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Doenças articulares 1

APG 02 – “AS DORES DO MUNDO”

Objetivos • Dor periarticular: envolve as estruturas


adjacentes (periarticulares) como tendões e
1. Compreender os fatores de risco, etiologias, bursas.
fisiopatologia, manifestações clínicas e
Quanto ao número de articulações envolvidas, classifica-se a
diagnóstico das doenças articulares inflamatórias
artrite como: (CARVALHO et al., 2019).
e mecânicas.
2. Estudar a classificação das dores articulares. • Monoartrite: uma articulação
• Oligoartrite: duas a quatro articulações
Doenças articulares • Poliartrite: mais de quatro articulações.

Artralgia significa apenas dor na articulação, enquanto artrite denuncia


a presença de sinais flogísticos (dor, edema, calor e rubor) aos quais
se soma quase sempre a limitação dos movimentos (PORTO; PORTO,
2017).

FATORES DE RISCO DAS DOENÇAS ARTICULARES

• Idade;
• Sexo;
• Predisposição genética;
• Estresse mecânico;
• Trauma; Classificação das artrites quanto à forma de apresentação.

CLASSIFICAÇÃO das dores articulares A artrite de uma única articulação deve ser avaliada
imediatamente, a fim de identificar a possibilidade de artrite séptica e
O padrão de envolvimento articular também é capaz de oferecer a necessidade urgente de tratamento (CARVALHO et al., 2019).
indicativos do diagnóstico; por isso, torna-se importante definir se as
articulações envolvidas são pequenas ou grandes, se esse padrão é A artrocentese, isto é, a retirada de líquido sinovial após punção
simétrico ou não, aditivo ou migratório, além de determinar o número articular, deve ser realizada em quase todos os pacientes com
de articulações envolvidas (CARVALHO et al., 2019). monoartrite e é obrigatória quando da suspeita de infecção. Pela análise
do líquido sinovial, pode-se obter importantes informações para
↠ Uma vez obtidos tais dados, deve-se identificar se o esclarecimento diagnóstico, como contagem total e diferencial de
paciente tem artrite e se esta representa uma doença da leucócitos, contagem de hemácias, exame bacterioscópico e cultura,
bioquímica e microscopia com luz polarizada para a pesquisa de cristais
articulação ou se faz parte de uma manifestação de
(CARVALHO et al., 2019).
doença sistêmica de origem reumática ou não
(CARVALHO et al., 2019). O envolvimento de mais de quatro articulações é
definido como poliartrite, presente em grande variedade de doenças
AGUDA X CRÔNICA inflamatórias e não inflamatórias (CARVALHO et al., 2019).

↠ A dor articular pode ser aguda (gota, bursite, artrite ↠ As possibilidades diagnósticas nos processos articulares
séptica) ou crônica (artrite reumatoide, artrose), em peso inflamatórios variam de acordo com o padrão do
(artrose) ou muito intensa (gota, artrite séptica) (PORTO; envolvimento articular. A história e o exame físico devem
PORTO, 2017). levar em conta fatores como: (CARVALHO et al., 2019).

As artrites podem ter início agudo, com pico de intensidade • o número de articulações envolvidas para definir
sendo atingido em algumas horas, mas também são consideradas monoartrite ou poliartrite;
agudas quando têm duração de 4 a 6 semanas; acima desse período, • se há acometimento axial;
definem-se como crônicas (CARVALHO et al., 2019). • se este é agudo ou não;
LOCALIZAÇÃO DA DOR • se existe algum envolvimento sistêmico.
A história clínica e o exame físico, auxiliados por provas
• Dor monoarticular; laboratoriais e exames radiológicos, representam elementos essenciais
• Dor poliarticular; para o diagnóstico. Por meio deles, pode-se classificar a artrite em
• Dor oligoarticular; algumas categorias: por distúrbios degenerativos, inflamatórios,
funcionais, infecciosos e de origem desconhecida (CARVALHO et al.,
2019).

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Doenças articulares mecânicas metatarsofalangeanas (“joanetes”). O fato de ser


diagnosticada apenas quando sintomática sugere que a
↠ Dizer que uma doença é mecânica significa dizer que prevalência é subestimada (SHINJO.; MOREIRA, 2020).
ela se relaciona com movimento/forças físicas ou é
causada por eles (REZENDE; CAMPOS, 2013). CLASSIFICAÇÃO

OSTEOARTRITE ↠ Na maioria dos casos, a OA aparece de modo insidioso,


sem causa desencadeante aparente, como fenômeno do
↠ A osteoartrite (OA) ou artrose, como ainda é
envelhecimento (OA idiopática ou primária). Nesses casos,
conhecida no nosso meio, ou ainda doença articular
a doença normalmente afeta poucas articulações
degenerativa, pode ser progressiva e debilitante, afetando
(oligoarticular), mas pode ser generalizada (KUMAR et al.,
a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o
2023).
mundo, sendo a mais prevalente das doenças articulares
que se manifestam clinicamente entre indivíduos com ↠ Em cerca de 5% dos casos, a OA aparece em
mais de 65 anos (MOREIRA et al., 2009). indivíduos mais jovens com condições predisponentes,
como deformidade articular, lesão articular anterior ou
Embora a OA esteja ligada ao envelhecimento, ela não
é considerada uma doença degenerativa, uma vez que existe um doença sistêmica subjacente, como diabetes melito,
aumento considerável do metabolismo celular articular em resposta a ocronose, hemocromatose ou obesidade acentuada, que
uma agressão à cartilagem. O fator determinante do processo coloca em risco as articulações. Nesses contextos, a
osteoartrítico é o desequilíbrio degradação-reparação. Nesse sentido, doença é denominada OA secundária (KUMAR et al.,
a OA pode ser entendida como uma insuficiência cartilaginosa
decorrente de fatores mecânicos, genéticos, hormonais, ósseos e
2023).
metabólicos, que acarretam uma degradação do tecido cartilaginoso
com a consequente remodelação óssea e algum grau de inflamação ETIOPATOGENIA
sinovial (CARVALHO et al., 2019).
↠ Segundo evidências clínicas e experimentais, a OA
FATORES DE RISCO para a OA: idade, sexo, predisposição pode ser considerada uma via final comum de uma série
genética, obesidade, estresse mecânico, trauma articular, de agravos articulares, configurando verdadeira
doenças congênitas/desenvolvimento de osso e constelação etiológica (CARVALHO et al., 2019).
articulação, afecção articular inflamatória precedente,
↠ O estresse biomecânico constitui o principal
doenças endócrino-metabólicas (MOREIRA et al., 2009).
mecanismo patogênico, porém os fatores genéticos,
incluindo polimorfismos em genes que codificam
componentes da matriz e moléculas de sinalização,
podem predispor à lesão dos condrócitos, causando
alteração da matriz (KUMAR et al., 2023).

