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B628 Black, Tamar D.

ACT para o tratamento de crianças : o guia essencial para a


terapia de aceitação e compromisso na infância / Tamar D.
Black ; tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa ; revisão
técnica de Igor da Rosa Finger. — Novo Hamburgo : Sinopsys
Editora, 2023.
xvi, 239p. ; 23 cm.

Tradução de: ACT for treating children : the essential guide


to acceptance and commitment therapy for kids
ISBN 978-65-5571-133-2

1. Terapia de aceitação e compromisso. 2. Terapia cognitiva


para crianças. I. Rosa, Sandra Maria Mallmann da. II. Finger,
Igor da Rosa. III. Título.

CDD 618.92891425

Catalogação na publicação: Vanessa Levati Biff — CRB 10/2454


Tradução
Sandra Maria Mallmann da Rosa
Revisão técnica
Igor da Rosa Finger
Psicólogo. Doutor e mestre em Psicologia pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

2023
Obra originalmente publicada sob o título
ACT for treating children: the essential guide to acceptance and commitment
therapy for kids
Copyright © 2022 by Tamar D. Black
New Harbinger Publications, Inc.
5674 Shattuck Avenue
Oakland, CA 94609
www.newharbinger.com

Supervisão editorial: Paola Araújo de Oliveira


Preparação de originais: Caroline Castilhos Melo
Capa: Márcio Monticelli
Editoração: Gomes Côrrea Design e Tecnologia

Todos os direitos reservados à


Sinopsys Editora
(51) 3600-6699
atendimento@sinopsyseditora.com.br
www.sinopsyseditora.com.br
A AUTORA

Tamar D. Black, PhD, é psicóloga educacional e do desenvolvimento


em Melbourne, Victoria, Austrália. É psicóloga escolar e trabalha com
crianças, adolescentes, jovens adultos e pais. Possui extensa experiên-
cia em supervisão clínica de psicólogos em início de carreira e também
profissionais altamente experientes. Ministra treinamento em terapia de
aceitação e compromisso (ACT) para clínicos e professores no uso da
ACT com crianças e adolescentes, e no uso da ACT em escolas.
À memória de meu primo Monty Meyer, que me inspirou a me tornar
psicóloga infantil na primeira vez que nos encontramos, quando eu
tinha 12 anos.
AGRADECIMENTOS

A gradeço ao povo Boonwurrung da nação Kulin, como Tradicio-


nais Proprietários e Guardiões da terra em que resido e trabalho,
e onde escrevi este livro. Presto minha reverência ao passado dos seus
anciões, seu presente e futuro, e reconheço e apoio sua relação contínua
com esta terra.
À incrível equipe da New Harbinger Publications, muitíssimo obri-
gada, especialmente à Tesilya Hanauer por seu entusiasmo com meu li-
vro e por sua orientação, apoio e assistência, juntamente com Clancy
Drake, Madison Davis, Caleb Beckwith, Amy Shoup e Analis Souza. Aos
editores independentes Rona Bernstein e Gretel Hakanson, meu agra-
decimento por todo seu encorajamento, esforço e paciência. Obrigada
a Julian McNally pelo feedback e por seu encorajamento. À Gila Bloch,
muito obrigada por desenhar as imagens para as folhas de exercícios e por
sua criatividade e intuição.
A Steve Hayes, Kirk Strosahl e Kelly Wilson, em nível pessoal e pro-
fissional, agradeço muito por criarem a ACT, a qual enriqueceu enorme-
mente a minha vida – se eu não tivesse usado a ACT na minha própria
vida, não teria tido a coragem de escrever este livro.
A Amy Murrell e Lisa Coyne, minha gratidão por liderarem o ca-
minho no uso da ACT com crianças e pais e por me encorajarem e me
apoiarem. Obrigada à Louise Hayes por me aceitar como sua primeira
aluna de doutorado e por tudo que você me ensinou.
Sou grata a todos nas comunidades da ACT e focadas na compaixão
com quem tanto aprendi e por quem fui grandemente inspirada.
x  Agradecimentos

Às crianças e aos pais com quem trabalho, que me inspiram e me


impressionam com sua coragem, determinação e disposição, obrigada
por me permitirem fazer parte da sua jornada.
Ao meu melhor amigo e marido, Gavin, obrigada por seu amor infi-
nito e encorajamento, por seu apoio prático e moral e por sempre acredi-
tar em mim. Às minhas filhas, Sara e Ariella, agradeço pelo seu entusias-
mo com este livro e por sempre torcerem por mim. Aos meus pais, Ruth
e David, obrigada por terem me incentivado e apoiado meu sonho de me
tornar psicóloga infantil desde os meus 12 anos, e por estimularem meu
amor por ouvir as pessoas, falar com elas e ajudá-las.
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO
BRASILEIRA

E se, em vez de tentarmos mudar o que não temos poder e controle


– ou seja, nossos pensamentos e emoções –, nos engajarmos em mu-
dar o que podemos – ou seja, nossas escolhas e ações –, utilizando como
parâmetro aquilo que é importante para cada um de nós?
Essa foi a ideia de Steven C. Hayes e colaboradores quando desenvolve-
ram (e seguem desenvolvendo) a terapia de aceitação e compromisso (ACT, do
inglês acceptance and commitment therapy). Com essa visão, diversas psicopato-
logias e problemas do dia a dia entraram no foco de pesquisa da terapia, para
testar sua eficácia e efetividade na resolução deles.
Desde sua origem, ainda que toda a teoria se baseasse no fenômeno co-
mum do ser humano (a linguagem), a ACT focou em atender adultos em
sofrimento ou com desafios psicológicos. E isso não é uma crítica, afinal, tudo
tem um começo. Porém, todo o arcabouço técnico e sua aplicação foram or-
ganizados de forma que somente adultos compreendessem. Veja, por exemplo,
os nomes dos processos da Hexaflex – forma de apresentar os processos da
ACT com o objetivo de desenvolver flexibilidade psicológica: mindfulness, self
contextual, desfusão cognitiva, aceitação, clareza nos valores e ações comprometidas
com valores. Ainda que na clínica não se deva ensinar ACT, mas sim vivenciá-la,
em algum momento esses termos são utilizados nos atendimentos.
O problema é que, da maneira como a ACT foi originalmente estabele-
cida, dificilmente ela pode ser aplicada em crianças. Imagine utilizar esses ter-
mos no atendimento infantil? Como as crianças compreenderiam a ACT dessa
forma? É difícil acreditar que essa terapia pudesse auxiliá-las sem que houvesse
uma adequada adaptação na forma de utilizar a abordagem, mantendo a essên-
cia dos processos e das técnicas.
xii  Apresentação à edição brasileira

É exatamente esse o mérito deste livro: adaptação com fidelidade. Com


primazia, a autora une toda a sua expertise no atendimento de crianças com os
diversos treinamentos e capacitações em ACT (para adultos) para brindar os
leitores com algo novo: um manual de como utilizar a ACT de forma efetiva
com crianças. E isso passa por modificar a ACT Hexaflex para a ACT Kidflex e
mostrar como realizar intervenções tanto quando a criança se vincula à terapia
quanto quando ela não o faz.
Tamar D. Black introduz a ACT e descreve processo por processo, com
exemplos práticos de como aplicar as técnicas, dando especial atenção às adap-
tações necessárias para a realização de atendimentos on-line (demanda indis-
pensável após a pandemia de covid-19, o que torna este livro extremamente
atual). O leitor concluirá a leitura com uma clareza sobre o que fazer do início
ao fim do atendimento de crianças com os mais diversos desafios clínicos.
Para mim, como revisor técnico, é uma honra fazer parte da história
desta obra no Brasil. Busquei fazer o melhor possível para manter a fide-
lidade aos termos da ACT, de forma que o profissional se sinta seguro de
estar lendo uma boa e adequada tradução. Não fiz esse trabalho sozinho,
contei com apoio de excelentes profissionais atuantes em ACT e em tera-
pia infantil. Aqui, deixo público meu agradecimento a Mônica Valentim,
Aline Simões, William Perez e Débora Fava, pelas conversas no decorrer da
revisão para validação e debate a respeito da terminologia. Muito obrigado!
Também sou grato à Sinopsys Editora pela confiança em meu trabalho e
quero parabenizá-la pela coragem de traduzir esta obra. Muitas crianças
brasileiras serão beneficiadas por tamanha iniciativa.
E você, leitor(a), prepare-se: sua intervenção clínica na infância
não será mais a mesma após esta leitura. Que você possa auxiliar muitas
crianças (e seus pais ou responsáveis) a terem vidas valiosas e direcionadas
ao que é importante para elas. Este livro lhe guiará nessa jornada. Sucesso
para você!

