Você está na página 1de 152

CURSOS

Curso de Infecções Graves na UTI

DIRETORIA EXECUTIVA BIÊNIO 1. Doenças Infecciosas nos Pacientes Graves, 7


2022/2023
2. Uso de Antimicrobianos na Unidade de Terapia
Presidente Intensiva, 11
Marcelo de Oliveira Maia 3. Farmacocinética e Farmacodinâmica dos
Antimicrobianos, 33
Vice-Presidente
Marcelo Barciela Brandão 4. Avaliação de Febre no Paciente Grave, 39

Secretário Geral 5. Tratamento das Infecções por Bactérias


Cristiano Augusto Franke Multirresistentes, 45

6. Sepse, 53
Tesoureiro
Licurgo Pamplona Neto 7. Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave, 59

Diretora Científica 8. Pneumonia Adquirida no Hospital e Pneumonia


Carmen Sílvia Valente Barbas Associada à Ventilação Mecânica, 67

9. Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas


Presidente-Futura ao Cateter, 73
Patricia M. V. de Carvalho Mello
10. Infecções Intra-Abdominais, 79
Presidente-Passada
Suzana Margareth Ajeje Lobo 11. Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM), 89

12. Infecção por Clostridioides difficile, 97

13. Infecções do Sistema Nervoso Central, 105

14. Febres Hemorrágicas, 115

15. Infecções Fúngicas Invasivas, 129

16. Infecções Graves no Paciente


Imunocomprometido, 133
AMIB
Associação de Medicina 17. Endocardite Infecciosa, 143
Intensiva Brasileira 18. Prevenção de Infecções Nosocomiais, 147
Rua Arminda, 93 - 7º andar
Vila Olímpia
CEP 04545-100 - São Paulo - SP
(11) 5089-2642
www.amib.org.br
Doenças Infecciosas nos Pacientes Graves

COORDENADOR (2022-2023)
André Miguel Japiassú

AUTORES DOS CAPÍTULOS


Achilles Rohlfs Barbosa
André Miguel Japiassú
Brenno Cardoso Gomes
Denise Machado Medeiros
Fabiano Márcio Nagel
Frederico Bruzzi de Carvalho
Gerson Luiz de Macedo
Kelson Nobre Veras
Thiago Costa Lisboa

5
Doenças Infecciosas nos 1
Pacientes Graves

André Japiassú

Características das doenças Outra característica de algumas doenças infec-


ciosas é a emergência ou reemergência: doenças sur-
infecciosas gem em diferentes períodos da história, e aparecem ou
As doenças infecciosas formam o conjunto de reaparecem com características semelhantes ou dife-
causas mais comuns de internação nas unidades de te- rentes. A dengue é um exemplo: causou surtos no Brasil
rapia intensiva (UTI). A pneumonia comunitária grave na década de 1950 e 1960, desapareceu durante 15 a
é, isoladamente, a causa mais frequente de internação, 20 anos, e ressurgiu no fim da década de 1980. Desde
entre pacientes adultos e pediátricos. Outras infecções lá, permanece reemergindo em surtos/epidemias, com
também são causas de internação, principalmente aparecimento de novos tipos de vírus.
quando associadas à sepse. Ainda falando em epidemiologia global, as
As doenças infecciosas possuem características doenças infecciosas causam cerca de 25% das mortes
comuns e são prevalentes em todos os continentes, no mundo, sendo a pneumonia, as doenças diarreicas,
mas existe variação de microrganismos e síndromes in- HIV/AIDS, a tuberculose e a malária as cinco principais
fecciosas entre as diferentes regiões. Uma determinada infecções mortais. No entanto, o desenvolvimento e o
infecção, que é frequente em alguma região, pode ser progresso da humanidade fez com que doenças ante-
rara em outra região do globo. Porém, o fenômeno re- riormente fatais fossem controladas e, eventualmente,
cente da globalização faz com que essas fronteiras es- erradicadas: a difteria foi grande causa de morte infan-
tejam cada vez mais tênues e com que certas doenças, til nos séculos XVIII e XIX mas, após o início da imuni-
anteriormente raras, fossem disseminadas rapidamente zação específica no fim do século XIX, foi controlada e
(por exemplo, Zika e Chikungunyia, entre 2013 e 2015, erradicada em várias partes do planeta; a tuberculose
no continente americano). O Quadro 1.1 apresenta as foi disseminada após a Revolução Industrial e o cresci-
características comuns das doenças infecciosas e seu mento das grandes cidades, os casos muitas vezes eram
possível impacto mundial. fatais e somente controlados com isolamento social de
Quadro 1.1: Características comuns das doenças infecciosas e seu possível impacto mundial

Característica Exemplo
Impacto global e explosivo Influenza
Imunidade adquirida Varicela e febre amarela
Acometimento “democrático” entre indivíduos sadios ou com Pneumonia viral e dengue
comorbidades
Potencial para prevenção e erradicação Difteria e poliomielite
Adaptação de microrganismos ao tratamento antimicrobiano Bactérias produtoras de betalactamases
Dependência do comportamento humano Doenças sexualmente transmissíveis
Coevolução ou derivação de outras espécies animais Leptospirose e brucelose
Influência do tratamento em ecossistemas ou em Estafilococcia por Staphylococcus aureus resistente à
comunidades meticilina
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

pacientes (em sanatórios), até o surgimento da vacina- O Brasil foi o segundo país que mais forneceu pa-
ção com BCG e o tratamento com esquema antimicro- cientes para o estudo, com cerca de 1.300 dos 14.400
biano combinado entre as décadas de 1920 e 1950. indivíduos incluídos. Em média, 50% dos pacientes
internados em UTI do mundo inteiro apresentavam
alguma infecção no dia do estudo (Figura 1.1). A ida-
Epidemiologia global das doenças de média foi de 60 anos, com Sequential Organ Failure
infecciosas graves Assessment (SOFA) médio de 6,3 pontos (marcando a
presença de síndrome de disfunções orgânicas múl-
O estudo EPIC (Extended Study of Prevalence of tiplas); mais da metade usava suporte ventilatório in-
Infection in Intensive Care) foi coordenado pelo Doutor vasivo. As comorbidades mais comuns foram: doença
Jean Louis Vincent, teve duas fases e marcou a prevalên- pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias ativas, insufi-
cia de infecções em UTI ao redor do mundo, envolvendo ciência cardíaca, diabetes mellitus e insuficiência renal
75 países e 1.265 UTI. Foi realizada corte de prevalência crônica. O sítio de infecção mais comum em UTI foi o
de 1 dia em 2007, no qual as UTI registraram todos os pulmonar (63% de todas infecções), seguido por abdo-
pacientes internados, se eles apresentavam infecções e minal, sanguíneo primário, urinário e cutâneo.
as características destas infecções. As comorbidades e a No Quadro 1.2, estão os principais desfechos e a
mortalidade hospitalar também foram observadas. comparação com dados da América Latina.

Figura 1.1: Prevalência de pacientes com infecção nas unidades de terapia intensiva. Estudo EPIC II. Fonte: adaptado de
Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in intensive care
(EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.

Quadro 1.2: principais desfechos da internação em unidade de terapia intensiva (UTI)

Desfechos Mundo (%) América Latina (%)


Infecção ativa 51 60
Presença de bacteremia 15 10
Infecções por bactérias Gram-negativas 62 70
Infecções por bactérias Gram-positivas 47 39
Mortalidade na UTI de todos os pacientes 18 27
Mortalidade hospitalar de todos os pacientes 24 33
Mortalidade hospitalar dos pacientes infectados 25 35

8
Doenças Infecciosas nos Pacientes Graves

São notáveis as diferenças de piores desfechos Este estudo também fez análise mais detalhada
no nosso continente, quando comparados ao restan- da presença de recursos nas diversas UTIs. Havia dife-
te do mundo. As diferenças são mais contrastantes se rença significativa de recursos de monitoração e tera-
compararmos a mortalidade de pacientes infectados pêutica conforme o nível socioeconômico dos países,
na América do Norte (18%) e Oceania (14%) versus com prejuízo naqueles com menor renda per capita.
América Latina (35%) (Figura 1.2). Por exemplo, a disponibilidade de cateter nasal de alto
fluxo (-33%), ecocardiografia na UTI (-21%), presença de
infectologistas e microbiologia (-27%), de equinocan-
Epidemiologia atual: dinas (-45%) e dosagem sérica de antibióticos como a
EPIC 3 (2017) vancomicina (-61%) eram menores nos países pobres,
quando comparados àqueles ricos.
A terceira versão do EPIC de 2017 também ava-
liou a prevalência de infecções em pacientes internados
em UTI ao redor do mundo. A diferença após 10 anos é o Conclusão
aumento das infecções nosocomiais, principalmente o
crescimento da etiologia por bactérias Gram-negativas As características das doenças infecciosas e os
(67% das culturas positivas) e redução relativa da par- desfechos desfavoráveis no nosso continente apontam
ticipação de bactérias Gram-positivas (37%); anterior- para nossa maior preocupação com este tema, e a prio-
mente, havia uma quase equidade dessa relação. Houve rização do diagnóstico correto e do tratamento ágil e
efetivo das infecções nas nossas UTI.
associação de infecções por bactérias resistentes (como
Enterococos resistentes a vancomicina, Klebsiella resis-
tente a carbapenemases e Acinetobacter sp) com a mor-
talidade na UTI.

Figura 1.2: Mortalidade na unidade de terapia intensiva de pacientes com infecção. Fonte: adaptado de Vincent JL, Rello J,
Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in intensive care (EPIC) II. JAMA
2009;302(21):2323-9.

9
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Referências Bibliográficas
1. Fauci AS, Morens DM. The perpetual challenge of infectious diseases. N Engl J Med 2012;366(5):454-61.
2. World Health Organization (WHO). The top 10 causes of death: leading causes of death by economy income group.
Geneve: WHO; 2015. Available from: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index1.html>.
3. Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in
intensive care (EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.
4. Vincent JL, Sakr Y, Singer M, et al. Prevalence and Outcomes of Infection Among Patients in Intensive Care Units in
2017. JAMA 2020 Apr 21;323(15):1478-87.

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

10
Uso de Antimicrobianos na 2
Unidade de Terapia Intensiva

Gerson Luiz de Macedo

Introdução que tínhamos vencido o combate contra as bactérias


patogênicas, porém, com a evolução tecnológica da
Na era pré-bacteriológica, o mundo microscópico medicina e o surgimento das unidades de terapia
foi responsável pelo extermínio de um quarto da popu- intensiva e medicina invasiva, a partir da década de
lação da Europa no século XIV (no mínimo 25 milhões 1970, começávamos a conhecer os germes multirre-
de pessoas) com a peste negra. Não se conhecendo os sistentes, também fruto do uso abusivo de antimicro-
agentes etiológicos, as doenças eram classificadas como bianos, aliados à imunodeficiência que, na década de
contagiosas (contagium: substância derivada do corpo do 1980, já se relacionava não só com uso de quimiote-
doente, passando de um indivíduo para o outro), como a rápicos, mas também com o surgimento de novos mi-
sífilis, ou miasmáticas (miasma: substância gerada fora do crorganismos patogênicos, como foi o caso do vírus
corpo e se espalhando pelo ar), como a malária. da AIDS.
Somente no final do século XIX, graças a Louis Nos dias de hoje, as infecções já representam a
Pasteur (1822-1895) e Robert Kock (1843-1910), a era principal causa de morte nas unidades de terapia inten-
bacteriológica se iniciava com a descoberta dos princi- siva (UTI) do mundo inteiro e estamos longe de erradi-
pais microrganismos patogênicos ao homem, como a cá-las dessas unidades.
própria Yersinia pestis, descoberta pelos pesquisadores
Yersin e Kitasato em 1894, discípulos de Pasteur e Kock,
respectivamente. Antimicrobianos e Infecção no
Chegávamos no século XX sem poder combater Brasil
de forma eficaz as infecções, que continuavam a ser
Com o início da campanha de sobrevivência
uma da principais causas de mortalidade no início do
da sepse em 2004, o uso de protocolos nas unidades
século e uma das razões mais fortes para a baixa expec-
hospitalares dos países desenvolvidos fez com que a
tativa de vida de um ser humano (47 anos).
mortalidade das infecções graves nos hospitais de-
A descoberta da penicilina por Alexander Fleming, clinasse − o mesmo não ocorrendo ainda na maio-
publicada em 1929, deu início ao combate das bactérias, ria dos hospitais de países em desenvolvimento e
principalmente dos germes Gram-positivos, que eram, subdesenvolvidos.
na ocasião, microrganismos frequentemente implicados
em infecções graves, como os estafilococos e os estrepto-
cocos, na época sensíveis à penicilida de Fleming. Definições Fundamentais
Na Segunda Guerra Mundial, a era dos antibió-
ticos pode ser considerada iniciada, porque somente Colonização
nessa ocasião foi possível a produção industrial de larga Presença de microrganismos em superfícies epi-
escala da penicilina. A temida pneumonia pneumocóci- teliais de seres humanos, sem invasão tecidual e de
ca deixava de matar 30% dos pacientes infectados. forma simbiótica, sem gerar resposta imunológica e
Com a descoberta de novos grupos de antibió- inflamatória nociva ao organismo humano. Exemplo:
ticos a partir da década de 1960, chegamos a pensar microbiota intestinal.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Contaminação receptores, porém de forma protetora, atenuando a res-


posta inflamatória, promovendo homeostasia e man-
Presença transitória de microrganismos em su-
tendo a integridade da barreira mucosa.
perfícies epiteliais, sem invasão tecidual ou relação
de parasitimo, podendo ocorrer também em objetos Existem vários mecanismos propostos para ten-
inanimados. tar explicar como nossa microbiota atenua ou suprime
uma resposta inflamatória mediada por um microrga-
nismo patogênico. Uma explicação interessante mostra
Colonização: Trato que a interação com os receptores, por parte da bac-
Gastrintestinal e téria comensal, dificulta ou previne o reconhecimento
dos patógenos pelos receptores TOLL, atenuando ou
Antibioticoterapia suprimindo uma resposta inflamatória de mucosa.
Nossa microbiota contém dez vezes mais células O uso abusivo ou inapropriado de antibióticos
que o corpo humano, e o trato gastrintestinal é o local representa um importante fator de instabilidade dessas
onde vive o maior número de bactérias. Estima-se que interações entre a microbiota e os receptores padrões,
1 kg de microrganismos coloniza o intestino com cer- facilitando a inflamação e a perda da integridade da
ca de 500 espécies diferentes, principalmente no íleo mucosa intestinal. A infecção por Clostridium difficile
e no cólon, desempenhando funções importantes na serve como bom exemplo, em que a partir da contami-
digestão, metabolismo e defesa contra microrganismos nação fecal-oral, com uso de antibióticos e fatores pre-
patogênicos. disponentes (idade, imunossupressão e doença grave),
Ao nascer, o trato gastrintestinal estéril do recém- a mudança e a redução da microbiota levam à resposta
-nato imediatamente recebe inoculações de micror- inflamatória, podendo ser letal em alguns casos.
ganismos maternos, profissionais de saúde e do meio
ambiente hospitalar, e a criança com 1 ano de idade apre-
senta uma microbiota já muito semelhante à do adulto.
Principais Grupos de Antibióticos
Nos adultos, as bactérias anaeróbias dos gêneros Utilizados
Clostridium, Bacillus e Bacterioidetes dominam a microbio-
ta, desempenhando funções metabólicas não possíveis Antibióticos betalactâmicos
de serem realizadas pelo metabolismo humano, criando Os antibióticos betalactâmicos representam a
um relacionamento simbiótico, e permitindo que hos- principal família de antimicrobianos disponíveis para o
pedeiro e microrganismos usem fontes de energia que tratamento de infecções bacterianas. O anel betalactâ-
separadamente não poderiam utilizar facilmente. Nossa mico, em sua estrutura química (Figura 2.1), confere, ao
microbiota digere certos polissacarídeos (pectina e arabi- mesmo tempo, seu poder bactericida e sua fragilidade
nose) impossíveis de serem digeridos pelo intestino hu- diante das betalactamases produzidas pelos microrga-
mano, além de sintetizarem vitaminas (K) e aminoácidos nismos patogênicos inicialmente sensíveis a este grande
importantes para o metabolismo humano.
Em última análise, a microbiota intestinal fun-
ciona como um verdadeiro sistema de integração no
organismo humano, com as células humanas também
participando de forma ativa dessa interação, mantendo
a barreira mucosa íntegra e fazendo, inclusive, a distin-
ção entre os microrganismos indígenas e espécies pato-
gênicas ao homem.
Essa importante distinção é possível com a ma-
nutenção da integridade da população da microbiota
e a existência de um sistema “sensor”, encontrado em
células do intestino, que reconhece os germes pato-
gênicos. Esse sistema usa receptores nas células para
o reconhecimento dos patógenos (PPR), incluindo os
receptores TOLL e NOD (do inglês nucleotide-binding
oligomerization domains), que pertencem ao sistema
imune inato. A interação entre os microrganismos pa-
togênicos (padrão molecular associados a patógenos
− PAMP) e esses receptores gera vias de sinalização de
defesa tanto do sistema imune inato quanto do sistema Figura 2.1: O anel betalactâmico significa uma amida
imune adaptativo, com importante papel da microbiota cíclica no qual se dá o fechamento da cadeia pelo nitrogênio
comensal do intestino, que também interage com estes no carbono situado na porção beta.

12
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

grupo de antibióticos. Tem como mecanismo de ação a pneumococo e dos enterococos, hoje não utilizamos
inibição da síntese do peptidoglicano na parede celular mais estes antibióticos isoladamente como terapia em-
da bactéria, ligando-se a proteínas ligadoras de penici- pírica na maioria dos pacientes com sepse grave, porém,
linas (PBPS), causando lise osmótica do microrganismo. permanecem com atividade antimicrobiana segura
para as infecções causadas pela Neisseria meningitidis e
pelas outras espécies de estreptococos (Streptococcus
Penicilinas pyogenes, Streptococcus agalactiae, Streptococcus equi,
Naturais Streptococcus bovis), incluindo do grupo viridans (mitis,
salivarius e sanguis).
Obtidas a partir da fermentação do fungo
Penicillium chrysogenum (Notatum), apresentam um Em pacientes com infecções graves, a penicilina
anel tiazolidínico ligado ao anel betalactâmico, trans- cristalina (uso intravenoso) continua como droga de
formando-se no ácido 6-aminopenicilânico, núcleo cen- primeira linha, associada à gentamicina, para o trata-
tral do qual derivam as penicilinas (Figura 2.2). mento da endocardite infecciosa estreptocócica. O uso
da penicilina cristalina como monoterapia deve ficar
Fazem parte desse grupo de antibióticos a pe-
restrito aos casos de endocardite em valvas naturais
nicilina benzatina e procaína, para uso intramuscular,
com extensão do tratamento para 4 semanas.
e a penicilina cristalina para uso venoso. São antibió-
ticos com excelente perfil farmacocinético, apresen- Nas infecções de pele e tecido celular subcutâ-
tando distribuição e penetração em vários tecidos e neo (celulite e fasceíte necrotizante do tipo II) de etio-
líquidos orgânicos, atingindo concentrações seguras, logia estreptocócica em pacientes não diabéticos e não
inclusive nas meninges. São excretadas pela via renal, usuários de droga intravenosa, mantém-se como opção
havendo necessidade de ajuste da dose somente em terapêutica associada a aminoglicosídeos.
casos de insuficiência renal grave (clearance de crea- A penicilina cristalina continua sendo uma exce-
tinina inferior a 10 mL/hora), quando o intervalo das lente opção terapêutica para o tratamento da meningi-
doses não deve ser inferior a 8 horas, com dose máxi- te meningocócica, por se manter com elevada potência
ma preconizada em anúricos de 6 milhões de unida- antimicrobiana mesmo em baixas concentrações, além
des por dia de penicilina. de ter boa penetração na meninge inflamada. Como
Pioneiras no combate a infecções bacterianas, as terapia empírica, as cefalosporinas de terceira geração
penicilinas naturais se tornaram drogas extremamen- tornaram-se a droga de escolha para o tratamento des-
te eficazes para tratamento de infecções por bactérias sas infecções.
Gram-positivas, cocos Gram-negativos, espiroquetas e Devido ao seu perfil farmacológico como um an-
actinomicetos a partir da década de 1940, quando fo- tibiótico tempo-dependente, devemos fazer infusões
ram utilizadas de forma ampla com sua industrialização. de penicilina cristalina com intervalos de 4 horas (práti-
Com o progressivo desenvolvimento de resis- ca habitual) ou infusão contínua com dose média diária
tência, inicialmente por meio da produção de beta- de 18 a 25 milhões de unidades em adultos (200.000 a
lactamases pelo Staphylococcus aureus e mutação 500.000U/kg/dia em crianças) para infecções graves. É
com modificação dos sítios de PBPS, como no caso do importante lembrar que, para o balanço hidroeletrolí-
tico do paciente crítico, 1 milhão de unidades de peni-
cilina cristalina fornecem 1,6 meq/L de potássio e 1,6
Penicilina G
meq/L de sódio.
S CH3
CH2 CO NH Penicilinas semissintéticas
N CH3 Em 1959, com a obtenção do ácido 6-aminope-
nicilânico, tornou-se possível o desenvolvimento das
O
penicilinas semissintéticas com específico ou maior
CO2H
espectro antimicrobiano. Com parâmetro farmacociné-
tico-farmacodinâmico (PK/PD) semelhantes às penicili-
nas naturais, também se distribuem amplamente pelos
H2N
tecidos e líquidos orgânicos, com excreção pela via re-
S CH3
nal por secreção tubular.

CH3
N
Classificação
O
„ Penicilinas de segunda geração: ampicilina e
CO2H
amoxacilina.
6-APA „ Penicilinas antiestáfilocócicas: oxacilina e
Figura 2.2: Estrutura química da penicilina. derivados.

13
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

„ Penicilinas de amplo espectro ou quarta gera- mantendo concentrações inibitórias seguras por tempo
ção: azlocilina, mezlocilina e piperacilina. mais prolongado (8 ou até 12 horas, se utilizando prepa-
„ Inibidores de betalactamases. rações solúveis), podendo ser usada com doses maiores
(3 g/4 g/dia) em adultos (100 mg/kg/dia em crianças)
para o tratamento de infecções respiratórias (principal-
Discutiremos, a seguir, as penicilinas semissinté-
mente recidivantes) com resistência intermediária às
ticas principalmente com inibidores de betalactama-
penicilinas. Para o tratamento das infecções respirató-
ses com aplicação clínica em pacientes com infecções
rias (principalmente recidivantes).
graves.

Ampicilina Amoxacilina com clavulanato


Em consequência de sua ampla utilização desde Disponível para uso venoso (500 mg/100 mg e
o início da década de 1960 e com o progressivo aumen- 1 g/200 mg), comprimidos e suspensão oral, a amoxa-
to de resistência bacteriana por meio da produção de cilina com o ácido clavulânico tem aplicabilidade prin-
beta-actamases, não utilizamos mais a ampicilina para cipalmente nas infecções respiratórias causadas pelo
tratamento das infecções pelo S. aureus e os bacilos Gram- Streptococcus pneumoniae e H. influenzae.
negativos anteriormente sensíveis (Haemophilus influen-
zae, Proteus mirabilis, Escherichia coli, Salmonella, Shigella).
Isoxazolilpenicilinas
O Brasil mantém sua atividade bactericida segura
contra os estreptococos do Grupo A de Lancefield, com Oxacilina
atividade variável contra os enterococos e pneumoco- Primeira isoxazolilpenicilina a ser sintetizada em
cos, havendo a necessidade de se conhecer o perfil de 1961, a oxacilina, graças à presença da cadeia lateral
resistência em seu hospital, para que possa ser utilizado isoxazolil, é resistente à ação enzimática da penicilinase,
com segurança. não apresentando resistência a outras betalactamases.
É importante frisar que a ampicilina é conside- Essa característica farmacológica a torna ativa contra os
rada droga de escolha para o tratamento da meningite estafilococos produtores de penicilinase, sendo a dro-
por Listeria monocytogenes, além de manter estabilida- ga de escolha para o tratamento das infecções graves
de segura para o tratamento das infecções meníngeas causadas por estes germes na comunidade, mas, no
pelo meningococo. ambiente hospitalar, a ocorrência de resistência é alar-
mante, tanto para a espécie aureus quanto para epider-
Ampicilina com sulbactam midis. Sua utilização não é segura como droga inicial.
Seu PK/PD, quanto ao mecanismo de ação, são seme-
Disponível para uso venoso (1 g de ampicilina +
lhantes aos de outras penicilinas, assim como os efeitos
500 mg de sulbactam), em comprimidos e suspensão
adversos. No Brasil, seu uso é exclusivo pela via paren-
oral, a associação da ampicilina com o sulbactam tor-
teral na dose de 100 mg a 200 mg/kg/dia, com doses
nou o antibiótico betalactâmico novamente estável
contra os microrganismos sensíveis no início da déca- fracionadas a cada 4 ou 6 horas.
da de 1960, continuando a não ter atividade antibiótica
contra os microrganismos que têm em seu mecanismo Penicilinas de terceira geração
de resistência a mudança dos sítios de ação da droga
(PBPS), impedindo a fixação da droga ao seu receptor, Carbenicilina-ticarcilina-ticarcilina + ácido
como é o caso dos estafilococos Staphylococcus aureus
resistente à meticilina (MRSA), pneumococo e enteroco-
clavulânico
co resistentes. O primeiro antibiótico com atividade contra
Em pacientes com infecções graves, talvez sua pseudomonas foi a carbenicilina, descoberta na década
melhor utilização seja em infecções causadas pelo de 1960 para uso exclusivamente venoso, em virtude
Acinetobacter baumannii. de sua instabilidade em meio ácido, seguida da ticar-
cilina no início da década de 1970. Com o surgimento
crescente de resistência dos bacilos Gram-negativos,
Amoxacilina deixaram de ser utilizadas na prática clínica. No Brasil,
Lançada na década de 1970, a amoxacilina é dispomos atualmente da ticarcilina ligada ao ácido
derivada da ampicilina, com espectro e problemas re- clavulânico com atividade antipseudomonas, além de
lacionados à resistência antimicrobiana semelhantes, bacilos Gram-negativos produtores de betalactamases
tornando-se diferente somente no que diz respeito ao convencionais (mediada por plasmídeos, não de es-
melhor perfil farmacocinético com relação à sua melhor pectro ampliado). Sua padronização fica dependente
absorção, produzindo níveis séricos mais elevados e de sua sensibilidade aos microrganismos hospitalares,

14
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

comparada com outros antibióticos com mesmo espec- acremonium, surgia um novo grande grupo de antibió-
tro já disponíveis em sua unidade hospitalar. ticos pertencentes aos antibióticos betalactâmicos.
Sua apresentação é em frasco-ampola com 3 g de O estudo dos pesquisadores com o fungo resul-
ticarcilina e 100 mg de ácido clavulânico para uso veno- tou na descoberta do ácido 7 aminocefalosporânico a
so na dose de 200 a 300 mg/kg/dia, fracionadas a cada partir da cefalosporina C no início da década de 1960
4 horas nos pacientes com sepse grave. Nas infecções e a produção industrial da cefalotina, primeira cefalos-
consideradas graves sem instabilidade hemodinâmica porina de primeira geração lançada para uso clínico
e/ou respiratória, o intervalo das doses pode ser redu- (Figura 2.3).
zido para 6 horas.
Assim como as penicilinas, as cefalosporinas ini-
bem a síntese da parede celular da bactéria em cresci-
Penicilina de quarta geração mento, se ligando às PBPS, causando lise osmótica.
A piperacilina associada ao inibidor de beta- O uso das cefalosporinas tomou grandes propor-
lactamase tazobactam é a única e mais utilizada pe- ções a partir do início da década de 1980, quando as
nicilina semissintética para o tratamento de infecções infecções hospitalares começaram definitivamente a
graves por bacilos Gram-negativos, incluindo pseudo- representar grande ameaça para pacientes internados
monas. Para uso exclusivamente venoso, em virtude em unidades de terapia intensiva e pacientes imuno-
de sua propriedade farmacodinâmica como antibió- deprimidos vulneráveis aos bacilos Gram-negativos,
tico tempo-dependente, sua utilização em infusão incluindo a Pseudomonas aeruginosa, tornando-se os
contínua vem sendo uma prática interessante, com o antibióticos mais prescritos nos hospitais em todo o
objetivo de se otimizar a eficácia terapêutica. Na forma mundo para o tratamento de infecções graves.
convencional, utilizamos a piperalicilina em doses de
Com a evolução na geração de cefalosporinas,
200 mg a 300 mg/kg/dia, fracionadas de a cada 4 ho-
tivemos o aumento progressivo do espectro antimi-
ras. Os bacilos Gram-negativos produtores de betalac-
crobiano contra estes bacilos, mas também foi a partir
tamase de espectro ampliado também são sensíveis
do uso abusivo deste importante grupo de antibióticos
a piperacilina-tazobactan. Por serem ativas contra os
germes anaeróbios, pode ser utilizada como mono- que vimos o crescente número de microrganismos se
terapia para tratamento de infecção intra-abdominal especializando em se defender destes antimicrobianos,
complicada hospitalar. produzindo betalactamases cada vez mais eficazes na
inativação das cefalosporinas. Atualmente, as cefalos-
Para a infusão contínua, devemos fazer a dose
porinas representam o principal grupo de antibióticos
inicial fracionada de ataque, com o início imediato da
indutores de betalactamases junto das penicilinas.
infusão com a dose total diária na solução de infusão.
Os livros de farmacologia, por apresentar na
maioria das vezes, sensibilidade in vitro dos bacilos
Cefalosporinas Gram-negativos as cefalosporinas, não representam a
Descobertas por Giuseppe Brotzu em 1945, na realidade da sensibilidade desses microrganismos in vivo,
Itália, a partir do isolamento do fungo Cefalosporium principalmente Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas.

O
HO2C H
CH (CH )
2 3 C N H H S H2N H H S
O O
NH2 N N
O CH2 O O CH2 O CH3
CH3
CO2H CO2H
Cefalosporina C (natural) Ácido 7-aminocefalosporânico (7-ACA)

O
S Cl
H H

O H H H
N S
S O
H H N
O CH2 O CH3
CO2H
Cefalotina

Figura 2.3: Evolução na estrutura química das cefalosporinas.

15
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Precisamos conhecer a microbiota hospitalar apresentar um melhor perfil farmacocinético (meia-vi-


para saber a verdadeira sensibilidade dos microrganis- da mais longa), a cefazolina é a droga que deve ser utili-
mos patogênicos, para que possamos prescrever, com zada para uso venoso, já que o espectro antimicrobiano
maior segurança e, com isso, utilizar antibioticoterapia é exatamente o mesmo da cefalotina. Por não atraves-
apropriada para pacientes gravemente enfermos nas sar a barreira hematoencefálica, não são utilizadas para
unidades hospitalares. o tratamento das infecções no sistema nervoso central.
A ceftazidime, que foi produzida para tratamen- Distribuem-se amplamente pelos outros líquidos e teci-
to das infecções por bacilos Gram-negativos, incluin- dos corpóreos e apresentam excreção renal.
do Pseudomonas, hoje não é uma droga segura para o A cefazolina é muito utilizada para profilaxia
tratamento empírico de infecções graves em pacien- em cirurgias nas quais os anaeróbios entéricos (bac-
tes internados nas unidades de terapia intensiva (UTI), terioides) não são prevalentes e infecções cutâneas
principalmente aqueles com pneumonia associada de menor gravidade (pacientes com celulite sem si-
à ventilação mecânica, em virtude da alta incidência nais de disfunção orgânica na apresentação inicial),
de resistência de patógenos frequentemente impli- em que os estreptococos do Grupo A são os princi-
cados nessas infecções, por ser uma droga indutora pais responsáveis, seguidos dos estafilococos, preva-
da produção de betalactamases como acontece com lentes em usuários de drogas injetáveis e indivíduos
Enterobacter e a Pseudomonas. que usam piercing.
No tratamento de infecções graves pelo S. aureus,
as cefalosporinas disponíveis, com exceção da ceftaro- Cefalosporinas de segunda geração
lina, não são drogas utilizadas como primeira escolha,
principalmente pelo risco cada vez maior do microrga- Cefoxitina
nismo ser oxacilino-resistente. Primeira cefalosporina de segunda geração lan-
çada no Brasil na década de 1980 para uso venoso, na
Os estreptococos do Grupo A de Lancefield e o
realidade pertence a outra classe de antibióticos, pela
pneumococo continuam sensíveis às cefalosporinas, sen-
presença de um radical metóxi no carbono 7, caracteri-
do utilizados principalmente no tratamento de infecções
zando uma cefamicina, porém, devido à semelhança na
cutâneas graves (celulite) e meningite pelo pneumococo
estrutura química, é estudada junto das cefalosporinas.
(somente as cefalosporinas de terceira geração).
Apesar de ter como principal característica seu
As cefalosporinas não são utilizadas contra micror-
amplo espectro de ação, sendo a única cefalospori-
ganismos intracelulares, como a clamídia e a Legionella
na com atividade contra microrganismos anaeró-
e, por não apresentarem parede celular, o micoplasma é
bios, incluindo o grupo dos bacterioides, tem como
naturalmente resistente às cefalosporinas. As cefalospo-
propriedade adversa a indução de betalactamases
rinas não apresentam atividade antimicrobiana contra os
por bacilos Gram-negativos como a pseudomonas,
germes anaeróbios do gênero bacterioides, com exceção
Serratia e o Enterobacter. Estas betalactamases in-
da cefoxitina, que foi a primeira e única cefalosporina de
duzidas têm origem cromossômica e resultam da
segunda geração com esse espectro.
liberação de gens repressores nestas bactérias, po-
Com relação ao perfil farmacocinético das cefa- dendo ser ativa sobre outras cefalosporinas, como as
losporinas, existe muita semelhança com as penicilinas, de terceira geração. Por este motivo, seu uso é muito
porém, é importante ressaltar que somente a partir da restrito nos dias de hoje, ainda sendo utilizada como
descoberta das cefalosporinas de terceira geração (cef- monoterapia nas infecções cirúrgicas abdominais co-
triaxona e cefotaxima) foi possível sua utilização em munitárias não complicadas, como a peritonite com
infecções bacterianas do sistema nervoso central, tor- suas diversas etiologias (apendicite, diverticulite etc.)
nando-se as drogas de escolha para o tratamento das e profilaxia de cirurgias abdominais.
meningites bacterianas comunitárias. A cefoxitina é utilizada na dose de 100 a 200 mg/
Com exceção da ceftriaxona, que apresenta ex- kg/dia, em intervalos a cada 6 horas.
creção biliar predominante, todas as outras cefalos-
porinas são excretadas por via renal. Na vigência de
Cefuroxima
insuficiência renal, há necessidade de ajuste quando o
cleareance de creatinina cai abaixo de 50 mL/minuto. Cefalosporina de amplo espectro com maior
estabilidade que as betalactamases, é disponibilizada
para uso oral e venoso, com atividade antimicrobiana às
Principais cefalosporinas disponibilizadas infecções por H. influenzae, Moraxella catarralis, S. pneu-
para uso no Brasil moniae, S. aureus e enterobactérias, sendo uma opção
terapêutica às pneumonias comunitárias ou hospitala-
Cefalosporinas de primeira geração res em indivíduos com menos de 4 dias de internação,
A cefalotina foi a primeira cefalosporina lan- infecções urinárias hospitalares e infecções de pele e
çada na década de 1960 para uso venoso, porém, por tecido celular subcutâneo.

16
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

A cefuroxima é utilizada por via intravenosa da já apresentam resistência significativa de cepas de


dose de 100 mg/kg/dia devendo ser fracionada em in- Pseudomonas resistentes à ceftazidime, além de outros
tervalos a cada 8 horas. bacilos Gram-negativos, como o Enterobacter. Em mui-
tos hospitais, já não faz parte da primeira linha antibió-
Cefalosporinas de terceira geração tica para terapia empírica de pacientes com infecções
graves nos centros de tratamento intensivo.
As principais cefalosporinas de terceira geração
utilizadas no Brasil são a cefotaxima e a ceftriaxona. A ceftazidima é administrada em adultos na dose
Apresentam o mesmo espectro antimicrobiano, po- de 1 a 2 g a cada 8 ou 12 horas pela via intravenosa.
rém, com relação ao perfil farmacocinético, a ceftriaxo-
na apresenta vantagens em sua utilização, por ter uma Cefalosporinas de quarta geração
meia-vida prolongada, podendo ser utilizada em inter- A cefepima e a cefpiroma foram lançadas na
valos de 24 ou a cada 12 horas, dependendo da gravida- década de 1990 como cefalosporinas, apresentando
de da infecção e de não haver necessidade de reajuste atividade contra os bacilos Gram-negativos por apre-
da dose em pacientes com insuficiência renal, por ter sentarem estabilidade ante às betalactamases de ori-
uma fração da dose administrada (30 a 40% da dose) gem plasmidial, e também por preservarem a atividade
eliminada por via biliar. antimicrobiana contra os S. aureus.
São drogas com atividade antimicrobiana bacilos Apresentam o mesmo PK/PD das cefalosporinas
Gram-negativos não produtores de betalactamases de de terceira geração com atividade. Não apresentam ati-
espectro ampliado, não tendo atividade contra P. aeru- vidade antimicrobiana contra o A. baumannii, MRSA e
ginosa e A. baumannii. Enterococcus. O uso clínico das cefalosporinas de quarta
Foram as primeiras cefalosporinas capacitadas geração em pacientes graves atualmente deve ser revis-
a atravessar a barreira hematoencefálica de pacien- to, em virtude de não apresentarem mais estabilidade
tes com infecções no sistema nervoso central e atingir contra os bacilos Gram-negativos produtores de novas
concentrações liquóricas seguras para o tratamento, betalactamases que tornam sua utilização dependente
tornando-se as drogas de escolha para a terapia das me- do perfil microbiológico de resistência do hospital onde
ningites bacterianas comunitárias e hospitalares de bai- é utilizada (Quadro 2.1).
xo risco para infecção por Pseudomonas e Acinetobacter, A cefepima é utilizada habitualmente na dose de
que são microrganismos-resistentes. 1 g a cada 12 horas por via venosa, porém em pacientes
Atingem níveis terapêuticos seguros na maioria com sepse e choque séptico é recomendado dobrar a
dos outros líquidos e tecidos corpóreos, fazendo parte dose para 4 ou 6 g/dia em intervalos de 12 ou 8 horas.
dos protocolos de tratamento das infecções respirató- Apesar de duas metanálises recentes de estudos
rias comunitárias e hospitalares (com menos de 4 dias randomizados comparando a cefepima e outros beta-
de internação), incluindo as associadas à ventilação me- lactâmicos mostrarem maior mortalidade com seu uso
cânica e de outros sítios orgânicos. em pacientes graves, o Food and Drug Administration
A cefotaxima é utilizada por via intravenosa nas (FDA) manteve as indicações da cefipima em paciente
doses que variam de 4 a 12 g/dia, com intervalos a cada gravemente enfermos.
4 ou 6 horas, e a ceftriaxona no dose de 2 a 4 g.
Lançada no Brasil na década de 1980 como pri-
meira cefalosporina com atividade contra a P. aerugino- Monobactâmicos
sa, a ceftazidima vem se tornando de pouca utilidade Na metade da década de 1970, pesquisadores
para o tratamento destas infecções, por ser indutora japoneses descobriram que microrganismos do gê-
de betalactamases. Muitos hospitais terciários do Brasil nero Nocardia produziam antibióticos betalactâmicos

Quadro 2.1: Uso clínico de cefepima

Monoterapia Infecções graves por bacilos Gram-negativos


Infecções do sistema nervoso central
Pneumonia comunitária grave
Pneumonia hospitalar em pacientes sem fatores de risco
Infecções cutâneas graves
Infecções articulares e ósseas
Urosepse
Associação com outros antibióticos Infecções intra-abdominais (associadas ao metronidazol)
Paciente leucopênico febril (associado a aminoglicosídeo)

17
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

formados por uma estrutura monocíclica (Figura 2.4). O FDA aprovou, em 2010, o uso do aztreonam em
Surgia, assim, uma nova classe de antibióticos, denomi- solução inalatória em pacientes com fibrose cística e in-
nados de monobactâmicos. fecção respiratória por P. aeruginosa.
Produzido em 1981, o aztreonam é um antibióti- Na maioria das infecções sistêmicas, o azteronam
co utilizado somente nas infecções por microrganismos é administrado pela via intravenosa na dose de 1 g a
Gram-negativos, não sendo ativo contra microrganis- cada 8 horas. Nos pacientes com sepse grave ou choque
mos Gram-positivos e anaeróbios. São estáveis somen- séptico, a dose deve ser dobrada.
te ante as beta-lactamases não de espectro ampliado,
podendo ser utilizado para o tratamento das infecções
por enterobactérias comunitárias incluindo a E.coli Aminoglicosídeos
(não produtora de ESBL), Klebisiella (não produtora Representam uma classe de antibióticos com
de ESBL), Proteus, Morganella, Providencia, Salmonella. excelente atividade contra bactérias Gram-negativas
Também são sensíveis o H. influenza e as N. meningitidis aeróbicas, incluindo a P. aeruginosa. Não têm ação anti-
e Gonorrhoeae. O Enterobacter costuma ser resistente microbiana contra os microrganismos anaeróbios e, en-
ao aztreonam. tre as bactérias Gram-positivas, somente têm atividade
Apresentam PK/PD semelhantes aos da cefalos- contra os microrganismos do gênero Staphylococcus.
porinas de quarta geração, inibindo a síntese da parede Após atravessar por difusão passiva, as porinas
celular bacteriana, ligando-se às PBPS (alta afinidade da membrana externa do bacilo Gram-negativo, no ci-
a PBP3), e não tendo atividade antimicrobiana contra toplasma da célula bacteriana, ligam-se à subunidade
Legionella, micoplasma e clamídia. 30s ribossomal, inibindo a síntese proteica bacteriana. A
Por serem drogas bastante seguras com relação resistência aos aminoglicosídeos se dá principalmente
a efeitos adversos, foram inicialmente muito utilizadas por mediação cromossômica, diminuindo a afinidade
no lugar dos aminoglicosídeos para tratamento das in- da droga com o sítio de ligação ribossomal ou mutação
fecções por microrganismos Gram-negativos, por não cromossômica, afetando o gen transportador do ami-
serem nefrotóxicas e ototóxicas, porém, nos últimos noglicosídeo na célula bacteriana. A anaerobiose e o pH
anos, apesar de não ser uma droga indutora de betalac- ácido também representam adversidade ao efeito tera-
tamases para o tratamento das infecções nosocomiais, pêutico dos aminoglicosídeos.
é necessário o conhecimento da sensibilidade da mi- São antibióticos com ação bactericida concen-
crobiota hospitalar para o uso empírico nas infecções tração dependente, além de produzirem um efeito pós-
graves, principalmente onde existe alto risco para in- -antibiótico prolongado (10 horas ou mais), com sua
fecções por Pseudomonas e Enterobacter, que já se mos- atividade antimicrobiana não sendo afetada pelo tama-
tram resistentes ao monobactâmico. nho do inóculo. A emergência de resistência durante o
tratamento é um evento raro e elas são muito resisten-
O H tes às betalactamases.
X O uso dos aminoglicosídeos em dose única diária
R C N
Monobactam tem eficácia similar ao regime de múltiplas doses, po-
O
N dendo inclusive retardar o início da nefrotoxicidade. As
SO3H recomendações atuais não aconselham a manutenção
O H da terapia com aminoglicosídeos por um período supe-
S CH3 rior a 5 ou 6 dias. Alguns fatores que limitam seu uso
R C N
Penicilina amplo em pacientes graves estão relacionados a um
CH3
N perfil farmacocinético inferior comparado aos betalac-
O COOH tâmicos. Não são absorvidos por via oral, não atraves-
sam a barreira hematoencefálica e apresentam menor
O H penetração tissular em tecidos (com exceção do rim),
R C N
X S como o parênquima pulmonar, porém, sem dúvida, a
Cefalosporina ototoxicidade e, principalmente, a nefrotoxicidade re-
N
Cefamicina presentam a maior limitação para seu uso clínico.
O CH3R1
Os aminoglicosídeos se acumulam no rim, com
COOH
cerca de 85% da droga se concentrando no córtex renal.
No túbulo renal, ligam-se a uma glicoproteína localiza-
S CHCH2OH da na membrana basal chamada megalina, necessária
Ácido clavulânico para a interiorização da droga por pinocitose e acúmulo
N
COOH na célula renal. Quando atingem nível crítico no citosol
O
da célula, o aminoglicosídeo ativa apoptose, levando à
Figura 2.4: Estrutura química do monobactâmico. morte celular.