Interação dos fatores de risco

Obesidade, que não só contribui por meio da sobrecarga Os condrócitos proliferam-se e sintetizam continuamente
mecânica em certas articulações como estabelece um estado pró- proteoglicanos, porém a doença se desenvolve quando a degradação
inflamatório que leva, muitas vezes, a OA de sítios sem carga, excede a síntese. Isso leva a alterações na composição de
demonstrada pela maior incidência de OA nas mãos de pacientes proteoglicanos à medida que a doença progride. Os condrócitos
obesos (RIBEIRO, 2020). também secretam metaloproteases da matriz (MMP), que degradam
a rede de colágeno tipo II. As citocinas e os fatores difusíveis
↠ As juntas mais frequentemente acometidas, além de provenientes dos condrócitos e das células sinoviais, particularmente
quadril e joelhos, são as das mãos, com predileção pelas TGF-β (que induz a produção de MMP), o TNF, as prostaglandinas e
interfalangeanas distais e proximais e da base do polegar, o óxido nítrico, também foram implicados na OA, e a inflamação
crônica de baixo nível contribui para a progressão da doença. A
coluna cervical e lombar e as primeiras

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doença avançada caracteriza-se por perda dos condrócitos e


degradação grave da matriz (KUMAR et al., 2023).

O desarranjo da rede colágena repercute nos


proteoglicanos e vice-versa, em virtude da íntima correlação funcional
entre esses componentes da matriz extracelular. Os condrócitos são
a maior fonte de enzimas degradadoras na OA, sintetizando e ativando
metaloproteinases (colagenase, estromelisina, gelatinase),
serinoproteases e tiolproteases, substâncias muito atuantes no
catabolismo da cartilagem. A homeostase da cartilagem se estabelece
↠ Diversos tipos de agravos ou sobrecarga, ao atuarem
por meio do equilíbrio entre agentes que atuam no seu anabolismo e sobre o condrócito, são capazes de induzir uma resposta
catabolismo. Um desequilíbrio entre eles, com predominância dos catabólica mediada por citocinas que induzem a síntese e
agentes catabólicos, determina a degradação cartilaginosa a ativação de enzimas com especificidade para
(CARVALHO et al., 2019).
componentes estruturais da matriz da cartilagem.
↠ Os condrócitos ativados passam a produzir o óxido Fragmentos de colágeno, proteoglicanos e outras
nítrico (NO), que exerce vários efeitos catabólicos: inibe a moléculas, por sua vez, também podem acelerar a
síntese de colágeno e proteoglicanos, ativa liberação de citocinas que agem sobre a sinóvia
metaloproteases, inativa o TIMP, diminui a expressão do promovendo sua inflamação e a amplificação da resposta
antagonista do receptor de IL-1 (IL-1ra), inibe a proliferação inicial. Estabelece-se, assim, um círculo vicioso que acelera
de condrócitos, interfere na sinalização de integrinas e cada vez mais a degradação da cartilagem (CARVALHO
induz a apoptose de condrócitos in vitro. A apoptose et al., 2019).
provoca redução da população de condrócitos. Além Nos estágios iniciais da OA, os condrócitos proliferam-se
disso, esse fenômeno pode afetar a estrutura da matriz e formam agrupamentos. Ao mesmo tempo, o conteúdo aquoso da
e a função dos condrócitos viáveis pelo fato de não haver matriz aumenta, e a concentração de proteoglicanos diminui; ocorre
fagócitos mononucleares para remover os clivagem das fibras de colágeno tipo II dispostas horizontalmente na
zona superficial. Esses processos resultam em fissuras e fendas, que
remanescentes das células mortas na cartilagem. A criam uma superfície articular granular e mole. À medida que os
apoptose correlaciona-se com a gravidade da degradação condrócitos morrem, porções de cartilagem em toda a sua espessura
cartilaginosa (CARVALHO et al., 2019). são descamadas e liberadas dentro da articulação, formando corpos
livres. O osso subcondral exposto passa a constituir a nova superfície
articular, que é polida pelo atrito com a superfície oposta, dando-lhe a
aparência de marfim polido (eburnação óssea). O osso articular
subjacente sofre refortalecimento e esclerose e apresenta pequenas
fraturas, criando espaços que permitem que o líquido sinovial seja
forçado para dentro das regiões subcondrais. À medida que a coleção
de líquido loculada aumenta de tamanho, ocorre a formação de cistos
de parede fibrosa. Observa-se o desenvolvimento de expansões
ósseas em formato de cogumelo (osteófitos) nas margens da
superfície articular, que são revestidas por fibrocartilagem e cartilagem
hialina, que sofrem ossificação gradual. Em geral, a membrana sinovial
está apenas levemente congesta e fibrótica e contém poucas células
inflamatórias (KUMAR et al., 2023).

Mediadores da degradação da cartilagem

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QUADRO CLÍNICO

↠ Apresenta quadro clínico muito variável, abrangendo


desde pacientes assintomáticos, muitas vezes
diagnosticados incidentalmente por exames de imagem,
até aqueles com artropatia grave e incapacitante (RIBEIRO,
2020).
A dor na OA certamente não provém da cartilagem, visto ser
aneural. Estruturas bem inervadas como ênteses, ligamentos e o osso
subcondral podem ter seus nociceptores estimulados, quer por tração
mecânica, quer por mediadores algogênicos como prostaglandina E2,
liberada localmente (SHINJO; MOREIRA, 2020).

↠ A principal manifestação da OA é a dor articular com


característica tipicamente mecânica, que no início
costuma ser desencadeada por alguma movimentação
específica, sem grande impacto nas atividades diárias ou
sinais de inflamação sistêmica. Esse quadro evolui para
episódios mais frequentes, nos quais a dor se torna
constante e a articulação fica gravemente limitada. A
artralgia pode ser acompanhada de rigidez (em geral
menor que 30 min), hipotrofia muscular, crepitação,
sensação de falseio e limitação do arco de movimento
(RIBEIRO, 2020).

Vista esquemática da osteoartrite (OA). O processo é iniciado por lesão


biomecânica da cartilagem (1), que pode ser acelerada em indivíduos
geneticamente predispostos e resulta em alterações da matriz
extracelular. (2) Embora os condrócitos possam se proliferar na tentativa
de proceder ao reparo da matriz danificada, a degradação contínua
excede o reparo no início da OA. (3) A OA avançada é evidenciada pela
perda da matriz e dos condrócitos, com dano ao osso subcondral.

No osso subcondral, inicialmente, há


aumento da densidade óssea, por neoformação, chamada à radiologia
de esclerose. Tecidos subjacentes como a cápsula articular e
ligamentos, que sofrem estiramento por tração e edema, também são
envolvidos, bem como a musculatura periarticular. Esse envolvimento
panarticular na OA levou ao entendimento de afetar um órgão,
representado pelo conjunto das estruturas de uma junta,
diferentemente do pensamento pregresso de ser essa uma “doença
da cartilagem” (SHINJO; MOREIRA, 2020).