Igor da Rosa Finger


Psicólogo. Doutor e mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
PREFÁCIO

P reciso confessar, não sou muito fã de escrever prefácios, e no começo


deste ano jurei que não iria mais fazer isso. Mas quando Tamar Black
me procurou, não pude dizer não. Bem, suponho que eu poderia, mas não
quis, pois fiquei muito entusiasmado quando ela me contou do que se tra-
tava este livro.
É difícil expressar como fiquei encantado por, finalmente, depois de
muito tempo, termos um livro desta natureza. Há muitos anos eu esperava
que alguém escrevesse um livro realmente prático, simples e abrangente so-
bre a ACT para crianças – e é com prazer que digo que esta obra se encaixa,
de fato, nesta expectativa. Tamar é uma especialista mundialmente renoma-
da sobre o uso da ACT com crianças, e fez um excelente trabalho ao explicar
como adaptamos e modificamos a ACT para trabalhar de maneira flexível
com crianças de 5 a 12 anos. (Também moramos na mesma cidade, e a co-
nheço há muitos anos, assim, com frequência tenho recomendado a amigos
que levem seus filhos para fazerem terapia com ela.)
O que é fantástico neste livro é que mesmo que você não saiba nada sobre
ACT, ele lhe fornecerá uma rápida fundamentação em seus aspectos básicos.
Praticamente todos aqueles que fazem terapia com crianças vão se beneficiar e
serão capazes de colocar em prática essas habilidades e usá-las em combinação
com outros modelos. Se você já sabe como usar ACT com adultos ou adoles-
centes, descobrirá que este livro é um tesouro valioso, cheio de ideias e estraté-
gias para adaptar com eficiência a maneira como você trabalha.
Vamos encarar a realidade: muitos terapeutas ficam travados ao tentar
aplicar ACT com crianças. Alguns se dão conta de que estão fazendo de
uma forma estereotipada: sempre seguindo a mesma sequência, manten-
do-se apegados às mesmas metáforas e exercícios. Alguns tentam simples-
xiv  Prefácio

mente traduzir a “ACT para adultos” para a linguagem infantil – quando


então descobrem que as crianças ou não entendem ou não gostam. Alguns
caem nas armadilhas clássicas dos terapeutas da ACT, como “falar sobre a
ACT” (discutindo conceitos e ideias da ACT em vez de fazer o trabalho
experiencial essencial) ou “abusar das metáforas” (bombardeando os clientes
com infindáveis enxurradas de metáforas na esperança de que uma delas faça
diferença). E muitos deles fazem exercícios ou estabelecem atividades como
tarefas de casa que são inadequadas em termos do desenvolvimento – uma
receita garantida para o fracasso.
Se essas coisas já aconteceram com você, você deve ter se sentido um
tanto desanimado ou frustrado. Mas a boa notícia é que Tamar vai lhe mos-
trar como evitar essas armadilhas (ou como conseguir sair depois de ter caído
em uma delas) e, em vez disso, trabalhar fluente e flexivelmente com clientes
jovens. Ela vai lhe ensinar como dançar em torno da ACT Kidflex* e tornar
suas sessões divertidas, criativas e efetivas. Você vai aprender como fazer o
trabalho experiencial da ACT e manter seus clientes engajados enquanto faz
isso. E, o que é muito importante, você vai descobrir como adaptar suas in-
tervenções de modo que elas sejam apropriadas ao nível do desenvolvimento!
Portanto, se você quer ser eficiente e criativo para ajudar as crianças a
viver de acordo com seus valores, enfrentar seus medos, libertar-se de pensa-
mentos difíceis, dar espaço para sentimentos difíceis, desenvolver autocom-
paixão, agir de forma eficiente e se envolver plenamente na vida, você veio
ao lugar certo. Este livro vai lhe proporcionar todo o conhecimento que você
precisa ter para alcançar estes fins. Desfrute da viagem!

Russ Harris
Treinador em ACT mundialmente renomado e autor dos livros ACT
made simple, The happiness trap, The reality slap e ACT with love.

* N. de R.T.: Nenhuma tradução seria suficientemente clara para o que quer dizer
ACT Kidflex: uma adaptação da Hexaflex da ACT (os seis processos de flexibilidade
psicológica da ACT) para uma forma que as próprias crianças possam compreender.
Por isso, optou-se por manter a expressão em inglês.
SUMÁRIO

1. Uma visão geral do uso da ACT para tratar crianças....................... 1

2. A primeira sessão e a conceitualização de caso na ACT................. 29

3. Deixe acontecer e deixe ir.............................................................. 67

Folha de exercícios 1: Deixando nossos pensamentos acontecerem..........74


Folha de exercícios 2: Notando nossos pensamentos como
carros que passam........................................................................ 90

4. Escolha o que é importante e faça o que é importante................. 101

Folha de exercícios 3: Escreva um cartão de agradecimento


para si mesmo............................................................................ 106
Folha de exercícios 4: A varinha mágica....................................... 109

5. Fique aqui e observe-se................................................................ 135

Folha de exercícios 5: Fique aqui.................................................. 142


Folha de exercícios 6: Assistindo a um filme da sua vida............... 163

6. Seja gentil e atencioso consigo mesmo......................................... 167

Folha de exercícios 7: O treinador gentil e atencioso.................... 176


xvi  Sumário

7. Quando os pais são o cliente........................................................ 191

8. Dicas finais para usar ACT com crianças..................................... 221

Referências....................................................................................... 227

Índice............................................................................................... 231
1
UMA VISÃO GERAL DO USO DA
ACT PARA TRATAR CRIANÇAS

E ste livro é escrito para psiquiatras, psicólogos, conselheiros, psicó-


logos escolares, conselheiros escolares, terapeutas e estudantes que
oferecem terapia individual para crianças de 5 a 12 anos, e também para
aqueles que desejam aprender como fazê-lo. Escrevi este livro proposital-
mente para ser muito prático, um guia de “como fazer” para trabalhar
com crianças usando a terapia de aceitação e compromisso (ACT, do
inglês acceptance and commitment therapy) – uma abordagem de terapia
individual breve – de forma apropriada ao desenvolvimento. A obra con-
templa terapeutas com uma ampla gama de experiências, desde aqueles
sem conhecimento prévio ou treinamento na ACT até terapeutas espe-
cializados altamente experientes na abordagem.

O QUE VOCÊ VAI APRENDER NESTE LIVRO


Se você já usou a ACT com crianças, pode ter notado que geralmente
inicia a terapia pelo mesmo lugar com cada criança, seguindo o mes-
mo plano de intervenção e usando os mesmos exercícios. Ou você pode
achar que usar ACT com crianças é o mesmo que usar ACT com adoles-
centes e adultos, mas frequentemente percebe que a criança não entende
o que você está dizendo ou não participa muito nas sessões. Você pode
se dar conta de que está dominando a maior parte da conversa e usando
metáfora após metáfora da ACT, e como resultado a criança simples-
mente concorda com você em vez de expor as suas dificuldades. Também
2  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

pode ser desafiador saber como sugerir tarefas de casa adequadas ao de-
senvolvimento, tanto para a criança quanto para seus pais ou cuidadores,
para reforçar o que vocês fizeram nas sessões. Por fim, a criança pode
ficar entediada nas sessões, não realizando as tarefas de casa sugeridas,
ou relutar em retornar. Ao ler este livro, você vai aprender como evitar
essas dificuldades e otimizar suas sessões de ACT com crianças. Seja você
experiente ou novo na ACT, este livro lhe fornecerá informações práticas
e ferramentas que lhe permitam aplicar a ACT de forma eficiente com
seus jovens clientes.
Este capítulo apresenta uma breve introdução à ACT, uma visão geral
de como modificá-la para uso com crianças, e alguns indicadores impor-
tantes de ter em mente na condução das sessões de ACT com crianças.
No Capítulo 2, você vai aprender sobre a primeira sessão com a
criança, incluindo como usar um modelo de conceitualização de caso
desenvolvido especialmente para uso com as crianças e seus pais, com
sugestões detalhadas de como fazer cada pergunta. Também examinare-
mos como apresentar a ACT às crianças, convidá-las a se tornarem seu
próprio super-herói e lhes dar voz no processo terapêutico.
No Capítulo 3, você vai começar a aprender sobre como usar os
processos que eu chamo de ACT Kidflex, um modelo adaptado do ACT
Hexaflex, que envolve seis processos para ajudar os clientes a alcançarem
flexibilidade psicológica. O Capítulo 3 se concentra em dois desses pro-
cessos: deixe acontecer e deixe ir. No Capítulo 4, focaremos nos processos
da ACT escolha o que é importante e faça o que é importante, e, então, no
Capítulo 5, vamos aprender sobre os outros dois processos: fique aqui
e observe-se. O Capítulo 6 nos apresenta ao melhor amigo da ACT, seja
gentil e atencioso consigo mesmo, e foca em como ensinar essa habilidade
vital às crianças usando exercícios nas sessões. Desse modo, a criança
pode experimentar como é ser gentil e atenciosa consigo mesma. No Ca-
pítulo 7, aprenderemos como trabalhar com pais de crianças pequenas,
sem fazer terapia com seu filho. Depois concluiremos, no Capítulo 8,
Act para o tratamento de crianças  3

