienen la preparación integral de los estudiantes universitarios
y cito: “lograr profesionales revolucionarios, cultos, competentes, independientes y creadores,
para que puedan desempeñarse exitosamente en los diversos sectores de la economía y de la
sociedad en general (CUBA, 2007, p. 210).
Otro de los temas abordados en este capítulo trata sobre los Centros de Educación
Superior (CES) y las Filiales Universitarias donde dejan claro que los CES son los encargados
de dirigir los procesos universitarios en los territorios donde se ubican a partir de las
orientaciones del Ministerio y las Filiales Universitarias se subordinan a estos CES, los cuales
son dirigidos por los rectores y sus Consejos Universitarios. Esto está reflejado en el Artículo
8 que establece:
La sede central es la instalación principal del centro de educación
superior en la que radican, fundamentalmente, las facultades, las
entidades de ciencia e innovación tecnológica y otras dependencias,
cuya labor de formación se extiende a las filiales universitarias, a las
que dirige metodológicamente. Las facultades independientes se
consideran también sedes centrales a los efectos de este reglamento,
por lo que el decano de la facultad tiene las mismas atribuciones que
el Rector (CUBA, 2007, p. 210).
En este Capítulo también queda establecida las modalidades de estudio en las que
funciona la Educación Superior, la Presencial y Semipresencial para todo el sistema de
educación nacional existente. La modalidad presencial estipula que es para los estudiantes que
no trabajan y pueden dedicar todo el tiempo a sus estudios. Las matrículas en esta modalidad
responden a un plan de ingreso aprobado por el gobierno de acuerdo a la necesidad de los
territorios. La modalidad semipresencial es para las personas que tengan concluido el nivel
medio superior sin límite de edad o de otro tipo, tengan o no vínculo laboral.

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Por último y no menos importante, este capítulo trata sobre los Planes de Estudio el cual
es el documento fundamental de carácter estatal que define el enfoque general y el contenido
principal de la preparación del profesional y que en su artículo 22 explica su estructura.
[…] se estructura con un enfoque en sistema. La carrera se organiza
horizontalmente en años académicos y verticalmente en disciplinas y
estas, a su vez, en asignaturas. Los años se organizan en períodos
lectivos, en cada uno de los cuales se planifica un grupo de
asignaturas, permitiendo así dosificar los contenidos (CUBA, 2007,
p. 211).
El siguiente capítulo número II, Trabajo Metodológico posee 76 artículos y establece
algunos puntos importantes que se listan a continuación:
➢ La Realización del Trabajo Metodológico
➢ Las Formas y tipos del Trabajo Metodológico
➢ La Comisión Nacional de la Carrera
➢ La Elaboración y la Aprobación de los Planes de Estudio
➢ La Planificación y Organización del Proceso Docente Educativo
➢ Las Modificaciones a los Planes de Estudio
➢ La Organización del Proceso Docente Educativo para los Estudiantes Atletas de
Alto Rendimiento
➢ El Control del Proceso Docente Educativo
➢ Los Documentos que Avalan el Trabajo Metodológico
De estos puntos es válido mencionar algunos de ellos, por ejemplo, las Comisiones
nacionales de las carreras son las encargadas de dirigir el proceso metodológico desde el nivel
nacional y el presidente de esta comisión es designado por el órgano estatal encargado de dirigir
la carrera. El objetivo fundamental de esta comisión está establecido en el artículo 61:
[…] tendrá como objetivo fundamental contribuir a concretar la
política del estado en la formación de los profesionales de nivel
superior, en estrecha coordinación con la instancia encargada de
dirigir esta formación en cada organismo de la administración central
del estado con centros de educación superior adscritos (CUBA, 2007,
p. 216).
El indicador Elaboración y Aprobación del Plan de Estudio explica cómo se establece
la enseñanza en las carreras a partir de los documentos, por un lado, el Plan de Estudio que está
estructurado por el Modelo del Profesional que ofrece una descripción de la carrera y el
objetivo de la misma. Por otro lado, se encuentra el Plan del Proceso Docente ofreciendo una

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e información general sobre los contenidos fundamentales de la carrera y la organización de
ellos durante los años de estudio que en el artículo 67 señala lo siguiente:
[…] contiene las disciplinas diseñadas y las asignaturas que la
integran; precisando su tiempo total, y el correspondiente a las clases
y a la actividad investigativo laboral; así como su distribución por año
de estudio. Se fijan también los exámenes finales, los trabajos de
curso y el tipo de evaluación de la culminación de los estudios
(CUBA, 2007, p. 217).
El último documento que compone el Plan de Estudio es el Programa de la Disciplina
que refleja las características más importantes de la misma, y constituye la descripción
sistemática y jerárquica de los objetivos generales a lograr y de los contenidos esenciales a
asimilar.
Actualmente está en vigor los Planes de Estudio E, que, según Artola, Tarifa y Finalé
(2019), tiene como premisas fundamentales: el proceso de formación continua de los
profesionales cubanos con el continuo incremento de la calidad en el proceso de formación, lo
que hace necesario asumir los retos de la educación continua a partir de tres escenarios:
formación de pregrado en carreras de perfil amplio, preparación para el empleo y la formación
de postgrado.
En cuanto al Capítulo III, Trabajo Docente, se establece cual es la relación del profesor
con el estudiante dentro del aula y como ambos forman parte del proceso de enseñanza y
aprendizaje, establece además las formas organizativas fundamentales del proceso donde están
listadas cuales pueden ser utilizadas.
También utiliza varios artículos para describir los tipos de clases que el profesor puede
utilizar para este proceso y cómo desarrollar el Plan de la disciplina de forma correcta
atendiendo a lo establecido por la Comisión Nacional de la carrera.
El Capítulo IV, Evaluación del Aprendizaje tiene 79 artículos donde explica que es un
mecanismo para comprobar el grado de cumplimiento de los objetivos establecidos en los
planes y programas de las carreras, en el artículo 138 establece que la evaluación está
estructurada de la siguiente manera:
[…] de forma frecuente, parcial, final y de culminación de los
estudios, en correspondencia con el grado de sistematización de los
objetivos a lograr por los estudiantes en cada momento del proceso.
Estas formas de conjunto, caracterizan a la evaluación como un
sistema (CUBA, 2007, p. 224).
También aborda sobre la calificación en su artículo 152 donde establece Excelente (5),
Bien (4), Regular (3) y Mal (2), además para llevar ese control de notas estipula lo siguiente en
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el mismo artículo, de esta manera los profesores deberán registrar las calificaciones otorgadas
a los estudiantes en la libreta de control a clases, utilizando los símbolos tal y como se regulan
en este artículo (CUBA, 2007, p. 225).
Otra de las cuestiones importantes de este capítulo es como pueden ser realizadas las
evaluaciones y la duración de las mismas, dígase oral, escrita o híbrida, en el caso de
asignaturas que no tengan exámenes finales establecidos, la evaluación final estará sujeta a las
evaluaciones parciales obtenidas por el estudiante y el criterio del profesor en cuanto al
desempeño del propio estudiante.
Ese tipo de evaluación se deja establecido en el Plan de la asignatura (PA), donde en
este se detalla cómo el profesor va a impartir la asignatura durante el semestre y como está
estructurada, su cantidad de horas y los tipos de recursos y clases que va a utilizar.
El Capítulo V, Trabajo con los Alumnos Ayudantes(AA), es el último de esta
Resolución y posee sólo 8 artículos, en él se establece quienes pueden ser elegibles para ser
AA teniendo en cuenta que: […] son aquellos estudiantes de alto aprovechamiento docente,
previamente seleccionados en las carreras […] (CUBA, 2007, p. 230).
Además, aborda los criterios para la selección de los estudiantes, y formaliza que el
responsable de esta actividad es el Decano de la Facultad con ayuda de los representantes de
las organizaciones estudiantiles, pero el Decano es quien establece el proceso, las disposiciones
y es el encargado de notificar a los departamentos docentes sobre los alumnos seleccionados.

CONCLUSIONES
A lo largo del estudio y realización de este trabajo, hemos examinado sobre Políticas
Publicas en respuesta a los grandes problemas o desafíos identificados que pueden surgir en la
sociedad y la educación superior como política pública cubana: estructura y principales
aspectos lo que nos ha llevado a las siguientes conclusiones:

➢ Las políticas públicas desempeñan un papel fundamental en la configuración de


nuestras sociedades y el bienestar de los ciudadanos.
➢ La creación y ejecución de políticas públicas no está exenta de desafíos.
➢ Las políticas públicas no son fijas; evolucionan con el trascurrir del tiempo para
abordar nuevas realidades y desafíos emergentes.

BIBLIOGRAFÍA

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NODA Hernández, Marcia. Marzo del 2019. Educación Superior en Iberoamérica, Informe
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SUBIRATS, Joan. Definición del Problema. Relevância Pública y Formación de la Agenda de


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MONTEIRO, Jorge V. (2006), O Processo Decisório de Política. In: SARAIVA, Enrique &
FERRAREZI, E. (Orgs.). Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 1 v., 2006.

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Gaceta Oficial No.40 Extraordinaria, p 210-232, 2007.

ARTOLA Pimentel, María de Lourdes; Tarifa Lozano, Lourdes; Finalé de la Cruz, Leyda.
Planes de estudio E en la Educación Superior cubana: una mirada desde la educación
continua. Universidad Y Sociedad, 11(2), 364-371, 2019.

ANÁLISE DISCURSIVA DE POSTS DA SÉRIE RELIGIOSA “NO


PRIDE” DA IGREJA BATISTA DA LAGOINHA- ORLANDO: UMA
VISÃO CRÍTICA E MULTIMODAL

Rafael Seixas de Amoêdo


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Resumo: Este trabalho tem como objetivo examinar os posts do Instagram da Igreja Batista
Lagoinha – Orlando durante a série religiosa ‘No Pride’ em junho, explorando discursos
contraditórios em relação ao período do Orgulho LGBTQIAPN+ e visando destacar a
necessidade de discussões jurídicas sobre discursos discriminatórios em contextos religiosos.
Este estudo ancora-se teoricamente na Análise de Discurso Crítica (Fairclough, 2016) em
diálogo com a Teoria Semiótica Social da Multimodalidade e a Gramática do Design Visual
(GDV) (Kress; van Leeuwen, 2006), a partir da investigação metodológica de naturezas
qualitativa, bibliográfica e interpretativista. Nota-se, sobretudo, uma necessidade de letrar cada
vez mais a população no que tange aos aspectos sociojurídicos em relação à hegemonia
religiosa, sobretudo, protestante, que muito alenta sobre a causa homoafetiva. Na análise dos
textos, observou-se um discurso de negativização acerca dos atores sociais LGBTQIAPN+,
apresentando uma apropriação pejorativa de conceitos religiosos e símbolos do movimento,
enfatizando relações de 2 poder hegemônicas. Isso se conclui a partir da identificação, por
exemplo, do léxico (palavras e frases) que interdiscursivamente demonstram uma relação no
campo de sentido do “ódio” , do “pecado”, da “destruição” e da “vergonha” , do “inferno” com
relação aos atores do movimento”, demonstrando o viés ideológico por detrás do discurso
representado.

Palavras-chave: Discurso religioso. Movimento LGBTQIAPN+. Orgulho. Semiótica Social.


Letramento.

O LABORATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS, GÊNERO E


SEXUALIDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA -
LADIHGES/UFRR: AÇÕES E ESTRATÉGIAS

Douglas Verbicaro Soares

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Resumo: O presente estudo tem por objetivo visibilizar, bem como, trazer as ações e as
estratégias do Laboratório de Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (LADIHGES) da
Universidade Federal de Roraima, uma iniciativa vinculada ao Curso de Direito. Nessa
conjuntura, através das atividades desenvolvidas com os acadêmicos, o objetivo das ações do
LADIHGES é o de visibilizar trabalhos de pesquisa e extensão para proporcionar uma
alternativa aos altos índices de violências que o estado de Roraima apresenta quanto às questões
de gênero e diversidade sexual. Com uma metodologia de abordagem qualitativa, o estudo
pretenderá responder a seguinte indagação: um laboratório acadêmico poderá servir como
instrumento de mudança social no estado de Roraima? Dessa maneira, a investigação almejará
responder esse questionamento de maneira exploratória, com o método dedutivo, alicerçado
com pesquisa bibliográfica. Como resultados o LADIHGES vem apresentando impactos na
sensibilização humana, com diversas publicações de livros e artigos, além de realizações de
eventos no tema. Os alunos são formados para debater os róis e modelos estruturais que
obstaculizam a igualdade em questões dos temas abarcados pelos Direitos Humanos, que
constituem importância não somente na conscientização e no combate às discriminações de
gênero e sexualidade em Roraima.
Palavras-chave: Educação Acadêmica. Grupo de Pesquisa. LGBTQIA+.

INCLUSÃO E EMPODERAMENTO: O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA


RESILIÊNCIA DE MULHERES DIANTE DA VIOLÊNCIA DE
GÊNERO

Fabiana Teixeira Ramos Tavares


Luanda Batista da Silva Brito Ramos

INTRODUÇÃO

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No ano de 2021, o Brasil registrou um alarmante total de 3.858 mulheres vítimas de
mortes violentas. Esse número representa uma média de mais de 10 óbitos diários,
evidenciando as mulheres como um dos grupos mais significativamente afetados pela violência
cotidiana no país. Os dados revelados na edição 2023 do Relatório Atlas da Violência33
apontam para uma realidade preocupante: enquanto a taxa de homicídios da população em geral
apresentou queda, os homicídios femininos aumentaram em 0,3% no período de 2020 para
2021.
Nesse sentido, a violência de gênero persiste como uma sombra inaceitável em nossa
sociedade, afetando a vida de milhões de mulheres globalmente. O estudo aqui pretendido,
versa uma reflexão direta sobre a violência de gênero e sua urgência como uma questão crítica.
Diante disso, abordaremos o estudo de autores renomados que evidenciam a persistência desse
problema e a necessidade premente de abordagens eficazes e transformadoras.
A raiz da violência de gênero está profundamente enraizada em normas socioculturais
que perpetuam desigualdades entre homens e mulheres. Desde a infância, os homens são
encorajados a adotar atitudes competitivas e agressivas, mantendo as mulheres em um papel
de inferioridade e submissão (Vilhena, 2009). Essa dinâmica transcende fronteiras e afeta a
integridade física, o bem-estar psicológico e a liberdade pessoal das mulheres.
A educação, neste contexto, surge como um meio de intervenção para romper com
ciclos perpetuadores de violência. Para além das respostas punitivas, é necessário adotar
abordagens preventivas e transformadoras. Este estudo busca explorar como estratégias
educacionais podem responder reativamente aos eventos violentos, e fomentar uma mudança
cultural profunda.
Ao longo da análise crítica de abordagens existentes, apresentaremos proposições
práticas que destacam a capacidade da educação de fomentar mudanças em larga escala. O
objetivo é abordar a problemática da violência de gênero e contribuir para a construção de um
futuro onde as mulheres vivam livres de medo, exercendo plenamente seus direitos e
contribuindo para uma sociedade mais justa e inclusiva.
Dessa forma, esta reflexão pretende ser um chamado à ação, enfocando a educação
como um catalisador para a transformação social e a construção de uma sociedade mais
equitativa, livre da sombra da violência de gênero.

DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO

33
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/276/atlas-2023-violencia-
contramulher
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O termo gênero é resultado da análise teórica realizada pelas feministas a respeito do
processo histórico para explicar as desigualdades persistentes entre homens e mulheres” (Scott,
1995, p. 85). Scott conceituou o gênero como um elemento constitutivo das relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos.
Para a autora, existem quatro elementos inter-relacionados relevantes:1. Símbolos
culturais que evocam representações em oposição do masculino e feminino, 2. Conceitos
normativos que interpretam o significado dos símbolos, que se expressam em doutrinas
religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas que reforçam a oposição binária, 3. A
noção de permanência intemporal na representação binária do gênero e 4. A identidade
subjetiva mediante a qual se cria a identidade generificada.
Dessa forma, o gênero se constitui na forma primária de dar significado às relações de
poder. A política cria e reforça a posição binária homem/mulher para proteger o seu poder,
atribuindo a diferença à ordem natural ou divina, fora de toda intervenção humana (Scott,
1995).
Para Nascimento (2000), a compreensão desses fenômenos requer abordagens sociais
e de gênero. O termo "sexo" refere-se às características biológicas predeterminadas do homem
e da mulher, enquanto "gênero" é utilizado para assinalar as características socialmente
construídas que definem o masculino e o feminino em diferentes culturas (Organização Pan-
Americana da Saúde, 1993)."Aprende-se a ser homem ou mulher, e essa aprendizagem fica
impressa nas camadas mais profundas da personalidade" (Stain, 2000, p. 1).
Conforme Grossi (1996, p. 133-145), "Ao destinar para a mulher um papel submisso e
passivo, a sociedade cria espaço para a dominação masculina, onde o processo de mutilação
feminina é lento, gradual e considerado legítimo". "Nesse processo, a violência constitui-se em
um dos mecanismos de dominação do homem sobre a mulher, legitimado por instituições como
a família e o casamento" (Galvão e Andrade, 2004, p. 91). Visões estereotipadas e sexistas a
respeito da mulher desempenham um papel importante na ocorrência de atitudes de abuso e
violência (Fuentes e col., 2008).
A desconstrução de estereótipos de gênero emerge como peça fundamental na busca
pela equidade de gênero e na mitigação da violência associada a esses padrões culturais. Este
segmento explora detalhadamente a tarefa central dos programas educacionais nessa
desconstrução, delineando estratégias e abordagens que buscam desmantelar as raízes
profundas desses estereótipos prejudiciais.

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Ao examinar como espaços educacionais exercem uma função extremamente
importante nesse processo, torna-se evidente que a educação além de ser um veículo de
transmissão de conhecimento, é também instrumento capaz de moldar atitudes, percepções e
comportamentos. O questionamento e a desconstrução de estereótipos de gênero demandam
uma análise crítica dos contextos culturais internalizados, que muitas vezes perpetuam normas
restritivas e nocivas.
Abordar a raiz cultural desses estereótipos é parte essencial na jornada para a igualdade
de gênero. A influência de normas culturais na definição de papéis e expectativas de gênero é
profunda e, muitas vezes, invisível. Assim, o artigo discute estratégias específicas que os
programas educacionais podem empregar para desafiar e transformar essas normas arraigadas.
A análise crítica proposta inclui a exploração de currículos inclusivos que questionam
ativamente estereótipos de gênero, a promoção de discussões abertas e seguras sobre identidade
de gênero e a incorporação de exemplos diversificados em todas as disciplinas. A inclusão de
perspectivas femininas e não binárias na história, literatura e ciências sociais é destacada como
uma maneira eficiente de romper com a invisibilidade e marginalização históricas.
Discute-se também como a mídia e as redes sociais, enquanto perpetuadoras de
estereótipos, podem ser transformadas e aliadas na promoção de narrativas mais inclusivas.
Programas educacionais podem capacitar os alunos a ler criticamente as mensagens midiáticas,
desenvolvendo uma consciência aguçada sobre a influência da mídia na formação de normas
de gênero.
No cerne desta análise, está no reconhecimento da educação como um agente
estimulante para a transformação cultural. Ao desconstruir estereótipos de gênero, os
programas educacionais preparam indivíduos para uma compreensão mais profunda e
respeitosa do outro, além de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, onde a
violência baseada no gênero não encontra solo fértil para prosperar.

EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EMPODERAMENTO FEMININO

A educação, muito além de ser um mero veículo de transmissão de conhecimento,


revela-se como uma ferramenta estimulante do empoderamento feminino. Este segmento
explora a capacidade transformadora da educação, destacando sua missão em capacitar as
mulheres a reconhecerem seus direitos e tomarem decisões informadas.

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Ao abraçar valores fundamentais de autonomia e autoestima, a educação se torna um
ambiente propício para nutrir o senso de independência e confiança nas mulheres. Práticas
pedagógicas específicas emergem como meios eficazes para cultivar conhecimentos tangíveis,
sobretudo, as habilidades necessárias para desafiar normas injustas e reivindicar seu lugar na
sociedade.
Conforme afirma Freire,
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam
em comunhão. (…) Somente quando os oprimidos descobrem, o opressor, e
se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si
mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta
descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o
que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas
esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis (Freire,
1987, p.52).

Paulo Freire defendia a educação como um meio de empoderar as pessoas,


especialmente as marginalizadas, e de transformar as estruturas sociais injustas. Ele acreditava
que a educação deveria ser um processo libertador, capacitando as pessoas a pensarem
criticamente sobre sua realidade e a agirem para transformá-la.
A promoção da independência e confiança, como mencionada anteriormente, está
relacionada à ideia de conscientização, um conceito central no pensamento de Freire.
Conscientização, no entanto, refere-se ao processo de desenvolvimento de uma consciência
crítica sobre as condições sociais e a capacidade de agir de forma transformadora.
Através da educação, as mulheres acumulam informações e desenvolvem capacidades
essenciais para enfrentar os desafios impostos por uma estrutura social muitas vezes desigual.
A promoção da independência e confiança torna-se poderosa linha de defesa contra a
perpetuação de normas discriminatórias.
O empoderamento proporcionado pela educação não está limitado apenas ao acesso ao
conhecimento, mas principalmente à habilidade de traduzir esse conhecimento em ação. As
mulheres capacitadas por meio da educação são dotadas de voz e coragem que permitirá
determinação para desafiar atitudes e práticas discriminatórias.
A educação emerge como um farol de transformação, capacitando as mulheres a
transcenderem as barreiras impostas por normas sociais injustas. Ao promover a independência
e autoestima, a educação informa e capacita as mulheres a desempenhar atribuições ativas na
redefinição de uma sociedade mais justa e equitativa. Assim, destaca-se a importância deste
fenômeno além de contribuir para inspirar um compromisso com a utilização da educação
como uma ferramenta primordial no processo contínuo de empoderamento feminino.
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Este segmento de análise foca na dimensão preventiva da educação, delineando a
importância essencial de intervenções desde as fases iniciais do desenvolvimento para a
mitigação da violência de gênero. A compreensão aqui apresentada destaca a educação como
um escudo idôneo, utilizando programas de conscientização e a promoção da equidade como
alicerces para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Os programas de conscientização e educação são identificados como elementos chave
nesse processo preventivo. Ao disseminar conhecimento e fomentar a reflexão crítica sobre
normas culturais arraigadas, a educação emerge como uma ferramenta capaz de desafiar
crenças limitantes e prejudiciais. Destaca-se, particularmente, a relevância da educação sexual
e da promoção de relacionamentos saudáveis como medidas fundamentais na prevenção da
violência de gênero. Ao cultivar uma compreensão desde a juventude sobre respeito,
consentimento e igualdade, a educação torna-se uma ferramenta eficaz na desconstrução de
padrões prejudiciais e na criação de uma cultura de respeito mútuo.
A combinação entre a dimensão preventiva da educação e a capacitação feminina,
como, reforça a importância de uma abordagem integral na transformação social. Ao unir essas
duas abordagens, a educação além de capacitar as mulheres, trabalha na prevenção da
perpetuação de ciclos de violência.

ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS PARA MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA


DE GÊNERO

Heleieth Saffioti, socióloga brasileira, emerge como uma voz significativa na


compreensão da violência contra mulheres. Em sua obra "A Mulher na Sociedade de Classes:
Mito e Realidade" (1976), Saffioti explora a interseção entre gênero, classe social e violência,
lançando luz sobre as especificidades das mulheres com deficiência. A autora destaca a
necessidade de políticas públicas eficazes para enfrentar a violência contra esse grupo,
sublinhando como as desigualdades sociais e estruturais as tornam mais suscetíveis à violência
doméstica.
Ao abordar as desigualdades sociais, Saffioti salienta a importância de uma análise
crítica das estruturas de poder que perpetuam a violência contra as mulheres. Ela argumenta
que é fundamental atacar as raízes dessas desigualdades, implementando políticas que
eliminem disparidades sociais e promovam uma sociedade mais justa, plural e igualitária.
Por todas as ideias apresentadas, o estudo aborda a complexa barreira do acesso à
educação para mulheres que foram vítimas de violência de gênero, reconhecendo a importância

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fundamental da educação como um caminho para a superação desses desafios. O tema propõe
estratégias inovadoras e adaptativas para garantir que o ambiente educacional seja um espaço
inclusivo e transformador, atendendo às necessidades específicas dessas mulheres.
Um dos principais desafios enfrentados por mulheres vítimas de violência de gênero é
a dificuldade de acessar oportunidades educacionais devido às sequelas emocionais, financeiras
e logísticas associadas ao trauma. Nesse contexto, estratégias que incluem programas
educacionais flexíveis, adaptados às circunstâncias individuais e necessidades específicas
dessas mulheres, surgem como uma resposta imprescindível.
Ademais, explora-se como a educação fornece conhecimento e pode ser um meio eficaz
para a construção de redes de apoio e solidariedade. Ambientes educacionais inclusivos são
essenciais, promovendo compreensão, empatia e suporte mútuo entre as mulheres que
compartilham experiências semelhantes.
Destacando a importância dessas estratégias, enfatiza-se a necessidade crítica de um
compromisso contínuo com ambientes educacionais que vão além do fornecimento de
informações, buscando ativamente criar espaços onde as mulheres vítimas de violência de
gênero possam reconstruir suas vidas com dignidade e apoio. Este enfoque remove barreiras
para o acesso à educação, e contribui para a reconstrução de vidas, fortalecendo a resiliência e
promovendo a igualdade de oportunidades para todas as mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para compreender a violência contra a mulher, é primordial explorar o conceito de


relação social de gênero. Nascimento (2000) destaca que as relações entre os gêneros não
devem fundamentar-se na subordinação da mulher pelo homem, mediadas pela presença da
violência. O autor argumenta pela necessidade de uma nova conjuntura, caracterizada por outra
sociabilidade, onde todos tenham acesso aos bens e serviços produzidos socialmente. Destaca-
se que a educação, seja a informal doméstica ou a instrução escolar, constitui uma das bases da
exclusão e da violência contra o feminino, permeando toda a sociedade.
Ao consolidar as percepções apresentadas ao longo da análise, ressalta-se a centralidade
das estratégias educacionais na promoção da inclusão de mulheres vítimas de violência de
gênero. Sublinha a necessidade premente de uma abordagem inclusiva que integre educação,
sensibilização e ação concreta para efetivamente transformar a realidade dessas mulheres e
construir uma sociedade mais justa e equitativa.

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A educação é reconhecida como um meio de transmitir conhecimento, considerada uma
ferramenta potente capaz de remodelar perspectivas, cultivar empatia e estimular mudanças
significativas. Enfatiza-se a importância de estratégias educacionais adaptadas e flexíveis,
reconhecendo a diversidade de desafios enfrentados por mulheres que foram vítimas de
violência de gênero.
Essa abordagem não se restringe à sala de aula; estende-se à criação de um ambiente
mais amplo de sensibilização e ação. A necessidade de conscientização não se limita às
consequências da violência de gênero, mas abrange os recursos e oportunidades disponíveis
para as mulheres, sendo fundamental. Ações concretas, como programas de apoio e redes de
solidariedade, complementam a educação como elementos fundamentais na construção de uma
sociedade mais justa.
O estudo visa contribuir para o desenvolvimento de práticas educacionais mais
inclusivas, buscando mitigar os efeitos da violência de gênero e criar um ambiente propício
para a transformação social. A chamada à ação é clara: é preciso ir além do discurso, integrando
educação, sensibilização e medidas concretas para construir relações mais igualitárias e uma
sociedade onde todas as mulheres possam florescer livremente, livres da sombra da violência
de gênero.
Destaca-se a interconexão entre a educação, a sensibilização e a ação efetiva como os
pilares fundamentais para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária e livre
da violência de gênero. Ao desafiar normas discriminatórias e promover a inclusão, a educação
emerge como a chave para empoderar mulheres, transcendendo barreiras e contribuindo para a
transformação cultural. A chamada à ação ressoa como convite para todos se engajarem
ativamente nesse processo, construindo juntos um futuro mais justo e equitativo.

REFERÊNCIAS

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A INVISIBILIZAÇÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NOS
CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO DOCENTE: UMA ANÁLISE DA BNC-
FORMAÇÃO

Giani Rabelo
Ricardo Luiz de Bittencourt
Igor Machado da Rosa

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo geral analisar como a BNC- Formação aborda
os estudos de gênero e sexualidade. Para isso, buscou-se compreender como o currículo pode
produzir subjetividades nos professores e professoras, refletir sobre as contribuições dos
estudos de gênero e sexualidade na/para formação docente e problematizar a
visibilidade/abordagem dos estudos de gênero e sexualidade na BNC- Formação. Utilizou-se
da revisão bibliográfica das produções de Tomaz Tadeu da Silva, Antonio Flavio Moreira,
Michel Apple, Guacira Lopes Louro, Judith Butler, Jimena Furlani, Michel Foucault, entre
outros. Além disso, recorreu-se à análise documental da BNCFormação para compreender suas
implicações na formação docente. O estudo sinalizou a marginalização dos estudos de gênero
e sexualidade no documento curricular para formação docente e, consequentemente, a sua
despreocupação com as hierarquias e relações postas e estabelecidas na sociedade
contemporânea, como o machismo e a lgbt+fobia. Com isso, propõe-se uma transformação
curricular docente, onde os professores e professoras tenham uma formação embasada e
comprometida no/com o respeito e valorização das diversidades e numa perspectiva de
transgressão de tramas, de deslocamentos.
Palavras-Chave: BNC- Formação. Currículo. Gênero. Sexualidade. Educação.

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REFÚGIO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO, DESAFIOS
E PESPECTIVAS PARA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Raquel Neves Silva

Resumo: Este artigo analisa a implementação da legislação brasileira sobre refúgio, avaliando
seus impactos na violação dos direitos humanos e identificando lacunas para aprimorar o
sistema de acolhimento, integração e proteção aos refugiados. A revisão bibliográfica realizada
neste estudo destaca a importância histórica da imigração para a formação socioterritorial do
Brasil. A proteção dos refugiados é essencial para garantir os direitos inerentes à condição
humana quando seu país de origem não os garante. A legislação brasileira, como a Lei de
Refúgio (Lei nº 9.474/1997) e a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), posicionou o país na
vanguarda global ao consolidar a perspectiva de 2 direitos humanos na política migratória
nacional. Incorporando conceitos da ONU, ampliou a definição de refugiado/a para abranger
aqueles que fogem de graves violações de direitos humanos. Apesar dos avanços legislativos,
a inclusão social de refugiados no Brasil enfrenta desafios consideráveis, como discriminação,
desemprego, barreiras linguísticas, acesso limitado à educação, precárias condições de moradia
e desigualdade socioeconômica. É crucial que o Brasil persista na busca pela efetivação do
princípio constitucional de igualdade perante a lei, garantindo a segurança e dignidade daqueles
que encontram refúgio no país.

Palavras-chave: Política Migratória, Legislação de Refúgio, Integração.

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GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO SOB ATAQUE DO
CONSERVADORISMO

Adeilson de Paula

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A problemática e os atritos sobre as demandas da ordem pública, sanitária e econômica,


referentes as minorias que já se encontram às margens da sociedade brasileira e, em específico
a comunidade LGBTQIA+, que aglutinam questões sobre gênero, sexualidade, diversidade,
direitos humanos e educação, estão sempre pautadas nas agendas políticas. Entretanto com a
escalada dos políticos religiosos e conservadores, o avanço e as discussões das pautas ligadas
à diversidade têm se tornado tarefas difíceis.
As pessoas LGBTQIA+, demandam e necessitam de mínimas condições e soluções
públicas, que vão desde a criação de leis, campanhas educativas voltadas à questão LGBTQIA+
e aos direitos humanos, como ações voltadas ao bem-estar das LGBTQIA+ e também ligadas
ao campo da educação.
Partindo das discussões e da breve ambientação acima descritos, constatamos que o
cenário se avizinha com o vivenciado pelos professores do sexo masculino que atuam ou
atuaram principalmente em classes da educação infantil. Tanto os professores, quanto as
demandas de ordem pública para a diversidade, esbarram sempre no conservadorismo que os
afetam e agravam as tensões vivenciadas diariamente nas escolas, em salas de aulas ou na
sociedade. Assim, notamos também o preconceito, estigma e potencial de violência que os
docentes são expostos por atuarem nessa etapa da educação que vem sendo direcionada aos
docentes do sexo feminino, uma vez que o cuidar e o educar se aproximam das características
maternas, Paula (2023).
Portanto o presente artigo versa sobre as tensões de gênero, diversidade sexual e direitos
humanos das pessoas LGBTQIA+. Observando que o conservadorismo exerce grande
influência na sociedade, percebemos que por meio de uma educação antilgbtqia+fóbica,
antimachista e antissexista é possível combater o extremismo e construir uma sociedade mais
igualitária.

GÊNERO, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO SOB ATAQUE


CONSERVADOR

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A partir de 2010, a sociedade brasileira vem assistindo diversos e intensos ataques
sofridos pela Educação e as pessoas LGBTQIA+, principalmente por parte da bancada religiosa
e/ou conservadora da política nacional. Consideramos conservador aquele indivíduo afeito a
ideias e costumes antiquados, ultrapassados, manifestando-se contrário a quaisquer mudanças
da ordem estabelecida, Paula (2021). Entretanto, como se trata de um comportamento humano,
esse conceito pode ter diferentes interpretações, pois “[...] uma pessoa pode ser politicamente
inovadora e ter condutas conservadoras com relação à família, ou até mesmo em relação a
práticas sexuais [...]” (Sepulveda, J. A.; Sepulveda, D., 2016, p. 142).
Sepulveda e Sepulveda (2016), pontuam que esse conservadorismo atua defendendo a
supremacia das organizações e instituições fundamentais da sociedade como, educação, família
e a religião. Em outras palavras, componentes e bases das nossas relações sociais. Ainda, de
acordo com Sepulveda e Sepulveda (2016a, p. 144), “[...] quando do debate desses assuntos no
campo político, os conservadores estão sempre contrários às minorias”. Portanto os discursos
políticos dos conservadores, quando tem relação com assuntos de natureza moral e/ou
comportamental e de direitos humanos das minorias, são defendidos como absolutos em defesa
de valores tradicionais e religiosos.
Logo, “[...] os discursos conservadores podem ser vistos funcionando como regimes de
verdade e se baseiam em um sistema de exclusão, pois nem todxs possuem o direito ou a
possibilidade de dizer tudo, assim como nem todxs são reconhecidxs em seus discursos [...]”
(Sepulveda, J. A.; Sepulveda, D., 2016a, p. 83). Desta forma, o conservador defende que
abordagens feministas, LGBTQIA+, relacionadas a gênero, sexualidade e a toda diversidade,
não devem ocorrer dentro das escolas. Assim, excluem e reprimem por meio do silenciamento
e da negação, qualquer prática pedagógica plural e de diversidade.
Esses extremistas dificultam e tentam impedir quaisquer discussões de gênero e
orientação sexual, seja nas escolas brasileiras ou ainda de direitos humanos das pessoas
LGBTQIA+ no congresso nacional. Dessa forma, “[...] ganha força uma ideologia marcada
pela heterogeneidade do discurso relativo aos limites da liberdade de expressão, que resulta na
limitação da liberdade de ensino [...]” Freeman (2002, p. 140).

POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

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Enquanto os debates e as políticas públicas em torno de gênero e assuntos ligados a
diversidade adentravam e estavam mais no radar da política educacional, movimentos de
resistência, principalmente articulados por conservadores e religiosos se organizavam, afim de
esvaziar as pautas.
Sendo assim, no fim de 2019, as deputadas estaduais Letícia Aguiar, Janaina Paschoal
e Valéria Bolsonaro, apresentaram na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo o
reacionário projeto de lei nº 1.174, de 16 de outubro de 2019, que “Confere a profissionais do
sexo feminino a exclusividade nos cuidados íntimos com crianças na Educação Infantil e traz
outras providências [...]” São Paulo (2019). O referido projeto de lei reforça e contribui para a
manutenção e construção das desigualdades de gênero e também limitação de direitos, assim
como uma forma de corroborar com o estigma de que todo homem é um abusador, trazendo
mais rejeição aos docentes e demais funcionários da educação que atuam com crianças
pequenas.
Por conta da elaboração do projeto de lei nº .174, de 16 de outubro de 2016, as
deputadas, tem como pretensão distanciar ainda mais o docente do sexo masculino e a
população LGBTQIA+ do segmento da Educação Infantil, em outras palavras, tendem a
conduzir a sociedade para uma certa potencialização da violência contra esses corpos e a
incitação do desejo de destruição dos mesmos Butler (2015).
Ainda com os olhos voltados para as políticas públicas, Brito e Couto Junior (2019),
afirmam que o Estado, através de suas políticas e discursos não neutros, atacam os dissidentes,
assim, para grande parte da sociedade, em especial os conservadores, as pessoas LGBTQIA+
ou desviantes devem ser “corrigidas” para que não ameacem ou afetem o comportamento
heteronormativo tido como padrão. Sendo assim, para tais pessoas seria inadmissível ter
docentes LGBTQIA+ atuando na Educação Infantil ou mesmo docentes do sexo masculino
atuando nessa etapa da educação.
A vista disso, essas e outros políticos, atuam de maneira ativa a impor seus ideais morais
e religiosos na política, exercendo forte influência na construção, manutenção e alteração das
políticas públicas e direitos. Portanto, é de suma importância que a escola desenvolva e
trabalhe temas transversais sobre sexualidade e cooperação para desconstruir preconceitos.
Educação para uma sociedade mais igualitária

A sociedade vem atravessando grandes e profundas transformações durante os séculos,


e a educação também segue se transformando. Logo, “[...] a vida do grupo e a de cada um de

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seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem
dentro do mundo social onde a própria educação habita [...]” Brandão (1993, p. 33), segue em
constante evolução.
Portanto, compreendemos que é pela educação que a sociedade adquire e compartilha
saberes, crenças, comportamentos e modos de vida, já que ela faz parte dos grupos sociais.
Esses códigos sociais de conduta e regras existentes nos grupos sociais perpassam e
estão presentes na vida de todos, por conseguinte, chegam às unidades escolares, partindo daí
o aprendizado sexista ensinado às crianças desde pequenas. Nas escolas, esse aprendizado
sexista é cristalizado e materializado através das filas de meninos e meninas, nos materiais
didáticos com cunho sexista, entre outros.
Na família e na sociedade, o sexismo assume muitas outras formas de legitimar os
papéis sociais destinados aos pequenos como: meninos vestem azul, enquanto meninas usam
rosa. Menino ganha carrinho e armas de brinquedos, estimulando a “[...] razão, força,
agressividade, insensibilidade [...]” (Salgado; Souza; Willms, 2018, p. 35), já as meninas são
presenteadas com bonecas e utensílios de casa para brincarem de casinha, estimulando, assim,
a ideia do “[...] cuidado, sensibilidade, delicadeza [...]” (Salgado; Souza; Willms, 2018, p. 35).
Menino é conquistador, pegador, durão, viril, enquanto a menina é meiga, doce, recatada,
sensível e frágil.
No fundo, esses e inúmeros outros paradoxos, evidenciados pelo viés sexista e
hierárquico, apontam, do ponto de vista econômico, político, cultural e social, que a sociedade
está construída e sustentada em compartimentos. Dessa forma, cada indivíduo faz parte de um
compartimento para formar a sociedade heteronormativa, branca e capitalista.
Entretanto, desde 1979, a equidade de gênero vem sendo pauta na Organização das
Nações Unidas (ONU) através da Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas,
de 18 de dezembro de 1979, sendo aprovada no Brasil através do Decreto Legislativo nº 93 em
fevereiro de 1984, trazendo no inciso 1, do 10º artigo, os apontamentos abaixo:

§ 1. Os Estados Membros adotarão todas as medidas apropriadas para


eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade
de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurar
em condições de igualdade entre homens e mulheres.

Porém, mesmo com o reconhecimento da igualdade entre os gêneros defendido pela


Constituição de 1988, compreendemos e constatamos no dia a dia que essa igualdade ainda
está distante de ser uma realidade alcançada e praticada pela população brasileira.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história de combate à violência e a discriminação baseadas em orientação sexual e


identidade de gênero tem como marco a década de 90. Há ainda acontecimentos históricos pré
e pós 90 no que se refere a à proteção e manutenção dos direitos humanos da diversidade sexual,
como o Movimento Feminista, Movimento LGBT e Conferências da Organização das Nações
Unidas. Os movimentos sociais foram responsáveis pelas alterações e mudanças de paradigmas
nacionais e internacionais com relação direta aos direitos das pessoas LGBTQIA+.
Nas últimas décadas aconteceram avanços extraordinários, porém o grande desafio é
expandir e otimizar a proteção dos direitos adquiridos.
A atuação dos grupos: conservador e religioso, vêm se configurando como uma grande
ameaça as pessoas que não se encaixam dentro dos compartimentos ideias de raça, gênero,
sexualidade, econômico, entre outros. Sendo assim, as discussões acerca de gênero, sexo,
orientação sexual, pessoas LGBTQIA+, devem permanecer à luz da sociedade.
Entendemos que a educação/escola tem como função social capacitar o aluno para o
convívio em sociedade, o exercício da cidadania e cumprimento dos deveres, assim como
respeitar as diferenças. Assim, contribuindo ativamente contra a intolerância e preconceito que
estão enraizados na sociedade.
Nesta perspectiva, a escola precisa ter ciência do cumprimento de seu papel e função
social para com a sociedade, que juntamente com a preparação e a formação intelectual
destinada aos alunos, também pode e deve contribuir na conscientização das práticas
educacionais para promover uma educação não sexista e, por conseguinte, uma sociedade mais
igualitária em relação aos gêneros.

REFERÊNCIAS

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(Coleção Primeiros Passos).

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Deputados, Coordenação de Publicações, 1998a.

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na escola: masculinidades precárias em discussão. Periódicus, Salvador, v. 1, n. 11, p. 284-
302, maio/out. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/2O8Pdn6>. Acesso em: 02 jan. 2024.

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PAULA, Adeilson de. O docente na Educação Infantil: professor ou professora?. 2021.


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http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus

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um exemplo de exclusão. Movimento Revista de Educação, Rio de Janeiro, v.3, n.5, p.76-107,
2016a.

CINEMA NEGRO - POR UMA PRETAGOGIA DE SABERES EM


CORPOS NEGROS LGBTQIAPN+

Marcus Azevedo
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Resumo: O cinema negro brasileiro é um conceito que afirma a presença e a cultura negra no
cinema ao mesmo tempo, que questiona a estrutura de produção cultural e do saber. Neste
artigo, buscamos uma abordagem de cunho pedagógico do cinema negro. O objetivo é trabalhar
com o universo dos significados e dos discursos existentes no filme NEGRUM3 (2018), do
cineasta Diego Paulino. Consideramos que a ancestralidade, convertida em categoria analítica,
é um conceito-chave para compreender o discurso presente no filme analisado, no qual se torna
evidente a necessidade de estabelecer um diálogo com o passado africano, na tentativa de
ressignificar as fronteiras de gênero e sexualidade para as populações afrodiaspóricas no
presente e no futuro. Nesse sentido, analisamos o filme considerando o conceito de Pretagogia
que valoriza o corpo e a oralidade, como produtor de epistemologia e identidade negra.
Estabelecemos diálogos com autores/autoras negros/as e realizamos uma análise que considera
o filme uma obra artística que fundamentam significados em estruturas narrativas. Nosso artigo
demarca o caráter pedagógico do Cinema Negro Brasileiro, e demonstra como ele pode realizar
mudanças paradigmáticas, pela forma como se retratam determinados temas, possibilitando a
reconstituição da história negra e a instauração de uma pedagogia da esperança.