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joelhos, quadris, tornozelos, cotovelos) ao quadro de


hipermobilidade articular (SHINJO; MOREIRA, 2020).

↠ Frequentemente, os doentes com SHA não são


diagnosticados, quer seja por desconhecimento por parte
do médico face a esta entidade, quer por desvalorização
da mesma, o que pode traduzir-se em consequências
nefastas para o doente: diagnósticos incorretos, como de
hipocondria ou perturbação de somatização, ou
terapêuticas inadequadas (CUNHA et al., 2016).

QUADRO CLÍNICO
SÍNDROMES DE HIPERMOBILIDADE
↠ No sistema musculoesquelético, a síndrome pode
↠ A hipermobilidade articular (HA) define-se como um manifestar-se de diversas formas, desde lesões dos
aumento da amplitude dos movimentos articulares, e é a tecidos moles de qualquer localização, afetando tendões,
principal característica comum das chamadas doenças enteses, ligamentos, músculos ou a própria articulação;
hereditárias do tecido conjuntivo (DHTC). Deste grupo, instabilidade articular crónica, com luxações e subluxações;
em que se incluem a síndrome de Ehlers-Danlos, a dor crônica não inflamatória axial ou das articulações
síndrome de Marfan, a síndrome de hipermobilidade periféricas; alterações secundárias espondilóticas ou do
articular (SHA) é a entidade mais frequente e também a tipo osteoartrose (CUNHA et al., 2016).
menos severa (CUNHA et al., 2016).
↠ É típico o aumento da intensidade da dor ao longo da
↠ A hipermobilidade articular é considerada uma vida, e a perda de função, por descondicionamento
condição benigna na qual ocorre frouxidão ligamentar e muscular resultante da cinesiofobia (evicção de
das articulações, não associada a síndrome congênita ou movimentos que podem ser dolorosos) (CUNHA et al.,
anormalidade do tecido conjuntivo, fazendo com que a 2016).
pessoa realize facilmente movimentos acima da faixa
↠ Para além do sistema locomotor, há frequentemente
normal de amplitude da articulação, por exemplo, os
atingimento da pele, com diminuição da espessura da
contorcionistas, que apresentam grau acentuado de
derme, aumento da elasticidade cutânea, estrias e
hipermobilidade articular (SHINJO; MOREIRA, 2020).
compromisso da cicatrização (CUNHA et al., 2016).
↠ A HA é em grande parte determinada geneticamente,
↠ Outra componente desta síndrome, considerada até
como demonstrado num estudo efetuado numa
por alguns autores como uma das principais, é a
população de gêmeas, e pela diferente prevalência em
dismotilidade do sistema gastrointestinal, que se traduz por
populações geográficas distintas (mais frequente em
queixas como dispepsia, refluxo gastroesofágico,
asiáticos e afro-caribenhos) (CUNHA et al., 2016).
meteorismo, dor abdominal, obstipação e diarreia (CUNHA
A alteração na produção de colágeno é genética, ou et al., 2016).
seja, existe uma mutação no gene que codifica essa proteína. É
importante salientar que os pais podem ter os genes mas não DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é inteiramente clínico, uma
manifestarem a doença.
vez que não são conhecidos marcadores biológicos ou
A Síndrome da Hipermobilidade Articular imagiológicos da doença (CUNHA et al., 2016).
é bastante comum afetando de 10-20% das crianças e
↠ A HA é comprovada, mais frequentemente,
adolescentes, em articulações únicas ou em várias delas.
recorrendo à escala de Beighton, um score de 9 pontos
É mais comum no sexo feminino, em crianças e
introduzido na clínica em 1973 (CUNHA et al., 2016).
adolescentes, principalmente na Ásia e oeste da África e
tende a regredir com o aumento da idade, possuindo No entanto este é um sistema de tudo ou nada, que não oferece
também certa característica hereditária (Portal SBP). uma classificação de gravidade e que, por se focar apenas em cinco
áreas do corpo, pode não detectar hipermobilidade em determinados
↠ Denominamos síndrome de hipermobilidade articular indivíduos afetados. Além disso, não permite diagnosticar a síndrome
de hipermobilidade articular visto não incluir quaisquer sintomas
quando se associam dores articulares (principalmente em (CUNHA et al., 2016).

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Doenças articulares inflamatórias

INFECÇÃO
↠ Todos os tipos de microrganismos podem se
estabelecer em articulações durante a disseminação
hematogênica. As estruturas articulares também podem
ser infectadas por inoculação direta ou por propagação
contígua a partir de um abscesso de tecido mole ou foco
de osteomielite. Como a cartilagem, diferentemente do
osso, tem uma capacidade regenerativa limitada, a rápida
destruição articular, quando ocorre, pode levar a
deformidades permanentes (KUMAR et al., 2023).
As infecções das articulações e ossos são verdadeiras
emergências reumatológicas, pois podem causar morbidade grave,
invalidez permanente ou até mesmo a morte. A introdução de
antibióticos mudou essa trajetória, mas apenas quando os
medicamentos forem ativos contra o microrganismo invasor e
administradas precocemente. Isso enfatiza os dois problemas mais
significativos: o diagnóstico precoce e o tratamento imediato e eficaz
(HOCHBERG, 2016).

ARTRITE VIRAL

↠ A artrite pode ocorrer com uma variedade de


infecções virais. Os vírus mais comuns incluem alfavírus,
↠ Assim, para o diagnóstico da SHA os critérios utilizados parvovírus B19, vírus da rubéola, vírus Epstein-Barr e vírus
são os critérios de Brighton, que compreendem critérios das hepatites B e C (KUMAR et al., 2023).
major e minor, incorporando por um lado a escala de
Beighton e, por outro, algumas das manifestações As manifestações variam desde artrite aguda a subaguda. Os
sintomas articulares podem ser causados por infecção direta da
principais da doença (CUNHA et al., 2016). articulação pelo vírus, como na rubéola e em algumas infecções por
alfavírus, ou por uma reação autoimune desencadeada pela infecção
(KUMAR et al., 2023).

A artrite desenvolve-se como resultado de


vários mecanismos, incluindo a infecção viral direta e a
indução ou amplificação de autoimunidade pelo vírus.
Quando um patógeno invade uma articulação, pode
causar uma reação inflamatória no tecido do hospedeiro
por diferentes mecanismos: por efeitos líticos, formação
de imunocomplexos ou liberação de citocinas
inflamatórias. Como alternativa, os vírus podem provocar
autoimunidade e inflamação por outros mecanismos,
como mimetismo molecular ou expansão de epítopos
(CARVALHO et al., 2019).

