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CDD 618.92891425
2023
Obra originalmente publicada sob o título
ACT for treating children: the essential guide to acceptance and commitment
therapy for kids
Copyright © 2022 by Tamar D. Black
New Harbinger Publications, Inc.
5674 Shattuck Avenue
Oakland, CA 94609
www.newharbinger.com
Russ Harris
Treinador em ACT mundialmente renomado e autor dos livros ACT
made simple, The happiness trap, The reality slap e ACT with love.
* N. de R.T.: Nenhuma tradução seria suficientemente clara para o que quer dizer
ACT Kidflex: uma adaptação da Hexaflex da ACT (os seis processos de flexibilidade
psicológica da ACT) para uma forma que as próprias crianças possam compreender.
Por isso, optou-se por manter a expressão em inglês.
SUMÁRIO
Referências....................................................................................... 227
Índice............................................................................................... 231
1
UMA VISÃO GERAL DO USO DA
ACT PARA TRATAR CRIANÇAS
pode ser desafiador saber como sugerir tarefas de casa adequadas ao de-
senvolvimento, tanto para a criança quanto para seus pais ou cuidadores,
para reforçar o que vocês fizeram nas sessões. Por fim, a criança pode
ficar entediada nas sessões, não realizando as tarefas de casa sugeridas,
ou relutar em retornar. Ao ler este livro, você vai aprender como evitar
essas dificuldades e otimizar suas sessões de ACT com crianças. Seja você
experiente ou novo na ACT, este livro lhe fornecerá informações práticas
e ferramentas que lhe permitam aplicar a ACT de forma eficiente com
seus jovens clientes.
Este capítulo apresenta uma breve introdução à ACT, uma visão geral
de como modificá-la para uso com crianças, e alguns indicadores impor-
tantes de ter em mente na condução das sessões de ACT com crianças.
No Capítulo 2, você vai aprender sobre a primeira sessão com a
criança, incluindo como usar um modelo de conceitualização de caso
desenvolvido especialmente para uso com as crianças e seus pais, com
sugestões detalhadas de como fazer cada pergunta. Também examinare-
mos como apresentar a ACT às crianças, convidá-las a se tornarem seu
próprio super-herói e lhes dar voz no processo terapêutico.
No Capítulo 3, você vai começar a aprender sobre como usar os
processos que eu chamo de ACT Kidflex, um modelo adaptado do ACT
Hexaflex, que envolve seis processos para ajudar os clientes a alcançarem
flexibilidade psicológica. O Capítulo 3 se concentra em dois desses pro-
cessos: deixe acontecer e deixe ir. No Capítulo 4, focaremos nos processos
da ACT escolha o que é importante e faça o que é importante, e, então, no
Capítulo 5, vamos aprender sobre os outros dois processos: fique aqui
e observe-se. O Capítulo 6 nos apresenta ao melhor amigo da ACT, seja
gentil e atencioso consigo mesmo, e foca em como ensinar essa habilidade
vital às crianças usando exercícios nas sessões. Desse modo, a criança
pode experimentar como é ser gentil e atenciosa consigo mesma. No Ca-
pítulo 7, aprenderemos como trabalhar com pais de crianças pequenas,
sem fazer terapia com seu filho. Depois concluiremos, no Capítulo 8,
Act para o tratamento de crianças 3
com algumas dicas finais de como começar a usar o que você aprendeu
neste livro.
Os capítulos nesta obra, começando pelo Capítulo 3, apresentam
uma extensa lista de exercícios altamente experienciais (experiencial se
refere a alguma coisa que é experimentada, em vez de discutir sobre um
conceito ou ideia) que você pode fazer nas sessões com crianças. Usar
esses exercícios com seus jovens clientes possibilitará que eles construam
um conjunto de ferramentas de enfrentamento para ajudá-los a lidar com
o estresse e manejar pensamentos e sentimentos difíceis. Você também
vai encontrar exemplos de casos que incluem sugestões para tarefas de
casa para a criança praticar entre as sessões, além de tarefas de casa para
os pais reforçarem o que o filho aprendeu nas sessões. Todos os exercícios
são intencionalmente simples para que, em termos de desenvolvimento,
sejam apropriados para crianças e fáceis de implementar, e a ampla gama
de exercícios vai permitir que você escolha o que melhor se adapta às
necessidades e às personalidades das crianças com quem trabalha.