Palavras-chave: Ancestralidade. Cinema Negro. Gênero e Sexualidade. Negrum3. Pretagogia.

DO DIREITO CONQUISTADO AO DIREITO NEGADO: O (NÃO)


LUGAR DA DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO NA BNCC

Kleverson Gonçalves Willima


Rian Lucas da Silva

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Resumo: É inegável que a diversidade é inerente ao ser humano, uma vez que somos múltiplos
em cores, tamanhos e texturas. Entretanto, determinados grupos não aceitam esse fato, tentando
incessantemente eliminar a diversidade através do apagamento histórico-cultural,
sociossimbólico e/ou físico, como ignorar a existência das diversidades e evitar a construção
de políticas para a promoção delas, resultando em morte simbólica ou física. Diante disso,
objetiva-se analisar o tratamento da diversidade sexual e de gênero na BNCC34 - atual política
educacional brasileira - e demonstrar a sua importância na Educação Básica, cujo papel
principal é promover o (re)conhecimento das diversidades e o respeito a elas. Para tanto, fez-
se uma análise documental qualitativa, através de uma pesquisa bibliográfica, considerando o
aporte teórico anteriormente construído. Os resultados mostram que discussões sobre gênero
numa perspectiva sócio-histórica-cultural foram retiradas da versão final da BNCC - restando
somente o gênero discursivo, textual e digital -, graças, também, a movimentos como o Escola
"Sem" Partido. Com a difusão do termo "ideologia de gênero" por parte desse movimento,
houve a retirada tanto do atual PNE, quanto da BNCC, sob o argumento de que isso
"corromperia as nossas crianças". Ademais, não foi diferente com a sexualidade, que aparece
no documento com um viés biológico/reprodutivista, dando atenção, somente, a questões
patológicas relacionadas às infecções sexualmente transmissíveis, mencionando apenas a
identidade homossexual numa única página. Esse fato, por sua vez, torna a patologizar os
debates sobre sexualidade, como se fazia até pouco tempo, reduzindo o aprofundamento
necessário do tema para a minimização de discriminações e a ampliação de discussões sobre
as múltiplas identidades existentes. Concluiu-se que, apesar da abordagem necessária dessas
temáticas nas escolas, com vistas a formar cidadãos críticos e respeitosos, a atual política
educacional desconsidera a temática, negando o direito ao (re)conhecimento da diversidade
conquistado com muita luta social.

Palavras-chave: Diversidade Sexual e de Gênero. Educação Básica. BNCC.


GÊNERO NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS: ANÁLISES E
PERCEPÇÕES DE UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Danilo Vieira Nunes de Araújo


Giseliane Medeiros Lima
Jilderlaine Santos Silva
INTRODUÇÃO

34
Base Nacional Comum Curricular.
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As relações de gênero compreendem uma construção histórica, social, cultural e até
política da relação entre os sexos, tendo em conta a larga herança machista e patriarcal vigente
nas sociedades. No caso da Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, entende-se
que os constructos sociais de gênero implicam diretamente na formação das crianças e na
prática dos docentes, especialmente porque nem a escola e nem a educação é neutra em valores.
Nesse contexto, buscou-se nessa pesquisa analisar como ocorre as relações de gênero na
Educação Infantil, partindo de observações junto às crianças e análises de episódios de uma
turma de uma instituição de Educação Infantil de Canindé de São Francisco. Além disso,
partese dessa problemática, entendendo-se que a forma como as crianças brincam, com o que
brincam, com quem brincam, a forma como brincam, como se expressam e demonstram seus
sentimentos e desejos pode estar atrelado às expectativas de gênero, nutridas na instituição
familiar e em outros espaços sociais, inclusive a escola. Assim, espera-se que essa pesquisa
contribua para o processo de desnaturalização das desigualdades de gênero e para a construção
de um ideário de uma cultura escolar mais humana e diversa.
Nesse viés, buscou-se compreender qual a relação entre gênero e Educação Infantil a
partir da observação direta de uma turma de jardim I com crianças de 4 e 5 anos de uma escola
municipal de Canindé de São Francisco, além de refletir sobre a importância da figura docente
para a desconstrução de estereótipos de gênero e descrever como ocorrem as relações de gênero
partindo de episódios, narrados em mini-histórias, com as crianças e professora da turma
envolvida no estudo. Para atingir as metas, partiu-se de um estudo de caso de uma escola de
Educação Infantil por meio de uma observação direta e uma análise de dados descritiva.

METODOLOGIA

Para a realização desta investigação, foi utilizado o método qualitativo, pois esse tipo
de pesquisa aborda questões mais subjetivas, como comportamentos e ações, permitindo o
pesquisador ter um contato direto com o meio e a situação investigada (Minayo, 2009). No que
se refere a abordagem da pesquisa, optou-se pelo estudo de caso, possibilitando a compreensão
de teorias antes vistas de modo teórico. De acordo com Yin (2001, p. 39), “um estudo de caso
[…] investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente
quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Desse modo,
o estudo de caso contribui na compreensão do contexto de fenômenos, analisando as
especificidades da vida real em sua volta.

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Dando seguimento, a coleta de dados foi realizada mediante a observação direta, sendo
que os episódios observados junto às crianças e a professora foram narrados em formato de
mini-histórias para a posterior análise. Fochi (2019, apud Vieira; Silva, 2021, p. 1762) aponta
que “as mini-histórias são uma documentação que acompanha e comunica a jornada de
aprendizagem da criança”. Assim, essa ferramenta possibilita ao adulto e/ou pesquisadores a
visibilização de acontecimentos do cotidiano infantil nas instituições de EI que de outra forma
não seriam visibilizados.
A escola estudada foi determinada para o estudo porque ela é a única de caráter público
a oferta a EI na modalidade de pré-escola, logo os critérios de inclusão da turma de estudo,
composta por 22 crianças, foi a idade das crianças, entre 4 e 5 anos. Dessa forma, a coleta de
dados ocorreu durante 3 dias, em uma turma de I período de EI, tendo como educadora a
professora Ângela (nome fictício). A respeito da observação direta, a mesma permitiu
investigar particularmente o objeto de estudo sem interferência ou alteração, a amostragem do
estudo conta com 4 episódios, apesar da coleta ter contado com 16 episódios.
A análise de dados foi efetivada por meio da análise descritiva, cujo objetivo foi
investigar como ocorrem as relações de gênero na Educação Infantil, mediante as observações
junto às crianças e análises de episódios presentes em 4 mini-histórias. De acordo com Soares
(2022, p. 50), “A análise descritiva qualitativa é uma produção de relações e funções do
pesquisador diante do tratamento de dados qualitativos”. Assim, a análise descritiva contribui
para a interpretação e compreensão desses dados, permitindo uma descrição minuciosa dos
resultados.
Por conseguinte, os dados foram descritos em formato de mini-histórias com o máximo
de detalhes e aproximação com os episódios em foco, como também foram analisados seguindo
o referencial teórico proposto durante a efetivação da pesquisa. No entanto, devido aos limites
de um artigo padrão, os dados de análise tiveram que ser apresentados de forma sucinta e com
delimitações.

PERCEPÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A princípio a infância era enxergada no pregresso como um período de inutilidade e


dependência. As crianças eram tratadas como mini-adultos, além de não serem respeitadas
como sujeitos de direitos, ou seja, esperava-se que as crianças tivessem o mesmo

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comportamento que os adultos. Não diferente, a educação das mesmas nesse período também
se resumia às experiências que vivenciavam com os adultos.
No decurso do tempo, a partir do final do século XVI e início do XVII, o sentimento de
infância começou a surgir, trazendo novas mudanças nos hábitos, costumes, educação, etc., das
crianças (Ariés, 1981). À vista disso, a criança começa a ser reconhecida como um ser social,
tendo papéis nas relações familiares e na sociedade em que é inserida. Ainda conforme o
surgimento desse sentimento, é válido ressaltar a necessidade de utilizarmos o termo infâncias,
posto que a própria não é única, pois conforme Arroyo (1994 apud Pereira; Deon, 2022, p. 2)
destaca, cada criança a vive de uma maneira diferente.
Assim, mediante aos avanços desse sentimento de infância e reconhecimento da
criança, a constituição federal de 1988 traz como dever e direito desses sujeitos a Educação
Infantil, entendo-os como um ser histórico, social, que possui necessidades. A Educação
Infantil é amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), como a
primeira etapa da Educação Básica, sendo crucial para o desenvolvimento integral das crianças
(Brasil, 1996). Em seu texto de lei a LDB determina no artigo 30 que a EI é dividida em: inciso
I, creches para as crianças de 0 a 3 anos; inciso II, pré-escolas para as crianças de 4 a 5 anos.
Outro documento que assegura os direitos desses sujeitos, são as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), o qual ressalta a importância do brincar, das
interações e socializações entre as crianças (Brasil, 2010). Essa etapa também é norteada pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual orienta os docentes em sua prática. Dessa
forma, ela traça objetos de aprendizagem para o professor atingir durante o ano, bem como
uma divisão curricular em campos de experiência, sendo que a base para a prática docente são
as interações e brincadeiras.
É por meio dessas interações e brincadeiras, que as crianças se socializam com seus
pares, exploram papéis sociais, fantasiam-se, transgridem e perpetuam padrões de gênero, nas
quais são elencados mediante aos estereótipos de masculinidade e feminilidade impostos pela
cultura em que estão inseridas. Conforme Farias (2022, p. 11) acentua

Gênero pode ser entendido como um “elemento constitutivo de relações


sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”, pois o termo
questiona a visão puramente biológica dos sujeitos e destaca o papel da
sociedade na construção das diferenças percebidas entre os sexos masculino
e feminino. Isso inclui as expectativas sobre os comportamentos e
características que acompanham o sexo atribuído a uma pessoa, como, por
exemplo, discursos sobre a mulher ter habilidades naturais para os afazeres
domésticos e cuidado com os filhos, e homens possuírem aptidão para o
mundo do trabalho.
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Posto isto, essa etapa é marcada por essas expectativas de gênero colocadas nas
crianças, mediante comportamentos, ações, gestos, brincadeiras, cores, brinquedos, etc. Um
exemplo dessa situação, são os papéis atribuídos ao menino de somente poder brincar com o
carrinho, e mais especificamente com materiais de cor azul, além de características como
assertividade, independência, coragem, etc., em contrapartida, da menina, que é destinada
segundo a esses papéis, a brincar com a boneca, e ter a cor rosa como ideal para as suas
aquisições, além de receber características vinculadas a delicadeza, organização, etc.
Conquanto, vale salientar que aos meninos, características como desorganização e rebeldia, lhe
são impostas também, sendo esses padrões evidenciados principalmente quando os mesmos
chegam à escola.
À vista disso, tanto a menina quanto o menino acabam sendo rotulados (as) a seguirem
essas categorizações. “Essas expectativas moldam a maneira como meninos e meninas crescem
e também impactam suas interações sociais no ambiente escolar” (Farias, 2022, p. 4). Nesse
sentido, conforme Argüello (2005), ainda existe outro fator que propaga os papéis de gênero
estabelecidos pela sociedade, sendo esse, o de que o gênero masculino é superior em relação
ao feminino. Essa ideia ocasiona em convivências desiguais e conflitantes entre os sexos, o que
acaba sendo entendido como natural.
Corroborando, Finco (2003) destaca que essas categorizações tanto em relação à
superioridade de um gênero em relação ao outro, quanto aos padrões de cores, comportamentos,
etc., associados ao menino e a menina, são colocadas pelos adultos, e defendidas como normais,
devido aos mesmos terem medo da futura escolha sexual das crianças. Posto isto, consoante a
mesma autora, o espaço da Educação Infantil tem a possibilidade de intervenção desses
padrões, visto que as crianças acabam burlando os papéis impostos a elas nesse ambiente e
subvertendo os significados impostos a elas.

A FIGURA DOCENTE E AS CRIANÇAS: PERFORMATIVIDADES E RELAÇÕES


DE PODER

Inicialmente é importante destacar a noção de performatividade de Butler (2003, p. 33),


a qual reflete a existência de um corpo sexuado que realiza uma performance de gênero, ou

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seja, uma atuação que se enquadra no masculino ou no feminino, embora não seja regra devido
à existência de transgressões a essas fronteiras demarcadas. Dessa forma, compreende-se que
na sociedade existem padrões quanto ao ser homem e ao ser mulher, bem como figuras que
rompem com esses ideários e na Educação Infantil não é diferente, já que as crianças ainda
estão aprendendo como se inserirem e se reconhecerem na nos papéis sociais que são atribuídos
aos sexos.
Nessa perspectiva, em todas as instâncias da sociedade, formam-se estereótipos de
gênero que integram o indivíduo como parte de um gênero ou de outro, engessando a forma do
sujeito ser, agir, pensar, sentir, etc., para enquadrá-lo em determinada categoria. Falar desses
estereótipos na perspectiva das crianças é, portanto, refletir sobre como a sociedade pode pouco
a pouco modelá-las para ser um padrão de homem ou mulher. Isso acontece essencialmente em
virtude da socialização da criança a esses padrões – ou despadrões, pois a manutenção dos
estereótipos pode ser quebrada – na mais tenra infância, nas instituições de Educação Infantil.
Na idade pré-escolar, 0 a 5 anos de idade tal como explicitado na LDB, as crianças
estão tendo os primeiros contatos com os ambientes extrafamiliares, formando uma sociedade
menor dentro do universo dos adultos, um microcosmos que é inventado e reinventado pelas
diferentes linguagens infantis, mas que sofre influência adultocêntrica. Esses reflexos ecoam
na formação educacional das crianças, na forma como elas escolhem o brinquedo, de quê e
como brincam, como interagem com o sexo oposto e com seus pares, bem como a formação
da sua personalidade – isso tendo em conta que o propósito da Educação Infantil é garantir à
criança o direito às interações e brincadeiras.
Todas as pessoas que compõem uma escola ajudam a educar os sujeitos que a
frequentam, mas a figura do docente é central nos processos formativos, seja de construção ou
de desconstrução. As crianças chegam na pré-escola com vivências do seio familiar e de outras
instituições sociais e na escola ela tende a reafirmar o que ela aprende cotidianamente em seu
convívio extraescolar ou a desconstruir paradigmas sociais naturalizados, sendo o docente uma
figura de poder para as crianças, pois elas tendem a segui-lo como exemplo e modelo do que
ser e do como ser.
Por isso, em muitos casos o adulto tende a estimular ou ainda esperar uma performance
máscula dos meninos e uma performance feminilizada das meninas. Nesse viés,
Homens e mulheres adultos educam crianças definindo em seus corpos
diferenças de gênero. As características físicas e os comportamentos
esperados para meninos e meninas são reforçados, às vezes
inconscientemente, nos pequenos gestos e práticas do dia-a-dia na educação
infantil (Finco, 2003)

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Atrela-se aos meninos a rebeldia, a agressividade, a insubordinação, apesar de que
também se associa a eles a inteligência, a habilidade e o poder de estar nos espaços públicos e
de prestígio. Em comparação, as meninas são vistas como delicadas e obedientes, destinando
a elas o espaço doméstico e o cuidado com a família – o marido e os filhos – tal como ocorria
durante o período colonial com o patriarcado. Esses estereótipos são reforçados na infância e
prepara a criança para assumir funções em um mundo já organizado e hierarquizado para
receber modelos prontos do ser homem e do ser mulher. Pode-se visualizar isso nas atividades
desenvolvidas na Educação Infantil, meninos que usam azul e brincam de carrinho e meninas
que usam rosa e brincam de casinha.
Lima (2022, p. 207) pontua que é imprescindível uma educação que aconteça de forma
respeitosa e positiva com e para a criança, que quebre cânones dominantes e questione as
estruturas engendradas da sociedade. Não obstante, essa é a fórmula para educar de forma
transversal, criando um espaço harmonioso para a criança, respeitando as suas preferências e a
sua identidade, mesmo que isso não coincida com o que a sociedade espera de cada um dos
sexos. Dessa forma, desenvolve-se uma educação que preconiza pela autonomia e
protagonismo infantil, dois eixos essenciais para a etapa da Educação Infantil.
Nesse contexto é inestimável ao educador uma formação que contemple aspectos como
direitos humanos e diversidade, principalmente para aqueles profissionais que já estão a
bastante tempo em sala e tiveram uma formação inicial rudimentar ou pouco contextualizada
com as demandas da sociedade contemporânea. Até mesmo porque os documentos legisladores
da Educação Infantil negligenciam aspectos da diversidade, como questões de gênero e
sexualidade – tal como muitos pesquisadores e teóricos da área criticam. Nessa conjectura, é
ainda mais pertinente a ação docente para não silenciar essas vertentes em sua prática, já que
há esse apagamento legislativo. Muitos teóricos abordam gênero enquanto construção social,
logo, assim como construíram-se estereótipos e aspectos negativos para a categoria, pode
desconstruí-los.

UM OLHAR PARA A REALIDADE DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A instituição de educação infantil fica localizada no centro da cidade de Canindé de São


Francisco/SE, sendo uma das poucas a ofertar essa etapa de pré-escola, mas a única em esfera
pública. A pesquisa foi realizada com uma turma de 22 crianças sendo ela o I período “A”

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(jardim I). Além disso, foi incluída no estudo a professora Ângela – nome fictício – tendo em
conta as suas interações com as crianças na sala de referência. No período de três dias foi
possível desvelar muitos episódios que transparecem perspectivas normativas de gênero, tal
como as suas origens sociais.
Assim, essa seção tem como objetivo analisar 4 episódios, em formato de mini-
histórias, que ocorreram durante a observação de 3 dias com a turma de I período da professora
Ângela. Cada episódio foi descrito da forma mais similar possível com os fatos, tendo em vista
as descrições feitas em diário de campo. As narrações dos fatos foram divididas em duas partes,
a primeira narra as interações entre as crianças e a segunda as interações entre a professora e
as crianças.
Existe um discurso binário que separa características e performances para meninos e
para meninas, as quais partem geralmente de estereótipos naturalizados pelas vivências em
sociedade, tal como evidenciam as mini-histórias 1 e 2.

As mini-histórias 1 e 2 retratam como as crianças desde cedo internalizam estereótipos


de gênero como forma de se inserir na sociedade dos adultos. Isso quer dizer que conforme a
criança vai se inserindo no meio social, ela tende a assimilar preceitos e normas sociais que a
integram como parte do gênero masculino ou feminino. Trata-se, portanto, de uma
aprendizagem que começa na mais tenra idade e se estende por toda a vida, visto que as crianças
tendem a performar comportamentos que são considerados corretos para o seu sexo biológico.
Butler (2014, p. 253) relata que

Dizer que gênero é uma norma não é exatamente o mesmo que dizer que
existem visões normativas de feminilidade e masculinidade, mesmo que tais
visões normativas claramente existam. Gênero não é exatamente o que
alguém “é” nem é precisamente o que alguém “tem”. Gênero é o aparato pelo
qual a produção e a normalização do masculino e do feminino se manifestam

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junto com as formas intersticiais, hormonais, cromossômicas, físicas e
performativas que o gênero assume.

Logo, compreende-se que gênero se trata de aprender a performar o masculino e o


feminino, o que confere fluidez e dinamicidade a essa categoria, bem como a possibilidade de
subverter estereótipos e crenças que traçam caminhos prontos para as crianças. Na mini-história
1 as crianças se identificam com os estereótipos de gênero demarcados aos seus sexos, sendo
que a menina age de forma dócil e indefesa enquanto que o menino de forma agressiva. Porém,
na mini-história 2, ocorre uma quebra de expectativa já que o menino brinca com o “negocinho
roxo” e vai de contra com o estereótipo. Esses dois episódios comprovam a ideia de Butler
(2014) que o masculino e o feminino são produções, logo são construções fluidas que podem
ser subvertidas pelos sujeitos.
Ferreira (2002, p. 117) aborda que as crianças tendem a se organizar em “grupos
homossociais de género” que são, por sua vez, segregados porque um grupo comporta os
meninos e o outro as meninas. Desse jeito, entende-se que as crianças se enxergam em um
mundo de significados, regras e certos e errados que as compreendem enquanto parte do gênero
masculino ou feminino, isso em uma relação de oposição que não as permitem se misturas com
pares de sexo oposto. Por isso é importante uma postura docente que estimule e promova um
ambiente de interações saudáveis entre meninos e meninas, rompendo também com ideias de
que existem formas corretas de performar o ser menino ou o ser menina, bem como a existência
de “coisa de menino” e “coisa de menina”, assim como evidenciado na mini-história 2.
Nessa conjuntura, o profissional que atua junto às crianças é ponto-chave para a
desconstrução ou manutenção de práticas estereotipadas de gênero, assim como observa-se nas
mini-histórias 3 e 4

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É muito comum ouvir que mulheres dirigem mal os veículos, esse é (pre)conceito de
origem sexista que discrimina a figura feminina com base apenas no seu sexo. O sexismo tem
suas bases no patriarcado, sistema hierárquico com base no sexo que coloca o homem acima
da mulher, estabelecendo relações de poder e desigualdades. É relevante compreender isso,
pois nas mini-histórias (figura 2) percebe-se uma camada sexista que comanda as ações da
professora Ângela e das suas crianças, isso de forma inconsciente e simbólica, dado que essa é
uma construção social e histórica.
A dúvida expressada pelas crianças ao pintarem o carro de cores diferentes (figura 2),
os meninos de azul (expressando a sua propriedade sobre o carro) e as meninas ora de azul ora
de rosa, revela agentes que corroboram com o ideal de que carro é coisa de meninos/homens.
Isso porque os meninos não tiveram dúvida, mas as meninas se dividiram em dois grupos: as
transgressoras (pintaram o carro de rosa) e as normatizadas (pintaram o carro de azul). Esse
simbolismo é expresso também nas brincadeiras quando as meninas são impedidas, tanto por
outras crianças quanto pelos adultos, de brincar com carros.
De acordo com Di Flora (2010, p. 107), existe uma força simbólica sobre os corpos que
vai além de uma coação física, pois ela é invisível aos olhos, tal como evidenciado pelas
minihistórias, nas quais as crianças são guiadas por essa magia invisível que as classifica
normatizados/normatizadores e transgressores de um padrão. Outrossim, houve um
silenciamento da professora perante a questão porque se ela trouxesse para a sua explicação
que tanto homens quanto mulheres podem dirigir, não haveria essa confusão.
Assim, tendo em conta as discussões feitas no percurso desta seção, percebe-se a
existência de padrões naturalizados socialmente quanto ao ser homem/menino e ao ser
mulher/menina, isso permeia as relações no âmbito escolar porque são práticas vigentes em
todas as instituições sociais. Além disso, é perceptível que a escola acaba por corroborar para
a manutenção de estereótipos de gênero, tendo em conta o seu despreparo ou desconhecimento
para lidar com essas questões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de tudo, é notório destacar que a escola é repleta por diversidades culturais,
sociais e históricas, além de ser um espaço de socialização e compartilhamento de
conhecimento, a qual as crianças são diariamente expostas. Como aludido anteriormente, a
criança não era entendida como sujeito detentor de escolhas, a ela restava seguir os caminhos
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que os adultos trilhavam. No entanto, nesse ínterim, surgiu a compreensão da criança agora
como sujeito de direitos.
A longo do tempo, as mudanças em relação à criança/infância, ocasionaram na oferta
da Educação Infantil, não obstante, mesmo que as questões sobre o reconhecimento e
valorização da criança tenham sido compreendidas, existem outras situações que podem limitá-
la, como os papéis de gênero predestinados a ela pela cultura em que estão sendo inserida.
Nesse sentido, o artigo perscrutou em analisar as relações de gênero na EI partindo de
observação com as crianças e análise de episódios em uma turma de pré-escola na cidade
Canindé de São Francisco/SE.
A partir da análise dos dados obtidos percebeu-se a existência de padrões quanto às
performatividades do masculino pelos meninos e do feminino pelas meninas, além de
transgressões a esse ideal, comprovando que gênero é uma construção social que pode ser
naturalizada ou ainda desconstruída pelos sujeitos. Além disso, compreende-se pelos dados e
a discussão proposta que o docente desenvolve papel fundamental para a manutenção ou
desconstrução de estereótipos, especialmente porque ele está na base das experiências e
aprendizagens propostas às crianças.
Em suma, essa pesquisa patenteou a existência de papéis de gênero, além de percepções
que acabam reduzindo a maneira como as crianças veem o mundo e a si próprias. O estudo
cumpriu com os objetivos elencados inicialmente, tendo em vista a exploração dos dados
coletados, bem como as discussões propostas ao longo das seções. Sendo ele de suma
importância para alargar mentalidades e contribuir para a expansão de outras pesquisas da área,
tendo em vista que o conhecimento não é estático. Por fim, é considerável destacar as
limitações desta produção, tendo em conta que não é humanamente possível esmiuçar todos os
ângulos possíveis dos dados coletados, abrindo assim possibilidade para um futuro
aprofundamento.

REFERÊNCIAS

ARGÜELLO, Zandra Elisa Argüello. Dialogando com crianças sobre gênero através da
literatura infantil. Porto Alegre – RS: UFRGS, 2005.

ARIÈS, Philippe. História Social da criança e da família. Tradução: Dora Flaksman. 2. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

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BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017.

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educação nacional. Brasília: Presidência da República, [1996]. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 06 de janeiro de 2023.

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Nacionais para a Educação Infantil / Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB,
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Disponível em:
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FINCO, Daniela. Relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na Educação


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TRANSFOBIA ESTRUTURAL E SEUS ASPECTOS NO COTIDIANO


DOS MILITARES TRANSGÊNEROS BRASILEIROS: AÇÕES DO
LABORATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS, GÊNERO E
SEXUALIDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

Douglas Verbicaro Soares


José Eduardo Aragão Santos

INTRODUÇÃO

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Os direitos dos militares transgêneros têm sido um tema carente de discussão no
Ordenamento Jurídico brasileiro. A questão da identidade de gênero e a inclusão de pessoas
trans nas Forças Armadas têm gerado debates sobre políticas de igualdade, diversidade e
Direitos Humanos. Fato que atesta a necessidade de desenvolvimento de pesquisas que
visibilizam as problemáticas que estão relacionadas com a temática do presente trabalho:

Não obstante, nas últimas décadas do século 20, a produção de estudos


científicos permitiu mudanças de pensamentos sobre a transexualidade e as
pessoas transgêneros, que desenvolveram nas áreas das Ciências Biológicas,
principalmente, novos debates sobre o que antes era considerado como
doença e depravação, foi cedendo espaço para o entendimento da questão
sobre a proteção dos estudos de gênero suas identidades (VERBICARO
SOARES, 2021, p. 40).
Até recentemente, as pessoas trans enfrentavam diversas barreiras para servir nas
Forças Armadas brasileiras, devido a regulamentos que restringiam a presença de indivíduos
que não se encaixassem nos padrões de gênero designados ao nascer.

É notório que houve, principalmente nos últimos anos, uma ascensão da


temática nas discussões da sociedade brasileira sobre as pessoas transgêneros,
seja pelas manifestações reivindicatórias por direitos iguais ou acesso a
direitos específicos, como a possibilidade de modificação do sexo biológico
de uma pessoa com identidade de gênero (mediante procedimentos
cirúrgicos) ou até mesmo na possibilidade de modificação do registro com
um nome social que se adéque às realidades físico/psicológicas de muitos
indivíduos (VERBICARO SOARES, 2021, p. 40).

Essas mudanças relatadas acabaram se chocando com estruturas seculares e rígidas de


preceitos de hierarquia e disciplina (VERBICARO SOARES, 2024, p. 75), basilares das Forças
Armadas. Por ser a questão da identidade pouco visibilizada ainda na atualidade, se reconhece
que o desconhecimento geral sobre a mesma implicou na necessidade de discutir e buscar um
diálogo para a adequação do quesito incorporação e integração das pessoas transgênero no
espaço militar. Desde 2018, com a possibilidade de homens trans realizarem o alistamento
militar (VERBICARO SOARES, 2019) para lograr ter a carteira de reservista representou um
início para essa tratativa entre a temática de identidade de gênero e Forças Armadas. Destaca-
se que em 2018, a Organização Mundial da Saúde implementou a orientação de que a
transexualidade deixaria de ser considerada como distúrbio mental. Conduta essa que ajuda em
desconstituir estigmas para as pessoas trans no contexto internacional e no Brasil (O GLOBO,
2018).

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No entanto, em 2020, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF)35
reconheceu a inconstitucionalidade dessa restrição, afirmando que a exclusão de pessoas
transgênero das Forças Armadas violava princípios constitucionais como o direito à igualdade
e à não discriminação. Após essa decisão, houve uma intenção de avanço no reconhecimento
dos direitos das pessoas trans no âmbito militar, incluindo debates sobre a regulamentação de
sua participação, acesso a tratamentos de saúde e questões relacionadas ao nome social e à
identidade de gênero dentro das Instituições militares. Apesar dessa intenção de avanços, a
efetiva implementação de políticas inclusivas e a garantia plena dos direitos das pessoas
transgênero nas Forças Armadas não lograram êxitos reais.
Essa realidade discriminatória vem perpetuando as práticas de aposentadorias
compulsórias de pessoas transgênero nas esferas militares, vulnerabilizando ainda que militares
trans enfrentem desafios, incluindo resistência cultural por parte de companheiros militares, na
necessidade de treinamento e conscientização na formação de militares sobre gênero e suas
identidades, além da regulamentação precisa para assegurar a plena igualdade e respeito às a
atualidade, pois pessoas trans não conseguem ingressar nas Instituições das Forças Armadas,
tornando limitados os impactos nas legislações sobre o Direito Castrense e em suas normas da
administração militar.
Os casos que serão relatados no próximo tópico do estudo são de militares mulheres
transgênero que ingressaram previamente no serviço militar e depois exteriorizaram suas
identidades de gênero. Situações essas que desencadearam posturas contraditórias por parte das
Forças Armadas, com a alegação de perseguições internas, violências psicológicas e físicas,
etc.
O debate sobre os direitos dos militares transgêneros no Brasil continua em
desenvolvimento, refletindo não apenas uma mudança nas políticas militares, mas também em
um movimento mais amplo em direção à igualdade de gênero e à proteção dos Direitos
Humanos no país.
Em uma conjuntura preocupante, o Brasil ocupa a liderança em rankings de violações
de direitos, violências múltiplas, assassinatos e exclusão de participação na sociedade brasileira

35
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, possibilitou a interpretação conforme a Constituição
Federal ao artigo 58 da Lei 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, no sentido de ser possível a
alteração de prenome e gênero no registro civil mediante averbação no registro original, independentemente de
cirurgia de transgenitalização. Por outro lado, frágeis são os esforços em aceitar e integrar os militares
transgêneros dentro das Forças Armadas. Igualmente difícil é compreender que as pessoas trans não logram
ingressar nos exames de seleção para o serviço militar. Fato que coloca o país e o Estado brasileiro em uma postura
de omissão e descaso para o respeito aos Direitos Humanos, uma vez que a identidade de gênero não pode atestar
a aptidão ou não de um indivíduo para o serviço militar.
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(BENEVIDES, 2023, p. 12-13). Desse modo, frente à deficiência em oferecer políticas públicas
ou ações nas áreas de saúde, Direitos Humanos e educação que contribuam para erradicar as
mortes violentas e proporcionem igualdade cidadã à comunidade LGBQTIAP+, como exposto
no Relatório Parcial - Nº 001/2021 do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil
(OBSERVATÓRIO DE MORTES VIOLENTAS DE LGBTI+ NO BRASIL, 2023). E, nessa
realidade, as pessoas transgênero sofrem como os estigmas que as caracterizam supostamente
como possuidores de menos direitos em relação aos demais cidadãos, em destaque nas questões
de respeito à dignidade humana, com impactos negativos nos aspectos familiares, educacionais,
laborais, saúde, etc.
Por essa razão, o desenvolvimento de ações efetivas é importante para mudanças de
paradigmas e, com essa ideia, o Laboratório de Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade
(LADIHGES/UFRR), através de uma Universidade Pública em formar estudantes e a
sociedade de Roraima na implementação de um ensino público em Direitos Humanos
(VERBICARO SOARES; SILVA; SOUZA, 2023, p. 99), seja através de suas ações de ensino,
pesquisa e extensão. Nessa conjuntura, desde 2021 mais de 100 (cem) trabalhos em temas de
sensíveis abarcados pelo Laboratório foram publicados, entre os mesmos, investigações que
versam sobre a identidade de gênero e Forças Armadas.

Na falta de políticas públicas consistentes e articuladas, a universidade


cumpre com um papel muito importante que, por óbvio, não visa substituir as
primeiras, mas que sempre problematiza suas falhas, faltas e contribui para a
luta política de garantia por direitos (CAMPOS; WIECKO, 2022, p. 9).

Com essa conjuntura será de fundamental relevância estudar e compreender os direitos


dos militares transgêneros como parte essencial da busca por igualdade, inclusão e respeito à
diversidade nas Instituições militares e na sociedade como um todo. A análise desses direitos
não apenas promove a justiça social, mas também, fortalece a democracia ao desafiar e
desmantelar preconceitos arraigados historicamente (VERBICARO; SOARES, 2019, p. 13-4)
e discriminações estruturais. Ao estudar a situação dos militares transgêneros, se pode
identificar lacunas legais, examinar as políticas existentes e propor mudanças significativas que
visem garantir o pleno exercício dos Direitos Humanos desses indivíduos. Além disso, o estudo
desses direitos contribui para o avanço de um ambiente mais inclusivo e respeitoso dentro das
Forças Armadas, promovendo um espaço onde todos os membros, independentemente de sua
identidade de gênero, se sintam valorizados e capacitados para servir à nação. Com essa
reflexão, válidos são os argumentos:
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A identidade de gênero é central para a vida pública e privada de qualquer ser
humano, não apenas para as pessoas trans, independentemente de anatomia
ou fisiologia. Não reconhecer as vivências trans leva a, como vimos,
constrangimentos, sofrimento, apartação, assassinatos, e também, a suicídios,
pouco estudados no Brasil (JESUS, 2016, p. 544).

A pesquisa se iniciou com os trabalhos de pesquisa, ensino e extensão na Universidade


Federal de Roraima – UFRR, sobretudo nas ações do Núcleo de Práticas Jurídicas e Defesa dos
Direitos Humanos - NPJDH (2019-2022) e do Laboratório de Direitos Humanos, Gênero e
Sexualidade - LADIHGES (2021-atualmente) têm sido indispensáveis para a continuidade nos
estudos sobre Direitos Humanos, gênero e sexualidade, continuando a pesquisa com o projeto
de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília –
UnB (2023).
Para a investigação foram empregadas as pesquisas bibliográfica, documental e
doutrinaria, com uma abordagem qualitativa. Para isso, será realizado um levantamento
bibliográfico de literatura nacional e estrangeira, sob confluência multidisciplinar devido ao
tema proposto. Para a investigação se buscou responder a seguinte indagação: como se plasma
a homotrasfobia estrutural e seus aspectos no cotidiano dos militares transgêneros brasileiros?

A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOTRANSFOBIA E O SERVIÇO MILITAR


BRASILEIRO

Não obstante, nas últimas décadas dos séculos XX e XXI, a produção de estudos
científicos permitiu mudanças de pensamentos sobre a transexualidade e as pessoas
transgênero, que desenvolveram nas áreas das ciências biológicas e jurídicas, principalmente,
novos debates sobre o tema, que antes, era considerado como doença e depravação, foram
cedendo espaço para o entendimento da questão sobre a proteção dos estudos de gênero suas
identidades não apenas no contexto internacional, mas também no Brasil.
Nesse sentido, notou-se que com a evolução histórico-cultural e religiosa pelo mundo
(VERBICARO SOARES, 2019, p. 15), propiciou o aprimoramento e o desenvolvimento de
novas interpretações sobre a questão da transexualidade em distintas áreas da ciência, fazendo
com que as novas gerações se deparassem com sua evidenciação e aceitassem, mais facilmente,
a diversidade inerente às pessoas transgênero. Mas o caminho para um efetivo processo de
integração desses indivíduos ainda faz parte da reivindicação do coletivo LGBTQIAP+
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(lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais e outros)
no Brasil e internacionalmente.
Com os esforços de reverter a preocupante realidade das pessoas trans, se explicita no
presente estudo o exemplo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26 (ADO
n. 26), que consistiu em uma provocação jurídica, através da via judicial, movida pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 (BRASIL,
2019). Em termos práticos, a ADO n. 26 pugnava que o Supremo Tribunal Federal impusesse
um prazo para que o Congresso Nacional criasse uma lei específica para criminalizar a
homofobia e a transfobia, uma vez que, até então, esses crimes não eram tipificados de forma
clara na legislação brasileira.
Desse modo, em junho de 2019, o STF decidiu, por unanimidade, que a homofobia e a
transfobia deveriam ser equiparadas ao crime de racismo36 até que uma lei específica fosse
concebida pelo Congresso Nacional. A decisão teve repercussão e produção de efeito geral, ou
seja, deve ser aplicada por todos os tribunais do país em casos semelhantes. Nesse toar, convém
destacar que a insuficiente atuação dos poderes públicos perante a democracia constitucional
tem levado ao surgimento de questões dilemáticas sobre o sistema político e jurídico. Assim
sendo, a proeminência do Poder Judiciário, especialmente após a ascensão do
neoconstitucionalismo37. Desse modo, a criminalização da homotransfobia representa um
marco importante na luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+ no Brasil. No entanto, a
efetividade dessa medida ainda é pouco aplicada frente ao grande número de relatos e casos de
denúncias e práticas discriminatórias. Dessa forma, sua efetividade e colocada em
questionamento.
Nos questionamentos sociais, em especial nas últimas décadas, houve uma ascensão da
temática nas discussões da sociedade brasileira sobre as pessoas transgênero, seja pelas
manifestações reivindicatórias por direitos iguais ou acesso a direitos específicos, como a
possibilidade de modificação do sexo biológico de uma pessoa com identidade de gênero
(através de procedimentos cirúrgicos) ou até mesmo na possibilidade de modificação do
registro com um nome social que se adeque às realidades físico/psicológicas de muitos
indivíduos. Por outro lado, insuficientes ainda são os esforços para reverter a situação da não
aceitação da identidade de gênero no âmbito das Forças Armadas. Portanto, a atualidade do

36
Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
37
Segundo Canotilho (2006), o neoconstitucionalismo representa uma mudança paradigmática no direito
constitucional, colocando a Constituição no centro do sistema jurídico, conferindo-lhe força normativa e tornando-
a um instrumento de transformação social.
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tema rege a viabilidade de implementar um diálogo interno no país sobre os temas relacionados
às pessoas trans e, inclusive, buscar entender o contexto internacional de possíveis medidas de
proteção dessas pessoas vulnerabilizadas.
Nesse aspecto, as modificações também são estendidas às orientações normativas
adotadas pelo Governo Brasileiro no ano de 2018, com a possibilidade de pessoas transgênero
masculinos pudessem se registrar nas Instituições Militares, como já ocorria com a
obrigatoriedade dos homens brasileiros no serviço militar do país. Pese essa situação, não se
vislumbrou qualquer incentivo à aceitação de ingresso de militares transgêneros nas Forças
Armadas brasileiras.
A VISIBILIDADE DE MILITARES TRANSGÊNEROS NAS FORÇAS ARMADAS
BRASILEIRAS

O primeiro caso a ser visibilizado na investigação foi o de Maria Luiza na década de


1990, quando os militares iniciaram sua luta judicial contra a decisão da Instituição militar de
retirá-la sumariamente. Este caso tornou-se um dos primeiros a tornar visíveis as dificuldades
enfrentadas por uma pessoa trans para continuar no desempenho de suas funções como militar
nas Forças Armadas do país. Nesse sentido, anos depois, Maria Luiza tornou-se pioneira em
mostrar que o serviço militar, independe das questões de gênero e/ou de suas identidades para
o pleno exercício de suas atividades. Infelizmente, por mais que a decisão final em seu caso
fosse autorizar sua reintegração, a manifestação veio tardia, o que deu devido à idade a
ineficácia da determinação, culminando com a situação de Maria Luiza ser levada diretamente
para a reserva da Instituição (ANDRADE, 2020).
Em realidade semelhante, o caso de Bianca Figueira, uma mulher transgênero, que
também passou por uma reforma obrigatória nas Forças Armadas, especialmente na 8 Marinha,
em 2008 (YOUTUBE, 2020). Com essa realidade válida será a explicitação de relato
discriminatório: Naquela época, a transexualidade ainda era considerada uma doença mental.
Ele estava aposentado por motivo de doença. Embora não houvesse nenhum tipo de estudo que
dissesse que era uma "doença" incapacitante, foi o que eles fizeram (ZURUTUZA, 2021).
Nesse contexto o caso de Bruna Benevides pode ser um diferencial, pois ela é uma das
pioneiras em exercer uma mulher trans no desempenho da função militar, no caso na Marinha
do Brasil. Essa realidade, ao contrário dos relatos de Maria Luiza na Força Aérea Brasileira e
Bianca Figueira na Marinha, que não conseguiram efetivar em torno delas quando serviram nas
Forças Armadas, Bruna Benevides está no desempenho do serviço dentro das Forças Armadas,

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também por determinação judicial (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS, 2020).
Com essas conjunturas explicitadas no estudo, o caso da Major Renata Gracin, do
Exército, até então representa um diferencial nos episódios de obstáculos que impedem a
efetiva integração de pessoas trans nas instituições militarizadas no Brasil, pois no Exército
não foi reformada e continua atuando como militar no Hospital Militar de São Paulo
(VERBICARO SOARES, 2024, p. 181-2), demonstrando que a identidade de gênero não é
fator determinante para o pleno exercício do trabalho militar. Caso esse que poderia servir de
exemplo para outras situações semelhantes de militares transgêneros no país e, também, nas
Forças Armadas de outros países.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Faz-se necessária a busca de instrumentos para a educação nos temas de gênero,


identidades de gênero e diversidade sexual, para que a sociedade brasileira como um todo,
possa aprender a respeitar em valores de Direitos Humanos e sexualidade, em especial nas
Forças Armadas.
Por essa razão, será importante uma real implicação de toda a comunidade em
estratégias para que esses anseios não fiquem apenas em desejos e sim, que possam ser
concretizados como uma tarefa comum em liberdade e na igualdade de oportunidades, sem
sofrer preconceitos e discriminações contra a transexualidade e as pessoas transgênero
(MARCON et al., 2016, p. 298).
O tema das pessoas transgênero nas Forças Armadas é complicado. Ainda é precoce,
pois não se encontrou nenhum caso de pessoas transgênero masculinos que tenha ingressado
nas Forças Armada Brasileira para a realização do trabalho militar após a possibilidade de
registro no alistamento militar de 2018.
No sentido oposto, existem denúncias de militares que realizaram procedimentos para
a modificação do sexo ou que exprimiram o desejo de realizá-las e que foram supostamente
excluídos do serviço ativo do quadro de funcionários. Para alguns desses casos, o Ministério
Público Federal fez recomendações ao Comando Militar e pediu providências para o combate
às condutas discriminatórias e à transfobia nos quartéis.
Entre as sugestões estariam a não consideração da transexualidade como fator de
reforma de militares e/ou incapacitante para o desempenho do serviço militar, a criação de
programas de reabilitação ou transferência de militares trans para ocuparem outros cargos, e

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coibir políticas internas que exclua das Instituições militares pessoas transgênero (Inquérito
Civil nº 1.30.001.00052/014-11 – Notificação/recomendação PRDC/RJ/Nº 04/2017 de 21 de
novembro de 2017). De maneira insatisfatória, os relatos de militares transgêneros que temem
expressar suas identidades, fazendo com que escondam e vivam segundo os róis de seus sexos
biológicos, demonstram que o problema da integração e aceitação de militares transgêneros é
múltiplo e interseccional, apresentando uma carência nas tratativas para reverter posturas e
ações preconceituosas e discriminatórias das Forças Armadas no Brasil.
De igual modo, a investigação aponta que o LADIHGES vem apresentando impactos
na formação humana, em destaque com alunos formados para dialogar sobre os róis e modelos
estruturais que obstaculizam a igualdade em questões dos temas abarcados pelos Direitos
Humanos, que constituem importância não somente na conscientização e no combate às
discriminações de gênero e sexualidade em Roraima. A ação do Laboratório permite um
questionamento social sobre a temática da identidade de gênero nas Forças Armadas do país.
Assim sendo, o presente estudo, ao visibilizar os obstáculos sofridos pelas pessoas transgênero
no país em eventos científicos nacionais e internacionais promove uma valiosa reflexão sobre
a efetividade dos Direitos Humanos, em especial no âmbito militarizado. Da mesma forma, os
incentivos à produção científica sobre temas de identidade de gênero são imprescindíveis para
a identificação, controle e apresentação de alternativas para combater os problemas oriundos
do desconhecimento social e na busca pelo respeito aos Direitos Humanos das pessoas trans.
Pesem esses resultados, se reconhece a importância de apresentar caminhos para
entender os aspectos inerentes ao gênero e suas identidades. Por essa razão, essa 10
investigação almeja cumprir com esse objetivo de sensibilizar em temática sensível e relevante
para o país e para as Forças Armadas.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS. Visibilidade Trans: Conheça Bruna Benevides, a


primeira mulher trans na ativa da Marinha brasileira. 2020. Disponível em: . Acesso em: 12 de
janeiro de 2024.

