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RESUMO 1 INTRODUÇÃO
e dos filhos. O abismo jurídico-social entre escala nas fábricas, posto que a instalação de
homens e mulheres cresceu juntamente com o maquinário mais moderno permitia que elas
acúmulo da riqueza individual do homem, que pudessem exercer atividades que, à época eram
monopolizou a política e criou barreiras para o compreendidas como fisicamente reservadas
que a mulher poderia e deveria fazer. ao sexo masculino.
Neste contexto, durante muitos séculos A este tempo, no Brasil, inexistiam
a mulher recebeu uma educação diferenciada, leis que protegessem efetivamente o trabalho
enquanto o homem era criado para assumir da mulher e eram comuns jornadas diárias
uma posição de provedor, de cônjuge-varão, de de 14 a 18 horas com remuneração inferior
mandatário, a mulher era ensinada a servir e à remuneração dos homens. A justificativa,
obedecer. A solteira vivia sob dominação do pai juridicamente aceitável à época, era a de que
e ao casar-se os direitos deste eram transmitidos não havia necessidade de se pagar valor igual
ao marido, que passava a ter autoridade total à mulher porque o homem era o provedor
sobre a mesma. da casa. O Código Civil de 1916 chegou ao
No início do século XX, com a ponto de considerar a mulher casada como
deflagração da I Guerra Mundial (entre 1914 e relativamente incapaz, enquanto perdurasse a
1918) as mulheres, antes tratadas como meros sociedade conjugal1, afirmando que a mesma
objetos de satisfação dos maridos, mães e donas não poderia, por exemplo, exercer profissão,
de casa, precisaram superar o pensamento sem autorização do marido2.
machista e começar a trabalhar. Fato é que, antes O trabalho da mulher chegou
destes acontecimentos históricos a mulher não atualmente a um momento de reconhecimento
deveria trabalhar fora de casa, muito menos social e jurídico indiscutíveis. Os cargos mais
ganhar seu próprio dinheiro, sob pena de não importantes do nosso Estado Democrático de
ser considerada uma “mulher honesta”. Direito estão sendo ocupados cada vez mais
Quando os homens começaram a ser por mulheres, o que há algumas décadas seria
chamados às frentes de batalha, estas mulheres impensável.
passaram, por necessidade, a assumir o papel
de chefes de família, mantendo os negócios dos
1 Art. 6. São incapazes, relativamente a certo
maridos ou preenchendo os lugares daqueles atos (art. 147, n.1), ou a maneira de os exercer: (...) II.
homens no mercado de trabalho. As que ficaram As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade
conjugal. FONTE: BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro
viúvas, ou não tinham uma família de posses, de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio
ou passaram a trabalhar por conta própria de Janeiro, 1º de Janeiro de 1916. Publicado no Diário
Oficial da União em 05.01.1916. Disponível em < https://
para sustentar seus filhos, realizando trabalhos www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso
manuais, costurando, cozinhando “para fora” em: 29.out.2016.
2 Art. 242. A mulher não pode, sem autorização
ou limpando a residência de terceiros.
do marido (art. 251): (...) exercer profissão (art. 233, nº
Posteriormente, com a evolução IV). FONTE: BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de
1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
do sistema industrial capitalista e o
Janeiro, 1º de Janeiro de 1916. Publicado no Diário Oficial
desenvolvimento tecnológico, as mulheres da União em 05.01.1916. Disponível em < https://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em:
passaram a “ser aproveitadas” em grande
29.out.2016.