DICA ÚTIL
Conforme enfatizado neste livro, um fundamento para o sucesso da ACT com crianças
é envolvê-las no processo terapêutico fazendo exercícios com a criança – e não para a
criança – e também se divertir um pouco.
que os clientes precisam avaliar e reestruturar para que sejam mais con-
sistentes com uma análise lógica da situação. O termo “cientista pessoal”
tem sido usado com frequência para descrever essa filosofia fundamental
subjacente à abordagem da TCC. Enquanto a TCC enfatiza a mudança
dos pensamentos e do comportamento dos clientes com o objetivo de
reduzir os sintomas, a ACT enfatiza a abertura e a aceitação de todos
os eventos psicológicos (como pensamentos, emoções, sentimentos, me-
mórias e comportamentos) sem fazer nada para mudá-los, evitá-los ou
limitá-los, apesar do seu tipo e rótulo atribuídos. O terapeuta que usa
a ACT focaliza em como as respostas comportamentais de uma pessoa
funcionam para ela em termos de valores ou objetivos de vida identifica-
dos (Coyne et al., 2011).
que eles vão julgá-la e perder o respeito por ela se contar que bebeu
álcool. Ela tem medo que seus pais descubram e, como consequência,
desenvolve ansiedade. A abordagem da ACT com essa menina seria: 1)
usar estratégias que a ensinem a parar de se apegar aos seus pensamentos
sobre a festa e romper estratégias verbais inúteis; e 2) encorajá-la a ficar
com seus sentimentos de culpa e informar seus pais com o objetivo de
intensificar uma relação mais próxima com eles.
DICA ÚTIL
A maneira como uso a ACT com crianças é muito simples. Quando dou explicações,
asseguro-me de usar uma linguagem simples e fácil de entender, e descomplico os
exercícios tanto quanto possível. Na verdade, percebi que a forma como uso a ACT com
crianças fica cada vez mais simples com o passar do tempo.
8 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
vezes posso me esquecer da idade que elas têm e achar que estou sentada
em meu consultório com uma criança mais velha. Peço que me alertem
se eu usar uma linguagem que seja muito avançada para elas para que
eu possa mudar as palavras que uso de modo que sejam adequadas para
elas. Observei que as crianças parecem gostar do fato de eu estar disposta
a admitir que posso cometer erros: ser capaz de admitir minha própria
vulnerabilidade e falhas mostra às crianças (e aos seus pais) que não me
considero perfeita e estou aberta e receptiva a feedback. Isso demonstra
a minha flexibilidade e desprendimento da minha própria história sobre
quem eu sou. (Quando digo “história”, refiro-me a uma forma de nos
descrevermos, o que na ACT é chamado de self conceitualizado e self como
conteúdo.) Essa disponibilidade da minha parte me ajuda a desenvolver
vínculo com as crianças e com seus pais.
A ACT pode ser muito útil para crianças porque se concentra no
aumento da aceitação, o que pode desenvolver autoestima e resiliência
e melhorar sua qualidade de vida. Este livro foi escrito para ajudar você
a expandir as habilidades para equipar as crianças de modo que possam
melhorar sua saúde mental e resiliência e superar transtornos como an-
siedade e depressão. As crianças, assim como os adolescentes e os adul-
tos, também podem ter dificuldades para se recuperar das dificuldades; a
ACT ensina habilidades muito importantes para a vida usando estraté-
gias aplicáveis a uma ampla gama de transtornos e que podem ser aplica-
das a outros desafios no futuro.
A ACT também pode ajudar as crianças a regular e manejar as emo-
ções e lidar com os altos e baixos da vida. Isso ajudará seus clientes a se
tornarem mais capacitados e confiantes para autogerenciar suas dificul-
dades e ser menos controlados e temerosos dos seus pensamentos e sen-
timentos. As estratégias são práticas e fáceis de implementar, e a criança
será capaz de usá-las sozinha, reservadamente e em muitos ambientes,
como em casa, na escola e em atividades sociais e de lazer.
Agora vamos dar uma olhada na ACT Kidflex, em seus processos e
como ela é usada com crianças.