NDRADE, R. In.: Metrópoles. Brasilienses transexuais fortalecem luta por


representatividade. Disponível em: . Acesso em: 12 de janeiro de 2024.

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BENEVIDES. B. G. Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras
em 2022 / Bruna Benevides. ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) –
Brasília, DF: Distrito Drag; ANTRA, 2023, 109 p.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275.


2020. Disponível em: . Acesso em: 10 janeiro de 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, n.


º 26. 2019. Disponível em: . Acesso em: 10 janeiro de 2024.

CAMPOS, C. H. de; WIECKO, E. V. de C.; MACHADO, I. V. Violência de gênero e


pandemia. In.: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 30 (2), p.1-12. 2022.

CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da Constituição. Almedina, 2006.

JESUS, J. G de. Operadores do direito no atendimento às pessoas trans. In.: Direito & Práxis.
Vol.07, nº 15, p. 537-556. 2016.

MACHADO, H. B. Introdução ao estudo do direito. São Paulo, Brasil, Editora Atlas, 2004,
244 p.

MARCON, A. N.; PRUDÊNCIO, L. E. V.; GESSER, M. Políticas públicas relacionadas à


diversidade sexual na escola. In: Psicologia Escolar e Educacional. São Paulo, Brasil. Vol.
20, Nº 2, maio/agosto, p. 291-301. 2016.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Notificação/recomendação PRDC/RJ/Nº 04/2017.


Disponível em: . Acesso em: 10 janeiro de 2024.

OBSERVATÓRIO DE MORTES VIOLENTAS DE LGBTI+ NO BRASIL, 2023. Dossiê de


Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil em 2022. Disponível em: . Acesso em: 10
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O GLOBO. Transexualidade sai da categoria de transtornos mentais da OMS. 2018.


Disponível em: . Acesso em: 13 janeiro de 2024.

SOARES, D. V. Estudio sobre la orientación homosexual, género y sus identidades em las


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dos Direitos Humanos no Brasil. Salamanca, Espanha. Tesina – Grado da USAL.
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2015, 791 p.

VERBICARO SOARES, D. Transgêneros e Forças Armadas brasileiras: os caminhos para a


inclusão social dessas pessoas na sociedade brasileira. In.: Revista Direitos Humanos E
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VERBICARO SOARES, D; SILVA, W. V De A.; SOUZA, J. F. La implementación de


proyectos de enseñanzas internacionales sobre sexualidad en el Centro de Prácticas Jurídicas
de la Universidad Federal de Roraima. In.: Revista Pensamento Jurídico, São Paulo, Brasil,
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ZURUTUZA, A. In.: Campo Grande News. Advogada que conquistou vitória para trans já
foi chamada de “doente” na Marinha. Disponível em: . Acesso em: 08 de janeiro de 2024.

EMPODERADAS: CRIANDO UM JOGO QUE É UMA FERRAMENTA


DE PEDAGOGIAS CULTURAIS FEMINISTAS E ANTI-RACISTAS

Juliana Barbosa e Queiroz

Resumo: A pesquisa iniciou-se como o objetivo de explorar a aplicabilidade de jogos no


ambiente educacional, motivada pela atratividade desses em relação à educação tradicional,
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segundo estudiosos como (PETRY, 2019), (ALVES, 2015), (ALVES; COUTINHO, 2019),
(KAPP; BOLLER, 2018). O foco foi a construção e teste de um jogo educacional abordando
temas como empoderamento feminino, racismo e violências de gênero. A base teórica incluiu
a Pedagogia Cultural de (ANDRADE, 2016), que destaca a produção de conhecimento como
geradora de movimentos nos sujeitos. A escolha do conteúdo do jogo visou instigar reflexões
sobre igualdade de gênero. A pesquisa levantou a questão se um jogo poderia estimular o
empoderamento e aprendizado sobre igualdade de gênero. Foi utilizada a pesquisa-ação
participante, a autora buscou interação cooperativa. A pesquisa de campo envolveu técnicas
como grupo focal e análise de conteúdo para atestar o protótipo do jogo. O jogo aborda questões
sérias usando a linguagem dos games para tornar o aprendizado atraente. A conclusão destaca
não apenas a construção do jogo educacional, mas também a evolução pessoal e profissional
da pesquisadora ao longo do processo.

Palavras-Chave: Jogo de tabuleiro – Educação – Pedagogia Cultural – Feminismo – Gênero.

AS CONSEQUÊNCIAS DA PÓS-POLÍTICA: Um Olhar sobre a


Comunidade LGBT+
João Pedro Theves

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo entender as consequências para a comunidade
LGBT+ da transformação do cenário político através da óptica da pós-política. O trabalho
mostra sua relevância ao refletir sobre uma realidade social e política de uma parcela da
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sociedade que a muito é perseguida e violentada, e tendo seus direitos, a muita luta
conquistados, em risco de serem eliminados. Para isso se fará uso de revisão bibliográfica,
contemplando trabalhos que discutam a questão da pós-política, sobre pânico moral e sobre os
direitos da comunidade LGBT+ no Brasil. Até o momento foi possível perceber que a pós-
política enquanto um processo de transformação do cenário político traz consigo inúmeras
consequências, pois, ao encarar seus adversários como inimigos, visa sua eliminação e não a
convivência mútua de direitos para com eles. A pós-política se constrói sob narrativas de pós-
verdade, as quais geram uma despolitização, deslegitimando o antagonismo do fazer
democrático que é constitutivo de projetos políticos e. desta forma, se colocando enquanto uma
forma não só anti-democrática, como também contra os direitos humanos. Dito isso, pode-se
concluir que a pós-política tem inúmeras consequências a comunidade LGBT+ tanto na
perseguição de seus direitos, quanto dos indivíduos que a compõem.

Palavras-chave: Pós-política. Comunidade LGBT+. Pânico Moral. Direitos Humanos.

INTRODUÇÃO
Embora historicamente se tenha conhecimento da existência de relações e indivíduos
LGBT+ ao longo das eras humanas e da história, é muito comum no discurso social, político
e/ou religioso as tentativas de invisibilização dessa nossa história. Da mesma forma, esse
mesmo discurso é usado para invisibilizar-nos no presente, para tentar (e às vezes efetivamente
conseguir) caçar nossos direitos e restringir acesso a espaços que por muita luta conquistamos.
Por isso, o presente trabalho tem como objetivo entender as consequências para a
comunidade LGBT+ da transformação do cenário político através da óptica da pós-política.
Para isso, se fará uso de revisão bibliográfica, coletando obras e trabalhos que contemplem
temáticas como a pós-política (apolítica), que discutam a questão do pânico moral,
principalmente no que se refere a como essa forma de discurso é usada dentre conservadores
(na mobilização muitas vezes, da besta da ideologia de gênero) e sobre a comunidade LGBT+
no Brasil, principalmente no que se refere a discutir e elencar seus direitos e conquistas. O
trabalho mostra sua relevância ao refletir sobre uma realidade social e política de uma parcela
da sociedade que a muito é perseguida e violentada, e tendo seus direitos, a muita luta
conquistados, em risco de serem eliminados.

A COMUNIDADE LGBT+ NO BRASIL


A décadas enfrentamos uma instabilidade política, principalmente na última década, e
não contribui em nada para a “garantia” de seguridade de nossa população a reconcia do Brasil
no topo das taxas mundiais de mortes contra a população LGBT+. Conforme aponta o
Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, em um dossiê de 2022, o Brasil
segue a 14 anos sendo o “campeão” na taxa mundiais de mortes (motivadas por crime de ódio)
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contra a comunidade LGBT+, tendo como maiores alvos mulheres trans, travestis e homens
gays.
Conforme aponta o dossiê foram registradas “273 mortes de pessoas LGBT, sendo 228
homicídios, representando 83,52% do total, 30 suicídios, que corresponderam a 10,99% dos
casos e outras 15 mortes, 5,49% dos casos (OBSERVATÓRIO DE MORTES E VIOLÊNCIAS
LGBTI+ NO BRASIL, 2022)”. Além disso, também nos mostra que no que se refere ao perfil
das vítimas percebe-se que independente de raça/ etnia (tendo registros de pessoas brancas,
negras e indígenas), faixa etária ( tendo registro de 13 a 75 anos) e profissão (tendo registro de
mais de 40 ocupações diferentes), podemos todos ser vítimas de violência (OBSERVATÓRIO
DE MORTES E VIOLÊNCIAS LGBTI+ NO BRASIL, 2022). Dessa forma, esse dossiê
nos mostra principalmente a necessidade primeiro, de conquistar direitos, mas principalmente,
de conseguirmos acessá-los. Da mesma forma, a necessidade de conquistarmos espaços, dentre
eles, o palco político. Isso porque, uma das formas de revertermos esse cenário é através da
política, através da transformação do cenário político. Se quisermos reduzir dados preocupantes
como esse, precisamos de políticas públicas. Políticas multisetoriais, transversais, que pensem
em educação, saúde, segurança, empregabilidade, etc. Se pensarmos no maior alvo dentro das
vítimas são as mulheres trans e travestis, marcadas por uma exclusão social, uma vida cheia de
“obstáculos de diferentes naturezas, como a dificuldade de acesso à educação e ao mercado de
trabalho formais, assim como a falta de oportunidades em função da condição de travestilidade
e transexualidade dessas pessoas (OBSERVATÓRIO DE MORTES E VIOLÊNCIAS LGBTI+
NO BRASIL, 2022)”.

A PÓS POLÍTICA E O DISCURSO POLÍTICO “CONSERVADOR”

A pós-política, enquanto conceito, ou até melhor, enquanto uma forma de se perceber


o cenário político e, ainda, especificamente a política democrática é proposto por Chantal
Mouffe. Em sua obra a autora separa a “política” do “politico”, para tentar entender as
importantes distinções entre esses dois termos. O fato de fazer essa distinção sugere que
existem dois tipos diferentes de abordagem: “o da ciência política, que lida com o campo
empírico da "política", e o da teoria política, esfera de ação dos filósofos, que não investigam
os fatos da "política", mas a essência do "político (MOUFFE, 2015)". Ao pensar o político,
mais precisamente, quando pensamos-o a partir do regime democrático, temos que reconhecer
seu caráter antagônico. Desta forma, torna-se necessário entender que uma das principais

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características deste fazer político é a existência mútua de posições antagônicas e,
principalmente, a garantia de direitos políticos a todos essas posições antagônicas presentes
no jogo político.

Na análise das consequências da negação do antagonismo em diversas áreas, tanto na


teoria como na política. Estou convencida de que imaginar o objetivo da política
democrática em termos de consenso e reconciliação não é somente um equívoco
conceitual, mas também algo que envolve inúmeros riscos políticos. O anseio por um
mundo no qual a dicotomia nós/eles estaria superada está baseado em falsas
premissas, e aqueles que compartilham essa visão certamente não compreendem a
verdadeira tarefa que a política democrática tem diante de si (MOUFFE, 2015).

No regime da “pós-política” defende-se a democratização da democracia, um processo


“democrático” que no fim se torna “uma visão antipolítica que se recusa a aceitar a dimensão
antagônica constitutiva de “o político” (MOUFFE, 2015). Mesmo assim, embora haja a recusa
da aceitação dos antagonismos, produz-se uma relação de “amigo/inimigo” no fazer político,
onde para existir um “nós” torna necessária a existência de “eles” (MOUFFE, 2015). Desta
forma, ao negar o antagonismo, propondo uma relação “amigo/inimigo”, se acredita que o
“eles” está questionando a identidade do “nós” e, consequentemente, ameaçando sua própria
existência. Embora se torne, desta forma, inegável a existência do antagonismo, ele por si só,
produz conflito, e assim, Mouffe (2015) propõe a existência do chamado agonismo (MOUFFE,
2000).
Enquanto o antagonismo é uma relação nós/eles em que os dois lados são inimigos que
não possuem nenhum ponto em comum,
o agonismo é uma relação nós/eles em que as partes conflitantes, embora
reconhecendo que não existe nenhuma solução racional para o conflito, ainda assim
reconhecem a legitimidade de seus oponentes. Eles são "adversários", não inimigos.
Isso quer dizer que, embora em conflito, eles se consideram pertencentes ao mesmo
ente político, partilhando um mesmo espaço simbólico dentro do qual tem lugar o
conflito (MOUFFE, 2015).

Desta forma, o “eles” e o “nós”, adversários do jogo político, que são dotados dos
mesmos direitos políticos e que convivem entre si, passam a ver o seu outro, como inimigos,
como alguém que “ameaça” a minha existência, a existência da minha identidade política, logo,
para que eu possa existir ele deve ser controlado ou eliminado.

Quando não existem canais disponíveis por meio dos quais os conflitos poderiam
assumir uma forma "agonística", eles tendem a surgir de maneira antagônica. Ora,
quando, em vez de ser formulado como um confronto político entre "adversários", o
confronto nós/eles é visto como um confronto moral entre o bem e o mal,o oponente
só pode ser percebido como um inimigo a ser destruído, e isso não favorece um
tratamento agonístico (MOUFFE, 2015).

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Desta forma, conforme propõe Mouffe (2015), o que acontece é que hoje em dia o
político é jogado para a esfera moral. Em outras palavras, ele ainda consiste numa dicotomia
nós/eles, porém, em vez de ser definido por meio de categorias políticas, o nós/eles agora é
estabelecido em termos morais. No lugar do conflito entre "direita e esquerda", vemo-nos
diante do conflito entre "certo e errado".
Assim, a política democrática não pode apenas buscar uma solução conciliatória entre
interesses ou valores, mas também precisa considerar os desejos e fantasias do povo. Para
mobilizar paixões em prol de projetos democráticos, é essencial que a política democrática
tenha uma inclinação partidária. A diferenciação entre esquerda e direita desempenha um papel
crucial nesse aspecto, e é importante resistir ao apelo dos teóricos pós-políticos para olhar
"além da esquerda e da direita".

O “CONSERVADORISMO” POLÍTICO E A COMUNIDADE LGBT+


Muito do que se produz hoje, no mundo político mas também, enquanto discurso
político está carregado de uma moralidade religiosa, mas uma religiosidade cristã, acima de
tudo. Isso, aliado às transformações do cenário político percebidas a partir da “pós-política”
colocando também a moralidade como um fator importante para a produção do político, traz
inúmeras consequências na produção de políticas públicas e debates políticos, principalmente
no que se refere aos seus autores e seus respectivos públicos-alvo.
Muito do que se produz hoje no Brasil, em termos de política, sobre (contra) a
Comunidade LGBT+ traz uma série de preconceitos e proposições morais acerca do que é ser
LGBT e dos espaços que uma LGBT pode ocupar e como ocupá-los. Agora, com espaços
ocupados, o que se produz de políticas públicas e de política, de modo amplo, é a partir de uma
dicotomia norma/ desvio ou moral/ amoral. De um lado, uma tentativa de humanização e
principalmente anti desmoralização, uma tentativa de desmistificar uma série de preconceitos
e quebrar uma série de barreiras que a séculos são levantadas.
De outro lado, temos uma tentativa (às vezes efetiva) de aumentar e dar peso a esses
mitos que tanto nos carecem e de aumentar mais ainda as barreiras ou, como visto a pouco
tempo, dentro da câmara dos deputados, de nos tirar direitos já conquistados, e desta forma,
levantar novamente barreiras já derrubadas. Esse momento em questao, rememora o outubro
de 2023 quando a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e
Família da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que proíbe o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Outro ponto que evidencia essa questão, se coloca com a recente nota publicada

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pela ANTRA, onde aponta que hoje mais de 300 projetos de leis anti-trans e 77 leis transfóbicas
estão em vigor no nosso país (BENEVIDES, 2024). Essas e outras questões evidenciam
fortemente a tentativa de se perseguir os direitos de nossa comunidade e de nossos indivíduos.
E não só esses dados, como os demonstrados no segundo capítulo, que evidencia a
violência contra a comunidade, mostram que essa postura persecutória não está só no fazer
político mas no fazer cotidiano dos indivíduos. E tudo isso, por conta de toda essa construção
moral e social sobre a comunidade LGBT+. A já levantada besta da Ideologia de Gênero, traz
consigo uma série de artifícios e discursos morais na tentativa de deslegitimar as pessoas
LGBT+ enquanto seres humanos dotados de direito.
A tal da ideologia de gênero, enquanto uma mobilizadora do pânico moral, foi e é muito
utilizada, por exemplo, em campanhas da direita conservadora, principalmente nas campanhas
de Bolsonaro, conforme nos aponta Miguel (2021), transformando a proposta inicial de
combate a homofobia nas escolas, proposto por seu adversaŕio nas campanhas eleitorais
(Fernando Haddad) em uma politica de promoçao da homossexualidade, com proposiçao do
chamado kit-gay, por exemplo. Não só se torna completamente esdrúxula a manipulação dos
significados da proposição inicial, como também a mobilização de uma ideia de que uma
orientação sexual pudesse ser ensinada.
Conforme nos levanta Miguel (2017) a campanha contra o chamado kit gay ensinou a
direita brasileira a mobilizar o pânico moral. O pânico moral, assim, “cristaliza medos e
ansiedades generalizados”; neles, “a sexualidade tem uma centralidade peculiar” e “os
‘desviantes’ sexuais têm sido os bodes expiatórios onipresentes” (WEEKS, 1981). O pânico
moral é ferramenta para promover uma mobilização rápida, apaixonada e imune ao debate e,
desta forma, a reação é altamente emocional, a ameaça, percebida como iminente e
devastadora, exige uma resposta contundente, não ponderação ou conversa (MIGUEL, 2017).
Assim, pensando, nessas prerrogativas, no que se refere específicamente a comunidade
LGBT+, o discurso conservador intersecciona e uni o que a de mais horripilante entre o pânico
moral e a pós-política, isto é, as disposições e manipulações moralistas para produzir sua
atuação no fazer político.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho permitiu entender as consequências para a comunidade LGBT+ da


transformação do cenário político, refletindo sobre as múltiplas esferas políticas e morais que
envolvem tanto ser LGBT no Brasil quanto, de ser um alvo, de políticas e violência. Se ser

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LGBT no país já é difícil, isso sem pensar por uma perspectiva interseccional, que dificulta e
fecha portas ainda mais, quando olharmos para questões como gênero, raça, classe, situação
imigração e outro múltiplos fatores e marcadores dessa grande interseccionalidade que
compõem a diversidade de indivíduos do país.
Pensando que, uma forma de resistir e de persistir enquanto luta por direitos e espaços,
propõe-se que em trabalhos futuros pode-se pensar em produzir análises comparativas a
cenários políticos semelhantes ou contrastante, ou talvez, analisar políticas públicas ligadas às
pautas da comunidade LGBT, no que se refere tanto às pautas sociais, quando de educação, de
saúde, empregabilidade, cultura, etc. Outro recorte talvez seja sobre candidaturas LGBT+,
quem as faz, onde as faz, uma pesquisa que reflita sobre os espaços e palcos políticos que estão
sendo ocupados e representados.
Assim, foi possível perceber que a pós-política enquanto um processo de transformação
do cenário político traz consigo inúmeras consequências, dentre elas a construção de narrativas
de pós-verdade, as quais geram uma despolitização, deslegitimando o antagonismo do fazer
democrático que é constitutivo de projetos políticos e, desta forma, se colocando enquanto uma
forma não só anti-democrática, como também contra os direitos humanos. Dito isso, pode-se
concluir que a pós-política tem inúmeras consequências a comunidade LGBT+ tanto na
perseguição de seus direitos, quanto dos indivíduos que a compõem.

REFERÊNCIAS

BENEVIDES, Bruna. Nota Pública acerca do pronunciamento do ministério das mulheres


pelo dia internacional da mulher. Notas e Ofícios – Associação Nacional de Travestis e
Transexuais, 2024.

MIGUEL, Jorge Luiz. Pânicos sexuais: do “kit gay” aos ataques à arte. Revista Fórum, 2017.

MIGUEL, Luiz Felipe. O mito da “ideologia de gênero” no discurso da extrema direita


brasileira. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 62, p. e216216, 2021

MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

____, Chantal. For an Agonistic Model of Democracy. In : MOUFFE, Chantal. The


Democratic Paradox. London : Verso, 2000.

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil. Mortes e violências contra LGBTI+


no Brasil: Dossiê 2022. Florianópolis, SC: Acontece, ANTRA, ABGLT, 2023.

WEEKS, Jeffrey. Sex, politics and society: the regulation of sexuality since 1800. New York,
Routledge, 1981.

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INFÂNCIA TRANS E LIBERDADE: UM ESTUDO SOBRE A
PERSPECTIVA JURÍDICA

Matheus Reuter Sena

Resumo: O presente trabalho visa fazer uma análise sobre a liberdade conferida às crianças
trans no período de vida conhecido como infância, levando em consideração estudos

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interseccionais que envolvem gênero e sexualidade no campo jurídico, notadamente diante dos
direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. A concepção deste
artigo norteou-se diante das seguintes perguntas: “As crianças trans possuem direito à
liberdade? Esse direito é respeitado quando a criança se autodetermina? No decorrer da
investigação, constatou-se que existe grande resistência da sociedade no reconhecimento da
identidade das crianças trans. A resistência e a negação por parte da sociedade se fundamentam
em questões históricas, já que as crianças, de forma geral, eram vistas como seres incapazes e
desprovidos de capacidade própria. Mesmo diante da promulgação do ECA, essa visão está
enraizada na sociedade. Dessa forma, a conscientização sobre os direitos das crianças e, no
caso específico, das crianças trans, é fundamental para garantir seu pleno desenvolvimento. Em
síntese, o presente estudo considera urgente as interseções entre infância, gênero e sexualidade
ao abordar questões atinentes à infância trans, a fim de que as gerações futuras possam se
desenvolver sem preconceitos.

Palavras-chave: Infância Trans. Liberdade. Identidade de Gênero. Direitos da Criança.

O QUE PODE O TEATRO NA ESCOLA?: EM BUSCA POR UMA


PEDAGOGIA DISSIDENTE DO TEATRO COM CRIANÇAS

Mateus Junior Fazzioni

Resumo: O presente estudo está vinculado a uma pesquisa de Doutorado em desenvolvimento


no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), e tem como temática a busca por uma pedagogia dissidente do teatro

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com crianças. Um dos objetivos da pesquisa está ligado ao desenvolvimento de
experimentações teatrais com crianças e a criação de narrativas dramáticas/ficcionais em uma
perspectiva queer. Trata-se de um estudo teórico-prático de caráter qualitativo, no qual a
metodologia investigada é a prática como pesquisa (Cabral, 2003). Entre os resultados parciais,
percebe-se que as aproximações entre a abordagem metodológica do Drama (Cabral, 2006;
Pereira, 2021), o Teatro do Oprimido (Boal, 2019), os estudos e a Pedagogia queer (Louro,
2001; Preciado, 2020), podem fazer emergir práticas teatrais com temáticas sobre os direitos
humanos, a diversidade sexual e de gênero na escola. Diante dessas investigações, novas
estratégias e modos de pensar as práticas artísticopedagógicas com crianças podem ser tecidas
a partir da mobilização de teatralidades e performatividades dissidentes na sala de aula.

Palavras-chave: Pedagogia dissidente. Teatro. Crianças. Escola.

CORPOS EM CAPTURA: OS PERIGOS DO ASSIMILACIONISMO


JURÍDICO PARA AS EXISTÊNCIAS DOS SUJEITOS LGBTI+
Pedro Ivo S. Meirelles
Jade de Souza Dalfior

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar como os instrumentos jurídicos são
insuficientes para a concessão plena de direitos para sujeitos LGBTI+ por estarem inseridos
numa lógica representacional assentada numa matriz heteronormativa. Dessa forma, mesmo
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quando o Direito assume a prerrogativa de garantias, verifica-se uma tentativa de absorver
aqueles que até então são excluídos nos enquadramentos próprios aos sujeitos já considerados
dignos de representação, ao invés de considerar as especificidades destes corpos que escapam
à norma, ocorrendo, portanto, um assimilacionismo que condiciona a concessão de direitos a
conformidade a um padrão que não lhes é inerente. Para tanto, este trabalho lançará mão de
revisão bibliográfica de natureza qualitativa, sendo privilegiada a literatura da autora Judith
Butler acerca de temas como sexualidade e constituição do sujeito, bem como a análise dos
argumentos do Supremo Tribunal Federal para a concessão de direitos LGBTI+. Chega-se à
conclusão de que, embora essa lógica representacional não possa ser ultrapassada por constituir
o próprio fundamento do Direito moderno, os atores e instituições jurídicas não devem se
engessar na busca pela proteção e promoção de garantias e direitos fundamentais aos sujeitos
que mais se encontram em condição de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Representatividade; heteronormatividade; Reconhecimento; Direito;


assimilacionalismo.

INTRODUÇÃO

Dentro do funcionamento do ordenamento jurídico brasileiro, é possível perceber que


mesmo os mecanismos e instrumentos de concessão de direitos e garantias a grupos e
indivíduos desviantes de um modelo universal de sujeito de direito não são suficientes para
lhes possibilitar a plena realização de suas identidades e identificações.
Um dos caminhos para entendermos essas insuficiências pode ser encontrado na forma
como os debates acerca do reconhecimento e representatividade são desenvolvidos,
principalmente no âmbito do Direito Constitucional.
Desse modo, o presente artigo iniciará por um breve levantamento das principais
correntes do reconhecimento nesse ramo do direito e, em seguida, passará pelas críticas que
tais correntes recebem da autora Judith Butler, já no seio da filosofia política.
Após esse primeiro momento, outras concepções da mesma autora serão trazidas à baila
para complementar e enriquecer o debate acerca do reconhecimento, tais como as matrizes de
inteligibilidade heteronormativas e a própria crítica à representatividade.
Posteriormente, partiremos para algumas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal
Federal que, a despeito de pretenderem ampliar os direitos para minorias de gênero e
sexualidade, partem de concepções ainda cristalizadas sobre identidade que pertencem à
própria matriz heteronormativa que fundamenta o próprio Direito.

A TEORIA DO RECONHECIMENTO NO DIREITO CONSTITUCIONAL


BRASILEIRO

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Se o olhar do outro é um dos elementos constitutivos de quem somos, quer dizer que as
relações que travamos com as pessoas permitem que assimilemos o resquício desse encontro.
Se somos vistos como inferiores, a imagem que internalizaremos de nós mesmos será negativa.
Neste sentido, nossas ações e escolhas serão permeadas por esta equação.
É nesta linha que o constitucionalista Daniel Sarmento (2016, p. 241-242) alega a
necessidade do reconhecimento intersubjetivo por parte do outro, dimensão importante da
dignidade da pessoa humana. Para o autor, a “falta de reconhecimento” ou o “reconhecimento
deturpado” implica diminuição do sujeito, degradação pessoal e dificuldade de participação
como um igual nas interações sociais.
Partindo das teorias do reconhecimento no campo da filosofia política, o autor traz a
recepção desta no ordenamento jurídico brasileiro e no âmbito da teoria constitucional,
relacionando-a à dignidade da pessoa humana. Aqui, no entanto, nos contentaremos em apenas
ressaltar alguns de seus levantamentos sobre as principais linhas do assunto, encabeçadas, de
um lado por Axel Honneth e, por outro, Nancy Fraser, para partirmos para uma concepção mais
abrangente e emancipatória.
De acordo com o filósofo alemão Axel Honneth, as reivindicações identitárias e as que
circundam conflitos distributivos seriam abarcadas pela sua compreensão sobre o
reconhecimento. Seu pensamento desdobra a aludida categoria em três esferas: amor, direito e
solidariedade. Para cada uma delas, há o seu correspondente negativo, respectivamente:
violação, privação de direitos e degradação. Em resumo, a esfera do amor permite o
desenvolvimento da autoconfiança e a manutenção da integridade corporal, o que garantirá a
atuação autônoma do indivíduo. Seu correspondente negativo se resume tanto à dor física,
quanto à submissão ao outro, trazendo prejuízos ao exercício da autonomia. Já no âmbito do
Direito, o reconhecimento independe do outro, onde o indivíduo alçará o status de sujeito
autônomo, o que permite que desenvolva o autorrespeito. Em havendo mitigação nesta área,
isto é, em sendo a pessoa privada de direitos, a equação será a internalização da ideia de que
não se é merecedor de igual respeito. Por fim, há a solidariedade que, diferentemente do
Direito, tem as particularidades do indivíduo valorizadas, permitindo que seja dotado de
autoestima. O outro lado da moeda, ou seja, sua forma de desrespeito, seria a degradação,
inviabilizando a estima para si e por si (SARMENTO, 2016, p. 248-249).
A filósofa norte-americana Nancy Fraser lança críticas à teoria honnethiana a fim de
mostrar que esta parte de uma posição demasiadamente “psicologizante”, pois muito focada
“nos reflexos dos processos de desrespeito sobre a autoimagem das pessoas” (SARMENTO,

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2016, p. 250). A autora busca integrar as demandas por reconhecimento às políticas
redistributivas econômicas. Logo, injustiças relacionadas à economia são seu alvo de atenção,
tanto quanto as injustiças no campo cultural e simbólico, visto que estão interligadas e se
corroboram. Neste sentido, “práticas culturais estigmatizantes normalmente acarretam efeitos
econômicos desvantajosos para as suas vítimas, e assimetrias econômicas tendem a gerar
efeitos culturais negativos para os excluídos” (SARMENTO, 2016, p. 251). Embora, como
salientamos, os âmbitos estejam imbricados, cada um será remediado de maneiras diferentes:
para combater as injustiças econômicas, lançar-se-á mão de medidas redistributivas, enquanto,
no campo das injustiças culturais, o foco será de políticas relacionadas ao reconhecimento.
Embora o reconhecimento intersubjetivo seja imprescindível para os indivíduos, não
há, em nossa Constituição, a previsão normativa deste direito. Daniel Sarmento afirma que a
inobservância em nossa Carta não significa que isto seja um óbice à admissão do
reconhecimento como categoria constitucional. Inclusive, alega que, sendo essencial à
integridade da pessoa, ele é amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Além
disso, segundo a melhor doutrina, a categoria se associa aos princípios da igualdade e da
solidariedade, não havendo possibilidade de tensão entre os três mencionados, mas um reforço
mútuo (SARMENTO, 2016, p. 255). É nessa linha que o constitucionalista busca a definição
de um conteúdo normativo para o reconhecimento, estabelecendo que:

violam o reconhecimento as práticas estatais ou privadas, conscientes ou não, que


desrespeitam a identidade das suas vítimas, impondo estigmas ou humilhações. É
possível falar em um direito fundamental ao reconhecimento, que é um direito ao
igual respeito da identidade pessoal. Trata-se de um direito que tem tanto uma faceta
negativa como outra positiva. em sua faceta negativa, ele veda as práticas que
desrespeitam as pessoas em sua identidade, estigmatizando-as. Na dimensão positiva,
ele impõe ao Estado a adoção de medidas voltadas ao combate dessas práticas e à
superação dos estigmas existentes (SARMENTO, 2016, p. 256-257, grifos do autor).

A INSUFICIÊNCIA DO RECONHECIMENTO PARA VIDAS NÃO INTELIGÍVEIS

Apontando alguns limites às teorias do reconhecimento mais difundidas, Judith Butler


demonstra que utilizar apenas a categoria do reconhecimento para a concessão do status de
sujeito – e, consequentemente, direitos – aos diferentes indivíduos não é suficiente para
promover resultados mais radicalmente democráticos.
Isso porque essas perspectivas mais tradicionais não levam em conta que há outras
formas de apreender essas vidas para além das próprias normas de reconhecimento. Como a
autora explica, “não recorremos simplesmente a normas de reconhecimento únicas e distintas,
mas também a condições mais gerais, historicamente articuladas e reforçadas, de ‘condição de
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ser reconhecido’” (BUTLER, 2019, p. 18-19). É essa condição de ser reconhecido que
possibilita que determinadas vidas sejam lidas como tendo preenchido todas as condições
prévias (construídas histórica e socialmente) para figurarem como dignas de reconhecimento
enquanto vidas.
Enquanto as teorias do reconhecimento direcionam seus olhares, primordialmente, para
o próprio encontro entre dois ou mais indivíduos e entendem que é a partir daí que haverá o
próprio reconhecimento, Butler está interessada em apontar que se um desses indivíduos não
preencher os requisitos históricos e sociais da condição de ser reconhecido, sequer haverá
encontro porque um dos termos da relação não lerá o outro como uma vida. Não havendo
encontro, consequentemente não haverá também o próprio ato de reconhecimento. Esse outro
será apreendido como algo que deve figurar fora das normas de reconhecimento (BUTLER,
2019, p. 18).
É a partir disso que a filósofa argumenta que, além da categoria do reconhecimento, há,
ainda, as concepções de apreensão e inteligibilidade. Enquanto a primeira é “entendida como
um modo de conhecer que ainda não é reconhecimento, ou que pode permanecer irredutível ao
reconhecimento”, a segunda é “entendida como o esquema (ou esquemas) histórico geral que
estabelece os domínios do cognoscível. (...) Uma vida tem que ser inteligível como uma vida,
tem de se conformar a cercas concepções do que é a vida, a fim de se tornar reconhecível”
(BUTLER, 2019, p. 21. Grifo da autora).
Evidentemente, esses esquemas de inteligibilidade não são fixos e engessados. Antes,
eles acompanham as mudanças que ocorrem nas dinâmicas sociais da realidade, de forma que
a condição de ser reconhecido vai se alterando e passa a abarcar outras formas de vida. Porém,
é importante ressaltar que isso não significa, necessariamente, o fim de toda e qualquer
exclusão de vidas dentro das normas do reconhecimento. Isso porque estas continuam
funcionando sob uma lógica dicotômica entre o dentro e o fora, que faz parte do próprio
fundamento das estruturas normativas atuais. Ainda que haja uma certa amplitude dos
requisitos, a continuidade da existência de condições de ser reconhecido já pressupõe que
apenas aqueles que as preencherem figurarão do lado de dentro.
Além disso, mesmo nos casos em que os indivíduos preenchem os requisitos e passam
a constar como sujeitos reconhecidos pelas normas, há o problema do engessamento de suas
identidades, isto é, esses sujeitos são reduzidos apenas às características que lhes possibilitou
ser reconhecidos, como se não pudessem ser mais do que apenas aquela identidade. Diante
disso, Butler levanta a seguinte crítica:

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temos também de nos perguntar o que precisamente seria “reconhecido”? A
“homossexualidade” da pessoa gay? A crença religiosa do muçulmano? Se
nossos enquadramentos normativos pressupõem que essas características
aparentemente definidoras de sujeitos singularmente determinados constituem
seus objetos adequados, então o reconhecimento se torna parte da própria
prática de ordenar e regular os sujeitos de acordo com normas pré-
estabelecidas (BUTLER, 2019, p. 202).

AS ARMADILHAS DA REPRESENTAÇÃO

A partir dessas críticas que a autora desenvolve acerca das normas de reconhecimento,
é possível entender as insuficiências apontadas nos sistemas de representação. Embora não
despreze a importância da representação como um instrumento de luta política para a
visibilidade e concessão de direitos para minorias identitárias, a autora demonstra que há
critérios aprioristicamente estabelecidos para que determinados indivíduos sejam dignos de
reconhecimentos e, consequentemente, possam ser representados política e juridicamente. De
acordo com as palavras de Butler,

os domínios da “representação” política e linguística estabeleceram a priori o critério


segundo o qual os próprios sujeitos são formados, com resultado de a representação
só se estender ao que pode ser reconhecido como sujeito. Em outras palavras, as
qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser
expandida (BUTLER, 2017, p. 18).

A partir disso, podemos entender como o estabelecimento de tais critérios de


representação constroem a lógica de exclusão-inclusão que fundamenta todo o edifício do
Direito Moderno (que ainda é o nosso). Como há um ordenamento produzido pela norma, isso
acaba se introjetando em nós. Ao produzir o estado de coisas, o Direito também produzirá
previamente os próprios sujeitos que estarão submetidos a esse estado. Consequentemente,
apenas esses receberão a proteção da norma. Isso significa que aqueles que são excluídos
sequer são considerados sujeitos. Desse modo, “o poder jurídico “produz” inevitavelmente o
que alega meramente representar; (...) com efeito, a lei produz e depois oculta a noção de
“sujeito perante a lei”” (BUTLER, 2017, p. 19-20).
Dessa forma, quando um indivíduo ou grupo pleiteia que o sistema jurídico o reconheça
e represente enquanto sujeito, o Direito funciona de forma a conformar (ou, pelo menos, tentar)
esses requerentes aos seus enquadramentos prévios, muitas vezes asfixiando ou mutilando
partes de suas características e personalidades por escaparem às normas.

A COMPULSORIEDADE HETERONORMATIVA COMO MATRIZ DE


INTELIGIBILIDADE

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No que diz respeito às normas de gênero e sexualidade, ressalta-se como o Direito
trabalha de acordo com uma matriz de inteligibilidade que traz uma coerência entre sexo-
gênero-desejo. Essa matriz, que Butler identifica como uma matriz de heteronormatividade
compulsória, disciplina os corpos e o gênero, criando uma falsa ideia de estabilidade a fim de
garantir seu domínio.
Dessa maneira, são construídas “relações de coerência e continuidade entre sexo,
gênero, prática sexual e desejo”, ou seja, “há leis que buscam estabelecer linhas causais ou
expressivas de ligação entre sexo biológico, o gênero culturalmente constituído e a “expressão”
ou “efeito” de ambos na manifestação do desejo sexual por meio da prática sexual.” (BUTLER,
2017, p. 43-44). Haverá, assim, uma relação de continuidade na inteligibilidade de gênero, que
estabelece cadeias de coerência arbitrárias no que diz respeito ao sexo, gênero e desejo, de
forma que um indivíduo nascido com vagina será designada como mulher (sexo biológico),
receberá como atribuição o gênero feminino e deverá expressar seu desejo sexual por homens,
ocorrendo a relação oposta e complementar no caso de indivíduos nascidos com pênis.
Embora nada determine que essas linhas de causalidade ocorram na realidade concreta,
havendo descontinuidades, as normas de gênero a todo momento atuam justamente a fim de
concretizá-las e reiterá-las. “Em outras palavras, os espectros de descontinuidade e incoerência,
eles próprios só concebíveis em relação a normas existentes de continuidade e coerência, são
constantemente proibidos e produzidos pelas próprias leis (...)” (BUTLER, 2017, p. 44). Isso
significa que esses desvios funcionam como justificativa de regulação contínua de diferentes
instâncias, dentre as quais se inclui o Direito (BUTLER, 2022, p. 94).

GÊNERO, SEXUALIDADE E ASSIMILACIONISMO NO STF

Podemos perceber como essas regulações operam segundo as normas de gênero


inclusive nos próprios instrumentos jurídicos de concessão de direitos a minorias de gênero e
sexualidade. Nesse sentido, podemos identificar conformações às hierarquias sociais em
argumentações do Supremo Tribunal Federal, como na concessão de união estável para casais
do mesmo sexo (ADPF n° 132/2011), na criminalização da homotransfobia e no debate sobre
uso de banheiro público por transexuais e travestis, de acordo com suas identidades de gênero.
Cabe destacar que não se questiona, em nenhum momento, a enorme relevância de tais decisões
para a comunidade LGBTI+. No entanto, é importante demonstrar como as normas de gênero
e sexualidade continuam a funcionar mesmo em medidas que visam transformá-las.
No seio dos argumentos para a concessão da união estável entre casais do mesmo sexo,
é possível perceber como os sujeitos masculinos e heterossexuais são colocados na posição de
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modelos universais que servem de padrões de comparação para todos aqueles que fogem a
esses enquadramentos. Há, ao longo de todo o voto, uma “estrutura argumentativa [que]
correlaciona práticas jurídicas estatais e dinâmicas de gênero e sexualidade (...), ao posicionar
homens e ‘heteroafetivos’ como privilegiados nas relações de dominação (...), elegendo-os
como termos de comparação por excelência nos juízos de igualdade (...)” (RIOS, 2020, p
1341).
Além disso, a alcunha de “homoafetividade” ao invés do termo amplamente difundido
“homossexualidade”, traz, de acordo com Raupp Rios, uma carga de purificação própria ao
assimilacionismo familista, na medida em que mascara ou esconde por completo as práticas e
identidades sexuais tidas como desviantes, o que não ocorre com a heterossexualidade, que não
passa a ser chamada de heteroafetividade (RIOS, 2020, p. 1342). Assim como vemos em
inúmeros filmes, novelas, livros e demais elementos culturais, tudo se passa como se o domínio
da sexualidade fosse negado aos grupos LGBTI+, restando, para eles, apenas a dimensão do
afeto, como se houvesse um grau de suportabilidade que determina quais características e
práticas serão aceitas social e juridicamente e cabe aos membros “desviantes” se conformarem
a esses graus como condição de reconhecimento e representatividade.
Quanto à equiparação da homotransfobia ao racismo social para fins de criminalização,
percebe-se que a decisão simplesmente colocou sob uma mesma categoria todas as
discriminações e preconceitos contra minorias, sem se atentar para o fato de que cada um desses
grupos sofre violências de formas distintas, visto que seus marcadores de diferenças também
são distintos (RIOS, 2020, p. 1345). Aqui é possível perceber, de forma mais explícita, uma
lógica oposicional entre o dentro e o fora das normas de proteção do Direito e como o processo
de reconhecimento (nesse caso, para fins de criminalização) age segundo o estabelecimento de
critérios prévios aos próprios indivíduos que se pretende reconhecer. Não havendo uma
categoria específica para abranger homossexuais e transexuais como vítimas de violência,
pegou-se de empréstimo uma outra categoria à parte que foi estendida para lhes acomodar.
Evidentemente, é possível argumentar que o STF precisou recorrer a exercícios
hermenêuticos e interpretativos para preencher uma lacuna legal e conceder proteção aos
homossexuais e transexuais diante dos altos números de mortes e lesões corporais que
aumentam cotidianamente no país. No entanto, a própria existência de tal lacuna reforça tudo
o que já foi dito até aqui, tanto sobre os problemas das normas de reconhecimento e sua lógica
de exclusão de determinados grupos e indivíduos da categoria de sujeitos, quanto sobre o
funcionamento de uma matriz de inteligibilidade heterossexual nos próprios fundamentos do

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Direito. Nesse sentido, é significativo o reconhecimento de tal sistema excludente pelo próprio
ministro Edson Fachin, ao entender que

a atribuição de uma posição jurídica depende (...) do ingresso da pessoa no universo


de titularidades que o próprio sistema define. Desse modo, percebe-se claramente que
o sistema jurídico pode ser, antes de tudo, um sistema de exclusão. Essa exclusão se
opera em relação a pessoas ou situações as quais as portas de entrada na moldura das
titularidades de direitos e deveres é negada (FACHIN, 1996, p. 50).