↠ O curso clínico da artrite é tipicamente autolimitado,


transitório e com duração de poucas semanas.
Ocasionalmente, pode tornar-se prolongado ou crônico. A
poliartropatia é uma manifestação comum, e as mulheres
são mais comumente afetadas do que os homens ou as
crianças. Em geral, as viroses não causam dano articular
permanente (CARVALHO et al., 2019).

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Modelos experimentais de artrite induzida membrana sinovial à invasão do agente infeccioso, são
por alfavírus sugerem que a patogênese da evolução determinantes no desenvolvimento de uma artrite
para a cronicidade da febre chikungunya seja resultado piogênica. Lesão cutânea recente em área próxima a
de uma combinação de dano celular e tecidual direto, uma articulação pode servir como porta de entrada para
causado por reprodução viral, e indireto, por ativação da um agente bacteriano. Outras vezes, a infecção pode
resposta imune nos tecidos‐alvo. Porém, o principal ocorrer por via hematogênica de um foco a distância.
mecanismo aventado é uma desregulação dos Indivíduos com história de uso de substâncias intravenosas
mecanismos de controle do processo inflamatório, apresentam risco particular na inoculação de um agente
causado pela infecção persistente em macrófagos infeccioso pelo sangue, podendo desenvolver
teciduais – ou, ao menos, pela presença de RNA viral no simultaneamente endocardite e infecção articular
interior dessas células. As alterações histopatológicas (CARVALHO et al., 2019).
sinoviais observadas após infecção por CHIKV são
Virtualmente, qualquer organismo pode
semelhantes às encontradas em pacientes com artrite
infectar uma articulação, mas observam-se com mais
reumatoide (AR) ou outras artropatias inflamatórias
frequência: Staphylococcus aureus (60%), Neisseria
crônicas e incluem hiperplasia sinovial, proliferação
gonorrheae (a mais frequente nos adultos jovens) e
vascular e infiltração de macrófagos perivasculares
Streptococcus beta-hemolíticos (15%), entre outros de
(MARQUES et al., 2017).
menor incidência. Essas bactérias têm alta seletividade
O padrão de comprometimento articular crônico pode ocorrer para a membrana sinovial, provavelmente relacionada à
na forma de queixas persistentes (20‐40%) ou recidivantes (60‐ aderência e à produção de toxinas (CARVALHO et al.,
80%) e inclui a presença de oligo ou poliartralgia de intensidade
variável, geralmente simétrica, predomina em punhos, mãos,
2019).
tornozelos e joelhos, em associação com rigidez matinal e edema
↠ A apresentação clássica consiste no súbito
articular. Mesmo pacientes que apresentam melhoria significativa inicial
podem cursar com recidivas em até 72% dos casos, com intervalos desenvolvimento de uma articulação agudamente
que variam de uma semana a anos, com sintomas variáveis e com dolorosa e edemaciada, com restrição da amplitude de
comprometimento das mesmas articulações acometidas previamente movimento. É comum a ocorrência de febre, leucocitose
(MARQUES et al., 2017). e elevação da velocidade de hemossedimentação. A
ARTRITE BACTERIANA OU ARTRITE SUPURATIVA aspiração da articulação é diagnóstica quando se obtém
um líquido purulento no qual é possível identificar o
↠ As infecções bacterianas que causam artrite supurativa microrganismo infeccioso (KUMAR et al., 2023).
aguda, normalmente penetram nas articulações por
As articulações mais envolvidas, de maneira geral, são as dos
disseminação hematogênica a partir de locais distantes joelhos (40 a 50%) e coxofemorais (20 a 25%, sendo as mais comuns
(KUMAR et al., 2023). nas crianças) (CARVALHO et al., 2019).

↠ Trata-se de um processo inflamatório da membrana ARTRITE MICOBACTERIANA


sinovial de caráter supurativo. Na literatura, é referida
também como artrite bacteriana, purulenta, séptica ou ↠ A artrite micobacteriana é uma infecção monoarticular
infecciosa (CARVALHO et al., 2019). progressiva crônica causada por M. tuberculosis. Ela
ocorre principalmente em adultos como complicação de
osteomielite adjacente ou após a disseminação
hematogênica a partir de um local de infecção visceral
(em geral, pulmonar) (KUMAR et al., 2023).

↠ O início é insidioso e associado a uma dor


gradualmente crescente. Pode haver ou não sintomas
sistêmicos. A semeadura da articulação pelas
micobactérias induz a formação de granulomas
confluentes com necrose caseosa (KUMAR et al., 2023).

↠ A sinóvia pode crescer como pannus sobre a


↠ A virulência e o tropismo dos microrganismos, cartilagem articular e causar erosão do osso ao longo das
combinados com a resistência ou a suscetibilidade da margens articulares. A doença crônica resulta em

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anquilose fibrosa e obliteração do espaço articular. As desenvolvimento da gota. Os níveis elevados de ácido
articulações de sustentação do peso, particularmente úrico podem resultar da produção excessiva, da redução
quadris, joelhos e tornozelos, por ordem descendente de da excreção ou de ambas. Os níveis de ácido úrico são
frequência, são mais comumente afetadas (KUMAR et al., determinados por vários fatores: (KUMAR et al., 2023).
2023).
• Produção de ácido úrico. A síntese de urato
ARTRITE INDUZIDA POR CRISTAIS representa o produto do catabolismo das
purinas. As próprias purinas são o produto de
↠ As artrites microcristalinas, também chamadas de
duas vias interligadas: a via de novo, em que
doenças por deposição de cristais ou inflamação induzida
ocorre síntese de nucleotídios de purina a partir
por cristais, são consideradas as artrites inflamatórias mais
de precursores não purínicos, e as vias de
comuns em diferentes partes do mundo. São
recuperação, em que os nucleotídios são
caracterizadas, conjuntamente, pelas alterações
sintetizados a partir de bases de purina livres na
articulares e periarticulares secundárias à resposta
dieta e naquelas geradas pelo catabolismo de
inflamatória aos microcristais formados e/ou depositados
nucleotídios de purina.
nos tecidos (CARVALHO et al., 2019).
• Excreção de ácido úrico. No rim, o ácido úrico é
GOTA filtrado pelos glomérulos, porém é quase
totalmente reabsorvido pelo túbulo proximal. A
↠ É a artrite inflamatória desencadeada pela cristalização pequena fração de ácido úrico total presente na
de urato monossódico (UMS) nas articulações e nos urina é o resultado da secreção no néfron distal.
tecidos periarticulares e decorre da elevação crônica do
ácido úrico no plasma, além do seu ponto de saturação
(CARVALHO et al., 2019).
A incidência anual de gota é estimada em
2,68 a cada 1.000 indivíduos, enquanto sua prevalência se
mantém em torno de 1 a 4% da população geral. Nos
países ocidentais, ocorre com mais frequência no sexo
masculino (3 a 6%) do que no feminino (1 a 2%). Quando ↠ Na gota primária, a hiperuricemia é geralmente
se considera a população com mais de 80 anos, a causada pela redução da excreção. O mecanismo não é
discrepância entre os sexos torna-se ainda maior, 10% em conhecido, porém os estudos de associação genômica
homens e 6% em mulheres. Portanto, acomete o sexo ampla identificaram polimorfismos em genes, incluindo
masculino 2 a 6 vezes mais, com maior incidência durante URAT1, GLUT9 e KCNQ1, que estão envolvidos no
o climatério (decorrente do efeito uricosúrico dos transporte e na homeostasia do urato e de outros íons.
estrógenos) (RIBEIRO, 2020). Uma pequena fração de casos de gota primária é causada
pela superprodução de ácido úrico, devido a defeitos
enzimáticos identificáveis (KUMAR et al., 2023).
• Obesidade: aumenta a produção de purinas e diminui
a excreção de ácido úrico
↠ A gota secundária também pode ser causada pelo
• Dieta: maior ingestão de purinas, brutose e bebidas aumento da produção (p. ex., rápida lise das células
alcoólicas durante a quimioterapia para a leucemia) ou pela
• Fármacos que diminuem excreção renal de urato: diminuição da excreção (doença renal crônica) (KUMAR
ciclosporina, tacrolimo, tiazídicos, furosemida, ácido et al., 2023).
nicotínico, ácido acetilsalicílico (em baixas doses),
pirazinamida, etambutol ↠ A inflamação é desencadeada pela precipitação de
• Fármacos que causam hiperuricemia de mecanismo cristais de urato monossódico nas articulações, resultando
incerto: levodopa, teofilina, didanosina. na produção de citocinas, que recrutam os leucócitos. Os
macrófagos e os neutrófilos fagocitam os cristais de urato.
PATOGÊNESE: Isso ativa o inflamassomo e leva à secreção de citocinas,
incluindo IL-1, que promovem o acúmulo de mais
↠ A hiperuricemia (nível plasmático de urato acima de
neutrófilos e macrófagos dentro da articulação. Assim,
6,8 mg/dℓ) é necessária, porém não suficiente para o
surge um círculo vicioso à medida que as células