com algumas dicas finais de como começar a usar o que você aprendeu
neste livro.
Os capítulos nesta obra, começando pelo Capítulo 3, apresentam
uma extensa lista de exercícios altamente experienciais (experiencial se
refere a alguma coisa que é experimentada, em vez de discutir sobre um
conceito ou ideia) que você pode fazer nas sessões com crianças. Usar
esses exercícios com seus jovens clientes possibilitará que eles construam
um conjunto de ferramentas de enfrentamento para ajudá-los a lidar com
o estresse e manejar pensamentos e sentimentos difíceis. Você também
vai encontrar exemplos de casos que incluem sugestões para tarefas de
casa para a criança praticar entre as sessões, além de tarefas de casa para
os pais reforçarem o que o filho aprendeu nas sessões. Todos os exercícios
são intencionalmente simples para que, em termos de desenvolvimento,
sejam apropriados para crianças e fáceis de implementar, e a ampla gama
de exercícios vai permitir que você escolha o que melhor se adapta às
necessidades e às personalidades das crianças com quem trabalha.

DICA ÚTIL

Conforme enfatizado neste livro, um fundamento para o sucesso da ACT com crianças
é envolvê-las no processo terapêutico fazendo exercícios com a criança – e não para a
criança – e também se divertir um pouco.

As folhas de exercícios são fornecidas nos Capítulos 3 a 6 e estão


disponíveis para download em cores no site da editora. Você pode usá-las
nas sessões com as crianças e dá-las aos pais para que seus filhos façam
em casa com a supervisão deles. Algumas das folhas de exercícios são re-
petições dos exercícios dos capítulos, possibilitando que a criança tenha
um recurso visual do exercício para levar para casa, enquanto outras ati-
vidades introduzem material novo. Com base no que achar que será útil
para a criança, você pode escolher se usa todas as folhas de exercícios com
a mesma criança ou escolhe uma ou várias delas. Materiais adicionais,
4  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

incluindo o modelo de conceitualização de caso e roteiros dos exercícios,


também estão disponíveis para download.
Quando terminar de ler este livro, acesse o site da editora, onde você
encontrará um extenso protocolo do caso de um tratamento que fiz com
um cliente de 8 anos em seis sessões. Vou conduzi-lo em cada sessão,
uma de cada vez, mostrando em detalhes como usei a ACT. Cada pro-
cesso da ACT Kidflex – junto com seja gentil e atencioso consigo mesmo – é
abordado, incluindo os exercícios conduzidos e as tarefas de casa reco-
mendadas tanto para a criança quanto para seus pais.
Note que nem todas as atividades, folhas de exercícios, perguntas,
tarefas de casa e recomendações no livro são aplicáveis aos cuidadores
com quem a criança reside.

INTRODUÇÃO À TERAPIA DE ACEITAÇÃO E


COMPROMISSO
Antes de começarmos a aprender como usar a ACT (Hayes, Strosahl, et
al., 1999, 2012) com crianças, farei uma pequena introdução à ACT e
uma descrição de como ela difere da terapia cognitivo-comportamental
(TCC; Beck et al., 1979). Se você estiver familiarizado com a ACT, esta
será uma revisão. Depois disso, vou lhe apresentar ao novo ACT Kidflex,
um modelo comportamental para usar a ACT com crianças de 5 a 12
anos, incluindo uma descrição de cada um dos seus processos, acompa-
nhados de exemplos. Depois examinaremos a postura da ACT e como
você pode usá-la nas sessões.
Se esta for a primeira vez que você está aprendendo sobre ACT, eu
o encorajo a também explorar os inúmeros recursos teóricos disponíveis
para aumentar seus conhecimentos sobre a ACT, como:

• ACT made simple (Harris, 2009)


• ACT made simple, 2ª edição (Harris, 2019)
• Aprendendo ACT, 2ª edição (Luoma et al., 2022)
Act para o tratamento de crianças  5

A ACT (pronunciada como a palavra inglesa “act” [“ato” ou “ação”],


e não A-C-T) tem suas raízes na análise do comportamento aplicada
(ABA, do inglês applied behavior analysis; Baer et al., 1968) e na teoria
das molduras relacionais (RFT, do inglês relational frame theory; Hayes
et al., 2001), que é uma abordagem teórica da linguagem e cognição.
A ACT também está baseada na filosofia do contextualismo funcional
(Biglan & Hayes, 1996; Hayes, 1993; Hayes et al., 1988), que sustenta
que todo comportamento se destina a servir aos melhores interesses do
organismo. Ou seja, para que seja “entendido” por uma perspectiva clí-
nica, um comportamento precisa ser considerado no contexto em que
ele ocorre. O mundo interno da linguagem e do pensamento, até mesmo
a consciência, deve ser considerado como um contexto que pode dar
início, reforçar e moldar um conjunto de comportamentos. Por uma
perspectiva contextual funcional, a forma mais efetiva de mudar o com-
portamento é manipulando os fatores contextuais – por exemplo, o que
uma pessoa aprendeu e seus processos de linguagem – que mantêm o
comportamento (Coyne et al., 2011).
Para entender a ACT, é importante conhecer as diferenças entre
ACT e TCC e ter uma introdução básica à teoria das molduras relacio-
nais. Vamos abordar estes tópicos a seguir.

Em que aspectos a ACT é diferente da TCC?


Tanto a ACT quanto a TCC utilizam técnicas comportamentais. No
entanto, os modelos diferem na sua abordagem teórica, nos processos
de mudança envolvidos (ou seja, os mecanismos que levam à mudança)
e na maneira como abordam linguagem e cognição. A ACT foca menos
no conteúdo das experiências privadas (pensamentos, emoções, senti-
mentos, memórias, desejos, sensações físicas e comportamentos) do que
a TCC; em vez disso, o terapeuta que usa a ACT ajuda a pessoa a formar
uma relação desprendida e não reativa com essas experiências privadas.
As abordagens da TCC tendem a ver o conteúdo de pensamentos,
emoções, sentimentos ou memórias angustiantes e indesejados como algo
6  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

que os clientes precisam avaliar e reestruturar para que sejam mais con-
sistentes com uma análise lógica da situação. O termo “cientista pessoal”
tem sido usado com frequência para descrever essa filosofia fundamental
subjacente à abordagem da TCC. Enquanto a TCC enfatiza a mudança
dos pensamentos e do comportamento dos clientes com o objetivo de
reduzir os sintomas, a ACT enfatiza a abertura e a aceitação de todos
os eventos psicológicos (como pensamentos, emoções, sentimentos, me-
mórias e comportamentos) sem fazer nada para mudá-los, evitá-los ou
limitá-los, apesar do seu tipo e rótulo atribuídos. O terapeuta que usa
a ACT focaliza em como as respostas comportamentais de uma pessoa
funcionam para ela em termos de valores ou objetivos de vida identifica-
dos (Coyne et al., 2011).

Teoria das molduras relacionais


A RFT é focada na origem das habilidades verbais e está baseada na no-
ção de que a linguagem e a cognição humana são dependentes de dicas
contextuais conhecidas como molduras relacionais. Os seres humanos re-
lacionam experiências como sentir uma emoção, ter um pensamento ou
ver ou sentir o odor de alguma coisa com as convenções sociais, derivan-
do seu próprio significado dessas experiências – um processo conhecido
como controle contextual arbitrário (Luoma et al., 2022). Na RFT, isso é
um comportamento operante aprendido (um comportamento é qualquer
coisa que uma pessoa faz e que ela pode aumentar ou reduzir, por exem-
plo, contato com amigos, pedir ajuda e afastar-se de outras pessoas).
A RFT e a ACT assumem a perspectiva de que quando a linguagem
e as cognições são rígidas, as pessoas tendem a viver de formas psicologi-
camente inflexíveis e, como consequência, frequentemente se desenvolve
uma psicopatologia (Luoma et al., 2022). Por exemplo, uma menina de
12 anos pode ter o pensamento: Eu me sinto muito culpada por ter cedido
à pressão dos amigos para beber álcool na festa, mas não posso contar aos
meus pais porque eles vão pensar mal de mim. Ter um relacionamento pró-
ximo com seus pais é importante para ela, porém ela acredita fortemente
Act para o tratamento de crianças  7

que eles vão julgá-la e perder o respeito por ela se contar que bebeu
álcool. Ela tem medo que seus pais descubram e, como consequência,
desenvolve ansiedade. A abordagem da ACT com essa menina seria: 1)
usar estratégias que a ensinem a parar de se apegar aos seus pensamentos
sobre a festa e romper estratégias verbais inúteis; e 2) encorajá-la a ficar
com seus sentimentos de culpa e informar seus pais com o objetivo de
intensificar uma relação mais próxima com eles.