A matriz heteronormativa que opera segundo o binômio masculino-feminino e todas as


cadeias de coerência descritas acima também pode ser percebida nas argumentações levantadas
pelo STF acerca do uso de banheiro público por pessoas transexuais e travestis de acordo com
suas respectivas identidades de gênero. O ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento
alegando que era preciso consultar a sociedade diante do possível constrangimento que
mulheres e crianças poderiam ter ao encontrarem transexuais e travestis em banheiros
femininos (o que ele chamou de “desacordo moral bastante razoável”), não se atentando para
o constrangimento bem maior da própria mulher transexual que foi proibida de utilizar o
banheiro do shopping e que deu ensejo ao Recurso Extraordinário 845.779.
Além disso, Raupp ressalta que, mesmo ao tentar fazer a distinção entre sexo, gênero e
sexualidade, os ministros partiram de uma análise em que

a transexualidade é caracterizada como a condição imutável de pessoas que não se


identificam com o gênero atribuído ao seu sexo biológico e que buscam corrigir esta
inadequação, alterando seus corpos para que correspondam ao gênero pelo qual se
identificam. Em que pese o esforço em tratar a transexualidade como uma condição
pessoal, e não como patologia, acaba-se reproduzindo a compreensão de que as
identidades são fixas, imutáveis, e também a de que há necessidade de conformação
ao modelo de sexo e gênero estabelecido como normal (RIOS, 2020, p. 1346).

Também vale dizer que a possibilidade levantada por um dos ministros de um terceiro
banheiro exclusivo para pessoas transexuais e travestis também representa uma forma de
manter intactas as normas naturalizadas de gênero e sexualidade, visto que essa medida acaba
por não reconhecer uma mulher trans, por exemplo, como pertencente ao gênero feminino, por
ela ter quebrado a linha de coerência heteronormativa entre sexo biológico e gênero. Desse
modo, seu efeito secundário seria praticamente recriar uma terceira categoria que, por não se
encaixar nem em um gênero, nem em outro, restaria como algo aberrante e desviante, devendo
ser isolado daqueles considerados normais.
Por fim, é importante reiterar que todos os direitos e proteções aos grupos e indivíduos
LGBTI+ vieram através do Poder Judiciário, mais especificamente pelo STF, o que demonstra

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uma enorme lacuna dentro do ordenamento jurídico brasileiro quanto a proteção de minorias
de gênero e sexualidade, principalmente no que tange ao Poder Legislativo, que, como o
próprio nome sugere, tem competência para a edição das leis.

CONCLUSÃO

Se, num funcionamento normal do direito, as leis costumam ser confeccionadas como
instrumento de retificação e normalização após reiteradas práticas e comportamentos
indesejados, é fácil intuir que, num poder que somente funciona mediante provocação para
agir, como é o caso do Judiciário, há inúmeras violações e abusos ocorrendo até que os tribunais
finalmente consigam assentar entendimentos gerais de proteção e coibição de tais ações. Isso
significa que a proteção que, no nosso país, só tem chegado pelo Judiciário sempre chega, por
definição, atrasada - é sempre muito tarde para todos aqueles que já sofreram com preconceitos,
lesões e até assassinatos.
Isso não significa, evidentemente, desprezar todos os avanços promovidos pelo
Judiciário, apenas trazer a necessidade de uma reflexão crítica acerca de seus limites.

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EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS DA ESCOLA NO
CONTEXTO MIGRATÓRIO

Bruno Henrique Fernandes Da Silva


Tharik De Souza Fermin

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Resumo: A educação nas últimas décadas, trouxe novas demandas e reflexões a
responsabilidade social governamental, as quais se somaram as observações das mudanças
sociais e culturais sobre as expectativas que o Brasil se tornou-se uma sociedade
multiculturalista, que esse encontro de múltiplas culturas ocorre em diversos setores da
sociedade e principalmente no campo educacional que tem como finalidade o desenvolvimento
do ser humano para o convívio em sociedade. O objetivo deste artigo é analisar o cotidiano
escolar, para compreensão da realidade de estudantes imigrantes e aplicar práticas e políticas
de inclusão que não se fundassem em visões errôneas e preconceituosas que são difundidas
através do senso comum e dos veículos de informação sobre migrantes internacionais, lançando
luz para construção de diálogos através das bibliográficas existente para estabelecimento de
dinamismo das relações sociais e profissionais no processo de escolarização desses agentes
migrantes.

Palavras-chave: Escola, Legislação, Imigrantes.

Introdução

A educação nas últimas décadas, trouxe novas demandas e reflexões a responsabilidade


social governamental, as quais se somaram as observações das mudanças sociais e culturais
sobre as expectativas que o Brasil se tornou-se uma sociedade multiculturalista, que esse
encontro de múltiplas culturas ocorre em diversos setores da sociedade e principalmente no
campo educacional que tem como finalidade o desenvolvimento do ser humano para o convívio
em sociedade.
O Brasil tem vivenciado um aumento significativo no total de pedidos de refúgio nos
últimos anos. De acordo Brasil (2022) com o relatório “Refúgio em Números”, somente no ano
passado, 29.107 pessoas solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil. A
escola como um espaço de fazer com que o saber seja criticamente apropriado pelos alunos,
aprender a conviver juntos é um dos quatros pilares em que se baseia-se o processo educacional
no século XXI, segundo a UNESCO. Em se tratando dos imigrantes, aprender a conviver
significa renascer novamente, reaprender a conviver com uma nova sociedade. E através do
espaço escolar esses processos vem a ser realizados.
Nesse sentido, buscamos analisar o cotidiano desses imigrantes no sistema de ensino
brasileiro levando em consideração as políticas públicas existente e como o processo de

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escolarização brasileiro está se “adaptando” para atender esses indivíduos originários de outras
culturas, laçando luz para discursão de construção de diálogos para estabelecimento de
dinamismo das relações sociais e profissionais no processo de escolarização desses agentes
migrantes.

De quem é a responsabilidade? – A garantia do direito do imigrante

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, aprovada pela Assembleia


Geral da ONU, foi e é um dos alicerces jurídicos para as diversas modalidades de normativas
protetivas aos seres humanos. O documento pleiteia o termo asilo para indicar tanto ao refúgio
quanto ao asilo. Na medida em que ambos os institutos visam à proteção do ser humano em
face de situações de perseguições, é possível afirmar que são similares em sua essência e, dessa
maneira, institutos assemelhados (ONU, 1948). Dentro das esferas de definição dos termos,
asilo e refúgio possuem um caráter de complementaridade, sendo o instituto do asilo mais
abrangente, podendo ser usado quando não há a possibilidade de aplicação do refúgio que é
mais específico.
A semelhança da natureza dos institutos pode ser comprovada pela leitura do 4º
parágrafo preambular da Convenção de Genebra de 195138, que, ao estabelecer as regras
internacionais sobre o refúgio, menciona o direito de asilo, invocando, assim, este como base
para aquele, ao mesmo tempo em que exorta os Estados a praticar a cooperação internacional
(JUBILUT, 2007, p.36-37), (ONU, 1951).
O asilo é um instituto jurídico característico da América Latina para proteção ao
indivíduo perseguido frente a uma ameaça atual e efetiva; pode ser de caráter diplomático (o
embaixador tem a prerrogativa de conceder ou não asilo em sua embaixada ou residência) ou
territorial (depende de legislação interna). O Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, trata do
tema e dispõe que o estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político
ficará sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional.
O Refúgio está previsto em legislação internacional e nacional. É admitido em casos de
deslocamento forçado, causado por grandes fatores de perseguição à raça, nacionalidade,

38
Adotada a 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções
Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que reuniu em Genebra de 21 de abril a 12 de agosto de
1949. Entrada em vigor na ordem internacional: 21 de outubro de 1950. Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Convenconvencao-de-genebra-iv.html. Acesso em: 02 jun. 2023.
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opinião política, religião ou grupo social, ou ainda devido à grave e generalizada violação de
direitos humanos no seu país.
Os movimentos migratórios são uma constante no linear da história da humanidade, em
que as conquistas, as dominações de povos, as colonizações de novas terras, deflagravam a
movimentação das pessoas, num tempo não muito distante. Para Ramos (2008) a migração é
um fenômeno global e multidimensional, que requer profundas mudanças, com características
multidisciplinares de efeitos transversais.
A migração se refere a mobilidade de pessoas de uma região para outra, podendo ser
internas ou externas. As migrações internas acontecem dentro dos limites do seu próprio país,
ocorre de uma região para outra, de um estado para outro ou até de uma cidade para outra. As
migrações externas ou internacionais são aquelas que ocorrem de um país para outro, cruzando
uma ou mais fronteiras.
Um dos fatores que influencia a deslocação dos indivíduos do seu país de sua região de
origem mais predominante e o modo de produção capitalista, as inúmeras expressões da
questão social decorrem da relação direta entre capital e trabalho, o que tem ocasionado um
grande impacto no contexto desses agentes, “O capitalista obtém seu lucro da exploração do
trabalhador assalariado, e este por sua vez vive à mercê do capital, certo que é independente e
livre” (Marx, 1980, p.210). Principalmente em virtude da globalização, contribuindo para as
desigualdades sociais e para reduzir os danos causados pelo capitalismo.
Diante dessa panorâmica social brasileira, nos deparamos com a migração de diversos
povos, no qual impactou ainda mais nas políticas públicas brasileira. De acordo Brasil (2022)
com o relatório “Refúgio em Números”, somente no ano passado, cerca de 29.107 pessoas
solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil, provenientes de 117 países,
sendo a maior parte venezuelanos (78,5%), angolanos (6,7%) e haitianos (2,7%). Lançando um
olhar dedados voltado para questões regiões migracionais. Nos últimos anos, existe um
aumento na chegada de solicitantes de refúgio na região norte. Dentre as novas chegadas,
observa-se um aumento de refugiados nacionais da Síria, de Cuba, e alguns países da África
que solicitam a condição de refugiado, mas, principalmente, um aumento expressivo na
chegada de nacionais da Venezuela, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança
Pública.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e o
Direito Internacional dos Refugiados são vistos como três vertentes de proteção internacional
de direitos da pessoa humana dentro do contexto legal, em geral considerados de forma

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estanque. Entretanto, há que se ter uma visão integral dos direitos da pessoa humana e a inter-
relação e interdependência dessas esferas.
O país possui responsabilidade com os estrangeiros em sua jurisdição, não podendo
simplesmente fechar os olhos a situação de vulnerabilidade que muitos deles se encontram. A
Lei 13.445/2017 foi elaborada pelos representantes do governo brasileiro juntamente com
integrantes do ACNUR12, garantindo que a mesma contivesse o que havia de mais avançado
à época no tocante à matéria de proteção aos refugiados. A lei em questão garante aos
refugiados direitos e deveres diferenciados daqueles conferidos e exigidos dos estrangeiros ao
entrar no Brasil; do pedido de refúgio; das proibições ao rechaço, à deportação e a questão da
extradição dos refugiados. Nós termos da lei, é reconhecido como refugiado todo aquele:

É interessante percebe-se que a política migratória brasileira caminhou bem ao


consagrar os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos; repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação;
não criminalização da imigração; não discriminação em razão dos critérios ou dos
procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional. Avançou também nos
aspectos relativos à promoção de entrada regular e de regularização documental, acolhida
humanitária, igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares etc.
A nova legislação migratória precisava observar ao menos cinco propostas:

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Quanto aos direitos sociais, tratou da inclusão social, laboral e produtiva do migrante
por meio de políticas públicas; acesso igualitário e livre do imigrante a serviços, programas e
benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho,
moradia, serviço bancário e seguridade social.

As figurações na educação: valores culturais

A Educação Básica - EB (que compreende as três etapas básicas da educação no Brasil


- Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio - EM) é direito fundamental
garantido pelo Artigo nº205 da Constituição Federal de 1988. Carvalho (2015, p. 164) que
coloca tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente e diversos acordos internacionais firmados pelo Brasil que garantem o acesso à
educação para pessoas estrangeiras, independente da situação jurídica no país. “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Ainda, segundo o Artº 208 que
versa sobre o dever do Estado em garantir o acesso à educação, diz que:

VII - O atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas


suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. §
2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
Todavia, a garantia do acesso não pressupõe a garantia de respeito à diversidade cultural
e de acompanhamento digno, especializado e adequado. Portanto, na perspectiva da garantia
de direitos, a questão da mobilidade humana representa um grande desafio para governos e
comunidades que tem que lidar com a situação e procurar ganhar com ela de maneira benéfica

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para todos. Isso envolve, invariavelmente, a promoção de uma cultura de diálogo, de respeito
para com a alteridade e os direitos humanos.
Não se trata apenas de proporcionar às populações migrantes e vulneráveis melhores
condições, mas também às populações locais a possibilidade de estar em contato com diversas
culturas, em diálogo com o outro, criando e possibilitando o respeito à alteridade, bem como
empatia e solidariedade nas populações locais. Dessa forma a escola, e a Educação de modo
geral, podem contribuir significativamente para a construção destes valores e sentimentos na
sociedade civil.
A proposta é considerar a família, a escola e a mídia no mundo contemporâneo, como
instâncias socializadoras que coexistem numa relação de interdependência. Ou seja, são
instâncias que configuram uma forma permanente e dinâmica de relação entre ser humano e a
comunidade aonde ele está inserido. Não são estruturas reificadas ou metafísicas que existem
acima e por cima dos indivíduos (Elias, 1970). A sociedade reestrutura suas configurações para
o convívio na sociedade que está em contato.
O conceito de figuração na obra do autor Norbert Elias (1994) foi formado a partir da
crítica do pensamento cartesiano de indivíduo e sociedade, que é entendia essa relação de forma
antagônica e alheia. Criticava o conceito de fato social de Émile Durkheim e de sistema social
e estrutura social de Talcott Parsons. Esse, por sua vez, foi um dos autores mais criticados por
Elias, posto que a ideia de sistema social e estrutura social, defendida por Parsons, gerava uma
compreensão equivocada de sociedade, eram termos fixos e estáticos que não consideravam o
desenvolvimento histórico, os acontecimentos e as transformações da vida cotidiana e social,
de certa forma, separava o indivíduo da sociedade. Não consideravam, portanto, as dinâmicas
do habitus, que se desenvolve e muda ao longo do tempo, ou seja, é uma “segunda natureza”,
que traz incorporações à vida e ao saber social aonde está inserido (ELIAS, 1994). Temos um
caminho de aprendizagem social e de transformação do padrão de comportamento. Em O Poder
Simbólico, tendo em vista os conceitos de habitus que é a subjetividade socializada, ou seja;
O habitus diz respeito às disposições de atitudes incorporadas pelos sujeitos sociais
ao longo de seu processo de socialização; integra experiências passadas, atua como
uma matriz de percepções, de apreciações, de ações. Essa “matriz”, ou conjunto de
disposições, nos fornece os esquemas necessários para a nossa intervenção na vida
diária; essas disposições não são fixas, não são a personalidade nem a identidade dos
indivíduos; habitus é um operador, uma matriz de percepção e não uma identidade ou
uma subjetividade fixa; durável, mas não imutável (Bourdieu, 2002, p.83).

Nesse sentido, segundo Elias (1994, p. 8), os “padrões sociais de autorregulação que o
indivíduo tem que desenvolver dentro de si, ao crescer e se transformar em um indivíduo único,
é específico em cada geração e, por conseguinte, num sentido mais amplo, específico de cada
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sociedade”. A escola como instâncias socializadoras exerce a doutrinação de padrões sociais
nas mas nova gerações através de um sistema de ensino estabelecido para o preparo para o
convivo em sociedade.
A criança ao se inserir em uma configuração social já existente anteriormente a ela e
neste espaço social de inúmeras redes de interdependência consegue absorver através do
processo de aprendizagem um novo padrão social. No que diz respeito a isso, para Elias (1994,
p. 27).
Somente na companhia de outras pessoas mais velhas é que, pouco a pouco,
desenvolve um tipo específico de sagacidade e controle dos instintos. E a língua que
a prende, o padrão de controle instintivo e a composição adulta que nele se
desenvolve, tudo isso depende da estrutura do grupo em que ela cresce e, por fim, de
sua posição nesse grupo e do processo formador que ela acarreta.

A educação é necessária para construção de autonomia do “ser social” e, ao mesmo


tempo, para a confirmação enquanto membro de um grupo, o processo educativo pode
contemplar a aprendizagem das normas e condutas como forma de participar e ser aceito
socialmente. Elias (2006, p. 26), este conceito está ligado à aprendizagem e ao processo de
socialização dessa maneira, o entendimento sobre a infância passa a ser parte da construção da
sociedade, em um processo civilizador.
O estilo de vida é o gosto, que é a propensão e aptidão material e/ou simbólica de uma
categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras (BOURDIEU, 2003, p. 74)
conjuntos de preferências distintivas que exprimem, na lógica de cada subespaço simbólico,
uma mesma intenção expressiva. Essa correspondência entre os espaços das posições sociais e
dos estilos de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem habitus substituíveis
que geram práticas diversas e imprevisíveis, porém sempre encerradas nos limites inseparáveis
às condições objetivas das quais são o produto e às quais são objetivamente adaptadas.
Deste modo, a formação escolar da população originárias de outras culturas, assume
uma acentuada importância nos últimos anos, constituindo um desafio ao sistema público
educacional e ao dinamismo das relações sociais e profissionais que é promovido dentro desse
processo de escolarização.
Grupos de natureza multicultural, tais como minorias étnicas e indivíduos originários
de outras culturas, ganham cada vez notória e assumem como prioridades as políticas
educativas e na interação social.

Considerações Finais

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Uma das finalidades deste estudo, quando me propus a realizá-lo, era colaborar para
compreensão da realidade de estudantes imigrantes e aplicar práticas e políticas de inclusão
que não se fundassem em visões errôneas e preconceituosas que são difundidas através do
senso comum e dos veículos de informação sobre migrantes internacionais, menos ainda
através de práticas assimilacionistas, de aculturação ou “catequização” desses sujeitos.
Especialmente por acreditar que todos os atores envolvidos neste processo apenas têm a ganhar
com a riqueza da diversidade cultural que emerge neste contexto.
Dessa forma, é importante que pensemos como lidar com este contexto multicultural
que está dado. Práticas interculturais de valorização da diversidade e da alteridade humana são
fundamentais para que escolas, famílias e estudantes possam trabalhar conjuntamente e de
forma acolhedora. A interculturalidade crítica, segundo Candau (2016, p. 808) tem como
principais características:

promover a deliberada inter-relação entre diferentes sujeitos e grupos socioculturais


de determinada sociedade; nesse sentido, essa posição se situa em confronto com
todas as visões diferencialistas, assim como com as perspectivas assimilacionistas;
por outro lado, rompe com uma visão essencialista das culturas e das identidades
culturais; concebe as culturas em contínuo processo de construção, desestabilização
e reconstrução; está constituída pela afirmação de que nas sociedades em que vivemos
os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de
identidades abertas, o que supõe que as culturas não são puras, nem estáticas; e tem
presente os mecanismos de poder que permeiam as relações culturais, assumindo que
estas não são relações idílicas, estão construídas na história e, portanto, estão
atravessadas por conflitos de poder e marcadas pelo preconceito e discriminação de
determinados grupos culturais. Uma última característica que gostaríamos de
assinalar refere-se ao fato de essa perspectiva não desvincular as questões da
diferença e da desigualdade presente presentes hoje de modo particularmente
conflitivo, tanto no plano mundial quanto em diferentes sociedades, entre as quais a
brasileira.

Nessa perspectiva, o diálogo e a troca entre diferentes culturas, se torna um caminho


para promover o respeito à alteridade, a empatia e a solidariedade, porém é ainda um desafio
para quem vive esta realidade. Dessa forma, a escola enquanto instituição visibilizadora e
manifeste o acolhimento e a inclusão dos estudantes imigrantes naquilo que Barbosa (2010)
vai chamar de “pedagogia da sociedade civil”.
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Visibilidade e luta LGBTQIAP+: Experiência do Coletivo Dandara dentro


da escola pública.

Tamires Marinho

RESUMO: O presente artigo aborda um projeto escolar que se dedicou à formação e


sensibilização de professores e demais profissionais da educação a fim de promover uma
educação inclusiva de gênero e diversidade, sobretudo no que se refere a prática pedagógica de
educadores frente à multiplicidade presente no ambiente escolar e como isso tem suscitado
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ISBN: 978-65-00-92987-4
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expressivas reflexões acerca de práticas educativas voltadas para a convivência com as
diferenças. De modo que, propõe-se algumas reflexões nascidas a partir da atuação de um grupo
de educandos do Ensino médio que formaram o coletivo Dandara, um núcleo de pesquisa sobre
gênero e sexualidade na escola pública de período integral PEI Euripedes Simões de Paula. O
projeto visou criar um ambiente escolar acolhedor e respeitoso a diversidade e ao pluralismo
de ideias, implementando programas de formação para educadores e atividades de
conscientização para os alunos e comunidade. A abordagem multifacetada incluiu formações,
palestras e recursos audiovisuais, visando desconstruir estereótipos de gênero, promovendo a
igualdade e criando um espaço seguro e acolhedor para todos os sujeitos, independentemente
de sua identidade de gênero, sexualidade, raça ou crença. A análise dos resultados destacou a
importância dessas iniciativas para a promoção de uma cultura escolar inclusiva e equitativa.
Palavras-chave: Gênero. LGBTfobia. Coletivo Dandara

Introdução
Diante de uma sociedade em constante transformação, com a presença de tecnologias e
inovações cada vez mais frequentes no cotidiano do educando, juntamente com as novas
demandas do ensino médio, tornou-se urgente a desconstrução da educação bancária e de seus
métodos tradicionais enraizados na prática pedagógica. Onde vivenciasse a multiplicidade de
gêneros, classes, identidades, sexualidades, etnias e crenças, torna-se urgente a desconstrução
de uma educação bancária e de seus métodos tradicionais enraizados na prática pedagógica
levando a escola a assumir seu papel de conscientizar e de apresentar essa diversidade como
algo que é inerente a existência humana, uma vez que a escola é, por excelência, um dos
principais espaços de formação para a cidadania e de socialização dos educandos. No entanto,
a educação nem sempre se mostra capaz de lidar com a diversidade, em particular com as
questões ligadas à sexualidade, identidade de gênero e à orientação sexual. Esta dificuldade
traz sérias consequências a todos os estudantes, prejudicando seu aprendizado e saúde
emocional. O que também impede que a escola desempenhe adequadamente uma de suas mais
importantes funções sociais nos dias de hoje: contribuir para o fortalecimento na sociedade de
uma cultura que saiba respeitar e valorizar o pluralismo que é inerente a existência individual
e coletiva do sujeito. Ou seja, compreender o indivíduo como diverso e plural é adaptar a prática
pedagógica ao educando, ao invés de exigir que o estudante se adeque aos paradigmas
impregnados nas estruturas das instituições de educação. De modo a tornar o processo de
ensino-aprendizagem mais significativo e acolhedor para o estudante. Partindo desta premissa,
compreende-se a necessidade do educador de basear sua prática pedagógica num contexto de
uma sala de aula que é diversa em todas as suas interseccionalidades, de modo a ensinar
respeitando a diversidade dos educandos, considerando a sua identidade e valorizando o
protagonismo juvenil.
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Neste estudo, tomou-se como base as experiências vivenciadas pelo Coletivo Dandara
do núcleo de pesquisa sobre gênero, sexualidade e sentimento formado por alunos do ensino
médio e desenvolvido na escola estadual de período integral PEI Eurípedes Simões de Paula,
na região do Grajaú, periferia de São Paulo – SP, onde objetivou-se problematizar a formação
de educadores para lidar com a multiplicidade de identidades, corpos e existências dentro do
ambiente escolar. Para tanto foi utilizada como base teórica Judith Butler, Michel Foucault,
Paulo Freire, entre outros. Partindo de problematizações tais como, por que a educação se
demonstra resistente as transformações que ocorrem no indivíduo e na sociedade? Estaria a
escola preparada para lidar com diversidade inerente a existência humana?
A partir destas problematizações, desenvolveu-se um projeto interdisciplinar, a fim de
inserir de maneira integradora a diversidade e o pluralismo de ideias, com a finalidade de
desconstruir nos educadores as visões estereotipadas acerca do que foge a norma do patriarcado
e da heteronormatividade. Para tanto a metodologia usada não poderia ser nos moldes
tradicionais, de modo que, se criou um formato que abordasse as circunstâncias da realidade
da comunidade que cerca a unidade escolar, dialogando com os diversos objetos de
conhecimento contemplados dentro dos componentes curriculares, com a clareza da
necessidade da quebra de paradigmas para possíveis caminhos promissores para um debate que
se impõe na sociedade atual, explorando a urgência e relevância de um projeto escolar voltado
para a formação e sensibilização, visando combater a LGBTfobia no ambiente educacional.
Como uma resposta as estatísticas alarmantes e relatos de discriminação, tornando-se
imperativo abordar essa questão de maneira proativa. O coletivo Dandara buscou não apenas
confrontar a LGBTfobia, mas também estabelecer um ambiente escolar inclusivo, onde a
diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais fossem respeitadas. Ao destacar a
importância da educação como ferramenta fundamental para a transformação social, este artigo
explora como a implementação desse projeto pode ser um passo significativo na construção de
uma comunidade escolar mais acolhedora e significativa.

Coletivo Dandara e suas ações: Desafios e Necessidades na abordagem de gênero e


diversidade no ambiente escolar.
O Coletivo Dandara forma o núcleo de pesquisa sobre gênero, sexualidade e sentimento
formado por alunos do ensino médio da escola pública de período integral E.E PEI Eurípedes
Simões de Paula no ano de 2023, com a participação de vinte e cinco alunos que se
comprometeram em pesquisar, formar e conscientizar colegas, professores, profissionais da
educação e a comunidade que norteia o ambienta escolar acerca da necessidade de se combater

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a LGBTfobia através da compreensão da diversidade da sexualidades e identidades de gênero.
O objetivo foi dar visibilidade aos jovens membros da comunidade, assim como conscientizar
os demais acerca da necessidade da quebra de estereótipos e discriminações de gênero e
sexualidade, incentivando um ambiente escolar pautado no respeito a diversidade e ao
pluralismo de ideias. O projeto se deu entre janeiro e dezembro, iniciando-se com uma
formação que os membros do coletivo foram convidados a apresentar aos educadores. No
entanto, este foi um projeto contínuo que visou uma intervenção pedagógica através das
disseminações de informação sobre sexualidade, identidade de gênero, sentimentos,
diversidade e representatividade. Buscando sensibilizar e ampliar o olhar dos educadores a
respeito de discriminações e exclusões de estudantes e colegas LGBTs no ambiente escolar.
Com foco na visibilidade de alunos Trans e travestis. Ademais, os estudantes colaboraram com
as produções de narrativas que potencializaram a troca.
Ao serem convidados para realizar uma formação sobre diversidade e gênero para os
professores, os educandos demonstraram animação e proatividade, elaboraram um material
para dialogar sobre a temática com os educadores. A formação foi dividida em dois tempos,
para os professores do fundamental e para os professores do ensino médio, visto que, a escola
é dividida em dois turnos de oito horas. Ao iniciar, percebeu-se reações diversas, enquanto
alguns professores demonstraram-se curiosos e atentos, outros apresentaram-se resistentes e
contrariados. A formação, tanto quanto as afirmações dos educandos acerca da estrutura da
heteronormatividade, causaram reações distintas nos educadores presentes. Enquanto alguns
se escandalizavam, outra parte questionava e se envolvia. E mesmo diante da citação de alguns
artigos de lei e de trechos da BNCC, PCN e LDB para estruturar a formação, alguns professores
apresentaram um conflito entre seus princípios religiosos e suas obrigações jurídicas. De modo
que, tornou-se propício para se ampliar os debates em torno da sexualidade humana, o que
resultou na contrariedade de alguns educadores acerca da heteronormatividade, evidenciando
o quanto a cultura patriarcal se demonstra fortalecida nas estruturas das instituições escolares,
alimentando uma masculinidade tóxica em educandos e educadores. No entanto, à medida que
cresceu a discussão em torno dos direitos da comunidade LGTB, evidenciou-se o quanto a
educação se apresenta resistente as transformações que norteiam a existência humana. Isso
evidencia a necessidade do reconhecimento e da importância de estratégias para a afirmação
das identidades de gênero e orientações sexuais bem como para sua livre manifestação. Visto
que, se por um lado espera-se que abordar a diversidade na educação, seja um desafio
complexo. Diante de uma sociedade que é estruturada pela discriminação a tudo que se

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apresenta diferente da norma socialmente imposta, é paradoxal que o diálogo sobre diversidade
encontre barreiras nas instituições educacionais. Por outro lado, vai de desencontro as
propostas educacionais dentro dos fundamentos que norteiam a prática pedagógica do docente,
como destacam os parâmetros curriculares nacionais – PCN (2001), onde coloca-se a
pluralidade cultural e a sexualidade como temas transversais e da BNCC que determina que a
convivência e o respeito a diversidade devem ser uma dimensão fundamental de uma escola
acolhedora.
A dificuldade emerge, em parte, da relutância em confrontar temas que desafiam as
normas estabelecidas. A sociedade, por vezes, resiste a discutir questões relacionadas a gênero,
orientação sexual, etnia e crenças, como se a omissão pudesse evitar conflitos ou desconfortos.
Essa resistência cria um vácuo, uma ausência de diálogo que perpetua estigmas e limita o
entendimento mútuo. Além disso, a falta de recursos e formação adequada para os educadores
pode contribuir para a hesitação em abordar a diversidade. O medo de dizer algo inadequado
ou de não compreender totalmente as nuances de determinadas identidades muitas vezes resulta
em silêncios que, por sua vez, alimentam o preconceito. Contudo, é vital reconhecer que
enfrentar a dificuldade de falar sobre diversidade é o primeiro passo para a transformação. A
educação deve ser um espaço onde o diálogo aberto e inclusivo é incentivado, onde as
diferenças são celebradas e compreendidas. Transformando-se em um agente de mudança
social. Ao enfrentar a dificuldade de falar sobre diversidade, as instituições educacionais
podem se tornar catalisadoras de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Gênero, diversidade e discriminação no ambiente escolar

De acordo com BUTLER (2003) o gênero é uma construção social que divide os
sujeitos entre apenas duas identidades possíveis, ao que se dá o nome de binarismo. No entanto,
existem indivíduos que fogem a heteronormatividade e a cisnormatividade, de modo que, a
concepção de gênero deve englobar as diversas identidades que desconstroem constantemente
o binarismo socialmente imposto. Desse modo, diante de uma sociedade que nos apresenta
constantemente o patriarcado fortemente enraizado em nossas estruturas e instituições,
afetando fortemente o cotidiano dos indivíduos de acordo com seus papeis de gênero, é
imprescindível refletir que reações tóxicas no que tange a relacionamentos dentro da unidade
escolar são reflexos e reproduções dos valores sociais ao qual os sujeitos são condicionados,
ou seja, sujeitos enquanto suas construções binárias são educadas e socializadas para cumprir
valores sociais pré-estabelecidos.
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De modo que, o convívio escolar para aqueles estudantes que fogem a norma
socialmente imposta, apresentam-se através de expressões homofobias e violências que se
expressam de maneira verbal e física. A discriminação pode se manifestar de diversas maneiras.
De forma tão silenciosa que se tornam naturalizadas de tão recorrentes, numa verdadeira
inversão de valores construída através de verdades absolutas inexplicáveis e inquestionáveis,
que são disseminadas através de instituições de poder, como família, igreja, escola e mídia.
Desde estereótipos tradicionais que limitam as escolhas e expectativas com base no gênero, até
formas mais sutis de desigualdade no tratamento entre estudantes. As pressões desses
estereótipos, impactam o desenvolvimento acadêmico e emocional do educando. O resultado
da soma destes fatores é a construção de relacionamentos cada vez mais verticalizados, onde
ocorre a sujeição de um em detrimento do privilégio do outro, estabelecendo uma assimetria
de corpos e sujeitos que é perversa
Diante disto, o Coletivo Dandara buscou compreender como a diversidade é
compreendida dentro do ambiente escolar, onde observou-se, que entre as maiores vítimas de
discriminação estão as pessoas que não se enquadram nos padrões de sexualidade considerados
dentro da norma. De modo que, o objetivo principal foi verificar que concepções existiam sobre
a diversidade e de que maneira a comunidade escolar lidava com aqueles e aquelas que eram
considerados lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, seja no modo como essa
temática estava sendo abordada no projeto, ou nas estratégias que eram utilizadas para agir
frente à LGBTfobia. Quando se trata de diversidade, a inclusão de alunos de diferentes origens
é crucial para criar um ambiente enriquecedor. No entanto, a discriminação racial, étnica,
religiosa ou baseada em orientação sexual ainda persiste. A exclusão de estudantes por causa
de sua identidade ou origem cria uma atmosfera tóxica que mina os princípios fundamentais
da educação. Assim sendo, criar um projeto que trabalhe o acolhimento deste estudante de
maneira integradora com a família e a comunidade, para que ela sinta a escola como um local
seguro, apaziguando da discriminação social. Para tanto a metodologia usada não pode ser nos
moldes tradicionais, de modo que, se crie um formato que aborde as circunstâncias da realidade
da estrutura sociocultural do aluno, de modo que saliente a importância do papel da escola na
saúde mental e emocional dos educandos.
Para tanto, é preciso que se oriente os professores, visto que existe um despreparo dos
profissionais da educação para lidar com questões de diversidade nas escolas, o que resulta
numa discriminação e inclusive conflito de gerações. Esse tal despreparo impede a articulação
de projetos sobre o desenvolvimento de habilidades não apenas pautado no pedagógico, mas

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considerando a importância do socioemocional e de sua estrutura sociocultural neste projeto.
Portanto, o acolhimento dentro das instituições de educação é primordial para a recepção do
aluno, unido a metodologias ativas e atividades extracurriculares compreendendo as diferentes
fases do educando. Em contrapartida, observou-se que a geração dos nossos educandos, tem
uma forte compreensão acerca da diversidade e do pluralismo de ideias, sentindo-se
representados. Assim foram discutidas essas relações nas diferentes perspectivas do educando,
tais como: Gênero e Sexualidades, Identidade e Gestão de Sentimentos. Foram encontros que
ocorreram durante um ano, ao final, revelando a necessidade de algo mais profundo, que foi
possibilitado a partir dos coletivos montados dentro da unidade escolar, pautando um projeto
de educação em direitos humanos, que, por sua vez, possibilitou a organização do documentário
"Não recomendado", no ano de 2023. Essas ações repercutiram na escola e na comunidade.
Podemos apontar como um dos seus resultados mais eficazes o debate permanente em torno
das homossexualidades e a visibilidade dessa comunidade, e a proximidade dos alunos com os
educadores, a partir do momento que se sentiram representados.

Considerações finais
O patriarcado e a heteronormatividade está tão enraizados como modelo a ser
rigorosamente seguido, que se mostra desconfortável refutá-lo. Afinal quando questiona-se a
ordem social vigente, o modelo familiar, a maneira como se vive, como se pensa e como se
relaciona, se questiona o privilégio de uns em detrimento da opressão dos outros, contestando
que uns sejam favorecidos e outros sejam oprimidos e consequentemente propondo uma
autorreflexão desse sistema onde é preciso assumir seus papeis sociais para que o sistema seja
mantido. É uma proposta de autorreflexão. Assim sendo, cabe aos profissionais da educação
questionar violências que reproduzam e compreender que a voz e a educação são ferramentas
de conscientização e consequentemente de resistência. Do mesmo modo, que cabe a escola se
reconhecer enquanto uma instituição de poder, que pode ou reproduzir permanências sócio-
históricas de um país colonizado, patriarcal e racista, ou quebrar paradigmas e mudar
mentalidades para assim transformar a sociedade. Com o objetivo de fomentar garantias de
direitos e visibilidade aos estudantes e professores da comunidade LGBTQIAPN, com políticas
afirmativas diante da necessidade da quebra de estereótipos e discriminações de gênero e
sexualidade, incentivando uma sociedade pautada no respeito a diversidade de identidades de
gênero e sexualidade.

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Portanto, é diante desta realidade que se torna indispensável elucidar que ninguém
trabalha sozinho na manutenção de valores sociais desiguais e injustos, e que a construção
dessas instituições disfuncionais conta com a forte e indispensável ajuda da sociedade
patriarcal e heteronormativa, que a todo momento naturaliza atitudes discriminatórias com
membros da comunidade LGBTQIAPN, o que consequentemente naturaliza abusos e
violências, fazendo com que pessoas LGBT sintam-se culpadas pela violência que sofrem.
Assim sendo, a desconstrução destes valores enraizados em estereótipos de gênero só pode se
dar através do diálogo e do conhecimento, através da sensibilidade de compreender que se trata
de um processo muitas vezes lento e cheio de altos e baixos, visto que são verdades ao qual os
sujeitos foram condicionados durante toda uma vida. Assim sendo, é através do conhecimento
que minorias podem se reconhecer como sujeitos de suas próprias histórias, capazes de resistir.
Para o opressor pode trazer reconhecimento de seus privilégios e consequentemente a
desconstrução de uma masculinidade e heteronormatividade tóxica que também o afeta
negativamente, e para a oprimida o diálogo pode trazer identidade, pertencimento e
consequentemente emancipação.
Deste modo, o processo precisa ser contínuo visando intervenções através das
disseminações de informação sobre sexualidade, identidade de gênero, sentimentos,
diversidade e representatividade. Buscando sensibilizar e ampliar o olhar dos sujeitos a respeito
de discriminações e exclusões de membros da comunidade LGBTQIAPN na sociedade.
Ademais, incentivando estudantes as produções de narrativas que potencializaram a troca.
Visto que, nesse desafio de combater a LGBTfobia no ambiente escolar, o protagonismo
juvenil emergiu como uma força transformadora. Os estudantes, ao assumirem papéis ativos
nessa luta, não apenas desafiaram preconceitos, mas também moldaram um ambiente
educacional mais inclusivo e respeitoso. As considerações finais deste trabalho destacam a
importância de empoderar os jovens a se tornarem agentes de mudança. Ao liderarem
iniciativas, campanhas e diálogos educativos, esses estudantes não apenas sensibilizaram seus
colegas, mas também influenciam professores e gestores escolares a repensarem práticas
discriminatórias. Ressaltando a necessidade contínua de educação e sensibilização. A jornada
para erradicar a LGBTfobia não é linear, e o protagonismo juvenil precisa ser apoiado por
políticas educacionais inclusivas, formação para professores e espaços seguros para discussões
abertas.
Ao final, os estudantes que se destacaram como protagonistas nessa causa oferecem
não apenas soluções tangíveis, mas também inspiram uma mudança cultural. A esperança

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reside na capacidade de jovens engajados influenciando não apenas suas escolas, mas a
sociedade em geral, promovendo um futuro mais igualitário e acolhedor para todos,
possibilitando a formação de professores e para melhor lidar com a diversidade dentro da sala
de aula. Inclusive trazendo também representatividade para educadores gays e lésbicas que se
colocam no interior da escola, que estabelecem, com isso, uma relação de proximidade com o
estudante, devido a identificação. Educadores que já olham para a sala de aula e para o contexto
escolar como um todo, entendendo que esses espaços dizem mais do que relações de conteúdo.
Docentes que, independentemente de suas orientações sexuais ou identidades, estão
interessados em discutir e construir outras formas de ser e estar, outros tipos de escolas,
modificando mentalidades e quebrando paradigmas, que, ao se colocarem nesse movimento,
possibilitam que alunos e alunas se sintam mais à vontade para falar de si.

Bibliografia
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão de identidade. Tradução de
Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Tradução de Regina Bettoni.
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Seção 1, p. 27833.
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FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1994.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
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FACCHINI, R. Histórico da luta de LGBT no Brasil. Cadernos Temáticos: Psicologia e
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MICHELS, E.; MOTT, L. População LGBT Morta no Brasil: Relatório GGB 2018. Grupo Gay
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TREVISAN, J. S. Devassos no Paraíso: A Homossexualidade no Brasil da Colônia à
Atualidade. Editora Objetiva, 4ed. Rio de Janeiro: 2018. UNESCO, Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Plano de Aula: Dia Internacional Contra
Homofobia e Transfobia. São Paulo, 2014.
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VANNUCHI, P. Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania
de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. In: Texto-base da Conferência Nacional
de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, 2008, Brasília. Brasília: Governo
Federal, 2008.

Coletivo Dandara: Experiência e luta LGBTQIAP+ dentro da escola


pública.

Tamires Marinho

Resumo: O presente artigo aborda um projeto escolar que se dedicou à formação e


sensibilização de professores e demais profissionais da educação a fim de promover uma
educação inclusiva de gênero e diversidade, sobretudo no que se refere a prática pedagógica de
educadores frente à multiplicidade presente no ambiente escolar e como isso tem suscitado
expressivas reflexões acerca de práticas educativas voltadas para a convivência com as
diferenças. De modo que, propõe-se algumas reflexões nascidas a partir da atuação de um grupo
Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
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de educandos do Ensino médio que formaram o coletivo Dandara, um núcleo de pesquisa sobre
gênero e sexualidade na escola pública de período integral PEI Euripedes Simões de Paula. O
projeto visou criar um ambiente escolar acolhedor e respeitoso a diversidade e ao pluralismo
de ideias, implementando programas de formação para educadores e atividades de
conscientização para os alunos e comunidade. A abordagem multifacetada incluiu formações,
palestras e recursos audiovisuais, visando desconstruir estereótipos de gênero, promovendo a
igualdade e criando um espaço seguro e acolhedor para todos os sujeitos, independentemente
de sua identidade de gênero, sexualidade, raça ou crença. A análise dos resultados destacou a
importância dessas iniciativas para a promoção de uma cultura escolar inclusiva e equitativa.

Palavras-chave: Diversidade. Pluralismo. Educação. Protagonismo juvenil. Formação


continuada.