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inflamatórias recém-recrutadas liberam citocinas, radicais ocorre uma resolução completa, seguida de um intervalo
livres, proteases e metabólitos do ácido araquidônico para assintomático, conhecido como período intercrítico.
recrutar um número ainda maior de leucócitos. A ativação Alguns indivíduos nunca apresentam outro ataque, porém
do complemento pela via alternativa também pode a maioria tem um segundo episódio agudo dentro de
contribuir para o recrutamento dos leucócitos. A ruptura meses a alguns anos. Na ausência de tratamento
dos fagolisossomos induzida pelos cristais de urato adequado, os ataques sofrem recorrência a intervalos
ingeridos pode causar a liberação adicional de proteases mais curtos e, com frequência, tornam-se poliarticulares,
e mediadores inflamatórios (KUMAR et al., 2023). acometendo outras partes do pé e, menos comumente,
o membro superior (KUMAR et al., 2023).

↠ O achado de hiperuricemia, apesar de considerado


pré-condição para o desenvolvimento da gota, tem valor
diagnóstico limitado durante as crises. O diagnóstico
definitivo de gota é dado pelo exame a fresco do líquido
sinovial. O achado de cristais em forma de agulha, típicos
do urato de monossódico (UMS), especialmente se
fagocitados por leucócitos, é considerado patognomônico
da gota (SHINJO.; MOREIRA, 2020).
Além da gota, associada à deposição de cristais de urato
monossódico (UMS), fazem parte desse grupo as condições clínicas
associadas a cristais de: pirofosfato di-hidratado de cálcio (CPPD),
fosfato básico de cálcio (BCP) ou apatita, cistina, tirosina, Charcot-
Leyden, colesterol, oxalato de cálcio e fosfato de alumínio (descritos
em pacientes dialisados por longo período) e corticosteroides (RIBEIRO,
2020).

DOENÇAS INFLAMATÓRIAS SISTÊMICAS (SOBRETUDO


ARTRITE REUMATOIDE)

ARTRITE REUMATÓIDE

↠ A artrite reumatoide (AR) é um distúrbio autoimune


crônico que ataca principalmente as articulações e produz
sinovite proliferativa e inflamatória não supurativa (KUMAR
↠ A artrite aguda resultante normalmente sofre et al., 2023).
remissão espontânea em dias a semanas. Os ataques O atraso no seu diagnóstico e tratamento impacta de modo
repetidos de artrite aguda levam finalmente à formação direto a morbimortalidade, em virtude do grave prejuízo articular,
de tofos, que consistem em agregados de cristais de causando limitação funcional, social e profissional (RIBEIRO, 2020).
urato e tecido inflamatório na membrana sinovial inflamada A doença acomete ambos os sexos, mas
e tecido periarticular, bem como dano grave à cartilagem, há predomínio do feminino na proporção de 3:1, segundo
que compromete a função articular (KUMAR et al., 2023). estudos feitos na Europa e nos EUA. Além de ser uma
condição com potencial para destruição articular,
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS:
incapacidade funcional e redução da qualidade de vida, a
↠ A gota primária manifesta-se inicialmente como artrite AR constitui um fator de risco independente para
aguda, com início súbito, dor excruciante das articulações, mortalidade precoce, associada a maior risco de morte
hiperemia e calor localizado e, em certas ocasiões, febre por doenças cardiovasculares (DCV). Observa-se um
baixa; os sintomas constitucionais são incomuns. Os aumento da mortalidade quando se comparam os
primeiros ataques são, em sua maioria, monoarticulares, e pacientes com a população geral, havendo redução da
50% ocorrem na primeira articulação metatarsofalangiana expectativa de vida em 3 a 10 anos. As DCV podem ser
do hálux. Sem tratamento, a artrite gotosa aguda pode consideradas a principal causa de mortalidade na
durar várias horas a semanas, porém, gradualmente, população com AR, totalizando aproximadamente metade

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das mortes observadas em coortes internacionais predominantemente aquelas secretadas por células T
(RIBEIRO, 2020). CD4+ (KUMAR et al., 2023).
A AR é uma doença de patogênese ↠ As células T CD4+ ativadas liberam mediadores
complexa, com a participação de fatores genéticos, inflamatórios, que estimulam outras células inflamatórias,
hormonais e ambientais. Trata-se de doença em que há, levando à lesão tecidual. Embora muitas citocinas
desde a fase inicial pré-articular, perda da autotolerância e mediadoras possam ser isoladas das articulações
consequente autoimunidade, traduzidas por ativação inflamadas, as mais importantes incluem: (KUMAR et al.,
linfocitária e produção de autoanticorpos (CARVALHO et 2023).
al., 2019).
• A IFN-γ a partir das células Th1, que ativa os
macrófagos e as células sinoviais residentes.
• A IL-17 das células Th17, que recruta neutrófilos
e monócitos.
• O RANKL, que é expresso em células T ativadas
e estimula a reabsorção óssea.
• O TNF e a IL-1 de macrófagos, que estimulam
as células sinoviais residentes a secretar
proteases, que destroem a cartilagem hialina.
Destes, o TNF tem sido mais firmemente implicado na
patogênese da AR, e agentes biológicos anti-TNF revolucionaram o
seu tratamento (KUMAR et al., 2023).