A ACT é adequada para crianças?


Diversos estudos constataram que a ACT é efetiva para crianças. A meta-
nálise de Fang e Ding (2020) de sete ensaios controlados randomizados
de ACT com crianças de até 12 anos descobriu que a ACT reduziu sig-
nificativamente a ansiedade e a depressão nas crianças e equivalia à TCC
quanto à eficácia. Uma revisão feita por Swain et al. (2015) mostrou
que, para crianças com menos de 12 anos, três estudos constataram que
a ACT era significativamente eficaz; um desses estudos era um ensaio
controlado randomizado.
As crianças frequentemente respondem muito bem à ACT e, em
geral, gostam da natureza interativa e experiencial das técnicas terapêu-
ticas. Em vez de se parecerem com uma aula na escola onde o ensino é
frequentemente didático e requer que elas se sentem e ouçam o professor
em silêncio, as sessões de ACT com crianças envolvem o engajamento
delas e do terapeuta em exercícios conjuntos (isso será discutido em mais
detalhes nos Capítulos 3, 4 e 5).

DICA ÚTIL

A maneira como uso a ACT com crianças é muito simples. Quando dou explicações,
asseguro-me de usar uma linguagem simples e fácil de entender, e descomplico os
exercícios tanto quanto possível. Na verdade, percebi que a forma como uso a ACT com
crianças fica cada vez mais simples com o passar do tempo.
8  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

Depois de dar explicações e instruções, digo à criança algo como:


“Se algo que eu disse for muito confuso e não fizer sentido, por favor
me diga, e vou encontrar outra forma de explicar”. Isso porque a criança
pode não se sentir à vontade para lhe dizer que não entende o que você
está falando, a não ser que você pergunte explicitamente.
Algumas vezes, quando estou em uma sessão com uma criança de,
digamos, 5 a 10 anos, penso em um exercício que eu gostaria de usar,
mas que posso não ter tentado ainda com alguém tão jovem quanto ela.
Ou posso ter participado de um workshop de ACT sobre o trabalho com
adultos e aprendi um novo exercício excelente, ou posso ter lido sobre
um exercício em um livro que foi escrito para usar a ACT com adultos, e
eu realmente adoraria tentar adaptá-lo para usar com crianças. Para fazer
isso, tento tornar o exercício muito mais fácil para as crianças entende-
rem. Isso pode parecer assustador, particularmente se você é iniciante no
trabalho com crianças, ou novo no uso da ACT com esse público. Isso
também foi assustador para mim quando comecei a tentar treinar como
usar a ACT com crianças: a minha preocupação era de que a criança
poderia ser muito nova para entender os conceitos e que eu poderia não
ser capaz de fazer os exercícios corretamente. Encorajo você a experi-
mentar, mesmo que sua mente lhe diga que não tem certeza se a criança
tem idade suficiente para aquele exercício em particular. Se a criança não
entender a atividade, você pode tentar torná-la menos complicado. Uma
técnica que me ajudou a descobrir se eu havia adaptado suficientemente
um exercício é perguntar a mim mesma se o exercício será fácil para a
criança lembrar. Se você não está seguro de como tornar um exercício
menos complicado, você pode tentar outra atividade que aborde o mes-
mo processo da ACT.
Quando trabalho com crianças mais novas (6 a 8 anos), particular-
mente se elas são muito maduras para a sua idade, sei que algumas vezes
posso erroneamente usar uma linguagem muito avançada para elas. Por
ter conhecimento disso, costumo dizer a crianças mais novas – antes de
discutir algum conceito ou dar explicações e instruções – que algumas
Act para o tratamento de crianças  9

vezes posso me esquecer da idade que elas têm e achar que estou sentada
em meu consultório com uma criança mais velha. Peço que me alertem
se eu usar uma linguagem que seja muito avançada para elas para que
eu possa mudar as palavras que uso de modo que sejam adequadas para
elas. Observei que as crianças parecem gostar do fato de eu estar disposta
a admitir que posso cometer erros: ser capaz de admitir minha própria
vulnerabilidade e falhas mostra às crianças (e aos seus pais) que não me
considero perfeita e estou aberta e receptiva a feedback. Isso demonstra
a minha flexibilidade e desprendimento da minha própria história sobre
quem eu sou. (Quando digo “história”, refiro-me a uma forma de nos
descrevermos, o que na ACT é chamado de self conceitualizado e self como
conteúdo.) Essa disponibilidade da minha parte me ajuda a desenvolver
vínculo com as crianças e com seus pais.
A ACT pode ser muito útil para crianças porque se concentra no
aumento da aceitação, o que pode desenvolver autoestima e resiliência
e melhorar sua qualidade de vida. Este livro foi escrito para ajudar você
a expandir as habilidades para equipar as crianças de modo que possam
melhorar sua saúde mental e resiliência e superar transtornos como an-
siedade e depressão. As crianças, assim como os adolescentes e os adul-
tos, também podem ter dificuldades para se recuperar das dificuldades; a
ACT ensina habilidades muito importantes para a vida usando estraté-
gias aplicáveis a uma ampla gama de transtornos e que podem ser aplica-
das a outros desafios no futuro.
A ACT também pode ajudar as crianças a regular e manejar as emo-
ções e lidar com os altos e baixos da vida. Isso ajudará seus clientes a se
tornarem mais capacitados e confiantes para autogerenciar suas dificul-
dades e ser menos controlados e temerosos dos seus pensamentos e sen-
timentos. As estratégias são práticas e fáceis de implementar, e a criança
será capaz de usá-las sozinha, reservadamente e em muitos ambientes,
como em casa, na escola e em atividades sociais e de lazer.
Agora vamos dar uma olhada na ACT Kidflex, em seus processos e
como ela é usada com crianças.
10  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

A ACT KIDFLEX
O modelo de mudança do comportamento da ACT (Hayes et al., 2006)
é comumente referido como “ACT Hexaflex”. Esse modelo consiste em
seis processos centrais da ACT: aceitação, desfusão, valores, ação compro-
metida, contato com o momento presente e self como contexto. Esses proces-
sos visam construir flexibilidade psicológica, definida como “a habilidade
de estar em contato com o momento presente mais plenamente como
um ser humano consciente e mudar ou persistir no comportamento
quando estiver a serviço de fins valiosos” (Hayes et al., 2006, p. 7).
Adaptei o modelo de mudança do comportamento da ACT para
criar o modelo ACT Kidflex (apresentado na Figura 1.1) com o objetivo
de deixá-lo apropriado ao desenvolvimento das crianças, usando uma
linguagem que elas possam compreender. Como tal, os seis processos
centrais da ACT Kidflex são deixe acontecer*, deixe ir, escolha o que é
importante, faça o que é importante, fique aqui e observe-se. Na ACT Kidflex,
a flexibilidade psicológica é chamada de Eu sou flexível, que pode ser de-
finida como “fique aqui, note o que está acontecendo sem tentar mudar
seus pensamentos ou sentimentos, e siga em frente ou mude suas ações
quando necessário, para fazer o que importa para você”. No modelo
Kidflex, você pode ver como Eu sou flexível está representado pelos seis
pontos do hexágono.

* N. de R.T.: Entre todas as adaptações dos processos da Hexaflex feitas pela autora para
desenvolver a Kidflex, o processo de “aceitação” foi o mais difícil ao decidir o termo
a ser utilizado nesta tradução em português. No original, a autora utiliza a expressão
“let it be”. Porém, entendo que seria difícil para uma criança de 5 anos compreender
o que seria “deixe ser” ou “deixe estar”. Da mesma forma, outras expressões como
“deixe para lá” podem denotar uma ideia de exclusão, de não dar importância – o
que é bem diferente do sentido do processo “aceitação” no Hexaflex, que consiste
em “deixar fazer parte, estar presente”. Assim, mesmo que seja diferente do original
em inglês “deixe ser/estar”, definiu-se o termo como “deixe acontecer”, a fim de que
uma criança compreenda mais facilmente que os eventos privados (pensamentos,
emoções, memórias, etc.), agradáveis ou desagradáveis, estarão presentes na vida dela
– e tudo bem.
Act para o tratamento de crianças  11

Vamos considerar como você poderia usar a ACT Kidflex com uma
criança. Imagine-se trabalhando com uma criança que gosta de estudar
piano. Ela quer tocar no seu primeiro recital de piano porque sente or-
gulho do quanto já conseguiu, mas à medida que se aproxima o dia da
apresentação, evita praticar por medo de sentir ansiedade por não estar
certa de se terá um bom desempenho. Uma abordagem da ACT seria
perguntar à criança se havia alguma coisa sobre o recital de piano que era
importante para ela (escolha o que é importante). Então, você poderia en-
corajá-la a praticar piano enquanto nota o que está sentindo e onde sente
que isso é mais forte em seu corpo (fique aqui) sem tentar fazer nada
para reduzir o sentimento de ansiedade (deixe acontecer), dizendo olá aos
pensamentos de estragar tudo durante o recital quando for se apresentar
(deixe ir), observando-se enquanto tem esses pensamentos (observe-se) e
continuando a praticar mesmo na presença desses pensamentos (faça o
que é importante). Vamos examinar cada um dos processos, incluindo
exemplos de como usá-los com crianças.