Introdução
Diante de uma sociedade em constante transformação e inovação, onde vivenciasse a
multiplicidade de gêneros, classes, identidades, sexualidades, etnias e crenças torna-se urgente
a desconstrução de uma educação bancária e de seus métodos tradicionais enraizados na prática
pedagógica levando a escola a assumir seu papel de conscientizar e de apresentar essa
diversidade como algo que é inerente a existência humana, uma vez que a escola é, por
excelência, um dos principais espaços de formação para a cidadania e de socialização dos
educandos. No entanto, a educação nem sempre se mostra capaz de lidar com a diversidade,
em particular com as questões ligadas à sexualidade, identidade de gênero e à orientação sexual.
Esta dificuldade traz sérias consequências a todos os estudantes, prejudicando seu aprendizado
e saúde emocional. O que também impede que a escola desempenhe adequadamente uma de
suas mais importantes funções sociais nos dias de hoje: contribuir para o fortalecimento na
sociedade de uma cultura que saiba respeitar e valorizar o pluralismo que é inerente a existência
individual e coletiva do sujeito. Ou seja, compreender o indivíduo como diverso e plural é
adaptar a prática pedagógica ao educando, ao invés de exigir que o estudante se adeque aos
paradigmas impregnados nas estruturas das instituições de educação. De modo a tornar o
processo de ensino-aprendizagem mais significativo e acolhedor para o estudante. Partindo
desta premissa, compreende-se a necessidade do educador de basear sua prática pedagógica
num contexto de uma sala de aula que é diversa em todas as suas interseccionalidades, de modo
a ensinar respeitando a diversidade dos educandos, considerando a sua identidade e valorizando
o protagonismo juvenil.
Neste estudo, tomou-se como base as experiências vivenciadas pelo Coletivo Dandara
do núcleo de pesquisa sobre gênero, sexualidade e sentimento formado por alunos do ensino

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médio e desenvolvido na escola estadual de período integral PEI Eurípedes Simões de Paula,
na região do Grajaú, periferia de São Paulo – SP, onde objetivou-se problematizar a formação
de educadores para lidar com a multiplicidade de identidades, corpos e existências dentro do
ambiente escolar. Para tanto foi utilizada como base teórica Judith Butler, Michel Foucault,
Paulo Freire, entre outros. Partindo de problematizações tais como, por que a educação se
demonstra resistente as transformações que ocorrem no indivíduo e na sociedade? Estaria a
escola preparada para lidar com diversidade inerente a existência humana?
A partir destas problematizações, desenvolveu-se um projeto interdisciplinar, a fim de
inserir de maneira integradora a diversidade e o pluralismo de ideias, com a finalidade de
desconstruir nos educadores as visões estereotipadas acerca do que foge a norma do patriarcado
e da heteronormatividade. Para tanto a metodologia usada não poderia ser nos moldes
tradicionais, de modo que, se criou um formato que abordasse as circunstâncias da realidade
da comunidade que cerca a unidade escolar, dialogando com os diversos objetos de
conhecimento contemplados dentro dos componentes curriculares, com a clareza da
necessidade da quebra de paradigmas para possíveis caminhos promissores para um debate que
se impõe na sociedade atual, explorando a urgência e relevância de um projeto escolar voltado
para a formação e sensibilização, visando combater a LGBTfobia no ambiente educacional.
Como uma resposta as estatísticas alarmantes e relatos de discriminação, tornando-se
imperativo abordar essa questão de maneira proativa. O coletivo Dandara buscou não apenas
confrontar a LGBTfobia, mas também estabelecer um ambiente escolar inclusivo, onde a
diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais fossem respeitadas. Ao destacar a
importância da educação como ferramenta fundamental para a transformação social, este artigo
explora como a implementação desse projeto pode ser um passo significativo na construção de
uma comunidade escolar mais acolhedora e significativa.

Promovendo a Educação inclusiva através do protagonismo juvenil: Desafios e


Necessidades na abordagem de gênero e diversidade no ambiente escolar.

O Coletivo Dandara forma o núcleo de pesquisa sobre gênero, sexualidade e sentimento


formado por alunos do ensino médio da escola pública de período integral E.E PEI Eurípedes
Simões de Paula no ano de 2023, com a participação de vinte e cinco alunos que se
comprometeram em pesquisar, formar e conscientizar colegas, professores, profissionais da
educação e a comunidade que norteia o ambienta escolar acerca da necessidade de se combater
a LGBTfobia através da compreensão da diversidade da sexualidades e identidades de gênero.

Anais da II Semana Internacional sobre Educação, Direitos Humanos, Diversidade Sexual e Gênero
ISBN: 978-65-00-92987-4
2024
O objetivo foi dar visibilidade aos jovens membros da comunidade, assim como que
conscientizar os demais acerca da necessidade da quebra de estereótipos e discriminações de
gênero e sexualidade, incentivando um ambiente escolar pautado no respeito a diversidade e
ao pluralismo de ideias. O projeto se deu entre janeiro e dezembro, iniciando-se com uma
formação que os membros do coletivo foram convidados a apresentar aos educadores. No
entanto, este foi um projeto contínuo que visou uma intervenção pedagógica através das
disseminações de informação sobre sexualidade, identidade de gênero, sentimentos,
diversidade e representatividade. Buscando sensibilizar e ampliar o olhar dos educadores a
respeito de discriminações e exclusões de colegas LGBTs no ambiente escolar. Com foco na
visibilidade de alunos Trans e travestis. Ademais, os estudantes colaboraram com as produções
de narrativas que potencializaram a troca.
Ao serem convidados para realizar uma formação sobre diversidade e gênero para os
professores, os educandos demonstraram animação e proatividade, elaboraram um material
para dialogar sobre a temática com os educadores. A formação foi dividida em dois tempos,
para os professores do fundamental e para os professores do ensino médio, visto que, a escola
é dividida em dois turnos de oito horas. Ao iniciar, percebeu-se reações diversas, enquanto
alguns professores demonstraram-se curiosos e atentos, outros apresentaram-se resistentes e
contrariados. A formação, tanto quanto as afirmações dos educandos acerca da estrutura da
heteronormatividade, causaram reações distintas nos educandos presentes. Enquanto alguns se
escandalizavam, outra parte questionava e se envolvia. E mesmo diante da citação de alguns
artigos de lei e de trechos da BNCC, PCN e LDB para estruturar a formação, alguns professores
apresentaram um conflito entre seus princípios religiosos e suas obrigações jurídicas. De modo
que, tornou-se propício para se ampliar os debates em torno da sexualidade humana, o que
resultou na contrariedade de alguns educadores acerca da heteronormatividade, evidenciando
o quanto a cultura patriarcal se demonstra fortalecida nas estruturas das instituições escolares,
alimentando uma masculinidade tóxica em educandos e educadores. No entanto, à medida que
cresceu a discussão em torno dos direitos da comunidade LGTB, evidenciou-se o quanto a
educação se apresenta resistente as transformações que norteiam a existência humana. Isso
evidencia a necessidade do reconhecimento e da importância de estratégias para a afirmação
das identidades de gênero e orientações sexuais bem como para sua livre manifestação. Visto
que, se por um lado espera-se que abordar a diversidade na educação, seja um desafio
complexo. Diante de uma sociedade que é estruturada pela discriminação a tudo que se
apresenta diferente da norma socialmente imposta, é paradoxal que o diálogo sobre diversidade

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encontre barreiras nas instituições educacionais. Por outro lado, vai de desencontro as
propostas educacionais dentro dos fundamentos que norteiam a prática pedagógica do docente,
como destacam os parâmetros curriculares nacionais – PCN (2001), onde coloca-se a
pluralidade cultural e a sexualidade como temas transversais e da BNCC que determina que a
convivência e o respeito a diversidade devem ser uma dimensão fundamental de uma escola
acolhedora.
A dificuldade emerge, em parte, da relutância em confrontar temas que desafiam as
normas estabelecidas. A sociedade, por vezes, resiste a discutir questões relacionadas a gênero,
orientação sexual, etnia e crenças, como se a omissão pudesse evitar conflitos ou desconfortos.
Essa resistência cria um vácuo, uma ausência de diálogo que perpetua estigmas e limita o
entendimento mútuo. Além disso, a falta de recursos e formação adequada para os educadores
pode contribuir para a hesitação em abordar a diversidade. O medo de dizer algo inadequado
ou de não compreender totalmente as nuances de determinadas identidades muitas vezes resulta
em silêncios que, por sua vez, alimentam o preconceito. Contudo, é vital reconhecer que
enfrentar a dificuldade de falar sobre diversidade é o primeiro passo para a transformação. A
educação deve ser um espaço onde o diálogo aberto e inclusivo é incentivado, onde as
diferenças são celebradas e compreendidas. Transformando-se em um agente de mudança
social. Ao enfrentar a dificuldade de falar sobre diversidade, as instituições educacionais
podem se tornar catalisadoras de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Gênero, diversidade e discriminação no ambiente escolar


De acordo com BUTLER (2003) o gênero é uma construção social que divide os
sujeitos entre apenas duas identidades possíveis, ao que se dá o nome de binarismo. No entanto,
existem indivíduos que fogem a heteronormatividade, de modo que, a concepção de gênero
deve englobar as diversas identidades que desconstroem constantemente o binarismo
socialmente imposto. De modo que, o convívio escolar para aqueles estudantes que fogem a
norma socialmente imposta, apresentam-se através de expressões homofobias e violências que
se expressam de maneira verbal e física. A discriminação pode se manifestar de diversas
maneiras. Desde estereótipos tradicionais que limitam as escolhas e expectativas com base no
gênero, até formas mais sutis de desigualdade no tratamento entre estudantes. As pressões esses
estereótipos, impactam o desenvolvimento acadêmico e emocional do educando. Diante disto,
o Coletivo Dandara buscou compreender como a diversidade é compreendida dentro do
ambiente escolar, onde observou-se, que entre as maiores vítimas de discriminação estão as
pessoas que não se enquadram nos padrões de sexualidade considerados dentro da norma. De
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modo que, o objetivo principal foi verificar que concepções existiam sobre a diversidade e de
que maneira a comunidade escolar lidava com aqueles e aquelas que eram considerados
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, seja no modo como essa temática estava
sendo abordada no projeto, ou nas estratégias que eram utilizadas para agir frente à LGBTfobia.
Quando se trata de diversidade, a inclusão de alunos de diferentes origens é crucial para criar
um ambiente enriquecedor. No entanto, a discriminação racial, étnica, religiosa ou baseada em
orientação sexual ainda persiste. A exclusão de estudantes por causa de sua identidade ou
origem cria uma atmosfera tóxica que mina os princípios fundamentais da educação.
Em contrapartida. observou-se que a geração dos nossos educandos, tem uma forte
compreensão acerca da diversidade e do pluralismo de ideias, sentindo-se representados. Assim
foram discutidas essas relações nas diferentes perspectivas do educando, tais como: Gênero e
Sexualidades, Identidade e Gestão de Sentimentos. Foram encontros que ocorreram durante
um ano, ao final, revelando a necessidade de algo mais profundo, que foi possibilitado a partir
dos coletivos montados dentro da unidade escolar, pautando um projeto de educação em
direitos humanos, que, por sua vez, possibilitou a organização do documentário "Não
recomendado", no ano de 2023. Essas ações repercutiram na escola e na comunidade. Podemos
apontar como um dos seus resultados mais eficazes o debate permanente em torno das
homossexualidades e a visibilidade dessa comunidade, e a proximidade dos alunos com os
educadores, a partir do momento que se sentiram representados.

Considerações finais
Diante dos autores citados neste trabalho, compreendeu-se que a escola é uma
instituição de poder que reproduz normas e estereótipos enraizados nas estruturas sociais, que
consequentemente, precisam ser problematizados e desconstruídos. Com o objetivo de dar
garantia de direitos e visibilidade aos estudantes e professores da comunidade LGBTQIAPN,
com políticas afirmativas diante da necessidade da quebra de estereótipos e discriminações de
gênero e sexualidade, incentivando uma sociedade pautada no respeito a diversidade de
identidades de gênero e sexualidade. Portanto, o processo precisa ser contínuo visando
intervenções através das disseminações de informação sobre sexualidade, identidade de gênero,
sentimentos, diversidade e representatividade. Buscando sensibilizar e ampliar o olhar dos
sujeitos a respeito de discriminações e exclusões de membros da comunidade LGBTQIAPN
na sociedade. Ademais, incentivando nos indivíduos as produções de narrativas que
potencializaram a troca. Visto que, nesse desafio de combater a LGBTfobia no ambiente
escolar, o protagonismo juvenil emergiu como uma força transformadora. Os estudantes, ao
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assumirem papéis ativos nessa luta, não apenas desafiaram preconceitos, mas também
moldaram um ambiente educacional mais inclusivo e respeitoso.
As considerações finais deste trabalho destacam a importância de empoderar os jovens
a se tornarem agentes de mudança. Ao liderarem iniciativas, campanhas e diálogos educativos,
esses estudantes não apenas sensibilizaram seus colegas, mas também influenciam professores
e gestores escolares a repensarem práticas discriminatórias. Ressaltando a necessidade contínua
de educação e sensibilização. A jornada para erradicar a LGBTfobia não é linear, e o
protagonismo juvenil precisa ser apoiado por políticas educacionais inclusivas, formação para
professores e espaços seguros para discussões abertas.
Ao final, os estudantes que se destacaram como protagonistas nessa causa oferecem
não apenas soluções tangíveis, mas também inspiram uma mudança cultural. A esperança
reside na capacidade de jovens engajados influenciando não apenas suas escolas, mas a
sociedade em geral, promovendo um futuro mais igualitário e acolhedor para todos,
possibilitando a formação de professores e para melhor lidar com a diversidade dentro da sala
de aula. Inclusive trazendo também representatividade para educadores gays e lésbicas que se
colocam no interior da escola, que estabelecem, com isso, uma relação de proximidade com o
estudante, devido a identificação. Educadores que já olham para a sala de aula e para o contexto
escolar como um todo, entendendo que esses espaços dizem mais do que relações de conteúdo.
Docentes que, independentemente de suas orientações sexuais ou identidades, estão
interessados em discutir e construir outras formas de ser e estar, outros tipos de escolas,
modificando mentalidades e quebrando paradigmas, que, ao se colocarem nesse movimento,
possibilitam que alunos e alunas se sintam mais à vontade para falar de si.

Bibliografia
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão de identidade. Tradução de
Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Tradução de Regina Bettoni.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 201
SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Tradução e notas de Guacira Lopes Louro. Belo
Horizonte: Autêntica, 2017.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998
BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
Seção 1, p. 27833.
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______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade
cultural e orientação sexual. Brasília, DF: Ministério da Educação Secretaria da Educação
Fundamental, 2001.

FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1994.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das


necessidades educativas especiais. 1998. Disponível em: <http://bit.ly/2p1ypE6>. Acesso em:
3 set. 2015.

ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E TRANSTORNOS


MENTAIS: GARANTIA DOS DIREITOS NAS INSTITUIÇÕES DO
PARANÁ

Natalha Cunha dos Santos


Márcia Gomes E. da Luz

Resumo: Este estudo teve por objetivo analisar a natureza jurídica das medidas
socioeducativas (MSE) aplicadas em adolescentes em conflito com a lei e com transtornos
mentais no Paraná, a fim de compreender em que medida os direcionamentos dados a esses
jovens atendem os seus direitos de pessoas em desenvolvimento biopsicossocial, propondo
reflexões acerca da temática. O estudo se justifica pelo fato de que, embora existam várias
pesquisas sobre adolescentes que cumprem medida sócia educativa, estas não costumam
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discutir sobre jovens atendidos com transtornos mentais. A metodologia utilizada privilegiou
a abordagem qualitativa de coleta de dados, que se deu por meio de entrevistas
semiestruturadas, as quais foram analisadas à luz do referencial teórico. A partir dos dados
obtidos, constatou-se que, apesar de existirem leis voltadas para adolescentes em conflito com
a lei, inexistem projetos governamentais voltados a esse público que possui transtornos
mentais. Isso desampara os serviços oferecidos pelas instituições que atendem esses jovens,
levando a diversas lacunas que ferem seus direitos e precisam ser superadas.

Palavras-chave: Adolescentes. Medida sócio educativa. Transtorno Mental. Legislação.


Direitos humanos.

Introdução

Atos infracionais cometidos por adolescentes sempre existiu ao longo do tempo, no


entanto, a forma como a sociedade enxerga e direciona esses jovens foi se modificando ao
longo dos anos. Para se compreender os adolescentes em conflito com a lei nos dias atuais e a
maneira como são tratados, faz-se necessário entender quais são os contextos individuais,
sociais e culturais que produzem a criminalidade. Esse estudo investigou sobre a temática,
buscando compreender brevemente os encaminhamentos dados aos adolescentes que cumprem
MSE no Paraná. Considerando que a adolescência é um período de muitas transformações e,
por tal, demanda uma medida socioeducativa que atenda suas particularidades, o Art.112 do
ECA dispõe que a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-
la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Além disso, versa que os adolescentes com
transtorno mental devem receber tratamento individual e especializado em local adequado às
suas condições, que lhes garantam atendimentos específicos, com equipe multidisciplinar. Vale
destacar que, embora os estudos que abordam adolescentes em conflito com a lei sejam
amplamente discutidos na literatura, poucas são as pesquisas que discutem o adolescente em
medida socioeducativa com transtornos mentais. Assim, o presente estudo torna-se relevante
na medida em que questiona as lacunas legais que impedem com que estes jovens tenham seus
direitos garantidos.

MÉTODO

Essa pesquisa é resultado de um projeto de Iniciação Científica desenvolvido em uma


instituição de ensino superior, devidamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética. Os
seis participantes da pesquisa possuem formação em Psicologia e atuam em instituições que
atendem adolescentes em conflito com a lei. Inicialmente, os profissionais foram orientados
em relação aos objetivos da pesquisa e seu caráter sigiloso, bem como, informados de que a

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entrevista seria gravada. Todavia, salientou-se que a qualquer momento a participação destes
poderia ser interrompida. Mediante a concordância verbal, quanto à participação no estudo, foi
solicitado que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de
dados ocorreu através de uma entrevista semiestruturada a qual, posteriormente, foi analisada
à luz do referencial teórico. As categorias de análise foram a abordagem inicial com o
adolescente em conflito com a lei e transtornos mentais; o plano individual de atendimento
(PIA) e os procedimentos adotados em adolescentes com transtornos mentais e os critérios para
o encerramento da medida socioeducativa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A forma como a sociedade lança o olhar sobre um determinado fenômeno não é


universal, atemporal e imutável, e isso se aplica, inclusive, à criminalidade, afinal, nem sempre
o que a sociedade atual entende por “crime” foi percebido como um delito e/ou um
comportamento transgressor em sociedades anteriores. Levisky (2000) retrata que os atos
infracionais cometidos por adolescentes, tendem a ser a resultante de uma construção social
cuja raiz, muitas vezes, está na própria violência familiar e social.
Não é nossa intenção neste texto se aprofundar no assunto, porque excede nosso
propósito, mas ressaltar que ao se aplicar uma MSE em um adolescente em conflito com a lei,
deve-se considerar todos os aspectos de sua vida, social, cultural e, inclusive, biológico, que é
o caso de jovens com transtornos mentais. De acordo com o DSM-V (2014), o transtorno
mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição,
na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento
mental. Desse modo, ao pensarmos em um adolescente em MSE e com transtorno mental, é
importante oferecer um atendimento global que considere todas as suas particularidades.
O Estatuto da criança e do adolescente (ECA), assegura em seu art.112, que ao cumprir
MSE, o adolescente deve receber tratamento individual e especializado e o Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE, 2012), propõe que o atendimento seja realizado na
rede pública de atenção à saúde mental. Desta forma, se faz necessário que as unidades
socioeducativas se adequem para receber esses jovens, oferecendo um tratamento adequado e
especializado. Vale lembrar que, é dever do Estado garantir o direito de crianças e adolescentes,
por meio de projetos e políticas públicas que os atendam na sua integralidade. Ademais,
entende-se que, mesmo que esses jovens sejam direcionados para um atendimento na área da

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saúde, isso não exime a responsabilidade das unidades socioeducativas, de promover oficinas
que abordem vários aspectos, dentre eles os de saúde (CONASS, 2013). Diante do exposto, na
sequência, será apresentada uma breve síntese da análise realizada na pesquisa.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste estudo, intencionou-se compreender os trâmites legais, sobretudo, no momento


em que o adolescente com transtorno mental inicia seu atendimento em MSE e entender se o
atendimento e encaminhamentos dados garantem os direitos do jovem. Neste sentido,
constatou-se que em cinco das seis instituições pesquisadas, as formas de conduzir o início da
medida são semelhantes, ou seja, realizam uma entrevista com os pais e com os adolescentes,
uma investigação da estrutura familiar e social e do quadro de saúde físico do jovem e elaboram
o Plano Individual de Atendimento (PIA). Vale lembrar, que o PIA não contempla um tópico
específico para investigar e trabalhar os aspectos de possíveis, transtornos mentais, fato este
que fragiliza o atendimento ao jovem, que deve considerar sua individualidade e integralidade.
Ao serem indagadas, as instituições informaram que neste primeiro contato com o
adolescente, não é investigado os aspectos psíquicos, exceto quando a família, de forma
espontânea, relata que o jovem possui algum transtorno mental. Nestes casos, ele é
encaminhado para ser atendido no CAPS ou CAPSi. No entanto, a própria instituição não
oferece nenhum tipo de atendimento específico e/ou programas e adaptações necessárias para
ele, fato este que, a nosso ver, viola os direitos do adolescente, pois de acordo com ECA, art.
7, “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990). Oferecer um suporte individual e
especializado, não se resume apenas ao tratamento medicamentoso e psicoterapêutico, antes
disso, é garantir um espaço de acolhimento e inclusão, de modo a romper com as barreiras que
impedem o adolescente de se desenvolver.
São muitos os transtornos mentais existentes, cada um com suas particularidades, que
geram alterações fisiológicas e mudanças comportamentais e essas alterações podem ser
potencializadas por estímulos ambientais estressores. Um aspecto importante a se considerar é
que no regime de internação, o adolescente fica sozinho e trancado, e isso pode servir de gatilho
para o desencadeamento de quadros clínicos. Assim, é de grande valia que os profissionais que
trabalham nestas instituições, tenham uma formação adequada que garanta o manejo adequado
ao jovem, considerando suas demandas específicas.

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Frente a isso, o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2016) expressa que o
profissional, no exercício da função de técnico de referência, deve orientar e dar suporte ao
adolescente para a construção de um novo projeto de vida. Construir um projeto de vida requer
primeiramente condições adequadas, consideradas fatores de proteção na fase da adolescência,
período que reflete as aspirações e desejos de realizações para o futuro. Além disso, o art. 3 do
ECA destaca que o indivíduo tem direito a “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade” (BRASIL, 1990). Para tanto, é preciso que existam parâmetros que busquem
prestar o atendimento devido, considerando o compromisso socioeducativo dos adolescentes
com transtorno mental, que vão para além da responsabilização do ato.
Um outro aspecto a se considerar é a medicalização nos meios fechados, assim neste
estudo, constatou-se que são muitos os adolescentes que fazem uso de medicação, sendo estes
inseridos pela própria instituição como alternativa para acalmar alguns jovens. Diante disso, se
evidencia que apesar das instituições afirmarem que elaboram estratégias que viabilizem a
socialização e a reconstrução de valores, atitudes e da própria identidade dos adolescentes, não
atendem as demandas dos casos de transtorno mental. Antes disso, utilizam de métodos mais
práticos (uso de remédios) ao invés de realizarem estratégias e práticas adequadas e especificas
a esse público. Vale lembrar que, a psicologia é contrária a esse tipo de prática, tanto que o
Conselho Federal de Psicologia (CFP) assinou o Manifesto realizado pelo Fórum sobre
Medicalização da Educação e da Sociedade, em 2012, que lançou a campanha Nacional
denominada “Não à medicação da Vida”, cujo objetivo era chamar a atenção às questões éticas
da Medicalização (CFP, 2012).

Considerações Finais
Mediante ao exposto se percebe que o atendimento da MSE nas instituições é de certo
modo, inadequado, pois não oferece atendimento específico e não efetiva os direitos garantidos
no ECA de 1990, na lei 10.216/2001 de saúde mental e até mesmo o exposto pelo SINASE
(2012). É preciso ter a compreensão de que, antes do adolescente em questão ser autor de ato
infracional, é um sujeito com transtorno mental que precisa de tratamento e que demanda um
manejo adequado às suas capacidades. Neste estudo constatou-se que as unidades não estão
adequadas para prestar atendimento a este público, pois não atendem as demandas especificas
e, nem tampouco, oferece capacitação aos profissionais para tanto. Todavia, não se deve
desconsiderar os serviços já existentes que constituem uma resposta às violações de direitos,

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entretanto, mesmo com os avanços neste campo as situações de violação ainda são recorrentes,
no que diz respeito a adolescentes com transtorno mental privados de liberdade. Além de que,
as demandas são muito maiores do que a capacidade de atendimento dos equipamentos
existentes, sendo necessário o fortalecimento da rede.
Percebe-se que as instituições precisam ser transformadas em verdadeiras unidades
socioeducativas, prezando pela socioeducação e não por transformar o local em pequenos
“presídios”, como prevalece em boa parte do sistema. Assim, tal critica diz respeito a atuação
do setor de segurança, que corresponde ao maior número dentro das unidades, na qual, por
vezes prevalece a forma de atuação voltada para o olhar da punição e da coerção. Evidencia-se
também, a necessidade do posicionamento efetivo do Estado, que devido à insuficiência no
atendimento, se torna notório que este não tem cumprido o seu papel de promover ações
intersetoriais de modo a viabilizar, de fato, o atendimento adequado desse público, uma vez
que têm recebido um atendimento precário, sem atender as suas demandas específicas. Diante
do exposto, é preciso prestar atenção à fragilidade do atendimento institucional, tendo em vista
que o adolescente com transtorno mental necessita de tratamento específico, devido ao seu
comprimento psíquico e vulnerabilidade social.
Pretende-se com este estudo, não esgotar o tema proposto, mas antes contribuir com as
discussões que podem instigar outros estudos na área. Compreender esse assunto torna-se
relevante na medida em que gera reflexões acerca do trato com adolescentes em MSE e com
transtornos mentais, que favorecem o repensar sobre a construção de um novo modo de
atuação, mais ético e humanizado.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014

BRASIL. Lei Nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. SINASE - Sistema Nacional de


Atendimento Socioeducativo.

______. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente e dá


outras providências.

______. Lei Nº 10.216, de 6 de abril De 2001. Proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

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CONASS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, nota técnica. Política de Atenção
Integral à Saúde dos Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e
Internação Provisória (PNAISARI). Brasília, 2013.

CFP, Conselho Federal de Psicologia, nota técnica. Parâmetros para a atuação das e dos
profissionais de Psicologia no âmbito sistema único de Assistência Social (SUAS). Brasília,
2016.

CFP, Conselho Federal de Psicologia. Subsídios para a Campanha não a medicalização da


Vida. Brasília, 2012.

LEVISKY, D. L. (org.). Adolescência e violência: consequências da realidade brasileira. 1.


ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. 143 p. ISBN 9788573960938, 8573960930.

DIREITO E LITERATURA CUIRLOMBISTA: Tensões e aproximações


nos discursos jurídicos produzidos dentro e fora das salas de aula

Camila Pina Brito

Resumo: O discurso jurídico é resultado de disputas entres inúmeras vozes, a título de


exemplo: poderes executivo, jurídico e legislativo; professores, manuais, arte. Visa
interseccionar Direito e Arte: Quais os pontos de aproximações e tensões entre os
discursos produzidos nos manuais mais indicados nos cursos jurídicos e na literatura
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periférica? Serão analisados os discursos demulheres localizadas no eixo Itabuna-Ilhéus,
com o intento de examinar os discursos produzidos na literatura marginal feminina,
observando os seus pontos de aproximação e distanciamento com os discursos estatais.
Este trabalho está em fase de projeto, nele pretendo discutir adecolonialidade do direito,
buscando suporte no pensamento jurídico crítico, nos estudos culturais, nos feminismos
interseccionais e nas teorias raciais. Terá como principal interesse a análise dos discursos
sobre sexualidade presentes nos manuais mais indicados nos cursos de bacharelados em
direito e na literatura produzida por e para as classes populares e grupos minoritários, a
literatura marginal cuirlombista. A interação entre direito, sexualidade e literatura
cuirlombista é a novidade epistemológica proposta. Objetivo adotar a abordagem quali-
quantitativa. As produções artísticas periféricas não serão apenas os discursos sob
investigação, mas também produções epistemológicas voltadas para analisae os
discursos jurídicos hegemônicos e para produção de novas teorias e métodos.
Palavras-chave: Direito e Arte. Cuirlombismo literário. Direito e Sexualidade.
Decolonialidade. Discurso Jurídico.

Introdução
Movimentos sociais denunciam há décadas a invisibilidade de suas histórias nos
materiais didáticos. Como resposta que não ultrapassa o reconhecimento das ausências, insere-
se no calendário uma data comemorativa dedicada às reflexões não aprofundadas, seja por
desconhecimento (Epistemicídio), desinteresse ou insuficiência de tempo.
Vestido de neutralidade, o curso jurídico repete a mesma fórmula educacional
excludente que marginaliza as pessoas e temáticas que contestam a hegemonia branca e
masculina (MUNANGA, 2000). A falácia da neutralidade resulta na massificação dos
estudantes e expulsão informal de muitos que não veem suas práticas e identidades ali
representadas de forma positiva, e também na formação estrutural de profissionais inaptos para
utilização do direito enquanto instrumento de justiça social.
A suposta neutralidade do Ensino jurídico resulta na massificação dos estudantes e
expulsão informal de muitos que não veem suas práticas e identidades ali representadas de
forma positiva, e também na formação estrutural de profissionais inaptos para utilização do
direito enquanto instrumento de justiça social.
Na prevalência do positivismo dogmático jurídico, o pilar da educação jurídica está na
subsunção entre normas e consequências. O/A estudante do direito sai do curso acreditando
que todas as peças se encaixam perfeitamente, contudo, no exercício da profissão descobre
que nãoé tão simples montar o quebra-cabeça sócio-jurídico.

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Estudar o discurso jurídico produzido nos cursos de Direito tem o potencial de
confrontar a propagada neutralidade jurídica proposta pelo juspositivismo. Observe-se,
contudo, que os discursos sobre o Direito são produzidos por diversos atores sociais, o Direito
é tema e sevale da Arte. Estudar essa relação pode acontecer por múltiplos caminhos e direções.
O início dos estudos relacionando Direito e arte foi estabelecido a partir da Literatura,
porém a partir de textos intitulados como clássicos: literatura grega, produções europeias; no
Brasil, observa-se, principalmente a conexão com as obras de Machado de Assis. E quando se
utilizam de obras classificadas como realistas – obras que tratam das mazelas sociais, em geral,
são a partir do olhar da classe média. Exemplo: o livro Cidade de Deus, do autor Paulo Lins.
A literatura marginal ou periférica surge como uma “escrita de si” capaz de provocar
tensões discursivas e transformações sociais e tratam-se de contra narrativas, ou seja, que
destoam das narrativas hegemônicas. E, dentro desta modalidade, pretendo lançar o meu olhar
para a literatura “cuirlombista”, por considerar socialmente relevante investigar as subversões
que a literatura marginal pode ocasionar no discurso jurídico.
Nova ainda é a discussão que busca travar um diálogo entre o direito e a literatura
marginal, a exemplo do artigo “DIREITO E LITERATURA PELAS MARGENS: O novo
boom latino-americano e a literatura dos silenciados”, escrito por Henriete Karam e Angela
Espíndola e publicado em 2020, com a proposta de investigar a singularidade dos estudos em
Direito e Literatura no contexto da América Latina e, de forma mais detidamente, no Brasil.
Delimito meu interesse na análise dos discursos jurídicos produzidos nas graduações de
Direito, a partir das mensagens transmitidas nos Manuais mais indicados nos cursos e em que
medida esse discurso pode ser transformado pela inserção da literatura marginal “cuirlombista”
como material didático.

Materiais e Métodos

Este trabalho está em fase de projeto, nele pretendo discutir a decolonialidade do direito,
buscando suporte no pensamento jurídico crítico (MASCARO, 2018), nos estudos culturais,
nos feminismos interseccionais e nas teorias raciais. Os estudos decoloniais trazem para o
centro de análise conhecimentos que são considerados subalternos, os saberes sujeitados
(FOUCAULT,

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2004) por não entrarem na ordem do discurso, integrando o que Boaventura (2014)
conceituou de Epistemologias do Sul.
A abordagem prático-teórica selecionada é a interseccional (AKOTIRENE), o que
significa dizer que buscarei no feminismo negro, no transfeminismo, nas teorias críticas raciais,
nos estudos “cuirs” fundamentação e aprofundamento teórico. Os estudos cuirs reúnem
discursos de denuncia à fixidez das categorias; os feminismos interseccionais criticam a
universalização das categorias.
Metodologicamente, os Estudos Culturais possuem duas tendências, uma mais voltada
para a etnografia e outra para as análises textuais. O desenvolvimento deste projeto terá como
principal interesse a análise dos discursos sobre sexualidade presentes nos manuais mais
indicados nos cursos de bacharelados em direito e na literatura produzida por e para as classes
populares e grupos minoritários, a literatura marginal cuirlombista.
Ainda que o direito se apresente como um conjunto de normas abstratas, genéricas e
com aplicação voltada para um universo de pessoas, não é nova no direito a inserção dos
valores da pluralidade, multiculturalismo, da alteridade, do relativismo cultural, da igualdade
material. A interação entre direito, sexualidade e literatura cuirlombista é a novidade
epistemológica proposta.
Objetivo adotar a abordagem quali-quantitativa, qualitativa em relação ao comparativo
que se objetiva traçar entre os discursos jurídicos hegemônicos e periféricos, e quantitativa no
que se refere ao levantamento dos três manuais mais indicados nos planejamentos de ensino e
aprendizagem disponibilizados na internet e que tenham sido publicados a partir de 2015.
A literatura periférica na atualidade, com a expansão da internet, também ocupa e
disputa os espaços virtuais com músicas e clipes, contos, poemas, romances. Como produtoras
de literatura cuirlombista objeto de análise, situo @contapretaconta, perfil no instagram
de Kaliana Oliveira, historiadora, escritora e educadora; @ma_reputacao, página da
comunicóloga, poeta, slammer Karen Oliveira; @tatiananascimento, poeta, compositora,
cantora; @izeduque, compositora e cantora; o perfil de trans-arte-educação da Multiartista
Sued Hosaná, @adeusasued.

Direito e Literatura: Vertentes ou Projetos?

Costuma-se dividir o assunto em pelo menos 3 vertentes: o direito na literatura, onde


estão localizados os estudos voltados para estudar as representações do direito na literatura; o

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direito como literatura, o direito enquanto texto literário, portanto sujeito a interpretação por
meio de teorias literárias; e o direito da literatura, que seriam os estudos que aproximam o
direito autoral da seara artística literal. (MUNIZ, 2019)
Amanda Muniz (2019) opta pela categorização dos trabalhos que interseccionam
Direito e Arte em Projetos, pois estes apontam o objetivo final, as finalidades; ao contrário das
vertentesque, segundo ela enrijecem o trabalho, apontando desde o início o que será feito, como
se houvesse um caminho único possível para trabalhar direito e literatura.
Julie Peter (2005) elenca três projetos para trabalhar direito e literatura: o projeto
humanista, voltado para o resgate da humanidade do direito a partir da própria atividade
literária, seja através do ensino, da história do direito ou da filosofia jurídica. O segundo projeto
seria o hermenêutico, que busca inspiração nas teorias literárias para fundar as bases de uma
teoria de interpretação jurídica, sendo Ronald Dworkin um expoente bastante lido no Brasil e
criticadonos Estados Unidos no desenvolvimento desse trabalho (Muniz, 2019)
O terceiro projeto seria o narrativista, iniciado nos Estados Unidos no final dos anos 80
com forte influência da Teoria Feminista e da Teoria Crítica de Raça. Amanda sintetiza a ideia
do projeto narrativista em analisar as vozes do direito - Quem fala. Porque fala. Pra quem fala.
Os sujeitos dito subalternos tem vozes no mundo jurídico?
Uma resposta local foi formulada pelas pesquisadoras Grazielly Bagentos e Beatriz
Coelho (2019), ao analisarem o currículo oficial do curso de graduação em Direito da UFSC e,
desse modo, verificarem a epistemologia predominante no discurso jurídico, a partir do exame
das bibliografias básicas dos planos de ensino das disciplinas.
Os dados apontaram que: 10,4% das bibliografias indicadas são escritas por mulheres,
contrapondo-se a 89,6% escrita por homens; 1,8% das obras são de autoria de pessoas negras,
contra 98,2% escritas por pessoas brancas; e nas disciplinas fundadoras de uma teoria do direito
(filosofia jurídica e teoria do direito) temos 75% e 100% de autores europeus, respectivamente.
A literatura cuirlombista: Rompendo com binarismos
Nos últimos séculos, é perceptível o predomínio europeu nas constituição dos
paradigmas culturais. Assim, entre nós, predomina as relações pautadas na binariedade
(homem x mulher; branco negro; bárbaro x civilizado; cristão x herege), onde se observa
múltiplas formas de poder sendo exercidas: O homem que visa dominar a mulher, o branco que
escraviza o negro, o civilizado que impõe valores de civilização, leis sistemas de pensamento
para o bárbaro, o cristão na catequização do herege.

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Bhabha (2018) pontua que essa relação binária não é uma relação rígida, dura. Forma-
se uma dualidade entre os elementos dominantes e dominados onde serão criados espaços de
interação, de hibridização cultural, o espaço da formação de algo novo. Exemplo que Bhabha
dá é como se deu a conversão ao cristianismo do indiano, que contou com mitos funcionais
indianos para fazer sentido, havendo uma influência recíproca. Ou seja, a relação não é rígida,
não é apenas uma relação de imposição entre o mais forte e o mais fraco. Em síntese, o discurso
colonial é incorporado pelos povos colonizados, mas de forma ressignificada, transformada.
Nas palavras do autor:

No mundo ambivalente cia "não exatamente/não branco" [not quite/not white], nas
margens do desejo da metrópole, os objetos fundadores do mundo ocidental tornam-
se as objets trouvés erráticos, excentricos e acidentais do discurso colonial - os objetos
parciais da presença (BHABHA, 2003, p. 138).

Observe só, os elementos do colonizador são destacados de seus contextos originais e


inseridos em uma situação diversa. Dentre as consequências da hibridização, Tatiana destaca
como os valores da branquitude cisnormativa estão incorporados nos Mitos afrobrasileiros.
Os itans são contados de diversas formas, porém é de se notar uma maior disseminação
das versões que apresentam a rivalidade feminina na disputa por um homem. O caminho
trilhado por Tatiana é o de nos contar sobre o romance entre Oxum e Oyá, sobre a
transexualidade de Otim e sobre a viadice de Ossãe e Oxossi, itans bem menos conhecidos.
A necessidade de reorganizar a história faz emergir em Tatiana Nascimento (2018) a
urgência de traduzir para o português referências sobre lesbiandade negra, de criar e refundar
palavras próprias e ancestrais. Conhecer e produzir narrativas da ancestralidade diaspórica
sexual-dissidente. Clarke (2016, p. 140 Apud NASCIMENTO, 2018, p. 5) diz “a poesia tem
sido a grande professora da conscientização, da história, e do amor próprio aos povos pretos”.
Nesse sentido, Nascimento (2018, p. 1) nos apresenta o conceito de Cuirlombismo Literário,
formado a partir da intersecção entre Queer e Quilombo: “a parecença entre queer e quilombo
sugere algo urgente a celebrar y retomar pra nossas lutas e existências, já que dos pilares mais
rígidos y antigos do racismo colonial são o silenciamento, e as expectativas sexuais sobre
corpos negros”.
O conceito de Quilombo como organização e resistência vem de Beatriz Nascimento
(1985 Apud Nascimento, 2018), que rejeitou a definição de quilombo como agrupamento de
escravos fugidos para incorporar a noção das numerosas formas de resistencia com as quais x

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negrx lutou pela manutenção de sua identidade pessoal e coletiva. E do projeto quilombista
de Abdias Nascimento, que define o quilombismo como “[...] um movimento político dos
negros brasileiros, objetivando a implantação de um Estado Nacional Quilombista, inspirado
no modelo da República dos Palmares” e que tem como finalidade básica “promover a
felicidade do ser humano” (1980/2002, p 369).
O desdobramento em cuirlombismo proposto por Tatiana Nascimento visa a expansão
do sentido tradicional de resistência, incorporando xs sujeitxs LGBTQIAP+ e refundando a
noção de literatura negra como exclusivamente combativa recheada de sofrimento
(NASCIMENTO, 2018).
O cuirlombismo literário de Tatiana Nascimento conversa com a escrevivência de
Conceição Evaristo. O que seria a escrevivência? Seria a escrita, a ficção de si? Uma escrita
narcísica? Evaristo (2021) se distancia do mito narcisico, por ser um espelho que não reflete a
beleza negra, e se aproxima dos mitos afrobrasileiros de Oxum e Iemanjá. O espelho de Oxum
revela a beleza negra, a autodignididade. Iemanjá é o espelho que acolhe a comunidade. A
escrevivência revela o que vem antes e junto na construção de quem se é, então é uma escrita
de“si” e também de “nós”.
Assim, o espelho de Tatiana Nascimento guia o nosso olhar para Audre Lorde, que
refunda “Zami” como sinônimo de lesbiandade negra na diáspora; Cheryl Clarke, que faz
poemas lésbicos mito-arqueológicos; Barbara Smith, que busca autorx, personagens, tramas
sexual- dissidentes, para a redefinição de quilombo formulada por Nascimento, para o projeto
quilombista de Abdias Nascimento. Como, aproveito para pontuar, foi através do espelho de
Kaliana Oliveira (@contapretaconta) que conheci a literatura periférica de Carolina Maria de
Jesus e a escrevivência de Conceição Evaristo.

Resultados Esperados

Espera-se ampliar as perspectivas críticas acerca das possíveis intersecções entre direito
e arte, a partir de um recorte que não costuma ser objeto de interesse dos/das juristas, a literatura
marginal, mais especificamente a literatura cuirlombista. Nesse sentido, tensionando o discurso

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jurídico hegemônico, almeja-se, promover fissuras e transformações no conteúdo e na forma
dos cursos jurídicos.
Com a formação de um discurso mais plural nos bacharelados de direito, espera-se
contribuir para a ampliação do acesso e da permanência de grupos vulneráveis, como
LGBTQIAPN+, negres e indígenas, a partir da inclusão de suas vozes no discurso jurídico
produzida na academia.
Espero, por fim, estimular alterações na aplicação do direito, por meio da maior
participação de pessoas que ainda se encontram a margem dos setores de poder, e que sofrem
mais danos ocasionados pela predominância do discurso cisheteronormativo branco no Poder
Judiciário.

Referências

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CONVERSAS “À SOMBRA DE UMA MANGUEIRA” NA ESCOLA: LEI


MARIA DA PENHA E DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS EM
DEBATE

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Janaína Eduardo
Edméa Santos
Aristóteles Berino

Resumo: Este artigo emergiu da investigação da tessitura de conhecimentos de direitos sexuais


e reprodutivos em um colégio público em Volta Redonda/RJ. O estudo realizado com
estudantes secundaristas e seus educadores, entendidos aqui como praticantes culturais, se
fundamentou na concepção freireana de educação, na teoria feminista interseccional e na
pesquisa-formação na cibercultura. O caderno de campo e as fichas-roteiro que orientaram a
mediação das conversas nos círculos freireanos (e ciberculturais) foram os instrumentos
utilizados. A ideia foi disparada por um círculo cibercultural realizado anteriormente, no
Google Meet, com conversas sobre o aumento da violência de gênero na pandemia, no qual os
estudantes demonstraram interesse pela temática e apontaram algumas dúvidas acerca da
tipificação do crime de feminicídio. Neste trabalho, narramos uma experiência freireana
realizada presencialmente, com a participação de membras de duas comissões da OAB – Seção
Volta Redonda que estiveram no colégio pesquisado para dialogar com os praticantes sobre a
Lei Maria da Penha e o combate à violência de gênero.

