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Hayes, PhD, é professor da Nevada move o uso da ACT na prática médica geral,
Foundation do Departamento de Psicologia da predominantemente com clientes de baixa
University of Nevada. Sua carreira está focada renda, sem seguro ou com cobertura insufi-
na análise da natureza da linguagem e cogni- ciente.
ção humanas e na sua aplicação à compreen-
são e ao alívio do sofrimento humano. Kelly G. Wilson, PhD, é professor associado
de psicologia da University of Mississippi,
Kirk D. Strosahl, PhD, é psicólogo de cuida- onde também é diretor do Center for Contex-
dos primários da Central Washington Family tual Psychology e do ACT Treatment Develop-
Medicine, em Yakima, Washington, onde pro- ment Group.
ISBN 978-65-81335-28-1
CDU 159.9:616.89
Terapia de
aceitação
e compromisso
o processo e a prática
da mudança consciente
2ª edição
Tradução
Sandra Maria Mallmann da Rosa
Revisão técnica
Mônica Valentim
Terapeuta comportamental contextual. Mestra em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo.
Doutora em Pediatria pela UNESP Botucatu. Ex-presidente e fundadora do capítulo brasileiro
da Association for Contextual Behavioral Science (ACBS). Peer-Reviewed ACT Trainer pela ACBS.
Porto Alegre
2021
Obra originalmente publicada sob o título
Acceptance and commitment therapy: the process and practice of mindful change, second edition.
ISBN 9781462528943
Gerente editorial
Letícia Bispo de Lima
Gostaríamos de agradecer àqueles que aju- cônjuges – Jacque Pistorello, Patti Robinson e
daram a concretizar a revisão deste livro. Na Dianna Wilson – foram notavelmente flexíveis
Guilford Press, Barbara Watkins deu um feed- durante os mais de três anos de escrita e re-
back muito útil e criterioso, além de orientação escrita. Também estendemos nossa gratidão
editorial. Michele Depuy ajudou com as refe- aos muitos profissionais e acadêmicos na co-
rências e detalhes. Sugestões editoriais úteis munidade da ACT/RFT/CBS que contribuíram
foram feitas por Claudia Drossel, Douglas para o desenvolvimento intelectual e prático
Long, Robert “Tuna” Townsend, Roger Vilar- do trabalho e cujas ideias estão refletidas nes-
daga, Matthieu Villatte e Tom Waltz. Nossos te livro.
A terapia de aceitação e compromisso (ACT) foi timos 12 anos. Pudemos decompor a ACT
apresentada em forma de livro na 1ª edição des- em seis processos principais e suas inter-
ta obra, em 1999. O modelo subjacente ainda -relações, girando em torno de uma preocu-
era incipiente, e ainda não havíamos articulado pação central, ou seja, a flexibilidade psico-
nossa estratégia de desenvolvimento do conhe- lógica. Os dados foram mostrando cada vez
cimento. Nós sabíamos disso, mas já estava na mais que a ACT atua por meio dos seguintes
hora de colocar nosso “bebê”, então com quase processos de flexibilidade psicológica: des-
20 anos, à frente do público. O primeiro livro fusão, aceitação, atenção flexível ao momen-
sobre a teoria das molduras relacionais (RFT) to presente, o self-como-contexto, valores e
foi publicado dois anos mais tarde. ação de compromisso.
Então, algo muito marcante aconteceu. Como esperávamos, começamos a ver que
Alguns clínicos e pesquisadores de altíssima os métodos da ACT podiam ser integrados a
qualidade foram atraídos para o trabalho e outras abordagens apoiadas empiricamente
cada vez mais começaram a assumir respon- e que a flexibilidade psicológica estimulava
sabilidade por ele. Os clínicos ficaram entu- outros processos comportamentais impor-
siasmados. A pesquisa sobre RFT se acelerou. tantes. A gama de problemas para os quais a
Teve início uma discussão na internet pelo ACT se revelou útil era impressionante, e o
mundo inteiro, foi formada uma associação, e alcance do modelo de flexibilidade psicológica
outros livros foram publicados. Conferências era surpreendente. O modelo que funcionava
regulares nacionais, internacionais e regio- com depressão também funcionava com taba-
nais foram realizadas, e as sociedades existen- gismo. O modelo que funcionava com depen-
tes começaram a dar ao trabalho visibilidade dência de heroína também funcionava com o
cada vez maior. Inovações no treinamento flo- controle do diabetes. Os protocolos variavam
resceram. Os dados de pesquisas começaram a enormemente, é claro, e os métodos com-
circular. No mundo inteiro, surgiram especia- portamentais incluídos com frequência eram
listas em diversas línguas. O ritmo do desen- específicos para aquele uso particular. Em
volvimento se acelerou, e os dados, tanto bá- consequência, o número de métodos da ACT
sicos quanto aplicados, gradualmente foram atualmente vai além do que caberia em um
orientando os refinamentos. Críticos honestos único livro – ou mesmo dois ou dez –, mas o
surgiram, refinando ainda mais o trabalho. modelo e seus processos de mudança parecem
O resultado foi um progresso conceitual, ser similares entre uma variedade de áreas de
tecnológico e empírico considerável nos úl- mudança do comportamento.
viii Prefácio
Por todos esses motivos, este livro é dife- sa estratégia de desenvolvimento – que deno-
rente do livro que escrevemos há mais de uma minamos ciência comportamental contextual
década. Esta edição foca no modelo de flexibi- (CBS) – mais evidente, especialmente no capí-
lidade psicológica como um modelo unificado do tulo final. Isso pode parecer estranho em um
funcionamento humano. À medida que esta livro clínico, mas o propósito da ACT não é a
edição foi se desenvolvendo, fazer referên- ACT über alles*. Não estamos interessados em
cia a esse modelo como o “modelo da ACT” marcas comerciais ou personalidades. Nosso
(como costumávamos fazer) pareceu restriti- propósito é o progresso. Uma maior elaboração
vo demais porque o modelo vai além de uma do nosso modelo de desenvolvimento do co-
abordagem de intervenção. Este livro é mais nhecimento é a forma como estamos tentando
como um guia para aprender como fazer ACT atingir isso, pois a melhor maneira de acele-
de maneira natural do que um manual pas- rar o progresso é ter a colaboração de todos,
so a passo linear. Sua intenção é ser útil para sejam eles clínicos, sejam eles cientistas bá-
aqueles que estão começando a explorar o sicos, pesquisadores aplicados, filósofos ou
modelo, assim como para aqueles que já são estudantes. Uma comunidade aberta baseada
experientes no seu uso. Os profissionais pre- em valores que adota uma missão comum
cisam aprender a ver os processos de flexi- pode ser muito mais produtiva do que os es-
bilidade psicológica no momento e responder cores de professores em uma torre de mar-
de maneira consistente com o modelo, e este fim. Se o modelo de desenvolvimento for bem
livro pretende ajudá-los a atingir precisamen- compreendido, ficará claro por que não esta-
te esse objetivo. Os clínicos já sabem como mos jogando o jogo dos tratamentos apoiados
executar parte do que consta na abordagem empiricamente da mesma forma que o habi-
da ACT – desde que usem seus métodos de tual (mesmo admitindo que fazemos parte
maneira que seja funcionalmente consisten- dessa tradição). Sim, damos importância aos
te com o modelo de flexibilidade psicológica. ensaios randomizados – mas também nos im-
Já que essa ligação está mais bem avaliada, portamos com muito, muito mais do que isso.
as pessoas podem começar a experimentar es- Queremos que os processos apoiados empiri-
ses métodos agora. Sim, será necessário trei- camente sejam solidamente ligados a procedi-
namento adicional e orientação. Mas isso pode mentos efetivos (Rosen & Davidson, 2003). Te-
começar agora. mos uma estratégia para o progresso em longo
Neste livro, procuramos tornar os funda- prazo e estamos determinados a segui-la. Ela
mentos proximais da ACT – contextualismo pode funcionar ou não, mas convidamos o lei-
funcional e RFT – mais fáceis de entender. tor a se juntar a nós nessa jornada.
Em vez de sugerirmos que os leitores simples- O fato de assumirmos essa perspectiva não
mente pulem os capítulos difíceis sobre a teo- significa que um clínico que trabalha na linha
ria e o modelo (Capítulos 2 e 3) se quiserem, de frente precisa ser um aficionado por RFT ou
trabalhamos arduamente para torná-los mais que precisa abandonar sua prática e se tornar
acessíveis. É possível que tenhamos simplifi- um pesquisador. Clínicos e outros profissio-
cado demais (e certamente deixamos de fora nais são importantes para o desenvolvimen-
muitos detalhes), mas queremos que aqueles to dessa abordagem e têm o direito de exigir
que se conectam com o trabalho tenham uma muito da ciência comportamental. Queremos
base sólida a partir da qual maior exploração mostrar precisamente como o progresso em
será possível. Existem centenas de artigos áreas como a ciência básica e também os prin-
acadêmicos sobre a ACT, seu modelo subja-
cente e os fundamentos básicos – este livro é
apenas uma cartilha. Também tornamos nos- * N. de T.: Equivalente a ACT acima de tudo.
Prefácio ix
cípios filosóficos podem ajudar aqueles com produzirá maior progresso no longo prazo do
interesses mais práticos a também atingirem que a mera adoção das novas técnicas ou con-
seus propósitos. ceitos aqui e ali, como se o melhor tratamento
Podemos agora enumerar 60 livros sobre fosse uma questão de moda.
ACT no mundo todo. O ritmo da publicação de O modelo da ACT agora é suficientemente
fontes empíricas relevantes está aumentando. conhecido para fazer um convite à crítica
Esse programa de pesquisa e desenvolvimen- regular. Nossa resposta aos céticos tem sido
to prático foi examinado em profundidade convidá-los para nossas conferências; ten-
em vários artigos de revisão (p. ex., Hayes, tar responder a cada crítica importante, mas
Bissett et al., 2004; Hayes, Luoma, Bond, Ma- fazer isso com um senso de abertura e razão,
suda, & Lillis, 2006; Öst, 2008), e até mesmo com dados adicionais e maiores esforços de-
observadores céticos concordam que estamos senvolvimentais; e criar uma comunidade que
fazendo progresso (p. ex., Powers, Vörding, se mantenha aberta, cooperativa e não hierár-
& Emmerlkamp, 2009). Esse progresso subs- quica para que qualquer um possa se conectar
tancial nos possibilita reduzir a frequência com o trabalho, adotar o que achar valioso e
das referências acadêmicas na maioria das se- ajudar a contribuir para o que estiver faltando.
ções deste livro. A 1ª edição continha algumas A ACT não foi criada para destruir as tradições
passagens empíricas e conceituais altamente das quais se origina, nem alega ser uma pa-
densas – sobretudo para justificar a atenção naceia. Nosso propósito como praticantes da
acadêmica direcionada para nosso modelo –, ACT é prestar nossa contribuição da melhor
porém a densidade do texto tornou difícil para forma possível para aqueles que estão sofren-
os leitores compreender ou ler com facilidade. do e trabalhar para tentar desenvolver uma
Contanto que aqueles interessados estejam prática da psicologia mais digna do desafio da
dispostos a ler além deste único livro, a justifi- condição humana.
cativa empírica ponto por ponto já não parece Afinal, não é isso que todos nós nesta área
ser essencial para nosso propósito. Incluímos devemos fazer? Muito em breve, todos os nos-
pinceladas suficientemente amplas para o lei- sos nomes serão esquecidos, mesmo por nos-
tor compreender como percebemos os dados sos descendentes. Não será importante quem
conceitualmente e links suficientes para que disse o que ou quando. O que irá importar é
encontre fundamentos acadêmicos adicionais se existem abordagens que fazem diferença
com um mínimo esforço extra. na vida das pessoas para as quais a disciplina
Algumas das ideias subjacentes à ACT es- existe. Precisamos continuar a aprender o que
tão rapidamente se tornando concepções con- funciona melhor e a desenvolver formas ino-
sagradas. Os críticos dizem agora que isso é o vadoras que sejam úteis. Mas, para fazer isso,
que eles pretendiam desde o começo. Talvez temos de trabalhar em conjunto, por um lado
esse senso de revisionismo irrite os autores da continuamente criando melhores ligações en-
ACT com boa memória, mas não era preciso tre a criatividade clínica e o desenvolvimento
desencorajar novos leitores, já que é assim do conhecimento científico e, por outro, pro-
que se progride. Por sua vez, experimentar cessos que tenham importância. O que este
um pouco de “aceitação” aqui e uma pitada livro contém é uma reflexão direta dessa pau-
de “desfusão” ali não faz justiça ao modelo da ta. Esperamos e confiamos que ele sirva a esse
ACT nem proporciona seus benefícios inte- propósito.
grais. Queremos que o modelo integral e sua
estratégia de desenvolvimento do conheci- Steven C. Hayes
mento sejam plenamente entendidos porque Kirk D. Strosahl
esse nível de familiaridade provavelmente Kelly G. Wilson
Sumário
Prefácio vii
Steven C. Hayes, Kirk D. Strosahl, Kelly G. Wilson
Referências 304
Índice 315
PARTE I
Fundamentos
e o modelo
1
O dilema do sofrimento
humano
Não há nada de externo que garanta ausência emocional devido a problemas no trabalho,
de sofrimento. Mesmo quando nós, seres hu- nos relacionamentos, com os filhos e com as
manos, temos todas as coisas que tipicamente transições naturais que a vida apresenta a to-
usamos para medir o sucesso externo – ótima dos nós (Kessler et al., 2005). Em âmbito na-
aparência, pais amorosos, filhos incríveis, se- cional, existem aproximadamente 20 milhões
gurança financeira, um cônjuge atencioso –, de alcoolistas (Grant et al., 2004); dezenas de
isso pode não ser suficiente. Os seres huma- milhares de pessoas cometem suicídio a cada
nos podem estar aquecidos, bem alimentados, ano, e inúmeras outras tentam, mas falham
fisicamente bem – e ainda assim podem se (Centers for Disease Control and Prevention,
sentir infelizes. Podem desfrutar de várias for- 2007). Estatísticas como essas se aplicam não
mas de excitação e entretenimento desconhe- só àqueles que foram massacrados ao longo
cidas no mundo não humano e fora de alcance de décadas na vida, mas igualmente a ado-
para quase todos, exceto uma pequena fração lescentes e jovens adultos. Quase metade da
da população – TVs de alta definição, carros população em idade universitária satisfazia
esportivos, viagens exóticas para o Caribe –, os critérios para pelo menos um diagnóstico
e mesmo assim experimentam sofrimento relacionado ao Manual diagnóstico e estatísti-
psicológico excruciante. Todas as manhãs um co de transtornos mentais (DSM) recentemente
empresário de sucesso chega ao seu escritório, (Blanco et al., 2008).
fecha a porta e silenciosamente abre a última Se quiséssemos recorrer aos números para
gaveta da escrivaninha em busca de uma gar- documentar a universalidade do sofrimento
rafa de gim escondida. Todos os dias um ser humano no mundo desenvolvido, poderíamos
humano que tem todas as vantagens possíveis fazer isso quase indefinidamente. Terapeutas
e imagináveis pega uma arma, carrega com e pesquisadores com frequência mencionam
uma bala, gira o tambor e aperta o gatilho. tais estatísticas em inúmeras áreas-problema
Os psicoterapeutas e os pesquisadores do quando discutem a necessidade de mais clíni-
campo aplicado estão familiarizados com as cos, de mais financiamento para programas
sombrias estatísticas que documentam essas de saúde mental ou maior apoio à pesquisa
realidades. As estatísticas americanas, por psicológica. Ao mesmo tempo, profissionais
exemplo, mostram que as taxas de prevalên- e também o público leigo parecem não perce-
cia de transtornos mentais ao longo da vida ber a mensagem maior que essas estatísticas
estão atualmente beirando os 50%, embora comunicam quando tomadas no seu conjun-
ainda mais pessoas apresentem sofrimento to. Se somarmos todos aqueles humanos que
Terapia de aceitação e compromisso 3
o sono que, juntos, produzem vendas equiva- mais se encontram na raiz dos transtornos men-
lentes a muitos bilhões de dólares. A mensa- tais e físicos. Esses pressupostos florescem e se
gem de que problemas psicológicos devem em transformam em pensamento e diagnóstico
geral ser tratados de forma muito semelhante à sindrômico. A identificação de síndromes –
que trataríamos uma doença médica se esten- conjuntos de sinais (coisas que o observador
de até mesmo ao fornecimento de água da so- pode ver) e sintomas (coisas das quais a pes-
ciedade ocidental contemporânea – na medida soa se queixa) – é o primeiro passo habitual
em que existem quantidades consideráveis de na identificação de uma doença. Doenças são
antidepressivos em nossos rios e até nos pei- entidades funcionais, ou seja, são distúrbios
xes que comemos (Shultz et al., 2010)! Mesmo da saúde com uma etiologia conhecida, curso
quando são prescritas adequadamente, tais e resposta ao tratamento. Depois que as sín-
medicações causam um impacto clinicamente dromes são identificadas, inicia-se a busca
significativo superior ao placebo somente nos para encontrar os processos anormais que são
casos mais extremos (Fournier et al., 2010; considerados a origem desse grupo particular
Kirsch et al., 2008), os quais são muito poucos de resultados e para encontrar maneiras de
para chegar a afetar o abastecimento de água, alterar esses processos a fim de modificar os
caso as drogas fossem prescritas unicamente resultados indesejáveis.
com base no mérito científico. Esses pressupostos e as estratégias diag-
A ideia de que o sofrimento é mais bem nósticas que eles geram são, de modo geral,
descrito em termos de uma normalidade bio- sensíveis dentro da área da saúde física, em-
neuroquímica tem outro lado atraente em sua bora mesmo ali tenham limitações notáveis.
superfície, isto é, que saúde e felicidade são os Afinal de contas, saúde não é meramente a
estados de homeostase natural da existência ausência de doença (Organização Mundial da
humana. Esse pressuposto da normalidade sau- Saúde, 1947), e sintomas médicos como febre,
dável se encontra no cerne das abordagens mé- tosse, diarreia ou vômitos têm funções adap-
dicas tradicionais da saúde física. Se levarmos tativas que podem ser negligenciadas quando
em conta o sucesso relativo da medicina física, o foco é voltado unicamente para os sintomas,
não causa surpresa que a comunidade de saú- e não para suas possíveis funções (Trevathan,
de comportamental e mental também tenha McKenna, & Smith, 2007). Ainda assim, den-
adotado esse pressuposto. A concepção tradi- tro de limites amplos, o pressuposto da nor-
cional de saúde física é simplesmente ausência malidade saudável funciona na medida em
de doença. Considera-se que, deixado por sua que a estrutura do corpo humano parece estar
conta, o corpo está propenso a ser saudável, projetada para oferecer um grau razoável de
mas que a saúde física pode ser perturbada saúde física como resultado natural da evo-
por infecções, lesões, toxicidade, pelo declínio lução biológica. Se determinados humanos
na capacidade física ou por desequilíbrios nos não têm os genes adequados para uma saú-
processos físicos. Igualmente, pressupõe-se de física suficiente para assegurar o sucesso
que os seres humanos são inerentemente fe- reprodutivo, com o tempo a evolução geral-
lizes, estão conectados com os outros, são al- mente elimina esses genes ou sua expressão.
truístas e estão em paz consigo mesmos – mas Sinais e sintomas físicos com frequência têm
que esse estado típico de saúde mental pode ser sido úteis como guias para a identificação de
perturbado por determinadas emoções, pensa- doença. A seleção natural, de modo geral, ga-
mentos, lembranças, eventos históricos ou es- rante que o desenvolvimento estrutural de um
tados do cérebro. organismo sirva às suas funções de autopre-
Um corolário para o pressuposto da nor- servação e reprodutivas. Portanto, desvios na
malidade saudável é o de que processos anor- estrutura costumam indicar anomalia e com
Terapia de aceitação e compromisso 5
nossa nosologia psiquiátrica ainda não resolve- Mesmo quando está presente uma disfunção
ram esses problemas (Frances, 2010). fisiológica (como no diabetes ou na epilepsia,
O grupo de trabalho estava correto em por exemplo), a máxima de que “O bom médico
sua percepção de que se faz necessária uma trata a doença; o ótimo médico trata o paciente
abordagem verdadeiramente nova. Este li- que tem a doença” é uma doutrina sólida.
vro aborda como promover uma mudança de A observação anterior não significa que
paradigma necessária – em nossos clientes, não existam processos anormais. Eles eviden-
em nossa área e em nós mesmos. Essa mu- temente existem. Se uma pessoa sofre uma le-
dança é em parte presuntiva, comportamen- são cerebral e se comporta estranhamente em
tal e experimental, mas é também intelectual. consequência disso, esse comportamento não
O campo necessita de um modelo transdiag- é atribuído unicamente a processos psicológi-
nóstico unificado que esteja ligado a um esfor- cos normais (muito embora esses processos
ço científico mais amplo de criar uma psicolo- ainda possam ser relevantes ao se lidar com as
gia mais útil e integrada (veja também Barlow, consequências do dano cerebral).
Allen, & Choate, 2004). A mesma observação pode algum dia se
mostrar verdadeira para esquizofrenia, au-
tismo, transtorno bipolar, etc., embora as
A PERSPECTIVA DA reais evidências para uma etiologia orgânica
TERAPIA DE ACEITAÇÃO simples nessas áreas sejam muito limitadas,
conforme demonstrado pela ausência de mar-
E COMPROMISSO cadores biológicos específicos e sensíveis para
A abordagem descrita neste livro é denomi- essas condições (veja a primeira “confissão
nada terapia de aceitação e compromisso, ou perturbadora” de Kupfer et al., 2002, anterior-
ACT (do inglês acceptance and commitment the- mente). No entanto, mesmo com tais doenças
rapy). ACT é sempre pronunciada como uma mentais graves, o modelo subjacente à ACT
palavra (em inglês, “agir”), e não como letras sustenta que os processos comuns incorpora-
individuais, talvez porque A-C-T soe mais dos na linguagem e no pensamento autorrefle-
como E-C-T (em inglês, sigla para eletrocon- xivos podem na verdade aumentar as dificulda-
vulsoterapia), o que não é uma associação des centrais associadas a tais condições (para
favorável,1 e mais positivamente porque o ter- evidências mais detalhadas sobre esse ponto,
mo nos faz lembrar que essa abordagem enco- veja o Capítulo 13). Independentemente de
raja o envolvimento ativo na vida. quantas vozes uma pessoa escuta ou quantos
Segundo uma perspectiva da ACT, o sofri- ataques de pânico ela experimenta, esse indi-
mento humano emerge predominantemente víduo é um ser humano que pensa, sente e re-
de processos psicológicos normais, sobretudo corda. A forma como uma pessoa responde a,
aqueles que envolvem a linguagem humana. digamos, uma alucinação pode ser mais crítica
para o funcionamento sadio do que a alucina-
ção em si, e, segundo uma perspectiva da ACT,
1
A maioria dos profissionais que atuam na área da essa resposta é predominantemente determi-
psicoterapia usa acrônimos para identificar aborda- nada por processos psicológicos normais.
gens de tratamento. Assim, não utilizar iniciais tem
um benefício colateral imediato na medida em que
aqueles que explicam os pontos fortes e fracos da O exemplo do suicídio
“A-Cê-Tê” são imediatamente expostos como se não
tivessem feito nenhum treinamento sério ou leitura Não existe um exemplo mais dramático do
em ACT. Os leitores agora saberão encarar com uma grau em que o sofrimento faz parte da con-
dose de ceticismo o que esses observadores dizem. dição humana do que o suicídio. A morte por
Terapia de aceitação e compromisso 9
uma escolha deliberada é evidentemente o (Chiles & Strosahl, 2004). Essa é uma cifra as-
desfecho menos desejável que podemos ima- sustadoramente alta para explicar se devemos
ginar na vida; no entanto, uma proporção sur- ver a suicidalidade como “anormal”.
preendentemente considerável da humanida- Também relevante para nossa discussão é
de em algum momento na vida considera se o fato de que o suicídio é totalmente ausente
matar, e um número alarmantemente grande entre não humanos. Com o tempo, várias ex-
desses indivíduos realmente tenta colocar esse ceções alegadas foram observadas em relação
ato em prática. a essa generalização, mas, ao exame, elas se
Suicídio é o ato consciente, deliberado e revelaram falsas. Lemingues noruegueses são
intencional de tirar a própria vida. Dois fatos talvez o exemplo mais clássico. Quando a den-
são claramente evidentes em relação ao sui- sidade de sua população atinge um ponto que
cídio: (1) ele é universal nas sociedades hu- não pode ser mantido, o grupo inteiro se enga-
manas e (2) provavelmente está ausente entre ja em um padrão confuso de corrida que leva
todos os outros organismos vivos. As teorias à morte de muitos deles – geralmente por afo-
existentes do suicídio têm dificuldade para gamento. Porém, suicidalidade implica não
explicar esses dois fatos de forma lógica. Há meramente a morte, mas também atividades
relatos de suicídio em todas as sociedades hu- individuais que levam o indivíduo à morte
manas, tanto atualmente quanto no passado. pessoal como uma consequência deliberada
Cerca de 11,5 por 100 mil pessoas nos Esta- dessa atividade. Quando um lemingue cai na
dos Unidos cometem suicídio a cada ano (Xu, água, ele tenta escalar, e quando tem sucesso
Kochanek, Murphy, & Tejada-Vera, 2010), ele permanece fora d’água, mas há inúmeros
representando em torno de 35 mil mortes em casos documentados de uma pessoa saltando
2007. Sua ocorrência é praticamente inexis- de uma ponte, sobrevivendo e, então, imedia-
tente entre bebês e crianças muito pequenas, tamente saltando da mesma ponte outra vez.
mas começa a aparecer durante os primeiros Nos humanos, a autoeliminação pode ser-
anos escolares. Pensamentos suicidas e tenta- vir a uma variedade de propósitos, mas seus
tivas de suicídio são muito comuns na popula- propósitos declarados geralmente se originam
ção em geral. Um estudo recente encomenda- do léxico diário da emoção, da memória e do
do pelo Substance Abuse and Mental Health pensamento. Por exemplo, quando bilhetes
Services Administration encontrou uma taxa suicidas são examinados, eles tendem a ter
anual calculada de ideação suicida grave en- mensagens que enfatizam a pesada carga de
tre aproximadamente 8,3 milhões de indiví- viver e a conceitualização de um futuro estado
duos, com tentativas suicidas anuais entre de existência (ou não existência) em que es-
jovens adultos próximas a 1,2% nessa faixa sas cargas serão retiradas (Joiner et al., 2002).
etária – com níveis mais altos de incidência Embora os bilhetes suicidas com frequência
associados a abuso de substâncias (Substance expressem amor por outras pessoas e um sen-
Abuse and Mental Health Services Adminis- timento de vergonha pelo ato, também cos-
tration, 2009). Estudos da incidência ao lon- tumam expressar que a vida é penosa demais
go da vida sugerem que cerca de 10% de to- para ser suportada (Foster, 2003). As emoções
das as pessoas em algum momento irão fazer e os estados mentais mais comuns associados
uma tentativa contra suas vidas, e outras 20% ao suicídio incluem culpa, ansiedade, solidão
irão apresentar ideação suicida e desenvolver e tristeza (Baumeister, 1990).
um plano e meios para colocá-lo em prática. O fenômeno do suicídio demonstra os li-
Assim, aproximadamente metade da popu- mites e as falhas da perspectiva do sofrimento
lação total irá experimentar níveis modera- humano com base na síndrome. Suicídio não
dos a severos de suicidalidade em suas vidas é uma síndrome, e muitas pessoas que acabam
10 Hayes, Strosahl & Wilson
com a própria vida não podem ser simples- sofrimento psicológico humano. Começamos
mente classificadas com um rótulo sindrômi- com algumas perguntas relativamente sim-
co bem definido (Chiles & Stroshal, 2004). Se a ples e diretas:
forma de atividade mais dramaticamente “no-
civa” que existe está presente em certa medida Como é possível que pessoas inteligentes,
nas vidas da maioria dos humanos, mas não sensíveis e atenciosas que têm tudo o
entre outros seres sencientes, somos levados a que necessitam para sobreviver e pros-
uma conclusão óbvia: a de que deve haver algo perar na vida precisem suportar tal so-
peculiar na condição de ser humano que faz frimento?
com que seja assim. Mais precisamente, deve Existem processos humanos universais
haver um processo em funcionamento que que de alguma maneira estejam liga-
leva tão prontamente a tamanho sofrimento dos ao sofrimento generalizado?
psicológico – um processo que é unicamente Podemos desenvolver uma compreensão
característico da psicologia humana. A estra- teórica sólida de como o sofrimento se
tégia de pesquisa que apoia a psicopatologia desenvolve e então aplicar interven-
contemporânea não irá necessariamente de- ções psicológicas para neutralizar ou
tectar esse processo porque ela não está es- reverter os processos centrais respon-
pecificamente focada nos detalhes mundanos sáveis?
cotidianos das ações humanas. Mesmo que
atribuíssemos a quase todas as pessoas um ou Uma pista importante para que possamos
mais rótulo diagnóstico, nenhum progresso encontrar respostas significativas a essas per-
no estudo da psicopatologia diminuiria nossa guntas desafiadoras exigiu apenas que nos
obrigação de abordar e explicar melhor a uni- olhássemos no espelho. Envolto pelo escudo
versalidade do sofrimento humano. Todos os protetor redondo da cabeça encontrava-se
seres humanos têm suas dores – só que uns um órgão com um lado positivo extremamen-
mais do que outros. Com efeito, é normal ser te brilhante e uma contrapartida igualmente
“anormal”. perturbadora.
É humilhante observar que esta ideia – a de
Normalidade destrutiva que processos psicológicos normais e neces-
sários funcionam de forma muito semelhan-
A universalidade do sofrimento por si só suge- te a uma faca de dois gumes – é básica para
re que ele se origina dentro de processos que muitas tradições religiosas e culturais, porém
se desenvolveram para promover a adaptabili- é muito menos valorizada na psicologia e em
dade do organismo humano. Essa observação outras ciências comportamentais. A tradição
é a ideia central por trás do pressuposto da nor- judaico-cristã (e, na verdade, a maioria das
malidade destrutiva, a ideia de que processos tradições religiosas, tanto ocidentais quanto
psicológicos humanos comuns e até mesmo orientais) adota a ideia de que o sofrimento
úteis podem conduzir a resultados destrutivos humano faz parte do normal estado das coi-
e disfuncionais, amplificando ou exacerbando sas na vida. É importante examinar essa tra-
quaisquer condições fisiológicas e psicológi- dição religiosa como um exemplo concreto do
cas anormais que possam existir. quanto a euforia por síndromes médicas nos
Quando a ACT estava sendo desenvolvida afastou de nossas raízes culturais nessas ques-
durante a década de 1980, ela foi projetada tões. O Gênesis, o princípio de todas as coisas,
como uma abordagem transdiagnóstica de parece ser um lugar apropriado por onde co-
tratamento baseada nos processos centrais meçar nossa análise da linguagem humana e
comuns que acreditávamos que explicavam o do sofrimento humano.
Terapia de aceitação e compromisso 11
podemos impedir essa transformação gradual, tanto às realizações humanas quanto ao sofri-
nem somos capazes de suavizá-la completa- mento humano. Por “linguagem humana” não
mente. Nossos filhos precisam ingressar no nos referimos à mera vocalização humana,
mundo aterrador do conhecimento verbal. Eles nem ao inglês como oposto ao idioma francês.
precisam passar a ser como nós. Da mesma forma, não estamos nos referindo
As grandes religiões do mundo foram al- meramente à sinalização social, como quan-
gumas das primeiras tentativas organizadas do nosso cachorro late pedindo comida ou
de resolver o problema do sofrimento humano. quando um esquilo emite um grito de alerta.
Isso quer dizer que todas as grandes religiões Em vez disso, referimo-nos à atividade simbó-
têm um lado místico e que todas as tradições lica em qualquer forma que ela ocorra – seja
místicas compartilham uma característica de- por meio de gestos, figuras, formas escritas,
finidora: todas elas reúnem práticas que são sons ou o que quer que seja.
orientadas para a redução ou a transformação Embora pareça haver ampla concordância
do domínio da linguagem analítica sobre a de que os primeiros humanos eram capazes
experiência direta. A diversidade de métodos de utilizar símbolos (baseados em suas práti-
é impressionante. O silêncio é observado por cas funerárias, por exemplo), o uso sofisticado
horas, dias, semanas; charadas verbais insolú- dessas habilidades é espantosamente recente.
veis são contempladas; a própria respiração é Os primeiros registros permanentes e inques-
monitorada durante dias de cada vez; mantras tionáveis de atividade simbólica humana so-
são repetidos interminavelmente; cânticos são fisticada parecem ser os desenhos rupestres de
repetidos por horas a fio; e assim por diante. apenas 10 mil anos atrás. As primeiras evidên-
Até mesmo os aspectos não místicos das gran- cias de linguagem escrita como a conhecemos
des tradições religiosas – que se baseiam na têm cerca de 5.100 anos de idade. O alfabeto
linguagem literal e analítica – com frequência foi inventado apenas há 3.500 anos. Mesmo
focam em atos que não são puramente analí- dentro do registro escrito formal dos assuntos
ticos. A teologia judaico-cristã, por exemplo, humanos, existe uma clara progressão das ha-
requer que tenhamos fé em Deus (a raiz de fé bilidades verbais. Apenas há alguns milhares
provém do latim fides, que significa algo mais de anos, as pessoas comuns devem ter experi-
próximo de fidelidade do que de crença lógica e mentado autoverbalizações como declarações
analítica). O budismo foca nos custos do apego. dos deuses ou de outras entidades invisíveis
Diferentes religiões variam os detalhes da nar- (Jaynes, 1976), e nas primeiras histórias escri-
rativa, mas os temas em geral são os mesmos. tas “pensar por conta própria” era visto como
Em sua tentativa de busca do conhecimento, perigoso (p. ex., veja a análise de Jayne [1976]
os humanos perderam sua inocência, e o so- de Ilíada e A Odisseia). Hoje em dia, os adultos
frimento é um resultado natural disso. Apesar normais manipulam uma variedade de estímu-
dos excessos a que a religião muitas vezes está los simbólicos (tanto abertamente quanto de
propensa, há uma grande sabedoria nessa pers- forma relativamente velada) da manhã à noite
pectiva. Para se ter uma ideia, a tradição relati- enquanto simultaneamente atuam no mundo.
vamente recente da psicoterapia apenas agora O progresso da humanidade pode ser re-
está se aproximando disso. lacionado diretamente a esses mesmos mar-
cos verbais. O desenvolvimento das grandes
Os efeitos positivos e negativos civilizações foi impulsionado pela linguagem
da linguagem humana escrita, e as grandes religiões pelo mundo
se desenvolveram não muito tempo depois.
A essência da abordagem da ACT está baseada A enorme expansão da capacidade da espécie
na ideia de que a linguagem humana dá origem humana de alterar seu ambiente imediato por
Terapia de aceitação e compromisso 13
uma grande dor não é, por si só, causa sufi- Fusão cognitiva
ciente para o verdadeiro sofrimento humano.
Para que isso ocorra, o comportamento sim- Ocorre sofrimento quando as pessoas acredi-
bólico precisa ser levado um pouco mais além. tam tão fortemente nos conteúdos literais de
sua mente que ficam fusionadas com suas cogni-
O canto das sereias do ções. Nesse estado de fusão, a pessoa não con-
segue distinguir entre consciência e narrativas
sofrimento: fusão e esquiva cognitivas, já que cada pensamento e seus refe-
No clássico poema grego A Odisseia, de Ho- rentes estão fortemente ligados. Essa combina-
mero, Odisseu e seu bando de guerreiros pro- ção significa que a pessoa tem maior probabili-
curam retornar a seus lares na Grécia após o dade de seguir cegamente as instruções que são
fim da Guerra de Troia. Eles navegam pelo socialmente transmitidas por meio da lingua-
traiçoeiro Mar Egeu, enfrentando muitos pe- gem. Em algumas circunstâncias, esse resulta-
rigos pelo caminho, talvez nenhum mais de- do pode ser adaptativo, mas, em outros casos,
safiador do que o encontrado quando passam as pessoas podem se engajar repetidamente em
pela ilha das sereias. As sereias são criaturas conjuntos de estratégias ineficazes porque para
adoráveis que ficam escondidas nas rochas ao elas parecem ser “certas” ou “justas” apesar das
longo da costa, entoando cantos que prome- consequências negativas no mundo real. Pes-
tem o conhecimento do futuro. Os cantos são soas que se fundem às próprias cognições pro-
irresistíveis porque se dirigem ao desejo pelo vavelmente irão ignorar a experiência direta e
conhecimento de cada marinheiro, porém se tornar relativamente alheias às influências
aqueles que são arrebatados inevitavelmente ambientais. Com muita frequência, as pessoas
encontram seu destino. Alertado previamente entram em terapia devido ao desgaste emocio-
por Circe sobre esse perigo iminente, Odisseu nal de tais consequências, na esperança de uma
ordena que seus homens tapem seus ouvidos redução no desconforto dos sintomas. Mas elas
com cera de abelha. Entretanto, por desejar não têm a intenção de mudar sua abordagem
ouvir o canto das sereias, ele ordena que seus básica porque sua abordagem é efetivamente
homens o amarrem ao mastro principal e em invisível para elas. É como se estivessem apri-
nenhuma circunstância o desamarrem até que sionadas pelas regras que se originam em sua
o barco esteja muito além da costa da ilha. própria mente. Essas regras não são organiza-
Quando o navio passa pela ilha, Odisseu fica das de forma aleatória; pelo contrário, no nível
tão encantado com o canto das sereias que im- do conteúdo, elas seguem uma diretiva cultural
plora e apela que seus homens o desamarrem, específica sobre saúde pessoal e como melhor
mas eles se recusam, sabendo que ele irá saltar atingi-la. No nível do processo, elas estão im-
no mar e morrer. plicitamente baseadas no pressuposto de que
A história de Odisseu e do canto das sereias regras verbais e a solução de problemas delibe-
fala da relação básica dos humanos com o lado rada são a melhor ou até mesmo a única forma
obscuro da sua própria força mental e do seu de resolver problemas.
entrelaçamento com o conhecimento verbal. Considere, por exemplo, clientes com disti-
E, assim como na história do Gênesis, a his- mia, os quais diariamente têm diálogos inter-
tória alerta quanto ao aspecto ambivalente nos que interferem em sua experiência direta
do conhecimento verbal. Podemos começar a de vida. Na maior parte do tempo, esses pro-
entender o alerta focando em dois processos cessos de pensamento envolvem “verificar” se
principais: fusão cognitiva e esquiva expe- eles estão “se sentindo bem”. Se o cliente vai a
riencial – o “canto das sereias” do sofrimento uma reunião social, não vai demorar muito
humano (Strosahl & Robinson, 2008). para que comecem a surgir perguntas de autor-
16 Hayes, Strosahl & Wilson
reflexão. Por exemplo, ele pode rapidamente se de controle e mais automonitoramento não é
perguntar: “Bem, como estou me inserindo?”. uma solução para esses transtornos; ao contrá-
A busca de pistas ambientais se inicia. O indi- rio, ele é o próprio transtorno.
víduo faz uma varredura nas pessoas próxi- Desvencilhar as pessoas das suas mentes é
mas para ver se está sendo feito contato visual, um dos principais objetivos da ACT, mas isso
se as pessoas estão olhando para outro lado é muito mais fácil de dizer do que de fazer, tanto
ou se ele está sendo totalmente ignorado. para os clínicos como para os clientes. As pesso-
Depois, são verificados os estímulos auditi- as recorrem às suas mentes porque linguagem e
vos para ver se as pessoas estão dizendo coisas pensamento são veículos extremamente efetivos
humilhantes ou o ridicularizando. O cliente no mundo cotidiano. Você deve definitivamente
se engaja em atos adicionais de autorreflexão: prestar atenção ao que sua mente está dizendo
“Quão bem estou me relacionando com essas quando está fazendo seu imposto de renda, con-
pessoas?”, “Estou realmente sendo eu mesmo?”, sertando uma máquina ou tentando atravessar
“Estou apenas fingindo estar feliz e normal?”, uma rua em um cruzamento movimentado.
“Eles podem realmente ver que não estou tão O problema é que não somos treinados para
feliz quanto finjo estar?”, “Afinal, por que estou discriminar quando a mente é útil e quando não
fingindo para as pessoas?”, “Achei que eu viria a é e não desenvolvemos as competências para
esta festa para me divertir um pouco e ficar feliz, passar de um modo de solução de problemas da
mas agora me sinto pior do que nunca!”. O ruído mente fusionado para um modo da mente en-
interno causado pelo automonitoramento que o gajado em descrever. A mente é ótima quando
cliente faz das causas e dos efeitos emocionais se trata de inventar aparelhos, construir planos
se torna tão crônico que, para ele, é praticamen- de negócios ou organizar programações diárias.
te impossível engajar-se em qualquer atividade Porém, isoladamente, a mente é muito menos
sem quase imediatamente destruir seu senti- útil em aprender a estar presente, aprender a
mento de “estar presente” ou ser espontâneo. amar ou descobrir como melhor carregar con-
Em um estado fusionado, a pessoa com dis- sigo as complexidades de uma história pessoal.
timia segue a regra de que há uma “forma certa O conhecimento verbal não é o único tipo de
de ser” e de que a “forma certa” é feliz. Atingir a conhecimento que existe. Precisamos aprender
forma certa de se sentir se transforma em um es- a usar nossas competências analíticas e avalia-
forço constante – um esforço que muitos clientes tivas quando isso promove operacionalidade
compartilham. Para o cliente com transtorno de e usar outras formas de conhecimento quando
pânico, o principal esforço é contra a ansiedade, elas servem melhor aos nossos interesses. Com
pensamentos de morte, perda do controle ou efeito, o objetivo final da ACT é ensinar os clien-
perda da razão. A fim de manter o controle, o tes a fazer essas distinções a serviço da promo-
cliente deve estar vigilante para reconhecer os ção de uma vida mais viável.
primeiros sinais de que reações indesejáveis
estão ocorrendo. Ele precisa examinar as sen- Esquiva experiencial
sações corporais, os processos de pensamento,
as predisposições comportamentais e as reações Outro processo-chave no ciclo do sofrimento é
emocionais para sinais de fracasso (ou sucesso) a esquiva experiencial. Ela é uma consequência
iminente. A solução para a busca por sentir-se imediata da fusão com instruções mentais que
da forma certa aparentemente reside em mais encorajam a supressão, o controle ou a elimina-
vigilância, mais rastreamento do ambiente in- ção de experiências cuja expectativa é a de que
terno e externo e mais controle. No entanto, sejam estressantes. Para o cliente que se enga-
o ciclo autoimposto pelo cliente de monitora- ja em padrões distímicos, o objetivo pode ser
mento, avaliação, resposta emocional, esforços sentir-se da forma certa e evitar sentimentos
Terapia de aceitação e compromisso 17
ou pensamentos que o desviam do seu objetivo. problemas definissem quem elas são – e irão
Para o cliente que demonstra padrões obsessivo- se ater às particularidades de sua patologia ou
-compulsivos, o objetivo pode ser suprimir à peculiaridade e ao poder explanatório de sua
certos pensamentos ou controlar sentimentos trágica história como se isso fosse seu principal
de desgraça. Para o cliente com transtorno de direito de nascença. As pessoas com frequência
pânico, o objetivo primordial é evitar experi- mergulham em seus mecanismos mentais de
mentar ansiedade e pensamentos de morte, forma semelhante ao modo como os marinhei-
perda do controle ou perda da razão. (Ao longo ros mergulham no mar (i.e., não sem algum
de todo o tempo, durante o tratamento, o clíni- grau de prazer). No entanto, elas são engolidas
co também pode estar resistindo a impulsos de pelas ondas do orgulho e esmagadas contra os
sentir-se impotente, tolo ou perdido.) rochedos da vergonha. Em vez de ossos quebra-
Há um paradoxo inerente na tentativa de dos, temos casamentos rompidos. Assim como
evitar, suprimir ou eliminar as experiências os marinheiros de Odisseu ansiando pelas ver-
privadas indesejáveis na medida em que fre- dades adivinhatórias das sereias, as oportu-
quentemente tais tentativas levam a um re- nidades passam à nossa frente como navios va-
crudescimento na frequência e na intensidade zios quando não se encaixam na narrativa da
das experiências a serem evitadas (Wenzlaff & nossa mente. Quando você está muito ocupado
Wegner, 2000). Como a maior parte do conte- em ser o que sua mente diz que você é, deixar de
údo angustiante por definição não está sujeita lado seus hábitos normais se torna impossível,
à regulação comportamental voluntária, só res- mesmo quando isso seria obviamente útil.
ta ao cliente uma estratégia principal: esquiva A fusão cognitiva e a esquiva experiencial
emocional e comportamental. O resultado no também afetam a habilidade do indivíduo de
longo prazo é que a vida da pessoa começa a se prestar atenção de modo flexível e voluntário
restringir, as situações evitadas se multiplicam ao que está acontecendo interna e externa-
e se deterioram, os pensamentos e sentimen- mente. Atentar deliberadamente aos eventos
tos evitados se tornam mais preponderantes, internos que a pessoa quer evitar – ou mesmo
e a capacidade de estar no momento presente e aos seus desencadeantes externos – faria cair
desfrutar a vida gradualmente diminui. por terra o propósito da esquiva experiencial.
Observar os eventos que possam contradizer
O impacto do canto das sereias uma história muito fusionada significa afastar-
-se dessa história por um momento (que hor-
Tanto a fusão cognitiva quanto a esquiva expe- ror!). Para evitar tais resultados inoportunos,
riencial afetam significativamente quem pen- a atenção do indivíduo deve permanecer estri-
samos que somos. Ficamos cada vez mais en- tamente focada e inflexível. Com o tempo, ins-
redados em nossas auto-histórias, e as ameaças tala-se um tipo de entorpecimento vital. A pes-
às nossas autoconcepções se tornam centrais. soa passa pelos acontecimentos da vida diária
As possibilidades que são externas à nossa nar- sem muito contato momento a momento com
rativa oficial devem ser evitadas ou negadas. a vida em si. A vida segue no piloto automático.
Essa consequência vale tanto para as histó- O dano causado pela fusão cognitiva e pela
rias que são horríveis quanto para as que são esquiva experiencial é igualmente destrutivo
ilusoriamente positivas. Inevitavelmente nos em relação ao nosso senso de direção na vida
esquivamos de reconhecer os erros para sal- e ao nosso comportamento guiado por objeti-
var as aparências, mas ao custo de deixarmos vos. Nosso comportamento fica mais subme-
de aprender com eles. Pessoas que padecem tido ao “controle aversivo” do que ao “contro-
de transtorno de pânico com frequência irão le apetitivo” – mais dominado pela esquiva e
declarar “Eu sou agorafóbico” – como se seus escape do que pela atração natural. Nossas es-
18 Hayes, Strosahl & Wilson
colhas vitais mais importantes passam a ser no mínimo, o cliente e o terapeuta imediata-
baseadas em como não evocar conteúdo pes- mente irão aprender a observar os pensamentos
soal angustiante em vez de seguirmos na dire- e os sentimentos que ocorrem para compreen-
ção do que mais profundamente valorizamos. der o problema que está sendo tratado. Em suas
As pessoas perdem completamente seus pon- formas mais elaboradas apresentadas na ACT,
tos de referência porque estão muito ocupadas desfusão envolve aprender a estar consciente-
em monitorar o nível de risco de cada evento, mente atento ao próprio pensamento quando
interação ou situação. ele ocorre, e aceitação envolve o processo ativo
de se engajar e algumas vezes aumentar a rica
complexidade das próprias reações emocionais
ACT: ACEITAR, como um meio de fomentar a abertura psicoló-
ESCOLHER, AGIR gica, a aprendizagem e a compaixão por si mes-
mo e pelos outros. Essas habilidades envolvem
Na abordagem da ACT, um objetivo de vida experimentar conscientemente os sentimentos
saudável não é tanto sentir-se bem, mas sen- como sentimentos, os pensamentos como pen-
tir bem. É psicologicamente saudável ter pensa- samentos, as lembranças como lembranças,
mentos e sentimentos desagradáveis, além dos e assim por diante. Elas permitem que a pessoa
prazerosos, e isso nos dá pleno acesso à rique- observe desapaixonadamente a própria mente
za de nossas histórias pessoais únicas. Ironi- em funcionamento enquanto ao mesmo tempo
camente, quando pensamentos e sentimentos “acolhe o momento”, dessa maneira permane-
se tornam fundamentais, praticamente ditan- cendo atenta a pistas ou sinais contextuais po-
do o que fazemos – ou seja, quando eles “sig- tencialmente importantes que de outra forma
nificam apenas o que dizem que significam” –, passariam despercebidos.
com frequência ficamos relutantes em sentir À medida que essas competências são ad-
os sentimentos ou pensar os pensamentos quiridas, o próprio sentido da atenção se tor-
abertamente e, assim, aprender com o que eles na mais flexível, focado e volitivo, possibili-
têm a nos ensinar. Em contrapartida, quan- tando que a pessoa veja melhor a si mesma e
do os sentimentos são apenas sentimentos as outras pessoas como parte de um mundo
e os pensamentos são apenas pensamentos, interconectado. A partir dessa perspectiva
eles podem significar o que eles realmente mais atenta e flexível, os clientes podem fa-
significam, ou seja, que partes da nossa his- zer com mais facilidade a mudança da con-
tória pessoal única estão sendo trazidas para duta de esquiva e enredamento para uma
o presente pelo contexto atual. Pensamentos de aumento no engajamento e na expansão
e sentimentos são interessantes e importan- comportamental.
tes, mas não devem necessariamente ditar o Raramente nos engajamos em esquiva
que acontece a seguir. Seu papel específico em como um objetivo em si. A esquiva bem-su-
cada caso depende do contexto psicológico cedida não é um objetivo de resultados, mas
em que ocorrem, e isso é muito mais variável um objetivo de processos. Se você perguntar
do que qualquer modo de solução de proble- a um cliente por que ele deve, digamos, evitar a
mas da mente normal que podemos imaginar. ansiedade, a resposta geralmente irá se refe-
A alternativa construtiva à fusão é a desfusão, rir a um impacto positivo desejado em alguma
e a alternativa preferida à esquiva experiencial parte da sua vida. O cliente pode acreditar, por
é a aceitação. Estes são os processos ensinados e exemplo, que a ansiedade indevida está atra-
estimulados na abordagem da ACT. Desfusão palhando uma promoção potencial, prejudi-
e aceitação em seus modelos mais básicos estão cando um relacionamento ou impedindo-o de
implícitas em qualquer psicoterapia porque, viajar. As estratégias da esquiva experiencial
Terapia de aceitação e compromisso 19
A terapia de aceitação e compromisso tem tes com a filosofia e a teoria. Em geral, você
sido desenvolvida nas últimas três décadas quer avançar imediatamente para os detalhes
com a utilização de uma estratégia de desen- práticos de como ajudar outras pessoas. Você
volvimento do conhecimento que se baseia procura descobrir técnicas novas e específicas
na análise do comportamento tradicional e a para usar, e nós entendemos as suas priorida-
amplia. Designamos o modelo de desenvolvi- des como funcionalmente práticas, levando
mento e a metodologia como uma abordagem em conta a sua limitação de tempo para fazer
da ciência comportamental contextual (CBS), uma leitura técnica. Mas há uma razão clínica
a qual defende determinados pressupostos importante para explorarmos os fundamentos
filosóficos, tipos particulares de teorias úteis básicos da ACT, isto é, que a ACT pede a seus
para os clínicos e formas desejáveis de tes- clientes que adotem uma nova perspectiva sobre
tar novos desenvolvimentos clínicos. A CBS é seus hábitos de pensamento pessoais.
considerada central para o trabalho da ACT a Os clínicos não poderão ser altamente
ponto de a organização profissional conhecida competentes no estabelecimento dessa nova
como Associação para a Ciência Comporta- perspectiva com os outros se souberem pouco
mental Contextual (ACBS, do inglês Associa- acerca de si mesmos. Os pressupostos normais
tion for Contextual Behavioral Science) ser a incorporados à linguagem humana são um
sociedade internacional que mais promove o tanto hostis à nova perspectiva, como em breve
desenvolvimento geral da ACT. iremos demonstrar. É muito mais fácil ser um
A maioria dessas questões é primariamen- terapeuta de ACT capacitado se você entender
te de interesse para os pesquisadores envolvi- plenamente e conseguir se adaptar aos pres-
dos na ciência básica ou no desenvolvimento e supostos excepcionalmente pragmáticos nos
avaliação do tratamento. Descrevemos a abor- quais ela está baseada. Também será mais fácil
dagem da CBS mais detalhadamente no final experimentar os processos da ACT em primei-
do livro (no Capítulo 13). Neste capítulo, abor- ra mão quando estiver plenamente apoiado em
daremos apenas aqueles aspectos da filosofia seus princípios subjacentes. Para qualquer te-
e da teoria que são mais relevantes para um rapeuta praticante da ACT, explorar os pressu-
clínico praticante que está aprendendo ACT. postos filosóficos não é um exercício acadêmico
Facilmente compreendemos quando os árido, mas, em vez disso, a promoção ativa do
profissionais algumas vezes ficam impacien- uso efetivo da própria ACT.
22 Hayes, Strosahl & Wilson
Conceitualmente, as abordagens e a meto- Esse objetivo principal é o mesmo que dizer “Isso
dologia da ACT são derivadas de uma robusta é o que eu pressuponho – precisamente isso”.
tradição científica básica e de uma filosofia A maioria dos psicólogos e profissionais
da ciência bem desenvolvida – algo que es- da saúde comportamental relativamente não
sencialmente não é compartilhado por outras tem clareza quanto aos seus pressupostos fi-
psicoterapias contemporâneas. Quando você losóficos. Isso não significa necessariamente
entender plenamente os fundamentos subja- que não saibam nada sobre isso – eles po-
centes da ACT, será capaz de avaliar que suas dem apenas não saber como melhor articulá-
aplicações potenciais legitimamente se esten- -los ou como se encaixam entre si. Em geral,
dem mais além do consultório do terapeuta. seus pressupostos são adquiridos de modo
É essa amplitude da perspectiva que confere implícito a partir do uso de senso comum da
à ACT uma oportunidade especial de funcio- linguagem. Há outros tipos de pressupostos
nar como um modelo unificado do sofrimento subjacentes à ciência comportamental, porém
humano e da resiliência humana. Iniciamos é menos provável que eles sejam adquiridos de
nossa discussão com os pressupostos básicos modo implícito, o que é o nosso foco presente.
da ACT, contrastando-os, enquanto prosse- Em termos do senso comum, o mundo
guimos, com perspectivas já consagradas. consiste de peças ou partes (p. ex., montanhas,
árvores, pessoas) que podem ser descritas pela
linguagem. Essa ideia simples contém pressu-
FILOSOFIA DA CIÊNCIA: postos-chave sobre a realidade e a verdade. O
O MAINSTREAM mundo real está pré-organizado em partes, e
a verdade é uma questão de mapear acurada-
Como Kurt Gödel (1962) provou no campo da mente essas partes com palavras. Considere
matemática, é impossível ter um sistema sim- o ato do senso comum de nomear as coisas.
bólico – em matemática ou em qualquer outro Uma criança é ensinada: “Isto é uma bola”.
lugar – que não esteja baseado em pressupos- Dentro dessa sentença existem pressupostos,
tos e postulados que vão além do alcance desse isto é, que a bola é real e o nome correspon-
sistema. Por exemplo, para saber o que é ver- de a ela. Também há o pressuposto de que a
dadeiro, você tem que dizer o que entende por bola tem características reconhecíveis (p. ex.,
“verdadeiro”. Depois de fazer isso – do nada, é redonda, pode quicar). Esses pressupostos
por assim dizer –, você pode construir um sis- são fundamentais para pelo menos dois tipos
tema de pensamento que busque esse tipo de de filosofia da ciência, ambos os quais tratam
verdade. Os critérios de verdade possibilitam a as partes ou elementos como primários e en-
análise científica – eles não são o resultado da caram a verdade como uma questão de corres-
análise científica. Considerações similares se pondência entre as palavras e a realidade.
aplicam a questões-chave como: “O que é acei- O ato do senso comum de nomear está sub-
to como dado?” ou “Que unidades organizam jacente à filosofia da ciência denominada for-
melhor o mundo?” ou “O que existe?”. mismo (p. ex., os primeiros pensadores gregos
A filosofia da ciência é, em grande parte, como Platão e Aristóteles adotaram essa visão).
uma questão de descrição e escolha dos pressu- Nessa abordagem, a verdade é a simples cor-
postos que possibilitam o trabalho intelectual e respondência entre as palavras e as coisas reais
científico. O objetivo do exame dos pressupostos às quais elas se referem. O objetivo da análise é
não é tanto justificá-los, mas possuí-los e elimi- conhecer as categorias e as classes das coisas.
nar inconsistências acidentais. Dito de outra A principal questão é considerada esta: “O que
maneira, os objetivos de filosofar são nada mais é isto?”, e ela é respondida pela precisão e apli-
(ou menos) do que clareza e responsabilidade. cabilidade das definições das categorias. Nas
Terapia de aceitação e compromisso 23
fia pragmática da ciência denominada contex- dades) ter ajudado – ou não – a atingir um ob-
tualismo funcional (Biglan & Hayes, 1996; Hayes, jetivo declarado. Nessa abordagem, uma con-
1993; Hayes, Hayes, & Reese, 1988). Contextua- ceituação de caso “verdadeira”, por exemplo, é
lismo é o termo de Stephen Pepper (1942) para útil. Você sabe que está feita quando chega lá.
pragmatismo na tradição de William James. A clareza quanto aos objetivos da análise
A unidade analítica central do contextualismo se torna essencial para os contextualistas por-
é a ação contínua no contexto, isto é, a ação do que os objetivos especificam como um critério
organismo situada no senso comum (Pepper, de verdade pragmático pode ser aplicado. Sem
1942). É fazer como está sendo feito, em um um objetivo declarado verbalmente, qualquer
contexto histórico e situacional, como ao caçar, comportamento moldado pelas consequên-
fazer compras ou fazer amor. cias seria “verdadeiro” (veja Hayes, 1993, para
O contextualismo é uma abordagem ho- uma análise detalhada desse ponto). Esse
lística; diferentemente da situação com o for- desfecho seria sem sentido filosoficamente:
mismo ou o realismo elemental, todo o evento significaria que qualquer comportamento ins-
é primário, e as partes são derivadas ou abs- trumental é “verdadeiro”, da adição a um feti-
traídas quando for útil fazer isso. O todo é che. No entanto, depois que existe um objetivo
entendido em referência ao contexto em vez declarado verbalmente, podemos avaliar até
de formado a partir dos elementos. Conside- que ponto as práticas analíticas nos ajudam a
re uma pessoa que vai ao mercado para fazer atingi-lo. Essa opção permite que o trabalho
compras. Essa ação tem uma história proxi- bem-sucedido voltado para um objetivo fun-
mal (p. ex., a comida está acabando; um jan- cione como um guia útil para a ciência.
tar em família está se aproximando) e um con- O trabalho bem-sucedido é o meio pelo qual
texto situacional enquanto ele se desenvolve os contextualistas avaliam os eventos; os obje-
(p. ex., Agora estou dobrando à esquerda na tivos permitem que esse critério seja aplicado.
12ª Avenida para ir ao mercado). Existe uma Entretanto, os objetivos analíticos não podem,
totalidade e um senso de propósito estendido em última análise, ser avaliados ou justifica-
que integram todos eles. “Ir ao mercado para dos – eles só podem ser declarados. Avaliar um
fazer compras” é um evento inteiro que implica objetivo por meio do trabalho bem-sucedido
um lugar de onde você está vindo e para onde exigiria ainda outro objetivo, mas então esse
está indo, uma razão para ir e um propósito a segundo objetivo não poderia ser avaliado, e
ser cumprido. Se uma rua estiver bloqueada, assim por diante indefinidamente. É claro que
outra será usada. A natureza do ato é definida temos hierarquia de objetivos. Essa conside-
por suas consequências pretendidas, não pela ração causa confusão com os clientes o tempo
sua forma (você pode ir andando até lá ou de todo, como quando os objetivos do processo
bicicleta – isso ainda é “ir ao mercado”). Você estão associados aos objetivos do resultado.
sabe que está feito quando chegar lá. Por exemplo, um cliente dirá algumas vezes
No contextualismo, tudo é pensado assim, que seu “objetivo” é se livrar da ansiedade,
inclusive as análises usadas por clínicos e cien- mas, se você perguntar o que aconteceria en-
tistas. Ir ao mercado para comprar comida é tão, ele diz: “Se eu fosse menos ansioso, con-
“bem-sucedido” quando eu chego ao merca- seguiria fazer amizades”. Em outras palavras,
do e consigo comprar o que é necessário. Da livrar-se da ansiedade não era um objetivo
mesma forma, a análise de um evento é “bem- final por si só, mas um meio presumido para
-sucedida” quando eu consigo fazer o que pre- chegar a um fim. A relação entre os meios e
tendia fazer com essa análise. A verdade é, os fins pode ser avaliada, mas os objetivos
assim, pragmática: ela é definida pelo fato de finais não podem ser avaliados – apenas de-
uma atividade particular (ou conjunto de ativi- clarados. Os objetivos dos resultados preci-
Terapia de aceitação e compromisso 25
sam simplesmente ser declarados e assumi- lises aplicadas e intervenções seja clara, sim-
dos – de forma nua e crua, por assim dizer. ples, de aplicação geral e integrada à estrutura
Se ter amigos tem um valor para o cliente, en- mais ampla das ciências úteis. Você poderia
tão ter amigos tem um valor para o cliente. acrescentar as palavras e nada mais a esse ob-
As formas mais conhecidas de contex- jetivo como um lembrete de que atingir uma
tualismo são provavelmente vários tipos de praticidade desse tipo não é um meio para um
contextualismo descritivo. Estes são designa- fim, mas se constitui um fim em si.
dos como “contextualismo descritivo” porque
têm como objetivo uma apreciação pessoal O evento inteiro:
das características que participam do todo.
ação em um contexto
O pós-modernismo, o construtivismo social,
a dramaturgia, a hermenêutica, a psicologia O interesse filosófico no evento inteiro, visto
narrativa, o marxismo, a psicologia feminis- como um ato em um contexto, está refleti-
ta e outros são exemplos. As características do diretamente no curso da terapia de ACT.
distintivas do contextualismo funcional, quan- O que define um evento comportamental
do contrastadas com essas tradições (Hayes, como um evento inteiro? Em um nível, ele é
1993), são seus objetivos únicos: a previsão- determinado pelo propósito das pessoas que
-e-influência dos eventos psicológicos com preci- estão fazendo a análise, e em outro é definido
são, escopo e profundidade. No contextualismo pelo propósito do organismo que está agindo.
funcional, os eventos psicológicos são tidos Não é incomum que os terapeutas de ACT res-
como interações de organismos inteiros den- pondam à afirmação declarativa de um clien-
tro e com um contexto considerado histórica te descrevendo seu comportamento dizendo:
e situacionalmente. Os contextualistas fun- “E isso está a serviço de...?”. O terapeuta pro-
cionais buscam primariamente “prever-e- cura e talvez observe consequências com-
-influenciar essas interações” – as palavras portamentais em múltiplos níveis (p. ex.,
estão hifenizadas porque ambos os aspec- a relação terapêutica; uma amostra do com-
tos desse objetivo são procurados de forma portamento social geral da pessoa; um exem-
imediata. Clinicamente, não adianta mui- plo da dinâmica da psicologia do indivíduo).
to apenas explicar e prever coisas – também Ao focar a atenção do cliente nas consequên-
temos que saber como mudar as coisas, e os cias da sua ação, o terapeuta está tentando
contextualistas funcionais adotam a mesma avaliar e destacar a sua totalidade. Os tera-
perspectiva. Precisão, escopo e profundidade peutas de ACT estão constantemente tentan-
são padrões conceituais usados para avaliar do entender e influenciar os propósitos que
explicações potencialmente aceitáveis que os clientes trazem para dentro de suas vidas e
atendem aos nossos objetivos primários de como esses propósitos são executados, tanto
previsão e influência. Precisão se refere à es- no mundo externo quanto na “sua mente”.
pecificidade com a qual são identificadas va- Deve ser destacado que, em um sentido
riáveis relevantes. Escopo se refere à economia técnico, comportamento é nosso termo pre-
intelectual de uma teoria – até que ponto ela é ferido para uma ação em um contexto, seja
capaz de realizar mais com menos conceitos. considerando-se o comportamento aberto,
E profundidade se refere ao grau de coerência o comportamento emocional ou o com-
possível de ser atingida com conceitos úteis portamento cognitivo. Usado dessa forma,
desenvolvidos em outros níveis de análise (so- comportamento não é meramente uma pala-
ciológico ou biológico, por exemplo). vra-código para movimento, secreções glan-
Dito em termos mais do senso comum, em dulares ou ações publicamente observáveis.
psicologia queremos que uma ciência de aná- A atividade da qual estamos falando é toda e
26 Hayes, Strosahl & Wilson
contexto do comportamento que desejam mu- samento evolutivo se aplica não só aos genes
dar. Para influenciarem significativamente as biológicos como também aos processos epi-
ações do cliente, os profissionais precisam ser genéticos, aos processos comportamentais
capazes de manipular o contexto, já que nun- e ao processo simbólico dentro e ao longo
ca é possível manipular as ações de outra pes- da vida de um indivíduo (Jablonka & Lamb,
soa diretamente (Hayes & Brownstein, 1986). 2005; Wilson, Hayes, Biglan, & Embry, 2011).
B. F. Skinner se expressou assim: “Na práti- Os seres humanos estão desenvolvendo siste-
ca, todas essas maneiras de mudar a mente mas comportamentais. No nível das contin-
de um homem se reduzem à manipulação do gências de reforçamento e significado verbal,
seu ambiente, verbal ou outro” (1969, p. 239). o critério de seleção para essa evolução deve
Se os princípios psicológicos têm início nessa ser, em grande medida, aquilo pelo que o
conjuntura, eles podem ter relevância direta cliente mais se interessa.
porque podem ajudar a informar os agentes Como já mostramos, as quatro principais
de mudança sobre o que fazer. Assim, todos os características filosóficas do contextualismo
princípios comportamentais contextuais têm funcional descritas até aqui (o evento inteiro,
esta qualidade: eles são relações funcionais contexto, verdade e objetivos) não são abs-
entre características contextuais mutáveis e o trações vazias quando se trata da terapia real;
comportamento ao qual estão integrados. ao contrário, esses pressupostos estão na essência
A visão pragmática da verdade está re- da ACT. Há mais uma característica-chave do
fletida em cada nível na ACT. A ACT coloca contextualismo funcional que queremos enfa-
grande ênfase na especificação dos valores tizar. Superficialmente, ela é a mais estranha,
no nível individual. Quando a verdade é defi- mas pode ser transformadora para os clínicos
nida pelo que funciona, os valores e objetivos e também para os clientes. Em um sentido
mais amplos do cliente assumem importância profundo, é a razão pela qual um foco na filo-
primordial. Todas as interações terapêuticas sofia da ciência subjacente à ACT recebe tanta
são avaliadas na sua relação com os valores e ênfase por parte dos terapeutas e pesquisado-
objetivos escolhidos do cliente, e a questão é res da ACT.
sempre a operacionalidade – ou seja, se elas
funcionam na prática –, e não a verdade obje- Abrindo mão da ontologia,
tiva. A não ser que os valores e objetivos sejam um dia de cada vez
claramente especificados, não há como avaliar
o que é funcionalmente verdadeiro ou falso. O pragmático critério da verdade vem acom-
Os desenvolvedores da ACT reconhecem panhado de certas consequências epistemoló-
essa necessidade de objetivos em seu próprio gicas, isto é, ele determina como justificamos
trabalho; é por isso que os objetivos do con- nossas crenças. No contextualismo funcional,
textualismo funcional foram tão claramen- as crenças são justificadas com base na utili-
te especificados. O mesmo viés é verdadeiro dade de ter essas crenças – onde a utilidade
para o cliente e o trabalho do profissional que pode ser amplamente construída, refletindo
atende o cliente. Previsão-e-influência dos até mesmo toda a nossa própria vida ou a da
eventos psicológicos devem necessariamen- espécie. Diferentemente das teorias da verda-
te estar em íntima sintonia com os valores e de como correspondência, o critério da teoria
objetivos do cliente para que façam algum pragmática não contém nenhum elemento
sentido. Essa abordagem essencialmente po- de ontologia. Ele não irá, nem poderá, levar
siciona o contextualismo funcional e sua ideia a alegações sobre a natureza da existência
da verdade firmemente no campo da ciência ou da realidade como tal. Pragmaticamente
evolutiva multinível (Wilson, 2007). O pen- falando, quando dizemos que uma declara-
28 Hayes, Strosahl & Wilson
ção é “verdadeira”, queremos dizer que ela esse ponto de vista seja mantido com leveza.
facilita as consequências desejadas (i.e., Afinal, onde o sol “verdadeiramente” começa
a exigência epistemológica é satisfeita). Ela e termina? O calor do sol que toca o seu rosto
não acrescenta nada àquelas consequências é uma porção do sol? A força gravitacional que
experimentadas para então dizer “e a razão atua em você também faz parte do sol? Onde
pela qual isso funciona é porque nossas vi- no universo o sol é não existente? Não é um
sões combinam com o que existe ou é real”. pouco ilusório sacar uma tesoura cósmica e
Para um pragmatista, tal alegação ontológica recortar o contorno da órbita amarela que ve-
seria vazia – um tipo de postura intelectual – mos, nomear o que retiramos do todo e, então,
e, se ela não acrescenta nada, ela não é nada. convenientemente nos esquecermos da tesou-
Assim, o contextualista funcional simples- ra que nós mesmos empunhamos? Se sentís-
mente não tem nada a dizer sobre a ontologia, semos apenas calor, dividiríamos o mundo
de uma maneira ou de outra. da mesma maneira? E se sentíssemos apenas
Se existe uma única mudança de perspec- descargas elétricas ou a gravidade?
tiva que apoia a aprendizagem e a aplicação Tais ponderações filosóficas ecoam por
da ACT, ela é esta: abrir mão dos pressupostos todo este livro, e aprender a abrir mão de con-
ontológicos arraigados na concepção do sen- clusões ontológicas é um aliado poderoso na
so comum da linguagem e da cognição. Esse conexão com a ACT. A ACT foca no proces-
alheamento da ontologia é parte de por que a so de pensamento em si, portanto clínicos e
ACT é desafiadora, mas também é parte de por clientes são encorajados a reavaliar o pensa-
que ela pode ser transformacional. mento à medida que ele se revela e examinar a
A experiência do senso comum dificulta sua operacionalidade prática em determinada
abrir mão da ontologia. A mente humana faz situação. Encarar o pensamento do ponto de
objeção, dizendo: “As partes são reais, e elas se vista da operacionalidade em vez da verdade
unem para criar complexidade. Afinal de con- literal insere o pensamento em um contexto
tas, existe uma lua, um sol e a terra. Eles são social/verbal alternativo – um contexto em
reais”. Os contextualistas pressupõem apenas que saúde, vitalidade e propósito podem mais
um mundo – o mundo em que vivemos. Tudo prontamente desempenhar papéis centrais.
bem chamá-lo de real se você quiser (os con- Abrir mão de declarações ontológicas
textualistas não são idealistas), mas separá- (e mais especialmente qualquer noção de
-lo em categorias é uma ação distinta. Esse essencialismo) permite ao terapeuta de ACT
processo de divisão do mundo se torna muito maior flexibilidade no trabalho com os clien-
mais forte quando a linguagem humana é en- tes em seus próprios termos sem ter que as-
volvida, como discutiremos mais detalhada- sumir desafios desnecessários, como tentar
mente neste capítulo. Algumas maneiras de provar que seus pensamentos inúteis são in-
dividir o mundo funcionam melhor do que ou- corretos ou inverídicos. As declarações onto-
tras – as consequências que se originam disso lógicas feitas por um cliente ou um terapeuta
não são necessariamente arbitrárias –, mas simplesmente não têm qualquer interesse.
pode haver muitas formas práticas de abordar Em consequência, temos menos necessi-
a tarefa. dade de nos esforçarmos para saber quem
Considere a declaração: “Existe uma lua, está “certo” e, em vez disso, podemos pros-
um sol e a terra. Eles são reais. Eles existem”. seguir diretamente para o que a experiência
Em contextos mais comuns, faz sentido cha- do cliente diz sobre o que funciona. A ACT é
mar o sol de sol e tratá-lo como uma coisa, a-ontológica, não antiontológica. Não esta-
um objeto com dimensões espaço-temporais. mos dizendo que o mundo não é real ou que
Porém, algumas vezes, é útil até mesmo que as coisas não existem. Estamos meramente
Terapia de aceitação e compromisso 29
tentando tratar toda a linguagem (mesmo so- zer a respeito?”. Assim, os clínicos têm uma
bre a ACT e seus pressupostos) como ações necessidade natural de interpretar, predi-
em um contexto para que possamos assumir zer e influenciar os problemas psicológicos.
a responsabilidade sobre nossas ações cogni- A circunstância prática os força a adotar certos
tivas e ampliar a flexibilidade comportamen- valores analíticos.
tal para que práticas operacionais possam ser Esses valores são idênticos aos adotados
selecionadas com base nas relações das ações pelos contextualistas funcionais. Para o con-
e dos resultados que experimentamos. textualista funcional, influência não é uma
Esta discussão pode parecer estranha até consideração a posteriori ou meramente
que o leitor entenda melhor os princípios da uma extensão aplicada do conhecimento bá-
ACT. Não esperamos que esta seção por si só sico; ao contrário, ela é uma métrica para a
faça o trabalho necessário. Porém, ela deixa psicologia aplicada e para a básica. Assim,
claro que este livro não está simplesmente as preocupações práticas do clínico não estão
tentando ensinar outra técnica; trata-se de mais totalmente divorciadas das preocupações
aprender um novo modo da mente com base analíticas e dos pressupostos do pesquisador,
em pressupostos radicalmente pragmáticos. mesmo do pesquisador básico. Essa mescla
Esse novo modo da mente não será rapida- de preocupações é uma das razões por que os
mente recheado como uma bolsa clínica de desenvolvedores da ACT agora transitam tão
truques na qual ele possa repousar em segu- harmoniosamente da pesquisa extremamente
rança, já que tende a alterar muitas ideias bá- básica sobre temas ocultos como “O que é uma
sicas sobre o viver. palavra?” para considerações extremamen-
te práticas, como qual a melhor sequência de
A adequação entre técnicas específicas na ACT. Os eventos mutá-
o contextualismo funcional veis que estão envolvidos em cada investiga-
ção potencialmente se aplicam a todo o arse-
e a agenda clínica
nal de métodos e técnicas da ACT.
A maioria dos clínicos quer uma análise que
faça o seguinte: Partindo da filosofia para
a teoria e para a terapia
1. explique por que as pessoas estão so-
frendo; A postura a-ontológica e a forte ênfase contex-
2. permita-nos predizer o que pessoas tual do contextualismo funcional lançam uma
com problemas psicológicos particula- nova luz sobre velhas questões. Por exemplo,
res irão fazer; suponha que um cliente diga: “Não posso
3. diga-nos como mudar o curso dos sair de casa, ou terei um ataque de pânico”.
eventos de modo que essa pessoa em Um realista elemental poderá se questionar
particular com esse problema em par- por que a pessoa está em pânico ou como o
ticular consiga obter um melhor resul- pânico da pessoa pode ser aliviado, ou se a
tado. declaração da pessoa é crível ou meramente
uma declaração exagerada. O contextualismo
Esses três objetivos (interpretação, previ- funcional sugere muitas outras opções. Por
são e influência) são objetivos analíticos naturais exemplo, o clínico pode:
do clínico. Os clientes também querem essas
coisas dos profissionais que os aconselham. 1. Pensar nessa declaração como um fa-
O cliente que começa terapia geralmente quer zer – como uma ação em si – e exami-
saber: “Por que eu sou assim e o que posso fa- nar o contexto em que o cliente diria
30 Hayes, Strosahl & Wilson
algo assim (p. ex., “Há alguma coisa O compromisso contextual da ACT se es-
que você espera que aconteça ao me tende ao exame do impacto dos pensamen-
contar esse pensamento?”). tos ou das emoções sobre outras ações. Esse
2. Observar a demarcação do mundo em fundamento filosófico da ACT a distingue
unidades (sair de casa = pânico) sem de muitas outras abordagens terapêuticas.
atribuir status de realidade aos even- Em vez de enfatizar apenas a mudança na
tos descritos ou à sua suposta ligação forma da experiência privada por presumir
causal (p. ex., “Esse é um pensamento que essas formas sejam causais, os terapeutas
interessante”). da ACT enfatizam a mudança das funções das
3. Procurar contextos ambientais em que experiências privadas. Eles alteram as funções
o “pânico” está funcionalmente relacio- modificando os contextos em que certos tipos
nado à incapacidade, com uma visão de atividade (p. ex., pensamentos e sentimen-
voltada para a alteração desses contex- tos) estão geralmente relacionados a outras
tos, em vez de necessariamente tentar formas (p. ex., ações explícitas).
alterar o pânico em si (p. ex., “Humm. A ACT procura implementar métodos de
Vamos fazer isso e ver o que acontece. tratamento que são claras extensões de prin-
Diga em voz alta: ‘Não posso me le- cípios comportamentais bem estabelecidos,
vantar ou terei um ataque de pânico’ isto é, princípios sobre as ações normais de or-
e, enquanto faz isso, levante-se lenta- ganismos inteiros. A dependência exclusiva de
mente”). princípios comportamentais (no sentido mais
4. Procurar contextos ambientais em que amplo de “comportamento”) não é uma ideia
o “pânico” não está funcionalmente nova. Todo o campo da análise do comporta-
relacionado à incapacidade, com uma mento aplicada está baseado nela, como esta-
visão voltada para o fortalecimento va a terapia comportamental, a qual original-
desses contextos (p. ex., “E você algu- mente foi definida como terapia baseada em
ma vez teve esse pensamento e mesmo “teoria de aprendizagem operacionalmente
assim saiu de casa? Fale-me sobre es- definida e em conformidade com paradigmas
ses momentos”). experimentais bem estabelecidos” (Franks &
Wilson, 1974, p. 7). O conjunto de princípios
Ou comportamentais foi meramente ampliado na
ACT para incluir uma explicação comporta-
5. Ver essa declaração como parte de mental contemporânea da cognição, especi-
múltiplas vertentes de ação e, assim, ficamente a teoria das molduras relacionais.
procurar vertentes em que essa mes- Voltaremos a esse tópico.
ma declaração possa ser integrada a
um processo positivo (p. ex., “Se uma
criança pequena que você amasse mui- A VISÃO DA COGNIÇÃO
to lhe dissesse que não podia sair de SUBJACENTE À ACT:
casa, o que você faria?”).
TEORIA DAS MOLDURAS
Em outras palavras, em vez de entrar ime- RELACIONAIS
diatamente no conteúdo dos pensamentos,
declarações e ideias do cliente, um contextua- A ênfase na importância da linguagem e da
lista funcional olha para a ação e seu contex- cognição humanas não é exclusiva da ACT.
to e, então, aproveita a análise funcional dos O último século foi testemunha do surgimento
objetivos pragmáticos do clínico e do cliente. de inúmeras escolas de filosofia e psicologia
Terapia de aceitação e compromisso 31
que focam na linguagem como a chave para possível que uma conversa entre um cliente e
a atividade humana e o mundo que nos ro- um terapeuta possa levar a mudanças gene-
deia (p. ex., a filosofia da linguagem comum, ralizadas na vida do cliente e fomos ficando
o positivismo lógico, a filosofia analítica, cada vez mais interessados em análises expe-
a psicologia narrativa, a psicolinguística e mui- rimentais de questões fundamentais sobre a
tas outras). Embora muitas dessas abordagens linguagem humana. Assim, começamos nosso
sejam bastante interessantes, suas análises programa de pesquisa básica como uma ten-
com frequência não são de relevância óbvia. tativa de entender um aspecto da pragmática
A ACT está conectada a uma explicação básica da linguagem, ou seja, como as regras verbais
da ciência denominada “teoria das molduras guiam o comportamento humano. Encerra-
relacionais” (RFT; Hayes, Barnes-Holmes, & mos com uma análise da natureza da própria
Roche, 2001). A RFT é uma teoria contextual linguagem humana.
funcional da linguagem e da cognição huma- Em determinada época, rotineiramen-
nas que, durante pelo menos a última década, te era ensinado a todos os terapeutas com-
tem sido uma das áreas mais ativas da pesqui- portamentais princípios comportamentais
sa analítica comportamental básica do com- como controle discriminativo, condiciona-
portamento humano. Devido ao seu foco em mento respondente e reforçamento. Depois,
contextos mutáveis, a RFT é facilmente asso- esse currículo, em grande parte, foi aban-
ciada a preocupações práticas. donado na maioria dos lugares onde pro-
A RFT aspira a oferecer uma explicação fissionais aplicados eram treinados. Ele foi
psicológica abrangente da linguagem e da deixado de lado, em parte, porque durante o
cognição superior tentando explicar parte do final da década de 1970 a tradição cognitivo-
sucesso evolutivo da nossa espécie e buscando -comportamental abandonou a exigência de
entender as raízes cognitivas das realizações que o tratamento estivesse baseado nos prin-
humanas e do sofrimento humano. A RFT é cípios de aprendizagem demonstrados no
um programa de pesquisa amplo, com vários laboratório. Em vez disso, os clientes come-
livros publicados sobre seus aspectos essen- çaram a ser questionados sobre o que pensa-
ciais (Hayes et al., 2001) e sobre como aplicá- vam, e seus pensamentos e estilos cognitivos
-la em domínios clínicos – não apenas na ACT, foram organizados em várias teorias clínicas
mas em psicoterapia de modo mais geral (Tör- da cognição. Em alguns aspectos, aquela foi
neke, 2010) – ou em domínios aplicados fora a escolha certa na época. Os princípios com-
da psicologia clínica, como educação especial portamentais, por volta de 1975, não tinham
(Rehfeldt & Barnes-Holmes, 2009). O progra- uma forma adequada de lidar com o proble-
ma de pesquisa em RFT é tão vasto que descre- ma da cognição. Lamentavelmente, a ciência
veremos apenas aqueles processos básicos da cognitiva básica se afastou das preocupações
RFT que são necessários para entender a ACT. clínicas quando a ênfase principal se voltou
Entretanto, antes de voltarmos nossa atenção para as relações entre os eventos mentais
para a RFT, vamos considerar um pouco do e por fim para as relações entre cérebro e
seu histórico. comportamento – em vez de para os efeitos
Diferentemente de muitos grupos que fa- de fatores históricos e contextuais mutáveis
zem pesquisa científica básica sobre a lingua- nas cognições e ações e suas várias inter-
gem, o interesse dos proponentes da ACT na -relações. Assim, a ciência neurocognitiva
análise básica do comportamento verbal pro- básica não poderia autoritariamente dizer
vém diretamente de um interesse associado aos clínicos o que fazer (a posterior emergên-
ao bem-estar psicológico e ao trabalho apli- cia da “modularidade massiva” da psicologia
cado. Começamos com questões sobre como é evolucionista compartilhava a mesma fragi-
32 Hayes, Strosahl & Wilson
lidade na prática). As teorias clínicas da cog- mos ser as implicações centrais da RFT para a
nição eram aparentemente a melhor alterna- prática clínica e os domínios aplicados.
tiva disponível.
Nós concordamos com a necessidade de Uma abordagem inicial dos
mudar o curso, mas tínhamos dúvidas quan-
eventos verbais e cognitivos
to à viabilidade no longo prazo de um modelo
clínico da cognição como uma teoria subja- Praticamente qualquer definição de lingua-
cente. Conduzimos cerca de uma dezena de gem e cognição rapidamente chega à ideia de
estudos durante o final da década de 1970 e que esses domínios envolvem sistemas de sím-
início da década de 1980 testando os mode- bolos, mas o que são os símbolos e como eles
los cognitivos tradicionais, nenhum dos quais se tornaram símbolos frequentemente perma-
foi favorável (para um bom exemplo, veja nece nebuloso (p. ex., veja Jablonka & Lamb,
Rosenfarb & Hayes, 1984). Em consequência, 2005). Se procuramos um relato do funcio-
começamos a focar cada vez mais em en- namento psicológico ascendente e orientado
contrar uma nova maneira de conduzir uma para processos, esse caminho tão usado pro-
análise comportamental da linguagem e da vavelmente não acrescentará nada às teorias
cognição (p. ex., veja Hayes, 1989b, para um mais clínicas da cognição que já existem. Esse
resumo desse trabalho inicial). Esses proces- dilema é precisamente a questão sobre a qual
sos se transformaram nos fundamentos para a teoria da aprendizagem de processos gerais
as primeiras versões da ACT. Quando des- fracassou. Skinner, por exemplo, definiu um
cobrimos, em pequenos estudos, que a ACT estímulo verbal meramente como o produto
funcionava bem (p. ex., Zettle & Hayes, 1986), do comportamento verbal, e comportamento
levamos o programa de pesquisa para uma di- verbal foi definido de uma maneira que não
reção incomum. Como nosso objetivo não era pudesse distingui-lo de qualquer comporta-
meramente outro tratamento manualizado, mento operante animal. Nenhuma das ideias
mas um modelo abrangente orientado para parecia progressiva, e, em consequência,
processos, focamos no aprofundamento de os psicólogos voltaram o olhar para outro lado
uma explicação comportamental da cognição (veja Hayes et al., 2001, p. 11-15, para uma
e da linguagem humanas – e como isso pode análise ampliada desse ponto).
estar relacionado a comportamentos clini- A RFT começa com um achado extra-
camente relevantes – e essencialmente para- ordinário na psicologia comportamental e
mos completamente de fazer estudos de re- postula o relato de um processo que estende
sultados. Esse desvio básico consumiu quase esse achado para toda a linguagem e cogni-
15 anos, mas originou a RFT, a qual agora ção. Pense em um triângulo com uma ponta
acreditamos ser uma abordagem adequada. virada para cima (veja a Figura 2.1). Mental-
A seguir, começamos com uma descrição mente, coloque um objeto diferente em cada
do que diferencia eventos verbais e cognitivos um dos três pontos – por exemplo, uma bola
de outros atos psicológicos, estendemos essa no ponto superior, um martelo no ponto infe-
perspectiva para o que são regras verbais e, rior esquerdo e uma folha no inferior direito.
então, retornamos ao tema da terapia. Usamos Suponha que, quando foi mostrada a bola,
um mínimo de referências porque tratamen- você teve que aprender a apontar para o mar-
tos detalhados em forma de livro estão dispo- telo em meio a uma série de outros objetos;
níveis, e nosso propósito aqui é altamente prá- posteriormente, quando foi apresentada a
tico. Ao longo deste livro, tentamos transmitir bola, você foi ensinado a apontar para uma
a importância desses processos e, na conclu- folha, e não para os outros itens. Você apren-
são deste capítulo, resumimos o que acredita- deu duas “relações” (alto → esquerda inferior
Terapia de aceitação e compromisso 33
FIGURA 2.1 Se uma pessoa normal aprende a escolher um martelo entre uma série de
objetos, dada uma bola como amostra, se ela então escolhe uma folha entre uma série
de objetos, dada a bola, as relações derivadas apresentadas nas linhas pontilhadas pro-
vavelmente serão deduzidas pelo respondente.