18
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

Não existe diferença significativa que possa in- tratamento da sepse grave em pacientes internados em
fluenciar na escolha entre os aminoglicosídeos utiliza- unidades de emergência ou de terapia intensiva.
dos na prática clínica, no que diz respeito à maior ou É uma prática comum o uso combinado do amino-
menor toxicidade renal, porém, alguns fatores de risco glicosídeo com um antibiótico betalactâmico em pacien-
(Quadro 2.2) merecem a atenção na tomada de deci- tes com bacteremia e endocardite estafilocócica, apesar
são para seu uso. Vários destes fatores estão presentes de um estudo recente ter demonstrado aumento da inci-
em pacientes com infecções graves por bacilos Gram- dência de nefrotoxicidade sem nenhum benefício clínico
negativos, porém, vale ressaltar que o uso de aminogli- (Cosgrove SE - Clin Infect Dis. 2009;48:713-21).
cosídeos em dose única diária pode reduzir de forma
No tratamento da pneumonia hospitalar devi-
significativa o risco de nefrotoxicidade, principalmente
do a bacilos Gram-negativos, o uso do aminoglicosí-
se limitarmos a 6 dias de tratamento.
deo associado a um antibiótico betalactâmico não se
A ototoxicidade com o uso dos aminoglicosídeos mostra superior à monoterapia com betalactâmico em
ocorre devido à penetração da droga na endolinfa e nos pacientes estáveis hemodinamicamente, porém, em
tecidos coclear e vestibular do sistema auditivo. O uso pacientes com sepse e choque séptico, tal associação
prolongado do aminoglicosídeo (7 dias ou mais) e lesão pode trazer benefício.
renal prévia são os principais fatores de risco para o efei- O uso de terapia inalatória com aminoglicosí-
to adverso. O bloqueio neuromuscular com o uso dos deos, comparado à terapia venosa combinada com be-
aminoglicosídeos é evento raro. talactâmicos em pacientes com pneumonia associada
à ventilação mecânica, vem sendo um novo alvo de
Uso clínico dos aminoglicosídeos atenção dos pesquisadores, pois, em alguns estudos,
O uso dos aminoglicosídeos como monoterapia esta prática resultou em melhor resolução dos sinto-
em pacientes com infecções graves por bacilos Gram- mas clínicos (81% versus 31%) e cura microbiológica
negativos não é recomendado por ser menos eficaz em (77% versus 5%) sem nenhum dos pacientes subme-
virtude do seu perfil farmacocinético, sendo necessária tidos à terapia inalatória ter apresentado disfunção
a associação antibiótica, de preferência a uma betalac- renal quando comparados ao grupo que fez uso de
tâmico. Em contrapartida, a monoterapia com betalac- terapia intravenosa com 31% de disfunção. Mais estu-
tâmico de amplo espectro em pacientes com infecções dos controlados com maior número de pacientes se-
graves não se mostra inferior na maioria dos estudos rão necessários para uma melhor avaliação desta nova
que comparam sinergismo antibiótico, a não ser por es- modalidade terapêutica.
tudo recente, que demonstrou que a terapia antibiótica No tratamento das infecções intra-abdominais
combinada, em pacientes com choque séptico, devido comunitárias e hospitalares, durante muitos anos,
a infecções por bacilos Gram-negativos, apresentou os aminoglicosídeos fizeram parte dos esquemas te-
menor mortalidade. Portanto, a presença de instabilida- rapêutico em combinação com a clindamicina, me-
de hemodinâmica na evolução clínica de um paciente tronidazol e betalactâmicos. Metanálises recentes
com infecção pode representar uma forte recomenda- mostraram menor eficácia comparada ao uso de
ção para a associação antibiótica. betalactâmicos para o combate aos bacilos Gram-
A escolha do aminoglicosídeo deve ser basea- negativos, porém, em pacientes com sepse, a adição
da na sensibilidade in vitro dos germes nos hospitais de um aminoglicosídeo, principalmente nas peritoni-
onde são utilizados. Apesar da gentamicina ser o ami- tes hospitalares, parece ser racional.
noglicosídeo mais ativo contra Enterobacteriaceae e a O uso dos aminoglicosídeos no tratamento da
tobramicina contra Pseudomonas, a amicacina man- urosepse apresenta eficácia equivalente à da terapêu-
tém atividade bactericida segura em muitas cepas de tica com betalactâmicos e fluoroquinilonas. Vale ressal-
Enterobacteriaceae (mais de 80%) e também em uma tar que o uso não superior a 5 dias de aminoglicosídeos
proporção considerável de cepas de Pseudomonas que torna menos provável a possibilidade de nefrotoxicida-
adquiriram resistência à gentamicina e à tobramicina, de. A elevada resistência dos bacilos Gram-negativos in-
devendo ser considerada a droga inicial de escolha no cluindo a E. coli produtora de betalactamase de espectro

Quadro 2.2: Fatores de risco para nefrotoxicidade com uso de aminoglicosídeos

Uso prolongado de aminoglicosídeos


Idade avançada
Uso concomitante de vancomicina
Doença renal prévia
Doença hepática prévia
Choque

19
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

ampliado, as cefalosporinas de terceira geração e fluo- A introdução do radical flúor na fórmula da qui-
roquinolonas, retorna aos aminoglicosídeos a condição nolona ampliou seu espectro de ação e potência, e me-
de uma opção terapêutica. lhor parâmetro farmacocinético-farmacodinâmico (PK/
A estreptomicina tem como principal indicação a PD) desse grupo de antibióticos, o que permitiu sua uti-
tuberculose pulmonar quando há resistência à isoniazi- lização em pacientes com infecções bacterianas graves,
da e à rifampicina. Outra indicação como droga de pri- inclusive no ambiente hospitalar.
meira linha é a tularemia (Quadros 2.3 e 2.4). No Brasil, as fluoroquinolonas mais utilizadas
são a ciprofloxacina, levofloxacina e a moxifloxacina
(Quadro 2.5).
Fluoroquinolonas
Lançadas na década de 1980 como antibióticos
ideais para o tratamento das infecções comunitárias e
Mecanismo de ação
hospitalares causadas por bactérias Gram-positivas e, O cromossoma bacteriano encontra-se entrela-
principalmente, Gram-negativas, representam, na atuali- çado em espirais bem apertadas, ocupando um espa-
dade, um importante exemplo de multirresistência e an- ço mínimo no interior da célula. A manutenção deste
tibioticoterapia, devido ao seu uso abusivo. Atualmente, estado e a divisão, reunião das novas cadeias e o enro-
seu uso é considerado um dos principais fatores de risco lamento de um novo DNA, ao ocorrerem a replicação
para infecção por C. difficile, além da alta e preocupante do cromossoma e a divisão celular, são mediados por
incidência de resistência dos bacilos gram negativos em enzimas intracelulares denominadas topoisomerase IV
infecções nas unidades de terapia intensiva. A neurotoxi- e topoisomerase II, também chamada de DNA-girase.
cidade, principalmente em pacientes (delirium, alteração As quinolonas agem inibindo estas enzimas, fazendo
do nível de consciência) mediada por inibição gabaérgi- com que o DNA ocupe um espaço maior que o conti-
ca representa outro fator adverso ao seu uso. do nos limites do corpo bacteriano, além da indução

Quadro 2.3: Doses dos aminoglicosídeos

Amicacina 15 a 20 mg/kg/dia, dose única diária intravenosa em infusão de 30 minutos


Gentamicina 5 a 7 mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
Tobramicina 5 a 7 mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
Netilmicina 3 a 7 mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
1 g/dia (adultos com menos de 60 anos), 750 mg/dia (mais de 60 anos), crianças: 20 a 30 mg/kg (mais
Estreptomicina
de 20 kg) – intramuscular

Quadro 2.4: Doses de aminoglicosídeos

Ajuste do antimicrobiano na O clearence de creatinina é o parâmetro mais utilizado para o cálculo do ajuste da dose
insuficiência renal dos aminoglicosídeos
Cálculo do clearance de creatinina Clearence de creatinina (mL/minuto) = (140-idade) × (peso)/creatinina sérica × 72
estimado - Se mulher, multiplicar o resultado por 0,85
Clearence creatinina (mL/min) Gentamicina, dose 24 horas (mg/kg) Amicacina, dose 24 horas (mg/kg)
> 50 3-5 15
30-50 2,5-3 9-12
10-30 1-1,5 4-9
< 10 0,5-1 2-4

Quadro 2.5: Classificação das quinolonas por gerações

Geração
Primeira Segunda Terceira Quarta
Ácido nalidíxico Norfloxacina Levofloxacina Trovafloxacina*
Pefloxacina Moxifloxacina Clinafloxacina*
Norfloxacina Sitafloxacina*
Ciprofloxacina
* Não disponíveis para uso clínico no Brasil.

20
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

descontrolada de RNA mensageiro e de proteínas, le- Elas representam uma excelente opção terapêu-
vando ao efeito bactericida deste grupo de antibióticos. tica aos macrolídeos para as infecções pelo pneumoco-
Nos bacilos Gram-negativos, o principal co e germes intracelulares como clamídia, micoplasma
alvo das quinolonas é a DNA-girase, enquanto nos e Legionella.
Staphylococcus e Streptococcus o local primário de ação A ciprofloxacina não tem atividade contra as bac-
é a topoisomerase IV. térias do gênero Streptococcus.
A resistência adquirida às quinolonas tem origem Apesar de ativa contra microrganismos anaeró-
cromossômica com a modificação de DNA-girases, não bios, a moxifloxacina não é habitualmente utilizada
sofrendo inibição das drogas. Outro mecanismo im- para este fim, em virtude de várias outras drogas esta-
portante de resistência é o desenvolvimento de uma rem disponíveis com a mesma eficácia e menor custo
bomba de efluxo, que retira o antibiótico do interior da para o tratamento dessas infecções.
célula bacteriana.
Com relação ao seu perfil PK/PD, as fluoroquino- Reações adversas com uso das
lonas são drogas concentração dependente, sendo a
relação entre área abaixo da curva pela concentração
fluoroquinolonas
inibitória mínima (AUC/MIC) o melhor fator preditor da Apesar de serem medicamentos com boa tolerân-
atividade antibacteriana da droga. Otimizando a dose cia e com incidência baixa de efeitos colaterais (Quadro
desses antibióticos, mais rápida são a taxa e a extensão 2.7), várias quinolonas foram retiradas do mercado em
de morte bacteriana, o que não ocorre com os antibió- decorrência de efeitos mais expressivos e específicos. O
ticos, que são tempo dependente como os betalactâmi- principal exemplo no Brasil foi a gatifloxacina, em virtu-
cos, que, excedendo o limiar de concentração da droga, de do surgimento de disglicemias. Outras drogas que
não há modificação na taxa de morte celular bacteriana. deixaram de ser comercializadas nos Estados Unidos,
em virtude de toxicidade cardiovascular (prolongamen-
Este perfil farmacodinâmico permite que, para
to do intervalo QT, torsades) foram a grepafloxacina e a
o tratamento das infecções graves por bacilos Gram-
esparfloxacina.
negativos, incluindo a Pseudomonas, a maximização da
dose traga maior segurança para o controle clínico da O emprego de quinolonas em doses terapêuticas
infecção (Quadro 2.6). não foi acompanhado de artropatias em crianças, como
observado em animais jovens, assim como de prema-
turidade, aborto espontâneo e alterações teratogênicas
Aplicação clínica das fluoroquinolonas em em fetos. Dessa maneira, na atualidade, podem ser utili-
pacientes críticos zadas em gestantes e crianças com indicações precisas,
No início de seu uso, na década de 1980, os ba- quando não se dispõe de outro grupo farmacológico
cilos Gram-negativos, incluindo a Pseudomonas, eram (resistência bacteriana) para o tratamento de infecções.
quase 100% suscetíveis às fluoroquinolonas. Nos dias Em virtude de sua neurotoxicidade em idosos
de hoje, devido ao abuso e ao uso inapropriados (trata- (delirium e convulsão), seu uso nessa faixa etária deve
mento de infecção respiratória comunitária com cipro- ser evitado, principalmente em pacientes que já apre-
floxacina), os índices de resistência para a pseudomonas sentam doenças degenerativas e cerebrovasculares.
chegam a 50%/60%, respectivamente, em muitas UTI
de hospitais terciários. Com relação aos outros bacilos
Gram-negativos, é necessário conhecer a microbiota Macrolídeos
da UTI para poder haver segurança com o uso empírico
destes antibióticos em pacientes com infecção grave. A Quadro 2.7: Principais reações adversas das
utilização de doses maximizadas baseadas em seu perfil fluoroquinolonas
PK/PD pode aumentar a margem de resposta terapêuti-
ca nas infecções nosocomiais. Sistema nervoso central: cefaleia, tonteira, insônia,
O arsenal terapêutico para o tratamento das in- pesadelos, paranoia e convulsões
fecções respiratórias comunitárias foi ampliado com o Neuropatia periférica
advento das quinolonas “respiratórias”, levofloxacina e Reações alérgicas
moxifloxacina.
Disglicemias
Quadro 2.6: Doses preconizadas para uso venoso Alterações do paladar
pacientes com sepse grave e choque séptico Nefrite intersticial
Ciprofloxacina 400 mg a cada 8 horas Síndrome hemolítico urêmica
Levofloxacina 750 mg em dose única diária Infecção por Clostridium difficile
Moxifloxacino 400 mg em dose única diária Hepatotoxicidade

21
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Introduzidos na década de 1950, sendo a eritromi- contra microrganismos intracelulares responsáveis pelas
cina seu primeiro representante, os macrolídeos represen- formas atípicas mais comuns de pneumonia (Mycoplama,
tam importante classe de antibióticos para o tratamento Chlamydia) e o pneumococo, associada a um antibiótico
de infecções por germes Gram-positivos e microrganis- betalactâmico.
mos intracelulares, além de serem a primeira escolha te- O uso da claritromicina associada ao etambutol
rapêutica para os pacientes alérgicos aos betalactâmicos. e à fluoroquinolona modificou o prognóstico dos pa-
A partir da eritromicina, novos compostos com cientes com AIDS e infecção pelo Mycobacterium avium,
melhores PK/PD foram sintetizados, permitindo sua possibilitando a sobrevida de alguns pacientes que an-
utilização em pacientes com infecção grave, como é o tes apresentavam um prognóstico muito reservado.
caso da azitromicina (azalídeo) e a claritromicina, única A azitomicina representa o protótipo dos aza-
disponível para uso venoso. lídeos, sendo disponibilizada para uso oral com perfil
São antibióticos classificados como bacteriostáti- farmacodinâmico e indicações semelhante à claritro-
cos, inibindo a síntese proteica bacteriana e ligando-se a micina. A claritromicina é recomendada em adultos na
subunidade ribossomal 50s. A claritromicina é vista pela dose de 500 mg a cada 12 horas e, em crianças, na dose
maioria dos pesquisadores, de acordo com seu perfil de 15 mg/kg/dia fracionada a cada 12 horas. A azitromi-
farmacodinâmico, como um antibiótico tempo-depen- cina é usada na dose de 500 mg no primeiro dia de tra-
dente, diferente da azitromicina, que tem sua melhor tamento e, em seguida, 250 mg ao dia, durante 5 dias.
eficácia terapêutica correlacionada com a relação AUC-
MIC. Os principais mecanismos de resistência a estes
antibióticos se devem à alteração do sítio de ligação na Sulfonamidas
unidade ribossomal ou pelo desenvolvimento de bom-
ba de efluxo por parte do microrganismo patogênico. Mecanismo de ação
Apesar do relato de desenvolvimento de resistência do As sulfonamidas são inibidoras competitivas da
pneumococo à claritromicina, o insucesso terapêutico enzima bacteriana sintetase de dihidroperoato (são
não é observado em estudos clínicos com uso desse análogos do seu substrato o ácido para-aminobenzoi-
medicamento em infecções respiratórias. co − PABA). A enzima catalisa uma reação necessária à
São drogas lipofílicas, com excelente penetração síntese de ácido fólico (o ácido fólico é necessário para
nos líquidos e tecidos orgânicos, sendo o trato respira- a síntese de precursores de DNA e RNA) nas bactérias.
tório o principal alvo terapêutico destes antibióticos. Como as células humanas obtêm seu ácido fólico
A Sociedade Brasileira de Pneumologia reco- da dieta e não possuem a enzima, elas não são afetadas.
menda o uso da claritromicina para o tratamento As bactérias, no entanto, são incapazes de absorvê-lo, e
empírico das infecções respiratórias graves que são ad- precisam produzi-lo; logo, elas são afetadas em doses
quiridas na comunidade em virtude de sua atividade usadas e param de se reproduzir (Quadro 2.8).
Quadro 2.8: Indicações clínicas de sulfonamidas

Tipo Farmacocinética Espectro Uso clínico


Sulfadiazina VO Toxoplasma gondii; fungo: Toxoplasmose*; profilaxia secundária da toxoplasmose
Paracoccidioides brasiliensis no SNC e pneumonia por Pneumocystis jiroveci –
pneumocistose; paracoccidioidomicose†
Sulfametoxazol- VO Gram-negativas, Infecções dos tratos respiratórios superior e
trimetoprima‡ Haemophilus influenzae; inferior: exacerbação aguda de quadro crônico de
IV
Morazella catarrhalis; bronquite, bronquietasias, faringite, sinusite, otite
Nocardia sp.; Burkholderia média aguda em criança; infecção do trato urinário:
cepacia; Calymmatobacterium cistites agudas e crônicas, uretrites, prostatites;
granulomatis; infecções genitais em ambos sexos inclusive uretrite
Stenotrophomonas maltophilia; gonocócica; infecções gastrintestinais, incluindo
Yersinia enterocolitica; febre tifoide e paratifoide, diarreia dos viajantes
Escherichia coli; Salmonella causada por Escherichia coli; infecções de pele e
typhi; Shigella sp.; Listeria tecidos moles: piodermite, furúnculos, abscessos e
sp.; fungo: Pneumocystis feridas infectadas; pneumocistose em HIV+, profilaxia
jiroveci secundária da toxoplasmose no SNC e pneumonia por
Pneumocystis jiroveci; formas leves e moderadas de
paracoccidioidomicose†; isosporíase; nocardiose

* Associada à pirimetamina; † porém, não é a droga de primeira escolha; ‡ base fraca lipofílica, com ação bacteriostática isolada,
em associação tem ação sinérgica e atividade bactericida. VO: via oral, SNC: sistema nervoso central; IV: via intravenosa.

22
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

Efeito antimicrobiano: bactericida contra outros microrganismos além dos anaeróbios,


A resistência é alta, e seu uso empírico, sem docu- sendo necessária a associação antibiótica.
mentação de sensibilidade, é limitado.
Como efeitos colaterais, podem ocorrer rea- Principais Antibióticos Utilizados
no Tratamento das Infecções por
ções de hipersensibilidade (exantema polimórfico),
elevação de transaminases associada aos fenômenos
alérgicos e, mais raramente, nefrite intersticial. Em uso Germes Anaeróbios
prolongado, podem fazer deposição de cristais de sul-
fa nos rins, com consequente litíase renal por sulfa; as- Vários antibióticos são usados para o tratamen-
sim, orienta-se o uso diário de bicarbonato de sódio (1 to de infecções por microrganismos anaeróbios. Vamos
colher/dia) para alcalinização da urina e diminuição da nos restringir a discutir o uso do metronidazol e da
deposição. clindamicina, que ainda não foram estudados neste
capítulo.
Farmacologia aplicada à terapia contra
microrganismos anaeróbios Clindamicina
Os anaeróbios representam a principal popula- A clindamicina é uma lincosamida, produzida a
ção bacteriana de nossa microbiota, estando relacio- partir da lincomicina (Lincon, Nebraska, 1962) com me-
nados com a maioria das infecções nos seres humanos. lhor PK/PD que a primeira, sendo utilizada inicialmente
Os microrganismos que têm importância patogênica na prática clínica contra as infecções estafilocócicas e,
(Quadro 2.9) são aqueles que estão em grande número posteriormente, reconhecida como um potente agen-
no sítio de infecção e apresentam maior virulência ou te anaerobicida, além da atividade contra protozoários,
resistência antimicrobiana. A virulência se dá por infla- principalmente do gênero Plasmodium e Toxoplasma.
mação, necrose e produção de toxinas. A produção de A clindamicina na dose de 20 mg/kg/dia, associa-
toxina é o principal fator de virulência dos anaeróbios da ao artermeter por via intramuscular (IM) ou artesu-
do gênero Clostridium. Supurações, formação de ab- nato representa o esquema terapêutico recomendado
cessos e destruição de tecidos são características das pelo Ministério da Saúde para o tratamento da malária
infecções por microrganismos anaeróbios. O sinergis- grave por falciparum. Em gestantes no primeiro trimes-
mo representa um importante mecanismo patogênico tre, o quinino substitui os derivados da artemisina.
nestas infecções, principalmente no contexto de infec- Contra os microrganismos anaeróbios, age ini-
ções mistas, em que bactérias aeróbicas ajudam a criar bindo a síntese proteica bacteriana, ligando-se à subu-
um ambiente ideal para a proliferação e virulência dos nidade ribossomal 50s e, possivelmente, interferindo na
anaeróbios, representando um perfil polimicrobiano reação de transpeptidação ribossomal. Considerada um
característico de muitas infecções nos seres humanos. antibiótico bacteriostático, tem como principal meca-
As drogas utilizadas no tratamento das infec- nismo de resistência a alteração do sítio de ação na bac-
ções anaeróbicas podem ser classificadas como estri- téria. A diarreia induzida pelo seu uso com a incidência,
tas (metronidazol) ou polimicrobianas (clindamicina, podendo chegar a 20%, incluindo a colite pseudomem-
cefoxitina, cloranfenicol, carbapenêmicos, tigeciclina e branosa pelo C. difficile, e o surgimento de novas dro-
piperacilina). O sítio de infecção (Quadro 2.10) e a na- gas com atividade contra os anaeróbios fizeram com
tureza comunitária ou hospitalar serão decisivos para a que ela deixasse de ser a droga de primeira linha nessas
escolha antibiótica, já que alguns antibióticos de largo infecções, porém permanece como excelente opção
espectro podem ser utilizados como monoterapia (car- terapêutica, principalmente em pacientes alérgicos aos
bapenêmicos e tigeciclina) em alguns sítios de infecção, betalactâmicos (cefoxitina e carbapenêmicos).
como as intra-abdominais complicadas. O metronidazol Está indicada nas infecções polimicrobianas intra-
está presente em muitos esquemas terapêuticos para o -abdominais e pélvicas, associadas a drogas ativas contra
tratamento dessas infecções, porém não tem atividade enterobactérias (betalactâmicos e aminoglicosídeos).

Quadro 2.9: Bactérias anaeróbias com importância etiológica

Bacilos Gram-positivos Cocos Gram-positivos Bacilos Gram-negativos Cocos Gram-positivos


Clostridium tetani Streptococcus B. fragilis Veillonella
Clostridium botulinum Peptococcus Prevotella
Clostridium peticum Prevotella Fusobacterium
Clostridium perfringens
Clostridium difficile

23
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Quadro 2.10: Principais microrganismos anaeróbios relacionados com infecções em humanos

Sítio de infecção Síndrome clínica Microrganismos


Cabeça e Pescoço Sinusite, Otite, Mastoidite Peptococcus
Infecções periodontais Fusobacterium
Prevotella
Sistema nervoso central Abscesso cerebral Peptococcus
Empiema Fusobacterium
Abscesso epidural Prevotella
Actinomyces
Trato respiratório Abscesso pulmonar Peptococcus
Empiema Fusobacterium
Prevotella
Clostridium
Abdominal Apendicite Peptococcus
Peritonite Fusobacterium
Abscesso intra-abdominal Clostridium
Abscesso hepático Bacterioides
Trato genital feminino Endometrite Peptococcus
Aborto séptico Prevotella
Actinomyces
Clostridium
Pele e tecido subcutâneo Gangrena gasosa Peptococcus
Fasceíte necromizante Fusobacterium
Celulite Clostridium
Úlcera de decúbito
Tóxico Botulismo Clostridium
Tétano
Colite membranosas

Na síndrome do choque tóxico estafilocócico e estrep- apresentou “dupla cura” com seu uso, tornando, a partir
tocócico, representa indicação interessante, por inibir a dessa observação, um excelente antibiótico contra mi-
síntese das toxinas a nível ribossomal destas bactérias. crorganismos anaeróbios.
A Infectious Diseases Society of America, fazendo O metronidazol entra de forma passiva na célu-
pela primeira vez, no início do ano de 2011, as recomen- la bacteriana e é ativado por um processo de redução
dações para o tratamento das infecções por MRSA co- intracelular, inibindo a replicação e inativando o DNA
munitário, incluiu a clindamicina para o tratamento das bacteriano, impedindo a síntese enzimáticas do micror-
infecções de pele e tecido celular subcutâneo, conside- ganismo. Apresenta bom perfil farmacocinético com
rando a mesma eficácia quando comparada às tetraci- distribuição e penetração tecidual excelentes, incluindo
clinas de segunda geração (doxiciclina e minociclina), o sistema nervoso central, sendo excretada principal-
sultametoxazol-trimetoprim e linezolida. mente por via renal, sem necessidade de ajuste da dose
Disponibilizada para uso oral e venoso na dose em pacientes com insuficiência renal. Se houver falên-
de 600 a 900 mg, a cada 8 horas. Na encefalite toxoplás- cia hepática concomitante, a redução de 50% da dose
mica e na pneumonia por Pneumocystis, devemos utili- é recomendada.
zar a maior dose. O metronidazol está principalmente indicado nas
infecções intra-abdominais consequentes à peritonite e
pelviperitonite, abscesso hepático bacteriano e ame-
Metronidazol biano, fasciítes necrotizantes e mionecrose e infecções
O metronidazol é um derivado nitroimidazólico do sistema nervoso central (abscesso cerebral), associa-
que foi sintetizado no final da década de 1950, inicial- do a betalactâmicos. A dose recomendada para essas si-
mente para o tratamento de infecções pelos protozoá- tuações em adultos é de 1 g como dose inicial, seguida
rios: Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Tricomonas de 500 mg a cada 8 ou 6 horas por via intravenosa.
vaginalis. Em uma carta ao editor publicada pela re- No tratamento da diarreia e da colite pseudo-
vista Lancet em 1962, Shin mostrou que uma pacien- membranosa, o metronidazol e a vancomicina apre-
te com infecção por tricomonas e gengivite ulcerativa sentavam eficácia semelhante até o início do século,

24
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

porém, a partir do ano 2000, revisão de estudos con- Quadro 2.11: Principais microrganismos multirresistentes
trolados começaram a evidenciar uma maior resistência
bacteriana com o uso do metronidazol comparado ao Gram-positivos Gram-negativos
uso da vancomicina, fazendo com que a vancomicina MRSA Escherichia coli (ESBL)
fosse considerada a droga de escolha para os casos gra- Staphylococcus epidermidis Enterobacter
ves de colite por C. difficile. Para os casos não compli- Enterococcus faecium Pseudomonas
cados, o metronidazol continua sendo a droga inicial
Acinetobacter
de escolha na dose de 250 mg a cada 6 horas, durante
10 dias. O metronidazol é habitualmente bem tolerado, Klebsiella pneumoniae
com eventos adversos de importância clínica sendo
MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; ESBL:
considerados raros. Alguns pacientes referem queixas
betalactamase de espectro estendido.
abdominais brandas e sensação de gosto metálico na
boca, além de poder ocorrer o efeito semelhante ao dis- Quadro 2.12: Patógeno ESKAPE
sulfiran (antabuse), quando usado concomitante com a
ingestão de álcool. E Enterococcus
S Staphylococcus aureus (MRSA)
Cloranfenicol C Clostridium difficile + Candida
Inibindo a síntese de proteínas devido ao blo- A Acinetobacter baumannii
queio específico dos ribossomas bacterianos, na subu- P Pseudomonas aeruginosa
nidade 50s (inibe a transpeptidação), o cloranfenicol foi E Enterobacteriacea (ESBL) + Carbapenem resistant
um antimicrobiano utilizado amplamente na década
de 1970 e início dos anos 1980, antes da chegada das Fonte: Traduzido de Rosa FG, et al. CID 2015;60:1289-90.
cefalosporinas de terceira geração e fluoroquinolonas. MRSA: methicilin-resistant Staphylococcus aureus. ESBL:
Antibiótico de largo espectro contra bactérias Gram- enterobactérias produtoras de betalactamase de espectro
positivas, Gram-negativas, anaeróbios e microrganismos ampliado.
intracelulares dos gêneros clamídia e riquétsia. Em virtu-
de de seus efeitos adversos principalmente voltados para ou quinolonas (Enterobacter e Proteus) e produtores
o sistema hematopoiético, incluindo a anemia aplásica, de Carbapenemases, resistentes aos carbapenêmicos
que, apesar de raros, o clorafenicol deixou de ser utiliza- (Pseudomonas, Acinetobacter e Klebsiella). Os cocos
do principalmente nas meningites bacterianas agudas, Gram-positivos são resistentes à oxacilina (S. aureus) ou
febre tifoide e infecções intra-abdominais. Continua sen- à vancomicina (Enterococos).
do a droga de escolha para o tratamento das formas gra-
ves de febre maculosa e de outras riquetsioses.
Principais Antibióticos Disponíveis
para o Tratamento de Infecções por
Quem são os Germes
Multirresistentes? Germes Multirresistentes
A partir do surgimento do S. aureus resistente à Carbapenêmicos
meticilina no início da década de 1960, vários micror- Descobertos no final da década de 1970, cons-
ganismos (Quadros 2.11 e 2.12), principalmente hos- tituem a principal arma para o tratamento das infec-
pitalares, vêm se tornando resistentes à maioria dos ções graves causadas por bacilos Gram-negativos.
antibióticos disponíveis para o tratamento de pacientes Sua atividade in vitro excede a maioria dos antibió-
graves. Um dos mais recentes relatos de multirresis- ticos betalactâmicos disponíveis, apresentando ati-
tência traz a Klebsiella pneumoniae produtora de uma vidade segura contra microrganismos anaeróbios e
temida nova betalactamase (New Delhi metalo-beta- germes Gram-negativos incluindo a P. aeruginosa e o
-lactamase-ndm1), resistente a todos os antibióticos Acinetobacter. As bactérias Gram-positivas são sensíveis,
disponíveis, com exceção da colistina, que, hoje, já está com exceção dos MRSA e Enterococcus faecium vanco-
codificada geneticamente por transmissão por meio micina resistente. São antibióticos com estrutura similar
de plasmídeos em algumas cepas de outros microrga- aos betalactâmicos se diferenciando pela substituição
nismos Gram-negativos como a E. coli, Enterobacter e a do carbono pelo enxofre (S) na posição 1 (Figura 2.5). O
Morganella morganii. termo carbapem se refere exatamente a esta troca.
Os bacilos Gram-negativos são considerados mul- A tianamicina foi o primeiro carbapenêmico
tirresistentes quando são produtores de betalactamases estudado, porém, em virtude de sua instabilidade
de espectro ampliado (E. coli e Klebsiella), resistentes ao química, foi desenvolvido um derivado que mostrou
mesmo tempo aos betalactâmicos e aminoglicosídeos melhor estabilidade, conhecido como imipenem,

25
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

CH2 CH2 NH2


Tienamicina
C

S R CH2 CH2 NH2 CNH2


Imineprem
1 2

CH2 CH2 CON


O Meropenem

1 - Anel betalactâmico
2 - Anel carbapenêmico (pentacíclico)
Figura 2.5: Estrutura química dos carbapenêmicos.

primeiro carbapenêmico disponível para uso clínico aminoglicosídeos ou quinolonas está indicada, deven-
no Brasil, que necessita da cilastatina para resistir à do ser considerado o perfil da microbiota hospitalar.
hidrólise enzimática mediada por uma dipeptidase Habitualmente, em adultos, a dose do imipenem
renal (deidropeptidase I) produzida no túbulo proxi- é de 500 mg por via venosa a cada 6 horas. O merope-
mal. Agem da mesma forma que os betalactâmicos, nem deve ser utilizado na dose de 500 mg a 1g a cada
inibindo a síntese da parede celular bacteriana, unin- 8 horas, podendo fazer infusão contínua de 3 horas a
do-se a todas PBPS (1, 2 e 3). São antibióticos resis- cada dose para se obter a melhor resposta terapêutica
tentes à maioria das betalactamases produzidas pelos otimizada, em virtude de seu perfil farmacodinâmico,
bacilos Gram-negativos, incluindo as betalactamases como descrito neste capítulo.
de espectro ampliado. Até o surgimento das carbape-
O ertapenem apresenta espectro de ação inferior
nemases, eram drogas seguras para o tratamento
ao imipenem e meropenem, não apresentando ativida-
de quase todos os microrganismos Gram-negativos,
de contra a P. aeruginosa e o Acinetobacter. Como vanta-
responsáveis por infecções graves nos seres huma-
gem, pode ser utilizado em dose única parenteral diária
nos, com exceção da Stenotrophomonas maltophilia e
de 1 g, por apresentar meia-vida sérica prolongada. Essa
Pseudomonas cepacia.
droga pode ser utilizada naquelas indicações do imipe-
São drogas com excelente PK/PD, utilizadas ex- nem e do meropenem nas quais não há risco para infec-
clusivamente pela via intravenosa. Distribuem-se am- ções por P. aeruginosa e Acinetobacter.
plamente pelos líquidos e tecidos orgânicos, incluindo
O doripenem é o mais novo carbapenêmi-
o sistema nervoso central. São excretados pela via renal,
havendo necessidade de reajuste da dose dos antibió- co, tendo sido lançado nos Estados Unidos em 2007,
ticos na vigência de oligúria e anúria. São antibióticos sendo aprovado pelo FDA para infecções intra-abdo-
com perfil PK/PD tempo-dependente, não apresen- minais e urinárias. Apresenta espectro de ação seme-
tando efeito pós-antibiótico. As reações adversas são lhante ao imipenem-cilastatina e meropenem contra
infrequentes, semelhantes às dos outros antibióticos microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos e
betalactâmicos. O imipenem está relacionado com alte- anaeróbios, sendo a droga com a maior atividade con-
ração do nível de consciência e convulsões em pacien- tra a P. aeruginosa e atividade bactericida semelhante
tes com doenças neurológicas e com insuficiência renal. contra o Acinetobacter.
O meropenem foi o segundo carbapenêmico dis- Não tem atividade antimicrobiana contra a
ponível para uso clínico, diferenciando-se basicamente Stenotrophomonas maltophilia, Pseudomonas cepacia,
do imipenem por não sofrer hidrólise enzimática no MRSA e Enterococcus faecium vancomicina resistente.
túbulo renal proximal, não necessitando da cilastati- Apresenta estabilidade e resistência às betalacta-
na em sua formulação. O espectro de ação é o mesmo mases AMPC e de espectro ampliado. Um estudo fran-
também, sendo ativo contra L. monocytogenes, poden- cês conduzido por Chastre mostrou a não inferioridade
do ser útil no tratamento das meningites por esta bac- do doripenem ao imipenem no tratamento de pacien-
téria. O imipenem e o meropenem continuam sendo tes com pneumonia associada à ventilação mecânica.
os antibióticos mais importantes para o tratamento de Como o mais novo membro da família dos carbapenê-
infecções graves em pacientes hospitalizados. Devem micos o uso do doripenem se espelha ao meropem para
ser utilizados de forma criteriosa como monoterapia o tratamento de infecções graves.
nas infecções pulmonares, urinárias, ósseas, intra-ab-
dominais, ginecológicas e do sistema nervoso central.
Em pacientes com alto risco para infecções por pseu- Cefalosporinas de quinta geração
domonas e, principalmente, com instabilidade (sepse Ceftarolina e ceftobiprole são novos antibióticos
grave e choque séptico), a associação antibiótica com do grupo das cefalosporinas que foram classificadas

26
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

como de quinta geração, por apresentarem atividade A dose recomendada em pacientes com função
antimicrobiana contra germes Gram-positivos resisten- renal normal é de 600 mg em infusão intravenosa de
tes às cefalosporinas utilizadas na prática clínica. O S. 1 hora, em intervalos de 12 horas. Assim como o cef-
aureus oxacilino resistente é o principal alvo terapêutico tobiprol, estudos clínicos futuros devem determinar
destas novas cefalosporinas. A atividade antimicrobia- seu verdadeiro lugar no tratamento de infecções como
na contra germes Gram-negativos se assemelha às cefa- pneumonia, bacteremia, endocardite e infecções ós-
losporinas de terceira geração, a princípio não havendo seas e cutâneas.
atividade antimicrobiana contra Pseudomonas. A cef-
tarolina foi a primeira cefalosporina de quinta geração Cefalosporinas em combinação
a ser introduzida no Brasil, sendo utilizada para o tra-
tamento de infecções cutâneas graves causadas pelos com inibidores de betalactamases:
S. aureus, incluindo ORSA e S. pyogenes e agalactiae, e ceftazidime/avibactam, ceftolozane/
pneumonia comunitária causada por S. aureus, S. pneu- tazobactan
moniae, H. influenza, Klebsiella e E. coli.
Essas novas combinações retomam a atividade
antibacteriana das cefalosporinas contra germes Gram-
Ceftobiprole negativos produtores de betalactamases de espectro am-
pliado (ceftazidime/avibactam, ceftolozane/tazobactan),
Cefalosporina com grande afinidade pela PBP-2A pseudomonas e Klebsiella resistentes a carbapenêmicos
(PBP alterada pelo gene meca responsável pela resis- (ceftazidime/avibactam). Nenhum dos dois antibióticos
tência do S. aureus aos betalactâmicos), tornando-se a apresentam atividade contra Acinetobacter, anaeróbios
primeira cefalosporina com atividade contra o MRSA. e Staphylococcus MSSA e MRSA.
Além disto, também apresenta excelente afinidade pela
PBP-2x do S. pneumoniae resistente à penicilina e PBP-3
da P. aeruginosa. Glicopeptídeos e lipopeptídeos
A atividade bactericida (in vitro) desta nova cefa- Vancomicina
losporina é o maior quando comparada as cefalosporinas
A vancomicina, por longos anos, manteve-se
de terceira e quarta geração em virtude de sua atividade
como a droga de primeira linha para o tratamento das
contra MRSA. A atividade in vitro do ceftobiprol contra
infecções causadas por bactérias Gram-positivas resis-
bacilos Gram-negativos não fermentadores, como a P. ae-
tentes aos antibióticos betalactâmicos, porém, com o
ruginosa, é semelhante a outros betalactâmicos com ati-
surgimento de Enterococcus resistentes, resistência in-
vidade contra esse microrganismo (ceftazidima, cefepima termediária dos MRSA e novas drogas bactericidas com
e piperacilina), carbapenêmicos e aminoglicosídeos. melhor PK/PD, ela continua sendo utilizada contra esses
Não tem atividade antimicrobiana contra microrganismos somente pelo fato de ser de baixo cus-
Stenotrophomonas, Acinetobacter, bacilos Gram- to. Para o tratamento das infecções por C. difficile, a van-
negativos produtores de betalactamases de espectro comicina é a droga de escolha para o tratamento das
ampliado e carbapenemases. Mais estudos são neces- formas graves desta infecção.
sários para avaliar sua eficácia contra a P. aeruginosa. O mecanismo de ação da vancomicina é seme-
A dose recomendada do ceftobiprol na vigência lhante ao dos betalactâmicos, inibindo o segundo es-
de função renal normal é de 500 mg em infusão de 30 tágio síntese do peptidioglicano da parede celular, não
minutos a 2 horas, com intervalos de 12 ou de 8 horas. havendo reação cruzada, nem competição com os sítios
Foi aprovado para uso clínico no Canadá, Suíça, de ação, com os betalactâmicos porque estes agem no
Rússia, Ucrânia e Hong-Kong. terceiro estágio da biossíntese da parede celular.
O PK/PD que melhor se correlaciona com sua ativi-
dade bactericida é a relação AUC-MIC. Apesar de ter uma
Ceftarolina boa distribuição na maioria dos tecidos, sua penetração
Aprovada em 2010 pelo FDA, esta nova cefalos- no tecido pulmonar, na bile e no líquor (exceto quando a
porina foi inicialmente recomendada para o tratamento meninge esteja inflamada) é pobre, e 100% de sua excre-
de pneumonias comunitárias e infecções cutâneas gra- ção se dá por filtração glomerular pela via renal.
ves, incluindo aquelas causadas por MRSA, em virtude O uso abusivo da vancomicina a partir da década
de sua alta afinidade pela PBP-2A. Sua atividade contra de 1980 representa um dos principais fatores associa-
bacilos gram negativos se assemelha à ceftriaxona, não dos (Quadro 2.13) à resistência dos enterococos (VRE),
tendo atividade contra bacilos produtores de beta-lac- assim como da resistência intermediária do S. aureus
tamases de espectro ampliado (E.coli e Klebisiella), além (GISA), descrita pela primeira vez no Japão, em 1996.
de não apresentar atividade contra a P. aeruginosa, Sua atividade contra as bactérias do gêne-
Acinetobacter e Stenotrophomonas. ro Staphylococcus continua segura, porém, contra os

27
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Quadro 2.13: Fatores associados à emergência de Apresenta as mesmas indicações terapêuticas


enterococos resistente aos glicopeptídeos (GRE) da vancomicina. A dose habitual em adultos é de 400
mg a cada 12 horas. Em crianças abaixo de 12 anos,
Uso recente de vancomicina a dose preconizada é de 10 mg/kg de peso a cada
Colonização do trato gastrointestinal do pelo Enterococos 12 horas.
resistentes (GRE)
Apresenta boa tolerância, com os efeitos ad-
Tempo de internação hospitalar versos ocorrendo em menos de 5% dos pacientes.
Pacientes internados na unidade de terapia intensiva Apresenta menor potencial de nefrotoxicidade e ototo-
Uso de cateter, ventilador mecânico e hemodiálise xicidade comparada à vancomicina, não sendo indicada
Cirurgia abdominal para o tratamento de infecções em gestantes.
Hospitais de grande porte
Uso prévio de antibióticos contra germes anaeróbios Glicopeptídeos de ação longa
Dalbavancin e oritavancin
Enterococcus, com seu uso abusivo, vem aumentando
a resistência desses microrganismos nos últimos anos. Esses dois novos glicopeptídeos apresentam um
É a droga de escolha para o tratamento das infecções aspecto farmacocinético único, pois têm eliminação
graves causadas pelo C. difficile. lenta, com meia-vida de 1 semana, podendo, portan-
to, serem usados por via intravenosa uma vez a cada 2
As principais reações adversas com o uso da
semanas. Mantêm atividade exclusiva para os micror-
vancomicina estão relacionadas com a velocidade de
ganismos Gram-positivos com o mesmo espectro da
infusão como a síndrome do homem vermelho, decor-
vancomicina.
rentes de uma descarga histamínica, cujos principais
sintomas são o prurido, eritema, rubor facial, angioe-
dema e, ocasionalmente, hipotensão, e com o nível Lipopeptídeos
sérico, em que a ototoxicidade e a nefrotoxicidade re-
presentam os principais efeitos colaterais. O alto índi- Daptomicina
ce desses efeitos adversos é visto principalmente com Disponibilizado para uso clínico em 2003, foi o
uso de 4 g ou mais de vancomicina ou quando associa- primeiro lipopeptídeo lançado no Brasil, com espectro
da a aminoglicosídeos. de ação semelhante aos glicopeptídeos, porém com
A vancomicina continua sendo uma droga muito atividade bactericida segura contra os Enterococcus re-
utilizada para o tratamento de bacteremia, endocardi- sistentes à vancomicina e teicoplanina. É considerado
te, pneumonia, celulite e osteomielite causadas pelos o antibiótico com maior atividade bactericida contra os
Staphylococcus coagulase positivo (Aureus) e coagulase germes Gram-positivos resistentes (S. coagulase positi-
negativo (Epidermidis), resistente à oxacilina. vo, negativo e Enterococcus). Disponibilizada para uso
No tratamento da enterocolite por C. difficile, exclusivamente venoso em dose única diária.
o uso oral deve ficar reservado para os casos graves É um antibiótico de concentração dependente,
(sepse grave) dessa infecção, ficando o metronidazol e seu mecanismo de ação está relacionado com sua li-
para o tratamento da infecções leves e moderadas. gação à membrana citoplasmática da célula bacteriana,
Apesar da prática comum de prescrever a van- promovendo efluxo de íons de potássio e despolari-
comicina na dose de 1 g a cada 12 horas em pacientes zação da membrana celular, inibindo a síntese de pro-
com função renal normal, para otimizarmos sua utiliza- teínas, DNA e RNA dentro da célula, levando à morte
ção, devemos calcular a dose de acordo com o peso do celular rápida, sem lise bacteriana.
paciente (15 mg/kg). Em pacientes geriátricos, a dose Está aprovado para uso clínico em infecções
de 1g a cada 24 horas pode ser suficiente. Para as infec- graves da pele e tecido celular subcutâneo causa-
ções que acometem o sistema nervoso central, a dose das por MRSA, Enterococcus faecalis (incluindo VRE),
de 15 mg/kg a cada 6 horas é recomendada. Streptococcus sp na dose de 4 mg/kg/dia em dose única.
Nas infecções da corrente sanguínea, incluindo endo-
Teicoplanina cardite bacteriana de coração direito, a dose inicial deve
ser de 6 mg/kg dia.
A teicoplanina apresenta o mesmo espectro de
ação da vancomicina, apresentando os mesmos proble- Não está indicada nas infecções do parênquima
mas de resistência da vancomicina. Sua única vantagem pulmonar, por ser inativada pelo surfactante.
está relacionada com o melhor perfil farmacocinético, Os dois principais efeitos adversos da daptomici-
apresentando meia-vida mais longa. Sua excreção se na são a elevação dos níveis séricos de CPK e miopatia,
faz por via renal, devendo haver reajuste de dose na que regridem com a interrupção do uso da droga. Em
presença de insuficiência renal (ver apêndice). pacientes com insuficiência renal, deve haver ajuste de

28
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

dose quando o clearence de creatinina for inferior a 30 droga mantém a atividade das tetraciclinas contra mi-
mL/minuto (ver apêndice). crorganismos intracelulares Chlamydia, Mycoplasma e
Ureaplasma.
A tigeciclina está indicada como monoterapia nos
Oxazolidinonas tratamento da infecções graves da pele e tecido celular
Linezolida e tedizolida subcutâneo, e infecções intra-abdominais complicadas.
Ligando-se à subunidade 50s do ribossoma bacte- O uso da tigeciclina em infecção respiratória,
riano, a linezolida inibe a síntese bacteriana de bactérias principalmente em pneumonia associada à ventilação
Gram-positivas, inibindo, de forma eficaz, o crescimen- mecânica, não foi aprovado pelo FDA, que, inclusive,
to de Estreptococos, Estafilococos, Enterococos, incluin- em 2010, chamou a atenção para o aumento do risco de
do os Estafilococos resistentes à oxacilina, Enterococos mortalidade com o seu uso (www.fda.gov/drugsafety/
resistentes à ampicilina e vancomicina e o Pneumococo ucm224370.htm). A causa do excesso de mortes parece
resistente à penicilina. estar relacionada com a progressão da infecção em pa-
A linezolida é uma droga bem tolerada para uso cientes tratados com tigeciclina.
oral e venoso, sendo os efeitos adversos mais descritos A tigeciclina é pouco metabolizada, sendo elimi-
relacionados com o trato gastrintestinal. Efeitos mais nada praticamente como droga ativa, sendo 60% pela
graves, como pancitopenia, fibrilação atrial e pancrea- bile e 40% pela urina, não havendo necessidade de
tite ocorrem em menos de 1% dos casos. ajuste da dose em pacientes com insuficiência renal.
Vale a pena chamar a atenção pelo fato da line- É administrada por via venosa, na dose inicial de
zolida ser um inibidor seletivo de fraca intensidade da 100 mg e, em seguida, 50 mg a cada 12 horas.
monoaminoxidase, por causar síndrome serotoninérgi-
ca em pacientes em uso farmacológico de antidepressi-
vos inibidores de recaptação de serotonina. Terapia antimicrobiana contra
O ajuste da dose em pacientes com insuficiência bacilos Gram-negativos
renal só deve ser feito em pacientes com clearence de produtores de carbapenemases
creatinina inferior a 50%, não sendo necessário o ajuste
em pacientes com insuficiência hepática. Seu uso clí-
nico fica reservado para pacientes com infecções por
Polimixinas
germes Gram-positivos resistentes às penicilinas e gli- Descobertas em 1947, as polimixinas são an-
copeptídeos. A diferença entre os dois fármacos parece tibióticos de curto espectro, extraídos da cultura de
estar relacionado somente com o aspecto farmacociné- bactérias do gênero Bacillus, que, durante muitos anos,
tico, sendo que a tedizolida tem meia-vida mais longa e deixaram de ser utilizadas em virtude do surgimento de
pode ser administrada uma vez ao dia. novos grupos farmacológicos bactericidas contra baci-
los Gram-negativos com menor toxicidade, principal-
mente no que diz respeito à nefrotoxicidade.
Glicilciclinas Com o aparecimento dos bacilos Gram-
Tigeciclina negativos produtores de carbapenemases,
Pseudomonas e Acinetobacter, elas representam, nos
A partir de modificações químicas da minoci- dias atuais, a única opção terapêutica para o trata-
clina (tetraciclina de segunda geração), mantendo-se
mento destas infecções. Interagindo com fosfolipídios
o núcleo cíclico das tetraciclinas, foi possível o desen-
da membrana do bacilo Gram-negativo e interferem
volvimento de um novo antibiótico pertencente ao
na permeabilidade da membrana da célula bacteria-
grupo das glicilciclinas, denominado tigeciclina. Este
na, levando à morte celular.
antibiótico mantém o mesmo espectro de ação das te-
traciclinas, porém, com a vantagem de apresentar ati- As duas preparações disponíveis para uso clínico
vidade antimicrobiana contra germes Gram-positivos são a polimixina B e a polimixina E, também denomina-
e Gram-negativos, que eram resistentes às tetracicli- da colistina. São antibióticos com perfil PK/PD concen-
nas convencionais, por meio da bomba de efluxo e de tração-dependente, com atividade bactericida contra
alteração ribossomal. Age inibindo a síntese proteica, as enterobactérias, com exceção da bactéria do gênero
ligando-se à subunidade 30s do cromossoma bacte- Proteus. Não tem atividade antimicrobiana contra bac-
riano, impedindo a fixação do ARN de transporte. Em térias Gram-positivas e anaeróbios.
particular, chamamos a atenção para sua atividade Seu principal efeito adverso é a nefrotoxicidade,
antimicrobiana contra MRSA, Enterococcus resistente à que ocorre em virtude do dano direto da droga nas cé-
vancomicina, enterobactérias, incluindo as produtoras lulas renais do túbulo contorcido distal. Seu potencial
de betalactamases de espectro ampliado e microrga- nefrotóxico é aumentado quando associado a outras
nismos anaeróbios, incluindo o Bacterioides fragilis. A drogas nefrotóxicas e em indivíduos idosos. Estudos

29
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

atuais indicam que a nefrotoxicidade das polimixinas é


menor do que a que ocorre com o uso de aminoglico-
Pontos-chave na Abordagem
sídeos. A neurotoxicidade, principalmente relacionada Terapêutica Atual de
à dose, ocorre em cerca de 5% dos pacientes que usam Multirresistentes
o fármaco e, clinicamente, manifesta-se com distúrbios
do sensório com parestesias periorais e da língua, poli-
neuropatia e bloqueio neuromuscular.
A polimixina B está indicada para o tratamento
das infecções hospitalares causadas pela Pseudomonas,
Acinetobacter e outros bacilos que surgem como mul-
tirresistentes, como é o caso da K. pneumoniae, todos
produtores de carbapenemases.
Deve ser utilizada pela via venosa na dose de 1,5
a 3 mg/kg/dia (15.000 a 30.000 u/kg/dia), fracionando
a dose em intervalos de 8 horas. As ampolas do sulfato
de colistina contêm 1.000.000 de unidades, que corres-
ponde a 40 mg, porém, por ser utilizada exclusivamente Conclusões
por via intramuscular, preferimos utilizar o colistimetato Os centros de tratamento intensivo no mun-
para uso venoso, que contém 150 mg da colistina base do continuam sendo o epicentro da crise global de
na dose de 3 a 5 mg/kg/dia em intervalos de 8 horas. resistência antimicrobiana em pacientes hospitaliza-
A terapia inalatória com colistimetato vem sendo dos. Não há uma única solução para se tentar conter
usada com resultados variados, principalmente em pa- a disseminação desses microrganismos, mas múltiplas
cientes portadores de fibrose cística que fazem pneu- intervenções associadas vêm demonstrando algum
monia por Pseudomonas. benefício. Um componente essencial de todas as estra-
A maior parte da literatura sobre o uso parenteral tégias é o reconhecimento da magnitude do problema
das polimixinas é antiga. Nos últimos anos, a polimixina pelos médicos. O uso desnecessário e inapropriado, o
tem sido usada para o tratamento dos bacilos Gram- tempo prolongado de uso de antibióticos e a ausência
negativos multirresistentes, principalmente a pneumo- de vigilância por parte das Comissões de Controle de
nia associada à ventilação mecânica. A literatura atual não Infecção Hospitalar impedem um combate eficaz con-
relata o mesmo potencial nefrotóxico da droga observa- tra esses germes resistentes. Consideramos o número
do no passado. Observações mais recentes já relatam a mágico de sete dias para o tratamento das infecções,-
emergência de resistência de cepas de Pseudomonas e sendo que a necessidade de mais dias de tratamento
Acinetobacter a este grupo farmacológico. dependerá de situações especias.