Palavras-Chave: Direitos sexuais e reprodutivos; Paulo Freire; Ciberpesquisa-formação;


Feminismo interseccional.

Introdução

Este artigo foi escrito com base em uma pesquisa de doutoramento que investigou a
tessitura de conhecimentos de direitos sexuais e reprodutivos no cotidiano escolar, com escopo
epistemológico fundamentado no pensamento freireano, nas contribuições de intelectuais do
feminismo interseccional (HOOKS, 2019; DAVIS, 2016) e nos pressupostos da pesquisa-
formação em cibercultura (SANTOS, 2019). Sendo assim, o legado freireano em favor da
Educação em Direitos Humanos e a Lei Maria da Penha foram considerados neste trabalho.
Paulo Freire é reconhecido como um dos precursores da Educação em Direitos
Humanos (EDH) no país, desde a sua atuação como Secretário de Educação do município de
São Paulo, no governo da Prefeita Luiza Erundina, de 1989 a 1991, quando o patrono da
educação nacional e outros educadores defenderam a articulaçãoda educação popular e a
EDH. Desse modo, desde a década de 1960, o educador brasileiro destaca-se como:
O primeiro teórico brasileiro que formulou os primeiros fundamentos para a
construção de uma educação em direitos humanos. Tal afirmativa encontra
sustentação em toda sua experiência como intelectual comprometida com os
oprimidos, na construção da participação engajada e comprometida com um projeto
de sociedade e de mundo que se contrapõe à ordem capitalista (PINI; MORAES,
2011, p. 38).
Segundo o texto final da Conferência Internacional sobre População eDesenvolvimento
(CIPD), realizada pela Organização das Nações Unidas no Cairo em 1994, os direitos
reprodutivos são reconhecidos,

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Em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros
documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito
básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o
número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios
de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e
reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de
discriminação, coerção ou violência (BRASIL, 2005, p.7).

No mesmo ano, a Convenção de Belém do Pará – Convenção Interamericana para


Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher possibilitou a construção de um
tratado internacional voltado à criminalização das formas de violência contra a mulher,
sobretudo, a violência sexual. Outro marco que merece ser destacado foi o avanço promovido
pela IV Conferência Internacional sobre a Mulher realizada em Pequim, em 1995, que mudou
o foco da mulher para o conceito de gênero e garantiu uma maior autonomia dos direitos
sexuais em relação aos direitos reprodutivos (BRASIL, 2005), pois diminuiu o foco na
capacidade reprodutiva das mulheres evisibilizou lutas de pessoas idosas, com deficiência,
LGBTQIA+ e soropositivas para HIV.
Neste recorte da pesquisa, narramos a tessitura do currículo em ato que emergiu na/da
mediação de conversas em um círculo freireano sobre a Lei Maria da Penha realizado com os
praticantes culturais do colégio pesquisado. A adoção do termo freireano com a letra “e” foi
uma decisão político-epistemológica em respeito à preferência do próprio autor. Convém
frisarmos que, a pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética (CAAE, nº.
44200621.6.0000.5609). Assim, os praticantes e seus responsáveis (no caso de menores de
idade), assinaram os Termos de Assentimento e de Consentimento Livre e Esclarecido e
tiveram seus nomes resguardados.

Trilha metodológica da tessitura de conhecimentos de DSR na escola

A pesquisa que deu origem a este trabalho foi realizada no Colégio Estadual Rio de
Janeiro, em Volta Redonda/RJ, com estudantes matriculados no Ensino Médio, seis
professores, uma gestora e quatro representantes da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção
Volta Redonda (OAB-VR). O colégio foi escolhido, porque a professorapesquisadora, que
inclusive, é um dos autores deste artigo, leciona na unidade desde 2009. Neste estudo grafamos
algumas palavras agrupadas e em itálico, por uma necessidade epistemológica e política, por
entendermos que estes termos são indissociáveis (OLIVEIRA, 2012).
Metodologicamente, o estudo se fundamenta nas premissas da Educação Online
(SANTOS, 2020), como a interatividade, a colaboração, a autoria, a “explosão dohorário sala
de aula e a indissociabilidade da relação práticateoriaprática. Os círculos freireanos (e
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ciberculturais) foram inspirados nos círculos de cultura desenvolvidos por Paulo Freire na
década de 1960 (FREIRE, 2021). Os instrumentos usados foram o caderno de campo e as
fichas-roteiro das conversas, estrategicamente pensadas para disparar as perguntas geradoras e
acionar as redes e os artefatos culturais, como o WhatsApp.
Este trabalho também foi tecido com as contribuições de teóricas e intelectuais do
feminismo interseccional que ressaltam a necessidade levarmos a análise para além do combate
às opressões sexistas, considerando-se a influência de outras intersecções, como a raça, classe,
idade, condição física, etc. Sendo assim, por compreendermos queo sexismo é mais perverso
com as mulheres pobres, negras, lésbicas e transexuais, não podemos deixar de reconhecer a
importância da luta pelos direitos sexuais e reprodutivos.
A ideia de debatermos a Lei Maria da Penha foi disparada no círculo cibercultural sobre
o aumento da violência de gênero na pandemia, realizado no Google Meet em novembro de
2021, que fez brotar algumas dúvidas acerca do crime de feminicídio e evidenciou que a
continuidade do debate era necessária. Por isso, ao tomar conhecimento de que a OAB–VR
havia eleito uma advogada como presidenta, a professorapesquisadora informou os
movimentos da pesquisa à equipe diretiva e convidou a entidade para fazer parte da rede de
conversações sobre a Lei Maria da Penha. Com o convite aceito, foi feito o contato com a
Membra A, da ComissãoMulher/OAB -VR (Figura 1).

Conversas sobre a Lei Maria da Penha na escola, “à sombra de uma mangueira”


Nas próximas linhas apresentaremos as narrativas (conversas, textos, imagens) que
emergiram na produção dos dados no círculo freireano realizado em 07 de março de2022, com

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os praticantes do colégio, três advogadas que atuam na Comissão da Mulher/OAB – VR,
denominadas aqui como Membra A, Membra B e Membra C e uma bacharela em Direito, ex-
aluna do colégio e representante da Comissão de Igualdade Racial e Intolerância Racial/OAB-
VR, que chamaremos de Membra D.
Como a Gestora 1, havia pontuado que nenhuma turma deveria ser excluída, pois os
atos de currículo que tecemos eram recomendados a todos, optamos por realizar o encontro em
ambiente aberto, no pátio do colégio “à sombra de uma mangueira”, tendo como inspiração o
título da obra homônima em que o patrono da educação nacional nos conta sobre a sua infância
em Pernambuco. Desse modo, as perguntas geradoras emergiram, os representantes de cada
turma foram escolhidos e as Professoras Maria Rosa, Themis de Almeida e Delce Horta
colaboraram com a professorapesquisadora na orientação das pesquisas sobre a violência
patriarcal e condução das discussões em sala. A Figura 2, evidencia o envolvimento dos
praticantes na organização do encontro.

Após os cumprimentos e agradecimentos iniciais, informamos aos presentes, os


objetivos das ações pedagógicas. Em seguida, o Professor Walmir de Freitas nos cumprimentou
e recomendou que evitássemos a dispersão, por estarmos no pátio e sem microfone. Nesse
sentido, é importante destacar que os praticantes se envolveram ativamente na atividade,
demonstrarem interesse e não perderam o foco. Na experiênciavivenciada também observamos
a emergência de mais táticas e astúcias entre os praticantes: A Membra A, da Comissão
Mulher/OAB-VR, disse que retiraria a máscara quando falasse, pois, estávamos vacinados, em
pátio aberto e guardando distância. A Professora Maria Rosa assinalou que as questões trazidas
poderiam ser repetidas caso ficassem inaudíveis.
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A Membra A, iniciou a conversa elogiando o banner que os praticantes produziram e
afixaram na entrada do pátio do colégio e destacou a importância do encontro e que o “8 de
março é um dia de luta e não de flores”. Suas narrativas ainda evidenciaram que “quando
estamos em grupo, um homem tem uma probabilidade 75% maior de falar e quando uma
mulher fala, é estatisticamente provável que um colega a interrompa ou fale junto”. Por isso,
segundo ela, é importante que as mulheres estejam dispostas a falar, “porque o silêncio pode
nos matar”. A Membra B, da Comissão Mulher/OAB-VR, disse-nos que “a interrupção da
fala acontece até no Supremo Tribunal Federal – STF”, assinalando a ocorrência da violência
política e institucional.
Continuando a conversa, a Membra B, falou das ações da Comissão da Mulher e
apresentou os índices alarmantes de violência doméstica no país. Apesar de demonstrar
satisfação por estarmos debatendo o tema na escola, ela afirmou que “deseja sinceramente que
um dia essa conversa não seja mais necessária, pois teremos uma sociedade mais igualitária,
onde todos serão respeitados”. Nesse momento, o Estudante D., acrescentou a questão da
violência contra as pessoas da comunidade LGBTQIA+ que sofrem com a violência verbal e
física em diversos espaços, demonstrou contentamento pela realização da atividade na escola
e nos contou sobre suaparticipação no movimento social, VR Sem Homofobia.
Após abordar a lei do feminicídio e os cinco tipos de violência doméstica (moral,
patrimonial, sexual, psicológica e física), a Membra A, fez a seguinte provocação,perguntou se
alguém sabia “quem foi Maria da Penha? A Estudante Lu., ergueu a mãoe foi convidada a se
levantar. A discente nos contou que Maria da Penha Maia Fernandes sofreu várias tentativas
de homicídio perpetradas por seu cônjuge. Devido à lentidão e impunidade na apuração da
denúncia da farmacêutica cearense, o Brasil foi denunciado à Organização das Nações Unidas
(ONU), condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e teve que promover a
reformulação das leis de combate à violência contra a mulher. A Membra A, e as demais
convidadas ficaram satisfeitas ao saberem que os praticantes pesquisaram o tema nas aulas.
Na sequência, as advogadas abordaram as medidas protetivas e a Estudante A.,
comentou que as medidas protetivas “não funcionam”. Os praticantes ao seu redor
concordaram, pois cotidianamente, acompanhamos nas mídias casos de descumprimento por
parte do agressor e também da vítima, que pode estar insegura quanto à denúncia devido às
dependências emocional e financeira ou receio da reação da família. A Membra A,
compreendeu a sensação de impunidade e explicou que a legislação está avançando. Por isso,
não devemos descartá-las nem deixar reivindicar a urgência na aplicação.

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As Estudantes La. e E., perguntaram, “quantos casos de feminicídios não resolvidos?
Muitos casos são absolvidos? A justiça tem sido eficiente? A Membra A, contou-nos que “a
cada 10 mulheres vítimas de feminicídio, nove morrem pela ação de companheiro, ex-cônjuge
ou algum parente”. E, reiterou que a Lei Maria da Penha podeser aplicada aos pais, irmãos e
até de mães para as filhas. As advogadas nos pediram para nunca dizermos que uma mulher
“volta ao marido, porque gosta de apanhar”. Dando prosseguimento, os Estudantes A.J. e Gu.,
apresentaram dados do estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
que evidenciava que asmulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações
selecionadas na pesquisa. Nesse momento, o Estudante J.R., pediu a palavra e comentou sobre
o trabalho doméstico, pois “os homens também deveriam contribuir nós serviços emcasa”,
colocação pertinente, uma vez que as mulheres gastam semanalmente, quase o dobro das horas
dedicadas pelos homens em serviços domésticos e de cuidado parental.
Em “Mulheres, raça e classe, publicado originalmente na década de 1980, Angela
Davis (2016), apontou a reivindicação do movimento de mulheres acerca da divisão do trabalho
doméstico e discutiu seu caráter “invisível”, pois além de exaustivo, repetitivo, pouco criativo
e improdutivo, as tarefas domésticas somente são notadas quando não realizadas. Todavia,
embora muitos homens contribuam no trabalho doméstico na contemporaneidade, a filósofa
estadunidense aprofunda a questão aoindagar se esses sujeitos conseguiram se libertar da ideia
equivocada de que o cuidado da casa e dos filhos é uma condição natural da mulher:

Muitos homens já começaram a colaborar com suas parceiras em casa, alguns deles
até devotando o mesmo tempo que elas nos afazeres domésticos. Mas quantos desses
homens se libertaram da concepção de que as tarefas domésticas são ‘trabalho de
mulher’? Quantos deles não caracterizariam suas atividades de limpeza da casa como
‘ajuda’ às suas companheiras? (Ibidem, p. 225, Grifos meus).

Segundo dados disponibilizados pelo Atlas da Violência de 2019, a maioria das vítimas
de violência têm ocupação, são mulheres que têm profissão e economicamente ativas e,
enquanto, “a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 1,6%, entre 2007
e 2017, e a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9% no mesmo período” (IPEA,
2019). O que evidencia que mesmo àquelas com autossuficiência econômica sofrem com a
violência patriarcal, fenômeno que atinge todas as classes sociais e, que o feminicídio tem um
forte marcador de raça e classe, considerando-se que,
A violência patriarcal em casa é baseada na crença de que é aceitável que um
indivíduo mais poderoso controle outros por meio de várias formas de força
coercitiva. Essa definição estendida de violência doméstica inclui a violência de
homens contra mulheres, a violência em relacionamentos entre pessoas do mesmo
sexo e a violência de adultos contra crianças. O termo “violência patriarcal” é útil
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porque, diferentemente da expressão “violência doméstica”, mais comum, ele
constantemente lembra o ouvinte que violência no lar está ligada ao sexismo e ao
pensamento sexista, à dominação masculina (HOOKS, 2019, p. 95-96).

Caminhando para o fim do encontro, as Estudantes M.V. e M.C., apresentaram a


seguinte pergunta geradora: “se a mulher está sendo vítima de violência no âmbito doméstico
e decidir deixar a residência, ela perderá seus direitos?” A Membra C, informou-nos que “isso
é mito e não procede” e a Membra D, explicou que na medida protetiva, a “visita aos filhos
pode ser realizada por terceiros (como os tios ou avós) e que em relação aos trâmites da ação
de alimentos (pensão alimentícia), ela também pode ser concedida pelo juizado às mulheres
que são donas de casa ou estão sem condições de trabalhar”. Abaixo, apresentamos mais
registros fotográficos do encontro (Figura 3).

Por fim, os Estudantes J. e D., trouxeram a última questão: “como podemos alcançar a
igualdade de gênero?” A Membra A, nos falou que essa era “uma pergunta importante e que
o fato de estar conosco na escola naquela manhã a encheu deesperança”. Em seguida, a
convidada partilhou conosco a leitura de uma frase escritaem uma folha de papel que estava
em suas mãos: “ninguém pode parar uma mulher quefinalmente entende que pode e merece
mais na vida e no amor”. Agradecidas, nossas convidadas nos saudaram pelos momentos de
aprendizadoensino e esperança que desenhamos naquela manhã, às vésperas do dia 8 de março,
Dia Internacional daMulher.

Considerações Finais

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Neste trabalho narramos a mediação de conversas sobre a Lei Maria da Penha com
estudantes matriculados em uma escola pública em Volta Redonda/RJ, seus educadores e
membras de duas comissões da OAB/Seção Volta Redonda. Atos de currículos que
emergiram na investigação da tessitura de conhecimentos de direitos sexuais e reprodutivos no
cotidiano escolar.
O estudo fundamentado nas ideias de Paulo Freire e nas contribuições de teóricas do
feminismo interseccional, metodologicamente, também se baseou nos pressupostos da
pesquisa-formação na cibercultura e nas premissas da Educação Online. O caderno de campo e
as fichas-roteiro das conversas foram os instrumentos utilizados na produção dos dados na
escola e a partir da mediação do digital em rede. Sendo assim, à maneira freireana,
conversamos sobre a Lei Maria da Penha e o combate da violência de gênero, na esperança de
que as ações pedagógicas que mediamos possam favorecer a ampliação da discussão da
temática na escola e o desenvolvimento de outrasatividades educativas.

Referências

BRASIL. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade do governo. Ministério


da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.
Série A. Normas e Manuais Técnicos. Caderno 1. Brasília:Ministério da Saúde, 2005.

DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo:Boitempo,
2016.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 50 ed. São Paulo: Paz e Terra,2021.

HOOKS, B. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução deAna Luiza
Libânio. 5. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos ventos, 2019.

INSTITUTO de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Fórum Brasileiro de SegurançaPública.


Atlas da Violência 2019. Brasília: Ipea; FBSP, 2019.

OLIVEIRA, I.B. O currículo como construção cotidiana. Petrópolis, RJ: DP et Alii,Rio de


Janeiro: FAPERJ, 2012.

PINI, F. R. O.; MORAES, C.V. (orgs.). Educação, participação política e direitos humanos.
São Paulo: editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2011. p. 43-62.

SANTOS, E. EAD, palavra proibida. Educação online, pouca gente sabe o que é. Ensino
remoto, o que temos. Revista Docência e Cibercultura. Notícias, agosto de 2020, online.
Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/announcement/view/1119
. Acesso em mar. 2022.

SANTOS, E. Pesquisa-formação na cibercultura. Teresina: UDUFPI, 2019.


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A EMERGÊNCIA DA SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO: DESAFIOS

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Vanderson de Sousa Silva
Graziella Ribeiro da Silva Linhares Braga
Pedro Gonzales de Souza

Resumo: Este texto aborda a complexidade da sexualidade, investigando sua reconstrução


histórica e os desdobramentos nas ciências humanas. Utilizando uma abordagem
interseccional, destaca as interações entre escola e sexualidade, propondo uma educação para
a diversidade. O texto levanta questões preliminares sobre o significado da sexualidade, sua
construção histórica e a necessidade de políticas educacionais inclusivas. Examina as
pedagogias da sexualidade nas escolas, destacando a necessidade de uma epistemologia
insurgente para desafiar a hegemonia científica moderna. A perspectiva interseccional é
explorada, destacando a interconexão entre gênero, sexualidade e relações étnico-raciais. O
texto aborda as políticas públicas educacionais sobre a sexualidade na escola, destacando a
resistência conservadora e as tensões entre grupos LGBTQIA+ e setores religiosos. Examina a
trajetória do Projeto "Escola sem homofobia" e a evolução das políticas educacionais, desde os
Parâmetros Curriculares Nacionais até a Base Nacional Comum Curricular. Conclui
ressaltando a importância de abordar abertamente as questões de gênero e sexualidade na
escola, apesar das resistências, para promover uma educação inclusiva e respeitosa da
diversidade.

Palavras-chave: Sexualidade. Educação. Interseccionalidade. Políticas Públicas. Diversidade


de gênero.

Introdução

As questões de sexualidade por sua natureza complexa serão, no presente capítulo,


abordadas de forma a desvelar sua reconstrução histórica, os desdobramentos nas ciências
humanas, perpassando a dimensão epistemológica, num enfoque balizado pela
interseccionalidade, tendo como horizonte as discussões entre a escola e a sexualidade, naquilo
que denominamos por uma educação para a diversidade. Notadamente, podemos levantar
algumas questões preliminares que serão respondidas – pelo menos haverá tal tentativa,
conscientes dos limites de toda resposta – no percurso do presente capítulo: O que é
sexualidade? Como a sexualidade foi sendo construída historicamente? Uma educação para a
diversidade na escola, por quê? Como as políticas públicas educacionais acerca da sexualidade
se estruturaram? De fato, a escola é um lugar que educa para a diversidade? Como podemos
construir uma educação para a diversidade e que se posicione contra a homo/trans/lesbofobia?
A sexualidade como dimensão humana que está implicada em questões sociais, culturais,
históricas e biopsiquicossocias demanda multifacetados olhares e perspectivas para
compreendê-la.
Corpo educado: pedagogias da sexualidade

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A educação, como processo humano indispensável, constrói pensamentos críticos e
potencializa-nos para o exercício da cidadania, no entanto, existem no bojo dos processos
educacionais aspectos ocultos, tais como, o controle sobre os corpos, a formatação e
conformação dos pensamentos, o assujeitamento etc. Dentre os teóricos do currículo escolar,
notadamente se separam as teorias curriculares em tradicional, crítica e pós-crítica (Silva,
2017). Nos modelos curriculares existem os conhecimentos ensinados com intencionalidade
explícita e os implícitos (currículo oculto), ou seja, não basta pensarmos, ainda que criticamente
aquilo que se ensina na escola, pois é necessário inquirir sobre o que se ensina ocultamente, no
sentido, de não se dá conta, nem docentes e discentes, de que tipo de conhecimento se
ensina/aprende (APPLE, BURAS, 2008; SILVA 2017; MOREIRA, TADEU, 2013). À luz das
críticas de Apple acerca do currículo fica explícito o caráter implícito do conhecimento
aprendido/ensinado nas escolas. Outrossim, no que tange às questões da sexualidade, a escola,
implicitamente ensina, mas o quê? Para a pesquisadora de sexualidade e suas implicações com
a educação, Louro (2013; 2018), temos nos cotidianos escolares pedagogias das sexualidades.

Epistemologia insurgente: a decolonialidade

A Modernidade produziu uma determinada concepção de ciência que teve como


desdobramento uma epistemologia hegemônica. Por ciência, a Modernidade entende um
aparato teórico-prático em que a racionalidade cartesiana se soma às hipóteses que são testadas
empiricamente sob bases matemáticas. Tal ciência, exclui, por conseguinte, outros saberes e
sabedorias, classificando-as como subprodutos de mistificações, senso comum, mitologias e
crendices. No fundo, o que está em jogo são as relações entre saberpoder para que se estabeleça
uma conexão direta entre verdade e ciência, assim, o que escapa à lógica científica da
modernidade é caracterizado como sendo falso e sem possibilidade de razoabilidade. O que
tais pressupostos científicos produzem no campo epistemológico? Quais as consequências de
uma epistemologia hegemônica para as questões de sexualidade? Para responder tais perguntas
faz-se mister problematizar a hegemonia epistêmica advinda da Modernidade e propor
epistemologias insurgentes.

A perspectiva interseccional: gênero, sexualidade e relações étnico-raciais

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Por que abordar a perspectiva interseccional numa dissertação que trata da sexualidade?
Notadamente precisamos ponderar que os estudos no campo da sexualidade foram
atravessados, nos últimos anos, pelas críticas exaradas dos movimentos sociais, com destaque
para o movimento feminista negro. Para Dayane Conceição Assis (2019), o feminismo
hegemônico foi criticado pelas mulheres negras que não se sentiam representadas nas
demandas.
A perspectiva crítica das feministas negras, como as norte-americanas (bell hooks,
Audre Lorde, Patricia Hill Collins, Angela Davis) e as brasileiras (Lélia Gonzalez, Beatriz
Nascimento, Neusa Santos Souza, Luiza Bairros, Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro),
contribuíram sobremaneira para que se repensassem as teorias feministas, especificamente na
intercessão de marcadores socias que implicam as pessoas. Os marcadores socias de gênero,
étnico-raciais, sexuais e de classes sociais delineiam impactos sobre os corpos, as
subjetividades, as identidades e as relações sociais, assim, não poderíamos analisa-las de forma
desconectada e/ou desarticulada, uma vez que se implicam. Diante dos atravessamentos pelos
quais os marcadores sociais da diferença sobrepõem às pessoas, faz-se indispensável uma
categoria teórico-metodológica que dê conta de tal fato, assim, surge no cenário teórico-prático
a interseccionalidade.
A interseccionalidade como teoria busca ocupar nas análises justamente a interseção
entre os marcadores soais de forma a correlacionar e implicar tais categorias que se expressam
notadamente nos cotidianos dos sujeitos marcando-os em suas diferenças, mesmo dentro do
pretenso grupo ao qual pertencem. Assim, por exemplo, mulheres não são iguais, existem
especificidades que as individualizam ao agregarem outros marcadores, como classe social,
raça e sexualidade: uma mulher negra e lésbica possui demandas que diferem de uma mulher,
classe média e heterossexual. O que a interseccionalidade nos provoca a (re)pensar é a
pluralidade/diversidade/especificidade que implicam nas subjetivações das pessoas e suas
relações socioculturais.
No fundo, Assis (2019) nos provoca a considerar as interseccionalidades – no plural,
para marcar a diversidade que está sob a égide de tal arcabouço teórico - como um conceito
que nasce no contexto jurídico, mas que em Kimberlé Crenshaw, através do movimento
feminista negro ganha novos contornos. As manifestações antirracistas que surgem de dentro
do movimento feminista - notadamente branco, heterossexual e de classe média – recolocam
na pauta dos movimentos sociais a necessidade de implicar os diversos marcadores sociais da
diferença, como: étnico-raciais, classe, sexuais e de gênero (CRENSHAW, 2002).

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Assim, a interseccionalidade nos apresente a possibilidade de um caminho
epistemológico e metodológico de análise dos discursos que estão perpassando a cognição
social das pessoas. Mas, como dialogar com a educação?
Segundo Oliveira; Ferrari (2018), a questão que precisa ser respondida é: “Quais os
desafios e potencialidades da interseccionalidade entre gênero, sexualidade e raça numa sala
de aula?”, com o intuito de responder à questão, os autores consideram que o currículo escolar
não são artefatos socioculturais que funcionam de forma isolada, uma vez que, produzem
nossas subjetividades. Afinal, o currículo escolar não é, apenas, uma lista de disciplinas e
conteúdos escolares, mas, antes, uma relação de saber-poder; em suma, o currículo é uma
discussão sobre o conhecimento. Notadamente, o currículo não é neutro, pois ao selecionarmos
disciplinas e conteúdos fazemos mostra de nossas opções epistemológicas, políticas, sociais e
ideológicas. O currículo “é resultado de discursos de outros artefatos culturais que circulam
nele, dos professores que estão diretamente implicados com seu fazer, dos/as alunos/as que
trazem suas vivências e colocam em movimento a forma como ele se apresenta” (OLIVEIRA;
RERRARI, 2018, p. 28).
Outro ponto, destacado por Danilo Vieira Silva (2017), refere-se à escola como
instituição social, afirma: “A escola não inventou a hierarquia de gênero; sequer inventou o
gênero, a sexualidade, a raça ou a classe. Porém, como instituição social, perpetua tais modelos,
valorizando as diferenças que colocam a mulher em situação desprivilegiada” (p. 165). Por
conseguinte, a escola/educação, como instituição social repercute, valora, apoia e, de certa
forma, educa, sobre gênero, sexualidade, classe e raça. Outrossim, considerar a educação como
artefato sociocultural que implica sujeitos e subjetividades reforça a necessidade de que
docentes, gestores de unidades escolares, gestores públicos, governos em suas três esferas,
familiares dos estudantes e estudantes, desvelem as implicações entre educação e a
sexualidade. Um desvelamento interseccional que combine os marcadores sociais da diferença
e da desigualmente para permitir uma discussão franca, aberta, dialógica, dialética, no sentido
de promover uma educação para a interseccionalidade.

As políticas públicas educacionais sobre a sexualidade na escola

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Os grupos LGBTQIA+ e demais instituições da sociedade civil demandam por parte do
Estado brasileiro implementação de políticas públicas para a diversidade sexual nos diversos
campos das políticas estatais, tanto na área de saúde, trabalho, concursos, seleções nas
universidades federais, e nos espaços escolares. Há um hiato entre as reivindicações dos grupos
e movimentos sociais e dos gestores públicos nas diversas esferas da federação, para nos
debruçarmos sobre tal afirmação precisamos pensar nas resistências que existem nas casas
legislativas mupicais, estaduais e no Congresso Nacional, além de alguns gestores do
executivo, nas três esferas, federal, estadual e municipal. O resultado de tais tensões, conflitos,
sensos e dissensos nos espaços públicos revela a tendência conservadora, reacionária e
moralista nos costumes da sociedade brasileira, o fenômeno tem por base o enorme poder
exercido pelos grupos religiosos no Brasil; notadamente das religiões de base judaico-cristã.
Obviamente que precisamos ponderar que não queremos estigmatizar, de forma alguma, as
expressões religiosas, apenas desvelar que, inegavelmente, as pautas de moral e costumes
mobiliza os grupos religiosos que exercerão pressão sobre o legislativo e o executivo. No
entanto, as exceções de grupos e pessoas religiosas, inclusive líderes, que expressão uma visão
mais republicana em relação à diversidade vem ganhando notoriedade; afinal, o Estado,
segundo a Constituição é laico, assim, as leis devem proteger as pessoas, especialmente aos
grupos minoritários, sem ser coaptado pela particularidade de uma certa visão de mundo, como
são as religiosas.
À luz do que expomos acima, fica evidente as tensões/conflitos entre os grupos e
movimentos sociais que defendem os direitos da comunidade LGBTQIA+ - inclusive, daqueles
que não se identificam especificamente com a comunidade, mas que defendem igualmente, os
direitos de todas, todos e todes – e os grupos que consideram a diversidade de gênero e
sexualidade como algo errado, desviante, imoral e, portanto, deve ser combatido no campo
religiosos e civil. Tais grupos travam disputas narrativas nos mais variados espaços sociais,
não seria diferente nos contextos escolares. A escola ganhou importância para as disputas entre
os grupos dos quais falamos, basicamente podemos pensar que a escola ocupou tal destaque a
partir da ideia de que se ensinava às crianças e adolescentes sobre sexualidade, assim,
maculando suas inocências pueris. Assim, a escola ficou no turbilhão de acusações, mentiras e
imaginações do tipo, kit gay distribuído com finalidade de ensinar a ser gay/lésbica. Note-se,
o imaginário popular foi inundado de ideias que corroboravam tais acusações; as acusações se
intensificam nas disputas eleitorais de 2018, em que o candidatado à presidência. Jair
Bolsonaro, em entrevista ao vivo no Jornal Nacional apresenta um livro assegurando que o

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mesmo se tratava do tal kit gay nas escolas.39 O campo das disputas políticas ganha a
vinculação entre aqueles que defendem a inocência das crianças e aqueles que querem maculá-
las, num dualismo falso, afinal, não era verdade a narrativa que foi construída com intenções
eleitorais e explorando a sensibilidade religiosa e moral do povo brasileiro: está posto no debate
público brasileiro a ideologia de gênero. Mas, o que o MEC havia de fato realizado no campo
da diversidade no campo educacional das políticas públicas?
Para responder à questão precisamos percorrer um itinerário, a saber: reconstruir os
caminhos do Projeto “Escola sem homofobia”. Em 2004, o governo federal sob a presidência
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou através do MEC, o programa “Brasil sem
homofobia”, em que o ministro Tarso Genro defendia em sua pasta que o objetivo era combater
a violência e o preconceito contra a comunidade LGBTQIA+, o foco seria fomentar a formação
continuada dos/as professores/as para tratar das questões de gênero e sexualidade.40 Em 2008,
ocorre a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para a População LGBT, tratava-se um
uma ação de direitos humanos e proteção à diversidade dos grupos minoritários, o encontro
reunião movimentos sociais, grupos organizados, pesquisadores, acadêmicos, políticos,
militantes LGBTQIA+ e dos direitos humanos; o encontro teve a coordenação da Subsecretaria
de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos
(SEDH). No entanto diante de repercussão o Ministério da Educação decidiu não continuar o
projeto de criação e distribuição dos materias, via FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação). Em 2011, o Ministério da Educação sob o comando de Fernando Haddad, retoma
o projeto, contudo, novamente por enorme pressão de grupos religiosos e deputados/senadores
conservadores, novamente o projeto foi abandonado, frustrando novamente os pesquisadores
do campo da educação, os ativistas do movimento LGBTQIA+ e professoras/res que
compreendem a importância de tratar os temas de gênero e sexualidade na escola. A partir de
2011, o projeto ficou pejorativamente chamado de kit gay, sendo explorado por deputados
reacionários, como o então deputado Jair Bolsonaro que passa a figurar em programas de TV

39
Superior Tribunal Eleitoral ordena retirada imediata de fake News de Bolsonaro sobre o kit gay:
https://veja.abril.com.br/politica/tse-manda-tirar-do-ar-fake-news-de-bolsonaro-sobre-kit-gay/
40
“O Projeto Escola sem Homofobia visa contribuir para a implementação e a efetivação de ações que promovam
ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações
sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro. Essa contribuição se traduz em subsídios para a
incorporação e a institucionalização de programas de enfrentamento à homofobia na escola, os quais pretendemos
que façam parte dos projetos político-pedagógicos das instituições de ensino do Brasil. Dessa maneira, o Projeto
Escola sem Homofobia vem somar-se aos legítimos esforços do governo em priorizar, pela primeira vez na história
do Brasil, a necessidade do enfrentamento à homofobia no ambiente escolar” (disponível em https://nova-
escolaproducao.s3.amazonaws.com/bGjtqbyAxV88KSj5FGExAhHNjzPvYs2V8ZuQd3TMGj2hHeySJ6cuAr5g
gvfw/escola-sem-homofobia-mec.pdf Acessado em fevereiro de 2021).
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aberta (em meio a sátiras, mas concedendo espaço para que o mesmo falasse e construísse o
imaginário da ideologia de gênero). Para a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), diante dos investimentos orçamentários
públicos e da relevância da temática e do material produzido, decidiram divulgar o material
produzido (incluindo curtas metragens).
A Constituição Federal de 1988 exigia que o Estado elaborasse os parâmetros que
orientem os sistemas estaduais e municipais de educação, para tanto, em 19997, foram
aprovados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)41 , os Parâmetros com seus 10 volumes
(Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, Geografia, história, Artes, Educação
Física, Língua Estrangeira, além dos temas transversais: Pluralidade Cultural, Meio ambiente,
Saúde e Orientação Sexual). No tange à Orientação Sexual, o PCN afirma:

A sexualidade no espaço escolar não se inscreve apenas em portas de banheiros,


muros e paredes. Ela “invade” a escola por meio das atitudes dos alunos em sala de
aula e da convivência social entre eles. Por vezes a escola realiza o pedido, impossível
de ser atendido, de que os alunos deixem sua sexualidade fora dela. Se a escola deseja
ter uma visão integrada das experiências vividas pelos alunos, buscando desenvolver
o prazer pelo conhecimento, é necessário reconhecer que desempenha um papel
importante na educação para uma sexualidade ligada à vida, à saúde, ao prazer e ao
bemestar e que englobe as diversas dimensões do ser humano. O trabalho sistemático
de Orientação Sexual dentro da escola articula-se, também, com a promoção da saúde
das crianças, dos adolescentes e dos jovens. A existência desse trabalho possibilita a
realização de ações preventivas das doenças sexualmente transmissíveis/Aids de
forma mais eficaz. Diversos estudos já demonstraram os parcos resultados obtidos
por trabalhos esporádicos sobre esse assunto. Inúmeras pesquisas apontam também
que apenas a informação não é suficiente para favorecer a adoção de comportamentos
preventivos. Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de
questões polêmicas e delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o
namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia,
dentro de uma perspectiva democrática e pluralista, em muito contribui para o bem-
estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual
e futura (PCN, 1997, p. 293).

A perspectiva dos Parâmetros eram de que a educação sexual fazia parte integrante dos
processos educacionais amplos que as instituições escolares assumem na sociedade, o que
decorre a necessidade de abordar as questões relacionadas à sexualidade humana nas escolas
tendo como horizonte a informação, a promoção da saúde e da diversidade. No fundo, o
trabalho de Orientação sexual tinha, como política pública educacional, um cunho
eminentemente educacional: “A escola, ao definir o trabalho com Orientação Sexual como uma
de suas competências, o incluirá no seu projeto educativo” (PCN, 1997, p. 299). Ou seja, o
cunho educativo estava na base da proposta da Orientação sexual nas escolas. No entanto, as

41
O Parâmetro Curricular Nacional é uma tentativa de oferecer às secretarias estaduais e municipais parâmetros
para a organização de seus currículos escolares. Assim, as redes de educação ao construírem os seus currículos
deveriam levar em conta os PCNs, inclusive no que tange à Orientação sexual.
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avalições sobre os PCNs revelam algumas limitações, como a centralidade na
heterossexualidade e a pouquíssima menção à homossexualidade, além da falta de críticas às
estruturas sociais que sustentam as violências e sofrimentos às pessoas LGBTQIA+. Ainda que
revelem um avanço importante o PCN sobre Orientação sexual deixa a desejar principalmente
no que se refere à manutenção do status quo da heteronormatividade e da consequente
homofobia da sociedade atual, não apresentando críticas adequadas às estruturas que fomentam
e sustentam toda discriminação, ódios, violências e preconceitos (LOURO, 1999, 2009).
Em 2017 foi homologada a Base Nacional Comum Curricular42 , conforme preconizava
o Plano Nacional de Educação (PNE), a ideia era apresentar às redes de ensino uma base
curricular sobre a qual as redes municipais e estaduais construiriam os seus currículos.
Contudo, a BNCC já surge com inúmeras críticas, destacam-se as que pesquisadores e
especialistas fazem, bem como dos sindicatos dos docentes, afinal, uma base deveria ser
construída democraticamente, a partir de profundas discussões, debates, propostas e
intervenções da sociedade civil, inclusive. Mas, a realidade foi outra, “a BNCC nasce em falso,
parcial, sem condições institucionais de implementação e sem legitimidade capaz de lhe
assegurar a adesão genuína de educadores e gestores”, afirmam Salomão Ximenes e Fernando
Cássio, da Rede Escola Pública e Universidade. Umas das críticas à BNCC, dentre tantas
outras, destaco o fato de que não aprece em nenhum lugar do documento que orientará os
currículos escolares de todo o país, os termos gênero e orientação sexual. Podemos nos
questionar o que mudou na sociedade brasileira a ponto de em 2017-2018 ser suprimida
palavras que em 1997 estavam nos PCNs? As respostas podem ser variadas, mas destaco o
avanço da narrativa reacionária e conservadora – narrativas que associam bases políticas da
extrema direita e religiosos conservadores - que ganham espaços nos debates político-sociais.
Tais avanços, reacionários e moralistas, eivados de religiosidade, ainda que a
Constituição garanta a laicidade do Estado – o que vemos foram inúmeros projetos de leis dos
legislativos municipais com a intenção de proibir as discussões sobre gênero municipais e
sexualidade nos contextos escolares. Apesar de lutas e resistências de grupos, movimento
sociais e alguns partidos políticos mais progressistas, com o Projeto Escola sem partido, criado
em 2004 pelo jurista Miguel Nagib, que em site e redes sociais afirma que existe um projeto
de “doutrinação nas escolas e universidades”.5 Os legislativos municipais começaram a criar
dispositivos de controle do trabalho docente, proibindo as discussões sobre gênero e

42
Diante das inúmeras críticas que BNCC vinha sendo objeto, o MEC achou por bem dividi-la em duas partes, a
saber: Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil e Ensino Fundamental e a Base Nacional comum
Curricular do Ensino Médio, a última foi aprovado em 2018.
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sexualidade nas escolas e colocando em suspeita as aulas de cunho crítica, pois doutrinavam,
todas as ações tinham a Escola sem partido por base. O cenário foi de tensões a ponto de o
assunto ser tratado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, em 2020; os 11 ministros
(unanimidade) votaram que a lei municipal de Novo Gama, Goiás, era inconstitucional,
fragilizando o Escola sem partido a ponto de seu idealizar anunciar em redes sociais o fim do
projeto em 2020.

Considerações Finais

O que se pode inferir diante daquilo que abordamos é que a escola precisa ser um espaço
de discussão sobre as questões de gênero e sexualidade, porque a sexualidade é um fenômeno
humano e social e que estará a despeito da vontade presente nas escolas. Assim, ignorar a
sexualidade como expressão presente em todas as etapas da vida, em nome de uma inocência
pueril e de acusações de doutrinação e kit gay, no fundo, velam um movimento reacionário,
conservador, ideológico e acrítico; movimento que nasce da simbiose de algumas narrativas
religiosas e políticas de extrema-direita que avançam sobre o imaginário social. As
consequências foram e são a desarticulação das políticas públicas educacionais que tratam da
diversidade de gênero e sexualidade. A escola, como espaço plural, não pode deixar de
considerar a diversidade étnico-racial, cultural, religiosa, política e sexual que compõe a
sociedade.

Referências

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subalternos. Artmed: Porto Alegre, 2008.

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A EVOLUÇÃO VERTIGINOSA DA TECNOLOGIA E SUAS
“VERTIGENS”: UMA ABORDAGEM DIALÓGICA DA ROBÓTICA
EDUCACIONAL
Erick Lucas Correia Cordeiro

Resumo: Este artigo aborda a complexa relação entre tecnologia, desigualdade social e
educação na contemporaneidade. Destacamos a necessidade de uma abordagem educacional
que desperte o senso crítico e discursivo, adotando a robótica educacional como uma resposta
necessária ao panorama tecnológico atual. No texto delineamos quais os objetivos, estratégias
e metodologias favoráveis para a disciplina de Robótica Educacional, enfocando a promoção
do pensamento crítico sobre questões éticas relacionadas à inteligência artificial e seus
impactos na sociedade. Elaboramos uma proposta metodológica baseada em uma abordagem
dialógica, buscando superar dualidades interpretativas e promover a co-criação de significados.
Os resultados esperados incluem uma participação significativa dos alunos, ampliando o
interesse pelos conteúdos de robótica e a capacidade de relacionar esses conceitos à sua
realidade. Por fim, enfatizamos a importância de uma educação libertadora, centrada na
conscientização e participação ativa dos estudantes, visando um aprendizado mais profundo,
contextualizado e relevante diante da rápida ascensão tecnológica.
Palavras-chave: Robótica Educacional. Abordagem Dialógica. Pensamento Crítico.

Introdução

Na contemporaneidade, entre suas contradições e desafios, emerge uma realidade


marcada pela crescente tecnologização e, simultaneamente, por uma desigualdade impactante.
Esta é apenas uma das "vertigens" decorrentes do progresso tecnológico desmedido, ou seja,
atordoamentos, que reverbera de maneira notável no tecido social. Desse modo, isso se faz
sentir no cenário educacional, frequentemente resultando em práticas pedagógicas
mecanicistas, utilitaristas, acríticas e reprodutivas. Isso, por sua vez, limita a potencialidade
crítico-reflexiva que os alunos podem e devem desenvolver, implicando em uma prática
didático-pedagógica despida de criticidade e, por isso mesmo, sobremaneira irrefletida.
Portanto, o processo de ensino-aprendizagem necessita ser concebido, construído e
consolidado a partir de uma perspectiva que desperte o senso crítico e discursivo do indivíduo,
adotando uma abordagem dialógica que promova momentos de diálogo significativo entre
alunos e docentes.
Considerando a evolução na tecnologia e na técnica que permeiam toda a sociedade,
refletindo-se igualmente na mobilização e engajamento dos movimentos sociais, como aqueles
que advogam por uma maior igualdade social mediante a democratização do acesso à
tecnologia ou grupos que criticam o desemprego em massa devido à adesão irrefletida de
tecnologias nos locais de trabalho, torna-se imperativo aprofundarmos a discussão sobre os

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elementos e mecanismos que compõem essa grande fluxo científico-tecnológico, incluindo a
internet, inteligência artificial, robôs industriais, entre outros. Alinhado a isso, Cupani (2011)
conceitua a tecnologia como uma realidade polifacetada, composta por diversos processos,
sistemas e objetos que possuem um significativo potencial de interferência em nossas vidas,
bem como em nosso pensamento.
Posto isto em pauta, e ainda dentro desse contexto, a Robótica Educacional (RE),
também conhecida como Robótica Pedagógica, surge como um campo de extrema importância
para a educação e formação cidadã dos alunos. Isso é particularmente relevante diante do atual
panorama tecnológico, que apresenta complexas interconexões com diversas áreas, incluindo
aquelas que exercem impacto direto em nossas vidas, como a política. Dessa forma, a
convergência entre tecnologia e educação se destaca como uma resposta robusta, necessária e
urgente. Essa abordagem visa capacitar os indivíduos, especialmente os mais jovens, a
enfrentar as diversas demandas que emergem no cenário contemporâneo, exigindo uma
preparação mais abrangente e adaptável para os desafios do mundo atual e futuro.