Fique aqui

Deixe Escolha
acontecer o que é
importante

Eu sou flexível

Faça
Deixe ir o que é
importante

Observe-se

Figura 1.1 O modelo ACT Kidflex.


Fonte: adaptada de Hayes et al. (2006).
12  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

Deixe acontecer
Deixe acontecer se refere a permitir que experiências privadas indesejadas
(como pensamentos, sentimentos, emoções, memórias, anseios, sensa-
ções físicas e comportamentos) apenas estejam ali, sem tentar fazer nada
com elas, livrar-se delas, substituí-las ou procurar evidências a favor e
contra elas. Há algumas situações em que não deixar acontecer pode ser
útil em curto prazo, por exemplo, ouvir uma música como um meio de
distração para conseguir tomar uma injeção ou fazer um exame de san-
gue. No entanto, não deixar acontecer é inútil em longo prazo se uma
pessoa focar mais em não ter certas experiências privadas e restringir o
que faz para evitar essas experiências em vez de fazer coisas que são im-
portantes para ela (Coyne et al., 2011).
Um exemplo disso é uma criança que experiencia constrangimento
na escola, depois para de ir à escola como um meio de evitar sentir-se en-
vergonhada e desenvolve rejeição à escola. Sair-se bem academicamente é
importante para ela; entretanto, o resultado de não frequentar a escola é
que ela fica para trás, o que cria imenso estresse para ela. Em consequên-
cia, o uso em longo prazo de evitar seus pensamentos e sentimentos não
é útil para ela.
Nós ensinamos as crianças a deixar acontecer para combater os efei-
tos tóxicos de ficarem presas aos seus pensamentos e seguirem as regras
rígidas que elas desenvolveram e que controlam seu comportamento
para evitar experiências privadas. Por exemplo, uma criança participou
de uma festa em que se sentiu excluída pelas outras crianças e, como re-
sultado, sentiu-se sozinha e triste durante a festa. Como consequência da
sua experiência, ela desenvolveu uma regra de “Não vou a festas porque
ninguém fala comigo”. Ensinando à criança o processo deixe acontecer
da ACT, ela pode aprender a fazer as coisas que são importantes para ela
(Hayes et al., 2006), mesmo que experimente desconforto ao fazer isso.
Tomando o exemplo anterior da criança que estava preocupada com
seu recital de piano, uma abordagem deixe acontecer da ACT seria sugerir
que ela tente deixar seus pensamentos sobre não ter um bom desem-
Act para o tratamento de crianças  13

penho simplesmente acontecerem, sem tentar fazer nada com eles, e,


quando tomar consciência de que esses pensamentos estão presentes, ela
gentilmente traz sua atenção de volta para a tarefa de praticar piano.
Desse modo, a ACT visa promover deixar acontecer, enquanto se dedica
às coisas que são importantes, em vez de tentar regular as emoções ou
reduzir os sintomas (Coyne et al., 2011).

Deixe ir
Deixe ir se refere a darmos um passo para trás e obtermos alguma se-
paração entre nós e nossos pensamentos para não ficarmos presos ou
apegados a eles. Não estamos tentando nos livrar dos nossos pensamen-
tos, ou reduzir a frequência com que eles surgem, ou substituí-los; em
vez disso, deixar ir envolve sermos capazes de vê-los como são – ape-
nas pensamentos – sem permitir que tenham muito poder sobre nós.
Quando eu apresento o deixe ir às crianças, começo explicando que
os pensamentos começam como letras do alfabeto, então nossa mente
junta as letras para formar palavras, as quais se tornam frases. Digo a
elas que o fato de nossa mente elaborar essas frases não quer dizer que
elas sempre são verdadeiras, ou que sempre temos que acreditar em
tudo que nossa mente nos diz.
Por exemplo, a criança que estava tendo pensamentos sobre não se
sair bem em seu recital de piano poderia usar o deixe ir dizendo: Estou
tendo o pensamento de que não vou me sair bem no meu recital de piano
ou Minha mente está me dizendo que não vou me sair bem em vez de Não
vou me sair bem no meu recital de piano. Isso a encoraja a ver seus senti-
mentos e pensamentos como apenas sentimentos e pensamentos (Bar-
nes-Holmes et al., 2004), em vez de acreditar que o que sua mente está
lhe dizendo é absolutamente verdadeiro e que ela deve acreditar e lhe dar
ouvidos (e, portanto, parar de praticar para o recital porque ela sabe que
vai se sair mal). Essa pequena prática é fácil para as crianças realizarem e
lembrarem, e geralmente cria distância de um pensamento. Desse modo,
o pensamento não tem tanto controle sobre a criança, portanto ela reage
14  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

menos a ele e pode escolher o que importa para ela, mesmo quando o
pensamento surge, em vez de ter sua mente no comando, dizendo a ela o
que fazer (e o que não fazer).

Escolha o que é importante


Escolha o que é importante se refere a valores – coisas com que uma pessoa
se importa, no que ela está disposta a trabalhar. Valores são diferentes de
objetivos, que geralmente são eventos temporários com um resultado
(Twohig et al, 2008). Por exemplo, sentir-se conectado com o time de fu-
tebol é um valor, enquanto o time vencer o jogo final é um objetivo. Na
ACT, encorajamos a criança a escolher o que é importante para ela em
vários domínios, como família, escola e lazer, em vez de escolher aqueles
que ela acha que deveria ou que são importantes para outras pessoas,
como pais, amigos e professores.
Este é um exemplo de um exercício escolha o que é importante: peça
para a criança se imaginar na sua festa de aniversário de 11 anos quando
concluir o ensino fundamental, e na festa seus amigos discursam sobre
ela e dizem o que vão lembrar dela quando seguirem caminhos diferentes
no ensino médio. Pergunte à criança como ela gostaria de ser lembrada
por seus colegas e onde ela se vê atualmente em termos do que é impor-
tante para ela. Em outras palavras, atualmente ela está fazendo coisas que
são importantes para ela e, portanto, está próxima do que importa para
ela, ou não está fazendo coisas que são importantes para ela e, portanto,
está distante? Na ACT, o propósito de focar em escolha o que é importante
é ajudar a organizar o comportamento em direção ao que é importante
para uma pessoa. Atingir objetivos específicos é significativo somente
quando essas conquistas sinalizam que a pessoa está no caminho em ter-
mos do que é compatível com o que importa para ela.
Act para o tratamento de crianças  15

Faça o que é importante


Faça o que é importante se refere a comportamentos efetivos que têm
conexão com os valores identificados em escolha o que é importante (Ha-
yes et al., 2006). Nesse aspecto, a ACT é muito semelhante à terapia
comportamental tradicional, que visa mudar comportamentos. Muitos
métodos de terapia comportamental também podem ser usados como
parte da ACT, como modelagem (ou seja, usar reforço para mudar o
comportamento gradualmente), definição de objetivos, exposição (ou
seja, uma técnica em que uma pessoa é exposta com segurança a um
estímulo que desperta ansiedade – por exemplo, entrar em um elevador)
e aquisição de habilidades (Hayes et al., 2006). Na ACT, esses métodos
estão relacionados ao alcance de objetivos, com base em escolha o que
é importante, e promover padrões cada vez mais amplos de fazer o que
importa. Por sua vez, na TCC os objetivos dos métodos de mudança do
comportamento são manter as metas do tratamento, prevenir recaídas e
reduzir desconforto e prejuízo funcional (Coyne et al., 2011).
Quase sempre, faça o que é importante desencadeia pensamentos e
sentimentos tanto agradáveis quanto desagradáveis e geralmente inclui
eventos psicológicos que a criança evitou anteriormente. Por exemplo,
uma criança que está ansiosa por achar que não terá bom desempenho
no último jogo de basquete da temporada pode escolher comparecer por-
que gosta de jogar basquete, quer se divertir com seus amigos e não quer
desapontar o time por não comparecer.