10 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
A ACT KIDFLEX
O modelo de mudança do comportamento da ACT (Hayes et al., 2006)
é comumente referido como “ACT Hexaflex”. Esse modelo consiste em
seis processos centrais da ACT: aceitação, desfusão, valores, ação compro-
metida, contato com o momento presente e self como contexto. Esses proces-
sos visam construir flexibilidade psicológica, definida como “a habilidade
de estar em contato com o momento presente mais plenamente como
um ser humano consciente e mudar ou persistir no comportamento
quando estiver a serviço de fins valiosos” (Hayes et al., 2006, p. 7).
Adaptei o modelo de mudança do comportamento da ACT para
criar o modelo ACT Kidflex (apresentado na Figura 1.1) com o objetivo
de deixá-lo apropriado ao desenvolvimento das crianças, usando uma
linguagem que elas possam compreender. Como tal, os seis processos
centrais da ACT Kidflex são deixe acontecer*, deixe ir, escolha o que é
importante, faça o que é importante, fique aqui e observe-se. Na ACT Kidflex,
a flexibilidade psicológica é chamada de Eu sou flexível, que pode ser de-
finida como “fique aqui, note o que está acontecendo sem tentar mudar
seus pensamentos ou sentimentos, e siga em frente ou mude suas ações
quando necessário, para fazer o que importa para você”. No modelo
Kidflex, você pode ver como Eu sou flexível está representado pelos seis
pontos do hexágono.
* N. de R.T.: Entre todas as adaptações dos processos da Hexaflex feitas pela autora para
desenvolver a Kidflex, o processo de “aceitação” foi o mais difícil ao decidir o termo
a ser utilizado nesta tradução em português. No original, a autora utiliza a expressão
“let it be”. Porém, entendo que seria difícil para uma criança de 5 anos compreender
o que seria “deixe ser” ou “deixe estar”. Da mesma forma, outras expressões como
“deixe para lá” podem denotar uma ideia de exclusão, de não dar importância – o
que é bem diferente do sentido do processo “aceitação” no Hexaflex, que consiste
em “deixar fazer parte, estar presente”. Assim, mesmo que seja diferente do original
em inglês “deixe ser/estar”, definiu-se o termo como “deixe acontecer”, a fim de que
uma criança compreenda mais facilmente que os eventos privados (pensamentos,
emoções, memórias, etc.), agradáveis ou desagradáveis, estarão presentes na vida dela
– e tudo bem.
Act para o tratamento de crianças 11
Vamos considerar como você poderia usar a ACT Kidflex com uma
criança. Imagine-se trabalhando com uma criança que gosta de estudar
piano. Ela quer tocar no seu primeiro recital de piano porque sente or-
gulho do quanto já conseguiu, mas à medida que se aproxima o dia da
apresentação, evita praticar por medo de sentir ansiedade por não estar
certa de se terá um bom desempenho. Uma abordagem da ACT seria
perguntar à criança se havia alguma coisa sobre o recital de piano que era
importante para ela (escolha o que é importante). Então, você poderia en-
corajá-la a praticar piano enquanto nota o que está sentindo e onde sente
que isso é mais forte em seu corpo (fique aqui) sem tentar fazer nada
para reduzir o sentimento de ansiedade (deixe acontecer), dizendo olá aos
pensamentos de estragar tudo durante o recital quando for se apresentar
(deixe ir), observando-se enquanto tem esses pensamentos (observe-se) e
continuando a praticar mesmo na presença desses pensamentos (faça o
que é importante). Vamos examinar cada um dos processos, incluindo
exemplos de como usá-los com crianças.
Fique aqui
Deixe Escolha
acontecer o que é
importante
Eu sou flexível
Faça
Deixe ir o que é
importante
Observe-se
Deixe acontecer
Deixe acontecer se refere a permitir que experiências privadas indesejadas
(como pensamentos, sentimentos, emoções, memórias, anseios, sensa-
ções físicas e comportamentos) apenas estejam ali, sem tentar fazer nada
com elas, livrar-se delas, substituí-las ou procurar evidências a favor e
contra elas. Há algumas situações em que não deixar acontecer pode ser
útil em curto prazo, por exemplo, ouvir uma música como um meio de
distração para conseguir tomar uma injeção ou fazer um exame de san-
gue. No entanto, não deixar acontecer é inútil em longo prazo se uma
pessoa focar mais em não ter certas experiências privadas e restringir o
que faz para evitar essas experiências em vez de fazer coisas que são im-
portantes para ela (Coyne et al., 2011).