Referências Bibliográficas
1. Diament D, Salomão R, Rigatto O, Gomes B, Silva E, Carvalho NB, et al. Diretrizes para tratamento da sepse grave/
choque séptico – abordagem do agente infeccioso – diagnóstico. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(2):134-44.
2. Salomão R, Diament D, Rigatto O, Gomes B, Silva E, Carvalho NB, et al. Diretrizes para tratamento da sepse grave/
choque séptico – abordagem do agente infeccioso – controle do foco infeccioso e tratamento antimicrobiano. Rev Bras
Ter Intensiva. 2011;23(2):145-57.
3. Sales Júnior JAL, David CM, Hatum R, Souza PCSP, Japiassú A, Pinheiro CTS, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico
da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17.
4. Azevedo LCP, Ramos FJS, Pizzo VRP. Sepse. In: Schettino G, Cardoso LF, Mattar Júnior J, Ganem F. Paciente Crítico:
Diagnóstico e Tratamento. 2ª ed. Barueri: Manole; 2012. p. 986-93.
5. Kumar A, Roberts D, Wood KE, Light B, Parrilo JE, Sharma S, et al. Duration of hypotension before initiation of effective
antimicrobial therapy is the critical determinant of survival in human septic shock. Crit Care Med. 2006;34(6):1589-96.
6. Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, Bion J, Parker MM, Jaeschke R, et al. Surviving sepsis campaign: international
guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med. 2008;36(1):296-327.

30
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva

7. Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, et al. Campanha de sobrevivência à sepse: diretrizes
internacionais para tratamento de sepse grave e choque séptico: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2):580-637.
8. Dias LBA, Mota LM, Moriguti JC, Nunes TF, Vilar FC. Uso racional de antimicrobianos. Medicina (Ribeirão Preto).
2010;43(2):164-72.
9. Jensen JU, Hein L, Lundgren B, Bestle MH, Mohr TT, Andersen MH, et al. Procalcitonin and survival study (pass) group:
procalcitonin-guided interventions against infections to increase early appropriate antibiotics and improve survival in
the intensive care unit: a randomized trial. Crit Care Med. 2011;39(9):2048-58.
10. Coelho L, Machado FR. Sepse. In: Amaral JLG, Geretto P, Machado FR, Tardelli MA, Yamashita AM. Sepse. Guia de
Anestesiologia e Medicina Intensiva. Barueri, SP: Manole; 2011. p. 685-705.
11. Cohen J, Brun-Buisson C, Torres A, Jorgensen J. Diagnosis of infection in sepsis: an evidence - based review. Crit Care
Med. 2004;32(11 Suppl):s466-94.
12. Richardson M, Lass-Flörl C. Changing epidemiology of systemic fungal infections. Clin Microbiol Infect. 2008;14 Suppl
4:5-24.
13. Turcato Jr. G. Epidemiologia e Diagnóstico dos Microorganismos Multirresistentes em Terapia Intensiva. Curso sobre
Infecção no Paciente Grave. [acesso em 30 nov 2014]. Disponível em: http://www.infectologia.org.br/material-didatico
14. Costa DAG, Lazari CS, Luiz AM. Guia de Antibioticoterapia. CBBE Medcel; 2013.
15. Chambers HF, Eliopoulos GM, Gilbert DN, Moellering Júnior, RC, Saag MS. Guia de Terapêutica Antimicrobiana 2012.
Guia Sanford. Edição em Português. São Paulo: A.W.W.E., 2012.
16. Biek D, Critchley IA, Riccobene TA, Thye DA. Ceftaroline fosamil: a novel broad-spectrum cephalosporin with expanded
anti-gram-positive activity. J Antimicrob Chemother. 2010;65 Suppl. 4:iv9-16.
17. Laudano JB. Ceftaroline fosamil: a new broad-spectrum cephalosporin. J Antimicrob Chemother. 2011;66 Suppl. 3:iii11-8.
18. Teflaro Package Insert; 2012 [accessed 2012 Sep]. Available from: http://www.frx.com/pi/teflaro pi.pdf]
19. European Medicines Assessment Report for Zinforo (Ceftaroline fosamil) Procedure No. Emea/H/C/002252.
20. Raoult D, Roussellier P, Vestris G, Tamalet J. In vitro antibiotic susceptibility of Rickettsia rickettsii and Rickettsia
conorii: plaque assay and microplaque colorimetric assay. J Infect Dis. 1987;155.
21. Tavares W. Antibióticos e Quimioterápicos para o Clínico. 3a ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
22. Infectious Diseases Society of America. The 10 x ’20 initiative: pursing a global commitment to develop 10 new
antibacterial drugs by 2020. Clin Infect Dis 2010;50:1081. doi: 10.1086/652237
23. Jonge BLM, Karlowsky JA, Kazmierczak KM et al. In vitro susceptibility to ceftazidime-avibactam of carbapenems-
nonsusceptible enterobacteriaceae isolates collected during the INFORM global surveillance study (2012-2014).
Antimicrob Agents Chemother 2016;60(5):3163–3169. doi: 10.1128/AAC.03042-15.
24. Cubist Pharmaceuticals. Cubist presents detailed results from positive phase 3 trials of ceftolozane/tazobactam at 2014
European Congress of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ECCMID) Available at: http://www.cubist.com/
media/news-releases/cubist-presents-detailed-results-from-positive-pha. Accessed June 1, 2014. [Ref list].
25. 2013. Tedizolid phosphate vs linezolid for treatment of acute bacterial skin and skin structure infections: the ESTABLISH-1
randomized trial. JAMA 309:559–569. doi:10.1001/jama.
26. Eljaaly K, Alharbi A, Alshehri S, Ortwine JK, Pogue JM. Drugs. Plazomicin: A Novel Aminoglycoside for the Treatment
of Resistant Gram-Negative Bacterial Infections. 2019 Feb; 79(3):243-269.
27. Zhanel GG, Golden AR, Zelenitsky S, Wiebe K, Lawrence CK, Adam HJ, Idowu T, Domalaon R, Schweizer F, Zhanel
MA, et al.Drugs. Cefiderocol: A Siderophore Cephalosporin with Activity Against Carbapenem-Resistant and
Multidrug-Resistant Gram-Negative Bacilli. 2019 Feb; 79(3):271-289.
28. Patel TS, Pogue JM, Mills JP, Kaye KS.Future Microbiol. Meropenem-vaborbactam: a new weapon in the war against
infections due to resistant Gram-negative bacteria. 2018 Jul; 13:971-983. Epub 2018 Apr 25.

31
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

32
Farmacocinética e 3
Farmacodinâmica dos
Antimicrobianos
Kelson Veras
Thiago Lisboa

Introdução Farmacocinética nos Pacientes


A farmacologia dos antimicrobianos pode ser Críticos
dividida em dois componentes distintos (Figura 3.1).
Dois principais determinantes da farmacocinéti-
O primeiro desses componentes é a farmacocinética,
ca estão alterados no doente crítico: o volume de distri-
ou a absorção, distribuição e eliminação de medica-
buição (Vd) e a eliminação (clearence – CL) (Figura 3.2).
mentos. Esses fatores, combinados com o esquema
As variações no conteúdo de fluido extracelular e/ou
de administração do antimicrobiano, determinam a
na função renal ou hepática podem ser considerados
concentrações de drogas no soro, que, por sua vez,
determinam o tempo das concentrações das drogas os mecanismos fisiopatológicos mais relevantes e fre-
nos tecidos e fluidos corporais. Especialmente em re- quentes, afetando a concentração antibiótica em doen-
lação ao efeito dos antimicrobianos, o tempo que as tes críticos (Figura 3.3).
concentrações de fármacos no local da infecção per- Nesses pacientes críticos, o vazamento capilar e
manecem é de especial interesse. A farmacodinâmi- edema, a reanimação volêmica, a formação de derra-
ca é a relação entre a concentração sérica e os efeitos me pleural e ascite, além da hipoalbuminemia, podem
farmacológicos e toxicológicos dos medicamentos. aumentar o volume de distribuição, comparativamen-
No que diz respeito aos antimicrobianos, o interesse te com voluntários saudáveis e pacientes não críticos,
principal está na relação entre concentração e efeito causando diluição antibiótica no plasma e fluidos ex-
antimicrobiano. A atividade antimicrobiana, portanto, tracelulares. Alguns fatores fisiopatológicos também
é um reflexo da inter-relação entre farmacocinética e podem aumentar (trauma, queimaduras, condição
farmacodinâmica. hiperdinâmica da fase inicial da sepse, uso de drogas
De forma simplificada, a farmacocinética refe- hemodinamicamente ativas) ou reduzir (insuficiên-
re-se ao que o organismo faz à droga (absorção, dis- cia renal, desperdício muscular, pacientes acamados)
tribuição, metabolismo e eliminação), enquanto a a depuração renal e, consequentemente, alterar as
farmacodinâmica refere-se ao que a droga faz ao orga- concentrações plasmática e extracelular do antibió-
nismo (ação da droga sobre organismos vivos). tico. Esses distúrbios induzem alta variabilidade intra

Concentração tecidual e Efeito farmacológico


em fluidos corporais ou toxicológico
Concentração sérica
Dose
ao longo do tempo
Concentração no Efeito
Absorção foco infeccioso antimicrobiano
Distribuição
Eliminação

Farmacocinética Famacodinâmica
Figura 3.1: Visão geral da farmacocinética e farmacodinâmica na atividade antimicrobiana.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Albumina Fração livre Eliminação antibiótica

Figura 3.4: Efeito da hipoalbuminemia na concentração


Concentração plasmática dos antimicrobianos.
máxima
Concentração sérica

(Cmax ou pico)
Embora uma proporção significativa de pacien-
tes críticos desenvolva insuficiência renal durante a
Área internação na UTI, um padrão cardiovascular hiperdi-
abaixo nâmico como consequência da resposta inflamatória
da curva sistêmica pode se associar com aumento da perfusão
(AAC) Concentração para diferentes órgãos, inclusive os rins. Assim, podem
mínima
ocorrer aumentos da taxa de filtração glomerular. Esse
(Cmin ou vale)
fenômeno foi recentemente denominado incremento
Tempo da depuração renal – IDR (augmented renal clearan-
Figura 3.2: Curva farmacinética. Após a administração de ce – ARC) e é definido como um clearence da creatinina
um fármaco, a concentração sérica do mesmo eleva-se até (ClCr) > 130 mL/min/1,73 m2). Embora seja um termo
atingir sua concentração sérica máxima ou de pico, conforme relativamente novo, muitos autores estão descrevendo
sua absorção. Os processos de distribuição, metabolismo e esse achado em diversas subpopulações de pacientes
eliminação da droga determinam a queda destes níveis séricos gravemente enfermos. Em uma coorte a prevalência do
até atingir a concentração sérica mínima ou concentração IDR foi descrita em mais de 50% dos pacientes. As situa-
de vale. A área que fica abaixo desta curva farmacocinética ções mais comuns descritas com IDR incluem o estado
representa a concentração total da droga a que o organismo hiperdinâmico da fase inicial da sepse, o uso de drogas
foi exposto durante sua administração até sua eliminação. vasoativas, traumas e queimaduras. Clinicamente, essa
situação de aumento da depuração renal associa-se à
exposição subterapêutica aos betalactâmicos.
Como um complicador a mais, relativo à posolo-
gia dos antibióticos em pacientes graves, os esquemas
de dosagem dos antibióticos são baseados em estudos
em voluntários humanos saudáveis quanto à tolerabi-
lidade, com estudos de eficácia clínica realizados em
pacientes não críticos. Após o lançamento do medica-
Vd
mento no mercado, o mesmo regime de dosagem é
Vd usado em pacientes críticos. No entanto, é provável que
isso leve a resultados abaixo do ideal na UTI, especial-
mente com cepas bacterianas mais resistentes.
Figura 3.3: Efeito do volume de distribuição na
concentração plasmática dos antimicrobianos. Determinantes Farmacodinâmicos
dos Antibióticos
e interpaciente e promovem o risco de subdosagem
A abordagem mais comum à escolha da dosagem
de antibióticos. As técnicas de suporte extracorpóreo
dos antibióticos é ajustar as doses para obter concentra-
também contribuem para a variabilidade da concen-
ções plasmáticas dos mesmos acima da concentração
tração de antibióticos.
inibitória mínima (CIM – minimum inhibitory concen-
A hipoalbuminemia é frequentemente observa- tration [MIC]) para o respectivo patógeno durante todo
da em pacientes internados em UTI. Diversos antibió- o intervalo entre as doses. A CIM é a concentração mais
ticos ligam-se à albumina, tais como betalactâmicos, baixa do antibiótico que inibe completamente o cresci-
teicoplanina e daptomicina. A concentração plasmáti- mento visível do organismo, conforme detectado a olho
ca não ligada à albumina determina a fração livre, que nu pela turvação de um meio de cultura líquido após
é a fração biologicamente ativa que se difunde pelas um período de incubação de 18 a 24 horas com um inó-
membranas biológicas dos tecidos. A fração livre tam- culo padrão de aproximadamente 105 UFC/mL. Nessas
bém é a fração que é eliminada pela depuração renal abordagens, o parâmetro farmacocinético é geralmen-
e hepática. Assim, a hipoalbuminemia determina a re- te a concentração sérica do agente anti-infeccioso e o
dução da ligação proteica destes antibióticos, levando parâmetro farmacodinâmico é quase exclusivamente a
a um aumento na fração livre dos mesmos e, também, CIM. Na Figura 3.5, encontra-se os critérios para definir
ao aumento da sua eliminação por filtração glomeru- a sensibilidade bacteriana a um determinado antibióti-
lar e/ou depuração metabólica (Figura 3.4). co no antibiograma.

34
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Antimicrobianos

A concentração inibitória mínima, contudo, é „ Cmax/CIM, que é a razão entre a concentração


uma medida estática, que não leva em consideração as máxima do medicamento e a CIM do organis-
condições fisiológicas do paciente. Adicionalmente, o mo infectante;
efeito das concentrações plasmáticas do antibiótico ao „ AAC24h/CIM, que é a razão entre a área total sob
longo do tempo, após sua administração, não medidas a curva concentração-tempo (AAC) ao longo
por este parâmetro. O caráter estático da CIM também de 24 horas e a CIM do organismo infectante.
não reflete a dinâmica da erradicação bacteriana ou in-
corpora qualquer informação sobre eventuais efeitos
pós-antibióticos.

Sensível • T > CIM


Concentração sérica do antibiótico ³ MIC na dose

Concentração sérica
• Cmax/CIM
recomendada Cmax
• AAC/CIM

Intermediário
Concentração sérica do antibiótico ³ MIC se uma dose AAC
maior que a usual for utilizada

Resistente CIM
Não é possível/seguro atingir concentração sérica Cmin
do antibiótico ³ MIC
Tempo
Figura 3.5: Definição da sensibilidade bacteriana aos
antibióticos no antibiograma. Figura 3.6: Índices farmacocinéticos/farmacodinâmicos
associados ao efeito bactericida ideal dos antimicrobianos.
O efeito pós-antibiótico (EPA) prolongado
consiste em um efeito antibacteriano persistente após Assim, os antimicrobianos podem ser classifica-
eliminação da droga. A explicação desse fenômeno re- dos em três principais grupos com base na relação PK/
laciona-se à lesão bacteriana causada pela exposição PD que otimiza sua ação bactericida:
a antibióticos que possuem tal efeito devido a causas „ Antimicrobianos com efeito bactericida de-
como: pendente do tempo;
„ Recuperação lenta das bactérias após danos „ Antimicrobianos com efeito bactericida de-
não-letais nas estruturas celulares; pendente da concentração;
„ Persistência do antibiótico em seu local de „ Antimicrobianos com efeito bactericida depen-
ligação; dente do tempo e com efeito pós-antibiótico.
„ Necessidade das bactérias ressintetizarem
novas proteínas antes do crescimento poder
continuar. Antimicrobianos com efeito bactericida
dependente do tempo
O significado clínico do EPA prolongado é que Os antimicrobiano cuja farmacodinâmica an-
tais antibióticos podem ser administrados em interva- tibacteriana é dependente do tempo têm como
los mais longos do que o previsto por sua meia-vida. representantes clássicos os betalactâmicos. Para anti-
Para tais antibióticos, o tempo de exposição bacteriana microbianos desse grupo, a taxa na qual os organismos
à droga é menos importante que administrar quantida- são mortos no local da infecção primária não é muito al-
de adequada do antimicrobiano. terada pela concentração do medicamento, desde que
essa concentração exceda a CIM do organismo-alvo.
Ou seja, o tempo em que a concentração de antibióti-
Relação Farmacocinética/ co livre permanece acima da CIM do microrganismo (T
Farmacodinâmica (PK/PD) > CIM) é que está associado ao efeito microbiológico.
Assim, o efeito dos betalactâmicos aumenta com con-
Três índices farmacocinéticos/farmacodinâmicos centrações crescentes até que a taxa bactericida máxi-
descrevem o efeito bactericida ideal associado aos anti- ma seja atingida (aquela que mantem a concentração
bióticos (Figura 3.6): antibiótica acima da CIM do microrganismo pelo tempo
„ T > CIM, que é a quantidade de tempo que a entre as doses). Após esse ponto, o aumento das con-
fração livre do antibiótico permanece acima centrações não produzirá um aumento correspondente
da CIM do organismo infectante; no efeito.

35
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Quando os níveis dessas drogas no local da infec- clínica e microbiológica, a estratégia para otimizar a
ção caem abaixo da CIM, a população residual bacteria- ação bactericida desta classe é o aumento da dose to-
na pode retomar o crescimento rapidamente, uma vez tal diária, justificando a estratégia de doses diárias mais
que os betalactâmicos possuem, no máximo, apenas elevadas das fluoroquinolonas para o tratamento de in-
um efeito pós-antibiótico curto. fecções graves (exemplo: ciprofloxacina 1.200 mg/dia;
O objetivo da terapia com esses medicamentos, levofloxacina 750 mg/dia).
portanto, é aumentar a duração da exposição, uma
vez que a duração das concentrações plasmáticas que
excedam a CIM é o determinante mais importante da
Antimicrobianos com efeito bactericida
eficácia desses medicamentos. As estratégias para se al- dependente do tempo e com efeito
cançar esse objetivo incluem doses frequentes, infusão pós-antibiótico
estendida (infundir cada dose em algumas horas) e a
infusão contínua da dose diária. O terceiro grupo inclui drogas que também têm
ação bactericida dependente do tempo, como os beta-
Um recente consenso de especialistas reco- lactâmicos, mas diferem desses por produzirem efeitos
menda manter-se concentração plasmática dos beta- pós-antibióticos de moderados a prolongados. Os prin-
lactâmicos entre 4 a 8 vezes a CIM do microrganismo cipais representante desse grupo são os glicopeptídeos
infectante durante todo o intervalo entre as doses em (vancomicina, teicoplanina).
pacientes críticos (Cmin ≥ 4-8´ CIM 100% do intervalo
Nesse grupo de antibacterianos a relação AAC/
entre doses), uma vez que tal estratégia comprovou
CIM está associada ao resultado, contudo, esses agen-
otimizar a eficácia clínica, maximizar a resposta bacte-
tes não são dependentes da concentração em seus
riológica, além de prevenir a seleção de subpopulações
efeitos! A presença de efeitos pós-antibióticos persis-
bacterianas resistentes. Depreende-se dessa afirmação
tentes torna o tempo de exposição menos importante.
a necessidade de monitorização terapêutica dos níveis
Provavelmente, isso está relacionado à lesão bacteria-
séricos do betalactâmicos utilizado para atingir tal obje-
na causada pela exposição ao medicamento. Para os
tivo. Infelizmente, a monitorização terapêutica de beta-
agentes citados, a duração do EPA é prolongada pelo
lactâmicos ainda não é amplamente disponível.
aumento da proporção AAC/CIM, sendo essa, por isso,
o determinante importante para a eficácia desses me-
Antimicrobianos com efeito bactericida dicamentos. Dessa forma, o objetivo da terapia com
esses medicamentos é fornecer uma quantidade ade-
dependente da concentração quada de medicamento, sendo, portanto, a AAC/CIM o
Os antibacterianos deste grupo têm ação bacte- principal parâmetro farmacocinético/farmacodinâmico
ricida dependente da concentração e produzem efeitos correlacionado com a eficácia terapêutica desses medi-
pós-antibiótico (EPA) entre moderados a prolongados. camentos, apesar dos mesmos não apresentarem efeito
O principal representante deste grupo são os amino- bactericida dependente da concentração.
glicosídeos e as quinolonas. A relação AAC/CIM de 24 Tradicionalmente, as concentrações mínimas
horas é o parâmetro que melhor se correlaciona com a têm sido usadas como marcador substituto da AAC
eficácia das fluoroquinolonas, enquanto os principais com base em dados indicando que um valor mínimo de
ensaios clínicos correlacionando parâmetros farmaco- 15-20 mg/L se correlacionaria com um AAC alvo ≥ 400
cinéticos/farmacodinâmicos com a eficácia terapêutica mg.hr/L, quando a CIM para vancomicina for 1 mg/L ou
dos aminoglicosídeos mostraram que para obter uma menos.1 No entanto, dados recentes sugerem que con-
resposta clínica de 90%, a concentração de pico (Cmax) centrações acima de 600 mg.hr/L aumentam o risco
deve exceder a CIM de oito a dez vezes.
Para os aminoglicosídeos, o objetivo da terapia 1 Normalmente, a maioria dos centros leva aproximadamente
com esses medicamentos, portanto, é aumentar a con- três dias para retornar os resultados da microbiologia, in-
centração de pico da droga. O esquema de administra- cluindo a CIM. Então, qual abordagem as novas diretrizes de
ção da dose total diária do aminoglicosídeo em uma 2019 sugerem?
dose única foi projetado para aumentar as concentra- Obviamente, uma AAC para vancomicina depende das bac-
ções séricas máximas desta classe de antibiótico. Uma térias que estão sendo tratadas. Dado o uso comum da van-
comicina, observa-se nas diretrizes que "é importante estar
vez que os aminoglicosídeos apresentam EPA prolon- ciente dos padrões locais e nacionais de suscetibilidade à
gado devido sua inibição da síntese proteica bacteriana vancomicina para MRSA". Nesse ponto, observou-se que, para
devido sua ligação irreversível à subunidade ribossômi- o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), tam-
ca 30s bacteriana, sua ação antibacteriana persiste ape- bém é observado que as CIM de vancomicina permaneceram
sar dos níveis séricos mínimos ou mesmo indetectáveis. constantes ao longo do tempo, com ≥ 90% dos isolados com
CIM < 1mg/L. Diante disso, as diretrizes sugerem que um ní-
Para as quinolonas, uma vez que razão entre a vel apropriado de AAC por 24 horas deve ser de 400 a 600
área abaixo da curva de concentração-tempo de 24 ho- mg.h/L, com uma concentração inibitória mínima assumida
ras e a CIM (AAC24h/CIM) é o melhor preditor de resposta de 1 mg/L, se ainda não for conhecida.

36
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Antimicrobianos

de nefrotoxicidade, representando um limite superior (TRRC) ou Diálise Lenta de Baixa Eficiência (SLED),
razoável de um “intervalo terapêutico”. Uma vez que especialmente para o tratamento de bactérias multir-
mesmo concentrações mínimas de vancomicina infe- resistentes. Embora geralmente não esteja disponível
riores a 15 mg/L estão associadas ao desenvolvimento nas rotinas clínicas, uma estratégia guiada por monito-
de nefrotoxicidade, a importância de definir alvos que ramento terapêutico de medicamentos (TDM) tem um
permitam doses mais baixas de vancomicina não pode benefício potencial para garantir alvos terapêuticos
ser subestimada. apropriados.
Com base na lógica acima mencionada, especia- Até o momento, não existem diretrizes valida-
listas recomendam uma AAC de vancomicina de 400- das sobre ajustes de dose de antibióticos em pacien-
600 mg.hr/L, independentemente da CIM ou organismo tes sépticos com lesão renal aguda. As recomendações
tratado, uma vez que o limite inferior dessa faixa (400 atuais foram extrapoladas a partir de estudos reali-
mg.hr/L) representa o limiar de eficácia para tratar in- zados em pacientes não críticos com doença renal
fecções por MRSA. Por outro lado, o limite superior (600 crônica em estágio terminal, recebendo terapia de
mg.hr/L) representa provavelmente o limiar de segu- substituição renal.
rança para nefrotoxicidade. Felizmente, é possível administrar o efeito da he-
Atualmente, é possível estimar com precisão a modiálise intermitente no esquema da antibioticotera-
AAC da vancomicina com amostras limitadas (ou seja, pia administrando as drogas em relação ao momento
uma ou duas concentrações de vancomicina) e forne- da hemodiálise. Uma vez que a hemodiálise é de du-
cer recomendações de dosagem guiadas pela AAC em ração relativamente curta, a abordagem prática é ad-
tempo real. Uma dessas abordagens envolve o uso de ministrar os antibióticos que são eliminados durante a
programas de software bayesiano. Outra abordagem diálise após a mesma, tolerando-se as baixas concentra-
alternativa envolve o uso de duas concentrações (pico ções dos mesmos durante a diálise. Se as concentrações
e vale) e equações simples de farmacocinética analítica subterapêuticas durante a diálise não forem toleradas,
para estimar os valores da AAC. uma pequena dose adicional pode ser administrada no
meio da diálise.
Está em andamento um estudo farmacociné-
Dosagem de Antibióticos em tico observacional multinacional com o objetivo de
Doentes Críticos sob Terapia de desenvolver uma robusta diretriz de dosagem de an-
tibióticos baseada em evidências para pacientes gra-
Renal Substitutiva ves recebendo várias formas de TRS.2 O mesmo estudo
A dosagem antimicrobiana na terapia renal subs- também objetiva observar se as concentrações tera-
titutiva (TRS) e oxigenação por membrana extracor- pêuticas de antibióticos estão associadas à redução da
pórea (ECMO) é um cenário clínico desafiador para a mortalidade em 28 dias. Os antibióticos do estudo se-
dosagem de muitos antimicrobianos. rão vancomicina, linezolida, piperacilina/tazobactam e
meropenem.
De uma forma geral, recomenda-se não reduzir
a dose padrão de antibióticos, uma vez que não foi en-
contrado acúmulo de drogas na literatura disponível 2 Sampling Antibiotics in Renal Replacement Therapy
e manter infusão contínua ou prolongada em pacien- (SMARRT). Trial registration: Australian New Zealand Clinical
tes críticos em Terapia de Reposição Renal Contínua Trial Registry ACTRN12613000241730.

Referências Bibliográficas
1. Ambrose PG, Bhavnani SM, Rubino CM, Louie A, Gumbo T, Forrest A, Drusano GL. Pharmacokinetics-
pharmacodynamics of antimicrobial therapy: it’s not just for mice anymore. Clin Infect Dis. 2007;44:79-86.
2. Craig WA. Basic pharmacodynamics of antibacterials with clinical applications to the use of b-lactams, glycopeptides,
and linezolid. Infect Dis Clin N Am 2003; 17:479-501.
3. Craig WA. Pharmacokinetic/Pharmacodynamic Parameters: Rationale for Antibacterial Dosing of Mice and Men,
Clinical Infectious Diseases 1998;26:1-12.
4. Craig WA. Pharmacokinetic/Pharmacodynamic Parameters: Rationale for Antibacterial Dosing of Mice and Men,
Clinical Infectious Diseases 1998;26:1-12.

37
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

5. Drusano GL. Antimicrobial pharmacodynamics: critical interactions of ‘bug and drug’. Nat Rev Microbiol. 2004;2:289-300.
6. Guilhaumou R, Benaboud S, Bennis Y, Dahyot-Fizelier C, Dailly E, Gandia P, et al. 2019. Optimization of the treatment
with beta-lactam antibiotics in critically ill patients – guidelines from the French Society of Pharmacology and
Therapeutics (Société Française de Pharmacologie et Thérapeutique – SFPT) and the French Society of Anaesthesia and
Intensive Care Medicine (Société Française d’Anesthésie et Réanimation – SFAR). Critical Care 23:104.
7. Heil EL, Claeys KC, Mynatt RP, Hopkins TL, Brade K, Watt I, et al. Making the change to area under the curve-based
vancomycin dosing. Am J Health Syst Pharm. 2018;75:1986-95.
8. Lea-Henry TN, Carland JE, Stocker SL, Sevastos J, Roberts DM. Clinical pharmacokinetics in kidney disease:
fundamental principles. Clin J Am Soc Nephrol 2018;13:1085-95.
9. Mueller M, De La Peña A, Derendorf H. Issues in pharmacokinetics and pharmacodynamics of anti-infective agents: kill
curves versus MIC.Antimicrob. Agents Chemother 2004;4:369-77.
10. Rybak MJ, Le J, Lodise TP, Levine DP, Bradley JS, Liu C, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin: A revised
consensus guideline 1 and review of the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society
of America, the Pediatric Infectious Diseases Society and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. <https://www.
ashp.org/-/media/assets/policy-guidelines/docs/draft-guidelines/draft-guidelines-ASHP-IDSA-PIDS-SIDP-therapeutic-
vancomycin.ashx>.
11. Udy AA, Roberts JA, Lipman J. Clinical implications of antibiotic pharmacokinetic principles in the critically ill.
Intensive Care Med. 2013;39:2070-82.
12. Udy AA, Varghese JM, Altukroni M, et al. Sub-therapeutic initial beta-lactam concentrations in select critically ill
patients: association between augmented renal clearance and low trough drug concentrations. Chest 2012;142:30-9.
13. Veiga RP, Paiva J-A. Pharmacokinetics-pharmacodynamics issues relevant for the clinical use of beta-lactam antibiotics
in critically ill patients. Crit Care. 2018;22:233.
14. Zamoner W, Freitas FM, Garms DS, Oliveira MG, Balbi AL, Ponce D. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of
antibiotics in critically ill acute kidney injury patients. Pharmacol Res Perspect. 2016;4:e00280.

38
Avaliação de Febre no 4
Paciente Grave

Gerson Luiz de Macedo


André Japiassú

Episódios febris, em geral, desencadeiam um


novo processo investigativo para definição diag-
Avaliação de febre no paciente
nóstica, e uma abordagem assertiva é fundamental grave
para que se institua uma terapia efetiva dentro dos
A definição de febre segundo as sociedades ame-
prazos necessários.
ricanas de Cuidados Críticos e de Infectologia (ACCCM
Não é raro o estabelecimento de terapias anti- e IDSA) é a temperatura central ou oral/retal igual ou
piréticas antes de se confirmar a causa da febre, o que maior que 38,3 ºC (que corresponde a 101 °F). A tempe-
sinaliza uma distorção conceitual em relação aos efeitos ratura deve ser medida por cateter central de maneira
benéficos e deletérios da elevação da temperatura so- ideal (gold standard), se houver a presença de cateter
bre o organismo. de artéria pulmonar. Alternativamente, deve ser medi-
De acordo com o American College of Critical Care da por via oral, retal, esofagiana ou perto da membrana
Medicine, a febre de origem indeterminada em paciente timpânica (menos invasivas); neste caso, as medidas são
crítico antes afebril deve ser adequadamente investigada aproximadamente menores cerca de 0,5 °C em relação à
antes de se instituir qualquer conduta terapêutica ou de temperatura central. A temperatura axilar está sujeita a
se solicitarem exames complementares, o que inclui exa- interferência do meio externo, posição do braço do pa-
me físico detalhado e história clínica evolutiva do doente. ciente e tempo de observação e apresenta correlação
Devemos considerar que, na ausência de um foco ruim com outros locais de medida térmica (em torno
infeccioso definido e diante de um paciente com estabi- de 40-45% de precisão, sendo cerca de 1 ºC menor que
lidade hemodinâmica, sem sinais de hipoperfusão tissu- temperaturas centrais).
lar, a febre deve ser exaustivamente investigada dentro A febre é uma síndrome clínica, na qual pode
de uma unidade de terapia intensiva (UTI), levando-se ocorrer calafrios, taquicardia e taquipneia, também
em conta também as etiologias não infecciosas. O uso com mal-estar e mialgias. É importante diferenciar
precoce sem justificativa de antimicrobianos representa da hipertermia isolada, onde a temperatura aumenta
um dos principais motivos de resistência bacteriana e em diferentes graus, mas eventualmente sem outros
de superinfecção na medicina intensiva. sinais. Outra exceção em relação ao limite da tempe-
Nos casos de febre moderada, existe o questiona- ratura de 38,3 ºC são os pacientes com neutropenia
mento a respeito do uso de antitérmicos para o controle (abaixo de 500 células/mm3), nos quais 1 hora com
da temperatura, já que a febre representa uma respos- temperatura acima de 38 ºC ou qualquer momento
ta adaptativa capaz de reduzir a expressão de agen- com temperatura acima de 38,3 ºC são sinais significa-
tes virulentos, e aumentar a resposta imunológica e a tivos de agravamento do quadro e demanda por início
suscetibilidade dos microrganismos patogênicos aos de antibioticoterapia.
antimicrobianos. Não há regras, mas causas infecciosas de aumen-
É importante ressaltar que, embora se deva con- to de temperatura geralmente causam febre, enquan-
siderar o uso de antitérmicos nos pacientes que se sin- to causas não-infecciosas possam causar hipertermia
tam desconfortáveis com a febre, o uso regular destes (p. ex., sangramentos intracranianos e medicações).
medicamentos em pacientes internados pode retardar Hipertermia acima de 41 ºC é rara em infecções (exce-
o diagnóstico de uma patologia potencialmente grave to meningoencefalites) e demanda a investigação para
e, assim, uma terapia adequada precoce. causas não infecciosas.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Causas da febre Causas não infecciosas de febre


São comuns na UTI.
As causas de febre em doentes críticos podem
Reações transfusionais e hipersensibilidade
ser amplamente classificadas como as síndromes de hi-
a drogas, em especial aos agentes antimicrobianos,
pertermia e febres infecciosas e não infecciosas.
são causas frequentes de febre não infecciosa. Os he-
Síndromes de hipertermia incluem hipertermia matomas em locais profundos do corpo, bem como
ambiental (síncope pelo calor/insolação), hipertermia trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar,
induzida por drogas (incluindo a síndrome neuroléptica infarto do miocárdio e hemorragia aguda, todos po-
maligna, síndrome serotoninérgica e simpaticomiméti- dem causar febre. Fontes intra-abdominais incluem
ca) e as causas endócrinas (incluindo tireotoxicose, feo- colecistite acalculosa, pancreatite e rejeição de trans-
cromocitoma e crise adrenal). plantes de órgãos.
Uma vasta lista de infecções bacterianas, virais, Já na febre medicamentosa, o diagnóstico é um
fúngicas e protozoários pode causar febre na UTI. Os desafio, podendo produzir febre alta isoladamente após
lugares mais comuns de infecção em pacientes imu- vários dias do início da droga e, ainda, levar dias para di-
nocompetentes incluem o trato respiratório inferior, minuir após sua interrupção. É um diagnóstico de exclu-
trato urinário, sangue, sinusite, pele/tecido mole e trato são quando não há outros sinais de hipersensibilidade.
gastrintestinal. Condições intra-abdominais incluem a colecis-
Podem ser apontadas como causas mais impor- tite acalculosa, que é um importante diagnóstico a se
tantes a pneumonia associada à ventilação e a infecção considerar em todos os pacientes em estado crítico. É
relacionada ao cateter. uma causa de febre isolada de baixo grau e tem taxa de
mortalidade alta, de 30 a 40%, mesmo com tratamento.
Leucocitose e hipersensibilidade abdominal podem su-
Infecção relacionada ao cateter gerir seu diagnóstico. Uma ultrassonografia de vesícu-
intravascular la biliar deve ser solicitada naqueles pacientes em que
este diagnóstico é provável.
Seu diagnóstico é difícil, a não ser que haja si-
nais óbvios de infecção no local da inserção do cateter. O tromboembolismo tem sido causa de febre
Pacientes febris que tiveram cateter venoso central por oculta em UTI. A incidência de TVP em pacientes na UTI
mais de 48 horas e não têm outra causa aparente para varia de 12 a 33%. No entanto, esta raramente é causa
a febre devem ter esse cateter trocado por um novo. de febre nas unidades intensivas. Assim, febre isolada
tem um valor preditivo pobre para TVP e uma triagem
Os cateteres venosos periféricos devem ser trocados
para ela; na ausência de sinais locais indicativos, não é
a cada 72 horas, independentemente da existência
recomendada. Pelo mesmo motivo, também não é in-
da febre. Cateteres intra-arteriais têm menor risco
dicada triagem para embolia pulmonar em pacientes
de infecção.
com febre isolada.

Infecção bacteriana relacionada à Tratamento da febre no paciente


transfusão crítico
Causa rara de complicação durante os cuidados
hospitalares, mas potencialmente fatal. Pode causar Existem vários argumentos a favor e contra o
febre isolada e nem sempre ocorre apenas durante a tratamento da febre em pacientes neurologicamente
transfusão. intactos. Em níveis muito elevados de temperatura, tais
como 40 °C a 41 °C, aumentam as preocupações de exis-
tirem danos no cérebro e na iniciação ou agravamento
Tabela 4.1: Fatores de risco para ausência de febre em
da insuficiência de vários sistemas. Sabe-se que baixar
pacientes com infecções potencialmente graves
a temperatura de níveis extremos está indicado. No en-
Eutermia e hipotermia na presença de infecções tanto, em menor grau de febre, existem argumentos
teóricos e experimentais tanto a favor quanto contra
Idosos
o tratamento da febre, visando a níveis normais ou até
Terapias de circulação extracorpórea (p. ex.: hemodiálise) mesmo subnormais.
Peritoneostomia Os defensores do tratamento da febre em pa-
Grandes queimados cientes sem lesões neurológicas argumentam redução
da demanda metabólica e do estresse cardiovascular,
Comorbidades: insuficiência cardíaca, cirrose hepática e
além de melhorar o conforto do paciente. O tratamento
insuficiência renal crônica
da febre pode reduzir investigação excessiva, antibioti-
Uso regular de medicações antipiréticas coterapia e custo de tratamento.

40
Avaliação de Febre no Paciente Grave

A febre é uma resposta inata adaptativa à infec- ventilação mecânica, flebite, presença de feridas infec-
ção. Existem argumentos contra o tratamento de rotina tadas ou bacteremia.
da febre no paciente criticamente enfermo. As tempe- Nos pacientes que apresentam sinais progressi-
raturas elevadas inibem o crescimento de microrga- vos de sepse grave ou nos casos de neutropenia asso-
nismos in vitro, e podem reduzir a expressão de fatores ciada à febre, deve-se iniciar antibioticoterapia de largo
de virulência, aumentar a suscetibilidade a agentes espectro, logo após a realização das hemoculturas.
antimicrobianos. Porém, este efeito não está demons-
Outra conduta interessante consiste em realizar
trado in vivo e não se sabe se é clinicamente significati-
cultura de cateteres utilizados por mais de 48 horas.
vo. Embora saiba-se que pacientes sépticos têm maior
risco de morte quando apresentam hipotermia espon- Nos pacientes com diarreia nosocomial, é funda-
taneamente, outro subgrupo de pacientes que apre- mental a pesquisa da presença de Clostridium difficile.
sentam febre alta (> 39,5 ºC) também apresentam pior Caso a febre persista por 48 a 96 horas após o
prognóstico. início da administração de antimicrobianos de largo
Embora a terapia da febre possa reduzir a in- espectro, deve-se reavaliar o paciente, levando-se em
vestigação excessiva e o tratamento em pacientes conta a possibilidade de infecção fúngica. Uma boa
com causas benignas de febre, também pode retar- conduta, neste caso, inclui o início de uma terapia an-
dar o diagnóstico precoce e a terapêutica empírica tifúngica empírica associada à realização de testes
de infecções graves cujo atraso no tratamento pode diagnósticos.
ser prejudicial. Alguns biomarcadores têm sido propostos como
A conduta inicial do paciente criticamente en- adjuvantes na investigação das causas de febre, dentre
fermo portador de febre deve incluir uma revisão apro- eles: níveis de procalcitonina sérica, sistemas de detec-
fundada dos registros médicos, exame físico detalhado, ção de endotoxinas, expressão de receptores em células
com avaliação rigorosa de fatores, como duração e mieloides, proteína C-reativa, fator de necrose tumoral
magnitude da febre, frequência cardíaca e relação no alta e interleucina. O nível sérico de procalcitonina é o
tempo entre o diagnóstico e o início da intervenção te- indicador mais precoce de infecção ou sepse bacteriana.
rapêutica (Figura 4.1). A abordagem medicamentosa em pacientes
Duas hemoculturas devem ser realizadas em que apresentam febre na UTI é realizada com o uso
todo paciente febril, coletadas em locais distintos, se de agentes antipiréticos ou por meio de técnicas de
possível, antes do início de antibioticoterapia. resfriamento externo. No entanto, esse último tipo de
Nos casos em que a febre está relacionada a uma procedimento promove grandes flutuações da tempe-
leucocitose não justificada, associada a acidose, hipo- ratura e a recuperação posterior do estado de hiperter-
tensão, taquicardia persistente e taquipneia, devem ser mia, com consequente hipermetabolismo, e elevação
investigadas uma possível síndrome séptica originada do consumo de oxigênio e da liberação de epinefrina e
por infecção do trato urinário, pneumonia associada à norepinefrina.

Febre (temperatura > 38,3 °C)

Local de infecção não definido Local de infecção definido

Considerar causa não infecciosa Testes diagnósticos


Observar por 48 horas Antibioticoterapia empírica

Se febre persistente
Se febre persistir após 48 horas

• Remover e realizar cultura deacessos centrais


• Remover cateteres nasais • Terapia antifúngica
• Realizar exames de imagem dos seios paranasais • Duplex scan de membros inferiores e
• Cultura de fezes e antibioticoterapia empírica no angiotomografia de tórax
caso de diarreia • Exames de imagem para infecções abdominais

Figura 4.1: Manejo do paciente febril na Unidade de terapia intensiva. Fonte: Falcão LF, Macedo GL. Farmacologia aplicada
em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.

41
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Antipiréticos utilizados em de pacientes em uso de anticoagulantes, hemofílicos


ou com outras patologia hematológicas e naqueles
medicina intensiva portadores de enfermidades do trato gastrintestinal
superior ou com intolerância ou hipersensibilidade ao
Os anti-inflamatórios não esteroides (AINE)
ácido acetilsalicílico. O efeito antipirético do paraceta-
atuam na resposta inflamatória pelos seguintes meca-
mol está relacionado à inibição da síntese de prosta-
nismos: acetilando irreversivelmente a ciclo-oxigenase
glandinas no hipotálamo.
(COX) (salicilatos), competindo com o ácido aracdônico
(derivados do ácido propiônico) ou, ainda, inibindo par-
cialmente a COX (para-aminofenóis). Ácidos propiônicos (ibuprofeno)
Certos fármacos neurolépticos conseguem inter- O ibuprofeno é um dos derivados do ácido pro-
ferir no mecanismo termorregulador hipotalâmico, al- piônico mais usado nos Estados Unidos. É um inibidor
terando diretamente o setpoint estabelecido, como é o da COX e, consequentemente, da síntese de prosta-
caso da fenotiazina. glandinas. A classe dos derivados do ácido propiônico
O tratamento ativo da febre não altera a mor- apresenta significativa interação medicamentosa com
talidade em pacientes com infecções. Um estudo que anti-hipertensivos, diuréticos, varfarina e metotrexato.
avaliou o emprego do paracetamol venoso versus pla- É válido lembrar que esta classe apresenta alta avidez
cebo (Young et al, 2015) verificou que o risco relativo de pela albumina.
morte foi praticamente igual (RR 0,96, p = NS); e outro
estudo em pacientes com choque séptico que foram
randomizados para usar manta térmica para resfria- Hipotermia
mento externo apresentou resultado animador para
mortalidade em 14 dias (redução relativa de aproxi- Evidências em vários modelos animais indicam
madamente 60% de morte), porém não foi significan- que a redução de apenas alguns graus centígrados na
te para mortalidade hospitalar (Schortgen et al, 2012). temperatura do tecido oferece melhor proteção con-
Uma metanálise recente (Young et al, 2019) confirmou tra a isquemia do que qualquer droga disponível. A hi-
a ausência de efeito sobre o tempo de permanência em potermia tem demonstrado melhorar os resultados, a
UTI e a mortalidade hospitalar. longo prazo, em seres humanos após parada cardíaca
e asfixia neonatal.
Indução e manutenção da hipotermia ou nor-
Pirazolonas (dipirona) motermia requerem a interrupção dos mecanismos do
A dipirona é uma droga sintética extraída do al- corpo de termorregulação normais, bem como de troca
catrão, que apresenta efeito antipirético, analgésico e de calor ativo.
anti-inflamatório. Pertence ao grupo da pirazolonas e
é classificada como AINE, apresentando efeitos diferen-
ciados de acordo com a posologia empregada: efeito Conclusão
antipirético em baixa dosagem (10 mg/kg), efeito anal- A febre é um fator complicador em até 70% das
gésico em dosagens medianas (15 a 30 mg/kg) e efeito internações em unidade de terapia intensiva, repre-
anti-inflamatório e antiespasmódico em dosagem alta sentando, muitas vezes, uma doença grave subjacente,
(> 50 mg/kg). podendo também levar a uma série de investigações
desnecessárias e ao uso inapropriado de antibióticos.
Salicilatos (ácido acetilsalicílico) Ela também está associada com o aumento dos custos
e do tempo de internação hospitalar.
O ácido acetilsalicílico é uma droga classificada
como AINE e pertence ao grupo não seletivo de inibido- São muitas as causas de febre em unidade de te-
res da COX. Os salicilatos, em geral, diminuem rápida e rapia intensiva, tanto infecciosas como não infecciosas.
eficazmente a temperatura corporal. Seu mecanismo de Distinguir entre essas pode ser um desafio e requer ava-
ação baseia-se na inibição irreversível da COX, envolvi- liação clínica cuidadosa. A hemocultura deve ser vista
da na síntese de prostaglandinas. O ácido acetilsalicílico como investigação obrigatória e obtida em todos pa-
também inibe a agregação plaquetária bloqueando a cientes na unidade de terapia intensiva com febre de
síntese de tromboxano A2 nas plaquetas. início recente.
Embora a febre seja comum em pacientes critica-
mente enfermos, ela pede atenção clínica e mudanças
Para-aminofenóis (paracetamol) na gestão desses pacientes. Apesar de poder ter origem
O paracetamol pode ser utilizado quando a te- infecciosa ou não infecciosa, a presença de febre, na
rapia com ácido acetilsalicílico não for aconselhável maioria das vezes, é um sinal de alerta sensível e impor-
ou for contraindicada como, por exemplo, nos casos tante, que deve desencadear uma rápida investigação

42
Avaliação de Febre no Paciente Grave

de possível infecção em desenvolvimento. Ela deve ser consideração pelos médicos, procedendo-se a uma
vista como uma resposta benéfica à agressão de micror- avaliação criteriosa para um eficaz tratamento desses
ganismos patogênicos. indivíduos.
Apesar de muito utilizados na rotina de unidade A abordagem e a avalição diagnóstica da febre
de terapia intensiva, os antitérmicos devem ter sua ad- em unidade de terapia intensiva são fundamentais para
ministração restrita a pacientes que se encontram sinto- a diminuição do uso inapropriado de antibióticos na
máticos em função da elevação da temperatura. prática clínica.
A importância da febre em pacientes internados
na unidade de terapia intensiva tem de ser levada em

Referências Bibliográficas
1. Falcão LF, Macedo GL. Farmacologia aplicada em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.
2. Laupland KB. Fever in the critically ill medical patient. Crit Care Med. 2009;37(7 Suppl):S273-8.
3. Niven DJ, Gaudet JE, Laupland KB, et al. Accuracy of peripheral thermometers for estimating temperature, a systematic
review and meta-analysis. Annals of Internal Med 2015; 163:768-77.
4. Schortgen F, Clabault K, Katsahian S, et al. Fever control using external cooling in septic shock: a randomized controlled
trial. Am J Resp Crit Care Med 2012; 185(10):1088-95.
5. Young P, Saxena M, Bellomo R, et al. Acetaminophen for Fever in Critically Ill Patients with Suspected Infection. N Engl
J Med 2015; 373(23):2215-24.