A relevância da Robótica Educacional e suas potencialidades

Conforme apontado por D'abreu e Aihara (2019), a Robótica Educacional (RE)


transcende a mera abordagem tecnológica, engajando os alunos na aplicação concreta de
conceitos científicos em ambientes estimulantes. A inserção de robôs e tecnologias correlatas
no contexto educacional não só atrai o interesse dos estudantes, mas também instiga o
desenvolvimento de habilidades fundamentais, como pensamento lógico, resolução de
problemas e colaboração em equipe. Essas competências, essenciais para o pensamento
computacional, são definidas pela BNCC da seguinte maneira:

pensamento computacional: envolve as capacidades de compreender, analisar,


definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções, de
forma metódica e sistemática, por meio do desenvolvimento de algoritmos. (Brasil,
2018, p. 474).

Num cenário cada vez mais impregnado pela presença crescente da automação,
inteligência artificial e interconectividade, a Robótica Educacional (RE) emerge como uma
oportunidade de inestimável valor para a exploração, compreensão e aplicação dos princípios
científicos e tecnológicos. Ao envolver os alunos em atividades que ecoam os desafios
inerentes à contemporaneidade, a RE não se limita a prepará-los meramente para as carreiras
do futuro, mas ostenta um potencial expressivo para fomentar uma mentalidade crítica,
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reflexiva e criativa de maneira profundamente enraizada. Essa perspectiva não apenas
representa um preparo abrangente, mas é essencial para dotar os estudantes das habilidades e
competências necessárias para enfrentar os desafios intrincados de uma sociedade em constante
mutação, abrangendo aspectos sociais, culturais, políticos, tecnológicos e uma gama
diversificada de outras dimensões cruciais.
Essa abordagem visa capacitar os indivíduos, especialmente os mais jovens, a enfrentar
as diversas demandas que emergem no cenário contemporâneo, exigindo uma preparação mais
abrangente e adaptável para os desafios do mundo atual e futuro.
Conforme apontado por D'abreu e Aihara (2019), a Robótica Educacional (RE)
transcende a mera abordagem tecnológica, engajando os alunos na aplicação concreta de
conceitos científicos em ambientes estimulantes. A inserção dessa abordagem visa capacitar os
indivíduos, especialmente os mais jovens, a enfrentar as diversas demandas que emergem no
cenário contemporâneo, exigindo uma preparação mais abrangente e adaptável para os desafios
do mundo atual e futuro.
Este estudo delineia os objetivos gerais, estratégias e metodologias a serem empregadas
nas primeiras aulas destinadas à disciplina eletiva de Robótica Educacional (RE) para turmas
de 1º e 2º anos. O propósito central é estabelecer uma comunicação de diálogo e simbiose de
ideias, conceitos e questionamentos entre professores e alunos. Além disso, buscamos atingir
os seguintes objetivos específicos:
1. Abordar problemáticas da Inteligência Artificial (IA) sob um enfoque ético:
Incentivar a reflexão crítica dos alunos sobre os desafios éticos associados ao avanço da IA,
particularmente em relação aos direitos humanos.
2. Fomentar a conscientização sobre implicações sociais da tecnologia: Promover a
compreensão dos alunos sobre como as inovações tecnológicas, incluindo a robótica, podem
impactar a sociedade, destacando implicações para os direitos humanos.
3. Desenvolver pensamento crítico sobre automação e emprego: Estimular a análise
crítica dos alunos em relação à automação e seu impacto no emprego, incentivando a
consideração das questões relacionadas aos direitos laborais.
4. Promover o diálogo e colaboração em questões éticas: Criar um ambiente propício
para o diálogo e a colaboração entre professores e alunos na abordagem de questões éticas,
enfatizando a importância de uma postura ética no desenvolvimento e aplicação da tecnologia.
Ao articular esses objetivos específicos, almejamos não apenas alcançar uma interação
significativa entre professores e alunos, mas também cultivar um ambiente que estimule a

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exploração, a aprendizagem ativa e o desenvolvimento integral dos participantes,
especialmente no que diz respeito à compreensão dos problemas éticos relacionados à
inteligência artificial e suas implicações para os direitos humanos.

Por uma educação libertadora para um saber tecnológico democrático

Planejamos estratégias embasadas em uma abordagem dialógica, destacando a


resolução de problemas por meio de explicações e perspectivas variadas. Priorizamos o
reconhecimento, diferenciação e articulação das partes constituintes dos problemas,
estabelecendo conexões do geral para o particular, conforme apontado por Lima (2020).
Seguindo a filosofia da dialogia proposta pela autora, buscamos reinterpretar ideias e conceitos
inicialmente antagônicos, encaminhando-os para um diálogo que evidencia suas diferenças.
Esse princípio visa superar a dualidade interpretativa em favor de uma abordagem mais
propensa ao diálogo diante das divergências conceituais.
Ao integrar o princípio da dialogia em nossa prática pedagógica, buscamos ir além da
mera identificação de divergências conceituais. Nossa abordagem se estende à exploração
ativa, investigando como essas diferenças podem ser aproveitadas para enriquecer a
compreensão dos temas em discussão. Não nos restringimos a uma aceitação passiva das
divergências, mas sim nos dedicamos à exploração dinâmica de como essas disparidades
podem servir como meio para aprofundar o entendimento.
Propomos desenvolver as aulas fundamentadas nos princípios teóricos da abordagem
dialógica, focalizando a compreensão de como os seres humanos atribuem significados por
meio da interação e da linguagem (Maturana, 2009). Para Maturana, o diálogo transcende a
simples troca de informações, representando um processo crucial para a co-criação de
significados. Ele sustenta que é por meio da linguagem que construímos nossa realidade
compartilhada, e a compreensão mútua emerge da comunicação, do fluir harmônico de ideias.
Dessa forma, Maturana destaca a relevância de reconhecer a natureza social e linguística do
conhecimento, ressaltando que nossa percepção do mundo é moldada pela linguagem e pela
interação social.
Segundo Paulo Freire (1997), a educação bancária transforma o aluno em um sujeito
passivo que apenas recebe "depósitos" de conhecimento do educador, sem qualquer relação
concreta com a realidade. Nesse cenário, o educador se torna um mero depositante, e o aluno,
um depositário, resultando em uma separação criativa, crítica e sócio-transformadora da

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educação. Isso a torna estéril em relação às aspirações humanitárias, culturais e sociais que
deveria promover.
Por outro lado, a educação libertadora destaca-se ao enfatizar a emancipação e a
transformação social do aluno. Propõe uma abordagem pedagógica centrada na conscientização
e participação ativa dos estudantes, promovendo não apenas a transmissão de conhecimento,
mas o empoderamento e a autonomia crítica dos aprendizes. Freire destaca que essa abordagem
possibilita que compreendam o mundo ao seu redor sem serem limitados por vieses alienativos.
Em suas palavras,

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo,


tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a
responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-
lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões
com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão
resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais
desalienada. (Freire, 1997, p. 73).

A abordagem metodológica adotada consistiu na estruturação de uma sequência de


ensino dividida em três etapas, cada uma abrangendo duas aulas. É relevante ressaltar que, em
cada fase, o foco foi direcionado à implementação e instigação de discussões, problematizações
e indagações. Priorizamos uma abordagem dialógica, proporcionando a cada estudante não
apenas a participação no debate, mas, sobretudo, o protagonismo na comunicação e na
cocriação de soluções ou alternativas referentes ao tema abordado.
Exploramos campos inter-relacionados, como ficção científica, cinema e ética,
destacando de maneira contínua as inovações introduzidas por esses temas e outros
relacionados à robótica. Isso abrange aspectos como a aparência e estética dos humanóides,
além de salientar o significativo impacto que a inteligência artificial exerce de maneira ampla,
seja no mercado de trabalho ou nas diversas interações sociais. Essa abordagem multifacetada
visou proporcionar aos alunos uma compreensão mais holística e crítica das implicações e
desafios relacionados ao tema.

Resultados Esperados

Considerando o exposto, nossa proposta neste trabalho visa promover uma participação
significativa dos alunos, ampliando não apenas o interesse e entusiasmo em relação aos
conteúdos de robótica, mas também a habilidade de relacionar esses conceitos ao seu entorno.
Este enfoque visa estabelecer um ambiente de aprendizado dinâmico e estimulante, onde os

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estudantes não apenas absorvem informações, mas também as conectam com sua realidade
imediata e experiências pessoais.
O desenvolvimento da disciplina conforme delineado visa criar um percurso
educacional mais enriquecedor e significativo tanto para os alunos quanto para os professores.
Portanto, intentamos proporcionar meios para que esses atores educacionais (docentes e
discentes) possam dialogar saberes de forma a potencializar, de maneira intelectual e crítica, o
repertório de conhecimentos de ambos os lados. Dessa forma, finalmente, almejamos um
aprendizado mais profundo, contextualizado e relevante para todos os envolvidos no processo
educativo em prol de um saber crítico e atualizado ante tempos de tamanha ascensão
tecnológica.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Base Nacional


Comum Curricular - Educação Básica. Brasil, 2018.

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DIREITO E LITERATURA CUIRLOMBISTA: Tensões e aproximações
nos discursos jurídicos produzidos dentro e fora das salas de aula

Camila Pina Brito

Resumo: O discurso jurídico é resultado de disputas entres inúmeras vozes, a título de


exemplo: poderes executivo, jurídico e legislativo; professores, manuais, arte. Visa
interseccionar Direito e Arte: Quais os pontos de aproximações e tensões entre os discursos
produzidos nos manuais mais indicados nos cursos jurídicos e na literatura periférica? Serão
analisados os discursos de mulheres localizadas no eixo Itabuna-Ilhéus, com o intento de
examinar os discursos produzidos na literatura marginal feminina, observando os seus pontos
de aproximação e distanciamento com os discursos estatais. Este trabalho está em fase de
projeto, nele pretendo discutir a decolonialidade do direito, buscando suporte no pensamento
jurídico crítico, nos estudos culturais, nos feminismos interseccionais e nas teorias raciais. Terá
como principal interesse a análise dos discursos sobre sexualidade presentes nos manuais mais
indicados nos cursos de bacharelados em direito e na literatura produzida por e para as classes
populares e grupos minoritários, a literatura marginal cuirlombista. A interação entre direito,
sexualidade e literatura cuirlombista é a novidade epistemológica proposta. Objetivo adotar a
abordagem quali-quantitativa. As produções artísticas periféricas não serão apenas os discursos
sob investigação, mas também produções epistemológicas voltadas para analisa e os discursos
jurídicos hegemônicos e para produção de novas teorias e métodos.

Palavras-chave: Direito e Arte. Cuirlombismo literário. Direito e Sexualidade.


Decolonialidade. Discurso Jurídico.

Introdução

Movimentos sociais denunciam há décadas a invisibilidade de suas histórias nos


materiais didáticos. Como resposta que não ultrapassa o reconhecimento das ausências, insere-
se no calendário uma data comemorativa dedicada às reflexões não aprofundadas, seja por
desconhecimento (Epistemicídio), desinteresse ou insuficiência de tempo.
Vestido de neutralidade, o curso jurídico repete a mesma fórmula educacional
excludente que marginaliza as pessoas e temáticas que contestam a hegemonia branca e

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masculina (MUNANGA, 2000). A falácia da neutralidade resulta na massificação dos
estudantes e expulsão informal de muitos que não veem suas práticas e identidades ali
representadas de forma positiva, e também na formação estrutural de profissionais inaptos para
utilização do direito enquanto instrumento de justiça social.
A suposta neutralidade do Ensino jurídico resulta na massificação dos estudantes e
expulsão informal de muitos que não veem suas práticas e identidades ali representadas
deforma positiva, e também na formação estrutural de profissionais inaptos para utilização do
direito enquanto instrumento de justiça social.
Na prevalência do positivismo dogmático jurídico, o pilar da educação jurídica está na
subsunção entre normas e consequências. O estudante de direito sai do curso acreditando que
todas as peças se encaixam perfeitamente, contudo, no exercício da profissão descobre que não
é tão simples montar o quebra-cabeça sócio-jurídico.
Estudar o discurso jurídico produzido nos cursos de Direito tem o potencial de
confrontar a propagada neutralidade jurídica proposta pelo juspositivismo. Observe-se,
contudo, que os discursos sobre o Direito são produzidos por diversos atores sociais, o Direito
é tema e se vale da Arte. Estudar essa relação pode acontecer por múltiplos caminhos e
direções.
O início dos estudos relacionando Direito e arte foi estabelecido a partir da Literatura,
porém a partir de textos intitulados como clássicos: literatura grega, produções europeias; no
Brasil, observa-se principalmente a conexão com as obras de Machado de Assis. E quando se
utilizam de obras classificadas como realistas – obras que tratam das mazelas sociais, em geral,
são a partir do olhar da classe média. Um exemplo é o livro "Cidade de Deus", do autor Paulo
Lins.
A literatura marginal ou periférica surge como uma “escrita de si” capaz de provocar
tensões discursivas e transformações sociais. Trata-se de contra narrativas, ou seja, narrativas
que destoam das narrativas hegemônicas. Dentro desta modalidade, pretendo lançar meu olhar
para a literatura “cuirlombista”, por considerar socialmente relevante investigar as subversões
que a literatura marginal pode ocasionar no discurso jurídico.
A discussão que busca estabelecer um diálogo entre o direito e a literatura marginal
ainda é relativamente nova. Um exemplo disso é o artigo “DIREITO E LITERATURA PELAS
MARGENS: O novo boom latino-americano e a literatura dos silenciados”, escrito por
Henriete Karam e Angela Espíndola, publicado em 2020. Este artigo propõe investigar a

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singularidade dos estudos em Direito e Literatura no contexto da América Latina e, mais
detalhadamente, no Brasil.
Delimito meu interesse na análise dos discursos jurídicos produzidos nas graduações de
Direito, investigando as mensagens transmitidas nos manuais mais indicados nos cursos e em
que medida esse discurso pode ser transformado pela inserção da literatura marginal
"cuirlombista" como material didático.

Materiais e Métodos

Este trabalho está em fase de projeto, nele pretendo discutir a decolonialidade do


direito, buscando suporte no pensamento jurídico crítico (MASCARO, 2018), nos estudos
culturais, nos feminismos interseccionais e nas teorias raciais. Os estudos decoloniais trazem
para o centro de análise conhecimentos que são considerados subalternos, os saberes sujeitados
(FOUCAULT 2004) por não entrarem na ordem do discurso, integrando o que Boaventura
(2014) conceituou de Epistemologias do Sul.
A abordagem prático-teórica selecionada é a interseccional (AKOTIRENE), o que
significa dizer que buscarei no feminismo negro, no transfeminismo, nas teorias críticas raciais,
nos estudos "cuirs" fundamentação e aprofundamento teórico. Os estudos "cuirs" reúnem
discursos de denúncia à fixidez das categorias; os feminismos interseccionais criticam a
universalização das categorias.
Metodologicamente, os Estudos Culturais possuem duas tendências, uma mais voltada
para a etnografia e outra para as análises textuais. O desenvolvimento deste projeto terá como
principal interesse a análise dos discursos sobre sexualidade presentes nos manuais mais
indicados nos cursos de bacharelados em direito e na literatura produzida por e para as classes
populares e grupos minoritários, a literatura marginal cuirlombista.
Ainda que o direito se apresente como um conjunto de normas abstratas, genéricas e
com aplicação voltada para um universo de pessoas, não é nova no direito a inserção dos
valores da pluralidade, multiculturalismo, da alteridade, do relativismo cultural, da igualdade
material. A interação entre direito, sexualidade e literatura cuirlombista é a novidade
epistemológica proposta.
O objetivo é adotar uma abordagem quali-quantitativa, sendo qualitativa em relação ao
comparativo entre os discursos jurídicos hegemônicos e periféricos, e quantitativa no que se

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refere ao levantamento dos três manuais mais indicados nos planejamentos de ensino e
aprendizagem disponibilizados na internet e que tenham sido publicados a partir de 2015.
A literatura periférica na atualidade, com a expansão da internet, também ocupa e
disputa os espaços virtuais com músicas e clipes, contos, poemas e romances. Como produtoras
de literatura cuirlombista objeto de análise, destaco o perfil @contapretaconta no Instagram de
Kaliana Oliveira, historiadora, escritora e educadora; @ma_reputacao, página da
comunicóloga, poeta e slammer Karen Oliveira; @tatiananascimento, poeta, compositora e
cantora; @izeduque, compositora e cantora; e o perfil de trans-arte-educação da Multiartista
Sued Hosaná, @adeusasued.

Direito e Literatura: Vertentes ou Projetos?

Costuma-se dividir o assunto em pelo menos 3 vertentes: o direito na literatura, onde


estão localizados os estudos voltados para estudar as representações do direito na literatura; o
direito como literatura, o direito enquanto texto literário, portanto sujeito a interpretação por
meio de teorias literárias; e o direito da literatura, que seriam os estudos que aproximam o
direito autoral da seara artística literal (MUNIZ, 2019).
Amanda Muniz (2019) opta pela categorização dos trabalhos que interseccionam
Direito e Arte em Projetos, pois estes apontam o objetivo final, as finalidades; ao contrário das
vertentes que, segundo ela, enrijecem o trabalho, apontando desde o início o que será feito,
como se houvesse um caminho único possível para trabalhar direito e literatura.
Julie Peter (2005) elenca três projetos para trabalhar direito e literatura: o projeto
humanista, voltado para o resgate da humanidade do direito a partir da própria atividade
literária, seja através do ensino, da história do direito ou da filosofia jurídica. O segundo projeto
seria o hermenêutico, que busca inspiração nas teorias literárias para fundar as bases de uma
teoria de interpretação jurídica, sendo Ronald Dworkin um expoente bastante lido no Brasil e
criticado nos Estados Unidos no desenvolvimento desse trabalho (Muniz, 2019).
O terceiro projeto seria o narrativista, iniciado nos Estados Unidos no final dos anos 80
com forte influência da Teoria Feminista e da Teoria Crítica de Raça. Amanda sintetiza a ideia
do projeto narrativista em analisar as vozes do direito - Quem fala. Porque fala. Pra quem fala.
Os sujeitos dito subalternos têm vozes no mundo jurídico?
Uma resposta local foi formulada pelas pesquisadoras Grazielly Bagentos e Beatriz
Coelho (2019) ao analisarem o currículo oficial do curso de graduação em Direito da UFSC.

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Desse modo, verificaram a epistemologia predominante no discurso jurídico a partir do exame
das bibliografias básicas dos planos de ensino das disciplinas.
Os dados apontaram que: 10,4% das bibliografias indicadas são escritas por mulheres,
contrapondo-se a 89,6% escritas por homens; 1,8% das obras são de autoria de pessoas negras,
contra 98,2% escritas por pessoas brancas; e nas disciplinas fundadoras de uma teoria do direito
(filosofia jurídica e teoria do direito), temos 75% e 100% de autores europeus, respectivamente.

A literatura cuirlombista: Rompendo com binarismos

Nos últimos séculos, é perceptível o predomínio europeu na constituição dos


paradigmas culturais. Assim, entre nós, predominam as relações pautadas na binariedade
(homem x mulher; branco x negro; civilizado x bárbaro; cristão x herege), onde se observam
múltiplas formas de poder sendo exercidas: o homem que visa dominar a mulher, o branco que
escraviza o negro, o civilizado que impõe valores de civilização, leis e sistemas de pensamento
para o bárbaro, o cristão na catequização do herege.
Bhabha (2018) pontua que essa relação binária não é uma relação rígida, dura. Forma-
se uma dualidade entre os elementos dominantes e dominados, onde serão criados espaços de
interação, de hibridização cultural, o espaço da formação de algo novo. Um exemplo que
Bhabha dá é como se deu a conversão ao cristianismo do indiano, que contou com mitos
funcionais indianos para fazer sentido, havendo uma influência recíproca. Ou seja, a relação
não é rígida, não é apenas uma relação de imposição entre o mais forte e o mais fraco. Em
síntese, o discurso colonial é incorporado pelos povos colonizados, mas de forma
ressignificada, transformada. Nas palavras do autor:

"No mundo ambivalente da 'não exatamente/não branco' [not quite/not white], nas
margens do desejo da metrópole, os objetos fundadores do mundo ocidental tornam-
se os objets trouvés erráticos, excêntricos e acidentais do discurso colonial - os
objetos parciais da presença" (BHABHA, 2003, p. 138).

Observe-se que os elementos do colonizador são destacados de seus contextos originais


e inseridos em uma situação diversa. Dentre as consequências da hibridização, Tatiana destaca
como os valores da branquitude cisnormativa estão incorporados nos Mitos afro-brasileiros.
Os itans são contados de diversas formas, porém é de se notar uma maior disseminação
das versões que apresentam a rivalidade feminina na disputa por um homem. O caminho
trilhado por Tatiana é o de nos contar sobre o romance entre Oxum e Oyá, sobre a
transexualidade de Otim e sobre a viadice de Ossãe e Oxossi, itans bem menos conhecidos.

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A necessidade de reorganizar a história faz emergir em Tatiana Nascimento (2018) a
urgência de traduzir para o português referências sobre lesbiandade negra, de criar e refundar
palavras próprias e ancestrais. Conhecer e produzir narrativas da ancestralidade diaspórica
sexual-dissidente. Clarke (2016, p. 140 Apud NASCIMENTO, 2018, p. 5) diz: “a poesia tem
sido a grande professora da conscientização, da história, e do amor próprio aos povos pretos”.
Nesse sentido, Nascimento (2018, p. 1) nos apresenta o conceito de Cuirlombismo Literário,
formado a partir da intersecção entre Queer e Quilombo: “a parecença entre queer e quilombo
sugere algo urgente a celebrar y retomar pra nossas lutas e existências, já que dos pilares mais
rígidos y antigos do racismo colonial são o silenciamento, e as expectativas sexuais sobre
corpos negros”.
O conceito de Quilombo como organização e resistência vem de Beatriz Nascimento
(1985 Apud Nascimento, 2018), que rejeitou a definição de quilombo como agrupamento de
escravos fugidos para incorporar a noção das numerosas formas de resistência com as quais os
negros lutaram pela manutenção de sua identidade pessoal e coletiva. E do projeto quilombista
de Abdias Nascimento, que define o quilombismo como “[...] um movimento político dos
negros brasileiros, objetivando a implantação de um Estado Nacional Quilombista, inspirado
no modelo da República dos Palmares” e que tem como finalidade básica “promover a
felicidade do ser humano” (1980/2002, p 369).
O desdobramento em cuirlombismo proposto por Tatiana Nascimento visa a expansão
do sentido tradicional de resistência, incorporando os sujeitos LGBTQIAP+ e refundando a
noção de literatura negra como exclusivamente combativa recheada de sofrimento
(NASCIMENTO, 2018).
O cuirlombismo literário de Tatiana Nascimento conversa com a escrevivência de
Conceição Evaristo. O que seria a escrevivência? Seria a escrita, a ficção de si? Uma escrita
narcísica? Evaristo (2021) se distancia do mito narcisista, por ser um espelho que não reflete a
beleza negra, e se aproxima dos mitos afro-brasileiros de Oxum e Iemanjá. O espelho de Oxum
revela a beleza negra, a autodignidade. Iemanjá é o espelho que acolhe a comunidade. A
escrevivência revela o que vem antes e junto na construção de quem se é, então é uma escrita
de “si” e também de “nós”.
Assim, o espelho de Tatiana Nascimento guia o nosso olhar para Audre Lorde, que
refunda “Zami” como sinônimo de lesbiandade negra na diáspora; Cheryl Clarke, que faz
poemas lésbicos mito-arqueológicos; Barbara Smith, que busca autorx, personagens, tramas
sexual-dissidentes, para a redefinição de quilombo formulada por Nascimento, para o projeto

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quilombista de Abdias Nascimento. Como, aproveito para pontuar, foi através do espelho de
Kaliana Oliveira (@contapretaconta) que conheci a literatura periférica de Carolina Maria de
Jesus e a escrevivência de Conceição Evaristo.

Resultados esperados

Espera-se ampliar as perspectivas críticas acerca das possíveis intersecções entre direito
e arte, a partir de um recorte que não costuma ser objeto de interesse dos juristas, a literatura
marginal, mais especificamente a literatura cuirlombista. Nesse sentido, tensionando o discurso
jurídico hegemônico, almeja-se promover fissuras e transformações no conteúdo e na forma
dos cursos jurídicos.
Com a formação de um discurso mais plural nos bacharelados de direito, espera-se
contribuir para a ampliação do acesso e da permanência de grupos vulneráveis, como
LGBTQIAPN+, negres e indígenas, a partir da inclusão de suas vozes no discurso jurídico
produzido na academia.
Espero, por fim, estimular alterações na aplicação do direito, por meio da maior
participação de pessoas que ainda se encontram à margem dos setores de poder, e que sofrem
mais danos ocasionados pela predominância do discurso cisheteronormativo branco no Poder
Judiciário.

Referências

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1999, 167 p.

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a 08 de novembro de 2014.
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FAGUNDES, Mari Cristina de Freitas; HENNING, Ana Clara Correa; COLAÇO, Thais Luzia.
Neutralidade jurídica? Repensando o direito através de algumas letras do rap pelotense e sua
instrumentalidade em sala de aula de cursos de direito. SEMINÁRIO INTERNACIONAL
IMAGENS DA JUSTIÇA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO JURÍDICA, 2, 2014, Pelotas.
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REFLEXÕES SOBRE OS EFEITOS ADVERSOS DE UM SISTEMA DE
EDUCAÇÃO AINDA FRAGMENTADO
Leonardo Ribeiro Gonçalves de Oliveira

Resumo: Em sua obra, Dermeval Saviani (2018) demostrou que de fato não existe um sistema
de educação no Brasil, pois – segundo o autor – nossas leis abordam os problemas educacionais
de forma focalizada e de modo fragmentado. Partindo-se desse pressuposto, elaborou-se ensaio
com base em revisão bibliográfica preliminar de caráter exploratório que buscou investigar
quais os possíveis efeitos dessa fragmentação sobre os alunos. Concluiu-se que, segundo
Saviani (2008; 2017), ao tentar enfrentar de forma fragmentada os diversos problemas
(econômicos, políticos, ideológicos e legais), o mal chamado sistema educacional brasileiro
não cumpre papel ativo na formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes de
compreender e transformar a realidade social em que estão inseridos. Sendo assim,
considerando o conceito de violência social (OMS, 2002; Nunes, 2005), é possível refletir
que o mal chamado sistema educacional brasileiro pode estar produzindo danos de natureza
simbólica e epistemológica contra os seus alunos.

Palavras-chave: Violência Social. Violência Simbólica. Violência Epistemológica. Sistema


Educacional. Teoria da Educação.

Referências

OMS; KRUG, Etienne G. Capítulo 1: Violência um problema de saúde pública. In Relatório


mundial sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2002.

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Boaventura de Sousa Santos. Cortez Editora.

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DEFICIÊNCIAS INVISÍVEIS, EDUCAÇÃO E O MERCADO DE
TRABALHO NO SEGUNDO SETOR: DESAFIOS E PRECONCEITO
Fabrício de Souza Pinto Júnior
Gabriel Azevedo Goulart de Souza

Resumo: Objetivo: O presente artigo traz como reflexo o compreender das deficiências
invisíveis e sua construção, deste seu caminhar em meios educacionais e seus reflexos ao
mercado de trabalho em vista ao mercado do segundo setor e assim seus desafios e os
preconceitos tratados a estas pessoas. Método: Trata-se de uma revisão de literatura que tem
como representação a reprodução dos preconceitos que abarcam a base da construção de nossa
sociedade que preconiza a inclusão e a não a sua construção para que haja conscientização e
efetivação de políticas de direitos humanos perpassando da educação e até a entrada daquela
pessoa ao mercado de trabalho. Conclusão: Utilizando uma abordagem interseccional, destaca
as interações entre deficiências invisíveis e o mercado de trabalho, propondo uma educação
para a inclusão.

Palavras-chave: Deficiências invisíveis; Educação, Mercado de Trabalho, Políticas Públicas.

Introdução

Falar sobre a temática da deficiência não é uma tarefa fácil, principalmente por se tratar
de um tema que pode ser estudado por diversas vertentes: a vertente histórica, a psicológica, a
do direito, a da educação, entre outras. (Silva, 1987). Assim, faz como necessário uma nova
visão de direitos humanos que não apresenta o caráter fundamental e hegemônico, centrado no
positivismo e coberto pela modernidade e suas declarações de direitos, mas assim suficiente
para garantir os direitos humanos daqueles submetidos às mais variáveis formas de exclusão,
logo, uma prática aos direitos humanos que leve em consideração seus critérios universais,
como a igualdade, liberdade e fraternidade, e que respeite as diferenças plurais de indivíduos e
grupos. (Madruga, 2021).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, pessoas com deficiência são aquelas
que têm impedimento de médio ou longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstaculizar assim sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Portanto, em conceito, as deficiências invisíveis ou ocultas são aquelas não percebidas de
imediato, ou seja, são doenças e condições tipicamente crônicas que prejudicam
significativamente as atividades normais da vida diária, onde destas podem ser citadas a surdez,
autismo e das deficiências cognitivas, entre outras.
A inclusão, neste sentido, refere-se à garantia de direitos e refere-se a uma mudança
social no que diz respeito à gestão das necessidades particulares de cada pessoa. Neste contexto

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de mudança de paradigma social, Sassaki (2003) destaca alguns conceitos que devem estar
presentes na nova perspectiva sobre a inclusão de pessoas com deficiência, como autonomia,
independência, empoderamento e igualdade de oportunidades. Segundo este autor, estas noções
resumem a ideia segundo a qual as pessoas com deficiência devem ter o direito de exercer
controle sobre si mesmas, de controlar o espaço físico em que vivem, de beneficiar de
condições justas de oportunidades e de viver experiências que permitam ao indivíduo seu
fortalecimento individual. Neste contexto, a inclusão consiste em adaptar todos os sistemas
sociais ao maior número possível de possibilidades, de forma a eliminar as barreiras que
impedem todas as pessoas, com as suas particularidades, de partilharem os mesmos ambientes
e possuírem acesso às mesmas coisas. (Sassaki, 2003).
Dessa forma, iniciativas voltadas as pessoas com deficiência, contidas atualmente em
vista do modelo social, indo ao oposto ao modelo biomédico, que se baseiam em direitos
humanos e na pessoa como sujeito de direitos, devem ir muito além da luta contra a
discriminação, assim, vale ressaltar que se deve ir à luta contra às condutas antidiscriminatórias,
por intermédio da utilização de instrumentos mais efetivos de direitos humanos. (Madruga,
2021).
Notadamente, podemos levantar algumas questões preliminares que serão respondidas
– pelo menos haverá tal tentativa, conscientes dos limites de toda resposta – no percurso do
presente capítulo: Quais as implicações sociais impostas às deficiências invisíveis? A
construção de uma educação para as deficiências, como transformar a construção social? De
fato, a escola auxilia na inclusão ou na exclusão? O mercado de trabalho e a sua transparência
em visão das deficiências, quais suas funcionalidades? Como a responsabilidade social
corporativa trabalha para a inclusão de todos os seus funcionários? Este artigo tem como
principal objetivo, trazer um contorno acerca da construção da pessoa com deficiência oculta,
sua construção e o mercado de trabalho, assim como, o seu entorno e suas implicações para seu
bem- estar em olhar ao modelo biopsicossocial.

3.1 A construção social do preconceito: paradigmas sempre com marcas da presença

Em nosso contexto histórico de formação, é deixado um rastro visível ao atual


panorama sócio psíquico, com sinais evidentes de mal-estar, vandalismo e vida precária,
configurada a um território fértil para a reincidência da barbárie, o preconceito incorpora
fenômenos contemporâneos, resultantes das relações sociais cada vez mais impeditivas para a

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reflexão sobre a própria impotência diante de uma ordem social que diferencia a
estigmatização, onde, em uma sociedade que impõe renúncias e sacrifícios, que enrijece o
pensamento dadas as condições de sobrevivência num contexto de privações determinada por
relações desiguais, de apropriação concentrada dos bens materiais e simbólicos, o preconceito
torna-se um elemento presente e frequente no processo de conhecer e por conseguinte, à mera
apreensão do imediato. Logo, as atitudes de preconceito, tem seu desenvolvimento no processo
de socialização que é fruto da cultura e da sua história: “Como tanto o processo de se tornar
indivíduo, que envolve a socialização, quanto o do desenvolvimento da cultura têm se dado em
função da adaptação à luta pela sobrevivência, o preconceito surge como resposta aos conflitos
presentes nessa luta” (Crochik, 1996, p. 11).
Portanto, cabe enfatizar os elementos psicológicos como determinantes para que haja
uma adesão ou vinculação do indivíduo aos valores que contradizem seus próprios interesses.
O ajustamento da sociedade vai se construir em reação à incompreensão de que podemos
construirmos como seres autônomos capazes de realizar puramente dos objetivos imediatos.
Logo, a saída vislumbrada é justamente à sociedade tal que nos apresenta, pela impossibilidade
de negar o real e para que assim possa trazer a reflexão sobre os diversos condicionantes e sua
própria construção do indivíduo. (Silva, 2006).
Cabe ressaltar, como afirma Zuin (1999, p. 118), “o não-presente não pode e não deve
se transformar num ausente”. Logo, falar sobre individuação é um projeto inviável nesta
sociedade não indica a impossibilidade de nela haver confrontos que assim podem, pela crítica
imanente, tomar a um desmascaramento com o caráter afirmativo do real a partir da leitura e
reflexão daquilo que é silenciado. (Silva, 2006).

3.2 Mudanças discursivas

A Declaração sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada pelas Nações
Unidas desencadeou uma atmosfera de debate sobre o movimento para proteger os direitos das
pessoas com deficiência. Com base no debate sobre os direitos humanos a nível internacional,
há também cada vez mais debates sobre a proteção dos direitos das pessoas com deficiência no
Brasil. A igualdade e os direitos inalienáveis são a base da justiça social (Brasil, 2010). Neste
sentido, começaram a ser ouvidas não só as vozes das pessoas com deficiência, mas também
as de outras minorias e grupos sociais.

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Devido ao processo de politização e à mudança de paradigma da exclusão para a
inclusão social, a designação das pessoas com deficiência também começou a mudar, sendo
gradualmente substituídos termos como “aleijado”, “deficiência” e “deficiente”. Pela palavra
"deficiente". O avanço no uso da palavra “pessoa” é lembrar que antes da deficiência ele era
uma pessoa. Aos poucos, o termo “deficiente” passou a ser utilizado, pois não se tratava de
uma pessoa com deficiência, mas sim de uma condição de deficiência. A expressão foi
posteriormente abreviada para “pessoa com deficiência”, e embora a adoção do termo “pessoa
com deficiência” representasse uma tentativa de diminuir o estigma quase sempre presente
quando se discute o tema da deficiência, essa decisão não foi totalmente aceita pelos estudiosos
temas da área (Araújo, 2001). Assim, apesar de o termo ter sido difundido, inclusive em
documentos oficiais, sua tendência foi cair ao progressivo desuso, já que não se tratava de uma
condição dentro dos padrões sociais estabelecidos, e sim de uma característica. Desse modo,
em 1990, entrou em uso a expressão “pessoa com deficiência”, que permanece até os dias
atuais.
Considerando as definições estabelecidas pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI) nº
13.146, de julho de 2015, a deficiência é compreendida como resultado da interação entre
impedimentos, que são condições presentes nas funções e estruturas do corpo, e barreiras que
podem ser urbanísticas, arquitetônicas, barreiras nos transportes, comunicações e na
informação, atitudinais e tecnológicas. Assim, a deficiência é compreendida pela experiência
de obstrução do gozo pleno e efetivo na sociedade em igualdade de condições.
O mais recente censo brasileiro foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2022) e classificou a deficiência de acordo com o tipo (visual, auditivo,
físico/motor, intelectual) e grau (leve e grave). Entre esses resultados, foi encontrado que quase
19 milhões de pessoas com 2 anos ou mais possuem alguma forma de deficiência,
representando 8,9% da população brasileira nessa faixa etária, dentre elas 47,2 possuem 60
anos ou mais, o que vai ter equivalência a aproximadamente 8,8 milhões de pessoas, também
em vista de um perfil, este identificou que este perfil em grande parte é de uma mulher da cor
preta e nordestina. Vale ressaltar aqui que o questionário do Censo IBGE não pergunta
diretamente para a pessoa se ela possui ou não uma deficiência, mas questiona o grau de
dificuldade que ela encontra para realizar certas atividades cotidianas, como ouvir, enxergar ou
subir escadas.
As pessoas mais velhas são mais acometidas por alguma condição permanente que
culmina numa deficiência. E também a severidade das deficiências é maior nas pessoas acima

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de 64 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2022). Não à toa, a temática
da deficiência se torna ainda mais importante, visto que há uma tendência, com o aumento da
idade, para que se desenvolvam mais problemas de saúde que possam causar deficiência, de
modo que na faixa populacional acima de 67 anos a incidência das deficiências aumenta.
E o Brasil apresenta um número cada vez maior de pessoas com deficiências adquiridas,
especialmente nos Estados do Nordeste (IBGE, 2010). Isso é explicado em parte pelo grande
número de acidentados no trabalho, no trânsito, pelo aumento da violência, pela falta de
infraestrutura de saúde e de prevenção em saúde (Satow & Heloani, 2003).
Dentro da realidade das deficiências invisíveis, dentro do que apresentado aos dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), em vista das pessoas com
deficiência auditiva, especificamente 1,2 % da população, mesmo que com a utilização de
aparelhos auditivos. E cabe também ressaltar que é negligenciado até o presente estudo deste
instituto dados acerca de outras formas de deficiências que tomam as deficiências ocultas, tendo
a recair a uma pobreza científica e aos meios de inclusão.
Embora os avanços na medicina, nas políticas públicas e na tecnologia tenham levado
a melhores condições de vida para as pessoas com deficiência, é importante não perder de vista
o fato de que a ideia de inclusão está impregnada da realidade da exclusão (Sawaia, 2009).
Segundo Satow e Heloani (2003), uma das formas de superar o estigma (inclusão por meio da
exclusão) é acreditar no potencial das pessoas com deficiência, e a melhor forma de exercitar
essa crença é por meio do trabalho. Este é o principal guia para o processo de inclusão e a
possibilidade de retratar as pessoas com deficiência como membros ativos da sociedade.

3.3 Inclusão escolar: impactos positivos no desempenho no mercado de trabalho

A fase escolar é, sem dúvida, uma das fases mais importantes e influentes na vida de
qualquer pessoa. Nesse pressuposto, a escola recebe o papel de ser um espaço onde a criança
possa se desenvolver com o devido apoio e direção para que se prepare para a vida adulta.
Entretanto, até onde essa preparação é eficiente? Até onde a subjetividade de cada indivíduo é
respeitada e acolhida, e no caso de uma pessoa com deficiência, onde inegavelmente, todo seu
funcionamento será diferente devido à sua condição? Ou em caso de deficiências invisíveis, as
instituições conseguiriam identificar essas pessoas, se sim, saberiam como lidar com tal
situação?

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Observando alguns dados estatísticos de uma pesquisa do IBGE, de 2022, vemos a
gravidade da problemática que dissertaremos sobre: primeiramente, 19,5% das pessoas com
deficiência são analfabetas. Além de ser um dado bastante preocupante por si só, ele ganha
contornos ainda mais complicados quando descobrimos que a taxa de analfabetismo de pessoas
sem deficiência é de “apenas” 4,1%. A partir daí, os outros dados não são uma grande surpresa:
63,3% das pessoas com deficiência não têm instrução ou possui o ensino fundamental
incompleto, 11,1% tem o fundamental completo ou o ensino médio incompleto, 25,6%
concluíram o ensino médio e apenas 7% possuem ensino superior.
É importante pensarmos também que as crianças com deficiência muitas vezes
enfrentam barreiras ainda maiores ao ir para a escola, podendo ter dificuldade de compreensão
das aulas ou questões físicas e fisiológicas que as impedem de manter uma boa frequência. Por
conta disso, muitas delas também têm que lidar com o atraso escolar, por causa da falta de
estrutura e acessibilidade nas instituições de ensino. Apesar da Lei Brasileira de Inclusão (LBI)
exigir direitos, garantias, inclusão e acessibilidade para as pessoas com deficiência em todos
os espaços físicos e digitais do país, essa infelizmente ainda não é a realidade.
Para Palma (2016), podemos observar que a responsabilidade da escola na formação do
indivíduo, precisando que esse espaço seja acolhedor, mas também, desafiador de forma que
prepare a criança para a vida adulta, em caso de pessoas com deficiência isso não é diferente,
entretanto, é mais específico, pois é preciso levar em conta suas condições. Por isso, é
necessário que todos as pessoas com alguma deficiência tenham acesso a uma instituição
inclusiva, para que haja um ambiente saudável para se desenvolver na medida que prepara a
pessoa também para o momento onde não haverá inclusão, principalmente no mercado de
trabalho, onde mesmo que seja direito constitucional pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015,
que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), ainda é uma realidade utópica considerar o cumprimento de forma correta por
todo o mercado de trabalho, muitos ainda não sabem como adaptar, e grande parte não tem
interesse, e não há a pressa necessária para gerar tal interesse.
Para (SENNA,2004, p.53), é importante que estratégias práticas sejam aplicadas na fase
escolar como forma de preparação desses alunos à vida pós- escolar, possibilitando sua entrada
no mercado de trabalho mesmo com suas dificuldades. Com isso, o indivíduo deve ser
preparado e assistido, de modo que tenha o espaço necessário para se desenvolver, e se preparar
para ambientes que não tenham essa inclusão consolidada, pois inegavelmente, esse tema só

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tem ganhado a devida atenção a poucos anos, e a maioria dos lugares ainda não se organizaram
de forma totalmente inclusiva a esse grupo de pessoas.
Para Vygotsky (1987), a inclusão abrangeria a criação de um ambiente acessível e
amplo que oferecesse acomodações para os alunos, desde salas de aula adaptadas e materiais
didáticos acessíveis até tecnologias assistivas. Outro fator importante, seria a conscientização
como forma de promover a inclusão, pois as instituições que investem em treinamento e
conscientização para educadores, funcionários e alunos têm maior probabilidade de criar um
ambiente inclusivo, pois reduzem possíveis estigmas dos educadores que atrapalham o
processo de inclusão. Ademais, o apoio instrucional personalizado, com estratégias ajustáveis
de acordo com a individualidade de cada aluno, seria o caminho mais eficaz para suprir as
necessidades individuais dos alunos com deficiências invisíveis. Além disso, é válido a
implementação de programas de apoio psicossocial, psicoterapias, grupos de apoio e atividades
para promover a saúde mental, contribuindo para enfrentar o sofrimento mental vindo a partir
dessas deficiências.
Portanto, essa preparação para o mercado de trabalho requer uma abordagem
abrangente, que identifique e desenvolva as habilidades individuais, promova a busca pela
autonomia e à autodeterminação, além de desenvolver habilidades sociais essenciais.
Atentando às essas perspectivas, as escolas desempenham um papel crucial na formação de
indivíduos capacitados aos desafios do mercado de trabalho, independentemente de suas
capacidades físicas ou cognitivas.