Um exemplo disso é uma criança que experiencia constrangimento
na escola, depois para de ir à escola como um meio de evitar sentir-se en-
vergonhada e desenvolve rejeição à escola. Sair-se bem academicamente é
importante para ela; entretanto, o resultado de não frequentar a escola é
que ela fica para trás, o que cria imenso estresse para ela. Em consequên-
cia, o uso em longo prazo de evitar seus pensamentos e sentimentos não
é útil para ela.
Nós ensinamos as crianças a deixar acontecer para combater os efei-
tos tóxicos de ficarem presas aos seus pensamentos e seguirem as regras
rígidas que elas desenvolveram e que controlam seu comportamento
para evitar experiências privadas. Por exemplo, uma criança participou
de uma festa em que se sentiu excluída pelas outras crianças e, como re-
sultado, sentiu-se sozinha e triste durante a festa. Como consequência da
sua experiência, ela desenvolveu uma regra de “Não vou a festas porque
ninguém fala comigo”. Ensinando à criança o processo deixe acontecer
da ACT, ela pode aprender a fazer as coisas que são importantes para ela
(Hayes et al., 2006), mesmo que experimente desconforto ao fazer isso.
Tomando o exemplo anterior da criança que estava preocupada com
seu recital de piano, uma abordagem deixe acontecer da ACT seria sugerir
que ela tente deixar seus pensamentos sobre não ter um bom desem-
Act para o tratamento de crianças 13
Deixe ir
Deixe ir se refere a darmos um passo para trás e obtermos alguma se-
paração entre nós e nossos pensamentos para não ficarmos presos ou
apegados a eles. Não estamos tentando nos livrar dos nossos pensamen-
tos, ou reduzir a frequência com que eles surgem, ou substituí-los; em
vez disso, deixar ir envolve sermos capazes de vê-los como são – ape-
nas pensamentos – sem permitir que tenham muito poder sobre nós.
Quando eu apresento o deixe ir às crianças, começo explicando que
os pensamentos começam como letras do alfabeto, então nossa mente
junta as letras para formar palavras, as quais se tornam frases. Digo a
elas que o fato de nossa mente elaborar essas frases não quer dizer que
elas sempre são verdadeiras, ou que sempre temos que acreditar em
tudo que nossa mente nos diz.
Por exemplo, a criança que estava tendo pensamentos sobre não se
sair bem em seu recital de piano poderia usar o deixe ir dizendo: Estou
tendo o pensamento de que não vou me sair bem no meu recital de piano
ou Minha mente está me dizendo que não vou me sair bem em vez de Não
vou me sair bem no meu recital de piano. Isso a encoraja a ver seus senti-
mentos e pensamentos como apenas sentimentos e pensamentos (Bar-
nes-Holmes et al., 2004), em vez de acreditar que o que sua mente está
lhe dizendo é absolutamente verdadeiro e que ela deve acreditar e lhe dar
ouvidos (e, portanto, parar de praticar para o recital porque ela sabe que
vai se sair mal). Essa pequena prática é fácil para as crianças realizarem e
lembrarem, e geralmente cria distância de um pensamento. Desse modo,
o pensamento não tem tanto controle sobre a criança, portanto ela reage
14 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
menos a ele e pode escolher o que importa para ela, mesmo quando o
pensamento surge, em vez de ter sua mente no comando, dizendo a ela o
que fazer (e o que não fazer).
Fique aqui
Quando as pessoas se apegam a memórias, ruminam sobre por que as
coisas ocorreram e se preocupam com o futuro, elas estão menos no pre-
sente (Harris, 2009). O objetivo de fique aqui é estar em contato dire-
to com as próprias experiências, sem tentar rejeitá-las ou minimizá-las
(Coyne et al., 2011). Na ACT, o resultado de fique aqui é mais abertura
e flexibilidade no comportamento (Coyne et al., 2011). Um exemplo de
um exercício para desenvolver essa habilidade é a alimentação conscien-
16 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
Observe-se
Observe-se pode ser definido como dar um passo para trás e se observar.