43
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

44
Tratamento das Infecções por 5
Bactérias Multirresistentes

Kelsin Veras

Introdução Embora muitos genes de betalactamases este-


jam codificados no cromossomo bacteriano, os genes
As mutações que conferem às bactérias resistên- das betalactamases de espectro estendido e das car-
cia antibiótica são antigas evolutivamente. Elas surgi- bapenemases são usualmente mediados por plasmí-
ram como resposta às pressões de seleção competitivas, deos. Os plasmídeos são porções de DNA circulares
muito antes da atividade humana. Esses mecanismos consideradas móveis porque podem ser passadas
de resistência encontraram um nicho permissivo no entre bactérias por conjugação, um processo que liga
ambiente hospitalar moderno, onde uma alta densi- brevemente o citoplasma de duas bactérias permitin-
dade de pacientes suscetíveis, a intensa pressão de do a transferência de genes. Os genes de resistência
seleção para resistência a antibióticos e múltiplas opor- antimicrobiana codificados em cromossomos bacte-
tunidades de transmissão se interconectam. As taxas de rianos, como as bombas de efluxo da Pseudomonas
resistência antimicrobiana são mais elevadas nas UTIs aeruginosa, geralmente não são móveis, enquanto
devido ao uso excessivo de antibióticos, práticas de aqueles que são transportados em plasmídeos podem
isolamento imperfeitas e estadias prolongadas de pa- se disseminar rapidamente entre bactérias da mes-
cientes altamente suscetíveis a infecções nosocomiais ma espécie ou de espécies diferentes. Além disso, os
devido a comorbidades e ao uso de dispositivos invasi- plasmídeos geralmente carregam vários genes codi-
vos, como tubos endotraqueais e nasogástricos, catete- ficadores de resistência a múltiplos antimicrobianos
res urinários e cateteres venosos centrais. Como grupo, simultaneamente. Às vezes, esses genes adicionais
os bacilos gram-negativos aeróbicos são as causas mais são adquiridos através de elementos transponíveis, ou
comuns de infecções nosocomiais e as causas mais co- transposons. Os transposons são sequências de DNA
muns de infecção na UTI. Os bacilos gram-negativos móveis que podem se integrar ao cromossomo bac-
possuem vários modos de resistência aos antibióticos teriano ou a um plasmídeo, muitas vezes carregando
e são altamente eficientes na transferência horizontal genes de resistência antimicrobiana.
entre espécies.
As betalactamases consistem em uma família de
enzimas que hidrolizam os anéis betalactâmicos, que Betalactamase AmpC
são estruturas essenciais para o efeito antibacteriano
de todos antibióticos betalactâmicos, como penici- Essas betalactamases são capazes de hidrolizar
linas, cefalosporinas, carbapenêmicos e aztreonam. penicilinas, aminopenicilinas (ampicilina, amoxicilina),
Algumas são consideradas “betalactamases de es- carboxipenicilinas (ticarcilina, carbenicilna) e ureido-
pectro estendido” porque podem inativar uma ampla penicilinas (piperacilina), aztreonam e a maioria das
gama de antibióticos de betalactâmicos. As carbape- cefalosporinas, incluindo as cefamicinas (cefoxitina e
nemases são membros ainda mais versáteis da famí- cefotetan).
lia das betalactamases devido à sua capacidade de A betalactamase AmpC não é inibida por anti-
hidrolisar os carbapenêmicos que são os antibióticos microbianos contendo inibidores de betalactamase.
de maior espectro disponíveis para o tratamento de Contudo, não tem atividade hidrolítica significativa
infecções bacterianas. contra cefepime ou carbapenêmicos.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

As betalactamases AmpC estão presentes em vá-


rios bacilos gram-negativos clinicamente importantes,
Betalactamases de Espectro
incluindo Citrobacter freundii, Enterobacter spp, Serratia Estendido (Extended-Spectrum
marcescens, Providencia sp e Morganella morganii, e Betalactamases – ESBL)
também são encontrados em Pseudomonas aeruginosa,
Acinetobacter spp e várias outras espécies. Nas décadas de 1960 e 1970, a resistência aos
primeiros betalactâmicos desenvolveu-se nos bacilos
Uma característica de muitas bactérias produto-
gram-negativos através da produção de “betalactama-
ras de betalactamase do tipo AmpC é que a expressão
ses de amplo espectro”, que hidrolizavam penicilinas,
basal pode ser baixa, mas aumenta após a exposição
aminopenicilinas, carboxipenicilinas, ureidopenicilinas
a antibióticos betalactâmicos. Uma explicação para
e cefalosporinas de espectro estreito. Essas betalacta-
isso é “indução” de AmpC. A indução ocorre após uma
mases de amplo espectro incluem TEM-1, TEM-2 e SHV-
exposição a betalactâmicos, o que estimula a transcri-
1. A resposta científica a essas betalactamases de amplo
ção do gene ampC e a produção de AmpC. Uma expli-
espectro foi o desenvolvimento de cefalosporinas de
cação adicional para a hiperprodução de AmpC após
terceira geração, como ceftriaxona, cefotaxima e cefta-
a exposição a betalactâmicos é a seleção de mutan-
zidima, monobactâmicos como o aztreonam e carbape-
tes que são naturalmente hiperprodutores de AmpC.
nêmicos como imipenem, que são estáveis na presença
Assim, um isolado inicialmente susceptível a uma be- das betalactamases de amplo espectro. No início dos
talactâmico pode desenvolver resistência durante ou anos 80, os bacilos gram-negativos responderam a es-
após a exposição. ses novos antimicrobianos através do desenvolvimento
As betalactamases AmpC são, usualmente, codi- de mutações nas betalactamases TEM e SHV, resultando
ficadas por genes cromossômicos, mas já foram encon- na evolução das “betalactamases de espectro estendi-
tradas betalactamases AmpC mediadas por plasmídeos. do” (Extended-Spectrum Betalactamases – ESBLs). Além
Desde sua descoberta no final da década de 1980, as de hidrolisar os mesmos antimicrobianos que as beta-
betalactamases AmpC mediadas por plasmídeos fo- lactamases de amplo espectro, as ESBL também hidro-
ram descritas como organismos que normalmente não lizam cefalosporinas de terceira geração e aztreonam.
possuem um gene AmpC cromossômico. Essas bacté- Desde a década de 1980, o número de ESBLs identifica-
rias incluem Salmonella spp., Klebsiella spp., Escherichia dos aumentou acentuadamente e novas famílias foram
coli e Proteus mirabilis. Ao contrário das betalactamases descritas. Existem agora mais de 300 tipos diferentes de
AmpC mediadas cromossomicamente, as betalactama- enzimas ESBL, mais frequentemente das famílias TEM,
ses AmpC mediadas por plasmídeo não são indutíveis SHV, CTX-M e OXA.
pelos antibióticos betalactâmicos. Curiosamente, os organismos que transportam
Em virtude da resistência in vitro e pelo poten- ESBL demonstram susceptibilidade in vitro às cefalos-
cial de indução do gene ampC ou seleção de mutantes porinas do grupo das cefamicinas, que incluem cefote-
hiperprodutores de betalactamase AmpC, os betalac- tan, cefmetazol e cefoxitina, contudo os dados clínicos
tâmicos de maneira geral, incluindo as formas com- sobre o uso desses antibióticos durante as infecções
binadas com inibidores de betalactamase, devem ser por bactérias produtoras de ESBL são muito limitados,
evitadas para o tratamento de infecções por bactérias a resistência é muito comum através de outros me-
produtoras deste tipo de betalactamase. canismos. O uso das cefamicinas para tratamento de
infecções por produtores de ESBL, portanto, é desenco-
Os mutantes hiperprodutores de AmpC são re- rajado. Essa característica tem utilidade apenas para fins
sistentes às penicilinas, aztreonam, cefalosporinas de de identificação laboratorial preliminar de cepas possi-
terceira geração e até ertapenem, quando a enzima é velmente produtoras de ESBL.
expressa de forma maciça. Contudo, a betalactamase
Por definição, as betalactamases ESBLs são ini-
AmpC tem pouca atividade hidrolítica contra carbape-
bidas pelos inibidores da betalactamases, tais como o
nêmicos e cefepime. Imipenem e meropenem conti-
clavulanato e o tazobactam. Contudo, os estudos dis-
nuam sendo os betalactâmicos mais ativos, embora o
poníveis não deixavam claro o papel da piperacillina-
cefepime se mantenha como uma opção valiosa para
-tazobactam para pacientes infectados com patógenos
poupar carbapenêmicos quando sensíveis no anti-
produtores de ESBL. O estudo randomizado e controla-
biograma e desde que o foco infeccioso tenha sido do MERINO (Meropenem vs Piperacillin-Tazobactam for
controlado. Definitive Treatment of BSI’s Due to Ceftriaxone Non-
Outras opções de antibióticos para o tratamen- susceptible Escherichia Coli and Klebsiella spp.) foi um
to de infecções causadas por bactérias produtoras de estudo randomizado e multicêntrico avaliando o tra-
betalactamase AmpC incluem aminoglicosídeos, qui- tamento com piperacilina-tazobactam ou meropenem
nolonas, trimetoprim/sulfametoxazol (e nitrofurantoína em pacientes adultos com bacteremia por Escherichia
para isolados urinários), além da tigeciclina. coli ou Klebsiella pneumoniae resistentes à ceftriaxona

46
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes

ou cefotaxima, porém sensíveis à piperacilina-tazobac- portadores de ESBL. Em estudos observacionais de pa-


tam e meropenem. Identificou-se que 87% das amos- cientes com bacteremia causada por Klebsiella produ-
tras eram ESBL. A mortalidade em 30 dias foi de 12,3% tora de ESBL, o tratamento com imipenem-cilastatina
no grupo tratado com piperacilina-tazobactam em ou meropenem associou-se com mortalidade reduzida
comparação 3,7% no grupo tratado com meropenem. em comparação com outras escolhas. Há menos dados
O resultado desse estudo fornece evidência de que a disponíveis sobre doripenem e ertapenem, mas acredi-
piperacilina-tazobactam não deve ser usada para o tra- ta-se que sua eficácia contra organismos produtores de
tamento de infecções da corrente sanguínea devido a ESBL seja comparável aos carbapenemos mais antigos.
bactérias produtoras de betalactamase ESBL.
Da mesma forma, a cefepime pode ter ativida-
de in vitro contra alguns organismos que transportam
Carbapenemases
ESBL, mas as falhas de tratamento são comuns, e foi Os bacilos gram-negativos produtores de car-
relatado surgimento de resistência durante a terapia. bapenemases são um grande problema emergente. À
Como resultado, estes antibióticos são considerados medida que a prevalência de ESBL e cefalosporinases
inferiores aos carbapenemos para agentes patogênicos transmitidas por plasmídeo aumentou, assim também
produtores de ESBL. cresceu o consumo de carbapenêmicos, promovendo
Poucos dados estão disponíveis sobre a eficácia o surgimento de bactérias resistentes a esta classe de
de outras classes de antibióticos, ou combinações de antimicrobianos através da difusão de carbapenemases
antibióticos, contra organismos produtores de ESBL. A transmitidas por plasmídeos. Este fato suscita grandes
resistência à fluoroquinolona é muito comum em pa- preocupações, devido à resistência a múltiplos medi-
tógenos produtores de ESBL, e ciprofloxacina é inferior camentos observados nesses isolados: para a maioria,
aos carbapenemos, mesmo para o tratamento de iso- apenas colistina, tigeciclina e gentamicina ainda pos-
lados ESBL sensíveis a fluoroquinolonas. A resistência suem uma atividade.
a aminoglicosídeos entre os agentes patogênicos pro- As carbapenemases hidrolizam o mesmo es-
dutores de ESBL também está aumentando e, com a pectro de antimicrobianos que as ESBLs, mas também
possível exceção das infecções do trato urinário, essa hidrolisam cefamicinas e carbapenêmicos. A maioria
classe não deve ser utilizada como monoterapia. A te- também é geralmente pouco inibida pelos inibidores
rapia de combinação que inclui um aminoglicosídeo no de betalactamase. Existem, também, algumas diferen-
tratamento de infecções causadas por patógenos pro- ças entre diferentes famílias de carbapenemases na sua
dutores de ESBL não foi estudada especificamente até capacidade de hidrolisar os diversos betalactâmicos.
à presente data.
As carbapenemases da classe A englobam
As taxas de resistência ao trimetoprim-sulfame- várias famílias, sendo a mais prevalente a família KPC
toxazol também são elevadas, mas esse agente pode (Klebsiella pneumoniae carbapenamases). As carbape-
ser considerado para infecções de baixa gravidade, nemases KPC são mediadas por plasmídeos e hidroli-
como infecções do trato urinário não complicadas de- zam todos os betalactâmicos atualmente disponíveis.
vido a isolados sensíveis. As KPCs são inibidas apenas fracamente por inibidores
A tigeciclina tem pouca penetração no sistema de betalactamases, como tazobactam, e as cepas de
urinário (um sítio comum de infecções gram-negati- KPC geralmente carregam mecanismos adicionais de
vas), e há dados clínicos limitados sobre seu uso contra resistência a inibidores de betalactamases. Os bacilos
organismos produtores de ESBL. Mais importante ain- gram-negativos produtores de KPC também, frequen-
da, as meta-análises de ensaios de não inferioridade temente, possuem outros mecanismos de resistência,
demonstraram aumento da mortalidade e taxas de fa- incluindo resistência a aminoglicosídeos e fluoroqui-
lência do tratamento associadas ao uso de tigeciclina nolonas. As KPCs são encontradas principalmente em
em comparação com outros antibióticos. O risco au- K. pneumoniae, mas também são descritos em outras
mentado foi maior em pacientes tratados com tigeci- Enterobacteriaceae, incluindo Escherichia coli e Klebsiella
clina para pneumonia associada ao ventilador, um uso oxytoca, e em Pseudomonas aeruginosa.
para o qual a US Food and Drug Administration (FDA) As metalobetalactamases incluem várias famí-
não aprovou o medicamento, mas o risco também foi lias de carbapenemases. Essas metalobetalactamases
observado quando a tigeciclina foi usada para indica- hidrolizam todos os betalactâmicos, com exceção do
ções aprovadas pelo FDA. Dessa forma, um aviso na aztreonam, mas a maioria também é resistente ao az-
bula desaconselha o uso de tigeciclina para infecções treonam através de outros mecanismos de resistência.
causadas por organismos para os quais um agente an- Uma nova meto-blactamase , denominada NDM-1 (New
tibiótico alternativo seja disponível. Delhi Metallo-beta-lactamase), foi inicialmente descrita
Os carbapenemos são as drogas de escolha para em um isolado K. pneumoniae em um paciente na Índia,
o tratamento de infecções causadas por patógenos em 2008. Os relatos de Enterobacteriaceae produtoras

47
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

de NDM-1 aumentaram acentuadamente desde 2008, causadas por bactérias resistentes aos carbapenemos.
predominantemente em K. pneumoniae e E. coli, mas Dados experimentais mostram que a enzima KPC pode
também em outras Enterobacteriaceae. Há uma preocu- ter maior afinidade por ertapenem do que por outros
pação significativa de que as Enterobacteriaceae produ- carbapenemos. Portanto, quando administrados em
toras de NDM-1 continuem a se espalhar e tornarem-se conjunto, a KPC inativa preferencialmente o ertapenem,
endêmicas globalmente. O gene NDM-1 é transportado o que dificulta a degradação e melhora a atividade do
em plasmídeos, facilitando a transferência horizontal. outro carbapenêmico concomitante. Em relatos de ca-
Os isolados produtores de NDM-1 são geralmente resis- sos, o ertapenem associado ao doripenem ou merope-
tentes a todos os betalactâmicos, incluindo aztreonam, nem foi utilizado com sucesso para tratar infecções por
bem como a aminoglicosídeos e fluoroquinolonas. K. pneumoniae produtora de KPC e resistentes à colisti-
As carbapenemases de tipo oxacilinases (OXA) na (bacteremia, pneumonia associada à ventilação me-
foram descritas, principalmente, em Acinetobacter bau- cânica e infecção do trato urinário).
mannii, e são raras em outros organismos. A denomina- O tratamento combinado com carbapenem du-
ção aparentemente inofensiva é ilusória, pois apesar da plo é uma opção promissora em infecções por bactérias
oxacilinase haver sido descoberta por sua ação sobre a pan-resistentes, ou seja, resistente aos carbapenêmi-
oxacilina, as OXAs são carbapenemases. cos (CIM > 16 µg/mL e às polimixina (CIM > 2 µg/mL).
Atualmente, não há dados publicados de ensaios A combinação com um terceiro antimicrobiano pode
clínicos randomizados que avaliem as opções de tra- tornar o esquema mais eficaz.
tamento antimicrobiano para infecções por bactérias A colistina (polimixina E) e a polimixina B são
resistentes aos carbapenemos. Grande parte da evidên- consideradas os agentes in vitro mais ativos contra a
cia existente é de revisões de relatos de casos, séries de bactérias produtoras de carbapenemases. Existem vá-
casos e pequenos estudos retrospectivos, que possuem rias vantagens potenciais para o uso de polimixina B em
uma série de limitações inerentes. relação à colistina, muitas das quais decorrem do fato de
A terapia combinada para infecções por bactérias que a colistina é administrada sob a forma da pró-droga
resistentes aos carbapenemos pode diminuir a morta- inativa colistimetato. Apenas uma pequena fração de
lidade em comparação com a monoterapia. Os benefí- colistimetato é convertida em colistina e essa conversão
cios da terapia combinada incluem redução da terapia é lenta, com concentrações máximas ocorrendo ≥ 7 ho-
antimicrobiana inicial inadequada, potenciais efeitos ras após a administração. Como a conversão de colisti-
sinérgicos e supressão da resistência emergente. metato para colistina é lenta e ineficiente em pacientes
com função renal normal, a maioria dos colistimetato é
Os dados farmacocinéticos sugerem que relações
eliminada antes da conversão para colistina. Portanto,
T > CIM (concentração inibitória mínima) almejadas po-
apesar de ser administrado dose inferior, a polimixina
dem ser alcançadas usando carbapenem sob infusão
B pode atingir concentrações séricas de pico mais altas,
prolongada em alta dose quando as CIM dos carbape-
que são alcançadas muito mais rapidamente do que
nemos são relativamente baixas (< 4 μg/mL) ou mesmo
com a colistina. O ajuste renal da dose é necessário para
moderadamente elevadas (8-16 μg/mL). Simulações
a colistina e colistimetato, mas não é necessário para a
demonstraram que meropenem em dose elevada de
polimixina B. O motivo disso é que há uma depuração
(6 g/dia) administrado sob infusão prolongada (acima
renal mínima da colistina, mas o pró-fármaco colisti-
de 4 horas) apresentou alta probabilidade de atingir a
metato é predominantemente eliminado por via renal.
meta até uma CIM de 8-16 μg/mL. Um outro antibiótico
Tal como acontece com a colistina, a polimixina B so-
ativo in vitro deve ser combinado com o carbapenêmico
fre uma reabsorção tubular renal extensa e é eliminada
em dose alta. O imipenem, geralmente, não é utilizado
pela maior parte da depuração não-renal.
para o tratamento de infecções por bactérias resistentes
aos carbapenêmicos, porque seu uso em doses eleva- A seguir, estão as doses recomendadas:
das ou em infusões prolongadas é limitado devido ao „ Polimixina B
maior risco de convulsões e baixa estabilidade à tempe- ƒ Dose ataque: 20-25.000 UI (2-2,5 mg)/kg;
ratura ambiente. ƒ Manutenção: após 12 horas da dose de ata-
Contudo, embora os dados farmacocinéticos que e a cada 12 horas:
pareçam favoráveis, existem apenas dados clínicos li- • CIM < 1 µg/mL: 25.000 UI (2,5 mg)/kg/dia;
mitados que avaliam a eficácia da monoterapia com
• CIM ≥ 1: 30.000 UI (3 mg)/kg/dia.
carbapenem no tratamento das infecções por bactérias
resistentes aos carbapenemos. Para pacientes com in- „ Polimixina E (colistimetato)
fecções graves e/ou que estão criticamente doentes, ƒ Dose ataque: 5 mg/kg;
adicionar outro agente ativo pode aumentar a probabi- ƒ A dose de manutenção é de acordo com
lidade de resposta clínica. o clearence da creatinina (após 12 horas
O tratamento combinado com carbapenem da dose de ataque, dividida em 2-4 vezes
duplo pode ser uma opção efetiva para infecções ao dia).

48
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes

Historicamente, a neurotoxicidade era uma considerada para produtores de carbapenemase com


preocupação importante com o uso de polimixinas, CIM para fosfomicina ≤ 32 μg/mL. Caso o CIM for > 32
manifestando-se, principalmente, como parestesia μg/mL, considerar antimicrobianos ativos in vitro alter-
e ataxia. Atualmente, esse efeito colateral é relatado nativos. Na Europa, é disponível uma formulação de fos-
menos frequentemente, possivelmente pelo fato dos fomicina intravenosa. No Brasil, contamos apenas com a
pacientes discutidos na literatura mais recente serem apresentação oral, que só deve ser usada para infecções
mais criticamente doentes, ventilados e sedados, o que do trato urinário.
pode limitar significativamente a capacidade de de- A gentamicina é geralmente o aminoglicosídeo
tectar neurotoxicidade. No entanto, a nefrotoxicidade mais ativo in vitro contra K. pneumoniae resistente a car-
continua a ser uma preocupação porque continua a bapenem. No entanto, a amicacina pode ser mais ativo
ocorrer em ≥ 40% dos doentes tratados com polimixi- contra outros produtores de carbapenemase. Os dados
nas. Embora a nefrotoxicidade tenha sido relatada com sobre o uso de aminoglicosídeos como monoterapia
uso de colistina e polimixina B, evidências recentes são limitados, e a monoterapia com aminoglicosídeos
sugerem que as taxas de nefrotoxicidade podem ser parece ser mais eficaz no tratamento de infecções do
maiores com o uso de colistina do que com polimixi- trato urinário, sempre como um componente de um
na B (50% a 60% versus 20% a 40%, respectivamente). esquema combinado. Os aminoglicosídeos podem ser
O uso de colistina e polimixina B em doses mais ele- considerados para microrganismos produtores de car-
vadas, que podem ser necessárias para infecções por bapenemase quando a CIM para gentamicina for ≤ 2
bactérias produtoras de carbapenemases, pode estar μg/mL e para amicacina a CIM ≤ 4 μg/mL. Para CIM aci-
associado a maior risco de nefrotoxicidade. Os melho- ma destes valores, deve-se considerar antimicrobianos
res resultados associados às polimixinas em altas doses ativos in vitro alternativos. Quando utilizados, as doses
podem ocorrer às custas da piora da função renal. Para devem ser mais altas que o usual (gentamicina 7-10
a polimixina B, um estudo de coorte retrospectivo de mg/kg/24h; amicacina 15-30 mg/kg/24h).
276 pacientes demonstrou que altas doses (≥ 200 mg/
Para pacientes criticamente doentes ou com
dia) foram associadas de forma independente com me-
infecções profundas, deve-se considerar a terapia
nor mortalidade. No entanto, o uso de ≥ 200 mg/dia
combinada empírica ou direcionada por antibiograma
foi associado a um risco significativamente maior de
com 2 ou mais antimicrobianos. Os dados clínicos que
insuficiência renal grave. Contudo, apesar do desenvol-
apoiam o uso de aminoglicosídeos e fosfomicina são
vimento de disfunção renal moderada a grave, análises
limitados. Se algum desses medicamentos tiver uma
multivariadas mostram que doses ≥ 200 mg/dia ainda
atividade in vitro e seja selecionado para uso (especial-
estavam associadas a diminuição da mortalidade.
mente para infecções fora do trato urinário), devem
A maioria dos isolados de bactérias produtoras ser usados em combinação com outros dois fármacos
de carbapenemase permanece sensível à tigeciclina ativos in vitro, devido ao potencial de emergência de
in vitro, sendo uma alternativa ao esquema carbape- resistência ao tratamento.
nêmico duplo para isolados pan-resistentes (CIM para
polimixina > 2 µg/mL e CIM para carbapenêmico > 16 Nas Tabelas 5.1 e 5.2, apresentamos sugestões
µg/mL). A tigeciclina pode ser mais eficaz para infec- de tratamento.
ções graves por produtores de carbapenemase quan-
do utilizada em doses mais elevadas e em combinação
com outros antibióticos ativos e dependendo da fonte Tabela 5.1: Sugestão de tratamento empírico para bactérias
da infecção (pouca penetração no sistema urinário). A resistentes aos carbapenemos
tigeciclina só deve ser considerada para infecções por
produtores de carbapenemase com CIM para tigeciclina Droga principal Drogas adjuntas
≤ 1 μg/mL. Caso a CIM > 1 μg/mL, considerar antimicro- Corrente ƒ Meropenem em ƒ Aminoglicosideo
bianos ativos in vitro alternativos. sanguínea, dose alta ƒ Tigeciclina
Dados limitados demonstraram que a fosfo- pulmão ƒ Mais polimixina B ƒ Fosfomicina
micina tem atividade contra a K. pneumoniae KPC e
Intra-abdominal ƒ Meropenem em ƒ Fosfomicina
Enterobacteriaceae produtoras da metalobetalactama-
dose alta
se NDM-1. A fosfomicina atinge altas concentrações
urinárias por períodos de tempo prolongados (após ƒ Mais polimixina B
uma única dose de 3 gramas, obtêm-se concentrações ƒ Mais tigeciclina
urinárias de pico > 4.000 μg/mL e estas concentrações Vias urinárias ƒ Meropenem em ƒ Colistina
permanecem acima da CIM até 72 horas). Relatos de ca- dose alta ƒ Aminoglicosideo
sos selecionados demonstraram o sucesso da fosfomici-
ƒ Mais
na oral para o tratamento de infecções do trato urinário
aminoglicosídeos
causadas por Enterobacteriaceae produtoras de KPC e
NDM-1 sensíveis à fosfomicina. A fosfomicina pode ser ƒ Ou fosfomicina

49
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Tabela 5.2: Tratamento direcionado pelo perfil de sensibilidade do antibiograma

Meropenem
ƒ CIM ≤ 16 μg/mL: manter com meropenem em dose alta (2 g a cada 8 horas)
ƒ CIM > 16 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Polimixina B/colistina
ƒ CIM ≤ 2 μg/mL: continuar polimixina B/colistina
ƒ CIM > 2 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Se CIM meropenem > 16 μg/mL e CIM polimixina B/colistina > 2 μg/mL, considerar um regime com doses elevadas de
tigeciclina ou um esquema de carbapenem duplo (meropenem na dose acima mais ertapenem 1 g/dia)
Tigeciclina
ƒ CIM ≤ 1 μg/mL: manter ou acrescentar tigeciclina
ƒ CIM > 1 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Fosfomicina: forma oral apenas para infecções urinárias; não há apresentação endovenosa no Brasil.
ƒ CIM ≤ 32 μg/mL: considerar fosfomicina
ƒ CIM > 32 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Aminoglicosideo
ƒ Gentamicina CIM ≤ 2 μg/mL ou amicacina CIM ≤ 4 μg/mL: considerar aminoglicosideo
ƒ Gentamicina CIM > 2 ou amicacina CIM > 4 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro

Novas Perspectivas para o produtores de ESBL, estando em fase 3 de estudos clíni-


cos. A combinação ceftolozane-tazobactam é susce-
Tratamento de Produtores de tível à hidrólise por enzimas carbapenemases, mas não
Betalactamases é afetada por outros mecanismos de resistência, como
bombas de efluxo e perda de porina. A adição de ta-
zobactam ao ceftolozane proporciona maior atividade
Novas combinações de betalactâmicos contra P. aeruginosa multirresistentes e à maioria das
Enterobacteriaceae produtoras de ESBL.
associados a inibidor de betalactamase
A eravaciclina é um derivado da tetraciclina,
Avibactam é um novo inibidor sintético de beta-
assim como a tigeciclina. Esse agente possui ativida-
lactamase, o qual combinado com a ceftazidima parece
de potente contra várias cepas de bactérias gram-po-
ser tão eficaz quanto os carbapenêmicos no tratamento
sitivas e gram-negativas multirresistentes, incluindo
de infecções urinárias e abdominais complicadas, inclu-
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA),
sive aquelas com isolados resistentes a cefalosporinas Enterobacteriaceae resistente a carbapenem (ERC) e pro-
de terceira geração. A ceftazidima-avibactam tem ati- dutores de ESBL. Estudos in vitro demonstraram a alta
vidade in vitro contra muitas bactérias gram-negativas atividade da eravaciclina contra espécies Acinetobacter
resistentes, incluindo E. coli ou Klebsiella spp produtoras baumannii, incluindo organismos que são resisten-
de ESBL, Enterobacter cloacae resistente a ceftazidima tes a carbapenêmicos, polimixina e cefalosporinas; no
(AmpC) e K. pneumoniae produtora de carbapenema- entanto, não se observou atividade potente contra
se (KPC). A ceftaroline-avibactam mostrou atividade Pseudomonas aeruginosa.
contra Enterobacteriaceae que expressam ESBLs, AmpCs A plazomicina é um novo promissor aminoglico-
e KPCs. sídeo ativo in vitro contra vários microrganismos gram-
A ceftolozane é uma nova cefalosporina com -negativos multirresistentes, incluindo os fenótipos
estabilidade melhorada contra betalactamases AmpC ESBL e AmpC e vários produtores de carbapenemase,
e, combinada com tazobactam, tem eficácia contra excluindo as enzimas NDM-1.

50
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes

Referências Bibliográficas
1. Mehrad B, Clark NM, Zhanel GG, Lynch JP 3rd. Antimicrobial resistance in hospital-acquired gram-negative bacterial
infections. Chest 2015;147(5):1413-21.
2. Marston HD, Dixon DM, Knisely JM, Palmore TN, Fauci AS. Antimicrobial Resistance. JAMA 2016;316(11):1193-204.
3. Ruppé É, Woerther PL, Barbier F. Mechanisms of antimicrobial resistance in Gram-negative bacilli. Ann Intensive Care.
2015 Dec;5(1):61.
4. Fraimow HS1, Tsigrelis C. Antimicrobial resistance in the intensive care unit: mechanisms, epidemiology, and
management of specific resistant pathogens. Crit Care Clin. 2011 Jan;27(1):163-205.
5. Morrill HJ, Pogue JM, Kaye KS, LaPlante KL. Treatment Options for Carbapenem-Resistant Enterobacteriaceae
Infections. Open Forum Infect Dis. 2015 May 5;2(2):ofv050.
6. Harris PNA, Tambyah PA, Lye DC, et al. MERINO Trial Investigators and the Australasian Society for Infectious Disease
Clinical Research Network (ASID-CRN). Effect of Piperacillin-Tazobactam vs Meropenem on 30-Day Mortality for
Patients With E coli or Klebsiella pneumoniae Bloodstream Infection and Ceftriaxone Resistance: A Randomized
Clinical Trial. JAMA. 2018;320:984-94.
7. Kish T. New Antibiotics in Development Target Highly Resistant Gram-Negative Organisms. P T. 2018;43:116-120.

51
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

52
Sepse 6

André Japiassú
Achilles Rohlfs Barbosa
Denise Medeiros

Epidemiologia Tabela 6.2: Agentes etiológicos identificado em todo o


mundo no estudo EPIC II
A sepse é uma das condições mais frequentes no Gram-negativos ~62%
mundo inteiro para internação em unidade de terapia
intensiva. E nos últimos 40 anos, a incidência d sepse Pseudomonas ~20%
aumentou substancialmente. Um estudo de prevalência Escherichia coli 16%
pontual envolvendo 1690 UTIs adultas brasileiras, anali- Klebsiella ~13%
sando dados de 794 casos de sepse, identificou cerca de
Acinetobacter ~9%
30 pacientes sépticos por 100 leitos de UTI. A incidência
de sepse na UTI foi de 36,3 por 1.000 pacientes-dia e a Enterobacter 7%
mortalidade observada foi de 55,7%. O estudo SPREAD Gram-positivos ~47%
projetou uma incidência 290 pacientes por100.000 habi- Staphylococcus aureus 20,5%
tantes de casos adultos de sepse tratada na UTI por ano,
o que resulta em cerca de 420.000 casos anualmente no MRSA ~10%
Brasil, dos quais 230.000 morrem no hospital. Anaeróbios 4,5%
O foco infeccioso presente nos casos de sepse Fungos ~19%
analisados pelo estudo SPREAD encontrou a distribui- Candida 17%
ção mostrada na Tabela 6.1.
Algumas variações na distribuição etiológica dos
casos de infecção internados em UTI foram observadas.
Tabela 6.1: Distribuição dos focos infecciosos em casos de
Por exemplo, a frequência S. aureus (incluindo MRSA)
sepse no Brasil
foi maior na América do Norte e bactérias gram-nega-
Foco infeccioso Frequência tivas multirresistentes como Klebsiella, Pseudomonas,
Acinetobacter foram mais frequentes na Europa Oriental,
Pulmão 61%
América do Sul e Central, África e Ásia, ou seja, nas re-
Intra-abdominal 14% giões mais pobres do planeta.
Trato urinário 9%
Outros 15% Fisiopatogenia
O endotélio é, no seu conjunto, um órgão que
Etiologia abrange uma área de quase 1.000 m2 e tem importantes
papéis na regulação do tônus vasomotor, da movimen-
O estudo EPIC II recrutou 1265 UTIs em 75 países tação das células e nutrientes para dentro e para fora
nos sete continentes. No dia do estudo, 14.414 pacien- dos tecidos, do sistema de coagulação e do equilíbrio
tes estavam presentes nas UTIs participantes, sendo da sinalização inflamatória/anti-inflamatória. Na sepse,
13.796 pacientes adultos. Desses, 7.087 (51%) foram alterações profundas do endotélio, incluindo aumento
classificados como portadores de infecção no dia do es- da adesão leucocitária, uma mudança para um estado
tudo. A etiologia geral encontrada no EPIC II é mostrada procoagulante, vasodilatação e alterações da permeabi-
na Tabela 6.2. lidade endotelial, levam a edema tecidual generalizado.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Na microcirculação observa-se a obstrução da luz A encefalopatia é um achado clínico precoce e co-


dos capilares por microtrombos. A obstrução microvas- mum na sepse grave, que pode variar desde uma con-
cular causada pelos microtrombos determina isquemia centração levemente comprometida até coma profundo.
distal e hipóxia tecidual. Normalmente, os anticoagu- O delirium, avaliado pelo método CAM-ICU, é muito co-
lantes naturais (proteína C e proteína S), a antitrombina mum e relaciona-se de forma independente com mor-
III e o inibidor da via do fator tecidual (TFPI) diminuem a talidade e déficits neurocognitivos de longa duração. A
coagulação, aumentam a fibrinólise e removem micro- infecção pode causar encefalopatia como um resultado
trombos. Na sepse, contudo, observa-se a diminuição direto da infecção do sistema nervoso central, porém,
dos níveis de todos estes fatores anticoagulantes, além mais frequentemente, tem fisiopatogenia similar à dis-
de ocorrer uma inibição da fibrinólise. A consequên- função dos outros órgãos na sepse. A disfunção endote-
cia clínica das alterações na coagulação causadas pela lial sistêmica compromete a barreira hematoencefálica,
sepse é a coagulação intravascular disseminada (CIVD), permitindo que citocinas e células inflamatórias entrem
com disfunção orgânica generalizada. no cérebro, causando edema perivascular, estresse oxida-
Os capilares pulmonares mais permeáveis resul- tivo, leucoencefalopatia e alterações generalizadas dos
tam no acúmulo de edema rico em proteínas nos espa- neurotransmissores. A disfunção hepática e renal conco-
ços intersticiais do pulmão e, na presença de disfunção mitante também podem contribuir para a encefalopatia
da barreira epitelial induzida por sepse, o edema inters- da sepse. Além disso, a coagulopatia e a autorregulação
ticial inunda os alvéolos. Essas alterações resultam em deficiente do sangue cerebral podem, juntas, produzir
desequilíbrio da relação ventilação/perfusão, hipoxemia áreas de isquemia e hemorragia encefálicas.
arterial e redução da complacência pulmonar, ou seja: Finalmente, o estado pró-inflamatório precoce
síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). na sepse frequentemente se transforma em um estado
O epitélio intestinal torna-se mais permeável na tardio e prolongado de disfunção do sistema imunoló-
presença da hipercitocinemia. Esse aumento da per- gico. Baços obtidos na necrópsia de pacientes interna-
meabilidade desencadeia um ciclo vicioso de translo- dos em UTI, que estavam com sepse em atividade ao
cação bacteriana, lesão intestinal por conteúdo luminal morrer, mostram grande depleção de linfócitos T CD8 e
(incluindo enzimas pancreáticas ativadas – autodiges- CD4, e os esplenócitos remanescentes mostram redu-
tão) e agravamento da inflamação sistêmica que pode ções acentuadas na produção estimulada de citocinas. A
perpetuar a disfunção de múltiplos órgãos. perda de linfócitos T CD8 impede de forma importante
No fígado, a sepse prejudica a eliminação da bi- a habilidade desses pacientes de montar uma resposta
lirrubina pelos hepatócitos, levando a colestase, além imune apropriada a infecções superpostas. De fato, vá-
de também determinar alterações de muitas outras rios vírus (incluindo o citomegalovírus, o vírus Epstein-
funções hepáticas cruciais, incluindo o transporte e Barr, o vírus herpes simplex e o herpesvírus humano 6)
processamento de lipídios de patógenos entéricos, esti- são frequentemente reativados durante a sepse. Assim,
mulando ainda mais a inflamação sistêmica. não é surpreendente que na sepse prolongada haja uma
A insuficiência renal aguda (IRA) é comum na tendência para a infecção subsequente com outros mi-
sepse grave e aumenta substancialmente o risco de mor- crorganismos menos patogênicos.
te. Embora no passado a IRA séptica tenha sido atribuída
à redução da perfusão renal e da necrose tubular gene-
ralizada, poucas evidências sustentam a noção de que Definição de Sepse
qualquer um desses mecanismos seja comum ou grave Uma conferência de consenso entre o American
o suficiente na sepse para explicar o grau profundo de College of Chest Physicians (ACCP) e a Society of Critical
comprometimento renal. Diferentemente da lesão re-
Care Medicine (SCCM) foi realizada em agosto de 1991,
nal isquêmica, caracterizada por apoptose ou necrose
com o objetivo de chegar a um conjunto de definições
tubular, a IRA induzida pela sepse caracteriza-se por cé-
que pudessem ser aplicadas a pacientes com sepse. A
lulas epiteliais tubulares renais saudáveis ou com lesões
resposta sistêmica à infecção foi, então, denominada
reversíveis. Novas evidências sugerem que a resposta in-
sepse. Essa resposta sistêmica foi caracterizada clini-
flamatória durante a sepse provoca uma resposta adap-
camente como a presença de dois ou mais dos sinais
tativa das células epiteliais tubulares. Essas alterações
da denominada Síndrome da Resposta Inflamatória
induzem uma regulação negativa da função celular, a fim
Sistêmica (SIRS): febre ou hipotermia, taquicardia, ta-
de minimizar a demanda de energia e garantir a sobrevi-
quipneia e leucocitose ou leucopenia.
vência das células. Isso pode ser obtido através de uma
resposta adaptativa das células tubulares caracterizada Em 2001, uma conferência internacional, envol-
pela função celular tubular reduzida. Essa resposta pode vendo um número bem maior de sociedades médicas,
ser orquestrada pelas mitocôndrias, limitando os danos ampliou a lista dos sinais de inflamação sistêmica em
e fornecendo às células a oportunidade de recuperar a resposta a infecção (Tabela 6.3).
função ao priorizar a energia existente para funções que Contudo, em fevereiro de 2016, a European
são necessárias à sobrevivência da célula. Society of Intensive Care Medicine (ESICM) e a americana

54
Sepse

Tabela 6.3: Critérios diagnósticos para sepse da conferência de 2001


Variáveis hemodinâmicas Variáveis gerais
Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg, PAM < 70 ou queda da Febre (temperatura central > 38,3 °C)
PAS > 40 mmHg) Hipotermia (temperatura central < 36 °C)
SvO2 > 70% Frequência cardíaca > 90 bpm
Índice cardíaco > 3,5 L/min/m2 Taquipneia
Variáveis de disfunção orgânica Alteração do nível de consciência
Hipoxemia arterial (PaO2/FIO2 < 300) Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg
Oligúria aguda (débito urinário < 0,5 mL/kg/h durante pelo em 24 horas)
menos 2 horas) Hiperglicemia (glicemia > 120 mg/dL) na ausência
Aumento da creatinina aumenta > 0,5 mg/dL de diabetes
Anormalidades de coagulação (INR > 1,5 ou aPTT > 60 seg.) Variáveis Inflamatórias
Íleo (ausência de ruídos peristálticos)
Leucocitose (> 12.000/mm3)
Trombocitopenia (contagem de plaquetas < 100.000/mm3)
Leucopenia (< 4.000/mm3)
Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total > 4 mg/dL)
Contagem leucocitária normal com > 10% de formas
Variáveis de perfusão tecidual imaturas
Hiperlactatemia (1 mmol/L) Proteína C reativa sérica elevada
Diminuição do tempo de enchimento capilar ou livedo Procalcitonina acima do valor normal

SCCM publicaram novas definições consensuais de Para chegar a essa definição, a força-tarefa ava-
sepse. A sepse deixou de ser considerada apenas uma liou quais critérios clínicos identificaram melhor os pa-
resposta inflamatória à infecção, passando a ser defini- cientes infectados com maior probabilidade de terem
da como a presença de disfunção orgânica em resposta sepse. Esse objetivo foi alcançado através da análise de
à infecção, conforme avaliado por um aumento de dois dados de registros eletrônicos de saúde de cerca de 150
pontos no escore SOFA basal (Sequential Organ Failure mil pacientes com suspeita de infecção. Nesses pacien-
Assessment – Tabela 6.4). Para pacientes nos quais tes, foi avaliada a concordância entre os escores de infla-
o SOFA basal é desconhecido, o escore é assumido como mação (SIRS) ou disfunção orgânica (SOFA), delineando
zero. Uma vez que a presença de disfunção orgânica sua correlação com resultados subsequentes (validade
passou a ser indispensável para a definição de sepse, a preditiva). Além disso, a regressão multivariada foi utili-
denominação sepse grave tornou-se redundante e foi, zada para explorar o desempenho de 21 critérios labo-
portanto, eliminada. A definição de choque séptico pas- ratoriais e clínicos propostos pela força tarefa de 2001.
sou a ser sepse com hipotensão persistente, necessitan- Curiosamente, fora da UTI a presença de dois ou
do vasopressores para manter a PAM ≥ 65 mmHg, além mais dos sinais de um modelo simples, incluindo altera-
de um nível de lactato sérico > 2 mmol/L (18 mg/dL), ção do estado mental, pressão arterial sistólica menor ou
apesar da ressuscitação volêmica adequada. Com esses igual a 100 mmHg e frequência respiratória elevada (≥
critérios, a mortalidade hospitalar é superior a 40%. 22 irpm) apresentou validade preditiva estatisticamente

Tabela 6.4: Escore SOFA

Sistema 0 1 2 3 4
PaO2/FiO2 ≥ 400 < 400 < 300 < 200 c/ VM < 100 c/VM
Plaquetas (x10 /mm )
3 3
≥ 150 < 150 < 100 < 50 < 20
BT (mg/dL) < 1,2 1,2-1,9 2-5,9 6-11,9 > 12
Dopamina
Dopamina Dopamina > 15
5-15 µg/kg/min
< 5µg/kg/min
Hemodinâmica PAM ≥ 70 PAM < 70 Adrenalina ou
Adrenalina ou
ou dobutamina noradrenalina
noradrenalina
(qualquer dose) > 0,1 µg/kg/min
≤ 0,1 µg/kg/min
Glasgow 15 13-14 10-12 6-9 <6
Creatinina (mg/dL) < 1,2 1,2-1,9 2-3,4 3,5-4,9 >5

VM = ventilação mecânica; BT = bilirrubina total; PAM = pressão arterial média.