→ direita inferior). Em termos mais abstra- escrita a um tipo de objeto. Dadas essas duas
tos, você aprendeu dois lados do triângulo, relações treinadas, todas as outras relações
cada um em uma direção. Com apenas esse entre esse triângulo específico de objetos
treinamento, se lhe fosse mostrado o martelo provavelmente irão emergir sem treinamen-
ou a folha e você tivesse que escolher entre to adicional. As relações não treinadas são o
uma bola e uma rosquinha, você provavel- que significa relações de estímulos derivadas. Por
mente escolheria a bola. Se, então, lhe fosse exemplo, sem treinamento explícito nesse
mostrada a folha e você tivesse que escolher caso específico, a criança será capaz de dizer
entre um martelo ou um carro de brinquedo, o nome do objeto. Isso faz parte do que pre-
você escolheria o martelo, e vice-versa. Você tendemos quando dizemos que uma criança
derivaria quatro relações que não haviam sido “entende” o que determinada palavra signifi-
ensinadas (direita inferior → topo; esquerda ca. Podemos, agora, ser um pouco mais preci-
inferior → topo; esquerda inferior → direi- sos acerca da natureza de um estímulo verbal:
ta inferior; direita inferior → esquerda infe- ele tem seus efeitos devido às relações deriva-
rior). Você agora conheceria todos os lados das entre ele e outras coisas.
do triângulo em todas as direções. O que torna a equivalência de estímulos
Os analistas do comportamento chamam clinicamente relevante é que as funções dadas
esse resultado, que foi identificado cerca de a um membro de uma classe de equivalência
40 anos atrás e tem raízes muito mais anti- tendem a ser transferidas para outros mem-
gas, de “classe de equivalência de estímulos” bros. Vamos considerar um exemplo simples
(Sidman, 1971). Podemos aplicar esse exem- que estende esse resultado para uma situação
plo gráfico a uma situação linguística simples. de linguagem comum que pode ter conse-
Uma criança normal é primeiramente ensina- quências clínicas (conforme representado na
da a relacionar uma palavra escrita particular Figura 2.2). Suponha que uma criança que
a um nome oral e, então, a mesma palavra nunca havia visto ou brincado antes com um
34 Hayes, Strosahl & Wilson
G-A-T-O
(ouve – chora)
“gato”
Arranha – chora
FIGURA 2.2 A criança aprendeu a relação G-A-T-O → mamífero peludo e a relação G-A-T-O →
nome oral diretamente. Posteriormente, a criança é arranhada por um gato e chora. Como
a criança derivou uma relação entre o mamífero peludo e “gato”, a nova função se transfere
para outros eventos na rede relacional, e posteriormente a criança chora ao ouvir o nome
mesmo que não tenha havido uma história de eventos aversivos ocorrendo diretamente
referente ao nome.
gato aprenda que as letras G-A-T-O se aplicam sentariam esse efeito. A criança também tem
a esses mamíferos peludos, e não a outros, que derivar a relação palavra escrita → objeto,
e que as letras G-A-T-O são vocalizadas como nome oral → palavra escrita, objeto → nome
“gato” (em vez de “cachorro” ou qualquer ou- oral e nome oral → objeto. O triângulo precisa
tro som). Suponha, a seguir, que a criança seja ser formado. Só então as funções de ser arra-
arranhada enquanto brinca com um gato. Ela nhado (i.e., medo e esquiva) serão transferi-
chora e foge. Mais tarde, ouve sua mãe dizen- das do gato para o nome oral.
do: “Oh, veja! Um gato!”. Mais uma vez a crian- Esses tipos de resultados não podem ser
ça chora e foge. Essa ocorrência pode parecer adequadamente explicados pelos simples e fa-
surpreendente porque a criança nunca havia miliares processos de generalização que estão
sido ensinada a temer o som “gato”. Seria al- incorporados na aprendizagem por contin-
tamente improvável que a mesma história de gências. Se um bebê aprende a tocar em uma
treinamento aplicada a um não humano pro- tampa alaranjada porque há comida atrás dela
duzisse o mesmo resultado. O medo do gato e ainda evita uma azul porque tocá-la dispa-
é agora despertado por um nome oral, mas a ra um ruído estrondoso, ele provavelmente
função do nome oral, nesse caso, é derivada. também estará disposto a se aproximar de
Estudos bem controlados mostraram que a uma amarela, apenas com um pouco mais
transferência do medo de gatos diretamente de cautela. Da mesma forma, o bebê tenderá a
condicionado para o nome oral ocorre somen- evitar não só a tampa azul, mas também uma
te se a criança derivar relações que não foram verde, embora talvez menos enfaticamente.
diretamente treinadas. Em outras palavras, As respostas do bebê às tampas alaranjada
não é suficiente que a criança apenas aprenda e azul foram estabelecidas por meio do trei-
objeto → palavra escrita → nome oral. Afinal, namento direto. As respostas observadas às
muitos animais não humanos poderiam rapi- amarelas e às verdes ocorrem porque os hu-
damente aprender a mesma coisa e não apre- manos e outros animais com sistemas visuais
Terapia de aceitação e compromisso 35
bem desenvolvidos cresceram em ambientes toda uma teoria da linguagem em torno dela,
onde a coloração laranja está mais próxima do como até mesmo seus criadores já observaram
amarelo do que o verde e onde a coloração azul (p. ex., Sidman, 2008, p. 331). Além disso,
está mais próxima do verde do que do amare- equivalência de estímulos é meramente um
lo. Tais gradientes de generalização de estímulos resultado, não um processo. A RFT descreve
estão baseados na semelhança formal. esses tipos de relações de maneira geral e dá
Esse não é o caso com equivalência de uma explicação dos seus processos. O processo
estímulos. Uma criança que chora ao ouvir que a RFT propõe como dando origem à equi-
“Oh, veja! Um gato!” não está apresentando valência de estímulos pode prontamente ser
generalização de estímulos em um sentido aplicado a qualquer tipo de relação entre even-
formal porque não há nada em relação a esses tos. Quando os muitos outros tipos de relações
sons que seja semelhante aos animais reais. de estímulos são acrescentados – diferentes,
Da mesma forma, princípios simples de con- opostos, hierárquicos, sequenciais, causais,
dicionamento associativo de ordem superior etc. –, um processo básico pode originar
não podem prontamente explicar a robustez uma ampla gama de habilidades cognitivas,
da equivalência de estímulos porque precisa- e uma explicação do processo de aprendiza-
mos recorrer ao condicionamento inverso e a gem geral se torna possível. Segundo a pers-
outros procedimentos cujos efeitos são muito pectiva da RFT, o que conecta os tipos de si-
fracos para modelar esses resultados. De fato, tuações em que uma pessoa pode ter ataque de
é precisamente por isso que a aprendizagem pânico são não só suas propriedades formais
verbal associativa nunca forneceu uma expli- em um sentido simples, mas também os as-
cação plenamente bem-sucedida da lingua- pectos verbais ou cognitivos dessas situações.
gem e da cognição humanas.
Mesmo sem explicar por que a equivalên- Molduras relacionais
cia de estímulos acontece ou estender o re-
sultado a muitas outras relações (coisas que De acordo com a RFT, o núcleo essencial da
a RFT tenta fazer), esse notável desempenho linguagem e da cognição superior é a habili-
comportamental dá vez a novas formas de dade de aprender e aplicar “molduras rela-
pensar sobre o comportamento. Por exemplo, cionais”. O enquadramento relacional é um
imagine uma pessoa que sofre de agorafobia comportamento aprendido que apresenta três
tendo um ataque de pânico inicial enquanto propriedades principais sob controle contex-
está “presa” em um shopping center. Falar de tual arbitrário: implicação mútua, implicação
um shopping não irá provocar medo – idêntico combinatória e transformação de função do
ao caso da criança arranhada –, mas isso ocor- estímulo.
rerá com outros eventos relacionados a estar Implicação mútua significa que uma rela-
“preso”. A gama de coisas na qual você pode ção aprendida em uma direção também im-
estar “preso” é tão ampla que desafia uma plica outra na direção oposta. Se uma pessoa
simples descrição baseada em propriedades aprende em um contexto particular que A se
formais, possivelmente incluindo um cam- relaciona de uma forma particular com B, en-
po aberto, uma ponte, uma relação conjugal, tão isso implica algum tipo de relação entre B e
falar ao telefone, assistir a um filme, ter um A nesse contexto. Por exemplo, se uma pessoa
emprego ou estar na própria pele. Tudo ago- é ensinada que umidade é o mesmo que mo-
ra pode ser fonte de pânico (se estivermos tão lhado, essa pessoa irá derivar que molhado é
propensos). o mesmo que úmido. Se uma pessoa aprende
É vasta a literatura sobre equivalência que Sam é mais alto do que Fred, ela também
de estímulos, mas não é suficiente construir irá entender que Fred é mais baixo do que Sam.
36 Hayes, Strosahl & Wilson
Implicação combinatória significa que re- Qualquer pai sabe que quando as crianças pe-
lações mútuas podem se combinar. Se uma quenas aprendem que as moedas têm valor,
pessoa aprende em um contexto particular que elas costumam preferir um níquel a dez centa-
A se relaciona de uma forma particular com vos. Isso faz sentido porque elas aprenderam
B, e B se relaciona de uma forma particular uma relação comparativa não arbitrária, isto
com C, esse arranjo também implica uma re- é, que o níquel é fisicamente maior. Organis-
lação entre A e C nesse contexto. Por exemplo, mos mais complexos podem aprender relações
se uma pessoa é ensinada, em determinado não arbitrárias (p. ex., aquelas definidas pelas
contexto, que Mike é mais forte do que Steve, propriedades formais dos eventos relaciona-
e Kara é mais forte do que Mike, a pessoa irá dos), não apenas as pessoas. No entanto, por
derivar que Kara é mais forte do que Steve. volta dos 4 ou 5 anos, as crianças demonstram
Por fim, as funções dos eventos em redes um novo conjunto de habilidades. Elas come-
relacionais desse tipo podem ser transfor- çam a preferir dez centavos a um níquel, pois
madas em termos das relações subjacentes. aprendem uma versão arbitrariamente aplicável
Se você precisa movimentar um equipamento de “maior que”, a qual já não está mais associa-
pesado e sabe que Mike é bom nisso, você irá da às propriedades físicas dos dois itens. Dez
derivar (considerando a informação dada an- centavos podem, na verdade, ser “maior” em
teriormente) que Steve será menos útil e Kara valor do que um níquel. Depois de aprendido
será mais útil sem que necessariamente nada de modo geral, pode ser dito à criança que “isso
novo seja ensinado sobre Steve ou Kara. é maior do que aquilo”, e as outras respostas
A RFT afirma que qualidades como essas relacionais podem ser derivadas, independen-
são características de um quadro de respos- temente de quais são as entidades específicas.
ta abstraída que é inicialmente adquirida e Depois de dito que o Sol é maior do que a Ter-
controlada por características contextuais ar- ra, mesmo uma criança irá derivar a informa-
bitrárias por meio do reforçamento de apro- ção adicional de que a Terra é menor do que o
ximações no treinamento exemplar múltiplo. Sol, independentemente da sua aparência.
Somos expostos a muitos exemplos que rela- Nomear é talvez o exemplo mais simples
cionam os eventos de uma forma particular de enquadramento relacional – é a ação que
(p. ex., “__ > __”), em geral baseados inicial- corresponde diretamente à equivalência de es-
mente em suas propriedades formais (p. ex., tímulos, e ela ocorre primeiro no treinamen-
um elefante é maior do que um camundon- to da linguagem. A RFT chama isso de uma
go; papai é maior do que mamãe; um níquel “moldura de coordenação”. Uma criança é ex-
é maior do que dez centavos). Quando o tipo posta a milhares de exemplos de nomeação.
particular de relação (como a comparação de Se mãe é “mamãe,” então apontar para ela
tamanho) é abstraído de múltiplos exempla- quando ouve “Onde está a mamãe?” provavel-
res, ele fica sob o controle de pistas relacio- mente trará a aprovação dos adultos que estão
nais arbitrárias como “___ é maior que ___”. por perto. Igualmente, se “cachorro” é C-A-C-
Quando isso acontece, qualquer coisa pode ser -H-O-R-R-O, então quando C-A-C-H-O-R-R-O
colocada nas lacunas, já que apenas as pistas é lido como “cachorro”, a aprovação é prová-
relacionais fazem isso, e as relações mútuas e vel. Em outras palavras, aprender uma relação
combinatórias serão derivadas. verbal em uma direção prediz o reforçamento
A maioria dos pais já presenciou esse pro- por responder na outra direção. Esse tipo de
cesso em primeira mão. Em muitos países, sequência é como a RFT formula a hipótese
algumas moedas de pequeno valor são gran- de que o enquadramento relacional foi real-
des. Um níquel é um pouco maior do que dez mente realizado, isto é, como um grande con-
centavos; meio euro é maior do que um euro.
Terapia de aceitação e compromisso 37
e a outros não, que a relação entre três sím- tenso enquanto dava uma palestra para três
bolos arbitrários em uma tela de computador enfermeiras, muito embora uma semana an-
era A < B < C. Todos os participantes, então, tes tivesse dado uma palestra para centenas
aprenderam a pressionar uma barra a deter- de pessoas com muito menos dificuldade. Isso
minada velocidade quando B era apresen- pareceria menos surpreendente se você sou-
tado. Aqueles que não haviam aprendido as besse que o pânico no grupo pequeno foi visto
relações entre os símbolos foram mais lentos como “muito mais insano” – e, assim, mui-
quando A e C apareciam. Aqueles que haviam to mais ameaçador – do que a ansiedade em
aprendido as relações arbitrárias também fo- meio à grande multidão, assim como os par-
ram mais lentos quando A aparecia, mas tra- ticipantes no estudo citado anteriormente de-
balhavam mais rapidamente quando C apa- monstraram mais medo de uma situação que
recia. Seu comportamento refletia a relação anteriormente havia sido benigna do que de
derivada de que C é maior do que B. Em outro uma que havia sido diretamente associada ao
ponto no estudo, os participantes recebiam choque – apenas porque havia sido dito que ela
choques repetidamente quando B era apre- era “maior que” esta última. O enquadramento
sentado até que se tornaram ativados e teme- relacional é arbitrariamente aplicável, portanto
rosos (conforme medido por uma resposta não há nada no mundo das propriedades for-
galvânica da pele) sempre que B aparecia. mais (p. ex., o real tamanho da multidão) que
Aqueles que não haviam aprendido as rela- impeça que ocorram esses tipos de desfechos,
ções mostraram menos ativação quando A ou apesar do sofrimento que possam causar.
C apareciam. Aqueles que haviam aprendido Para mostrar o que entendemos por “arbi-
que A < B < C também apresentaram ativação trariamente aplicável”, pense em dois objetos
mínima a A, mas, quando C aparecia, eles fi- concretos. Mentalmente, rotule-os como A e B.
cavam muito mais temerosos do que quando Agora, escolha um número entre 1 e 4. Se já
B era apresentado. Alguns participantes até fez isso, pode ser informado de que o número
mesmo gritaram e arrancaram os pelos do indica uma expressão relacional: 1 significa
braço – não porque receberam choque, mas “melhor que”, 2 significa “o pai de”, 3 signi-
porque aquele estímulo C assustador havia fica “diferente de”, e 4 significa “semelhante
aparecido. Esses participantes nunca haviam a”. Agora, responda a esta pergunta: “Como é
recebido choque na presença do estímulo C; A # B?”. Isto é, “Como ____ (diga o nome do ob-
no entanto, estavam agindo como se isso fos- jeto A) é ________________ (expressão relacio-
se muito pior do que um estímulo que real- nal indicada pelo número que você escolheu,
mente havia sido associado de forma repetida por sua vez seguida pelo nome do objeto B)?”.
a choques moderadamente dolorosos apenas Esta pode ser uma pergunta estranha, e é
porque C foi citado de forma arbitrária como muito improvável que você a tenha ouvido an-
“maior do que B”. tes. No entanto, em alguns segundos, encon-
Mesmo um exemplo simples como esse trará uma resposta. Muito frequentemente,
começa a ligar o enquadramento relacional se você for esperto, a resposta parecerá ade-
a questões clínicas. Se um níquel pode ser quada – algumas vezes tanto que a relação
“menor” do que dez centavos – o que certa- parece estar “nos objetos”, apenas esperando
mente não é, exceto em um sentido arbitrário para ser notada. Isso tem a ver com uma ilu-
–, o que irá impedir que “grande sucesso” seja são até certo ponto, uma vez que não importa
pequeno em comparação com um ideal? Mui- quais são os objetos ou as relações para que
tos anos atrás, quando enfrentava dificulda- ocorra esse efeito, e não é possível que tudo
des com um quadro de transtorno de pânico, esteja relacionado a tudo o mais de todas
um de nós (SCH) teve um ataque de pânico in- as formas possíveis em um sentido formal.
Terapia de aceitação e compromisso 39
Existe uma explicação muito mais plausível, ciadas a esforços para criar mais flexibilida-
ou seja, a de que relações desse tipo são arbi- de da resposta cognitiva, como com algumas
trariamente aplicáveis. Devido a essa proprie- formas de reavaliação cognitiva. No entanto,
dade da linguagem e da cognição humanas, a manipulação do contexto relacional tem li-
nós podemos relacionar tudo a tudo o mais de mitações importantes em muitas outras situa-
todas as maneiras possíveis. ções comuns. Como as molduras relacionais
A RFT pode fornecer um modelo robusto são aprendidas e arbitrariamente aplicáveis,
para qualquer estratégia de intervenção cog- é impossível controlar o contexto relacional
nitiva (Törneke, 2010), mas, até agora, essa tão plenamente a ponto de evitar que relações
discussão da RFT disse pouco acerca da ACT inúteis sejam derivadas. Por exemplo, inúme-
per se. Para a conexão emergir mais claramen- ras pistas podem levar crianças a derivar que
te, precisamos retornar a uma característica- não são tão atraentes, merecedoras de amor,
-chave da RFT: o controle contextual. inteligentes ou dignas como poderiam ser.
Em termos gerais, você não pode evitar que
O papel das características as crianças tenham temores de inadequação
contextuais garantindo que nunca pensem que são ina-
dequadas. Despejar elogios excessivos sobre
Os pesquisadores em RFT descobriram que elas, embora com boas intenções, pode ser
as molduras relacionais são reguladas por mais prejudicial do que benéfico. Além disso,
duas características contextuais distintas: como ocorre com toda aprendizagem, depois
o contexto relacional e o contexto funcional. que é feita a relação, ela pode ser inibida, mas
O contexto relacional determina como e quan- nunca será desaprendida. Não existe um pro-
do os eventos estão relacionados; o contex- cesso chamado “desaprendizagem”. Depois
to funcional determina quais funções serão que uma criança deriva “Não sou merecedora
transformadas em termos de uma rede re- de amor”, essa impressão estará entranhada
lacional. Por exemplo, na sentença “Sarah é no indivíduo para sempre, pelo menos em cer-
mais esperta do que Sam”, as palavras mais ta medida. Mesmo que a impressão diminua
esperta do que provavelmente funcionam para sua força para quase zero, ela será mais ra-
que a maioria dos leitores estabeleça um con- pidamente reaprendida, talvez décadas mais
texto relacional de comparação entre Sarah tarde.
e Sam. Na sentença “Imagine o gosto de leite A persistência da lembrança se deve ao
coalhado”, as palavras imagine o gosto prova- fato de ser muito difícil reestruturar redes cog-
velmente servem como um contexto funcional nitivas de modo eficiente. É fácil somar-se a
que ativa as experiências perceptuais de leite outras redes – e a ACT certamente faz isso em
coalhado, baseadas em uma moldura de coor- muitas áreas –, porém é difícil evitar que rela-
denação entre leite coalhado e os nomes escri- ções inúteis sejam derivadas, e não é possível
tos ou falados. apagar inteiramente tal pensamento da nossa
A existência de duas formas distinguíveis história mental.
de controle contextual leva a importantes No entanto, o contexto funcional deter-
implicações clínicas, e a ACT tira o máximo mina o impacto da resposta relacional, e isso,
proveito delas. As intervenções terapêuticas felizmente, é muito mais fácil de regular na
orientadas mais verbalmente são manipula- maioria dos casos. Esta é uma ideia que é bem
ções do contexto relacional. Esse tipo de ma- aplicada na ACT. Na imaginação, consegui-
nipulação é ótimo quando é necessária infor- mos facilmente sentir o gosto de uma laran-
mação por parte do cliente ou quando essas ja... mas também podemos sentir o gosto de
manipulações estão apropriadamente asso- uma lllllllllll aaaaaaaaaa rrrrrrrrr aaaaaaaa
40 Hayes, Strosahl & Wilson
nnnnnnn jjjjjjjj aaaaaa... ou o gosto de uma que, se elas estivessem corretas, parte da te-
laranja, laranja, laranja, laranja, laranja, la- rapia cognitivo-comportamental (TCC) tradi-
ranja... ou o gosto de uma “laranja” dito na voz cional seria prejudicial, não útil, devido à sua
do Pato Donald – ou... sentir o gosto de uma frequente inclusão do desafio cognitivo. Este
enquanto canta “Home, home on the o-range”. é um argumento razoável, mas a TCC é um
O impacto psicológico dessas variações esta- grande pacote, muito do qual é comportamen-
pafúrdias é diferente de “sinta o gosto de uma tal e muito do qual faz muito sentido empíri-
laranja”, e de fato estes são todos exemplos de co. Além disso, mesmo algumas característi-
intervenções de desfusão que podem ser usa- cas cognitivas da TCC (p. ex., esforços para
das na ACT. encorajar a flexibilidade cognitiva, os quais
Não é apenas o fato de ter conhecimento da algumas vezes são feitos em intervenções de
distinção entre um contexto relacional e fun- reavaliação cognitiva) fazem muito sentido
cional que pode criar ideias para novas inter- segundo uma perspectiva da RFT. No entanto,
venções clínicas. A RFT também nos ajuda a quando o elemento-chave do questionamento
ver que, se não formos cuidadosos, o foco em cognitivo é focado em estudos dos componen-
um contexto relacional pode inadvertidamente tes, ele não é tipicamente útil (p. ex., Jacobson
modificar o contexto funcional de uma forma et al., 1996; veja Longmore & Worrell, 2007,
inútil. Considere, por exemplo, uma pessoa em para uma metanálise) e, de fato, parece ser
luta com processos psicóticos que é solicitada a prejudicial para alguns subtipos de clientes
olhar para a racionalidade de um pensamento (p. ex., Haeffel, 2010).
para melhor testar se ele é real. Essa solicita- Segundo uma perspectiva comportamen-
ção equivale a uma intervenção no contexto tal contextual, a maioria das terapias pela fala
relacional. A esperança é a de que essa inter- consiste de intervenções no contexto relacio-
venção possa alterar a forma das redes verbais/ nal. As intervenções no contexto relacional
cognitivas da pessoa (p. ex., “Não, eu não estou podem elaborar, ampliar ou interconectar
sendo perseguido pela máfia – sou uma pes- redes relacionais, mas não podem eliminar
soa sem-teto na Filadélfia”). Essa intervenção relações cognitivas previamente aprendidas.
pode ser útil, mas também pode tornar o pen- A elaboração é particularmente útil quando
samento mais importante e central, talvez até uma rede relacional existente não contém
mesmo fazendo com que impacte mais o com- relações-chave, como quando uma interven-
portamento, não menos. Além disso, como as ção psicoeducacional é necessária ou quando
molduras relacionais são bidirecionais, se o a pessoa precisa aprender a gerar mais al-
pensamento racional for enquadrado em opo- ternativas de resposta para ser mais flexível
sição ao irracional, ele pode evocar a relação na cognitivamente. As intervenções da ACT com
direção oposta (“Sou uma pessoa sem-teto na frequência envolvem informação psicoeduca-
Filadélfia – mas então por que a máfia está me cional sobre conceitos centrais da ACT, com
perseguindo?”). A RFT sugere que qualquer es- o objetivo de elaborar uma rede relacional
forço para mudar o pensamento é uma faca de deficiente ou limitada, e intervenções de fle-
dois gumes e pode ser perigoso quando coloca- xibilidade cognitiva são uma matéria-prima
do a serviço de não pensar sobre alguma coisa, comum. Por exemplo, na sessão inicial da
pensar menos sobre alguma coisa ou pensar terapia, falar a clientes experiencialmente
apenas de uma maneira. O que é logicamente evitativos sobre seu padrão de esquiva espe-
útil não é necessariamente o mesmo que é psi- rado (ou mesmo sobre o abandono da terapia)
cologicamente útil. quando as coisas ficam emocionalmente di-
Sabemos, pela experiência, que alguns fíceis pode ajudar a manter seu engajamen-
leitores questionarão essas ideias pelo fato de to, assim como assinalar que exercícios de
Terapia de aceitação e compromisso 41
quecerem. Essa tendência ajuda a explicar por ração social. Os estímulos verbais podem ser
que as redes cognitivas são extraordinariamen- combinados em regras verbais elaboradas que
te difíceis de romper mesmo com treinamento têm a capacidade de regular o comportamen-
contraditório direto. Laboratórios de RFT mos- to. O comportamento governado por regras
traram que, quando antigos pensamentos são não precisa estar baseado no contato refle-
extintos, eles rapidamente voltarão a emergir tindo consequências diretas face a face com o
se novas formas de pensamento encontrarem mundo; ao contrário, ele está em grande parte
dificuldades (Wilson & Hayes, 1996). Labo- baseado em formulações verbais dos eventos
ratórios de RFT desenvolveram novas formas e das relações entre eles. Segundo Skinner
altamente sofisticadas de medir a cognição (1969), comportamento governado por regras
implicitamente, mostrando que ocorrem efei- é o comportamento que é governado pela es-
tos de longa duração e às vezes prejudiciais pecificação de contingências em vez de pelo
de certos tipos de condicionamento relacional contato direto com elas. O comportamento
(p. ex., Procedimento de Avaliação Relacio- governado por regras permite que os seres hu-
nal Implícita ou IRAP; Barnes-Holmes, Mur- manos respondam de formas muito precisas e
phy, Barnes-Holmes, & Stewart, 2010). efetivas em casos em que a aprendizagem por
As ideias centrais subjacentes à RFT re- meio da experiência direta pode ser ineficaz
ceberam apoio empírico em uma literatura ou até mesmo letal. Por exemplo, uma pessoa
rapidamente crescente abrangendo vários pode não querer se engajar em um processo
escores de estudos. Sabemos que as molduras gradual de aprendizagem para aprender a evi-
relacionais se desenvolvem na infância (p. ex., tar fios elétricos de alta tensão. Igualmente,
Lipkens, Hayes, & Hayes, 1993), e isso aconte- sabemos, pelo trabalho experimental básico,
ce assim devido ao treinamento direto (p. ex., que consequências muito adiadas em geral
Luciano et al., 2007). O ponto fraco no enqua- são ineficazes com não humanos. O compor-
dramento relacional está associado a déficits tamento governado por regras permite que os
cognitivos como habilidades limitadas para a humanos respondam de forma efetiva a con-
solução de problemas ou níveis inferiores de sequências enormemente adiadas, tais como:
comportamento inteligente (O’Hora, Pelaez, “Seja gentil com seu tio, e daqui a 20 anos ele
Barnes-Holmes, & Amesty, 2005). Por sua vez, vai se lembrar de você em seu testamento”.
o treinamento em enquadramento relacional No entanto, essas regras têm um custo.
aumenta habilidades cognitivas de ordem Quando o comportamento é governado por
superior (p. ex., Barnes-Holmes, Barnes-Hol- regras verbais, ele tende a ser relativamente
mes, & McHugh, 2004; Berens & Hayes, 2007), insensível a mudanças no ambiente que não
incluindo o QI (Cassidy, Roche, & Hayes, 2011). estão descritas na própria regra (veja Catania,
O leitor interessado em se aprofundar nessa li- Shimoff, & Matthews, 1989; Hayes, Browns-
teratura de pesquisa pode facilmente encontrar tein, Haas, & Greenway, 1986a; Hayes, Zettle, &
boas revisões extensas dos recentes desenvolvi- Rosenfarb, 1989, para revisões dessa literatura,
mentos em RFT (p. ex., veja Rehfeldt & Barnes- e Hayes, 1989, para um tratamento mais ex-
-Holmes, 2009; Törneke, 2010). tenso desse tema). Quando o comportamento é
governado por regras verbais, os humanos com
Comportamento frequência monitoram mudanças no ambien-
governado por regras te com menos precisão do que não humanos.
Por exemplo, uma pessoa a quem é dito para
O enquadramento emocional é uma vantagem “apertar este botão rapidamente para ganhar
evolutiva importante da espécie humana que pontos” terá menos probabilidade de parar de
provavelmente emergiu no contexto da coope- apertar o botão quando os pontos não forem
Terapia de aceitação e compromisso 43
mais concedidos (p. ex., Hayes, Brownstein, zidas pela forma exata do comportamento na-
Zettle, Rosenfarb, & Korn, 1986b). quela situação particular). Por exemplo, se a
Esse assim chamado efeito de insensibilida- criança mencionada anteriormente veste um
de é importante porque muitas formas de com- casaco para se aquecer porque no passado tais
portamento clinicamente significativo exem- regras (“vista um casaco – está frio lá fora”)
plificam esse padrão: comportamentos (tanto descreveram acuradamente a temperatura e
privados quanto públicos) persistem apesar das previram as consequências de ter ou não ter
consequências negativas diretamente experi- um casaco, esse comportamento está baseado
mentadas ou do seu potencial. Essa observação em tracking. Tracking coloca o cliente em con-
pode ser mais bem entendida ao examinarmos tato direto com o impacto do comportamen-
por que as regras são seguidas. A RFT distin- to. Consequentemente, produz formas mais
gue entre três tipos de cumprimento das regras flexíveis de comportamento do que pliance,
(Barnes-Holmes et al., 2001; Hayes, Zettle, & possibilitando que as pessoas se adaptem ao
Rosenfarb, 1989): pliance, tracking e augmenting. ambiente em vez de apenas se curvarem às
Pliance (extraída de compliance) envol- consequências sociais do cumprimento de re-
ve uma regra verbal baseada na história das gras não relacionadas a repercussões diretas.
consequências para a correspondência social- No entanto, como é tão útil em muitos contex-
mente monitorada entre a regra e o compor- tos, tracking pode ser excessivamente esten-
tamento anterior. Por exemplo, o pai diz ao dida para situações que não são prontamente
filho: “vista um casaco – está frio lá fora”. Se governadas pela regra. Por exemplo, tentar
a criança responder com base em uma histó- seguir uma diretiva de “ser mais espontâneo”
ria de cumprir as regras para agradar ou de- provavelmente causará confusão. Esponta-
sagradar ao pai (e não, nesse caso, para ficar neidade não pode ser atingida unicamente
agasalhada), isso é pliance. No nível clínico, pela instrução verbal, assim como um verda-
pode ocorrer pliance quando o cliente faz al- deiro trabalho artístico não pode ser obtido
guma coisa para agradar ao terapeuta, para “pintando pelos números”.
parecer bem ou para estar certo aos olhos dos Augmenting é o comportamento gover-
outros – mas na realidade não “possui” o com- nado por regras que altera em que medida
portamento e sua associação a valores pes- algum evento irá funcionar como uma con-
soais. Pliance tende a ser relativamente rígida, sequência. Em termos clínicos, augmenting
em geral predominando em pessoas com pa- fornece incentivos verbalmente formulados
drões comportamentais inflexíveis. É uma for- para o cliente se comportar de uma forma
ma importante de comportamento governado particular. Existem dois subtipos: augmentals
por regras no desenvolvimento das crianças formativos estabelecem novas consequências
porque contingências rígidas podem levar ao (p. ex., Hayes, Kohlenberg, & Hayes, 1991).
cumprimento da regra, e, ao se acrescentar Por exemplo, se ouvir a palavra bom é reforça-
consequências sociais para o cumprimento da dor, então aprender que as palavras bueno e bon
regra, as contingências podem ser fortemente também significam bom pode estabelecê-las
ligadas ao comportamento. No entanto, entre como reforçadoras também. Augmentals moti-
os adultos, pliance é superestimada como uma vadores alteram a força de uma consequência
forma útil de regulação verbal e com frequên- funcional existente (p. ex., Ju & Hayes, 2008).
cia é algo que deve ser manejado diretamente Os anunciantes usam essa forma de compor-
na terapia. tamento governado por regras quando tentam
Tracking é seguir uma regra verbal com evocar verbalmente sensações que seus pro-
base em uma ligação histórica entre tais regras dutos podem produzir (p. ex., “Você não está
e contingências naturais (i.e., aquelas produ- com fome de um Burger King agora?”; veja
44 Hayes, Strosahl & Wilson
Ju & Hayes, 2008, para uma demonstração modo desnecessário e o deixa menos flexivel-
experimental de como esses anúncios funcio- mente relacionado às suas consequências natu-
nam). Augmenting é uma das principais fontes rais. Da mesma forma, crianças podem precisar
de motivação para os adultos, e é importante aprender a demonstrar compaixão usando o
fazer bom uso dela na terapia. elogio parental para produzi-la, mas um adul-
to não precisa ficar preso a esse nível; ele pode
Comportamento governado por demonstrar compaixão como uma expressão
de valores pessoais escolhidos (augmenting)
regras e rigidez psicológica
e fazer o que funciona melhor com esses va-
Essas distinções entre as regras se mantive- lores (tracking). A fonte dessa atenção pode,
ram muito bem durante os últimos 20 anos em parte, ser social, mas pliance reverte a aten-
de pesquisas em laboratório. A tradução des- ção humana para a opinião dos outros.
ses princípios na prática clínica é, na verdade,
bem direta, e, nas seções a seguir, abordamos O impacto clínico de tracking
algumas das implicações mais importantes.
Tracking também pode produzir problemas
O impacto clínico de pliance quando as pessoas estão seguindo regras ver-
bais que não são testáveis, preditivas, autor-
A insensibilidade induzida pelas regras tem realizáveis ou são aplicadas a situações que
alta correlação com formas indesejáveis de podem somente ser influenciadas por con-
rigidez psicológica como um padrão compor- tingências. A ACT é cética quanto à aplicação
tamental disseminado (Wulfert, Greenway ampla de estratégias de mudança cognitiva di-
Farkas, Hayes, & Dougher, 1994). Pliance é reta, além de cautelosa sobre o quão facilmen-
uma fonte especial dessa rigidez (Barret, Deitz, te as estratégias de mudança cognitiva saudá-
Gaydos, & Quinn, 1987; Hayes, Brownstein veis podem ser minadas, mas algumas vezes
et al., 1986a). Os primeiros estágios da re- existem bons motivos para fazer os clientes
gulação verbal costumam ser caracterizados testarem as regras verbais e desenvolverem
por demandas sociais daqueles que ditam as tracks que fazem um melhor trabalho de previ-
regras. “Não!” é normalmente uma das pri- são das consequências. Infelizmente, muitos
meiras palavras aprendidas pelas crianças. dos tipos mais perniciosos de regras são extre-
A pliance desse tipo pretende reduzir a sensibi- mamente difíceis de testar.
lidade a outras contingências ambientais – se Considere regras que são autorrealizá-
um dos genitores está ensinando o filho a não veis. Em tais casos, o ciclo de feedback natural
ir para a rua unicamente pela demanda do pai, entre seguir uma regra e as consequências
o pai não deseja ter a regra testada (p. ex., a que resultam é ausente ou equivocado. Essa
criança saindo à rua para ver o que acontece). circunstância pode facilmente produzir um
Na idade adulta, no entanto, a maioria ciclo estranho. Por exemplo, seguir a regra
dos comportamentos efetivos que poderiam, “Eu não tenho valor” com frequência leva
de outra forma, se basear em pliance em geral a um comportamento que confirma a regra em
deriva mais eficientemente do tracking e do um sentido funcional. Se eu finjo ser esperto
augmenting (veja Sheldon, Ryan, Deci, & Kasser, porque na verdade não tenho valor, o elogio
2004). A maioria de nós pode pensar em pes- dos outros parece vazio. Afinal de contas, eu os
soas de 40 e 50 anos de idade que ainda estão enganei – e quem pode confiar em tolos ou se
se rebelando contra seus pais, mesmo que eles importar com suas opiniões? O resultado pro-
já tenham morrido há muito tempo. Pliance em vavelmente serão sentimentos continuados de
tal circunstância restringe o comportamento de desvalia apesar dos sinais de sucesso objetivo.
Terapia de aceitação e compromisso 45
so relacional até que a discrepância (“Quero ir pessoa que relata dores e traumas passados
até o museu e ainda não estou lá”) desapareça geralmente irá chorar – mesmo (ou talvez
(“Estou lá!”). especialmente) que o autorrelato nunca tenha
A solução de problemas é uma habilidade sido feito antes. O choro ocorre porque o relato
incrível, mas é tão generalizada e útil que os está mutuamente relacionado ao evento em si,
seres humanos acham extremamente difícil e não porque o relato foi diretamente associa-
discernir quando ela é útil e quando não é. do no passado a eventos aversivos.
Um modo de solução de problemas é restrito, Nós aplicamos naturalmente um modo
orientado para o futuro e o passado, algumas de solução de problemas da mente a eventos
vezes rígido, crítico e altamente literal. Ele é aversivos. É aversivo estar verbalmente cons-
restrito porque apenas respostas relacionais ciente dos eventos aversivos, e a mente hu-
que são relevantes para o problema são con- mana está sempre pronta para resolver esse
sideradas legítimas; é orientado para o futuro problema evitando, negando ou suprimindo
e o passado porque essas respostas relacionais pensamentos, sentimentos, lembranças ou
são aspectos da análise do problema e da ava- sensações corporais aversivos. Assim, um
liação das soluções possíveis para o problema; modo de solução de problemas da mente in-
algumas vezes é rígido porque pode pronta- flexível e indiscriminado irá alimentar o que
mente abordar todos os problemas humanos, são seguramente os dois maiores processos
exceto os limites da própria solução de pro- limitadores do repertório conhecidos na psi-
blemas verbal; é crítico porque precisam ser cologia humana: a excessiva governança por
feitas comparações com um objetivo; e é alta- regras e a esquiva experiencial.
mente literal porque os símbolos são tratados Felizmente, podemos criar contextos em
como se estivessem fortemente associados aos que linguagem e cognição funcionam de mo-
seus referentes. dos distintos. Podemos estabelecer um modo
O problema com a solução de problemas da mente diferente – engajamento atento – que
é que se trata de um modo da mente que não seja mais flexível e aberto às consequências da
sabe quando parar; com facilidade se torna ação, seja ele direta ou verbalmente adotado
excessivamente estendido. Pode desencorajar como significativo. Nesse modo, a linguagem
a intuição, a inspiração, a descrição e a obser- e a cognição são colocadas a serviço da obser-
vação desapaixonada, o engajamento, a apre- vação e da apreciação do fluxo e refluxo dos
ciação, a imaginação, a inteligência emocional eventos externos e internos, flexivelmente fo-
ou alguma outra forma de conhecimento e ex- cando a atenção e a ação em ações intrinseca-
periência que não seja temporal ou comparati- mente valorizadas. Para que essa abordagem
va. As contingências evolutivas (i.e., aprender seja possível, os contextos que alimentam a
como fazer o que funciona) não podem operar literalidade e seu modo de solução de proble-
na ausência de variação funcional, e as vidas mas da mente precisam ambos ser detectados
humanas rapidamente ficam travadas na falta e mudados. Como podemos fazer isso é um
de variação, incapazes de seguir em frente. dos temas deste livro. A RFT fornecerá uma
Consideremos o exemplo do autoconhe- boa orientação, como veremos.
cimento. Devido ao processo de implicação
mútua, sempre que um humano interage ver- Relevância clínica das
balmente com seu próprio comportamento, descobertas da RFT
o significado psicológico do símbolo verbal e
do comportamento em si pode mudar. A pro- Podemos resumir algumas das conclusões
priedade bidirecional torna útil a autocons- centrais de relevância aplicada que emergem
ciência, mas também a torna penosa. Uma do programa de pesquisa da RFT em sua apli-
Terapia de aceitação e compromisso 47
Neste capítulo, apresentamos um modelo uni- na sua base um encanamento comum, um pe-
ficado do funcionamento e da adaptabilidade queno número de canos e motores e um painel
humanos e mostramos sua relevância clínica. de circuitos comum. Todo esse encanamento e
Acreditamos que as seis características prin- equipamento elétrico escondido é a base para
cipais desse modelo são amplamente respon- tudo o que a fonte é capaz de fazer. Um peque-
sáveis pela adaptabilidade humana – ou, dito no número de processos é capaz de produzir
inversamente, pelo sofrimento humano. Tam- um número quase infinito de diferentes exibi-
bém fazemos algumas ligações com a ciência ções.
pertinente, relacionando o trabalho feito em Igualmente, na ACT, nosso foco não é na
laboratórios de ACT e RFT com o trabalho fei- miríade de exibições do sofrimento humano
to em outros domínios da ciência psicológica (sintomas e síndromes, ou coleções de sinto-
que se conectam com o tema. No próximo ca- mas), mas nos processos que controlam toda
pítulo, mostraremos como esses mesmos pro- a apresentação. O modelo de flexibilidade psi-
cessos podem ser usados para formular o caso cológica subjacente à ACT está focado em um
e planejar intervenções. conjunto limitado de processos coerentemen-
Conforme o definimos, um modelo unifi- te relacionados que contribuem para a adapta-
cado é um conjunto de processos coerentes que se bilidade humana e seu oposto, a psicopatolo-
aplica com precisão, escopo e profundidade a uma gia e o sofrimento humano.
ampla gama de problemas clinicamente relevantes
e a problemas do funcionamento e da adaptabili-
dade humanos. Pense em uma fonte que você OS OBJETIVOS DE
pode ter visto em um parque da cidade que UM MODELO UNIFICADO
seja capaz de proporcionar continuamente
diferentes padrões de exibição da água. Al- Conforme discutido nos Capítulos 1 e 2, a
guns deles saltam bem alto no ar, enquanto prova de fogo para qualquer modelo de trata-
outros interagem cuidadosamente sequencia- mento é a sua capacidade de lidar com interven-
dos jorrando com diferentes tipos de espirros. ções clinicamente significativas. É possível ge-
Cada exibição que você vê é planejada para ser rar protocolos amplamente aplicáveis – e as
única; é isso que torna a fonte esteticamente evidências sugerem que a ACT tem feito isso
atrativa. Em outro nível de análise, a fonte tem –, mas isso, de forma isolada, não consegue
Terapia de aceitação e compromisso 49
satisfazer nossa definição de um modelo uni- aos dois dígitos, seria muito complicado ser
ficado. Também é essencial que demonstre o clinicamente útil. Sem uma teoria subjacente
seguinte: (1) que os processos que suposta- adequada, não haveria nada que impedisse
mente explicam o impacto do tratamento de que alguma abordagem como essa tentasse
fato fazem isso; (2) que os principais proces- avaliar literalmente os escores das dimensões.
sos humanos que o modelo argumenta serem A classificação funcional dimensional requer
relevantes para o resultado são de fato rele- que foquemos nas dimensões prováveis de re-
vantes; e (3) que os componentes da inter- levância clínica conforme derivado pela ciên-
venção que são ditos importantes são de fato cia básica. A abordagem funcional contextual
importantes. Em outras palavras, os modelos busca utilidade ao limitar o seu número, asso-
psicológicos clínicos têm sucesso ou falham ciando-as aos processos básicos e organizan-
não apenas com base nos resultados, mas do-as em um modelo coerente. Acreditamos
também na identificação de processos de media- que agora o modelo da ACT se desenvolveu
ção, moderadores de resultados e componentes- suficientemente bem para satisfazer a todos
-chave, todos ligados à constante pesquisa básica esses critérios.
e clínica.
Um modelo unificado também precisa
mostrar que esses mesmos processos diferen- UMA VISÃO GERAL
ciam os membros funcionais dos membros DE UM MODELO
disfuncionais da população. Não é suficiente
mostrar que as populações clínicas têm um es- DE FLEXIBILIDADE
tilo de resposta particular – também é preciso PSICOLÓGICA
mostrar que segmentos mais saudáveis da po-
pulação diferem de alguma forma observável O modelo de flexibilidade psicológica é in-
no mesmo estilo de resposta. Outra maneira dutivo em sua natureza e está associado aos
de expressar essa exigência é que o modelo de processos humanos básicos derivados em
tratamento e o modelo de psicopatologia devem grande parte da ciência de laboratório. Por
estar integrados e associados a processos nucleares design, ele é simultaneamente um modelo de
comuns. psicopatologia, um modelo de saúde psicoló-
A ACT está baseada em uma abordagem gica e um modelo de intervenção psicológica.
dimensional da avaliação clínica que enfatiza Na Figura 3.1, em forma de hexágono, repre-
a natureza contínua do comportamento hu- sentamos os seis processos que contribuem
mano. Contudo, uma abordagem dimensional para a inflexibilidade psicológica: atenção
pode adicionar confusão se houver muitas di- inflexível; perturbação dos valores escolhi-
mensões e elas não forem de importância pri- dos; inação ou impulsividade; apego a um self
mordial e não estiverem organizadas em um conceitualizado; fusão cognitiva; e esquiva
todo coerente. Assim, um modelo unificado experiencial. A Figura 3.2 mostra os seis pro-
precisa escolher entre esses muitos processos dis- cessos centrais correspondentes que produ-
poníveis e organizar um subgrupo menor em uma zem flexibilidade psicológica: atenção flexí-
perspectiva coerente. É fácil observar esse fenô- vel ao momento presente; valores escolhidos;
meno. Suponha que comecemos a organizar ação de compromisso; o self-como-contexto;
a psicologia humana por características di- desfusão; e aceitação. O formato do modelo
mensionais aleatoriamente, agregando coisas e o foco na flexibilidade psicológica origina-
como idade, grau de compromisso religioso, ram o rótulo jocoso de “hexaflex”. Para o bem
grau de autoestima, grau de orientação exter- ou para o mal, o rótulo parece ter pegado.
na ou interna, etc. Quando essa lista chegasse Se o uso do termo o faz sorrir um pouco, não
50 Hayes, Strosahl & Wilson
se preocupe – ele também nos faz sorrir ape- viver, mas que as pessoas sofrem desneces-
sar do seu propósito sério. sariamente quando seu nível geral de rigidez
Nossa proposição principal é que esses psicológica as impede de se adaptar a con-
seis processos centrais são responsáveis pela textos internos e externos (veja a Figura 3.1).
promoção da flexibilidade psicológica e – na Ocorre sofrimento desnecessário quando pro-
ausência de um ou mais deles – pelo risco de cessos verbais/cognitivos tendem a restringir
rigidez psicológica. Ademais, defendemos os repertórios humanos em áreas essenciais
que a rigidez psicológica é a causa essencial ao longo do emaranhado cognitivo e da es-
do sofrimento e do funcionamento humano quiva experiencial. Quando as pessoas se
mal-adaptativo. Quantos clientes você verá identificam excessivamente, ou “se fundem”,
em psicoterapia que são capazes de se desa- com regras verbais impraticáveis, seu reper-
pegar de regras impraticáveis, de aceitar o tório comportamental se torna restrito e elas
que não pode ser mudado dentro e fora dele perdem o contato efetivo com os resultados
mesmo, de viver no momento presente e dar diretos da ação. Essa resposta inibe sua ca-
atenção ao que é relevante, de fazer contato pacidade de mudar o curso quando as estra-
com um senso de self mais profundo como tégias existentes não estão funcionando. Isso
um lócus de adoção de perspectiva e de es- também as faz serem mais persistentes ao
colher e explicar valores fortemente adotados tentarem analisar e entender a sua dificulda-
na vida e organizar suas ações na vida em de. Estar “certo” sobre o que está errado pode
torno desses valores? Diríamos que poucos, se tornar mais importante do que viver de ma-
se é que existem. neira vital e eficaz. Quando as pessoas se en-
O modelo de flexibilidade psicológica sus- gajam em esquiva experiencial, seu comporta-
tenta que a dor é uma consequência natural de mento fica sob controle aversivo, ou seja, elas
Atenção
inflexível
Perturbação dos
Esquiva
valores; dominância
experiencial
de “valores” pliant,
fusionados ou evitativos
Inflexibilidade
psicológica
Fusão Inação,
cognitiva impulsividade ou
persistência evitativa
Apego ao self
conceitualizado
Processos de compromisso
e ativação comportamental
Atenção flexível
ao momento presente
Aceitação Valores
Flexibilidade
psicológica
Desfusão Ação de
compromisso
Self-como-
-contexto
Processos de
mindfulness
e aceitação
estão primordialmente tentando evitar, supri- cem os “danos colaterais” (i.e., declínio nas
mir ou escapar de pensamentos, sentimentos, relações, esperanças e sonhos desfeitos, etc.)
lembranças ou sensações corporais. A esquiva Esses padrões tendem a sobrecarregar
causa mais restrição comportamental e perda processos atencionais flexíveis. Por exemplo,
gradual do contato com as consequências po- quando as pessoas não conseguem estar no
sitivas da resposta. Um ciclo de esquiva pode momento presente de modo flexível, fluido
se tornar dominante, no qual a necessidade de e voluntário, elas se tornam alvos fáceis de
manter a esquiva aumenta à medida que cres- ruminação, ansiedade, depressão e outros.
52 Hayes, Strosahl & Wilson
Momento
presente
Aceitação Valores
Desfusão Ação de
compromisso
Self-como-
-contexto
FIGURA 3.3 Os três estilos de resposta que compõem a flexibilidade psicológica. Copyright
Steven C. Hayes. Usada com permissão.
Terapia de aceitação e compromisso 55
da flexibilidade psicológica, estar psicologi- mente se tornar, pelo menos em parte, verbal
camente aberto é o remédio e um alvo para a para os humanos – simplesmente se pensando
intervenção. sobre ele.
Embora as discussões da ACT frequen- Em um sentido técnico, fusão cognitiva é
temente comecem com o tema da aceitação, um processo por meio do qual os eventos ver-
abordamos primeiro a desfusão devido à cen- bais exercem forte controle de estímulo sobre
tralidade da linguagem e da cognição no mo- a resposta, excluindo outras variáveis contex-
delo da flexibilidade psicológica e ao papel- tuais. Formulado de outro modo, fusão é um
-chave da fusão na esquiva experiencial. tipo de dominância verbal na regulação com-
portamental. Como os contextos que apoiam
o comportamento verbal são onipresentes,
Fusão e desfusão
tendemos a nos comportar verbalmente da
Os humanos vivem em um mundo inten- manhã à noite, constantemente descreven-
samente verbal. Essa ênfase verbal é bem do, categorizando, relacionando e avaliando.
reconhecida, porém os processos exatos en- Em nosso modo de mente normal, as funções
volvidos com frequência não são descritos. da palavra estão fusionadas com (etimolo-
Considera-se que esses processos, designados gicamente, “vertidas junto com”) aquelas
em geral como “mentais”, residem em nossas que derivam de pensamentos e descrições.
“mentes”. Como uma questão técnica, quando À medida que o comportamento se torna cada
falamos aqui de “mentes”, estamos nos refe- vez mais direcionado pelas relações com es-
rindo ao repertório de atividades relacionais tímulos derivados, a experiência direta de-
(i.e., verbais ou cognitivas) do indivíduo, tais sempenha um papel menor. A fusão dificulta
como avaliação, categorização, planejamen- a distinção entre os dois. Começamos a res-
to, raciocínio, comparação, referenciamento, ponder às nossas construções mentais como
etc. Embora utilizemos a palavra como um se estivéssemos respondendo diretamente a
substantivo, mente, ela não é um objeto físico uma situação física.
específico. O “cérebro” é isso – repleto de ma- Isso não é necessariamente ruim. Se gri-
téria cinzenta e branca, estruturas do mesen- tarmos “Cuidado!” para uma pessoa que está
céfalo e afins –, mas a mente é um repertório prestes a tropeçar em alguma coisa, não há
comportamental, e não um órgão específico. por que querer que naquele instante os es-
Minding seria um termo mais preciso e com- tímulos verbais estejam equilibrados com
plicado. outras fontes de regulação comportamental.
O comportamento verbal é uma ferramen- Da mesma forma, se você estiver preparando
ta maravilhosa para interagir efetivamente seu imposto de renda, permitir que seu foco
no e com o mundo, mas ele pode se sobrepor mental esteja colocado inteiramente na ade-
a todas as outras formas de atividade. Depois quação entre os números relevantes e as regu-
de estabelecidas, as relações verbais ocorrem lações dos impostos não causa nenhum pre-
com pouco apoio ambiental deliberado contí- juízo. Entretanto, quando a fusão não é útil,
nuo, uma vez que muitas das consequências é importante ter alternativas. A vida cotidiana
que o mantêm – busca de sentido, solução de normal pode nunca estabelecer essa alternati-
problemas, narração, etc. – estão praticamen- va, já que há pouco para garantir que as habi-
te integradas à linguagem e à cognição depois lidades de desfusão sejam aprendidas. Fazer a
que as habilidades são estabelecidas. Não há fusão cognitiva ficar sob controle do cliente é um dos
nada no mundo da experiência humana que propósitos principais da abordagem da ACT.
“a mente” não possa alcançar. Mesmo o evento Quando pensamos em um pensamento
mais obviamente “não verbal” pode rapida- particular, o que surge são algumas funções de
56 Hayes, Strosahl & Wilson
estímulo dos eventos relacionados ao pensa- rigo e obter apoio social. Parece altamente im-
mento. Suponha que um cliente com transtor- provável que a linguagem tenha evoluído para
no de pânico que fará uma apresentação em promover autoatualização, felicidade pessoal
algumas semanas esteja ficando gradualmen- ou apreciação estética. Nenhuma vantagem
te aterrorizado. Suponha que ele imagine que evolucionária teria sido obtida por lembrar os
vai perder o controle quando estiver no palco organismos do quanto estão seguros e satisfei-
à frente de centenas de pessoas. Em um estado tos ou para ajudá-los a apreciar um pôr do sol
fusionado, esse desfecho negativo irá parecer bonito. Um modo de solução de problemas da
imediatamente presente e altamente provável. mente é uma ferramenta muito poderosa. Isso
A pessoa pode ter imagens vagas de perda do explica, pelo menos em parte, por que os seres
controle ou imaginar o choque, o horror e os humanos tomaram conta do planeta.
risos sarcásticos que seu comportamento pro- Lamentavelmente, esse modo da mente é
vocaria no público. Ansiedade é uma respos- difícil de ser interrompido. Considere o que
ta natural a eventos aversivos imediatamente acontece quando uma pessoa está perdida.
presentes, e, quando ocorrem esses pensa- Nessa situação, a pessoa olha para ver como
mentos fusionados, o próprio pensamento chegou ali e determina a distância entre a
pode ocasionar sintomas de pânico. Essa rea- localização atual e onde ela quer estar. Mark
ção, por sua vez, perpetua o constrangimento Williams (2006), um dos criadores da terapia
imaginado e, então, se funde com esses atos cognitiva baseada em mindfulness, chama essa
em pensamento como se a característica as- abordagem de “um modo da mente baseado na
sustadora do mundo tivesse sido descoberta, discrepância”. A maioria das funções da lin-
e não construída. O evento imaginado na ver- guagem envolvidas nesse processo tem pouco
dade não aconteceu; no entanto, a fusão dos a ver com o “aqui e agora”; ao contrário, elas
símbolos verbais com o evento permite que al- estão baseadas na previsão e na comparação.
gumas das propriedades funcionais do evento Alguns dos pensamentos que geramos como
estejam realmente presentes em um sentido parte desse processo de solução de problemas
psicológico. Sem jamais ter tido que revisitar podem ser improdutivos, porém, nesse modo
a situação de alto risco (p. ex., a pessoa pode, da mente, o conteúdo dos pensamentos está
na verdade, nunca ter feito uma apresentação mais intimamente relacionado às emoções
antes), a fusão possibilita que o cliente já te- e às ações, e a aplicação prática dos pensa-
nha tido um ataque de pânico “enquanto faz mentos é menos um ponto focal do que sua
uma apresentação”. Segundo uma perspecti- suposta verdade. Como resultado, as pessoas
va da ACT, não é o pensamento em si que é o ficam mais emaranhadas e vivem mais em
problema, mas a fusão involuntária com ele e suas cabeças. Na verdade, a mídia moderna
a resultante esquiva do dano real. parece estar encorajando um estado da mente
Até certo ponto, a fusão está inserida na lin- fusionado, à medida que o público está cada
guagem humana e em suas funções sensíveis vez mais sendo exposto a um discurso crítico
evolucionárias. É provável que a linguagem emocionalmente carregado. Talvez em conse-
tenha-se desenvolvido inicialmente como uma quência, nosso maior acesso à mídia eletrôni-
forma de controle social, cooperação e sinali- ca prediga mais estigma e viés (Graves, 1999).
zação de perigo e, depois, gradualmente tenha-
-se expandido, tornando-se uma ferramenta Relevância clínica da fusão-desfusão
geral para a solução de problemas. Como diz o
ditado, “É melhor perder o almoço do que ser Os tipos precedentes de fenômenos relaciona-
o almoço”. A linguagem expande enormemen- dos à fusão são o alvo de muitas formas de te-
te nossa habilidade para detectar e evitar o pe- rapia. De fato, eles são precisamente o motivo
Terapia de aceitação e compromisso 57
contextos, “por favor, bata palmas” funciona Esquiva experiencial versus aceitação
para produzir ações específicas com as mãos,
e mesmo que este possa não ser um contexto As molduras relacionais são mútuas ou bi-
normal para tais ações (já que a compreensão direcionais. Essa característica prontamen-
da leitura de um livro normalmente não re- te transforma o autoconhecimento em luta
quer um comportamento motor), você ainda interna porque é muito automático e natural
pode sentir a atração. Há maneiras de reduzir descrever e avaliar nossa própria história,
a atração. Se você disser, escrever ou digitar sensações físicas, pensamentos, sentimentos
“bata palmas” 100 vezes rapidamente, essa e predisposições comportamentais. Eventos
função pode ser consideravelmente reduzida. verbais relacionados a eventos aversivos são
Ela também pode ser reduzida se você notou frequentemente experimentados como aversi-
que CLAP (= bata palmas) de trás para frente vos. Recordar uma rejeição não é, em si, uma
é PALC, ou que de cabeça para baixo se parece rejeição, mas com frequência tomamos uma
com CTVb, ou se você a verbalizou tão len- atitude direta contra tais experiências priva-
tamente que levou 10 segundos, ou qualquer das, com efeito transformando-as no inimi-
outra coisa entre as dúzias de outros proce- go. Se os clientes são solicitados a olhar à sua
dimentos que podem enfraquecer a ilusão de volta na sala de terapia, em geral conseguem
literalidade mantida pela comunidade da lin- encontrar muito para avaliar de forma nega-
guagem e suas práticas. Nossa experiência é a tiva com apenas alguns minutos de esforço.
de que os clientes podem rapidamente gerar O fluxo constante de avaliação é aplicado tão
novos métodos na terapia depois que a ilu- prontamente a nós mesmos quanto ao nosso
são da linguagem é penetrada e a natureza e ambiente. Contudo, ver uma porta feia ou um
o propósito da desfusão são mais compreen- tapete feio não nos afeta da mesma forma que
didos. Um estudo recente encontrou um forte ver um pensamento feio ou uma emoção feia
efeito de desfusão na tolerância à dor ao fazer porque, no primeiro caso, você pode sair da
os participantes lerem uma declaração em voz sala. Você não pode sair do seu corpo ou da sua
alta enquanto andavam pela sala. Qual foi a história. A linguagem nos prepara para lutar
declaração? “Não posso andar por esta sala.” com o mundo interno.
(McMullen et al., 2008). Ocorre esquiva experiencial quando uma
Um contexto que apoia que sejam dadas pessoa não está disposta a entrar em con-
razões verbais para o comportamento tende tato com experiências privadas particulares
a aumentar a fusão, o que provavelmente é (p. ex., sensações corporais, emoções, pen-
o motivo pelo qual essas pessoas são mais samentos, lembranças, predisposições com-
difíceis de tratar (p. ex., Addis & Jacobson, portamentais) e toma atitudes para alterar a
1996). Contudo, podemos reduzir o incenti- forma, a frequência ou a sensibilidade situa-
vo para a apresentação de razões na terapia. cional dessas experiências, mesmo que isso
Mesmo o impacto psicológico positivo da não seja imediatamente necessário. Introdu-
reavaliação cognitiva depende de processos zimos o termo algum tempo atrás (Hayes &
de flexibilidade psicológica (Kashdan, Bar- Wilson, 1994; Hayes, Wilson, Gifford, Follete,
rios, Forsyth, & Steger, 2006); assim, mesmo & Strosahl, 1996) para destacar os perigos de
quando precisamos lidar diretamente com uma abordagem fechada, rígida e defensi-
conteúdo cognitivo, podemos fazer isso de va ao mundo interno. Desde então, o termo
uma forma que seja sensível à função e ao se tornou rotineiro na literatura psicológica,
contexto. Existem alternativas contextuais com centenas de estudos conduzidos. Termos
para os problemas cognitivos que enfrenta- como esquiva emocional ou esquiva cognitiva são
mos como seres humanos. algumas vezes usados em vez do termo mais
Terapia de aceitação e compromisso 59
genérico quando existem os tipos de experiên- 115). A Gestalt-terapia defende que “ocorre
cias privadas dos quais a pessoa procura esca- disfunção quando as emoções são interrom-
par ou tenta evitar ou modificar. pidas antes que possam ingressar na cons-
Há um crescente corpo de evidências de- ciência” (Greenberg & Safran, 1989, p. 20).
monstrando que a esquiva experiencial está Os psicólogos existenciais focam na esquiva
associada a uma impressionante variedade de de um medo da morte: “para lidar com esses
psicopatologias e problemas comportamen- temores, erguemos defesas... que, se mal-
tais (para revisões, veja Chawla & Ostafin, -adaptativas, resultam em síndromes clíni-
2007; ou, para flexibilidade de forma mais cas” (Yalom, 1980, p. 47).
ampla, veja Kashdan & Rottenberg, 2010). Não estamos argumentando que a esquiva
Uma metanálise (Hayes et al., 2006) mostrou experiencial é sempre tóxica. Em alguns con-
que os níveis de esquiva experiencial, confor- textos circunscritos (p. ex., trabalhar como
me medidos pelo Questionário de Aceitação e enfermeiro em uma sala de emergência), a es-
Ação, representam de 16 a 28% da variância quiva de eventos privados pode ser adaptati-
nos problemas de saúde comportamental em va (Mitmansgruber, Beck, & Schübler, 2008).
geral. A esquiva experiencial compartilha al- Mais do que as estratégias de esquiva em si,
guns atributos em comum com vários outros é a sua aplicação indiscriminada que tem
conceitos na literatura contemporânea, tais maior impacto na adaptabilidade humana
como desregulação (Gratz & Roemer, 2004), (Bonnano, Papa, LaLande, Westphal, & Coif-
intolerância ao estresse (Brown, Lejuez, Kah- man, 2004). O problema é que as estratégias
ler, & Strong, 2002), intolerância à incerteza de esquiva são altamente resistentes à extin-
(Dugas, Freeston, & Ladouceur, 1997), su- ção (Luciano et al., 2008) porque são mantidas
pressão cognitiva e emocional (p. ex., Wenz- pelas reduções nos estados aversivos internos,
laff & Wegner, 2000) e mindfulness (Bear et al., como ansiedade, medo, tristeza ou raiva.
2008), entre outros. Os pesquisadores es- Lamentavelmente, essas experiências evita-
tão ocupados em distinguir esses conceitos e das com frequência retornam rapidamente e
comparar suas contribuições relativas (p. ex., são experimentadas como mais angustiantes
Kashdan et al., 2006; Karekla & Panayiotou, e dominantes do que antes. Como os com-
2011), mas, até o momento, as revisões abran- portamentos de esquiva são aprendidos em
gentes parecem concordar que a esquiva expe- condições de controle aversivo, é maior a pro-
riencial integra aspectos-chave do comporta- babilidade de que sejam aplicados de forma
mento que perpassam esses outros conceitos rígida, independentemente do contexto atual
(p. ex., Chawla & Ostafin, 2007). (Filkman, Lazarus, Gruen, & DeLongis, 1986).
Os custos e os perigos da esquiva expe- Assim, embora a esquiva experiencial pos-
riencial têm sido reconhecidos implícita ou sa funcionar em algumas situações restritas,
explicitamente na maioria dos sistemas de a estratégia provavelmente se tornará sobre-
terapia. Os terapeutas comportamentais re- aprendida e será aplicada a contextos em que
conhecem que “o fenômeno geral da esquiva a esquiva experiencial é ineficaz ou até mes-
emocional é uma ocorrência comum; eventos mo prejudicial. Por exemplo, adquirir rique-
desagradáveis são ignorados, distorcidos ou zas pode não ser intrinsecamente prejudicial,
esquecidos” (Foa, Steketee, & Young, 1984, mas pode ser quando está associado a esquiva
p. 34). A terapia centrada no cliente enfatiza a experiencial (Kashdan & Breen, 2007).
importância de trabalhar com os clientes para A natureza mútua ou bidirecional das mol-
que sejam capazes de se tornar “mais aberta- duras relacionais torna a esquiva experiencial
mente conscientes dos próprios sentimentos básica para a existência humana. Imagine
e atitudes tal como existem” (Rogers, 1961, p. que uma sobrevivente de trauma sexual seja
60 Hayes, Strosahl & Wilson
solicitada a descrever esse trauma. Ao fazer avaliados de acordo com a intensidade com
isso, haverá uma transformação de funções que expressam estados afetivos negativos
do estímulo entre o relato e o trauma. Quando (p. ex., “Ela é um bom bebê, não chora nun-
a sobrevivente do trauma descreve o que ca”). Punição e reforço costumam ser distribu-
aconteceu, algumas das funções originais do ídos de acordo com a habilidade de controlar
evento irão aparecer. Assim, contar a história e suprimir pelo menos os sinais externos de
será, por si só, experimentado como aversivo – estados emocionais aversivos (“Pare de chorar
é penoso falar sobre experiências penosas. ou vou lhe dar motivo para chorar”). Os irmãos
Emoções humanas que são avaliadas e colegas de escola apoiam o constante contro-
negativamente ou que emergem de even- le intencional dos pensamentos, lembranças
tos aversivos também tendem a ser evitadas. ou emoções. Declarações como “Não seja um
Ansiedade, por exemplo, é uma resposta na- bebê chorão” ou “Não dê bola para X” serão re-
tural a eventos aversivos. Em organismos não forçadas por uma variedade de consequências
verbais, a ansiedade em si não é ruim porque mediadas socialmente (p. ex., ridicularização,
a resposta e o evento que a produz não estão humilhação, admiração por “suportar”).
mutuamente relacionados. Não há nada na A mídia moderna ampliou em grande me-
literatura experimental animal que sugira que dida nossa exposição ao horror e ao trauma, ao
organismos não verbais naturalmente evitem mesmo tempo em que apoia de modo osten-
suas respostas a eventos aversivos; em vez dis- sivo estratégias de esquiva experiencial, seja
so, eles evitam os próprios eventos aversivos na forma de uma pílula, seja na forma de uma
(ou situações que confiavelmente os predi- cerveja, um carro reluzente ou um escapismo
zem). Suas respostas emocionais ocorrem de- simples. O que está ocorrendo aqui é a exten-
pois dos eventos aversivos ou seus correlatos são social de um processo psicológico. O pro-
– elas não predizem a aproximação desses cesso não é novo – apenas está sendo promovi-
eventos. No entanto, a linguagem humana é do mais eficientemente na era da internet.
bidirecional, e isso é suficiente para colocar
um alvo nas costas de qualquer emoção difícil. Relevância clínica da esquiva
Ansiedade é ruim; livrar-se dela é bom. experiencial-aceitação
A tendência natural à esquiva experiencial
também é amplificada pela comunidade ver- A relevância clínica do processo de esquiva
bal. Ver a emoção negativa nos outros é aversi- fica clara quando levamos em consideração
vo para cada um de nós. Os pais e outras pesso- que a maioria dos clientes chega à terapia
as há muito tempo usam pliance para reduzir a se queixando de emoções e, implícita ou ex-
expressão de emoções negativas nas crianças plicitamente, preocupada por não conseguir
(porque ela é aversiva), mas com frequência controlá-las. Queixas clínicas comuns como
eles dizem que estão pedindo que a criança “Não consigo controlar minha depressão” ou
mude a própria emoção, não a sua expressão. “Sou muito ansioso” assumem essa forma.
Por exemplo, costuma-se dizer a crianças que Porém, a realidade é que os eventos privados
estão amedrontadas: “Vá dormir! Não há nada são mal regulados e a dificuldade de controlá-
do que ter medo!”, e provavelmente elas irão -los ou modificá-los pode facilmente ser pre-
concluir que elas podem e devem voluntaria- judicial porque pode se tornar supressora e
mente eliminar o medo. As emoções negati- restringir o repertório.
vas per se serão nomeadas como os criadores A esquiva consciente e deliberada de even-
de caso. Normalmente, é dito às crianças que tos privados é altamente provável em várias
elas podem e devem controlar estados afeti- situações que costumam ser encontradas no
vos negativos. Mesmo os bebês costumam ser trabalho clínico, como os exemplos a seguir:
Terapia de aceitação e compromisso 61
1. O processo de controle deliberado contradiz o re- vel que desapareçam, pelo menos não de for-
sultado desejado. São vários os exemplos dessa ma saudável. As estratégias necessárias para
situação nos quais a esquiva produz o oposto suprimir inteiramente tais eventos são quase
do seu objetivo declarado. Quando é solicita- sempre autodestrutivas (i.e., entorpecimento
do aos sujeitos que suprimam um pensamento com uso de álcool ou drogas) e acabam por si
ou emoção, eles posteriormente apresentam só produzindo dificuldades.
aumento nesse pensamento ou sentimento
3. A esquiva é possível, mas realizá-la implica cus-
suprimido quando comparados com aqueles tos significativos. Suponha que uma lembrança
que não receberam instruções para supressão seja evitada pela esquiva de todas as situações
(veja Wenzlaff & Wegner, 2000). Essa retoma- que podem provocá-la. Essa abordagem pode
da é maior em contextos em que a supressão reduzir a frequência da lembrança, mas tam-
ocorreu ou, de forma alternativa, no mesmo bém pode limitar terrivelmente a vida da pes-
estado psicológico que prevaleceu quando a soa. Por exemplo, uma sobrevivente de abuso
supressão ocorreu originalmente. sexual ou de violência doméstica pode evitar
Há discordância sobre o motivo pelo qual todos os relacionamentos íntimos.
ocorre esse fenômeno, mas é sabido que a su-
pressão aumenta a saliência das pistas relacio- 4. O evento não pode ser mudado. Algumas vezes,
nadas ao item suprimido. Além disso, as regras o controle experiencial é colocado a serviço de
inevitavelmente fazem referência ao item a ser eventos imutáveis. Por exemplo, uma pessoa
suprimido. “Não pense em carros vermelhos” pode adotar a perspectiva de que “Não posso
contém as palavras carros vermelhos, e o pró- aceitar que meu pai foi morto” e irá consumir
prio fato de mencioná-las nos inclina a pen- drogas para aliviar sua dor. A dor é uma reação
sar nelas. Com frequência, as próprias regras natural em perdas como essa, mas o consumo
de supressão contêm consequências explícitas de nenhuma quantidade de droga irá alterar
ou implícitas que colocam em destaque o item a situação ou a perda. Nessas situações, ne-
suprimido. O alerta ou ameaça “Não fique an- nhum esforço irá resultar em redução ou al-
sioso, ou sua vida acabou” provavelmente irá teração dos eventos privados. Quando ocorre
despertar ansiedade da mesma forma que o uma perda que não pode ser mudada, a coisa
fará uma pessoa portando uma arma e dizen- saudável a ser feita é sentir plenamente o que
do “Sua vida acabou”. sentimos. Esse processo incluirá perda e luto.
Pode incluir muitas outras coisas também,
2. O evento a ser controlado não é regido por regras. como rir de coisas engraçadas que a pessoa fez
Eventos privados que são condicionados dire- ou valorizar o que ela criou em vida. A questão
tamente não são eliminados de forma rápida é de flexibilidade.
por regras verbais. Nessas circunstâncias,
as tentativas de controle intencional baseado 5. O esforço de mudança por si só é uma forma
em regras podem ser inúteis porque o pro- de comportamento contraditório com o objetivo
cesso subjacente não é regulado verbalmente. do esforço de mudança. O comportamento de
O evento pode mudar – mas não necessaria- controle de alguma coisa tem um significado.
mente da maneira pretendida. Por exemplo, Algumas vezes, significa o oposto do seu pro-
suponha que uma pessoa esteja extremamen- pósito. Uma pessoa que se esforça muito para
te angustiada pela lembrança de um ataque de ser espontânea, na realidade, não está sen-
pânico difícil e tente fazer de tudo para elimi- do nada espontânea. Confiança é outro bom
nar essa angústia. As lembranças são algumas exemplo, já que tantos clientes não a têm,
vezes eventos espontâneos desencadeados por a desejam e parecem incapazes de atingi-la.
uma ampla gama de estímulos, e é imprová- A etimologia da palavra confiança ajuda a
62 Hayes, Strosahl & Wilson
mostrar por quê. Con- significa “com” e –fian- Aceitação, conforme usamos o termo, se re-
ça vem do latim fides, que é a raiz das palavras fere tanto à disponibilidade comportamental
fidelidade e fé. “Confiança” literalmente signi- quanto à aceitação psicológica. Disponibili-
fica “com fidelidade” ou “com fé” – em suma, dade* é a escolha voluntária e baseada em valores
significa ser verdadeiro consigo mesmo. O ato de permitir ou manter contato com experiências
de fugir de sentimentos assustadores no esfor- privadas ou os eventos que provavelmente irão
ço de se sentir mais confiante não é uma ação ocasioná-las. Aceitação psicológica é a adoção
confiante porque o próprio ato não inclui fé de uma postura intencionalmente aberta, recepti-
em si mesmo ou fidelidade a si mesmo. Quan- va, flexível e não crítica com respeito à experiência
do estão presentes sentimentos assustadores, momento a momento.
a ação mais funcionalmente confiante que po- Sem disponibilidade, é improvável que
demos ter é senti-los plenamente. Em outras esteja presente a aceitação no sentido a que
palavras, aceitação experiencial é o comporta- nos referimos. Aceitação não é resignação
mento de confiança. ou tolerância – é um processo ativo. Harris
As situações mencionadas são todas con- (2008) é sensível à distinção quando usa o
traindicações para o controle deliberado do termo melhoria em vez de aceitação. De fato,
conteúdo experiencial como estratégia de en- usamos esse termo clinicamente, sobretudo
frentamento. As respostas emocionais huma- para evitar que a aceitação conduza a uma
nas são apenas ecos da nossa própria história qualidade passiva (mais como tolerância) que
que está sendo trazida até o momento pre- não está relacionada a resultados positivos na
sente pelo contexto atual. Se nossas reações saúde (Cook & Hayes, 2010; Kollman, Brown,
estão enraizadas em nossa história e são nos- & Barlow, 2009). A ligação entre disponibili-
sas inimigas, então nossa história se tornou dade e aceitação é tão grande que esses termos
nossa inimiga. Não existem boas tecnologias são frequentemente usados como sinônimos
para remover a história de uma pessoa, pelo na literatura da ACT, mas pode ser feita uma
menos não seletivamente. O tempo e o siste- distinção útil. Por exemplo, um cliente pode
ma nervoso humano se movem em uma dire- se colocar disponível (p. ex., uma pessoa que
ção – não em duas –, e as novas experiências sofre de fobia social pode entrar em uma si-
são sempre acrescentadas, nunca subtraídas. tuação social de forma intencional) e ainda
Para evitar reações emocionais automáticas, assim não praticar aceitação (i.e., a pessoa
temos que distorcer nossas vidas de tal forma imediatamente tentou suprimir a ansiedade
a ficarmos psicologicamente sem contato com quando ela apareceu).
nossa própria história. É por isso que a esqui- A aceitação não é prontamente regida por
va experiencial leva não só a emoções negati- regras. As instruções para adotar uma atitu-
vas restringidas, mas também à ausência de de de abertura, curiosidade e flexibilidade
emoções positivas (Kashdan & Steger, 2006) normalmente trazem consigo um propósito
e à falta de diferenciação e flexibilidade emo- de solução de problemas, que é exatamen-
cional saudável (Kashdan, Ferssizidis, Collins, te o que aceitação não é. Os clientes até po-
& Muraven, 2010). A alternativa, embora difí- dem, no início, tentar usar “aceitação” ain-
cil de implementar, é contornarmos e adotar- da como outra estratégia para controlar ou
mos nossa experiência imediata sem críticas e eliminar eventos psicológicos indesejados
sem conflito. Esse ato pode, por sua vez, alte- (“Se eu permitir que a minha experiência este-
rar as emoções gradualmente – mas de manei- ja simplesmente ali por tempo suficiente, ela
ra inclusiva e aberta em que todos os aspectos irá embora”). Quando a aceitação está ligada
da nossa história são bem-vindos para fazer
parte da jornada. * N. de R.T.: Em inglês, willingness.
Terapia de aceitação e compromisso 63
soa que, quando notar esse estado mental se Apego a um self conceitualizado
aproximando, traga a atenção de volta à sua
respiração. Em outras palavras, são tomadas
versus consciência contínua
providências para manter esse modo de so- e tomada de perspectiva
lução de problemas da mente fusionado em
A psicologia tem uma história longa e um
extinção. A mente pode ser quase diabólica ao
tanto obscura de tentar desenvolver e testar
seduzir as pessoas para um modo de solução
teorias de autoexperiência. Termos como au-
de problemas da mente fusionado. Por exem-
toconceito ou autoestima já foram usados de
plo, a mente pode dizer: “Não estou fazendo
muitas maneiras, com frequência atrelados
isso direito” ou (ainda mais sedutora, algumas
a explicações de traços do comportamento.
vezes) “Cara, hoje estou fazendo um bom tra-
Em geral, essas teorias enfatizam a autoexpe-
balho meditando!”. Esses pensamentos po-
riência como um tipo de “coisa” – assim como
dem ser notados, e a atenção trazida de volta
poderíamos tratar atributos da personalidade
para a respiração, mas, se a resposta seguinte
como uma coisa. Muitas tradições terapêuti-
for “O que foi que o meu instrutor de medita-
cas enfatizam a necessidade de alterar o auto-
ção disse antes?” ou “Espero conseguir conti-
conceito como forma de promoção da saúde
nuar melhorando”, então “o pássaro já fugiu
psicológica. Esse ponto de vista implica que o
da gaiola” – isto é, a atenção foi desviada do
autoconceito é diretamente acessível via com-
presente e da observação dos pensamentos no
portamento verbal e é receptivo a interven-
presente quando eles ocorrem e, em vez disso,
ções diretas ou racionais. Por exemplo, a baixa
foi direcionada para um fluxo de linguagem
autoestima pode ser pensada como resultado
fusionada. A solução para esse enigma é a
de pensamento ilógico (e assim por diante).
prática – praticar a observação e gentilmente
Embora nossos clientes com frequência
redirecioná-la. De forma repetida, pequenas
estejam familiarizados com seus relatos de
sequências dessa prática ensinam a prestar
self construídos verbalmente, estão muito
atenção como uma habilidade geral que vai
menos familiarizados com autoconsciência
além do conteúdo da experiência.
contínua e ainda menos em contato com o
Como um tema científico, sabemos que os
aspecto mais espiritual do self – a tomada de
métodos de aceitação e mindfulness alteram
perspectiva baseada no “eu/aqui/agora” da
significativamente habilidades atencionais
experiência da consciência. A ACT distin-
básicas (Chambers, Chuen Yee Lo, & Allen,
gue três tipos principais de “autoexperiência”
2008; Jha, Krompinger, & Baime, 2007). De
(Barnes-Holmes, Hayes, & Dymond, 2001;
fato, a terapia cognitiva baseada em mindful-
Hayes & Gregg, 2000; Hayes, Strosahl et al.,
ness originalmente seria nomeada como “tera-
1999b). Certamente existem mais tipos, mas
pia do controle atencional”,** ou ACT (como
aqui estamos interessados somente naquelas
isso teria sido confuso!). A terapia metacog-
formas de autorrelação que produzem vários
nitiva (Wells, 2008) desenvolveu muitos mé-
tipos de autoconhecimento. Esses três tipos
todos inteligentes para ensinar habilidades de
são o self conceitualizado (ou o self-como-
regulação da atenção. Os profissionais da ACT
-conteúdo), a autoconsciência contínua (ou o
(terapia de aceitação e compromisso) estão
self-como-processo) e a tomada de perspecti-
dispostos e ávidos por adotar esses desenvol-
va (ou o self-como-contexto).
vimentos porque são inteiramente consisten-
tes com o modelo de flexibilidade psicológica
(p. ex., Paez-Blarrina et al., 2008a, 2008b).
O SELF CONCEITUALIZADO
Quando as crianças começam a adquirir lin-
** N. de R.T.: Em inglês, attentional control therapy. guagem, são ensinadas a categorizar a elas
66 Hayes, Strosahl & Wilson
mesmas e suas próprias reações. Elas são me- lizado no singular, é importante lembrar que
ninos ou meninas, felizes ou tristes, com fome há muitas versões construídas para se adequar
ou não. Duas coisas acontecem como resulta- aos propósitos sociais de vários contextos na
do de tal treinamento. Primeiro, as crianças vida. Por exemplo, se incentivada a “Conte-me
aprendem a diferenciar e a categorizar suas um pouco sobre você”, a auto-história de uma
próprias reações e disposições comportamen- pessoa pode variar muito, dependendo de se
tais – a base da autoconsciência – tecendo as o questionador é um especialista de recursos
várias características em histórias integra- humanos em uma entrevista de emprego ou
das – a base de uma auto-história. Segundo, um novo conhecido em uma reunião social.
elas aprendem a fazer relatos verbais a partir Muitas coisas estão incluídas nas auto-
de uma perspectiva consistente e a distinguir -histórias que contamos: avaliações, causas e
essa perspectiva da perspectiva dos outros. efeitos, emoções e reações à história. Muitas
O self conceitualizado é o subproduto dire- dessas características são amplas e difíceis de
to do treinamento em nomeação, categoriza- mudar. As explicações das relações de causa e
ção e avaliação. É o tipo de autorrelação com efeito baseadas historicamente, quando vistas
o qual é mais provável que estejamos fundi- pela linguagem, são vistas como “fatos”. Ou-
dos. Nós, humanos, não vivemos meramente tros membros da comunidade verbal apoiam
no mundo – nós interagimos com ele verbal e esses “fatos” – em parte porque eles também
cognitivamente. Nós o interpretamos, cons- têm uma auto-história baseada em “fatos” que
truímos narrativas sobre ele e o avaliamos. podem ser extraídos de suas histórias. Com o
Os clientes invariavelmente formularam suas tempo, facilitados pela fusão, tornamo-nos
características pessoais no que Adler designou apegados ao processo de classificação e avalia-
como uma “lógica privada”. Eles contaram ção autorreflexiva, quase como se essas histó-
histórias, formularam sua história de vida, rias definissem quem nós somos. Nesse estado
definiram seus atributos dominantes, avalia- fusionado, qualquer ameaça à história é uma
ram esses atributos, compararam seus atri- questão de vida ou morte. Tentamos viver de
butos com os de outras pessoas, construíram acordo com essa visão construída de nós mes-
relações de causa e efeito entre sua histó- mos. Escondemos nossos segredos dos outros
ria e os atributos, etc. Conforme descrito no ou até de nós mesmos. Tentamos viver dentro
Capítulo 2, as relações derivadas entre estí- das histórias, sejam elas grandiosas ou terrí-
mulos podem prontamente dominar outros veis. Tentamos nos tornar o que dizemos que
processos comportamentais. somos. O ego desembarcou!
No modo de solução de problemas da men- Diversos fatores promovem a dominân-
te, self é um tipo de objeto conceitualizado. cia verbal desse tipo de autoconhecimento.
As pessoas se descrevem em termos de seus Primeiro, a derivação faz parte da resposta
papéis, história, disposições e atributos, como emocional. Entre outras implicações, essa ob-
“Eu sou um cara legal” ou “Estou deprimido” servação significa que as redes relacionais que
ou “Eu sou bonito”. Uma miríade de declara- são consistentes são inerentemente mais auto-
ções como essas se une como um tipo de histó- apoiadoras porque cada parte da rede pode ser
ria (ou conjunto de histórias) de quem somos usada para derivar outras partes que podem ter
nós. “Eu sou como sou porque fui abusado” ou sido enfraquecidas com o tempo. Pessoas com
“Sou uma pessoa crítica, como meu pai”. Uma deficiência cognitiva podem rapidamente con-
frase simples como “Sou uma pessoa que...” fabular nessa base, com os fragmentos de uma
pode gerar dúzias, até mesmo centenas, des- auto-história que são conhecidos sendo usados
sas autodescrições aparentemente acuradas. para preencher as lacunas que não são conhe-
Embora seja mais fácil falar do self conceitua- cidas. Em segundo lugar, temos uma histó-
Terapia de aceitação e compromisso 67
é verdadeira, em parte, porque muito da nossa contínua (o que os skinnerianos rotulam como
socialização sobre o que fazer em situações na “tatos”). O self conceitualizado envolve a inte-
vida está associado a um processo contínuo gração das observações e descrições a uma
de autoconsciência verbal. A conversa emo- autonarrativa avaliativa. Em contraste, o self
cional é talvez o exemplo mais claro. Raiva, como processo está baseado nas ações rela-
ansiedade ou tristeza são muito variadas nas cionais simples de notar o que está presente,
histórias que lhes dão origem, mas, dentro de sem fusão ou defesas desnecessárias. É este
cada uma, elas são bastante semelhantes em último sentido de self que é estimulado pelas
suas implicações sociais e psicológicas. Um intervenções da ACT.
indivíduo que não é capaz de estar conscien- Segundo uma perspectiva comportamen-
te de estados comportamentais contínuos não tal, autoconsciência consiste em responder
consegue abordar as circunstâncias altamente ao próprio responder. Skinner (1974) usou o
variáveis e voláteis que a vida diária apresen- exemplo da visão. A maioria dos animais não
ta. Considere, por exemplo, uma jovem que humanos “vê”, mas os humanos, exclusiva-
foi abusada sexualmente durante muitos anos mente, também veem o que veem.
pelo pai. Suponha que durante todo esse pe-
ríodo as expressões de emoção associadas a Há uma... diferença entre comportar-se
essa experiência aversiva tenham sido reinter- e relatar o comportamento ou relatar as
pretadas, ignoradas ou negadas pelos irmãos, causas do próprio comportamento. Ao
organizar as condições sob as quais uma
parentes e os pais. Por exemplo, o perpetrador
pessoa descreve o mundo público ou pri-
pode ter tentado convencer a criança de que vado em que vive, uma comunidade gera
ela não estava contrariada quando de fato ela essa forma muito especial de comporta-
estava contrariada, ou que ela deveria se sentir mento denominada conhecer... O auto-
amada quando de fato ela empaticamente não conhecimento é de origem social. (p. 30)
se sentia amada. Tendo em conta uma histó-
ria como essa, a autoconsciência contínua da A comunidade social/verbal torna o auto-
criança poderia ser distorcida ou enfraqueci- conhecimento importante exigindo respostas
da, já que muitas discriminações verbais con- a perguntas como “Como você está se sentin-
vencionais haviam sido minadas; em outras do? Do que você gosta? O que aconteceu com
palavras, a criança pode não “saber” como se você ontem? Aonde você foi? O que você viu?”.
sentia – no sentido de ser capaz de usar pala- Como diz Skinner, “Somente quando o mun-
vras que descrevam acuradamente estados de do privado de uma pessoa se torna importante
sentimentos. Tal situação não significaria que para outras pessoas é que ele se torna impor-
ela não estivesse tendo intensas experiências tante para ela” (Skinner, 1974, p. 31).
emocionais, mas que não conseguia empre- Clinicamente falando, a habilidade de
gar símbolos verbais convencionais para en- aprender a descrever o que você sente ou
tender, comunicar, responder e autorregular pensa pode ser facilmente prejudicada por
suas experiências emocionais. Em um sentido viver em ambientes emocionalmente empo-
mais profundo, a pessoa estaria voando às ce- brecidos que falham em formular perguntas,
gas psicologicamente até que esse déficit fosse em ambientes sociais disfuncionais que insis-
corrigido (como no contexto de uma relação tem em fornecer respostas que não se encai-
terapêutica que ajudasse a pessoa a desenvol- xam na experiência da pessoa ou em ambien-
ver autoconsciência mais normativa). tes que encorajam a esquiva experiencial de
Em termos do processo psicológico envol- modo que o indivíduo primariamente tenha
vido, a base para o self-como-consciência- contato distorcido com experiências privadas
-contínua é simplesmente a descrição verbal estressantes.
Terapia de aceitação e compromisso 69
bola. O que você tem?”. Então, eles progridem quadramento dêitico pode ser ensinado com
para uma questão que demanda flexibilidade sucesso, e, quando é, as competências para
contextual. Um exemplo de uma pergunta tomada de perspectiva e da teoria da mente
de inversão simples é: “Eu tenho uma caixa, melhoram (Weil, Hayes, & Capurro, 2011).
e você tem uma bola. Se eu fosse você e você Os teóricos da RFT são capazes de de-
fosse eu, o que você teria?”. As perguntas po- monstrar, medir e treinar um senso de self
dem se tornar mais complexas. Um exemplo de tomada de perspectiva porque têm uma no-
de uma pergunta de dupla inversão é: “Hoje eu ção precisa das unidades verbais que lhe dão
tenho uma caixa, e você tem uma bola. Ontem origem. É notável que as crianças adquiram
eu tinha uma caneta, e você, uma xícara. Se eu essas habilidades por meio do treinamen-
fosse você e você fosse eu, e hoje fosse ontem e to histórico inadvertido que ocorre dentro
ontem fosse hoje, o que você teria hoje?”. Mes- de uma comunidade de linguagem natural.
mo as perguntas mais complexas são possíveis Em geral, o treinamento dêitico é indireto.
(p. ex., triplas inversões) combinando-se múl- Se você o ensina com muitas declarações com
tiplas molduras dêiticas. As perguntas podem “eu”, “eu” em algum sentido significativo é a
ser cuidadosamente formuladas para explorar localização que está por trás quando todas as
muitas combinações diferentes de tempos, diferenças de conteúdo são subtraídas. Por
lugares e pessoas, além dos tipos importantes exemplo, observe o que é consistente nas re-
de conteúdo (p. ex., objetos, emoções, com- postas às perguntas “O que aconteceu com
portamentos). você ontem? O que você viu? O que você co-
Pesquisas mostraram que as relações dêi- meu?”. Normalmente respondemos “Eu fiz
ticas avaliadas desse modo gradualmente isso e isso”, “Eu vi isso e isso” e “Eu comi isso
se fortalecem durante a infância, tornando- e aquilo”. Treinamento semelhante em “nós/
-se mais úteis na infância intermediária eles” ocorre em culturas e linguagens mais
(McHugh, Barnes-Holmes, & Barnes-Holmes, alocêntricas. O “eu” que é referido não é ape-
2004). Elas são essenciais para entender que nas um organismo físico – ele também é um
outras pessoas têm “mentes” e que nossa lócus, local ou perspectiva. Todavia, pesquisas
perspectiva é diferente das perspectivas dos da RFT mostraram que declarações com “eu”
outros. As molduras dêiticas provaram ser desse tipo não podem criar as discriminações
centrais para as habilidades da “teoria da apropriadas, a menos que também sejam
mente” (McHugh et al., 2004), como entender acompanhadas por declarações previsíveis e
a mentira (McHugh, Barnes-Holmes, Barnes- úteis de outras pessoas sobre as suas perspec-
-Holmes, Stewart, & Dymond, 2007a) ou tivas. Assim como “aqui” não existe sem “lá”
que outras pessoas podem ter falsas cren- e “agora” sem “depois”, ou “nós” sem “eles”,
ças (McHugh, Barnes-Homes, Barnes-Hol- “eu” como perspectiva precisa da perspectiva
mes, & Stewart, 2006; McHugh, Barnes- “você” para ser plenamente formado.