Para ajudar os clientes com esse processo, a ACT usa exercícios de mind-
fulness, exercícios experienciais que desenvolvem a tomada de perspectiva
e metáforas (Hayes, Pistorello et al., 2012). Considere o exemplo de uma
criança que se sente triste quando se aproxima o aniversário da morte do
seu pai: cada vez que se sente triste em casa, ela vai para seu quarto e se
deita na cama, só saindo de lá para ficar com sua mãe e irmãos quando se
sente melhor. Às vezes, ela fica em seu quarto por horas porque se sente
triste, deixando de jantar ou jogar jogos de tabuleiro com sua família.
Você poderia ajudar essa criança a desenvolver a habilidade de observar-
-se, convidando-a a participar de um exercício experiencial em que ela se
imagina em casa sentindo-se triste e observa que vai para seu quarto e se
Act para o tratamento de crianças 17
deita na cama, onde geralmente permanece por muito tempo, sem sair
de lá até se sentir menos triste. Tomar parte nesse exercício pode ajudar a
criança a se dar conta de quanto tempo ela está passando sozinha, espe-
rando até se sentir melhor para sair do quarto. Como resultado de fazer
esse exercício com você na sessão, a criança pode começar a se observar
em casa quando está em seu quarto se sentindo triste, e, em resposta,
ela pode se juntar à sua família em vez de ficar no seu quarto, mesmo
quando se sente triste. Isso pode ajudá-la a se conectar com sua família e
a ficar no momento presente, em vez de ficar presa em seus pensamentos.
Outro exercício experiencial de observe-se usa metáforas, em que
você pode pedir que a criança imagine que está à beira de uma praia,
notando seus pensamentos e sentimentos como as ondas que chegam até
a margem – algumas são fortes, outras suaves, mas nenhuma delas causa
danos à praia.
dade com deixe ir, o que pode resultar em grande dificuldade para regular
suas emoções. Quando ela não consegue que as coisas sejam como ela
quer, fica muito estressada, grita e chora. Mas ela tem habilidades para
ficar no momento presente, e com frequência mergulha em atividades e
esportes. Você pode encorajá-la a tentar deixar seus pensamentos irem
quando fica irritada, e tentar praticar trazer sua atenção de volta para o
presente, notando o que está próximo a elas e se engajando no que está
acontecendo ao seu redor, em vez de ficar presa em seus pensamentos de
sentir muita raiva. Isso pode ajudá-la a regular suas emoções e parar de
gritar.
Agora que terminamos de examinar o modelo ACT Kidflex, vamos
voltar a um aspecto crucial da condução da ACT conhecido como a
postura da ACT.
A POSTURA DA ACT
Depois que comecei a utilizar a ACT com meus clientes, não só notei
mudanças óbvias em termos das técnicas terapêuticas reais que estava
usando, mas também percebi que eu estava fazendo várias mudanças em
como interajo com meus clientes. Essas mudanças se tornaram caracte-
rísticas essenciais do meu estilo terapêutico e incluem a linguagem que
utilizo com os clientes, a dinâmica do poder entre mim e meus clientes,
minha atenção nas sessões, minha disposição para às vezes compartilhar
minhas próprias dificuldades e praticar as técnicas terapêuticas na mi-
nha vida. Fazer todas essas mudanças – coletivamente referidas como a
postura da ACT – tem tido um impacto muito positivo na minha habi-
lidade para rapidamente desenvolver vínculo com meus clientes, parti-
cularmente crianças. A adoção da postura da ACT será vital para você e
também em seu trabalho com as crianças. A seguir, vamos examinar cada
uma delas de maneira mais detalhada.
Act para o tratamento de crianças 19
Linguagem
Uma das mudanças que notei ter feito na minha postura terapêutica
depois de começar minha própria jornada de aprendizagem da ACT está
relacionada com a linguagem. Durante meus estudos de graduação e
pós-graduação em psicologia, e na supervisão clínica como parte do trei-
namento para me tornar psicóloga licenciada, fiz treinamento em TCC,
e meus professores e supervisores se referiam aos clientes como “pacien-
tes”, condizente com um modelo médico. Embora eu adotasse esse ter-
mo no meu trabalho, notei que ele não parecia muito correto para mim.