Etiopatogenia da artrite reumatoide: indivíduos portadores de alelos do HLA-


DRB1 ou polimorfismos genéticos recebem os efeitos de fatores ambientais
como infecções e tabagismo. O resultado é a perda da autotolerância e a
autoimunidade (primeiro sinal). Com um segundo sinal, ocorre o
recrutamento articular de linfócitos T CD4+, previamente ativados, e
consequente deflagração do processo inflamatório que caracteriza a sinovite
da doença reumatoide.

Estima-se que 50% do risco de desenvolvimento de AR esteja ATENÇÃO: Na AR, a sinóvia frequentemente contém centros
relacionado com uma suscetibilidade genética herdada. O alelo HLA- germinativos com folículos secundários e plasmócitos abundantes.
DR4 está associado à AR positiva para ACPA. As evidências disponíveis Alguns desses plasmócitos secretam anticorpos que reconhecem
sugerem que um epítopo em uma proteína citrulinada, a vinculina, autoantígenos. Muitos desses autoanticorpos, que são produzidos em
mimetiza um epítopo em muitos microrganismos, podendo ser órgãos linfoides, bem como na sinóvia, são específicos para peptídeos
apresentado pela molécula HLA-DR4 de classe II (KUMAR et al., 2023). citrulinados (CCPs), em que os resíduos de arginina são convertidos
em citrulina após a tradução. São encontrados epítopos modificados
Os fatores ambientais que promovem a autoimunidade estão em várias proteínas presentes nas articulações, incluindo fibrinogênio,
envolvidos; entretanto, como no caso de muitas doenças autoimunes, colágeno tipo I , α-enolase e vimentina. Os anticorpos antipeptídeo
eles não foram claramente definidos. Por exemplo, a infecção citrulinado (ACPAs) são marcadores diagnósticos, que podem ser
(incluindo periodontite) e o tabagismo podem promover a citrulinação detectados no soro de até 70% dos pacientes com AR. Alguns dados
de autoproteínas, criando epítopos que desencadeiam a produção de sugerem que, em combinação com células T reativas contra proteínas
autoanticorpos (KUMAR et al., 2023). citrulinadas, os ACPAs impulsionam a persistência da doença. Em 80%
dos indivíduos, ocorrem autoanticorpos IgM e IgA, que se ligam às
↠ Na AR, a resposta autoimune é iniciada por células T regiões Fc da IgG. Esses autoanticorpos, coletivamente denominados
auxiliares CD4+. À semelhança de outras doenças fator reumatoide, podem depositar-se em articulações na forma de
autoimunes, a predisposição genética e os fatores imunocomplexos, porém não estão presentes em todos os pacientes
e podem ser detectados em alguns indivíduos sem AR (KUMAR et al.,
ambientais contribuem para o desenvolvimento, a 2023).
progressão e a persistência da doença. As alterações
patológicas na AR são mediadas por anticorpos dirigidos Normalmente, a AR afeta as pequenas articulações das
mãos e dos pés. A sinóvia torna-se visivelmente edematosa, espessa
contra autoantígenos e inflamação induzida por citocinas, e hiperplásica, transformando o seu contorno liso em contorno

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coberto por delicadas vilosidades bulbosas. Os aspectos histológicos uma doença sistêmica, outros órgãos podem ser
característicos incluem: (1) hiperplasia e proliferação das células sinoviais; envolvidos, sobretudo nos pacientes com doença articular
(2) infiltrados inflamatórios densos (formando, com frequência, folículos
linfoides) de células T auxiliares CD4+, células B, plasmócitos, células
mais grave (CARVALHO et al., 2019).
dendríticas e macrófagos; (3) aumento da vascularização devido à
angiogênese; (4) exsudato fibrinopurulento nas superfícies sinovial e
↠ As articulações acometidas estão edemaciadas,
articular; e (5) atividade osteoclástica no osso subcondral, permitindo a quentes e dolorosas. Diferentemente da OA, a rigidez
penetração da sinóvia inflamada no osso e causando erosões articular matinal não desaparece com a atividade . O
periarticulares e cistos subcondrais. Em conjunto, essas alterações paciente típico apresenta aumento progressivo das
produzem o pannus, uma massa de sinóvia edematosa, células
articulações e diminuição da amplitude de movimento
inflamatórias, tecido de granulação e fibroblastos, que cresce e
provoca a erosão da cartilagem articular. Com o tempo, após a durante a evolução crônica de aumento e diminuição dos
destruição da cartilagem, o pannus une os ossos opostos para formar sintomas. Em uma minoria de indivíduos, particularmente
a anquilose fibrosa, que, por fim, ossifica e resulta em fusão dos ossos os que não apresentam ACPA e fator reumatoide, a
ou anquilose óssea (KUMAR et al., 2023). doença pode se estabilizar ou até mesmo regredir. Um
pequeno número de pacientes (cerca de 10%)
desenvolve AR de início agudo, com sintomas graves e
comprometimento poliarticular, que surge no decorrer de
vários dias (KUMAR et al., 2023).

↠ A inflamação nos tendões, nos ligamentos e, em certas


ocasiões, no músculo esquelético adjacente
frequentemente acompanha a artrite e provoca
deslocamento radial característico do punho, desvio ulnar
dos dedos das mãos e flexão-hiperextensão dos dedos
(deformidades em pescoço de cisne e em boutonnière).
As características radiográficas incluem derrames
articulares e osteopenia justarticular, com erosões,
estreitamento do espaço articular e perda da cartilagem
(KUMAR et al., 2023).

QUADRO CLÍNICO:
↠ Manifesta-se por meio dos sinais cardinais de
inflamação e seu substrato anatômico mais característico
está sediado na membrana sinovial. Embora as
manifestações articulares sejam típicas, por se tratar de

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6. Artrite psoriásica.
7. Outros: não preenche os critérios de 1 a 6 ou
preenche para mais de uma categoria.
.: A classificação do ILAR evita o termo “espondiloartropatia”, mas
reconhece a artrite relacionada com a entesite (que inclui a maioria
das crianças com diagnóstico de espondilite anquilosante juvenil pelas
classificações anteriores) e a artrite psoriásica (CARVALHO et al., 2019).