-Holmes, Barnes-Holmes, Whelan, & Stewart, Pense no self-como-contexto como um tipo
2007). As relações dêiticas são fracas em po- de reunião das principais classes de relações
pulações clínicas que têm problemas com o dêiticas, tais como eu/você, aqui/lá e agora/
senso de self, incluindo aqueles com transtor- depois. A Figura 3.4 mostra a ideia. Como obje-
nos do espectro autista (Rehfeldt et al., 2007). tos em órbitas elípticas, as crianças aprendem
Adultos com “anedonia social”, a incapacidade a se imaginar respondendo a partir de aqui ou
de experimentar prazer com as interações so- de lá; no agora ou no depois; segundo o pon-
ciais, têm dificuldade com o enquadramento to de vista de “eu” ou o ponto de vista de “você”.
dêitico (Villatte, Monestès, McHugh, Freixa i Como na configuração no alto da figura, essas
Baqué, & Loas, 2008, 2010). No entanto, o en- ações se sobrepõem, mas não estão totalmente
Terapia de aceitação e compromisso 71
Você
Agora
Aqui
Eu
Depois
Lá
O eu/aqui/agora do self-como-contexto
integradas. Quando essas classes de resposta na memória em uma ordem verbal temporal.
se reúnem, um senso de perspectiva emerge Surge uma pessoa consciente – não como o
como um evento integrado. Depois que isso objeto da reflexão, mas como uma perspectiva
ocorre, todo o autoconhecimento pode ocorrer a partir da qual o conhecimento pode ocorrer.
segundo uma perspectiva consciente de “eu/ Os exercícios clínicos comuns começam
aqui/agora”, como está representado metafo- a fazer mais sentido quando as propriedades
ricamente na configuração inferior na figura. centrais da tomada de perspectiva são apre-
Mesmo quando nos imaginamos, digamos, ciadas. Um jovem adulto com apreciação fra-
olhando pelos olhos de outra pessoa, ainda ca do seu impacto sobre os outros pode ser
temos uma sensação de estarmos olhando a questionado por um terapeuta: “Você poderia
partir de um lócus no “eu/aqui/agora” dentro se colocar naquela cadeira vazia? Se você fos-
da outra pessoa. O conteúdo consciente agora se sua mãe, o que gostaria de dizer a você?”.
é conhecido no contexto de um lócus ou pon- Poderia ser dito a uma criança socialmente
to de vista consistente que consegue integrar inadequada: “Imagine que você é o Super-
esse conhecimento. A amnésia infantil co- -Homem. O que o Super-Homem diria?”.
meça a desaparecer. Os eventos são mantidos A flexibilidade da tomada de perspectiva per-
72 Hayes, Strosahl & Wilson
mite que o senso integrado do “eu/aqui/agora” distinção é antiga, tendo-se originado muito
seja situado independentemente de tempo, lu- antes de a perspectiva científica dominar a
gar ou pessoa. Podemos escrever cartas a nós cultura humana. Em vez de rejeitar essa dis-
mesmos de um futuro distante e mais sábio ou tinção, a ACT e a RFT a reconhecem como útil
tentar ver o mundo pelos olhos de outra pes- e cientificamente sensível.
soa. Isso é clinicamente importante porque As tradições espirituais e religiosas lida-
situa o autoconhecimento em um contexto ram preponderantemente com esse senso de
temporal, social e espacial mais amplo. Essa self, talvez devido às suas qualidades trans-
flexibilidade aumenta a habilidade de respon- cendentes de tomada de perspectiva. As tradi-
der às consequências de ações que são tardias, ções orientais falam de espiritualidade usando
que ocorrem em outro lugar ou que são senti- termos como tudo/nada. O budismo e o taoís-
das primariamente por outras pessoas. mo promovem a ideia de uma “pedra não lapi-
Existem implicações aplicadas e teóricas dada” que tem origem no nascimento. A pedra
profundas desse senso do self e sua base cog- não lapidada é a simples totalidade da pró-
nitiva. Destacamos três delas: pria consciência e a “base” para a experiência.
As tradições judaico-cristãs falam da espi-
1. Espiritualidade e um senso de transcendência. ritualidade como compartilhando o divino
Quando é formado um senso de tomada de (p. ex., os humanos são feitos à imagem e à
perspectiva, é feita uma distinção fundamen- semelhança de Deus; Gen. 1:26), e as caracte-
tal entre o conteúdo de um evento verbal e o rísticas de Deus (onipresente, onisciente, etc.)
senso de lócus a partir do qual as observações parecem ser compreendidas como extensões
são feitas. Depois que emerge a consciência das qualidades de “não coisa” do self-como-
como perspectiva, seus limites jamais po- -contexto (Hayes, 1984).
derão ser totalmente reconhecidos de forma Algumas tradições de intervenção (p. ex.,
consciente. Essa dimensão da experiência programas de 12 passos) advogam a im-
humana é única na medida em que ela não portância da espiritualidade, mas sem uma
é semelhante a uma coisa – não tem bordas, definição ou intepretação do que implica a
limites ou distinções discerníveis. Aonde quer espiritualidade além da que é dada pela cul-
que você vá, lá estará você. Tudo o que você tura leiga. A ACT é uma terapia baseada em
conhece verbalmente, você estava lá para co- evidências que igualmente enfatiza a impor-
nhecer verbalmente. Podemos ter consciência tância da espiritualidade, mas que fornece
dos limites de tudo, exceto da nossa própria uma descrição básica das suas características
consciência.
centrais.
Essas qualidades conferem ao self-como-
-perspectiva uma qualidade atemporal, sem 2. Consciência como social, expandida e in-
lugar definido e transcendente. “Matéria” é a terconectada. O achado de que a tomada de
substância da qual as coisas são feitas (pro- perspectiva emerge de molduras relacionais
vém originalmente de uma palavra que signi- dêiticas diz alguma coisa profunda sobre
fica “madeira”), e o self-como-perspectiva não a natureza da consciência humana. O self-
é semelhante a uma coisa. Assim, ele é “ima- -como-contexto não está sozinho e isolado.
terial” ou “espiritual”. Estamos defendendo Não estamos falando de um “eu” em um senti-
que a distinção entre o conteúdo verbalmente do progressivo/processivo de focar em si mes-
conhecido e o self-como-contexto é a fonte ex- mo, como seria o caso de um “eu” conceituali-
periencial da distinção entre matéria e espírito zado. Ele é inerentemente social, ampliado e
que parece ter emergido em praticamente to- interconectado porque o enquadramento está
das as culturas humanas (Hayes, 1984). Essa mútua e combinatoriamente implicado. Co-
Terapia de aceitação e compromisso 73
meço a experimentar a mim mesmo como um frimento psicológico pessoal na área estigma-
ser humano consciente no momento preciso tizada. É interessante notar que a ligação entre
em que começo a experimentar você como um estresse e pensamentos estigmatizantes desa-
ser humano consciente. Eu vejo segundo uma parece quando ajustamos o impacto da fusão e
perspectiva apenas porque também vejo que da esquiva experiencial (p. ex., Masuda, Price,
você vê segundo uma perspectiva. A consciên- et al., 2009). Esse achado sugere que o precon-
cia é compartilhada. Além disso, você não pode ceito é alimentado pela esquiva experiencial
estar plenamente consciente aqui e agora sem do conteúdo autorreferente. Também sugere
sentir a sua interconexão com outros em ou- que não é tanto o conteúdo do pensamento
tros lugares e outros tempos. A consciência se quanto esse apego rígido a esses pensamentos
expande através das épocas, dos lugares e das o que causa mais problema. Essa observação
pessoas. No sentido mais profundo, a cons- não implica necessariamente que precisamos
ciência contém a qualidade psicológica de que abrir mão da avaliação e do julgamento – eles
nós estamos conscientes – de forma atemporal ainda podem ser ferramentas úteis no modo
e em todos os lugares. de solução de problemas (p. ex., “Ela é uma boa
advogada”). No entanto, como todas as ferra-
3. Compaixão e aceitação; estigma e desfusão.
mentas como essas, precisamos adotá-las com
Conforme descrito até aqui, aceitação e des-
fusão superficialmente parecem ser questões cautela e perceber sua utilidade limitada.
intrapsíquicas, mas o self-como-contexto Um senso de consciência social, expan-
expande a sua natureza. Como a tomada de dida e interconectada naturalmente orienta a
perspectiva é social, não é possível assumir aceitação e a desfusão na direção da compai-
uma perspectiva amorosa, aberta, receptiva e xão em vez do preconceito e do viés. Ele ex-
ativa sem fazer da mesma forma com os ou- pande os processos da ACT através do tempo
tros. A tomada de perspectiva inerentemente e do espaço. É difícil manter a ideia de que
nos possibilita estarmos conscientes da nossa os valores devem ser aplicados apenas lo-
própria dor, mas também possibilita que este- calmente – essa preocupação com os outros
jamos conscientes da dor das outras pessoas, deve se estender apenas à própria família,
o que, por sua vez, é duplamente doloroso. e não às demais pessoas que sofrem em ou-
Assim, compaixão e autoaceitação estão re- tro lugar, ou deve dizer respeito apenas a este
lacionadas dentro do modelo. Não é possível momento e local, e não àqueles em gerações
desenvolver um hábito de desfusão de pensa- seguintes. Essa predisposição benéfica aju-
mentos autorreferentes críticos sem praticar da a explicar as qualidades expansivas do
a desfusão de pensamentos críticos em rela- trabalho da ACT. Não é por acaso que a ACT
ção aos outros. A fusão com julgamento é um tem sido aplicada não só ao autoestigma en-
canhão indiscriminado, e mais cedo ou mais tre os clientes que buscam tratamento (p. ex.,
tarde nossas qualidades ou características ine- Lillis & Hayes, 2008; Luoma, Kohlenberg,
vitavelmente se encontrarão debaixo de fogo Hayes, & Fletcher, no prelo), mas também
cruzado. Além disso, as coisas que achamos à estigmatização de grupos raciais e étnicos
importunas e merecedoras de forte julgamen- (Lillis & Hayes, 2008) e a pessoas com trans-
to nos outros são com frequência coisas que tornos mentais (Masuda et al., 2007). A ACT
são relevantes para aspectos da nossa própria ainda milita contra a tendência dos clínicos
história e comportamento. de estigmatizar seus próprios clientes (Hayes,
Bissett et al., 2004) por meio de um tipo de
Nosso modelo explica o achado empírico expansividade incluída no modelo da flexibi-
de que estigma e preconceito em relação aos lidade psicológica que está na essência da sua
outros estão frequentemente associados a so- abordagem do tratamento terapêutico.
74 Hayes, Strosahl & Wilson
Os valores, assim como as mentes, não são predominantes... são intrínsecos no engaja-
“como coisas”, mas um processo contínuo de mento no padrão comportamental valoriza-
relações verbais. Por exemplo, um cliente ini- do”. Valores não têm tanto a ver com o futuro,
cialmente pode não ver uma conexão entre mas com viver o momento e fazer coisas que
ter uma carreira profissional gratificante e ser incorporam os valores pessoais. Essas ações,
um pai efetivo. No entanto, examinar o mode- devido à sua conexão com anseios de vida
lo que o cliente gostaria de ser para os filhos verbalmente expressos, apresentam caracte-
como parte da promoção da sua satisfação na rísticas reforçadoras. Não é o valor em si que
vida em longo prazo revelaria essa ligação ver- é reforçador; é a qualidade da ação conectada
balmente construída. aos valores que é inerentemente reforçadora.
De certo modo, essa qualidade da ação é o que
está sendo livremente escolhido.
PADRÕES DE ATIVIDADE Suponha que uma pessoa escolha como
CONTÍNUOS, DINÂMICOS valor ser um pai amoroso, ou seja, estar sem-
E PROGRESSIVOS pre disponível para seus filhos. Se você ex-
plorar como seria isso, inúmeros padrões de
Por “padrões de atividade contínuos, dinâmi- comportamento podem ser descritos: passar
cos e progressivos verbalmente construídos” um tempo juntos; prestar atenção; garan-
pretendemos dizer que os valores possibilitam tir segurança; encorajar a aprendizagem.
à pessoa a escolha de se engajar em determi- O processo de amar jamais será encerrado, e
nados padrões de comportamento funcional- os padrões de ação podem progredir à medida
mente definidos pelo comportamento verbal. que os filhos e o pai passam um tempo juntos.
O padrão escolhido será dinâmico e progres- Se o pai de repente fica acamado, esse valor
sivo porque ele será vivido momento a mo- pode ser incorporado de muitas formas dife-
mento conforme a história e as circunstâncias rentes. Os reforçadores não estão desativa-
permitirem. As consequências verbalmente dos em algum futuro verbal conceitualizado.
construídas são tecnicamente eventos não re- Ao contrário, é no processo momento a mo-
forçadores porque nunca podem ser comple- mento de contar histórias, limpar o nariz e
tadas ou até mesmo encontradas. Uma pessoa cuidar de um joelho esfolado que o valor de ser
que valoriza a igualdade de gênero pode nunca um pai amoroso é praticado e reforçado. Ten-
a ver, mas pode trabalhar para isso como uma tar ser um pai amoroso porque de outra forma
consequência construída ou uma função do você pode se sentir culpado – ou porque outra
comportamento. Os reforçadores fortalecem pessoa ficaria desapontada se você falhasse
o comportamento quando são encontrados, – não é um valor no sentido a que estamos
mas os valores nunca são promovidos do mes- nos referindo. Na verdade, a literatura sobre
mo modo. O que os valores fazem é estabelecer valores (p. ex., Elliot, Sheldon, & Church,
outros eventos como reforçadores. É por isso, 1997; Sheldon & Elliot, 1999; Sheldon, Kasser,
tecnicamente falando, que os valores são re- Smith, & Share, 2002) mostra que somente
forçadores. quando o indivíduo encara os valores como
uma escolha pessoal, e não como uma ques-
OS REFORÇADORES INTRÍNSECOS tão de observância social ou esquiva da culpa,
é que eles se correlacionam significativamente
PREDOMINAM
a resultados clínicos favoráveis.
Os eventos que os valores estabelecem co- Para resumir, a valorização foca o cliente
mo reforçadores são descritos por Wilson e na geração de propósito e significado psico-
DuFrene (2009) como a seguir: “Reforçadores lógico, afastando-o do modo de solução de
Terapia de aceitação e compromisso 77
tos altamente organizados e intencionais que comportamento que estão disponíveis na co-
sejam sensíveis às contingências. munidade terapêutica mais ampla em geral
Ação de compromisso é uma extensão dos e na terapia comportamental em particular.
valores. Considerando que um valor envolve Ao mesmo tempo, as abordagens comporta-
as consequências escolhidas de padrões de ati- mentais existentes costumam ser fortalecidas
vidade contínuos e que uma ação baseada em por outros aspectos do modelo da ACT. Alguns
valores é uma ação reforçada por essas conse- dados sugerem que mudanças em outros pro-
quências, manter um compromisso significa cessos centrais “possibilitam” que os métodos
redirecionar o comportamento, momento a comportamentais funcionem. Por exemplo,
momento, para padrões de comportamento disponibilidade (willingness) e aceitação pare-
mais amplos com um objetivo de manter es- cem ajudar pessoas com transtorno de pâni-
ses propósitos. No momento em que a pessoa co a serem mais abertas à exposição (Levitt,
vê uma divergência e escolhe redirecionar seu Brown, Orsillo, & Barlow, 2004) ou pacientes
comportamento de modo que ele seja consis- com dor crônica a mudar o comportamento
tente com os valores, essa pessoa está se enga- (Dahl, Wilson, & Nilsson, 2004).
jando em uma ação de compromisso.
Quando falamos de ação e comportamen-
to aqui, não nos referimos necessariamente
A ESSÊNCIA DO MODELO:
a atos físicos. Compromisso também pode FLEXIBILIDADE
envolver atividades mentais inteiramente
privadas. Um dos compromissos de Victor
PSICOLÓGICA
Frankl enquanto estava em um campo de Flexibilidade psicológica pode ser definida
concentração nazista durante a II Guerra como ter contato com o momento presente
Mundial tinha a ver com sua esposa. Ele de- – como ele é, e não como o que ele diz que é –
cidiu, em sua mente, que o amor era algo que como um ser humano consciente, plenamente
fazia valer a pena suportar o sofrimento dos e sem defesas desnecessárias e persistir com,
campos da morte. Ele desenvolveu incontá- ou mudar, um comportamento a serviço dos
veis formas de manter sua esposa na mente valores escolhidos. Defendemos que os três
mesmo durante todo o tempo em que esteve estilos de resposta, compreendendo seis pro-
recluso, não sabendo se ela estava viva, não cessos centrais, criam juntos a flexibilidade
sabendo se algum dia voltaria a vê-la. Ele cita psicológica.
um cântico de Salomão: “Põe-me com selo Há 30 relações direcionais entre os seis
sobre teu coração, porque o amor é tão forte processos centrais do hexaflex. As linhas re-
como a morte” (Frankl, 1992, p. 50). Frankl presentadas entre os seis componentes nas
viu claramente a sedução do desespero e, em Figuras 3.1 e 3.2 não são para chamar a aten-
vez disso, escolheu manter-se apegado àque- ção; ao contrário, cada uma representa uma
la imagem da sua esposa. Cada vez que fez alegação teórica de relação. Os processos in-
isso, ele fez uma escolha, um compromisso dividuais da ACT não fazem sentido se des-
com o seu valor. conectados dos outros no modelo global – da
Diferentemente dos valores, que podem mesma forma que a hélice dupla do DNA não
nunca ser obtidos como um objeto, objetivos faz sentido sem os pares de nucleotídeos. Por
concretos que são consistentes com os valo- exemplo, aceitação sem valores ou ação é um
res podem ser atingidos por meio da ação de tipo de tolerância ou resignação. Valores sem
compromisso. Os protocolos da ACT, de modo aceitação ou desfusão são difíceis de gerar,
geral, envolvem toda a gama de definições de já que cuidado e vulnerabilidade andam lado
objetivos e metodologias para a mudança do a lado, e a esquiva experiencial promove en-
Terapia de aceitação e compromisso 79
torpecimento sobre a vitalidade. Ao longo a ACT; não havia medidas bem estabelecidas
deste livro, os processos centrais do modelo dos processos da ACT, nem qualquer estudo
de flexibilidade psicológica serão definidos e longitudinal ou mediacional sobre a relação
refinados com referência aos outros pontos do dos processos da ACT com os resultados. Tudo
modelo, o que faz sentido, levando em consi- isso mudou. Mesmo a classificação mais con-
deração suas inter-relações. servadora lista mais de 40 estudos que testam
experimentalmente os processos da RFT (tal-
Definição da ACT vez 100 mais estejam relacionados às ideias da
RFT), e, no entanto, nenhum deles contém da-
A ACT usa aceitação e processos de mindful- dos discutindo a lógica subjacente para a teo-
ness e de compromisso e processos de ativação ria (Dymond, May, Munnelly, & Hoon, 2010).
comportamental para produzir flexibilidade Ruiz (2010) encontrou 22 estudos correlacio-
psicológica. Ela procura deixar a linguagem nais sobre a relação da flexibilidade psico-
e a cognição humanas sob controle contex- lógica com depressão (ponderado r = 0,55)
tual de modo a superar os efeitos limitado- e 15 sobre ansiedade (ponderado r = 0,51),
res do repertório de uma confiança excessiva com mais de 3 mil participantes. Usando me-
em um modo de solução de problemas, além todologia correlacional, mais de 30 estudos
de promover uma abordagem da vida mais longitudinais ou mediacionais examinaram
aberta, centrada e engajada. A abordagem da o impacto dos processos da ACT nos resul-
ACT está baseada em uma perspectiva con- tados de longo prazo, e praticamente todos
textual funcional sobre a adaptabilidade e o os estudos se encaixam dentro das expecta-
sofrimento humanos, derivada de princípios tivas do modelo de flexibilidade psicológica
comportamentais ampliados pela teoria das aqui apresentado. Levin, Hildebrandt, Lillis
molduras relacionais. Embora contenha téc- e Hayes (2011) encontraram 40 estudos sobre
nicas baseadas na ciência, a ACT não é ape- os componentes da ACT, isolados ou em com-
nas uma tecnologia. Definida funcionalmen- binação, com a média do tamanho do efeito
te, consiste de qualquer método que produza, ponderado de d = 0,70 (intervalo de confian-
de modo confiável, flexibilidade psicológica; ça 95%; 0,47-0,93) em resultados específicos.
teoricamente falando, qualquer método ba- Ruiz encontrou 25 estudos de resultados em
seado na teoria da flexibilidade psicológica áreas da psicologia clínica (N = 605; 18 ensaios
que descrevemos aqui poderia ser chamado randomizados), 27 em psicologia da saúde
de “ACT”, caso aqueles que estiverem em- (N = 1.224; 16 estudos randomizados) e 14 em
pregando os métodos optem por descrevê-la outras áreas, como esportes, estigma, organi-
desse modo. zação ou aprendizagem (N = 555, 14 estudos
randomizados). Em toda a literatura existen-
Evidências para a ACT e te, os tamanhos do efeito entre os grupos pare-
o modelo de flexibilidade cem estar em torno de 0,65 (Hayes et al., 2006;
psicológica Öst, 2008; Powers, Vörding, & Emmerlkamp,
2009; Pull, 2009). Quase dois terços dos estu-
Durante a década passada, o número de estu- dos randomizados tiveram análises mediacio-
dos publicados sobre a RFT e a ACT cresceu nais conduzidas, e todos tiveram sucesso em
exponencialmente. Em 1999, quando esse p = 0,10 ou mais, representando cerca de me-
modelo foi descrito pela primeira vez de for- tade da variância no resultado (Hayes, Levin,
ma abrangente, a RFT ainda não havia sido Vilardage, & Yadavaia, 2008).
apresentada em forma de livro; havia menos É a abrangência dos problemas aborda-
de um punhado de estudos empíricos sobre dos nesses estudos que talvez seja o mais
80 Hayes, Strosahl & Wilson
Começamos esta seção sobre a abordagem ouvir com os “ouvidos da ACT”, será capaz de
da ACT com um capítulo sobre formulação identificar as pistas verbais (prontamente dis-
de caso por uma simples razão: este é com poníveis na maioria das interações clínicas)
frequência um pré-requisito importante para que revelam com o que o cliente está realmen-
implementar intervenções efetivas de ACT te se debatendo. Essas pistas facilitam a sele-
que sejam adequadas às necessidades de cada ção da intervenção de ACT mais apropriada.
cliente. Formulação de caso segundo uma Da mesma forma, olhar pelos “olhos da ACT”
perspectiva da ACT é a habilidade de analisar possibilita que você entre em sintonia com
funcionalmente os problemas apresentados sinais não verbais ou comportamentos sutis
pelo cliente e estruturá-los no modelo de flexi- (i.e., olhar caído ou triste, cerrar os punhos,
bilidade psicológica (descrito no Capítulo 3). morder a língua, esfregar as mãos), mas al-
Presenciamos muitas situações clínicas em tamente significativos, que refletem a atitude
que o terapeuta é altamente habilitado para psicológica do cliente em relação às suas situ-
implementar intervenções específicas de ACT, ações de vida difíceis e às experiências priva-
mas tem dificuldades em entender o pano- das desagradáveis associadas.
rama da situação do paciente – e, em conse- Discutimos o modelo de flexibilidade
quência, a direção da terapia não será a mais psicológica neste capítulo de forma clínica,
adequada. Se você, profissional, é capaz de porém o modelo em si é um modelo do fun-
a ACT sempre será uma tarefa difícil – motivo significativo no que se refere aos exercícios de
pelo qual os profissionais que chegam à ACT coleta de informações mais tradicionais. Isso,
provenientes de outras orientações teóricas por si só, é algo altamente recomendável em
geralmente precisam de educação adicional e ambientes sobrecarregados nos quais os ser-
treinamento nos aspectos mais abrangentes viços de saúde comportamental costumam
do contextualismo. ser oferecidos. Há duas perguntas principais
que em geral “alimentam” o processo de for-
Coleta de informações sobre mulação de caso na ACT: que tipo de vida o
os problemas apresentados cliente deseja mais profundamente criar e vi-
e seu contexto ver? Quais são os processos psicológicos e/ou
ambientais que inibiram ou interferiram na
O modelo de flexibilidade psicológica descrito busca desse tipo de vida?
neste livro é, em sua essência, uma aborda-
gem contextual para entender os clientes em A análise funcional:
sua interação dentro e através de seus contex- tempo, trajetória e contexto
tos ambientais e privados. Essa afirmação su-
gere que os seis processos do modelo não de- Na entrevista inicial, o cliente normalmente
vem ser vistos de forma isolada, mas que são apresenta um foco em um problema particu-
altamente sensíveis aos ambientes sociais, lar, e o profissional costuma iniciar analisan-
culturais, ambientais e biológicos circun- do essas queixas apresentadas. O modelo de
dantes. Problemas clinicamente relevantes flexibilidade psicológica ajuda a organizar as
e suas soluções não se desenvolvem apenas queixas em uma análise orientada para a sua
dentro do organismo; ao contrário, eles inte- função, não apenas para a sua forma, frequên-
ragem amplamente com o ambiente circun- cia ou ocorrência situacional. São necessárias
dante. Por exemplo, os benefícios de ensinar informações sobre o curso e o contexto dos
flexibilidade psicológica a trabalhadores são problemas do cliente para conduzir essa aná-
enfraquecidos em um ambiente de trabalho lise funcional.
que não permite que novas ideias sejam ex- O clínico deve obter uma compreensão da
pressas e seguidas (Bond & Bunce, 2003). Os cronologia do problema. Quando esse proble-
valores são sensíveis ao contexto cultural – ma começou? Houve alguma época em que
eles podem ser alocêntricos ou relativamen- o cliente não teve o problema ou em que ele
te individualistas. O modelo de flexibilidade foi significativamente menos pronunciado?
psicológica é concebido para ser adaptável A natureza reveladora do problema ou traje-
culturalmente ao permitir que o conhecimen- tória também precisa ser entendida. Esse pro-
to cultural seja acoplado aos processos e prin- blema, no momento, tem aproximadamente
cípios sabidamente importantes para a saúde a mesma intensidade, frequência e duração
psicológica. Esta é uma abordagem mais se- de quando apareceu pela primeira vez? Ele é
gura do que a adaptação cultural baseada no menos grave do que antes ou pior do que já
conhecimento cultural isoladamente, uma foi? Os impactos negativos do problema estão
vez que as culturas podem apoiar processos ampliando ou restringindo o espaço de vida
psicologicamente nocivos, bem como proces- do cliente? Ele parece mais controlável ou
sos saudáveis. menos controlável ao longo do tempo? Tam-
Como a avaliação na ACT está focada em bém é importante observar os antecedentes e as
um pequeno grupo de variáveis funcional- consequências privados ou públicos do compor-
mente relevantes, os profissionais da ACT po- tamento. O que desencadeia esse problema no
dem abreviar o processo de entrevista de modo mundo externo ou interno do cliente? O que
Terapia de aceitação e compromisso 85
acontece quando o cliente se engaja no com- ser mais inclinado a procurar “pensamentos
portamento? Como as consequências positi- pegajosos” e menos inclinado a indagar sobre
vas e negativas se organizam a curto e a longo lembranças e sensações físicas que o cliente
prazos? está experimentando. Em geral, recomenda-
Além de fornecerem as informações ne- mos que o clínico sempre indague sobre uma
cessárias, essas perguntas por si só já são ampla variedade de experiências no domínio
uma intervenção meramente devido à for- privado do cliente, incluindo pensamentos,
ma como são estruturadas pelo clínico. Por emoções, sensações físicas e lembranças as-
exemplo, suponha que uma pessoa esteja sociados a elas. Essa moldagem de uma rede
usando drogas e que pareça possível ao clí- ampla possibilita que o clínico esteja em uma
nico que o cliente as esteja consumindo, em posição de prestar atenção apropriada a diver-
parte, para regular sua ansiedade. Quando sos aspectos da experiência privada do cliente
o clínico gradualmente pergunta mais deta- que possam ser relevantes. O ambiente exter-
lhes acerca das experiências difíceis que as no (incluindo membros da família e outras
drogas ajudam a regular e as consequências pessoas significativas) também deve ser exa-
experimentadas a curto e a longo prazos, minado de modo exaustivo, juntamente com
a consciência que o cliente tem da esquiva ex- as possíveis relações entre as duas esferas, in-
periencial e dos seus custos pode aumentar. terna e externa.
Essa consciência aumentada, por sua vez, Também é importante observar nossas
pode abrir caminho para intervenções poste- próprias reações durante a entrevista. Que
riores baseadas na ACT. tipos de pensamentos, sentimentos, associa-
Em geral, é útil indagar acerca das ex- ções, lembranças e sensações físicas você ex-
periências privadas com as quais o cliente perimenta enquanto entrevista o cliente? Eles
está tendo dificuldades. Saber que o cliente podem ser úteis como um guia. Por exemplo,
parece desconfortável quando fala sobre al- se você está sentindo raiva sem razões óbvias,
gum tópico não é tão útil quanto saber quais pode ser útil explorar como o cliente lida com
pensamentos, emoções, lembranças ou sen- questões de raiva, mágoa ou vulnerabilida-
sações físicas específicos estão aparecendo de ou como ele está se sentindo no momento
naquele ponto para o cliente. O clínico pre- atual.
cisa demonstrar um “questionamento apro-
priado” – a habilidade de se aprofundar mais Entrevista sobre valores:
nas experiências privadas do cliente no que amor, trabalho e lazer
diz respeito a algum domínio sem se perder
em meio ao material resultante. O objetivo A conceituação de caso deve incluir o con-
do clínico é simplesmente abordar proces- texto da vida em que o cliente está operando
sos privados relevantes para ver como eles e como as exigências básicas da vida diária
podem estar interconectados. Em seguida, estão sendo satisfeitas. Assim, é importante
essas informações serão usadas na concei- obter um retrato do espaço vital do cliente
tuação de caso e no planejamento do trata- entre os domínios relevantes da vida valori-
mento. zada. Robinson, Gould e Strosahl (2010) su-
Muitos clínicos provavelmente irão son- geriram uma avaliação baseada em “Traba-
dar mais certos tipos de experiência privada lho-Amor-Lazer”. Todos os domínios de vida
do que outros, e essa tendência pode criar valorizada que discutimos em detalhes em
“lacunas” no conhecimento que o clínico tem nosso capítulo sobre valores (Capítulo 11)
do cliente. Por exemplo, um clínico com for- também podem ser usados no início para
te histórico em reestruturação cognitiva pode avaliar os pontos fortes e fracos do cliente
86 Hayes, Strosahl & Wilson
1. A pessoa está vendo a vida como uma FALHAS COMUNS DOS PROCESSOS
experiência pelo menos um pouco dis- NO MOMENTO PRESENTE
tinta das histórias que nossas mentes
contam sobre ela? As falhas dos processos no momento presen-
2. Ela está aqui flexivelmente, voluntaria- te podem assumir uma variedade de formas.
mente e intencionalmente neste mo- Um exemplo comum é a preocupação e a ru-
mento? minação. Clientes que exibem altos níveis de
preocupação e ruminação podem ser capazes
Em outras palavras, até que ponto existe de acompanhar uma linha de questionamen-
um “você” e “eu” trabalhando aqui e agora, to. No entanto, as sondagens iniciais tendem
prestando atenção de forma flexível e focada a revelar que suas respostas persistentemente
na tarefa em questão? se voltam para preocupações sobre o futuro ou
para um reexame de eventos passados. A rigi-
dez atencional pode ser observada, por exem-
Avaliando processos no momento plo, em um cliente diagnosticado com síndro-
presente me de Asperger que fala quase exclusivamente
sobre, digamos, cartas de basquete. Instruções
A avaliação dos processos no momento pre- para chamar a atenção do cliente para se deter
sente pode ocorrer naturalmente em uma em temas particulares podem encontrar re-
entrevista clínica. Toda a vida acontece no sistência e frustração. Outros clientes podem
momento presente – incluindo discussões ficar fixados na explicação ou na análise como
do passado e do futuro. A pergunta crítica um meio de evitar conteúdo emocional parti-
na avaliação é: o cliente consegue entrar em cularmente forte.
contato com eventos no presente de uma A distratibilidade é outra variante encon-
forma flexível, focada, voluntária e inten- trada com regularidade. A incapacidade de
cional? manter o foco atencional é uma característica
Na entrevista clínica normal, a questão central de certos diagnósticos, como trans-
do presente aparece até nas perguntas mais torno de déficit de atenção/hiperatividade
simples sobre o que trouxe a pessoa à terapia (TDAH), mas também pode estar presente
naquele momento particular. As perguntas em clientes que enfrentam dificuldades com
sobre os problemas atuais descritas ante- ansiedade e depressão. Nesses casos, várias
riormente oferecem um ponto de entrada visões, sons e tópicos desviam a pessoa do ca-
para a avaliação. O cliente consegue dirigir minho. Clientes com histórias de trauma cos-
a atenção para quando o problema começou tumam exibir esse tipo de troca de tópicos a
ou para as situações em que ele piorou ou serviço da esquiva experiencial. Não devemos
melhorou? E é capaz de fazer isso sem se dis- confundir o período de tempo do conteúdo que
trair facilmente ou ficar fixado no conteúdo está sendo discutido com a capacidade de “es-
particular? A habilidade de fazer isso é um tar presente” no sentido a que nos referimos.
marcador para o funcionamento no domínio Por exemplo, suponha que um clínico pergun-
dos processos no momento presente. Alterar te acerca de um evento muito difícil no passa-
o ritmo do questionamento, demorando-se do do cliente, como a morte do seu cônjuge.
em alguns tópicos e seguir um pouco mais O cliente pode conseguir deslocar sua percep-
rapidamente por outros, pode revelar o nível ção e prestar atenção a esse evento, a lembran-
de contato do cliente com o contexto atual ças dele e ao modo como as coisas estão agora
momento a momento. quando lembradas e, então, consegue passar
88 Hayes, Strosahl & Wilson
adiante para o próximo assunto. No sentido nectado que a consciência de outros aspectos
inverso, contudo, o cliente pode descartar a da interação parece ser perdida.
sondagem e rapidamente voltar ao tópico an- Parte da avaliação dos processos relacio-
terior ou passar para o seguinte ou ficar tão nados ao momento presente está voltada para
rigidamente conectado a ele que a habilidade o ritmo da comunicação. Se alguém está expe-
de mudar o foco da atenção é perdida. A incli- rimentando algo altamente penoso, em geral
nação do cliente em geral é revelada pela re- há uma qualidade acelerada e pressionada na
ceptividade relativa às sondagens sucessivas. sua fala. Em casos como esse, o clínico pode
Por exemplo, tendo feito contato com algum deliberadamente diminuir o ritmo e persistir
evento difícil no passado, o clínico pode per- nesse ritmo mais lento. Alguns clientes pron-
guntar sobre quais sentimentos estão “surgin- tamente aderem ao ritmo alterado do tera-
do” quando o evento é recordado e sobre como peuta, mas outros não. Se o clínico formula
eles poderiam ser diferentes do que foram ex- uma pergunta muito lentamente ou pede, com
perimentados quando o evento ocorreu origi- gentileza, que o cliente pare um momento e
nalmente. A transição fluida dessa época para considere a questão, o cliente estará disposto
agora, ou desse tópico para o seguinte, indica a modular o ritmo da sua conversa de modo
força nos processos relacionados ao momento apropriado?
presente mesmo que o conteúdo discutido seja
“sobre o passado”. Da mesma forma, então, FALHAS EXTREMAS DOS
apenas trazer o passado ou o futuro volunta- PROCESSOS RELACIONADOS
riamente não indica, por si só, que o cliente te- AO MOMENTO PRESENTE
nha dificuldade em lidar com os processos no
momento presente. No ponto extremo do continuum, o cliente pode
As falhas nos processos relacionados ao ser inteiramente irresponsivo às perguntas.
momento presente costumam ser reveladas nos A dissociação é um exemplo drástico. Em tais
aspectos paralinguísticos da fala e nos aspectos casos, as exigências clínicas são ver onde a
atencionais da escuta. Quando os clientes estão atenção do cliente está sendo focada, indagar
psicologicamente presentes, existe um senso de a respeito e sondar para ver se a atenção do
presença em seus olhos, postura corporal, tom cliente pode ser mudada para outros temas
emocional e receptividade ao ritmo do terapeu- relacionados ou até mesmo não relacionados.
ta. Quando os clientes são atencionalmente rí- O clínico pode tentar ver se alguma coisa no
gidos e sem contato com o presente, podem ser ambiente presente é capaz de provocar uma
distraídos por outros eventos quando eles ocor- resposta do cliente. O cliente que está alucinan-
rem no ambiente imediato (p. ex., sons fora da do ativamente é outro exemplo; nesse caso, a
sala) ou podem ser incapazes de se manter co- flexibilidade e o foco dos processos atencionais
nectados e receptivos às sondagens do terapeu- dentro e fora da área-problema devem ser ava-
ta. As dificuldades nessas áreas com frequência liados. Por exemplo, podemos perguntar sobre
são experimentadas pelo terapeuta como um a alucinação (“Você pode me contar o que ou-
tipo de desconexão com o cliente, em que quase viu?”) ou sondar a flexibilidade da atenção em
parece como se cliente e terapeuta não estives- outras áreas (“Quem o trouxe para a sessão?”).
sem engajados na mesma conversa. A conversa
pode parecer monótona ou sem vida apesar das Avaliando processos do self
inúmeras tentativas de obter uma variedade de
respostas do cliente. Na verdade, o cliente pode A avaliação da relação com o self é crucial pa-
parecer um tanto desconectado do processo da ra a formulação de caso na ACT. O problema
fala – ou, o contrário, tão inflexivelmente co- clássico visto em contextos clínicos é a fusão
Terapia de aceitação e compromisso 89
ameaças quando o self conceitualizado é desa- cunstâncias, o cliente pode ser incapaz de res-
fiado, como quem diz “Se eu não for quem digo ponder a perguntas do tipo “Eu” independen-
que sou, então quem eu sou?”. temente do sintoma particular que está sendo
A fusão com um self conceitualizado pode experimentado. Acompanhando a diminuição
com frequência ser revelada por declarações do “Eu” também virá a diminuição do “você”,
que assumem a forma “Eu = problema”. Quan- e tais clientes podem ter pouca ou nenhuma
do é feita à pessoa uma pergunta que normal- consciência do papel, dos sentimentos ou da
mente evocaria respostas com “Eu”, a res- perspectiva do clínico.
posta verbal rapidamente se transforma em
conteúdo fusionado. Perguntas simples como Avaliando o domínio da
“O que você sentiu?” ou “Do que você se lem- aceitação-desfusão: o cliente
bra?” podem produzir esse tipo de efeito.
Se a fusão com o self conceitualizado for mui-
consegue se manter aberto?
to alta, as sondagens invariavelmente levarão Embora alguns clientes precisem de um pou-
de volta ao conteúdo fusionado autorrelevan- co mais para estar centrados e presentes,
te, com frequência integrado ao mesmo tema reconectar-se com seus valores e dar iní-
geral, independentemente das áreas que real- cio a uma ação de compromisso, com mais
mente foram investigadas. frequência eles terão níveis de esquiva e fu-
Formular perguntas orientadas para valo- são que impõem obstáculos substanciais a
res é uma boa maneira de testar fusão com a uma vida valorizada. Anteriormente chama-
história sobre o self. O clínico pode fazer uma mos a fusão e a esquiva experiencial de “canto
solicitação simples como “Fale-me sobre al- da sereia” do sofrimento. Quando os padrões
guma atitude particular que você teve que me de comportamento do cliente são desenvolvi-
ajudaria a entender você como irmão”. Esta é dos sob as contingências de controle aversivo
uma solicitação cuja resposta normalmente que a esquiva experiencial envolve, a vida se
começaria com “Eu”. Suponha que o cliente torna um jogo de esquiva da experiência pes-
responda: “Eu emprestei meu carro para o meu soal baseado na crença de que tal experiência
irmão 4 ou 5 anos atrás, e ele o destruiu e nun- é toxica e impõe um desafio direto à saúde
ca me pagou pelos danos. É assim que ele é”. pessoal. Este é um jogo viciado, é claro, mas é
Esse tipo de resposta é inadequado porque não feito para parecer possível de ser vencido pela
leva em conta realmente a intenção do tera- cultura do “ficar numa boa” que o promove.
peuta (uma forma de tomada de perspectiva) Ao avaliar esse domínio, o clínico precisa
e desencadeou uma parte da história do clien- focar na dimensão em que a fusão e a esqui-
te sobre si mesmo, suprimindo o contato dele va experiencial estão comandando a vida do
com valores sociais importantes. cliente. A existência do cliente está organi-
Em um nível muito mais grave, alguns zada principalmente pelo que ele conside-
indivíduos podem ser completamente incapa- ra como inaceitável? O cliente permite que
zes de manter sua atenção em qualquer coisa sentimentos ou lembranças desagradáveis
que o clínico pergunte. Não conseguimos ver imponham em grande parte a direção da sua
absolutamente nenhuma distância entre o vida? Em que medida o cliente vive em um
cliente como pessoa e as alucinações que estão mundo de “preciso” e “devo” e “não posso”?
sendo experimentadas. Mesmo uma pergunta Em que medida vive em um mundo de des-
como “Você está ouvindo vozes neste momen- culpas bem ensaiadas para explicar por que
to?” pode ser respondida com apelos do tipo as coisas são como são – um mundo em que a
“Eles vão me matar! Eles vão me matar!” em mudança é impossível ou para outro momen-
vez de “Eu estou ouvindo vozes”. Nessas cir- to que não agora?
Terapia de aceitação e compromisso 91
Com frequência um tipo de comporta- to de esquiva pode ser descrito, o clínico pode
mento estereotipado caracteriza as vidas de investigar melhor as formas como o cliente
clientes que estão sob forte controle aversivo. lida com esses eventos inaceitáveis sempre
Tanto a fusão quanto a esquiva experiencial que eles aparecem. A pessoa tende a entrar em
são indicadas por padrões de comportamen- pânico e ficar em casa? Ou evita participar de
to rígidos. Verbalmente, esse padrão fica mais eventos ou se engajar em atividades que pos-
evidente no tom de voz, ritmo e conteúdo. sam desencadear níveis desconfortáveis de
O cliente pode dizer essencialmente a mesma ansiedade/tristeza/culpa? Quando em situa-
coisa de modo repetitivo. A qualidade vocal ções sociais, o cliente foca no monitoramento
também pode não ter alcance, tanto no tom do nível da sua ansiedade em vez de apenas es-
quanto no ritmo. Para o cliente deprimido, tar socialmente engajado? Como demonstra a
o tom pode ser baixo e suplicante. O tom de narrativa a seguir, sondagens simples relacio-
voz do cliente irritado pode ser mais alto e re- nadas ao que o cliente faz quando o conteúdo
cortado. Tanto os clientes deprimidos quanto evitado está presente revelam muito acerca
os irritados apresentam pouca variabilidade dos repertórios evitativos.
ou sensibilidade contextual, mesmo quando
Terapeuta: Então, você disse que a avidez
estimulados para isso. Por fim, o conteúdo da
pela bebida tem sido particular-
fala do cliente mostra rigidez e limitação.
mente ruim ultimamente.
Cliente: Sim, isso me deixa louco, não
Avaliando processos de aceitação consigo pensar direito.
A questão central na avaliação da aceitação Terapeuta: Algumas vezes a avidez está me-
é se o cliente é capaz de aceitar ativamente o lhor e algumas vezes pior?
que ocorre na experiência direta – momento a Cliente: Com certeza, algumas vezes eu
momento – mesmo quando o conteúdo é in- nem mesmo penso a respeito.
desejado e penoso. Ou, então, quais aspectos As coisas ficam ótimas. Mas então
da experiência privada do cliente estão funcio- – lá vem ela, e não consigo pensar
nando como obstáculos a uma vida valoriza- em outra coisa.
da. Os clientes costumam procurar ajuda por- Terapeuta: Para me ajudar a entender isso,
que estão experimentando algum tipo de dor seria útil se você pudesse me con-
em suas vidas. Investigar em detalhes qual é tar sobre as vezes em que a avidez
a dor e o que o cliente faz em face dela molda é mais suave e as vezes em que é
diretamente as intervenções orientadas para a muito forte. Então, quando ela
aceitação. é apenas suave, o que você faz?
Cliente: Bem, eu tento apenas não pensar
FALHAS COMUNS DOS PROCESSOS nisso. Apenas tento me manter
DE ACEITAÇÃO ocupado.
Ao avaliar a aceitação, é importante avaliar Terapeuta: Mais alguma coisa?
tanto o conteúdo evitado quanto o repertório Cliente: Bem, algumas vezes eu me preo-
comportamental evitativo do cliente. Algumas cupo – e se ela piorar ou se nunca
vezes, o cliente rotula diretamente o que é ina- mais desaparecer? E se eu tiver
ceitável – ataques de pânico, períodos de hu- 60 anos e ainda estiver pirando?
mor depressivo, pensamentos negativos sobre Acho que eu não consigo aguen-
si, culpa, vergonha, fissura por beber ou usar tar! (O ritmo acelera um pouco, a voz
drogas. Quando o conteúdo do comportamen- se torna mais tensa.)
92 Hayes, Strosahl & Wilson
Terapeuta: Uau, parece que algumas vezes mais para a paternidade como um domínio
você começa a se preocupar e isso valorizado.
se potencializa em você. É quase Uma significativa fonte de informação
como se você pudesse observar à sobre aceitação e esquiva experiencial é o
medida que vai piorando. comportamento do cliente dentro da sessão.
Cliente: Sim, e pode ficar muito ruim. O cliente pode não saber ou não estar cons-
ciente do que está sendo evitado e, portanto,
Terapeuta: E quando está realmente ruim,
não é capaz de falar diretamente a respeito.
o que você faz?
Essa situação vale particularmente para o
Cliente: Eu simplesmente não sei o que cliente multiproblema crônico. Durante a
fazer! Isso me deixa maluco. Eu condução da entrevista, o clínico pode obser-
acabo gritando com as pessoas à var que os tópicos mudaram e perceber ape-
minha volta, gritando com a mi- nas em retrospectiva que o cliente desviou a
nha esposa, gritando com as pes- conversa para uma direção diferente. Se esse
soas ao telefone, dirigindo como comportamento recorre repetidamente, um
um idiota, gritando no trânsito. padrão de esquiva fica evidente. O simples
Nesse diálogo, o padrão de esquiva expe- fato de pedir ao cliente para visualizar uma
riencial é tentar não pensar em beber e tentar situação difícil e observar os pensamentos,
se manter ocupado para distrair a atenção emoções, lembranças e sensações corporais
do impulso. É bem possível que as explosões que surgem pode, algumas vezes, elaborar o
de raiva do cliente sejam um subproduto da conteúdo evitado de uma forma que o cliente
qualidade aversiva da avidez; no entanto, pode achar difícil discutir de maneira direta.
elas também podem funcionar para distrair o Alguns clientes podem não ser capazes de
cliente da experiência inaceitável da avidez, tolerar tais exercícios, mesmo quando muito
combinada com pensamentos de que a avi- breves. No entanto, essa objeção potencial
dez “nunca vai desaparecer”. O clínico pode não deve atrapalhar a avaliação, pois isso
explorar, sem julgamento, o que acontece à por si só já é um indicador do nível de es-
avidez quando o cliente fica muito irritado quiva. Outro cliente pode ser capaz de seguir
ou se envolve em uma discussão. É perfeita- as instruções e visualizar a cena, mas não
mente possível que essas explosões evitem consegue permanecer no exercício. Em vez
os estados psicológicos aversivos associados disso, ele pode envolver o terapeuta em uma
à incerteza da avidez. Embora haja algumas conversa sobre o exercício para evitar entrar
exceções, uma regra de ouro é que, o que quer em contato com o conteúdo temido. Ainda
que se siga ao conteúdo inaceitável, será mais outro cliente pode ser capaz de se envolver
provavelmente parte da cadeia de respostas no exercício, descrever diretamente o conte-
evitativas. údo penoso e continuar participando até que
Pode ser muito útil avaliar quando e seja instruído pelo clínico a parar. Todas es-
onde o conteúdo evitado é pior. Os padrões sas respostas potenciais representam pontos
de esquiva, nesses casos, podem interferir diversos ao longo do continuum da esquiva-
na vida valorizada. Por exemplo, um pai -aceitação.
divorciado pode tentar evitar sentir remor-
MEDIDAS FORMAIS DE ACEITAÇÃO
so por seu casamento fracassado quando vê
seu filho ou mesmo quando observa outras As medidas formais de esquiva experiencial
pessoas com seus filhos. Intervenções de e aceitação são atualmente muito populares e
aceitação voltadas para esses antecedentes disseminadas. A mais conhecida é o Questio-
relevantes podem ajudar o cliente a se abrir nário de Aceitação e Ação (AAQ; Bond et al.,
Terapia de aceitação e compromisso 93
frenético de solução de problemas é extrema- 12,7 cm e, então, pedir que ele se sente em si-
mente difícil de ser interrompido. lêncio enquanto o clínico coloca um cartão por
vez, voltado para cima, no colo do cliente. Este
Antagônico. O discurso fusionado costuma ter
deve simplesmente ler em voz alta o que está
uma qualidade antagônica. Às vezes, esse as-
pecto pode parecer como se a pessoa estivesse escrito em cada cartão. O cliente altamente fu-
na verdade discutindo com ela mesma inter- sionado com frequência irá interromper esse
namente – tentando desenvolver a força de exercício e começar a discutir sobre o propósi-
vontade para fazer ou não fazer alguma coisa. to dele ou retomar o processo de defender ra-
Como mostra a narrativa de humor negro a zões no meio do caminho. Em contrapartida,
seguir, a natureza da atividade simbólica hu- um cliente com níveis muito baixos de fusão
mana garante que nunca há um “vencedor” pode ter poucos problemas em simplesmente
nessas discussões internas; para cada argu- ler em voz alta as várias declarações do con-
mento favorecendo um lado de uma discus- teúdo e pode até mesmo fazer um comentário
são, a mente humana geralmente será capaz sobre essas declarações, que parecem diferen-
de gerar um contra-argumento. tes quando são ditas em voz alta.
Um elemento adicional do discurso de jus-
Eu: Eu deveria começar um programa tificação é um alto nível de solução de pro-
de exercícios. blemas verbais que falha em facilitar a ação
Eu: Mas eu não gosto de fazer exercí- consistente com os valores. Autoargumentar
cios. ou apresentar razões costuma ser um com-
Eu: Mas isso seria bom para mim. portamento em busca de soluções. Vou ou
não vou começar um programa de exercícios?
Eu: Mas estou muito ocupado agora.
Há alguma razão para que eu esteja deprimi-
Eu: Mas você está sempre muito ocu- do? Há alguma razão para que eu imagine o
pado. pior no meu futuro? Se o cliente estiver ten-
Eu: Mas eu tenho um capítulo para tando convencê-lo de alguma coisa, ou se você
terminar. achar que está discutindo com o cliente, essa
Eu: E quando isso não acontece? inclinação indica que altos níveis de conteú-
Eu: Mas desta vez estou falando sério. do fusionado estão vindo à tona na interação.
Quando voltar da Europa, eu vou Você não precisa refutar essas razões. Em vez
começar. disso, você deve sondar a flexibilidade e a es-
quiva experiencial e comportamental que é o
Eu: Onde eu já ouvi isso antes?
resultado final da fusão.
E assim continua. Perseveração. Assim como a fixação da atenção
Discurso de justificação. Às vezes, um discurso impõe uma barreira à consciência no momen-
fusionado soa menos como uma discussão e to presente, a perseveração é com frequência
mais como uma justificativa, explicação ou uma característica distintiva do cliente fusio-
apresentação de razões. O fator comum é a nado. Em essência, o cliente perde a habilida-
impermeabilidade relativa e a inflexibilidade de de mudar flexivelmente entre o tópico que
da conversa. Versões breves de alguns exercí- está dominando a consciência e outros tópicos
cios de desfusão da ACT podem ajudar você, de importância clínica. Os domínios da vida
como clínico, a avaliar o quanto a apresen- valorizados podem fornecer um método sen-
tação de razões está arraigada. Por exemplo, sível e prático para avaliação da fusão. Como
o clínico pode escrever as razões do cliente em inflexibilidade é uma característica distintiva
cartões de fichário medindo de 7,62 cm por de fusão, podemos começar a perguntar ao
Terapia de aceitação e compromisso 95
cliente sobre domínios da vida que são signi- cidas como o Questionário de Pensamentos
ficativos e então observar a direção que a con- Automáticos (ATQ; Hollon & Kendall, 1980),
versa assume em resposta. perguntando não com que frequência ocorrem
Em casos extremos, o cliente será total- os pensamentos, mas se eles parecem críveis
mente irresponsivo à sondagem. Em outros quando aparecem (um fato histórico interes-
casos, pode responder parcialmente à sonda- sante é que credibilidade originalmente fazia
gem à medida que a mudança de tópico é feita, parte do ATQ, mas foi deixada de lado pelos
mas o padrão de resposta tenderá a incorporar seus desenvolvedores antes da publicação).
o conteúdo fusionado. Em outros casos, ain- Essa abordagem resulta em uma medida de
da, a sondagem pode apenas interromper o “credibilidade do ATQ”. Essas medidas têm
padrão repetitivo de forma momentânea (p. sido usadas com sucesso desde os primei-
ex., de se preocupar com a depressão), que, ros dias da pesquisa da ACT (p. ex., Zettle &
então, imediatamente retorna, em geral com Hayes, 1986) e têm repetidamente mediado os
o mesmo tom e ritmo. Um olhar mais atento resultados da ACT (p. ex., Hayes et al., 2006;
ao conteúdo falado provavelmente revelaria Varra, Hayes, Roget, & Fisher, 2008; Zettle,
sentenças, frases e pensamentos que o cliente Rains, & Hayes, 2011).
repetiu inúmeras vezes. Existem medidas específicas de fusão/des-
fusão em certos domínios, por exemplo, o Avoi-
MEDIDAS FORMAIS DE DESFUSÃO dance and Fusion Questionnaire for Youth*
(Greco, Lambert, & Baer, 2008) e a subescala
Há um interesse crescente no desenvolvi- de fusão da Escala de Inflexibilidade Psicológi-
mento de medidas estruturadas da desfusão. ca na Dor (Wicksell, Ahlqvist, Bring, Melin, &
A desfusão pode ser difícil de ser medida com Olsson, 2008). Algumas medidas de mindfulness
o uso do autorrelato, uma vez que o conceito se também apresentam subescalas que medem a
refere à relação da pessoa com o pensamento, fusão (Baer et al., 2004; Baer, Smith, Hopkins,
e não ao conteúdo, e o autorrelato foca princi- Krietemeyer, & Toney, 2006). Várias medidas de
palmente no conteúdo. Entretanto, tem havi- apresentação de razões, as quais foram usadas
do progresso nessa área. na primeira pesquisa da ACT (Zettle & Hayes,
Uma forma comum pela qual a desfusão é 1986), foram refinadas em algumas áreas espe-
medida é perguntar sobre a credibilidade de um cíficas, por exemplo, o Reasons for Depression
pensamento, para além da sua ocorrência. Os Questionnaire (Addis & Jacobson, 1996). Os
dois conceitos não são isomórficos. Por exem- pesquisadores da RFT também estão fazen-
plo, “eu vou morrer” é totalmente crível, mas do progresso no desenvolvimento de medidas
uma pessoa pode estar desfusionada desse cognitivas implícitas destinadas ao uso repe-
pensamento ou então enredada nele. Distinguir tido com indivíduos que podem estar focados
entre se um pensamento ocorreu e se ele era em formas específicas de conteúdo fusionado
crível quando ocorreu é uma forma facilmente (p. ex., Barnes-Holmes, Hayden, Barnes-Hol-
compreensível de perguntar aos participantes mes, & Stewart, 2008). Uma medida geral da
como eles se posicionam em relação aos pró- fusão cognitiva também está em desenvolvi-
prios pensamentos em áreas particulares. mento (Dempster, Boulderston, Gillianders,
Quase toda medida cognitiva que está fo- & Bond, n.d., cujo download pode ser feito em
cada no conteúdo do pensamento pode ser re- contextualpsychology.org/CFQ).
escrita para focar na relação da pessoa com o
pensamento quando ele ocorreu pela primei- * N. de R. T.: Há uma versão deste instrumento vali-
ra vez. Por exemplo, índices de credibilidade dada em Portugal, intitulada: Questionário de Evi-
podem ser adicionados a medidas estabele- tamento e Fusão Cognitiva para Jovens.
96 Hayes, Strosahl & Wilson
específicas dele estão surgindo em áreas como culo, por sua vez, conduz a padrões crônicos
a dor crônica (Vowles & McCracken, 2008). de comportamento contraproducente. Proble-
Quando o tempo permite, a integração de mas com a ação de compromisso podem estar
instrumentos de clarificação dos valores es- evidentes na falta de ação, na falta de persis-
truturados à entrevista clínica pode criar ain- tência ou em excessos comportamentais a
da mais clareza sobre as questões de valores. serviço dos propósitos da esquiva experiencial
Existem determinados domínios valorizados e comportamental. O processo de avaliação
em que o cliente apresenta mais flexibilidade com frequência revela uma situação de vida
no discurso ou, então, áreas em que existe um inconsistente e pouco organizada. Atividades
forte senso de restrição? Quando um cliente importantes podem caracterizar certos domí-
apresenta flexibilidade razoável em um do- nios, mas não outros, ou podem ocorrer de vez
mínio valorizado, o clínico pode avançar na em quando, mas não regularmente. Assim,
elaboração dos valores e na criação de possí- mesmo que o cliente pareça ter algumas habi-
veis ações de compromisso. Quando o cliente lidades comportamentais, ele ainda precisa se
mostra restrição considerável e altos níveis engajar seriamente na construção de padrões
de fusão e esquiva, o terapeuta deve voltar a de ação que sejam maiores, mais integrados e
centralizar e focar no trabalho no momento menos sensíveis à perturbação impulsiva. Por
presente. exemplo, se o cliente consistentemente permi-
Uma área complicada ocorre com cul- te que padrões de ação de compromisso sejam
turas que estimulam valores alocêntricos. rapidamente perturbados por determinadas
Os humanos são uma espécie social, e em emoções ou pensamentos, um processo de ela-
nossa experiência a maioria das pessoas boração desses pontos de vulnerabilidade
em todas as culturas apresenta fortes valores enquanto são mantidos os compromissos é
sociais. Em culturas alocêntircas, no entanto, definitivamente o mais adequado.
o bem do grupo é estimulado tão fortemente
que pode ser difícil distinguir valores fusio- FALHAS COMUNS DOS PROCESSOS
nados de valores sociais escolhidos. A questão DE COMPROMISSO
central não é se os valores são alocêntricos ou As razões mais comuns que levam a falhas nos
individualistas – ambos podem ser valores no processos de compromisso são impulsividade,
conceito da ACT –, mas se a pessoa assume imobilidade e esquiva persistente. A avaliação
responsabilidade por essas escolhas. Ainda inicial dos processos de compromisso com
resta trabalho a ser feito sobre como melhorar frequência envolve pedir que o cliente cite
a tarefa de fazer discriminações em diferentes exemplos de ações particulares consistentes
condições culturais. com os valores que ele praticou no passado e
outras que possam ser contempladas no futu-
Avaliando processos de compromisso ro. O clínico também pode pedir para o cliente
gerar uma lista de possíveis ações de compro-
Ao avaliarmos processos de compromisso, misso – desde os atos de compromisso muito
estamos perguntando se o cliente é capaz de pequenos que podem ser realizados no mesmo
construir e executar atos comportamentais dia até aqueles que podem ser muito mais de-
particulares que sejam consistentes com os morados. Alguns clientes são capazes de gerar
valores. Os principais obstáculos aos proces- inúmeros exemplos com pouca estimulação,
sos de compromisso são a fusão e a esquiva ou mas parecem ficar enredados quando chega
a falta de motivação que pode surgir quando a hora de agir. Às vezes, essa reação sinaliza
tais ações estiverem ligadas à história sobre problemas com conteúdo fusionado, embora
o self, e não aos valores. Este último obstá- outras vezes indique déficits na habilidade
Terapia de aceitação e compromisso 99
0 5 10
Nenhum
Principais características do Às vezes ou com Fluente e
Processo ou muito
comportamento do cliente encorajamento flexível
raramente
Observa e faz uso de eventos internos 0 5 10
e externos no agora
Atenção flexível – consegue persistir 0 5 10
Momento
ou mudar quando necessário
presente
Desvencilhado do passado ou futuro
0 5 10
em vez de preocupar-se em predizer
ansiosamente ou ruminar
Contato com um senso de self 0 5 10
transcendente
Vê a perspectiva dos outros e outros 0 5 10
momentos ou lugares
Desvencilhado do self conceitualizado 0 5 10
Self
FIGURA 4.1 Folha de Classificação da Flexibilidade. Use para classificar dimensões impor-
tantes de resposta dos processos de flexibilidade psicológica.
mento. Fazendo a estimativa dessas classifi- (1) os eventos externos e internos que levaram
cações numéricas durante ou após as sessões, a processos limitadores do repertório e atual-
pode ser criada uma avaliação global dos pro- mente apoiam esses processos; (2) as manei-
cessos de flexibilidade psicológica calculando- ras como os processos da ACT interagem para
-se a média das fileiras dentro das áreas. Essas apoiar o status quo; e (3) o grau de força dos pro-
classificações podem, por sua vez, alimentar a cessos de expansão do repertório que podem
formulação de caso específica descrita na pró- ser usados para efetuar mudança. Em outras
xima seção. palavras, o clínico determina quais processos
são mais fracos, quais deles são mais prová-
veis de ser pedras angulares e quais processos
FORMULAÇÃO DE mais fortes podem ser usados para estimular
CASO NA ACT a mudança nos outros. Em cada um dos casos,
seu contexto histórico e situacional é conside-
O modelo de flexibilidade psicológica orienta os rado. Avaliação e planejamento do tratamento
agentes de mudança do comportamento em di- estão intimamente ligados, uma vez que o pla-
reção a processos funcionais comuns inseridos nejamento do tratamento consiste, em grande
na linguagem e na cognição humanas. A for- parte, das considerações táticas subjacentes a
mulação de caso em ACT é uma extensão direta como atingir as áreas mais fracas.
do modelo de flexibilidade psicológica. Formu- Várias abordagens inovadoras recente-
lação de caso envolve especificar o seguinte: mente desenvolvidas para formulação de caso
Terapia de aceitação e compromisso 103
podem ser usadas para estruturá-la e agilizá- nhar seu desenvolvimento ao longo do tempo.
-la, bem como aos processos de planejamen- A Figura 4.2 retrata o instrumento de Monito-
to do tratamento. Descrevemos aqui algumas ramento Hexaflex aplicado a Jenny, a cliente
dessas ferramentas, mas o rápido ritmo de descrita anteriormente. O hexágono da figura
desenvolvimento sugere uma advertência im- é dividido como uma torta em seis áreas que
portante: nossa inclusão de ferramentas par- representam os seis processos. As linhas con-
ticulares neste capítulo não impede que você cêntricas dentro do hexágono correspondem a
use outras ferramentas para formulação de uma escala de 10 pontos para classificação da
caso ou invente outras novas que se adaptem força de cada processo. A linha mais externa
a demandas particulares do contexto da sua (não numerada) representa 10, força máxi-
prática clínica. Nosso propósito é apenas de- ma. O zero, no centro do hexágono (também
monstrar como a estruturação do processo não numerado), representa fraqueza máxima.
de formulação de caso pode auxiliar a escla- A linha horizontal central fornece a classi-
recer a relação entre processos nucleares e ficação numérica para as linhas alternadas.
revelar objetivos de tratamento possíveis de Extraindo a média da classificação numérica
serem atingidos. No restante do capítulo, avaliada para as características principais na
descrevemos três métodos de formulação de Figura 4.1, poderá ser obtida a classificação
caso e fornecemos exemplos mostrando sua global do cliente dentro de cada processo.
aplicação específica. Todos os formulários A classificação global poderá, então, ser mais
impressos e ferramentas deste livro estão dis- bem compreendida escurecendo-se a seção do
poníveis para download em www.contextualp- processo em direção à parte externa do hexá-
sychology.org/clinical_tools. Descobrimos que, gono até a classificação avaliada.
com o uso regular, esses formulários podem
fornecer orientações úteis na formulação de
caso, no planejamento do tratamento, no mo-
Exemplo de caso: Jenny
nitoramento do progresso e na supervisão in- Jenny* é uma mulher branca divorciada de
dividual ou em grupo. 52 anos que se queixa de estresse familiar e
depressão. Ela tem dois filhos adultos inde-
Instrumentos hexagonais pendentes. No momento, reside com sua mãe,
para formulação de caso de 88 anos, de quem é a cuidadora primária.
Jenny diz que sempre foi uma “cuidadora” e
O modelo de flexibilidade psicológica pro- que teve dificuldades em defender suas pró-
porciona a base para um sistema diagnóstico prias necessidades, sobretudo perante sua
dimensional funcional – uma ideia populari- mãe. Jenny descreve sua mãe como muito exi-
zada por Wilson e DuFrene (2009). Como um gente e crítica das suas habilidades como cui-
conceito-chave é o de que a flexibilidade psi-
cológica é central para um modelo unificado
do funcionamento humano e a mudança do 1
Jenny (tratada graficamente nas Figuras 4.2 a 4.4)
comportamento, delineando as forças e as fra- está vagamente baseada em uma cliente real, porém
quezas do cliente por meio do uso do modelo a descrição foi um pouco modificada para garantir
confidencialidade. Uma sessão gravada com essa
hexagonal, os principais pontos fracos podem
cliente está disponível na forma de DVD (Hayes,
ser visados, e os principais pontos fortes, en- 2009). As âncoras das respostas para processos de
fatizados. Os gráficos simples do Instrumento flexibilidade psicológica mais detalhadas do que as
de Monitoramento de Caso Hexaflex podem fornecidas na Figura 4.1 também podem ser encon-
ser usados para visualizar o estado atual da tradas em www.contextualpsychology.org/clinical_tools
flexibilidade psicológica do cliente e acompa- (depois que o usuário se registrar no site).
104 Hayes, Strosahl & Wilson
Agora
Aceitação Valores
8 6 4 2 2 4 6 8
Desfusão Ação
Self
FIGURA 4.2 Classificação de Jenny nos elementos de flexibilidade psicológica, exibidos no
Instrumento de Monitoramento de Caso Hexaflex.
dadora. Ela observa que a mãe era uma cristã peuta sobre a força dos processos da ACT no
devota que lhe ensinou que cuidar das neces- caso de Jenny, em média, são apresentadas na
sidades de sua mãe era seu dever primordial, Figura 4.2. Os maiores problemas são com des-
acima de tudo o mais. Ela também ensinou a fusão (com classificação de 2) e aceitação (3)
Jenny que pensar negativamente sobre outras – o estilo de resposta da abertura. Valores (6)
pessoas ou atender às suas próprias necessi- e ação (7) são forças relativas. Os processos
dades acima das dos outros significava que envolvidos em estar centrada – agora (5) e
ela era uma má pessoa e não uma boa cristã. self (4) – estão classificados no setor intermediá-
Jenny admite que não quer que a mãe more rio. A investigação detalhada do gráfico nos dá
na sua casa e que tem muitas emoções “acu- uma noção dos problemas particulares de cada
muladas” que acha difíceis de expressar. Men- cliente – a própria forma da figura condensa
ciona sentir-se muitas vezes culpada e egoísta muita informação em uma única imagem.
quando discute o próprio desejo por maiores Ao refletirmos sobre as possíveis influên-
níveis de independência, autonomia e estabe- cias internas e externas que afetam a situação
lecimento de limites. Relata que se sente de- da cliente, pode ser usado um formulário um
primida e autocrítica, particularmente depois pouco diferente, conforme visto na Figura 4.3.
de alguma tentativa fracassada de afirmar sua Apelidado de “tartaruga” – apenas por se pa-
independência em face das críticas e deman- recer com uma –, esse instrumento foi inicial-
das incessantes de sua mãe por atenção. Ela mente desenvolvido pelo especialista japonês
menciona por várias vezes durante a entrevis- em ACT Takashi Mutto, que salientou que a
ta inicial que quer ter relações que sejam ge- palavra japonesa para hexágono é derivada do
nuínas e honestas. Tem tido muita dificuldade símbolo para “casco de tartaruga”. Cada um
para conversar com a mãe sobre o que quer. dos seis processos principais é representado
O escore de Jenny no AAQ mostra alto grau de por um círculo organizado em torno do he-
esquiva experiencial. As estimativas do tera- xágono. Cada círculo, por sua vez, consiste de
Terapia de aceitação e compromisso 105
um grupo de 10 círculos concêntricos progres- tado, a cliente se sente ameaçada pelos senti-
sivamente menores representando as classifi- mentos de raiva e culpa que emergem sempre
cações possíveis da força do processo. Estes que ela pensa nas próprias necessidades. Ela
podem ser preenchidos com os mesmos esco- aderiu a um self conceitualizado que é nega-
res representados na Figura 4.2. A “tartaruga” tivo e autocrítico (incluindo, por exemplo,
é especialmente útil nos grupos de supervisão, a autoconcepção de que ela é egoísta). O clí-
entre os quais ela pode ser prontamente distri- nico suspeita de que a cliente tenha temores
buída ou ampliada para um flip chart, possibi- adicionais nessa área (“No fundo, eu não
litando que todo o grupo visualize a formula- sou uma boa pessoa”). Suas outras áreas de
ção do caso. processos nucleares variam quanto à força,
No caso de Jenny, o terapeuta acredita mas são, no mínimo, moderadamente for-
que a principal característica sejam os efei- tes, sobretudo seus valores relativos a ter um
tos de restrição do repertório causada pela relacionamento carinhoso, aberto e honesto
fusão. Essa fusão, acredita o terapeuta, foi com seus filhos e também com sua mãe. Sua
estimulada originalmente pela mãe de Jenny, habilidade para comportalmente seguir em
que ensinou sua filha somente a atender às frente é boa.
necessidades dela, associando suas deman- O nível muito alto de fusão de Jenny pro-
das à adequação social e a avaliações morais vavelmente será um foco do tratamento, mas
baseadas em crenças religiosas. Como resul- suas áreas de força provavelmente serão alia-
Agora
Aceitação Valores
.
ha da.
on
e rg -vin
e v bem
lpa é
Cu não
iva
Ra
a
tic o
to crí ment
Au julga
to
Au
Desfusão Ação
FIGURA 4.3 A formulação de caso inicial para Jenny, apresentada no Instrumento da Tarta-
ruga para Formulação de Caso.
106 Hayes, Strosahl & Wilson
das nesse processo. Nesse caso, a força óbvia de ser má cristã por não cuidar de sua mãe. O te-
são os seus valores, presumindo-se que Jenny rapeuta poderia tentar associar as habilidades
confirme a valorização de relações que sejam de desfusão a essa dor e à sua origem no anseio
abertas, honestas, amorosas e compassivas por aceitação e por uma relação mais positiva.
e esteja disposta a tomar as medidas neces- Por exemplo, poderia ser pedido a Jenny para
sárias para promover essas qualidades. Esse se recordar de alguma situação em que teve di-
curso pode, então, informar não somente ficuldades quando criança e que agora tenha
como se comportar com sua mãe idosa e exi- uma conversa como adulta com essa criança.
gente, mas também como enfrentar as barrei- Ela pode ser solicitada a dizer em voz alta al-
ras verbais fusionadas que podem levar a uma gumas das coisas autocríticas que pensa ago-
fraca fixação de limites e à autoinvalidação. ra, tais como “Eu sou uma má pessoa”, na voz
Por exemplo, dar espaço na consciência para dessa criança. Essa intervenção de desfusão
processos automáticos de autojulgamento é concebida para ativar sua autocompaixão
pode ser parte de um esforço baseado nos va- e autoaceitação, tornando possível o tipo de
lores de ouvir atentamente suas próprias ex- relações que ela valoriza: relações que sejam
periências com julgamento menos fusionado. abertas, honestas, amorosas e compassivas.
Ouvir sua mãe dessa maneira também pode O plano de tratamento resultante para Jenny é
fazer parte do esforço. As partes dolorosas apresentado na Figura 4.4.
de sua história podem ser um aliado nessa ta- Se o plano funcionar, ela deve ver mudan-
refa. Jenny pode se lembrar de como se sentia ças nos processos almejados. Quando medi-
envergonhada quando pequena e era acusada mos mudanças nas habilidades de desfusão
Aceitação Valores
a.
nh nda.
go
v er m-vi
e be
lpa é
Cu não
iva
Ra
2. Ligar habilidades
de desfusão
aos valores e
à autocompaixão
ic a
rít nto
u toc game
A jul
to
Au
Desfusão Ação
FIGURA 4.4 Plano inicial de tratamento para Jenny, apresentado na Ferramenta da Tartaru-
ga para Formulação de Caso.
Terapia de aceitação e compromisso 107
algumas vezes já comentaram que ela “não mulação de caso incluem sua estrutura para
está ali” e parece distante. Sandra agora está avaliar objetiva e sistematicamente as forças e
preocupada com o impacto da sua preocupa- as fraquezas do cliente em cada processo cen-
ção na sua relação com as filhas e o marido. tral e a necessidade de que o terapeuta pense
Como pode ser visto na Figura 4.5, este é por escrito, escrevendo respostas às questões
um caso em que os arcos da “abertura” e da centrais do cliente.
“centralização” predominam. Sandra preci-
sa de treinamento em aceitação (dar espaço ACT Advisor
para pensamentos perturbadores e imagens
do futuro) e mindfulness (manter-se focada no David Chantry, um terapeuta ACT do Reino
momento em vez de ser atraída para o futuro Unido e editor de uma obra interessante so-
por meio da preocupação). Esse processo pode bre discussões da ACT (Chantry, 2007), criou
ser significativamente auxiliado pela sua for- o ACT Advisor como uma ferramenta de
ça principal – sua preocupação com as filhas. avaliação rápida do cliente que pode ser usa-
Em vez de associar seu apreço pelos relacio- da em qualquer contexto ambulatorial. Ela
namentos à preocupação, ela pode ser capaz é apresentada na Figura 4.6 (usando nosso
de associar esse apreço aos comportamen- próximo sujeito de caso como exemplo). Ela
tos de relacionamentos positivos que valoriza. pode ser útil como uma ferramenta de ensino
Para fazer isso, ela terá que dar espaço para e como uma forma de checar com os clien-
sua propensão a experimentar pensamentos, tes suas autoclassificações do progresso na
imagens e emoções associados relativos a pos- terapia. A ferramenta essencialmente requer
síveis perdas e reveses futuros. Em outras pa- que o terapeuta e/ou o cliente forneçam uma
lavras, as ações valorizadas em seu relaciona- classificação numérica para cada um dos seis
mento com suas filhas provavelmente podem processos centrais usando o acrônimo “ACT
desencadear conteúdo fusionado, distraindo- ADVISOR” como mnemônica (os termos da
-a do momento presente. Nesse momento, ACT se encaixam surpreendentemente bem
seria necessário que ela agisse de forma mais na mnemônica – com a possível exceção do
aberta e centrada se quiser se comportar de uso de “identificação” para um processo de
acordo com seus valores. Em vez de visar ime- clareza dos valores que é mais como escolher
diatamente o mais difícil do seu conteúdo fu- ou tomar posse). Uma característica única
sionado, faz mais sentido começar por baixo do ACT Advisor é que as classificações in-
em uma hierarquia de comportamentos que dividuais podem ser somadas entre si para
irão apoiar o conteúdo fusionado e, então, formar um escore de flexibilidade geral que
avançar no grau de dificuldade. Sandra pode, varia de 0 a 60. Esse escore, assim como as
assim, praticar a ação de compromisso em classificações dos itens individuais, pode ser
face de conteúdo fusionado menos evocativo, reavaliado com o tempo para fornecer uma
ao mesmo tempo em que está presente e co- medida quantificável da mudança clínica
nectada com seus valores. para uso no manejo do caso (não foi avalia-
Como é verdadeiro para a maioria dos mé- do para uso em pesquisa). A ferramenta ACT
todos contemporâneos para formulação de Advisor pode ser útil em contextos nos quais
caso na ACT, a Ferramenta de Planejamento as interações do cliente são breves e em que
Psy-Flex também pode funcionar simultanea- os planos de tratamento precisam ser gera-
mente como um exercício de avaliação dentro dos rapidamente. A seguir, apresentamos um
da sessão para ajudar a guiar o terapeuta ou exemplo de formulação de caso gerado a par-
como um dispositivo para monitorar o pro- tir de uma entrevista de 10 minutos usando o
gresso. Aspectos úteis desse método de for- ACT Advisor.
CENTRADO ABERTO ENGAJADO
Momento Self-como- Valores Ação de
presente -contexto Desfusão Aceitação escolhidos compromisso
Alto Alto Alto
X
X X X X
Baixo X Baixo Baixo
Atenção Self-como- Esquiva Valores pouco
Impulsivo,
inflexível – futuro Fusão claros, fusionados
-conteúdo experiencial imóvel
ou passado ou pliant
O que pode apoiar O que pode O que pode O que pode O que poderia Quais habilidades
a experiência no promover a tomada ajudar o paciente ajudar o paciente promover paixão podem promover
“momento presente” de perspectiva e a desfusionar? a aceitar? O que intrínseca, vitalidade ação de
na terapia? Vida real? a experiência de O que daria utilidade daria utilidade ou significado? compromisso?
um self observador ou significado ou significado
Exercício dos As filhas podem Procurar pequenas
cinco sentidos
na sessão? à desfusão? à aceitação? ser a chave. Na próxima experiências em
Na vida real? sessão, observar uma agir de formas
Usar o nome próprio Nomear ou listar
Engajá-la no uso para a mente. Aprender os medos. Ficar um fotografia de suas filhas consistentes com
de um objeto físico a agir mesmo que pouco com a lista. por 10 minutos e os valores que
quando mudar de [nome] se preocupe. ver o que surge. envolvem medo.
tópico para tópico... Compromisso verbal.
talvez marcador
em um quadro.
O que atrai a atenção Qual parte da Com o que O que O que bloqueia O que impede
FIGURA 4.5 Uso da Ferramenta de Planejamento Psy-Flex para ajudar a formular o caso e planejar o tratamento para Sandra. Copyright
109
Patricia Robinson, PhD. Usada com permissão.
110 Hayes, Strosahl & Wilson
10
ACEITAÇÃO
10
9
9
8
8
7
do meu tempo
7
gosto deles
6
6
5
5
4
com a atenção no
4
3
3
2
2
1
piloto automático
1
Estou em
0
0
Não sei
constante o que quero
luta com meus da vida
pensamentos e
sentimentos
meus pensamentos
1
1
2
2
3
3
e sentimentos 4
4
ESCALA DE 5
5
6
6
sobre mim
7
7
8
COMPROMISSO E
8
Vejo cada
9
9
mesmo Identifico as
10
10
A pessoa a quem
chamo “eu” sabe
o que estou pensando
e sentindo, mas é distinta ESCORES
desse processo 3
Escala de Aceitação ................ ____
Escala de Compromisso
7
e Adoção de ação ................. ____
Escala de Atenção
5
ao presente ............................ ____
2
Escore de Desfusão ................. ____
Escala de Identificação
7
de Valores ............................... ____
Escala do Self-
-como-observador ................ ____
4
Escore Total da Flexibilidade
28
Psicológica Resultante ........... ____
FIGURA 4.6 Uso do ACT Advisor para ajudar a rastrear os pontos fortes e fracos de Michael.
Copyright David Chantry. Usada com permissão.
Terapia de aceitação e compromisso 111
◊ Por que uma relação terapêutica forte requer flexibilidade psicológica tanto por parte do
terapeuta quanto por parte do cliente.
◊ Como servir de modelo para os processos centrais da flexibilidade psicológica dentro da
relação terapêutica.
◊ Como identificar e usar pontos positivos na conversa terapêutica para desenvolver maior
flexibilidade psicológica no cliente.
◊ Como evitar pontos de alavancagem negativos que podem minar a relação terapêutica.
À primeira vista, alguns podem presumir e terapeuta se defrontam com muitos dos mes-
que a ACT é uma forma de terapia altamen- mos dilemas durante o curso de suas vidas. As
te mecânica e intelectual apenas porque está mesmas armadilhas da linguagem que captu-
associada a princípios comportamentais e é ram o cliente também confrontam o terapeu-
uma abordagem baseada em evidências. Efe- ta, não apenas no seu papel profissional em
tivamente, é exatamente o contrário. A ACT, seu contato com o cliente, mas também na sua
por sua própria natureza, tende a ser uma for- vida pessoal. A ACT intencionalmente capita-
ma de psicoterapia intensiva e experiencial. liza as preocupações comuns entre o cliente e
Observadores das sessões de ACT com fre- o terapeuta para ajudar a fazer os clientes,
quência comentam sobre o quanto as sessões e mesmo os terapeutas, avançarem em suas
são profundamente tocantes, notando com vidas.
alguma surpresa o forte senso de conexão O estabelecimento de uma relação ver-
interpessoal que existe entre o terapeuta e o dadeiramente terapêutica há muito tempo é
cliente quando questões difíceis surgem e são visto como um componente importante no
abordadas. sucesso da terapia e, de fato, é um mediador
O que explica esse profundo senso de co- significativo dos resultados positivos. O mes-
nexão entre o terapeuta e o cliente? Ele deriva mo pode ser dito também da ACT. Entretanto,
do equilíbrio da relação entre o cliente e o te- diferentemente de muitas formas de terapia,
rapeuta da ACT, o qual, por sua vez, emana do a ACT contém um modelo bem elaborado da
modelo de flexibilidade psicológica. A ACT está relação terapêutica que se correlaciona inti-
baseada na psicologia da normalidade. Cliente mamente com os processos centrais que ela
114 Hayes, Strosahl & Wilson
visa. Neste capítulo, discutimos como o mode- e apoio para a aprendizagem modelada por
lo de flexibilidade psicológica é aplicado dire- contingências. O modelo de flexibilidade
tamente à relação terapêutica. Também exa- simplifica grandemente a tarefa do clínico ao
minamos como a relação terapêutica pode ser enquadrar áreas-problema específicas como
usada para abordar os pontos de alavancagem aspectos da inflexibilidade e ao favorecer pro-
positivos e negativos que ficam evidentes du- cessos que aumentam a flexibilidade. Para um
rante a implantação das intervenções da ACT. cliente, a esquiva da intimidade pode ser
um foco principal e, para outro, pode ser a
fusão com autojulgamento – mas as questões
A FORÇA DA RELAÇÃO básicas são as mesmas.
TERAPÊUTICA Muitos métodos de intervenção da ACT
são um tipo de incitação: eles são concebidos
Nem todos os problemas do cliente são espe- para desestabilizar padrões de resposta que
cificamente sociais, mas todos os processos dão origem a repertórios inflexíveis e limita-
centrais que sustentam a flexibilidade (ou in- dos e para estabelecer repertórios alternativos
flexibilidade) psicológica têm uma dimensão que possam ser mantidos por consequências
social. Fusão e esquiva são, em parte, social- valorizadas pelo cliente. A relação terapêutica
mente adquiridas e mantidas; o senso de self na proporciona uma base potente para esse tipo
tomada de perspectiva não é apenas “eu”, mas de mudança evolucionária baseada na varia-
“eu-você”; os valores estão baseados em parte ção e na retenção seletiva de novos comporta-
na socialização; e as intervenções psicológicas mentos sociais. Experimentar coisas novas em
em geral são administradas em um formato um relacionamento pode produzir ansiedade,
social chamado “terapia”. Essa conexão direta mesmo para clientes altamente funcionais.
entre a natureza social das áreas-problema e A mente demanda previsibilidade, e, no en-
o processo da psicoterapia confere aos clínicos tanto, ceder ao impulso de transformar tudo
uma tremenda vantagem porque alguns dos em uma regra verbalmente acessível bem
problemas da pessoa e as oportunidades para formulada não é um caminho confiável na
crescimento provavelmente irão aparecer no direção do crescimento e da conexão. O con-
próprio consultório, onde eles podem ser traba- sultório proporciona um ambiente seguro e
lhados diretamente. Esse aspecto social é uma acolhedor em que as ansiedades do cliente po-
das lições mais úteis da psicoterapia analítica dem ser incorporadas e usadas para ajudar a
funcional (FAP; Kohlenberg & Tsai, 1991), uma modelar maior flexibilidade associada aos pa-
tecnologia irmã que evoluiu juntamente com drões valorizados. A terapia é um tipo de pla-
a ACT durante a metade da década de 1980. ca de Petri, em que pequenos “experimentos”
Na verdade, usamos alguns princípios básicos podem semear e manter processos que po-
da FAP em nossa discussão da natureza e do dem levar a grandes transformações pessoais.
papel da relação terapêutica na ACT. Na essência desse processo encontra-se a rela-
Algumas das habilidades que produ- ção compartilhada pelo cliente e o terapeuta.
zem flexibilidade psicológica não podem ser
aprendidas por meio de regras literais di- Relações poderosas são
retas, porque precisam ser aprendidas pela inerentemente flexíveis
experiência. Os psicólogos comportamentais psicologicamente
chamam esse tipo de aprendizagem de “mo-
delagem por contingências”, e no consultório Pense em uma relação real na sua vida que
eles veem as ações e as reações dos terapeu- seja poderosa, edificante, tocante, apoiadora
tas como as fontes principais de instigação ou talvez até mesmo transformacional. Como
Terapia de aceitação e compromisso 115
é esse relacionamento? Você se sente constan- psicológica. Esse tipo de resposta não é sur-
temente coisificado e julgado, ou existe uma preendente porque a flexibilidade psicológica
percepção de que você é aceito do jeito que é? é relevante para todas as formas de ação e mu-
Essa pessoa tenta constantemente estar certa dança humanas. Relações poderosas, edifi-
e lhe mostrar como você está errado, ou suas cantes, tocantes, apoiadoras e transformacio-
ideias e pensamentos são contemplados com nais são aquelas relações que são acolhedoras,
um senso de abertura e curiosidade? A pessoa desfusionadas, atentas ao presente, conscien-
está física ou psicologicamente “ali” com você, tes, baseadas em valores e flexivelmente ati-
ou afastada em seu próprio mundo, incapaz vas – ou seja, são características da flexibili-
de ser alcançada? Essa pessoa consegue per- dade psicológica. Quando se aplica à relação
ceber como o mundo é segundo a perspectiva terapêutica, essa caracterização significa que
que você tem? Existe a sensação de que você o modelo de flexibilidade psicológica pode ser
é conhecido em profundidade, ou você sente um guia para a criação de relações profunda e
como se a sua perspectiva fosse invisível ou intimamente transformadoras. Com algumas
sem importância? Seus valores centrais são variações menos importantes, o mesmo pode
reconhecidos e apoiados, ou a relação parece ser dito dos grupos sociais, das organizações e
desconectada das questões mais profundas do das comunidades.
que é significativo para você? A relação está Essa concepção da relação terapêutica é
repleta de ações grandes e pequenas que são retratada graficamente na Figura 5.1. Qual-
significativas, ou ela é marcada por uma sen- quer interação entre dois seres humanos en-
sação de repetição, automaticidade, passivi- volve processos de flexibilidade de cada par-
dade crônica ou impulsividade constante? ticipante. Na relação terapêutica, tal interação
Acabamos de perguntar sobre os seis pro- significa que os processos de flexibilidade não
cessos de flexibilidade psicológica, e, se você são unicamente o alvo da intervenção, mas
é como a maioria das pessoas, suas respostas também são o contexto principal para a terapia
como um todo tenderão a se parecer com uma efetiva para o terapeuta. Além disso, a figu-
afirmação do próprio modelo de flexibilidade ra salienta que interações efetivas em tera-
Psicologia Psicologia
do terapeuta do cliente
Interações na terapia
FIGURA 5.1 Um modelo da relação terapêutica moldado em termos dos processos de flexi-
bilidade psicológica refletidos no profissional, no cliente e em suas interações. Copyright
Steven C. Hayes. Usada com permissão.