Por curiosidade, pesquisei a origem da palavra “paciente” e descobri que
ela se origina do latim “patiens” e “patior”, que significam sofrer. Isso
transmite a ideia de que aqueles que ajudamos estão doentes e precisam
ser “consertados” ou “curados” para que não estejam mais doentes e se
sintam “melhores” como resultado do tratamento (Neuberger, 1999).
A postura da ACT difere de forma marcante, e, assim, a minha própria
linguagem mudou: eu ajudo “clientes” em vez de tratar pacientes. (Note
que eu trabalho em clínica privada e em uma escola, portanto essa termi-
nologia é adequada para esses ambientes, mas pode ser que você trabalhe
em contextos como hospitais, onde é mais apropriado continuar a se
referir às pessoas com quem trabalha como pacientes.)
Uma forma como aplico a linguagem nas sessões com crianças é me
apresentar pelo meu primeiro nome. Se a criança ou seus pais se referem
a mim como “Dra.” ou “Dra. Black” ou “Dra. Tamar”, eu peço que, por
favor, me chamem de Tamar. Minha razão para fazer isso é que eu quero
que a criança e seus pais percebam que eu me vejo como igual a eles.
Também espero que, se a criança me tratar pelo meu primeiro nome,
ela fique menos intimidada e se sinta mais confortável com o processo
terapêutico. (Entendo, no entanto, que em algumas organizações, como
as escolas, os alunos não têm permissão de tratar os funcionários pelo
primeiro nome, enquanto em outras isso pode ser opcional. Quando
trabalhei em escolas onde eu tinha a escolha de como os alunos podiam
me tratar, escolhia que eles me chamassem pelo meu primeiro nome.)
20 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
Equilíbrio de poder
Um equilíbrio de poder equitativo entre o terapeuta da ACT e o cliente
é um aspecto importante da postura da ACT. Há várias coisas que você
pode fazer para demonstrar isso. Conforme mencionado anteriormente,
a linguagem que escolhe usar com seu cliente, como quando se apresen-
ta, dá à criança e aos seus pais uma noção de se você vê a relação terapêu-
tica como equivalente.
Outra forma de demonstrar equilíbrio de poder é fornecendo infor-
mações e estratégias para a criança e seus pais de maneira que convide à
sua participação ao invés de uma postura autoritária. Faço isso dando à
criança a escolha de vários exercícios que podemos fazer nas sessões, em
vez de apenas um. Se você tem muita experiência com o problema ou
dificuldade para a qual a criança está vindo à terapia, você pode informar
a criança e seus pais de que já trabalhou com muitas outras crianças com
o mesmo problema ou dificuldade, e que gostaria muito de tentar ajudá-
-la. Apresente todos os exercícios à criança como totalmente opcionais:
diga à criança que depende dela se ela escolhe participar (examinaremos
a participação voluntária em mais detalhes no Capítulo 2).
DICA ÚTIL
Ao sugerir tarefas para a criança fazer entre as sessões para praticar o que aprendeu, diga
que ela pode fazer o exercício se desejar, mas que não tem a obrigação de fazer.
DICA ÚTIL
Se você notar que ficou falando com a criança sobre conceitos da ACT em vez de usar
técnicas interativas, você pode propor um exercício experiencial.
Autorrevelação do terapeuta
Muitos dos exercícios usados na ACT envolvem a expressão de pensa-
mentos difíceis. Alguns terapeutas da ACT usam autorrevelação (em-
bora isso certamente não seja essencial nem uma exigência para uma
terapia efetiva e significativa; portanto, se você não se sentir confortável
em usar a autorrevelação, ou não quiser fazê-lo, não precisa fazer). Para
usar a autorrevelação com eficiência, você pode dizer ao cliente (esco-
lhendo exemplos apropriados) que você também tem suas dificuldades e,
quando apropriado, pode compartilhar uma dificuldade sua, incluindo
Act para o tratamento de crianças 23
criança pode achar que há algo errado com ela porque se preocupa com
a ida para a escola ou quando vai fazer apresentações diante da turma,
especialmente se ninguém jamais compartilhou com ela que outras
pessoas também têm essas experiências. Ouvir essa revelação vinda de
você pode proporcionar grande alívio para a criança e ajudar a reduzir
uma possível vergonha, embaraço ou preocupação sobre o que você
poderia pensar dela.