↠ A patogênese da AIJ não está bem definida, porém


ela compartilha características com a AR do adulto,
incluindo associações a certas variantes dos genes HLA e
PTPN22 e estudos que ligam a sua patogênese ao
comprometimento das células Th1 e Th17 e dos
mediadores inflamatórios, como IL-1, IL-17, TNF e IFN-γ
(KUMAR et al., 2023).
A espondilite anquilosante
provoca destruição da cartilagem articular e anquilose
óssea, particularmente das articulações sacroilíacas e das
articulações apofisárias das vértebras entre as facetas e
os processos. A doença manifesta-se como dor lombar e
imobilidade da coluna, geralmente na segunda e terceira
décadas de vida. As articulações periféricas, como quadril,
joelhos e ombros, estão acometidas em pelo menos um
Mão reumatoide mostrando dedos em pescoço de cisne, polegar terço dos casos. Cerca de 90% dos pacientes são
em Z e desvio ulnar dos dedos. positivos para HLA-B27, cujo papel não é conhecido;
presumivelmente, está relacionado com a capacidade
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL dessa variante de MHC de apresentar um ou mais
antígenos que, de algum modo, desencadeiam a doença,
↠ A artrite idiopática juvenil (AIJ) é um grupo
porém nem o antígeno nem a célula imune patogênica
heterogêneo de doenças de causa desconhecida, que se
são conhecidos (KUMAR et al., 2023).
manifesta com artrite antes dos 16 anos e persiste durante
pelo menos 6 semanas (KUMAR et al., 2023). ARTRITE PSORIÁSICA JUVENIL: artrite de início antes dos 16
Em comparação com a AR, a AIJ está mais comumente anos, que dura pelo menos 6 semanas e associada a
associada à oligoartrite, à doença sistêmica e ao comprometimento psoríase ou, pelo menos, dois dos seguintes critérios –
das grandes articulações. A soropositividade para anticorpo antinuclear dactilite, depressões ungueais, onicólise ou psoríase em
(ANA) é típica, porém os nódulos reumatoides estão normalmente parente de primeiro grau –, respeitados os critérios de
ausentes (KUMAR et al., 2023).
exclusão. Além das manifestações cutâneas e ungueais
↠ Na tentativa de unificar a nomenclatura, a International da psoríase, as crianças acometidas podem apresentar
League of Associations for Rheumatology (ILAR) propôs, sinais de doença inflamatória crônica que incluem anorexia,
nos anos 1990, uma nova classificação, sem pretender anemia e redução da velocidade de crescimento. A febre
abranger todas as artropatias juvenis, mas evitando a é incomum e a amiloidose compreende uma rara
superposição das categorias (CARVALHO et al., 2019). complicação da doença (KUMAR et al., 2023).

↠ São sete as categorias propostas: (CARVALHO et al.,


2019).
1. Artrite sistêmica.
2. Poliartrite fator reumatoide positivo.
3. Poliartrite fator reumatoide negativo.
4. Oligoartrite.
5. Artrite associada à entesite.

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↠ A história clínica e o exame físico, auxiliados por provas


laboratoriais e exames radiológicos, representam
elementos essenciais para o diagnóstico. Por meio deles,
pode-se classificar a artrite em algumas categorias: por
distúrbios degenerativos, inflamatórios, funcionais,
infecciosos e de origem desconhecida (CARVALHO et al.,
2019).
QUADRO CLÍNICO DA ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL: ANAMNESE
↠ Em processos inflamatórios articulares, rigidez após ↠ A história do paciente deve ser suficientemente
períodos de repouso, principalmente matinal, e dor adequada para descobrir fatos que levem ao diagnóstico,
noturna são frequentemente encontradas. As crianças, tornando-se necessário, portanto, identificar fatores que
em especial aquelas de baixa idade, no entanto, não acompanham a artrite, como febre, lesões cutâneas, dor
comunicam esses sintomas diretamente, e sua ocorrência muscular, emagrecimento e outras alterações. Determinar
é apenas suspeitada pela observação dos pais ou o que precedeu o quadro, como trauma, promiscuidade
cuidadores – irritabilidade excessiva, posições antálgicas sexual, doenças na família e hábitos de vida do paciente,
ou recusa ao andar. Fadiga, anorexia, febre baixa, é essencial para esclarecer a doença (CARVALHO et al.,
regressão psicológica e retardo do crescimento também 2019).
são observados. As formas de apresentação da doença
são definidas pelo modo de início e por sua evolução nos .: História com episódios prévios de artrite fornece apoio para
doenças microcristalinas, como a gota, doença predominante nos
6 primeiros meses (CARVALHO et al., 2019). homens, decorrente da hiperuricemia crônica, com depósito de urato
de sódio nas articulações e em outros tecidos (subcutâneo, rins etc.).
Diagnóstico O quadro clínico inicial se caracteriza por crise monoarticular aguda,
geralmente em extremidades inferiores, com duração de 7 a 15 dias
↠ A artrite compreende um sinal comum a mais de 100 e desaparecimento completo dos sinais e sintomas. Contudo, a crise
doenças, porém seu diagnóstico diferencial é amplo e de monoartrite pode retornar após longo período assintomático
inclui, além de causas reumatológicas, condições (CARVALHO et al., 2019).
infecciosas, neoplásicas, hematológicas, traumáticas etc. A
↠ Entre as doenças inflamatórias poliarticulares, a que
investigação inicial baseia-se na anamnese e no exame
mais chama atenção é a artrite reumatoide (AR),
físico, e os procedimentos laboratoriais e os métodos de
caracterizada por poliartrite de pequenas articulações das
imagem devem ser bem indicados para não onerar
mãos (interfalângicas proximais e metacarpofalângicas),
excessiva e desnecessariamente o sistema de saúde
punhos, pés (interfalângicas e metatarsofalângicas),
(CARVALHO et al., 2019).
tornozelos, joelhos e outras. Na maioria das vezes, o
↠ A anamnese e o exame físico são importantes processo é crônico, bilateral, simétrico e fixo, evoluindo
componentes para o diagnóstico de manifestações para deformidades articulares, como desvio ulnar,
caracterizadas por edema, dor e aumento da subluxação, dedo em pescoço de cisne e em botoeira.
temperatura das articulações (artrite), pois o (CARVALHO et al., 2019).
reconhecimento do quadro articular é fundamental. É
↠ As doenças por depósito de cristais, como gota e
necessário determinar se o paciente está realmente
pseudogota (condrocalcinose), também podem ter
desenvolvendo um quadro de artrite ou se apenas
envolvimento poliarticular, como citado anteriormente.
apresenta um quadro de dor articular e, ainda, se a
Deve-se lembrar de que existe um padrão de crises
manifestação é articular ou periarticular (CARVALHO et
agudas monoarticulares no início da doença, com
al., 2019).
períodos de acalmia completa, o que ajuda muito na