55
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

maior do que o escore SOFA na identificação de pacien-


tes com infecção sob maior risco de morte. Esse escore foi
Tratamento
denominado quick SOFA (qSOFA). Por não necessitar de Em 2001, o Dr. Emanuel Rivers surpreendeu o
exames laboratoriais e por seu desempenho melhor em mundo com a redução da mortalidade de 42% em
ambientes que não a UTI, a força-tarefa recomendou o pacientes com sepse cujo tratamento foi guiado pela
uso de um escore qSOFA de 2 pontos ou mais para identi- mensuração contínua da saturação venosa central de
ficar pacientes com possibilidade de estar com sepse em oxigênio (SvcO2). Ambos grupos recebiam reanimação
contextos fora da UTI, tais como extra-hospitalar, setores volêmica até atingir uma pressão venosa central de 8
de emergência e enfermaria. Deve-se reforçar, contudo, a 12 mmHg. Se a PAM continuasse inferior a 65 mmHg,
que o qSOFA não identifica pacientes com sepse, mas vasopressores eram iniciados. Em um dos grupos, além
apenas indica aqueles que necessitam de maior inves- dessas metas, objetivava-se também uma SvcO2 mínima
tigação laboratorial para pesquisar disfunção orgânica de 70% após correção da volemia e da hipotensão. Caso
que venha a caracterizar a sepse. essa SvcO2 fosse menor que 70%, esse grupo recebia
Contudo, o requisito de dois critérios de qSOFA transfusão de concentrado de hemáticas para atingir
como sinal de alarme pode levar a descuidar de pacien- um hematócrito de pelo menos 30%. Após otimização
te com infecção e apenas um distúrbio fisiológico do da PVC, PAM e hematócrito, se a SvcO2 continuasse infe-
qSOFA. Por exemplo, um paciente com pneumonia e rior a 70%, iniciava-se a infusão de dobutamina.
apenas PAS de 90 mmHg; ou um paciente com pielone- Ao longo dos anos seguintes, essa estratégia, de-
frite e apenas FR de 28 irpm, ou ainda um paciente com nominada Early Goal-Directed Therapy (EGDT), foi com-
celulite e apenas rebaixamento do nível de consciência. pletamente escrutinizada. Sabe-se, atualmente, que a
Nenhuma dessas situações pode levar a baixar o nível reanimação volêmica não é confiável guiando-se por
de atenção para a possibilidade de o paciente ter sepse. PVC ou mesmo pela pressão de oclusão da artéria pul-
Mesmo apenas 1 critério qSOFA atribuível à sepse justi- monar (POAP), que o melhor tipo de fluido para reani-
fica ações diagnósticas e terapêuticas imediatas. mação volemia são os cristaloides (SAFE, 6S, CHEST), a
Outra importante crítica a esse novo consenso de PAM alvo na sepse é realmente 65 mmHg (SESPSISPAM),
definição de sepse é a ausência dos níveis de lactato sé- a hemoglobina gatilho para transfusão é de 7g/dL
rico como definição de sepse. Uma razão para esta au- (TRISS) e, mais importante, o tratamento guiado pela
sência pode ser porque os níveis séricos de lactato não monitorização contínua da SvcO2 não diminui a morta-
foram medidos comumente no banco de dados utiliza- lidade (ProCESS, ARISE, ProMISe)
do para definir os novos critérios. Contudo, quando os A Surviving Sepsis Campaign, na sua atualização
níveis de lactato sérico foram adicionados post hoc ao de 2018, recomenda que, ao diagnosticar um paciente
qSOFA no conjunto de dados, observou-se que nos pa- com sepse, deve-se iniciar antibioticoterapia dentro da
cientes com escore qSOFA = 1, a adição de um nível de primeira hora após o diagnóstico, reanimação volêmica,
lactato sérico maior ou igual a 2,0 mmol/L (18 mg/dL) vasopressores caso necessário, além de solicitar uma do-
identificou aqueles com um perfil de risco semelhante sagem de lactato, colher hemocultura e outras culturas
àqueles com 2 pontos de qSOFA. caso indicadas. Pode ser necessário mais de 1 hora para
Mais recentemente, outras ferramentas de tria- que a reanimação seja concluída, mas o início da reani-
gem foram analisadas e têm acurácia semelhante ou mação e tratamento, bem como a obtenção de exames
mesmo superior à SIRS e ao qSOFA. O escores de alerta básicos, devem ser iniciados imediatamente.
para sinais vitais (early warning signs - EWS) reúnem fre- A reanimação volêmica inicial no paciente com
quência cardíaca, frequência respiratória, temperatura sepse e hipotensão e/ou lactato elevado deve ter sido
corporal, além de pressão arterial e nível de consciên- concluída dentro de 3 horas do diagnóstico. As dire-
cia. Esses escores são usados há 20 anos em setores de trizes recomendam que esta deve consistir em 30 mL/
emergências e de enfermarias, e são parte da rotina de kg de cristaloide endovenoso. Embora pouca literatura
triagem e monitoramento clínico em muitos hospitais. inclua dados controlados para apoiar esse volume, es-
O Surviving Sepsis Campaign coloca como opcional seu tudos intervencionais recentes descreveram isso como
uso na triagem da sepse. Há evidência recentes que o prática usual nos estágios iniciais da ressuscitação, e as
escore original MEWS (modified early warning signs) evidências observacionais são favoráveis. Como evi-
acima de 5-6 pontos e o escore NEWS (national early dências indicam que um balanço hídrico positivo sus-
warning signs) acima de 7 pontos apresentam boa sen- tentado durante a permanência na UTI é prejudicial, a
sibilidade e especificidade quando comparados aos cri- administração de fluidos além da ressuscitação inicial
térios clássicos de sepse. requer uma avaliação cuidadosa da probabilidade de o
Um fluxograma que leva em consideração essas paciente permanecer responsivo a fluidos.
falhas da nova definição de sepse, além de particula- A noradrenalina é o vasopressor de primeira
ridades da epidemiologia brasileira, é apresentado na escolha, titulada para obter uma PAM alvo de 65 mm
Figura 6.1. Hg. Caso haja refratariedade, pode-se adicionar vaso-
pressina (até 0,03 U/min) ou adrenalina, se necessário

56
Sepse

Manter atenção, pois paciente


tem risco de vida

Figura 6.1: Sugestão de fluxo de atendimento para pacientes com suspeita de sepse.

para corrigir o choque. Nos casos de hipoperfusão per- com reanimação hemodinâmica guiada por lactato. Se
sistente apesar de vasopressor e reanimação volêmica o lactato inicial estiver elevado (> 2 mmol/L), ele deverá
adequada, deve-se considerar dobutamina. O uso de ser medido em 2 a 4 horas para guiar a necessidade de
vasopressor deve ser avaliado também na 1ª hora de medidas adicionais de reanimação.
avaliação do paciente, após abertura do protocolo de A polêmica quanto ao uso de corticosteroide na
diagnóstico e tratamento. Sua indicação mais precoce sepse, que parecia resolvida com o estudo CORTICUS,
deve ser útil quando o paciente não responde rapida- que não identificou diferença na mortalidade, mas ape-
mente à infusão de cerca de 30 ml/kg de cristaloides nas uma reversão mais rápida do choque no grupo que
(em torno de 1 a 1,5 L em paciente adulto médio). utilizou corticoide (hidrocortisona 50 mg EV a cada 6 ho-
Ensaios clínicos randomizados e controlados de- ras por 5 dias), voltou a reacender-se com a publicação
monstraram uma redução significativa na mortalidade em 2018 de dois estudos com resultados contraditórios.

57
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Enquanto no estudo ADRENAL pacientes com choque associado a fludrocortisona em pacientes com choque
séptico recebendo hidrocortisona não apresentaram di- séptico observou um menor mortalidade no grupo que
ferença na mortalidade quando comparados ao grupo recebeu a combinação de corticoides: mortalidade com
controle (apesar de uma resolução mais rápida do cho- 90 dias de 43% no grupo hidrocortisona/fludrocortiso-
que no grupo que recebeu hidrocortisona), o estudo na versus 49% no grupo placebo (RR 0,88; IC 95% 0,78 a
APPROCHSS, ao testar a combinação de hidrocortisona 0,99; P = 0,03).

Referências Bibliográficas
1. Gotts JE, Matthay MA. Sepsis: pathophysiology and clinical management. BMJ. 2016 May 23;353:i1585.
2. Machado FR, Cavalcanti AB, Bozza FA, Ferreira EM, Angotti Carrara FS, Sousa JL, et al. SPREAD Investigators; Latin
American Sepsis Institute Network. The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence
Assessment Database, SPREAD): an observational study. Lancet Infect Dis. 2017;17:1180-89.
3. Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, et al. EPIC II Group of Investigators. International study of the
prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA 2009;302:2323-9.
4. Russell JA. Management of sepsis. N Engl J Med 2006;355:1699-713.
5. Zarbock A, Gomez H, Kellum JA. Sepsis-induced acute kidney injury revisited. Curr Opin Crit Care 2014; 20: 588-595.
6. Bone RC, Balk RA, Cerra FB, Dellinger RP, Fein AM, Knaus WA, et l. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines
for the use of innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee. American College of Chest
Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest 1992;101:1644-55.
7. Levy MM, Fink MP, Marshall JC, Abraham E, Angus D, Cook D, et al. For the International Sepsis Definitions Conference.
2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med 2003;31:1250-56.
8. Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus
Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA 2016;315:801-10.
9. Seymour CW, Liu VX, Iwashyna TJ, Brunkhorst FM, Rea TD, Scherag A, et al. Assessment of Clinical Criteria for SepsisFor the
Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA 2016;315:762-74.
10. Machado FR, Nsutebu E, AbDulaziz S, Daniels R, Finfer S, Kissoon N, et al. Sepsis 3 from the perspective of clinicians and
quality improvement initiatives. J Crit Care 2017;40:315-17.
11. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J
Med 2001;345:1368-77.
12. Kumar A, Anel R, Bunnell E, Habet K, Zanotti S, Marshall S, et al. Pulmonary artery occlusion pressure and central venous
pressure fail to predict ventricular filling volume, cardiac performance, or the response to volume infusion in normal subjects.
Crit Care Med 2004;32:691-9.
13. The SAFE Study Investigators. A comparison of albumin and saline for fluid resuscitation in the intensive care unit. N Engl J
Med 2004;350:2247-56.
14. Perner A, Haase N, Guttormsen AB, et al. Hydroxyethyl starch 130/0.42 versus Ringer’s acetate in severe sepsis. N Engl J Med
2012;367:124-34.
15. Myburgh JA, Finfer S, Bellomo R, et al. Hydroxyethyl starch or saline for fluid resuscitation in intensive care. N Engl J Med
2012;367:1901-11.
16. Asfar P, Meziani F, Hamel J-F, et al. High versus low blood-pressure target in patients with septic shock. N Engl J Med 2014; 370:1583-93.
17. Holst LB, Haase N, Wetterslev J, et al. Lower versus higher hemoglobin threshold for transfusion in septic shock. N Engl J Med
2014;371:1381-91.
18. The ProCESS Investigators. A randomized trial of protocolbased care for early septic shock. N Engl J Med 2014;370:1683-93.
19. ARISE Investigators, ANZICS Clinical Trials Group. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N EnglJ
Med 2014;371:1496-506.
20. Mouncey PR, Osborn TM, Power GS, et al. Trial of early, goal-directed resuscitation for septic shock. N Engl J Med 2015; 372:1301-11.
21. Levy MM, Evans LE, Rhodes A. The Surviving Sepsis Campaign Bundle: 2018 Update. Crit Care Med 2018;46:997-1000.
22. Sprung CL, Annane D, Keh D, et al. Hydrocortisone therapy for patients with septic shock. N Engl J Med 2008;358:111-24.
23. Venkatesh B, Finfer S, Cohen J, et al. Adjunctive glucocorticoid therapy in patients with septic shock. N Engl J Med 2018;378: 797-808.
24. Annane D, Renault A, Brun-Buisson C, et al. Hydrocortisone plus fludrocortisone for adults with septic shock. N Engl J Med
2018; 378: 809-18.
25. Siddiqui E, Jokhio AA, Raheem A, et al. The Utility of Early Warning Score in Adults Presenting With Sepsis in the Emergency
Department of a Low Resource Setting. Cureus 2020; 12(7):e9030.
26. Evans L, Rhodes A, Alhazzani W, Antonelli M, Coopersmith CM, French C, et al. Surviving sepsis campaign: international
guidelines for management of sepsis and septic shock 2021. Intensive Care Med 2021; 47:1181-247.

58
Pneumonia Adquirida na 7
Comunidade Grave

André Japiassú
Denise Medeiros
Kelson Veras

Introdução etiológica extensiva foram utilizados para determinar


a incidência e as causas microbiológicas da pneumonia
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima adquirida na comunidade (PAC) que requeriam hospita-
que a infecção do trato respiratório inferior é a causa lização em 2.488 pacientes adultos. A investigação etio-
infecciosa mais comum da morte no mundo (a terceira lógica envolveu cultura bacteriana, pesquisa de antígeno
causa mais comum em geral), com quase 3,5 milhões urinário para Legionella pneumophila e Streptococcus
de mortes por ano. Juntos, a pneumonia e a gripe cons- pneumoniae, PCR para Legionella, Enterobacteriaceae,
tituem a nona principal causa de morte nos Estados Haemophilus influenzae, Pseudomonas, Staphylococcus
Unidos, resultando em 50 mil mortes estimadas em aureus, Streptococcus anginosus, S. mitis, S. Pneumoniae,
2010. Ademais, é a infecção que mais leva a admissão S. Pyogenes, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila
hospitalar e à UTI. pneumoniae, testes microbiológicos para fungos e mi-
O coeficiente de mortalidade por pneumo- cobactérias, PCR para adenovírus, coronavírus, metap-
nia difere conforme a faixa etária. No Brasil, a taxa de neumovírus humano, rinovírus humano, vírus influenza
A e B, vírus parainfluenza e vírus sincicial respiratório.
mortalidade por pneumonia em pessoas com mais de
Adicionalmente, foram realizados testes sorológicos
80 anos está acima de 500/100.000 habitantes. Os me-
para adenovírus, metapneumovírus humano, vírus in-
nores coeficientes estão nas faixas etárias entre 5 e 49
fluenza A e B, vírus parainfluenza e vírus sincicial respi-
anos (menos de 10/100.000 habitantes), sendo que, en-
ratório em amostras pareadas de soro de fase aguda e
tre os menores de 5 anos, o coeficiente é de cerca de
de fase convalescente.
17/100.000 habitantes.
Entre os pacientes com pneumonia confirma-
No Brasil, como em outros países, houve uma re-
da, a identificação de um patógeno só foi possível em
dução significativa das taxas de mortalidade por infec-
38% dos casos. Nos casos em que houve identificação
ções do trato respiratório, apesar de inferior nas últimas
de um patógeno, estes eram virais em 24%, bacterianos
décadas. Dentre as pneumonias, a pneumonia adqui-
em 14% e fungos ou micobactérias em 1%. Os agentes
rida na comunidade (PAC) persiste como a de maior
patogênicos mais comuns foram rinovírus (9%), influen-
impacto e é a terceira causa de mortalidade no nosso
za A ou B (6%) e Streptococcus pneumoniae (5%). Os
meio. Embora o número absoluto de mortes no Brasil
próximos quatro patógenos em termos de frequência
tenha crescido devido ao aumento da população e ao
foram vírus, e estes foram seguidos por micoplasma,
seu envelhecimento, quando a taxa de mortalidade por
Staphylococcus aureus, adenovírus, Legionella e alguns
PAC é padronizada por idade, observa-se uma queda de
outros. Uma condição comórbida subjacente estava
25,5% no período compreendido entre 1990 e 2015.
presente em 78% dos pacientes, tais como doença pul-
monar crônica, doença cardíaca crônica, imunossupres-
Etiologia são, diabetes e distúrbios renais, hepáticos, esplênicos
ou neurológicos crônicos. Apenas 24% dos pacientes
O estudo Etiology of Pneumonia in the Community haviam recebido a vacina contra a gripe sazonal e, entre
(EPIC) do Centers for Disease Control and Prevention os adultos com idade superior a 65 anos, apenas 44%
(CDC) foi um estudo de vigilância ativa populacio- haviam sido vacinados contra pneumococos, eviden-
nal prospectivo e multicêntrico nos Estados Unidos. ciando o potencial de pneumonias evitáveis caso os pa-
Confirmação radiográfica e metodologia diagnóstica cientes fossem adequadamente imunizados.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

O achado mais notável foi a identificação de um em UTI) relatam isolamento bacteriano puro entre 26 a
patógeno em apenas 38% dos casos de PAC confirma- 43%, isolamento viral puro entre 10 a 36,4%, isolamen-
dos clínica e radiologicamente, apesar de uma bateria tos bacterianos-virais mistos entre 9,1 a 39% e ausência
detalhada e ampla de testes que excediam o que ge- de patógenos isolados entre 8 a 32,8%. O rinovírus e
ralmente pode ser realizado fora de uma investigação vírus influenza têm sido os vírus mais comumente iso-
clínica. Entre os motivos para esse achado, há a possi- lados em pacientes com PAC grave.
bilidade de os pacientes terem recebido antibiotico-
terapia antes da hospitalização. Contudo, também é
possível que achados radiográficos em pacientes com Diagnóstico
doenças cardiopulmonares crônicas sejam confundidos O diagnóstico de PAC não é difícil em pacientes
com pneumonia. Essa possibilidade, associada à pre- que não possuem doença cardiopulmonar subjacente.
ponderância de patógenos virais nesses casos de PAC, Uma tríade de (1) evidência de infecção (febre ou ca-
ressalta o quanto se usa antibioticoterapia empírica de lafrios e leucocitose), (2) sinais ou sintomas localizados
forma desnecessária na prática clínica diária. no sistema respiratório (tosse, aumento da produção
No entanto, o estudo EPIC falhou em não in- de escarro, dispneia, dor torácica ou ausculta pulmonar
cluir nos testes de PCR multiplex em tempo real os anormal) e (3) um infiltrado novo ou progressivo na ra-
patógenos bacterianos típicos (Streptococcus pneu- diografia torácica, geralmente, identifica com precisão
moniae, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, um paciente com PAC. A confusão pode ser o único sin-
Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Klebsiella pneumo- toma de apresentação em pacientes idosos, levando a
niae, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii), um atraso no diagnóstico.
os quais só foram pesquisados em amostras de derrame
pleural. Um estudo posterior, embora de menor propor-
ção, avaliou 323 pacientes adultos hospitalizados com Exames de imagem
PAC, incluindo a pesquisa desses patógenos por PCR Em pacientes com neoplasia pulmonar, fibrose
multiplex em amostras respiratórias desses pacientes pulmonar ou outras doenças pulmonares infiltrativas
(96% das amostras eram escarro e 4% eram aspirados crônicas ou insuficiência cardíaca congestiva, o diag-
endotraqueais), utilizando um teste que pesquisava 26 nóstico de PAC pode ser muito difícil. As apresentações
tipos de bactérias e vírus respiratórios. Em evidente con- atípicas também complicam o diagnóstico. Infiltrados
traste com os resultados do EPIC, foram detectadas bac- em radiografias também podem ser sutis: um radio-
térias nas amostras de 231 (71,5%) pacientes. Incluindo logista pode não identificar infiltrados em até 15% dos
os resultados dos vírus respiratórios, a detecção geral de casos e dois radiologistas que leem a mesma radiografia
patógenos por testes moleculares aumentou para 86,7% de tórax discordam em 10% dos casos.
(Figura 7.1). Comparado com os resultados apenas das A PAC pode ser diagnosticada e acompanha-
culturas das amostras respiratórias que identificaram um da por ultrassonografia pulmonar, uma técnica que
patógeno bacteriano em 39,3% pacientes, esse estudo mostra excelente sensibilidade e especificidade, no mí-
demonstrou que o uso de uma abordagem abrangen- nimo comparável àquelas da radiografia de tórax em
te de testes moleculares multibacterianos e multivirais dois planos. O US pulmonar pode ser realizado com
aproximadamente duplica a detecção de patógenos em qualquer equipamento de ultrassonografia. O US pul-
pacientes com PAC (39,3% para 86,7%). monar é uma ferramenta de diagnóstico prontamen-
Alguns poucos estudos com número pequeno te disponível que não envolve exposição à radiação e
de pacientes com PAC grave (requerendo internação possui aplicações amplas, especialmente em situações
onde o raio-X não está disponível e/ou não é aplicável.
100 A imagem ultrassonográfica dos pulmões na
90 86,7%
consolidação alveolar é caracterizada por um padrão
80
71,5% ultrassonográfico semelhante ao do fígado (hepati-
70
60
zação pulmonar). O broncograma aéreo localizado
50 dentro de uma área de consolidação consiste em ima-
40 gens de forma linear hipercoicas. Conforme com seu
30,3% status, ele é dividido em broncograma aéreo estático e
30
20 dinâmico. O broncograma aéreo estático, geralmente,
10 é produzido em atelectasias. É causada por ar aprisio-
0 nado dentro de uma área do pulmão que não é mais
Bactérias Vírus Qualquer patógeno
aerada, criando artefatos estáticos. O broncograma de
Figura 7.1: Proporção de patógenos bacterianos e ar estático pode ser revelado pela ausência de movi-
virais encontrados com uso de PCR multiplex em amostras mentos pulmonares dinâmicos durante a respiração.
respiratórias de pacientes com PAC. O broncograma aéreo dinâmico é produzido em áreas

60
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave

ventiladas do pulmão e é causado pela presença de ar identificados no trato respiratório durante a pneumo-
dentro dos brônquios, que depois se movem de acor- nia ainda é discutível, uma vez que os vírus respiratórios
do com a respiração do paciente. Nunca é produzido podem estar presentes em indivíduos adultos assinto-
em atelectasias, mas pode ser visto em 60% dos casos máticos. Assim, resultados positivos para vírus na PCR
de consolidação alveolar infecciosa. não excluem a possibilidade de que a pneumonia bac-
teriana esteja presente.
A detecção por PCR de bactérias em amostras
Exames microbiológicos respiratórias também é problemática. Na maioria dos
Embora a cultura de escarro seja frequentemen- casos, bactérias que causam pneumonia atingem os
te recomendada na busca do diagnóstico etiológico, o pulmões depois de colonizar as vias aéreas superiores,
benefício dessa prática no manejo inicial da PAC ainda de modo que um resultado positivo da PCR pode refle-
é controverso. Constituem obstáculos à sua realização a tir colonização ou infecção.
necessidade de coleta de forma adequada de amostra,
Para pacientes ambulatoriais, pacientes em se-
a não-uniformização das técnicas de preparação dos
tores de emergência e pacientes internados, a anti-
espécimes, a variabilidade da habilidade de interpreta-
bioticoterapia é estimulada quando as concentrações
ção do examinador e a inexistência de um padrão ouro
de procalcitonina (PCT) são superiores a 0,25 µg/L e
de diagnóstico microbiológico de PAC. Consideram-se
é fortemente estimulada quando as concentrações de
válidas para cultura (escarro purulento) amostras com
PCT são maiores que 0,5 µg/L. A antibioticoterapia é
menos de 10 células epiteliais e mais de 25 células poli-
desencorajada quando as concentrações são inferiores
morfonucleares por campo de pequeno aumento.
a 0,10 µg/L. O uso de PCT para orientar o tratamento
Outras técnicas disponíveis para a obtenção de antibiótico da pneumonia resultou em uma redução na
espécimes das vias aéreas inferiores são o aspirado exposição a antibióticos de 8 dias em média para 4 dias
traqueal, o minilavado broncoalveolar, a broncosco- sem aumentar a mortalidade ou da falha de tratamen-
pia com cateter protegido ou o lavado broncoalveolar, to. Além disso, o uso de PCT para orientar o tratamento
além da punção pulmonar transtorácica. antibiótico reduziu os custos de tratamento.
Esses procedimentos não devem ser rotineira- O estudo ProACT é, por enquanto, o melhor estu-
mente indicados na maioria dos pacientes com PAC, do avaliando a utilidade da procalcitonina na redução
mas são úteis naqueles que necessitam de admissão em da antibioticoterapia em pacientes com PAC. Um total
UTI e nos que não respondem ao tratamento empírico. de 1.656 pacientes foram incluídos na coorte de análise
A punção percutânea pulmonar está contraindicada em final (826 designados aleatoriamente para o grupo pro-
indivíduos sob ventilação mecânica invasiva. calcitonina e 830 para o grupo de cuidados habituais).
A hemocultura deve ser reservada, em casos de Não houve diferença significativa entre o grupo
sepse, para a PAC grave e no caso de pacientes inter- procalcitonina e o grupo de cuidados habituais na du-
nados não-respondedores à terapêutica instituída, pois ração do uso de antibióticos (média de 4,2 e 4,3 dias,
normalmente apresenta baixo rendimento. respectivamente; IC 95%, -0,6 a 0,5; P = 0,87) ou na pro-
Novas técnicas de diagnóstico tornaram-se im- porção de pacientes com resultados adversos1 (11,7% e
portantes para estabelecer a causa da PAC. A pesquisa 13,1%; IC95%: 4,6 a 1,7; P < 0,001 para não inferioridade)
de antígenos urinários através de ensaio de imunoab- em 30 dias .
sorção enzimática (ELISA) de amostras de urina detecta
polissacarídeo de parede celular pneumocócica em 77 a
88% de pacientes com pneumonia pneumocócica bac- Classificação de Gravidade
terêmica e em 64% com pneumonia não bacterêmica. O Idealmente, a terapia antibiótica para a PAC deve-
ELISA para o antígeno urinário de Legionella é positivo ria ser direcionada ao agente etiológico de cada pacien-
em cerca de 74% dos pacientes com pneumonia cau- te em particular. Contudo, os métodos de diagnóstico
sada por Legionella pneumophila sorotipo 1, com maior etiológico atualmente disponíveis apresentam grandes
sensibilidade em doença mais grave. limitações. Dessa forma, mesmo utilizando todos os
A reação em cadeia da polimerase (PCR) é recursos não se identifica o patógeno responsável em
uma técnica extremamente sensível e específica para cerca de 60% dos casos. Esta limitação força a utilização
a identificação de agentes patogênicos respiratórios, de terapia antibiótica empírica na maioria dos casos.
especialmente vírus. Os testes de PCR comercialmen- Inevitavelmente, esta terapia empírica não terá sucesso
te disponíveis podem detectar vírus respiratórios mais em todos os pacientes.
importantes, bem como Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydophyla pneumonia. Para o vírus influenza, a 1 Resultados adversos: Morte, intubação endotraqueal,
PCR é muito mais sensível do que os testes de antíge- vasopressores, insuficiência renal, abscesso pulmonar/
nos rápidos e tornou-se o padrão para o diagnóstico. empiema, desenvolvimento de pneumonia em pacien-
No entanto, o papel causador dos vírus respiratórios tes sem PAC, readmissão hospitalar.

61
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Para a definição da etiologia mais provável, os necessitando, portanto, da disponibilidade de formu-


pacientes são estratificados em quatro grupos com lários ou sistemas informatizados, o que limita sua pra-
base em: ticidade em um setor de emergência sobrecarregado.
A. No local do tratamento (ambulatorial, enfer- Em contraste, os critérios do CURB-65 são facilmente
maria ou unidade de terapia intensiva); lembrados. Contudo, o CURB-65 não foi tão extensa-
mente estudado como o PSI. O comitê IDSA/ATS prefe-
B. Na presença de doença cardiopulmonar coe-
riu o CURB-65 por causa de facilidade de uso e porque
xistente (doença pulmonar obstrutiva crônica,
o mesmo foi projetado para medir severidade de doen-
insuficiência cardíaca congestiva); e
ça mais que probabilidade de mortalidade.
C. Na presença de fatores de risco para pneumo-
cocos multirresistentes e para infecção por
gram-negativos. Tratamento
Os pacientes com PAC grave devem ser admiti-
Nessa abordagem de estratificação, o lugar de dos na UTI. O diagnóstico de PAC severa é feito quando
terapia é um reflexo da severidade da doença, com a existe um critério maior ou três ou mais critérios meno-
necessidade para hospitalização e a necessidade para ad- res, conforme a Tabela 7.1.
missão em UTI definidas pelos critérios descritos a seguir.
Tabela 7.1: Critérios de definição de PAC grave
Índice de severidade da pneumonia
Critérios maiores Critérios menores
(Pneumonia Severity Index [PSI]) ƒ Ventilação mecânica FR ≥ 30 irpm
Esse escore abrange 20 variáveis que incluem ƒ Choque séptico PaO2/FiO2 ≤ 250
características demográficas, doenças associadas, alte- necessitando de
rações laboratoriais, alterações radiológicas e achados Infiltrados multilobares
vasopressor
do exame físico. A pontuação das variáveis encontradas Confusão mental
permite estratificar a gravidade em cinco classes, ba- Uremia (≥ 40 mg/dL)
seadas no risco de morte. Entretanto, o objetivo primá-
Leucopenia (< 4.000/mm3)
rio do estudo original foi a identificação de pacientes
de baixo risco. O PSI pode subestimar a gravidade em Trombocitopenia (< 100,000/mm3)
pacientes jovens sem doenças associadas. Além disso, Hipotermia (< 36 °C)
por ser complexo e necessitar de uma extensa avaliação Hipotensão
laboratorial, a Diretriz Brasileira para PAC (2009) não o
considera ideal para o uso rotineiro na prática clínica.
Fatores de risco para patógenos
CURB-65 resistentes aos antibióticos
O acrônimo CURB-65 refere-se aos seguintes cri- O conceito de pneumonia associada a cuidados
térios: confusão mental, uremia (ureia > 50 mg/dL), fre- de saúde (PACS) como uma entidade clínica distinta
quência respiratória (≥ 30 irpm), pressão baixa (sistólica que requer tratamento antibiótico específico, foi incor-
< 90 mmHg; ou diastólica ≤ 60 mm Hg), além de idade porado às diretrizes de pneumonia hospitalar da ATS/
de 65 anos ou maior. IDSA de 2005. Nessas diretrizes, PACS foi definida como
A mortalidade em 30 dias nos pacientes com 0, pneumonia que se desenvolvia em pacientes não hos-
1 ou 2 fatores do CURB-65 foram 0,7%, 2,1%, e 9,2%, pitalizados, mas que apresentavam qualquer um dos
respectivamente. A mortalidade é mais alta quando 3, vários fatores de risco em potencial para patógenos
4 ou 5 fatores estão presentes (14,5%, 40%, e 57%, res- resistentes a antibióticos. Contudo, muitos estudos
pectivamente). A Infectious Disease Society of América posteriores demonstraram que os fatores usados para
(IDSA) e a American Thoracic Society (ATS) sugerem que definir PACS não predizem alta prevalência de patóge-
os pacientes com um escore CURB-65 de 0 a 1 sejam nos resistentes a antibióticos na maioria dos contextos.
tratados ambulatorialmente, que pacientes com esco- Além disso, essa abordagem resultou em um aumento
re de 2 sejam admitidos em enfermarias e que os pa- significativo no uso de antibióticos de amplo espectro
cientes com escore ≥ 3 frequentemente necessitam de (especialmente vancomicina e betalactâmicos antip-
internação em UTI. seudomonas), sem nenhuma melhora aparente nos re-
Ainda não está definido se o PSI ou o CURB- sultados clínicos.
65 é superior em relação ao outro, uma vez que ne- Dessa forma, a diretriz para PAC da ATS/IDSA
nhum estudo randomizado de critérios alternativos de 2019 recomenda o abandono do uso dessa classi-
de admissão existe. O PSI inclui 20 variáveis diferentes, ficação de pneumonia associada a cuidados de saúde

62
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave

(PACS). A citada diretriz recomenda, ainda, que a anti- consistentemente fortes para infecção respiratória por
bioticoterapia empírica cubra empiricamente MRSA MRSA ou P. aeruginosa são o isolamento prévio desses
ou P. aeruginosa em adultos com PAC apenas se hou- organismos, principalmente do trato respiratório, e/ou
ver fatores de risco validados localmente para qualquer hospitalização recente com uso de antibióticos paren-
um dos patógenos. Os fatores de risco individuais mais terais nos últimos 90 dias (Tabela 7.2).

Tabela 7.2: Antibioticoterapia empírica conforme Consenso ATS/IDSA 2019

Paciente ambulatorial
Paciente sem comorbidades ou1 Amoxicilina 1 g q8h ou
fatores de risco para patógenos Doxiciclina 100 mg q12h ou
resistentes2 Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina)
Terapia combinada
Amoxicilina/clavulanato 500 mg/125 mg q8h ou
Amoxicilina/clavulanato 875 mg/125 mg q12h ou
Cefpodoxima 200 mg q12h ou
Cefuroxima 500 mg q12h
Paciente com comorbidades
e
Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina) ou
Doxiciclina 100mg q12h
Monoterapia
Levofloxacina 750 mg/dia, Moxifloxacina 400 mg/dia ou gemifloxacina 320 mg/dia
Paciente internado
Piperacilina-tazobactam (4,5 g q6h), cefepime (2 g q8h), ceftazidima (2 g q8h), aztreonam
Com fatores de risco para MRSA (2 g q8h), meropenem (1 g q8h) ou imipenem (500 mg q6h)
ou P. aeruginosa mais
Vancomicina (15 mg/kg q12h) ou linezolida (600 mg q12h)
Terapia combinada
Ampicilina-sulbactam 1,5-3 g q6h ou
Cefotaxima 1-2 g q8h ou
Ceftriaxona 1-2 g/dia ou
Ceftarolina 600 mg q12h
Sem fatores de risco para MRSA e
ou P. aeruginosa Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina)
Monoterapia
Levofloxacina 750 mg/dia ou moxifloxacina 400 mg/dia
Se tanto macrolídeo como e fluoroquinolonas contraindicados
Combinar um dos betalactâmicos supracitados com doxiciclina 100 mg q12h
PAC grave
Betalactâmico + macrolídeo
3
Sem fatores de risco para MRSA
ou
ou P. aeruginosa
Betalactâmico + fluoroquinolona4
Piperacilina-tazobactam (4,5 g q6h), cefepime (2 g q8h), ceftazidima (2 g q8h), aztreonam
Com fatores de risco para MRSA (2 g q8h), meropenem (1 g q8h) ou imipenem (500 mg q6h)
ou P. aeruginosa mais
Vancomicina (15 mg/kg q12h) ou linezolida (600 mg q12h)
1
Doença cardíaca, pulmonar, hepática ou renal crônica; diabetes mellitus; alcoolismo; neoplasias; asplenia.
2
Os fatores de risco incluem isolamento respiratório prévio de MRSA ou P. aeruginosa ou hospitalização recente E uso de
antibióticos parenterais (nos últimos 90 dias).
3
Mesmos betalactâmicos e mesmas doses descritas para pacientes internados sem fatores de risco para MRSA ou P. aeruginosa.
4
Mesmas fluoroquinolonas e mesmas doses descritas para pacientes internados sem fatores de risco para MRSA ou P. aeruginosa.

63
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Pneumonia aspirativa „ Adultos ≥ 60 anos;


Na década de 1970, os anaeróbios com ou sem ae- „ Crianças < 5 anos (sendo que o maior risco de
róbios eram os patógenos predominantes na pneumo- hospitalização é em menores de 2 anos, espe-
nia aspirativa. Mais recentemente, houve uma mudança cialmente as menores de 6 meses com maior
para bactérias geralmente associadas a pneumonias ad- taxa de mortalidade);
quiridas na comunidade (S. pneumoniae, Staphylococcus „ População indígena aldeada;
aureus, Haemophilus influenzae e Enterobacteriaceae) ou „ Indivíduos menores de 19 anos de idade em
etiologia hospitalar (bacilos gram-negativos, incluindo uso prolongado de ácido acetilsalicílico (risco
P. aeruginosa), conforme a pneumonia aspirativa tenha de síndrome de Reye);
se instalado no ambiente comunitário ou hospitalar.
„ Indivíduos que apresentem pneumopatias
Anaeróbios têm sido raramente isolados nos es- (incluindo asma), pacientes com tuberculose
tudos recentes de pneumonia aspirativa, notadamente de todas as formas (há evidências de maior
em casos de empiema e/ou abscesso pulmonar. complicação e possibilidade de reativação),
Não está claro por que os patógenos mudaram, cardiovasculopatias (excluindo hipertensão
mas pode ser devido a uma mudança nas característi- arterial sistêmica), nefropatias, hepatopatias,
cas demográficas dos pacientes e na amostragem mais doenças hematológicas (incluindo anemia
precoce hoje do que no passado. Estudos anteriores fre- falciforme), distúrbios metabólicos (incluindo
quentemente coletavam culturas mais tarde na doença, diabetes mellitus), transtornos neurológicos e
geralmente após o desenvolvimento de empiema ou do desenvolvimento que podem comprome-
abscesso pulmonar. ter a função respiratória ou aumentar o risco
Desta forma, a diretriz para o manejo da PAC da de aspiração (disfunção cognitiva, lesão me-
ATS/IDSA de 2019 não recomenda adicionar cobertura dular, epilepsia, paralisia cerebral, síndrome de
antianaeróbica de rotina na suspeita de pneumonia as- Down, acidente vascular encefálico [AVE] ou
pirativa, excetuando situações de abscesso pulmonar doenças neuromusculares), imunossupressão
ou empiema. associada a medicamentos, neoplasias, HIV/
Aids ou outros.

Cobertura para vírus influenza


O uso do antiviral oseltamivir (75 mg VO de
Duração da Antibioticoterapia
12/12 h durante 5 dias) deve ser cogitado na Síndrome A duração recomendada da antibioticoterapia
Respiratória Aguda Grave (SRAG), caracterizada por sín- para PAC é de 5 a 7 dias. Não há evidências de que cursos
drome gripal com quadro de insuficiência respiratória prolongados conduzam a melhores resultados, mesmo
aguda ou exacerbação de doença preexistente ou hi- em pacientes gravemente doentes, a menos que sejam
potensão. O início do tratamento dentro de 2 dias do imunocomprometidos.
início dos sintomas ou da hospitalização apresenta os
O tratamento mínimo é de 5 dias e o paciente
melhores resultados, embora possa haver benefícios
deve estar afebril há 48-72 horas e não deve ter mais
até 4 ou 5 dias após o início dos sintomas. Não é ne-
do que 1 sinal de instabilidade clínica associada à PAC
cessário aumentar a dose para 150 mg em duas doses
antes da interrupção da terapia (Quadro 7.1).
diárias para pacientes críticos, como inicialmente reco-
mendado pela OMS. Esse esquema de dose dobrada
não determinou melhora em nenhum desfecho clínico Quadro 7.1: Critérios de estabilidade clínica
nesta população de pacientes.
ƒ Temperatura ≤ 37,8 °C
O oseltamivir também deve ser considerado para
ƒ PAS ≥ 90mmHg
pacientes com síndrome gripal que tenham condições
e fatores de risco para complicações. Essa indicação ƒ FC ≤ 100/min,
fundamenta-se no benefício que a terapêutica precoce ƒ FR ≤ 24/min
proporciona, tanto na redução da duração dos sinto- ƒ SaO2 ≥ 90% ou PaO2 ≥ 60 mmHg (ar ambiente)
mas quanto na ocorrência de complicações da infecção ƒ Capacidade de ingesta oral
pelos vírus influenza. Nessa situação, o antiviral ainda
ƒ Estado mental normal
apresenta benefícios, mesmo se iniciado após 48 horas
do início dos sintomas. As condições e fatores de risco Uma duração maior da terapia pode ser necessá-
para complicações incluem: ria se a terapia inicial não for ativa contra o patógeno
„ Grávidas em qualquer idade gestacional, puér- identificado ou se for complicada por infecção extrapul-
peras até duas semanas após o parto (incluin- monar, como meningite ou endocardite e outras infec-
do as que tiveram aborto ou perda fetal); ções profundas.

64
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave

Corticoide na PAC
Não há dados sugerindo benefício dos corticos- O uso de corticoide na PAC, contudo, é aconselha-
teroides em pacientes com PAC não grave em relação à do nas recomendações da Surviving Sepsis Campaign
mortalidade ou falência de órgãos e apenas dados limi- sobre o uso de corticoides em pacientes com choque
tados em pacientes com PAC grave. Um grande estudo séptico refratário. Naturalmente, os corticosteroides
randomizado controlado (Extended Steroid in CAP(e) – também devem ser usados em pacientes com comorbi-
ESCAPe; clinictrials.gov NCT01283009) foi concluído, mas dades como doença pulmonar obstrutiva crônica, asma
não publicado ainda, o qual poderá informar quais sub- e doenças autoimunes, nas quais os mesmos são com-
grupos de pacientes se beneficiam de corticoides na PAC. ponentes do tratamento.

Referências Bibliográficas
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis.
Protocolo de tratamento de Influenza: 2015 [recurso eletrônico]/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
2. Choi SH, Hong SB, Ko GB, Lee Y, Park HJ, Park SY, et al. Viral infection in patients with severe pneumonia requiring
intensive care unit admission. Am J Respir Crit Care Med. 2012 Aug 15;186:325-32.
3. Chow EJ, Doyle JD, Uyeki TM. Influenza virus-related critical illness: prevention, diagnosis, treatment. Crit Care.
2019;23:214.
4. Corrêa RA, Costa AN, Lundgren F, Michelin L, Figueiredo MR, Holanda M, et al . Recomendações para o manejo da
pneumonia adquirida na comunidade 2018. J. bras. pneumol. 2018;44: 405-23.
5. Gadsby NJ, Russell CD, McHugh MP, Mark H, Conway Morris A, Laurenson IF, et al. Comprehensive Molecular Testing
for Respiratory Pathogens in Community-Acquired Pneumonia. Clin Infect Dis. 2016;62:817-23.
6. Huang DT, Yealy DM, Filbin MR, et al. Procalcitonin-Guided Use of Antibiotics for Lower Respiratory Tract Infection. N
Engl J Med 2018; 379:236-49.
7. Jain S, Self WH, Wunderink RG, Fakhran S, Balk R, Bramley AM, et al. CDC EPIC Study Team. Community-Acquired
Pneumonia Requiring Hospitalization among U.S. Adults. N Engl J Med. 2015 Jul 30;373:415-27.
8. Mandell LA, Niederman MS. N Engl J Med 2019; 380:651-63.
9. Mandell LA, Wunderink RG, Anzueto A, Bartlett JG, Campbell GD, Dean NC, et al. Infectious Diseases Society of America;
American Thoracic Society. Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Society consensus guidelines on the
management of community-acquired pneumonia in adults. Clin Infect Dis. 2007 Mar 1;44 Suppl 2:S27-72.
10. Metlay JP, Waterer GW, Long AC, Anzueto A, Brozek J, Crothers K, et al. Diagnosis and Treatment of Adults with
Community-acquired Pneumonia. An Official Clinical Practice Guideline of the American Thoracic Society and
Infectious Diseases Society of America. Am J Respir Crit Care Med. 2019;200:e45-e67.
11. Musher DM, Thorner AR. Community-acquired pneumonia. N Engl J Med. 2014 Oct 23;371:1619-28.
12. Prina E, Ranzani OT, Torres A. Community-acquired pneumonia. Lancet. 2015 Sep 12;386:1097-108.
13. Reissig A, Gramegna A, Aliberti S. The role of lung ultrasound in the diagnosis and follow-up of community-acquired
pneumonia. Eur J Intern Med. 2012 Jul;23:391-7.
14. Shindo Y, Ito R, Kobayashi D, et al. Risk factors for drug-resistant pathogens in community-acquired and
healthcareassociated pneumonia. Am J Respir Crit Care Med 2013;188:985-95.
15. Uranga A, España PP, Bilbao A, Quintana JM, Arriaga I, Intxausti M, et al. Duration of Antibiotic Treatment in
Community-Acquired Pneumonia: A Multicenter Randomized Clinical Trial. JAMA Intern Med. 2016;176:1257-65.
16. Uyeki TM, Bernstein HH, Bradley JS, et al. Clinical practice guidelines by the Infectious Diseases Society of America:
2018 update on diagnosis, treatment, chemoprophylaxis, and institutional outbreak management of season influenza.
Clin Infect Dis 2019;68:e1-47.
17. Wan YD, Sun TW, Liu ZQ, Zhang SG, Wang LX, Kan QC. Efficacy and Safety of Corticosteroids for Community-
Acquired Pneumonia: A Systematic Review and Meta-Analysis. Chest. 2016;149:209-19.
18. Wunderink RG, Waterer GW. Community-Acquired Pneumonia. N Engl J Med 2014; 370:543-551.