116 Hayes, Strosahl & Wilson
pia exemplificam processos de flexibilidade. gustiante. Além disso, o que o terapeuta está
Por exemplo, uma interação pode ser acolhe- demonstrando é contraindicado pela ACT;
dora, desfusionada, baseada em valores e uma ou seja, como o modelo é importante na apren-
variedade de outras coisas – ou seu oposto. dizagem influenciada por contingências, o tra-
Explorar essa ideia é o propósito principal tamento irá sofrer. Não só o cliente irá apren-
deste capítulo. der a ser inflexível a partir dessas interações,
mas também poderá ser motivado a resgatar
Um terapeuta da ACT o terapeuta dos problemas que o cliente le-
vantou – até mesmo possivelmente a custo do
como modelo
sucesso do tratamento do cliente. Além disso,
Considere um cliente que aborda uma área a carga do trabalho para o terapeuta é mais al-
de dificuldade que é dolorosa não só para ele ta quando as habilidades de flexibilidade estão
mesmo, mas também para o terapeuta. Tal- ausentes. Com o tempo, o terapeuta que res-
vez o cliente esteja lidando com um profundo ponde ao conteúdo difícil da terapia de forma
sentimento de vergonha pelo abuso sexual que descuidada, evitativa, fusionada e psicologica-
experimentou quando criança. Esse tópico mente inflexível ficará mais estressado e vul-
também pode ser difícil para o terapeuta de nerável ao esgotamento (Hayes, Bissett et al.,
inúmeras formas. O terapeuta pode ter experi- 2004; Vilardaga et al., 2011).
mentado ou testemunhado eventos similares Por todas essas razões, é importante que
em sua própria família. Ele pode não ter essa o terapeuta não só mire os processos de flexi-
história, mas simplesmente ficar desconfor- bilidade psicológica no cliente, mas também
tável com pensamentos críticos em relação demonstre essas habilidades. Isso não quer di-
aos perpetradores ou sobreviventes ou, então, zer que os terapeutas da ACT devam ser íco-
pode não ser capaz de se identificar com o nes da flexibilidade para que sejam efetivos.
profundo sentimento de vergonha do cliente. Na verdade, mesmo que o terapeuta esteja
O terapeuta pode temer por seus filhos e, por- enfrentando dificuldades, saber o quanto é
tanto, ser menos capaz de lidar de modo obje- difícil fazer esse trabalho coloca o terapeuta
tivo com essas questões. Nenhuma dessas re- no mesmo lugar do cliente e tende a equili-
ações é inerentemente prejudicial, mas podem brar as interações entre os dois. Essa noção de
ocorrer problemas se o terapeuta responder a paridade oferece oportunidades de aumentar
tais questões de forma descuidada, evitativa, a empatia e reduzir nossa inclinação de nos
fusionada ou psicologicamente inflexível. Se gabarmos sobre estarmos “certos” acerca da
a dor for afastada ou evitada, se o terapeuta ACT. O essencial é que o terapeuta incorpo-
se fusionar com autojulgamentos, ou se os te- re ativamente a importância das habilidades
mores se emaranharem, o cliente começa a se de flexibilidade e se dedique a trabalhar por
afastar, e momentos terapêuticos importantes elas tanto pessoalmente quanto profissio-
são perdidos ou respondidos de forma menos nalmente. Esse compromisso pode transfor-
flexível do que o necessário ou aconselhável. mar quaisquer dificuldades pessoais em uma
Nesse cenário, o cliente irá perceber que o aliança terapêutica ainda mais poderosa.
terapeuta está tendo dificuldades, “foi embo- Suponha, por exemplo, que um terapeu-
ra” ou está sendo crítico. O cliente irá se sentir ta da ACT fique confuso durante uma sessão.
abandonado e desamparado porque o tera- O cliente pode ter dito alguma coisa que “fis-
peuta não consegue ser acolhedor, desfusio- gou” o terapeuta no nível do conteúdo literal.
nado, atento ao presente, consciente, basea- O terapeuta começa a se sentir ansioso ime-
do em valores e, portanto, não consegue agir diatamente. Existe uma sensação de perigo
efetivamente na presença de conteúdo an- na sala. O terapeuta está tentando pensar no
Terapia de aceitação e compromisso 117
que fazer a seguir e procura alguma metáfora, pareça. Mas sei que isso não irá levar a
exercício ou resposta consistente com a ACT. lugar algum – então talvez possamos
Segundo uma perspectiva da ACT, o terapeu- apenas ficar ansiosos por um momento
ta está experimentando algumas emoções que e ver como é.”
não são 100% bem-vindas (p. ex., confusão, • “Sinto-me impotente quando acato
ansiedade, medo de parecer incompetente). meus pensamentos sobre isso – como
As verbalizações do cliente estão sendo in- se eu tivesse que fazer alguma coisa,
terpretadas literalmente. As próprias avalia- mas não sei o que fazer. O que lhe vem
ções do terapeuta (p. ex., “Estou estragando à mente quando você acata seus pensa-
tudo!”) estão sendo tomadas literalmente. mentos sobre isso?”
Em consequência, a direção e o fluxo da sessão • “Apenas para obtermos alguma pers-
são rompidos. O terapeuta está representando pectiva sobre isso, por que não resu-
para o cliente – tentando parecer competente. mimos o que você disse a uma palavra
Os dois já não estão mais no mesmo nível do ou duas e dizemos rapidamente em voz
terreno. alta várias vezes – digamos, 30 vezes?
Ficar fisgado assim não é uma coisa ruim. Eu vou dizer junto com você, e pode-
Não é alguma coisa que “bons terapeutas da mos nos sentir um pouco tolos juntos.
ACT nunca fazem”. De fato, tomar uma atitu- Então veremos o que acontece. Você
de tão irrealista é, por si só, um exemplo de ser toparia?”
capturado por um pensamento. Ficar fisgado • “Essa coisa é pesada. Também para
assim é algo que todas as pessoas fazem, in- mim. Eu gostaria que fizéssemos um
cluindo as pessoas chamadas de “clientes” e as pequeno exercício. Será um tipo de coi-
pessoas chamadas de “terapeutas”. A questão sa com os olhos fechados. Iremos colo-
não é se o terapeuta ocasionalmente é apanha- car esse pensamento na mesa, e eu vou
do de surpresa. Isso inevitavelmente acontece. guiá-lo em notar o que o seu corpo faz,
Em vez disso, a questão é o que acontece a se- o que suas emoções fazem e o que a sua
guir. Assim, por exemplo, o terapeuta da ACT mente faz quando esse pensamento
pode se aquietar por algum tempo, observan- surge. Topa?”
do suas avaliações. Depois de algum tempo em
silêncio, ele pode dizer algo como (ou centenas Essa lista poderia continuar indefinida-
de coisas similares): mente. Quase qualquer técnica imaginável po-
deria se adequar a esse momento, se o terapeu-
• “Estou tendo um interessante diálogo ta estiver abordando o momento de maneira
interno sobre essa questão – na ver- consistente com a ACT. De forma alternativa,
dade, por que simplesmente não nos “técnicas da ACT” podem ser empregadas de
aquietamos por um minuto ou dois e modo fundamentalmente inconsistente com
observamos o que nossas mentes fa- o modelo de tratamento. Por exemplo, o te-
zem em resposta a isso?” rapeuta pode lutar com a ansiedade, deixá-la
• “Cara, fui fisgado por isso! Isso tam- de lado e forçar as palavras “Obrigado, mente,
bém o fisgou?” por esse pensamento” em um tom de voz des-
• “Estou me sentindo ansioso, confuso denhoso que sutilmente comunica que o clien-
e incompetente neste momento. Não te estava errado ao ter dito o que disse. O tera-
quero que você me resgate – eu tenho peuta pode apresentar para o cliente ou usar
espaço para isso –, mas é interessan- uma metáfora ou exercício de ACT para evitar
te como isso me impele a tentar fazer o desconforto do momento e se esconder por
alguma coisa para fazer com que desa- trás do papel de terapeuta. Por fim, pode inte-
118 Hayes, Strosahl & Wilson
lectualizar a questão ou, então, tentar ofuscar de áreas de dificuldade e crescimento: ele tam-
e confundir o cliente com conversa fiada psi- bém é um roteiro funcional para a evocação de
cológica para “ficar em vantagem”. interações sociais poderosas no consultório e,
Quando os terapeutas são confrontados consequentemente, para a promoção de novas
com material doloroso, eles estão na mesma habilidades de flexibilidade.
situação que seus clientes. Essa situação apre- Considere uma pessoa que foi criada por
senta uma oportunidade para os terapeutas pais emocionalmente evitativos e críticos.
crescerem – assim como, da mesma forma, Suponha que a pessoa tenha se adaptado a
representa uma oportunidade para os clientes esse tratamento ao longo da vida, tornando-
crescerem. Ao abordarem o conteúdo doloroso -se muito autocrítica e até mesmo evitando
com uma atitude que sugere abertura e aceita- todos os sentimentos ou sinais de intimidade
ção, os terapeutas têm menos probabilidade, e conexão por temer que a consequência seja
durante esse momento, de fazer julgamentos a rejeição. Fusão continuada ou esquiva pro-
sobre os clientes ou de transformar a terapia vavelmente seriam as origens da inflexibili-
em mero aconselhamento ou alguma coi- dade. Suponha que esse cliente agora comece
sa sobre a qual estar “certo”. Os clientes irão a mostrar maior abertura emocional na ses-
valorizar o quanto é difícil avançar para um são. É importante que esses primeiros passos
material emocionalmente carregado. É im- adiante sejam reforçados e apoiados, mas,
provável que esses benefícios aumentem se os em um sentido evolucionário, é importan-
terapeutas parecerem fusionados e evitativos. te que os critérios de seleção para o suces-
Os terapeutas não precisam estar totalmente so também evitem becos sem saída (“picos
livres de “problemas”; a motivação para tentar adaptativos”). O modelo de flexibilidade psi-
melhorar é suficientemente boa para manter cológica oferece orientação em todas essas
a ACT no caminho certo. Evidências de pes- áreas. Por exemplo, suponha que o terapeuta
quisas confirmam esse ponto. Em um estudo discuta as próximas férias e que o cliente res-
de terapeutas iniciantes, Lappalainen e cola- ponda expressando que se sente incomoda-
boradores (2007) identificaram que aqueles do. Levando em conta a história do cliente,
com apenas 12 horas de treinamento ou me- essa resposta pode ser um avanço positivo
nos eram significativamente menos confian- apesar do seu tom emocional negativo; ela
tes em executar a ACT do que a TCC tradicio- pode mostrar maior disposição para sentir-se
nal; além disso, mesmo que as preocupações emocionalmente conectado, mesmo ao custo
dos profissionais inexperientes diminuíssem de estresse e possível rejeição. Um terapeuta
menos com o tempo na ACT do que na TCC, sensato reagiria com aceitação, por exemplo,
os pacientes tratados com ACT tiveram me- dizendo “Estou tocado pela sua disponibili-
lhores resultados. Sentir-se desconfortável em dade em me deixar ver que você está inco-
realizar a ACT não significa necessariamente modado com a minha saída. É preciso cora-
ser ineficiente nela; de fato, a ACT pode hu- gem para fazer isso, e me permite saber que
manizar ou até mesmo fortalecer o trabalho. esta relação é importante para você. Ela é
Não é apenas importante ter como alvo, importante para mim também”. Respostas
digamos, a aceitação a partir de uma posição flexíveis oportunas por parte do terapeuta
de aceitação; também pode ser especialmen- provavelmente reforçarão ações flexíveis do
te poderoso fazer isso de forma receptiva – cliente, de modo que esses processos de mu-
de forma que abra espaço para metáforas ata- dança possam crescer e ser mantidos.
balhoadas e falhas de comunicação. Assim, Se habilidades de flexibilidade psicológica
o modelo de flexibilidade psicológica não só sustentam relações terapêuticas poderosas,
fornece um roteiro funcional para a detecção as medidas da aliança terapêutica devem ser
Terapia de aceitação e compromisso 119
mentos teóricos surgem de modo mais lento, disso, ele observa o que está presente e consi-
especificamente para aqueles sem treinamen- dera como funciona. Essa abordagem, é claro,
to analítico-comportamental funcional. Os se assemelha muito ao que o terapeuta está
pressupostos filosóficos, a disposição para tentando ensinar o cliente a fazer em meio às
abandonar alegações ontológicas e o foco na suas dificuldades. Intuitivamente, faz senti-
operacionalidade são com frequência difí- do que, se o terapeuta não é capaz de servir
ceis, mas o trabalho pessoal é talvez o mais como modelo para essa habilidade de assumir
desafiador de todos. Para essas intervenções uma perspectiva de observador dos processos
funcionarem da forma como se pretende cognitivos e verbais, seja improvável que a
que funcionem, o terapeuta precisa estar dis- mesma habilidade seja facilmente transferida
posto a entrar em uma relação com o cliente para o cliente. Uma forma especialmente útil
que seja aberta, acolhedora, coerente e con- de modelação ocorre quando o cliente pode
sistente com os princípios da ACT. O terapeu- ver que o terapeuta está arriscando alguma
ta não pode estar com “um pé fora” da ACT e coisa e permitindo que a vulnerabilidade pes-
ao mesmo tempo fazer ACT com integridade; soal entre na sala quando a esquiva seria uma
o que ele aporta para o trabalho e para a rela- alternativa fácil.
ção em si é essencial.
Uma característica definidora do terapeuta O conhecimento é obtido por
eficaz de ACT é a perspectiva que tanto encap- aproximação, não por esquiva
sule quanto informe seu trabalho. Essa pers-
pectiva é difícil de ser descrita em palavras, Uma característica adicional da relação tera-
e por uma razão simples: é um ponto de vista pêutica efetiva na ACT é a habilidade de enca-
caracterizado pela desliteralização e desfusão rar o compromisso com os valores escolhidos
da linguagem e pela autoaceitação, disponibi- e os objetivos resultantes como algo mais do
lidade e compromisso do terapeuta de “estar à que um exercício na busca de resultados po-
disposição” do cliente independentemente de sitivos na vida. Com frequência, a própria
os “botões” do terapeuta serem pressionados experiência pessoal do terapeuta com falhas
ou não. Como as questões abordadas pela ACT pessoais desalentadoras ou reveses pessoais
impactam o terapeuta de forma igualmente na vida deve ser invocada. O terapeuta da ACT
forte, simplesmente não é possível ser sensível aborda os obstáculos, as barreiras e os reve-
ao cliente segundo uma perspectiva da ACT ses pessoais como formas legítimas de cres-
sem aplicar essas mesmas perspectivas a si cimento e experiência. Compromisso envolve
mesmo. entrar em contato com essas barreiras e seguir
em frente – não passando por cima delas ou
Perspectiva de observador contornando-as, mas aceitando-as e abrindo
caminho através delas ou com elas.
O terapeuta da ACT desenvolve um desinte- Se a vida atual do terapeuta é caracteriza-
resse quase intuitivo pelo processo de racio- da pela esquiva de conteúdo estressante, en-
nalização, explicação e justificação por meio tão será muito mais difícil servir como modelo
do comportamento verbal, preferindo, em vez para uma resposta saudável. E, mais uma vez,
disso, uma abordagem atenta e experiencial- o sucesso da terapia se resume à questão de
mente aberta de todos os eventos privados. se o cliente (e o terapeuta) está disposto a abor-
Em suma, o terapeuta adota uma perspectiva dar e ultrapassar os obstáculos desagradáveis
de observador. Ele não questiona o conteúdo em nome da causa de atingir um resultado va-
que o cliente está levantando a partir de uma lorizado. Os terapeutas que aprenderam que
atitude defensiva ou condescendência. Em vez a superação dos obstáculos pessoais cria um
Terapia de aceitação e compromisso 121
No entanto, o terapeuta ACT não deve pas- ou coisa semelhante. Com frequência, o obje-
sar a se basear em dogmas espirituais ou reli- tivo do terapeuta com tais clientes é eliminar o
giosos. Na verdade, espiritualidade e religião, comportamento, independentemente dos ob-
como tais, são discutidas somente quando o jetivos que o cliente traga para o tratamento.
cliente traz essas questões para a sessão de te- O terapeuta, em resposta a um novo episódio
rapia. Entretanto, a ACT tem uma qualidade de beber compulsivo de um cliente, pode di-
inerente e inominavelmente espiritual. O tera- zer: “Bem, se a sua escolha é sair e beber no-
peuta da ACT precisa superar a resistência ini- vamente, espero que você esteja disposto a
cial que alguns têm ao serem levantadas ques- aguentar as consequências que com certeza
tões como “Quem é você?” e “O que você quer virão”. Aqui, o terapeuta está basicamente di-
que a sua vida signifique?”. Além disso, se o zendo: “Sua escolha não é a escolha certa – sua
cliente deseja falar sobre essas questões em escolha deve ser parar de beber. Você merece
termos espirituais ou religiosos, não há razão o que vai acontecer a seguir porque fez a es-
para resistir a esse processo se ele for um ca- colha errada!”. Usar escolha dessa forma pode
minho para conexão com os principais passos envergonhar o cliente para que temporaria-
na ACT. A maioria dos conceitos da ACT tem mente atinja o objetivo da sobriedade, mas,
paralelos nas principais tradições religiosas, na realidade, esta é uma forma de controle so-
e, portanto, uma ligação translacional entre as cial coercitivo, não uma “escolha” baseada em
crenças religiosas e os conceitos da ACT não valores que emana espontaneamente do clien-
é de todo problemática. Assim, por exemplo, te. Uma situação similar e igualmente per-
um cristão que entende o conceito de fé pode versa surge com clientes de grupos culturais
ser incentivado a fazer exercícios de compro- diferentes (ou identidades sexuais, religiões,
misso como um “ato de fé”. etc.). Usar a linguagem da escolha para coagir
um cliente por qualquer razão está fundamen-
Respeito radical talmente em discordância com a relação tera-
pêutica que é preconizada na ACT.
Um dos atributos mais importantes de um A fim de direcionar o cliente para o que
terapeuta ACT é sua postura de respeito radi- verdadeiramente funciona para ele, o tera-
cal, em que a habilidade básica do indivíduo peuta ACT deve estar disposto a assumir uma
para buscar fins valorizados está protegida. posição que foque na real experiência do pa-
Em essência, a ACT é inerentemente centrada ciente, e não nas ideias preconcebidas do te-
no cliente. rapeuta. O terapeuta ACT eficaz deve chegar
Há muita influência social implícita depo- à interação terapêutica de “mãos limpas” –
sitada na terapia. Influência social aprovei- caso contrário, cliente e terapeuta terão uma
tada para os objetivos do cliente é uma coisa, relação desigual e sutilmente desonesta. Por
enquanto influência social como um substi- exemplo, a ACT para agorafobia não envolve a
tuto para os valores e as escolhas do cliente é presunção automática de que o cliente precisa
inteiramente outra coisa. Muitos terapeutas começar a sair de casa imediatamente. Afinal
que usam palavras como escolha e valores su- de contas, o terapeuta ACT não está jogando
tilmente direcionam o cliente para resultados um jogo mental com o cliente; ele está engaja-
que eles acreditam que irão beneficiar o clien- do em uma busca compassiva por alternativas
te. Essa tendência com frequência ocorre de baseadas na experiência de vida e no respeito
forma explícita quando os terapeutas estão radical do terapeuta pelo cliente. Não existe
trabalhando com clientes engajados em com- nenhuma lei contra ficar trancado em casa.
portamentos socialmente inaceitáveis, tais A questão importante é se isso serve melhor
como agressão doméstica, intoxicação crônica aos objetivos de vida e aos valores do cliente.
124 Hayes, Strosahl & Wilson
Essa verdade experiencial em geral en- virtude do papel que o cliente solicitou que ele
volve entender que a fórmula para uma vida assumisse.
de sucesso é única para cada indivíduo. Não
existe uma maneira certa ou errada de viver Honrando a diversidade
a vida. Existem apenas consequências que
e a comunidade
decorrem de comportamentos humanos es-
pecíficos. Essa posição é terrivelmente difícil O terapeuta ACT também respeita e nutre a di-
de manter para terapeutas novos na ACT na versidade humana e responde de forma perso-
presença de comportamentos socialmente in- nalizada ao contexto social apresentado pelos
desejáveis. Assumir essa posição, no entanto, diferentes indivíduos. O cliente está olhando
não significa que o terapeuta ACT concorda para o mundo a partir de um contexto social,
com o cliente que afirma que alguma coisa e é importante levar algum tempo para ver o
está funcionando quando, de fato, não está. mundo através dos olhos do cliente de forma
Por exemplo, se um indivíduo com dependên- humilde e aberta. Talvez isso não seja diferen-
cia de drogas está perdendo o parceiro como te do que ocorre em outras formas de terapia,
resultado do seu uso de drogas – mas valoriza porém o modelo unificado dá a essa ideia uma
muito esse relacionamento –, o terapeuta ACT força especial nas áreas dos valores e do senso
não tem obrigação de fingir que essa adição transcendente de self. Examinaremos breve-
a drogas tem pouco efeito no fim valorizado mente esta última questão.
pelo cliente. Por trás do indivíduo com de- O cliente, em sua mente, compartilha a
pendência mais inveterado reside um espírito consciência com o terapeuta, ou seja, não é
humano que está tentando fazer algo positivo possível aceitarmos nossa própria dor e rejei-
acontecer na sua vida. Ao reconhecer a vitali- tarmos a dor dos outros sem violentarmos o
dade desse espírito e enfatizar que a vida é so- modelo. Da mesma forma, devido à moldura
bre fazer escolhas, o terapeuta é capaz de es- dêitica subjacente à consciência, “agora” es-
tabelecer uma aliança honesta. Se um cliente tá inextricavelmente relacionado a “depois”,
valoriza resultados na vida com os quais o te- e “aqui”, a “lá”. Não é possível nos preocupar-
rapeuta não consegue trabalhar, então o tera- mos com o mundo agora e não nos preocu-
peuta deve se retirar da terapia e encaminhar parmos com o mundo que deixaremos para
o cliente para outro lugar. No entanto, isso nossos filhos. Não é possível nos preocupar-
raramente acontece porque objetivos desvian- mos com a comunidade aqui sem estarmos
tes que são apresentados inicialmente como psicologicamente conectados com o sofrimen-
valores escolhidos na terapia com frequência to de outros que estão distantes.
não são valores verdadeiramente escolhidos. Estamos defendendo que, como uma
Um cliente pode dizer algo como “Eu só que- questão de processos básicos, a flexibilidade
ro ficar bêbado”, mas, quando essa resposta é psicológica inclui preocupar-se com a diversi-
mais explorada, o que acontece, em geral, dade e a pró-sociabilidade. Sexismo, racismo,
é que este é apenas um meio, não um fim. degradação ambiental, injustiça econômica e
Não é papel dos terapeutas suprir valores, mas social – esses problemas circundam a comu-
é papel dos terapeutas testar os meios, com nidade humana e, em pequena escala, se jun-
base em seu conhecimento e habilidades téc- tam a nós a cada sessão de terapia. Tentar ver
nicas e científicas. Assim, 99% dos supostos o mundo através dos olhos do cliente significa
conflitos de valores acabam se revelando con- que cada grama de preocupação que podemos
flitos apenas quanto aos meios, e ali o terapeu- trazer para questões de diversidade e comuni-
ta tem muito a oferecer na forma de alternati- dade é relevante para o trabalho de terapia que
vas – baseado na teoria e em evidências – em realizamos.
Terapia de aceitação e compromisso 125
Muito resta a ser aprendido sobre como fusão com a crença de que a vida é cheia de pe-
adaptar a ACT a diferentes populações, mas rigos, ameaças e incertezas e, portanto, deve
não é por acaso que pesquisadores da ACT têm ser abordada como uma proposição muito sé-
estado na vanguarda do uso de métodos psi- ria. O humor oportuno é inerentemente desfu-
cológicos para aumentar a pró-sociabilidade sionante. Talvez essa observação também aju-
e reduzir o preconceito e injustiça em áreas de a explicar por que os métodos de desfusão
como o viés racial (Lillis & Hayes, 2008), a na ACT com frequência são bem-humorados.
orientação sexual (Yadavaia & Hayes, no pre-
lo), o preconceito contra aqueles com proble- Monitorando diferentes níveis
mas mentais ou comportamentais (Hayes,
do contexto do cliente
Bissett et al, 2004; Masuda et al., 2007) e inú-
meras outras causas similares. Isso não quer O modelo de flexibilidade psicológica pode
dizer que a ACT esteja desvinculada da cultura ser aplicado a experiências terapêuticas em
ou de valores; ao contrário, ela fornece um mé- três níveis: o conteúdo e a função da questão
todo de incorporação de adaptações culturais específica que o cliente levanta; a questão
focado em processos (veja Masuda, no prelo, como uma amostra do comportamento social
para um tratamento extenso desse tópico). do cliente fora da terapia; e a questão como
uma declaração em relação ao terapeuta.
Humor e irreverência Se um cliente levanta uma questão sobre um
problema em casa, é importante examiná-lo
Como o terapeuta da ACT já experimentou como uma questão em casa, ou seja, tomar os
muitas das mesmas dificuldades que o cliente, relatos verbais do cliente como acerca de algu-
há uma oportunidade de capitalizar as expe- ma coisa e lidar com seu conteúdo e função.
riências compartilhadas assumindo uma vi- Também é importante observar que a ques-
são um tanto irreverente e irônica da situação tão pode ser um exemplo do comportamento
do cliente. Irreverência não é a mesma coisa social do cliente de modo mais geral ou que a
que ser condescendente com o cliente. A irre- questão pode surgir em um momento especí-
verência do terapeuta deriva da apreciação da fico da sessão com o terapeuta e pode ter uma
loucura e dos emaranhados verbais que envol- função especial nesse contexto. O terapeuta
vem todos os seres humanos. eficaz da ACT invariavelmente monitora o
Muitos conceitos, técnicas ou declarações conteúdo do cliente nesses múltiplos níveis,
da ACT são inerentemente irreverentes. Por sempre focando nos níveis que são de maior
exemplo, um terapeuta da ACT poderia dizer: importância. Por exemplo, se um cliente está
“O problema aqui não é que você tenha pro- falando sobre a dor de um namoro que termi-
blemas... é que eles continuam a ser os mesmos nou e se sentindo abandonado, o terapeuta
problemas. Você precisa de problemas novos!”. também precisa monitorar a possibilidade de
Se os outros aspectos da postura do terapeu- que contar uma história como essa pode acon-
ta da ACT estiverem bem estabelecidos, esse tecer em outros contextos sociais e considerar
comentário não será visto como crítico ou pe- quais funções isso pode ter. Por exemplo, isso
jorativo. O terapeuta está fazendo graça com pode se encaixar em uma visão mais geral de
o sistema que oprime todos nós, não apenas o que o mundo é injusto e não se pode confiar
cliente. Ao usar humor negro ou ironia e tratar nas pessoas. A história também pode ser uma
os problemas com um pouco de irreverência, declaração indireta sobre a relação terapêuti-
o terapeuta da ACT geralmente consegue que o ca, na medida em que o cliente pode estar ex-
cliente questione se não está levando seus pro- pressando temores de que o terapeuta o aban-
blemas muito a sério. A provável culpada é a done ou pode estar alertando o terapeuta das
126 Hayes, Strosahl & Wilson
consequências desastrosas, caso isso ocorra. mente é reforçada a ideia de que existe uma
A utilidade clínica orienta qual nível ou níveis formulação verbal “correta” de como viver e
são escolhidos para serem focados em deter- que o cliente simplesmente adotou a errada
minado momento, mas, a menos que todos – como se o cliente estivesse “danificado” e o
os níveis sejam monitorados e considerados terapeuta fosse “oh, tão inteligente”.
dentro do modelo de flexibilidade psicológica, Não é função do terapeuta ACT convencer
importantes fontes de informação podem ser o cliente a acreditar nos princípios da ACT.
perdidas. Se um terapeuta ACT diz “Não acredite em
uma palavra do que estou dizendo”, isso deve
PONTOS DE ser sincero (em outras palavras, até mesmo
essa própria invocação não deve ser acredita-
ALAVANCAGEM da) e deve se aplicar igualmente ao terapeuta,
NEGATIVOS NA ACT não só ao cliente.
Quando os terapeutas começam a intelec-
A ACT frequentemente envolve uma explo- tualizar excessivamente a ACT, isso se mani-
ração aprofundada dos mais íntimos pensa- festa nas sessões como uma quantidade ex-
mentos, sentimentos, valores ou visões de cessiva de verbalizações do terapeuta (dado o
self e, ainda, a formação de um forte vínculo propósito da sessão), passividade relativa do
emocional e terapêutico com o cliente. Devido cliente e ausência de exercícios experienciais
a essas considerações, o terapeuta deve estar não verbais que poderiam cortar os emara-
ciente das armadilhas mais comuns que levam nhados verbais. O terapeuta ACT que intelec-
ao mau uso das estratégias da ACT. tualiza excessivamente costuma reagir com
frustração quando o cliente indica que não
A ACT não é meramente está acompanhando o que ele está tentando
um exercício intelectual dizer ou atingir. Então, para piorar ainda mais
as coisas, o terapeuta recorre a moralizar,
A ACT incorpora um conjunto complexo de a repreender e a dar mais explicações.
filosofias, estratégias e técnicas. Embora a Esse problema é uma das questões mais
terapia procure enfraquecer formas contra- comuns tratadas em supervisão na ACT. As
producentes de controle verbal, a maioria próprias palavras do terapeuta frequentemen-
dos princípios e das técnicas da ACT precisa te revelam a verdadeira origem do problema.
inicialmente ser comunicada verbalmente. Na supervisão, os terapeutas que intelectuali-
As ideias filosóficas, as pesquisas teóricas bá- zam em excesso costumam dizer coisas como:
sicas, as declarações inteligentes, as metáforas “Nós falamos sobre aceitação” ou “Nós discutimos
e os exercícios abrangidos pela ACT têm apelo o conceito de compromisso” ou “Eu levantei a
intelectual para muitos terapeutas. É crucial questão da esquiva dele” ou “Eu estava ten-
que esse apelo não seja convertido em uma tando mostrar ao cliente que...”. As palavras
visão da ACT como única ou predominante- em itálico são sugestivas de intelectualização;
mente um exercício intelectual com o clien- a ACT não é sobre a adoção de conceitos – em
te. Quando o conteúdo verbal é enfatizado de vez disso, é trabalho no aqui e agora. Sim,
forma excessiva, o resultado é que o terapeu- a ACT envolve questões e usa palavras – mas
ta se engaja em técnicas de persuasão verbal apenas como ferramentas para entrar em con-
para fazer o cliente concordar que o terapeuta tato com alguma coisa que é diretamente rele-
está certo e que o cliente estava errado o tem- vante experiencialmente para o cliente.
po todo. Esse tipo de interação é a antítese de Se uma vida empoderada pudesse ser ra-
uma relação efetiva na ACT em que essencial- pidamente entendida intelectualmente, não
Terapia de aceitação e compromisso 127
há dúvida de que o cliente já estaria vendo a que englobam os processos da ACT (p. ex.,
vida na forma “correta”. A dolorosa ironia é um terapeuta servindo de modelo para a dis-
que intelectualizar a perspectiva da ACT – ponibilidade de estar presente com o cliente
e então idealizá-la na terapia – é a forma mais enquanto um evento traumático é reconta-
provável de impedir que o cliente a desenvol- do). A função triunfa sobre a forma em todas
va em um sentido funcional. Quando o cliente as áreas, e ter a flexibilidade de monitorar e
obviamente não entende ou se sente confuso, buscar mudanças funcionais é o traço de um
é inútil e contraproducente para o terapeuta bom terapeuta ACT.
perder tempo racionalizando premissas lógi-
cas ou intimidando o cliente. Dando um modelo de
A intelectualização pode ser um processo
inflexibilidade psicológica
difícil de corrigir depois que começa com de-
terminação porque o cliente costuma se colo- A modelação* da inflexibilidade psicológica
car tacitamente na posição de tentar agradar ocorre mais frequentemente com os clientes
ao terapeuta adotando as respostas “corretas” mais perturbados, que podem assustar ou
da ACT. Enquanto isso, o senso de vitalida- preocupar os terapeutas com seus comporta-
de do cliente e sua conexão com a terapia se mentos de alto risco, tais como suicidalida-
dissipam. Enquanto a ACT, na sua aplicação de, automutilação, comportamentos bizarros
apropriada, é compassivamente confronta- e outros mais. Se o terapeuta não consegue
cional, sua versão intelectualizada tende a ser aceitar o cliente como um ser humano com
acusatória e irônica. dilemas legítimos e honoráveis na vida real,
A correção habitual é reduzir o domínio então como o cliente irá aceitar e enfrentar
verbal que o terapeuta tem do tempo da ses- esses dilemas?
são. Como uma regra de ouro curativa para Esse problema pode se apresentar de várias
corrigir a situação, não mais de 20% da sessão maneiras durante o curso da ACT. O terapeu-
deve envolver os princípios e conceitos da ACT ta pode seletivamente reforçar os pensamen-
em um sentido nitidamente verbal (e mesmo tos ou os comportamentos do cliente que são
essa porcentagem pode ser excessiva). Em socialmente desejáveis, ao mesmo tempo em
vez disso, o terapeuta deve usar metáforas, que ignora ou contesta experiências que são
exercícios e processos no momento presente – avaliadas de modo negativo. Em outras pala-
todos eles associados a eventos na vida real de vras, o terapeuta está demonstrando a aceita-
relevância direta para o cliente. Se ficar pre- ção de eventos positivos e a rejeição de eventos
so à intelectualização, o terapeuta deve obter negativos – precisamente o que o cliente por
supervisão adicional e ter um colega clínico certo já estava fazendo antes do tratamento.
observando uma sessão ou duas. Quando as Às vezes, os terapeutas respondem a um
coisas retomam seu rumo, essas instruções conjunto de comportamentos, cognições e
podem ser suspensas, e a terapia pode prosse- sentimentos negativos tentando explorar
guir mais espontaneamente. “onde você aprendeu essa forma de pensar”.
Pode ocorrer um problema similar quan- Perguntar de onde pode ser proveniente esse
do o compromisso com técnicas da ACT está conjunto particular de pensamentos e sen-
atrapalhando a realização da terapia. Respos- timentos – como se fosse descobrir como re-
tas simples, genuínas e naturais têm um lu- movê-lo – é um sinal certo de problema. O uso
gar na terapia, tanto quanto as metáforas e os clínico das palavras por que é quase sempre um
exercícios. É perfeitamente possível realizar
uma sessão de ACT sem qualquer metáfora
ou exercício, baseada em interações naturais * N. de R.T.: Aprendizagem a partir de modelo.
128 Hayes, Strosahl & Wilson
erro. É um convite para apresentar razões ou entrar em contato com o que está sendo evita-
narrativas e em geral leva cliente e terapeuta do, a vida automaticamente irá assumir uma
a um beco sem saída. Costuma ser mais pro- direção positiva.
dutivo pedir que o cliente descreva os even- A esquiva emocional é uma característica
tos internos (incluindo pensamentos sobre a central do trabalho da ACT – mas apenas na
própria história) que aparecem em associação medida em que ela bloqueia o cliente, impe-
com o material difícil. O plano é ver o que está dindo-o de buscar uma direção comprome-
ali – e não resolver, como se a vida da pessoa tida na vida. Os eventos privados nos quais
fosse um problema. o terapeuta ACT está mais interessado são
A forma de abordar essas dificuldades é aqueles que vêm à tona depois que o cliente
reconhecê-las, desfusioná-las e retornar à dá início a ações valorizadas. Quando o clien-
essência do trabalho. O terapeuta deve con- te avança para o estabelecimento de um pro-
siderar os valores pessoais que estão envol- cesso de vivência vital, sentimentos, pensa-
vidos na terapia e, a partir dessa posição, mentos e lembranças negativos evitados irão
seguir para a próxima sessão. Sentimentos de fato vir à tona. Abordar essas experiências
de medo, repulsa ou frustração sobre o que não é um exercício esotérico de “entrar em
está se revelando com um cliente não são, contato com seus sentimentos” simplesmen-
por si só, ruins. Tais sentimentos não sig- te porque a emoção em si é considerada como
nificam o que eles dizem o que significam. inerentemente saudável. Essas experiências
A solução é a mesma tanto para o terapeu- são munição para a ACT porque o objetivo é
ta quanto para o cliente. Apropriadamente a flexibilidade comportamental e a ação va-
identificado, esse tipo de dificuldade pode ser lorizada.
uma coisa boa porque significa que o terapeu- O terapeuta pode ser tentado a rapida-
ta pode compreender inteiramente o quanto é mente embarcar no comboio da esquiva
difícil fazer o que ele está pedindo que o clien- emocional poucos minutos depois de ini-
te faça. Trazer esse senso de humildade para o ciar a primeira sessão, mas a linguagem que
consultório pode tornar a terapia mais efetiva acompanha essa escolha frequentemente é
e humana, colocando a relação terapêutica em indistinguível da linguagem de outras psi-
outro patamar. coterapias populares que enfatizam a desco-
berta emocional por si só (“Você só precisa
Foco excessivo no sentir seu sentimento!”). De todos os erros
processamento emocional que um terapeuta ACT pode cometer, este é
provavelmente o mais sedutor porque é con-
Uma falsa concepção comum acerca da ACT é sistente com boa parte da literatura contem-
a de que o objetivo central é colocar os clien- porânea e algumas vezes pode parecer quase
tes “em contato com seus sentimentos”, a qual impossível de distinguir do trabalho louvável
está atrelada a uma ideia cultural muito popu- da ACT. Além disso, é difícil mesmo para
lar relativa à necessidade de liberar sentimen- terapeutas experientes distinguir confiavel-
tos reprimidos e frustrações passadas. Um se- mente e ignorar esse tipo de convite à cha-
gundo derivado dessa posição é acreditar que furda emocional como se o progresso clínico
todo o sofrimento psicológico do cliente pode pudesse ser medido pelo número de lágrimas
ser explicado como uma função da esquiva de por minuto. A solução para esse erro é retor-
certos sentimentos. Portanto, a primeira táti- nar aos exercícios ativos associados aos va-
ca pode ser perguntar ao cliente de forma mais lores e à mudança do comportamento. Se o
ou menos direta o que ele está evitando. A su- trabalho emocional valer a pena, isso ficará
posição implícita aqui é a de que, se o cliente evidente nesse ponto.
Terapia de aceitação e compromisso 129
◊ Por que o ato de entrar em terapia é uma extensão da intenção de mudança do cliente.
◊ Como usar a definição do cliente de melhor para informar a intenção de mudança sub-
jacente.
◊ Como usar o conceito de operacionalidade para avaliar os esforços passados de mudança
do cliente e os custos emocionais correspondentes.
◊ Como abordar as principais diferenças entre o que a mente do cliente diz que deve fun-
cionar versus os resultados que o cliente realmente está obtendo.
◊ Como estimular um senso criativo de desesperança, de modo que o cliente esteja dis-
posto a começar a confiar na sua própria experiência em vez de se culpar por eventuais
limitações.
◊ Como usar as informações derivadas durante as primeiras sessões para decidir em qual
processo central da ACT mirar primeiro.
os amigos e a família, recusar-se a dirigir seu com a convicção de que o terapeuta fornecerá
carro, beber, usar drogas, comer em excesso, um insight ou uma estratégia prática que pos-
praticar automutilação ou coisas afins. sibilitará que a intenção existente seja cum-
Rotularíamos algumas dessas respostas prida. Os terapeutas experientes sabem que
como “positivas” e outras como “negativas”, o simples fato de o cliente procurar ajuda não
se consideradas individualmente. Considera- significa que ele esteja disposto a se engajar
das como uma classe, no entanto, essas estra- em uma mudança comportamental real. Esses
tégias são “farinha do mesmo saco” porque se clientes com frequência são descritos como
originam dentro da mesma intenção cultural- “resistentes”, mas, na verdade, praticamente
mente moldada que o cliente está seguindo para todos os clientes são resistentes de um modo
resolver o problema. Normalmente, o objeti- particular.
vo de tais estratégias é controlar ou eliminar o
sofrimento psicológico. Basicamente, o cliente
está tentando encontrar uma forma de se sentir RESISTÊNCIA MOLDADA
melhor. Da mesma forma que retirar a mão do CULTURALMENTE
queimador incandescente faz você se sentir me-
lhor, os clientes transportam essa mesma defi- Se uma pessoa empregou muito esforço para
nição de melhor para o seu mundo psicológico. reduzir o sofrimento emocional e ainda assim
Melhor é estar livre da emoção, do pensamento, está procurando ajuda, uma das duas coisas
da lembrança ou da sensação ativamente dolo- se aplica: ou (1) a pessoa não encontrou a ma-
rosa que o cliente está experimentando. neira certa de solucionar o problema ou (2) o
Essas respostas são altamente organiza- “resultado desejado” se originou em uma abor-
das; não são aleatórias. Se fossem aleatórias, dagem falha ou inviável da situação-problema.
o cliente estaria muito melhor porque so- Quase sem exceção, os clientes acreditam que
luções inviáveis seriam abandonadas rapi- é a primeira circunstância que se aplica ao seu
damente, e abordagens viáveis seriam des- caso. Eles costumam se culpar por não encon-
cobertas por tentativa e erro. Assim como a trarem a fórmula certa e buscam o terapeuta
evolução biológica não pode funcionar sem para validar a intenção básica e lhes revelar o
variabilidade e seleção, a evolução comporta- passo que falta para que essa abordagem fun-
mental saudável é melhorada pela flexibilida- cione. A expectativa é a de que a direção que o
de psicológica e por um foco na operacionali- terapeuta toma ratifique a intenção de mudan-
dade. De forma paradoxal, a ACT visa ajudar ça culturalmente modelada ou leve a discussão
o cliente a recuperar a habilidade de ser mais para alguma direção inesperada. Esta é a en-
variável, ouvir os resultados e ser incansa- cruzilhada que cada terapeuta deve enfrentar.
velmente experimental na abordagem. Essa Entretanto, a perspectiva da ACT é a de
progressão não poderá acontecer enquanto o que o resultado conceitualizado, ou seja, a
cliente estiver absorvido e fixado na aplicação suposta solução, com frequência é o próprio
de um modo verbal de solução de problemas problema. A maioria dos clientes são pessoas
que enfatize a importância de atingir um re- inteligentes, sensíveis, preocupadas, que, se
sultado inatingível. tivessem uma oportunidade razoável, prova-
Na maioria dos casos, os clientes vêm velmente encontrariam uma solução efetiva.
para a terapia com uma sensação de que es- O problema é que seu treinamento cultural
tão “emperrados” – incapazes de produzir ou não lhes dá uma chance objetiva de sucesso.
manter um dinamismo positivo direcionado Em vez disso, os esforços dos clientes para a
para o controle ou a eliminação do sofrimento resolução de problemas são orientados por
emocional. O cliente costuma procurar terapia regras culturalmente sancionadas que descre-
132 Hayes, Strosahl & Wilson
vem como os problemas devem ser identifica- cia das dificuldades que enfrentamos quando
dos, analisados e resolvidos. Essas diretrizes tentamos ajudar um cliente que está sofren-
mentais e pressupostos culturais especificam do. Esse modelo essencialmente sugere que
quais resultados psicológicos e vitais são im- eventos internos incontroláveis – como senti-
portantes e como atingi-los. Anteriormente mentos dolorosos, pensamentos angustiantes,
mencionamos as características essenciais lembranças assustadoras, imagens desagra-
dessa intenção de mudança falha: dáveis ou sensações físicas desconfortáveis
– precisam ser controlados ou eliminados
• Problemas psicológicos podem ser defi- para que seja possível atingir a saúde pessoal.
nidos como a presença de sentimentos, Em vez de encarar as experiências internas
pensamentos, lembranças, sensações indesejadas como sinais que devem receber
corporais desagradáveis, entre outros. atenção e ser usados para motivar uma ação
• Essas experiências indesejáveis são efetiva (a raiz em latim de emoção significa
vistas como “sinais” de que algo está “movimento”), a instrução cultural é matar o
errado com o cliente e de que alguma mensageiro emocional. Em vez de reconhecer
coisa precisa mudar. que as emoções quase nunca são “erradas” em
• Uma vida saudável não pode ocorrer um sentido funcional, o cliente tradicional-
até que essas experiências negativas mente aprendeu que emoções negativas são
sejam eliminadas. “tóxicas” e, portanto, são o problema a ser re-
• O cliente precisa se livrar das experiên- solvido ou eliminado. Essa instrução simples,
cias negativas corrigindo os déficits porém letal, cria um efeito dominó de esforços
que as estão causando (p. ex., falta de mal conduzidos para a resolução de proble-
confiança, desconfiança nas relações). mas cujo resultado frequentemente é o clien-
• A melhor forma de obter isso é enten- te acabar bloqueado. Enquanto for permitido
dendo e modificando os fatores que que esses esforços para resolução de proble-
são as causas das dificuldades (p. ex., mas predominem sobre a experiência direta,
baixa autoconfiança resultante de pais o cliente continuará a sofrer. Como essas re-
excessivamente críticos; desconfiança gras culturais tradicionais estão inseridas na
causada por abuso sexual). própria linguagem, elas não saltam natural-
mente aos olhos dos clientes ou terapeutas.
A observância dessa abordagem para re- O problema básico que o terapeuta preci-
solução de problemas cria resultados tóxicos sa enfrentar de algum modo no começo é que
para muitos clientes; no entanto, esses clien- o cliente está fusionado, ou excessivamen-
tes prontamente defendem a validade dessa te identificado, com a ideia de que saúde é a
abordagem. Eles com frequência olham para ausência de sofrimento emocional e que, por-
o terapeuta com incredulidade quando se co- tanto, esforços deliberados de controle serão
loca em questão diretamente a utilidade dessa bem-sucedidos para atingi-la. O cliente não
abordagem. Eles querem que o terapeuta lhes vê “o elefante na sala”, e simplesmente apon-
dê a solução mágica que tornará bem-suce- tar que existe um elefante ali não vai dissu-
dida outra rodada de esforços de controle e adi-lo de agir segundo a intenção existente.
eliminação. Como é o caso com tantos aspectos da ACT,
o terapeuta precisa usar as palavras de formas
O ELEFANTE NA SALA altamente estratégicas para ajudar o cliente a
se mover centímetro por centímetro em dire-
O modelo de saúde pessoal culturalmente pro- ção ao reconhecimento da armadilha verbal
movido e de como alcançá-lo está na essên- que foi montada.
Terapia de aceitação e compromisso 133
Como conseguimos que o cliente mude aqueles com considerável insight e motivação
sua atenção das explicações autocríticas e re- para mudança – irá defender vigorosamente a
forçadoras desse propósito para o motivo dos ideia de que saberão que são saudáveis quando
esforços de mudança terem falhado (p. ex., não mais experimentarem dor pessoal signi-
“Não tenho força de vontade suficiente”; “Não ficativa. Por essa razão, a exploração mente
tenho a confiança necessária”; “Minha histó- versus experiência é com frequência a primeira
ria de abuso me impede de me autoafirmar”; ordem do dia.
“Este é apenas outro exemplo de como eu per- O que vem a seguir, neste capítulo, é uma
co coisas que são importantes para mim”)? descrição do que normalmente precede o de-
Como conseguimos que os clientes comecem a senvolvimento de um contrato terapêutico.
questionar a legitimidade do modelo tradicio- Às vezes, com clientes particularmente re-
nal de mudança (p. ex., “Talvez o objetivo não ceptivos, podemos avançar rapidamente em
seja controlar como eu me sinto ou penso ou alguns desses passos, mas em geral não de
do que me recordo”; “Talvez meu objetivo seja forma plena. O ritmo e a sequência exatos de-
defender meus valores nesta situação e tomar penderão de quão próximo o cliente estiver
uma atitude, mesmo que esteja angustiado”; durante a fase de descrição do problema e da
“Talvez esta seja a forma de promover minha rapidez com que o terapeuta deve enfrentar o
sensação de saúde e bem-estar”)? Se tivésse- sistema que até o momento enredou o cliente.
mos uma solução mágica que pudesse ajudar
o indivíduo que sofre a sair completamente
de seu condicionamento cultural, este livro
O QUE VOCÊ JÁ TENTOU?
não seria nada mais do que uma fração de seu COMO FUNCIONOU?
tamanho. Porém, como ocorre com muitas O QUE ISSO LHE CUSTOU?
lições importantes na vida, o cliente precisa
aprender isso por um caminho difícil. No começo da terapia, os objetivos imediatos
No âmbito comportamental, o ato de in- são neutralizar a fixação do cliente em seguir
gressar na terapia é um reconhecimento de as regras culturais tradicionais e começar a
que – não importa com que diligência o cliente semear dúvida sobre a eficácia da abordagem
tenha seguido o “propósito de mudança atra- básica que ele vinha usando. A melhor manei-
vés de controle e eliminação” – os resultados ra de lidar com esse sistema é focar continua-
esperados não estão se materializando. Essa mente em uma discussão sobre o que está fun-
falta de progresso nos dá, como clínicos, uma cionando e o que não está. O contraste entre o
vantagem distinta na interação. Se continuar- que as regras culturais dizem que deve acon-
mos voltando aos resultados que o cliente está tecer e o que na verdade está acontecendo é o
experimentando versus os resultados que o elemento fundamental para a criação de um
modelo de mudança cultural promete, temos contexto diferente para mudança.
uma ferramenta motivacional incorporada. Tipicamente, o terapeuta ACT inicia esse
Normalmente, o cliente não vai nem mesmo processo identificando o sistema que o cliente
reconhecer que regras mentais inviáveis estão vem seguindo, o que envolve focar o diálogo
sendo seguidas. Estabelecer essa questão di- em quatro perguntas principais:
retamente em uma interação verbal pode fun-
cionar bem com alguns clientes de funciona- 1. O que o cliente deseja como resultado
mento superior. E, se a descrição do problema ideal?
for minuciosa, o estágio do contrato terapêu- 2. Que estratégia (ou estratégias) o cliente
tico pode ser alcançado quase imediatamente. já tentou?
No entanto, a maioria dos clientes – mesmo 3. Como isso funcionou?
134 Hayes, Strosahl & Wilson
4. Qual foi o custo pessoal de seguir essa carregadas por sistemas de regras prévios.
estratégia (ou estratégias)? Segundo uma perspectiva motivacional, tam-
bém é importante que o cliente compreenda
A justificativa teórica para essa aborda- inteiramente os custos consideráveis de con-
gem é importante. O cliente está operando tinuar a seguir uma intenção de mudança in-
sob a influência de um “caminho” geral que viável. As estratégias de controle e eliminação
diz o seguinte: identifique o problema (“maus” não são de forma alguma inofensivas – elas
pensamentos, sentimentos, etc.), elimine o pioram materialmente a situação do cliente. O
problema (eliminar “maus” pensamentos, cliente não apenas está produzindo de forma
sentimentos, etc.), e então a vida vai melhorar inadvertida mais dor psicológica, como tam-
(p. ex., “Vou ter um trabalho, casamento, ... bém a persistência das estratégias de controle
gratificante”). quase inevitavelmente penetra no mundo ex-
O objetivo de identificar com o cliente as terno. Isso se dá porque a estratégia principal
várias estratégias que estão sendo emprega- de esquiva experiencial é a esquiva situacio-
das é ajudá-lo a reconhecer seu propósito e nal, ou comportamental. Sempre que o cliente
fazer contato direto com os custos pessoais começa a se engajar em esquiva situacional,
de segui-lo. O objetivo é colocar o cliente em inevitavelmente decorrem consequências no
contato com sua experiência da operaciona- mundo real. A relação conjugal sofre, o de-
lidade dessa abordagem, de modo que seja sempenho profissional se deteriora, e com-
criada uma abertura para alternativas. Tam- portamentos protetivos da saúde (como comer
bém queremos que o cliente comece a ver as bem, dormir bem, fazer exercícios) declinam.
semelhanças entre as várias estratégias de en- Assim, o cliente se defronta com uma dupla
frentamento para que a discussão possa mu- situação negativa: o estresse psicológico cres-
dar para a questão geral de tentar controlar ou centemente incontrolável e as consequências
eliminar experiências privadas. Incluir muitos negativas do comportamento evitativo no
exemplos em uma classe maior é recomendá- mundo real. Pode ser suficiente para alguns
vel porque torna mais provável que visar a clientes simplesmente ver a natureza inviável
extinção de algum deles leve ao enfraqueci- de suas estratégias de enfrentamento em sua
mento da classe inteira (Dougher, Auguston, mente, porém é mais útil fazer contato com os
Markham, & Greenway, 1994; Dymond & Ro- custos dessas estratégias no mundo material.
che, 2009). Em essência, o terapeuta ACT está Ver o que não está funcionando é o que motiva
tentando agrupar a maioria das “soluções” o cliente a procurar novas soluções.
prévias do cliente, se não todas, em uma clas-
se do tipo “controle da experiência privada é O que é “melhor”?
igual a uma vida de sucesso” de modo que a
validade da classe inteira de “soluções” possa O cliente tem-se esforçado intencionalmente,
finalmente ser examinada e desbancada. Elas não aleatoriamente. A melhor maneira de ter
não estão funcionando. acesso aos seus objetivos é obter uma noção de
Quando o cliente faz contato com a na- como seria a situação se o problema subjacen-
tureza inviável da intenção de “controle e te fosse resolvido. Na ACT, o cliente pode ser
eliminação” focada no mundo interno, ele questionado: “O que lhe indicaria que sua vida
com frequência não sabe o que fazer a seguir; estaria funcionando melhor? O que você esta-
chamamos essa fase do desenvolvimento de ria fazendo de diferente?” ou “Se acontecesse
“desesperança criativa”. Durante esse período um milagre, e essa situação fosse resolvida,
de transição, estratégias inteiramente novas o que você notaria e que seria indicativo de que
podem se desenvolver sem que sejam sobre- as coisas estão indo melhor?”. Essas perguntas
Terapia de aceitação e compromisso 135
permitem que o terapeuta obtenha a definição los emocionais que a cliente está tentando ul-
do cliente da “solução” do problema que está trapassar.
presente. Ouvir com “ouvidos da ACT” é mui- O segundo objetivo desse conjunto de per-
to importante aqui. Normalmente, o cliente guntas é rapidamente engajar a cliente em
descreve um objetivo de processo – remover al- uma discussão acerca dos valores pessoais
gum evento privado indesejado que aparen- e do que ela gostaria de obter da vida. Essas
temente está impedindo que ele siga bem sua visões de uma vida melhor são os objetivos de
vida (“Eu acordaria e não me sentiria depri- resultado. Como discutiremos posteriormente,
mido”; “Eu poderia ter relações íntimas com alguns objetivos de resultados são objetivos
meu namorado sem experimentar flashbacks”; verdadeiros, e outros provavelmente funcio-
“Eu não me sentiria sem valor quando alguém nam mais como valores. Essa interação inicial
me criticasse”; “Eu poderia passar o dia sem não é uma avaliação integral de valores nem
sentir urgência de beber”). Essas respostas o planejamento de objetivos que pode ocorrer
tendem a destacar as experiências privadas posteriormente ao longo da terapia. É apenas
que o cliente está tentando suprimir, controlar uma tentativa de abordar o que o cliente gos-
ou evitar. Elas também fornecem um ponto taria de ver acontecendo.
de entrada para uma discussão sobre a esqui-
va comportamental, ou seja, as tentativas do Terapeuta: O que você estaria fazendo dife-
cliente de evitar a estimulação de experiên- rentemente se não experimentas-
cias internas indesejadas, evitando situações, se flashbacks e ataques de ansieda-
eventos ou interações que as desencadeiam. de quando você e seu namorado
Como, por definição, esses obstáculos emo- estão a ponto de ter intimidade?
cionais permanecem como preocupações Paciente: Eu poderia relaxar, curtir o mo-
atuais (é por isso que o cliente está buscando mento de intimidade e ser recep-
a sua ajuda), o terapeuta pode inverter a per- tiva às necessidades dele. Eu con-
gunta e dizer algo como: seguiria compartilhar com ele o
quanto o amo.
Terapeuta: Então, acordar e se sentir depri-
Terapeuta: Parece que você tem investido
mida é um problema em que você
muito para transformar essa re-
não conseguiu progresso – isso
lação em um reflexo do que você
está correto? O que acontece a se-
quer ser como uma parceira na
guir quando você acorda e perce-
vida. Isso é muito bom. Parece
be que está deprimida?
que o impacto de ter flashbacks e
Cliente: Bem, eu tenho que decidir se vou ansiedade é que eles estão ten-
para o trabalho ou não. Se eu esti- tando bloqueá-la e impedi-la de
ver muito deprimida, apenas ale- realizar seus sonhos para esse re-
go que estou doente e volto para a lacionamento.
cama e tento sumir.
Terapeuta: Então, uma estratégia que você Nesse caso, o terapeuta está simplesmente
usa para controlar sua depres- reconhecendo os valores da cliente e apontan-
são é deixar de ir para o trabalho do para o fato de que existe um conflito entre
para economizar suas energias – o que ela quer e com o que ela tem que lidar na
correto? forma de obstáculos emocionais. Essa estra-
tégia é um tipo de “identificação”. O terapeuta
Esse tipo de interação breve começa a dar simplesmente observa esse valor importante e
ao terapeuta um “retrato” dos vários obstácu- os obstáculos associados e os afixa no quadro
136 Hayes, Strosahl & Wilson
de avisos para serem abordados posterior- não deixa claro se a cliente consegue distin-
mente na terapia. guir entre uma coisa e outra. Os objetivos de
O sistema que costuma estar sufocando o resultado incluem assumir o controle de sua
cliente envolve o fato de que ele erroneamen- vida, ter um relacionamento que seja válido
te associa objetivos de resultado e objetivos e íntimo e ter um bom relacionamento com
de processo. Raramente atingir um objeti- seus filhos. Esses resultados estão bloqueados
vo de processo garante que um objetivo de re- por vários obstáculos psicológicos: autoaver-
sultado associado será realizado, mas a inten- são, sentir-se insegura, sentir-se mal e pensar
ção de mudança tradicional está baseada nes- “Estou mal”. Ao fazer essa pergunta inocente,
se pressuposto. O terapeuta deve estar atento o terapeuta expôs o sistema inviável central da
a declarações que expressem conexão direta cliente: quando a insegurança e os maus sen-
entre atingir um objetivo de processo e rea- timentos desaparecerem, a cliente será capaz
lizar um objetivo de resultado. Por exemplo, de viver uma vida mais intensa e significativa.
no diálogo a seguir, a cliente está deprimida, Mudar os maus sentimentos é um objetivo de
ansiosa e em meio a um divórcio prolongado processo. Viver bem é um objetivo de resulta-
e desagradável a que ela deu início somente do. A resposta também revela alguns dos es-
depois de sofrer durante muitos anos com um forços que foram empregados para tentar fa-
relacionamento infeliz. zer esse sistema funcionar: a cliente se “sentia
melhor” quando bebia, mas sentir-se melhor
Terapeuta: O que você quer da terapia? não levou a uma vida melhor; na verdade,
Cliente: Preciso me sentir melhor comi- beber tornou sua vida muito menos tolerá-
go mesma. Algumas vezes acho vel. Atingir o objetivo de processo (sentir-se
que eu quase me odeio. Sou in- melhor) estava, na verdade, negativamente
segura a maior parte do tempo. relacionado com o objetivo de resultado (viver
Isso acontece desde que consigo uma vida gratificante).
me lembrar – mesmo quando era
criança, me recordo de pensar que O que você já tentou?
eu era má e nunca iria conseguir
melhorar. Acho que na verdade A maioria dos clientes está trabalhando den-
eu nunca cresci e assumi respon- tro de um sistema em que as experiências pri-
sabilidade pelo que está aconte- vadas indesejadas são vistas como barreiras
cendo comigo. Meu casamento na para uma existência vital. O terapeuta deve
verdade é uma farsa, meus filhos empregar algum esforço (até mesmo mui-
não querem estar comigo – eu es- to esforço, caso seja necessário) para tentar
traguei tudo. Durante anos, eu li- enumerar todos os vários métodos que já fo-
dei com isso bebendo, mas é claro ram usados e os resultados que eles produ-
que isso só piorou as coisas. Mas ziram. Enquanto coleta essas informações,
agora que eu parei de beber, con- o terapeuta deve assumir uma postura objeti-
sigo perceber o quanto me sinto va e não crítica em relação aos vários esforços
mal na maior parte do tempo – do cliente para a resolução dos problemas.
acho que se eu soubesse como se- O terapeuta ACT deve fazer o cliente descre-
ria difícil, nunca teria conseguido ver em detalhes cada estratégia de enfrenta-
parar de beber. mento e, então, associá-la com a intenção de
mudança do cliente. Por exemplo, o trecho a
Essa resposta apresenta uma mescla con- seguir é uma interação com um preocupado
fusa de objetivos de resultado e de processo e crônico:
Terapia de aceitação e compromisso 137
Terapeuta: O que mais você já tentou fazer? os objetivos de resultado; e (3) compartilham
Cliente: Bem, algumas vezes eu tento di- uma estratégia comum que está ligada ao con-
zer a mim mesmo para sair des- trole ou à eliminação da experiência privada
sa. Eu digo: “Isso é um absurdo – indesejada.
você está fazendo tempestade em Uma boa ideia é incluir o contexto da tera-
copo d’água”. pia nesse tipo de exploração. O cliente pode ser
convidado a revelar como o fato de entrar em
Terapeuta: Em outras palavras, você se criti-
terapia é, por si só, outro esforço de mudan-
ca e se castiga. E o propósito dessa
ça. Essa sugestão pode ser útil porque mostra
crítica...?
que o terapeuta não está defensivo em relação
Cliente: Me fazer parar com isso. à ideia de simplesmente ser outra parte da in-
Terapeuta: Para fazer uma mudança – parar tenção de mudanças do cliente.
de se preocupar. Este é um exemplo de uma sessão com
Cliente: É... As coisas com que me preo- aquela cliente deprimida que está em meio a
cupo são absurdas. Quer dizer, um divórcio:
algumas coisas que vêm à minha
Terapeuta: E esta sua vinda aqui – também
mente são maluquices.
faz parte desse esforço para mu-
Terapeuta: E a ideia é que, se você conseguis- dar o quanto você se sente mal?
se se livrar dessas preocupações
Cliente: É claro. Na verdade, não tenho
– esses pensamentos –, então a
certeza do que vou conseguir com
ansiedade seria menor e você con-
isso, mas, se ao menos eu conse-
seguiria enfrentar melhor suas si-
guisse me sentir um pouco melhor
tuações cotidianas.
comigo mesma, já valeria a pena.
Cliente: Certo, mas é muito difícil conse-
Terapeuta: Então você espera remover alguns
guir me convencer de parar com
dos maus sentimentos e ter mais
isso. Então, algumas vezes fun-
bons sentimentos porque aí seria
ciona, mas outras vezes não.
capaz de seguir em frente.
Terapeuta: Então, se você conseguisse se con-
Cliente: (Faz uma pausa.) Acho que sim.
vencer de que não precisa se pre-
ocupar, isso daria certo e as coisas Terapeuta: Então esta é outra coisa a ser ten-
começariam a andar. OK. Até ago- tada. Muito bem. Vamos acres-
ra temos crítica, castigo e tentati- centar esta terapia à lista. Esta é
vas de se convencer a parar. O que outra coisa que você já fez para se
mais você já tentou? sentir melhor.
Cliente: Já tentei quase tudo que eu conhe-
Nesse exemplo, o terapeuta está funcio- ço para me sentir melhor.
nando como um espelho com algumas racha-
Terapeuta: Estou certo que sim. Você tentou,
duras, refletindo a essência do que o cliente
mesmo, e esta – a terapia – é ain-
está dizendo, mas com uma pequena distor-
da outra tentativa.
ção. Ao reenquadrar as soluções em termos
do resultado desejado do cliente, o terapeu- Cliente: Você diz isso como se houvesse
ta está começando a ajudá-lo a reconhecer uma alternativa.
que (1) inúmeras soluções já foram tentadas; Terapeuta: Bem, eu não sei. Neste momento
(2) geralmente visam atingir os objetivos de só quero esclarecer o que você já
processo, com uma presumida ligação com tentou e como funcionou.
138 Hayes, Strosahl & Wilson
controle e eliminação não só falha em neu- porque meu namorado está fican-
tralizar o conteúdo estressante como tam- do muito frustrado comigo. Ele
bém causa estragos no espaço psicológico até sugeriu que dormíssemos em
do cliente e no mundo externo. Ao ajudar o quartos separados e também está
cliente a chegar a um acordo com esse custo falando em ficar na casa dele mais
muito real, o terapeuta está lhe fornecendo noites por semana.
o combustível motivacional necessário para Terapeuta: Uau, más notícias! Acho que outra
procurar alternativas. Como já foi observado, maneira de dizer isso é que você
essa discussão inicial aborda os valores do compra alívio para a ansiedade
cliente apenas em um nível superficial, prin- desistindo de alguns dos seus so-
cipalmente porque a discrepância entre os nhos para esse relacionamento –
sonhos pessoais do cliente e o que realmente é isso?
está ocorrendo cria muita ansiedade. A inte- Cliente: Sim, por mais triste que pareça…
ração a seguir com a sobrevivente de abuso deixo meus problemas destruí-
sexual, apresentada anteriormente, destaca rem esse relacionamento.
alguns princípios fundamentais:
Terapeuta: Bem, não parece que os seus pro-
Terapeuta: Estou curioso. Você mencionou blemas estão fazendo o trabalho
que a sua ansiedade chega ao auge sujo aqui. É o que você está fazen-
quando seu parceiro começa a se do quando seus problemas apare-
aproximar enquanto você se ar- cem que está causando o estrago.
ruma para ir para a cama à noite. Para diminuir sua ansiedade,
Você também sente medo e co- você sai do quarto. Devido ao cus-
meça a se lembrar do que seu tio to que você está pagando, contro-
fez com você. Aquela deve ter sido lar sua ansiedade deve ser a tarefa
uma situação muito assustadora e nº 1.
dolorosa para você. Então, o que Cliente: Se eu ficasse no quarto e deixasse
você faz para lidar com isso? de lado a minha ansiedade, tenho
Cliente: A única maneira que consigo de medo de que perderia a cabeça.
manter a ansiedade sob controle Terapeuta: Exatamente, sua mente está ocu-
é sair e dar uma volta ou ir para a pada em lhe dizer que coisas ain-
sala da TV e me afastar. da piores vão acontecer se você
Terapeuta: Isso deve ser muito difícil para não sair de lá imediatamente.
você. Quero dizer, você é basica- O engraçado é que sair do quarto
mente forçada a se afastar do seu produz consequências ainda pio-
parceiro, e ele é uma pessoa por res, não é? O que sua mente tem a
quem você obviamente tem sen- dizer sobre você perder esse rela-
timentos muito fortes. Fico ima- cionamento e os sonhos que teve
ginando como isso está afetando para ele?
vocês dois. Cliente: Não sei como responder a essa
Cliente: Você não tem ideia do quanto isso pergunta.
é difícil para mim! Eu fico tre- Terapeuta: Você quer dizer que a sua men-
mendo como vara verde depois te não tem uma resposta? Deixe
disso. Simplesmente não sei o que eu lhe pergunte: O que é mais
que fazer! Também me sinto mal importante para você aqui – não
Terapia de aceitação e compromisso 141
ter ansiedade no seu quarto ou dências para esses cursos de ação também são
manter seu relacionamento com tópicos importantes.
o homem dos seus sonhos? A sua Como a ACT pode levantar questões pes-
mente está dizendo que a ansie- soais fundamentais e dolorosas, é aconselhá-
dade é a coisa mais importante vel fazer o cliente se comprometer com um
na sua vida, mas eu gostaria de curso de tratamento específico e combinar
saber o que você acha mais im- não medir o progresso de forma prematura.
portante. Essa abordagem em geral envolve combinar
Cliente: Meu relacionamento. de se encontrar certo número de vezes com o
cliente e, então, revisar os resultados antes de
Terapeuta: E se você continuar seguindo os prosseguir com sessões adicionais. Deve ser
conselhos da sua mente sobre essa dito ao cliente para esperar altos e baixos e
situação, o que acha que vai acon- entender que o sucesso não deve ser definido
tecer? como a ausência de dor pessoal.
Cliente: Ele vai se cansar e me deixar. Não Um conhecido autor e treinador em ACT,
sei o que fazer! Russ Harris, desenvolveu uma forma ace-
Terapeuta: Bom... não saber é um bom lugar lerada de chegar a um acordo terapêutico
para estar. na ACT. Ela envolve moldar o problema do
cliente em termos relativamente objetivos,
Nessa interação, o terapeuta está enfra- validando o estresse causado pela lacuna en-
quecendo a noção de que perder o relaciona- tre o que está ocorrendo e o que é desejado e
mento é simplesmente um efeito colateral jus- tomando conhecimento das dificuldades do
tificável mantido a serviço do objetivo muito cliente com seus pensamentos e sentimentos
mais importante de controlar a ansiedade e e a relativa ausência de comportamento ba-
o medo. O custo real será uma consequência seado em valores. Conclui com um acordo de
irreversível para toda a vida. Não se deve per- buscar uma alternativa fundamentalmente
mitir que discussões como essa sobre o custo diferente associada à diminuição do impac-
do controle e da esquiva se transformem em to de pensamentos e sentimentos difíceis e à
crítica do cliente. O terapeuta deve manter seu busca de ações valorizadas. Esta última exi-
foco em identificar as consequências ocultas, gência é essencial porque, a menos que seja
simultaneamente olhando para o cliente com atingido um acordo firme que seja apoiador
um olhar mais “delicado”. da ACT, as ideias culturalmente apoiadas
que estão em oposição à ACT podem rapi-
damente se inserir de forma implícita no
CRIANDO UM ACORDO acordo, caso em que provavelmente haverá
DE TRATAMENTO confusão e discórdia desnecessárias.
vida está indo mal. Você se sente triste. Crie um acordo de tratamento
Sua mente começa a julgá-lo. [Acrescen-
te alguma outra coisa que o cliente este- Depois de revisar na totalidade o dilema do
ja fazendo, como ruminar ou sentir-se cliente, procure chegar a um acordo de trata-
ansioso.] É quase como se você tivesse mento:
sido atraído para dentro de uma “guerra
interna”. À medida que você foi sendo
“Então, parece que temos duas coisas a
capturado por sentimentos e pensamen-
fazer. Primeiro, precisamos encontrar
tos difíceis, eles se tornaram cada vez
outra maneira de lidar com esses pensa-
mais centrais na sua consciência. Com
mentos e sentimentos difíceis para que
frequência você esteve ativamente lu-
eles não o maltratem. Segundo, preci-
tando contra sentimentos depressivos e
samos trabalhar para melhorar sua vida
pensamentos autocríticos; outras vezes,
nessas áreas principais [liste os valores
eles simplesmente o arrastaram. Não
tem graça nenhuma tentar viver dentro e ações necessários] para que [liste os
de uma zona de guerra!” obstáculos] não consigam governar a sua
vida ou o afastar do que você valoriza.
Então, e se pudéssemos trabalhar juntos
Saliente os custos em alguma coisa verdadeiramente di-
ferente nessas duas áreas? Em vez de se
Depois de reconhecer as dificuldades atuais engajar nessa guerra interna, talvez pos-
do cliente, esclareça suas implicações e con- samos trabalhar para sair dela, de modo
sequências: que esses pensamentos autocríticos e
sentimentos de tristeza não atrapalhem
“E quando você é capturado por esses tanto e possamos nos encaminhar para
pensamentos e sentimentos, é como se o que realmente é importante para você.
a vida ficasse em compasso de espera. Valeria a pena explorar uma abordagem
Você acaba fazendo coisas que não aju- verdadeiramente diferente?”
dam muito ou que na verdade drenam a
sua vitalidade ou até mesmo deixam as Caso cheguem a um acordo, deve ser dito
coisas piores com o tempo. Você dorme. ao cliente que alguns aspectos do tratamento
Você evita. [Acrescente alguma outra podem ser confusos ou parecer contraditórios
coisa que o cliente esteja fazendo.] E, na
com o que ele aprendeu sobre como lidar com
verdade, essas coisas realmente lhe pro-
porcionam algum alívio por um curto estresse pessoal, já que, afinal de contas, esta
período de tempo. Mas, em longo prazo, pretende ser uma nova abordagem. Lembre-o
o tipo de vida que você deseja se afastou de que não é incomum que os clientes questio-
ainda mais. Coisas que você valoriza fo- nem seu compromisso. O terapeuta deve en-
ram afetadas. Por exemplo, você já não fatizar bem que esse tipo de temor é normal,
passa muito tempo com os amigos. Você e o cliente deve se sentir à vontade para trazer
desistiu de cantar no coro da igreja. E, suas dúvidas ou temores para a sessão. Se o
como isso torna as coisas ainda mais
cliente exibir evitação ou rigidez, esses sinais
dolorosas, a defasagem entre onde você
está e onde você quer estar aumenta devem ser tomados como uma oportunida-
cada vez mais, os sentimentos negati- de de experimentar alguma coisa diferente.
vos se tornam ainda mais intensos, e a Por exemplo:
batalha se torna mais intensa. Alguma
coisa não está funcionando, mas não “Também sabemos, pela testagem preli-
está claro o que você deve fazer. E então minar, que, quando você fica angustiado,
você veio me ver. Estou entendendo cor- tem a tendência a evitar – então prova-
retamente?” velmente isso também irá ocorrer aqui.
144 Hayes, Strosahl & Wilson
Se você começar a se sentir ansioso, por 3. “Parece funcionar para outras pessoas
exemplo, poderá querer faltar às sessões à minha volta” (p. ex., “Papai nunca
ou abandonar o tratamento – mas este parecia assustado...”).
pode ser um sinal de que está na hora de 4. “Até parece funcionar com certas ex-
fazer exatamente o contrário. Pode ser
periências com as quais tenho dificul-
um sinal de que estamos chegando a al-
gum lugar e que você precisa trazer essa dade” (p. ex., “A esquiva funciona por
ansiedade para esta sala a fim de que algum tempo para reduzir meus sinto-
possamos trabalhar nela.” mas de ansiedade”).
mente quer que você siga pelo ansiedade é evitar situações que
primeiro caminho, e você tentou a desencadeiam. Mas você está
essa estrada de forma muito co- me dizendo que o resultado real é
rajosa e persistiu nela mesmo es- que você tem mais ansiedade para
gotando seu parceiro até o ponto lidar em mais situações.
de ele falar em se afastar de você.
Estou me perguntando... Você Aqui, o terapeuta está simplesmente ex-
acha que está mais no controle do pandindo os resultados da avaliação “O que
seu medo, ansiedade e flashbacks você já tentou, como funcionou e o que lhe
do que antes, digamos, 6 meses custou?” e introduzindo a ideia de que há um
problema geral com os vários tipos de respos-
atrás?
tas – talvez como uma categoria inteira – que
Cliente: Não – bem, acho que isso depende o cliente tem usado. Com muitos clientes com
do que você quer dizer por “con- funcionamento superior, apontar esse resul-
trolar sua ansiedade”. tado paradoxal é suficiente para provocar al-
Terapeuta: Nós sabemos que, no curto prazo, gumas mudanças imediatas. Para aumentar o
sair do quarto a ajuda a aliviar sua impacto clínico dessa discussão, o terapeuta
ansiedade. Sabemos que evitar si- deve se basear não somente no raciocínio ver-
tuações sociais a ajuda a se sentir bal, mas também em metáforas e analogias.
mais segura. Sabemos que, quan- As metáforas podem ser ferramentas podero-
do você fica em casa, não tem sas para falar da questão do controle – como,
tanta probabilidade de desenca- por exemplo, com a metáfora do Polígrafo:*
dear essas ansiedades. O que es-
tou perguntando é: quando você “Suponha que eu conectei você ao me-
pensa no papel da ansiedade, lhor polígrafo que já foi construído.
do medo e dos flashbacks em sua É uma máquina perfeita, a mais sensível
já fabricada. Quando você está conectado
vida, esse papel está ficando
a ela, não há como ficar emocionalmente
maior ou menor? ativado ou ansioso sem que o aparelho
Cliente: Tenho mais ansiedade e medo, e detecte. Então eu lhe digo que você tem
está acontecendo em mais situa- uma tarefa muito simples aqui, ou seja,
ções do que costumava ser. tudo o que você tem que fazer é ficar rela-
xado. No entanto, se você ficar um pou-
Terapeuta: Então, o que você está dizendo é quinho nervoso, eu vou saber. Sei que
que suas estratégias para aliviar você quer se esforçar, mas quero lhe dar
seu medo e ansiedade na verda- um incentivo extra – eu também tenho
de estão criando mais ansiedade. uma pistola Magnum 44 que vou man-
É possível que você esteja em um ter na sua cabeça. Se você ficar relaxado,
estranho ciclo em que, quanto não vou estourar seus miolos, mas,
mais tenta controlar sua ansie- se você ficar nervoso (e eu saberei, por-
que você está conectado a este aparelho
dade, mais descontrolável ela se
perfeito), vou ter que matá-lo. Portanto,
torna? apenas relaxe!... O que você acha que iria
Cliente: Bem, tudo o que sei é que está fi- acontecer?... Adivinhe o que acontece?...
cando pior, não melhor, e pode até Mesmo uma ínfima quantidade de an-
ser que eu esteja tornando pior. siedade seria aterrorizante! Você natu-
Terapeuta: Uau, isso é estranho! Sua mente
lhe diz que a forma de lidar com a * N. de R.T.: Detector de mentiras.
146 Hayes, Strosahl & Wilson
ralmente iria dizer ‘Oh, meu Deus! Estou na sua cabeça e dizendo ‘Relaxe! Então
ficando nervoso! Aí vem!’ Bum! Como adivinhe o que acontece? Bum!”
poderia ser de outra forma?” 3. Mesmo as tentativas aparentemente
bem-sucedidas de usar estratégias
Essa metáfora pode ser usada para identi- de controle e esquiva na verdade não
ficar vários aspectos paradoxais do sistema de funcionam no longo prazo.
controle e esquiva quando se aplica a emoções “Então, veja se isto não é verdade:
negativas. Modificar a linguagem dentro da o que você fez é que você achou que
metáfora mantém intacto o impacto do exer- se afastar [ou o que o cliente está fazen-
cício, ao mesmo tempo em que permite que as do: álcool, esquiva, negação, etc.], pelo
várias dificuldades do cliente sejam aborda- menos por algum tempo, então poderá
das, como sugere o roteiro a seguir. manipular como se sente. Mas isso se
desgasta e não funciona mais. Em vez
1. Contraste o comportamento que pode de ver o jogo todo como uma empreita-
ser controlado com o comportamento da sem esperança e inútil – o que ele é
que não é regulado com sucesso por –, você tem tentado vencê-lo – e quase
regras verbais. se matando durante o processo!”
“Pense nisto. Se eu lhe dissesse ‘Passe
o aspirador no piso, ou vou matá-lo’,
você imediatamente começaria a aspi-
A regra dos eventos mentais
rar o piso. Se eu dissesse ‘Pinte a casa, Como demonstra a metáfora do Polígrafo, ten-
ou vou matá-lo’, você imediatamente tativas deliberadas de controlar ou eliminar
estaria pintando. É assim que o mundo respostas privadas indesejadas tendem a sair
exterior funciona. Mas se eu simples- pela culatra. Até esse ponto, o terapeuta reve-
mente disser ‘Relaxe, ou vou matá-lo’, lou como as tentativas de controle e esquiva
a diretiva não só não funcionaria como não funcionam em termos do que é prometido
também teria o efeito oposto. O sim- pela mente do cliente. No entanto, é impor-
ples fato de eu lhe pedir isso deixaria tante que o cliente também entenda que essas
você extremamente nervoso!” estratégias, na verdade, pioram as coisas por-
2. Aplique a metáfora às dificuldades que as tentativas deliberadas de suprimir ou
do cliente com o controle de expe- controlar emoções, pensamentos, lembran-
riências privadas estressantes. ças, imagens ou sensações acabam criando
“Agora, você tem o polígrafo perfeito já o efeito oposto. Em essência, quanto mais o
conectado a você: é o seu sistema ner- cliente tenta forçar o afastamento de pensa-
voso! Ele é melhor do que qualquer má- mentos privados indesejados, mais intrusivos
quina já feita pelo homem. Na verdade, e dominantes eles se tornam.
você não pode sentir qualquer coisa Há outra vertente nesta discussão que
sem que esteja em contato com seu também é digna de nota para discussões fu-
sistema nervoso, quase por definição. turas. Ela tem a ver com a atitude do cliente
E você tem uma coisa apontada para si em relação ao conteúdo privado ameaçador
mesmo que é muito mais poderosa do ou estressante. Sem entrar em muitos deta-
que qualquer arma – sua autoestima, lhes, o terapeuta pode falar sobre uma postu-
seu amor próprio, a operacionalidade ra geral de disposição ou de rejeição em rela-
da sua vida. Assim, na verdade, você ção a experiências privadas indesejadas, mas
está em uma situação muito parecida incontroláveis. O diálogo a seguir mostra
com esta. Você está segurando a arma como esse tópico é abordado de forma geral.
Terapia de aceitação e compromisso 147
Para focar nas intervenções da ACT, alguns de apoio que eu frequento. É qua-
dos diálogos a seguir serão um pouco pesa- se risível. Cada pessoa ali tem a
dos no tempo de fala do terapeuta (para uma mesma história. Quero dizer, você
transcrição integral, veja Twohig & Hayes, pode saber mesmo antes de abri-
2008). rem a boca qual será a história.
Terapeuta: OK, acho que entendo o que você Terapeuta: Exatamente. Porque todos nós sa-
tem feito. Você tentou outras es- bemos como o sistema funciona.
tratégias para lidar com essas Considere isso como uma possi-
experiências estressantes quando bilidade. A história de todos é pa-
elas surgem? recida (e parecida à sua) porque o
que você está fazendo é o que to-
Cliente: Não. Só isso.
dos nós somos treinados para fa-
Terapeuta: OK. Na verdade, provavelmente zer. A linguagem humana nos deu
há inúmeras outras que irão sur- uma tremenda vantagem como
gir enquanto prosseguirmos, mas espécie porque nos permite divi-
não é importante, neste momen- dir as coisas em partes, formu-
to, conhecermos cada uma. Pre- lar planos, construir futuros que
cisamos apenas ter uma noção da nunca experimentamos. E isso
gama de coisas envolvidas. O que funciona muito bem. Se olharmos
eu gostaria de fazer hoje é tentar apenas para o que acontece exter-
ter uma noção mais clara des- namente, funciona muito bem.
se conjunto de coisas – gostaria Olhe à sua volta nesta sala. Qua-
que tivéssemos uma ideia mais se tudo o que vemos não estaria
clara sobre qual plano você tem aqui sem a linguagem humana e
seguido. E quero dar um nome a a racionalidade humana – a ca-
ele – não para entendê-lo intelec-
deira de plástico, as luzes, o duto
tualmente, apenas para ter uma
de aquecimento, nossas roupas,
forma de falar sobre ele aqui.
aquele computador. Nós estamos
Cliente: Você quer que tenhamos um no- aquecidos, não vai chover em nós,
me para o tema. temos luz. Se você der todas essas
Terapeuta: Isso. Acredito que muito do que coisas a um cachorro ou um gato
você tem feito é bastante lógico, – aquecimento, abrigo, alimento,
sensato e razoável, pelo menos estimulação social –, eles ficarão
de acordo com a sua mente e a muito felizes. Mas sem os hu-
minha mente. O resultado não manos eles estão lá fora no frio.
é o que você esperava que fosse, Então nós resolvemos os proble-
mas realmente me parece que o mas que as criaturas não verbais
que você fez é bem normal. Você enfrentam. No entanto, podemos
se esforçou e lutou uma boa briga. estar infelizes quando elas es-
Todos esses movimentos que você tariam felizes. E se houver uma
listou não são o tipo de coisas que relação entre essas duas coisas?
as pessoas fazem? Existe uma regra operando para
Cliente: Talvez não as pessoas normais, as coisas externas: se você não
mas pessoas como eu com certe- gosta de alguma coisa, descubra
za fazem. É como aquele grupo como se livrar dela e livre-se dela.
148 Hayes, Strosahl & Wilson
E essa regra funciona muito bem Terapeuta: Mas observe que há um paradoxo
na maioria das áreas da nossa aqui. Suponha que realmente seja
vida. E o mundo dentro da sua ca- verdade que “se você não estiver
beça é muito importante porque é disposta a ter, você vai ter”. O que
ali que reside a satisfação com a você poderia fazer com tal conhe-
vida. Na sua experiência, não na cimento? Se está disposta a ter
sua mente lógica, olhe para o que para se livrar dele, bem, então...
tem acontecido com você e veja se você não está disposta a ter e vai
não é assim. No mundo interno, ter novamente. Então você não
a regra na verdade é: se você não pode se enganar com isso...
está disposto a ter, você vai ter.
Muito frequentemente os clientes irão es-
Cliente: Se eu não estou disposta a ter, vou
colher a palavra controle de maneiras úteis: por
ter... (Faz uma pausa).
exemplo, “Sempre tive um problema quando
Terapeuta: Apenas veja isso. Por exemplo, não estava no controle” ou “Meu marido diz
você vem lutando contra a ansie- que eu sou controladora” ou “Sou uma pessoa
dade, flashbacks, o medo e tremen- muito controladora”. Se isso acontecer, o tera-
do por dentro. peuta em ACT pode aproveitar essas questões
Cliente: Oh, sim. para os objetivos terapêuticos. Por exemplo,
Terapeuta: Você não está disposta a se sentir ele pode responder: “Todos nós somos contro-
assim. ladores – temos mentes que simplesmente não
conseguem abandonar a ideia de que controle
Cliente: De jeito nenhum.
é a solução para tudo!”.
Terapeuta: Mas se for muito, muito impor- Com frequência é importante mostrar o
tante, não ter sintomas de an- resultado paradoxal dos esforços de controle
siedade, então se você começar mental por meio de exercícios experienciais ou
a ficar ansiosa, isso vai deixá-la metáforas, como a tarefa do Bolo de Chocolate:
ansiosa.
Cliente: Se eu não estiver disposta a ter, “Suponha que eu lhe diga neste momento
vou ter… que quero que não pense em nada. Vou
lhe dizer isso muito em breve. E, quando
Terapeuta: Apenas para dar um nome a isso, o fizer, não pense em nada nem mesmo
deixe-me dizer desta maneira: por um segundo. Aí vai. Lembre-se, não
no mundo externo, a fascinação pense em nada. Não pense em... bolo
da nossa mente por previsão e de chocolate quente! Você sabe como
controle funciona muito bem. é o cheiro quando ele acabou de sair do
Descubra como se livrar de algu- forno... não pense nisso! O gosto da co-
ma coisa, dê à sua mente a tarefa bertura de chocolate quando você dá a
e observe acontecer! Mas, quando primeira mordida na fatia quente... não
pense nisso! Quando a fatia quente e
se trata de pensamentos, senti-
úmida se desmancha e as migalhas caem
mentos, lembranças ou sensações no prato... não pense nisso! É muito im-
físicas desagradáveis, o controle portante – não pense em nada disso!”
consciente, deliberado e intencio-
nal pode ter outros efeitos. A maioria dos clientes entende imediata-
Cliente: Você quer dizer que, se eu não for mente, e pode rir desconfortavelmente, con-
tão rígida quanto a ficar ansiosa, cordar com um aceno de cabeça ou sorrir.
vou ficar menos ansiosa? Outros podem responder insistindo que não
Terapia de aceitação e compromisso 149
Uma forma de confrontar uma situação pode não ser muito boa para tra-
inviável é descrevê-la como tal. O terapeuta já tar uma dor de cabeça, e você diz:
coletou uma longa lista de coisas que o cliente “Mas é o único tratamento que eu
experimentou para controlar ou eliminar: in- conheço – então vou continuar”.
quietação emocional, pensamentos perturba- Cliente: (Ri.) Espero que não seja tão ruim
dores e/ou outras experiências psicológicas. assim. Só estou dizendo que estou
O terapeuta conhece as principais estratégias no meu limite quanto ao que fazer
que o cliente já tentou no passado. As várias aqui.
formas como o cliente tentou manipular pen-
Terapeuta: O que você acha que vai acontecer
samentos e sentimentos (p. ex., drogas, álcool,
se continuar usando as mesmas
esquiva aberta, sexo, atacar outras pessoas,
estratégias para controlar sua an-
afastar-se, retraimento social, etc.) foram
listadas e examinadas de modo detalhado. siedade e medo?
A inviabilidade definitiva dessas estratégias Cliente: As coisas provavelmente vão con-
foi gentil e diretamente examinada. O que tinuar a piorar.
ainda não foi confrontado é a possibilidade Terapeuta: Talvez você esteja sendo enga-
de que a própria intenção seja falha. O diálo- nada aqui. Você foi levada a crer
go a seguir com a sobrevivente de abuso sexual, que o caminho para a felicidade
citada anteriormente, ilustra como a questão da é controlar sua ansiedade, medos
desesperança criativa é introduzida. e lembranças, e então será capaz
de funcionar no trabalho, com
Terapeuta: Então, vamos nos sentar aqui e
seus amigos e com seu parceiro.
pensar sobre o dilema que você
E se isso for um condicionamento?
enfrenta. Você já tentou prati-
camente tudo que estava à sua Cliente: Um condicionamento? Para que
disposição para controlar sua an- estou sendo condicionada?
siedade, medo e flashbacks. Re- Terapeuta: Escute a sua experiência aqui,
fletiu longa e profundamente so- não a sua mente. A cada dia que
bre como fazer isso e se esforçou você tenta controlar e evitar suas
muito para adquirir controle so- ansiedades, essas ansiedades pio-
bre isso. E o resultado que você ram, e sua vida se deteriora. E se a
parece estar tendo é que sua an- questão não for que você não es-
siedade está pior do que nunca. teja se esforçando o suficiente ou
E não só isso, pois você está per- que tenha deixado de usar alguma
dendo terreno no trabalho, com estratégia que acabaria lhe per-
seus amigos e no seu relaciona- mitindo ter sucesso? Você é uma
mento amoroso. Eu gostaria de pessoa brilhante, sensível e cari-
saber o que você vê acontecendo nhosa. Se essa abordagem fosse
aqui quando olha para o futuro. funcionar, acho que você seria a
Cliente: Mais do mesmo. Embora eu não pessoa indicada para fazê-la fun-
esteja ajudando minha ansieda- cionar. E se a vida estiver lhe di-
de, não sei mais o que fazer. zendo algo assim: esta estratégia
Terapeuta: Isso é mais ou menos como tratar jamais vai funcionar porque não
uma dor de cabeça batendo em pode funcionar. Não é que você
sua cabeça com um martelo. Al- tenha feito errado.
guém lhe diz que essa estratégia Cliente: O que eu devo fazer, então?
Terapia de aceitação e compromisso 153
Terapeuta: Bem, acho que isso faz parte do Fletcher, & Hayes, 2007), mas esse é um tópico
que estamos aqui para aprender, que está além do nosso escopo presente. Outra
mas vamos começar com seu co- maneira de usá-los é aumentar as qualidades
nhecimento arduamente adquiri- experienciais das metáforas. A metáfora da
do. Você sabe alguma coisa. Sabe o Pessoa no Buraco é uma intervenção central
que não deve fazer. Pagou caro por da ACT para usar durante as primeiras fases
esse conhecimento, mas ele é pre- da terapia. Apresentamos aqui um exemplo
cioso se você estiver disposta a ser em sua forma experiencial, o qual é projeta-
guiada por ele. do para tornar as características da metáfora
mais concretas e evocativas. Qualquer uma
Usar esse tipo de abordagem afrouxa a das outras metáforas didáticas neste livro ou
rigidez de uma intenção de controle. Para em outro lugar podem ser apresentadas nes-
clientes profundamente travados, essa ques- sa forma mais experiencial depois que você
tão pode levar uma sessão ou mais e poderá entender os princípios básicos, os quais colo-
precisar ser revisada repetidamente durante camos entre colchetes na próxima interação
o curso da terapia. Para clientes mais jovens clínica com um cliente que sofre de ansiedade.
e menos travados, ou em contextos de preven-
ção, a aparência pode ser mais como uma in- Terapeuta: Eu gostaria de engajá-lo em um
tervenção psicoeducacional direta. exercício de pensamento para que
As metáforas com frequência esclare- possamos entender melhor a sua
cem o ponto sem provocar tanta resistência situação. Imagine que você está
porque oferecem um exemplo de senso co- posicionado em um campo, usan-
mum que está mais relacionado à experiência do uma venda nos olhos, e recebe
do cliente do que à instrução normal direta. um pequeno saco de ferramentas.