Fique aqui
Quando as pessoas se apegam a memórias, ruminam sobre por que as
coisas ocorreram e se preocupam com o futuro, elas estão menos no pre-
sente (Harris, 2009). O objetivo de fique aqui é estar em contato dire-
to com as próprias experiências, sem tentar rejeitá-las ou minimizá-las
(Coyne et al., 2011). Na ACT, o resultado de fique aqui é mais abertura
e flexibilidade no comportamento (Coyne et al., 2011). Um exemplo de
um exercício para desenvolver essa habilidade é a alimentação conscien-
16  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

te: notar o aroma, as cores, o sabor, os temperos e a textura da comida


e a sensação do alimento na sua boca, e realmente ficar no momento
presente, percebendo quando você começa a ser capturado por seus pen-
samentos e não está mais focado na comida, e então gentilmente trazer
sua atenção de volta para a observação da comida.
Usando o exemplo anterior da criança que estava preocupada com
seu recital de piano e estava evitando praticar em resposta aos seus pen-
samentos ansiosos, poderíamos encorajá-la a praticar piano e a ficar no
momento presente, realmente estando consciente da sensação das teclas
sob suas mãos e dedos, prestando atenção aos sons e ao volume da mú-
sica que ela está tocando, notando quando sua atenção se desvia para
pensamentos de como ela acha que vai se sair no recital, e trazendo sua
atenção de volta para a sensação e os sons de tocar o piano.
Nota: ao longo do livro, usarei a expressão “fique aqui” para me refe-
rir ao uso do processo fique aqui, mesmo quando a pessoa à qual eu esti-
ver me referindo não estiver realmente presente. Os objetivos são manter
a consistência e enfatizar a linguagem que uso com crianças quando en-
sino a elas esse processo.

Observe-se
Observe-se pode ser definido como dar um passo para trás e se observar.
Para ajudar os clientes com esse processo, a ACT usa exercícios de mind-
fulness, exercícios experienciais que desenvolvem a tomada de perspectiva
e metáforas (Hayes, Pistorello et al., 2012). Considere o exemplo de uma
criança que se sente triste quando se aproxima o aniversário da morte do
seu pai: cada vez que se sente triste em casa, ela vai para seu quarto e se
deita na cama, só saindo de lá para ficar com sua mãe e irmãos quando se
sente melhor. Às vezes, ela fica em seu quarto por horas porque se sente
triste, deixando de jantar ou jogar jogos de tabuleiro com sua família.
Você poderia ajudar essa criança a desenvolver a habilidade de observar-
-se, convidando-a a participar de um exercício experiencial em que ela se
imagina em casa sentindo-se triste e observa que vai para seu quarto e se
Act para o tratamento de crianças  17

deita na cama, onde geralmente permanece por muito tempo, sem sair
de lá até se sentir menos triste. Tomar parte nesse exercício pode ajudar a
criança a se dar conta de quanto tempo ela está passando sozinha, espe-
rando até se sentir melhor para sair do quarto. Como resultado de fazer
esse exercício com você na sessão, a criança pode começar a se observar
em casa quando está em seu quarto se sentindo triste, e, em resposta,
ela pode se juntar à sua família em vez de ficar no seu quarto, mesmo
quando se sente triste. Isso pode ajudá-la a se conectar com sua família e
a ficar no momento presente, em vez de ficar presa em seus pensamentos.
Outro exercício experiencial de observe-se usa metáforas, em que
você pode pedir que a criança imagine que está à beira de uma praia,
notando seus pensamentos e sentimentos como as ondas que chegam até
a margem – algumas são fortes, outras suaves, mas nenhuma delas causa
danos à praia.

O objetivo da ACT Kidflex: eu sou flexível


Embora falemos separadamente sobre os processos da ACT Kidflex (dei-
xe acontecer, deixe ir, escolha o que é importante, faça o que é importante, fi-
que aqui e observe-se) – abordando um ou dois ao mesmo tempo para que
a criança possa aprendê-los e experimentá-los de uma forma significativa
–, todos eles se combinam para criar Eu sou flexível (fique aqui, note o
que está acontecendo sem tentar mudar seus pensamentos e sentimentos,
e siga em frente ou mude suas ações quando necessário, para fazer o que
é importante para você). Tenha em mente que não ensinamos Eu sou
flexível diretamente à criança, pois ele é o resultado do uso dos processos
da ACT Kidflex.
Neste ponto, você pode estar se perguntando se as crianças precisam
usar todos os processos da ACT Kidflex para se tornarem flexíveis. Não
precisam: elas podem usar alguns dos processos em algumas situações,
sem precisar usar todos eles. Elas podem já estar usando um processo da
ACT Kidflex, portanto você pode ensiná-las a usar outro processo junto
com aquele que já estão usando. Por exemplo, a criança pode ter dificul-
18  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

dade com deixe ir, o que pode resultar em grande dificuldade para regular
suas emoções. Quando ela não consegue que as coisas sejam como ela
quer, fica muito estressada, grita e chora. Mas ela tem habilidades para
ficar no momento presente, e com frequência mergulha em atividades e
esportes. Você pode encorajá-la a tentar deixar seus pensamentos irem
quando fica irritada, e tentar praticar trazer sua atenção de volta para o
presente, notando o que está próximo a elas e se engajando no que está
acontecendo ao seu redor, em vez de ficar presa em seus pensamentos de
sentir muita raiva. Isso pode ajudá-la a regular suas emoções e parar de
gritar.
Agora que terminamos de examinar o modelo ACT Kidflex, vamos
voltar a um aspecto crucial da condução da ACT conhecido como a
postura da ACT.

A POSTURA DA ACT
Depois que comecei a utilizar a ACT com meus clientes, não só notei
mudanças óbvias em termos das técnicas terapêuticas reais que estava
usando, mas também percebi que eu estava fazendo várias mudanças em
como interajo com meus clientes. Essas mudanças se tornaram caracte-
rísticas essenciais do meu estilo terapêutico e incluem a linguagem que
utilizo com os clientes, a dinâmica do poder entre mim e meus clientes,
minha atenção nas sessões, minha disposição para às vezes compartilhar
minhas próprias dificuldades e praticar as técnicas terapêuticas na mi-
nha vida. Fazer todas essas mudanças – coletivamente referidas como a
postura da ACT – tem tido um impacto muito positivo na minha habi-
lidade para rapidamente desenvolver vínculo com meus clientes, parti-
cularmente crianças. A adoção da postura da ACT será vital para você e
também em seu trabalho com as crianças. A seguir, vamos examinar cada
uma delas de maneira mais detalhada.
Act para o tratamento de crianças  19

Linguagem
Uma das mudanças que notei ter feito na minha postura terapêutica
depois de começar minha própria jornada de aprendizagem da ACT está
relacionada com a linguagem. Durante meus estudos de graduação e
pós-graduação em psicologia, e na supervisão clínica como parte do trei-
namento para me tornar psicóloga licenciada, fiz treinamento em TCC,
e meus professores e supervisores se referiam aos clientes como “pacien-
tes”, condizente com um modelo médico. Embora eu adotasse esse ter-
mo no meu trabalho, notei que ele não parecia muito correto para mim.
Por curiosidade, pesquisei a origem da palavra “paciente” e descobri que
ela se origina do latim “patiens” e “patior”, que significam sofrer. Isso
transmite a ideia de que aqueles que ajudamos estão doentes e precisam
ser “consertados” ou “curados” para que não estejam mais doentes e se
sintam “melhores” como resultado do tratamento (Neuberger, 1999).
A postura da ACT difere de forma marcante, e, assim, a minha própria
linguagem mudou: eu ajudo “clientes” em vez de tratar pacientes. (Note
que eu trabalho em clínica privada e em uma escola, portanto essa termi-
nologia é adequada para esses ambientes, mas pode ser que você trabalhe
em contextos como hospitais, onde é mais apropriado continuar a se
referir às pessoas com quem trabalha como pacientes.)
Uma forma como aplico a linguagem nas sessões com crianças é me
apresentar pelo meu primeiro nome. Se a criança ou seus pais se referem
a mim como “Dra.” ou “Dra. Black” ou “Dra. Tamar”, eu peço que, por
favor, me chamem de Tamar. Minha razão para fazer isso é que eu quero
que a criança e seus pais percebam que eu me vejo como igual a eles.
Também espero que, se a criança me tratar pelo meu primeiro nome,
ela fique menos intimidada e se sinta mais confortável com o processo
terapêutico. (Entendo, no entanto, que em algumas organizações, como
as escolas, os alunos não têm permissão de tratar os funcionários pelo
primeiro nome, enquanto em outras isso pode ser opcional. Quando
trabalhei em escolas onde eu tinha a escolha de como os alunos podiam
me tratar, escolhia que eles me chamassem pelo meu primeiro nome.)
20  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