65
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

66
Pneumonia Adquirida 8
no Hospital e Pneumonia
Associada à Ventilação
Mecânica
Denise Medeiros
Kelson Veras
Fabiano Nagel

Introdução de saúde e pela presença de fatores do hospedeiro e


fatores relacionados ao tratamento que predispõem
Nas diretrizes de 2016 da Infectious Diseases ao desenvolvimento de PAH/PAV através do aumento
Society of America e American Thoracic Society (IDSA/ da probabilidade de colonização do trato aerodigesti-
ATS), da mesma forma que na diretriz ATS/IDSA de 2005, vo com bactérias patogênicas (p.ex., exposição prévia
foi mantida a definição de pneumonia adquirida no a antibióticos) e predispondo à aspiração de secreções
hospital (PAH) como uma pneumonia diagnosticada 48 e fluidos contaminados (p.ex., condensado do circui-
horas ou mais após a admissão e que não estava em in- to ventilatório). Os pacientes podem ser colonizados
cubação no momento da internação hospitalar. A pneu- através de fontes endógenas, via equipamentos respi-
monia associada à ventilação mecânica (PAV) também ratórios contaminados e mãos da equipe da UTI. Vários
teve mantida a definição de uma pneumonia ocorrendo relatos descrevem surtos em UTI devido a broncoscó-
após 48 horas da intubação endotraqueal. pios, suprimento de água, equipamentos respiratórios,
Contudo, as diretrizes de IDSA/ATS 2016 passou a umidificadores, sensores de temperatura do ventilador
utilizar o termo pneumonia adquirida no hospital (PAH) e nebulizadores respiratórios contaminados.
para designar exclusivamente os episódios de pneumo-
Acredita-se que a colonização endógena seja
nia não associados à ventilação mecânica. Desse modo,
fundamental para o desenvolvimento de PAV. Em pa-
os pacientes PAH e PAV pertencem agora a dois grupos
cientes criticamente doentes, a flora oral muda pre-
mutuamente exclusivos. O objetivo ao usar essa nova
cocemente para uma predominância de patógenos
definição é evitar o uso do incômodo termo “pneumo-
nia hospitalar não associada à ventilação mecânica”. aeróbios gram-negativos e gram-positivos. Como resul-
tado, a aspiração pulmonar de conteúdo orofaríngeo
Essas infecções afetam negativamente impor- aumenta drasticamente o risco de colonização e infec-
tantes desfechos do paciente. Embora a mortalidade ção nas vias aéreas. Além da colonização orofaríngea e
por todas as causas associada à PAV tenha variado de
traqueobrônquica, o estômago foi postulado como um
20% a 50%, a mortalidade diretamente relacionada à
reservatório importante de organismos que causam
PAV é debatida. Uma metanálise recente, derivada de
PAH/VAP, embora o papel exato do estômago na causa-
estudos randomizados de prevenção de PAV, estimou a
lidade seja debatido. A importância do estômago como
mortalidade atribuível em 13%. No entanto, há pouca
fonte de agentes patogênicos para PAH/VAP parece
controvérsia quanto ao enorme uso de recursos e ao
prolongado período de permanência hospitalar rela- ser influenciada por múltiplos fatores, incluindo o uso
cionado à PAV. Dois estudos recentes estimaram que a de medicamentos predisponentes à colonização bac-
PAV prolonga o tempo de ventilação mecânica em 7,6 teriana (antibióticos, profilaxia da úlcera do estresse),
a 11,5 dias e prolonga a hospitalização em 11,5 a 13,1 posicionamento supino da cabeça, administração de
dias em comparação com pacientes semelhantes sem alimentação enteral e gravidade da doença do pacien-
PAV. O custo excessivo associado à PAV foi estimado em te, incluindo instabilidade hemodinâmica com necessi-
aproximadamente US$40.000 por paciente. dade de vasopressores.
A aspiração pulmonar das secreções orofaríngeas
Patogênese contaminadas através do balonete do tubo endotra-
queal desempenha um papel significativo na patogê-
O risco para PAH/PAV é determinado, em parte, nese da PAV. Os balonetes dos tubos endotraqueais são
pela duração da exposição ao ambiente dos serviços estruturas de alto volume e baixa pressão, projetados
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

originalmente para controlar a pressão exercida contra ser feitas mais rapidamente do que a coleta de amos-
a parede traqueal e prevenir a lesão traqueal. O diâme- tras broncoscópicas, com menos complicações e recur-
tro do balonete é maior do que o diâmetro traqueal. sos. As culturas semiquantitativas podem ser feitas mais
Portanto, após a insuflação do balonete, formam-se rapidamente do que culturas quantitativas, também
invariavelmente dobras ao longo da superfície do mes- dispendendo menos recursos laboratoriais. Por estas ra-
mo, que permitem aspiração de secreções orofaríngeas. zões, o aspirado traqueal com cultura semiquantitativa
Os agentes patogênicos também podem crescer na su- é a técnica de amostragem microbiológica recomenda-
perfície interna do tubo endotraqueal e chegar, assim, da pela diretriz IDSA/ATS de 2016.
aos pulmões. As bactérias também aderem rapidamen- Apesar dessas dificuldades, o diagnóstico preco-
te à superfície do tubo endotraqueal, formando uma ce e preciso de PAH/PAV é crítico pois a administração
estrutura chamada biofilme. As bactérias dentro do tardia de antibióticos apropriados aumenta a morta-
biofilme são difíceis de erradicar. Durante a ventilação lidade. Daí a busca por métodos confirmatórios mais
mecânica, as partículas de biofilme podem desalojar-se precisos para o diagnóstico da infecção. O uso de es-
nas vias aéreas por causa do fluxo de ar inspiratório e in- cores como o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS) e
tervenções médicas invasivas, como aspiração traqueal biomarcadores como a procalcitonina (PCT) foram, as-
e broncoscopia. As bactérias também podem entrar no sim, propostos para tornar o diagnóstico PAH/PAV mais
trato respiratório inferior dos pacientes por inalação de objetivo e específico. A diretriz IDSA/ATS de 2016 não
aerossóis gerados principalmente por dispositivos de encontrou evidências de superioridade, porém, no uso
nebulização contaminados. Quando isso ocorre, geral- do CPIS ou de biomarcadores (PCT ou PCR) comparados
mente é relacionado a falhas em procedimentos ade- aos critérios clínicos usuais isoladamente para decidir
quados de controle de infecção. sobre o início da antibioticoterapia em pacientes sus-
peitos de PAH/PAV. Desse modo, a recomendação dos
Diagnóstico painelistas para pacientes com suspeita de PAH/PAV
é usar critérios clínicos isoladamente ao invés de usar
Em 2002, os Centers for Disease Control and CPIS ou biomarcadores para decidir pelo início ou não
Prevention (CDC) definiram PAV como um infiltrado da antibioticoterapia.
pulmonar radiográfico novo ou progressivo em um
paciente após 48 horas de ventilação mecânica em um
pacientes com sinais clínicos de infecção (febre, leuco- Etiologia
penia/leucocitose, alteração do nível de consciência em O conceito de pneumonia de início precoce e tar-
idosos, escarro purulento ou aumento das secreções dio é baseado em dados do final da década de 1980.
respiratórias, início ou piora de tosse, dispneia ou ta- PAH/PAV de início precoce foram definidas como ocor-
quipneia, estertores pulmonares, piora da troca gasosa) rendo nos primeiros 4 dias de hospitalização, sendo
no qual critérios microbiológicos confirmam a infecção mais prováveis causadas por bactérias sensíveis aos an-
(cultura quantitativa de amostra respiratória, hemocul- tibióticos, enquanto PAH/PAV de início tardio (5 dias ou
tura, cultura do líquido pleural ou evidência histopato- mais) seriam mais provavelmente causadas por agentes
lógica de pneumonia). patogênicos multirresistentes.
O diagnóstico de PAV, contudo, é desafiador, Vários estudos subsequentes, contudo, questio-
uma vez que muitas condições comuns entre pacientes naram a relação entre o momento da pneumonia e o
críticos produzem sinais clínicos similares, como sín- risco de organismos multirresistentes, não havendo
drome do desconforto respiratório agudo (SDRA), trom- sido encontradas diferenças significativas entre os pa-
boembolismo pulmonar, hemorragia alveolar, sepse, drões de patógenos na pneumonia precoce e tardia. A
insuficiência cardíaca congestiva e atelectasias. De fato, presença de fatores de risco para patógenos multirre-
estudos de séries de autópsia mostram que os critérios sistentes é que se mostrou prevalecer sobre a distinção
diagnósticos clínicos falham em detectar um terço ou entre pneumonia de início precoce ou tardio. Portanto,
mais dos casos verdadeiros e sugerem erroneamente o tempo de desenvolvimento de PAH/PAV deve ser ava-
PAV em quase metade de todos os casos. liado no contexto de outros fatores de risco e tratamen-
As amostras respiratórias para cultura incluem to antibiótico recente. Os fatores associados a um risco
técnicas invasivas broncoscópicas (lavado broncoal- aumentado de PAV por patógenos multidroga-resisten-
veolar, escovado broncoscópico protegido, amostra tes (MDR) identificados na diretriz IDSA/ATS 2016 foram
brônquica cega ou mini-BAL). A amostra respiratória encontram-se relacionados na Quadro 8.1.
não invasiva refere-se ao material obtido por aspira- Já os fatores de risco para PAH por bactérias mul-
ção endotraqueal. Não há evidências de que amostras tirresistentes foram raramente estudados. Apenas um
microbiológicas invasivas com culturas quantitativas fator de risco foi significativamente associado a PAH
melhorem os resultados clínicos em comparação com por MDR: uso prévio de antibióticos por via intravenosa.
a amostras não invasiva com culturas quantitativas ou Embora outros fatores de risco possam ser relevantes,
semiquantitativas. As amostras não invasivas podem faltam evidências.

68
Pneumonia Adquirida no Hospital e Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

Quadro 8.1: Fatores de risco para patógenos multidroga- „ Um fator de risco para resistência antimicro-
resistentes na PAV biana na PAV (Quadro 8.1);
„ Pacientes tratados em unidades onde mais de
Uso de antibióticos intravenosos nos últimos 90 dias;
10% a 20% dos isolados de S. aureus são resis-
Internação há 5 dias ou mais antes da ocorrência da PAV; tentes à meticilina;
Choque séptico no momento da PAV; „ Pacientes em unidades onde a prevalência de
Síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) anterior MRSA não é conhecida
à PAV;
Terapia substitutiva renal aguda antes do início da PAV; A prescrição de dupla cobertura antibiótica
antipseudomonas (esquema com dois antibióticos de
classes diferentes com atividade contra P. aeruginosa –
Tratamento Tabela 8.1) para o tratamento empírico de suspeita de
Tratamento antibiótico empírico para PAV PAV só está indicada em pacientes com qualquer um
Em pacientes com suspeita de PAV, recomen- dos seguintes:
da-se incluir cobertura para Staphylococcus aureus, „ Um fator de risco para resistência antimicro-
Pseudomonas aeruginosa e outros bacilos gram-negati- biana (Quadro 8.1);
vos em todos os esquemas antibioticos empíricos, tais „ Pacientes em unidades em que mais de 10%
como um esquema incluindo piperacilina-tazobactam, dos isolados gram-negativos são resistentes a
cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem. um agente que está sendo considerado para a
Qualquer um desses antibióticos é ativo contra monoterapia;
Staphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA). „ Pacientes em UTI onde as taxas locais de susce-
Desse modo, oxacilina ou cefalotina, agentes preferen- tibilidade antimicrobiana não estão disponíveis.
ciais para o tratamento desse microrganismo, não preci-
sam ser adicionados ao tratamento empírico. Contudo,
Tabela 8.1: Dupla cobertura empírica para Pseudomonas.
uma vez que a resistência às quinolonas é ligeiramente
mais comum na MSSA comparado a resistência às ou- Betalactâmico antipseudomonas Associado a:
tras opções, no caso de comprovação de PAV por MSSA
Aztreonam 1
deve-se adicionar um agente de espectro mais estreito Ciprofloxacina1
Ceftazidima1
com menor probabilidade de induzir resistência, como Levofloxacina
Cefepime
a cefalotina ou oxacilina. Da mesma forma, se um esque- Amicacina1
Piperacilina/tazobactam
ma para gram-negativos que não cubra MSSA (ceftazi- Polimixina1
Carbapenêmico
dima, aztreonam) ou ciprofloxacina for usado, também
deve-se acrescentar oxacilina ou cefalotina. 1
Se apenas estes no esquema combinado, associar oxacilina
A inclusão de um agente ativo contra o ou cefalotina. Se risco para MRSA, associar vancomicina ou
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), linezolida.
como vancomicina ou linezolida, para o tratamento em-
pírico de suspeita de PAV, deve ser cogitada apenas em Na Figura 8.1, segue algoritmo pra tratamento
pacientes com qualquer um dos seguintes: empírico da PAV.

• Antibioticoterapia EV £ 90 d
• ³ 5 d de hospitalização
• Choque séptico
• SARA antes da PAV
Risco MDR? • TSR aguda antes da PAV

Sim Não

Pseudomonas MSSA, > 10% BGN


> 10-20%
outros BGN MRSA pseudomonas resistentes
MRSA*
MDR e outros BGN ao ATB*

ABT dupla Vanco/LZD


ABT dupla Monoterapia
ABT dupla Vanco/LZD
ABT dupla ABT dupla

* Ou incidência desconhecida
Figura 8.1: Algoritmo para o tratamento empírico da PAV.

69
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Tratamento antibiótico empírico para PAH Na Figura 8.2, segue algoritmo pra tratamento
Semelhantemente aos pacientes com sus- empírico da PAH.
peita de PAV, recomenda-se incluir cobertura para Os carbapenêmicos associam-se com uma dimi-
Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e ou- nuição relativa de 22% na mortalidade em comparação
tros bacilos gram-negativos em todos os esquemas an- com esquemas sem carbapenêmicos. Contudo, muitos
tibióticos empíricos para PAH (piperacilina-tazobactam, estudos associam carbapenemos com seleção de C. dif-
cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem). ficile e organismos resistentes aos antibióticos, tanto no
A cobertura empírica para MRSA (vancomicina, paciente quanto a nível hospitalar, incluindo organis-
linezolida) na PAH deve ser incluída quando: mos resistentes a antibióticos diferentes do carbapene-
mos. Entre os carbapenêmicos, o ertapenem não tem
„ Houver fator de risco para MDR na PAH (uso
atividade contra P. aeruginosa e, portanto, não é reco-
prévio de antibiótico intravenoso nos últimos
mendado para o tratamento da pneumonia devido a
90 dias);
este organismo. O doripenem está associado a um risco
„ Houver fator de risco específico para infecção aumentado de morte e taxas de cura clínicas mais bai-
por MRSA (ou seja, hospitalização em uma uni- xas em comparação com o uso de imipenem, não sendo
dade em que mais de 20% dos isolados de S. indicado, portanto, para o tratamento de PAH/PAV.
aureus são resistentes à meticilina ou a preva-
Os aminoglicosídeos devem ser evitados se dis-
lência de MRSA não é conhecida);
ponível outra alternativa para gram-negativos. Primeiro,
„ Para pacientes com alto risco de mortalidade os aminoglicosídeos penetram mal nos pulmões, por-
(necessidade de suporte ventilatório devido à tanto, altas concentrações séricas de pico são necessárias
PAH e choque séptico). para obter concentrações microbiologicamente ativas
nos alvéolos, o que aumenta o risco de nefrotoxicidade e
A dupla cobertura antipseudomonas (esque- ototoxicidade. Ademais, a mortalidade com os aminogli-
ma com dois antibióticos de classes diferentes com ati- cosídeos no tratamento da PAH/PAV é similar à de outros
vidade contra P. aeruginosa) empírica deve ser cogitada esquemas, a taxa de resposta clínica é mais baixa em re-
para pacientes com PAH quando: lação a outras classes de antibióticos. Finalmente, há uma
„ Na presença de fatores que aumentam a pro- falta de estudos que avaliem os efeitos da monoterapia
babilidade de patógenos MDR (ou seja, uso com aminoglicosídeos em PAH/PAV.
prévio de antibióticos por via intravenosa em
90 dias);
Antibioticoterapia para MRSA
„ Em pacientes com alto risco de mortalidade
A PAH/PAV por MRSA deve ser tratada com vanco-
(necessidade de suporte ventilatório devido a
micina ou linezolida. Não foram encontradas diferenças
PAH e choque séptico);
na mortalidade na taxa de cura clínica entre estas duas
„ Paciente com doença pulmonar estrutural que drogas. Apesar de seus efeitos colaterais típicos reco-
aumentam o risco de infecção gram-negativa nhecidos, linezolida e vancomicina não parecem diferir
(ou seja, bronquiectasias ou fibrose cística). claramente nos estudos clínicos em termos de nefroto-
xicidade, trombocitopenia, eventos adversos graves ou
Para todos os outros pacientes com PAH que es- necessidade de descontinuação do tratamento devido
tão sendo tratados empiricamente, pode ser prescrito a um evento adverso. A escolha entre estas drogas deve
um único antibiótico com atividade contra P. aeruginosa. depender, portanto, de fatores, como contagem das

Risco MDR? • Antibioticoterapia EV £ 90 d

Sim Não

Pseudomonas MSSA, VM/choque > 20% MRSA*,


outros BGN MRSA pseudomonas séptico/doença VM, choque
MDR e outros BGN pulmonar séptico

ABT dupla Vanco/LZD


ABT dupla Monoterapia
ABT dupla ABT dupla Vanco/LZD
ABT dupla

* Ou incidência desconhecida
Figura 8.2: Algoritmo para o tratamento empírico da PAH

70
Pneumonia Adquirida no Hospital e Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

células sanguíneas, função renal, uso concomitante de Duração da terapia antibiótica na PAH/PAV
inibidores da recaptação da serotonina (a linezolida é
Recomenda-se uma duração de 7 dias da terapia
um inibidor da monoaminoxidase) e custo. A evidência
antimicrobiana na PAH/PAV, devido à ausência de dife-
indica que a vancomicina e linezolida são aproximada-
renças entre regimes de antibióticos de curta duração
mente equivalentes e que nenhum agente alternativo,
(isso é, 7-8 dias) e regimes de longa duração (ou seja,
como telavancina ou quinupristina-dalfopristina, é cla-
10-15 dias) em termos de mortalidade, cura clínica e re-
ramente superior às mesmas. Além disso, regimes alter-
cidiva da pneumonia, incluindo pneumonia par bacilos
nativos podem ser mais prejudiciais.
gram-negativos não fermentadores.
Contudo, podem existir situações nas quais uma
Monoterapia ou Antibioticoterapia duração mais curta ou mais longa pode ser indicada,
dependendo da taxa de melhora dos parâmetros clíni-
Combinada para PAH/PAV por cos, radiológicos e laboratoriais.
Pseudomonas aeruginosa A duração da antibioticoterapia pode ser guiada
Para pacientes com PAH/PAV devido a P. aeru- pelos níveis de procalcitonina associada a critérios clíni-
ginosa que não estão em choque séptico ou com alto cos. Contudo, não é conhecido se há benefícios do uso
risco de morte e cujo resultado do antibiograma já é co- de níveis de procalcitonina para determinar a interrup-
nhecido, é recomendada monoterapia usando um anti- ção da antibioticoterapia em locais onde a duração da
biótico para o qual a Pseudomonas isolada seja sensível. terapia antimicrobiana para PAH/PAV já for padronizada
Contudo, deve-se evitar monoterapia com aminoglico- em 7 dias.
sídeos devido à sua baixa penetração pulmonar e pela
falta de estudos avaliando monoterapia com aminogli-
cosídeos na PAH/PAV. Tratamento da traqueobronquite
Para pacientes com PAH/VAP devido a P. aeru- associada à ventilação mecânica (TAV)
ginosa que permanecem em choque séptico ou com A diretriz IDSA/ATS 2016 sugere não usar anti-
alto risco de morte quando o resultado do antibiogra- bióticos em pacientes com TAV. Em conjunto, as evi-
ma for conhecido, sugere-se antibioticoterapia combi- dências sugerem que a antibioticoterapia para o TAV
nada usando dois antibióticos aos quais Pseudomonas pode encurtar a duração da ventilação mecânica, con-
isolada seja sensível. Essa recomendação baseia-se na tudo, é incerto se melhora outros desfechos clínicos
evidência de que a terapia combinada está associada à devido a resultados inconsistentes. Apesar disso, os
diminuição da mortalidade entre pacientes com pneu- painelistas reconhecem que, em alguns pacientes, a
monia complicada por choque séptico. Para um pacien- TAV pode resultar em tamponamento mucoso e difi-
te cujo choque séptico já está resolvido quando chega culdade de desmame ventilatório. Em tais pacientes,
o resultado do antibiograma, a antibioticoterapia com- o tratamento antibiótico pode ser considerado, mas
binada não é mais recomendada. nenhuma evidência a favor ou contra está disponível
para essa situação. Por último, o painel também reco-
nhece que o diagnóstico de pneumonia é imperfeito,
Terapia antibiótica inalatória na PAV sendo a sensibilidade e especificidade das radiogra-
Para pacientes com PAV devido a bacilos gram- fias de tórax portáteis para pneumonia menores do
-negativos sensíveis apenas aminoglicosídeos ou que as de tomografia computadorizada. Desse modo,
polimixinas (colistina ou polimixina B), sugere-se anti- na presença de novos sinais respiratórios de infecção,
bióticos inalatórios associados aos antibióticos sistêmi- como uma quantidade aumentada de escarro puru-
cos. As evidências de metanálises apontam para uma lento e uma amostra de alta qualidade com colora-
melhor taxa de cura clínica, mas sem efeitos definitivos ção de gram-positiva, em conjunto com novos sinais
sobre a mortalidade ou nefrotoxicidade. sistêmicos de infecção e piora da oxigenação e/ou
Também é razoável considerar a terapia antibióti- aumento dos parâmetros do ventilador, o tratamento
ca inalatória adjuvante como um tratamento de último antibiótico pode ser considerado mesmo na ausência
recurso para pacientes que não respondem aos antibió- de infiltrados persistentes novos ou progressivos em
ticos intravenosos isoladamente, independentemente radiografias de tórax portáteis, devido à alta probabili-
de o organismo infectante ser ou não MDR. dade de uma nova PAV.

71
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Referências Bibliográficas
1. Bassi GL, Ferrer M, Marti JD, Comaru T, Torres A. Ventilator-associated pneumonia. Semin Respir Crit Care Med.
2014;35:469-81.
2. Bouadma L, Luyt CE, Tubach F, Cracco C, Alvarez A, Schwebel C, et al. PRORATA trial group. Use of procalcitonin to
reduce patients’ exposure to antibiotics in intensive care units (PRORATA trial): a multicentre randomised controlled
trial. Lancet. 2010;375:463-74.
3. Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, Muscedere J, Sweeney DA, et al. Management of Adults With Hospital-acquired
and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America
and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016;63:e61-e111.
4. Kollef MH. Prevention of hospital-associated pneumonia and ventilator-associated pneumonia. Crit Care Med.
2004;32:1396-405.
5. Lisboa T, Rello J. Diagnosis of ventilator-associated pneumonia: is there a gold standard and a simple approach? Curr
Opin Infect Dis. 2008;21:174-8.
6. Restrepo MI, Peterson J, Fernandez JF, Qin Z, Fisher AC, Nicholson SC. Comparison of the bacterial etiology of
early-onset and late-onset ventilator-associated pneumonia in subjects enrolled in 2 large clinical studies. Respir Care.
2013;58:1220-5.

72
Infecções da Corrente 9
Sanguínea Relacionadas ao
Cateter
André Japiassú
Kelson Veras
Gerson Luiz de Macedo

Introdução Entre 1.196 isolados obtidos de pacientes in-


ternados na UTI, os seguintes foram os principais mi-
As infecções relacionadas ao cateter venoso cen- crorganismos identificados por ordem de frequência:
tral podem ser distinguidas em infecções do sítio de estafilococos coagulase-negativos 16,6%, Acinetobacter
saída do cateter e infecções da corrente sanguínea spp. 15,2%, S. aureus 12,8%, Klebsiella spp. 11,8%,
relacionadas ao cateter. Nas infecções do óstio de saí- Pseudomonas aeruginosa 10,0%, Candida spp. 7,4%,
da do cateter verifica-se sinais infecciosos no orifício na Enterobacter spp. 5,8%, Enterococcus spp. 5,5%, Serratia
pele por onde o cateter se exterioriza. Pode-se observar spp. 3,2% e Proteus spp. 1,8%.
neste local eritema, induração e/ou dor. Outros sinais A resistência à ampicilina-sulbactam, piperacil-
e sintomas de infecção, como febre ou drenagem pu- lina-tazobactam, ceftazidima e cefepime foram muito
rulenta do local de saída podem estar associados, bem frequentes nos isolados de Klebsiella spp. (54,5%, 33,5%,
como presença ou não de infecção concomitante da 54,4% e 50,2%, respectivamente), os quais mantinham,
corrente sanguínea. contudo, boa sensibilidade aos carbapenêmicos (resis-
A Infecção de Corrente Sanguínea Relacionada tência ao imipenem e ao meropenem observada em
ao Cateter (ICSRC) é caracterizada pela presença de 0,3% e 1,3% dos isolados, respectivamente).
bacteremia por microrganismo idêntico ao isolado do As amostras de Acinetobacter spp. Apresentaram
cateter suspeito e quando não há infecção em outro lo- resistência às cefalosporinas, aminoglicosídeos, fluo-
cal que possa ser a fonte da bacteremia. roquinolonas e carbapenêmicos em mais de 50% dos
Dados do International Nosocomial Infection isolados testados. Os isolados de P. Aeruginosa eram
Control Consortium (INICC) coletados em hospitais resistentes à piperacilina-tazobactam, ceftazidima, ce-
da região sudeste do Brasil encontraram uma taxa fepime, imipenem e meropenem numa frequência en-
de infecção da corrente sanguínea relacionada ao tre 34% a 43%, aproximadamente.
cateter venoso central (ICSRC) de 9,1 por 1.000 cate-
ter-dias e incidência em 8,3% dos pacientes. A mor-
talidade bruta nos pacientes com ICSRC foi de 47,1%,
Patogênese
com uma mortalidade adicional de 27,8%. A duração Quando um cateter é colocado em um vaso san-
média de internação dos pacientes com ICSRC foi de guíneo, uma bainha de fibrina rapidamente se desen-
13 dias, o que caracterizou uma permanência extra volve ao redor do cateter. O coágulo geralmente não
de 7,3 dias. produz nenhum problema circulatório, mas serve como
nicho para colonização bacteriana ou fúngica. A coloni-
zação bacteriana ou fúngica do dispositivo intravascu-
Etiologia lar pode ocorrer através de vários mecanismos.
O estudo SCOPE brasileiro (BrSCOPE) incluiu 16
hospitais de vários tamanhos geograficamente disper- Migração da microbiota cutânea para o
sos nas cinco regiões do Brasil (norte, nordeste, centro-
-oeste, sudeste e sul). Durante 2007 a 2010, um total de cateter intravascular
2.563 infecções da corrente saguínea foram notificados Os microrganismos de origem cutânea, como
pelos hospitais participantes. os estafilococos coagulase-negativo (geralmente
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Staphylococcus epidermidis), Staphylococcus aureus, amostras ao longo do tempo. De fato, estudos com a
enterococos ou Candida, obtêm acesso intravascular técnica de amostragem múltipla confirmaram que o
através do local de punção cutânea para inserção do rendimento diagnóstico é o mesmo, caso as venopun-
cateter. O óstio de inserção é comumente colonizado ções sejam feitas praticamente de forma simultânea, ou
fortemente pela flora cutânea do paciente ou é colo- se forem espaçadas ao longo do tempo.
nizado por microrganismos provenientes das mãos do Em caso de presença de cateter central e de sus-
pessoal médico ao inserir ou manipular o cateter. peita de ICSRC em que não haja indicação imediata
de remoção do dispositivo (ausência de sinais locais
de infecção, complicações ou de instabilidade hemo-
Colonização do cateter a partir de dinâmica), deve-se coletar amostras pareadas do ca-
um foco séptico à distância por via teter central e de veia periférica, para comparação de
hematogênica tempo de positivação ou de crescimento quantitativo.
Devem ser coletadas amostras de todos os lúmens
O cateter vascular pode ser colonizado por via
do dispositivo.
hematogênica a partir de locais remotos de infecção,
como, por exemplo uma bacteremia por Escherichia coli A ICSRC é diagnosticada quando ocorre isola-
proveniente de uma fonte intra-abdominal. O cateter mento de um microrganismo a partir de amostra obtida
colonizado pode, então, por sua vez, perpetuar a bacte- do cateter central concomitantemente ao crescimento
remia, propagando assim a infecção sistêmica, mesmo do mesmo microrganismo em hemocultura obtida por
que o foco séptico original tenha sido eliminado. punção venosa periférica, afastando-se a possibilidade
da bacteremia estar relacionada a um foco infeccioso
em outra localização. O mesmo microrganismo signifi-
Manipulação e contaminação das ca que ambos pertencem à mesma espécie e possuem
o mesmo perfil de antibiograma (variando no máximo
conexões do cateter
na sensibilidade a um agente antimicrobiano).
As conexões do cateter também são uma fonte
Quando o microrganismo isolado é um membro
potencial de colonização do cateter, podendo ser a fon-
te mais importante de microrganismos que colonizam da microbiota da pele (difteroides [Corynebacterium
o cateter. As conexões são colonizadas durante a ma- spp.], Bacillus spp., Propionibacterium spp., estafilococos
nipulação dos mesmos por profissionais de saúde com coagulase-negativos [S. epidermidis, S. hominis], estrep-
quebra das práticas de controle de infecção. tococos do grupo viridans, Aerococcus spp. e Micrococcus
spp.), seu crescimento em duas ou mais hemoculturas
coletadas por venopunções periféricas são exigidas
Diagnóstico para diferenciar de contaminação da amostra durante
a coleta por comensais da pele. Caso o microrganismo
O principal fator associado à baixa sensibilidade seja um patógeno usual (S. aureus, enterococos, ente-
de uma hemocultura é a coleta de volume de sangue robactérias, bacilos gram-negativos não fermentadores
insuficiente. Isso ocorre porque a concentração dos mi- etc.), o isolamento dos mesmos em uma única hemo-
crorganismos no sangue é baixa durante a infecção de cultura é sugestivo de infecção da corrente sanguínea.
corrente sanguínea. Em adultos, a coleta de 40 mL e de
A colonização do cateter pode ser demonstrada
60 mL, aumentam, respectivamente em 19% e em 29%
de três formas diferentes:
a recuperação de microrganismos em comparação à
coleta de apenas 20 mL. Contudo, deve-se seguir a re- 1. Crescimento do mesmo microrganismo isola-
comendação do fabricante no momento de determinar do na hemocultura periférica a partir da cultu-
o volume de preenchimento de cada frasco de hemo- ra da ponta do cateter (5 cm distais do cateter
cultura, o qual usualmente corresponde a 10 mL de san- removido de forma asséptica) acima do pon-
gue frasco para pacientes adultos. O sangue deve ser to de corte para o método empregado (> 15
coletado de veia periférica, podendo o total ideal de 60 UFC/placa para a técnica de rolagem ou “semi
mL ser obtido através de venopunção periférica única quantitativa” e > 100 UFC/mL para as técnicas
ou de mais de uma punção venosa periférica. A coleta “quantitativas”);
de sangue de pelo menos dois acessos venosos perifé- 2. Crescimento do mesmo microrganismo em
ricos permite a distinção entre contaminação durante sangue coletado através de lúmen do acesso
a coleta ou infecção da corrente sanguínea de fato, de venoso central com crescimento ocorrendo no
acordo com o microrganismo que crescer na hemocul- mínimo 120 minutos mais rápido na amostra
tura, conforme se verá logo adiante. central do que na periférica;
As infecções de corrente sanguínea são conti- 3. Crescimento do mesmo microrganismo em
nuas e não transitórias, ao contrário do que se pen- sangue coletado através de lúmen do acesso
sava. Assim, não há benefício em se coletar múltiplas venoso central com crescimento no mínimo

74
Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas ao Cateter

três vezes maior na cultura quantitativa da dias. Em cateteres tunelizado/implantado, a antibioti-


amostra central em relação à da amostra ve- coterapia sistêmica deve ser feita por 7 dias associada
nosa periférica a selo antibiótico por 10-14 dias. Caso os sintomas pio-
rarem ou persistirem, o cateter deve ser removido e o
Caso a colonização do cateter não seja demons- paciente tratado com antibioticoterapia sistêmica por
trada por uma das maneiras acima descritas, a infec- mais 5 a 7 dias
ção sanguínea relacionada ao cateter é improvável e A bacteremia por S. aureus está associada a uma
devem ser feitos esforços para identificar outra fonte alta taxa de infecções metastáticas, incluindo trom-
para a infecção. bose séptica e endocardite. Em virtude disso, estes
pacientes devem ter o cateter removido e um ecocar-
diograma solicitado.
Tratamento A antibioticoterapia para S. aureus sensível a me-
Em qualquer paciente que tenha um cateter ve- ticilina (MSSA) pode ser feita com oxacilina e, no caso de
noso central, sintomas e sinais de infecção sem outra MRSA e estafilococos coagulase-negativos, as opções
fonte confirmada devem aumentar a suspeita de que são vancomicina, teicoplanina, linezolida, daptomicina,
o cateter possa ser a fonte da infecção. O local de saí- entre outras.
da do cateter deve ser examinado cuidadosamente. Se Caso decida-se pela manutenção do cateter, e
houver alguma purulência ou eritema, é provável uma não havendo nenhuma das complicações acima des-
infecção local e o cateter precisa ser removido. Se o pa- critas, a antibioticoterapia sistêmica e o selo antibiótico
ciente tiver sinais de sepse ou choque séptico, a terapia devem durar 4 semanas (Tabela 9.1). Contudo, a taxa
antibiótica empírica deve ser iniciada. de sucesso é baixa, sendo que a maioria vai recidivar e
No caso de hemoculturas positivas obtidas do ca- necessitar, eventualmente, da remoção do cateter.
teter e hemoculturas negativas a partir de venopunção
periférica (colonização do cateter sem ICSRC), há risco
aumentado para ICSRC subsequente, especialmente se
Antibioticoterapia específica:
o dispositivo for deixado no lugar. Nessa circunstância, enterococos
o cateter deverá ser removido. Alternativamente, a tera- Em geral, a conduta na ICSRC por enterococos
pia com selo antibiótico (sem antibioticoterapia sistêmi- consiste na remoção do cateter (se factível) e na antibio-
ca) pode ser administrada se a remoção não for viável. ticoterapia sistêmica. Seguramente, a manutenção do
Um cateter não tunelizado suspeito de infec- cateter não deve ser tentada na situação de infecção no
ção não deve ser trocado através de fio guia. O cateter óstio de inserção ou na bolsa de um cateter implantado,
deve ser removido e substituído por um novo cateter tromboflebite supurativa, sepse, endocardite, bactere-
em um novo local. A troca por fio guia deve ser reser- mia persistente ou infecção metastática.
vada para substituir um cateter não tunelizado mal O risco de endocardite infecciosa na ICSRC
funcionante apenas se nenhuma evidência de infec- por enterococos é relativamente baixo se a infecção
ção estiver presente. for devida a Enterococcus faecium. Contudo, o risco é
A antibioticoterapia empírica deve ser prescrita consideravelmente maior se a infecção fosse devida a
conforme a epidemiologia hospitalar local, mas usual- Enterococcus faecalis. A avaliação ecocardiográfica é
mente requer cobertura para Pseudomonas. A cobertu- recomendada para pacientes com sinais e sintomas de
ra para MRSA deve ser prescrita se esta causa de ICSRC endocardite infecciosa (por exemplo, sopros novos ou
for frequente na UTI em questão. embolia), bacteremia persistente ou na presença de
uma válvula protética ou de outros corpos estranhos
endovasculares.
Antibioticoterapia específica:
A duração da antibioticoterapia será de 7 a 14
estafilococos dias caso a endocardite for afastada. Em decidindo-se
O curso é benigno na maioria dos pacientes com pela manutenção do cateter, deve-se instituir antibioti-
ICSRC por estafilococos coagulase-negativos. Por isso, coterapia sistêmica associada a selo antibiótico por 7 a
usualmente, o tratamento consiste apenas em remover 14 dias ambos, se a endocardite e infecções metastáti-
cateter, iniciando antibioticoterapia apenas na presen- cas forem afastadas.
ça de outros dispositivos endovasculares ou persis- O antibiótico de escolha para enterococos sen-
tência da febre e/ou bacteremia. Alguns especialistas, síveis é a ampicilina; A vancomicina deve ser utilizada
contudo, recomendam remover o cateter e associar an- se o patógeno for resistente à ampicilina. Nos casos de
tibioticoterapia por 3 dias. ICSRC devido a enterococos resistentes à ampicilina e à
Se necessário manter o cateter central, deve-se vancomicina, podem ser utilizadas linezolida ou dapto-
administrar antibioticoterapia sistêmica por 10 a 14 micina, com base nos resultados do antibiograma.

75
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Tabela 9.1: Classificação clínica da bacteremia estafilocócica e duração da antibioticoterapia

Bacteremia por Staphylococcus aureus Duração da Terapia


Não complicada
Cateter intravascular fonte da infecção removida dentro de 5 dias
Hemocultura negativa 2-4 dias após cultura inicial positiva
Defervescência dentro de 72h da cultura positiva inicial
14 dias
Ecocardiograma sem evidência de endocardite
Sem sinais ou sintomas de infecção metastática (endocardite, osteomielite, abscessos,
tromboflebite supurativa)
Sem dispositivos protéticos intravasculares (válvula, marcapasso, enxerto vascular)
Complicada
28-42 dias (4-6 semanas)
Se não atender todos os requisitos para classificação como não complicada
Bacteremia por estafilococos coagulase negativos Duração da terapia
Simples
Uma única hemocultura positiva para estafilococos coagulase-negativos
Hemoculturas de controle negativas Nenhuma antibioticoterapia ou até
Ausência de sinais ou sintomas de infecção no óstio de saída do cateter 3 dias
Ausência de sinais ou sintomas de infecção metastática
Ausência de dispositivos protéticos intravasculares
Não complicada
Duas ou mais hemoculturas positivas para estafilococos coagulase-negativos, OU
5 dias
Uma única hemocultura positiva para estafilococos coagulase-negativos MAIS sinais ou
sintomas de infecção no óstio de saída do cateter
Complicada
Duas ou mais hemoculturas positivas para estafilococos coagulase-negativos OU
7-28 dias
Ecocardiograma com evidência de endocardite OU
Sinais ou sintomas de infecções metastáticas

Antibioticoterapia específica: bacilos ICSRC por Candida


gram-negativos A remoção do cateter é obrigatória em todos
os casos. As opções de antifúngicos incluem o fluco-
Em geral, o gerenciamento de CRBSI devido a
nazol, a anfotericina B e as equinocandinas. A terapia
bacilos gram-negativos (mais comuns são: Klebsiella
antifúngica deve ser continuada por 14 dias após a
pneumoniae, Enterobacter spp, Pseudomonas spp,
primeira hemocultura negativa para pacientes com
Acinetobacter spp, e Stenotrophomonas maltophilia)
infecção por Candida em que não há suspeita ou
consiste na remoção do cateter (se possível) e na anti-
evidência de infecção metastática (incluindo retinite
bioticoterapia sistêmica. Seguramente, a manutenção
por Candida) e nos quais a fungemia e as evidências
do cateter não deve ser tentada na situação de infec-
de infecção resolvem-se prontamente após a remo-
ção no óstio de inserção ou na bolsa de um cateter im-
ção do cateter. Dados recentes sugerem que até 16%
plantado, tromboflebite supurativa, sepse, endocardite,
dos pacientes com candidemia têm alguma mani-
bacteremia persistente ou infecção metastática.
festação de envolvimento ocular e alguns desses
A duração do cateter nos casos em que o cate- pacientes desenvolverão endoftalmite grave e com
ter é removido é de 7 a 14 dias. Caso o cateter não for risco de perda visual. Assim, para todos os pacien-
removido, deve-se instituir antibioticoterapia sistêmica tes com candidemia, recomenda-se exame de fun-
associada a selo antibiótico, ambos por 10 a 14 dias. do de olho na primeira semana após o início da
Havendo piora dos sintomas pioram ou ausência de terapia antifúngica.
resposta, o cateter deve ser removido e a antibioticote-
rapia mantida por mais 10 a 14 dias.

76
Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas ao Cateter

Tabela 9.2: Tempo de tratamento sugerido para infecções de corrente sanguínea associadas a cateteres profundos

Duração de tratamento
Infecção de corrente sanguínea
(+ remoção do cateter)
Complicada
Tromboflebite ou Endocardite ou Mielite 4-6 semanas
Não-complicada
Estafilococos coagulase-negativa 5-7 dias
Staphylococcus aureus 14 dias
Enterococos spp 7-14 dias
Bastonetes Gram-negativos 7-14 dias
Candida spp 14 dias (após hemocultura negativa de controle)

Adaptado de “The JAID/JSC Guide/Guidelines to Clinical Management of Infectious Disease Preparing Committee. J Infect Chemother 27 (2021) 657-77.”

Prevenção 5. Revisão diária da necessidade de permanên-


cia do CVC, com pronta remoção quando não
Vários estudos demonstraram que a aplicação houver indicação.
conjunta de medidas preventivas por meio de pacote Deve-se ainda observar-se outros cuidados após a
de medidas (bundles) reduziu as ICSRC de modo consis- punção venosa central. As conexões devem receber an-
tente e duradouro. O pacote de medidas compreende tissepsia com álcool a 70% antes de cada manipulação.
cinco componentes: A troca dos curativos deve ser realizada sempre que o
1. Higiene das mãos; mesmo apresente-se úmido, solto ou visivelmente sujo.
2. Precauções de barreira máxima: uso de gorro, Adicionalmente, os curativos devem ter troca periódica
máscara, avental e luvas, sendo estes últimos a cada 48h para curativos com gaze estéril e a cada 7
dois estéreis e campos estéreis grandes que dias para curativos transparentes. O conjunto de infusão
cubram todo o paciente; também deve ser trocado de forma periódica, recomen-
dando-se troca a cada 4 a 7 dias. No caso de infusão de
3. Preparo da pele com gluconato de clorexidina;
sangue, hemoderivados/hemocomponentes, emulsão
4. Utilização da veia subclávia como local prefe- de lipídios e nutrição parenteral a troca deve ser realizada
rencial para CVC não tunelizado; dentro de 24h do início da infusão. Para infusão de pro-
pofol, a troca periódica deve se dar a cada 6 a 12 h.

Referências Bibliográficas
1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Critérios Diagnósticos de Infecção Relacionada à Assistência à
Saúde. 2ª edição, 2017. Capítulo 2 – Infecção da Corrente Sanguínea.
2. Holland TL, Raad I, Boucher HW, et al. Staphylococcal Bacteremia Investigators. Effect of Algorithm-Based Therapy vs
Usual Care on Clinical Success and Serious Adverse Events in Patients with Staphylococcal Bacteremia: A Randomized
Clinical Trial. JAMA. 2018;320:1249-58.
3. Kumar A, Kethireddy S, Darovic GO. Catheter-related and infusion-related sepsis. Crit Care Clin. 2013;29:989-1015.
4. Marra AR, Camargo LF, Pignatari AC, Sukiennik T, Behar PR, Medeiros EA, et al. Brazilian SCOPE Study Group.
Nosocomial bloodstream infections in Brazilian hospitals: analysis of 2,563 cases from a prospective nationwide
surveillance study. J Clin Microbiol. 2011;49:1866-71.
5. McGee DC, Gould MK. Current Concepts: Preventing Complications of Central Venous Catheterization. N Engl J Med
2003; 348:1123-1133
6. Mermel LA, Allon M, Bouza E, et al. Clinical practice guidelines for the diagnosis and management of intravascular
catheter-related infection: 2009 update by the Infectious Disease Society of America. Clin Infect Dis 2009;49:1-45.
7. O’Grady NP, Alexander M, Burns LA, et al. Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. Guidelines for
the prevention of intravascular catheter-related infections. Am J Infect Control. 2011;39(4 Suppl 1):S1-34.

77
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

8. O’Grady NP, Barie PS, Bartlett JG, Bleck T, Carroll K, Kalil AC, et al. American College of Critical Care Medicine;
Infectious Diseases Society of America. Guidelines for evaluation of new fever in critically ill adult patients: 2008 update
from the American College of Critical Care Medicine and the Infectious Diseases Society of America. Crit Care Med.
2008;36:1330-49.
9. Raad I, Hanna H, Maki D. Intravascular catheter-related infections: advances in diagnosis, prevention, and management.
Lancet Infect Dis. 2007;7:645-57.
10. Salomao R, Rosenthal VD, Grimberg G, Nouer S, Blecher S, Buchner-Ferreira S, et al. Device-associated infection rates
in intensive care units of Brazilian hospitals: findings of the International Nosocomial Infection Control Consortium.
Rev Panam Salud Publica. 2008 Sep;24:195-202.
11. Shah H, Bosch W, Thompson KM, Hellinger WC. Intravascular catheter-related bloodstream infection. Neurohospitalist.
2013 Jul;3:144-51.