Pesquisas mostraram que metáforas ade- Então lhe é dito que a sua tarefa
quadas provêm de pelo menos duas fontes. é correr em volta desse campo,
O alvo da metáfora e o veículo metafórico vendado. E é assim que você deve
têm que compartilhar uma característica viver a vida. E então você faz o
dominante, e o veículo metafórico tem que que lhe dizem. Agora, sem que
conter fortes funções específicas que sejam seja do seu conhecimento, nesse
relevantes para os elementos ou as funções campo há inúmeros buracos mui-
ausentes na situação-alvo que o terapeu- to profundos e bem espaçados.
ta está tentando mudar. Uma boa metáfora Você não sabe disso inicialmen-
pega o que você já sabe, sente ou faz e mapeia te – você é ingênuo. Então você
em um domínio em que funções comporta- começa a correr e, mais cedo ou
mentais adaptativas estão ausentes. De certo mais tarde, acaba caindo em um
modo, uma metáfora é usada para contornar grande buraco. Você apalpa à sua
a linguagem analítica normal em favor de volta e com certeza não vai con-
uma aprendizagem mais experiencial. Essa seguir escalar. Ele é lamacento
qualidade permite que o cliente responda e escorregadio, e não há rotas de
mais às contingências diretas (tracking) do escape que você possa encontrar.
que ao que agradaria o terapeuta ou seja visto Você consegue retratar isso na
pelo terapeuta como certo (pliance). sua mente? Como se sente em tal
Você pode usar esses insights da RFT para situação? [O terapeuta está usan-
criar metáforas para a ACT rapidamente (pa- do o tempo presente para fazer a
ra um exemplo ampliado, veja Hildebrandt, situação parecer mais imediata.
154 Hayes, Strosahl & Wilson
tivação? Você precisa embarcar nessa cê só vai saber o que mais há para ser
ideia de ‘Eu sou culpado’? Culpar é tocado, e só poderá fazer alguma outra
como ficar na beira do buraco e jogar coisa quando a pá não estiver em suas
terra na cabeça da pessoa e dizer ‘Cave mãos. Seu maior aliado aqui é sua pró-
aí! Cave aí!’. O problema com culpar- pria dor. Ela é sua amiga e aliada aqui.
-se, nessa situação, é que isso é inútil. Somente porque essa estratégia atual
Se o homem no buraco tem terra ati- não está funcionando é que você pen-
rada sobre a sua cabeça, isso não vai sou em fazer alguma coisa tão maluca
facilitar a sua saída do buraco. Isso quanto deixar de lado a única ferra-
não ajuda. Quando sua mente começa menta que você tem.”
a acusá-lo, embarcar no que ela está 8. A oportunidade apresentada pelo so-
dizendo o fortalece ou o enfraquece? frimento.
O que sua experiência lhe diz? Por- “Você tem a oportunidade de aprender
tanto, se você comprar a culpa da sua alguma coisa que a maioria das pes-
mente, vá em frente, mas então seja soas nunca terá – como sair de bura-
capaz de responder por isso. Se você cos. Você nunca teria tido uma razão
comprar isso, estará fazendo alguma para aprender se não tivesse caído nes-
coisa que a sua experiência lhe diz que se buraco. Apenas faz a coisa racional
não funciona.” e tenta se virar. Mas, se você puder fi-
5. Qual é a saída? car com isso, poderá aprender alguma
“Não sei, mas vamos começar com o coisa que vai mudar sua vida. Você vai
que não está funcionando. Olhe, se aprender a se desvencilhar da sua men-
você ainda tem um plano que diz ‘Cave te. Se pudesse ter evitado isso – mais ou
até morrer’, o que aconteceria se você menos –, nunca teria aprendido.”
realmente recebesse uma ajuda para
sair? Suponha que alguém coloque Metáforas como A Pessoa no Buraco rom-
uma escada de metal lá dentro. Se pri- pem a tendência do cliente para a resolução
meiramente você não parar de cavar de problemas e construção de significados
conforme o propósito, apenas tentará (“Eu devo merecer sofrer”; “Não tenho a au-
cavar com ela. E as escadas são péssi- toconfiança de que preciso para ter sucesso”,
mas pás – se você quiser uma pá, já tem etc.). Estes são repertórios poderosos e úteis
uma muito boa.” – eles não podem ser eliminados inteiramen-
6. A necessidade de primeiro abrir mão. te ou por muito tempo. Eles prevalecem sobre
“Até que você deixe de lado a pá, não a experiência do cliente dos resultados nega-
terá espaço para fazer qualquer outra tivos da intenção de controle e eliminação.
coisa. Suas mãos não podem segurar Repetidamente, durante as discussões ini-
outra coisa até que a pá não esteja mais ciais com o cliente, o terapeuta ACT se engaja
em suas mãos. Você tem que abrir mão na aparente contradição entre a intenção de
dela. Abra mão!” mudança do cliente e os resultados na vida
7. Um ato de fé. real. No entanto, o contato direto, mesmo
“Note que você não pode saber se tem que momentâneo, com contingências no
alguma opção até que abra mão da pá; mundo real proporciona uma força que pode
portanto, este é um ato de fé. É abrir ser usada para romper a problemática ligação
mão de uma coisa não sabendo se exis- entre o controle dos eventos privados e o con-
te outra coisa. Nessa metáfora, você trole da vida dos objetivos de processo e de
está vendado, afinal de contas – vo- resultados.
Terapia de aceitação e compromisso 157
...ela sentiu a punhalada do tempo como nunca havia sentido antes. Mesmo que ela não o abandonasse,
ainda assim aquilo iria acabar a esmagando – tanto que não houve uma noite em que não sentisse a
mesma melancolia, um tipo de nostalgia pelo presente, escorrendo como água na sarjeta.
ROBINSON (2000, p. 91-92)
Os processos do momento presente são alocar nossa atenção com foco e flexibilida-
sobre viver flexivelmente no aqui e agora. de nos dá a melhor oportunidade de sermos
Eles não se referem a “presente” em oposição modelados – e modelar – pelo mundo à nossa
a “passado” ou “futuro”. “Passado” e “futuro” volta. A mera exposição física aos eventos ge-
são simplesmente formas como falamos sobre ralmente não é suficiente. A reatividade ati-
mudança – são apenas um artifício da lingua- va e engajada momento a momento é o que é
gem que faz parecer como se o tempo fosse necessário!
uma coisa, como o fio de um colar de contas. Há duas categorias comuns de falhas
“Isso aconteceu no passado” ou “vai aconte- sobrepostas em processos do momento pre-
cer mais tarde” soa muito como “isso é uma sente. As falhas na primeira categoria são o
cadeira” ou “isso é uma bola de praia”, como resultado de déficits na habilidade de aten-
se o tempo contivesse o passado e o futuro, ção focada. Esse déficit pode ser especial-
assim como o espaço pode conter a bola ou a mente comum com clientes mais jovens ou
cadeira. Os praticantes da ACT, no entanto, com outros que simplesmente não tiveram
presumem que o passado se foi para sempre as experiências na vida que naturalmente
e o futuro ainda não está aqui. Nessa perspec- desenvolveriam um repertório de respostas
tiva, tempo não é uma coisa – é apenas uma ativo. Por exemplo, indivíduos com deficiên-
medida de mudança. Existe o agora e o agora cias no desenvolvimento (incluindo autismo
e o agora. O resto da experiência humana con- e síndrome de Asperger) com frequência não
siste de histórias ou lembranças do passado e têm as habilidades necessárias para se man-
construções sobre o futuro. As lembranças, as terem focados no presente. O segundo e mais
histórias e as construções estão no presente – comum tipo de falha é resultante do contro-
o passado e o futuro nunca poderão estar. le atencional rígido. Nesse caso, o indivíduo
A dificuldade com problemas como preo- tem a habilidade de ingressar no presente,
cupação e ruminação não é que o cliente esteja mas não consegue mantê-lo, geralmente
vivendo no passado ou no futuro; o que ocorre porque alguma outra coisa distrai seu foco
é que as histórias do passado e do futuro atra- atencional (Stahl & Pry, 2005). Por exemplo,
em tanta atenção que o cliente perde coisas pacientes deprimidos que ruminam excessi-
que estão acontecendo à sua volta. Como a vamente sobre reveses do passado podem ter
epigrama que inicia este capítulo, o momen- vislumbres do momento presente, mas sua
to presente vai por água abaixo. Essas histó- atenção é, então, rapidamente atraída de vol-
rias do passado e do futuro são como a “outra ta para focar no passado. Da mesma forma,
mão” do mágico. Quando um mágico está pacientes ansiosos experimentam a mesma
realizando um truque, uma mão tipicamente coisa enquanto ficam à deriva ruminando so-
trabalha o tempo todo para atrair a atenção do bre alguma catástrofe futura. Ambos os tipos
público. Enquanto essa mão está nos distrain- de falhas no processo do momento presente
do, a outra faz as coisas realmente importan- requerem intervenções que promovam a ha-
tes acontecerem. Enquanto os clientes estão bilidade de retornar para o agora. Essas in-
fixados no seu passado e no futuro, ocupando- tervenções, seja qual for a sua forma, podem
-se deles repetidamente, a vida escapa. Acon- ser chamadas adequadamente de estratégias
tecem coisas importantes que são perdidas. de mindfulness, embora os desenvolvedores da
Como não existe passado nem futuro, os ACT originalmente evitassem o termo (pelo
processos do momento presente são, na ver- fato de que, na verdade, estávamos engajados
dade, sobre a alocação intencional da aten- em ensinar as pessoas a como sair das suas
ção. No sentido mais geral, a habilidade de mentes e entrar no agora).
162 Hayes, Strosahl & Wilson
2007; Hayes & Plumb, 2007; Hayes & Wilson, estímulo específico mais ou menos saliente.
2003; Wilson & DuFrene, 2009). É fácil dar como certa a habilidade geral da
atenção, já que a maioria de nós raramen-
te se depara com treinamentos que foquem
APLICAÇÕES CLÍNICAS na atenção per se. No entanto, as habilidades
Neste capítulo, focamos nas especificidades dos atencionais se espalham por todo o espectro
processos do momento presente e nos voltamos de possibilidades, e as populações mais nor-
para tópicos do self, da aceitação e da desfusão mais variam enormemente em seus pontos
em capítulos posteriores. Examinamos, em fortes e déficits nessa área.
alguns detalhes, as qualidades da atenção que Déficits significativos em habilidades aten-
desejamos cultivar em nossos clientes. Depois, cionais básicas muito provavelmente ocorrem
exploramos dois tipos comuns de falhas dos em crianças, indivíduos com deficiências
processos do momento presente e descreve- desenvolvimentais ou pessoas com transtor-
mos alguns métodos para tratá-los. Também nos comportamentais severos. Déficits seve-
abordamos brevemente o que fazer e o que não ros também podem resultar de um ambiente
fazer ao trabalhar com processos do momento inadequado de modelagem contínua. Entre
presente, incluindo práticas contemplativas as crianças, o subdesenvolvimento de habili-
formais dentro da ACT. dades atencionais pode simplesmente refletir
o fato de não terem vivido tempo suficiente
Déficits de habilidades nos para terem experimentado o treinamento e
a modelagem social necessários. Também
processos do momento presente podem ocorrer déficits severos porque os
Ocorre algum grau de treinamento dos pro- indivíduos têm comportamentos-problema
cessos do momento presente no ambiente (i.e., alucinações, mania, paranoia) que impe-
social da maioria dos humanos. As crian- dem os tipos de interações que ajudam a man-
ças requerem alguma quantidade de aten- ter a atenção efetiva ao momento; comporta-
ção focada flexível para funcionarem bem mentos-problema também podem focar no
na escola e em casa. Correção e modela- ambiente social ou no manejo comportamen-
gem ocorrem de várias formas. Pergunta- tal em vez de no desenvolvimento de habili-
mos às crianças “O que você ouve? Você ou- dades atencionais flexíveis e focadas. Déficits
ve o papai?” e, então, ouvimos atentamente. mais moderados costumam ocorrer porque o
“O que você vê?” Alguma modelagem en- treinamento atencional per se raramente faz
volve correção na forma de reprimendas ou parte da experiência normal, a menos que o
outros feedbacks. O objetivo é treinar a crian- indivíduo realize práticas de mindfulness ou
ça para observar não só o que está aconte- outros métodos de treinamento atencional.
cendo (focando a atenção), mas também
o que mais está acontecendo (abrangência da Fontes de rigidez atencional
atenção) e, então, adaptar a abrangência e
o foco da sua atenção apropriadamente à Conforme observado nos Capítulos 3 e 4,
situação (atenção flexivelmente alocada). os processos atencionais ideais são flexíveis,
Em certos casos, essas instruções e feedback fluidos e voluntários. Eles não podem ser
são específicos (“Stevie, ouça sua mãe!”), acessados ou monitorados unicamente com
mas uma habilidade atencional mais geral base no conteúdo das verbalizações do clien-
é aprendida pela exposição a uma variedade te. Por exemplo, um cliente pode estar foca-
de circunstâncias, o que ajuda a tornar um do inteiramente no presente em um sentido
164 Hayes, Strosahl & Wilson
conjunto. Vou lhe pedir também que você vezes, a resolução rápida causa mais pro-
experimente sozinho no mundo exterior. blemas do que resolve. Então, outra coisa
Pense nisso assim: há dois modos da men- que iremos fazer é ir mais devagar e en-
te que usamos. Um é um modo de solução trar nesse modo pôr do sol quando sur-
de problemas. Esse modo da mente é supe- girem problemas. Isso não significa que
rautomático – e isso é muito bom! Quando não vamos usar a solução de problemas.
se trata de evitar carros em alta velocidade Iremos, mas não vamos fazer isso de um
ou julgar a validade de um argumento de modo automático. Iremos resolver o pro-
vendas, ficar alerta é muito útil. Observe blema com atenção plena. Também vamos
como funciona. Dois mais dois é (pausa)? entrar no modo pôr do sol quando algu-
Três menos um é (pausa)? [Estas duas úl- ma coisa agradável o acompanha. Assim,
timas perguntas são ditas rapidamente.] eu posso ouvir você dizer alguma coisa
Esse modo da mente nos ajuda a classificar que é realmente significativa para você –
e avaliar as coisas, com frequência tão ra- uma parte dos seus valores – e posso pe-
pidamente que nem mesmo reconhecemos dir que fique parado por alguns minutos
o que está acontecendo. O problema com para apenas apreciar essa doçura.
um modo de solução de problemas é que “Uma coisa que observei ao longo dos
ele é tão automático que costuma ser apli-
anos em que fiz este trabalho é que, se você
cado onde não é útil – ou é aplicado muito
for um pouco mais devagar, descobrirá
rapidamente.
que doce e triste se misturam com muita
“Há outro modo da mente em que esta-
frequência. É muito difícil encontrar qual-
mos interessados, que pode ser considera-
quer coisa doce na sua vida que não tenha
do como um modo pôr do sol. Quando você
misturado algo de tristeza. O modo de so-
vê um problema, você o resolve, mas o que
lução de problemas quer que nos desvie-
faz quando vê um pôr do sol? Ou uma bela
mos da tristeza, e algumas vezes, quando
pintura? Ou quando ouve uma linda peça
musical? Esse modo da mente sobretudo fazemos isso, também nos desviamos da
nota e aprecia. Uma coisa que todos pode- doçura. Então, eu o convido a verificar isso
mos ver em nossas vidas é uma tendência comigo enquanto seguimos juntos no nos-
a estarmos tão presos a problemas e no so trabalho.”
modo de solução de problemas que perde-
mos muitos pores do sol. Conduzir um breve exercício de mindful-
“Vamos praticar o modo pôr do sol ness de 1 ou 2 minutos no início das sessões
na sessão de algumas formas diferentes. de tratamento (p. ex., monitorando a própria
Uma coisa que podemos fazer é iniciar inspiração e expiração; rastreando momen-
uma sessão permanecendo alguns minu- taneamente as próprias sensações corporais;
tos de olhos fechados, apenas nos acomo- inspirando profundamente por várias vezes;
dando. Durante esses momentos, iremos focando em todos os cinco sentidos) apoia
praticar o abandono das preocupações do o desenvolvimento da atenção ao momento
dia por alguns minutos e observar algo presente, tanto interno quando externo. Essa
tão simples quanto nossa inspiração e prática tem o benefício adicional de enfatizar
expiração. Algumas vezes encontramos a importância da consciência plena durante as
circunstâncias com as quais temos di- sessões de terapia e pode aumentar enorme-
ficuldade para lidar. Isso nos faz querer mente a eficiência do tratamento porque esti-
resolvê-las o mais rápido possível para mula a transição de uma “conversa fútil” para
acabar com o problema. Porém, algumas um trabalho terapêutico sério.
166 Hayes, Strosahl & Wilson
a ACT, que inicialmente parecem muito abs- tar observar quaisquer sentimentos de tensão
tratos. Na realidade, a verdade é exatamente ou ansiedade. Avançando em pequenos in-
o contrário – porque mindfulness e entrar no crementos subindo pelo corpo, o cliente pode
agora não são atividades analíticas abstratas. ser solicitado a observar onde sente ansieda-
Por exemplo, ensinar pessoas com atraso de de mais agudamente e menos agudamente
desenvolvimento, adolescentes com transtor- e, em particular, os detalhes sensoriais nas
no da conduta ou pacientes com doença men- margens dessas regiões. Como esse tipo de
tal crônica a focarem a consciência nas solas engajamento detalhado momento a momento
dos seus pés impacta positivamente a agressão provavelmente não costuma ser evocado pelo
e outros comportamentos sociais (Singh, Lan- pensamento “Por que estou tão ansioso?”, tal
cioni, Singh Joy et al., 2007; Singh, Lancioni, exercício deve desfusionar o pensamento e
Winton, Adkins, Singh et al., 2007; Singh, trazer o cliente mais inteiramente para o mo-
Lancioni, Winton, Adkins, Wahler et al., 2007). mento.
A ACT demonstrou funcionar também com
outras populações portadoras de deficiência
mental (Pankey, 2007). Em um projeto de jar-
Desacelerar
dinagem com adultos com atraso de desen- Os clientes com frequência entram na sessão
volvimento supervisionados por um de nós na esteira de um fluxo de atividade que é rá-
(KGW), os clientes foram repetidamente ques- pido e descuidado. O ritmo das vocalizações
tionados com perguntas que requeriam que do terapeuta pode ser uma ferramenta im-
parassem e observassem. “Como você sente as portante na facilitação dos processos do mo-
solas dos pés e suas mãos neste momento?”, mento presente do cliente. A velocidade é um
“Pare um momento e me conte quais sons você componente importante de muitos repertórios
ouve.” Com o tempo, essas perguntas parece- de habilidades e suas funções automáticas.
ram originar muito rapidamente uma flexibili- Mudar a velocidade, particularmente indo
dade atencional notavelmente maior. mais devagar, pode romper antigos padrões
e permitir que suas funções sejam vistas. Por
Intervenções para exemplo, se o cliente parece estar acelerado,
rigidez atencional você pode descobrir o porquê alterando a ve-
locidade. Se você faz os clientes desacelerarem
Conforme observado anteriormente, um clien- o suficiente, ficará mais claro o que eles estão
te pode ter habilidades atencionais, mas ser perseguindo, e o que os estiver perseguindo
incapaz de usá-las. Nesses casos, fusão e es- será encontrado.
quiva podem estar restringindo o repertório O comportamento fusionado e evitativo
de ações do cliente. Exercícios de desfusão e pode se parecer com uma corrida, em um sen-
aceitação (veja os Capítulos 9 e 10 para dis- tido figurativo. Os clientes estão fugindo do
cussões mais detalhadas) podem auxiliar no que não pode ser tolerado – assim como cor-
desenvolvimento de um foco no momento pre- rem para acompanhar suas histórias do mun-
sente. Contudo, pedir a um cliente para focar do, do que pode ser tolerado, e o que precisa
no modo como o conteúdo é experimentado no ser feito para lidar com tudo isso. A velocidade
momento presente pode ter efeitos de desfusão é como uma cola que une os elementos. Com
e aceitação. Por exemplo, um cliente pode estar frequência, alterar o ritmo pode perturbar as
completamente fusionado com o pensamento propriedades funcionais do repertório de for-
“Por que estou tão ansioso?”. Você poderia pe- ma tal que o que está sendo evitado ou fusio-
dir que ele fechasse os olhos para tocar nessa nado “alcança” o paciente. Considere o seguin-
questão e, então, começando por seus pés, ten- te exemplo clínico:
168 Hayes, Strosahl & Wilson
OK, então apenas feche os olhos -me onde você sentiu o impacto
suavemente e se acomode na sua no seu corpo. Aí vão as palavras:
cadeira... E talvez você consi- “Um monte de coisas”.
ga começar trazendo sua aten- Cliente: No meu peito.
ção para sua respiração... Veja
Terapeuta: Um aperto?
se consegue começar a permitir
respirações bem profundas. Não Cliente: Sim.
forçadas... mas apenas deixando Terapeuta: Você poderia parar um momento
que seu abdome se expanda... e e ver se consegue notar onde sente
seu peito se eleve suavemente... mais forte essa sensação e suave-
e, talvez, quando seu peito se mente colocar a mão perto deste
elevar, você consiga deixar que ponto?
seus ombros caiam suavemente Cliente: (Coloca a mão sobre o plexo solar.)
e relaxem... e agora pare por um Terapeuta: Agora deixe que sua mão repouse
momento e veja se consegue se gentilmente neste ponto. Eu gos-
permitir repousar em sua própria taria que você observasse se sente
respiração. Você trabalha muito, o subir e o descer da respiração na
e me pergunto se você consegui- sua mão. Veja se consegue notar
ria se dar o presente da quietude as sensações nos locais onde sua
apenas por um momento. (pausa mão encontra o subir da sua res-
de 15 a 20 segundos) Observan- piração... Veja se consegue sentir
do suavemente o subir e descer o batimento do seu coração... Se
do abdome a cada respiração, e perceber que a sua consciência
quando perceber que sua atenção está se desviando, apenas note
se desviou, permita-se retornar o som da minha voz, note que
tranquilamente à sua respiração. eu estou bem aqui, sentado com
Refresque suas narinas enquanto você... e retorne gentilmente às
inspira, aquecendo esses mesmos sensações... Apenas fique com
pontos enquanto expira. essas sensações por um momen-
Agora vou repetir as palavras to, notando cada uma delas, des-
que você acabou de me dizer mui- cansando ali por um momento, e
to, muito, lentamente. E quero depois notando as outras. Veja se
que você escute cada palavra com consegue notar essas sensações,
muita atenção: “Um... monte... resistências, aqueles “nãos” que
de... coisas...” (pausa de 5 a 10 se- você guarda em seu corpo, e veja
gundos) E respire. E veja se con- se consegue permitir que suavi-
segue perceber o que acontece no zem por apenas um momento.
seu corpo, alguma mudança sutil, Veja se consegue notar como é
enquanto eu digo as palavras “um liberar gentilmente essas resis-
monte de coisas” (dito sem pausas, tências mesmo que só por alguns
mas lentamente, deliberadamente, momentos. Veja se consegue se
permitindo que o peso das palavras imaginar respirando suavidade
seja expresso na voz e então pausando nessas resistências. (pausa de 20 a
por 5 a 10 segundos). Sem abrir os 30 segundos) Agora me deixe fazer
olhos, em poucas palavras, conte- uma pergunta. Existe um “você”
170 Hayes, Strosahl & Wilson
no trabalho que é um ser huma- mento presente. O terapeuta pode atacar essa
no inteiro. E aquele mesmo “você” situação de duas maneiras diferentes. Uma
está bem aqui neste momento e seria continuar insistindo em obter alguma
está notando tudo isso. Quero que coisa mais específica (p. ex., “Me dê um exem-
você imagine que poderia oferecer plo de uma coisa que o está incomodando”).
essa suavidade, essa gentileza, A segunda abordagem – que é tomada pelo
a si mesmo no trabalho... como terapeuta – é pegar uma generalidade, “um
um presente. O que esse presen- monte de coisas”, e seguir até uma série de
te significaria para você? Como sensações altamente específicas percebidas
isso poderia mudar o trabalho momento a momento. A atenção do cliente foi
para você?... Dentro de instantes, direcionada para a respiração, depois para o
vou lhe pedir para abrir os olhos pensamento “um monte de coisas”, então para
e quero que você veja se consegue as reações corporais experimentadas em rela-
trazer um pouco dessa suavida- ção a “um monte de coisas”, voltando à voz do
de e ritmo para a nossa conversa terapeuta, e assim por diante. Variar e repetir
sobre o trabalho... E agora quero as palavras ditas, demorar-se nas palavras, en-
convidá-lo a abrir os olhos, e va- gajar-se em respostas imaginadas – tudo isso
mos voltar a falar sobre o seu tra- provavelmente irá reduzir a fusão e aumentar a
balho. flexibilidade da atenção no momento presente.
Essa sequência contém muitos elemen-
tos do modelo de flexibilidade psicológica e Promover aceitação
mostra como um foco no momento presente
se expande naturalmente para incluir outros A esquiva experiencial frequentemente está
processos centrais. Os processos ativados du- conectada à fusão, com ambas induzindo ri-
rante essa interação são desfusão, aceitação, gidez atencional. A intervenção de mindfulness
self e foco no momento presente: o quarteto de feita anteriormente contém inúmeros ele-
mindfulness segundo a perspectiva do modelo mentos orientados para a aceitação. O tera-
de flexibilidade psicológica. Será importante peuta orienta o cliente a suavizar, abandonar
examinar cada um desses processos em mais a resistência, a metaforicamente se oferecer o
detalhes. presente da quietude. Essas sugestões são to-
das concebidas para estimular a aceitação do
que está presente no contexto do cliente neste
Enfraquecer a fusão exato momento.
Os padrões do discurso do cliente são indica-
tivos de altos níveis de fusão. No começo da Contatar o self
transcrição, o terapeuta repetidamente sonda
coisas específicas que estão sobrecarregan- Os elementos do self são um pouco menos pro-
do o paciente e recebe respostas categóricas, eminentes no exercício anterior; no entanto, o
mas inespecíficas: “tudo”, “em todos os luga- terapeuta dá a instrução de notar “o você que
res”, “um monte”, “sempre” e “para sempre”. está notando”. Instruções para notar “o você
As expressões de aflição também têm uma que está notando” são mais poderosas quando
qualidade muito desgastada e automática. dadas na sequência de diferentes coisas ob-
Se o terapeuta sondasse se o cliente já teve es- servadas: elementos como observar eu/você,
ses pensamentos antes, a resposta seria “sim”. como quando o terapeuta instrui o cliente a
Essa fusão opressiva retira o cliente do mo- observar a voz do terapeuta, notar o terapeuta
Terapia de aceitação e compromisso 171
“aqui com você”. Todas essas sugestões facili- simplesmente focar na respiração. Depois dis-
tam a emergência de um você observador ativo. so, pode-se pedir que o cliente observe o que
está aparecendo na forma de pensamentos,
sentimentos, lembranças e sensações físicas.
Contatar os valores Com efeito, o terapeuta desacelera o cliente e
O elemento dos valores é acrescentado ao fi- ajuda a redirecionar a atenção para o que está
nal do exercício na forma de perguntas que acontecendo dentro da consciência momento
pedem que o cliente considere uma relação a momento.
mais generosa e gentil com o trabalho. Pelo
menos dois elementos dos valores estão sendo Criando continuidade
ativados pelo terapeuta. Primeiro, há o valor entre as sessões
direto do trabalho, e, segundo, há um valor de
autocompaixão inserido nas instruções para Exercícios curtos e longos focados em pro-
suavizar e dar a si próprio um presente meta- cessos do momento presente constituem ex-
fórico. celentes tarefas para fazer em casa e podem
O trabalho do processo do momento pre- ajudar o cliente a praticá-los em contextos que
sente reside na ideia relativamente simples de ocorrem naturalmente na vida. Se um clien-
que a aprendizagem acontece quando ocorre te já se engaja em alguma forma de oração,
no presente e é experimentada diretamente. meditação, ioga ou outra prática de mindful-
ness, estas podem ser oportunidades naturais
Se o terapeuta percebe que fusão e esquiva
para acrescentar habilidades de observação e
estão em níveis muito altos, mesmo enquan-
foco. Algumas vezes, o cliente pode concordar
to faz o trabalho com os valores, derrubar os
em praticar em casa um exercício particular
processos do estilo de resposta centrada é uma
da sessão, tal como respiração e observação
posição de recuo sólida. O exemplo anterior de
por 5 minutos, duas vezes por dia. A mensa-
uma intervenção do momento presente pode
gem para o cliente é a de que os processos do
ser usado com qualquer problema trazido por
momento presente são habilidades e de que a
um cliente. Pode durar de 20 ou 30 minutos
única maneira de serem desenvolvidas é por
ou ser mais curto e durar de 4 a 5 minutos. meio da prática. Sem prática, é muito difícil
Diferentes elementos do modelo de flexibili- direcionar a própria atenção flexivelmente em
dade psicológica – ou diferentes ênfases nos situações estressantes na vida. O cliente deve
mesmos elementos – podem ser ativados por ser encorajado a ver essa forma de ser como
meio de ligeiras alterações da intervenção. Por uma modificação permanente no “estilo de
exemplo, mais perguntas podem estar foca- vida” em vez de como uma panaceia que só é
das na tomada de perspectiva ou nos valores. usada em situações estressantes na vida.
O elemento constante é o foco nos processos Para facilidade da prática feita em casa,
do momento presente. Às vezes, ir mais deva- muitos protocolos da ACT atualmente incluem
gar com um item de conteúdo fusionado como de forma rotineira exercícios simples de “estar
este libera a conversa subsequente. presente” na forma de áudio que podem ser
Se parecer que o cliente “desapareceu” reproduzidos em iPods ou aparelhos simila-
dentro de um estado fusionado e/ou experien- res. Os clientes podem ser encorajados a usar
cialmente evitativo, o terapeuta deve iniciar sozinhos pequenos exercícios desse tipo. Por
algum trabalho breve em processos do mo- exemplo, pode ser solicitado para ajustarem
mento presente, como as interações descritas um alarme algumas vezes por dia para fazer
anteriormente. Começa-se por um conteúdo uma pausa, deixar de lado as distrações e ob-
benigno, como fazer o cliente ir mais devagar e servar as sensações de 10 respirações – inspi-
172 Hayes, Strosahl & Wilson
ração e expiração. Os clientes também podem dos de consciência. Como é o caso com a fu-
ser orientados a desacelerar e observar suas são de modo mais genérico, os processos do
experiências sensoriais enquanto se engajam momento presente são um bom antídoto para
em tarefas corriqueiras simples, como lavar a fusão com auto-histórias que estão sendo
os pratos ou passar roupa. Para tornar menos mantidas muito rigidamente pelo cliente.
provável que os exercícios sejam colocados a
serviço do controle ou da eliminação de maus Processos do momento
sentimentos, os clientes devem ser encoraja-
presente e desfusão
dos a fazer exercícios quando estão estressa-
dos e também quando relaxados. Embora ati- Alguns exercícios de desfusão não têm as qua-
vidades prolongadas do momento presente, lidades conscientes dos exercícios e interven-
como ioga formal, ou atividades de meditação ções descritos neste capítulo, mas exercícios
provavelmente sejam benéficas, mesmo pe- breves do momento presente podem ser ane-
quenas quantidades de exercícios do momen- xados a eles, e, assim, nos capítulos que se se-
to presente e de mindfulness podem ser úteis. guem, será importante lembrar-se da possível
Na verdade, evidências metanalíticas sobre relevância dessas aplicações. Considere, por
métodos de mindfulness mostram que eles são exemplo, um exercício de repetição de pala-
úteis mesmo em doses muito pequenas e mes- vras em que é pedido que o cliente repita um
mo quando os participantes não os praticam pouco do conteúdo fusionado por várias vezes,
regularmente (Hoffman et al., 2010). muito rapidamente, até que as palavras co-
mecem a perder sua capacidade de restringir
o comportamento (p. ex., “Eu sou terrível”).
INTERAÇÕES COM OUTROS Esse método provou ser clinicamente útil em
PROCESSOS CENTRAIS alguns contextos (p. ex., Masuda et al., 2004) e
será abordado posteriormente, mas interrom-
O trabalho do momento presente pode ser fei- per a repetição rápida com breves períodos de
to na forma de intervenções independentes, quietude e consciência da respiração pode pro-
mas, como discutimos previamente, a pro- porcionar uma fantástica noção de contraste e
moção de processos do momento presente consciência. Em alguns contextos, a transição
com frequência estimula o trabalho em outros parece levar a uma postura mais desfusionada
processos. As próximas seções revisam breve- em relação ao processo de pensamento sem
mente interações adicionais entre processos necessariamente ter que se desfusionar de um
do momento presente e outros processos. conjunto de pensamentos em particular.
Da mesma forma, muitos exercícios da
Processos do momento ACT treinam os clientes para entrar em conta-
presente e self to com o conteúdo psicológico e simplesmente
descrevê-lo sem acrescentar ou subtrair nada.
Pensamentos fusionados sobre o self são um Quando os clientes são solicitados a simples-
problema comum. Conforme já discutimos, mente nomear emoções como emoções, pen-
a fusão em geral pode levar uma pessoa a samentos como pensamentos, etc., eles estão
perder o contato com o momento presen- basicamente observando de modo atento o
te. Muitos exercícios do momento presente fluxo contínuo da cognição, da emoção e da
pedem que o cliente monitore as emoções, experiência sensorial. O terapeuta pode alte-
os pensamentos e os estados corporais mo- rar a velocidade e o foco da atenção no mo-
mento a momento e se conecte com um sen- mento presente para aumentar o impacto da
so de self que transcende esses vários conteú- convenção de nomeação.
Terapia de aceitação e compromisso 173
parecer útil, ou como ele persiste nos exercí- pontaneamente começa a parar, desacelerar
cios ou diante de um conteúdo difícil quando ou alterar a direção das sessões de forma de-
é necessário. Tais mudanças normalmente liberada. À medida que a flexibilidade aten-
demonstram que está sendo adquirida fle- cional aumenta, o momento presente se tor-
xibilidade atencional. A generalização das na um fundamento sempre presente e firme
habilidades é indicada quando o cliente es- para a consciência e a ação.
8
Dimensões do self
xar que os produtos da mente estejam presen- do conteúdo, aceitar o que está presente) e se
tes. A flexibilidade atencional que sustenta engajar na vida (escolhendo valores e se enga-
estar “no agora” é muito mais possível quando jando em ações de compromisso).
existe uma distinção disponível entre os pen- De forma alternativa, imagine assim:
samentos e o pensador, as emoções e aquele a vida é como dirigir um carro; algumas vezes
que as sente, as lembranças e a pessoa que re- chove, e o barro respinga no para-brisa. Para
corda, etc. que seja possível enxergar adiante, é preci-
Estamos acostumados a selecionar os so que o limpador do para-brisa seja ligado.
inputs mentais por sua relevância imediata. Esquiva experiencial e fusão cognitiva são
Esta é uma função que é usada de forma tão como ter um limpador de para-brisa que está
generalizada que simplesmente a tomamos paralisado pelo gelo – rígido e inflexível. Acei-
como certa, e sem ela os humanos estariam tação e desfusão liberam nossas ações para que
em um constante estado de “sobrecarga de possamos participar inteiramente no presente
informação”. Por exemplo, quando atravessa- e gravitar em torno de nossos valores e ações
mos um cruzamento movimentado, podemos de compromisso. O movimento do limpador de
estar conscientes dos aromas provenientes para-brisa pode limpar o para-brisa, mas um
de um restaurante próximo, mas isso não é momento depois, se o temporal for muito for-
tão importante quanto observar a velocida- te, o para-brisa pode ficar turvo novamente,
de dos carros que vêm no sentido contrário. e será necessário algo a mais. O ponto-chave
No entanto, quando se trata dos elementos desse processo é um senso de self transcenden-
subjetivos de atenção – autoavaliações, com- te. Os processos de desfusão e aceitação per-
parações, previsões do que ainda está por vir, mitem que a energia vital se volte para o pre-
para citar algumas possibilidades –, podemos sente, onde pode ser transformada em ação
não perceber a relação contextual entre aquilo vital, mas a consciência permite que tudo isso
do que estamos conscientes e quem está cons- seja a ação de um ser humano consciente.
ciente daquilo. Em consequência, perdemos a Os terapeutas ACT assumem a perspecti-
habilidade de selecionar esses estímulos por va de que vitalidade, propósito e significado
sua relevância e muito facilmente ficamos à ocorrem quando a pessoa voluntária e repe-
mercê do conteúdo desses inputs. Em essên- tidamente se engaja em um tipo de suicídio
cia, estamos no piloto automático. conceitual, em que as fronteiras do self con-
A ACT pede muito do cliente. Pede que as ceitualizado são abrandadas e ocorre uma
defesas verbais sejam reduzidas. Pede que os abordagem mais aberta das experiências que
monstros psicológicos sejam enfrentados. são nada mais do que ecos da história do pró-
Não se pode esperar que alguém enfrente dor prio indivíduo. A expressão da ACT para isso é
psicológica se a autodestruição (mesmo que “mate-se todos os dias”. Quando enfatizamos
metafórica) parece ser o resultado provável. o contato com a experiência direta por meio de
Para enfrentar os próprios monstros de fren- um self observador, estamos estimulando pro-
te, é necessário encontrar um lugar a partir do cessos atencionais mais flexíveis, os quais, por
qual isso seja possível. A solução requer que o sua vez, permitem a emergência de um pro-
cliente aprenda a estar no momento presente cesso contínuo de autoconsciência e consciên-
e a fazer contato com um senso de self mais cia do ambiente. Nós restituímos aos clientes
amplo que não seja ameaçado pelo conteú- o que eles já receberam, mas perderam como
do. Essa habilidade de se centrar (manter-se resultado da dominação da linguagem e do
presente e assumir uma perspectiva) pode ser pensamento: a consciência como um lugar
pensada como um engrenagem que se associa para observar sua guerra particular sem estar
à habilidade de se manter aberto (desfusionar dentro da guerra particular.
178 Hayes, Strosahl & Wilson
ser raiva”). A ironia é que, quando o conteúdo riedade de contextos. É importante não falar
avaliado da autoconsciência não mais está em apenas sobre problemas, mas também sobre
questão, uma autoconsciência fluida e útil tem aspirações – não só porque existe uma pessoa
mais probabilidade de ser estimulada (“Estou inteira na sala, mas também porque fazer isso
me sentindo irritado agora em resposta ao estabelece uma tomada de perspectiva mais
comentário que ela fez”). Os clínicos da ACT flexível.
oferecem um modelo desse senso de self – que Histórias de aprendizagem distorcidas
foi denominado “self-como-processo”. Quan- podem dar vez a incontáveis tipos de proble-
do isso é útil, eles estão prontos para descrever mas de tomada de perspectiva. Por exemplo,
o que está acontecendo na terapia, nos clien- um cliente que quando criança era constan-
tes ou neles mesmos – diretamente e sem crí- temente forçado a descrever desejos, estados
ticas. Eles são capazes de instigar e apoiar esse e aspirações com base no que os outros que-
senso de self fazendo perguntas ao cliente em riam ouvir rapidamente aprende que “eu” é
momentos-chave e mantendo uma postura de menos “a partir daqui” do que “a partir de lá”.
abertura ao que é observado. Muitos exercícios Certos tipos de condições clínicas mostram tal
de ACT treinam os clientes a contatar o con- fenômeno. A pessoa cujo senso de integrida-
teúdo psicológico e simplesmente descrevê-lo de ou pessoalidade se desintegra quando seu
sem acrescentar ou subtrair nada. terapeuta sai de férias – ou quando o parceiro
não está mais presente – está evidenciando
Promovendo um senso de self perda do senso de self que sempre esteve muito
de tomada de perspectiva: atrelado às perspectivas dos outros. A criança
o self-como-contexto criada em uma família violenta, abusiva e dis-
funcional com frequência vai aprender a dis-
No Capítulo 3, examinamos algumas das evi- sociar vários aspectos da autoconsciência para
dências da RFT de que um senso de perspecti- conseguir sobreviver à turbulência mental que
va emerge não somente do “eu”, mas também ela não tem habilidade para processar e inte-
de outras perspectivas, como “você”, e que as grar simbolicamente. Esse senso de autocons-
relações dêiticas de aqui-lá e agora-depois ciência fragmentado pode, mais tarde, levar a
são a chave para a tomada de perspectiva. No estados dissociativos diante de condições de
sentido mais básico, ver a partir do “eu-aqui- excitação emocional negativa.
-agora” é uma ação de tomada de perspectiva O profundo insight que a RFT proporciona
porque não há uma posição mental estática a é o de que “eu” aparece no momento em que
partir da qual a perspectiva é garantida. Este “você” aparece, e a flexibilidade resultante
é um processo fluido contínuo; a construção na tomada de perspectiva é essencial. Mui-
do “eu” (“I-ing”) pode ser uma descrição mais tos exercícios de ACT requerem que o cliente
acurada desse processo, embora mais com- adote diferentes perspectivas por essa própria
plexa. Uma pessoa com uma história rica de razão. Por exemplo, os clientes podem ser
questionamentos sobre pessoa, tempo e lugar convidados a irem até um futuro “mais sábio”
irá mais prontamente abstrair o que é inva- e, olhando para trás, verem a si mesmos ago-
riante nas respostas, ou seja, a própria tomada ra, talvez até mesmo escrevendo uma carta
de perspectiva. Uma pessoa com uma história para si mesmos sobre como se engajarem na
empobrecida terá mais dificuldades para en- situação atual de forma saudável. Pode ser
trar em contato com esse senso de self. Assim, solicitado ao cliente que se sente em uma ca-
a ACT, como outras tradições experienciais, deira vazia e fale consigo mesmo segundo a
encoraja o uso de declarações do tipo “eu” e perspectiva de outra pessoa. Depois de ouvir
estimula essas declarações em uma ampla va- uma parte nova do material clínico, o cliente
180 Hayes, Strosahl & Wilson
pode ser questionado sobre o que ele supõe a tomada de perspectiva do “eu-aqui-agora”
que você, o terapeuta, possa estar pensando. é aprender sobre as perspectivas dos outros,
Não é difícil ajudar os clientes a reconhe- incluindo o clínico.
cerem a conexão essencial entre a pessoa que
são hoje e a pessoa que eram no verão passa- APLICAÇÕES CLÍNICAS
do, a pessoa que já foi adolescente e a pessoa
que já teve 4 anos de idade. As pessoas com Há três objetivos clínicos principais a serem
frequência conseguem se colocar na sua pele buscados quando trabalhamos com esse pro-
naquela época e conseguem contatar aquela cesso central. Um é enfraquecer o apego do
“pessoa” mesmo agora. O contato com esse cliente ao self conceitualizado. O segundo é
senso de self que toma perspectiva é essencial ajudar o cliente a desenvolver e/ou melhorar a
para o trabalho de aceitação porque fornece habilidade de notar o fluxo contínuo da expe-
um refúgio no qual não existe ameaça exis- riência. O terceiro é ajudar o cliente a aumen-
tencial por entrar na dor e nas dificuldades da tar a disponibilidade e a flexibilidade de tomar
vida. Essa perspectiva possibilita que a pessoa perspectiva.
saiba de forma verdadeiramente experiencial Os sinais de que o trabalho com o self é ne-
que, não importa o que surgir, o “eu” não é cessário são um senso de ausência de vida ou
ameaçado. Isso não se dá porque o “eu” é per- presunção e uma qualidade apressada ou au-
manente, mas porque o “eu” não é uma coisa. tomática na existência diária, ambos os quais
Em vez disso, ele é a perspectiva a partir da refletem um senso de apego ao self conceituali-
qual a atividade verbal é observada. Tomando zado. Resistência e desconforto surgirão algu-
emprestada uma metáfora de Baba Ram Dass, mas vezes em uma sessão quando as questões
por trás da nuvem da linguagem se encontra forem contatadas fora da narrativa de self habi-
um pequeno pedaço de céu azul. Não há ra- tual. O conteúdo das experiências dos clientes
zão para que os humanos afastem as nuvens pode parecer quase ameaçador à vida, como se
a cada momento para serem reassegurados de não houvesse nada mais para eles do que suas
que existe um céu azul. Ele envolve e contém auto-histórias. Pode haver falta de sensibili-
as próprias nuvens. Contatar esse aspecto do dade à perspectiva dos outros, incluindo o te-
self é, assim, entrar em contato com um sen- rapeuta ou outras pessoas no ambiente. Uma
so de integração pessoal, de transcendência, preocupação hiperatenta às perspectivas dos
interconectividade e presença. outros ou um sentimento de anomia quando
A relação terapêutica na ACT é com fre- deixado sozinho pode indicar problemas com
quência intensa, e existe uma noção de valores o self como “sendo eu”. Falta de senso de espi-
e vulnerabilidades compartilhados entre o te- ritualidade ou conectividade com os outros,
rapeuta e o cliente (veja o Capítulo 5). A au- desconforto com ambiguidade, rigidez pesso-
torrevelação é comum; o terapeuta serve como al, senso de vazio interno e/ou problemas com
modelo de abertura para a abordagem das di- dissociação podem ser indicadores da necessi-
ficuldades inerentes à tomada de perspectiva dade de desenvolver a habilidade de fazer con-
na presença do modo de solução de problemas tato com um senso de self maior.
excessivamente dominante (p. ex., “Quando
eu me magoo, como você, acho difícil recuar e Enfraquecendo o apego
deixar a mágoa ali e, em vez disso, a vejo como ao self conceitualizado
parte de mim”). Isso faz sentido por muitas ra-
zões dentro do modelo da ACT, porém, nesse Assim como vale para qualquer processo na
contexto, é importante observar que uma das ACT, alguns clientes estão prontos para co-
formas pelas quais uma pessoa aprende sobre meçar a enfrentar questões espinhosas rela-
Terapia de aceitação e compromisso 181
cionadas ao self, enquanto outros não estão. o apego. O cliente com frequência não reco-
Às vezes, os clientes já trabalharam nessas nhece as poderosas propriedades dialéticas
questões por algum tempo ou conseguem en- da linguagem e a forma arbitrária como essa
tender rapidamente a questão do self e imedia- característica pode afetar as autoconceitua-
tamente conseguem avançar. A orientação da ções. A tarefa do cliente nesse exercício é ob-
ACT para o self e o sofrimento também explica servar que qualquer declaração de identidade
por que essa abordagem pode funcionar com positiva automaticamente atrai seu oposto e
uma ampla variedade de problemas clínicos. (se você optar por estender o exercício) que
Em certo sentido, a luta entre conteúdo e con- declarações de identidade extremamente ne-
texto é atemporal e inextricavelmente associa- gativas também automaticamente atraem seu
da à “condição humana” – é uma batalha de oposto. A questão é que paz de espírito é difí-
milhares de anos. O terapeuta e o cliente estão cil no nível do conteúdo, e, assim, o apego a
juntos nesse caldeirão da linguagem, e um in- um conteúdo de pensamento privado avalia-
tenso laço terapêutico se desenvolve entre eles tivo imediatamente produz uma sensação de
devido a esse fato. desconforto e ameaça. Nesse exercício com os
O primeiro trabalho que é concebido para olhos fechados, primeiramente faça um breve
enfraquecer o apego a um self conceitualizado exercício de centralização, como este a seguir:
pode ser muito simples. Os clientes costumam
acreditar que a terapia irá ajudá-los a eliminar “Antes de começarmos, tudo bem se ocu-
crenças pessoais más e limitantes e imediata- parmos um momento para você ficar cen-
mente criar autoconfiança pura e inalterada. trado e ajudá-lo a ficar presente na sala?
Eles esperam que o terapeuta faça os reparos Bom. OK, vamos nos acomodar e largar
necessários, como um encanador que conserta tudo. Respire profundamente e observe
um vazamento ou canos enferrujados. O tera- como é inspirar... [pausa]... e, quando es-
peuta ACT introduz a ideia de que a bondade tiver pronto, faça mais uma vez [pausa]...
ou maldade das crenças pode não ser um pro- E agora faça de novo, mas, no auge da res-
blema per se, mas que o problema pode consis- piração, quero que observe que você não
tir do apego do indivíduo às crenças. inspira nem expira – há um tipo de platô
Para iniciar o processo de desvinculação, antes de expirar. Veja se consegue notar
o terapeuta pode apresentar ao cliente vários isso e observe onde começa e onde termi-
exemplos das formas pelas quais o apego mes- na... [pausa]... [Podem ser acrescentadas
mo a crenças muito positivas pode cegar uma aqui outras coisas às quais prestar atenção,
pessoa. Por exemplo, uma pessoa que é apega- tais como atenção a sons, sensações, etc.]”
da à ideia de que o mundo é um lugar cheio de
bondade tem maior probabilidade de se tornar A seguir, peça que o cliente observe o que
presa de uma pessoa inescrupulosa. Uma pes- surge em sua mente enquanto você diz algu-
soa comprometida com a ideia de que é um mas palavras. Então, diga apenas quatro pala-
bom pai ou mãe pode ficar cega para as for- vras lentamente:
mas pelas quais na verdade está prejudicando
os filhos. O terapeuta pode pedir que o cliente “Sou inteiro... completo... perfeito.”
examine algumas experiências pessoais rele-
vantes e tente encontrar situações em que o Depois de alguns minutos, termine o exer-
apego tanto a ideias positivas quanto negati- cício e comece uma discussão da experiência
vas foi prejudicial. do cliente com ele. Pergunte o que veio à men-
O exercício Inteiro, Completo, Perfeito é um te, qual palavra foi mais difícil, etc. Em geral,
excelente exercício experiencial para abordar quanto mais positiva a palavra, mais negativa
182 Hayes, Strosahl & Wilson
a experiência do cliente – por exemplo, “Eu que os clientes sublinhem todos os fatos ob-
posso ser inteiro, mas não sou perfeito!”. Você jetivos (p. ex., “Tive um ataque de pânico du-
pode acrescentar um conjunto similar de pala- rante minha festa de formatura”) e circulem
vras mais negativas, e o cliente com frequên- todas as reações psicológicas (pensamentos,
cia irá começar a argumentar silenciosamen- sentimentos, lembranças, sensações, impul-
te também com as extremamente negativas. sos, disposições, etc. – tais como “Eu achei
Mais uma vez, a questão é que não há paz de que ia morrer”). Depois, peça que escrevam a
espírito no nível do conteúdo porque um ex- história novamente com todo o conteúdo su-
tremo atrai seu oposto. A paz de espírito deve blinhado e circulado, mas com um tema e um
ser encontrada em outro lugar. final diferentes.
Diga-se de passagem, pode ser importante Ao examinar a nova história, assegure-se
contar ao cliente sobre a etimologia de perfeito. de que todos os elementos estejam colocados
A primeira parte da palavra (per) provém de e de que o final e o tema sejam diferentes. Não
um termo que significa “completamente”. Fei- há necessidade de “comparar” a nova história
to provém da mesma raiz que fábrica e signi- com a antiga em termos de qual é melhor ou
fica “feito”. No seu emprego contemporâneo, mais acurada. O clínico deve enfatizar que o
“totalidade” e “perfeição” parecem ser ques- propósito não é mostrar que a história original
tões de avaliação; no entanto, se ser perfeito está errada ou encontrar uma história melhor,
é ser completamente feito, talvez perfeição mas apenas observar como a mente funcio-
seja mais uma questão de presença ou totali- na, mesmo quando não estamos observando.
dade. Nenhum segundo contém mais vida do Depois de concluir essa conversa, peça que a
que qualquer outro segundo. Todo momento pessoa escreva ainda outra história usando
é sempre absolutamente inteiro, mesmo um apenas os eventos sublinhados (i.e., os fatos
momento em que surge o pensamento de que objetivos) e, desta vez, aplicando algum tipo
“Estou perdendo alguma coisa”. de reação psicológica ou avaliações/julga-
Também é importante notar outra coisa. mentos diferentes. Mais uma vez, a conversa
Quase ninguém que faz esse exercício nota a está mais focada na experiência do cliente ao
palavra Sou. Nesse exercício, o terapeuta não fazer o exercício do que no que diz o conteú-
diz “Veja como é acreditar nestas palavras so- do da nova história. O cliente pode dizer algo
bre você: Sou inteiro, completo, perfeito”. Não como: “Eu tentei pensar em outra maneira de
há nenhuma instrução para aplicar esses atri- descrever o quanto foi horrível”. Em resposta,
butos a si mesmo. No entanto, 99% daqueles o terapeuta pode dizer: “Interessante. Vamos
que fazem esse exercício irão aplicar as quatro trabalhar juntos agora para ver se consegui-
palavras dessa maneira, e quase ninguém irá mos encontrar um adjetivo ou descrição di-
notar inicialmente que não precisava ter feito ferente. Vamos ver se conseguimos que sua
isso. Vale a pena observar – geralmente de- mente faça isso”. De modo geral, o exercício do
pois de desvendar a maior parte do processo Enredo promove um tipo de processo de des-
– como isso pode ser outro exemplo do quão fusão que ajuda a enfraquecer o apego à auto-
sedutor e automático pode ser o controle pelos -história conceitualizada e que torna mais
pensamentos. explícito e distinguível o processo contínuo de
Outra intervenção comum é usar o exercí- fazer julgamentos. Se o cliente e o terapeuta
cio escrito Enredo. Esse exercício pede que os conseguirem tolerar isso, milhares de histó-
clientes descrevam por escrito os principais rias podem ser escritas acerca do mesmo con-
eventos históricos que moldaram suas vi- junto de eventos objetivos, e já trabalhamos
das e os transformaram no que eles são hoje. pessoalmente com clientes fazendo várias
Depois de escrita cerca de uma página, peça rodadas desse exercício. É importante não dar
Terapia de aceitação e compromisso 183
uma aula expositiva ou dar ao cliente a “moral res e precisa ser distinguido do self conceitu-
da história” ao fazer esse exercício. O signifi- alizado, é importante que as perguntas sejam
cado que queremos que o cliente extraia está amplas e flexíveis. Não fazer perguntas que
implícito na tarefa. Por exemplo, se o cliente atravessem as dimensões pode confundir con-
diz algo como “Então, o que você está tentan- teúdo com contexto. Por exemplo, perguntar
do me dizer é que a minha história de vida é apenas sobre problemas pode fomentar uma
apenas uma história e que não devo acredi- identificação que o cliente pode ter com esses
tar nela, certo?”, o terapeuta pode responder: problemas específicos. Criar artificialmente
“Esta é apenas uma oportunidade para ver “autoestima” falando apenas de coisas po-
como nossas mentes atribuem significado às sitivas pode criar outro apego – desta vez ao
coisas e que tipos de coisas entram numa his- conteúdo “positivo” – e, assim, ser um convite
tória pessoal. Também é uma oportunidade para mais dificuldades.
de notar como nos apegamos e investimos em Uma vantagem da abordagem da ACT
certos aspectos de uma história de vida quan- é que ela fortalece o self-como-processo –
do de fato existem muitas maneiras de pensar a consciência contínua, flexível e voluntária
nas coisas. Isso não é nem bom, nem ruim, do mundo interno. Por exemplo, uma pessoa
apenas algo de que queremos estar cientes”. que luta contra um pensamento difícil pode
A propósito, esse exercício clássico da ACT ser questionada sobre como sente seu corpo,
mostra que a ACT não se opõe à reavaliação quantos anos ela sente ter; colocar na forma
cognitiva como uma forma de flexibilidade postural o impulso que ela tem quando esse
cognitiva, mas é resistente à ideia de que o pensamento surge; ou ver se ela consegue abrir
conteúdo do pensamento seja necessariamen- os olhos e entrar no presente mesmo notando
te a chave e, assim, de que a ênfase principal esse pensamento. Em outras palavras, o con-
deva sempre estar na remoção do conteúdo trole atencional flexível é fundamental para o
ruim e na sua substituição por um conteú- desenvolvimento da simples consciência, que
do bom. Essa ideia se aplica a algumas situa- é uma característica essencial da tomada de
ções limitadas (p. ex., ignorância), mas é em perspectiva. Algumas vezes, a ACT pode se as-
grande parte exagerada e é menos útil do que semelhar a terapias existenciais ou humanis-
modificar as funções dos pensamentos e a re- tas, com seu intenso interesse na experiência
lação da pessoa com os processos cognitivos. imediata da pessoa. Essa semelhança não é o
mesmo que um interesse no conteúdo avaliati-
O self-como-processo- vo da história da pessoa. Há um senso de aber-
-contínuo: fortalecendo a tura e vulnerabilidade que provém de declara-
autoconsciência contínua ções do tipo “eu” que são honestas, presentes e
flexíveis. É isso que está sendo buscado.
Discutir o self como conteúdo conceitualiza- Se o senso de self da pessoa se tornou ex-
do em um nível intelectual pode ser útil para cessivamente externalizado de um modo não
alguns clientes com funcionamento superior, saudável, o clínico poderá precisar retornar
porém, na maior parte do tempo, o terapeu- com frequência às experiências imediatas
ta precisa ajudar o cliente a fazer contato ex- do cliente, efetivamente desacelerando-as
periencial com o “eu/aqui/agora” como uma para que elas possam ser mais exploradas.
perspectiva a partir da qual a consciência sur- Uma pessoa pode subjugar “eu” a “você” tão
ge. Uma forma importante como isso é feito é profundamente que a relação “eu-você” não
formulando perguntas que exijam uma res- é uma relação de forma nenhuma. Essa ten-
posta do tipo “eu”. Se o self-como-contexto é dência é tão corrosiva para o desenvolvimen-
um tipo de abstração em múltiplos exempla- to de um senso de self transcendente quanto
184 Hayes, Strosahl & Wilson
não conseguir fazer perguntas do tipo “eu”. é difícil ou prazeroso; o que você teme ou
Assim como uma pessoa com treinamento o que espera; sua dor e seus valores. Não
dêitico empobrecido pode não saber “se eu fique emaranhado neles agora – apenas
fosse você e você fosse eu, o que você estaria note que essas questões estão aqui e dê-
sentindo?”, então também uma pessoa com -lhes um momento para borbulharem
externalização excessiva do self pode falhar à sua volta... E, então, quero que você se
no mesmo teste. imagine daqui a muitos anos olhando para
este momento. Você consegue se ver sen-
O self-como-contexto: tado nesta cadeira, consciente de todas as
fortalecendo o contato com dores e medos e esperanças e aspirações.
a tomada de perspectiva Imagine que você fez progresso e agora
está mais sábio. Não pense demais nisso,
Uma vez que “eu” é relacional, ele pode ser mas veja se consegue entrar em contato
usado para modificar perspectivas. Esse tipo com esse senso de consciência – de olhar
de modificação é obtido pela exploração das para trás para si mesmo agora. Tente dei-
perspectivas de outras pessoas na vida do xar de lado qualquer julgamento e apenas
cliente ou por meio de autorrevelações opor- foque nessa pessoa que você vê de uma for-
tunas do terapeuta (para benefício do cliente, ma bondosa na sua consciência. Caso isso
não do terapeuta), mas também pode ser ex- realmente pudesse acontecer, que conse-
plorado dentro do próprio senso de perspecti- lho você daria a si mesmo sobre como se
va da pessoa. Este é um exemplo de um breve engajar nesta sessão que estamos para co-
exercício de mindfulness que pode ser usado no meçar? Não responda rapidamente... ape-
começo de uma sessão para ajudar a promo- nas se coloque dentro dessa pergunta por
ver a tomada de perspectiva. A sessão começa alguns momentos... Veja se existe alguma
com um breve exercício de centralização se- coisa que você poderia dizer a si mesmo
melhante ao exercício inicial Inteiro, Completo, se isso realmente pudesse ocorrer. Se hou-
Perfeito, descrito anteriormente. Solicita-se ao ver, apenas note o que é. Veja se consegue
cliente que observe várias sensações, como se conectar com um self carinhoso e auto-
sua respiração ou os sons do ambiente. O exer- compassivo. Você tem alguma coisa a di-
cício continua da seguinte forma: zer? Faça conexão com essa mensagem,
quase como se você estivesse a ponto de
“Agora, enquanto você observa essas coi- expressá-la em voz alta. Agora, retorne
sas, eu quero que note que está observando para dentro do seu corpo... Imagine onde
essas coisas. Você está aqui agora, cons- eu estou. E, quando estiver pronto para
ciente do que está consciente. Se não ti- começar, apenas abra os olhos e use os mi-
ver certeza, apenas aguarde algum tempo nutos seguintes para escrever a mensagem
para notar uma sensação ou imagem... que veio à sua mente.”
“E note que você está notando... Não
tente segurar essa parte e olhar para ela – Um exercício indutivo como este pode ser
você estaria olhando a partir de outro lugar. usado para estabelecer um contexto de cons-
Apenas toque essa consciência levemente ciência para o trabalho clínico. As habilidades
e note que você está aqui, consciente, neste de olhar através do tempo, do espaço e da pes-
momento da sua vida... Agora, quero que soa podem ajudar a estabelecer maior tomada
você pense em todas as coisas que podem de perspectiva. Os muitos exercícios que estão
acontecer na nossa sessão de hoje – pode- sendo desenvolvidos na TCC contextual para
mos examinar o que tem acontecido; o que aumentar a compaixão em relação aos outros
Terapia de aceitação e compromisso 185
e a si mesmo podem facilmente se encaixar ‘se você não está disposto a ter, você tem’,
nessa parte da ACT (p. ex., veja a “terapia fo- então, quando você luta contra elas, elas
cada na compaixão” de Gilbert [2009]). se tornam mais centrais na sua vida, mais
As metáforas são particularmente úteis habituais, mais dominantes e mais asso-
para destacar as diferenças entre contex- ciadas a cada área da vida. A ideia lógica é
to e conteúdo da consciência. A intervenção que você vai eliminar uma parte suficiente
clássica da ACT é a metáfora do Tabuleiro de delas para finalmente dominá-las – a não
Xadrez. ser que sua experiência lhe diga que o que
acontece é exatamente o oposto. Aparen-
“É como se existisse um tabuleiro de xa- temente, as peças pretas não podem ser
drez que se estende infinitamente em to- deliberadamente eliminadas do tabuleiro!
das as direções. Ele está coberto por peças Então a batalha prossegue. Você se sente
de cores diferentes, peças pretas e pe- sem esperança, tem a sensação de que não
ças brancas. Elas trabalham juntas como pode vencer e, no entanto, não consegue
equipes, como no jogo de xadrez – as peças parar de lutar. Você está montado naque-
brancas se opondo às peças pretas. Você le cavalo branco; lutar é a única opção que
pode pensar em seus pensamentos, senti- você tem porque as peças pretas parecem
mentos e crenças como sendo essas peças; ameaçadoras. No entanto, viver em uma
eles andam juntos em equipes também. zona de guerra não é uma forma de viver.”
Por exemplo, os ‘maus’ sentimentos (como
ansiedade, depressão, ressentimento) an- Quando o cliente se conecta com essa me-
dam juntos com os ‘maus’ pensamentos e táfora, ela pode ser transformada na questão
as ‘más’ lembranças. O mesmo acontece do self.
com os ‘bons’. Então, parece que a for-
ma como o jogo é jogado é que escolhemos Terapeuta: Agora, vou lhe pedir que reflita so-
qual dos lados queremos que vença. Colo- bre isso atentamente. Nessa metá-
camos as peças ‘boas’ (como pensamen- fora, suponha que você não seja as
tos que são autoconfiantes, sentimentos peças do xadrez. Quem você é?
de estar no controle, etc.) de um lado e as Cliente: Eu sou o jogador?
peças ‘más’ no outro. Então, ficamos atrás
Terapeuta: Isso pode ser o que você vem ten-
da rainha branca e comandamos a bata-
tando ser. Observe, no entanto,
lha, lutando para vencer a guerra contra
que um jogador faz um grande
a ansiedade, a depressão, os pensamentos
investimento na forma como
sobre o uso de drogas, o que quer que seja.
essa guerra acontece. Além disso,
Este é um jogo de guerra. Mas há um pro-
contra quem você está lutando?
blema lógico aqui: por causa dessa postu-
Algum outro jogador? Então su-
ra, partes enormes de você são seu próprio
ponha que você também não seja
inimigo. Em outras palavras, se você pre-
um jogador.
cisa estar nessa guerra, há algo de errado
com você. E, como parece que você está no Cliente: ...Eu sou o tabuleiro?
mesmo nível que essas peças, elas podem Terapeuta: Poderia ser útil olhar dessa for-
ser tão grandes ou até maiores que você – ma. Sem um tabuleiro, essas pe-
embora essas peças estejam dentro de você. ças não têm lugar para estar. O
Então, de alguma maneira – mesmo que tabuleiro as contém. O que acon-
não seja lógico –, quanto mais você luta, teceria aos seus pensamentos se
maiores elas ficam. Caso seja verdade que você não estivesse ali para estar
186 Hayes, Strosahl & Wilson
consciente de que você os pen- pareça assustador, não estão sendo genuina-
sou? As peças precisam de vo- mente tocadas. Em um trabalho em grupo,
cê. Elas não podem existir sem o tabuleiro de xadrez pode ser encenado pelo
você, mas você as contém, elas grupo inteiro.
não contêm você. Note que, se Se o cliente se conectar com a metáfora,
você for as peças, o jogo é muito será útil reforçá-la periodicamente apenas lhe
importante; você tem que ven- perguntando: “Você está no nível da peça ou
cer, sua vida depende disso! Mas, no nível do tabuleiro neste momento?”. Todos
se você for o tabuleiro, não im- os argumentos, razões, etc., que o cliente apre-
-porta se a guerra para ou não. senta são exemplos de peças, e, assim, essa
O jogo pode continuar, mas isso metáfora pode ajudar a desfusionar o cliente
não faz nenhuma diferença para de tais reações. A noção de nível do tabuleiro
o tabuleiro. Como tabuleiro, você pode ser usada frequentemente para conotar
pode ver todas as peças, pode uma posição em que o cliente está olhando
contê-las, você está em contato para o conteúdo psicológico em vez de olhan-
íntimo com elas e pode observar do através do conteúdo psicológico. Você, o clí-
a guerra sendo travada na sua nico, pode juntar as palmas das mãos viradas
consciência, mas isso não impor- para cima enquanto fala sobre consciência
ta. Isso não exige esforço. como um tipo de metáfora física para o que
está sendo discutido.
A metáfora do Tabuleiro de Xadrez com fre- Os clínicos precisam aprender a ouvir as
quência é encenada na terapia. Por exemplo, metáforas e construir exercícios que se adap-
um pedaço de cartolina é colocado no chão, tem à experiência do cliente. Um cliente pode
e várias coisas atraentes e outras feias são falar sobre como as ondas se movimentam
colocadas em cima dela (p. ex., guimbas de pelo oceano, mas elas não movimentam o
cigarro, figuras). O cliente é convidado a ob- oceano. Outro pode falar sobre como os bar-
servar que o tabuleiro não despende nenhum cos navegam atravessando um lago, mas o
esforço para conter as peças – uma metáfora lago permanece. Tais “etiquetas de palavras”
para a ausência de esforço necessário para geradas espontaneamente podem, então, ser
entrar em contato com a simples consciên- usadas para reintroduzir a noção de tomada
cia, com o ato físico do tabuleiro mantendo as de perspectiva durante momentos clínicos
coisas como uma metáfora para a disposição difíceis. As metáforas funcionam quando são
de se engajar no conteúdo temido e aceitá-lo. ricas, sensoriais e adequadas. É melhor usar
Pode ser pedido ao cliente que observe que no aquelas que emergem da experiência, da lin-
nível do tabuleiro apenas duas coisas podem guagem e do imaginário dos clientes, e, quan-
ser feitas: manter as peças e deslocá-las. Não do isso ocorrer, elas podem substituir as metá-
podemos mover peças específicas sem aban- foras “engessadas” da ACT.
donar o nível do tabuleiro. Embora a tarefa O clínico da ACT é sensível ao fato de que
do tabuleiro não exija esforço, as peças estão discussões sobre autoconceito e consciência
engajadas em uma guerra total. Além disso, podem se tornar excessivamente intelectuais
o tabuleiro está em contato mais direto com as com rapidez. As metáforas que acabamos de
peças do que as peças estão entre si – portan- descrever apontam para os problemas envol-
to, simples consciência não é sobre desapego vidos, mas na verdade não criam essa distin-
ou dissociação. Em vez disso, quando o cliente ção experiencialmente. Portanto, se o cliente
fica apegado a um pensamento ou tem dificul- perguntar “O que eu deveria fazer diferente,
dades com uma emoção, outras peças, embora então? Como posso ficar no nível do tabulei-
Terapia de aceitação e compromisso 187
ro?”, é melhor não responder diretamente à agora, volte sua atenção para você mes-
pergunta. Uma boa resposta é: “Iremos aju- mo nesta sala. Imagine a sala. Imagine-se
dar com isso à medida que avançarmos. Mas, nesta sala e exatamente onde você está.
neste momento, apenas note que é impossível Agora, comece a entrar na sua pele e entre
não ter dificuldades com pensamentos e sen- em contato com seu corpo. Note que você
timentos se você os trata como definidores está sentado na cadeira. Veja se consegue
de quem você é”. Precisamos ajudar o cliente notar exatamente o desenho que se forma
a fazer contato direto com a experiência da e as partes da sua pele que tocam a cadeira.
consciência simples como o contexto defini- Note as sensações corporais que estão aí.
dor para o conteúdo psicológico. Enquanto você vê cada uma, apenas reco-
O exercício Observador (uma variante do nheça esse sentimento e permita que a sua
“exercício de autoidentificação” desenvolvido consciência avance. (pausa) Agora, note as
por Assagioli, 1971, p. 211-217) é projetado emoções que você está tendo e, se tiver al-
para começar a estabelecer um senso de self guma, apenas a reconheça. (pausa) Agora,
que existe no presente e proporciona um con- entre em contato com seus pensamentos
texto para desfusão cognitiva. O exercício é e, silenciosamente, observe-os por alguns
geralmente realizado com os olhos fechados momentos. (pausa) Agora, quero que você
(os clientes que ficam desconfortáveis com observe que, enquanto notava essas coi-
isso podem cobrir os olhos ou apenas olhar sas, uma parte de você as notava. Você
para baixo para um ponto particular no notou essas sensações... essas emoções...
chão). O terapeuta induz um estado de foco esses pensamentos. E essa parte de você
relaxado e gradualmente dirige a atenção vamos chamar de o ‘você observador’. Há
do cliente para diferentes domínios com os uma pessoa aqui dentro, por trás desses
quais as pessoas podem se identificar. Cada olhos, que está consciente do que eu estou
um é examinado por vez, e, em momentos- dizendo neste momento. E é a mesma pes-
-chave, o terapeuta foca a atenção no con- soa que você tem sido sua vida inteira. Em
teúdo com a instrução para notar que alguém um sentido mais profundo, esse você ob-
está notando esse conteúdo. Tais instruções servador é o você que você chama de ‘você’.
podem criar um estado psicológico breve, “Quero que você se lembre de alguma
mas poderoso, em que existe um senso de coisa que aconteceu no verão passado. Le-
transcendência e continuidade: um self que vante o dedo quando tiver uma imagem
está consciente do conteúdo, mas não é defi- na mente. Bom. Agora, apenas olhe à sua
nido por esse conteúdo. volta. Lembre-se de todas as coisas que
estavam acontecendo naquele momen-
“Vamos fazer um exercício agora que é to. Lembre-se das imagens... sons... seus
uma forma de começar a tentar experi- sentimentos... e, enquanto faz isso, veja se
mentar esse lugar onde você não é a sua consegue notar que você estava lá notan-
programação. Não há como você falhar do o que estava notando. Veja se consegue
no exercício; só estaremos olhando para o captar a pessoa por trás dos seus olhos que
que você está sentindo ou pensando – por- viu, e ouviu, e sentiu. Você estava lá naque-
tanto, o que quer que surja, estará bem! le momento e você está aqui agora. Não
Feche os olhos, caso se sinta confortável, estou lhe pedindo para acreditar nisso.
acomode-se na cadeira e acompanhe a Não estou fazendo uma observação lógica.
minha voz. Se perceber que está se dis- Só estou pedindo que note a experiência
persando, apenas volte suavemente para de estar consciente e veja se, em um sen-
o som da minha voz. Por um momento, tido mais profundo, o você que está aqui
188 Hayes, Strosahl & Wilson
agora estava lá naquele momento. A pes- “Você tem sido você a sua vida toda.
soa consciente do que você está consciente Onde quer que tenha estado, você estava lá
está aqui agora e estava lá naquele mo- notando. Isso é o que eu quero dizer quando
mento. Veja se você consegue notar a con- me refiro ao ‘você observador’. E, por essa
tinuidade essencial – em um sentido mais perspectiva ou ponto de vista, quero que
profundo no nível da experiência, não no você olhe para algumas áreas da vida. Va-
nível da crença. Você tem sido você a sua mos começar com o seu corpo. Note como
vida toda. seu corpo está constantemente mudando.
“Quero que se lembre de alguma coisa Algumas vezes ele está doente e algumas
que aconteceu quando você era adolescen- vezes está bem. Ele pode estar descansa-
te. Levante o dedo quanto tiver uma ima- do ou cansado. Pode estar forte ou fraco.
gem na mente. Bom. Agora, apenas olhe à Você já foi um bebê pequeno, mas seu cor-
sua volta. Lembre-se de todas as coisas que po cresceu e foi mudando continuamen-
estavam acontecendo naquele momen- te à medida que você foi envelhecendo.
to. Lembre-se das imagens... sons... seus Pode ser até que você tenha tido partes do
sentimentos... Leve o tempo que precisar. seu corpo removidas, como em uma cirur-
E, quando tiver clareza sobre o que havia gia. (Suas células morrem e são renovadas
lá, veja se apenas por um segundo você constantemente; em média, elas têm de 7
capta que havia uma pessoa por trás dos a 10 anos de idade.) Suas sensações corpo-
seus olhos que via, ouvia e sentia tudo isso. rais vêm e vão. Mesmo enquanto falamos,
Você estava lá naquele momento também, elas estão mudando. Portanto, tudo isso
e veja se não é verdade – como um fato ex- está mudando, e, no entanto, você esteve
perimentado, não uma crença – que existe aí a sua vida inteira. Isso deve significar
uma continuidade essencial entre a pes- que, embora tenha um corpo, você não
soa consciente do que você está conscien- se experimenta apenas como seu corpo.
te agora e a pessoa que estava consciente Isso é uma questão de experiência, não de
do que você estava consciente quando era crença. Apenas note seu corpo agora por
adolescente naquela situação específica. alguns momentos e, enquanto faz isso,
Você tem sido você a sua vida toda. de tempos em tempos note que você é
“Por fim, lembre-se de alguma coisa aquele que está notando. [Dê tempo ao clien-
que aconteceu quando você era uma crian- te para fazer isso.]
ça pequena, digamos, por volta dos 6 ou “Agora, vamos para outra área: seus
7 anos. Levante o dedo quando tiver uma papéis. Note quantos papéis você tem ou
imagem na mente. Bom. Agora, apenas teve. Algumas vezes eu estou no papel de
olhe à sua volta. Veja o que está aconte- um [adapte isso ao cliente, p. ex., ‘mãe...
cendo. Veja as imagens... escute os sons... ou um amigo... ou uma filha... ou uma es-
sinta seus sentimentos... e, então, entenda posa... algumas vezes sou um trabalhador
o fato de que você estava lá vendo, ouvin- respeitado... outras vezes sou um líder... ou
do e sentindo. Note que você estava lá por um seguidor’... etc.]. No mundo da forma,
trás dos seus olhos. Você estava lá naquele estou em algum papel o tempo todo. Se eu
momento e você está aqui agora. Veja se, fosse tentar não estar, então estaria repre-
em um sentido mais profundo, o ‘você’ que sentando o papel de não representar um
está aqui agora estava lá naquele momen- papel. Mesmo agora, parte de mim está de-
to. A pessoa consciente do que você está sempenhando um papel... o papel de clien-
consciente está aqui agora e estava lá na- te. No entanto, durante o tempo todo, note
quele momento. que você também está presente. A parte de
Terapia de aceitação e compromisso 189
você que você chama de ‘você’... está obser- mente, você era ignorante – então foi para
vando e consciente do que você está cons- a escola e aprendeu novas formas de pen-
ciente. E, em um sentido mais profundo, sar. Você adquiriu novas ideias e novos co-
esse ‘você’ nunca muda. Portanto, se os seus nhecimentos. Algumas vezes você pensa
papéis estão constantemente mudando e, sobre as coisas de uma maneira e algumas
no entanto, o você que você chama de ‘você’ vezes de outra. Algumas vezes seus pensa-
estava aí a sua vida inteira, deve ser porque, mentos fazem pouco sentido. Algumas ve-
embora você tenha papéis, você não se ex- zes eles aparentemente surgem de forma
perimenta como sendo seus papéis. Isso automática, do nada. Eles estão mudando
não é uma questão de crença. Apenas olhe e constantemente. Olhe para seus pensa-
note a distinção entre o que você está olhan- mentos desde que você chegou aqui hoje
do e o você que está olhando. e note quantos pensamentos diferentes
“Agora, vamos para outra área, as emo- você teve. E, no entanto, em um aspecto
ções. Note como suas emoções estão cons- mais profundo, o você que está conscien-
tantemente mudando. Algumas vezes você te do que você pensa não está mudando.
sente amor e algumas vezes se sente irri- Portanto, isso deve significar que, embora
tado, calmo e, então, tenso, alegre-triste, você tenha pensamentos, você não se ex-
feliz-infeliz. Mesmo agora você pode estar perimenta como se fosse apenas seus pen-
experimentando emoções... interesse, té- samentos. Não acredite nisso, apenas note
dio, relaxamento. Pense em coisas de que isso. E, mesmo quando perceber isso, no-
você gostou e não gosta mais, em medos te que o fluxo do seu pensamento conti-
que já teve e que agora estão resolvidos. nua. E você pode ser aprisionado por eles.
A única coisa com que você pode contar Porém, no instante em que você percebe
em relação às emoções é que elas irão mu- isso, também percebe que uma parte de
dar. Embora ocorra uma onda de emoções, você está recuando, observando tudo isso.
ela vai passar com o tempo. Mas, enquan- Então, agora observe seus pensamentos
to essas emoções vêm e vão, note que, por alguns momentos – e, enquanto faz
em um sentido mais profundo, esse ‘você’ isso, note também que você os está notan-
não muda. Portanto, embora tenha emo- do. [Faça um breve período de silêncio.]
ções, você não se experimenta como se fos- “Então, em se tratando de experiência,
se apenas suas emoções. Permita-se perce- e não de crença, você não é apenas seu cor-
ber que esta é uma experiência, não uma po... seus papéis... suas emoções... seus
crença. De algum modo muito importan- pensamentos. Essas coisas são o conteú-
te e profundo, você se experimenta como do da sua vida, enquanto você é a arena...
uma constante. Você é você em meio a tudo o contexto... o espaço em que elas se re-
isso. Portanto, apenas observe suas emo- velam. Note que as coisas contra as quais
ções por um momento e também observe você está lutando e tentando mudar não
que você as está observando. [Faça um bre- são você. Não importa a evolução dessa
ve período de silêncio.] guerra, você estará aí, imutável. Veja se
“Agora, vamos nos voltar para a área consegue aproveitar essa conexão para
mais difícil – seus pensamentos. Os pen- relaxar um pouco, ancorado no conheci-
samentos são difíceis porque eles tendem mento de que você tem sido você o tempo
a nos fisgar e nos atrair para eles. Se isso todo e de que não precisa de tal investi-
acontecer, apenas retorne para o som da mento em todo esse conteúdo psicológico
minha voz. Note como seus pensamentos como uma medida da sua vida. Apenas
estão em constante mudança. Primeira- note as experiências que surgem em todos
190 Hayes, Strosahl & Wilson
os domínios e, enquanto faz isso, note que as peças. Ele pode tomar uma direção e se
você ainda está aí, estando consciente do mover independentemente do que as peças
que você está consciente. [Faça um breve estão fazendo no momento. Eu posso ver
período de silêncio.] o que está ali, sentir o que está ali, e ainda
“Agora, mais uma vez, imagine-se nes- assim dizer ‘Aqui vamos nós!’”
ta sala. E agora imagine a sala. Imagine...
[Descreva a sala]. E, quando estiver pronto Depois que é abordado um senso de self na
para voltar para a sala, abra os olhos.” tomada de perspectiva, ele pode ser trazido de
volta para a sala rapidamente. Praticamen-
Depois desse exercício, a experiência do te todos os exercícios de abertura ou método
cliente é examinada, mas sem análise e inter- de mindfulness podem incluir uma solicitação
pretação. Será útil ver se houve alguma qua- para “notar que está notando”. Entretanto, em
lidade particular da experiência de conexão geral é melhor não interpretar excessivamen-
com o “você”. Não é incomum que os clientes te ou intelectualizar esse senso de self – pelo
relatem uma sensação de paz ou tranquilida- menos não até que o cliente tenha entrado
de. As experiências da vida invocadas nesse em contato com ele e saiba “sobre” o que está
exercício, muitas das quais são ameaçadoras sendo falado. Esse senso de self não irá gerar
ou causam ansiedade, podem ser recebidas de exame e análise porque é metaforicamente a
forma pacífica e calma (i.e., aceitas com uma partir de onde olhamos, não para o que olha-
postura de abertura psicológica) quando são mos. Os clientes podem ficar completamente
vistas como pequenas partes do autoconteú- confusos na tentativa de rotular ou entender
do, não como definidoras do self per se. essa versão do self por meios verbais. Esse
Entretanto, uma minoria dos clientes fica- sentimento de confusão com frequência sig-
rá perturbada com o trabalho do self-como- nifica que o cliente está tentando reconciliar
-contexto, temendo que possam desaparecer o processo da simples consciência com o self
em um buraco negro se entrarem diretamen- conceitualizado – por exemplo, “Meu proble-
te em contato com a consciência simples por ma é que não sei como tomar perspectiva das
conta de sua aparente falta de limites discerní- coisas”. Se ocorrer essa situação, um método
veis. Com frequência, esses clientes enfraque- para combater isso é levar o cliente à tagare-
ceram a continuidade da consciência como lice interna ‘meu problema é’ e, então, apenas
um método de esquiva experiencial; portanto, perguntar: “E quem está notando isso?”. Em
com efeito, o exercício está desafiando uma outras palavras, tentar deixar esse senso de
forma básica de autoproteção. Nesses casos, self no nível da experiência em vez de contar
uma ênfase na tomada de perspectiva simples uma longa história sobre ele ou “entendê-lo”
e na consciência no momento presente (além como o ponto principal. O terapeuta ACT está
do trabalho para reduzir a fusão e a esqui- ajudando o cliente a desenvolver um conheci-
va) pode permitir que o autotrabalho siga de mento sem palavras de que existe em nós algo
modo produtivo. a mais além de nossas verbalizações.
Em geral, vale a pena abordar as implica-
ções ativas dessa experiência, mesmo que bre-
vemente. O terapeuta pode relacionar o cliente INTERAÇÕES COM OUTROS
com as experiências da metáfora do Tabuleiro PROCESSOS CENTRAIS
de Xadrez. Por exemplo:
A tomada de perspectiva pode ser acrescen-
“Há outra coisa que o tabuleiro de xadrez, tada a outros processos centrais meramente
como tabuleiro, pode fazer além de conter mencionando-a (p. ex., “E note quem está
Terapia de aceitação e compromisso 191
notando”). Todavia, existem outras relações pedaço de papel. Você quase não consegue
entre os processos centrais que merecem ser lê-lo. Está escrito: ‘Eu sou uma má pessoa’.
exploradas. Apenas deixe ali e observe que a pessoa
consciente desse pensamento e as palavras
O self e processos do no papel não são a mesma coisa.”
momento presente Se for útil, a pessoa pode ser estimulada a
O autotrabalho está inerentemente focado em se imaginar circulando pelo ambiente e olhan-
ajudar o cliente a desenvolver processos aten- do para o papel e, então, se afastando nova-
cionais flexíveis aplicados ao momento pre- mente – tudo isso com um diálogo que ajudaria
sente, e algumas vezes é difícil distinguir entre a manter um senso de tomada de perspectiva.
o trabalho no momento presente e o trabalho O inverso também é verdadeiro. Fusão ou es-
do self-como-contexto. Esta é uma razão por quiva, algumas vezes, podem ser um gatilho
que eles estão organizados em um único estilo para passar para um estilo de resposta centra-
de resposta dentro do modelo de flexibilidade da, especialmente quando o cliente não está
psicológica. Para simplificar, pense na toma- conseguindo fazer progresso. A regra “Quan-
da de perspectiva como o espaço psicológico do em dúvida, volte para o centro” é boa para
em que “emerge” a simples consciência; pense que terapeutas iniciantes na ACT aprendam a
na consciência no momento presente como a fazer a dança terapêutica chamada ACT.
mudança voluntária da atenção que permite
entrarmos em contato com a vida segundo a O self e valores ou ação
segundo. O self-como-processo é um tipo de de compromisso
consciência do momento presente, mas o alvo
é a experiência contínua. A tomada de pers- Valores e ação de compromisso acabam le-
pectiva facilita essas distinções e a habilidade vando o cliente a entrar em contato com
de se movimentar flexivelmente entre elas. barreiras psicológicas. Com frequência, isso
requer uma mudança para estratégias de
O self e desfusão e aceitação abertura, mas, algumas vezes, apenas um
breve contato com processos de centraliza-
Esse mesmo método pode ser usado para im- ção é suficiente para manter o equilíbrio e o
pulsionar o progresso com a tomada de pers- dinamismo.
pectiva em áreas que requerem desfusão ou Com a mesma frequência, o trabalho com o
aceitação. Por exemplo, se o clínico estiver self naturalmente estimula o trabalho com va-
usando exercícios de consciência contínua e lores e ação. Não é por acaso que muitas tra-
de tomada de perspectiva, pode ser trazido um dições espirituais e religiosas sustentam que
conteúdo que normalmente causaria esquiva uma postura de consciência naturalmente
ou fusão, e é muito mais provável que esses leva a um estado de compaixão por si mesmo
resultados não ocorram. Por exemplo: e pelos outros e a uma profunda valorização
da interconectividade de todas as coisas. Essa
“E apenas note essas sensações corporais observação pode ser verdadeira porque o ape-
e esteja consciente por um breve momen- go ao self conceitualizado afasta a pessoa do
to de que você está consciente delas – elas contato com o meio circundante. Os humanos
não estão conscientes delas. E, enquan- são criaturas naturalmente sociais, porém,
to faz isso, forme um pensamento na sua a direção que assume a visão social de uma
mente e imagine que o esteja vendo ao pessoa é fortemente influenciada pelo condi-
longe, do outro lado da sala, escrito em um cionamento social e pelas práticas culturais.
192 Hayes, Strosahl & Wilson
DANIA, Fla., 16 de junho (AP) – Uma menina de 6 anos morreu hoje quando se colocou na frente de
um trem, dizendo aos dois irmãos e a um primo que ela “queria virar um anjo e ser como sua mãe”.
[...] As autoridades disseram [...] que sua mãe [...] tinha uma doença terminal.
New York Times, 17 de junho de 1993.