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nos casos de gravidez de risco e aborto natural, de 19376, mesmo contemplando o preceito
e neste último, também o direito ao auxílio da igualdade formal retirou a proibição de
maternidade parcial (50% do salário). diferença de salário por motivo de sexo e
Posteriormente, a Constituição da omitiu-se quanto a garantia de emprego da
República dos Estados Unidos do Brasil em mulher grávida. Sobre o tema Calil (2000, p. 34),
19345 deu efetividade ao princípio da igualdade, a propósito, pondera:
dispondo:
(...) a Carta de 37 foi fruto de um
Todos são iguais perante a lei. Não golpe de Estado promovido pelo
haverá privilégios, nem distinções, então Presidente Getúlio Vargas,
por motivo de nascimento, sexo, raça, que instituiu o Estado Novo. Assim,
profissões próprias ou dos pais, classe após dissolver o Congresso Nacional,
social, riqueza, crenças religiosas ou outorgou a Nova Constituição, que
ideias políticas (art. 113, 1). ficou conhecida como ‘Polaca’, dada
sua similaridade com a Constituição
polonesa, e que, como aquela, conferia
Ao analisar esta Constituição a poderes ditatoriais ao Presidente da
professora mineira, Alice Monteiro de Barros República. Há duas notas importantes
(1995, p. 410), assevera que ela a se fazer sobre essa Carta: omitiu a
garantia de emprego à gestante e não
Assegurava a igualdade de salário prestigiou a isonomia salarial entre
entre homens e mulheres e proibia o homens e mulheres, muito embora
trabalho destas últimas em condições trouxesse o princípio da igualdade
insalubres, preconizava a assistência de todos perante a lei. Tal omissão
médica e sanitária à gestante, permitiu que em 1940 o Decreto-lei
garantindo-lhe descanso antes e n. 2.548 preconizasse a possibilidade
depois do parto, sem prejuízo do de as mulheres perceberem salários
salário e do emprego, preceitos estes até 10% menores do que os pagos aos
já consagrados no Decreto n. 21.417-A, homens. (CALIL, 2000, p. 34)
de 1932. (BARROS, 1995, p.410)
Sem a proteção do arcabouço
Na expressão da mesma autora (1995, constitucional, o direito do trabalho da mulher
p. 410), a Constituição de 1934 dispôs sobre a sofreu novo revés com a publicação do Decreto-
proteção à maternidade, inclusive pelo sistema Lei 2.548/40 que autorizou a redução dos
de contribuição da União, do empregador e do salários das mulheres em 10% (dez por cento)
próprio empregado. com relação aos salários dos homens que
Surpreendentemente, a Constituição ocupassem a mesma função.
Todavia, em 1º de maio de 1943
5 BRASIL. Constituição da República dos Estados 6 BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Rio de Janeiro, Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Rio
em 16 de julho de 1934. Publicado no Diário Oficial da de Janeiro, 10 de novembro de 1937. Publicado no
União em 16.07.1934. Disponível em <http://www. Diário Oficial da União em 10.11.1937. Disponível em
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
htm>. Acesso em: 29.out.2016. Constituicao37.htm>. Acesso em: 29.out.2016
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nasceu o marco histórico do direito do trabalho empresa; repouso nos casos de gravidez de
no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho. risco e aborto natural; e neste último, também
A primeira reconquista histórica da CLT foi a o direito ao auxílio, disponibilização de creches
proibição da discriminação do trabalho da governamentais nas vilas operárias ou centros
mulher, afirmando no art. 5º que, para todo residenciais.
trabalho de igual valor corresponderá igual Porém, estes direitos vinham
salário, sem distinção de sexo. acompanhados de um série de vedações,
Todavia, os frutos legais em favor da proibições e exigências de caráter visivelmente
mulher não pararam na igualdade salarial. No preconceituoso, como a vedação parcial
texto original7 já existia um capítulo inteiro do trabalho noturno - relacionado à época
destinado a regulamentar a proteção do a meretrizes, devendo em certos casos ser
trabalho da mulher (arts. 372 a 401), e nestes autorizado apenas mediante apresentação de
artigos foram consolidados direitos anteriores, atestado de bons antecedentes e de capacidade
reconhecidos outros novos e recuperados física e mental, a proibição de trabalhos
alguns perdidos ao longo do tempo. em minerações de subsolo, construção
Entre estes direitos destacam-se: civil, atividades perigosas e insalubres e a
a duração normal do trabalho (8 horas), a prorrogação do trabalho apenas mediante
limitação de horas extras (2+2) e a prestação autorização médica oficial anotada na carteira.
mediante quitação de adicionais (20% e Mandalozzo (1996), lembra que na
25%); a irredutibilidade salarial; períodos de Constituição que se seguiu, de 1946, a proibição
descanso intrajornada de 15 (quinze) minutos da diferença de salários foi restabelecida
de descanso antes da prestação de horas extras constitucionalmente, bem como a garantia de
(art. 384); a obrigação do empregador criar emprego nos casos de afastamento da mulher
local apropriado para permanência de crianças e no retorno da licença-maternidade, todavia,
em período de amamentação na ausência ela não trouxe nenhuma inovação relevante no
de creches; a proibição de emprego de força tocante ao trabalho da mulher, mantendo os
muscular superior a 20/25 quilos; a proibição direitos anteriormente conquistados.