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hipótese diagnóstica dessas duas entidades (CARVALHO


et al., 2019).
ATENÇÃO: Mais recentemente, o quadro articular das arboviroses tem
ganhado destaque. Enquanto dengue e zika se apresentam
principalmente com artralgia inflamatória, a chikingunya tem como
características poliartrite e entesite associadas à rigidez difusa. Esse
quadro tem início agudo, mas pode cronificar (CARVALHO et al., 2019). EXAMES COMPLEMENTARES
↠ Outro ponto importante é se a atividade física melhora ↠ Existem várias modalidades de exames de imagem
ou piora a dor. Movimentos suaves melhoram a dor de que ajudam a esclarecer o diagnóstico, avaliar a extensão
origem inflamatória, porém pioram quando a dor é de das lesões e acompanhar a evolução do tratamento das
origem traumática, compressiva ou degenerativa doenças reumáticas (CARVALHO et al., 2019).
(LOUZADA-JÚNIOR et al.).
Radiografia
↠ O período em que a dor piora também é importante.
Pacientes com doenças inflamatórias podem ter rigidez ↠ Método mais antigo, conhecido e abrangente, muitas
ou dor, principalmente, pela manhã, que, gradualmente, vezes é suficiente para diagnosticar e acompanhar a
melhoram durante o dia. Isso se deve ao acúmulo, no evolução do tratamento, pois fornece excelente imagem
líquido sinovial, de substâncias pró-inflamatórias, cuja da estrutura óssea, enquanto as chamadas partes moles
drenagem está diminuída durante longos períodos de – cartilagem, músculo, tendão, cápsula e líquidos nos
repouso articular. À medida que se realizam movimentos, tecidos e nas articulações – são mostradas parcialmente
a velocidade de drenagem do líquido sinovial aumenta, (CARVALHO et al., 2019).
reduzindo a quantidade de substâncias pró-inflamatórias e
OSTEOARTRITE: seu padrão típico exibe estreitamento não
diminuindo a dor de origem articular. Nos pacientes com
uniforme do espaço articular, esclerose óssea subcondral,
osteoartrose, a dor aumenta durante o dia e melhora com
osteófitos, cistos ou pseudocistos subcondrais, sem
o repouso. A dor noturna está geralmente associada a
osteoporose (CARVALHO et al., 2019).
lesões articulares estruturais graves ou a doenças
inflamatórias, como a espondilite anquilosante (LOUZADA-
JÚNIOR et al.).

↠ O frio e o estresse emocional agravam a maioria das Radiografia da mão em posição


dores de origem reumática (LOUZADA-JÚNIOR et al.). anteroposterior. Osteoartrite com
redução dos espaços articulares,
esclerose de bordas e osteófitos nas
articulações interfalângicas distais e
proximais, nódulos de Bouchard e
Heberden (pontas de setas). Pequeno
osteófito na articulação
trapeziometacárpica (seta).

EXAME FÍSICO

↠ É sempre importante caracterizar a presença ou não


de inflamação articular. A presença dos cinco sinais
inflamatórios nem sempre acontece. A dor, o calor, o
edema, a hiperemia e a perda funcional, que caracterizam
o processo inflamatório, não necessariamente devem
estar presentes simultaneamente. Para definir inflamação
é necessária a presença de pelo menos três desses sinais
(LOUZADA-JÚNIOR et al.).

Radiografia das articulações coxofemorais em batráquio. Osteoartrite caracterizada por


redução do espaço articular (seta), esclerose (seta) e áreas de rarefações subcondrais,
principalmente na parte superior do acetábulo e na cabeça femoral (pontas de seta).

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GOTA: Os tofos, nódulos de cristais de urato de sódio, são .: Na artrite séptica, o líquido sinovial apresenta aspecto purulento,
com predomínio de neutrófilos, e o agente etiológico se define por
encontrados dentro da articulação, para-articulares ou na meio da cultura do líquido sinovial. Assim, coloração especial e cultura
superfície óssea, longe da articulação. As erosões ósseas para micobactéria e fungos devem ser realizadas. Mais de 100 mil
são causadas pelos tofos, por isso têm orla de esclerose leucócitos/mm3 são altamente sugestivos de infecção, até que se
e podem ser observadas também longe da articulação prove o contrário (CARVALHO et al., 2019).
(CARVALHO et al., 2019). Pacientes com monoartrite que persistem sem
diagnóstico após investigação clínico-laboratorial devem ser
submetidos à biopsia da membrana sinovial, visto ser esta a sede da
maioria das doenças inflamatórias articulares e, consequentemente, um
local para estudo histopatológico (CARVALHO et al., 2019).

Referências

PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Exame Clínico, 8ª


ARTRITE REUMATÓIDE: Nas articulações, observam-se as
edição. Grupo GEN, 2017.
seguintes alterações radiológicas: tumefação de partes
moles, osteoporose periarticular, redução do espaço CARVALHO, Marco Antonio P.; LANNA, Cristina Costa D.;
articular, pseudocistos, periostite, alteração da camada BERTOLO, Manoel B. Reumatologia - Diagnósttico e
cortical, subluxação e deformidades (CARVALHO et al., Tratamento, 5ª edição. Grupo GEN, 2019.
2019).
MOREIRA, Caio; PINHEIRO, Geraldo da Rocha C.; NETO,
João Francisco M. Reumatologia Essencial. Grupo GEN,
2009.

RIBEIRO, Priscila Dias C. Amerepam - Manual de


Reumatologia. Grupo GEN, 2020.

SHINJO, Samuel K.; MOREIRA, Caio. Livro da Sociedade


Brasileira de Reumatologia 2ª ed. Editora Manole, 2020.

KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins &


Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Grupo
GEN, 2023.

Radiografia das mãos em anteroposterior. Artrite reumatoide em fase HOCHBERG, Marc C. Reumatologia. Grupo GEN, 2016.
tardia. Deformidades articulares com luxações dos dedos. Deformidade
de Boutonnière no quarto dedo esquerdo e “caroneiro” do polegar REZENDE, M. U.; CAMPOS, G. C. A osteoartrite é uma
(pontas de seta). Anquilose do carpo. Erosões extensas na ulna. doença mecânica ou inflamatória? Revista Brasileira de
Ortopedia, 2013.
Líquido sinovial
CUNHA et al. As perturbações de ansiedade e a Síndrome
↠ Pela análise do líquido sinovial, pode-se obter de Hipermobilidade Articular. Trabalho Final do Mestrado
importantes informações para esclarecimento diagnóstico, Integrado em Medicina, 2016.
como contagem total e diferencial de leucócitos,
contagem de hemácias, exame bacterioscópico e cultura, MARQUES et al. Recomendações da Sociedade Brasileira
bioquímica e microscopia com luz polarizada para a de Reumatologia para diagnóstico e tratamento da febre
pesquisa de cristais (CARVALHO et al., 2019). chikungunya. Parte 1 – Diagnóstico e situações especiais,
2017.
LOUZADA-JÚNIOR et al. Artralgia e artrite.

Júlia Morbeck – @med.morbeck

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