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

78
Infecções Intra-Abdominais 10

Kelson Veras
Gerson Luiz de Macedo

Introdução tratamento clínico e cirúrgico, diferenciando-se da


peritonite secundária que se prolonga apenas pelo
A classificação mais utilizada para infecções controle inadequado da fonte ou no estabelecimen-
intra-abdominais distingue entre infecções intra-ab- to de complicações pós-operatórias, como deiscência
dominais “complicadas” e infecções intra-abdominais anastomótica. A taxa de pacientes que evoluem de pe-
“não complicadas”. Nas infecções intra-abdominais ritonite secundária para terciária pode ser de até 20%.
não complicadas, o processo infeccioso está contido Existe uma alta incidência de bactérias nosocomiais e
num único órgão, sem ruptura anatômica. A apendicite multirresistentes nesta configuração. A disfunção imu-
aguda e colecistite são exemplos comuns de infecções ne e a resposta alterada ao estresse endócrino também
intra-abdominais não complicadas. As infecções são ca- contribuem para a doença persistente. Curiosamente,
tegorizadas como complicadas quando há ruptura da algumas doenças são mais propensas a progredir para
barreira anatômica, determinando peritonite localizada a peritonite terciária do que outras. Especialmente no
ou generalizada. cenário de pancreatite necrotizante, altas taxas de pro-
As peritonites, por sua vez, podem ser classifica- gressão de peritonite secundária para terciária foram
das em primária, secundária ou terciária. relatadas. A peritonite terciária tem sido associada a
uma alta mortalidade, maior permanência na UTI e
A peritonite primária consiste na peritonite bac-
disfunção orgânica mais grave.
teriana espontânea observada como complicação em
qualquer situação que produza síndrome clínica de as-
cite, como na cirrose hepática descompensada e ou na Etiologia
síndrome nefrótica com ascite. Na peritonite primária
não há uma ruptura da barreira anatômica do trato gas- A localização da fonte primária da peritonite se-
trointestinal ou infecção localizada intra-abdominal, não cundária influencia o espectro de agentes patogênicos
havendo, portanto, uma fonte óbvia dos agentes etioló- envolvidos, uma vez que estômago, intestino delgado
gicos. A peritonite primária geralmente é adquirida na superior, intestino delgado inferior e intestino grosso
comunidade e monobacteriana, usualmente causada têm microbiota distinta entre si.
pela flora gastrointestinal, como bacilos gram-negativos Infecções derivadas do estômago, duodeno, sis-
e enterococos. Raramente requer intervenção cirúrgica. tema biliar e intestino delgado proximal contêm orga-
O termo peritonite secundária refere-se à peri- nismos aeróbicos e facultativos, tanto gram-positivos e
tonite no contexto de perfuração de uma víscera oca. gram-negativos. As infecções derivadas das perfurações
Após essa ruptura da barreira anatômica, pode ocorrer distais do intestino delgado contêm organismos facul-
derramamento grosseiro de flora gastrointestinal na ca- tativos e aeróbicos gram-negativos, mas anaeróbios,
vidade peritoneal. Os organismos causadores variam de como Bacteroides fragilis, estão comumente presentes.
acordo com o local da perfuração. Consequentemente, As infecções intra-abdominais derivadas de có-
a infecção é usualmente polimicrobiana, mas também lon possuem anaeróbios, facultativos e obrigatórios. A
há uma alta incidência de culturas negativas nas perito- espécie de bactéria facultativa gram-negativa mais co-
nites secundárias. mumente detectada é Escherichia coli. Estreptococos
A peritonite terciária é descrita como pe- do grupo viridans e enterococos também são comu-
ritonite persistente ou recorrente após falha no mente presentes.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Diagnóstico diagnósticas são desnecessárias em pacientes com si-


nais óbvios de peritonite difusa e nos quais a interven-
O diagnóstico das infecções intra-abdominais ção cirúrgica imediata está indicada.
complicadas é preponderantemente clínico. Pacientes Pacientes com peritonite generalizada ou perito-
com infecção intra-abdominal tipicamente apresentam nite localizada com instabilidade hemodinâmica não ne-
dor abdominal de início rápido e sintomas de disfunção cessitam de exames de imagem, pois isso não alteraria
gastrointestinal (perda de apetite, náuseas, vômitos, dis- a necessidade de laparotomia. Pacientes com peritonite
tensão e/ou obstipação), com ou sem sinais de inflamação generalizada ou peritonite localizada com instabilidade
(dor, sensibilidade, febre, taquicardia e/ou taquipneia). hemodinâmica devem receber ressuscitação volêmica
No entanto, pacientes críticos podem ser difíceis e antibióticos de amplo espectro, com vasopressores,
de avaliar devido à presença de outras lesões que po- se necessário. Uma vez que os pacientes tenham sido
dem desviar a atenção ou pela presença de insuficiên- ressuscitados, eles devem ser encaminhados para lapa-
cia respiratória, rebaixamento do nível de consciência rotomia de urgência. Em um paciente estável hemodi-
ou outras comorbidades. Inicialmente, a dor pode ser namicamente com peritonite localizada, a imagem é
mal localizada (peritônio visceral) antes de progredir importante para avaliar a extensão da contaminação ini-
para dor constante, severa e mais localizada (peritônio cial e o grau em que a contaminação foi contida.
parietal). A rigidez abdominal difusa sugere peritonite e As radiografias simples do abdômen são fre-
deve ser abordada prontamente por meio de ressusci- quentemente os primeiros estudos de imagem obtidos
tação agressiva e intervenção cirúrgica. em pacientes com peritonite. O seu valor na obtenção
A história da doença, o exame físico e os exames de um diagnóstico específico é limitado. O ar livre está
laboratoriais identificam a maioria dos pacientes com presente na maioria dos casos de perfuração gástrica e
suspeita de infecção intra-abdominal para os quais ava- duodenal anterior, mas é muito menos frequente com
liação e manejo adicionais são recomendados. Para pa- perfurações do intestino delgado e do cólon e é inco-
cientes selecionados, com achados de exame físico não mum com perfuração de apêndice. Os filmes em posi-
confiáveis, como aqueles com estado mental rebaixado ção ortostática são úteis para identificar o ar livre sob o
ou lesão da medula vertebral ou aqueles imunossupri- diafragma (mais frequentemente à direita) como indica-
midos por doença ou terapia, a infecção intra-abdo- ção de uma víscera perfurada. Contudo, a presença de
minal deve ser considerada se o paciente apresentar ar livre não é um achado sistemático na perfuração vis-
evidência de infecção de fonte indeterminada. ceral e pequenas quantidades de ar livre são facilmente
despercebidas em radiografias simples.
Não há evidências fortes de que os resultados
A tomografia computadorizada (TC) deve ser con-
da coloração de Gram e cultura forneçam informações
siderada como uma das técnicas de imagem mais úteis
capazes de alterar o desfecho em pacientes com uma
na avaliação de infecções intra-abdominais. No entanto,
infecção intra-abdominal complicada adquirida na
muitos pacientes instáveis podem não ser adequados
comunidade. Portanto, as culturas do foco infeccioso
para o transporte para a TC, e a função renal prejudica-
intra-abdominal para pacientes de baixo risco com in-
da pode limitar o uso de contraste intravenoso. Para pa-
fecção adquirida na comunidade são consideradas op-
cientes instáveis que não têm indicação de laparotomia
cionais no paciente individual, mas podem ser de valor
imediata e cuja condição crítica os impede de deixar a
epidemiológico na detecção de alterações nos padrões
UTI para análise de imagem adicional, a ultrassonografia
de resistência dos patógenos associados às infecções
é a melhor modalidade de imagem disponível. A ultras-
intra-abdominais comunitárias e na orientação quanto
sonografia abdominal é útil na avaliação de patologias
à terapia oral após alta. Para pacientes de alto risco, as
no quadrante superior direito (por exemplo: abscesso
culturas do sítio infeccioso devem ser rotineiramente
peri-hepático, colecistite, biloma, pancreatite, pseudo-
obtidas, particularmente em pacientes com exposição
cisto pancreático), quadrante inferior direito e pelve
prévia a antibióticos, que são mais propensos a abrigar
(por exemplo: apendicite, abscesso tubo-ovariano, ab-
patógenos resistentes.
cesso no fundo de saco de Douglas). A ultrassonografia
As hemoculturas raramente são complementos é a primeira técnica de imagem para suspeita de cole-
úteis para o diagnóstico de infecção intra-abdominal. cistite aguda ou colangite. A ultrassonografia detecta a
As taxas de bacteremia relacionadas aos organismos colelitíase em cerca de 98% dos pacientes. A colecistite
presentes no sítio de infecção abdominal infectado va- calculosa aguda é diagnosticada radiologicamente pela
riam de 0 a 5%. Bacteremia, contudo, é mais comum em presença concomitante de espessamento da parede da
pacientes em unidade de terapia intensiva e associa-se vesícula biliar (≥ 5 mm), fluido pericolecístico ou sensi-
a aumento da mortalidade. bilidade direta quando a sonda é empurrada contra a
Os estudos de imagem são usados para iden- vesícula biliar (sinal de Murphy ultrassonográfico). No
tificar o foco da infecção e estabelecer a extensão e entanto, o exame às vezes é limitado devido ao descon-
gravidade da doença, mas a abordagem específica de- forto do paciente, distensão abdominal e interferência
pende do estado hemodinâmico do paciente. Imagens do gás intestinal

80
Infecções Intra-Abdominais

Se o diagnóstico de peritonite não for estabele- do procedimento planejado, hipertensão intra-abdo-


cido clinicamente e o paciente não tiver indicação de minal e perda de tecido mole abdominal impedindo o
laparotomia imediata, a tomografia computadorizada é fechamento fascial imediato. As indicações geralmente
o exame de imagem de escolha para determinar a pre- aceitas para a laparostomia ou a relaparotomia planeja-
sença de uma infecção intra-abdominal e sua origem. da incluem configurações nas quais o controle adequado
A TC é preferida porque é mais sensível para detectar do foco não pode ser obtido no procedimento inicial, o
pequenas quantidades de fluido, inflamação e outras controle ou restabelecimento da continuidade da víscera
patologias no trato gastrointestinal. Além disso, a to- oca não pode ser realizado de forma segura e possível
mografia computadorizada abdominal é o estudo de isquemia intestinal em curso que requer um segundo ato
escolha em pacientes com suspeita de diverticulite. operatório para assegurar a viabilidade entérica.
Sempre que possível, a TC deve ser realizada com
contraste enteral e intravenoso. A TC pode ser usada
para avaliar a isquemia, bem como para determinar obs-
Antibioticoterapia empírica
trução intestinal. Um abscesso é sugerido pela presença A terapia antimicrobiana padrão para pacientes
de densidade de fluido que não está no interior de uma com infecções intra-abdominais deve incluir agentes
alça intestinal ou outra víscera oca. O gás dentro de uma com atividade contra enterobactérias, estreptococos
coleção fluida ou a presença de uma cápsula realçada aeróbicos e anaeróbios obrigatórios encontrados no
pelo contraste e alterações inflamatórias adjacentes trato gastrointestinal, embora a cobertura destes úl-
também são altamente sugestivas de um abscesso. A is- timos não seja absolutamente essencial em pacientes
quemia pode ser demonstrada por um coágulo em um com uma fonte de infecção gastrointestinal alta.
grande vaso ou pela ausência de fluxo sanguíneo. O gás As recomendações para o manejo das infecções
dentro da parede intestinal ou na veia porta também intra-abdominais complicadas da Surgical Infection
podem sugerir isquemia. Society e da Infectious Diseases Society of America de
A ressonância nuclear magnética, apesar de ter 2010, bem como a atualização de 2017 dessas reco-
a vantagem de não expor o paciente à radiação, tem mendações, baseiam-se na gravidade da infecção. Uma
uso limitado na obtenção de informações sobre proces- grande variedade de fatores de risco foi identificada
sos patológicos no abdômen. Devido a processos que através de análises multivariadas que preveem uma fa-
incluem a respiração e o peristaltismo, o diafragma e lha no tratamento inicial ou morte em pacientes com
o intestino movem-se constantemente, resultando em infecção intra-abdominal (Tabela 10.1). Para maior cla-
imagem de baixa qualidade. reza, esses fatores de risco foram divididos em:
1. Aqueles relacionados às características do pa-
Tratamento ciente e às alterações fisiológicas associadas à
infecção;
Controle do foco infeccioso 2. Aqueles relacionados à fonte e extensão da
própria infecção, bem como a adequação e
O controle do foco infeccioso intra-abdominal é
tempo de controle da fonte; e
definido como “todas as medidas físicas empreendidas
para eliminar uma fonte de infecção, controlar a con- 3. Aqueles relacionados à presença ou presença
taminação contígua e restaurar a anatomia e a função provável de agentes patogênicos resistentes
pré-mórbida”. A capacidade de controlar a origem da e se a terapia antimicrobiana empírica inicial
contaminação bacteriana e a remoção de focos infec- teve ou não atividade contra os patógenos mi-
ciosos parece ser o fator mais importante na otimiza- crobianos eventualmente isolados.
ção do resultado. Além disso, as intervenções podem,
muitas vezes, servir como ferramentas de diagnóstico
ao obter uma melhor impressão da extensão da doença Tabela 10.1: Fatores potencialmente indicadores de
ou encontrar o local exato de uma perfuração. Assim, se infecção intra-abdominal de alto risco
a condição geral do paciente justificar a intervenção ci- ƒ Pacientes com sepse;
rúrgica urgente, não se deve perder tempo investigan-
ƒ APACHE ≥ 10;
do ainda mais a extensão ou origem da doença.
ƒ Dois ou mais de:
Em pacientes com peritonite grave, não é reco-
mendada relaparotomia obrigatória ou agendada na ƒ Idade ≥ 70 anos;
ausência de descontinuidade intestinal, perda fascial ƒ Neoplasia;
abdominal que impede o fechamento da parede abdo- ƒ Disfunção severa cardiovascular, hepática ou renal;
minal ou hipertensão intra-abdominal. As indicações ƒ Hipoalbuminemia.
geralmente aceitas para a laparostomia em que nem a
fáscia nem a pele são fechadas incluem distúrbios fisioló- ƒ Peritonite difusa;
gicos graves intraoperatórios que impedem a conclusão ƒ Controle do foco demorado ou inadequado.

81
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Após identificar os pacientes como de risco me- O ertapenem é um carbapenêmico ativo contra
nor ou maior, de acordo com esses critérios, os pacien- as cepas mais comuns de Enterobacteriaceae produtoras
tes também devem ser estratificados entre pacientes de ESBL, e sem atividade apreciável contra Enterococcus
com infecção intra-abdominal comunitária ou hospita- spp. ou Pseudomonas aeruginosa. A diretriz de 2017 da
lar, resultando, assim, na divisão abaixo: Surgical Infection Society recomenda o ertapenem para
1. Pacientes com infecção intra-abdominal co- monoterapia para pacientes de baixo risco com infec-
munitária de baixo risco; ção intra-abdominal comunitária. Ertapenem é uma
boa opção, portanto, para o tratamento de pacientes
2. Pacientes infecção intra-abdominal comunitá-
em áreas do mundo onde existe uma alta prevalência
ria de alto risco;
de E. coli que produtora de ESBL na comunidade.
3. Pacientes com infecção intra-abdominal
Quinolonas como moxifloxacina ou a combina-
hospitalar.
ção de ciprofloxacina ou levofloxacina mais metro-
nidazol também são recomendados para pacientes
Em pacientes com infecção de maior gravidade, de baixo risco com infecção intra-abdominal comuni-
as consequências da falha no tratamento podem ser tária. Embora haja preocupações quanto a resistência
mais significativas do que em pacientes com infecção de microrganismos anaeróbios à moxifloxacina, não se
leve a moderada. O uso de esquemas antimicrobianos demonstrou correlação entre dados de susceptibilida-
empíricos iniciais que posteriormente são identificados de anaeróbica e desfecho clínico com o uso da moxi-
como carecendo de atividade in vitro contra os orga- floxacina. A levofloxacina é a única destas quinolonas
nismos isolados da infecção intra-abdominal tem sido que não foi estudada para infecções intra-abdominais.
associado a uma maior necessidade de procedimentos Contudo, baseado em seu espectro de ação, infere-se
adicionais de controle do foco e terapia antimicrobia- que a mesma tenha eficácia similar. As quinolonas es-
na mais agressiva, aumento do tempo de permanência tão indicadas, principalmente, em pacientes com aler-
hospitalar, além aumento de custos e da mortalidade. gia grave aos betalactâmicos. Contudo, deve-se preferir
Portanto, o uso de agentes de maior espectro que for- outra classe antibacteriana em regiões com alta preva-
necem atividade contra vários organismos gram-ne- lência de E. coli resistente às quinolonas (como é o caso
gativos ocasionalmente isolados desses pacientes tem do Brasil).
potencial para melhorar os resultados, embora essa Os dados agregados de ensaios clínicos utilizan-
hipótese não tenha sido rigorosamente examinada em do tigeciclina para qualquer indicação revelaram maior
ensaios clínicos. Recomenda-se, portanto, o uso empíri- mortalidade em pacientes tratados com tigeciclina. Esses
co de regimes antimicrobianos com atividade de amplo dados resultaram em um aviso na bula da tigeciclina in-
espectro contra enterobactérias, estreptococos aeróbi- dicando que a mesma deve ser reservada para situações
cos e anaeróbios obrigatórios. em que nenhum outro antibiótico seja adequado. A ti-
geciclina pode ser útil no tratamento de pacientes com
agentes patogênicos resistentes, particularmente como
Antibioticoterapia para infecções intra- componente de um regime combinado, em pacientes
abdominais comunitárias de baixo risco para os quais não há outra opção antibiótica.
A combinação de cefotaxima ou ceftriaxona
mais metronidazol é o esquema recomendado pela
diretriz de 2017 da Surgical Infection Society para in-
Antibioticoterapia para infecções intra-
fecções intra-abdominais comunitárias de baixo risco. abdominais comunitárias de alto risco
Contudo, na América Latina, existe uma alta prevalência Em pacientes com infecção de maior gravidade,
de Enterobacteriaceae produtoras de ESBL. Em áreas do as consequências da falha no tratamento podem ser
mundo onde E. coli produtoras de ESBL são prevalentes, mais significativas do que em pacientes com infecção
outros agentes seriam preferíveis. leve a moderada. O uso de esquemas antimicrobianos
A mesma diretriz não recomenda a combinação empíricos iniciais que posteriormente são identificados
de cefazolina mais metronidazol, uma vez que ape- como carecendo de atividade in vitro contra os orga-
nas evidências indiretas apoiam seu uso para trata- nismos isolados da infecção intra-abdominal tem sido
mento de pacientes com infecções intra-abdominais. associado a uma maior necessidade de procedimentos
Devido à falta de dados contemporâneos e o poten- adicionais de controle do foco e terapia antimicrobia-
cial de diminuição da eficácia das cefamicinas (cefoxi- na mais agressiva, aumento do tempo de permanência
tina, cefotetan), como refletido na evidência indireta hospitalar, além aumento de custos e da mortalidade.
de estudos de profilaxia cirúrgica colorretal, a diretriz A microbiota infectante de pacientes de alto ris-
também não recomenda o uso das cefamicinas para co com infecção intra-abdominal comunitária é geral-
o tratamento empírico de pacientes com infecções mente similar à dos pacientes de baixo risco. Alguns
intra-abdominais. pacientes, no entanto, são infectados com agentes

82
Infecções Intra-Abdominais

patogênicos como Enterobacter spp., P. aeruginosa e A cefepime é uma cefalosporina com ação an-
Enterococcus spp. que são resistentes aos agentes de tipseudomonas de quarta geração, a qual, em combi-
espectro mais estreito recomendados para uso em pa- nação com metronidazol, também é recomendada para
cientes de baixo risco. Os pacientes de maior risco infec- o tratamento de pacientes de alto risco com infecção
tados com esses agentes patogênicos podem, portanto, intra-abdominal.
receber terapia antimicrobiana inadequada se forem As susceptibilidades in vitro da Escherichia coli
utilizados agentes do espectro mais estreito. Para forne- à ceftazidima permanecem maiores que 90% na
cer terapia antimicrobiana adequada para pacientes de América do Norte e na Europa; no entanto, a suscep-
alto risco, recomenda-se o uso de regimes antimicrobia- tibilidade desse organismo à ceftazidima é sensivel-
nos empíricos de amplo espectro (Tabela 10.2). mente menor na Ásia, no Oriente Médio e na América
Os agentes incluídos nesta categoria são pipera- Latina, onde predominam as cepas produtoras de
cilina-tazobactam, carbapenêmicos de amplo espectro ESBL de E. coli. Tal como acontece com a maioria dos
(imipenem-cilastatina, meropenem e doripenem) e ce- outros agentes com atividade de amplo espectro
fepime mais metronidazol. A ceftazidima mais metroni- contra organismos gram-negativos, esse regime deve
dazol é uma opção, embora menos apoiada por dados ser reservado principalmente para o tratamento em-
recentes. Da mesma forma, o uso de aztreonam mais pírico de pacientes de alto risco com IAI. Um regime
metronidazol mais vancomicina pode ser considerado, baseado em ceftazidima provavelmente deve ser evi-
particularmente para pacientes com reações alérgicas tado em regiões onde existe uma alta prevalência de
graves aos betalactâmicos, embora também não tenha Enterobacteriaceae que produz ESBL.
sido avaliado em publicações recentes. Importante salientar que as E. coli resistentes a
Para evitar a exposição excessiva do paciente a quinolonas tornaram-se comuns em algumas regiões,
terapia antimicrobiana de amplo espectro e potencial de modo que as quinolonas não devem ser utilizadas,
seleção de microrganismos resistentes adicionais, no a menos que a epidemiologia hospitalar indique > 90%
entanto, também é recomendada um desescalonamen- de susceptibilidade da E. coli às quinolonas.
to da terapia com base em resultados de cultura. Não há evidências de que o uso rotineiro de agen-
Com base na evidência continuada de boa eficá- tes eficazes contra enterococos melhore o desfecho,
cia da piperacilina-tazobactam, a diretriz de 2017 da mas a infecção por este organismo foi associada a um
Surgical Infection Society recomenda esse agente para o desfecho mais desfavorável. Quase todos os enteroco-
tratamento de pacientes com infecção intra-abdominal. cos isolados da infecção intra-abdominais comunitárias
Para evitar o uso excessivo e a potencial promoção da são E. faecalis e geralmente são suscetíveis a ampicilina,
resistência a agentes de amplo-espectro como a pipe- incluindo algumas cepas de E. faecalis resistentes à van-
racilina-tazobactam, a diretriz sugere que este agente comicina. A ampicilina e a piperacilina geralmente têm
seja reservado principalmente para uso em pacientes boa atividade contra E. faecalis in vitro. Entre os carbape-
de alto risco. nêmicos de amplo espectro, o imipenem-cilastatina

Tabela 10.2: Antibioticoterapia empírica inicial da infecção intra-abdominal comunitária

Pacientes de baixo risco Pacientes de alto risco


ƒ Piperacilina-tazobactam
ƒ Ertapenem ƒ Imipenem-cilastatina
Monoterapia
ƒ Moxifloxacinaa ƒ Meropenemc
ƒ Doripenemc
ƒ Ceftriaxona ou cefotaxima mais metronidazol ƒ Cefepime mais metronidazolc,d
Terapia combinada
ƒ Ciprofloxacina mais metronidazolb ƒ Aztreonam mais metronidazol mais vancomicinae
a
O uso de fluoroquinolonas é sugerido principalmente para pacientes com reações alérgicas graves aos antibióticos
betalactâmicos.

b
Se a levofloxacina for a única fluoroquinolona disponível, pode ser substituída por ciprofloxacina. Há pouca evidência em
relação à sua eficácia e não é aprovada pela Food and Drug Administration para tratamento de pacientes com infecção intra-
abdominal complicada.
c
Adicionar ampicilina ou vancomicina para cobertura empírica de enterococos.
d
Ceftazidima mais metronidazol também é uma opção, mas menos bem apoiada por dados recentes.
e
Aztreonam mais metronidazol mais vancomicina é uma opção para pacientes com reações alérgicas graves a antibióticos
betalactâmicos, mas menos bem apoiada por dados recentes.

83
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

também possui boa atividade in vitro, mas o doripenem Tabela 10.3: Critérios para identificar pacientes com
e, particularmente, o meropenem têm menos ativida- infecção intra-abdominal adquirida no setor de saúde ou
de. Considere, portanto, o uso de ampicilina ou vanco- hospitalar
micina para o tratamento empírico antienterococo em
pacientes de alto risco se este não estiver sendo tratado Desenvolvimento de infecção após 48 horas do controle
com piperacilina-tazobactam ou imipenem-cilastatina. inicial do foco
Linezolida e daptomicina são as opções para trata- Hospitalização por mais de 48 horas durante a admissão
mento empírico ou dirigido para infecções suspeitas ou atual ou nos últimos 90 dias
comprovadas de Enterococcus spp. resistente à vanco- Residência em um serviço de enfermagem especializada ou
micina (VRE). outra instalação de cuidados de longa duração nos últimos
Os esquemas antimicrobianos empíricos devem 30 dias;
ser ajustados de acordo com resultados das culturas e Terapia de infusão endovenosa domiciliar, cuidados com
antibiogramas, desescalonando para antibióticos com feridas domiciliar ou diálise nos últimos 30 dias;
perfis de atividade mais estreitos, sempre que possível. Uso de antibioticoterapia de amplo espectro durante 5 dias
A ampicilina-sulbactam não é recomendada de- ou mais nos últimos 90 dias.
vido a altas taxas de resistência a este agente entre E.
coli adquirida na comunidade a nível mundial. A clin- não fermentadores Pseudomonas aeruginosa e
damicina não é recomendada para cobertura antia- Acinetobacter, Klebsiella e E. coli produtoras de beta-
naeróbica empírica devido ao aumento da prevalência lactamase de espectro estendido (ESBL), espécies de
de resistência a esses agentes no grupo Bacteroides Enterobacter, espécies de Proteus, MRSA, enterococos e
fragilis. Devido à disponibilidade de agentes menos espécies de Candida. Para essas infecções, são recomen-
tóxicos e, no mínimo, igualmente eficazes, os amino- dados esquemas complexos com múltiplas drogas, pois
glicosídeos não são recomendados para uso rotineiro a terapia empírica adequada parece ser importante na
em adultos com infecção intra-abdominal adquirida determinação de complicações pós-operatórias e mor-
na comunidade. talidade. A incapacidade de tratar adequadamente os
Mesmo quando fungos são isolados a partir do organismos resistentes, em infecções semelhantes as-
foco infeccioso intra-abdominal, os agentes antifúngi- sociadas ao cuidado da saúde, foi associada ao aumen-
cos são desnecessários em pacientes com infecções in- to da mortalidade. Os padrões de resistência local dos
tra-abdominais comunitárias, a menos que o paciente isolados nosocomiais observados no hospital específi-
tenha alto risco para infecção fúngica. Pacientes graves co devem ditar o tratamento empírico, e o tratamento
com infecções intra-abdominais comunitárias devido deve ser alterado com base em um estudo microbioló-
a perfurações gastrointestinais altas, no entanto, têm gico completo dos espécimes infectados.
uma incidência particularmente elevada de peritonite Para alcançar a cobertura empírica de patóge-
por Candida e a mortalidade nesses pacientes é bastan- nos prováveis, podem ser necessários esquemas mul-
te alta. Considere o uso de agentes antifúngicos para tidrogas que incluem agentes com espectro ampliado
a terapia empírica de pacientes críticos com uma fonte de cobertura a bactérias multirresistentes. Os agentes
gastrointestinal alta. recomendados incluem piperacilina-tazobactam, ce-
fepime mais metronidazol ou um carbapenêmico como
imipenem ou meropenem. Ceftazidima mais metroni-
Infecções intra-abdominais associadas
dazol ou aztreonam mais metronidazol mais vancomi-
a cuidados de saúde cina são alternativas.
Pacientes infectados com microrganismos resis- O potencial papel patogênico dos enterococos
tentes ou oportunistas foram identificados como ten- em infecções pós-operatórias provavelmente justifica o
do maior risco de um desfecho adverso. Há uma ampla uso de um agente empírico antienterocócico na maioria
evidência de que os pacientes com infecções intra-ab- desses pacientes também. Os enterococos são microrga-
dominais associadas a cuidados de saúde, incluindo pa- nismos oportunistas comumente isolados de pacientes
cientes com infecções pós-operatórias, estão em maior com infecções intra-abdominais associadas a cuidados
risco de infecção por agentes patogênicos resistentes de saúde, embora seu papel patogênico nas infecções
ou oportunistas. Porém, mesmo pacientes que não intra-abdominais ainda seja uma questão de algum de-
estão hospitalizados podem estar sob risco de infec- bate. Os pacientes em que a infecção intra-abdominal
ções intra-abdominais devido a esses microrganismos associada a cuidados de saúde desenvolve-se após uma
(Tabela 10.3). operação abdominal parecem estar sob risco especial de
A infecção associada a cuidados de saúde é infecção por Enterococcus spp., assim como os pacien-
comumente causada por uma microbiota mais re- tes que receberam antibioticoterapia de amplo espec-
sistente, que pode incluir os bacilos gram-negativos tro anterior. A terapêutica empírica antienterocócica é

84
Infecções Intra-Abdominais

recomendada para pacientes com infecção intra-abdo- Pacientes sabidamente colonizados por MRSA
minal associada a cuidados de saúde, particularmente e aqueles que com vários fatores de risco para a co-
para aqueles com os seguintes fatores de risco: lonização por MRSA devem receber empiricamente
1. Infecções pós-operatórias; vancomicina ou teicoplanina ou linezolida ou dap-
2. Exposição recente a terapia antimicrobiana de tomicina como alternativas. Outros agentes ativos,
amplo espectro; contra MRSA, incluem a ceftarolina, tigeciclina, te-
lavancina, dalbavancina e oritavancina, mas não há
3. Sinais de sepse ou choque séptico. dados publicados suficientes sobre o manejo de infec-
ções graves para fazer qualquer recomendação sobre
Tanto E. faecalis quanto E. faecium são encontra- o uso desses agentes.
dos com relativa frequência em pacientes com infec- Embora a Escherichia coli ainda seja o principal
ção intra-abdominal associada a cuidados de saúde, agente etiológico gram-negativo nas infecções intra-
sendo esse último responsável por uma proporção -abdominais associadas a cuidados de saúde, ente-
substancial desses isolados enterocócicos. Devido ao robactérias resistentes e bacilos gram-negativos não
maior risco da participação etiológica do E. faecium fermentadores (Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter
em pacientes com infecção intra-abdominal associada baumannii) também são encontrados com alguma fre-
a cuidados de saúde, a terapia antienterocócica em- quência. São fatores de risco para colonização por esses
pírica deve ser dirigida tanto contra E. faecalis como microrganismos:
E. faecium. Os glicopeptídios, geralmente, têm boa
1. Pacientes previamente colonizados ou in-
atividade contra cepas não-VRE de E. faecalis e E. fae-
fectados com um organismo gram-negativo
cium, enquanto que os antibióticos betalactâmicos ti-
resistente;
picamente não possuem atividade contra E. faecium.
Portanto, sugere-se o uso de vancomicina ou teico- 2. Prevalência local de bacilos gram-negativos
planina para pacientes com infecção intra-abdominal resistentes;
associada a cuidados de saúde sob risco de infecção 3. Uso prévio de terapia antimicrobiana de am-
por Enterococcus spp. plo espectro;
A terapia empírica dirigida contra Enterococcus 4. Internações prolongadas;
faecium resistente à vancomicina (VRE) não é recomen- 5. Múltiplas intervenções invasivas prévias.
dada, a menos que o paciente tenha um risco muito alto
de infecção devido a este organismo, como um receptor
de transplante hepático com infecção intra-abdominal O uso de agentes antifúngicos empíricos deve
originária da árvore hepatobiliar ou um paciente sabi- ser considerado naqueles pacientes com infecção in-
damente colonizado com E. faecium resistente à van- tra-abdominal associada a cuidados de saúde com riso
comicina. Sugere-se, nestes casos, o uso de linezolida elevado para infecção por Candida spp. Os fatores de
ou daptomicina empírica. A tigeciclina também possui risco específicos para a peritonite por Candida incluem:
boa atividade in vitro contra VRE, mas há apenas dados 1. Perfurações gastrointestinais recorrentes;
clínicos limitados sobre o uso deste agente para pacien- 2. Perfurações gastrointestinais altas;
tes com infecção intra-abdominal associada a cuidados 3. Pancreatite tratada cirurgicamente;
de saúde por VRE.
4. Antibioticoterapia de amplo espectro
Pacientes colonizados com Staphylococcus au- prolongada;
reus resistentes à meticilina (MRSA) correm o risco de
5. Pacientes fortemente colonizados por
infecções invasivas por MRSA, incluindo infecção intra-
-abdominal pós-operatória. Os fatores de risco para a Candida.
colonização por MRSA são semelhantes aos fatores de
risco para infecção por patógenos resistentes e oportu- Em pacientes com infecção intra-abdominal asso-
nistas relacionados às infecções associadas a cuidados ciada a cuidados de saúde, o achado de fungos na colo-
de saúde: ração de Gram de líquido ou tecido peritoneal infectado
1. Idade avançada; deve ser interpretado como infecção por Candida spp.
2. Comorbidades médicas; O tratamento recomentado para terapia empírica
3. Residência em estabelecimento de cuidados de pacientes gravemente doentes em risco de infecção
prolongados; por Candida spp deve ser com uma equinocandina (ani-
dulafungina, caspofungina ou micafungina). Considere
4. Hospitalização recente;
fluconazol para terapia antifúngica de pacientes menos
5. Cirurgia recente; severos em risco de infecção por Candida spp. A dura-
6. História de exposição recente a agentes ção da terapia deve ser determinada pela adequação
antibióticos. do controle do foco e resposta clínica.

85
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Duração da antibioticoterapia Falha terapêutica


Várias linhas de evidência apoiam a limitação da Embora o sucesso terapêutico nas infecções
antibioticoterapia perioperatória a não mais de 24 horas intra-abdominais seja geralmente manifestado por
em pacientes com contaminação intra-abdominal, mes- resolução da febre, leucocitose e da disfunção gastroin-
mo que esses pacientes estejam sob risco aumentado testinal, esses sinais podem persistir em alguns pacien-
de infecção. Em tais pacientes, o principal objetivo da tes, mesmo na ausência de infecção em atividade. Os
terapia é a profilaxia contra a infecção do sítio cirúrgico, pacientes que apresentam sinais persistentes de infla-
em oposição ao tratamento de infecção estabelecida. mação devem ser submetidos a investigações diagnós-
Essas condições incluem pacientes com perfuração gas- ticas para determinar se há infecção intra-abdodminal
troduodenal operados em 24 horas, perfuração de alça recorrente ou persistente, ou se há um outro foco in-
reparadas dentro de 12 horas (traumáticas ou iatrogê- feccioso. Se os estudos diagnósticos forem negativos,
nicas) e processos localizados, tais como pacientes com geralmente, não se justifica terapia antimicrobiana adi-
apendicite aguda ou gangrenosa na ausência de perfu- cional. As análises retrospectivas indicam que o uso de
ração, pacientes com colecistite aguda ou gangrenosa esquemas antimicrobianos prolongados, mesmo em
na ausência de perfuração, ou pacientes com intestino pacientes com febre persistente ou leucocitose, não
isquêmico não perfurado, no qual o foco de inflamação oferece nenhum benefício.
ou infecção é completamente eliminado por um proce- Além disso, o estudo STOP-IT identificou que os
dimento cirúrgico e não há extensão da infecção além pacientes com infecção intra-abdominal randomiza-
do órgão em questão. dos para a terapia antimicrobiana continuada até dois
A administração de antibióticos profiláticos a dias após a resolução da febre, leucocitose e íleo não
pacientes com pancreatite necrosante grave antes do tiveram resultados melhores do que os pacientes ran-
diagnóstico de infecção não é recomendada. domizados para 4 dias fixos de antibioticoterapia, inde-
A terapia antimicrobiana deve ser limitada a qua- pendentemente da presença ou não destes sinais; estes
tro dias (96 horas) em pacientes que tiveram controle achados mantiveram-se até nos pacientes com APACHE
de foco adequado. Durações maiores da terapia não se II mais elevados. Em conjunto, esses dados suportam a
associaram a resultados melhores. sugestão da força de tarefas de que a terapia antimicro-
As evidências sugerem que uma duração da an- biana seja interrompida em pacientes com IAI que te-
tibioticoterapia não superior a 1 semana é apropriada nham alguns sinais clínicos de falha no tratamento, mas
para a maioria dos pacientes com infecção intra-abdo- cujos estudos de imagem não mostram nenhuma fonte
minal nos quais um procedimento de controle de foco infecciosa clara.
definitivo não foi realizado (por exemplo: diverticulite A falha precoce no tratamento em pacientes com
complicada ou fleimão periapendicular conduzidos de infecções intra-abdominais, ocorrendo dentro de 48 ho-
forma não cirúrgica). A maioria dos pacientes selecio- ras após o controle do foco, é tipicamente o resultado
nados para o conduta não-cirúrgica são pacientes de de uma intervenção inicial mal sucedida e não de uma
baixo risco que possuem defesas robustas, o que lhes falha na terapia antimicrobiana. O consenso da força-
permite controlar localmente a infecção. Dentro dessa -tarefa é que a continuação da terapia antimicrobiana
janela, a resolução dos sinais clínicos de infecção (febre, anterior é apropriada na maioria dos pacientes com
leucocitose e adequação da função gastrointestinal) infecção intra-abdominal que apresenta de falha pre-
deve ser usada para julgar o ponto de término da tera- coce do tratamento. Em contraste, pacientes com falha
pia antimicrobiana. Se os sinais de infecção persistirem tardia do tratamento, que ocorrem após 48 horas, pro-
após 5 a 7 dias, no entanto, esses pacientes devem ser vavelmente terão uma flora microbiana um pouco mais
considerados como tendo falhado no tratamento e de- resistente por conta da duração mais longa da terapia
vem realizar exames de imagem e outros estudos para antimicrobiana. Uma terapia antimicrobiana empírica
determinar se um controle definitivo do foco deve ser de espectro mais amplo, adaptada ao risco esperado de
realizado ou não. agentes patogênicos resistentes, deve ser fornecida a
Não há dados suficientes para avaliar a duração pacientes com falha tardia do tratamento. Se possível,
da terapia em pacientes que recebem medicamentos uma mudança na classe de antibióticos administrados
imunossupressores. Esses pacientes são frequentemen- deve ser considerada.
te tratados com terapia antimicrobiana prolongada para Dessa forma, a investigação diagnóstica ou in-
qualquer infecção, incluindo intra-abdominal. A terapia tervenções terapêuticas devem ser fortemente consi-
antimicrobiana também não deve ser interrompida em deradas em pacientes com deterioração progressiva
certos pacientes com infecção intra-abdominal, em par- ou sem melhora em marcadores inflamatórios ou si-
ticular pacientes criticamente doentes com peritonite nais de função orgânica 48 horas após a primeira in-
terciária descontrolada ou agravamento da sepse com tervenção e nos pacientes que mostram evidências de
insuficiência orgânica. atividade inflamatória 5-7 dias após o procedimento

86
Infecções Intra-Abdominais

inicial. Na maioria dos pacientes, o estudo de imagem saúde, utilizando, se possível, uma classe diferente de
de escolha para investigar a falha do tratamento é a agentes antimicrobianos. Se não houver resposta clíni-
tomografia computadorizada com contraste. As tomo- ca a este teste terapêutico dentro de alguns dias, a tera-
grafias computadorizadas são geralmente bastante pia antimicrobiana deve ser descontinuada e somente
sensíveis na detecção de coleções de fluidos intra-ab- reiniciada se houver evidência de deterioração clínica.
dominais infectados, particularmente quando com- Pacientes com evidências clínicas de falha no
paradas com exames físicos, estudos laboratoriais e tratamento e estudos de imagem que mostrem infec-
outras modalidades de imagem. A tomografia compu- ção intra-abdominal recorrente ou persistente, mas
tadorizada, no entanto, não diferencia necessariamen- nos quais o controle adicional do foco não pode ser
te as coleções de fluidos pós-operatórias infectadas alcançado, devem continuar a antibioticoterapia. A
das não infectadas. terapia antimicrobiana deve ser interrompida quando
Nos pacientes com falha terapêutica e exames os sinais clínicos de inflamação sistêmica ou disfunção
imagem mostrando inflamação intra-abdominal em orgânica diminuírem. Esses pacientes devem ser moni-
atividade devem ser submetidos a uma tentativa com torados para patógenos resistentes, com a terapia an-
agentes antimicrobianos adicionais apropriados para timicrobiana ajustada conforme necessário para tratar
infecção intra-abdominal associada a cuidados de esses agentes patogênicos

Referências Bibliográficas
1. Blot S, De Waele JJ, Vogelaers D. Essentials for Selecting Antimicrobial Therapy for Intra-Abdominal Infections. Drugs
2012; 72: e17-e32.
2. Friedrich AK, Cahan M. Intraabdominal infections in the intensive care unit. J Intensive Care Med. 2014;29:247-54.
3. Kimura Y, Takada T, Strasberg SM, Pitt HA, Gouma DJ, Garden OJ, et al. TG13 current terminology, etiology, and
epidemiology of acute cholangitis and cholecystitis. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2013;20:8-23.
4. Mazuski JE, Tessier JM, May AK, Sawyer RG, Nadler EP, Rosengart MR, et al. The Surgical Infection Society Revised
Guidelines on the Management of Intra-Abdominal Infection. Surg Infect (Larchmt). 2017;18:1-76.
5. Pappas PG, Kauffman CA, Andes DR, Clancy CJ, Marr KA, Ostrosky-Zeichner L, et al. Clinical Practice Guideline for
the Management of Candidiasis: 2016 Update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2016;62:e1-
50.
6. Sartelli M, Viale P, Catena F, Ansaloni L, Moore E, Malangoni M, et al. 2013 WSES guidelines for management of intra-
abdominal infections. World J Emerg Surg 2013;8:3.
7. Sawyer RG, Claridge JA, Nathens AB, Rotstein OD, Duane TM, Evans HL, et al. Trial of short-course antimicrobial
therapy for intraabdominal infection. N Engl J Med. 2015;372:1996-2005.
8. Solomkin JS, Mazuski JE, Bradley JS, Rodvold KA, Goldstein EJ, Baron EJ, et al. Diagnosis and management of
complicated intra-abdominal infection in adults and children: guidelines by the Surgical Infection Society and the
Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis 2010;50:133-64.

87
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

88
Infecções de Pele e 11
Partes Moles (IPPM)

Kelson Veras

Critérios de Gravidade ao exame físico, a erisipela apresenta os limites da infla-


mação mais nitidamente delineados do que a celulite.
O tratamento empírico das infecções purulentas e Nesse texto, a erisipela será considerada no con-
não purulentas de pele e partes moles depende da gravi- texto da celulite, uma vez que fatores de risco, diag-
dade do caso, classificadas conforme a descrição abaixo: nóstico e conduta da erisipela são semelhantes aos
„ Leve: Ausência de sinais sistêmicos de da celulite.
infecção; Ambas infecções determinam áreas de eritema,
„ Moderada: Presença de um ou mais critérios edema, dor e calor, que se difundem rapidamente, às
de SIRS; vezes acompanhadas por linfangite e inflamação dos
„ Grave: dois ou mais sinais de SIRS associado a linfonodos regionais. Na evolução, podem desenvolver-
hipotensão ou disfunção orgânica ou paciente -se vesículas, bolhas e hemorragia cutânea na forma de
imunossuprimido. petéquias ou equimoses. As manifestações sistêmicas
são geralmente leves, mas febre, taquicardia, confusão,
hipotensão e leucocitose estão eventualmente presen-
As infecções leves e as infecções moderadas com tes e podem ocorrer horas antes das alterações cutâ-
apenas um sinal de SIRS podem ser tratadas com anti- neas surgirem.
bioticoterapia por via oral. As infecções moderadas com
Essas infecções surgem quando bactérias pene-
dois ou mais critérios de SIRS devem receber antibioti-
tram a superfície cutânea, especialmente em pacientes
coterapia endovenosa. As formas graves de infecção de
com pele frágil ou defesas locais diminuídas devido a
pele e partes moles devem receber antibioticoterapia
condições tais como obesidade, trauma cutâneo ante-
empírica direcionada a bactérias multirresistentes.
rior (incluindo cirurgia), episódios prévios de celulite e
edema de insuficiência venosa ou linfedema. A porta
Infecções Não Purulentas de Pele de entrada pode ser óbvia, como trauma, ulceração e
inflamação cutânea preexistente, mas muitas vezes são
e Partes Moles mínimas e clinicamente inaparentes.
Celulite e erisipela referem-se a infecções cutâ- A grande maioria dessas infecções tem como etio-
neas difusas, superficiais, não purulentas e que se pro- logia estreptococos, comumente do grupo A, mas tam-
pagam em determinada área. Esses termos não são, bém de outros grupos, como B, C, F ou G. Staphylococcus
portanto, apropriados para inflamação cutânea asso- aureus causa celulite com menos frequência, mas os
ciada a coleções de pus, como furúnculos ou abcessos casos devidos a esse organismo são tipicamente asso-
de pele. ciados a uma ferida aberta ou a um trauma penetran-
Os termos celulite e erisipela são, às vezes, usa- te prévio, incluindo locais de injeção de drogas ilícitas.
dos de forma intercambiável, especialmente nos países Vários outros organismos podem causar celulite, mas
europeus. Frequentemente, porém, a erisipela é defi- geralmente apenas em circunstâncias especiais, como
nida como uma infecção limitada à derme superior, in- mordidas de animais, lesões por imersão em água doce
cluindo o sistema linfático superficial, enquanto que a ou salgada, neutropenia ou imunodeficiência grave.
celulite consiste em uma infecção que envolve a derme Hemoculturas raramente são positivas (≤ 5%
mais profunda e o tecido celular subcutâneo, sendo que dos casos). O isolamento do agente etiológico a partir
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

de culturas de aspirados por agulha da pele inflama- celulite moderada e podem, inicialmente, receber os
da também é baixo, variando de ≤ 5% a cerca de 40%. agentes orais efetivos para doença leve. Os pacientes
As culturas de amostras obtidas por biópsia com pun- que apresentam dois ou mais critérios SIRS ou que fa-
ch identificam um patógeno em 20% a 30% dos ca- lham em agentes orais devem ser considerados para um
sos. Hemoculturas, culturas de aspirados de tecido ou esquema intravenoso de cefalotina, ceftriaxona, penici-
biópsias de pele são desnecessárias para casos típicos lina G ou, em casos de alergia à penicilina, clindamicina.
de celulite. Estes métodos diagnósticos devem ser con- As formas graves são aquelas em pacientes com
siderados para pacientes com neoplasias, para aque- dois ou mais critérios de SIRS associado a hipotensão ar-
les que apresentam manifestações sistêmicas graves terial, ou celulite em paciente imunocomprometido ou
(como febre alta e hipotensão) e fatores predisponentes na presença de progressão rápida levando a disfunção
incomuns, como lesões por imersão, mordidas de ani- orgânica. Esses casos devem receber antibioticoterapia
mais, neutropenia e imunodeficiência grave. empírica de largo espectro endovenosa, tais como pi-
As culturas de swab superficial da pele, especial- peracilina-tazobactam ou imipenem ou meropenem,
mente aquelas de feridas ou úlceras crônicas, são co- qualquer um destes associado à vancomicina. A avalia-
mumente polimicrobianas ou colonizadas com agentes ção cirúrgica deve ser solicitada para descartar a possi-
patogénicos multirresistentes que não estão envolvi- bilidade de um processo necrotizante, bem como para
dos na etiologia da celulite subjacente. Por conseguin- a obtenção de amostras para cultura.
te, deve-se ter cuidado ao interpretar ou buscar culturas O Staphylococcus aureus resistente à meticilina
de superficiais, o que pode levar à antibioticoterapia (MRSA) é uma causa incomum de celulite típica. No en-
de amplo espectro desnecessária. A Infectious Diseases tanto, a cobertura para MRSA pode ser considerada na
Society of America (IDSA) não recomenda culturas de celulite associada a trauma penetrante, especialmen-
swab no manejo de úlceras infectadas. te associado ao uso de drogas ilícitas, na presença de
A antibioticoterapia para casos típicos de celulite coleção purulenta ou com evidências simultâneas de
deve incluir um antibiótico ativo contra estreptococos. infecção por MRSA em outros lugares. As opções para
Uma grande porcentagem de pacientes pode receber tratamento de MRSA nessas circunstâncias incluem dro-
medicamentos orais desde o início para a celulite típica gas intravenosas (vancomicina, daptomicina, linezolida
e antibióticos adequados para a maioria dos pacientes ou telavancina) ou terapia oral com doxiciclina, clinda-
incluem penicilina, amoxicilina, amoxicilina-clavulana- micina ou sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP). Se
to, oxacilina, cefalexina ou clindamicina. Nos casos de a cobertura para estreptococos e MRSA for desejada
celulite não complicada, um tratamento de 5 dias de te- para terapia oral, as opções incluem clindamicina iso-
rapia antimicrobiana é tão efetivo como um curso de 10 lada ou a combinação de SMX-TMP ou doxiciclina com
dias, se a melhora clínica tiver ocorrido em 5 dias. um betalactâmico (por exemplo: penicilina, cefalexina
Sinais sistêmicos de infecção, como febre, são ou amoxicilina). A atividade da doxiciclina e SMX-TMP
preditores de falha da antibioticoterapia ambulatorial contra estreptococos β-hemolíticos não é conhecida,
empírica. Pacientes com celulite não purulenta que e na ausência de abscesso, úlcera ou drenagem puru-
atendem a qualquer critério para síndrome de respos- lenta, recomenda-se a monoterapia com betalactâmico
ta inflamatória sistêmica (SIRS), são consideradas como (Figura 11.1).

IPPM não purulenta

Formas leves a moderadas Formas graves

Cobertura de estreptococos MR

VO: EV: Piperacilina-tazobactam


cefalexina/cefadroxila, cealotina, ou Vancomicina
oxacilina, penicilina V, ceftriaxona, carbepenem
amoxicilina/clavulanato, penicilina G,
clindamicina clindamicina

Cobrir MRSA
se fator
de risco

Figura 11.1: Antibioticoterapia empírica para infecções não purulentas de pele e partes moles.

90
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)

Infecções Purulentas de Pele e Para os pacientes com celulite purulenta que


apresentam 2 ou mais critérios para SIRS, bem como
Partes Moles hipotensão, imunocomprometimento ou progressão
rápida para disfunção orgânica (forma grave), a cober-
Na celulite purulenta (presença de pústula, abs-
tura empírica intravenosa para MRSA deve ser iniciada,
cesso ou drenagem purulenta), a etiologia por S. aureus
sendo opções a vancomicina, clindamicina, linezolida,
é a mais provável. Uma vez que não é possível diferenciar
daptomicina, ceftaroline, telavancina ou tigeciclina.
através das características clínicas se a etiologia deve-se
Os pacientes também devem ser receber para avalia-
ao S. aureus sensível à meticilina ou MRSA, esse último
ção cirúrgica para possíveis condições necrotizantes,
deve ser considerado para infecções purulentas em po-
aproveitando-se a retirada de qualquer tecido obtido
pulações conhecidas como de alto risco para MRSA, como
cirurgicamente para cultura e antibiograma. Se o anti-
atletas, crianças, homens que fazem sexo com homens,
biograma demonstrar S. aureus sensível à meticilina, a
prisioneiros, recrutas militares, moradores de instalações
cobertura pode ser reduzida a oxacilina, cefalotina ou
de cuidados prolongados, indivíduos com exposição pré-
ceftriaxona (Figura 11.2).
via ao MRSA e usuários de drogas intravenosas.
Quando a identificação de coleções purulentas
não for evidente ao exame físico, a ultrassonografia pode Infecções Necrotizantes de Pele e
detectar abcessos subjacentes a áreas de celulite e pre-
venir procedimentos invasivos desnecessários. Os casos
Partes Moles
de IPPM purulenta, nos quais a etiologia por S. aureus é a As IPPM necrotizantes diferem das infecções su-
mais provável, devem ser drenados e amostras para cul- perficiais mais leves na apresentação clínica, nas ma-
tura e antibiograma devem ser sempre realizados para nifestações sistêmicas concomitantes e nas estratégias
orientar a terapia devido a possibilidade de MRSA. terapêuticas. Essas infecções profundas envolvem os
Para celulite purulenta sem sinais sistêmicos de compartimentos fascial e/ou muscular e são potencial-
infecção (celulite leve) e sem suspeita de infecção por mente devastadoras devido à maior destruição tecidual.
MRSA , cefalexina, dicloxacilina, amoxicilina/clavulanato As IPPM necrotizantes geralmente se desenvolvem a
ou, em casos de alergia a penicilina, clindamicina deve partir de uma lesão cutânea traumática ou cirúrgica.
ser considerada. Em caso de suspeita de MRSA, podem As infecções necrotizantes podem ser monomi-
ser utilizados por via oral SMX-TMP, doxiciclina ou mi- crobianos, geralmente por estreptococos ou, menos
nociclina. Esses agentes, no entanto, não oferecem uma comumente, por MRSA comunitário, Aeromonas hydro-
cobertura estreptocócica adequada, e a cefalexina, ce- phila, ou Vibrio vulnificus, ou polimicrobianos, envol-
fadroxila ou penicilina devem ser adicionadas se ambos vendo uma flora bacteriana mista aeróbia/anaeróbia.
os organismos estiverem envolvidos. A clindamicina ou Embora muitas variações específicas de infecções ne-
linezolida orais são opções para pacientes com alergia crotizantes de tecidos moles tenham sido descritas com
à penicilina, cobrindo tanto MRSA como estreptococos. base em etiologia, microbiologia e localização anatô-
Pacientes com IPPM purulenta manifestando um mica específica da infecção, a abordagem inicial para
critério para SIRS (celulite moderada) podem ser trata- diagnóstico, tratamento antimicrobiano e intervenção
dos inicialmente com os mesmos agentes citados para cirúrgica é semelhante para todas as formas e é mais
a forma leve. Os pacientes que apresentam dois ou mais importante do que determinar a variante específica. No
critérios para SIRS devem ser considerados para a antibio- início da doença, distinguir entre uma celulite que deve
ticoterapia endovenosa usando oxacilina ou cefalotina na responder ao tratamento antimicrobiano isoladamente
suspeita de S. aureus sensível à meticilina, ou vancomici- e uma infecção necrosante que requer intervenção ci-
na, clindamicina ou linezolida na suspeita de MRSA. rúrgica é essencial mas, contudo, pode ser difícil.