de discriminação contra a mulher nubente ou Em agosto de 1962, vários direitos
grávida; o aumento da limitação do trabalho da civis da mulher foram reconhecidos através
grávida para 6 (seis) semanas antes e depois do de uma reforma do Código Civil (Lei 4.121/62)
parto; auxílio maternidade com salário integral; que convencionou-se denominar de “Estatuto
direito a folgas durante o dia para amamentação da Mulher Casada”. Esta lei revogou, por
em local adequado disponibilizado pela exemplo, o inciso II do Código Civil de 1916
(citado acima) que considerava a mulher como
relativamente incapaz, bem como, reconheceu
7 BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio
de 1943. Diário Oficial da União - Seção 1 - 9/8/1943, a importância da mulher na sociedade conjugal,
Página 11937. Rio de Janeiro, 19 de abril de 1943.
cassou a autorização do marido para que a
Disponível e <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
declei/1940-1949/decreto-lei-5452-1-maio-1943- mulher pudesse exercer profissão e realizar
415500-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em:
diversos outros atos da vida civil e concedeu
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igualmente aos pais o pátrio poder durante o Calil (2000, p. 59), ao analisar
casamento. Em que pese a revogação do Código as modificações introduzidas pela nova
Civil de 1916 pelo de 2002, o reconhecimento Constituição, argumenta:
de citados direitos à época foi uma grande
vitória para a mulher trabalhadora, porque A Constituição Federal de 05 de
outubro de 1988 primou por assegurar
reconhecida como cidadã independente, com
a igualdade entre homens e mulheres,
direito de controlar sua própria vida e escolher apenas diferenciando onde a
sua profissão. desigualdade se faz patente, como é
Posteriormente, a Constituição de o caso da maternidade. Assim, caíram
1967 novamente reconheceu a igualdade proibições absurdas como a que
impedia o trabalho noturno da mulher,
formal, mas as inovações desse diploma legal,
na época do advento da Constituição
como salientado por Barros (1995), referem- Federal, já comportava tantas exceções
se apenas à proibição da diferença de critérios que só persistia o veto do trabalho
de admissão por motivo de sexo, cor e estado noturno das operárias. (CALIL, 2000, p.
civil, bem como o reconhecimento do direito 59)
à aposentadoria para a mulher aos 30 (trinta)
anos. Percebe-se com muita clareza que a
Por fim, tem-se a Constituição de 1988 preocupação do legislador constituinte foi de
onde conformou-se o entendimento de que os assegurar o princípio da igualdade de forma
homens e as mulheres são iguais em direitos ampla e abrangente, com o objetivo de proteger
e obrigações, com a proibição de diferença de os cidadãos contra práticas discriminatórias em
salários, de exercício de funções e de critérios relação ao gênero. Todavia, esta igualdade de
de admissão por motivo de sexo, estado civil, gênero gerou uma intensa discussão doutrinária
idade e cor. De acordo com Martins (1996, p. e jurisprudencial acerca da impossibilidade de se
68) o inciso XX, do art. 7º, dessa Constituição, manter alguns direitos exclusivamente em favor
“(...) ao versar sobre a proteção do mercado das mulheres, motivo pelo qual a jurisprudência
de trabalho da mulher, mediante incentivos evoluiu no sentido de que diversos dos artigos
específicos, já está tratando de uma forma do capítulo III da CLT, que protegiam e limitavam
indireta de não haver discriminação quanto ao o trabalho da mulher, seriam inconstitucionais.
seu trabalho”. Nesse sentido, a Lei n.º 7.855/89
A atual Constituição trouxe inovações revogou expressamente os arts. 374, 375, 378,
relevantes como a garantia de emprego à 379, 380 e 387 da CLT, retirando da mulher a
empregada gestante (art. 10, alínea ‘b’ do Ato exclusividade no tocante direito à limitação
das Disposições Constitucionais Transitórias), o do trabalho extraordinário, cassando a
direito à licença paternidade de cinco dias (art. necessidade de autorização médica oficial para
7º, inciso XIX), a assistência gratuita aos filhos a prorrogação do horário de trabalho, bem como
e dependentes, desde o nascimento até os seis a necessidade de anotar os atestados médicos
anos de idade, em creches e pré-escolas (inciso em sua carteira profissional, permitindo o
XXV do art. 7º). trabalho noturno e em locais subterrâneos,
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BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. MARTINS, Sergio Pinto. Práticas discriminatórias
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. contra a mulher e outros estudos. São Paulo:
Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ LTr, 1996.
ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 29 out
2016. Publicado originalmente em: Temas contemporâneos
de Direito Público e Privado. Saulo Cerqueira de
BRASIL. Constituição da República dos Estados Aguiar Soares (Organizador). Editora D’Plácido.
Unidos do Brasil (16 de julho de 1934).
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