3.4 Responsabilidade Social Corporativa ou Direito: o acesso ao mercado de trabalho

Numa sociedade capitalista, o trabalho é visto como algo essencial à existência humana,
como a possibilidade de inserção no circuito padrão de produção para o consumo. Assim o
indivíduo deve produzir e consumir para que possa ser visto como cidadão, Mais do que “Ser”,
ele deve “Fazer”, mais do que “Ser” ele deve “Ter”. Assim, como afirma Amaral (1994) “pode
ser muito precioso não perder de vista o amplo desenho quando falamos de trabalho da pessoa
portadora de deficiência. Ou dito em outras palavras: nós perguntamos sempre (e aqui me dirijo
aos profissionais que teorizam sobre a questão da deficiência e àqueles que desenvolvem suas
funções em instituições especializadas) a serviço de que outro ou quem”.
É fundamental reconhecer a contribuição e a necessidade de engajamento por parte do
setor empresarial, a fim de promover a superação desse ciclo de violência e para que possa

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trabalhar a caminho da inclusão. Esta pode ser conceitualizada a partir do Instituto Ethos, como
“uma forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os
espectadores que interagem com ele e estabelecendo metas de negócios compatíveis o
desenvolvimento sustentável da sociedade, protegendo os recursos ambientais e culturais para
as gerações futuras, respeitando a diversidade e reduzindo as desigualdades sociais”
(INSTITUTO ETHOS, 2004).
Logo, ao longo dos anos, as empresas encontram-se em mudanças sociais e do conflito
na década de 1960, no centro das exigências feitas pelo fortalecimento dos princípios
revolucionários e pela mobilização social. Mais tarde, isso levou ao surgimento de movimentos
sociais.
Em vista do olhar atribuído à responsabilidade social corporativa, um dos principais e
mais recentes referenciais da inclusão das pessoas com deficiência é a inserção no mercado de
trabalho formal, a inclusão começou efetivamente quando a Constituição Federal garantiu os
direitos ao acesso à educação, às formas de interação social e logo ao trabalho. (Carvalho-
Freitas & Marques 2009).
Com a efetivação da Lei n° 8,213, art. 93 (1993) e incluído pela Lei 13.146 de 2015,
prevendo assim o acesso ao mercado de trabalho ganhando suas considerações mais
específicas. Esta lei vai prever assim que toda a empresa com 100 ou mais empregados esteja
obrigada a preencher seu quadro geral com cerca de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. Deste modo, esta lei traz sua contribuição
para uma crescente preocupação com a empregabilidade formal das pessoas com deficiência e
a sua inserção no mercado de trabalho.
Como consequência, as instituições sociais, como as de educação, foram incumbidas
da missão de preparar tais pessoas para tomar tais cargos e atribuições, anteriormente visto de
forma escassa (Toldrá & Sá, 2008). Transformando a via de acesso ao trabalho para as pessoas
com deficiência e transformando também o acesso à educação, de modo a possibilitar uma
mudança na situação social das pessoas e assim viabilizando sua inclusão nos meios sociais.
Entretanto, em um olhar, mesmo com o passar dos anos, desde que a lei entrou em
vigor, ainda há impedimentos para que a inserção seja plenamente efetuada, pois, ainda há uma
baixa qualificação profissional e também por parte das empresas para que possam receber estes
novos componentes ao quadro da empresa, em vista do desconhecimento da capacidade de
trabalho das pessoas com deficiência por parte dos gestores (Carvalho-Freitas, 2009, 2010).

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4. Conclusão

O contexto histórico marcado por uma trajetória de superação da invisibilidade e da luta


por sua cidadania caracteriza se ao caminhar do processo em que as pessoas com deficiência
vivem até os tempos atuais. Em seu atravessamento histórico a pessoa com deficiência tem sua
construção sendo rejeitada sumariamente em diferentes sociedades e culturas, vistos durante
muitos séculos como “inválidos ou incapazes”, nas últimas décadas, particularmente depois da
declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1981, onde após este fato este
grupo passou a se organizar politicamente, constituindo-se num novo “ator social” nos debates
contemporâneos sobre direitos humanos e políticas públicas.
Deste estudo, também pode se evidenciar que a pobreza e a violência são fatores que
favorecem o acometimento de deficiências adquiridas, deixando claro que a presente
abordagem não deve ser isolada, no discurso de garantias de direitos para as pessoas com
deficiência, pois, deste modo este representa não só a garantia de saúde, à educação e ao
trabalho em olhar as condições dignas, mais também a todos os requisitos ao olhar da
completude do modelo biopsicossocial. Desta tarefa, podemos apontar que não parte apenas ao
poder público a responsabilidade, mas em todas as esferas políticas de desenvolvimento.
Dado o exposto, foi mencionado como as instituições deveriam funcionar para que seja
garantido os direitos constitucionais de inclusão tanto dos deficientes quanto os deficientes
invisíveis, entretanto em nossa época atual ainda estamos caminhando para essa realidade que
infelizmente ainda é considerada longínqua. Algo que é evidenciado pelos dados estatísticos já
comentados anteriormente, sem o devido preparo a grande maioria dos deficientes são fadados
ao desemprego, muitos nunca terão as oportunidades de se desenvolver profissionalmente, e
outros desistiram em meio às dificuldades no caminho.
Dentre os deficientes invisíveis, muitos nem descobrem suas deficiências e vivem sua
vida sofrendo por não conseguirem cumprir as demandas impostas, sendodemandas que muitas
vezes são desproporcionais para sua condição. Por todos esses aspectos, observamos que
caminhamos no caminho certo para um mundo mais inclusivo, sendo uma pauta cada vez mais
estudada e divulgada, entretanto, enquanto não tiver a pressão necessária que faça o governo se
organizar e oferecero conhecimento e as ferramentas necessárias para que as instituições de
ensino possam oferecer um ambiente acessível e inclusivo que entregue a base intelectual,
emocional e social para essas pessoas, os lamentáveis dados estatísticos apresentados ainda
demorarão muito para mudar.

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A AUSÊNCIA DE AMPARO JURÍDICO À PESSOA AUTISTA E
LGBTQIAPN+: A LACUNA NO DIREITO À SAÚDE

Camila Pina Brito Willane


Hanna Bonfim Evangelista
Yasmin Santos Pereira

Resumo: O presente trabalho tem origem na ausência de amparo jurídico à pessoa com
Transtornodo Espectro Autista – TEA e LGBTQIAPN+ no Brasil, uma vez que através de
pesquisasbibliográficas foi possível identificar as lacunas na garantia e promoção do serviço
de atendimento psicossocial e da saúde. Assim, com o decorrer do estudo, percebe-se o
desconhecimento dos profissionais da psicologia e da saúde mental em atender a pessoa com
autismo e LGBTQIAPN+, ao passo em que confunde diagnósticos e interfere na liberdade
sexual do paciente, o que pode provocar comportamentos inesperados e até sofrimento
psicológico. Com isso, destaca-se que o paciente é exposto à diversos preconceitos,
invisibilidade e infantilização, o que impede que o gozo dos Princípios de Yogyakarta. Por
este caso, a legislação deve ir de contra a conduta dos profissionais de psicologia que estão
em desacordo com o Conselho Federal de Psicologia, e principalmente das que contradizem
os direitos da pessoa com deficiência previstos na Lei 13.146/2015, para que a pessoa com
autismo e que faz parte da comunidade LGBTQIAPN+, possa ter seus direitos humanos
garantidos com plenitude.
Palavras-chave: LGBTQIAPN+; Transtorno do Espectro Autista; Direito à saúde;
Psicologia; Conselho Federal de Psicologia; Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Introdução
A intersecção de indivíduos que estão inseridos no Transtorno do Espectro Autista e na
comunidade LGBTQIAPN+43 é uma realidade com frequentes adversidades no campo da
psicologia e da legislação atual brasileira. Em primeira análise, nota-se que, a presença de
diagnósticos tardios e o despreparo dos psicólogos ao lidar com a junção da pessoa com
autismo e disfunção de gênero, põe em risco os direitos à saúde e de personalidade.
A dignidade da pessoa humana e o direito à saúde é questionado quando a procura por
um diagnóstico psicológico é permeado de preconceito e invisibilidade, uma vez que o
profissional se aproveita da situação para impor suas crenças de cunho pessoal. Dessa maneira,

43
A sigla LGBTQIAPN+ serve para denominar a comunidade de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transsexuais, Transgênero, Travesti, Queer, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais, Neuter Gender +, o símbolo +
é referente a outros tipos de sexualidades ou gênero que também são acolhidos pelo grupo.
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o problema da pesquisa se mostra em extrema relevância e urgência, a tal ponto que a sua não
indagação ao despreparo dos profissionais de saúde mental pode prejudicar a formação do
indivíduo como um todo.
Nesse seguimento, tem-se como objetivo geral da presente pesquisa a interrogação: a
legislação pode reduzir a somatização do preconceito de pessoas com autismo e
LGBTQIAPN+?
A cultura da heteronormatividade é o reflexo de comportamentos de imposição de
gênero e do desprezo por assuntos que envolvem a sexualidade em consultórios de psicologia.
Nesse sentido, a legislação brasileira deve amparar os seus cidadãos de modo a combater a má
conduta de psicólogos e outros profissionais da área da saúde mental, para que o cenário de
mitigação de direitos humanos seja exterminado da vida de pessoas autistas e LGBTQIAPN+.
Neste interim, a coeva pesquisa possui os seguintes objetivos específicos: a) conceituar
a sigla LGBTQIAPN+ e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), evidenciando a intersecção
destes; b) demonstrar a lacuna legislativa do direito à saúde frente ao despreparo dos
profissionais de psicologia no tratamento das pessoas com autismo e LGBTQIAPN+; c)
abordar os princípios de Yogyakarta, bem como a não observação deles quando se trata do
tema exposto.
Ademais, a pesquisa utiliza-se do método qualitativo baseado no caráter subjetivo, e os
dados foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica de análise legislativa e de artigos
científicos que versam sobre o assunto.
Assim, é crível que legislação brasileira deve servir como imposição à mudança da
conduta dos profissionais de psicologia perante os pacientes que são LGBTQIAPN+ e possuem
TEA, ao passo em que propor uma revolução no campo da psicologia através do mundo
jurídico, é, de fato, retirar os Direitos Humanos do papel e trazê-los para uma realidade
humanizada.
Com isso, entende-se que a construção de leis e políticas públicas contribuem para
quebrar as barreiras de anos de infantilização, diminuição e invisibilidade destas pessoas.

1. NOÇÕES CONCEITUAIS E INTERSECÇÃO ENTRE TEA E LGBTQIAPN+


1.1 Transtorno do Espectro Autista – TEA

A priori, o Transtorno do Espectro Autista surgiu em 1908 sob o termo ‘autismo’ criado
pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, que identificou os primeiros sinais da doença na fuga da

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realidade para um mundo interior. Nesse intento, com o passar dos anos outros profissionais
da psiquiatria encontraram novas nomenclaturas e características do TEA que pudessem
descrever e especificar com clareza os tipos de autismo e os seus níveis de suporte, entre estes
profissionais se destacam Leo Kanner, Hans Asperger, Temple Grandin, Michael Rutter e
Lorna Wing, sendo esta última responsável pela adequação do autismo como um espectro.
Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, o
TEA44 pode ser definido como um transtorno que pode afetar tanto as relações interpessoais
como também a relação do indivíduo consigo mesmo, o que gera agravamento em seu
comportamento social, linguagem e comunicação.
Nesse sentido, as pessoas autistas também conhecidas pelo termo neurodivergente
receberam destaque nos últimos anos pós pandemia, uma vez que o número de crianças e
adolescente diagnosticados cresceu potencialmente, se comparado aos anos anteriores. Assim,
é criterioso afirmar, que o aumento de diagnósticos se deu em razão da diversidade de pesquisas
científicas, maior acesso à informação, além de fatores socioambientais e biológicos que
podem influenciar no acréscimo de crianças e adolescentes com TEA.
Além de um diagnóstico diferencial, faz-se necessária também a identificação de
condições que coexistam com um quadro de autismo. A condição que mais comumente
coexiste com o autismo é o retardo mental, presente em níveis de severidade variados em
aproximadamente 60 a 75% das crianças com autismo45.
No dia 8 de janeiro de 2020 foi sancionada a Lei nº 13.977 que altera a Lei 12.764/2012
que implantou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista, sendo que a primeira dá direito a carteira de identificação da pessoa com
TEA, também conhecido como Cordão do Autismo. Contudo, apesar do implemento jurídico
da Lei nº 13.977/2020, a realidade da pessoa autista no Brasil ainda é cercada de limitações e
capacitismo, visto que grande parte dos profissionais da psicologia, ainda, não demonstram
conhecimento e interesse adequado para lidar com as particularidades da pessoa com TEA.

44
Transtorno do Espectro Autista – TEA.
45
SILVA, M; MULICK, J. A. Diagnosticando o Transtorno Autista: aspectos fundamentais e considerações
práticas. Psicologia Ciência e Profissão. Brasília. 2009. 29. p. 116-131. Apud E.G., Bailey, Philips, & Rutter,
1996; Barbaresi, Katusic, Colligan, Weaver, & Jacobsen, 2005.
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1.2 LGBTQIAPN+ – Lésbica, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queer, Intersexuais,
Assexuais, Pansexuais, Neuter Gender +

Em outro seguimento, tem-se o conceito da comunidade LGBTQIAPN+, que significa


a composição de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travesti e Transgênero,
Queer46, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais, Neuter Gender47 e +, isto é, outras sexualidades
ou gêneros que se sintam acolhidas pela comunidade.
Desse modo, é possível compreender que os conceitos de lésbicas e gays estão
associados à indivíduos que sentem atração pelo mesmo sexo, enquanto bissexuais são aqueles
que sentem atração por ambos os sexos, tais definições estão relacionadas a orientação sexual.
De outra forma, estão descritos na letra ‘T’ as pessoas transsexuais que não se identificam com
o seu sexo biológico, logo, transvestem-se de outro gênero, o que não interfere a sua orientação
sexual.
Além das letras supracitadas, há também os indivíduos queer (pessoa que não se
identifica com o gênero e sexualidade de nascimento), intersexual (pessoa que nasce com a
presença dos dois sexos biológicos), assexual (pessoa que não sente atração por qualquer
gênero ou sexo), pansexual (pessoa que sente atração por ambos os sexos e gêneros) e neuter
gender (pessoa que não se identifica com gênero feminino e masculino).

1.3 A Interseccionalidade entre Transtorno do Espectro Autista e LGBTQIAPN+

O Transtorno do Espectro Autista – TEA é considerado uma doença mental descrita no


Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. Segundo o DSM-5 o
transtorno do espectro autista (TEA) é mais preponderante em crianças com disforia de gênero
(DG) encaminhadas para atendimento clínico do que na população em geral. Estudos recentes
preveem uma incidência de 7,8% de TEA em amostras de crianças com DG48.

46
Queer em português pode ser traduzido como estranho; o termo também é utilizado para denominar pessoas
que não se enquadram nos padrões de gênero e sexualidade imposta.
47
Neuter Gender em português significa gênero neutro.
48
LIRA, W. S; SILVA, Í. C. F; SILVA, T. B; RIBEIRO, S. D. Crianças com Disforia de Gênero e Transtorno do
Espectro Autista: o despreparo dos profissionais da psicologia. Diversidade sexual, étnico e de gênero: saberes
plurais e resistências. Vol. 1. 2021. p. 2191.
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Nesse seguimento, destaca-se que a comunidade LGBTQIAPN+ não se enquadra como
uma doença ou transtorno, uma vez que a homossexualidade saiu do rol de doenças verificadas
pela Organização Mundial de Saúde – OMS em 1990 e a transexualidade foi retirada em 2018.
Assim, ao considerar a interseccionalidade da pessoa com TEA e LGBTQIAPN+ é
possível observar a dupla carga de discriminação e complexidade que o indivíduo encontra na
sociedade, uma vez que grande parte da população brasileira desconhece a forma correta de
tratar uma pessoa autista e LGBTQIAPN+.
Na seara da saúde, o conflito de pessoa autista e LGBTQIAPN+ não diminui, visto que
os próprios profissionais da saúde mental se encontram despreparados para atender esse
determinado indivíduo, sem que para isso inclua a sua orientação sexual ou gênero49 como
características do TEA.
Por este caso, as lacunas jurídicas em defesa dos direitos das pessoas com TEA e
LGBTQIAPN+ devem ser reduzidas, para que lesões aos direitos humanos sejam evitadas em
espaços que deveriam ter o respeito e o acolhimento como pontos cruciais: os consultórios de
psicologia.

2. LACUNA LEGISLATIVA DO DIREITO À SAÚDE FRENTE AO


DESPREPARO DOS PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA NO TRATAMENTO DE
PESSOAS COM TEA E LGBTQIAPN+

É constante a luta da comunidade LGBTQIAPN+ em favor da prestação dos Direitos


Humanos, em destaque, o direito à saúde plena. Destaca-se, que Melo, Amorim, Garcia,
Polejack e Seidl (2020), as necessidades de saúde da população LGBTQ ainda são
desconhecidas de grande parte dos profissionais de saúde. Sem atendimentos adequados,
lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgêneras resistem, cada vez mais, a buscar suporte
qualificado em saúde. Entre as reclamações desse grupo, encontra-se a heterocissexualidade50
assumida. A relação entre usuário e profissional fica prejudicada, dessa forma, e outros
prejuízos são causados ao cidadão. Destaca-se a pobreza da comunicação, fator diretamente

49
A palavra gênero está empregada enquanto objeto de construção social, ao invés de gênero como sexo biológico.
50
Heterocissexualidade está relacionado a imposição de padrões heterossexuais e cisgênero, isto é, o termo surge
em contrapartida ao conceito de transexualidade.
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conectado ao silenciamento de questões relacionadas à sexualidade, à promoção e à prevenção
em saúde.51
Da mesma forma, o acesso à saúde para pessoas com transtorno do espectro autista é
limitado. A maioria dos diagnósticos de TEA ocorrem com atrasos, devido à insegurança por
parte dos profissionais em diagnosticar, gerir e encaminhar às especialidades Defense-Netrval
DA e Fernandes (2016)52. Assim, os autores esclarecem a pendência da formação dos
profissionais de psicologia e o despreparo destes no momento de realizar o procedimento
terapêutico com pessoas que tenham suspeita de autismo e precisam de diagnóstico, ou até com
aquelas que já foram diagnosticadas, mas não tem o tratamento adequado.
Neste interim, existe uma correlação entre pessoas com Transtorno do Espectro Autista
e que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+, uma vez que foi comprovado a partir de um
estudo de Hilse-Gorman (2019), em que foram analisadas 292.572 crianças, com idade entre 2
de 18 anos, e foi comprovado que crianças diagnosticadas com TEA, possuem uma alta
probabilidade de serem diagnosticadas com Disforia de Gênero.
Por este caso, nota-se que existe uma forte intersecção entre os diagnósticos, contudo,
a grande celeuma é: O despreparo dos profissionais de psicologia em lidar com pessoas com
TEA e que se identificam como LGBTQ+ é o que gera transtornos de ansiedade, depressão e
suicídio (Quinn, Stark, Hunter, Evans, Hennessey, 2019)53.
Segundo Turban (2018), cerca de 40 % dos adultos transgêneros já tentaram suicídio.
Se torna evidente que, um atraso no diagnóstico de TEA, os preconceitos e segregação no
atendimento dos profissionais de psicologia em pessoas LGBTQIAPN+, torna ainda mais
provável a ocorrência de distúrbios de comportamento, ansiedade, depressão e até suicídio.
Em razão disso, a conduta do psicólogo deve ser questionada e atualizada, para que esse
cenário de mitigação do direito à saúde, do direito de ter uma identidade respeitada e dos
direitos de personalidade, sejam evitados a ponto de reduzir a angústia da heteronormatividade
imposta pelos profissionais de psicologia. Assim, a infantilização, o termo “Anjo Azul”, deve
ser retirado da rotina dos psicólogos, pelo fatode que as pessoas com autismo também possuem
vida sexual, e direito de ter a sua sexualidade respeitada.

51
MELO, I. R; AMORIM, T. H; GARCIA, R. B; POLEJACK, L; SEIDL, E. M. F. O Direito à Saúde da População
LGBT: desafios contemporâneos no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Revista Psicologia e Saúde.
Vol. 12, n. 3. 2020. p. 63-78.
52
DEFENSE-NETVRAL DA, FERNANDES FDM. A Oferta da Terapia Fonoaudiológica em Locais de
Assistência a Indivíduos com Transtornos do Espectro do Autista (TEA). Journal of Communication Disorders,
Audiology and Swallowing, 2016; 28: 459-462.
53
QUINN B. P., STARK M. D., HUNTER A. K., EVANS A., HENNESSEY K. A. Purpose in adolescents
diagnosed with an autism spectrum disorder. J Adolesc. p. 53-62. 2018.
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A conduta da heteronormatividade como padrão impede que os pacientes vivam a sua
própria personalidade, mitigando o direito a uma vida com plenitude. Dessa maneira, o
Conselho Federal de Psicologia em contraponto às condutas exercidas pelos psicólogos
assevera:

Dessa maneira, a legislação deve vir de contra a postura dos profissionais dapsicologia
e ao despreparo dos mesmos tendo em vista que promove a mitigação dos Direitos Humanos e
dos Direitos de Personalidade. Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência preleciona que
(Lei 13.146/2015)54:

54
LIRA, W. S; SILVA, Í. C. F; SILVA, T. B; RIBEIRO, S. D. Crianças com Disforia de Gênero e Transtorno do
Espectro Autista: o despreparo dos profissionais da psicologia. Diversidade sexual, étnico e de gênero: saberes
plurais e resistências. Vol. 1. 2021. p. 2191.
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É evidente que a própria legislação reconhece que a sexualidade das pessoas com
deficiência deve ser considerada, e a infantilização, preconceito, segregação e exclusão, são
comportamentos que não devem existir dentro dos consultórios de psicologia.
Entretanto, ainda hoje existe uma grande lacuna em termos de conhecimento e
capacitação profissional em relação às práticas diagnósticas e à implementação de programas
de intervenção. Apesar de ter havido enormes avanços nessas últimas décadas em relação à
identificação precoce e ao diagnóstico de autismo, muitas crianças, especialmente no Brasil,
ainda continuam por muitos anos sem um diagnóstico ou com diagnósticos inadequados55.
Por fim, a legislação precisa intervir nas condutas dos psicólogos que demonstram estes
estigmas, reduzindo as lacunas jurídicas que tratam especificamente sobre o tema, com a
finalidade de proteger os Direitos Humanos e a personalidade da pessoa com deficiência, em
destaque, as pessoas com autismo e que são da comunidade LGBTQIAPN+.

3. PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA EM FACE A PESSOA AUTISTA E LGBTQ+

Em 2006, na cidade de Yogyakarta localizada na Indonésia foi tabulado por cerca de


29 pessoas de 25 países diferentes, os Princípios de Yogyakarta. Assim, o encontro para
construção dos Princípios se deu em razão da frequente retirada de direitos por força da
orientação sexual e identidade de gênero.
Ao analisar os princípios de Yogyakarta e o problema da presente pesquisa, se faz
necessário estabelecer o nexo que interliga o texto jurídico à pessoa com o Transtorno do
Espectro Autista e LGBTQIAPN+, uma vez que a origem do documento em 2006 serve para
resguardar direitos humanos internacionais para todas as pessoas quepertencem a comunidade
LGBTQIAPN+, inclusive reafirmando que a violação não poderia acontecer em razão da
orientação sexual ou identidade de gênero do sujeito.
Contudo, apesar da existência dos Princípios de Yogyakarta, os direitos humanos
preconizados no documento continuam sofrendo mitigações – principalmente –por parte dos
profissionais da área da psicologia, pois não garantem o direito de igualdade e não-
discriminação, o direito ao padrão mais alto alcançável de saúde e o direito de liberdade de
opinião e expressão56.

55
SILVA, M; MULICK, J. A. Diagnosticando o Transtorno Autista: aspectos fundamentais e considerações
práticas. Psicologia Ciência e Profissão. Brasília. 2009. 29. p. 116-131.
56
Painel Internacional de Especialistas em Legislação Internacional de Direitos Humanos, Orientação Sexual e
Identidade de Gênero. Princípios de Yogyakarta. Yogyakarta, Indonésia. 2006.
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Assim, é criterioso afirmar que em face a pessoa autista e que faz parte da comunidade
LGBTQIAPN+, entende-se que os imprescindíveis Princípios de Yogyakarta não estão sendo
aplicados, uma vez que profissionais da saúde mental aindanão possuem capacidade científica
para diagnosticar e tratar corretamente a pessoa TEAe LGBTQIAPN+. Com isso, o paciente
ora pessoa autista e LGBTQIAPN+ é projetado em um espaço de vulnerabilidade, visto que está
à mercê de técnicas falíveis e tratamentos retardatários que impedem a liberdade sexual da
pessoa autista enquanto cidadão brasileiro, detentor de deveres e direitos alicerçados pela Carta
Magna.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, faz-se necessário afirmar que o direito à saúde quando ofertado a pessoa com
TEA e LGBTQIAPN+ não alcança níveis favoráveis de aprovação, tendo em vista que há
mitigação no serviço prestado, uma vez que ainda é latente o despreparo de profissionais da
saúde mental. Assim, ao revisitar os artigos científicos utilizados na construção do presente
trabalho, foi possível identificar entre os principais autores, que o problema de pesquisa surge
em virtude da não-capacitação de psicólogos e psiquiatras; a infantilização da pessoa com TEA;
o desconhecimento das diferenças entre Transtorno do Espectro Autista e Disforia de Gênero;
são os responsáveis pela deficiência na prestação do direito à saúde sem discriminação e
limitações de cunho social e teórico.
Nesse interim, denota-se que a ausência de amparo jurídico que prejudica o direito à
saúde da pessoa autista e LGBTQIAPN+ é um problema de difícil solução, ao passo em que
carece de visibilidade e sensibilidade social, e cursos de graduação em psicologia atualizados
com a oferta de disciplinas específicas no trato da pessoa com TEA, para que o consequente
preparo profissional ocorra com redução de falhas.

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2024
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A DISTINÇÃO ENTRE INFÂNCIA TRANS E CRIANÇA TRANS:
IMPLICAÇÕES E CAMINHOS NA PESQUISA EDUCACIONAL
Jonathan Machado Domingues

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A pesquisa educacional desempenha um papel basilar na compreensão e no avanço das


práticas pedagógicas inclusivas, especialmente na abordagem da identidade de gênero na
infância. Este estudo busca investigar a distinção entre "Infância Trans" e "Criança Trans",
definindo esses termos e examinando suas implicações na pesquisa educacional.
A discussão central envolve a compreensão da identidade de gênero como uma
construção subjetiva (MOORE, 2015), que pode não coincidir com o sexo atribuído ao
nascimento. "Infância Trans" refere-se ao estágio de desenvolvimento em que uma criança
reconhece e expressa sua identidade de gênero de forma não conformista em relação ao sexo
designado no nascimento (DOMINGUES, 2023a; DOMINGUES, 2023b), enquanto "Criança
Trans" explicitamente denota uma criança experimentando essa realidade.
A distinção entre esses termos, é fundamental para promover o bem-estar emocional,
social e escolar das crianças trans. A pesquisa educacional desempenha um protagonismo, por
exemplo, ao movimentar o campo investigativo nas experiências escolares das crianças trans,
examinar políticas e práticas educacionais inclusivas, compreender o impacto da identidade de
gênero na aprendizagem e investigar os efeitos da discriminação e do estigma enfrentados por
essas crianças (CARMONA, 2020; CARVALHO, 2021; DOMINGUES; SENA, 2023;
SEFFNER, 2009, entre outros).
Ademais, reconhecer o protagonismo das crianças trans como sujeitos de direito e
garantir sua voz e dignidade em qualquer pesquisa. Isso implica adotar métodos de pesquisa
sensíveis e respeitosos, protegendo a privacidade e confidencialidade dos participantes e
promovendo ambientes de pesquisa inclusivos e acolhedores.

[...] a criança como um sujeito de direito, isso diz respeito à questão dos direitos
humanos, que são os direitos fundamentais da pessoa, independentemente de estatuto
social ou categoria social no qual a pessoa está inserida. A primeira coisa que se
considera nesse direito é a dignidade humana. Assim, quando a gente pensa na criança
como um sujeito de direito, a gente está pensando na dignidade dessa criança como
um indivíduo (ROCHA, 2018, p. 04)

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Em síntese, qual é a distinção entre 'Infância Trans' e 'Criança Trans', e quais são as
implicações dessa distinção na pesquisa educacional e nas práticas pedagógicas inclusivas?

DEFINIÇÕES CONCEITUAIS

Para uma compreensão da distinção entre "Infância Trans" e "Criança Trans", se faz
necessário estabelecer definições claras e conceituais destes termos. Dito isso, é de grande valia
compreender o conceito de Identidade de Gênero. A Identidade de Gênero diz respeito à
percepção interna de uma pessoa acerca de seu próprio gênero, podendo ou não coincidir com
o sexo atribuído no nascimento. Ou seja, trata-se de uma construção complexa e subjetiva, que
é influenciada por múltiplos elementos, a saber: biológicos, sociais, culturais e psicológicos.

Gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o gênero
que lhe foi atribuído quando de seu nascimento. Diferente da sexualidade da pessoa.
Identidade de gênero e orientação sexual são dimensões diferentes e que não se
confundem. Pessoas transexuais podem ser heterossexuais, lésbicas, gays ou
bissexuais, tanto quanto as pessoas cisgênero (JESUS, 2012, p. 24).

Neste mesmo sentido, Domingues (2023a) afirma que:

A identidade de gênero é a profunda convicção que uma pessoa tem de ser um


homem, uma mulher, ambos, nenhum ou qualquer coisa diferente do gênero que foi
atribuído a ela no momento do nascimento. Não se relaciona necessariamente à
anatomia ou aos cromossomos, mas, em vez disso, está ligada à experiência interna e
pessoal de alguém. Isso significa que uma pessoa pode ser designada como homem
ao nascer, mas identificar-se como mulher, tendo, assim, uma identidade de gênero
feminina (DOMINGUES, 2023a, p. 10).

Desta forma, no contexto da infância, o termo "Infância Trans" é empregado para


descrever o período de desenvolvimento da identidade de gênero em crianças que não se
identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer. Durante a infância, as crianças
começam a explorar e compreender sua identidade de gênero, podendo manifestar sinais de
dissonância entre sua identidade de gênero e seu sexo biológico.
Domingues (2023b) compreende que a Infância Trans:

(...) refere-se ao período da vida de uma criança em que ela identifica e expressa sua
identidade de gênero de uma maneira que difere do sexo atribuído no nascimento. É
importante abordar esse tópico de forma sensível e respeitosa, reconhecendo que as
crianças trans têm uma identidade de gênero que não corresponde ao seu sexo de
nascimento. Isso pode envolver uma criança que foi designada como menina ao
nascer, mas que se identifica como menino, ou vice-versa (DOMINGUES, 2023b, p.
72, grifo do autor)

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Por outro lado, neste artigo, entende-se que o termo "Criança Trans" refere-se
especificamente a uma criança que expressa uma identidade de gênero diferente daquela que
lhe foi atribuída ao nascer. Tais crianças podem identificar-se como pertencentes a um gênero
distinto do sexo que lhes foi designado no nascimento, e podem expressar o desejo de viver de
acordo com sua identidade de gênero verdadeira.
Com efeito, embora os termos "Infância Trans" e "Criança Trans" sejam
frequentemente interpretados como sinônimos, é crucial reconhecer que representam conceitos
distintos. Enquanto "Infância Trans" denota o estágio do desenvolvimento em que uma criança
está reconhecendo e expressando sua identidade de gênero de maneira não conformista em
relação ao sexo designado no nascimento, "Criança Trans" refere-se explicitamente à criança
que está experimentando essa realidade. Esta diferenciação sutil, embora significativa, destaca
a importância de uma compreensão precisa e sensível dos termos, elucidando assim a
complexidade e a individualidade das experiências das crianças trans.
É crucial destacar que a Identidade de Gênero de uma pessoa não está necessariamente
ligada à sua Expressão de gênero57 ou à sua Orientação sexual58. Crianças trans podem
expressar sua identidade de gênero de diversas maneiras e em diferentes estágios de suas vidas,
e sua orientação sexual pode variar independentemente de sua identidade de gênero, conforme
sinalizado anteriormente.
Ao estabelecer tais definições conceituais, é viável construir uma base para a análise e
discussão das diferenças entre "Infância Trans" e "Criança Trans", bem como suas implicações
na pesquisa educacional e nas práticas pedagógicas inclusivas.

CRIANÇA COMO UM SUJEITO DE DIREITO

A pesquisa educacional desempenha um papel de suma importância na compreensão e


no avanço das práticas pedagógicas inclusivas. Nesse sentido, ao adentrar o universo das
questões de Identidade de Gênero, especialmente no que tange à Infância e Criança Trans, é
imperativo adotar uma abordagem sensível e abrangente. A Infância trans, conforme sinaliza
Domingues (2023b), é caracterizada pelo momento em que uma criança começa a identificar e

57
Entende-se como: “Forma como a pessoa se apresenta, sua aparência e seu comportamento, de acordo com
expectativas sociais de aparência e comportamento de um determinado gênero. Depende da cultura em que a
pessoa vive” (JESUS, 2012, p. 25).
58
Entende-se como: “Atração afetivossexual por alguém. Vivência interna relativa à sexualidade. Diferente do
senso pessoal de pertencer a algum gênero” (JESUS, 2012, p. 26).
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expressar sua identidade de gênero de forma distinta do sexo atribuído ao nascimento, é um
período crucial de autodescoberta e potenciais desafios.
Durante essa fase-período, as Crianças Trans enfrentam uma série de obstáculos,
incluindo a incompreensão e a falta de apoio por parte de familiares, educadores e colegas
(DOMINGUES 2023a; 2023b). Essa ausência de suporte pode ter repercussões negativas em
seu bem-estar emocional, social e escolar, ressaltando a urgência de pesquisas educacionais
sensíveis e inclusivas que tratem dessas questões de forma respeitosa.
Em uma pesquisa realizada por Domingues (2024), “[...] em que apresenta um Estado
do Conhecimento das dissertações acadêmicas brasileiras sobre Infância Trans no período de
2007 a 2022, com o objetivo de mapear e analisar as tendências e contribuições para o campo
das identidades de gênero na infância” (p. 10), conclui que:

Os temas mais recorrentes nas dissertações incluíram a construção da identidade de


gênero na infância, a influência da mídia e da educação na formação dessas
identidades, as experiências de discriminação e exclusão, bem como as estratégias de
apoio e resiliência adotadas por essas crianças e suas famílias. Esses tópicos refletem
a interseção de questões de gênero, sexualidade, mídia, educação e direitos humanos
na vida das crianças transgênero (DOMINGUES, 2024, p. 20).

Ademais, Domingues (2024) ponta que:

[...] também identificamos algumas lacunas significativas na pesquisa. Há uma


escassez de estudos longitudinais que acompanhem o desenvolvimento das
identidades de gênero ao longo do tempo, bem como uma falta de representatividade
regional nas pesquisas, com uma concentração significativa de estudos realizados em
determinadas regiões do Brasil. Além disso, a voz das próprias crianças transgênero
muitas vezes não é amplamente incorporada nas pesquisas, o que sugere a
necessidade de envolver as crianças de maneira mais ativa na construção do
conhecimento sobre suas próprias experiências (DOMINGUES, 2024, p. 20-21, grifo
do autor).

Dito isso, o resultado e a conclusão que é apresentada por Domingues (2024), conforme
é possível observar no grifo na citação anterior, pode ser reforçada quando uma palestrante,
durante sua participação no Seminário Visibilidade Trans e o Direito de Ser e de Existir,
realizado no Auditório da OAB - RJ, promovido pela Coordenadoria da Diretoria de
Valorização da Advocacia da OAB-RJ, enfatizou, no seu momento, a seguinte exclamação:
“Nós não temos lugar de fala, como mães trans. Querem tirar nossa voz, mas uma criança não
pode lutar legitimamente por seus direitos. Ela pode expressar o que deseja, mas não será
ouvida"59.

59
O seminário pode ser visto no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=qQKi648G16o. A exposição
proferida pela palestrante, inicia-se no minuto 32:00.

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A partir do Fórum Internacional de Ideias cujo tema é Direitos Humanos - Reconhecer
a criança como sujeito de direito, realizado na Universidade Federal do Ouro Preto (UFOP),
destaca-se uma afirmação da Professora Simone Maria da Rocha, Educadora, Doutora em
Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Professora na Universidade
Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte:

Um outro ponto a ser considerado aqui é que a criança, como um sujeito de direito,
tem alguns direitos específicos, como o direito à vida, à segurança, à igualdade
perante a lei, dentre outros. A criança se diferencia dentro da perspectiva mais ampla
dos direitos humanos, pelo aspecto da proteção social. Como pesquisadora dessa área,
minha tentativa tem sido ouvir e compreender a voz da criança. É isso o que fazemos
atualmente em algumas pesquisas na área de educação, em especial no campo da
sociologia da infância e da Psicologia da Educação, ou seja, procuramos “ouvir” e
entender a voz dessas crianças. O grande desafio para nós, adultos, talvez seja o de
aprender a ouvir, porque a criança sabe comunicar, mas nós nem sempre sabemos
ouvi-las. O que nos diz essas crianças? Também na perspectiva da criança como
sujeito de direito, esse lugar da voz, esse lugar da proteção social precisa ser um lugar
de destaque (ROCHA, 2018, p. 04, grifo nosso)60.

Neste contexto, ressaltar a importância de um enfoque sensível e inclusivo ao pesquisar


a experiência da infância e da criança trans. O pesquisador, especialmente no campo da
Educação, deve reconhecer o protagonismo desse sujeito de direito, garantindo-lhe voz e
respeitando sua exposição. Em nenhum momento deve-se subjugar, reprimir ou desconsiderar
sua narrativa. É fundamental, portanto, que a pesquisa leve em conta não apenas as implicações
éticas, mas também as questões metodológicas envolvidas.
A proteção da privacidade e da confidencialidade dos participantes emerge como um
pilar essencial para salvaguardar o bem-estar emocional e físico das crianças trans ao longo do
processo de investigação. Ademais, a utilização de métodos de pesquisa sensíveis às
complexidades das identidades de gênero é imprescindível para uma compreensão precisa e
respeitosa de suas experiências durante a infância. Essa abordagem contribui não apenas para
o avanço do conhecimento nesse campo, mas também para a promoção de ambientes de
pesquisa mais inclusivos e acolhedores para todas as crianças.
Em síntese, ao abordar as complexidades da Infância e da Criança Trans na pesquisa
educacional, é basilar adotar uma postura que reconheça e valorize a diversidade de
experiências e identidades de gênero. Isso não apenas enriquece o conhecimento nessa área,
mas também contribui para a criação de ambientes escolares mais inclusivos e acolhedores para
todas as crianças, independentemente de sua Identidade de Gênero.

60
Vide: https://periodicos.ufop.br/revii/article/download/1280/1060
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SUGESTÕES DE PESQUISAS A SEREM REALIZADAS QUE ENVOLVEM
CRIANÇAS E/OU INFÂNCIAS TRANS

A investigação das vivências escolares de crianças transgênero é basilar para a


compreensão e promoção do seu bem-estar emocional no âmbito educacional. A pesquisa nesse
domínio abarca uma gama de elementos, desde a avaliação do suporte social disponível até a
análise da incidência de bullying e discriminação enfrentada por esse grupo demográfico.
Ademais, é imperativo examinar as políticas e práticas educacionais direcionadas à
inclusão de crianças transgênero nas instituições de ensino. Isso envolve a análise de programas
de treinamento destinados aos profissionais da educação, a formulação de diretrizes políticas e
a implementação de intervenções concebidas para fomentar ambientes escolares mais
acolhedores e seguros.
Um aspecto de importância crítica é a compreensão do impacto da identidade de gênero
das crianças transgênero em seu processo de aprendizagem. Isso requer a exploração do modo
como a sua identidade influencia sua motivação, engajamento e desempenho acadêmico, além
da identificação de estratégias pedagógicas eficazes destinadas a apoiar o seu desenvolvimento
educacional.
A relação entre identidade de gênero e desempenho escolar demanda, igualmente,
investigação, considerando-se fatores como saúde mental, autoestima e acesso a recursos
educacionais. Uma compreensão mais aprofundada dessas dinâmicas pode propiciar o
desenvolvimento de políticas e práticas educacionais mais inclusivas e eficazes.
Adicionalmente, é fundamental examinar os efeitos da discriminação e do estigma
enfrentados por crianças transgênero no ambiente escolar, bem como suas implicações para a
saúde mental. A identificação de estratégias de mitigação eficazes é crucial para assegurar um
ambiente escolar seguro e acolhedor para todas as crianças.
As experiências de transição escolar também merecem destaque, incluindo a análise do
suporte social disponível, a acessibilidade a serviços de saúde e as adaptações necessárias para
garantir uma transição fluida e bem-sucedida.
Os pais e responsáveis desempenham, igualmente, um papel fundamental na educação
de crianças transgênero, desde a promoção da comunicação eficaz até a advocacia em prol da
inclusão escolar e o acesso a recursos de apoio.
Por fim, é crucial examinar as perspectivas culturais e sociais sobre identidade de
gênero e sua influência nas políticas e práticas educacionais em contextos diversos. Tal análise

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pode contribuir para a promoção de uma compreensão mais ampla e inclusiva da diversidade
de gênero nas escolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou-se em analisar e esclarecer a distinção entre "Infância


Trans" e "Criança Trans", fornecendo definições claras e conceituais desses termos, além de
explorar suas implicações na pesquisa educacional e nas práticas pedagógicas inclusivas. Para
isso, teve-se como questão norteadora a seguinte: Qual é a distinção entre 'Infância Trans' e
'Criança Trans', e quais são as implicações dessa distinção na pesquisa educacional e nas
práticas pedagógicas inclusivas?
A partir dos resultados e análises apresentadas no artigo, infere-se que a compreensão
das vivências das crianças trans demanda uma abordagem sensível e informada, capaz de
reconhecer a singularidade de suas jornadas rumo à autodescoberta e à afirmação de sua
identidade. A diferenciação entre "Infância Trans" e "Criança Trans" proporciona uma visão
mais abrangente e plural desse movimento, podendo-se, ser considerada como uma
encruzilhada epistemológica que proporciona a ressaltar a relevância de respeitar e validar as
identidades de gênero desde os primeiros anos de vida.
Por fim, é imperativo reconhecer as implicações éticas e sociais da pesquisa envolvendo
Crianças e/ou Infância Trans. Os direitos e o bem-estar dessas crianças devem ser priorizados
em qualquer investigação, garantindo-se o consentimento informado, a confidencialidade e o
respeito à sua dignidade e autonomia.

REFERÊNCIAS

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e/ou de Gênero Fluído. 2020. 62 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia Social e das
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