Conforme discutimos no Capítulo 3, fu- “não são saudáveis” e precisam ser controladas
são é a junção de processos verbais/cogni- ou eliminadas. A fusão torna impossível que a
tivos com a experiência direta de modo que pessoa simplesmente testemunhe a presença
o indivíduo não consegue discriminar entre os de pensamentos, sentimentos, lembranças ou
dois. Devido à sua natureza, a fusão restringe sensações indesejados. Se deixada como um
nosso repertório de respostas em certos domí- processo automático, a fusão resulta em uma
nios. Quando fusionados, formulamos uma postura que é o oposto da abertura psicológica.
situação simbolicamente e então organizamos Para manter a fusão sob controle contex-
nosso comportamento para se adequar às de- tual, a ACT ensina aos clientes como separar
mandas das regras que estamos programados o processo cognitivo contínuo dos seus pro-
para seguir. Essas regras são socialmente in- dutos cognitivos. Metaforicamente, equivale
culcadas em nós e, assim, parecem ser “a coi- a afastar o “humano” (o ouvinte) da “mente”
sa normal e racional a ser feita”. O problema (o falante). Essa tática de intervenção é de-
é que seguir as regras sobrecarrega o contato nominada “desfusão” – um neologismo da
com os antecedentes e as consequências dire- ACT que significa fazer contato mais íntimo
tos do comportamento. Em um estado fusio- com eventos verbais como eles realmente são,
nado, uma pessoa pode seguir a mesma regra não meramente com o que eles dizem que
repetidamente e nunca realmente reconhecer são. Desfusão não elimina o significado ver-
que os resultados desejados não estão ocor- bal – apenas reduz seu efeito automático no
rendo porque cada falha em atingir esses re- comportamento de modo que outras fontes
sultados evoca ainda mais o seguimento da re- de regulação comportamental possam me-
gra. Uma vez que as regras verbais são muito lhor participar no momento. O objetivo é co-
úteis em tantos domínios, elas são socialmen- locar a linguagem em seu devido lugar – não
te apoiadas e selecionadas como nosso modo tornando sua forma diferente, mas mudando
de operação preferido na maioria dos aspectos suas funções e colocando-as sob mais contro-
da vida diária. Isso cria uma tendência para le contextual voluntário. Dito de outra forma,
que as pessoas habitual e automaticamente o objetivo da desfusão é aprender a adotar
se fusionem com sua máquina de palavras. uma postura de flexibilidade cognitiva vo-
Se o processo fosse voluntário e tivesse que luntária. Quando a fusão é segura e desejável,
ser “desejado”, poderíamos eleger fusionar ou a pessoa pode voluntariamente se engajar
não, dependendo do quanto fazer isso fosse nela sem interrupções desnecessárias. Quan-
útil. Lamentavelmente – até que aprendamos do a fusão não é útil, como quando lidamos
a fazer da fusão uma escolha consciente –, com um fluxo habitual de autocrítica, a pes-
o processo é não só automático e habitual soa pode recuar voluntariamente, separar-se
como também invisível. Em geral, não recebe- da mente, observar seus processos contínuos
mos um “alerta” do nosso sistema de lingua- (“Estou consciente de pensar X”) e não ficar
gem que nos diga que estamos muito enreda- aprisionada em seus produtos (“Sou uma má
dos com ele. pessoa”). Adquirir a habilidade de desfusionar
Quando a fusão está presente, o pensa- requer prática, e essa prática só pode come-
mento regula o comportamento sem qualquer çar fora do modo da mente avaliativa normal.
contribuição adicional. Quando a situação O comentário cômico vai direto ao ponto:
envolve experiências privadas estressantes e “Eu achava que a minha mente era meu órgão
indesejadas, a fusão quase automaticamente mais importante – até que notei qual órgão es-
leva à esquiva experiencial porque, em um es- tava me dizendo isso”.
tado fusionado, a pessoa invariavelmente se- O trabalho da ACT é feito quase inteira-
gue regras que sugerem que essas experiências mente em um espaço psicológico desfusio-
Terapia de aceitação e compromisso 197
nado. Por exemplo, durante os primeiros mo- portamento seja enfraquecida por meio de
mentos da sessão inicial quando um cliente exercícios comportamentais.
está falando sobre dificuldades com pensa- A fusão é mantida pelos contextos rela-
mento negativo, os terapeutas podem dizer: cionais estabelecidos dentro de uma comuni-
“Então, é como se a sua mente estivesse di- dade social ou verbal: a demanda por encon-
zendo que...”. Esse tipo de construção verbal trar uma razão e uma narrativa, a demanda
promove desfusão sem um grande anúncio do por encontrar um significado, consistência
seu propósito porque pede que o cliente olhe e coerência e a demanda por planejamento,
para seus próprios pensamentos como se eles raciocínio e solução de problemas. Na ACT,
fossem as declarações verbais de outras pes- a função do terapeuta é enfraquecer esses
soas. A essência do trabalho é simplesmente contextos falando e agindo de formas ines-
afastar-se do significado dos processos ver- peradas e não literais. Depois que ajudamos
bais e começar a testemunhá-los segundo o o cliente a estabelecer algumas habilidades
ponto de vista de um observador. O terapeuta de desfusão, podemos fortalecer o processo
serve de modelo dessa postura repetidamente de recuo da mente quando for útil fazê-lo.
usando uma conversa consistente com a ACT. A fusão propriamente dita não é o inimigo
Por exemplo, o terapeuta pode perguntar o – ela é apenas uma função da linguagem e é
que mais surge, ou o que mais está “rolando” incrivelmente útil nas circunstâncias certas.
aí dentro, ou o que mais a mente do cliente tem Igualmente, a desfusão não é um fim em si
a dizer, ou qual a idade desse pensamento, ou – é apenas uma habilidade útil em certos mo-
onde esse sentimento aparece no corpo da mentos em certas situações. A ACT pode aju-
pessoa. Estas são interações desfusionantes. dar a ensinar o cliente a usar essa habilidade
Elas sutilmente mudam as regras das inte- e a distinguir quando a fusão é útil e quando
rações verbais normais. Metáforas e exercí- não é.
cios também são usados. Os terapeutas ACT
podem pedir que os clientes observem seus APLICAÇÕES CLÍNICAS
pensamentos flutuarem como folhas em uma
correnteza; pensamentos problemáticos po- Uma boa maneira de enfraquecer a confian-
dem ser cantados em voz alta como em uma ça do cliente na linguagem é demonstrando
ópera; podem ser ditos muito lentamente ou seus limites. A linguagem é uma ferramenta
na voz do Pato Donald ou ser imaginariamen- na caixa de ferramentas humanas que parece
te colocados no chão e receber uma cor, tama- ser boa para todas as tarefas. O objetivo do te-
nho, forma, temperatura e textura. Técnicas rapeuta é expor isso como uma simplificação
de mindfulness podem ser usadas para permitir excessiva. Linguagem e pensamento são úteis
que os pensamentos sejam notados sem julga- principalmente na solução de problemas no
mentos e no momento. Pode ocorrer desfusão mundo externo; a natureza representacional
por meio de metáforas, como quando os pen- subjetiva do conhecimento verbal o transfor-
samentos são discutidos como se fossem len- ma em uma força muito perigosa no “mundo
tes de óculos coloridas ou balões de histórias entre as orelhas”. A linguagem tem uma capa-
em quadrinhos acima da cabeça da pessoa, cidade muito limitada para apreender e deci-
ou declarações estampadas em nossas cami- frar a experiência pessoal; no entanto, somos
setas. Pode ocorrer desfusão apenas falando ensinados desde a infância que ela é a grande
sobre os pensamentos como pensamentos, ferramenta para o desenvolvimento da auto-
perguntando ao cliente se está tudo bem ter compreensão. Há muitos exercícios de ACT
um pensamento difícil ou providenciando que revelam as limitações do comportamento
para que a relação entre pensamentos e com- verbal privado (“mental”). Antes de iniciá-los,
198 Hayes, Strosahl & Wilson
o cliente pega uma caneta, o terapeuta pode Cliente: Eu tenho leite em casa na geladeira.
pedir uma explicação de como isso é feito. Terapeuta: OK. O que mais? O que surge quan-
Quando é dada a explicação (p. ex., “Esten- do dizemos “leite”?
da sua mão até ela.”), o terapeuta pode ver se
Cliente: Eu imagino – branco, um copo.
isso funciona dizendo à sua própria mão para
estender até o objeto. Obviamente, a mão não Terapeuta: Bom. O que mais?
vai ouvir e não vai se estender. O comporta- Cliente: Posso sentir o gosto, de certa forma.
mento era não verbal inicialmente e só então Terapeuta: Exatamente. E você consegue sen-
se tornou verbalmente governado. No en- tir como seria beber um copo de
tanto, a própria linguagem alega saber como leite? Frio. Cremoso. Enche a sua
fazer praticamente tudo, desde alcançar uma boca. Faz “glub, glub” enquanto o
caneta até desenvolver um relacionamento. bebe. Certo?
O conhecimento verbal se sobrepõe ao co- Cliente: Com certeza.
nhecimento não verbal tão completamente
que é criada uma ilusão de que todo conhe- Terapeuta: OK, então vamos ver se isso se
cimento é conhecimento verbal. Se de repen- encaixa. O que passou pela sua
te tivéssemos todo conhecimento não verbal mente são coisas sobre o leite real
removido de nossos repertórios, cairíamos ao e a sua experiência com ele. Tudo
chão desamparados! o que aconteceu aqui é que fize-
mos um som estranho – “leite” –,
e muitas dessas coisas aparece-
Desliteralização da linguagem ram. Note que não há nenhum
Depois de feita uma ofensiva inicial aos limites leite nesta sala. Absolutamente
da linguagem como um substituto para a expe- nada. Mas o leite estava na sala
riência real, o terapeuta precisa possibilitar ao no que diz respeito à sua mente.
cliente a experiência da linguagem despida de Você e eu estávamos vendo, sa-
suas funções simbólicas. O exercício Leite, Lei- boreando, sentindo – no entan-
te, Leite (citado anteriormente, no Capítulo 3) to, apenas uma palavra estava
foi usado pela primeira vez por Titchener aqui realmente. Agora, aqui vai
(1916, p. 425) para tentar explicar sua teoria um pequeno exercício, se você
do significado no contexto. Esta é uma forma estiver disposto a experimentar.
divertida de demonstrar que é necessário um É um pouco bobo, então talvez
contexto literal, sequencial e analítico para você se sinta envergonhado em
que os estímulos da linguagem tenham algum fazê-lo, mas vou fazer o exercí-
significado literal (i.e., derivado). cio com você, então podemos ser
bobos juntos. O que vou lhe pedir
Terapeuta: Vamos fazer um pequeno exercí- para fazer é dizer a palavra leite
cio. É um exercício com os olhos em voz alta, rapidamente, repeti-
abertos. Vou lhe pedir para falar damente, e então notar o que acon-
uma palavra. Então você me diz o tece. Você está disposto a tentar?
que vem à sua mente. Quero que Cliente: Acho que sim.
você fale a palavra leite. Fale uma Terapeuta: OK. Vamos fazer. Diga “leite” por
vez. várias vezes. [O terapeuta e o cliente
Cliente: Leite. dizem a palavra durante 1 minuto,
Terapeuta: Bom. O que veio à sua mente quan- com o terapeuta periodicamente
do você disse isso? encorajando o cliente a continuar
200 Hayes, Strosahl & Wilson
falando em voz alta ou a ir mais rá- reduzido a umas poucas palavras. Por exem-
pido.] plo, a sentença “Eu sou mau” pode ser dita o
Terapeuta: OK, agora pare! Onde está o leite? mais rapidamente possível de forma repetida
por pelo menos 45 segundos. Vários estudos
Cliente: Se foi. (Ri.)
demonstraram que esse exercício de repe-
Terapeuta: Você notou o que aconteceu aos tição de palavras rapidamente reduz a cre-
aspectos mentais do leite que es- dibilidade de pensamentos autorreferentes
tavam aqui alguns minutos atrás? negativos e o estresse psicológico associado
Cliente: Depois de 40 vezes eles desapare- a eles (p. ex., Masuda et al., 2004, 2010; Ma-
ceram. Tudo o que eu pude ouvir suda, Hayes et al., 2009; Masuda, Price et al.,
foi o som. Soou muito estranho 2009). Os clientes com frequência relatam
– de fato, tive um sentimento en- que a emoção associada a determinada pala-
graçado por alguns momentos de vra (p. ex., “morte”) diminui como um efei-
que nem mesmo sabia que pa- to da exposição repetida – porém, a redução
lavra eu estava dizendo. Parecia da emoção não é o propósito desse exercício.
mais com o som de um pássaro do Não pedimos que nossos clientes repitam in-
que uma palavra. cansavelmente cada palavra que desencadeia
Terapeuta: Certo. A coisa cremosa, fria, gos- uma emoção difícil. Essa abordagem seria in-
menta simplesmente se foi. Na terminável e provavelmente não seria útil, já
primeira vez que você pronun- que a relação verbal entre essas palavras e os
ciou, era como se o leite estives- eventos dolorosos reais a que se referem nun-
se realmente aqui, na sala. Mas ca desaparece totalmente. Aprender a ver as
tudo o que realmente aconteceu funções de estímulo diretas de palavras não
foi que você disse uma palavra. elimina suas funções derivadas, nem iríamos
Na primeira vez que você falou, querer que isso acontecesse. Esse tipo de in-
aquilo era realmente cheio de sig- tervenção se soma às funções (p. ex., ouvir os
nificado; era quase sólido. Mas, sons das palavras; sentir como é dizê-las) e
quando você falou repetidamen- torna mais fácil observar o processo das re-
te, começou a perder esse signifi- lações verbais sem se fusionar inteiramente
cado, e as palavras começaram a com seus produtos.
ser apenas sons. Basicamente, a inteligência verbal huma-
Cliente: Foi isso que aconteceu. na é um sistema interligado de ações relacio-
Terapeuta: Bem, quando você diz coisas para nais contínuas. Outros modelos de terapia
si mesmo, também não é verda- tentam deixar o cliente apropriadamente céti-
de que essas palavras são apenas co acerca da verdade das palavras (p. ex., ver e
palavras? As palavras são ape- questionar pensamentos irracionais). Em ter-
nas fumaça. Não há nada de sóli- mos da RFT, a ênfase é colocada na manipula-
do nelas. ção do contexto relacional. Lamentavelmente,
essa abordagem pode aumentar o contexto
Esse exercício demonstra muito rapida- funcional também (p. ex., os pensamentos po-
mente que não é difícil estabelecer contextos dem se tornar ainda mais importantes).
em que o significado de processos verbais A ACT, ao contrário, revela o processo contí-
mesmo familiares pode ser significativamen- nuo de relacionar simbolicamente de modo
te enfraquecido. Ele também pode ser feito que os clientes possam vê-lo como ele é. Em
com um pensamento negativo que está per- termos da RFT, a ênfase é colocada na mani-
turbando o cliente se o pensamento puder ser pulação do contexto funcional. Quando isso
Terapia de aceitação e compromisso 201
ocorre, o pensamento com frequência muda ônibus e volta a negociar com os passa-
de forma gradual (mudar o contexto funcio- geiros mal-encarados. Note que a primei-
nal gradualmente altera o contexto relacio- ra coisa que você teve que fazer foi parar.
nal para a linguagem) – mas sem muito risco Observe, agora, que você não está dirigin-
negativo. do para lugar nenhum, você só está nego-
ciando com esses passageiros. Além disso,
Pensamentos como passageiros eles são muito fortes. Eles não têm inten-
ção de ir embora, e você luta contra eles,
Outra forma de desfusionar a palavra é coi- mas isso não resulta em muito sucesso.
sificá-la, permitindo que os pensamentos se “Por fim, você volta a aplacar os pas-
tornem coisas ou pessoas. Metáforas físicas sageiros, tenta fazê-los sentarem-se no
podem ser usadas para atingir essa coisifica- fundo novamente, onde não possa vê-los.
ção com grande sucesso, uma vez que natural- O problema com essa negociação é que
mente vemos objetos externos e outras pesso- você tem que fazer o que eles pedem.
as como separados de nós. Em breve, eles nem mesmo terão que lhe
O exercício Passageiros no Ônibus é uma in- dizer ‘Dobre à esquerda’ – você sabe que
tervenção central da ACT que visa deslitera- assim que chegar perto de uma curva à es-
lizar o conteúdo psicológico provocativo por querda certos passageiros vão rastejar até
meio da coisificação. Ele contém o modelo de você. Por fim, você pode ficar tão bom nis-
flexibilidade psicológica inteiro. so que consegue quase fingir que eles não
estão no ônibus. Você apenas diz a si mes-
“É como se houvesse um ônibus, e você mo que a esquerda é a única direção que
fosse o motorista. Nesse ônibus, temos você quer seguir! No entanto, quando eles
uma aglomeração de passageiros. Os pas- por fim aparecem, é com o poder adicional
sageiros são pensamentos, sentimentos, das negociações que você fez com eles no
estados corporais, lembranças e outros passado.
aspectos da experiência. Alguns deles são “O truque em relação a tudo isso é o
assustadores e estão vestidos com jaquetas seguinte. O poder que os passageiros têm
de couro preto e portam canivetes. O que sobre você está 100% baseado nisto: ‘Se
acontece é que você está dirigindo e os pas- você não fizer o que dizemos, vamos nos
sageiros começam a ameaçá-lo, dizendo aproximar e fazer você olhar para nós’.
o que você tem que fazer, aonde você tem É isso! É verdade que quando se aproxi-
que ir. ‘Você tem que dobrar à esquer- mam parece que eles podem fazer muito
da’, ‘você tem que ir para a direita’, etc. mais. Eles têm facas, correntes, etc. Pa-
A ameaça que pesa sobre você é que, se rece que você pode ser destruído. O acor-
não fizer o que eles dizem, eles sairão lá do do que você faz é fazer o que eles dizem
fundo do ônibus. para que eles não se aproximem e fiquem
“É como se você fizesse negociações ao seu lado e façam você olhar para eles.
com esses passageiros, e o acordo é: ‘vocês O motorista (você) tem controle do ôni-
sentam no fundo do ônibus e se amon- bus, mas você negocia e perde o controle
toam por lá para que eu não possa vê- nessas negociações secretas com os pas-
-los com frequência, e eu vou fazer o que sageiros. Em outras palavras, ao tentar
vocês dizem, basicamente’. Agora, e se obter o controle, você na verdade abriu
um dia você ficar cansado disso e disser: mão dele! Note que, mesmo que seus pas-
‘Eu não gosto disso! Vou jogar essas pes- sageiros aleguem que podem destruí-lo se
soas para fora do ônibus!’? Você para o você não dobrar à esquerda, isso na ver-
202 Hayes, Strosahl & Wilson
dade nunca ocorreu. Esses passageiros embarcar como uma expressão de disposição
não podem obrigá-lo a fazer alguma coisa (“Há espaço para este passageiro?”). Se essa
contra a sua vontade.” opção puder ser negociada com cada passa-
geiro, o motorista, então, segura um volan-
O terapeuta pode continuar a fazer alusão te imaginário e começa a dirigir enquanto
à metáfora do ônibus durante a terapia. Per- os “passageiros” começam a ameaçá-lo com
guntas como “Qual passageiro o está amea- obstáculos temidos. O objetivo dos passa-
çando agora?” podem ajudar a reorientar o geiros neste jogo é fazer o cliente abandonar
cliente que está praticando esquiva emocional o volante e começar a responder ou discutir
durante a sessão. com um ou mais deles; é pedido ao motoris-
Em grupos e durante workshops, desco- ta que experimente como é dirigir com toda
brimos que as representações físicas dessa aquela tagarelice e com um olho na estrada
situação difícil são extremamente efetivas. em vez de lutar contra a tagarelice.
Diversas pessoas podem ser escolhidas para
representar diferentes pensamentos, emo- Ter pensamentos,
ções, sensações ou lembranças contra os conter pensamentos,
quais o cliente vem lutando. Os “passagei- comprar pensamentos
ros” podem ser solicitados a se alinhar atrás
do cliente, que, então, é instruído a nomear A atividade mental na forma de pensamentos,
uma direção valorizada na vida. Essa direção sentimentos, lembranças, imagens e sensa-
recebe, então, uma forma concreta (p. ex., ções físicas associados é um aspecto contínuo
“Então, aqui é estar com seus filhos, mes- do fato de estar vivo. A mente nunca para de
mo que você tenha problemas com seu ex”). nos fornecer material. Entretanto, também te-
O cliente é convocado a confrontar os pas- mos uma habilidade inerente de prestar aten-
sageiros, um de cada vez, e notar o que eles ção seletivamente a produtos mentais. Se não o
esperam. Os membros da plateia que fazem fizéssemos, ficaríamos paralisados. Constan-
o papel do pensamento ou sentimento espe- temente prestamos atenção a certos produtos
cífico geralmente foram selecionados porque e não a outros; isso acontece instantânea e
entendem alguma coisa a respeito e são trei- naturalmente. Faz parte do nosso sistema de
nados para expressar em voz alta como é isso. operação básica. Podemos acessá-lo de modo
Se o motorista quiser discutir com o passa- voluntário, caso seja adequado a um propósi-
geiro, é estruturada uma discussão. Depois to particular, mudando a atenção de um olhar
de alguns momentos, o líder pode perguntar: para o mundo através das lentes da linguagem
“É mais ou menos assim?” e “Como isso está (fusão) para um olhar para os próprios pro-
funcionando?” ou mesmo “E quanto aos seus cessos verbais.
filhos?”. Se o motorista diz que os passagei- O terapeuta ACT quer ajudar o cliente a
ros precisam ir embora, o líder diz “Oh, eles aprender a distinguir entre ter um pensamen-
podem... apenas vire nessa direção e não se- to, conter um pensamento e comprar um pen-
rão vistos” e afasta o motorista do seu desti- samento. Ter um pensamento é simplesmente
no. Enquanto cada passageiro é confrontado, estar consciente da presença de um evento
o motorista pode olhar para trás e ficar ainda psicológico (principalmente pensamentos,
mais frustrado. O processo é, então, repetido. mas também emoções, lembranças, imagens,
Desta vez, o motorista coloca a mão no om- sensações, etc., já que todos têm funções ver-
bro de cada passageiro (como um símbolo de bais na perspectiva da RFT). Conter um pen-
conexão com sua própria história), ouve cada samento é a ação de evitar julgamento e avalia-
um e é convidado a chamar um por um para ção, sem tentar manipular a forma do produto
Terapia de aceitação e compromisso 203
verbal. Comprar um pensamento é seguir na questão com os clientes de que alguns tópicos
direção de uma identificação excessiva com o psicológicos são “mais quentes” que outros.
pensamento ou fusionar-se com ele. Na ACT, Se os terapeutas puderem ensinar os clientes
treinamos o cliente para ter um pensamen- a reconhecer os sinais de alerta iniciais de que
to e conter um pensamento sem comprá-lo. um conteúdo quente está sendo acenado pela
A noção de comprar pensamentos destaca o mente, medidas preventivas podem ser toma-
dilema básico que o cliente precisa enfrentar. das. O processo é muito semelhante à fraude
O “problema” não é o conteúdo dos eventos criada por golpistas na internet (Strosahl &
privados; a questão não é qual é o sentimen- Robinson, 2008).
to, o que o pensamento diz ou sobre o que é a
lembrança. Esses processos verbais são even- Terapeuta: O estratagema inicial no phishing
tos condicionados, arbitrariamente aplicáveis é, na verdade, muito simples:
e historicamente determinados. O problema você recebe uma mensagem por
é que a identificação excessiva com o conteú- e-mail que resulta em uma res-
do do produto cria rigidez comportamental e posta emocional poderosa de sua
atenção inflexível. Quando o cliente compra parte. Por exemplo, você é infor-
representações do mundo, o processo verbal mado de que alguém parece estar
contínuo fica escondido por trás do conteúdo usando seu cartão de crédito de
do pensamento. O cliente mudou a atenção do modo ilegal. A mensagem no e-
contexto (consciência de um processo) para -mail pede que você interrompa
o conteúdo (o que a representação diz). Nor- essa atividade ilegal fornecendo
malmente, o conteúdo privado provocativo é o número do seu CPF, núme-
o responsável por essa importante mudança ro do cartão de crédito, data de
da atenção. O conceito de comprar um pensa- nascimento, número da carteira
mento metaforicamente estabelece essa ação de habilitação ou coisa parecida.
como voluntária, muito semelhante a quando Obviamente, essas informações
compramos uma xícara de café. Quando um não serão usadas para capturar o
cliente parece estar tendo dificuldades com al- culpado – é só para que o golpis-
gum evento, situação ou interação, o terapeu- ta consiga usar seu cartão de cré-
ta pode evocar vários aspectos do conteúdo dito ou roubar a sua identidade.
privado e perguntar: “Então, o que aconteceu No entanto, na emoção negativa
quando você comprou esse pensamento (sen- do momento, as pessoas agem
timento, lembrança)?”. impulsivamente e só mais tarde
se dão conta de que toda a situa-
ção era uma encenação. E se a sua
Phishing* mente atuar como esse golpis-
Nem todo conteúdo psicológico é criado da ta? Ela pode lhe apresentar uma
mesma maneira, e essa observação explica mensagem perturbadora e fazer
por que a maioria das pessoas é capaz de mu- você impulsivamente associá-la
dar sua atenção de minuto a minuto apesar a um pensamento, sentimento,
de ser bombardeada por informações prove- lembrança ou sensação. A sua
nientes da mente. É importante estabelecer a mente vai lhe dizer que o que ela
tem a dizer é a absoluta verdade e
* N. de T.: Fraude cibernética aplicada via e-mail ou exige uma resposta. Assim como
websites falsos levando o usuário a revelar dados a fraude na internet, a sua mente
pessoais e bancários. está atraindo-o com base na ne-
204 Hayes, Strosahl & Wilson
Terapeuta: Bem, você sabe, a sua mente está Terapeuta: Eu gostaria que fizéssemos um
muito entediada e quer ir dançar exercício para mostrar quão ra-
porque – para ela – dançar é di- pidamente os pensamentos nos
vertido. Dançar é um grande pro- afastam da experiência quando
blema a ser resolvido. Para você, nós os compramos. Tudo o que
dançar é o inferno. vou lhe pedir para fazer é pensar
Cliente: Sim, inferno é uma boa palavra quaisquer pensamentos e permi-
para como eu me sinto por dentro. tir que eles fluam, um pensamen-
Terapeuta: Então, você já explorou esse jo- to após o outro. O propósito do
go inteiro... todo o complexo jogo exercício é notar quando ocorre
mental da sua mente com você. uma mudança de olhar para seus
Sua experiência é a de que você pensamentos para olhar a partir
nunca vence; sua experiência é a dos seus pensamentos. Vou lhe
de que dançar com a sua mente é pedir que imagine que há umas
como dançar com o demônio. Sua pessoas pequenas, soldadinhos,
mente o provoca repetidamente que saem marchando do seu ou-
para fazer você dançar com ela. vido esquerdo e seguem desfilan-
Você precisa entrar lá novamente do à sua frente. Você está de pé
e tentar resolver essa coisa com a em posição de revista observan-
sua mente, ou poderia respeito- do o desfile passar. Cada soldado
samente declinar do convite para está carregando uma placa, e cada
dançar? Quero dizer, você poderia pensamento que você tem é uma
recuar e não aceitar ir para a pista frase escrita em uma dessas pla-
de dança. É sua vida, não é? cas. Algumas pessoas têm dificul-
dade de colocar os pensamentos
em palavras e veem os pensa-
Praticando a observação mentos como imagens. Se isso se
da mente aplicar a você, coloque uma ima-
gem em cada placa carregada pe-
Vários exercícios de meditação e mindfulness
los soldados. Certas pessoas não
são úteis para ajudar o cliente a adquirir a
gostam da imagem de soldados,
habilidade de simplesmente observar os pen-
e há uma imagem alternativa que
samentos, sentimentos, lembranças e outros.
eu tenho usado nesse caso: folhas
Esse tipo de prática pode estabelecer habilida-
flutuando em uma correnteza.
des úteis sem aprendê-las dentro do conteúdo
Você pode escolher a imagem que
provocativo com o qual o cliente está lutan-
lhe parecer melhor.
do. Aprender a desfusionar é uma habilidade
geral; portanto, é perfeitamente adequado Cliente: Os soldados parecem bons.
praticar primeiro em conteúdo mais inócuo. Terapeuta: OK. Em um minuto, vou lhe pe-
O exercício Soldados no Desfile e suas variantes dir para ficar centrado e começar
(i.e., Folhas na Correnteza, Observando o Trem da a deixar seus pensamentos sur-
Mente) são concebidos para estabelecer essa girem por escrito nas placas car-
habilidade essencial e ajudar os clientes a dis- regadas pelos soldados. Esta é a
tinguir entre fusão e desfusão para que eles tarefa: simplesmente observar o
possam ter uma melhor noção de como é estar desfile passar sem interrompê-
fisgado. -lo e sem fazer parte dele. Você
206 Hayes, Strosahl & Wilson
te com os interesses da pessoa. Pode ser útil tes que surgiram na terapia. O objetivo, para
apenas nomear o modo avaliativo de solução o cliente, é continuar caminhando apesar
de problemas da mente como se ele fosse uma desse fluxo constante de falatório negativo.
pessoa. Alguns terapeutas respeitosamente Se o cliente parar ou tentar conversar com a
pedem que os clientes atribuam um nome, mente, o terapeuta imediatamente diz: “Não
o qual, então, é usado durante o resto da tera- se importe com a sua mente!”. Este é um sinal
pia (p. ex., “O que Bob tem a dizer sobre isso?” de que o cliente foi atraído para o conteúdo es-
ou “Então, Bob tem feito birra desde que você tressante e precisa se desfusionar dele e ape-
deu esses passos adiante?”). Tratar a mente nas continuar caminhando.
quase como se ela fosse uma entidade separada é
uma estratégia de desfusão muito poderosa. Enfraquecendo as razões
Se nomear a mente não parece se adequar
ao estilo pessoal do cliente, ela pode receber Uma classe de busca de significado particu-
um rótulo descritivo, tal como a “mente rea- larmente penosa é denominada “dar razões”.
tiva” (como foi feito em Mindfulness and Ac- No nível situacional, as razões são frequente-
ceptance Workbook for Depression, de Strosahl & mente usadas pelo cliente para oferecer jus-
Robinson [2008]). O terapeuta pode, então, tificativa social para alguma ação indesejável
dizer coisas como “Então, com o que sua men- ou falta de ação (p. ex., “Não fui trabalhar hoje
te reativa o estava intimidando desta vez? porque estava muito deprimido”). Essas regras
Com quem estou falando neste momento – autogeradas tendem a se combinar para criar
com você ou com sua mente reativa?”. Isso uma “história sobre si mesmo” com um efeito
ajuda a pessoa a criar uma distância saudável previsivelmente negativo. Razões específicas
entre o pensamento e o pensador e possibilita para a situação costumam criar a impressão
recuar dos problemas que ter uma mente cria. de uma ligação causal entre estados da mente
O outro benefício de rotular aspectos analíti- privados (p. ex., depressão) e comportamen-
cos e avaliativos da atividade mental é que o tos observáveis (p. ex., não ir para o trabalho)
terapeuta acabará propondo que existem ou- – perdendo o contexto que estabeleceu essas
tros aspectos da mente que são muito mais ligações entre ações psicológicas. As histórias
úteis, e a utilização desses rótulos ajudará o sobre si mesmo funcionam como metarregras
cliente a fazer as distinções necessárias entre e forçam grandes padrões de contexto e com-
os diferentes modos da mente. portamento a se encaixarem dentro de uma
O exercício Leve Sua Mente para uma Cami- rede cognitiva autossustentável. Os clientes
nhada proporciona uma experiência poderosa costumam chegar com descrições elaboradas
do quanto a mente pode ser ocupada, avalia- de coisas que aconteceram em suas vidas que
tiva e obstrucionista. Nesse exercício, o tera- os deixaram de alguma forma destruídos e
peuta vai caminhar com o cliente. O objetivo é incapazes de seguir em frente, por exemplo.
que o cliente simplesmente ande na velocidade É importante sensibilizar o cliente para os
e na direção que ele desejar. Não há um desti- efeitos perniciosos de “dar razões” verbalmen-
no determinado; este é apenas um exercício de te. Uma coisa é desliteralizar palavras e jogar
caminhada aleatória. O cliente faz o papel do jogos interessantes com o sistema operante
“humano”, e o terapeuta representará “a men- verbal do cliente, mas outra coisa é recuar das
te”. Enquanto caminham, o terapeuta verbali- histórias manjadas e valorizadas sobre como
za o tipo de falatório avaliativo adivinhatório a vida retirou todas as oportunidades para o
que o cliente recebe da sua mente diariamente. cliente viver uma vida essencial e significativa.
Com frequência, é importante que o terapeuta Desfusionar “razões” e histórias sobre si mesmo
use conteúdo provocativo ou temas estressan- é particularmente importante para clientes que
Terapia de aceitação e compromisso 209
certo? Mas tem uma parte sus- algumas razões realmente pode-
peita aqui: e se eu lhe perguntasse rosas para parar de usar? Por que
se havia razões para não usar na outro motivo você estaria fazen-
terça-feira passada? Você conse- do esta terapia dolorosa? Ou seja,
guiria pensar em alguma? você tem ótimas razões! Você po-
Cliente: Com certeza, quer dizer, é claro. deria imaginar razões mais fortes
do que ter seus filhos de volta?
Terapeuta: E se fizéssemos aquele exercício
novamente, você sabe, boas ra- Cliente: Bem, não.
zões, más razões. As razões da Terapeuta: Então, isso não é suspeito? Você
sua mãe, razões do seu pai, razões achava que fazia isso e aquilo pe-
inteligentes, razões bobas, você las razões X e Y. Mas acabamos de
sabe... bem, você poderia apresen- descobrir duas evidências de que
tar longas listas para cada perspec- não é assim que funciona! Uma
tiva? delas é que parece que existe um
Cliente: Hummm, bem, isso levaria algum suprimento ilimitado de razões
tempo. e, segundo, você já encontrou as
Terapeuta: Quem sabe tentamos fazer isso mais fortes razões imagináveis
agora. Você poderia me dar uma para não usar e ainda assim usou!
razão para usar? Quer dizer, com Alguns desses métodos se parecem super-
certeza, mas, e se eu lhe pedisse ficialmente com os métodos cognitivos tra-
uma razão para não usar, você dicionais, porém vale a pena observar como
encontraria também. E você acha mesmo nessas áreas o terapeuta em ACT con-
que para qualquer razão para usar tinua retornando à função, e não à forma, da
você também poderia encontrar cognição. O objetivo de atacar “dar razões”
uma razão para não usar? não é eliminá-las, nem o terapeuta deve inti-
Cliente: Bem, certamente. midar o cliente quanto à natureza arbitrária
Terapeuta: E aposto que você já fez isso tam- de dar razões e buscar um significado. Como
bém. Sentou-se e pensou em listas ser humano, o cliente sempre vai desenvolver
de razões para usar e não usar... razões, e algumas vezes elas podem realmen-
e então usou ou não usou. E para te ser úteis. No mundo externo, desenvolver
onde foram todas as razões do lado razões para os eventos é a “joia da coroa” do
oposto depois que você escolheu modo de solução de problemas da mente. Vale
uma direção? E se nós tivéssemos muito a pena quando aplicado à situação cer-
esse estoque infinito de razões às ta. Nessa conjuntura, queremos meramente
quais pudéssemos recorrer para que o cliente esteja consciente desse processo
tudo o que fizermos? Seria possí- verbal como um processo e que tenha e conte-
vel? E é possível que, embora es- nha a razão, de forma muito semelhante a ter e
sas coisas estejam muito unidas conter uma avaliação, emoção ou lembrança.
– fazer e dar razões para fazer –,
uma realmente não cause a outra? Rompendo práticas de
A minha suposição é a de que você linguagem problemáticas
vem tentando gerar razões sufi-
cientes – realmente boas razões Inúmeras convenções verbais usadas na ACT
– para se forçar a não usar. Quero são concebidas para romper práticas de lin-
dizer, não é verdade que você teve guagem bem formadas e simultaneamente
Terapia de aceitação e compromisso 211
criar alguma distância entre o cliente e sua do tipo “sim, mas” demonstra bem o quanto
mente. Essas convenções verbais substituem essa postura pode ser paralisante. Na ACT, o
formas comuns de falar que estimulam pro- uso da palavra mas é atacado diretamente.
blemas de vários tipos. Em termos da RFT, O terapeuta deve introduzir uma convenção
estas são manipulações do contexto relacional verbal que substitua a palavra mas pela pa-
focadas em formas cognitivas genéricas que lavra e quando mas criar artificialmente uma
determinam o impacto funcional de cognições relação de oposição entre emoções ou pensa-
específicas. mentos, por um lado, e outras emoções, pen-
samentos ou mesmo ações, por outro.
Estar fora Terapeuta: Eu gostaria que tentássemos algo
Um alvo importante a ser atacado nas conven- diferente quando estivermos con-
ções verbais normais é o uso que o cliente faz versando. Vou lhe pedir para usar
da palavra mas. Mas é comumente usada para a palavra e em vez da palavra mas
especificar exceções, trazendo consigo uma quando você formar uma frase.
declaração implícita sobre a organização dos Isso pode parecer um pouco es-
eventos psicológicos. Considere a declaração tranho inicialmente, e você vai
“Eu quero ir, mas estou ansioso”. Essa decla- notar que terá que reduzir a ve-
ração simples transmite uma mensagem pro- locidade do seu pensamento para
funda sobre o papel dos sentimentos na ação se assegurar de que não está es-
humana e aponta um conflito. Duas coisas corregando para um mas. Não se
estão presentes: o desejo de ir e a ansiedade. preocupe se houver algum escor-
Além disso, embora o desejo de ir normal- regão – nesse caso, eu vou inter-
mente levasse à ação, a ansiedade parece anu- rompê-lo e pedir que você troque
lar esse efeito de querer ir. Ir não pode ocorrer pela palavra e.
com ansiedade. Cliente: Por que você vai fazer isso? Parece
A etimologia da palavra mas revela essa di- meio esquisito.
nâmica muito claramente. A palavra but (em Terapeuta: Na maior parte do tempo, nem se-
português, “mas”) provém do inglês antigo quer pensamos nas palavras que
be-utan, significando “do lado de fora, sem”. estamos usando. Mas é um bom
No inglês antigo, transformou-se em bouten e exemplo disso. Nós simplesmen-
gradualmente foi transformada foneticamen- te a jogamos na interação sempre
te em buten, bute e, então, but. A própria pala- que ocorre uma pausa ou quando
vra be-utan em inglês antigo já é uma combi- não sabemos bem se estamos dis-
nação de be – significando algo como a palavra postos a ir a algum lugar ou fazer
be moderna – e utan, que é uma forma de ut alguma coisa. Estou interessado
– uma forma inicial da nossa palavra moder- em ouvir como a mudança de mas
na out. Etimologicamente falando, but (mas) por e afeta o caráter da nossa con-
significa “estar fora”. É uma exigência de que versa para você. Em outro nível,
o que segue a palavra desapareça ou então acho que poderíamos dizer que
ameaçaria o que precede a palavra. Significa vou ajudá-lo a sair dos seus mas.
que duas reações que coexistem não podem
coexistir e ainda ser associadas a uma ação es- Esta é uma convenção que amplia enorme-
pecífica. Uma ou outra deve desaparecer. A di- mente a perspectiva verbal e psicológica dentro
ficuldade que temos com clientes que estão em da qual os clientes e terapeutas podem traba-
grande sintonia com respostas de linguagem lhar. E é um termo descritivo, não prescritivo,
212 Hayes, Strosahl & Wilson
e, assim, pode estar associado a muitos cursos clientes fazem exatamente isso! Portanto, é
de ação. Todas as possibilidades estão abertas. importante inserir uma cunha no processo
É seguro para o cliente notar e relatar até mes- verbal de avaliação de modo que o cliente pos-
mo as reações mais indesejáveis, já que não há sa recuar e diferenciar propriedades intrín-
a necessidade de que as ações desejadas de al- secas de propriedades que são injetadas pela
guma forma as derrotem. “Amo meu marido, mente.
mas fico muito irritada com ele” pode transfor- Mesmo uma sondagem superficial fre-
mar a raiva em um sentimento muito perigoso quentemente revela que os clientes estão res-
para alguém comprometido com um casamen- pondendo às suas autoavaliações como se elas
to. “Amo meu marido e fico irritada com ele” fossem descrições. Nossa linguagem quase
constitui pouca ameaça e, de fato, implica uma não faz distinção entre as propriedades pri-
aceitação da experiência da raiva dentro da márias dos eventos e as propriedades secun-
experiência do amor. E também é mais verda- dárias que são injetadas por quem responde.
deiro experiencialmente, já que muitos pensa- Isso cria um problema significativo. O cliente
mentos e sentimentos podem ocorrer dentro não só está se fusionando com produtos ver-
de um indivíduo. E faz sentido sempre que o bais como também a própria fusão confunde
processo de pensar e sentir está em discussão, propriedades primárias e propriedades in-
uma vez que tudo o que foi observado e notado jetadas. A propósito, esse processo, quando
foi, afinal de contas, observado. estendido ao nível social, torna possível justi-
ficar a matança de pessoas de várias origens
Avaliação versus descrição religiosas porque, por exemplo, elas são “todas
terroristas”. A metáfora da Xícara Feia pode ser
As avaliações apresentam um problema de empregada para mostrar como as avaliações
fusão especialmente delicado. A distinção en- podem se mascarar como descrições.
tre avaliação e descrição é essencial porque a
maioria dos clientes entra em terapia fusiona- “Há coisas na nossa linguagem que nos
da com avaliações sobre a história pessoal, si- atraem para intermináveis batalhas psico-
tuações atuais, eventos ou interações. As ava- lógicas, e é importante termos uma noção
liações mais provocativas, e com as quais os de como isso acontece para que possamos
clientes têm maior probabilidade de se fusio- aprender a evitá-las. Um dos piores truques
nar, envolvem quatro polaridades: bom versus que a linguagem nos aplica é na área das
mau, certo versus errado, justo versus injusto e avaliações. Para que a linguagem funcio-
responsabilidade versus culpa. Muitos pensa- ne, as coisas têm que ser o que elas dizem
mentos avaliativos que os clientes exibem em que são quando estamos engajados no tipo
terapia são autorreferenciais. “Sou péssima, de conversa que envolve nomear e descre-
inadequada, horrível” ou declarações pejora- ver. Caso contrário, não podemos falar uns
tivas similares são comuns. com os outros. Se descrevemos alguma
Tidas como verdades, essas avaliações se coisa acuradamente, os rótulos não podem
tornam tóxicas para o cliente. Elas não são mudar até que a forma desse evento mude.
vistas como avaliações, mas como descrições Se eu digo “Isto é uma xícara”, não posso
da essência da situação ou pessoa à qual são então inverter e alegar que isso não é uma
aplicadas. Não há como fugir à responsabi- xícara, mas um carro de corrida, a não ser
lidade do que é estabelecido dessa forma. Se que de alguma forma eu mude a xícara.
você é uma “má pessoa”, a única forma de cor- Por exemplo, eu posso triturá-la, transfor-
rigir isso é deixar completamente de ser uma mando-a em material bruto e usá-la como
pessoa. Lamentavelmente, alguns dos nossos parte de um carro de corrida. No entanto,
Terapia de aceitação e compromisso 213
sem uma mudança na forma, isso é uma cria uma situação impossível no mundo –
xícara (ou qualquer outra coisa de que como alegar que a xícara é de cerâmica e
convencionemos chamá-la) – o rótulo não metal ao mesmo tempo. Ao contrário, isso
deveria mudar a torto e a direito. reflete o simples fato de que os eventos
“Agora, considere o que acontece com a podem ser avaliados como bons ou maus,
conversa avaliativa. Suponha que eu diga: dependendo da perspectiva assumida pe-
‘Esta é uma xícara boa’ ou ‘Esta é uma xí- las pessoas. E, é claro, é possível que uma
cara bonita’. Parece ser o mesmo que se eu pessoa possa ter mais de uma perspectiva.
estivesse dizendo: ‘Esta é uma xícara de ce- Na segunda-feira, eu achei que a xícara
râmica’ ou ‘Esta é uma xícara de 200 g’. Mas parecia horrível. Na terça-feira, mudei de
é realmente a mesma coisa? Suponha que ideia e a achei bonita. Nenhuma das avalia-
todas as criaturas vivas no planeta mor- ções é um fato concreto, tampouco precisa
ressem amanhã. Essa xícara ainda estaria triunfar sobre a outra.”
sobre a mesa. Se ela fosse uma ‘xícara de ce-
râmica’ antes de todo o mundo morrer, ain-
Cubbyholing
da seria uma xícara de cerâmica. Mas ainda
seria uma xícara boa ou uma xícara bonita? Às vezes convém interromper o fluxo contí-
Sem ninguém por perto para ter essas opi- nuo de uma conversa para chamar atenção
niões, as opiniões não existem porque “boa” para os vários elementos do sistema verbal
ou “bonita” nunca foi uma parte integrante em operação quando eles fazem sua aparição.
da xícara. Bonita é a palavra produzida na Essa prática tem o efeito de retirar o cliente do
interação entre a pessoa e a xícara. Mas note mundo do conteúdo e ingressar no mundo do
como a estrutura da linguagem esconde processo verbal. Em cubbyholing, o terapeuta
essa diferença. Ela parece a mesma, como rotula o tipo de produto verbal que o cliente
se “boa” fosse o mesmo tipo de descrição está produzindo em vez de responder ao con-
que “cerâmica”. Ambas parecem acrescen- teúdo do produto. Descrições, avaliações, sen-
tar informações sobre a xícara. O problema timentos, pensamentos, lembranças e outros
é que, se você permite que boa seja esse tipo podem simplesmente ser rotulados como algo
de descritor, isso significa que boa tem que à parte, e a conversa pode continuar.
ser o que a xícara é, da mesma maneira Depois que o processo está bem entendi-
que cerâmica é. Esse tipo de descrição não do, o cliente pode ser solicitado a fazer a ro-
pode mudar até que a forma da xícara mude. tulagem como parte da conversa normal, não
E se alguém disser ‘Não, essa é uma xícara como algo à parte. Por exemplo, um cliente
horrível!’? Se eu digo que ela é boa e você pode reformular a frase “Eu sou uma péssi-
diz que ela é ruim, há uma discordância que ma pessoa” como “Eu sou uma pessoa e estou
aparentemente deve ser resolvida. Uma das tendo a avaliação de que sou péssima”. “Estou
partes tem que vencer, e a outra parte tem ansioso” é reformulado como “Eu estou tendo
que perder: não é possível as duas estarem a emoção chamada ansiedade”. “Estou ater-
certas. Contudo, se boa é apenas uma ava- rorizado com essa lembrança” é reformulado
liação ou um julgamento, algo que você está como “Eu sou uma pessoa que está tendo uma
fazendo com a xícara, e não algo que es- lembrança de ser abusada por meu pai, e a
tá na xícara, isso faz uma grande diferença. emoção que estou experimentando é medo”.
Duas avaliações opostas podem facilmen- Pela sua própria estranheza, essa mudança na
te coexistir. Você pode achar que a xícara é linguagem ajuda a separar o processo verbal
bonita, e eu posso achar que ela é horrível. e o produto verbal correspondente. Estamos
O fato de termos opiniões diferentes não literalmente separando o pensamento e o pen-
214 Hayes, Strosahl & Wilson
sador por meio do mesmo sistema operatório pela quantidade, não há problema em praticar
que produz a fusão entre pensamento e pensa- desfusão com conteúdo que seja menos evoca-
dor inicialmente. tivo. O terapeuta precisa assumir uma abor-
Nesta seção, demos alguns exemplos de dagem calculada aqui; caso contrário, a falta
estratégias de desfusão, mas os terapeutas de aceitação do cliente também irá inibir sua
ACT e seus clientes têm gerado muitas outras capacidade para aprender novas habilidades
centenas no processo do trabalho terapêutico. de desfusão.
É fácil obter resultados na rapidamente cres-
cente literatura da ACT, mas eles também são Desfusão e self ou processos
fáceis de gerar depois que você entende os
do momento presente
princípios envolvidos. Desacelere o uso au-
tomático de produtos da linguagem. Em vez Quando a desfusão está sendo praticada com
disso, derive métodos não analíticos que pos- material pessoal altamente provocativo, o te-
sibilitem que o cliente veja a sua forma, apre- rapeuta pode notar que o cliente está se dis-
cie a sua natureza e examine a sua utilidade. traindo, está olhando para baixo ou para outro
Os contextos normais de buscar um significa- lado, parece emocionalmente não responsivo
do, literalidade, “dar razões” e solução de pro- ou parece “bêbado”. Estes são sinais de que o
blemas podem ser mudados na terapia pela cliente pode estar se afastando do momen-
alteração dos seus contextos paralinguísticos to presente a serviço de evitar o contato com
(i.e., notando as limitações da linguagem, es- conteúdo estressante. Se isso acontecer, o te-
tabelecendo diferentes tipos de observações rapeuta pode entrar no momento presente ou
e criando paradoxos). Em suma, o terapeuta em um senso do self de tomada de perspectiva.
pode romper as regras do jogo da linguagem Por exemplo, o terapeuta pode perguntar gen-
e estabelecer novas regras dentro da terapia. tilmente: “O que veio à sua mente? Você conse-
gue voltar comigo para a sala por um minuto?
INTERAÇÕES COM OUTROS Você pode permanecer aqui, neste momento,
comigo?”. Não há problema nenhum em retar-
PROCESSOS CENTRAIS dar o processo e esperar que o cliente adquira
algum equilíbrio.
Desfusão e aceitação
Não é incomum que a desfusão atue de modo Desfusão e valores ou
a conduzir ao trabalho de aceitação. Essa pro- ação de compromisso
gressão é mais provável de ocorrer quando o
conteúdo privado provocativo está em ques- Na maior parte do tempo, os problemas com
tão. Por exemplo, o exercício Leve Sua Mente fusão se convertem em várias formas de ativi-
para uma Caminhada pode, às vezes, ser per- dades sem valor e em esquiva comportamen-
turbador para o cliente se o terapeuta estiver tal. Conforme mencionado anteriormente,
usando material saliente da terapia durante um dos principais impactos da fusão é que ela
a caminhada. O terapeuta pode gentilmente regula excessivamente a ação engajada e fle-
instruir o cliente a dar espaço para algum pen- xível. Quando o objetivo é evitar desencadear
samento estressante e não tentar avaliar ou ou controlar conteúdo estressante, há um im-
mudar os pensamentos durante a caminhada. pacto quase inevitável de formas de compor-
Se o cliente exibiu previamente baixos níveis tamento expansivas. Assim, fazer o cliente
de aceitação, uma boa ideia é graduar o nível se conectar com os valores pessoais e com as
de provocação. Como a aceitação de conteúdo ações desejadas pode funcionar como uma
estressante é medida pela sua qualidade, não “porta dos fundos” para a desfusão. Conectar-
Terapia de aceitação e compromisso 215
-se com os valores pessoais e identificar ações Uma variante dessa questão surge quando
específicas a serem tomadas prepara o terre- os clientes se interessam pela lógica da des-
no para a prática na vida real com estratégias fusão. Depois de obtidos ganhos reais com
de desfusão. Nessas situações, a desfusão não a desfusão, pode ser seguro ter tal conversa;
precisa ser entendida intelectualmente – ela é antes disso, será perigoso ser atraído para uma
uma forma de afrouxar a adesão ao modo de conversa dessas. Histórias fusionadas sobre o
solução de problemas da mente para que os que é desfusão e sobre como fazê-la são ain-
valores possam ser mais bem empregados –, da uma forma de fusão e podem até mesmo
mas experimentada comportamentalmente. desencadear conteúdo negativo. Ações como
O cliente é exposto a situações e ações valo- repetidamente explicar a desfusão para o
rizadas na vida que desencadeiam conteúdo cliente, tentar convencê-lo da necessidade de
estressante indesejado. As estratégias de des- desfusionar ou apenas falar sobre desfusão em
fusão podem ser praticadas in vivo, e, ao fazer vez de demonstrá-la por meio de exercícios
isso, o valor delas ficará claro mais rapida- experienciais e metáfora sinalizam perigo.
mente para o cliente.
Abusar das metáforas
O QUE FAZER E O QUE Equiparar o uso de metáforas com a condução
NÃO FAZER NA TERAPIA da ACT é o outro lado do problema preceden-
te. Embora a ACT tenha técnicas e estratégias
Ser literal sobre desfusão específicas, o terapeuta deve ser sensível ao
contexto de cada sessão e escolher o que tem
O maior desafio enfrentado pelo terapeuta ao mais probabilidade de funcionar. Amontoar
promover desfusão é entrar no sistema de lin- cinco ou seis metáforas em uma sessão sem
guagem do cliente ao mesmo tempo em que um contexto geralmente é tão inútil quanto
mantém a consciência dele como um sistema usar a lógica para convencer o cliente a desfu-
de linguagem, enquanto evita os muitos con- sionar. Com novos terapeutas ACT, é comum
vites para se fundir com o sistema. Na prática, ver o terapeuta usar técnicas sem prestar
os terapeutas não podem usar palavras para atenção às funções do comportamento verbal
convencer os clientes a desfusionar; ao mes- do cliente. O cliente não necessariamente se
mo tempo, eles precisam mostrar aos clientes identifica com o que o terapeuta está fazendo
como desfusionar por meio de uma conversa sempre que este está divagando com as múl-
que está baseada em palavras. A expectativa tiplas metáforas e exercícios. Feita de modo
é a de que a experiência direta do cliente com apropriado, a ACT se baseia em conectar-se
desfusão supere a aparência ilógica desses mo- com o cliente, ver suas formas particulares
vimentos. É fácil ficar perdido nesse processo. de fusão e esquiva e adaptar as metáforas e os
Um sinal importante de problemas é quando o exercícios para desestabilizar essas formas.
terapeuta começa a usar excessivamente a ló- Obviamente, sempre será positivo que o tera-
gica com o cliente. É claro que a lógica é uma peuta desenvolva novas metáforas ou exercí-
operação baseada na linguagem, e, portanto, cios com base na história do cliente, nas difi-
é altamente provável que seu uso só faça ali- culdades pessoais, em suas preferências, etc.
mentar o sistema verbal do cliente. Embora
seja necessário usar palavras para conduzir a Humor em vez de zombaria
terapia, em geral gostamos de vê-las incluídas
em metáforas e usadas para apoiar exercícios A desfusão é contraintuitiva, frequentemente
experienciais diretos. irônica e paradoxal. Por essas razões, muitos
216 Hayes, Strosahl & Wilson
exercícios de desfusão usam o humor (p. ex., do apenas com base no conteúdo positivo ou
expressar pensamentos difíceis com vozes negativo. A desfusão das palavras Eu sou ótimo
ridículas). Embora o humor acrescente força poderia ser tão libertadora quanto as palavras
aos métodos de desfusão, é preciso que ele seja Eu sou péssimo se as autoafirmações positivas
oportuno e apresentado de forma que o clien- tiverem uma função de restrição do repertório
te não se sinta ridicularizado. A questão não com um determinado cliente.
é zombar dos pensamentos difíceis ou fazer
graça porque o cliente tem esses pensamen-
tos. Trata-se de liberar o cliente das “mãos de LENDO OS SINAIS
ferro” da linguagem e da cognição. Há humor DE PROGRESSO
genuíno na incongruência das palavras que
capturam os seres humanos, mas a liberação Quando o trabalho de desfusão é bem-suce-
não será encorajada por “humor” crítico e sar- dido, as reações privadas condicionadas são
cástico. Se o terapeuta estiver inseguro sobre vistas como menos imperiosas. “Vacas sagra-
como ser oportuno ou como aplicar uma co- das” como a “necessidade de beber”, “impul-
municação bem-humorada, é aconselhável sos suicidas” ou “pensamentos obsessivos”
abordar uma questão menos provocativa com parecem muito menos misteriosas e român-
a qual o cliente está tendo dificuldades. ticas quando ocorre essa mudança. Em geral,
existem dois marcadores distintivos que suge-
rem que o cliente está adquirindo essas habi-
Desfusão por desfusão
lidades. Primeiro, o cliente está reconhecendo
Conforme observamos anteriormente neste espontaneamente as reações problemáticas.
capítulo, a fusão em si não é uma coisa ruim – Ele pode parar no meio de uma interação te-
e nem sempre é uma coisa boa. Essa perspec- rapêutica e dizer: “Estou inventando razões
tiva sugere que é importante escolher os alvos neste momento” ou “Acabei de perceber que
certos para desfusão, especialmente durante estava pensando ‘eu sou péssimo’”. O cliente
os estágios iniciais do tratamento. Os métodos parece estar notando reações no nível de um
de desfusão funcionam melhor no contexto de observador, e não no nível de uma pessoa fu-
objetivos ou ações valorizados que estão inibi- sionada com essas reações. Um segundo mar-
dos devido às barreiras criadas pela extensão cador de progresso é o “clima na sala”. Espaços
excessiva dos processos normais de lingua- psicológicos desfusionados parecem mais le-
gem. Se um pensamento, sentimento, lem- ves, mais abertos, mais ambíguos, mais rela-
brança ou sensação dolorosa não parecer estar xados e mais flexíveis. Como essas mudanças
funcionando como barreira, não há razão para emergem com o tempo, persistir no trabalho
ver a fusão como um problema. Por exemplo, de desfusão demanda certa quantidade de fé
se uma vítima de violência doméstica está en- por parte do terapeuta devido à defasagem
volvida em outra relação insegura, a desfusão de tempo entre a intervenção e o impacto ob-
da palavra seguro pode, na verdade, ser preju- servado. Geralmente leva tempo para que os
dicial para a cliente. No entanto, o que fun- clientes “captem isso”, mas, quando eles con-
ciona como barreira – e, portanto, como um seguem fazê-lo, o processo da terapia tende a
alvo para desfusão – não pode ser determina- se acelerar.
10
Aceitação
VISÃO GERAL PRÁTICA A razão por que essa oração simples é tão
amplamente conhecida é que ela aborda um
Quase todos já leram ou ouviram falar da fa- dilema básico da nossa existência cotidiana.
mosa oração da serenidade comumente usada O que fazemos quando a vida nos dá os “ata-
em programas de 12 passos: ques e flechadas da fortuna adversa”? Como
lidamos com a dor do nascimento, da morte,
Senhor, concedei-me a serenidade para do divórcio, da rejeição, da doença e de uma
aceitar as coisas que não posso mudar, miríade de outros eventos na vida sobre os
a coragem para mudar o que me for possí- quais não temos controle? Como proceder
vel e a sabedoria para saber discernir entre em face de tal dor é uma questão importante
as duas. que cada um de nós enfrenta repetidamente
* N. de R.T.: No original em inglês, é utilizada a palavra willingness, muitas vezes traduzida para o português
como disposição. É importante destacar que não se trata de um sentimento (se sentir disposto), mas de uma ati-
tude diante da experiência interna (estar disposto a se abrir para qualquer experiência interna a serviço de uma
vida baseada em valores). É possível se sentir indisposto e, ainda assim, dar passos na direção daquilo que mais
importa para cada um. Por essa razão, willingness foi traduzido como abertura ou disponibilidade, de acordo
com o contexto de sua ocorrência neste livro.
218 Hayes, Strosahl & Wilson
no processo de busca de uma existência vital. ra a ser assumida. Algumas formas imediatas
Essa oração diz que é necessário um tipo de de “se sentir melhor” são escapar, evitar ou
“sabedoria” para viver bem a vida. Precisamos tentar suprimir um evento privado indeseja-
aprender o que pode ser controlado e o que do. O alívio imediato associado a escapar de
não pode e, então, redirecionar nossa ener- uma emoção, situação ou interação aversiva é
gia de acordo com isso. O fato de que algumas um reforçador tão poderoso que quase todos
coisas não podem ser controladas é uma pí- os seres humanos são esquivadores experien-
lula difícil de engolir porque, por inferência, ciais em alguma medida. O comportamento
temos que “engolir” o impacto privado dessas humano é controlado por contingências ime-
coisas. É preciso coragem para exercer contro- diatas, mesmo que os efeitos de longo prazo
le quando possível porque isso também pode sejam sombrios. A esquiva experiencial é um
criar conteúdo privado estressante. Portanto, exemplo claro precisamente desse tipo de ar-
é preciso sabedoria e coragem para viver uma madilha comportamental.
existência vital, e nossa cultura oferece pouca
orientação sobre como fazer isso. O impacto da esquiva
Como discutimos no capítulo anterior,
a fusão “abastece” a esquiva e torna a aceitação Existem três custos evidentes da esquiva ex-
difícil, se não impossível. Isso ocorre porque a periencial. Primeiro, a diminuição do conta-
fusão cria a ilusão de que as experiências são o to com o modo como o presente se conecta
que elas dizem que são. Nossas emoções, pen- com nossa história diminui a nossa inteli-
samentos, imagens e lembranças se tornam gência experiencial. Permanecer em contato
semelhantes a uma coisa e são verbalmen- com nossa história torna nossas ações mais
te acessíveis. Considere a emoção. De todas sensíveis, criando um contexto que nos pos-
as experiências privadas que fazem parte da sibilita ler o que está funcionando e o que
condição de ser humano, as emoções estão não está. Por exemplo, não é ruim quando
entre as experiências privadas mais fortemen- uma pessoa com uma história de abuso se-
te avaliadas que temos. Isso faz sentido por- xual ou físico se sente nervosa em circuns-
que os termos avaliativos aplicados à emoção tâncias que evocam lembranças do abuso.
ajudam a lhes atribuir funções convencionais Se adequadamente manejado, esse nervosis-
com uma valência convencional, permitindo mo é um meio importante de evitar qualquer
que a conversa emocional expresse nossas abuso adicional e também um meio de se
necessidades e desejos para os outros. Entre conectar com o quão profundamente a pes-
em uma sala cheia de pessoas e declare “Estou soa valoriza a confiança e as relações respei-
com sede” e você provavelmente vai mobilizar tosas. Naturalmente, tais sentimentos são
apoio social quase imediato para ter acesso a um desafio. A pessoa pode se sentir ansiosa
água. As emoções colocam as pessoas em mo- mesmo com intimidade saudável, por exem-
vimento – como a própria etimologia da pa- plo. No entanto, se tenta remover ou esca-
lavra sugere –, e a avaliação sugere a direção par desses sentimentos, ela arrisca entrar em
convencional que esse movimento deve to- outros relacionamentos abusivos, por um
mar. Lamentavelmente, essas avaliações não lado, ou ser incapaz de ter relacionamentos
servem a funções sociais isoladas – elas tam- significativos, por outro. De forma parado-
bém encorajam a luta com o mundo interno. xal, quando esses sentimentos são enfati-
Se a ansiedade for “ruim”, possivelmente será zados como conteúdo de modo excessivo,
preciso livrar-se dela. é precisamente este o momento em que não
Quando surge conteúdo estressante, a pes- podem mais ser usados sensivelmente para
soa tem uma escolha imediata quanto à postu- guiar o comportamento.
Terapia de aceitação e compromisso 219
e você está fora vigiando Joe. Isso não me- enquanto está em cima do livro.] Portan-
lhora a vida. Não se parece muito com uma to, saltar desse pequeno livro ainda é sal-
festa. É muito trabalho! E se todos os sen- tar. E é a mesma ação que saltar de lugares
timentos, lembranças e pensamentos de mais altos. [O terapeuta fica de pé sobre
que você não gosta e que aparecem fossem a cadeira e salta.] Isso também é saltar,
apenas mais vagabundos na sua porta? certo? A mesma qualidade? Eu me coloco
A questão é: que postura você teria com no espaço, e a gravidade faz o resto. Mas
eles? Eles são bem-vindos? Você pode es- note que daqui eu na verdade não consi-
colher recebê-los bem mesmo que não go colocar o dedo para baixo muito bem.
goste do fato de terem vindo? Em caso ne- [O terapeuta tenta desajeitadamente tocar
gativo, como vai ser a festa?” o chão com o dedo do pé depois de voltar
a subir na cadeira.] Agora, se eu saltasse
A metáfora revela duas características cen- do alto deste prédio, seria a mesma coisa.
trais da fantasia que está subjacente à relutân- O salto seria idêntico. Apenas o contexto
cia. Primeiro, se apenas aqueles que foram teria mudado. Mas de lá seria impossível
convidados e os convidados desejados viessem tentar descer um degrau. Tem um ditado
à festa, a vida seria ótima. Segundo, escolher Zen que diz: ‘Você não pode atravessar um
não receber bem o convidado indesejado vai, cânion em dois passos’. A abertura diante
de certa forma, promover a sua paz de espíri- de uma experiência é assim: você pode li-
to. Mas a realidade é o oposto. De fato, a maio- mitá-la limitando o contexto ou a situação.
ria dos clientes já percebeu que, quando se es- Você consegue escolher a magnitude do
forçam muito para impedir que uma reação se seu salto. O que você não pode fazer é li-
junte à festa, outras reações indesejáveis ocor- mitar a natureza da sua ação e ainda fazê-
rem logo em seguida – o que um terapeuta em -la funcionar. Alcançar o chão com o dedo
ACT chamou de “os amigos do vagabundo”. do pé é simplesmente não saltar. O que
precisamos fazer aqui é aprender a saltar:
Estar disposto tem uma podemos começar pequeno, mas devemos
saltar desde o começo, ou então não esta-
qualidade do tipo tudo ou nada
remos fazendo nada fundamentalmente
O cliente pode promover a ideia de que a dispo- útil. Portanto, não se trata de aprender
nibilidade pode ser atingida por meio de pas- a ficar confortável, ou ranger os dentes,
sos graduais sequenciais. Embora o tamanho ou gradualmente mudar os hábitos. Trata-
da “abertura” possa variar, sua qualidade não -se de aprender a se abrir.”
muda. Abrir-se para as experiências é um “ato
completo”, e o exercício Saltar esclarece isso. A abertura é limitada
seguramente apenas pelo
“Ter uma atitude de abertura à experiência tamanho da situação
é como saltar. Você pode saltar de muitas
coisas. [O terapeuta pega um livro, coloca- Mesmo com a advertência de que não são ne-
-o no chão e fica em cima dele, então sal- cessários passos heroicos para colocar a atitude
ta.] Note que a qualidade do salto é você se de abertura em prática, qualquer noção de
colocar no espaço e então deixar a gravi- deixar os “monstros” na sala pode ser assus-
dade fazer o resto. Você não salta em duas tadora para os clientes. Os clientes não sabem
etapas. Você pode colocar o dedo do pé so- o que vai acontecer se deixarem de lado seus
bre a borda e tocar o chão, mas isso não é padrões familiares de ação e reação. Eles po-
saltar! [O terapeuta toca um dedo no chão dem apreciar o valor da abertura, mas mesmo
226 Hayes, Strosahl & Wilson
assim querem manter seus riscos limitados. guir, o terapeuta explora essa distinção com a
O cliente com agorafobia poderia dizer: sobrevivente de abuso sexual.
“Estou disposto a suportar a aceleração do
meu coração, mas, se eu começar a me sentir Terapeuta: Eu gostaria de analisar a situação
tonto ou enjoado, vou sair”. Existem formas que você está enfrentando de uma
de limitar a abertura com segurança, mas maneira diferente para ver se faz
a maioria das ações normais tomadas para sentido para você. Se não fizer
limitá-la é destrutiva. O cliente não pode real- sentido, você apenas me diz, e eu
mente adotar a abertura plenamente mudan- paro de tagarelar. Você tem essa
do a sua qualidade porque, nesse caso, ele não história de ter sido vitimizada
estará simplesmente limitando a abertura, pelo seu tio. Esta é uma coisa ab-
mas destruindo-a. A abertura só pode ser li- solutamente desprezível que um
mitada com segurança pelo tempo e situação. adulto faça a uma criança. Ela é
No diálogo anteriormente citado com a sobre- horrível e a deixou com algumas
vivente de abuso sexual, o terapeuta permite cicatrizes. Você se sente muito an-
que ela limite a quantidade de tempo que pas- siosa sempre que surge o tema da
sa no quarto ao mesmo tempo em que solicita confiança ou da intimidade com
de modo específico que ela esteja totalmente algum homem. Ocorrem flash-
aberta e curiosa durante o período requerido de backs da sua experiência quando
2 minutos. Da mesma forma, um cliente com você fica ansiosa. Você se sen-
transtorno de pânico pode começar a praticar te nervosa em situações sociais
abertura e aceitação na loja de conveniência ambíguas, como ficaria qualquer
local antes de fazer uma viagem maior até o outra pessoa sensata com a mes-
shopping center. O que não pode ser limitado é ma história que a sua. Embora es-
a qualidade. Estar meio disposto a se abrir sas experiências emocionais se-
é como estar meio grávida: é simplesmente jam definitivamente desagradá-
impossível. veis, elas não são nocivas ou
prejudiciais para você. Elas são o
que são. Portanto, vamos chamar
Os custos da indisponibilidade: esse grupo de reações como a sua
dor limpa e dor suja dor limpa. Com isso, pretendo di-
zer que elas são apenas respostas
Há uma distinção importante a ser feita entre
emocionais normais que os so-
dor que é limpa e dor que é suja. Dor limpa é o
breviventes de abuso sexual ex-
desconforto original que sentimos em resposta a um
perimentam. Isso faz sentido para
problema na vida real. Pode não ser uma sen-
você?
sação boa necessariamente, mas, em última
análise, é uma experiência normal, natural Cliente: Sim... mas aonde você quer che-
e saudável. Em contraste, dor suja é a dor que gar?
temos quando lutamos desnecessariamente para Terapeuta: Bem, parece que temos dois con-
controlar, eliminar ou evitar a dor limpa. A maio- juntos de respostas emocionais
ria das pessoas, se dada a opção, voltaria ale- para representar. Um dos con-
gremente a sentir apenas sua dor limpa se pu- juntos é sua dor limpa; o outro é
desse de alguma forma afastar-se da dor suja o que você faz para administrar a
na qual habitualmente fica enredada. Lamen- dor. Esse grupo de respostas in-
tavelmente, esse desejo contém o processo que clui suas avaliações da sua dor.
levou ao começo da dor suja. No diálogo a se- Por exemplo, um pensamento que
Terapia de aceitação e compromisso 227
você tem é o de que sua ansiedade pode expressar essa cifra em pon-
prova que você é muito instável tos percentuais, se quiser. Se todo
para estar em um relacionamen- o círculo contém 100 pontos de
to. Outro pensamento diz que sofrimento, quantos desses pon-
você não pode ter intimidade com tos se originam da dor limpa?
seu namorado se tiver um flash- Cliente: Estou pesando em aproximada-
back durante o sexo. Outro é que mente 50% porque ter flashbacks e
controlar sua ansiedade é mais pesadelos não é nada divertido,
importante do que estar verdadei- e me sentir insegura em muitas
ramente presente com seu par- situações é muito difícil emocio-
ceiro. Você tem outras avaliações nalmente.
sobre não querer experimentar
apreensão em contextos sociais, Terapeuta: OK, então você tem algumas ava-
sobre como a sua ansiedade está liações sobre os flashbacks e pesa-
arruinando suas amizades, etc. delos que na verdade podem fazer
Quando você olha para essas res- parte do grupo do sofrimento sujo
postas de modo geral, que impac- – mas vamos deixá-las no gru-
to você acha que elas têm no seu po limpo por enquanto. Se estou
nível global de ansiedade e medo? acompanhando, você vai atribuir
50% da causa para seu sofrimento
Cliente: Elas o tornam muito pior.
no momento à coisa suja, certo?
Terapeuta: OK, vamos chamar esse grupo de
Cliente: Certo, aproximadamente metade
respostas como a sua “dor suja” –
disso é o que eu passo em reação
porque elas aumentam seu nível
às minhas experiências traumá-
de estresse, mas na verdade não
ticas.
fazem parte das reações originais
decorrentes do abuso sexual. Em Terapeuta: Bom, eu tenho uma proposta para
outras palavras, você acrescenta você. E se eu lhe dissesse que po-
dor suja sobre a dor limpa origi- deríamos cortar o nível do seu
nal. Isso faz sentido? sofrimento pela metade? Você es-
taria interessada nisso?
Cliente: Então você está dizendo que mi-
nhas reações à ansiedade também Cliente: Oh, pela metade – nunca pensei
são um problema? nisso dessa maneira.
Terapeuta: Bem, vamos ver se elas são um Terapeuta: A oferta é que, se quiser cortar
problema ou não. Eu desenhei pela metade, você tem que estar
um grande círculo vazio nes- disposta a ter a dor limpa como
ta folha de papel e quero que ela é, não como suas avaliações
você faça isto para mim. (Dá à dizem que ela é. Você não tem
cliente caneta e papel.) Presumin- controle sobre a dor limpa, mas
do que o círculo vazio repre- você controla se vai associá-la à
senta toda a dor que você está dor suja. É como se você estives-
experimentando na sua vida se ajustando um amplificador de
neste momento, quero que vo- som com dois grandes botões.
cê corte uma fatia da torta que No da esquerda, está escrito “sua
mostre o quanto seu sofrimento história”, e ele está fixado em de-
é proveniente da dor limpa – você terminado nível. Você não pode
228 Hayes, Strosahl & Wilson
dências de pesquisas sobre os processos de (p. ex., “OK... e vamos examinar o custo dis-
mudança (p. ex., Arch & Craske, 2008). Se esta so” ou “Você certamente pode fazer isso, mas
for a definição e o propósito entendidos, então quais são os valores que estarão sendo deixa-
a aceitação (e todo o modelo de flexibilidade dos de lado?”). Ao descrever o propósito dos
psicológica) pode de fato ser pensada como exercícios de exposição, a cena deve ser prepa-
uma forma de exposição; justamente por isso, rada cuidadosamente.
os teóricos em ACT sempre argumentaram
que a ACT é um tipo de terapia baseada em “Vamos sair e encontrar o Senhor Des-
exposição (Hayes, 1987). Por exemplo, a des- conforto, tentar chamá-lo, conversar
fusão torna possível entrar em contato com com ele e descobrir o que está aconte-
um pensamento como ele é, e não com aqui- cendo no seu relacionamento com ele.
lo a que o pensamento se refere; igualmente, Se o desconforto não aparecer, tudo bem.
a aceitação torna possível o contato com uma Nosso objetivo é apenas experimentar
emoção como ela é, e não com o que ela evo- se você está disposto a tê-lo aqui. Se ele
ca historicamente; e assim por diante. Esses aparecer, e nesse momento você desco-
processos estimulam a variável principal na brir que não está disposto a ficar e ver o
exposição, ou seja, a expansão do repertório que acontece, tudo bem, também. Vamos
do cliente na presença de eventos previamente fazer algumas coisas que podem pressio-
restritivos do repertório. Estamos interessa- nar um pouco seus botões do desconfor-
dos na exposição em um sentido funcional, to. No entanto, não haverá truques, na-
não em um sentido procedural. da para alarmá-lo ou surpreendê-lo; os
Aceitação não é um artifício planejado passos que daremos eu vou sugerir pri-
para “aceitar alguma coisa que não existe”. meiro, e você poderá escolher continuar
Embora os métodos de aceitação tipicamen- com eles ou não. Note que este exercício
te produzam a redução dos sintomas, seu não será limitado pelo tempo; esses bo-
propósito declarado não é reduzir sintomas. tões sensíveis podem ser pressionados a
Por meio da aceitação, procuramos mudar a qualquer momento, então não será uma
relação contextual entre o cliente e a dor que questão de concluir este exercício. A cro-
ele está experimentando de modo a aumentar nometragem não se aplica aqui. Se você
a flexibilidade psicológica. Paradoxalmente, vai apenas suportar, você estará cavan-
quando você enfrenta a sua dor e a examina do. Só iremos parar depois que o traba-
com uma postura de abertura e curiosidade, lho estiver terminado. Quando o Senhor
ela costuma se tornar menos onerosa. Em al- Desconforto aparecer, vamos tentar ne-
guns casos, isso não acontece, mas, em ambos gociar a sua relação com ele. Vamos ten-
os casos, a vida pode se expandir. tar chamar os passageiros do fundo do
ônibus para ver se podemos examinar
Exercícios de aceitação na sessão e mudar a natureza da relação que você
tem com eles. Vamos examinar todas as
Ao conduzir exercícios de aceitação baseados dimensões dessa relação, com o objetivo
em exposição, é recomendável rotulá-los de de ajudá-lo a deixar de lado o conflito e
forma um pouco divertida, tal como o exer- manter suas mãos no volante.”
cício Procurando o Senhor Desconforto. Pode-se
perguntar aos clientes se estão prontos para Na sessão de exposição, peça que o cliente
procurar pelo Senhor (ou Senhora) Descon- procure desconforto emocional e pensamen-
forto. Se não estiverem dispostos, problemas tos perturbadores. Se ele começar a experi-
anteriores precisam ser abordados novamente mentar desconforto, obtenha uma descrição
230 Hayes, Strosahl & Wilson
do que é o desconforto em mais detalhes. Pro- Cliente: (pausa) Quase o tamanho desta
cure componentes específicos: sensações cor- sala.
porais, emoções, lembranças, pensamentos, Terapeuta: E se tivesse uma cor, qual cor se-
etc. Para cada elemento, pergunte ao cliente: ria?
“Apenas veja se você consegue deixar de lado
Cliente: Bem preta.
a luta contra [um pensamento, sentimen-
to, lembrança ou sintoma físico inquietante Terapeuta: E se tivesse uma velocidade, o quão
específico] por um momento, se pode estar rápido andaria?
disposto a tê-lo exatamente como ele é, não Cliente: Seria lenta e pesada.
como ele diz que é ou no que está ameaçando
se tornar”. Se o cliente começar a mergulhar Esse processo continua com perguntas so-
no pânico, na tristeza ou em algum outro es- bre força, textura da superfície, consistência
tado negativo, sugira que ele direcione a aten- interna, forma, densidade, peso, flexibilida-
ção de volta para o ambiente externo. Peça de e outras dimensões físicas que o terapeuta
que permaneça consciente das experiências queira escolher. Faça o cliente verbalizar cada
privadas negativas, mas também observe as resposta, mas não estabeleça uma conversa.
outras coisas acontecendo no ambiente ex- Depois de obter uma amostra relativamente
terno. grande, volte para alguns itens anteriores e
O exercício Fisicalizando é emprestado da veja se alguma coisa está mudando (p. ex., o
tradição da Gestalt, com o objetivo de conver- que era grande pode agora ser pequeno). Espe-
ter experiências subjetivas em objetos físicos cialmente se a situação psicológica não mudou
com propriedades perceptuais. O exercício co- muito, pergunte ao cliente se ele tem alguma
meça com uma reação perturbadora: uma reação a essa coisa que é grande, preta, lenta,
emoção, um estado corporal, um pensamen- etc. Com frequência, o cliente vai relatar que
to obsessivo, uma ânsia por usar drogas ou está irritado com isso, com repulsa, não vai
outra coisa que seja relevante para o caso par- querer, vai ter medo, vai odiar ou algo desse
ticular. O terapeuta pede que o cliente imagine tipo. Identifique a reação central forte e então
o elemento perturbador como se ele fosse um peça que o cliente movimente o primeiro obje-
objeto. As características do objeto são, então, to levemente para o lado e coloque essa segun-
exploradas. da reação à sua frente, logo ao lado do objeto
inicial. Repita todo o exercício Fisicalizando
Terapeuta: Agora quero que você se imagine com a segunda reação. Agora, dê uma olhada
colocando essa depressão fora de na primeira. Em geral, quando a segunda re-
você, a 1 ou 1,5 metro à sua fren- ação é fisicalizada, a primeira será mais fina,
te. Mais tarde, vamos deixar que mais leve, menos poderosa, etc. Algumas ve-
você a pegue de volta; portanto, zes, esses atributos podem ser ligados e des-
se ela se opuser a ser colocada do ligados como um interruptor: sempre que a
lado de fora, deixe que ela saiba segunda reação for interpretada literalmente e
que logo você a pegará de volta. usada como uma perspectiva a partir da qual
Veja se consegue colocá-la à sua examinar a primeira reação, a primeira se tor-
frente no chão nesta sala e me in- na mais poderosa. Quando a segunda reação é
forme quando a tiver colocado lá. desliteralizada ao ser vista como um objeto, a
Cliente: OK. Ela já está lá fora. reação inicial diminui de intensidade.
Terapeuta: Então, se esse sentimento de de- Se os itens não mudarem, o terapeuta
pressão tivesse um tamanho, que pode procurar outra reação central que este-
tamanho teria? ja mantendo o sistema no lugar ou simples-
Terapia de aceitação e compromisso 231
mente parar o exercício. O terapeuta nunca consegue ver, ouvir e cheirar como
deve sugerir que um resultado particular era se estivesse naquele momento no
esperado caso ele não tenha ocorrido. Apenas passado. Use o tempo que preci-
comentar sobre uma reação como se ela fosse sar. [O terapeuta pode obter outras
um objeto físico – sem lutar contra ela – muda respostas verbais para se certificar
as suas qualidades profundamente. Essa sim- de que o cliente está acompa-
ples experiência pode mudar o contexto dessa nhando e pode se basear nessas
reação quando ela ocorrer novamente na vida respostas para encorajá-lo a en-
real. Pode ser a mesma reação, mas ela é vis- trar na lembrança.] E agora quero
ta diferentemente, mesmo que o cliente ain- que você note que você estava lá.
da tenha dificuldades com ela. Uma variante Note que havia uma pessoa atrás
popular com terapeutas em ACT é o exercício daqueles olhos e, embora muitas
Monstro de Lata. Ele em geral começa com um coisas tenham acontecido desde o
sentimento, pensamento ou lembrança parti- verão passado, note também que
cularmente dolorosa ou difícil. Neste exemplo, aquela pessoa está aqui agora. Vou
usamos o “pânico”. chamar essa pessoa de o “você ob-
servador”. Segundo essa perspec-
Terapeuta: Enfrentar nossos problemas é tiva ou ponto de vista, quero que
como confrontar um monstro gi- você entre em contato com esse
gante que é feito de lata e cordão. sentimento de pânico que aparece
O monstro de 9 metros é quase no trabalho. Me informe quando
impossível de enfrentar volunta- tiver conseguido.
riamente; no entanto, se desmon-
tamos todas as latas, cordões, fios Cliente: (pausa) Eu consegui.
e gomas de mascar dos quais ele Terapeuta: Agora, quero que você observe seu
é feito, será mais fácil lidar com corpo e veja o que ele faz. Apenas
cada uma dessas peças, uma de se mantenha em contato com o
cada vez. Eu gostaria que fizésse- sentimento e observe seu corpo e,
mos um pequeno exercício para se notar alguma coisa, me informe.
ver se dessa maneira funciona. Cliente: Tenho um aperto no peito.
Comece fechando os olhos. [O te- Terapeuta: Agora, quero que você veja se é
rapeuta acrescenta o treinamento possível abandonar a luta contra
habitual necessário para deixar esse aperto no peito. O objetivo
o cliente centrado, focado e rela- aqui não é que você goste do sen-
xado.] OK. Vamos começar recor- timento, mas que você o experi-
dando alguma coisa que aconte- mente apenas como um evento
ceu no verão passado. Qualquer corporal específico. Veja se con-
coisa que tenha acontecido está
segue notar exatamente onde esse
ótimo. Quando você tiver alguma
sentimento de aperto começa e
coisa, me informe.
termina. Imagine que o aperto
Cliente: Eu fui ao lago com minha família. é um adesivo colorido na sua pele.
Nós estávamos em um barco. Veja se consegue notar sua for-
Terapeuta: Agora quero que você veja tudo o ma. E, enquanto faz isso, deixe de
que estava acontecendo naquele lado qualquer senso de defesa ou
momento. Observe onde você está luta contra essa simples sensação
e o que está acontecendo. Veja se corporal... Se outros sentimentos
232 Hayes, Strosahl & Wilson
como cadeiras espreguiçadeiras em um imen- quando pega as chaves. Por um lado, todo
so navio de cruzeiro e então perguntar: “Nes- o exercício parece um pouco bobo (o que,
se panorama, o que é mais importante para a por si só, é outra “chave”), e, por outro,
operação deste navio? É como algumas des- as chaves são símbolos de coisas “ruins”.
sas espreguiçadeiras parecem modernas ou é Nesse contexto, na verdade pegar as cha-
como as máquinas e a linha de transmissão ves é um passo adiante, e o terapeuta deve
estão funcionando?” continuar apresentando as chaves até que
O segundo tema nessa conjuntura é que o elas sejam escolhidas sem o encorajamen-
cliente não pode deixar a história para trás. to do terapeuta. Se o cliente disser “Eu me
O sistema nervoso funciona por adição, não sentiria tolo pegando as chaves”, aponte
por subtração (como observado anteriormen- para uma chave e diga: “Esse sentimen-
te). Não é possível desaprender uma resposta to? É este aqui! Então, o que você vai fazer
historicamente condicionada. A única coisa com as chaves?”. Quando finalmente ele as
que podemos fazer é acrescentar novas res- pegar, diga alguma coisa como “OK. Ago-
postas que mudem o significado contextual ra a pergunta é: aonde você vai?”. Observe
das respostas antigas. Por exemplo, observar a que o cliente pode ir em qualquer direção
dor em vez de ser a dor representa uma mu- e mesmo assim ainda ter as chaves. Tam-
dança contextual. Na ACT, queremos que o bém faça a observação de que as chaves
cliente leve a dor “para dar uma volta”, por as- vão continuar aparecendo – que responder
sim dizer. A metáfora Leve Suas Chaves com Você à pergunta afirmativamente não significa
esclarece isso em termos físicos. que as mesmas perguntas não serão feitas
repetidamente por toda a vida. Uma óti-
Pergunte se o cliente carrega chaves e se ma tarefa de casa entre as sessões é que
você pode pegá-las emprestado. Coloque o cliente associe cada uso de uma chave a
as chaves sobre a mesa e diga: “OK, su- “abrir mão” da luta contra as experiências
ponha que elas representem as coisas que privadas estressantes.
você vem evitando. Vê esta chave aqui?
Esta é sua ansiedade. Vê esta chave? Esta é Nessa metáfora, as chaves no chaveiro
a raiva que você tem da sua mãe”. [O tera- do cliente representam diferentes emoções,
peuta continua associando problemas im- lembranças, pensamentos ou reações difíceis.
portantes às chaves do cliente.] As chaves A metáfora destaca dois aspectos importantes
são, então, colocadas na frente do cliente, dessas “chaves”. Primeiro, pegar as chaves e
e é perguntado: “O que você vai fazer com levá-las consigo não impede que o cliente vá
as chaves?”. Se o cliente disser “Deixá-las a algum lugar. Segundo, carregar essas chaves
para trás”, diga: “Então duas coisas acon- voluntariamente pode abrir portas que de ou-
tecem. Primeiro, você descobre que, em tra forma estariam trancadas. O velho ditado
vez de deixá-las para trás, você continua “Sua dor é sua força” sugere que atravessar a
voltando para se certificar de que elas fi- escuridão e emergir no outro lado nos ensina
caram para trás – portanto, você não pode a confiar, a sentir compaixão e a fazer a coi-
seguir adiante. E, segundo, é difícil viver sa certa. Realizar esse exercício com as cha-
sem as suas chaves. Algumas portas não ves reais que o cliente usa também lhe dá um
vão abrir sem elas. Portanto, o que você vai parâmetro ou um lembrete dos objetivos im-
fazer com as suas chaves?” portantes (para onde ele está indo), dos meios
O processo continua, esperando-se (abertura) e do que ele deve carregar consigo
que o cliente faça alguma coisa. A maioria para avançar (sua história e as reações que ela
dos clientes fica um pouco desconfortável pode produzir). Como usamos nossas chaves
Terapia de aceitação e compromisso 235
muitas vezes por dia, elas servem como um algumas vezes levantadas espontaneamente.
lembrete frequente fora das sessões de terapia. Por exemplo, mágoas passadas da terapia po-
dem ser suscitadas de uma forma flexível que
faz avançar a relação terapêutica. É um senso
INTERAÇÕES COM OUTROS de interesse na vida que marca um repertório
PROCESSOS CENTRAIS comportamental ampliado quando o trabalho
de mindfulness e aceitação leva as pessoas na-
Aceitação e desfusão turalmente do “laboratório” da terapia para a
vida diária.
Aceitação e desfusão funcionam tão intima-
mente ligadas que algumas vezes parecem ser
intercambiáveis durante o tratamento. Nem
Aceitação e ação de compromisso
sempre está claro se o problema principal do A aceitação é feita a serviço da ação de com-
cliente é um baixo nível de aceitação ou alta promisso e envolve a prática da aceitação na
fusão. Na maior parte do tempo, baixa acei- vida real. Cliente e terapeuta trabalham para
tação e baixa abertura sinalizam que o cliente identificar barreiras potenciais à ação, talvez
está fusionado com algum material privado as ensaiando na sessão ou usando vários exer-
inaceitável. Os sinais comuns da necessidade cícios de exposição para reduzir sua valên-
de partir para o trabalho de aceitação incluem cia. O cliente, então, “experimenta” as ações
senso aumentado de rigidez que emerge quan- de compromisso que foram combinadas e,
do surge um material emocional particular; depois, na sessão seguinte, faz um balanço
as palavras de repente se tornam hesitantes ou para o terapeuta sobre seus sucessos e fracas-
aceleradas; o corpo fica tenso; os tópicos mu- sos em aprimorar os processos de aceitação.
dam inesperadamente; as histórias começam Aqui, o terapeuta precisa ter uma abordagem
a ser contadas imediatamente depois de estre- moderada e paciente, porque a aceitação nem
mecimentos nos lábios ou na voz do cliente; sempre será automaticamente o resultado.
ou o ritmo da fala do cliente se acelera. Em tais O cliente pode até recuar em relação aos seus
casos, o terapeuta pode usar uma declaração compromissos sempre que um material evo-
como “Então, o que sua mente reativa está lhe cativo precisar ser evitado. Esse retrocesso
trazendo agora?”, que abre o território a ser temporário representa apenas mais “grãos”
explorado. para o moinho terapêutico, no sentido de que
as barreiras reais a uma existência vital estão
Aceitação e valorização pelo menos aparecendo, em vez das histórias
sobre si mesmo ou de material histórico batido
O trabalho de aceitação naturalmente alimen- sendo recuperado.
ta o trabalho com os valores e a ação de com-
promisso. Quando a prática da aceitação se Aceitação e self ou processos
propaga na vida do cliente, a autocompaixão do momento presente
resultante leva a pensamentos sobre direções
de vida mais amplas. Nesse nível de desen- Aceitação requer que o cliente sempre perma-
volvimento, o cliente começa a se engajar em neça presente e não se disperse como parte
apresentações espontâneas de abertura e acei- de uma manobra de esquiva. Assim, muitas
tação em relação a ações valorizadas. Ocorre intervenções de aceitação começam trazen-
mudança de foco para a existência vital e sen- do o cliente para o momento presente. Isso
sação de leveza, vitalidade e potencial. Ques- pode ser feito usando algum tipo de exercício
tões antigas que precisam ser abordadas são estruturado (p. ex., respiração profunda por
236 Hayes, Strosahl & Wilson
tes não precisam ser protegidos da vida – ao mesmas duas áreas. Os clientes começam es-
contrário, eles precisam ser mais capacitados pontaneamente a usar linguagem que sugere
para vivê-la no presente. A única maneira se- que estão adotando uma postura mais aberta
gura de remover o conteúdo de uma história e de aceitação em relação ao conteúdo temido
dolorosa é remover a si mesmo da obsessão (i.e., “Percebo que isso não vai desaparecer
em relação ao passado. É preciso coragem por e vou ter que lidar com isso, mesmo que não
parte do cliente, mas também é necessário co- goste”; “Foi doloroso discutir com ele, e eu dis-
ragem por parte do terapeuta. se a mim mesma para simplesmente deixar a
dor ficar ali e falar o que eu queria”). Eles com
frequência irão se engajar espontaneamente
LENDO OS SINAIS em ações de abertura que ainda nem foram
DE PROGRESSO discutidas na terapia. Este é um sinal de que o
movimento de aceitação está começando a se
Embora os clientes certamente variem em seus generalizar para outras situações desafiadoras
níveis de aceitação no início do tratamento, na vida. Dentro da sessão, a aceitação cria uma
em geral eles lutam contra a noção de aceitar atmosfera leve, aberta e casual, ao contrário
o que está ocorrendo internamente e realmente do tom tenso, autofocado e sério das sessões
lutam contra a ideia da exposição voluntária iniciais. Os clientes começam a “entender”;
a eventos, situações ou interações na vida que eles ganham o conhecimento experiencial
irão desencadear dor. Isso ficará manifesto de que uma postura de aceitação em relação
tanto na linguagem que os clientes usam (i.e., ao mundo externo e interno gera suavidade e
“Não posso me permitir recordar, é muito do- compaixão. “Ceder” não mais significa “desis-
loroso”; “Só quero não sentir nada”) como em tir”; isso abre um conjunto inteiramente novo
padrões persistentes de esquiva situacional de possibilidades para si mesmo e outras pos-
(i.e., baixa abertura). Quando começa a ocor- sibilidades verdadeiramente libertadoras para
rer progresso, ele costuma ser notado nessas o cliente experienciar e o terapeuta celebrar!