Equilíbrio de poder
Um equilíbrio de poder equitativo entre o terapeuta da ACT e o cliente
é um aspecto importante da postura da ACT. Há várias coisas que você
pode fazer para demonstrar isso. Conforme mencionado anteriormente,
a linguagem que escolhe usar com seu cliente, como quando se apresen-
ta, dá à criança e aos seus pais uma noção de se você vê a relação terapêu-
tica como equivalente.
Outra forma de demonstrar equilíbrio de poder é fornecendo infor-
mações e estratégias para a criança e seus pais de maneira que convide à
sua participação ao invés de uma postura autoritária. Faço isso dando à
criança a escolha de vários exercícios que podemos fazer nas sessões, em
vez de apenas um. Se você tem muita experiência com o problema ou
dificuldade para a qual a criança está vindo à terapia, você pode informar
a criança e seus pais de que já trabalhou com muitas outras crianças com
o mesmo problema ou dificuldade, e que gostaria muito de tentar ajudá-
-la. Apresente todos os exercícios à criança como totalmente opcionais:
diga à criança que depende dela se ela escolhe participar (examinaremos
a participação voluntária em mais detalhes no Capítulo 2).

DICA ÚTIL

Ao sugerir tarefas para a criança fazer entre as sessões para praticar o que aprendeu, diga
que ela pode fazer o exercício se desejar, mas que não tem a obrigação de fazer.

No início da sessão seguinte, pergunte se ela conseguiu tentar reali-


zar a tarefa que você sugeriu na sessão passada. Eu sempre introduzo isso
com algo como: “Você deve se lembrar que, na última vez que nos en-
contramos, no fim da sessão eu sugeri que quando estivesse em casa você
tentasse fazer o exercício de respiração consciente para lhe ajudar a pegar
no sono. Eu gostaria de saber se você tentou. Se não tentou, tudo bem,
não vou ficar desapontada nem brava”. Se a criança responde que tentou
a tarefa de casa, pergunto se poderíamos usar parte do tempo para que
Act para o tratamento de crianças  21

ela me contasse como foi. Geralmente também acrescento algo como:


“Por favor, não pense que você tem que me dizer que funcionou bem se
na verdade não foi útil; só me conte como realmente foi para você”. Isso
pode demonstrar que você vê a criança como sua igual e que está aberto
para ouvir que as suas sugestões podem não ter sido úteis. Acredito que
dizer à criança algo assim ajuda a lhe reassegurar que ela não tem que
tentar me agradar dizendo que as minhas sugestões foram úteis.
Outra maneira de demonstrar que vê o equilíbrio de poder como
equitativo é cuidar para não passar a maior parte do tempo da sessão
falando, o que é importante quando se trabalha com crianças. Falar de-
mais é especialmente comum para terapeutas que são novos na ACT; de
fato, isso é algo a que ainda fico muito atenta no meu próprio trabalho.
Se você começar a se questionar se está falando demais sobre a ACT nas
sessões com a criança, pergunte a si mesmo se não está “falando sobre a
ACT em vez de fazer ACT” (Brock et al., 2015, p. 140). Frequentemente
esta é uma maneira útil de fazer uma pausa na sessão e verificar consigo
mesmo o que está acontecendo.

DICA ÚTIL

Se você notar que ficou falando com a criança sobre conceitos da ACT em vez de usar
técnicas interativas, você pode propor um exercício experiencial.

Associado a isso, também é importante observar o quanto você está


falando em comparação com a criança para que não acabe dominan-
do a sessão, o que pode ocorrer quando você se sente desconfortável
(Brock et al., 2015). Isso também pode ocorrer quando você se sente
muito animado sobre como a sessão está progredindo, e quer dizer à
criança tudo o que puder sobre a ACT, talvez para tentar ajudá-la rapi-
damente. Falar demais pode envolver a utilização de muitas metáforas,
o que provavelmente vai confundir a criança. Se você realmente quer
usar metáforas, recomendo que use apenas uma por sessão, certifican-
22  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

do-se de que seja apropriada ao desenvolvimento da criança, usando


uma linguagem que ela possa compreender (discutiremos a linguagem
em mais detalhes nos Capítulos 3, 4 e 5, quando examinarmos como
usar os processos da ACT Kidflex).

Fique aqui durante as sessões


A ideia de ficar no momento presente durante as sessões está refletida
em Mindfulness for two (Wilson, 2008), que apresenta a bela sugestão
de Wilson de que vemos nossos clientes como um pôr do sol a ser
apreciado, em vez de problemas a serem resolvidos. Wilson sugere que
nossa atenção frequentemente fica presa aos problemas da pessoa, o
que desvia nossa atenção, consciência e apreciação da pessoa que está
diante de nós.
Encorajo você a tentar ficar no momento presente quando escuta
seus clientes: realmente percebendo-os, assimilando o que eles dizem e
apreciando-os, em vez de se apressar em resolver o que há de “errado”
com eles. Quando você começa a verdadeiramente assumir a postura
de ficar aqui enquanto ouve os clientes que já havia atendido antes,
sua experiência pode ser semelhante a estar vendo-os pela primeira vez,
e você poderá de fato notar e aprender coisas não somente sobre seus
clientes, mas também sobre suas próprias reações, das quais não tinha
consciência anteriormente.

Autorrevelação do terapeuta
Muitos dos exercícios usados na ACT envolvem a expressão de pensa-
mentos difíceis. Alguns terapeutas da ACT usam autorrevelação (em-
bora isso certamente não seja essencial nem uma exigência para uma
terapia efetiva e significativa; portanto, se você não se sentir confortável
em usar a autorrevelação, ou não quiser fazê-lo, não precisa fazer). Para
usar a autorrevelação com eficiência, você pode dizer ao cliente (esco-
lhendo exemplos apropriados) que você também tem suas dificuldades e,
quando apropriado, pode compartilhar uma dificuldade sua, incluindo
Act para o tratamento de crianças  23

as técnicas da ACT que você achou útil. Recomendo que compartilhe


pensamentos que sejam relativamente neutros e comuns (por exemplo,
ir para a cama tarde, ou deixar seu quarto bagunçado). Quando usar au-
torrevelação, é importante ter cuidado para não fazer isso de uma forma
didática, expositiva. Ao contrário, isso pode ser feito expressando a sua
própria vulnerabilidade e normalizando a dificuldade do seu cliente, to-
mando cuidado para não o prejudicar.
Algumas crianças com quem trabalho se sentem ansiosas com o re-
torno à escola depois das férias de verão ou depois de estarem ausentes da
escola por um período mais longo. Embora eu trabalhe na mesma escola
há 19 anos, ainda me sinto nervosa todos os anos no primeiro dia de aula
depois das férias de verão, então posso compartilhar isso com as crianças
para que elas saibam que o que estão sentindo é normal e vivenciado por
muitas pessoas. Eu digo à criança que vou para a escola mesmo que me sin-
ta nervosa, pois meu trabalho é muito importante para mim, e que me sen-
tir nervosa na verdade não pode me prejudicar. Isso mostra à criança que
posso me sentir nervosa e ainda assim ir para a escola, em vez de permitir
que o nervosismo me impeça de ir. Acrescento que o meu nervosismo apa-
rece principalmente na noite anterior ao primeiro dia de aula, ou enquanto
estou a caminho da escola. E, quando isso acontece, noto como me sinto e
lembro a mim mesma que provavelmente há várias outras pessoas na escola
que se sentem da mesma forma. Ou então, quando apropriado, se uma
criança está ansiosa por ter que fazer uma apresentação diante da turma,
compartilho que eu também fico preocupada quando vou falar diante de
grandes grupos (especialmente em conferências sobre ACT), e conto para
ela o quanto é importante para mim ensinar as pessoas como usar a ACT
com crianças e adolescentes, e que eu estaria perdendo muito se cedesse aos
meus medos e não fizesse a apresentação.
Usar autorrevelação pode ajudar a mostrar que você compreende
a experiência da criança, pois consegue relacioná-la com a sua, o que
pode ajudar a criança a se sentir mais à vontade para discutir com você
seus pensamentos e sentimentos. É importante ter em mente que a
24  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

criança pode achar que há algo errado com ela porque se preocupa com
a ida para a escola ou quando vai fazer apresentações diante da turma,
especialmente se ninguém jamais compartilhou com ela que outras
pessoas também têm essas experiências. Ouvir essa revelação vinda de
você pode proporcionar grande alívio para a criança e ajudar a reduzir
uma possível vergonha, embaraço ou preocupação sobre o que você
poderia pensar dela.
A autorrevelação também é apropriada ao fazer trabalhos artísticos
com a criança. Quando a sessão de terapia envolve um exercício de arte
(exemplos para exercícios de artes são fornecidos nos Capítulos 3, 4 e 5),
eu também participo, garantindo que o meu trabalho seja muito simples
(propositalmente desenho figuras estilizadas para que pareça com o que
foi feito por uma criança) para reduzir a possibilidade de a criança se sen-
tir intimidada ou desconfortável com o trabalho que ela fez. Você pode
convidá-la a primeiro mostrar o trabalho dela e só então mostrar o seu.
Quanto mais você, como terapeuta, demonstrar seu próprio uso das
técnicas da ACT, em vez de apenas sugeri-las, melhor será. A criança vai
ouvir que você também tem dificuldades (apropriadas para compartilhar
com ela) que não o impedem de fazer as coisas. Isso também demons-
trará o uso das mesmas técnicas que você está recomendando para ela,
o que provavelmente terá um impacto positivo na adesão da criança (e
aumentará a visão dela de que você realmente sabe do que está falando).