A autorrevelação também é apropriada ao fazer trabalhos artísticos
com a criança. Quando a sessão de terapia envolve um exercício de arte
(exemplos para exercícios de artes são fornecidos nos Capítulos 3, 4 e 5),
eu também participo, garantindo que o meu trabalho seja muito simples
(propositalmente desenho figuras estilizadas para que pareça com o que
foi feito por uma criança) para reduzir a possibilidade de a criança se sen-
tir intimidada ou desconfortável com o trabalho que ela fez. Você pode
convidá-la a primeiro mostrar o trabalho dela e só então mostrar o seu.
Quanto mais você, como terapeuta, demonstrar seu próprio uso das
técnicas da ACT, em vez de apenas sugeri-las, melhor será. A criança vai
ouvir que você também tem dificuldades (apropriadas para compartilhar
com ela) que não o impedem de fazer as coisas. Isso também demons-
trará o uso das mesmas técnicas que você está recomendando para ela,
o que provavelmente terá um impacto positivo na adesão da criança (e
aumentará a visão dela de que você realmente sabe do que está falando).
DICA ÚTIL
A criança pode ter sido vista por vários outros terapeutas antes de você, mas você pode
ser o primeiro a compartilhar estratégias que achou úteis para si mesmo. Isso pode lhe
render muitos pontos com a criança em termos de credibilidade, ajudá-la a se sentir mais
confortável com o processo terapêutico e ajudá-lo a construir vínculo.
DICA ÚTIL
Depois de ler este livro, tente primeiro usar a ACT na sua vida para ver como é e o que
acontece, mantendo-se aberto ao que aparecer.
Seja qual for a sua situação particular, faça essa jornada lentamente,
e note se você começa a colocar pressão em si mesmo para entendê-la
imediatamente. Se a ACT parecer difícil, e sua mente lhe disser que você
nunca será capaz de entendê-la e se sentir desencorajado, eu o encorajo a
Act para o tratamento de crianças 27
DICA ÚTIL
Comece a experimentar com os clientes o que você leu neste livro, mesmo que sua mente
lhe diga que você não está pronto. Quanto mais praticar o uso da ACT, mais competente se
tornará no seu uso.
Tentei escrever este livro como a obra que eu gostaria que estivesse
disponível quando comecei a aprender sobre ACT, na esperança de que
ele encoraje você a usar a ACT com crianças. Quando participei do meu
primeiro workshop de treinamento em ACT, um workshop de dois dias
com Russ Harris em outubro de 2007, Russ começou o workshop nos
encorajando a aprender com tantos treinadores de ACT quanto fosse
possível. Depois disso, quando comecei a supervisão clínica em ACT no
ano seguinte, a coisa mais significativa que meu supervisor me disse foi
que a ACT é muito diferente de um terapeuta para outro. Depois de ter
* N. de R.T.: A ACT utiliza metáforas com sutileza. Aqui está uma delas. A ideia é que
consideremos nossos pensamentos e emoções como uma visita que vem à nossa casa.
O que se faz ao receber uma visita? Provavelmente, você a convida a sentar-se para
conversar. Esta é a ideia que a autora quis passar aqui com essa sutil metáfora.
28 Uma visão geral do uso da act para tratar crianças
CONCLUSÃO
Neste capítulo, você aprendeu sobre a ACT, como ela se diferencia da
TCC e por que é adequada para o uso com crianças. Você foi apresenta-
do à ACT Kidflex e seus seis processos (deixe acontecer, deixe ir, escolha o
que é importante, faça o que é importante, fique aqui e observe-se), e apren-
deu os vários aspectos da postura da ACT. O próximo capítulo foca na
primeira sessão com a criança e seus pais, incluindo como se apresentar à
criança e usar um modelo de conceitualização de caso da ACT para obter
um histórico do problema ou dificuldade atual pelas lentes da ACT.