11
Conexão com os valores
Se não decidimos para onde vamos, estamos sujeitos a acabar indo para onde nos direcionamos.
DITADO CHINÊS
◊ Como os valores podem ser usados para criar um senso de significado e direção na vida.
◊ Como os valores diferem dos objetivos de vida, mas estão associados a eles.
◊ A distinção entre o ato de escolher e o ato de decidir.
◊ Como apoiar a construção do cliente de direções valorizadas.
◊ Como ajudar os clientes a distinguir entre valorização como comportamento e valorização
como sentimento.
◊ Como separar valores de pressões sociais e comunitárias insatisfatórias.
seu colega, com quem havia planejado fugir, e os clientes a construir um senso de direção na
disse que iria ficar e cuidar dos seus pacientes. vida que pode ser perdido em sua luta para
Quando voltou ao seu trabalho, Frankl rela- acabar com seu sofrimento diário. Eles podem
tou que sentiu uma sensação de paz diferente descobrir que mesmo os menores passos em
do que jamais havia experimentado (Frankl, direção à promoção dos próprios valores po-
1992, p. 68). dem trazer nova vitalidade para uma vida na
Se Frankl pôde experimentar um senso de qual uma mesmice sufocante reina há muito
propósito e paz em um dos ambientes mais tempo.
terríveis imaginados pela humanidade, então
nossos clientes, não importa a história que APLICAÇÕES CLÍNICAS
carregam, são capazes de viver uma vida rica
e significativa. Quando dizemos rica e signifi- Em ACT, valores são consequências livremente
cativa, não queremos dizer sem dores. Quere- escolhidas e verbalmente construídas de padrões
mos dizer rica e significativa segundo os pa- de atividade contínuos, dinâmicos e em evolução
drões dos nossos clientes. que estabelecem reforçadores predominantes para
Acreditamos que o sofrimento é universal essa atividade que são intrínsecos ao engajamen-
na condição humana. Se você viver por tem- to no próprio padrão comportamental valorizado
po suficiente, as pessoas que você ama algum (Wilon & DuFrene, 2009, p. 66). Examinamos
dia vão morrer, as carreiras chegarão ao fim, os componentes dessa definição no Capítulo 3
seu corpo vai envelhecer. O que ajuda a digni- e discriminamos seu significado. Talvez as
ficar a vida, considerando-se o conhecimento coisas que mais devem ser lembradas no tra-
certo de que todos vão sofrer com o tempo? balho clínico são, primeiramente, que, mesmo
Quando perguntamos aos clientes o que eles que os valores sejam socializados, eles têm
fariam se pudessem finalmente aplacar sua uma qualidade de serem livremente esco-
dor psicológica, costumamos ouvir coisas so- lhidos em vez de serem forçados por outras
bre família, carreira, engajamento social, au- pessoas ou por emoções que precisam ser
todesenvolvimento e outras. Contudo, o modo evitadas; e, em segundo lugar, que eles esta-
de solução de problemas da mente nos diz belecem consequências apetitivas intrínsecas.
que não se pode ter essas coisas até que a dor Valores não pertencem a um futuro distante.
psicológica seja dominada. Esse pressuposto Eles têm uma qualidade apetitiva não evitati-
naturalmente leva ao foco excessivo nos ob- va no agora a despeito de sua extensão tem-
jetivos do processo (i.e., reduzir a depressão, poral – é como se o significado no presente se
a ansiedade, os flashbacks, o impulso de beber estendesse ao longo do tempo.
ou se drogar, aumentar a autoconfiança, etc.), De certo modo, esse processo estabelece
com o resultado de mais longo prazo de que um novo tipo de contingência da teoria evo-
os clientes perdem sua conexão com missões lucionária multinível dentro da ACT: não
mais significativas na vida. Essa desconexão só as contingências de reforçamento, mas
pode se tornar tão generalizada que os clien- contingências de significado baseadas no
tes literalmente não “sabem” no que acreditam condicionamento relacional e nos processos
ou o que querem que suas vidas signifiquem. cognitivos que ele estabelece. Depois que
Não é incomum, na prática clínica, perguntar esse novo critério de seleção está estabeleci-
ao cliente algo como “O que você estaria fazen- do, os sistemas comportamentais começam a
do na sua vida se não tivesse que gastar toda evoluir naturalmente na sua direção. A evo-
essa energia no controle do seu X (depressão, lução do comportamento ocorre com qual-
bebida, etc.)?” e ouvir como resposta: “Não quer reforçador, porém muitos reforçado-
sei”. Um objetivo importante da ACT é ajudar res levam a picos adaptativos. Por exemplo,
240 Hayes, Strosahl & Wilson
a esquiva experiencial é reforçada, mas não jornada deve parar. Na área dos valores, isso
leva a lugar algum. O trabalho com valores significa que precisamos aprender a valorizar
permite que os sistemas comportamentais mesmo quando não gostamos, a amar mesmo
evoluam na direção de qualidades e padrões quando estamos com raiva e a cuidar mes-
escolhidos. mo quando estamos aflitos.
Uma maneira útil de distinguir sentimen-
Valorização como ação tos de ações é começar com coisas pelas quais
o cliente não tem sentimentos fortes. O diálo-
O terapeuta em ACT faz diversas distinções go a seguir é um exemplo.
quando discute a questão dos valores. Entre
as mais importantes, encontra-se a distinção Terapeuta: Vamos fazer um pequeno exemplo
entre valores como sentimentos e valorização bobo. Você se preocupa com o nú-
como ações. Esses dois aspectos com frequên- mero de pessoas que usam meias
cia são inteiramente confusos para o cliente. com estampa de losangos?
O exemplo de valorizar um relacionamento Cliente: Não, por que eu deveria?
amoroso com o próprio cônjuge é instruti- Terapeuta: OK. Bem, o que eu quero que você
vo. Sentimentos amorosos podem aumentar faça é que realmente desenvolva
e diminuir com o tempo e as situações. Ter uma forte crença de que os uni-
um comportamento amoroso (i.e., respeito- versitários devem usar meias com
so, atencioso, etc.) somente quando temos estampa de losangos. Sinta ver-
sentimentos de amor (e nos comportamos da dadeiramente isso. Realmente se
forma oposta quando surgem sentimentos mobilize com isso!
negativos) tem efeitos problemáticos em um
Cliente: Não consigo.
casamento. No entanto, esta é precisamente
a dificuldade que encontramos quando valo- Terapeuta: Bem, tente de verdade. Sinta inten-
res são confundidos com sentimentos, já que samente isso. Está funcionando?
os sentimentos não estão completamente sob Cliente: Não.
controle voluntário e tendem a ir e vir. Terapeuta: OK. Agora, quero que você ima-
Esta questão é essencialmente a mesma gine que, mesmo que não consiga
que discutimos anteriormente no contexto do sentir fortemente isso, você vai
controle emocional e do raciocínio emocio- agir de alguma forma que torne as
nal. O contexto cultural que apoia a associa- meias com estampa de losangos
ção entre sentimentos de amor e atos de amor importantes para os universitá-
é o mesmo contexto cultural que apoia que o rios. Vamos pensar em algumas
cliente com agorafobia permaneça em casa maneiras. Você poderia, digamos,
na presença de alta ansiedade e que o alcoo- percorrer os dormitórios que têm
lista beba na presença de forte impulso. Se o baixas porcentagens de usuários
cliente baseia a vida inteiramente na ausência de meias com estampa de losan-
de obstáculos emocionais ou cognitivos, dire- gos. O que mais?
ções valorizadas não poderão ser perseguidas
Cliente: Eu poderia bater nos universitá-
de forma comprometida, já que mais cedo ou
rios que não usam.
mais tarde algum obstáculo formidável será
encontrado. À medida que o cliente segue a Terapeuta: Ótimo! O que mais?
trajetória da vida, inevitavelmente surgem Cliente: Eu poderia oferecer gratuitamen-
obstáculos, e a vida pergunta: “Você vai me te aos universitários as meias com
receber?”. Se a resposta for “Não”, então a estampa de losangos.
Terapia de aceitação e compromisso 241
Terapeuta: Ótimo. E note uma coisa: embora considerar alguma coisa como importante não
essas coisas possam ser ações to- é necessariamente uma questão emocional.
las, você poderia realizá-las com Essa percepção pode facilitar um pouco a con-
facilidade. versa sobre material pessoalmente mais rele-
Cliente: E seria lembrado para sempre vante sem associar sentimentos e resultados
como aquele cara idiota que per- de valores.
deu seu tempo se preocupando
com meias com estampa de lo- Valorização como escolha
sangos!
Valores são úteis porque ajudam os humanos
Terapeuta: Sim, e, talvez, devido ao seu com-
a escolher entre as alternativas. Nos huma-
promisso com isso, seria lembra-
nos, a escolha entre as alternativas quase
do como a pessoa responsável
sempre ocorre na presença do modo de solu-
por trazer as meias com estampa
ção de problemas da mente, o que é útil para
de losangos de volta à moda. Mas
gerar razões a favor e contra um curso de ação
note isto: se você se comportasse
particular. Razões são formulações verbais de
assim, ninguém jamais saberia
causas e efeitos. São tentativas de responder à
que você não tem fortes senti-
pergunta: “Por que eu devo ou não X?”. Como
mentos em relação a meias com
uma forma mais precisa de falarmos sobre
estampa de losangos. Tudo o que
isso, chamamos de decisões a seleção entre al-
eles veriam seriam suas pega-
ternativas baseada em razões. As decisões são
das... suas ações.
explicadas, justificadas, associadas e guiadas
Cliente: OK. por processos verbais de tomada de decisão,
Terapeuta: Agora, eis a questão. Se fizesse tais como prever, comparar, avaliar ou pesar
isso, você estaria de fato tornando os prós e os contras.
as meias com estampa de losan- Para que ocorra valorização, é essencial
gos importantes na sua vida? que valores não sejam confundidos com de-
Cliente: Com certeza. cisões e julgamentos – os valores devem ser
Terapeuta: OK. Então, o que se coloca entre escolhas. Uma escolha é uma seleção entre
você e a ação com base em coisas alternativas que pode ser feita com razões
que você realmente considera im- (se houver razões disponíveis), mas não por
portantes? Não pode ser os sen- razões. As escolhas não são explicadas, jus-
timentos, se eles não são críticos tificadas, associadas ou guiadas por avalia-
nem quando estamos lidando com ções verbais e julgamentos. Dizer que uma
algo tão trivial. escolha não é feita por razões não quer dizer
que não haja fatos históricos que deem ori-
Aqui, o terapeuta em ACT está focando na gem a determinada escolha. Significa que as
valorização da ação. Esforços para o controle formulações verbais que determinada pessoa
consciente funcionam na arena do compor- constrói em relação a uma escolha não são a
tamento, mas são um problema na arena das causa para que a escolha específica seja feita.
experiências privadas. Faz muito mais sentido Definido dessa forma, os animais podem es-
focar no que pode ser regulado diretamente colher, mas não podem julgar. Parece impro-
(comportamento manifesto) do que em even- vável que os humanos, meramente porque
tos que não podem ser facilmente controla- acrescentaram o comportamento verbal, não
dos (eventos privados). Iniciando por uma possam fazer o que um animal pode fazer
questão trivial, o cliente pode ver que escolher muito naturalmente.
242 Hayes, Strosahl & Wilson
A ACT procura evitar a confusão entre O terapeuta pode, então, pedir que a pes-
ação escolhida e ação logicamente derivada. soa faça exatamente a mesma coisa enquanto
O seguinte roteiro sugerido demonstra como o pensa em várias razões para escolher a mão
terapeuta em ACT pode abordar a questão do esquerda ou a direita. Por exemplo, a pessoa
julgamento e escolha: pode ser encorajada a pensar “a direita é me-
lhor” e, então, simplesmente escolher uma ou
“Para lidar com essa questão da valoriza- outra. Se esse obstáculo puder ser transposto,
ção, vamos fazer distinção entre escolhas o clínico pode dizer que cada mão representa
e decisões. As duas são confundidas com uma alternativa um pouco mais importante
frequência. Uma decisão é uma seleção enfrentada pelo cliente (p. ex., a mão esquer-
entre cursos de ação alternativos feita por da é “Vou comprar aquela mesa”, e a direita é
uma razão. Uma ‘razão’ é uma formulação “Não vou”), e o cliente deve simplesmente es-
de causa e efeito ou dos prós e contras. colher uma ou outra, agora com razões (já que
Quando eu digo ‘por uma razão’, pretendo qualquer coisa de importância naturalmente
dizer que a ação está ligada à razão, guiada incita uma análise das alternativas), mas não
pela razão, explicada pela razão ou justifi- por razões. Dessa maneira, o nível pode ser
cada pela razão. Assim, por exemplo, você elevado gradualmente até uma área de valo-
pode decidir investir em ações porque a res, ainda mantendo a ação como escolha, não
empresa tem boa administração, um novo como julgamento.
produto que você acha que terá sucesso e Se a pessoa continuar levantando razões
forte registro de crescimento. Essas razões para abordar por que a escolha está sendo fei-
guiam, explicam e justificam a compra ta, uma estratégia é perguntar por que cada
das ações. Escolhas são outra coisa. Uma razão é verdadeira. Depois de repetir essa per-
escolha é uma seleção entre alternativas gunta duas ou três vezes, a resposta habitual é
que não é feita especificamente por deter- “Eu não sei”. Essa resposta pode, então, oca-
minadas razões, embora em geral seja feita sionar um exame do quanto são “razoáveis”
na presença de razões (porque somos seres tais julgamentos. O quanto pode ser razoável
verbais).” escolher entre alternativas quando essas ra-
zões são apenas superficiais? Por exemplo,
Para ajudar o cliente a ver a distinção en- suponha que perguntemos a um cliente por
tre escolhas e decisões, o terapeuta pode pri- que ele bebe Coca-Cola em vez de Pepsi.
meiro explicar a distinção intelectualmente A resposta geralmente é algo como “Porque eu
dessa maneira e, então, colocar as duas mãos gosto do gosto”. Se, então, perguntamos “Por
à frente, cada uma fechada como se estives- que você gosta do gosto?”, geralmente a pau-
se segurando alguma coisa, e dizer: “Rápido, sa precedendo uma resposta crível será muito
escolha uma”. O clínico, então, pergunta: “Por longa. Por fim, a resposta que obtemos é algo
que você escolheu esta mão?”. Como a escolha como “Apenas gosto”.
é trivial, a reação mais comum é “por nenhu- Em outra variante, o cliente pode ser so-
ma razão”. (Se é dada uma razão, essa escolha licitado especificamente a fazer uma escolha
trivial ou variante pode ser repetida ainda entre duas alternativas (p. ex., tipos de ali-
mais rapidamente para que o cliente não te- mento). O terapeuta pode, então, perguntar:
nha tempo de gerar razões.) Se o cliente não “Por que você escolheu essa?”. Tal pergunta
escolheu por uma razão, o clínico pode, então, é uma artimanha. Se a pessoa responde dan-
perguntar com certo espanto: “Isso é possível? do razões, e a ação ocorreu por essas razões,
Você consegue apenas escolher coisas? E você então foi uma decisão, e não uma escolha.
saiu impune – o céu não caiu?”. O terapeuta pode repetidamente se recusar a
Terapia de aceitação e compromisso 243
aceitar a razão da pessoa como uma resposta: tamento estivesse relacionado a razões em
“Mas eu não pedi que suas papilas gustativas es- um sentido estritamente mecânico, então a
colhessem – pedi que você escolhesse. E, além mera presença de certas razões previsíveis
disso, você poderia ter notado que gostava constituiria as condições necessárias e sufi-
desse alimento enquanto escolhia o outro, não cientes para que o comportamento ocorresse.
é verdade?”. Depois de o terapeuta continuar Essa abordagem determinista da causação é
a forçar essa linha de raciocínio por algum demonstravelmente falsa. Os humanos são
tempo, os clientes com frequência irão mu- capazes de ser amáveis mesmo quando há
dar para respostas mais acuradas, tais como boas razões para não serem. Por exemplo,
“porque sim” ou “por nenhuma razão”, indi- podemos considerar a criação de uma comis-
cando que agora entendem a distinção entre são de reconciliação na África do Sul como
escolhas e decisões. um ato de amor em relação aos agressores e
Essa distinção é importante na ACT não aos opressores no passado, mesmo que haja
apenas porque é a única forma de aprender mais do que amplas razões para demonstrar
como os valores funcionam, mas também ódio e buscar retaliação contra seus muitos
porque a ACT é sobre mudar a intenção por atos de criminalidade racista.
trás de um comportamento clinicamente
significativo que com frequência é razoável, Propósito está em toda parte
mas ineficaz. Nesse sentido, abertura para a
experiência versus controle é, em última aná- Propósito está sempre presente na vida do
lise, uma escolha, não uma decisão ou julga- cliente. Isso não pode ser evitado, não im-
mento. porta o quanto o cliente seja calado e parali-
A escolha tem outros benefícios. Por exem- sado. Por que é assim? Porque a maior parte
plo, ajuda o cliente a evitar paralisia quando a do comportamento é intencional, indepen-
ação fundamentada não funciona. Igualmen- dentemente de existir um senso de direção
te, ajuda o terapeuta a evitar ficar emaranhado experienciado. O relógio da vida está sem-
no conteúdo e na lógica da história de vida pre avançando, e ele só vai em uma direção:
do cliente. Acima de tudo, no entanto, a distin- de um momento de agora até o próximo mo-
ção é necessária para que os clientes possam mento de agora. Qualquer comportamento
se engajar em seus valores sem precisarem histórico envolve uma história desses mo-
também invocar justificativas e explicações mentos, e qualquer comportamento cons-
que inevitavelmente os fazem recuar para os ciente e intencional envolve também um fu-
mesmos padrões de comportamento sancio- turo verbalmente construído. De uma forma
nados socialmente que levaram ao começo muito real, a maior parte do comportamento
dos seus problemas. As únicas questões res- é intencional – seja experiencialmente, se-
tantes são o que fazer e o que acontece como ja verbalmente, ou ambos. Isso é verdadeiro
consequência. Usadas corretamente (e não mesmo que o padrão de pensamento domi-
coercitivamente), as escolhas podem ajudar nante do cliente seja: “Na verdade não estou
o cliente a ser response-able (ter capacidade de no comando de minha vida. Ela que me co-
resposta). manda. Não posso fazer nada diferente por-
As escolhas não são “livres” no sentido que estou aprisionado na minha situação”.
de não serem afetadas pela história do in- Embora propósito esteja em toda parte,
divíduo. De fato, a própria escolha é um ato valores (conforme os definimos) não estão.
historicamente situado. As escolhas são “li- Os clientes com frequência se sentem coagidos
vres” no sentido de não haver coerção, não em suas vidas, acreditam que são vítimas da
“ter que” direcionar a escolha. Se o compor- vida ou simplesmente se sentem como se es-
244 Hayes, Strosahl & Wilson
tivessem à deriva. Quando estão vivendo sem Cliente: Bem, eu não estou assim tão fora
contato com o momento presente, eles estão, dela, mas essencialmente parece
com efeito, no piloto automático. Nessas cir- que não estou no controle do que
cunstâncias, o treinamento social por si só é está acontecendo comigo. Eu não
mais do que capaz de organizar sequências tenho como mudar as coisas.
de comportamento altamente complicadas Terapeuta: E escolhendo acreditar no que a
(p. ex., trabalhar todos os dias, lavar roupas, sua mente está lhe dando aqui –
assistir à televisão, ir à igreja, etc.). A questão, que você está aprisionado – você
portanto, não é o que o cliente está fazendo, continua a agir como uma pessoa
mas como está fazendo. Os mesmos compor- aprisionada, certo?
tamentos que são “tediosos” quando estamos
Cliente: Aham.
no piloto automático podem refletir vastos
reservatórios de vitalidade quando executa- Terapeuta: Não estou lhe perguntando se
dos na busca dos valores pessoais. No diálogo você acredita que está aprisiona-
a seguir, o terapeuta em ACT tenta destacar do. O que estou perguntando é:
como o comportamento do cliente pode muito você é capaz de direcionar seu
bem refletir certos propósitos – mesmo quan- comportamento? E então eu que-
do o cliente não tem consciência disso. É claro ro saber: você é capaz de escolher
que um propósito não é a mesma coisa que um a direção?
valor. É necessário um componente adicional,
É importante não intimidar o cliente
isto é, escolha. Contudo, o reconhecimento de
quanto a isso, mas gentilmente acabar com a
que o comportamento do cliente pode de fato
ilusão de que não estão sendo feitas escolhas
refletir certos propósitos prepara o terreno
e de que os propósitos não estão sendo atin-
para essa discussão.
gidos. A questão é: quais propósitos? Quando
Terapeuta: Acho que o que você está me di- examinamos as formas como o comporta-
zendo é que você não tem cons- mento funciona, o que ele produz, descobri-
ciência das escolhas que está mos o seu propósito. Com frequência, nossos
fazendo todos os dias. Portanto, clientes irão descobrir que os propósitos aos
parece-lhe que é como se você não quais estão servindo são relativamente ine-
estivesse agindo de acordo com ficazes e proporcionam, na melhor das hipó-
algum propósito porque não tem teses, apenas alívio de curto prazo de algum
consciência desses propósitos. tipo de consequência aversiva. Por exemplo,
Se isso realmente fosse possível, uma cliente envolvida em um casamento in-
a consequência não seria que cada satisfatório pode devidamente fazer “todas
dia a sua atividade fosse comple- as coisas certas” em casa para manter uma
tamente aleatória? Você estaria relação pacífica, embora distante, com o
andando em círculos, se baten- marido. Esse alívio temporário é comprado
do nas paredes, colocando as a um preço muito alto porque há pouca ou
meias nas mãos, escovando os nenhuma chance de que o relacionamento
dentes com a escova sanitária, evolua para algo mais gratificante enquanto
indo ao lugar errado para traba- os problemas mais dolorosos permanecerem
lhar, etc.? Deixe-me perguntar: a confinados. Na ACT, tentamos transformar
sua vida é realmente esse acaso ou a discussão na pergunta: se eu pudesse es-
apenas parece que você não está colher um propósito aqui, qual propósito es-
escolhendo as suas ações? colheria?
Terapia de aceitação e compromisso 245
Cliente: Sim, parece que todos os meus Terapeuta: Sim, é, e não tem a ver com o que
problemas meio que ficaram pe- é verdade! É sobre o que funciona
quenos! Ao mesmo tempo, eu fico e o que não funciona.
muito triste comigo porque pare-
ce que a minha vida está sendo Em uma variação desse exercício, o clien-
desperdiçada. te pode ser solicitado a escrever um peque-
no epitáfio em uma lápide imaginária. Com
Terapeuta: Estou curioso... quando você ou-
frequência, esse exercício revela amplas dis-
viu os elogios, o que se destacou
crepâncias entre os valores do cliente e suas
entre as coisas pelas quais você
ações atuais.
queria ser lembrado?
Cliente: Quando Debbie disse que eu ti- Terapeuta: Quando as pessoas morrem, o
nha sido um marido carinhoso, que fica para trás não é tanto
fiel e atencioso e um pai que o que elas tinham, mas o que elas
sempre sustentou seus filhos. significavam. Por exemplo, você
Chuck, a pessoa que provavel- já ouviu falar de Albert Schweit-
mente eu conheço há mais tem- zer?
po, disse que eu estive ao seu Cliente: Certamente. Um médico na Áfri-
lado quando ele mais precisou ca, certo?
de mim, quando ele parou de be-
Terapeuta: Certo. Por que você deveria saber
ber. Isso, na verdade, aconteceu
a respeito desse homem? Ele já
anos atrás.
morreu. Provavelmente a maio-
Terapeuta: E alguém se levantou e disse: “Eu ria das pessoas que ele tratou está
me lembro de Richard – ele pas- morta. Mas ele significou alguma
sou a vida inteira tentando provar coisa. Então, dessa mesma forma,
que não era fruto do acaso”? imagine que você pode escrever o
Cliente: (Ri.) Não. que quiser na sua lápide que diga
Terapeuta: Alguém disse: “Aqui jaz Richard o que você significou na sua vi-
– ele ganhou mais de 2 milhões da. O que gostaria que o seu epitá-
de dólares em sua carreira e, por fio dissesse, se pudesse ser abso-
isso, será eternamente alguém de lutamente qualquer coisa? Pense
valor”? nisso por um minuto.
Cliente: (Ri.) Não. O que você está tentan- Cliente: “Ele participou na vida e ajudou
do me dizer? seus semelhantes.”
Terapeuta: Nada, na verdade... apenas note Terapeuta: Ótimo… agora, deixe-me per-
que muitas coisas a respeito das guntar: quando você olha para o
quais você se critica e contra que a sua vida significa atualmen-
as quais luta não têm conexão te, ela significa o quê? Você está
com aquilo pelo que você quer ser realmente participando na vida e
lembrado. Parece que você se con- ajudando seus semelhantes?
traiu impiedosamente em nome Cliente: Não – não tenho certeza se consi-
de coisas que você nem mesmo go!
valoriza. Terapeuta: Entendo. Então... você teria um
Cliente: Isso é muito assustador se for ver- epitáfio como: “Passou sua vida
dade! inteira se perguntando se tinha o
Terapia de aceitação e compromisso 247
que era preciso para vivê-la... e Terapeuta: Bem, nós vamos usar o alvo para
morreu sem ter certeza”. medir um tipo diferente de mar-
cação aqui – basicamente, o grau
Em alguns contextos ou com alguns clien- em que você está mirando a sua
tes, a utilização do exercício Funeral ou Lápide vida na direção em que deseja ir.
é talvez evocativo demais de questões relacio- Você já descobriu que um dos seus
nadas à mortalidade – o que não é o ponto aqui principais valores na vida é estar
–, mas é fácil elaborar versões menos evocati- participando na vida e também
vas. Por exemplo, em intervenções no local de ajudando pessoas necessitadas.
trabalho, o funeral pode ser mudado para uma Lembre-se de que o centro do alvo
festa de aposentaria, e o epitáfio na lápide, é chamado de “na mosca”; isso é o
por uma gravação na parte interna de um re- que você quer atingir quando jo-
lógio presenteado. Existem muitas variantes gar os dardos, certo?
desse tema na literatura da ACT.
Cliente: Certo, e isso não acontecia com
muita frequência para mim, mas
Intervenção “Na mosca” era muito legal quando eu conse-
(Bull’s Eye*) guia!
Uma intervenção simples, porém elegante, Terapeuta: E os círculos são concêntricos e
nesse ponto está baseada no exercício Na mos- vão se ampliando, e você recebe
ca, desenvolvido por Tobias Lundgren e cola- menos pontos por acertar o dardo
boradores (2011). A maioria dos membros da nos círculos mais externos, está
nossa cultura está familiarizada com o concei- lembrado? Neste momento, o que
to do ponto central em um alvo, seja jogando eu quero que você faça é pensar
dardos, seja jogando arco e flecha. O objetivo nesse valor que você expressou
desses esportes é acertar o dardo ou a flecha e colocar uma marca nesse alvo
“na mosca”, ou seja, no centro do alvo, onde é que reflita o grau em que você
concedida a maior parte dos pontos. De modo está vivendo seus valores no mo-
geral, são concedidos menos pontos quando o mento atual. Uma marca no cen-
dardo ou a flecha se afasta do centro do alvo. tro significa que você acertou na
O terapeuta desenha rapidamente uma série mosca; você está participando
de 5 a 7 círculos concêntricos em uma folha de na sua vida com a maior inten-
papel e, então, inicia a discussão. sidade possível e está vivendo o
valor de ajudar pessoas neces-
Terapeuta: Então, observe que eu desenhei sitadas. Uma marca afastada do
um alvo nesta folha de papel. centro significa que você pode es-
Você está familiarizado com um tar vivendo seus valores algumas
alvo como este? vezes ou talvez nem um pouco,
Cliente: Sim, eu jogava dardos quando dependendo de onde colocar a
criança, e utilizávamos um alvo sua marca. Então, agora eu que-
parecido com esse. ro que você pense sobre onde se
encontra na sua vida neste exato
momento e coloque uma marca
* N. de R.T.: “Bull’s Eye” é aquele ponto preto no cen- no alvo para mim. [O terapeuta
tro de um alvo para arco e flecha; quando alguém o entrega uma folha de papel ao
acerta, costumamos dizer que acertou “na mosca”. cliente, e este faz uma marca no
248 Hayes, Strosahl & Wilson
A seguir, apresentamos as áreas de vida que são valorizadas por algumas pessoas. Nem to-
das têm os mesmos valores, e esta planilha não é um teste para ver se você tem os valores
“corretos”. Descreva seus valores como se ninguém jamais fosse ler esta planilha. Enquanto
trabalha, pense em cada área em termos dos objetivos concretos que você tem e também
em termos das direções de vida mais gerais. Assim, por exemplo, você pode valorizar o casa-
mento como um objetivo concreto e ser um cônjuge carinhoso como uma direção valorizada.
O primeiro exemplo, casar, é algo que pode ser concluído. O segundo exemplo, ser um côn-
juge carinhoso, não tem fim. Você sempre pode ser um cônjuge mais carinhoso, indepen-
dentemente do quanto já seja. Você também pode trabalhar para ser um cônjuge carinhoso
mesmo que não seja casado ou não esteja em um relacionamento. Por exemplo, pode haver
maneiras de se preparar para que um relacionamento íntimo tenha maior probabilidade de
sucesso ou tenha sucesso. Trabalhe em cada um dos domínios da vida. Alguns deles se so-
brepõem. Você pode ter problemas em separar família de casamento/relações íntimas. Faça
o seu melhor para mantê-los separados. Seu terapeuta lhe dará assistência quando vocês
discutirem a avaliação dos objetivos e valores.
Numere claramente cada seção e as mantenha separadas umas das outras. Você pode
não ter objetivos valorizados em determinadas áreas. Poderá, então, pular essas áreas e dis-
cuti-las diretamente com seu terapeuta. Também é importante anotar o que você valorizaria
se não houvesse obstáculos em seu caminho. Não estamos perguntando o que você acha
que poderia obter realisticamente ou o que você ou outras pessoas acham que você mere-
ce. Queremos saber com o que você se importa, em quais questões gostaria de trabalhar,
na melhor de todas as situações. Enquanto preenche esta folha de trabalho, finja que ocor-
reu uma mágica e que tudo é possível.
Nota: No uso clínico, acrescente espaços abaixo de cada uma destas categorias.
1. Relações familiares (que não sejam casamento ou parentalidade). Nesta seção, des-
creva o tipo de irmão/irmã, filho/filha, pai/mãe que você deseja ser. Descreva as
qualidades que gostaria de ter nesses relacionamentos. Descreva como trataria essas
pessoas se você fosse aquele você ideal nessas várias relações.
2. Casamento/casais/relações íntimas. Nesta seção, faça uma descrição da pessoa que
você gostaria de ser em um relacionamento íntimo. Escreva o tipo de relacionamento
que gostaria de ter. Tente focar no seu papel nessa relação.
3. Parentalidade. Que tipo de pai/mãe você gostaria de ser, tanto agora como no futuro?
4. Amizades/vida social. Nesta seção, escreva o que significa para você ser um bom
amigo. Se pudesse ser o melhor amigo possível, como você se comportaria em rela-
ção aos seus amigos? Tente descrever uma amizade ideal.
(Continua)
FIGURA 11.1 Planilha Avaliação dos Valores.
Terapia de aceitação e compromisso 251
(Continuação)
Casamento/casais/relações íntimas
Parentalidade (maternidade/paternidade)
Amizades/relações sociais
Carreira/emprego
Recreação/diversão
Vida em comunidade
Autocuidados de saúde/físicos
Ambiente/sustentabilidade
Arte/estética
253
FIGURA 11.2 Formulário de Narrativa dos Valores.
254 Hayes, Strosahl & Wilson
A seguir, estão as áreas da vida que são valorizadas por algumas pessoas. Estamos interessados na sua qualidade de vida em cada uma dessas
áreas. Há vários aspectos que lhe pedimos para classificar. Faça a si mesmo as seguintes perguntas quando fizer as avaliações em cada área.
Nem todos irão valorizar todas essas áreas ou valorizá-las da mesma forma. Classifique cada área de acordo com a sua visão pessoal.
Possibilidade: O quanto é possível que alguma coisa muito significativa aconteça nessa área da sua vida? Classifique o quanto você acha que é
possível em uma escala de 1 a 10. 1 significa que não é possível de forma alguma, e 10 significa que é muito possível.
Importância atual: O quanto esta área é importante neste momento na sua vida? Classifique a importância em uma escala de 1 a 10. 1 significa
que não é importante de forma alguma, e 10 significa que é muito importante.
Importância geral: O quanto esta área é importante como um todo? Classifique a importância em uma escala de 1 a 10. 1 significa que não é
importante de forma alguma, e 10 significa que é muito importante.
Ação: O quanto você atuou a serviço desta área durante a semana passada? Classifique seu nível de ação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que
você não foi ativo de forma alguma com este valor, e 10 significa que você foi muito ativo.
Satisfeito com o nível de ação: O quanto você está satisfeito com seu nível de ação nesta área durante a semana passada? Classifique sua
satisfação neste nível de ação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que você não está satisfeito de forma alguma, e 10 significa que você está
plenamente satisfeito com seu nível de ação nesta área.
Preocupação: O quanto você está preocupado com a possibilidade de esta área não progredir como você deseja? Classifique seu nível de
preocupação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que você não está preocupado de forma alguma, e 10 significa que você está muito preocupado.
(Continua)
FIGURA 11.3 Questionário da Vida Valorizada-2. De Mindfulness for Two. Copyright 2009 Kelly G. Wilson e Try DuFrene. Reproduzida com
permissão de New Harbinger Publications, Inc.
(Continuação)
5. Trabalho
6. Educação/treinamento
7. Recreação/diversão
8. Espiritualidade
FIGURA 11.3 Questionário da Vida Valorizada-2. De Mindfulness for Two. Copyright 2009 Kelly G. Wilson e Try DuFrene. Reproduzida com
255
permissão de New Harbinger Publications, Inc.
256 Hayes, Strosahl & Wilson
em apenas uma discussão. É provável que a didos. Com clientes mais disfuncionais, todos
questão da “posse” do valor ressurja constan- os espaços de resposta aos domínios podem
temente. Algumas dessas questões podem ser estar vazios ou conter respostas apenas mui-
mais bem tratadas pedindo-se que o cliente to superficiais. Aqui, o terapeuta precisa dis-
fale sobre o valor enquanto imagina a ausên- cutir pacientemente cada domínio para obter
cia de uma consequência social relevante. respostas do cliente. Com frequência, é útil
Para ilustrar, considere um cliente que voltar ao início da vida do cliente e procurar
endossa o valor de ter bom nível de instru- exemplos de sonhos, desejos ou esperanças
ção. O terapeuta pode perguntar se o nível de que desapareceram devido a eventos negati-
valorização (ou o valor em si) mudaria se ti- vos na vida. Outras vezes, o terapeuta pode ter
vesse que ser feito anonimamente: “Imagine de auxiliar o cliente na identificação de valores
que você tivesse a oportunidade de melhorar ocultos subjacentes aos seus objetivos de vida
a sua formação, mas não pudesse contar a específicos ou, ao contrário, na geração de ob-
ninguém sobre os diplomas que obteve. Você jetivos específicos baseados em valores bem
ainda se dedicaria a atingir esse valor?” ou descritos, mas infundados.
“E se sua mãe e seu pai nunca ficassem saben- Não é incomum que os clientes listem ob-
do que você buscou instrução – isso ainda teria jetivos de vida específicos que não podem ser
valor para você?”. Um rumo diferente também atingidos. Por exemplo, uma mulher pode di-
proporcionaria algum insight das variáveis zer que gostaria de recuperar a custódia de um
de controle. Então, por exemplo, o terapeuta filho que entregou para adoção 10 anos antes.
perguntaria: “E se você tivesse que trabalhar Nesses casos, o terapeuta tenta encontrar o va-
duro por um diploma, e sua mãe e seu pai sou- lor subjacente e os objetivos que poderiam ser
bessem e tivessem orgulho disso, mas, no dia atingidos caso fossem se mover nessa direção.
seguinte, depois de formado, você esquecesse Outra variação desse problema existe quando
tudo o que aprendeu? Você ainda valorizaria o o cliente foca em objetivos de vida inatingíveis
nível de instrução na mesma medida?”. Quan- como evidência de que ocorreu um dano irre-
do o cliente considera várias consequências parável e, no entanto, não há resultados reais
imaginadas, pode ficar decepcionado ao des- significativos disponíveis nesse domínio. Esta
cobrir que a aprovação parental é o “grande última possibilidade é mais difícil de abordar
catalisador”. Nesse caso, “tornar-se instruído” clinicamente porque os valores agora estão
não é exatamente um valor, mas um objetivo sendo empregados a serviço do status quo, en-
a serviço de algum outro valor (i.e., “ser ama- quanto a perspectiva do cliente é a de que não
do e amar aqueles que estão na minha vida”). é possível nenhuma mudança ou apenas uma
Depois que esse valor é clarificado, ele é ano- mudança superficial. Em tais circunstâncias,
tado como um fim desejado. Não é incomum geralmente é útil entrar no momento presen-
que alguns valores mudem de valência no cur- te e fazer o cliente identificar os sentimentos
so da terapia ou mesmo em função da avalia- específicos que aparecem sempre que ele se
ção inicial. depara com esse sentimento de perda perma-
nente. O terapeuta pode pedir que o cliente
Valores ausentes identifique o valor na raiz da dor (p. ex., “Eu
queria ser uma boa mãe e achei que meu ví-
O VLQ-2 pede que o cliente gere respostas que cio em metanfetamina acabaria prejudicando
abrangem muitos domínios de vida separa- minha filha; é por isso que a entreguei para
dos. Com frequência, os clientes podem che- adoção”). Algumas vezes, a fonte da dor é um
gar com formulários mostrando um ou mais valor intimamente cultivado que o cliente per-
domínios deixados em branco ou não respon- seguiu com grande custo pessoal. O terapeu-
Terapia de aceitação e compromisso 257
ta pode ajudar o cliente a “se conectar” com a mínios como sujeitos a valores. Outra variação
expressão desse valor sem necessariamente da fusão de valores inclui apego rígido a um
assumir uma postura de Poliana sobre o que resultado positivo particular ou forte esquiva
aconteceu. de um resultado negativo, provocando a perda
da flexibilidade do cliente para avançar no do-
mínio valorizado.
INTERAÇÕES COM OUTROS Há vezes no trabalho com valores em que
PROCESSOS CENTRAIS a fusão parece funcionar a serviço dos valores.
Essa circunstância pode ser particularmen-
Em muitos protocolos da ACT, o trabalho com te insidiosa, já que a fusão de valores pode,
os valores ocorre tardiamente na intervenção, na verdade, produzir alguns bons resultados
levando alguns a presumir que, depois que o (p. ex., “Se eu for gentil com todos, então to-
trabalho com aceitação e desfusão já foi fei- dos serão gentis comigo, e vou me sentir cui-
to, podemos avançar para os valores sem dar dado”). O problema reside na inflexibilidade e
muita atenção aos processos de mindfulness. na insensibilidade que a fusão produz. A mar-
No entanto, os processos de mindfulness na ca de nível máximo no trabalho com valores
ACT frequentemente removem barreiras ex- é a valorização desfusionada. Um valor po-
perienciais ao trabalho com valores e refor- de ser sustentado com leveza, mas ainda assim
çam o contato com os valores e a habilidade ser buscado vigorosamente. A vantagem do
do cliente de evoluir e agir segundo os padrões valor desfusionado é a de que o cliente é mais
de ação valorizados. capaz de perceber quando o abandono de um
ato valorizado particular é a melhor manei-
Valores e desfusão ra de servir ao mesmo valor em longo prazo.
Algumas vezes, fazer alguma coisa que a prin-
A atenção à desfusão é praticamente críti- cípio é contrária ao valor serve funcionalmente
ca no trabalho com valores. As pessoas com ao valor. Permitir que os filhos cometam alguns
frequência chegam à terapia com histórias erros pode ser difícil para os pais, mas é vital
batidas sobre seus valores. As variantes co- para a experiência de aprendizagem dos filhos.
muns incluem conteúdo fusionado como “O A adesão inflexível a uma regra sobre proteger
mundo não é bem assim” ou “Não importa seus filhos de danos pode levar à superprote-
o que você faça, o mundo vai derrubá-lo” ou ção e sufocar a necessidade das crianças de de-
“Ninguém emprega pessoas na minha idade”. senvolver sua própria autonomia.
Os clientes citam sua própria história de difi- Os terapeutas podem ser tentados a pros-
culdades como evidência de que não há senti- seguir o trabalho com valores como algo que
do em tentar agir de acordo com seus valores, o cliente “deve fazer”, especialmente quando
por exemplo, afligindo-se por conta de que existe uma direção claramente valorizada que
“Meus relacionamentos sempre fracassam” este último gostaria de tomar. Fazer isso pro-
ou “Meus filhos nunca vão me dar outra vavelmente gera ainda mais fusão de valores
chance”. Nós nos referimos a esse conteúdo por parte do cliente. Se os clientes deveriam
negativo como “fusão de valores”. estar dispostos a agir, então esse imperativo
Inflexibilidade é o indicador característico pode se tornar mais uma coisa para eles se
da fusão de valores. Essa inflexibilidade pode autoflagelarem – mais uma evidência de que
assumir várias formas, incluindo inação ape- “Eu sou inadequado”. Em vez de pressionar o
sar de abraçar fortemente certos valores, ne- trabalho com valores, a emergência de persis-
gação de que a pessoa até mesmo tem valores tência inflexível, inação ou confusão de valo-
e/ou completa recusa a considerar certos do- res persistente deveria estimular o terapeuta
258 Hayes, Strosahl & Wilson
a avaliar e tratar o conteúdo fusionado. Nesse uma pessoa em particular por causa da dor que
ponto, o trabalho pode retornar aos valores. surgiria se ele fracassasse em sua expressão
artística. O bloqueio de um escritor frequente-
Valores e self mente compartilha dessa qualidade. Quando
as pessoas passam por um fracasso doloroso
A obstrução mais comum ao trabalho com va- no relacionamento e por um consequente di-
lores no domínio do self é o apego excessivo à vórcio, elas podem evitar situações e ativida-
narrativa do self conceitualizado, como com des que possam levar ao desenvolvimento de
afirmações do tipo: “É tarde demais para mim outra relação íntima. A esquiva produz algum
– já cometi muitos erros que não podem ser re- alívio no curto prazo, mas, com o tempo, deixa
dimidos” ou “Eu tenho alguma falha que torna a pessoa em descompasso com valores sobre
impossível conseguir atingir qualquer coisa intimidade. Como ocorre com a fusão, o mar-
nesse domínio” (p. ex., “Não sou suficiente- cador para essa esquiva é a inflexibilidade do
mente inteligente”, “suficientemente bom”, cliente durante as discussões dessas questões
“suficientemente entusiasmado” ou “suficien- na sessão e a evitação de situações na vida nas
temente agradável”). Algumas vezes, a falha quais poderia agir de forma mais consistente
não é conhecida, mas é afirmada com grande com o valor. Quando o terapeuta vê comporta-
certeza: “Não sei o que há de errado comigo, mentos repetitivos, tais como falsos começos
mas veja a minha vida!”. A emergência de tais repetidos, preocupações e ruminação relacio-
temas deve sugerir que o terapeuta faça um nada à ação sobre um valor, é hora de mudar o
trabalho que envolva fortalecer a consciência foco do trabalho com os valores para um foco
no momento presente do paciente e o self ob- em intervenções orientadas para a aceitação.
servador. Com muita frequência, o apego às Às vezes, um trabalho mesmo breve de aceita-
histórias sobre si mesmo funciona para pro- ção pode liberar o cliente para agir de formas
teger o cliente de se importar com resultados mais consistentes com seus valores.
importantes na vida. As narrativas de “não
tentar”, “propenso ao fracasso” e “veja o que Valores e o momento presente
acontece quando alguma coisa é importante!”
devem abrir espaço para discussões sobre os A incapacidade de avançar em uma direção
sentimentos que surgem nos exatos momen- valorizada frequentemente envolve falhas nos
tos em que as histórias aparecem e a capaci- processos do momento presente. Com clientes
dade de olhar para as histórias sobre si mesmo mais difíceis, conversas sobre direções valori-
como ouvinte, não como participante. zadas se transformam na reintrodução rumi-
nativa de falhas passadas e/ou preocupação
Valores e aceitação obsessiva sobre o caminho a seguir ou sobre
todos os obstáculos potenciais que podem sur-
É comum que os indivíduos evidenciem exem- gir. O pai divorciado pode gastar tanto tempo
plos de esquiva experiencial relacionados a ruminando falhas passadas quanto um pai
valores. Existe uma interação constante en- que perdeu o contato com a simples doçura
tre valores e vulnerabilidades. Quando es- de ser pai. Em tentativas repetidas de refletir
tamos conscientes do que alguém valoriza, sobre o passado e de se afastar de possíveis fu-
sabemos como machucá-lo. Se uma pessoa turos negativos, a pessoa perde oportunidades
valoriza a sua consideração, o desrespeito di- de agir segundo o valor da paternidade no mo-
recionado a ela será doloroso. Essa caracterís- mento presente.
tica da interação perpassa domínios valoriza- Quando o terapeuta nota essas falhas
dos. Um artista pode evitar pintar um tema ou dos processos do momento presente, é hora
Terapia de aceitação e compromisso 259
Cliente: Bem, sim, é claro que é importan- enquanto, você estaria disposto a
te. Não há nada mais importante apenas me ajudar a ter uma ideia
para mim. do que isso significa para você?
Terapeuta: Então, tudo bem? Tudo bem se eu
Algumas vezes, é mais fácil entrar em
fizer algumas perguntas? Prome-
contato com os valores quando a ação de com-
to que vou devagar e deixo a opção
promisso é pelo menos momentaneamente
de parar em aberto a cada etapa.
deixada de lado. Trabalhar dessa maneira
Cliente: Com certeza… Quero dizer, eu te- pode dosar o trabalho de aceitação e des-
nho que enfrentar essa coisa. fusão que, por fim, tornará possível a ação
Terapeuta: Humm. Não sei. Não gosto muito de compromisso. A ACT é, na sua essência,
de “tenho que”. Com certeza não um tratamento comportamental. Seu objetivo
quero ser mais uma pessoa na final é ajudar o cliente a desenvolver e manter
sua vida que se une ao coro e diz o uma trajetória comportamental na vida que
que você tem que fazer. E, quanto a seja vital e valorizada. Todas as técnicas da
isso – porque é evidente para mim ACT estão, em última instância, subordinadas
o quanto isso é importante –, não a ajudar o cliente a viver de acordo com seus
sei se posso realmente entendê- valores escolhidos. Essa afirmação significa
-lo sem ter alguma apreciação da que mesmo intervenções essenciais da ACT
forma como esse valor o move. como desfusão e aceitação são, de certo modo,
Portanto, que tal isto – que tal se, secundárias. Por exemplo, embora a ACT seja
por alguns momentos, deixar- emocionalmente evocativa, ela difere de algu-
mos de perguntar se isso é possí- mas abordagens focadas na emoção na me-
vel ou como fazer isso acontecer. dida em que não há interesse em confrontar
Esta é outra conversa, e podemos experiências privadas dolorosas ou evitadas
ter essa conversa outro dia. Mas pelo seu valor intrínseco. Em vez disso, a acei-
hoje, bem aqui e agora, você esta- tação de pensamentos, lembranças, emoções
ria disposto a apenas me ajudar a e outros eventos privados negativos é legíti-
entender o que significa intimida- ma e louvável somente na medida em que ser-
de para você? Não estou queren- ve aos fins que são valorizados pelo cliente.
do que dê uma explicação. O que Ajudar o cliente a identificar direções de vida
mais me interessa é apreciar do valorizadas (tratadas neste capítulo) e a im-
que entender. É mais como o que plementá-las em face de obstáculos emocio-
você faria com uma pintura do nais (o próximo capítulo) direciona e dignifica
que o que faria com um livro didá- o que a ACT espera dos clientes.
tico. O livro didático é algo no qual
você checa todos os fatos. Com a O QUE FAZER E O QUE
pintura, você apenas a contem-
pla, aprecia, passa algum tempo
NÃO FAZER NA TERAPIA
com ela. Você estaria disposto a Uso coercitivo da escolha
me ajudar a ver um momento de
intimidade que você conheceu ou Existe um lado potencialmente obscuro da
do qual tem saudade? Como eu intimidade terapêutica que se desenvolve
disse, mais tarde podemos falar quando a valorização está em questão. Com
sobre o que fazer e se vai ser feita frequência ela desloca terapeuta e cliente pa-
alguma coisa a respeito. Mas, por ra o domínio dos julgamentos morais. Regras
Terapia de aceitação e compromisso 261
morais são convenções sociais sobre o que é sequências”. Embora essa postura possa ser
bom, enquanto valores são escolhas pessoais tecnicamente correta (é a escolha do cliente,
sobre fins desejáveis. Para que seja o mais e somente ele pode viver as consequências), a
eficaz possível, o terapeuta ACT deve ser ca- atitude psicológica é: “A escolha que você está
paz de trabalhar conscienciosamente com o fazendo aqui, além de me decepcionar, mostra
cliente. Alguns clientes apresentam histórias que você está moralmente errado.
ou problemas atuais que são moralmente re- Decepção e julgamento moral são coisas
pugnantes para o terapeuta, tais como violên- que o terapeuta deve notar e conter com leve-
cia, adição, comportamento suicida repetitivo za. Essas reações constituem dados para o te-
e molestamento infantil, só para citar alguns. rapeuta. É muito provável que o cliente tenha
O trabalho de avaliação dos valores frequen- obtido essa mesma reação de outras pessoas
temente expõe essas áreas; no entanto, o te- e até mesmo pode ter muitas dessas reações
rapeuta em ACT não pode ser atraído para o internamente. Observar de forma gentil es-
papel de “detetive moral”, usando a influência sas reações e indagar sobre elas pode, às ve-
social da terapia para coagir o cliente aberta zes, paradoxalmente ajudar as pessoas a fazer
ou implicitamente a se adequar aos valores contato mais preciso e menos defensivo com
sociais amplamente aceitos. O terapeuta faz o suas próprias escolhas. É importante ter em
mesmo movimento que o cliente é solicitado a mente que, se lições de moral ou julgamen-
fazer, ou seja, ver a valorização como essen- tos mudassem o problema com álcool, haveria
cialmente um exercício pessoal. muito menos alcoolistas neste mundo.
Por exemplo, ao trabalhar com um alcoo- Em raras ocasiões, um cliente pode apre-
lista no modelo da ACT, não existe o pressu- sentar valores que são tão divergentes dos do
posto de que estar intoxicado diariamente terapeuta que uma relação de trabalho colabo-
é incompatível com viver a vida em uma di- rativa não pode ser estabelecida. Nesses casos,
reção valorizada pelo cliente. Uma vez que o terapeuta deve encaminhar o caso para ou-
valores e direção são escolhas do cliente, na tro profissional. Na vasta maioria dos casos,
verdade é um resultado legítimo que o cliente no entanto, os valores do cliente e do terapeu-
escolha abusar do álcool. A linguagem e cul- ta são suficientemente parecidos para que não
tura do “politicamente correto”, é claro, faz se desenvolva uma cisão básica sobre direções
parecer que esta é definitivamente a “escolha de vida valorizadas.
errada” porque os interesses da sociedade não
são atendidos pelo sancionamento do alcoo- Confundir valores com objetivos
lismo. A terapia é uma empreitada verbal e,
portanto, está inextricavelmente entrelaçada Um problema comum no trabalho com valo-
com as funções de controle social. O terapeuta res é a falha do terapeuta em detectar objeti-
deve evitar cair na armadilha de usar a escolha vos que são apresentados como valores pelo
como uma forma de culpar o cliente. cliente. Por exemplo, o cliente pode dizer: “Eu
A linguagem da “livre escolha” é poderosa, quero ser feliz”. Isso parece ser um valor, mas
mas não deve ser usada para coagir o cliente. não é. Ser feliz é algo que você pode ter ou não
Essa coerção costuma ocorrer quando o tera- ter, como um objeto. Um valor é uma direção
peuta assume uma atitude como: “Bem, é cla- – uma qualidade de ação. Por definição, valo-
ro, se você escolher continuar bebendo, esta res não podem ser adquiridos e mantidos em
é uma escolha sua. Você tem que fazer essas um estado estático – eles devem ser vividos.
escolhas. Não posso fazer isso por você. Ape- Quando os objetivos são erroneamente con-
nas lembre que esta é a escolha que você fez fundidos com valores, a incapacidade de atin-
quando chegar a hora de arcar com as con- gir um objetivo aparentemente anula o valor.
262 Hayes, Strosahl & Wilson
Um modo prático de evitar essa confusão é co- seguiria fazer se pudesse evitar a ansiedade?”.
locar uma declaração de objetivo ou valor pro- O cliente pode responder que, então, seria pos-
duzida pelo cliente sob escrutínio: “Isso está a sível viver uma vida mais valorizada. O tera-
serviço do quê?” ou “O que você poderia fazer peuta poderia perguntar: “Se você não estivesse
se isso fosse atingido?”. Muito frequentemen- ansioso, o que estaria fazendo que lhe diria que
te, esse exercício irá revelar o “valor oculto” está vivendo uma vida mais valorizada?”. Evi-
que não foi declarado. tar a ansiedade é um pseudovalor, e muito do
Alguns “valores” são, na verdade, meios impacto da ACT provém simplesmente de or-
para um fim, caso no qual eles não são valo- ganizar isso e avançar diretamente para ações
res de forma alguma. Um modo de pensar nos associadas a valores. Quando os valores im-
valores é como valores como meios versus valores plícitos nas ações atuais se tornam explícitos,
como fins. Valores como meios são coisas que o cliente com frequência os rejeita. Por exem-
são valorizadas porque podem produzir certos plo, o cliente provavelmente não escolheria um
fins. Por exemplo, uma pessoa pode valorizar epitáfio que dissesse “Aqui jaz Fred. Ele passou
ser rica; no entanto, riqueza é valiosa porque sua vida evitando a ansiedade”.
permite que outros valores sejam perseguidos, A sociedade contemporânea está domina-
como segurança para si mesmo e os filhos ou da por um foco em resultados semelhantes a
um desejo de ajudar outras pessoas menos um objeto (i.e., objetivos que são atingidos).
afortunadas. O valor oculto aqui é se importar Na maioria dos casos, na primeira vez que o
consigo mesmo, com a família e com os menos cliente completa esse exercício sobre valores,
afortunados. Outro valor como meio comum é o que ele produz se parece mais com um exer-
a promoção da saúde pessoal. Estar saudável cício de definição de objetivos do que com um
pode parecer melhor do que a sua alternativa, exercício de escolha de direções valorizadas.
mas o real valor na proteção da saúde é que isso A função do terapeuta é detectar essa confusão
nos possibilita fazer coisas que são valorizadas entre processo e resultado e ajudar o cliente a
na vida, tais como viajar, conduzir sua filha conectar objetivos comportamentais específi-
ao altar no casamento dela, passar os “anos cos aos valores.
dourados” com um parceiro de toda a vida,
etc. Valores como fins, em contrapartida, são Ordem do trabalho com valores
resultados na vida que são valorizados por si
só, mesmo que também possam desencadear Já enfatizamos repetidamente que a ordem na
outros resultados valorizados. Por exemplo, qual os processos centrais da ACT são tratados
podemos valorizar a paternidade/maternida- neste livro não tem nenhuma relação com sua
de, e isso pode produzir reconhecimento pes- ordem de aparecimento na terapia, e o traba-
soal e reconhecimento dos pares. No entanto, lho com valores é um excelente estudo de caso
é improvável que deixássemos de valorizar a dessa questão. Alguns terapeutas em ACT
paternidade/maternidade se o reconhecimen- gostam de usar o trabalho com valores duran-
to social não estivesse disponível. Compare te as sessões iniciais da terapia. A justificativa
isso com o dinheiro como valor. Se o dinheiro para essa abordagem é que colocar os clientes
parasse de produzir bens materiais – digamos, “em contato” com seus valores, assim como
devido à completa desvalorização de uma moe- com o custo do comportamento inflexível em
da –, ganhar dinheiro deixaria de ser um valor. relação aos resultados de vida valorizados,
A esquiva experiencial é um bom exem- é uma boa maneira de motivá-los a permane-
plo. A relação entre meios e fins é revelada se cer em terapia e fazer mudanças. Alguns pro-
o terapeuta pergunta: “A evitação da ansiedade blemas clínicos complexos (i.e., adição crô-
estaria a serviço do quê?” ou “O que você con- nica a drogas ou álcool) são bons candidatos
Terapia de aceitação e compromisso 263
para essa abordagem, especialmente quando sobre as diferenças culturais e ouvir os clientes
a questão principal é manter o cliente envolvi- de forma cuidadosa. Valores fazem parte da
do na terapia. Existem versões “mais suaves” socialização, e as culturas diferem quanto aos
de uma abordagem completa de construção de valores que encorajam. Em especial se valores
valores, em que a sessão inicial envolve uma específicos forem característicos de culturas
conversa sobre os desejos de vida do cliente e diferentes da do terapeuta, pode ser impor-
o impacto que o “comportamento-problema” tante consultar outras pessoas familiarizadas
teve sobre esses desejos. Na prática, existe com esse grupo social para evitar a comunica-
uma dinâmica fluida constante entre os pro- ção de que certas escolhas não são realmente
cessos centrais, de modo que as discussões valores apenas porque são diferentes.
iniciais dos valores podem imediatamente dar
lugar a uma intervenção de momento presen-
te (p. ex., “O que apareceu para você quando LENDO OS SINAIS
conversamos sobre seus princípios de vida DE PROGRESSO
e como eles foram afetados pela sua depres-
são?”). A “arte” da ACT (se é que existe) é a ha- O progresso no trabalho com valores é sinali-
bilidade de se movimentar harmoniosamente zado quando o cliente e o terapeuta têm um
entre os processos centrais em resposta ao que conjunto de direções de vida motivadoras do
está acontecendo com o cliente na sessão. comportamento mutuamente combinadas que
Em geral, desencorajamos a adoção de são acompanhadas por objetivos de vida e es-
uma abordagem do tipo “universal” para o tratégias de ação específicas de prazo imediato
posicionamento de algum processo da ACT. e intermediário. Além disso, o cliente deve indi-
Não é necessário que todo o curso de terapia car uma disponibilidade para formar um plano
comece pelo trabalho com valores. Não existe de ação que incorpore esses valores e objetivos.
mágica no trabalho com valores em si mesmo. Nesse ponto, torna-se claro que o cliente está
O que importa é como ele está vinculado e as- em busca de crenças pessoais intimamente
sociado aos outros processos centrais. Exis- cultivadas e não está simplesmente “inalando”
tem muitas situações clínicas nas quais a ade- os costumes e as crenças do meio social circun-
são rígida à condução do trabalho inicial com dante sem assumir responsabilidade social pe-
valores pode, na verdade, ser contraprodu- las escolhas de valores. O trabalho com valores
cente, como com um cliente multiproblemas geralmente (mas nem sempre) está conectado
com falhas nos processos relacionados ao self à ação de compromisso no sentido de que o
e comportamento de esquiva de risco muito objetivo final da ACT é ajudar o cliente a vi-
alto (p. ex., autolesão, comportamento suici- ver uma vida consistente com os valores. Para
da). O trabalho inicial com valores com um usar uma metáfora como orientação, a avalia-
paciente como esse pode produzir maior au- ção dos valores é mais sobre a apreciação cuida-
toaversão e o sentimento de ser criticado e re- dosa do mapa e também do terreno circundante.
jeitado pelo terapeuta por falhar em viver de É como seguir o rumo de uma bússola. O tra-
acordo com os valores identificados. balho com a ação de compromisso, por sua vez,
é concebido para identificar e realizar ações
Insensibilidade cultural específicas que movem uma pessoa em uma
direção valorizada, objetivos específicos que
O trabalho com valores bem feito é inerente- dizem se o movimento ocorreu verdadeiramen-
mente adaptado culturalmente, uma vez que te e, por fim, as barreiras potenciais à ação que
o cliente define a intenção e é o especialista fi- surgem quando se inicia a jornada real. Agora,
nal. Dito isso, os terapeutas precisam aprender examinaremos essas questões.
12
Ação de compromisso
[ao reservar passagem para Mumbai:] Em relação a todos os atos de iniciativa (e criação), existe
uma verdade elementar cuja ignorância destrói incontáveis ideias e planos esplêndidos: a de que no
momento em que definitivamente nos comprometemos, a providência também entra em ação. Toda
uma sequência de eventos decorre da decisão, suscitando a nosso favor toda a espécie de casos fortuitos,
encontros e assistência material, os quais nenhum homem poderia ter sonhado que ocorreriam assim.
Aprendi a ter profundo respeito por uma das máximas de Goethe: “Qualquer coisa que você possa fazer
ou sonhar, você pode começar. A ousadia tem genialidade, poder e magia em si!”.
MURRAY (1951)
ma: “Você pode se comprometer a realizar valores são advérbios porque uma qualida-
esse comportamento a partir deste momento de da ação serve como reforçador intrínseco.
até quando nos encontrarmos novamente?”. “Comportar-se amorosamente” pode ser um
O cliente diz: “Sim, vou firmar esse compro- valor, por exemplo. “Ter alguém que me ame”
misso”. Embora uma afirmação como essa é mais um objetivo do que um valor.
faça parte de um compromisso, ela não é a Compromisso, conforme é usado na ACT,
parte mais importante. De fato, na realidade, também envolve um processo de construção
compromisso não é absolutamente sobre o deliberada de padrões de comportamento ca-
futuro. É sobre realizar uma ação específica da vez mais amplos. Assim, na ACT, ação de
in situ, um ato situado no contexto de forças ex- compromisso é uma ação baseada em valores que
ternas e internas. Se uma pessoa chega a uma ocorre em um momento particular no tempo e
bifurcação na estrada, ocorre compromisso no que está deliberadamente ligada à criação de
exato momento em que ela dá um passo em um padrão de ação que serve ao valor. Manter
uma das duas direções. A pessoa está dizen- um compromisso significa comportar-se, mo-
do: “Vou por este caminho em vez daquele”. mento a momento, de modo consistente com
Cada passo dado na direção “deste caminho” os valores como parte de um padrão de ação
faz parte do compromisso de ir “por este cami- ampliado e em constante expansão.
nho em vez daquele”. Na citação de abertura do Ações de compromisso não são o mesmo
capítulo, Murray faz essa declaração logo após que promessas, previsões ou descrições histó-
reservar uma passagem para Mumbai, onde ricas. Embora se estendam até o futuro, elas
sua viagem para escalar o Himalaia vai co- ocorrem no aqui e agora. Essa qualidade de
meçar. A escalada dessas montanhas começa um presente estendido é atribuída às caracterís-
na reserva dessa passagem. Este é o primeiro ticas funcionais e não puramente superficiais
passo que diz: “Estou escalando”. Ele não está das ações de compromisso. Uma pessoa pode
mais planejando escalar; ele está escalando. permanecer casada por décadas e nunca se
comprometer com um casamento amoroso;
Definindo compromisso na ACT em contrapartida, uma pessoa pode ser com-
prometida com um casamento amoroso, mas
Em um sentido importante, compromisso faz se divorciar posteriormente. O compromisso
parte da expressão dos valores pessoais. O que depende da fonte do reforçamento no presen-
seria um valor se não houvesse uma atitude te, associado a escolhas particulares.
tomada em seu nome? Ação de compromisso As ações de compromisso nunca são per-
consiste de atos particulares em momentos feitas e nunca são constantes. E, no entanto,
particulares, enquanto um valor envolve qua- no exato momento em que vemos uma diver-
lidades livremente escolhidas e verbalmente gência entre as ações e um valor, e escolhemos
construídas de ação contínua. Ações baseadas novamente agir para incorporar e cultivar esse
em valores são aquelas que são deliberada- valor, a própria ação é uma ação de compro-
mente concebidas para incorporar um valor misso.
particular e são intrinsecamente reforçadas. As ações de compromisso podem envolver
Por exemplo, se uma pessoa finge amor por atividade mental inteiramente privada. Um
outra unicamente na esperança de receber exemplo é o compromisso de Victor Frankl,
um presente, a ação provavelmente não será em um campo de concentração, de amar e se
amor em nenhum sentido funcional porque preocupar com sua esposa – mesmo que não
ela é reforçada (quando muito) por dinheiro, tivesse absolutamente nenhum controle sobre
não apenas por sinais de que existe interesse qualquer comportamento que pudesse comu-
por uma pessoa amada. Em certo sentido, os nicar diretamente amor e carinho por ela.
266 Hayes, Strosahl & Wilson
uma direção particular porque você es- mente vai lhe dizer que ‘você deveria ter
colhe fazer isso. Para fazer isso, você tem plantado em outro lugar’, ‘isso provavel-
que estar em um lugar em que as peças mente nunca vai funcionar’, ‘foi burrice
possam acompanhá-lo. Elas não estão no sua achar que poderia cultivar alguma coi-
comando. Portanto, estar disposto a ‘ter o sa aqui’, etc. A escolha de plantar aqui lhe
que você tem’ é o que torna possível a esco- permite regar, arrancar e capinar mesmo
lha da ação. Dentro da metáfora do Tabu- quando surgem esses pensamentos e senti-
leiro de Xadrez, a direção tomada é o valor, mentos. Você está construindo um padrão
enquanto a escolha de se mover nessa di- mais amplo. Você não está apenas aguan-
reção de uma forma comportamental faz do – você está regando a sua horta. Não está
parte da ação de compromisso.” apenas cavando, está cavando a sua horta.”
A metáfora da Jardinagem também pode Essa metáfora também é útil para guiar
ser usada para enfatizar como a escolha per- os clientes na direção de ações mais compro-
mite que mantenhamos um curso fixo em face metidas. Por exemplo, se um cliente valoriza
de um feedback difícil, provocativo ou confuso. uma relação conjugal mais amorosa, essa me-
táfora pode encorajá-lo a ser mais ativo nessa
“Imagine que você escolheu um local pa- área. Trazer café para o seu cônjuge pode, em
ra fazer uma horta. Você trabalhou o solo, certos aspectos, ser como capinar – mas não
plantou as sementes e esperou que elas é o café em si que é importante. É a ligação
brotassem. Nesse meio tempo, começou com o relacionamento mais amplo – isto é,
a notar um local do outro lado da rua que o casamento ou a horta – que dá um sentido a
também parecia ser bom – talvez ainda esses momentos individuais de ação e lhes dá
melhor. Então, você arrancou seus vege- o poder de conduzir a padrões mais amplos de
tais, atravessou a rua e fez outra horta ali. comportamentos baseados em valores.
Depois disso, notou outro local que pare-
cia ser ainda melhor. Os valores são como Objetivos são o processo
o lugar onde você faz a sua horta. Você por meio do qual o processo
pode cultivar algumas coisas muito rapi- se transforma em objetivos
damente, mas algumas coisas requerem
tempo e dedicação. Portanto, a questão é: Um dos motivos pelos quais os clientes ficam
‘Você quer ter sua subsistência baseada em travados é porque eles acreditam que atingir
alface ou quer viver de alguma coisa mais objetivos é o segredo para a felicidade e sua
substancial – batatas, beterrabas ou coisa satisfação com a vida. Eles tentam obter o
semelhante?’. Você não consegue desco- que desejam para serem felizes. Essa manei-
brir como as coisas funcionam em hortas ra de viver é, em certos aspectos, opressiva
quando tem que erguer estacas repetida- porque está funcionalmente conectada a um
mente. Agora, é claro, se ficar no mesmo estado de privação. Tentar ser feliz atingindo
lugar, você vai começar a notar suas im- objetivos é viver em um mundo onde o que
perfeições. Talvez o solo não esteja tão ni- é importante está constantemente ausen-
velado quanto parecia quando você come- te, presente apenas na esperança de que irá
çou ou a água tenha que ser transportada chegar algum dia. A coisa de que você mais
por uma longa distância. Algumas coisas precisa (i.e., ter o que você deseja) de forma
que você planta podem dar a impressão constante nunca está presente. Embora esse
de que demoram a vida toda para brotar. sentimento de privação possa criar motiva-
Em momentos como esses é que a sua ção e ação direcionada, ele extrai qualquer
268 Hayes, Strosahl & Wilson
o percurso. De fato, essa preocupação com o nado momento a partir do nível do chão –
monitoramento do resultado inevitavelmente é o segredo do progresso. Veríamos que
diminui a vitalidade. Se ficarmos atentos para seguir essa trilha maluca e sinuosa é exa-
ver o quanto somos felizes na vida, ficaremos tamente o que leva até o topo.”
muito infelizes. Na verdade, algumas vezes
temos que manter a fé mesmo quando uma Desenvolvendo objetivos e
direção valorizada segue por caminhos ines-
ações baseados em valores
perados. A metáfora da Subida da Montanha
pode ser empregada para ajudar o cliente a en- Depois de realizar e concluir a construção e o
tender os riscos do monitoramento constante processo de clarificação de valores (descrito
do progresso imediato rumo a objetivos con- no capítulo anterior), o cliente é solicitado a
cretos em vez de conectar-se com a valoriza- desenvolver objetivos e especificar ações que
ção como um processo. Mais do que isso, essa possam ser tomadas para atingir esses obje-
metáfora mostra que mesmo fases dolorosas tivos. Inevitavelmente, surgirão barreiras à
ou traumáticas na vida podem ser integra- ação de compromisso, as quais deverão rece-
das a um caminho positivo em geral se apren- ber atenção. Esse trabalho com os objetivos,
dermos com elas. as ações e as barreiras à ação se apoia nos
fundamentos dos valores do cliente. Este é o
“Suponha que estejamos fazendo uma ca- aspecto mais aplicado da abordagem da ACT e
minhada nas montanhas. Você sabe como também o mais crítico porque a ACT é princi-
eles abrem as trilhas nas montanhas, es- palmente sobre agir sobre e no mundo.
pecialmente se as encostas são íngremes. Um objetivo é definido como uma con-
Elas serpenteiam para frente e para trás; quista específica perseguida a serviço de um
com frequência têm zigue-zagues onde valor particular. Por exemplo, se o cliente va-
você literalmente cai abaixo de um ní- loriza a contribuição para a sociedade, pode-
vel que já havia atingido anteriormente. mos perguntar acerca das formas específicas
Se eu lhe pedisse, em determinado ponto como esse valor poderia ser posto em ação
da trilha, para avaliar o quão bem você – digamos, envolvendo-se em uma obra de
está atingindo seu objetivo de chegar ao caridade local ou sendo voluntário em algum
topo da montanha, ouviria uma história lugar. O cliente, então, define ações que pro-
diferente a cada vez. Se você estivesse no vavelmente atingiriam o objetivo. O cliente
modo serpentear, provavelmente me diria pode decidir ligar para a Cruz Vermelha, doar
que as coisas não estavam indo bem, que dinheiro à United Way ou ser voluntário em
você nunca iria atingir o topo. Se você esti- um restaurante popular local. O terapeuta e o
vesse em um trecho de território aberto de cliente tentam gerar ações que possam assu-
onde pudesse ver o topo da montanha e o mir a forma de tarefa de casa. Em alguns ca-
caminho que conduz até lá, provavelmente sos, estas podem envolver exemplos únicos;
me diria que as coisas estavam indo muito outras vezes, podem envolver um compromis-
bem. Agora imagine que estamos do outro so com atos repetidos e regulares. Os objetivos
lado do vale com binóculos olhando para e ações típicos podem incluir:
as pessoas que caminham por essa tri-
lha. Se nos perguntassem como elas esta- 1. Carreira: investigar o reingresso na es-
vam se saindo, provavelmente teríamos cola, candidatar-se a um novo empre-
um relato de progresso positivo a cada vez. go, pedir um aumento, conversar com
Conseguiríamos ver que a direção geral da um consultor de carreiras, fazer bem o
trilha – não a sua aparência em determi- seu trabalho.
270 Hayes, Strosahl & Wilson
Parentalidade (maternidade ou
paternidade)
Amigos/relações sociais
Trabalho
Educação e treinamento
Recreação/diversão
Vida em comunidade
271
FIGURA 12.1 Formulário de Objetivos, Ações e Barreiras.
272 Hayes, Strosahl & Wilson
contrar e que podem impedir a ação. Em ge- lho irá naturalmente envolver movimentar-se
ral, as barreiras funcionam como obstáculos entre o trabalho com valores e compromisso
porque desencadeiam eventos privados es- e o trabalho em outros processos do hexaflex
tressantes indesejados. As barreiras podem – self-como-perspectiva, desfusão, aceitação e
envolver reações psicológicas negativas ou processos do momento presente. Comprome-
pressão de fontes externas. O cliente que con- ter-se ativa os aspectos problemáticos desses
sidera demitir-se de um emprego insatisfató- outros processos, os quais são, então, revisi-
rio provavelmente terá pensamentos como: tados a serviço da manutenção desses com-
“Você está cometendo um grande erro. E se promissos. Conforme as barreiras vão sendo
não encontrar seu emprego dos sonhos – o que identificadas e discutidas, o terapeuta ajuda o
vai fazer?”. Nesse pensamento relativamente cliente a considerar o seguinte:
simples, estão contidos exemplos potenciais
de fusão, falha nos processos do momento 1. Que tipo de barreira é esta? Os eventos
presente e esquiva. Além disso, podem surgir privados negativos ou as consequên-
emoções antecipatórias negativas como medo, cias externas estão em conflito com
ansiedade ou vergonha. Barreiras externas algum outro valor? Existem problemas
que desencadeiam pliance ou counterpliance com pliance ou counterpliance?
também podem se apresentar. O cônjuge do 2. Esta barreira é algo para o qual vo-
cliente pode discordar da decisão, pode se in- cê poderia abrir espaço e continuar
comodar pelas restrições posteriores no esti- agindo?
lo de vida quando a situação financeira ficar 3. Que aspectos desta barreira são mais
mais limitada ou pode acusar o cliente de ser capazes de reduzir a sua disponibili-
“egoísta” e não se sacrificar. dade para se abrir para a barreira sem
Essas barreiras externas podem levar a defesa?
eventos privados ainda mais negativos e 4. Alguma destas barreiras é apenas ou-
a mais esquiva. O cliente também pode aca- tra forma de esquiva experiencial?
bar percebendo que a busca de um curso de
ação valorizado (p. ex., esforçar-se por uma Abertura para as barreiras e
vida profissional mais satisfatória e desa- barreiras para a abertura
fiadora) colide com outro curso valorizado
(p. ex., construir intimidade nas relações A abertura ou disponibilidade (willingness) foi
principais). A questão é que o engajamento abordada anteriormente (no Capítulo 10) no
em ação valorizada sempre estimula conteúdo contexto dos processos de aceitação. Com o tra-
psicológico de uma forma ou de outra. Parti- balho com compromisso, é hora de reintroduzir
cularmente quando esse conteúdo é negativo, a disponibilidade por um novo ângulo. A ênfase
ele pode funcionar como uma barreira à ação. no Capítulo 10 foi em ajudar o cliente a se abrir
Nossos clientes não ficam emperrados na vida para estados internos difíceis. No contexto do
simplesmente por acaso, mas porque evitam compromisso, disponibilidade é a escolha de
ter atitudes valiosas como um meio de evi- agir de forma baseada em valores, ao mesmo
tar barreiras emocionais dolorosas. Se o traba- tempo com a plena consciência de que fazer
lho prévio com ACT foi bem-sucedido, o clien- isso desencadeia conteúdo temido. Ela pode ser
te está pronto para reconhecer as barreiras revelada no paciente com sintomas de pânico
pelo que elas realmente são, não pelo que elas que, apesar disso, escolhe entrar no shopping
anunciam que são. center, muito consciente de que ansiedade e
O cliente consegue identificar as barreiras medo estão à sua espera. É revelada no cônjuge
à ação valiosa em cada domínio? Esse traba- infeliz que se senta com o parceiro de uma vida
Terapia de aceitação e compromisso 273
para discutir problemas básicos no casamento, de, dentro de você, mas parecem estar do
sabendo que existe a possibilidade de rejeição lado de fora. Por exemplo, a bolha menor
do outro. Por que alguém voluntariamente evo- pode dizer: ‘Você não pode se comprometer
caria do ambiente conteúdo pessoal doloroso com este caminho porque no passado você
como este? A resposta é que ninguém faria isso falhou em manter seus compromissos’.
– a não ser que servisse a um propósito de vida ‘Disponibilidade’ não é um sentimento ou
mais abrangente. Disponibilidade – a ação – um pensamento – é uma ação que respon-
é dignificada pela presença de valores e torna de à pergunta que a barreira faz: ‘Você me
possível a incorporação desses valores. aceita dentro de si por opção ou não?’. Para
Uma das principais barreiras aos com- assumir uma direção valorizada e criar um
promissos é o medo de falhar em mantê-los, padrão comportamental, você precisa res-
combinado com a fusão com uma história de ponder ‘Sim’, mas apenas você pode escolher
que falhas passadas em compromissos signi- essa resposta. Por exemplo, você consegue
ficam que o compromisso futuro é impossível. ter o medo de falhar em seus compromis-
De fato, a dor de não nos comprometermos sos e assumir o compromisso?”
com o que nos importamos é um aliado pode-
roso da dor de falhas passadas – mas somente O terapeuta ACT entrelaça esses tópicos,
se essas duas fontes de dor puderem ser assi- unindo-os para se adequarem à situação do
miladas e aprimoradas por meio da desfusão, cliente: disponibilidade, escolha, valorização,
da aceitação e da disponibilidade comporta- ações e barreiras. Viver uma vida poderosa e
mental. vital, na verdade, não é possível sem a disponi-
A metáfora da Bolha no Caminho expressa a bilidade para transpor as barreiras, um conjun-
ligação entre abertura e a habilidade de tomar to de direções valorizadas que torna intencio-
uma direção valorizada. nal o manejo dessas barreiras e uma escolha de
agir em face de consequências imprevisíveis.
“Imagine que você seja como uma bolha de O trabalho com compromisso destaca a
sabão. Você já viu como grandes bolhas qualidade iterativa da ACT. Ação de com-
de sabão podem colidir com bolhas me- promisso é como descascar uma cebola. Se
nores, e as pequenas são absorvidas pela você retira uma camada de uma cebola,
maior? Bem, imagine que você seja uma o que encontra é outra camada. É tentador
bolha de sabão como esta e que esteja indo ver a ação de compromisso como uma fór-
por um caminho que escolheu. De repen- mula simples: valor construído → ação de
te, outra bolha aparece à sua frente e diz: compromisso. Se ser um cônjuge amoroso
‘Pare!’. Você fica ali parado por alguns se- emerge como um valor-chave do cliente, isso
gundos. Quando você se movimenta para implica uma série de ações de compromisso.
contornar, passar por cima ou por baixo da No entanto, a ação de compromisso contínua
bolha, ela se move rapidamente para blo- provavelmente também revela outras formas
quear seu caminho. Agora você tem apenas como o valor pode ser vivido. Desse modo,
duas opções. Você pode parar de se movi- a ação de compromisso repercute nos valo-
mentar na sua direção valorizada ou pode res, fazendo o cliente elaborar mais o que
colidir com a outra bolha de sabão e seguir significa ser um cônjuge amoroso. A elabo-
em frente com ela dentro de você. Esse se- ração, por sua vez, pode gerar novas ações
gundo movimento é o que entendemos por de compromisso. De forma similar, todos os
‘disponibilidade’. As suas barreiras são, processos da ACT influenciam uns aos ou-
em grande parte, sentimentos, pensamen- tros. Um valor elaborado pode colocar uma
tos, lembranças, etc. Elas estão, na verda- pessoa em contato psicológico com falhas
274 Hayes, Strosahl & Wilson
praticar desfusão e ver os pensamentos pelo Terapeuta: E você me disse que seus filhos
que eles são. Permanecer em uma situação do- significam tudo para você! Que,
lorosa pode ser feito com o olhar voltado para se não fosse por eles, você mencio-
os valores pessoais e empreendendo ações nou que poderia ter dado um fim
consistentes com esses valores. Padrões que a tudo muito tempo atrás quan-
enfatizam ações ainda mais flexíveis podem do sua ansiedade tirou o melhor
ser adquiridos como parte de um compromis- de você. Assim, eu posso ver que
so formal. O segredo é que a exposição na ACT você tem esse belo valor de querer
não é sobre redução de sintomas. É sobre esti- o melhor para seus filhos e que de-
mular a flexibilidade psicológica na presença seja encontrar uma forma de viver
de estímulos previamente restritivos do reper- a vida ao máximo. Lamentavel-
tório a serviço de fazer o que precisa ser feito. mente, a Senhora Ansiedade está
Um de nós (KDS) trabalhou com uma mu- lhe dizendo o que você pode e não
lher casada de 38 anos, mãe de três filhos, que pode fazer, em vez de permitir que
havia experimentado ansiedade crônica e de- seus valores tenham voz.
bilitante por mais de uma década. Seu medo Cliente: Exatamente, na verdade eu não
da ansiedade, a preocupação com ela e a es- havia pensado nisso desse modo,
quiva de situações que poderiam produzi-la mas é exatamente o que aconte-
causaram estragos em sua vida. A conversa a ceu. A minha ansiedade está fa-
seguir ocorreu na entrevista inicial. zendo a escolha por mim.
Terapeuta: Deixe-me ver se eu entendi direi- Terapeuta: E o resultado é que você percebe
to. A sua postura quanto à ansie- que está decepcionando seus fi-
dade é que você não vai tolerá-la, lhos. Você está vivendo o oposto
estará em alerta o tempo todo e do que acredita. Se pudéssemos
vai evitar fazer qualquer coisa apenas pensar pequeno aqui, que
que possa desencadeá-la – está atitude você poderia tomar que lhe
correto? diria que você está começando a
ser a mãe e amiga que deseja ser?
Cliente: É mais ou menos isso. Parece meio
Não precisamos ser grandiosos e
esquisito e deprimente, não é?
mudar tudo de uma vez, apenas
Terapeuta: Acho que a parte depressiva tem alguma coisa pequena; algo que
a ver com todas as atividades que diria que você está retomando o
você quer fazer com seus filhos e caminho. É claro que, para dar
eles lhe pedem para fazer – mas mesmo esse pequeno passo, você
que você não faz. Você passa por terá que desobedecer à Senhora
cima delas porque pode ficar an- Ansiedade. Qualquer coisa que
siosa caso saísse com as crianças. você escolher vai expô-la a al-
Cliente: Eu sinto que estou falhando com gum nível de ansiedade; você vai
eles como mãe. Posso ver o quan- ficar ansiosa, pode até ficar muito
to ficam desapontados quando ansiosa e, nesse exato momento,
lhes digo que não vou a um cine- terá que escolher o que quer que a
ma, não vou ao parque com eles, sua vida seja – ser a mãe que você
não vou levá-los ao shopping cen- sempre sonhou em ser ou tentar
ter. Eu peço que o pai deles faça viver sem ansiedade. Qual das di-
todas essas coisas. reções você quer tomar?
276 Hayes, Strosahl & Wilson
Cliente: Fico apavorada de me ouvir dizer um ato de compromisso. De fato, cada passo
isto... mas quero ser Mãe! Meu que a cliente dá, embora pequeno, pode ser
filho mais moço adora futebol, um ato de compromisso a serviço dos seus va-
e não deixei que ele se inscreves- lores. É necessária muita coragem para con-
se em um time porque levá-lo de frontar os próprios medos e se manter focada
carro até o treino vai me deixar no que importa.
muito ansiosa. Eu detesto diri- Essa cliente retornou para uma sessão de
gir; geralmente preciso que o meu acompanhamento em duas semanas. Trouxe
marido esteja no carro se estou consigo uma folha de papel. Cada linha em
indo a algum lugar. um dos lados do papel estava preenchida
Terapeuta: Então imagine que você está di- com uma atividade em que ela havia se en-
rigindo o carro apenas com seu gajado durante as duas semanas anteriores,
filho. O que vai surgir? muitas das quais não aconteciam havia anos!
Cliente: Posso sentir meu coração baten- Ao lado de cada atividade, ela fez uma classi-
do mais rápido; esse é o primeiro ficação do seu nível de ansiedade enquanto a
sinal que eu tenho quando a an- realizava. Os escores de ansiedade variavam
siedade chega. de 5 a 10, com muitas classificações 8 ou 9.
Entretanto, os escores de ansiedade não ha-
Terapeuta: O que mais?
viam declinado durante o período de duas
Cliente: Sinto falta de ar e uma dor no semanas com alguma regularidade, apesar
peito. Começo a me sentir tonta. das inúmeras exposições. A conversa a seguir
Fico preocupada com não conse- abordou esse fato.
guir dirigir direito, então talvez
eu deva estacionar. Sinto enjoo, Terapeuta: Observei que você fez todas essas
quero voltar para casa para poder atividades e que a sua ansiedade
estar segura. Sinto como se esti- muitas vezes estava muito alta.
vesse em perigo! Como você a afastou?
Terapeuta: Eu quero apenas que você se sente Cliente: Eu me senti realmente bem em
em silêncio e fique com tudo isso. fazer essas coisas. Fez com que
Não se mova; apenas deixe que eu me sentisse saudável por den-
isso a envolva sem fazer nada. tro – como se estivesse vivendo
Cliente: Isso é muito desconfortável. de novo! A ansiedade é muito,
muito desconfortável, e eu odeio
Terapeuta: Sim, é. Eu sei que é! Você conse-
isso! Mas isto é o que eu quero na
gue se imaginar tendo toda essa
minha vida: quero ser presente
coisa surgindo e então continuar
dirigindo o carro até o local de para meus filhos e meu marido,
inscrição para o futebol? Essa via- não uma pessoa presa em casa
gem não é sobre ansiedade e o que que tem medo da própria sombra.
fazer com ela; é sobre ser a mãe Espero que a ansiedade vá embo-
que você quer ser, mesmo que isso ra em algum momento – isso seria
signifique estar ansiosa. ótimo. Mas vou fazer essas coisas
de qualquer forma, independen-
Essa vinheta mostra como a ACT pode re- temente de como me sinto! Já de-
formular o trabalho de exposição em termos cidi levar meu marido ao cinema
da adequação com os padrões de vida valori- no nosso aniversário de casamen-
zados. Cada exercício de exposição é, em si, to no mês que vem. Nunca mais
Terapia de aceitação e compromisso 277
fomos ao cinema desde que nos Terapeuta: De certa forma, é como se você ti-
conhecemos 12 anos atrás! vesse que fazer isso?
Cliente: Ela vai embora se eu não fizer.
Farmacoterapia Terapeuta: Bem, isso me preocupa um pou-
co. Quero dizer, há duas formas
Mesmo algumas abordagens de farmacotera-
como isso poderia acontecer. To-
pia podem ser definidas no contexto dos va-
das as manhãs, você pode se sen-
lores e compromisso. A ACT é frequentemen-
tar à mesa do café, ela estaria lá,
te considerada como contrária a medicações,
e você estaria dizendo a si mes-
mas medicações baseadas em boa ciência com
mo: “Que droga. Por que eu tenho
controles apropriados podem ser um aliado
que fazer isso? Ela está me ob-
importante. A ACT tem utilizado ensaios con-
servando como se eu fosse uma
trolados randomizados para auxiliar os profis-
criança pequena ou algo pare-
sionais a terem uma postura mais aberta para
cido”. E, muito provavelmente,
usar o que a boa ciência informa na área da
ela perceberia isso e ficaria fu-
farmacoterapia para uso de substâncias (Varra
riosa. Mais ou menos assim: “Ei,
et al., 2008). A mesma mensagem se aplica aos
isso não é minha culpa! Não me
clientes. Por exemplo, Antabuse monitorado
acuse!”. E, mesmo que nada dis-
pode ser efetivo na manutenção da abstinência
so seja dito, acaba cavando um
de álcool, mas costuma ser vivenciado pelos
abismo entre vocês.
clientes como humilhante. Em um caso tra-
tado por um de nós (KGW), foi adotada uma Cliente: Bem, para mim não tem proble-
abordagem baseada em valores e compromis- ma fazer isso. Quero dizer, eu não
so. O cliente tinha uma longa história de reca- confio em mim!
ídas com episódios perigosos e destrutivos de Terapeuta: Está vendo? Isso é exatamente o
consumo de álcool. No esforço para salvar seu que estou querendo dizer. Agora
casamento, o marido alcoólico concordou em o Antabuse está cavando um abis-
tomar Antabuse todos os dias, com a adesão mo entre você e você. Eis outra
sendo monitorada pela sua esposa. A conversa ideia. Veja se lhe serve. Lembra
clínica a seguir abordou seu sentimento de hu- quando você e Sue se casaram?
milhação por todo o processo. Pare por apenas um minuto,
mantenha os olhos fechados e
Cliente: Eu disse a Sue que tomaria Anta- veja se consegue imaginá-la na-
buse todos os dias e que ela pode- quele dia.
ria me vigiar quanto a isso.
Cliente: Com certeza. Aquele foi um dia
Terapeuta: E ela disse que daria outra chance incrível! Assustador e feliz, e não
ao casamento se você fizesse isso? sei como expressar o que signifi-
Cliente: Sim. cou para mim.
Terapeuta: Como você está se sentindo a res- Terapeuta: Bem, mas você se expressou na-
peito, Tim? quele dia, não foi? Você ficou de
Cliente: Bem, esta era a única alternativa pé na frente de todas aquelas pes-
para que ela ficasse. Sem isso, ela soas, na frente de Sue. E olhou nos
disse que não poderia dar outra olhos dela e disse: “Aceito”. Lem-
chance. Você sabe, com as crian- bra?