DICA ÚTIL

A criança pode ter sido vista por vários outros terapeutas antes de você, mas você pode
ser o primeiro a compartilhar estratégias que achou úteis para si mesmo. Isso pode lhe
render muitos pontos com a criança em termos de credibilidade, ajudá-la a se sentir mais
confortável com o processo terapêutico e ajudá-lo a construir vínculo.

Às vezes, é difícil saber como terapeuta se é apropriada a autorrevela-


ção com a criança. Uma boa ideia é perguntar a si mesmo qual é o propó-
sito de expor sua própria dificuldade. Você também pode tentar pensar
Act para o tratamento de crianças  25

em um colega por quem tem muito respeito e perguntar a si mesmo qual


seria a reação dele se você lhe contasse que não tem certeza sobre se deve
expor essa dificuldade para seu cliente. Ou poderia se imaginar entrando
em contato com a principal associação profissional na sua área para pedir
sua opinião; o que eles provavelmente o aconselhariam a fazer? Outra
forma de considerar esse dilema é perguntar a si mesmo se caso a porta
do seu consultório estivesse aberta e outro membro da equipe passasse
por ali e o ouvisse expondo suas dificuldades para a criança, essa pessoa
acharia isso apropriado?

Experimente as técnicas em você mesmo


Se você vai usar ACT com algum cliente, independentemente da idade
dele, também é importante que você tente usar as técnicas na sua vida,
assim poderá sinalizar que sabe que elas realmente são efetivas. Se a crian-
ça disser algo como: “Estas ideias parecem estranhas ou esquisitas”, e
você mesmo já as experimentou, poderia compartilhar com ela que teve
exatamente o mesmo pensamento quando aprendeu essas técnicas, mas
que as experimentou mesmo assim e descobriu que elas foram úteis. Às
vezes me antecipo, dizendo à criança que as estratégias que vou sugerir
podem parecer um pouco estranhas, e que na verdade eu mesma pensei
que fossem um pouco estranhas quando as aprendi inicialmente!
Ao abordar deixe acontecer, por exemplo, frequentemente recomendo
que a criança diga olá aos seus pensamentos e fale para eles como é bom
vê-los (Twohig, 2014), dizendo algo como: “Olá, preocupações, é muito
bom ver vocês, vocês estão parecendo fabulosas hoje!”. Então pergunto à
criança o que ela acha dessa sugestão e se ela parece estranha ou esquisita.
A maioria das crianças sorri ou dá uma boa risada como resposta e con-
corda que a técnica é um pouco estranha ou esquisita, e respondo que tive
o mesmo pensamento na primeira vez que ouvi falar dela. Acredito que
reconhecer isso também me ajuda a construir vínculo com a criança.
26  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

DICA ÚTIL

Depois de ler este livro, tente primeiro usar a ACT na sua vida para ver como é e o que
acontece, mantendo-se aberto ao que aparecer.

ANDE PELAS ÁGUAS DA ACT LENTAMENTE


Dependendo da sua familiaridade com a ACT, você poderá se encontrar
em uma destas situações:

• Mesmo que já tenha feito um workshop ou talvez um treina-


mento avançado em ACT focando no uso com adultos, você
pode não saber como aplicar o que aprendeu para usar ACT
com crianças (isso certamente aconteceu no meu caso quando
comecei a aprender sobre ACT).
• Se você é um terapeuta experiente que geralmente trabalha com
crianças, poderá achar que a ACT é semelhante à forma como já
trabalha com essa população.
• Independentemente de se você trabalha com crianças ou adultos, se
este é o primeiro livro sobre ACT que você está lendo, os conceitos
em ACT podem parecer familiares e consistentes com o que é im-
portante para você.
• A ACT pode parecer muito diferente, pouco familiar e contrain-
tuitiva com o que você aprendeu em seus estudos e treinamentos,
e talvez em relação a como você tem trabalhado com crianças.

Seja qual for a sua situação particular, faça essa jornada lentamente,
e note se você começa a colocar pressão em si mesmo para entendê-la
imediatamente. Se a ACT parecer difícil, e sua mente lhe disser que você
nunca será capaz de entendê-la e se sentir desencorajado, eu o encorajo a
Act para o tratamento de crianças  27

se sentar com esses pensamentos e sentimentos, agradecendo à sua mente


por eles, sem desistir de aprender como usar a ACT.*
Quando comecei a aprender sobre ACT, eu estava muito insegura de
como e por onde começar a usá-la com meus clientes. E mesmo agora,
quando aprendo novas técnicas da ACT, sempre fico nervosa na primeira
vez em que tento usá-las com um cliente. O que descobri ser muito útil
é deixar que a criança saiba que acabei de aprender algo novo e ainda não
fiz o exercício com ninguém. Eu lhe digo que não sei se vou seguir as
instruções corretamente ou se o exercício será útil para ela. Na minha ex-
periência, as crianças geralmente ficam muito entusiasmadas por serem
as primeiras a experimentar um novo exercício terapêutico e, em geral,
são muito compreensivas (e tolerantes) se eu cometer algum erro.

DICA ÚTIL

Comece a experimentar com os clientes o que você leu neste livro, mesmo que sua mente
lhe diga que você não está pronto. Quanto mais praticar o uso da ACT, mais competente se
tornará no seu uso.

Tentei escrever este livro como a obra que eu gostaria que estivesse
disponível quando comecei a aprender sobre ACT, na esperança de que
ele encoraje você a usar a ACT com crianças. Quando participei do meu
primeiro workshop de treinamento em ACT, um workshop de dois dias
com Russ Harris em outubro de 2007, Russ começou o workshop nos
encorajando a aprender com tantos treinadores de ACT quanto fosse
possível. Depois disso, quando comecei a supervisão clínica em ACT no
ano seguinte, a coisa mais significativa que meu supervisor me disse foi
que a ACT é muito diferente de um terapeuta para outro. Depois de ter

* N. de R.T.: A ACT utiliza metáforas com sutileza. Aqui está uma delas. A ideia é que
consideremos nossos pensamentos e emoções como uma visita que vem à nossa casa.
O que se faz ao receber uma visita? Provavelmente, você a convida a sentar-se para
conversar. Esta é a ideia que a autora quis passar aqui com essa sutil metáfora.
28  Uma visão geral do uso da act para tratar crianças

participado de workshops com vários especialistas importantes na ACT


e tendo lido muitos livros sobre o assunto, pude entender plenamente e
valorizar essas duas perspectivas.
Meu estilo da ACT é muito eclético, já que tomei emprestadas algu-
mas contribuições de vários especialistas diferentes em ACT e adaptei as
estratégias e os exercícios para torná-los mais simples na sua linguagem e
aplicação para que sejam apropriados ao desenvolvimento das crianças.
E também elaborei os meus. Encorajo você a fazer o mesmo com este
livro: leia-o com uma mente aberta e interessada e, certamente, sinta-se
à vontade para adaptar os exercícios como desejar, certificando-se de usar
uma linguagem simples que as crianças possam entender. Você também
pode tentar criar seus próprios exercícios.

CONCLUSÃO
Neste capítulo, você aprendeu sobre a ACT, como ela se diferencia da
TCC e por que é adequada para o uso com crianças. Você foi apresenta-
do à ACT Kidflex e seus seis processos (deixe acontecer, deixe ir, escolha o
que é importante, faça o que é importante, fique aqui e observe-se), e apren-
deu os vários aspectos da postura da ACT. O próximo capítulo foca na
primeira sessão com a criança e seus pais, incluindo como se apresentar à
criança e usar um modelo de conceitualização de caso da ACT para obter
um histórico do problema ou dificuldade atual pelas lentes da ACT.

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