ças e tudo o mais. Cliente: Claro.
278 Hayes, Strosahl & Wilson
Terapeuta: Vou lhe pedir que faça isso, Tim. isso seja um tipo de reafirmação
Você se importaria de apenas parar daqueles votos que você fez?
por um segundo e fechar os olhos,
acomodar-se na sua cadeira, re- No modelo da ACT, mesmo os tratamentos
servar um momento e se permitir compulsórios, incluindo terapia e/ou medi-
notar a suave inspiração e expira- cações – sejam eles ordenados judicialmente,
ção a cada respiração? (Faz uma sejam eles requisitados pela saúde ou requisi-
pausa de cerca de 30 segundos com tados pelo cônjuge –, podem ser estabelecidos
uma breve orientação para que ob- no contexto de um valor intimamente cultiva-
serve a respiração.) Tim, quero que do, com acompanhamento direto emoldurado
veja se consegue imaginar você e como uma ação de compromisso.
Sue no altar. Veja se consegue se
lembrar de olhar nos olhos dela. Treinamento de habilidades
(Faz uma pausa suficientemente lon-
ga para permitir que o cliente visua- O treinamento de habilidades sempre foi um
lize.) Você consegue vê-la, Tim? pilar da terapia comportamental e também é
Demore-se mais um momento um componente importante da ACT. Afirma-
com aqueles olhos com os quais ríamos, sem sermos pedantes, que todas as
você olhou para ela tantos anos terapias cognitivas e comportamentais são,
atrás. Simplesmente permita-se na verdade, formas de treinamento de habili-
embriagar-se com isso por apenas dades. Desafiar um pensamento distorcido em
um momento. (Pausa) Você ficou determinada situação é uma habilidade; mu-
ali, de pé, e assumiu um com- dar a conversa interna quando ansioso é uma
promisso de ser Tim, o marido habilidade; aprender a manter contato visual
dela. Veja se consegue ouvir suas e sorrir ao conhecer uma nova pessoa são habi-
próprias palavras, “Aceito”. Ago- lidades; mindfulness e consciência do momen-
ra, respire e deixe que seus olhos to presente são habilidades; tomar perspectiva
se abram suavemente, Tim. Você é uma habilidade. Esse quadro interpretativo é
conseguiu ver aquele momento que dá ao behaviorismo sua vantagem distinta
(dito suave e lentamente)? sobre outras abordagens. Os problemas não se
Cliente: Sim, eu pude vê-la. Eu estava bem originam de forças invisíveis como conflitos
ali. inconscientes – eles se originam de déficits nas
habilidades.
Terapeuta: Para sempre, certo? Você sabe...
Praticamente qualquer treinamento de
“Na riqueza e na pobreza, na saú-
habilidades pode ser estabelecido no contex-
de e na doença”.
to de valores e feito atentamente como uma
Cliente: Sim. ação de compromisso. Cada ação, momento a
Terapeuta: E quanto a isso, Tim? E se a cada momento quando avançamos no treinamento
manhã você se sentasse à mesa do de habilidades, pode servir como comprome-
café com Sue, reservasse um mo- timento e renovação do compromisso com
mento para olhar nos olhos dela os valores maiores do cliente fornecidos pelo
e dissesse uma vez mais “Acei- treinamento. A estranheza que sentimos e a
to”. E então, tomaria seus medi- conversa interna que enfrentamos quando
camentos. Existe uma maneira, aprendemos novas habilidades se tornam o
Tim, de, a cada vez que você to- foco de aceitação e desfusão, o que deve for-
mar seus remédios, permitir que talecer a aprendizagem e o emprego das habi-
Terapia de aceitação e compromisso 279
lidades (para evidências positivas sobre esse que está em um emprego sem futuro, mas que
ponto, veja Varra et al., 2008). tem medo de fracassar, pode ser convidado a
Esses componentes não precisam aumen- procurar cursos on-line ou aconselhamento
tar significativamente o tempo necessário pa- vocacional em uma faculdade comunitária
ra executar o treinamento das habilidades: em local. Cada passo pode ser explicitamente exe-
vez disso, o treinamento de habilidades pode cutado como um compromisso com a amplia-
simplesmente ser feito dentro de um espa- ção da ação valorizada.
ço da ACT, o que pode até mesmo aumentar
a eficiência do trabalho com as habilidades. Manejo de contingências
Por exemplo, ao fazer o treinamento de habi-
lidades sociais, um momento consciente abor- Estratégias de manejo de contingências são
dando o valor oferecido, um sincero “Sim, eu frequentemente usadas em uma variedade de
aceito esta tarefa a serviço dos meus valores”, contextos de tratamento, em que os pacien-
dito com sinceridade e focado no momento tes costumam ganhar privilégios ou outros
presente, pode alterar a relação do cliente com prêmios por atingirem certos objetivos do
o treinamento e tornar mais provável que este tratamento. Sistemas de níveis, economia de
realmente tenha um impacto significativo no fichas, vouchers para amostras de urina limpa
comportamento futuro. e doses de metadona para levar para casa são
bons exemplos disso. Essas estratégias po-
Tarefa de casa dem parecer estar em desacordo com a ACT,
já que os membros da equipe costumam estar
A tarefa de casa é um componente tradicional em uma posição de ditar o comportamento e
da terapia comportamental com benefícios de fornecer reforço para o desempenho apro-
conhecidos. As habilidades ensinadas durante priado. No entanto, essa inconformidade só se
as sessões de terapia precisam ser integradas torna um problema sério quando os membros
ao contexto da vida do cliente. Sem alguma da equipe estão sobrecarregados e as medidas
forma de prática entre as sessões, não há ra- de manejo de contingências se tornam puniti-
zão para acreditar que esse tipo de integração vas. Associar o manejo de contingências dire-
vá ocorrer naturalmente. A tarefa de casa, tamente aos valores dos pacientes pode enco-
segundo uma perspectiva da ACT, é usada rajar, em vez de substituir, a autorregulação,
para ativar obstáculos e barreiras de modo além de proporcionar alguma proteção para
que o cliente possa aprender as habilidades não cair em um uso punitivo de uma estraté-
necessárias para persistir diante de barreiras gia de tratamento efetiva. Embora possa exigir
na situação natural. O terapeuta ACT cria ta- um pouco mais de esforço, o tratamento tem
refas para fazer em casa em colaboração com maior probabilidade de sucesso quando as
o cliente que estão explicitamente ligadas aos contingências externas e os valores livremente
valores deste, e a realização da tarefa consti- escolhidos podem ser alinhados.
tui a ação de compromisso a serviço desses
valores. Com um cliente deprimido, podemos Estratégias de controle
fazer o planejamento do evento valorizado de de estímulos
uma forma que lembra a terapia de ativação
comportamental. Com um cliente socialmen- Existem muitas estratégias de controle de
te ansioso, podemos lhe perguntar sobre um estímulos que são inteiramente sensíveis e
lugar a ser visitado que provocaria ansiedade úteis dentro de um enquadramento da ACT.
e que serviria como um passo comprometido Por exemplo, se uma pessoa que está sendo
na direção que ele deseja tomar. Um indivíduo tratada para obesidade esvazia a sua casa das
280 Hayes, Strosahl & Wilson
más escolhas alimentares, isso pode ser feito não é incomum que terapeutas ACT usem um
como autopunição ou pode ser feito de forma curso de ativação comportamental antes de
consciente, intencional e como um passo em iniciarem uma intervenção ACT mais extensa.
uma direção valorizada. Esvaziar a casa não é Esta breve visão geral não faz justiça a
feito “para que eu não possa comer alimentos quão plenamente podemos integrar uma
nocivos”, mas para que “eu crie um ambiente abordagem ACT aos métodos comportamen-
saudável onde viver”. A prevenção de recaída tais. Essa empreitada não é possível em um
se baseia muito em estratégias de controle de único volume. O modelo de flexibilidade psi-
estímulos. Aprender a reconhecer os sinais cológica tem tal amplitude (e, além disso, os
de risco de consumo excessivo de álcool e pro- passos comportamentais variam por área) que
videnciar o afastamento das situações que explicar integralmente como integrar esses
produzem esses sinais pode parecer esquiva. métodos equivale a explicar integralmente a
No entanto, essa linha de pensamento não psicologia aplicada segundo uma perspectiva
precisa apenas constituir esquiva. Um clien- comportamental contextual. O ponto central
te alcoólico que decide pela abstinência pode aqui é que ACT mais métodos comportamen-
abdicar de passar um tempo em bares. Uma tais não são uma “adição” à ACT. Em vez dis-
pessoa que quisesse moderar seu consumo so, a ACT é projetada como um contexto para o
de álcool poderia parar de passar as noites de uso de métodos comportamentais. Em outras
sexta-feira com amigos que gostam de beber. palavras, o desenvolvimento da flexibilidade
Tais ações, no entanto, não precisam ser vistas psicológica é apropriadamente o foco de como
como meramente evitativas. Não há nada na fazer terapia comportamental e cognitiva.
ACT que diga que as pessoas precisam passar
suas vidas enfrentando e aceitando experiên-
cias difíceis. Além disso, não há nenhuma vir- INTERAÇÃO COM OUTROS
tude particular em provocar o destino. Quando PROCESSOS CENTRAIS
a ação valorizada coloca o cliente no caminho
do perigo, a ação de compromisso apropriada Compromisso e fusão
é notar o conteúdo temido pelo que ele é, acei-
tá-lo momento a momento e comportar-se A fusão é seguramente um dos principais obs-
de acordo com os próprios valores. Uma ação táculos à ação de compromisso. Existem inú-
de compromisso igualmente apropriada é meras variantes, incluindo a fusão com “ra-
organizar o ambiente para que o conteúdo zões” como a base da ação de compromisso.
temido não seja desencadeado mais do que o Se uma ação está baseada em razões, e as razões
necessário, ou procurar novas atividades que mudam, então a própria decisão logicamente
sirvam melhor aos valores e aos objetivos da precisa ser alterada. Em um sentido mais pro-
pessoa. fundo, essa possível eventualidade significa
que os compromissos são mais bem feitos como
Ativação comportamental escolhas do que com base na tomada de decisão
racional. As razões com frequência apontam
O método comportamental mais fácil de se para coisas que uma pessoa não pode contro-
integrar à ACT é a ativação comportamental, lar diretamente. Assim, o seu nível de compro-
porque todo o lado direito do hexaflex é sobre metimento pode oscilar à medida que muda o
ele. Os métodos modernos de ativação com- número e a relevância das razões. Se os com-
portamental (p. ex., Dimidjian et al., 2006) promissos devem ser nossos, não do mundo,
são 100% compatíveis com a ACT, e, devido queremos localizar a fonte do compromisso em
à sua relativa simplicidade e apoio empírico, uma esfera que seja do nosso controle.
Terapia de aceitação e compromisso 281
mar – diferentes padrões valorizados. A cons- estivesse em um carro que estivesse indo
trução dos valores e a vivência dos compro- na direção oeste para São Francisco, e sua
missos se alimentam mutuamente, gerando a mente estivesse lhe dizendo que o carro vai
expectativa da criação de um círculo virtuoso. ter uma pane, que a estrada estará fechada
mais adiante ou que você vai pegar no sono
na direção e se envolver em um acidente,
O QUE FAZER E O QUE você continuaria a dirigir para o oeste? Se
NÃO FAZER NA TERAPIA o oeste é para onde você quer ir, embarque
no carro e comece a dirigir!”
Mesmo na recaída,
os valores são permanentes Isso não significa que os valores não po-
(até que deixam de ser) dem mudar. Os valores são uma escolha,
e escolhas podem mudar e mudam – mas elas
Não é raro que um cliente perca o foco em mudam pela escolha explícita da pessoa, não
um compromisso e então caia no derrotis- meramente avaliando que pode ter ocorrido
mo, como se isso de alguma forma implicasse uma recaída temporária!
que ele tem valores inadequados. Quando os
clientes apresentam esse fenômeno na tera- O cliente, não o terapeuta,
pia, a pergunta que o terapeuta faz é: “Qual detém a ação de compromisso
dos seus valores mudou durante essa recaí-
da?”. É importante fazer o cliente responder a O trabalho com compromisso envolve pedir
essa pergunta de forma específica. Em geral, que o cliente se engaje em comportamentos
nenhum dos seus valores mudou. Os valores que potencialmente podem alterar sua vida.
básicos são mais frequentemente refinados Portanto, é importante assegurar-se de que
do que mudados. A confiança do cliente na o cliente conhece plenamente a ampla gama
aquisição de padrões valorizados, no entanto, de consequências potenciais das ações valo-
pode mudar muito. O cliente indubitavelmen- rizadas. O problema potencial aqui é que a
te está lutando com pensamentos problemá- intenção pessoal do terapeuta para o clien-
ticos (“Sou um fracasso, eu deveria desistir”), te pode estar indevidamente influenciando
sentimentos (vergonha, raiva) e lembranças as escolhas do cliente. O cliente, buscando
(fracassos passados como este), e a pergunta a aprovação do terapeuta, compra as ações
mais importante se torna: “Então, e agora?”. sem avaliar a gravidade dessas ações. O tera-
O terapeuta ACT pode dizer alguma coisa peuta ACT precisa monitorar cuidadosamen-
como: te essa injeção dos seus próprios valores e se
proteger contra ela. Às vezes, é importante
“A não ser que os valores tenham mudado, perguntar: “Se eu parasse de trabalhar com
a resposta à pergunta ‘E agora?’ é a mes- você amanhã por alguma razão estranha, e
ma que a resposta a ‘E antes?’. Se você ti- outro terapeuta estivesse sentado aqui com
vesse que se mover na direção que valoriza você, você estaria mantendo essas ações com
neste momento – exatamente neste mo- 100% de certeza? Existem outras ações sobre
mento, aqui na terapia –, o que faria? Se as quais você teria menos certeza?”. O tera-
você está comprometido em seguir para o peuta precisa ter clareza absoluta de que o
oeste e descobrir que tomou o rumo erra- que apareceu são os valores e os objetivos do
do e voltou 10 milhas, existe alguma coisa cliente. Se houver qualquer dúvida, esta é a
que o impeça de dar a volta no carro e mais hora de voltar ao processo de escolha dos va-
uma vez dirigir-se para o oeste? Se você lores mais uma vez.
284 Hayes, Strosahl & Wilson
Não fazer nada também venções nos valores, e ela pode se apresen-
é uma escolha tar de inúmeras maneiras. Quando a ação de
compromisso estava ausente e onde houve
Uma armadilha potencial que frequentemente impacto social substancial, os clientes podem
envolve o terapeuta é a tendência a conside- ser propensos a considerar os atos de compro-
rar a mudança no comportamento do cliente misso como “ter que”: “Eu tenho que fazer isso
como uma exigência para que a terapia seja pelos meus filhos [ou cônjuge]” é um tema co-
considerada um “sucesso”. Quando o com- mum, como também é “Eu devo fazer alguma
promisso do cliente é revogado ou o cliente coisa pelos meus filhos por causa de todos os
retorna a antigos comportamentos de esquiva, erros que cometi”. Esse tipo de “motivação”
o terapeuta começa a pressioná-lo a seguir em provavelmente irá se romper rapidamente de-
frente com os objetivos e ações. Isso é seme- pois que significativas barreiras à ação forem
lhante à prática parental comum de apenas encontradas. Uma estratégia excelente, como
mudar o volume, não a mensagem: se a crian- ocorre com pliance de qualquer tipo, é relacio-
ça não se comporta quando você fala com su- nar o compromisso com os valores do cliente
avidade, então diga em voz alta. Embora essa e então perguntar: “Se você nunca cometesse
abordagem possa funcionar para umas pou- um erro como pai – isto é, se você fosse abso-
cas crianças (muito poucas!), ela certamen- lutamente o melhor pai que já existiu na face
te não funciona muito bem com os clientes. da terra –, essa ação seria alguma coisa que
Em outras palavras, quanto mais o terapeuta você ainda valorizaria?”.
pressiona o cliente (atos de não aceitação por
parte do terapeuta), em geral mais resistente Enfrentando a turbulência
este se torna. Na pior das hipóteses, esse pro- emocional
cesso pode evoluir para o confronto mútuo,
interpretações de “resistência” e até mesmo É praticamente certo que assumir compro-
o término precipitado por parte do cliente. missos evoca muitos pensamentos, emoções
É importante que o terapeuta perceba que, in- e lembranças assustadores. Esses estados psi-
dependentemente do quão cuidadosamente o cológicos difíceis frequentemente nos retiram
terreno é preparado para que o cliente escolha do momento presente, são experimentados
ações valorizadas, esta é uma escolha que so- como coisas a serem evitadas e nos fazem
mente o cliente pode fazer. Optar por não le- perder o contato com aquele senso de self que
var adiante um plano é uma escolha legítima transcende o conteúdo.
– contanto que seja realmente uma escolha. Com frequência, quanto mais importante
A maneira mais gentil e honesta de trabalhar é a ação segundo um ponto de vista dos va-
com um cliente em tais circunstâncias é va- lores, mais estressantes e indesejadas são as
lidar completamente o cliente e o dilema que experiências privadas que aparecem. Em pon-
ele está enfrentando. O terapeuta pode dizer: tos de escolha fundamentais, uma boa ideia é
“Se essa fosse a minha vida, e eu estivesse deixar o processo da ação de compromisso em
vendo as consequências que você está vendo, “pausa” e simplesmente deixar que o cliente
posso muito bem me imaginar escolhendo não faça contato com os aspectos bons e maus do
seguir adiante”. processo de comprometimento. Investigue se
os valores do cliente mudaram ou são experi-
Pliance sorrateira mentados de forma diferente. Use estratégias
de desfusão e aceitação para ajudar o cliente a
Pliance é sempre um risco no trabalho com lidar com essa tempestade emocional de for-
compromisso, assim como é com as inter- ma cuidadosa, ao mesmo tempo em que nota
Terapia de aceitação e compromisso 285
os pensamentos como pensamentos, as lem- sobre os temores de que não sejam. Clientes
branças como lembranças e as emoções como que estão mais avançados apresentarão maior
emoções. fluidez e flexibilidade em sua capacidade de
gerar pequenos e grandes exemplos de atos
de compromisso e na sua habilidade de aceitar
LENDO OS SINAIS emoções, lembranças e pensamentos doloro-
DE PROGRESSO sos que emergem quando é feito o trabalho
com o compromisso. Essa ladainha inclui os
No início da terapia, as discussões sobre processos dolorosos de não conseguir man-
compromisso podem resultar em altos níveis ter os compromissos, aprender com essa dor
de fusão e esquiva. Essas discussões tipica- e retornar vitalizado ao processo de assumir e
mente irão apresentar marcadores de fusão manter os compromissos necessários. Por
e esquiva como tenho que, não posso, sempre e fim, os sinais de progresso no compromisso
nunca. Os clientes também podem produzir ficarão aparentes nos padrões em constante
muitos eu não sei e outras disfluências quan- expansão da ação de compromisso na vida do
do solicitados a gerar possíveis atos de com- cliente e na sua flexibilidade para lidar com
promisso. O foco pode ser nas previsões so- implicações emocionais e cognitivas desse
bre se os compromissos serão mantidos ou padrão em constante expansão.
PARTE IV
Construindo uma
abordagem científica
progressiva
13
Ciência comportamental
contextual e o futuro da ACT
Com o tempo, teorias científicas acabam dei- longo prazo demanda mais. Ele demanda uma
xando por desejar. Até agora, sem exceções, estratégia que possa funcionar.
não temos motivos para acreditar que a fle- A comunidade da ACT acredita que tem
xibilidade como um modelo psicológico ou a essa estratégia, a qual denominamos de uma
ACT como um método, como são entendidas abordagem de ciência comportamental contex-
atualmente, acabarão escapando das cinzas tual (CBS). De fato, a comunidade da ACT
da história. A questão não é criar um monu- é realmente a comunidade da CBS. Este é o
mento teórico ou clínico para a imortalidade, nome da sua sociedade internacional (Asso-
mas criar progresso em nosso conhecimen- ciação para a Ciência Comportamental Con-
to científico do comportamento humano em textual, ou ACBS; www.contextalpsychology.org)
múltiplos domínios. e a essência do trabalho. Sem os pesquisado-
Neste livro, apresentamos um conjunto de res da RFT, o trabalho integrado dos filósofos
métodos, um modelo, um conjunto de princí- contextuais, evolucionistas, disseminadores,
pios e uma filosofia que acreditamos que seja estrategistas de pesquisa, construtores da co-
progressiva. Isso é muito, mas, para aqueles munidade e os clínicos, a ACT não é nada além
com o olhar voltado para o horizonte, não de uma tecnologia interessante que gradual-
deve ser suficiente. Precisamos de uma sólida mente será assimilada às mesmas tendências
estratégia de desenvolvimento se o objetivo às quais o campo está sujeito há décadas.
for criar uma psicologia abrangente mais à A ciência aplicada não pode ser desenvol-
altura do extraordinário desafio da condição vida com sucesso unicamente com base em
humana. Em outras palavras, precisamos dados e, mais especialmente, em dados sobre
de uma forma de descartar as atuais meias- técnicas aplicadas a síndromes ou transtor-
-verdades úteis e gerar ideias melhores e, en- nos. Ela não pode ser construída pela teoriza-
tão, descartar essas ideias trocando-as por ção vaga reforçada por belas imagens do cére-
outras ainda melhores. O objetivo é construir bro. Não pode ser construída sem a criação de
uma sequência de desenvolvimento positivo. uma psicologia forte e eficaz.
Isso é difícil de fazer na ciência aplicada. O so- A interessante conclusão a que a comu-
frimento está presente agora, e a necessidade nidade da CBS chegou foi: ciência e aplica-
é urgente – sem um plano, os clínicos e tam- ção comportamental são um coletivo. Os
bém os pesquisadores geralmente irão lançar psicólogos aplicados e básicos estão juntos
mão do que estiver disponível. Esse impulso no mesmo barco; praticantes e pesquisado-
é compreensível, porém o progresso de mais res estão no mesmo barco; os cientistas tra-
Terapia de aceitação e compromisso 289
locados no começo do programa de pesquisa. Considere, por exemplo, a ideia de que pensa-
Pragmaticamente falando, os métodos pre- mentos e sentimentos não são causas de ação.
cisam ser avaliados em termos da sua habili- Os contextualistas encaram as causas como
dade para atingir os resultados mudando as um modo de falar sobre como atingir os fins –
práticas em contextos do mundo real. De nada elas não existem como entidades distintas in-
adianta para a humanidade criar uma inter- dependentes do contexto. Basicamente, cada
venção equivalente a uma limusine folheada “causa” deve presumir um contexto em que se
a ouro que não pode ser dirigida nas vias não dá uma relação. Um vazamento de gás pode
pavimentadas dos nossos sistemas de presta- “causar” a explosão do aquecedor de água no
ção de tratamento subfinanciados e com ex- porão, mas ninguém irá mencionar a presen-
cesso de trabalho. ça necessária de oxigênio – isso é presumi-
do. Quando soldamos metal combustível no
9. Criar uma comunidade de desenvolvimento
vácuo, você pode dizer que “a perda de vácuo
aberta, diversificada e não hierárquica. O pro- causou a explosão”, mas ninguém irá men-
jeto ousado da CBS requer que uma comuni- cionar a faísca da solda – mais uma vez, isso
dade inteira o adote, e o modelo de flexibi- é presumido. Uma explosão requer combus-
lidade psicológica tem sido usado para sugerir tível, oxigênio, calor e uma fonte de ignição,
como isso pode ser feito. Ao estender o modelo mas nenhum deles individualmente é a causa
ao trabalho organizacional, a comunidade da da explosão; em vez disso, todos eles juntos
CBS cresceu enormemente nos últimos anos. são uma explosão.
De forma muito semelhante, os teóricos
Neste capítulo, examinaremos brevemen- da ACT rejeitam a ideia de que pensamentos
te cada uma dessas etapas fundamentais para e sentimentos causam ações porque tal ideia
avaliar o grau em que está sendo obtido pro- presume um contexto em que se dão essas re-
gresso. lações, e, até que o contexto seja especificado,
o objetivo de previsão e influência do compor-
Explicar os pressupostos tamento não podem ser obtidos. Depois de
filosóficos e analíticos especificado, o próprio fato de que isso se dá
somente em um contexto particular mostra
No Capítulo 2, dedicamos algum tempo a que pensamentos, sentimentos e ações são va-
questões relacionadas à filosofia da ciência e riáveis dependentes, e não características con-
à natureza do contextualismo funcional, um textuais mutáveis que poderiam ser variáveis
tipo de pragmatismo psicológico que amplia “independentes”. A causação mental é, assim,
o “behaviorismo radical” de Skinner (Hayes, vista como inerentemente incompleta até que
Hayes, & Reese, 1988). Definimos a unida- sejam especificadas as variáveis contextuais
de central do contextualismo como a ação que em princípio permitiriam que o objeti-
no contexto e seu critério de verdade como vo de “influenciar” fosse atingido (Biglan &
“funcionamento bem-sucedido”; então, ainda Hayes, 1996). Os teóricos da ACT estão inte-
distinguimos o contextualismo funcional pelo ressados no contexto histórico e situacional
seu objetivo, ou seja, previsão e influência que dá origem aos pensamentos e à sua relação
– com precisão, escopo e profundidade – de mútua com as emoções e ações. A parte em itálico
todos os organismos que interagem em e com na sentença anterior é o que é mais frequen-
um contexto considerado histórica e situacio- temente omitido nos modelos tradicionais e é
nalmente (Hayes, 1993). um foco clínico essencial da ACT.
Cada aspecto da ACT, da RFT e da CBS de No entanto, cabe um alerta sobre os pres-
modo geral é afetado por esses pressupostos. supostos. É enorme a tentação de usar a fi-
Terapia de aceitação e compromisso 291
losofia para atacar aqueles que estão fora Os críticos da ACT com frequência per-
do nosso campo filosófico (p. ex., contextua- dem de vista a sua própria psicologia, e, em
listas torcendo o nariz para realistas elemen- consequência, suas críticas podem ser dog-
tais). Essa tendência é uma forma especial- máticas. Quase sempre, os realistas elemen-
mente deliciosa de atividade inútil. Se você tais defendem a verdade da sua posição, não
critica os pressupostos e os valores do seu ad- conseguindo ver os próprios pressupostos
versário intelectual, você faz isso em virtude que lhes permitem argumentar dessa ma-
da análise baseada em seus próprios pressu- neira. Críticas à ACT baseadas nessas dife-
postos e valores ocultos. Este é o equivalente renças filosóficas frequentemente alimentam
adulto da zombaria infantil “nah, nah, nah, debates tangenciais e inúteis. Por exemplo,
naaah, nah”. Essa zombaria pode ser muito perde-se tempo discutindo se pensamentos
divertida, mas é desonesta. são comportamento (uma questão mera-
Por definição, os pressupostos não são mente de definição) ou se pensamentos cau-
os resultados da análise – eles possibilitam a sam ações (idem – isso depende do que você
análise. Com efeito, não podemos dizer ho- entende por causa e do papel que o termo e
nestamente: “Meus pressupostos e valores o conceito desempenham filosoficamente).
satisfazem os meus padrões melhor do que Uma crítica inesperada desse tipo (conside-
seus pressupostos e valores satisfazem os rando-se o tempo que foi empregado pela co-
meus padrões; portanto, meus pressupostos munidade da CBS construindo um programa
e valores são melhores”. Tudo o que podemos experimental em cognição) é a ideia de que
dizer honestamente é que “estes são os meus a ACT de alguma forma questiona se existe
pressupostos. Descritivamente (não avaliati- cognição ou se ela é importante, em vez de
vamente), isso é o que acontece quando você meramente partir de uma posição de realista
tem estes em vez daqueles”. Da mesma forma, elemental. Esses tipos de conversas são con-
quando são encontrados pressupostos alter- traproducentes porque escondem a questão
nativos, as diferenças podem ser apontadas real, isto é, os pressupostos.
não avaliativamente ou podemos temporaria- Há outra razão para especificar os pres-
mente aceitar os pressupostos do outro para supostos: isso ajuda a construir pontes com
ver se eles estão sendo aplicados de forma amigos que falam de formas diferentes ou
consistente ou para ver que consequência eles que abordam os fenômenos em outros níveis
têm em relação aos seus próprios propósitos. de análise (p. ex., biológico, sociológico, an-
Todo o resto é dogmatismo. tropológico), mas compartilham os pressu-
Para ser honesto, Skinner era dogmático postos fundamentais. Como já mencionamos
assim, argumentando que os propósitos da extensivamente, a CBS compartilha os pres-
ciência eram a previsão e o controle (Skin- supostos de formas abrangentes da ciência
ner, 1953, p. 35) em vez de simplesmente evolucionária. Na verdade, podemos pensar
afirmar que estes eram os objetivos dele como no contextualismo funcional meramente
cientista. James era dogmático da mesma como uma forma de lidar com a filosofia da
forma, defendendo, por exemplo, a utilidade ciência baseada nos princípios da variação
da experiência religiosa, mas sem ligar essa e da retenção seletiva. Assim como na pró-
avaliação a objetivos a priori. Os pressupos- pria evolução, funcionamento bem-sucedido
tos do contextualismo funcional não são cer- é o resultado que importa, e todos os outros
tos, verdadeiros ou corretos. Eles são apenas conceitos e termos estão subordinados; en-
“onde nos posicionamos”. Queremos dizer tretanto, diferentemente dos processos for-
quais são eles e assumir a responsabilidade tuitos da evolução, podemos associar o fun-
por eles. cionamento bem-sucedido aos critérios que
292 Hayes, Strosahl & Wilson
selecionamos, seja uma questão científica ou é verbal, pelo menos até certo ponto. O res-
uma questão clínica. Este livro não é o lugar ponder relacional derivado modifica o modo
para esclarecer essas ideias inteiramente, como outros processos de aprendizagem
mas nós as ampliaremos até certo ponto nas geral operam e, assim, amplia o foco quan-
próximas seções. do analisamos o comportamento humano.
Se olhamos para uma árvore e vemos uma
Desenvolver uma Á-R-V-O-R-E, uma “planta” que “faz fotos-
síntese” e tem “estruturas celulares” particu-
descrição básica com lares, etc., então a árvore está funcionando
princípios contextuais como um estímulo verbal para o observador.
organizados em teorias É difícil para os humanos evitarem a natu-
reza derivada das funções de estímulos em
Muito tempo foi empregado no desenvolvi-
seu mundo porque mesmo estímulos “não
mento da RFT devido a um compromisso com
verbais” rapidamente se tornam em parte ver-
a ideia de que eram necessários princípios fo- bais quando entram em molduras relacionais.
cados em características contextuais mutáveis Muito do que conhecemos, nós “conhecemos”
(i.e., na história e na situação) para que fosse apenas verbalmente.
possível entender a cognição humana. A RFT A palavra conhecer, em inglês, tem uma
defende que o responder relacional derivado etimologia interessante. Ela provém de duas
emerge da combinação de uma capacidade raízes latinas bem distintas: gnoscere, que sig-
geneticamente evoluída e uma história de nifica “conhecer pelos sentidos”, e scire, que
reforçamento por uma comunidade social. significa “conhecer pela mente”. Na concep-
Essa forma inteiramente evolucionária de ção humana habitual, conhecer pela mente
analisar a linguagem e a cognição humanas (conhecer as coisas conscientemente) é fami-
está baseada unicamente na variação e na se- liar e seguro. Os processos inconscientes não
leção nos níveis filogenético e ontogênico. verbais é que parecem estranhos e difíceis de
A RFT é uma teoria, mas não é hipotético- entender. Em uma perspectiva CBS, é o con-
-dedutiva. É uma teoria analítica/abstrativa, trário. Conhecer pela experiência direta, ou o
um tipo de superconjunto de análises funcio- comportamento modelado pelas contingên-
nais. Um evento verbal é simplesmente um cias, é algo que os psicólogos entendem mui-
evento que tem suas funções psicológicas por- to bem. O conhecimento verbal, ou “conhecer
que participa de uma moldura relacional, uma pela mente”, é difícil de entender.
unidade de resposta aprendida. Essa defini- A teoria das molduras relacionais vê o co-
ção elegantemente simples coloca em ordem nhecimento verbal como o resultado de redes
a linha de clivagem entre os eventos verbais de relações de estímulos derivadas altamente
e não verbais. Por exemplo, as regras verbais elaboradas e interconectadas. É isso que as
são “verbais” porque seus efeitos dependem “mentes” contêm. Essas respostas relacionais
de que seus elementos estejam em molduras possibilitam formas de atividade que não po-
relacionais. Gestos, sinais e imagens são “ver- deriam ocorrer de outra maneira, mas que,
bais” se seus efeitos dependerem da sua par- quando não são restringidas pelo contexto,
ticipação em molduras relacionais, mas são estão na raiz do sofrimento humano.
“não verbais” se este não for o caso. “Mentes” Informados pela unidade de análise em
humanas são um modo de falar sobre nosso RFT, os métodos da ACT enfatizam a altera-
repertório de enquadramento relacional. ção das funções da linguagem pela mudança
A parte complicada é que, assim definida, do seu contexto. A comunidade social/verbal
a maior parte do comportamento humano denominada “psicoterapia” funciona em parte
Terapia de aceitação e compromisso 293
porque pode estabelecer novos contextos em Uma perspectiva da CBS encara a lingua-
que as relações cognitivas existentes têm uma gem humana como resultado de processos
função diferente. de seleção filogenética e ontogenética, cada
O tópico da CBS e da evolução é suficien- um visto puramente em termos selecionistas.
temente importante para uma breve discussão A RFT proporciona uma abordagem plausível
de como o esforço para desenvolver a RFT se do processo geral no nível ontogenético den-
encaixa na história da psicologia comporta- tro do qual processos mais especializados po-
mental e nas perspectivas biológicas. Na dé- dem se encaixar. Afinal, apesar do cinismo da
cada de 1970, a teoria da aprendizagem do psicologia evolucionária sobre os processos
processo geral tornou-se impopular, em parte, gerais, também deve ser lembrado que a pró-
por não ter conseguido negociar a questão de pria evolução é uma descrição desse tipo.
como a seleção ontogenética pode ser encai- A utilidade da aprendizagem relacional de-
xada dentro da evolução genética. Um bom rivada confere vantagens adaptativas no con-
exemplo é Seligman (1970), que, com base texto de uma espécie cooperativa, mas, neste
em questões como a aversão a gostos (Garcia, livro, defendemos que os processos de fusão
Ervin, & Koelling, 1966), sugeriu a irrelevân- e esquiva experiencial foram excessivamente
cia das explicações do processo geral: “Temos apoiados, provocando a restrição do repertó-
razões para suspeitar de que as leis de apren- rio e critérios de seleção inapropriados. Assim,
dizagem descobertas com o uso da pressão à o objetivo da ACT é induzir variação saudável e
barra e da salivação podem não se sustentar” flexibilidade, maximizar o contato efetivo com
(Seligman, 1970, p. 417). Linguagem e cog- o ambiente presente e permitir que propósito e
nição eram tratadas igualmente: “O condi- intenção entrem na seleção comportamental e
cionamento instrumental e o clássico não são nos processos de retenção. Essa visão é inteira-
adequados para uma análise da linguagem” mente consistente com a ciência evolucionária
(p. 414). Seligman foi um exemplo entre mui- (Jablonka & Lamb, 2005; Wilson, 2007), e pa-
tos. À medida que esse processo se avolumou, rece certo que o futuro irá incluir uma crescente
chegou-se à conclusão de que “todos os resul- aliança entre ACT, CBS e a ciência evolucioná-
tados da literatura do condicionamento tra- ria (para exemplos desse esforço, veja Mones-
dicional são devidos à operação de processos tès, 2010; Vilardaga & Hayes, no prelo; Wilson,
mentais superiores, conforme presumido pela Hayes, Biglan, & Embry, 2011).
teoria cognitiva” (Brewer, 1974, p. 27; ênfase
acrescentada). A revolução cognitiva estava Desenvolver um modelo
em curso. de patologia, intervenção e
Embora esses supostos limites biológicos saúde ligado aos princípios
na teoria da aprendizagem tenham colocado comportamentais
em segundo plano a psicologia comportamen-
tal, explicações selecionistas em psicologia O modelo de flexibilidade psicológica é con-
também não acolheram a nova abordagem cebido para ser acessível ao praticante. Uma
cognitiva. Os psicólogos evolucionários por das características de uma abordagem da CBS
fim caíram no beco sem saída dos conjuntos para desenvolvimento e utilização do conheci-
massivos de supostas adaptações genéticas mento é o reconhecimento da necessidade de
especializadas (Tooby & Cosmides, 1992). “termos de nível médio” ligados a explicações
Tal abordagem foi difícil de associar a preocu- técnicas. Cada termo desses no modelo de fle-
pações clínicas e, como uma questão básica, xibilidade psicológica está ligado a princípios
distanciou mais a psicologia convencional da da RFT e comportamentais, porém o uso de
evolução biológica. termos de nível médio significa que o clínico
294 Hayes, Strosahl & Wilson
precisa conhecer toda a abrangência dos prin- galinhas vivem em gaiolas com nove aves.
cípios comportamentais ou o funcionamento Em uma condição, você permite que apenas
interno da RFT para começar a aplicá-la cli- as melhores poedeiras da granja reprodu-
nicamente. zam; em outra, você permite que apenas as
O leitor viu neste livro a dança entre a lin- melhores gaiolas de nove aves reproduzam.
guagem acessível dentro da ACT e a análise Na primeira condição, todas as aves são boas
teórica mais restrita que existe em outro nível. poedeiras; na última, algumas aves são po-
É relativamente fácil especificar o modelo de edeiras muito fracas. Faça a si mesmo esta
flexibilidade psicológica de forma simples e pergunta: Depois de cinco ou seis gerações,
acessível. Os seis processos usados neste livro qual estratégia de criação levará a mais ovos?
são termos de nível médio: self-como-contex- A resposta surpreendente, porém informati-
to, o momento presente, desfusão, aceitação, va, é que o sistema focado nas gaiolas inteiras
valores, ação de compromisso. Eles são conce- será de longe o mais bem-sucedido (p. ex.,
bidos para ser acessíveis. Muir, Wade, Bjima, & Ester, 2010). A razão
Sob essa capa, no entanto, existe uma ex- é que o critério de seleção individual leva a
plicação ascendente (bottom-up) que é intei- constante luta dentro das gaiolas, altas taxas
ramente técnica. O leitor atento já se deparou de mortalidade entre as aves, atribuídas aos
com ela ao dar uma espiada de vez em quando ataques, e altos níveis de estresse para as aves
ao longo destas páginas. No momento em que sobreviventes. As galinhas individuais que
os clínicos ficam interessados na ACT, eles na- põem muitos ovos não são necessariamente
turalmente começam a tentar entender a RFT, boas jogadoras em equipe. De fato, elas po-
os princípios comportamentais e o contextua- dem ter sucesso em parte porque conseguem
lismo funcional. Isso aprofunda seu trabalho intimidar outras aves e obtêm mais alimen-
clínico. Livros inteiros foram escritos sobre to à custa das suas companheiras de gaiola.
como levar a RFT e os princípios comporta- Em contrapartida, as gaiolas que são am-
mentais até o nível clínico (p. ex., Törneke, bientes produtivos para os ovos são gaiolas
2010). Qualquer sistema que demande conhe- em que as galinhas sabem como se relacionar
cimento técnico desse tipo como um portal de bem. Depois de cinco ou seis gerações, as aves
entrada está fadado à irrelevância. Qualquer são calmas e cooperativas.
sistema que não esteja baseado em conheci- De forma análoga, muitas característi-
mento técnico desse tipo está fadado a uma cas diferentes da experiência humana estão
falta de coerência e progressividade. A estraté- competindo a todo momento, separadas uma
gia da CBS tenta evitar essas duas armadilhas. da outra pela linguagem humana. Nossos
Há uma questão final que vale a pena ser impulsos, ações, sentimentos e pensamentos
mencionada. Agora parece amplamente acei- estão todos abrigados juntos em um coletivo
to que contingências evolucionárias ocorrem chamado ser humano. Processos de inflexibi-
em múltiplos níveis: entre indivíduos e entre lidade psicológica como esquiva experiencial,
grupos (Wilson, 2006). Adaptações individu- fusão cognitiva ou o self conceitualizado es-
ais são localmente vantajosas e inerentemen- tabelecem critérios de seleção individualistas
te promovem egoísmo; adaptações grupais que convidam a conflitos internos e ataques
são localmente desvantajosas, mas tendem a ao self. Esquiva experiencial significa que a
promover cooperação (Wilson, 2007). Esta úl- tristeza não é bem-vinda. Fusão significa que
tima conclusão pode ser demonstrada experi- a ambiguidade e a confusão não são bem-
mentalmente. -vindas. Um self conceitualizado significa que
Suponha que você tenha uma granja e assuntos que contradigam o enredo não são
queira produzir muitos ovos. Na granja, as bem-vindos.
Terapia de aceitação e compromisso 295
para a ACT como mera coleção de técnicas li- organizamos este livro dessa maneira. Se a
mita enormemente seu possível valor e pode, ACT fosse apenas um conjunto de técnicas de-
na verdade, dificultar a sua realização efetiva. finidas topograficamente, teríamos que afir-
Basicamente, mesmo abordagens de tra- mar que um terapeuta experiente circulando
tamento bem desenvolvidas evoluem. A co- elegantemente pelo modelo não está fazen-
munidade da ACT no mundo todo abrange do ACT, enquanto um novo terapeuta se-
milhares de praticantes, pesquisadores e es- guindo o manual está fazendo a coisa real. Isso
tudantes. Quase todas as semanas alguém não faz sentido. O terapeuta eficaz em ACT
acrescenta, subtrai ou refina os elementos téc- a utiliza como ela é funcionalmente definida,
nicos da ACT dentro de um modelo global de e não apenas como topograficamente definida.
ACT. À medida que cada vez mais terapeutas O visual e a essência da ACT ultrapassam
desenvolvem interesse pela abordagem, esse as divisões obsoletas com as quais convivemos
processo parece estar se acelerando. Muitas há tantas décadas dentro do nosso campo.
variedades de ACT se desenvolveram para se Acreditamos que a ACT oferece aos profissio-
adequar a vários problemas e contextos. Ao nais da saúde mental alguma coisa de todas as
trabalhar em uma organização com quatro ou tradições. Ela leva a sério as mais profundas
cinco sessões como limite para um caso intei- questões clínicas e está seguindo um modelo
ro, alguns elementos da abordagem são enfa- criterioso de desenvolvimento.
tizados e outros são grandemente diminuídos A tão discutida cisão entre ciência e prá-
quando comparados com contextos ambu- tica não é atribuída à falta de interesse entre
latoriais, nos quais em geral são permitidas os clínicos no que a ciência tem a oferecer;
mais sessões. A ACT pode ser realizada fora da ao contrário, ela reflete uma desconexão en-
terapia per se, onde ela é com frequência deno- tre os objetivos naturais dos pesquisadores
minada treinamento de aceitação e compro- clínicos e os clínicos. Os clínicos precisam de
misso (um nome escolhido deliberadamente um conjunto limitado de princípios, ligado a
para também ser designado como “ACT” – em técnicas, que lhes dizem quais componentes
inglês, acceptance and commitment training). são importantes, quando eles devem ser usa-
A ACT tem uma aparência um pouco diferen- dos e quais processos de mudança são essen-
te em ambientes institucionais (Flaxman & ciais. Isso não é o que a ciência clínica está
Bond, 2010) quando comparada com a ACT lhes dando porque não há incentivo no meio
para o comportamento de assistir pornografia acadêmico para tal processo de simplificação.
em excesso (Twohig & Crosby, 2010). A ACT As carreiras em pesquisa estão em risco,
para dor pediátrica crônica (Wickesell, Melin, a continuidade está em jogo e as publicações
Lekander, & Olsson, 2009) parece diferente da precisam ser empilhadas umas sobre as ou-
ACT para psicose (Bach & Hayes, 2002; Gau- tras. Esse tipo de situação encoraja o expan-
diano & Herbert, 2006). Se a ACT for apenas sionismo, não o princípio da parcimônia.
uma técnica, qual técnica ela é? A tecnologia isoladamente pode funcionar
Quando a ACT é abordada unicamente muito bem em circunstâncias limitadas. Não
como uma técnica, também há uma tendência há nada de errado em escrever receitas de co-
a aplicá-la “como manda o figurino”. Em en- mida. No entanto, psicoterapia e mudança de
saios controlados randomizados, é necessário comportamento em geral não são situações
usar manuais para treinar terapeutas ACT – limitadas. Precisamos fazer mais do que cole-
mas terapeutas ACT experientes aprendem a cionar um livro de receitas de procedimentos
modificar os procedimentos para adequá-la psicológicos: precisamos entender o sofri-
às necessidades do cliente específico no mo- mento humano e como melhor tratá-lo. Pre-
mento específico. É exatamente por isso que cisamos de uma teoria da capacidade humana
Terapia de aceitação e compromisso 297
e saber qual a melhor maneira de aprimorá-la. tros termos normalmente usados em psicolo-
E, para isso, precisamos de uma estratégia que gia. Se, digamos, uma medida da autoestima
possa conduzir à simplificação, não à frag- não consegue mostrar um resultado previs-
mentação. Precisamos de modelos transdiag- to, sempre haverá espaço para questionar as
nósticos unificados que realmente funcionem medidas da autoestima ou as condições nas
para que um praticante possa aprender um quais essas medidas foram coletadas. Em uma
conjunto menor de coisas relacionadas em vez estratégia de CBS, o uso deliberado de termos
de um conjunto quase infinito de coisas apa- de nível médio evoca o mesmo perigo, mas a
rentemente não relacionadas. Este tem sido estratégia da CBS tenta limitar esses termos
o objetivo da ACT desde o início: uma abor- aos processos comportamentais básicos e res-
dagem capaz de tratar uma ampla gama de tringir a ligação entre os termos teóricos e as
inquietudes humanas, baseada em uma clara condições de mensuração de modo que pro-
filosofia e uma compreensão sólida da ciência blemas empíricos possam ser atribuídos à teo-
básica do funcionamento adaptativo e mal- ria, e não a preocupações sobre as condições
-adaptativo. nas quais ela foi testada (Hayes, 2004).
Medidas de processos relevantes para a
Medir os processos teóricos ACT estão sendo desenvolvidas em grande
e suas relações com velocidade. Este livro ficaria rapidamente de-
a patologia e a saúde satualizado se as medidas existentes fossem
abrangidas integralmente, e mencionamos
O objetivo do contextualismo funcional requer apenas algumas na parte principal do livro.
não apenas que as previsões e os métodos de O avô das medidas da ACT é o Questionário
influência sejam precisos, mas também que de Aceitação e Ação (AAQ; Bond et al., no pre-
eles tenham abrangência. Abrangência re- lo; Hayes, Strosahl et al., 2004). O AAQ exa-
quer boa teoria, não somente boa tecnologia. mina aceitação, desfusão e ação. A medida
Uma coisa é construir métodos com base em geral não é livre de conteúdo – seus compo-
princípios e processos, outra coisa é testar as nentes incluem medidas de ansiedade e de-
ligações entre os princípios, teoria e compo- pressão –, mas avalia a esquiva experiencial e
nentes/pacotes de tratamento. Para que esse a flexibilidade psicológica muito amplamente
objetivo seja atingido, é preciso ter medidas e prediz com sucesso muitas formas de psico-
dos principais processos supostamente envol- patologia (Hayes et al., 2006). Com protoco-
vidos na dificuldade psicológica e ser capaz de los focados, o AAQ pode ser muito amplo, e,
examinar suas relações com a psicopatologia e em consequência, surgiram muitas versões do
o comportamento. AAQ que perguntam sobre pensamentos pro-
Existe uma razão para que as teorias em blemáticos específicos, sentimentos ou ações
psicologia raramente desapareçam depois que ligados a áreas específicas do funcionamento.
se tornam populares. Depois que uma teoria é O número de formas específicas é agora mui-
formada, ela é difícil de ser deturpada porque to grande, incluindo dor crônica (McCracken
qualquer teste se baseia em como os conceitos et al., 2004), epilepsia (Lundgren et al., 2008),
são aplicados e medidos. Considere um con- diabetes (Gregg, Callghan, Hayes, & Glenn-
ceito como reforçamento. Há uma ligação mui- -Lawson, 2007), peso (Lillis & Hayes, 2008),
to forte entre observações, mensuração e esse psicose (Shawyer et al., 2007), tabagismo
termo. Se um evento não funciona como um (Gifford et al., 2004) e abuso de substâncias
reforçador, é quase impossível colocar a culpa (Luoma, Drake, Kohlenberg, & Hayes, no
na precisão da definição do termo ou em como prelo). Existem medidas para avaliar a desfu-
ele foi medido. Isso é muito diferente com ou- são em várias áreas (p. ex., Varra et al., 2008;
298 Hayes, Strosahl & Wilson
Wicksell et al., 2008; Zettle & Hayes, 1986). tisfação na vida (John & Gross, 2004; Kashdan
Medidas de valores também estão começan- et al., 2006). Esquiva experiencial e flexibili-
do a aparecer (p. ex., Lundgren et al., 2008; dade psicológica na verdade são mediadoras
Wilson, Sandoz, Kitchens, & Roberts, 2010). do impacto de várias estratégias de regulação
Medidas de mindfulness estão proliferando, emocional (p. ex., Tull & Gratz, 2008). Por
e sabe-se que abordam processos importantes exemplo, Kashdan e colaboradores (2006)
da ACT (Baer et al., 2004, 2006). Os pesquisa- identificaram que o impacto de estratégias de
dores também estão aprendendo a ver proces- enfrentamento como a reavaliação cognitiva
sos da ACT no comportamento apresentado na relação entre ansiedade e resultados na
nas sessões de psicoterapia (Hesser, Westin, vida era inteiramente mediado pela esquiva
Hayes, & Andersson, 2009) ou a desenvol- experiencial e pela flexibilidade psicológica.
ver medidas implícitas dos processos da ACT
(p. ex., Levin, Hayes, & Waltz, 2010). As me- Enfatizar a mediação e
didas da tomada de perspectiva estão mudan- a moderação na análise
do a forma como pensamos no senso de self do impacto aplicado
(p. ex., McHugh et al., 2007).
Os processos do modelo, até o momento, Mediação e moderação examinam a utilidade
na verdade se saíram muito bem na expli- e a coerência da relação entre teoria, tecnolo-
cação da psicopatologia e da adaptabilidade gia e resultados. Não é importante para a CBS
humana. Dificilmente passa-se uma semana que a ACT sempre tenha mais sucesso do que
sem que um pesquisador publique um estudo outras abordagens – de fato, ela não tem tido
relevante para as alegações básicas do mode- (p. ex., Forman, Hoffman et al., 2007 cons-
lo de flexibilidade psicológica. Além de meras tataram que a ACT não era melhor para lidar
correlações, a flexibilidade psicológica parece com fissura por comida quando a pessoa não
sistematizar as coisas de formas que auxiliam estava dominada pela comida). O importante
a organizar as várias áreas da literatura (para é que o modelo seja capaz de explicar as dife-
revisões empíricas e conceituais, veja Boulan- renças a fim de que pesquisadores e clínicos
ger, Hayes, & Pistorello, 2010; Hayes et al., tenham uma meta para como desenvolver
2006; Kashdan & Rottenberg, 2010). procedimentos empiricamente apoiados as-
A flexibilidade psicológica modera a tole- sociados a processos empiricamente apoiados
rância ao estresse e a persistência na tarefa em (Rosen & Davison, 2003). Pesquisadores em
tarefas experimentais (Cochrane et al., 2007; ACT se comprometeram com a exploração da
Zettle, Petersen, Hocker, & Provines, 2007). mediação e moderação mais consistentemen-
Entretanto, inflexibilidade não é um mero te e por mais tempo do que qualquer outra tra-
correlato de patologia – é um fator de vulne- dição clínica empírica. Essa asserção pode pa-
rabilidade que prediz maus resultados longi- recer uma afirmação ousada, mas ela é muito
tudinalmente, controlado por como a pessoa fácil de documentar.
estava se saindo no ponto de avaliação origi- Existem quase duas dezenas de análi-
nal (p. ex., Bond & Bunce, 2003; Marx & Sloan, ses mediacionais formais da ACT, incluin-
2005). Pessoas psicologicamente rígidas res- do aquelas que são analisadas e estão sendo
pondem mal a experiências desafiadoras na redigidas, mas ainda não foram publicadas.
vida, tais como ter um membro da família Os mediadores de sucesso na ACT incluem
com demência (Spira et al., 2007) ou estar em medidas gerais ou específicas de aceitação
uma zona de guerra (Morina, 2007). Elas têm e flexibilidade psicológica (p. ex., Gifford et
menos efeitos positivos com o tempo e menos al., 2004; Gregg, Callaghan, Hayes, & Glenn-
emoções positivas e experimentam menos sa- -Lawson, 2007; Lappalainen et al., 2007;
Terapia de aceitação e compromisso 299
Lillis & Hayes, 2007; Lundgren et al., 2008), importantes. No entanto, como assinalamos
desfusão (Gaudiano, Herbert, & Hayes, 2010; no Capítulo 2, pensar em variáveis depen-
Hayes, Stroshal et al., 2004; Lundgren et al., dentes como causais pode retardar a busca
2008; Varra et al., 2008; Zettle & Hayes, 1986) por variáveis independentes mutáveis (Hayes
e valores (p. ex., Lundgren et al., 2008), en- & Brownstein, 1986). Em vez disso, o que as
tre outros. Em todos os estudos disponíveis análises de mediação fornecem é uma oportu-
até o momento, menos da metade das dife- nidade de detectar caminhos funcionalmente
renças no follow-up nos resultados é mediada relevantes.
por níveis pós-tratamento de flexibilidade É preciso assinalar que a maioria dos es-
psicológica ou seus componentes (Levin et tudos mediacionais em ACT (mas não todos;
al., 2010). Esses resultados não são apenas p. ex., Gifford et al., 2004; Lundgren et al.,
vistos na ACT versus uma lista de espera. Por 2008; Zettle & Hayes, 1986, conforme reana-
exemplo, Zettle, Rains e Hayes (2011) exami- lisado em Hayes et al., 2006; veja Hayes et al.,
naram formas de grupos de ACT versus tera- 2006) mediu mediadores depois que os resul-
pia cognitiva de Beck para depressão (Beck, tados mudaram, o que significa que os media-
Rush, Shaw, & Emery, 1979). A ACT produziu dores podem ter mudado devido à mudança
melhores resultados que foram mediados por dos resultados, e não o contrário. Análises
níveis diferenciais de fusão cognitiva. Além mediacionais que não violam a temporalidade
disso, em cada caso reportado até agora, são especialmente úteis na detecção de cami-
quando mediadores alternativos extraídos nhos funcionalmente relevantes, mas é errado
de outras perspectivas foram aplicados a in- ignorar a importância das análises media-
tervenções de ACT, eles não funcionaram ou cionais que violam a temporalidade, porque,
não funcionaram tão bem quanto aqueles ex- com todas as vantagens estatísticas que uma
traídos da teoria da flexibilidade psicológica. violação da temporalidade oferece, as análi-
Tem havido muitos mal-entendidos sobre ses mediacionais devem ser consistentemen-
o significado de mediação. Estatisticamen- te bem-sucedidas em tais casos. Assim, para
te falando, mediadores de sucesso requerem determinado modo de intervenção, a vasta
uma relação entre o tratamento e o mediador, maioria dos estudos de resultados deve mos-
além de uma relação entre o mediador e o re- trar mediação bem-sucedida através de um
sultado, controlando o tratamento. Essa exigên- pequeno conjunto de conceitos. Se este não
cia significa que, diferentemente das análises for o caso, há algo de errado com a teoria ou
de processos tradicionais baseadas correla- com a medida dos seus conceitos. A correção
cionalmente, a mediação não pode ocorrer de ambas as falhas é de responsabilidade dos
simplesmente devido à socialização para um defensores do tratamento, não dos críticos do
modelo de tratamento e sua linguagem porque tratamento. Até onde temos conhecimento,
tais mediadores não vão se relacionar ao re- a ACT é o único método clínico atual popular
sultado, controlando o tratamento. Em outras que pode passar nesse teste.
palavras, se o mediador não estiver relacio- A moderação também foi examinada na
nado ao resultado mesmo no grupo controle, literatura da ACT, porém mais trabalho pre-
é improvável que a mediação tenha sucesso. cisa ser feito. Moderadores identificam quem
Entretanto, mediação raramente é uma responde a qual tratamento. Masuda e cola-
questão de causação. Em psicologia, os me- boradores (2007) constataram que, quando
diadores mais comuns são medidas do pro- comparada com a ACT, a psicoeducação era
cesso fornecidas pelos clientes (autorrelato, menos efetiva ao abordar o estigma em rela-
comportamentais, neurobiológicas, etc.). Es- ção à doença mental quando os indivíduos
tas são variáveis dependentes teoricamente reportavam níveis mais altos de esquiva ex-
300 Hayes, Strosahl & Wilson
periencial. Forman, Hoffman e colaboradores tes internacionais (Muto, Hayes, & Jeffcoat,
(2007) constataram que os resultados para 2011); abuso de polissubstância (Hayes, Bis-
uma intervenção ACT para fissura alimentar, sett et al., 2004); dor nas costas (Vowles et al.,
quando comparada com um modelo tradicio- 2007); transtorno de escoriação (Twohig et
nal de TCC (extraído de Brownell, 2000), dife- al., 2006); cessação do tabagismo (Gifford
riam dependendo do nível de sensibilidade in- et al., 2004); tricotilomania (Woods, Wetter-
dividual ao alimento no ambiente. Indivíduos neck, & Flessner, 2006); redução do preconcei-
que eram dominados pelo alimento se saíam to com pessoas com transtornos psicológicos
melhor quando expostos à ACT do que à TCC (Masuda et al., 2007); enfrentamento de sin-
ou sem tratamento. tomas psicóticos (Gaudiano & Herbert, 2006);
transtorno obsessivo-compulsivo (Twohig et
Testar o programa de al., 2006, 2010); comportamento problemáti-
pesquisa em uma ampla gama co de assistir pornografia na Internet (Twohig
de áreas e níveis de análise & Crosby, 2010); redução de atitudes de es-
tigmatização e burnout dos profissionais que
Um modelo de flexibilidade psicológica se trabalham com abuso de substância (Hayes,
aplica supostamente não só a transtornos Bissett et al., 2004); e ajuda aos consultores
clínicos específicos, mas ao funcionamento para superar as barreiras de aprendizagem e
humano de modo geral. Uma ideia desse tipo a usar farmacoterapia baseada em evidências
não pode ser testada por ensaios controlados (Varra et al., 2008). Abordagens que foram
randomizados focados em uma gama restri- retiradas fortemente da ACT também apare-
ta de transtornos. Existem protocolos uni- ceram nessas publicações sobre transtorno
ficados disponíveis que focam em diversos de ansiedade generalizada (Roemer, Orsillo,
transtornos de ansiedade ou em transtornos & Salters-Pedneault, 2008) e transtorno da
de ansiedade e humor, mas não conhecemos personalidade borderline (Gratz & Gunderson,
nenhuma abordagem que tenha sido aplicada 2006). Considerando somente essas três pu-
a uma gama tão ampla de áreas-problema em blicações nos últimos oito anos, tem havido
tão pouco tempo quanto a ACT. Como uma de- avaliações da ACT com grupos e indivíduos;
monstração desse ponto, considere apenas os ACT aplicada em formato de autoajuda; ACT
estudos controlados randomizados (ECRs) com pacientes internados e ambulatoriais;
ou estudos de séries temporais controlados e ACT com clientes de minorias e de maiorias
que foram publicados nestes três periódicos étnicas predominantes; estudos de prevenção
de maior prestígio: Journal of Consulting and e estudos de intervenção; estudos com pacien-
Clinical Psychology, Behaviour Research and The- tes, terapeutas e estudantes; estudos baseados
rapy e Behavior Therapy. Depois da publicação em populações; e estudos com intervenções
do primeiro manual de ACT (Hayes, Strosahl durando menos de 2 horas ou mais de 40 ho-
et al., 1999), apareceu, nesses periódicos, ras. Se for levada em consideração toda a li-
o primeiro ECR sobre enfrentamento da psi- teratura da ACT, muito mais diversidade fica
cose (Bach & Hayes, 2002). Durante oito anos evidente, mas esse exemplo estendido salienta
desde então, essas publicações viram estudos a questão: não conhecemos nenhuma aborda-
controlados sobre enfrentamento do diabetes gem em psicologia que tenha sido aplicada a
(Gregg, Callaghan, Hayes, & Glenn-Lawson, uma gama tão ampla de áreas-problema em
2007); dor crônica (Dahl et al., 2004); es- tão pouco tempo quanto a ACT.
tresse no ambiente de trabalho (Flaxman De modo geral, o tamanho do efeito en-
& Bond, 2010); tratamento e prevenção de tre os grupos na literatura da ACT é médio
estresse, ansiedade e depressão em estudan- (d = 0,66 at post e d = 0,65 no follow-up; Hayes
Terapia de aceitação e compromisso 301
et al., 2006). Três metanálises independen- A melhor forma de fazer isso é avançar cada
tes chegaram a valores globalmente similares vez mais com o modelo e estar preparado para
(Öst, 2008; Powers et al., 2009; Pull, 2009). inovar quando forem encontradas deficiên-
Alguns autores notaram que existem fraque- cias, as quais aparecerão.
zas relativas na pesquisa da ACT (Öst, 2008)
quando comparada com a TCC tradicional. Conduzir testes iniciais
Isso é verdadeiro até certo ponto, mas desa-
parece se a quantidade de financiamento de
e contínuos de eficácia,
subvenções é fatorada (Gaudiano, 2010); as- disseminação e estratégias
sim, o ponto fraco provém principalmente de de treinamento
uma história relativamente curta da literatura.
Os cientistas comportamentais contextuais
Além disso, a análise de Öst (2008) usou crité-
não estão tentando descobrir o que é “verda-
rios que ignoravam as forças relativas, ou seja,
deiro” em um sentido ontológico e, então, de-
que a pesquisa da ACT está sendo aplicada em
terminar se esse conhecimento é útil; em vez
áreas inteiramente novas não abordadas antes
por métodos de intervenção apoiados empiri- disso, o conhecimento é tido como verdadeiro
camente e está mais drasticamente focada nos porque é útil. Como eficácia e disseminação
processos de mudança (Gaudiano, 2010). são resultados essenciais, os pesquisadores de
Onde a ACT provou ser mais fraca do que CBS os enfatizaram desde o começo. De fato,
os métodos comparativos em termos de re- o primeiro estudo da ACT na era moderna foi
sultados? Os dados ainda são limitados, mas, um estudo da eficácia (Strosahl, Hayes, Ber-
em geral, essa deficiência se aplicou princi- gan, & Romano, 1998) mostrando que treinar
palmente a problemas menores (Zettle, 2003) clínicos em ACT produziu melhores resulta-
ou a clientes menos enredados e menos evita- dos globais em um ambiente ambulatorial.
tivos (Forman, Hoffman et al., 2007). Ainda Desde então, surgiram vários estudos adi-
há muito a aprender sobre como disseminar a cionais da eficácia (p. ex., Forman, Herbert,
ACT para prevenção ou em populações mais et al., 2007; Vowles & McCracken, 2008, 2010).
normais, e esperamos ver mais algumas fra- Estudos também foram feitos sobre como
quezas no resultado em tais áreas até que a a ACT influencia técnicas instrucionais em
tecnologia evolua. Pode haver outras popu- outros métodos (p. ex., Luoma, Hayes, & Wal-
lações especiais que requeiram modificação ser, 2007; Varra et al., 2008). Ela também se
do modelo, mas, até o momento, quando os mostrou útil em múltiplas culturas (p. ex.,
resultados são fracos, não parece que seja de- Lundgren, Dahl, Melin, & Kees, 2006) e em
vido a uma fraqueza no modelo per se, mas à populações de minoria étnica (p. ex., Gaudia-
tecnologia (Follette, 1995, explica como fazer no & Herbert, 2006; Muto et al., 2010). Todas
essa distinção empiricamente). Ainda não essas áreas são campos férteis para desenvol-
houve casos relatados em que os processos vimentos adicionais no futuro.
de flexibilidade psicológica se movessem di-
ferencialmente, mas os resultados não foram Criar uma comunidade
diferenciais. Existem casos em que os proces- de desenvolvimento aberta,
sos de flexibilidade psicológica não diferem, diversificada e não hierárquica
e, nestes, os resultados foram menos consis-
tentemente superiores (p. ex., Zettle, 2003). A ACT e a RFT estão sendo desenvolvidas por
Em alguns aspectos, a questão central de uma uma comunidade mundial aberta e diversifi-
estratégia da CBS é encontrar essas falhas para cada de clínicos, cientistas básicos, cientistas
que possa ocorrer maior desenvolvimento. aplicados, acadêmicos e estudantes. A comu-
302 Hayes, Strosahl & Wilson
nidade da CBS tem características distintivas: colos é postada no website e pode ser baixada
ela é maciçamente internacional, envolve pro- gratuitamente depois do pagamento das con-
fissionais de muitas origens, tenta limitar a tribuições. As contribuições são “baseadas em
hierarquia e tem como tradição compartilhar valores”, ou seja, são definidas pelos próprios
métodos, protocolos e ferramentas gratuitas membros (o piso é $1). É considerado opcio-
ou a baixo custo. A criação de uma comunidade nal que protocolos compatíveis com um mo-
de desenvolvimento ampla e diversificada delo de flexibilidade psicológica levem a mar-
desse tipo é uma característica necessária da ca “ACT”. Ninguém é obrigado a marcar sua
abordagem da CBS. Ela é necessária porque orientação na entrada. Exceto pelos valores
a ciência indutiva pode ser muito lenta, e, da ciência e pressupostos contextuais, tudo o
quando associada a um propósito abrangen- mais está disponível.
te, apenas uma comunidade inteira pode fa- Não é difícil explicar por que a comunida-
zer progresso em tempo razoável. Somente de da CBS é assim. Ela é uma versão aumen-
uma ampla variedade de ideias, ambientes, tada da flexibilidade psicológica. No espaço
origens, profissões e culturas torna provável da desfusão está o compartilhamento de
que os pontos cegos sejam identificados ra- ideias e um convite à crítica; no espaço da
pidamente, conforme o conhecimento é con- aceitação está a abertura, a permeabilidade e
textualmente situado. Por exemplo, se a dis- a falta de hierarquia desnecessária; no espaço
seminação e a eficácia forem as preocupações do contato flexível com o momento presente
principais, os clínicos precisam ser envolvidos estão os dados compartilhados e um compro-
desde o começo. Tudo em uma perspectiva misso com evidências e exploração; no espaço
evolucionária sugere que os grupos têm maior de um senso de self transcendente está a tenta-
chance para criar cooperação se focarem nos tiva de entender a perspectiva dos outros; no
benefícios para o grupo inteiro em vez de espaço de valores individuais e ação de com-
no sucesso competitivo individual. Na ciência promisso estão valores abertos e organizacio-
clínica empírica, essa regra básica da evolu- nais declarados e as tentativas de associar to-
ção é violada no momento em que um desen- das as ações concretas da comunidade a eles.
volvedor de tratamento tenta controlar o de- Aqueles que estão fora da comunidade da
senvolvimento de uma abordagem (p. ex., CBS algumas vezes se preocupam com seus
decidir quais elementos acrescentar ou sub- objetivos expansivos e entusiasmo. Os obje-
trair; certificar os terapeutas; ditar o que é ou tivos expansivos são plenamente consistentes
não é apropriado dentro de uma abordagem). com a visão original da ciência comporta-
Em vez disso, o desenvolvimento da ACT e mental básica, que era desenvolver princípios
da RFT está sendo encorajado e apoiado pela que pudessem ter uma chance de alcançar
Associação para a Ciência Comportamen- as questões da complexidade humana. Skin-
tal Contextual. Tendo apenas alguns anos, ner forneceu um exemplo: ele não era mais do
a ACBS tem 4 mil membros, mais da metade que um pesquisador novato de animais quan-
dos quais reside fora dos Estados Unidos. do escreveu seu romance utópico Walden II
A comunidade da CBS deu muitos passos (1948). Aquilo pode ter parecido arrogante ou
para permanecer aberta e flexível. A ACBS se até mesmo assustador, mas não é nada disso.
absteve da certificação dos terapeutas. Os trei- É um exercício valioso refletir regularmente
nadores ACT são “reconhecidos” por um pro- sobre como usar o conhecimento da ciência
cesso livre de revisão de pares e devem assinar comportamental para organizar a sociedade
uma declaração de valores em que concordam porque isso nos faz lembrar do seu objetivo úl-
em disponibilizar seus protocolos por baixo timo. Fazer isso não é uma alegação de conhe-
custo ou nenhum custo. A maioria dos proto- cimento até que a pesquisa tenha realmente
Terapia de aceitação e compromisso 303
sido feita nesse nível. Da mesma forma, a tra- Villate, Levin, & Hildebrant, 2011) e da psico-
dição da CBS é comprometida, como observa logia social e da personalidade. As evidências
seu website, com a “criação de uma psicologia dos componentes e dos processos são boas
mais adequada ao desafio da condição huma- e estão ficando melhores. Os resultados são
na”. Esta é uma aspiração, não uma alegação bons e incrivelmente abrangentes – o que é im-
de conhecimento. pressionante, considerando-se o quão inicial
O entusiasmo se dá porque as pessoas es- é o desenvolvimento da ACT. Na maioria dos
tão animadas por encontrar um modelo que se casos, os resultados parecem ser tão positivos
aplica a elas mesmas, que é amplamente aplicá- quanto os obtidos com intervenções mais es-
vel aos seus clientes, está baseado em um pro- tabelecidas, e, em alguns casos, os resultados
grama de pesquisa básica séria e está refletido parecem ser melhores. Formou-se no mundo
na comunidade. Entusiasmo é uma força para todo uma comunidade de desenvolvimento
o bem se for associada aos valores da ciência. muito grande e dinâmica que está atraindo di-
Essas ligações estão refletidas na comunidade versos grupos de pessoas.
da CBS, e de alguma forma esperamos que este Dez anos atrás, a primeira edição deste li-
livro tenha sido um exemplo digno. vro podia apenas apresentar uma esperança.
Esta segunda edição apresenta a conquista de
um modelo mais maduro e um conjunto de mé-
CONSIDERAÇÕES FINAIS todos que qualquer observador justo irá con-
O progresso científico de uma abordagem de cordar que é útil para muitos. Novos avanços
ciência comportamental contextual precisa ser serão determinados pela forma como a comu-
avaliado com o tempo, mas, até o momento, nidade de desenvolvimento responder às críti-
os resultados parecem promissores. As bases cas e aos problemas que podem emergir e pela
filosóficas estão bem estabelecidas. O trabalho forma como, de maneira integral, cuidadosa
básico de ciência em RFT está evoluindo rapi- e criativa, serão exploradas as oportunidades
damente e está cada vez mais afetando os do- existentes. Jovens pesquisadores, clínicos, teó-
mínios básicos tradicionais (p. ex., DeHouer, ricos e estudantes irão determinar o futuro, de-
2011) e aplicados, incluindo a própria ACT. pendendo de onde irão investir a sua energia.
O modelo de flexibilidade psicológica está de- No interesse daqueles a cujas vidas servimos,
colando, e aspectos dele estão se espalhando esperamos que este livro tenha sido um investi-
através das formas contextuais de TCC (Hayes mento que pareça sensato e valioso.
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Índice
dos comportamentos e conteúdo teoria evolucionária e, 26-27, 293 pesquisa dos resultados, 295
evitativos, 91-92 teste de eficácia, 289-290, 301 sinais de falha na, 163
dos esforços do cliente de Clientes com deficiências no sinais de progresso do cliente na,
autoajuda antes da terapia, 134, desenvolvimento, 167 174-175
136-138 Comorbidade, 5 tarefas de casa, 171-172
dos objetivos do cliente para a Compaixão valores e, 173, 258-259
terapia, 134-136 resultados na ACT, 73-74 Contexto, definição, 26
dos processos centrais, 53 superproteção do cliente e, Contextualismo, 23-25, 289-290
dos processos de aceitação, 91-93, 236-237 Contextualismo descritivo, 24-25
297-298 Comportamento de busca de ajuda, Contextualismo funcional, 23-25, 27,
dos processos de compromisso, 130-131, 133 29-30, 48-50, 289-290
97-100 Comportamento governado por regras Contradição, 120-121
dos processos de desfusão, 93-96 consequências negativas, 43 Contratransferência, 128-129
dos processos do momento definição, 42-43 Controle
presente, 86-88 efeito da insensibilidade, 43 crenças culturalmente construídas
dos processos do self, 88-90 enfraquecendo a confiança do sobre o valor adaptativo do,
dos valores e processos de valores, cliente no, 149-151 144-145
95-98, 248-249, 250-256 excessivo, 46-47 danos das estratégias terapêuticas
medidas de flexibilidade no estado fusionado, 196 baseadas no, 144-151
psicológica, 289-290 propósito, 43 disponibilidade como alternativa
medidas dos processos relevantes tipos de seguimento de regras, 43 para, 222-224
para a ACT, 297-298 Comportamento impulsivo, 77 estratégias malsucedidas de
pliance e counterpliance, 252-256 Comportamento intencional, 243-245 autoajuda do cliente, 134-135
ritmo da comunicação na, 88 Comportamento obsessivo-compulsivo, oração da serenidade, 217-218
sinais de progresso no trabalho de 17 pressupostos do cliente relativos à
aceitação, 236-237 Confiança, 60-61, 193 mudança, 144
sinais de progresso no trabalho de Conhecer, 292 Controle contextual no enquadramento
desfusão, 216 Consciência do momento presente relacional, 38-41
sinais de progresso nos processos aceitação e, 172-173 Crenças judaico-cristãs, 10-12
do momento presente, 174-175 apresentando justificativa para, Crianças, treinamento de habilidades
Ver também Formulação de caso, ao cliente, 164-165 atencionais, 167
ACT avaliação, 86-88 Crise da meia-idade, 75
Avaliação do Trabalho-Amor-Lazer, com fonte de saúde psicológica, Cubbyholing, 213-214
85-86 176 Culpa, 11-12
Avaliação versus descrição, 212-214 como habilidade, 64-65
Avoidance and Fusion Questionnaire for compromisso e, 173, 281-282 D
Youth, 95-96 déficits nas habilidades na, Dar razões, 208-211
162-163, 166-167 escolha versus tomada de decisão,
B definição, 63, 161 241-243
Budismo, 11-12, 19-20, 174 desfusão e, 172-173 Depressão, flexibilidade psicológica e,
elementos do self nas intervenções 79-80
C para promover, 170-171 Desejar, disponibilidade versus, 223-225
Canto das sereias do sofrimento, 15, 17 estar ausente versus, 63-64 Desenvolvimento
Ciência comportamental contextual estratégias clínicas focando na, aquisição da linguagem, 11-12, 37
ACT e, 19-21, 26-27, 288-289 157-158 da tomada de perspectiva, 68-73
análise do impacto aplicado, importância clínica, 160-161 das habilidades de consciência do
289-290, 298-300 interações com outros processos momento presente, 162-163
base conceitual, 288-289 centrais, 190-192 Desesperança criativa, 134-135,
desenvolvimento da teoria, interações no processo central, 151-152
288-289, 292-294 171-173 Desfusão
desenvolvimento de técnicas de intervenção orientada para valores abuso de metáforas na, 215
medidas clínicas, 289-290, para promover, 171 aprendendo a não se engajar em
297-298 intervenções orientadas para a minding, 204-205
desenvolvimento técnico, aceitação para promover, 170 avaliação, 93-96, 297-298
288-289, 294-297 intervenções para enfraquecer a coisificando pensamentos para,
modelos de patologia e saúde na, fusão para promover, 170 200-202
288-289, 293-295 intervenções para rigidez definição, 196
objetivos, 302-303 atencional para promover, demonstrando limitações da
passos principais, 288-290 167-170 linguagem para promover,
perspectivas futuras, 302-303 mindfulness e, 161-163, 173-174 197-199
pressupostos filosóficos e modelo do terapeuta de, 14 desliteralização da linguagem
analíticos, 288-291 no estilo de resposta centrado, 63 para, 199-201
programa de pesquisa, 289-290, objetivos clínicos, 64-66, 177 distinguindo avaliação de
299-301 obstáculos à, 161-164 descrição para, 212-214
programa para construção da orientação para os resultados enfraquecendo as razões para,
comunidade, 289-290, 301-303 como obstáculo à, 268-269 208-211
Índice 317
estratégias clínicas focando na, conceito de escolha na ACT, consciência do momento presente,
157-158, 196-197, 213-214 266-267 63-66
exercício de nomeação da mente de não fazer nada, 284 importância clínica, 63
para, 207-208 responsabilidade do cliente para, interações com intervenções de
identificando alvos da, 216 284 aceitação, 235-236
interações com outros processos tomada de decisão versus, 75-76, interações com intervenções de
centrais, 213-215, 235 241-243, 280-281 desfusão, 214-215
intervenções para rigidez Esquiva interações com intervenções de
atencional, 167 adaptativa, 59-60 tomada de perspectiva,
metáfora de comprar avaliação, 91-92 191-192
pensamentos, 202-203 como obstáculo à consciência no modelo conceitual, 54
no estilo de resposta aberto, 54-56 momento presente, 164 objetivos da ACT, 177
objetivos clínicos, 18-19, 52, durante o trabalho de desfusão, relação com o self, 65-74
56-57, 177-178, 196-198 214-215 Estilo de resposta engajado
observação da mente para, estigmatização e, 73 ação de compromisso no, 77-78
205-208 estratégias malsucedidas de avaliação, 95-100
pesquisa de resultados, 295 autoajuda do cliente, 134-135 importância clínica, 74
problemas potenciais na, 214-216 objetivos da, 19 interações com intervenções de
processos do momento presente resistência ao tratamento, 59-60 desfusão, 214-215
e, 172-173 resposta a estímulos aversivos, 13 modelo conceitual, 54
propósito, 69 rigidez comportamental como valorização no, 74-77
rompendo práticas de linguagem resultado de, 77 Estudos de mediação e moderação,
para, 210-212 ritmo desacelerado de intervenção 298-300
sinais de progresso clínico na, 216 com, 167-170 Eventos inteiros, 25
técnicas, 57-58 Ver também Esquiva experiencial Exercício Abertura-Sofrimento-Vitalidade,
uso da lógica e linguagem na, Esquiva experiencial 228
214-215 aceitação versus, 58-60, 218-220 Exercício Enredo, 181-183
uso do humor nas intervenções, avaliação, 91 Exercício Fisicalizando, 230-231
215-216 como fator de resultado de saúde Exercício Funeral, 246-247
Ver também Fusão mental, 298 Exercício Inteiro, Completo, Perfeito,
Desigualdade, de gênero e racial, 3 consciência da, 218-219 181-182
Dificuldades na Escala de Regulação custos da, 218-219 Exercício Lápide, 246-247
Emocional, 93 implicações do trabalho com Exercício Leite, Leite, Leite, 57-58,
Disponibilidade/Abertura (Willingness) valores, 258 199-201
como alternativa ao controle, importância clínica, 17-18, 46-47, Exercício Leve Sua Mente para uma
222-224 60-63 Caminhada, 208
compromisso e, 272-273 no ciclo do sofrimento, 16-17, 19 Exercício Monstro de Lata, 231-232
definição, 62 objetivos da intervenção, 52-53 Exercício Nomeando a Mente, 207-208
escolha versus tomada de decisão origem da, 58-59 Exercício O Que Você Quer Que Sua Vida
na, 243 reforço comportamental na, 218 Signifique?, 245-247
estimulando o desconforto para resultados de longo prazo na Exercício Observador, 187-190
promover, 227-229 vida, 74 Exercício Passageiros no Ônibus, 201
limitação do risco no trabalho Estigma e preconceito, 3 Exercício Procurando o Senhor Desconforto,
com, 225-226 como esquiva do conteúdo 229
qualidade tudo ou nada da, 225 autorreferencial, 73 Exercício Quais são os Números?, 149-151
versus desejar, 223-225 honrando a diversidade e a Exercício Saltar, 225
Dissociação, 88, 180, 193-194 comunidade na terapia, Exercício Soldados no Desfile, 205-208
Distimia, 15-16 124-125 Exercícios de repetição de palavras,
Distinção entre matéria e espírito, 72 intervenção da ACT com, 73-74 199-201
Dor Estilos de resposta Exercícios para traçar um horizonte,
limpa e suja, 226-229 estratégias clínicas focando nos, 245
observar versus ser, 233-234 157-158 Experiência de self, 73-74
Dor limpa, 226-229 Ver também Estilo de resposta Exposição na mídia, 57, 60
Dor suja, 226-229 aberto; Estilo de resposta
centrado; Estilo de resposta F
E engajado Farmacoterapia, 277-278
Em busca de sentido (Frankl), 238 Estilo de resposta aberto Felicidade
Equivalência de estímulos, 32-35 aceitação em apoio ao, 58-63 condições de vida e, 2-3
Escala Cognitivo-Comportamental de avaliação, 90-96 pressupostos de normalidade,
Evitação, 93 desfusão em apoio ao, 54-58 3-5, 132
Escala de Autocompaixão, 93 interações com intervenções de Ferramenta de planejamento Psy-Flex,
Escala de Inflexibilidade Psicológica na tomada de perspectiva, 107-108
Dor, 95-96 190-191 Filosofia da ciência, 22-23
Escala de Tolerância à Angústia, 93 modelo conceitual, 54 Folha de Classificação da Flexibilidade,
Escolha Estilo de resposta centrado 100-102
compromisso e, 266-268 avaliação, 86-90 Formismo, 7
318 Índice
intervenções terapêuticas com, estados da mente que levam ao, 9 julgamentos morais no trabalho
183-190 frequência, 8-9 com valores, 260-261
pesquisa dos resultados, 295 risco, 2 postura de aceitação, 196-221
preconceito e, 73-74 taxa de ideação, 9 praticantes da ACT, 301-302
Ver também Tomada de ritmo da comunicação vocal,
perspectiva T 167-168
Self-como-processo Tarefa de casa Ver também Relação terapêutica
avaliação, 88-89 para promover processos no Terapia breve, 157
importância clínica, 18 momento presente, 171-172 Terapia centrada no cliente, 59
objetivos da ACT, 178-179, relacionada a compromisso, 279 Terapia cognitiva baseada em
183-184 Tempo e orientação temporal mindfulness, 162-163
Self conceitualizado natureza do compromisso, Terapia cognitivo-comportamental
apego ao, 53, 65-66 265-266 contextual, 161-162
autoengano com, 177-178 perspectiva da ACT, 161 Terapia cognitivo-comportamental, 40
avaliação, 88-89 Ver também Consciência do Terapia de aceitação e compromisso
compromisso e, 282-283 momento presente abordagem dimensional da
defesa do cliente do, 177-179 Teoria da aprendizagem do processo avaliação, 48-49
desenvolvimento do, 65-66 geral, 293 acordo de tratamento na, 141-142
em psicopatologia severa, 171-194 Teoria das molduras relacionais acrônimo, 8
fusão com, 88-89, 177-178 achados de pesquisa, 78-80 aplicações, 79-80, 295-296, 300
implicações para o trabalho com ACT e, 30-31, 38-41 apoio empírico, 78-80, 294-295
valores, 258 base conceitual, 292 base conceitual, 8-9, 19, 21-22,
indicações para intervenção, 180 comportamento governado por 78-79, 288-289
intervenções para enfraquecer o regras na, 43-44 ciclo de mudança retroalimentado
apego ao, 181-183 conhecimento verbal na, 292-293 na, 273-274
objetivos clínicos, 67-68, 177-178, controle contextual na, 38-41 como técnica, 295-296
180 definição, 30-31 como terapia comportamental,
prática espiritual em intervenções desenvolvimento conceitual, 293 264, 274, 279-280
com, 192 equivalência de estímulos na, conceito de causação mental, 290
propósito, 66-67 32-33, 35 conceito de comportamento na, 26
resposta a ameaças ao, 67 extensão excessiva dos processos conceito de sofrimento psicológico
risco de superintelectualização no verbais, 45-47 na, 52, 176
trabalho com, 186-187 fusão cognitiva na, 57 conceitualização de linguagem
risco do reforçamento na terapia, modelo de flexibilidade psicológica na, 12, 28
191-192 e, 293-294 contexto e contextualismo na,
sinais de progresso no trabalho molduras relacionais na, 35-39 23-27
com, 194 natureza autoperpetuante do críticas à, 290-291
Sensibilidade cultural na terapia ACT, enquadramento relacional, espiritualidade e, 72
124-125, 262-263 41-42 estudos de caso, 19-20
Sistema de saúde mental pré-pago, 6 objetivos, 30-31 estudos de mediação e moderação,
Sofrimento relevância clínica, 38-39, 46-47, 298-300
como característica da vida 293-294 estudos de resultados, 300-301
humana, 3 senso de self como tomada de farmacoterapia e, 276-278
como fusão cognitiva, 15-16 perspectiva na, 70, 179 intervenção em estigmatização e
como má aplicação dos processos tendências, 302-303 preconceito, 73-74
psicológicos, 14-15 teoria evolucionária na, 292 intervenções baseadas em
conceitualização psicológica, 3 Teoria evolucionária, 5, 13-14, 56, mindfulness e, 162-163
contexto da atividade verbal como 291- 293 medida dos processos na, 297-298
fonte de, 52 Terapeuta modelo cognitivo, 31-33
função adaptativa, 10 autoavaliação para questões modelo de flexibilidade psicológica
infligir, 3 clinicamente relevantes, e, 48-49, 78-79, 295
limpo versus sujo, 226-229 128-129 modelo de flexibilidade
linguagem e, 12-14 automonitoramento durante a psicológica, 48-54
nas crenças judaico-cristãs, 10-12 avaliação, 85 natureza do compromisso na,
perspectiva da ACT, 8-9, 10, autorrevelação na terapia, 122, 265-266
176-177 205 objetivos, 16, 18-19, 26-27, 30, 52,
rigidez psicológica como fonte desconforto na terapia, 115-118 55, 78-79, 114-115, 176-178,
de, 51-52 familiaridade com os princípios da 260, 264-265, 274, 293-295
Suicídio ACT, 21-22 orientação para valores na, 74-76,
como comportamento humano, habilidades para formulação de 260
8-9 caso, 83-84 perspectiva ontológica, 27-29
conceitos de comportamento importância clínica, 19-20 perspectivas futuras, 288
normal e anormal e, 9-10 inflexibilidade psicológica na praticantes, 301-302
conceitual, 177-178 terapia, 127-128 princípios comportamentais da,
definição, 8-9 intelectualização excessiva da 30-31
epidemiologia, 8-9 terapia, 126-127 processos centrais, 19-20, 52-55
322 Índice
relação terapêutica na, 119-120, classificação dos transtornos interações com intervenções de
129 psiquiátricos e, 5 aceitação, 235
sensibilidade cultural na, 124-125, definição dos objetivos no, 24 interações com intervenções de
262-263 eficácia, 6-7 desfusão, 214-215
teoria das molduras relacionais e, objetivo analítico, 29 interações com intervenções de
30-31, 38-41 objetivos do modelo unificado do tomada de perspectiva, 191-192
terapia de exposição e, 228-229, funcionamento humano, 48-49, interações com outros processos
274 296-297 centrais no trabalho com,
tipos de experiência de self na, perspectivas ontológicas no, 257-260
73-74 22-24 intervenção “Na mosca” com,
uso da linguagem para examinar, redução dos sintomas como 247-248
20-21 objetivo do, 6 liberdade pessoal de escolher,
Ver também Formulação de caso, Treinamento em aceitação e 75-76, 239-240, 243
ACT; Processo terapêutico compromisso, 296 meios e fins, 262
Terapia de exposição na evolução do comportamento,
ACT e, 228-229 V 239-240
trabalho de compromisso, Valores necessidade humana de, 74
274-277 aceitação em, 221 objetivos de vida inatingíveis e,
Terapia de treinamento de habilidades, avaliação, 85-86, 95-98, 249-252, 256
278-279 256 objetivos do cliente e, 261-263
Terapia metacognitiva, 161-163 como ações, 239-241 objetivos e, 267-270
Tolerância, 220-221 comportamento intencional em, objetivos terapêuticos, 263
Tomada de perspectiva 243-245 obstáculos aos, 238
como fonte de saúde psicológica, compromisso e, 77-78, 258-260, posse dos, 252, 256, 283
176 265-266, 273-274, 282-283 problemas potenciais no trabalho
estratégias clínicas focando na, conceitualização do processo, com, 260-263
157-158 75-76, 261-262 processos de reforçamento em, 76
fortalecendo o contato com, consequências apetitivas, 239-240 processos do momento presente e,
183-190 definição, 74-76, 239-240 173, 258-259
interações com outros processos discrepância no comportamento, questões de pliance e
centrais, 190-192 249 counterpliance nos, 252-256
modelo do terapeuta de, na relação disponibilidade em, 222-223 resposta derrotista à recaída,
terapêutica, 119-121 em culturas alocêntricas, 97-98 282-283
senso de self na, 178-179 escopo das abordagens sensibilidade cultural no trabalho
Ver também Self-como-contexto terapêuticas, 249, 252 com, 262-263
Trabalho em grupo. Exercício Passageiros estabilidade de, 282-283 sequência do trabalho de terapia
no Ônibus, 201-202 estratégias clínicas focando em, com, 262-263
Tracking, 43-44, 44-45 157-158, 244-248 sinais de progresso no trabalho
Transformação de funções de estímulo, Formulário para Narrativa, 249, com, 263
36-37 252-255 valores como augmentals, 75-76
Transtorno de pânico, 16-17, 295 importância clínica, 76-77, Valores alocêntricos, 97-98
Tratamento 238-239, 248 Varredura corporal, 166
baseado em mindfulness, 73-74, importância da escolha dos, Verdade e realidade, 22-24, 26-27
162-163 241-243 Vergonha, 11-12