IPPM purulenta

Formas leves a moderadas Formas graves

Cobrir Staphylococcus aureus MRSA

Vancomicina,
VO: EV: linezolida,
cefalexina, oxacilina, oxacilina, daptomicina
amoxicilina-clavulanato, cefalotina,
clindamicina clindamicina

Figura 11.2: Antibioticoterapia empírica para infecções purulentas de pele e partes moles.

91
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Fasciite necrotizante do tipo II é uma infecção monomicrobiana. Entre os


organismos gram-positivos, o estreptococo do grupo
A fasciite necrotizante é uma infecção subcutâ-
A continua sendo o patógeno mais comum, seguido
nea agressiva que se extende ao longo da fáscia super-
pelo Staphylococcus aureus. Ao contrário das infec-
ficial (mais conhecida como tecido celular subcutâneo),
a qual compreende todo o tecido entre a pele e os ções do tipo I, as infecções do tipo II podem ocorrer
músculos subjacentes. Contudo, uma vez que pode ha- em qualquer faixa etária e em pessoas sem qualquer
ver também o envolvimento da musculatura, o termo doença subjacente.
“infecção necrotizante de partes moles” parece ser um Outros patógenos incluem Aeromonas hydro-
termo mais preciso do que “fasciite necrotizante” para phila e Vibrio vulnificus, relacionados, respectivamente,
descrever tal doença. a lesões associadas a imersão em água doce ou água
salgada. Mordidas de animais são mais propensos a ser
A patogênese das infecções necrotizantes de par-
polimicrobianos (aeróbios e anaeróbios), além da parti-
tes moles pode ter uma porta de entrada definida, tal
cipação de espécies de Pasteurella. Em pacientes com
como uma ruptura na pele ou na integridade da mucosa,
imunodeficiências, bacilos gram-negativos e fungos
facilitando a introdução de microrganismos ou esporos
podem estar presentes na etiologia.
nos tecidos moles. Essas bactérias proliferam e liberam
exotoxinas que causam dano tecidual local e compro- A gangrena gasosa (mionecrose) é um tipo de
metem as respostas inflamatórias. Agregados de plaque- infecção necrotizante causada por clostrídios, principal-
tas-leucócitos induzidos por toxinas ocluem capilares e mente Clostridium perfringens, classificadas por alguns
danificam o endotélio vascular, resultando em vazamen- especialistas como infecções necrotizantes do tipo III.
to de líquido, edema tecidual e eritema. O eritema e o Essas infecções estão associadas à inoculação dos espo-
edema, posteriormente, tornam-se mais disseminados, ros dos clostídios em uma ferida penetrante profunda,
bolhas e equimoses se desenvolvem e tecidos mais pro- determinando significativa desvascularização local.
fundos se tornam infectados. A produção de exotoxina A apresentação inicial das infecções necrotizan-
leva à oclusão de vênulas e arteríolas maiores, com sub- tes de partes moles é a da celulite, que pode progredir
sequente necrose isquêmica de todas as camadas do te- rápida ou lentamente. À medida que progride, há toxici-
cido, desde a derme até a musculatura profunda. dade sistêmica, muitas vezes incluindo febre alta, deso-
Outro mecanismo patogênico para as infecções rientação e letargia. O exame local, geralmente, revela
necrotizantes de partes moles ocorre em pacientes com inflamação cutânea, edema e alterações da cor da pele
infecção por estreptococos do grupo A sem porta de ou gangrena e anestesia. Uma característica clínica dis-
entrada definida. Em hospedeiros com bacteremia tran- tintiva é a induração de consistência firme dos tecidos
sitória (possivelmente a partir do estado de portador subcutâneos. Na celulite, os tecidos subcutâneos são
faringeano assintomático de Streptococcus pyogenes), macios à palpação. Na fasciite, os tecidos subjacentes
bactérias podem se instalar em lesões teciduais profun- são firmes e os planos fasciais e os grupos musculares
das e não penetrantes, tais como distensão muscular, não podem ser discernidos pela palpação. Um trajeto
entorse ou hematoma. A proliferação bacteriana com eritematoso amplo às vezes é evidente ao longo da área
produção local de exotoxinas pode determinar agre- da infecção, à medida que avança proximalmente em
gados intravasculares de plaquetas e leucócitos, resul- uma extremidade. Se houver uma ferida aberta, a son-
tando em oclusão vascular e consequente destruição dagem das bordas com um instrumento cego permite
isquêmica dos tecidos moles profundos. Manifestações a pronta dissecção dos planos fasciais superficiais bem
cutâneas de infecção necrotizante (equimoses e bolhas) além das margens da ferida.
desenvolvem-se, nesses casos, mais tardiamente no O diagnóstico de fasciite pode não ser nítido ao
curso da infecção. primeiro exame, podendo ser confundido com celulite.
A etiologia das infecções necrotizantes de par- No entanto, características que sugerem o envolvimen-
tes moles é classificada como tipos I e II. A fasciite to de tecidos mais profundos incluem:
necrotizante do tipo I é uma infecção polimicrobia- 1. Dor intensa, que parece desproporcional aos
na envolvendo organismos aeróbicos e anaeróbicos. achados clínicos;
Geralmente é visto em idosos ou naqueles com doen- 2. Falha na resposta à antibioticoterapia inicial;
ças subjacentes. Os fatores predisponentes incluem 3. A consistência firme indurada do tecido sub-
úlceras diabéticas ou de decúbito, hemorroidas, fis- cutâneo, estendendo-se para além da área de
suras retais, episiotomias e cirurgia colônica ou uroló- envolvimento aparente da pele;
gica ou procedimentos ginecológicos. A maioria dos
4. Toxicidade sistêmica, muitas vezes com estado
organismos é originária da flora intestinal ou genitu-
mental alterado;
rinária (por exemplo: coliformes e bactérias anaeróbi-
cas). A infecção do tipo I é frequentemente associada 5. Edema ou dor que se estende além do eritema
com presença de gás tecidual e, portanto, é difícil de cutâneo;
distinguir da gangrena gasosa. A fasciite necrotizante 6. Crepitação, indicando gás nos tecidos;

92
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)

7. Lesões bolhosas; e terminado com muito pouco risco ou morbidade para


8. Necrose da pele ou equimoses. o paciente. A biópsia para análise de seção congelada
também pode ser usada para fazer o diagnóstico mas,
se houver uma suspeição suficiente para fazer uma
A tomografia computadorizada (TC) ou a resso- biópsia, o diagnóstico geralmente é evidente na inspe-
nância magnética (RM) podem apresentar edema que ção macroscópica sem necessidade de confirmação his-
se prolonga ao longo do plano fascial, embora a sensi- tológica. Além disso, os erros de amostragem da biópsia
bilidade e a especificidade desses estudos de imagem por si só podem produzir um resultado falso negativo.
não sejam definidas. A TC ou a RM também podem
retardar o diagnóstico e o tratamento definitivo. Na A coloração de Gram do exsudato demonstrará
prática, o julgamento clínico é o elemento mais impor- os agentes patogênicos e fornecerá um guia preco-
tante no diagnóstico. A característica diagnóstica mais ce para a terapia antimicrobiana. Por exemplo, cocos
importante da fasciite necrotizante é a aparência dos Gram-positivos em cadeias sugerem Streptococcus (gru-
tecidos subcutâneos ou planos fasciais na operação. A po A ou anaeróbico). Grandes cocos Gram-positivos em
fáscia no momento do exame visual direto mostra-se cachos sugerem S. aureus.
edemaciada e acinzentada com áreas de necrose. Um A intervenção cirúrgica é a principal modalidade
exsudato fino e acastanhado pode estar presente, não terapêutica em casos de fasciite necrotizante e é indi-
se notando um pus verdadeiro. A erosão extensa dos cada quando essa infecção é confirmada ou suspeita.
tecidos circundantes está geralmente presente e os pla- A maioria dos pacientes com fasciite necrotizante deve
nos teciduais podem ser prontamente dissecados com retornar ao centro cirúrgico 24 a 36 horas após o pri-
um dedo em luva ou um instrumento cego. meiro desbridamento e, diariamente, até que a equipe
Um diagnóstico bacteriológico definitivo é me- cirúrgica não ache mais necessário desbridamento adi-
lhor estabelecido pela cultura e coloração de Gram de cional. Embora purulência evidente esteja geralmente
tecido profundo obtido na cirurgia ou através de he- ausente, essas feridas podem drenar quantidades abun-
moculturas positivas. As culturas superficiais de feridas dantes de líquido tecidual e a administração agressiva
podem ser enganosas uma vez que os resultados po- de fluidos é um complemento necessário. Na ausência
dem não refletir os organismos infectantes do tecido de estudos clínicos definitivos, a terapia antimicrobiana
profundo, mas apenas a colonização da superfície da deve ser administrada até o desbridamento adicional
lesão. A aspiração direta por agulha de uma área de in- não ser mais necessário, haver melhora clínica e a febre
flamação cutânea pode produzir fluido para coloração estar ausente por 48 a 72 horas. O tratamento empíri-
de Gram e cultura. Em casos suspeitos, uma pequena co da fasciite necrotizante polimicrobiana deve incluir
incisão exploratória feita na área de máxima suspeição agentes eficazes contra cocos gram-positivos, incluin-
pode ser útil para excluir ou confirmar o diagnóstico. Se do MRSA, bacilos gram-negativos e anaeróbios (Tabela
uma infecção necrotizante estiver presente, será óbvio 11.1). A antibioticoterapia empírica deve, portanto,
a partir dos achados descritos acima. Se não houver ne- combinar vancomicina, linezolida ou daptomicina asso-
crose na incisão exploratória, o procedimento pode ser ciada a uma das seguintes opções:

Tabela 11.1: Tratamento empírico para infecções necrotizantes de pele e partes moles

Hipersensibilidade severa à
Primeira escolha Dose
penicilina
Vancomicina 15 mg/kg q12h EV Clindamicina ou
MAIS metronidazol MAIS
Piperacilina-tazobactam 4,5 g q6-8h EV aminoglicosideo ou
OU fluoroquinolona
Imipenem OU 1 g q 6-8h EV
Meropenem OU 1 g q8h EV
Ertapenem OU 1 g/dia EV
Ceftazidima OU 2 g q8h EV
Cefepime MAIS metronidazol OU 500 mg q6h EV
Ciprofloxacina OU 400 mg q8h EV
Levofloxacina mais metronidazol 750 mg q24h EV
Clindamicina1 600-900 mg q8h EV
1
Acrescentar clindamicina sempre que o paciente apresentar hipotensão ou outra disfunção orgânica. O emprego da
clindamicina não é direcionado a cobertura de anaeróbios, mas devido a sua ação inibitória da síntese proteica, reduzindo a
produção de toxinas pelo S. aureus, estreptococos e clostrídios.

93
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

1. Piperacilina-tazobactam; Mionecrose ou gangrena gasosa


2. Um carbapenêmico (imipenem-cilastatina, O Clostridium perfringens é a causa mais fre-
meropenem ou ertapenem); quente de gangrena gasosa entre as demais espécies
3. Ceftazidima ou cefepime mais metronidazol; de Clostridium que causam esta doença. A dor cada
ou vez mais severa que começa dentro de 24 horas, geral-
4. Uma fluoroquinolona mais metronidazol. mente no local de uma lesão traumática, é o primeiro
sintoma clínico consistente. A pele pode parecer ini-
cialmente pálida, mas rapidamente muda para bron-
Deve-se acrescentar a esse esquema a clindami- ze, depois em vermelho púrpura. A região infectada
cina, quando houver síndrome do choque tóxico (hipo- torna-se tensa e dolorosa e bolhas cheias de líquido
tensão e/ou outra disfunção orgânica) ou na suspeita avermelhado aparecem. O gás no tecido, detectado
de gangrena gasosa com fins a inibir a síntese proteica como crepitação ou por imagem, geralmente está
bacteriana e, assim, reduzir a produção de exotoxinas por presente neste estágio tardio. Sinais de toxicidade
estafilococos, estreptococos ou clostrídios (Figura 11.3). sistêmica, incluindo taquicardia, febre e diaforese, de-
Após resultado da cultura e antibiograma, tor- senvolvem-se rapidamente, seguido de choque e fa-
nando-se a etiologia microbiana conhecida, a cobertura lência de vários órgãos.
antibiótica deve ser adequadamente modificada, con- A gangrena gasosa é uma infecção fulminante
forme especificado na Tabela 11.2. que requer cuidados intensivos, medidas de suporte,

Tabela 11.2: Tratamento para infecções necrotizantes de pele e partes moles de etiologia determinada

Tipo de infecção Primeira escolha Dose Hipersensibilidade severa à penicilina


Penicilina 2-4 MU q4-6h EV Vancomicina, linezolida, quinupristina/
dalfopristina, daptomicina
Streptococcus MAIS 600-900 mg q8h EV
Clindamicina
Oxacilina 1-2 g q4h EV Vancomicina, linezolida, quinupristina/
dalfopristina, daptomicina
Cefalotina 1 g q6h EV
Staphylococcus aureus
Vancomicina (MRSA) 15 mg/kg q12h EV
Clindamicina 600-900 mg q8h EV
Clostridium Clindamicina MAIS 600-900 mg q8h EV
spp. Penicilina 2-4 MU q4-6h EV
Doxiciclina MAIS 100 mg q12h VO
Aeromonas hydrophila Ciprofloxacina OU 400 mg q12h EV
Ceftriaxona 1-2 g q24h EV
Doxiciclina MAIS 100 mg q12h VO
Vibrio vulnificus Ceftriaxona OU 1-2 g q24h EV
Cefotaxima 2 g q8h EV

IPM necrotizantes

MRSA, BGN, anaeróbios

Vancomicina, Pipe-tazo ou Clindamicina


linezolida carbapenem ou
ou CFTZ/CFPE + Se hipotensão ou
daptomicina metronidazol ou disfunção orgânica
FQ + metro ou gangrena
gasosa

Figura 11.3: Antibioticoterapia empírica para infecções necrotizantes de partes moles.

94
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)

desbridamento cirúrgico emergente e antibióticos que a tetraciclina, clindamicina e cloranfenicol são mais
apropriados. Uma vez que outras bactéria diferentes eficazes do que a penicilina. Como 5% das cepas de C.
dos clostrídios também produzem gás nos tecidos, a perfringens são resistentes à clindamicina, a combina-
cobertura inicial deve ser tão ampla como a recomen- ção de penicilina mais clindamicina é o tratamento an-
dada para a fasciite necrotizante, até o diagnóstico ser tibiótico recomendado. O valor do tratamento adjunto
estabelecido por cultura ou coloração de Gram. O trata- de com oxigenioterapia hiperbárico para a gangrena
mento experimental da gangrena gasosa demonstrou gasosa é controverso.

Referências Bibliográficas
1. Raff AB, Kroshinsky D. Cellulitis: A Review. JAMA. 2016;316:325-37.
2. Stevens DL, Bryant AE. Necrotizing Soft-Tissue Infections. N Engl J Med 2017; 377:2253-65.
3. Stevens DL, Bisno AL, Chambers HF, Dellinger EP, Goldstein EJ, Gorbach SL, et al. Practice guidelines for the diagnosis
and management of skin and soft tissue infections: 2014 update by the infectious diseases society of America. Clin Infect
Dis. 2014 Jul 15;59:147-59.
4. Ustin JS, Malangoni MA. Necrotizing soft-tissue infections. Crit Care Med. 2011;39:2156-62.

95
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

96
Infecção por 12
Clostridioides difficile

Kelson Veras

Introdução e superfícies ambientais contaminadas são fontes co-


muns. O ácido gástrico fornece uma importante de-
O Clostridium difficile foi oficialmente renomeado fesa do hospedeiro matando agentes patogênicos
para Clostridioides difficile em 2016. ingeridos, contudo, os esporos conseguem passar
O Clostridioides difficile é o agente etiológico incólumes ao meio ácido gástrico. Para iniciar a infec-
mais frequente das infecções hospitalares nos Estados ção no hospedeiro, os esporos de C. difficile ingeridos
Unidos, causando 12,1% das infecções associadas aos devem germinar no trato intestinal, transformando-se
cuidados de saúde. Com base em dados de atestados em células vegetativas que expressam toxinas. Os es-
de óbitos dos Estados Unidos, a infecção por C. difficile poros de C. difficile germinam em resposta a sais bilia-
é a principal causa de morte associada à gastroenterite res específicos.
e foi estimada em 14.000 mortes em 2007. O excesso de O C. difficile coloniza o intestino grosso de for-
custos relacionados à infecção por C. difficile são estima- ma não invasiva e libera duas exotoxinas que causam
dos em US $ 4,8 bilhões somente nas unidades de pron- colite em pessoas suscetíveis. A infecção é transmitida
to-atendimento. Estima-se que o C. difficile causou cerca por esporos que são resistentes ao calor, ao ácido e aos
de 453 mil infecções e foi associada a aproximadamente antibióticos. Os esporos são abundantes nos estabele-
29 mil mortes nos Estados Unidos em 2011. cimentos de saúde e encontram-se em baixos níveis no
No início dos anos 2000, os hospitais americanos meio ambiente e nos alimentos, permitindo transmis-
começaram a relatar aumentos dramáticos na infecção são nosocomial e comunitária. A colonização é preveni-
grave por C. difficile. Os isolados foram caracterizados da pelas propriedades de barreira da microbiota fecal. O
pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças enfraquecimento dessa resistência por antibióticos é o
como toxinótipo III, de análise de endonuclease de res- principal fator de risco para a doença.
trição grupo BI, eletroforese em gel de campo pulsado Somente cepas toxigênicas estão associadas ao
norte-americano tipo NAP1 e reação em cadeia da po- desenvolvimento de diarreia por C. difficile. As toxinas
limerase (PCR) tipo 027, sendo, portanto, conhecidos A e B do C. difficile (TcdA e TcdB), são ambas citotóxi-
como BI/NAP1/027. A cepa BI/NAP1/027 é caracterizada cas para vários tipos de células diferentes, ambas cau-
por resistência de fluoroquinolona de alto nível, esporu- sam maior permeabilidade vascular ao abrir as junções
lação eficiente, produção de toxinas marcadamente alta firmes (tight-junctions) entre células e ambas causam
e taxa de mortalidade três vezes maior que a associada hemorragia. Ambas também induzem a produção de
a cepas menos virulentas. fatores de necrose tumoral alfa e interleucinas pró-in-
flamatórias, que contribuem para a resposta inflamató-
ria associada e para a formação de pseudomembranas.
Etiopatogenia As pseudomembranas do colón têm uma aparência
O Clostridioides difficile é um bacilo gram-positi- distinta, com mucosa inflamada repleta de placas ade-
vo anaeróbio esporulante toxigênico que é transmiti- rentes elevadas branco-amareladas. Histologicamente,
do entre humanos através da via fecal-oral. A ingestão as pseudomembranas são compostas por neutrófilos,
de esporos pode ocorrer através da exposição a uma fibrina, mucina e detritos celulares.
variedade de fontes, incluindo alimentos e água. Em Algumas cepas de C. difficile, em particular a cepa
serviços de saúde, as mãos dos profissionais de saúde hipervirulenta BI/NAP1/027, também expressam outra
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

toxina, a qual pode estar associada a aumento da viru- Outras características clínicas consistentes com
lência. Esta toxina, que tem 2 subunidades, é chamada infecção pelo C. difficile incluem cólicas abdominais,
de toxina binária. A mesma interfere com a polimeriza- febre, leucocitose e hipoalbuminemia. Os sintomas sis-
ção da malha de actina subjacente à membrana celular, têmicos geralmente estão ausentes em doenças leves,
resultando em protrusões celulares formadas por mi- mas são comuns em doenças moderadas ou graves.
crotúbulos e liberação de fibronectina aumentada para No geral, a febre ocorre em cerca de 28% dos casos,
a superfície celular, aumentando assim a adesão do C. leucocitose em por volta de 50% e dor abdominal em
difficile às células intestinais. aproximadamente 22%. A febre e a leucocitose podem
ser graves em muitos pacientes, com temperaturas que
ocasionalmente atingem 40 °C e contagens de leucóci-
História Natural tos que às vezes se aproximam de 50.000 células/mm3.
A dor abdominal, quando ocorre, geralmente é locali-
A infecção e a colonização pelo C. difficile estão
zada nos quadrantes inferiores. A hipoalbuminemia,
associadas com variáveis diferentes do hospedeiro e do
resultado de grandes perdas de proteínas atribuíveis à
patógeno. A idade avançada, o uso de antibióticos e o
enteropatia, pode ocorrer no início da doença.
uso de inibidores da bomba de prótons são fatores de
risco significativos para a infecção por C. difficile. Por sua Pacientes com doença grave podem desenvolver
vez, a hospitalização nos últimos dois meses, o uso de íleo colônico ou dilatação tóxica e apresentam dor ab-
quimioterapia e o uso de inibidores da bomba de pró- dominal e distensão, mas com diarreia mínima ou sem
tons ou bloqueadores H2 são fatores de risco significati- diarreia. As complicações da colite grave pelo C. difficile
vos para a colonização por C. difficile. incluem desidratação, distúrbios eletrolíticos, hipoal-
Após o estabelecimento da colonização com pro- buminemia, megacólon tóxico, perfuração intestinal,
dução de toxina, cerca de 10 a 60% dos pacientes de- hipotensão, insuficiência renal, síndrome de resposta
senvolve infecção pelo C. difficile, sendo que o restante inflamatória sistêmica, sepse e morte.
desenvolve colonização assintomática. Metade dos pa-
cientes continua colonizado e eliminando esporos até
um mês após a resolução dos sintomas.
Diagnóstico
Os pacientes devem ser submetidos a investiga-
ção diagnóstica para C. difficile apenas na presença de
Manifestações Clínicas sinais (diarreia com ou sem dor abdominal) ou caracte-
As manifestações clínicas da infecção por cepas rísticas clínicas ou radiográficas (íleo ou megacólon tó-
produtoras de toxinas do C. difficile variam de portador xico) de infecção por C. difficile ou, ainda, em pacientes
assintomático, diarreia leve ou moderada, a colite pseu- com leucocitose inexplicada ou outros sinais de infec-
domembranosa fulminante e, às vezes, fatal. ção e na presença de fatores de risco, como hospitaliza-
ção e exposição a antibióticos.
A apresentação clínica mais comum da infecção
pelo C. difficile é a diarreia associada a uma história de Os exames de amostras fecais para C. difficile po-
uso de antibióticos. O início da diarreia é, tipicamente, dem ser divididos da seguinte forma:
durante ou logo após um esquema de antibioticotera- „ Métodos de triagem:
pia, mas pode ocorrer a partir de alguns dias após o iní- ƒ Pesquisa da glutamato desidrogenase do C.
cio da terapia antibiótica até 8 semanas após o término difficile;
da terapia. ƒ Pesquisa das toxinas A e B.
Para a doença leve a moderada, a diarreia geral- „ Métodos confirmatórios:
mente é o único sintoma, com os pacientes apresen-
ƒ Cultura;
tando até 10 evacuações por dia embora, comumente,
seja consideravelmente menos. As fezes geralmente ƒ PCR para C. difficile toxigênico.
são aquosas, com um odor fétido característico, em-
bora também ocorram fezes mucosas ou amolecidas. Os imunoensaios para glutamato desidrogena-
Evacuação sanguinolenta significativa é raro. se (GDH) detectam um antígeno (enzima) comum alta-
Em pacientes criticamente graves com sepse mente conservado no C. difficile. A enzima GDH tem se
sem fonte óbvia, a infecção pelo C. difficile deve ser in- mostrado um marcador de triagem sensível. Visto que
cluída no diagnóstico diferencial. É importante perce- muitas bactérias intestinais têm essa enzima, ela é deci-
ber que muitos desses pacientes criticamente doentes siva para sistemas de identificação que detectam a GDH
não apresentarão diarreia como sintoma predominan- específica para o C. difficile com especificidade con-
te, por causa da dismotilidade colônica grave induzida fiável e alta sensibilidade. Esse antígeno é produzido
pela infecção. em níveis elevados em todos os isolados de C. difficile,

98
Infecção por Clostridioides difficile

incluindo cepas toxigênicas e não toxigênicas. É um Um exemplo típico de algoritmo de múltiplos es-
exame barato, de fácil execução e rápido. tágios pesquisaria a GDH seguido de imunoensaio para
O teste de imunoensaio enzimático para a to- toxina A ou toxina B. Os testes de amplificação do DNA
xina A e B do C. difficile é rápido, mas é menos sensí- poderiam, então, ser usados para confirmação quando
vel do que o ensaio de citotoxina celular e, portanto, há discrepância entre os resultados da GDH e da pesqui-
é uma abordagem alternativa sub-ótima para o diag- sa de toxinas.
nóstico. Durante vários anos, esses ensaios baratos,
rápidos e simples foram os testes comerciais de esco-
lha para a maioria dos laboratórios para o diagnóstico
Exames de Imagem
de infecção pelo C. difficile. Como algumas cepas de A detecção de colite pseudomembranosa
C. difficile não produzem toxina A, recomenda-se que (CPM) por meio da visualização endoscópica é diagnós-
os imunoensaios de toxinas detectem as toxinas A e B. tica para infecção por C. difficile (embora haja muitas
As amostras de fezes podem ser mantidas a 4 °C por outras causas de CPM, elas são extremamente raras).
dias ou semanas antes de serem testadas quanto à to- A colonoscopia é o procedimento preferido porque a
xina. Um estudo grande recente mostrou sensibilidade CPM está restrita ao cólon direito em até um terço dos
de dois tipos de imunoensaios para toxinas entre 68 a pacientes e, consequentemente, escapará à detecção
83%, com especificidades de aproximadamente 99%. por sigmoidoscopia. A CPM, contudo, geralmente não
O desempenho dos imunoensaios de toxinas varia, está presente, tornando a endoscopia relativamente in-
portanto, marcadamente entre os fabricantes, por isso sensível (» 51%). Esse procedimento também determina
é importante selecionar um imunoensaio relativamen- risco de perfuração em casos de colite fulminante.
te sensível. O desempenho geral dos imunoensaios de Os achados da radiografia simples geralmen-
toxinas levou à recomendação de que esses testes não te são normais em pacientes com CDI, a menos que
devem ser usados como testes isolados para o diag- tenham íleo ou megacólon tóxico. A tomografia
nóstico, mas fazendo parte de um algoritmo de 2 ou computadorizada (TC) do abdômen e da pelve é re-
3 estágios. comendada em pacientes com infecção por C. difficile
O teste de referência para C. difficile é o teste de complicada. As TC abdominais e pélvicas podem ser
citotoxicidade celular (CTC), o qual verifica a presença usadas como complemento para determinar a gravi-
de toxina livre nas fezes. O CTC depende da detecção dade e extensão da doença e podem detectar espes-
do efeito citopático em cultura celular, confirmado pela samento da parede do cólon, ascite, megacólon, íleo
neutralização desse efeito por anticorpos para a toxina ou perfuração. As características tomográficas caracte-
do C. difficile. As células (geralmente células Vero) são rísticas incluem o espessamento da parede colônica, o
cultivadas na presença de filtrado de fezes com e sem espessamento da gordura mesentérica pericolônica, o
a presença de anticorpos antitoxina. Essas culturas são “sinal do acordeom”, o “sinal do duplo halo” (também
examinadas microscopicamente às 24 e 48 horas para conhecido como “sinal do alvo”) e ascite (que sugere
um efeito citopático, que é abolido pela antitoxina. hipoalbuminemia). Não deve haver envolvimento do
Esse teste requer a capacidade de realizar uma cultura intestino delgado, uma vez que o C. difficile é tipica-
celular, raramente disponível em laboratórios comer- mente restrito ao cólon. Estes achados são sugestivos
ciais. Devido a essas dificuldades técnicas, esse teste de CPM, embora tanto o sinal do acordeom como o
confirmatório foi suplantado pelos testes de biologia duplo halo são sinais tomográficos inespecíficos de
molecular. colite de qualquer etiologia.
Os testes de amplificação de ácido nucleico
para o gene tcdA são modalidades de diagnóstico pre-
cisas para detectar C. difficile toxigênicos em amostras Tratamento
fecais com sensibilidade (0,87 a 0,92), especificidade
(0,94 a 0,97), razão de verossimilhança (likelihood ratio)
positiva (26,89) e razão de verossimilhança negativa Tratamento de suporte
(0,11) elevadas. No entanto, não distinguem a coloniza- Inicialmente, o tratamento da infecção pelo C.
ção por C. difficile da infecção ativa. Aproximadamente difficile deve almejar o tratamento do choque, caso pre-
45% dos testes de PCR tornam-se negativos após 3 sente, onde a reanimação volêmica tem um papel pre-
dias de terapia com antibióticos. A iniciação da terapia ponderante. Outras complicações devem ser abordadas
antes do teste pode resultar, portanto, em resultados concomitantemente, tais como a correção dos distúr-
falso-negativos. Esses testes, contudo, não devem ser bios eletrolíticos. Antibióticos sistêmicos que não sejam
realizados para comprovar cura, uma vez que podem mais necessários devem ser descontinuados. Deve-se
permanecem positivos em 60% dos pacientes após o evitar antiperistálticos, uma vez que mascaram sinto-
tratamento bem-sucedido. mas e podem precipitar megacólon tóxico.

99
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Antibioticoterapia pacientes que receberam fidaxomicina e aqueles que


receberam vancomicina (aproximadamente 90% para
A definição do esquema antibiótico a ser usado
cada). Contudo, o risco de recorrência foi de 15% entre
depende da gravidade da infecção pelo C. difficile, con-
os pacientes que receberam fidaxomicina, em compara-
forme na Tabela 12.1.
ção com 25% entre aqueles que receberam vancomici-
Por 30 anos, metronidazol e vancomicina oral fo- na. O custo marcadamente maior da fidaxomicina limita
ram os principais antibióticos utilizados no tratamento seu uso, apesar da sua superioridade à vancomicina em
da infecção por C. difficile. No entanto, desde 2000, es- termos de redução do risco de recorrência e sua comer-
tudos adicionais randomizados e controlados por pla- cialização ainda não é disponível no Brasil.
cebo mostraram que a vancomicina oral era superior ao
Em pacientes com íleo paralítico ou motilidade
metronidazol tanto para cura clínica em pacientes com
gastrointestinal ruim, a redução do peristaltismo intes-
infecção por C. difficile, como para resolução de diarreia
tinal dificulta a chegada do antibiótico até o intestino
sem recidivas após 21 a 30 dias do fim do tratamento.
grosso e atingir concentrações terapêuticas no lúmen
Um estudo retrospectivo recente de pacientes hospi-
colônico. Formas alternativas, portanto, sugeridas
talizados com infecção por C. difficile leve a moderada
para introdução de vancomicina diretamente no có-
também mostrou que o metronidazol era inferior à van-
lon. A vancomicina pode ser introduzida no cólon dis-
comicina também nessa população. tal através de enema. No entanto, muito pouca droga
Quanto à duração do tratamento, quase todos provavelmente alcançará o cólon proximal com essa
os ensaios randomizados compararam esquemas de abordagem, a menos que seja administrado diluída em
10 dias de tratamento, os quais devem ser suficientes grande volume (500 a 1.000 mL). Também é discutível
para resolver os sintomas na maioria dos pacientes. a eficácia da administração de vancomicina via enema
No entanto, alguns pacientes podem ter resposta tar- a pacientes com diarreia significativa, uma vez que é
dia ao tratamento, particularmente aqueles tratados improvável que a droga seja retida. Em pacientes com
com metronidazol. Em pacientes que melhoram, mas doença grave complicada, recomenda-se, também, o
não apresentam resolução dos sintomas em 10 dias, o metronidazol endovenoso para compor o esquema.
prolongamento da duração do tratamento para 14 dias Não há evidências que apoiem um efeito aditivo ou si-
deve ser considerado. O uso de metronidazol oral, no nérgico do metronidazol com vancomicina para o tra-
entanto, deve ser restrito ao episódio inicial de infecção tamento da colite por C. difficile. No entanto, havendo
por C. difficile não grave nos casos em que outras tera- dúvidas de que concentrações luminais adequadas de
pias estão contraindicadas ou não estão disponíveis. vancomicina podem não ser alcançadas, o uso deste
Esta restrição ao uso de metronidazol é devido a casos agente adicional parece racional. Contudo, assim como
de neurotoxicidade com uso prolongado ou repetido. para com os métodos alternativos de administração da
A fidaxomicina é um antibiótico macrocíclico vancomicina, faltam evidências de alta qualidade de-
bactericida, de má absorção enteral e com atividade monstrando o benefício desta associação.
contra bactérias gram-positivas anaeróbicas específi- Quando a infecção por C. difficile ocorre em um
cas. Em testes clínicos de fase 3, a taxa de cura para in- segmento excluído do cólon devido a derivação, como
fecção aguda por C. difficile foi quase equivalente entre ileostomia, colostomia ou fístula mucosa, recomenda-se
Tabela 12.1: Esquema antibiótico para infecção por C. difficile

Classificação Esquema terapêutico


Episódio inicial, não grave Vancomicina 125 mg via enteral a cada 6 horas por 10 dias
OU
Fidaxomicina 200 mg via enteral a cada 12 horas por 10 dias
Alternativa: Metronidazol 500 mg via enteral a cada 8 horas por 10 dias
Episódio inicial, grave Vancomicina 125 mg via enteral a cada 6 horas por 10 dias
OU
Fidaxomicina 200 mg via enteral a cada 12 horas por 10 dias
Episódio inicial, fulminante (hipotensão ou Vancomicina 500mg via enteral a cada 6 horas
choque, íleo, megacólon)
MAIS
Metronidazol 500mg EV a cada 8 horas
Em caso de íleo paralítico, acrescentar vancomicina 500 mg em diluído em 100 mL
de uma solução fisiológica a cada 6 horas por via retal

100
Infecção por Clostridioides difficile

a administração de vancomicina por enema para ga- a cirurgia se não houver melhora na perfusão sistêmica
rantir que o tratamento atinja a área afetada, usando após 24 horas de tratamento clínico agressivo de sepse e
enemas de vancomicina de 500 mg em 100 a 500 mL instituição de tratamento antibiótico adequado da infec-
de solução salina normal a cada 6 horas, dependendo ção por C. difficile. Em pacientes com doença grave, mas
o volume do comprimento do segmento a ser tratado. não fulminante, a ausência de melhora com tratamento
A duração da terapia por enema deve continuar até o clínico otimizado é uma indicação adicional para a tera-
paciente ter uma melhoria significativa. pia cirúrgica. No entanto, não há consenso sobre o que
Outros antibióticos que têm atividade contra C. constitui uma ausência de resposta ao tratamento clínico
difficile são rifaximina, nitazoxanida, ramoplanina, tei- ou quanto tempo a terapia médica isoladamente deve
coplanina e tigeciclina. No entanto, devido a dados li- ser mantida antes de declarar o paciente como uma falha
mitados, alto custo, um perfil desfavorável de eventos clínica. Muitos continuam o tratamento medicamentoso
adversos e resistência a C. difficile (associado à rifaximina por um período mínimo de 3 a 5 dias antes de considerar
em particular), o uso desses agentes não é recomendado, o tratamento cirúrgico, desde que o paciente não esteja
exceto nos casos de efeitos adversos inaceitáveis associa- deteriorando.
dos à terapia padrão, necessidade de terapia de resgate Neal e cols. sugeriram, em um estudo publica-
para doença fulminante quando a cirurgia é necessária do em 2011, uma técnica cirúrgica alternativa por via
mas não é possível e em casos de infecção recorrente in- laparoscópica que consistia em uma ileostomia em alça
tratável. A tigeciclina deve ser administrada na dose de através da qual era realizada uma generosa lavagem co-
50 mg endovenosa a cada 12 horas por 14 dias. lônica intraoperatória com uma solução laxante osmó-
tica de polietilenoglicol em solução salina balanceada.
Administração de vancomicina colônica anterógrada
Tratamento cirúrgico via ileostomia (500 mg em 500 mL de Ringer-lactado
A colite grave por C. difficile é geralmente tra- a cada 8 horas por 10 dias) era realizada no pós-ope-
tada com cuidados de suporte e antibióticos. Apenas ratório. Além disso, os pacientes continuavam usando
um pequeno número de pacientes com essa doença metronidazol intravenoso (500 mg a cada 8 horas du-
(0,4% a 3,5%) é submetido a intervenções cirúrgicas. rante 10 dias). Essa técnica minimamente invasiva levou
No entanto, a maioria dos pacientes com doença gra- à preservação do cólon em mais de 90% dos pacientes
ve complicada deve ser submetida a uma avaliação por (de um total de 42 pacientes) e melhorou significati-
um cirurgião relativamente cedo em sua evolução, para vamente a sobrevida em comparação com controles
consideração de tratamento cirúrgico potencial, caso o históricos submetidos a colectomia (19% versus 50%
tratamento clínico seja ineficaz. O procedimento cirúr- de mortalidade). As vantagens dessa abordagem são
gico mais comum realizado para o tratamento da colite a provável maior disposição dos cirurgiões em utilizar
por C. difficile é a colectomia subtotal com ileosto- esse tratamento no início da doença com base na po-
mia terminal. Isso, geralmente, resulta no controle do tencial preservação do cólon e menos consequências
foco da infecção. Porém, esse procedimento cirúrgico adversas a longo prazo. Contudo, ainda é necessária
grande e de elevada morbidade é realizado em pacien- uma validação adicional dessa abordagem.
tes bastante comprometidos. Desse modo, as taxas de
mortalidade e complicações são elevadas. Em uma série
de estudos, a mortalidade operatória de indivíduos sub- Tratamento das recidivas
metidos a intervenção cirúrgica para colite por C. diffici- Uma primeira recorrência do CDI pode ser trata-
le foi de aproximadamente 50%. da com vancomicina enteral (particularmente se o me-
As indicações para tratamento cirúrgico de pa- tronidazol houver sido utilizado no primeiro episódio),
cientes com colite por C. difficile são ambíguas. A im- fidaxomicina ou com vancomicina com desmame pro-
previsibilidade do curso clínico da doença, bem como o longado, segundo o esquema abaixo.
desejo de evitar um procedimento de alta morbidade e „ 125 mg 4 vezes ao dia por 14 dias;
potencialmente letal, muitas vezes leva a atrasos na in- „ A seguir, 125 mg 2 vezes ao dia por 7 dias;
tervenção cirúrgica. Isso pode levar a realizar-se a cirurgia „ A seguir, 125 mg uma vez ao dia por 7 dias;
em um paciente cujo prognóstico geral é ruim devido a
„ A seguir, 125 mg uma vez ao dia a cada 2-3
doença avançada. A decisão de pelo tratamento cirúrgi-
dias por 2-8 semanas.
co para alguns pacientes com colite fulminante ou com
risco de vida é clara. Não é provável que os pacientes que
apresentam megacólon tóxico, perfuração do cólon, san- O metronidazol não é recomendado para o trata-
gramento refratário ou necrose colônica como resultado mento de infecção recorrente, uma vez que as taxas de
da isquemia colônica sobrevivam com tratamento clínico resposta inicial e sustentada são inferiores às da vanco-
isolado. Em pacientes com choque séptico devido a co- micina. Além disso, o metronidazol não deve ser usado
lite por C. difficile, a intervenção cirúrgica precoce tam- para terapia de longa duração devido ao potencial de
bém deve ser considerada. A recomendação é proceder neurotoxicidade cumulativa.

101
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Probióticos Embora a transmissão de um patógeno não detectado


ou não identificável do doador seja uma possibilidade,
Atualmente, os probióticos têm um efeito incerto
não há relatos conhecidos de complicações infeccio-
sobre a prevenção da infecção por C. difficile, e seu uso
sas graves resultantes do transplante microbiano fecal
rotineiro para prevenção ou tratamento de infecção ati-
quando rastreio adequado do doador é realizado. Dada
va não é recomendado. Em vista da falta de dados de
a eficácia do transplante microbiano fecal para infec-
eficácia, abundantes dados sobre danos potenciais, al-
ção recorrente, tem sido crescente o interesse em seu
tos custos e falta de plausibilidade biológica para esses
uso para doença primária grave. Por enquanto, existem
microrganismos não humanos em conferir resistência à
poucos estudos sobre essa abordagem de tratamento
colonização, seu uso não pode ser aconselhado.
e, embora as séries de casos sejam promissoras, é ne-
cessário mais trabalho para entender o possível papel
Transplante de microbiota fecal do transplante de microbiota fecal na infecção primária
por C. difficile. Além disso, os esforços para desenvolver
A microbiota colônica humana, que fornece re-
uma mistura adequada de bactérias fecais cultivadas
sistência à colonização contra patógenos bacterianos,
como substituto das fezes no transplante microbiano
é considerada um determinante chave na patogênese
fecal estão em andamento. As cápsulas administradas
do C. difficile. Após breve exposição a antibióticos orais, oralmente que contêm os esporos de bactérias fecais
é comum um declínio rápido na diversidade microbia- demonstraram eficácia no tratamento da doença recor-
na fecal, o qual pode durar muitos meses. Interromper rente e justificam novos testes como substituto.
a administração de todos os antibióticos é a melhor
maneira de eliminar a colonização colônica pelo C. dif-
ficile e permitir a recuperação espontânea da microbio- Prevenção da Transmissão do
ta fecal. No entanto, essa recuperação pode levar 12
semanas ou mais, sendo que recidivas podem ocorrer
C. difficile na UTI
nesse período. O transplante de microbiota fecal surgiu O C. difficile é ubíquo nos serviços de saúde, e
recentemente como um tratamento considerado segu- os esporos viáveis podem ser identificados nas mãos e
ro e eficaz para a infecção recorrente por C. difficile. Os nos estetoscópios dos profissionais de saúde, na cama
componentes exatos do microbioma fecal que forne- e lençóis, nos banheiros e nos móveis de cabeceira. A
cem resistência contra o C. difficile não são conhecidos. higienização das mãos com álcool-gel não reduz o nú-
Em 2013, os resultados de um ensaio randomizado e mero de esporos viáveis de C. difficile, sendo necessário
controlado de transplante microbiano fecal foram rela- a lavagem das mãos com água e sabão. Os pacientes
tados. O teste mostrou que a administração de vanco- com infecção diagnosticada ou suspeita por C. difficile
micina seguida de uma infusão de fezes de um doador devem receber isolamento de contato até a resolução
administradas por tubo nasoduodenal era segura e su- da diarreia e os profissionais de saúde devem usar luvas,
perior à vancomicina isolada para a infecção recorrente aventais descartáveis e lavar as mãos com água e sabão.
de C. difficile. O transplante de microbiota fecal de um A desinfecção das superfícies e equipamentos deve ser
doador saudável e pré-testado, associado à interrupção feita com produto esporicida, tal como hipoclorito de
simultânea do uso de qualquer antibiótico por parte do sódio, uma vez que os esporos não são eliminados com
receptor, resulta em sucesso terapêutico de mais de 90% álcool a 70%. A limpeza terminal pós-alta do quarto
dos pacientes com infecção recorrente por C. difficile. também é recomendada.

Referências Bibliográficas
1. Bartlett JG, Gerding DN. Clinical recognition and diagnosis of Clostridium difficile infection. Clin Infect Dis. 2008;46
Suppl 1:S12-8.
2. Cohen SH, Gerding DN, Johnson S, Kelly CP, Loo VG, McDonald LC, et al. Society for Healthcare Epidemiology of
America; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines for Clostridium difficile infection in
adults: 2010 update by the society for healthcare epidemiology of America (SHEA) and the infectious diseases society of
America (IDSA). Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31:431-55.
3. Donskey CJ, Kundrapu S, Deshpande A. Colonization versus carriage of Clostridium difficile. Infect Dis Clin North Am.
2015;29:13-28.

102
Infecção por Clostridioides difficile

4. Eaton SR, Mazuski JE. Overview of severe Clostridium difficile infection. Crit Care Clin. 2013;29(4):827-39.
5. Lawson PA, Citron DM, Tyrrell KL, Finegold SM. Reclassification of Clostridium difficile as Clostridioides difficile.
(Hall and O’Toole 1935) Preevot 1938. Anaerobe 2016;40:95–99.
6. Leffler DA, Lamont JT. Clostridium difficile infection. N Engl J Med. 2015;372:1539-48.
7. Lessa FC, Mu Y, Bamberg WM, Beldavs ZG, Dumyati GK, Dunn JR, et al. Burden of Clostridium difficile infection in
the United States. N Engl J Med. 2015;372:825-34.
8. Loo VG, Bourgault AM, Poirier L, Lamothe F, Michaud S, Turgeon N, et al. Host and pathogen factors for Clostridium
difficile infection and colonization. N Engl J Med. 2011;365:1693-703.
9. Neal MD, Alverdy JC, Hall DE, Simmons RL, Zuckerbraun BS. Diverting loop ileostomy and colonic lavage: an
alternative to total abdominal colectomy for the treatment of severe, complicated Clostridium difficile associated disease.
Ann Surg. 2011;254:423-7.
10. Poutanen SM, Simor AE. Clostridium difficile-associated diarrhea in adults. CMAJ. 2004; 171: 51–58.
11. Siegfried J, Dubrovskaya Y, Flagiello T et al. Initial therapy for mild to moderate Clostridium difficile infection. Infect
Dis Clin Pract 2016; 24:210-6.
12. Surawicz CM, Brandt LJ, Binion DG, Ananthakrishnan AN, Curry SR, Gilligan PH, et al. Guidelines for diagnosis,
treatment, and prevention of Clostridium difficile infections. Am J Gastroenterol. 2013;108:478-98.

103
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

104
Infecções do Sistema Nervoso 13
Central

Kelson Veras
Frederico Bruzzi de Carvalho
André Japiassú

MENINGITES E Epidemiologia
MENINGOENCEFALITES A incidência de casos de meningite aumentou de
COMUNITÁRIAS forma global de 2,5 milhões em 1990 para 2,82 milhões
em 2016. A incidência de persiste mais elevada nos paí-
ses do cinturão da meningite (países da zona do Sahel
Introdução da África subsaariana, Figura 13.1).
Por outro lado, o número global de mortes por
A meningite é uma infecção das meninges e do meningite diminuiu em 21,0% de 1990 para 2016. As
espaço subaracnóideo, mas também pode envolver maiores taxas de mortalidade também estão nos países
o córtex e o parênquima cerebral (meningoencefali- do cinturão da meningite. Dos países com os maiores
te) devido à estreita relação anatômica entre o líquido declínios da mortalidade em 2016 o Brasil encontra-
cefalorraquidiano (LCR) e o cérebro. O envolvimento -se na primeira posição, à frente da China, Sudão, EUA,
inflamatório do espaço subaracnóideo com a irritação Nepal, Haiti, Egito, Indonésia, Myanmar, Níger e Índia,
meníngea leva à tríade clássica de dor de cabeça, febre e todos com declínios na mortalidade de meningite de
meningismo, e a uma pleocitose no LCR. O envolvimen- pelo menos 50% entre 1990 e 2016 (Figura 13.2).
to do córtex cerebral e do parênquima pode resultar em A meningite bacteriana pode tornar-se rapida-
alterações comportamentais, anormalidades neurológi- mente fatal e levar a incapacidades graves em quem
cas focais e comprometimento da consciência. Embora sobrevive. Sobreviventes podem ter complicações
esses últimos sinais sejam classicamente considerados como comprometimento cognitivo, problemas com-
como encefalite, a meningite e a encefalite devem ser portamentais, perda auditiva, fraqueza motora, parali-
vistas como um continuum.1 sia, distúrbios da coordenação ou convulsões. Embora

Figura 13.1: Incidência global de meningite (novos casos por 100.000 habitantes).
FONTE: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

ocupando o S. pneumoniae (pneumococos) a segun-


6,0 da posição. O Haemophilus influenzae, que era a segunda
causa mais comum de meningite bacteriana no Brasil
até 1999, apresentou, após a introdução da vacina nes-
5,0 se ano, uma redução de mais de 90% no número de ca-
sos, incidência e número de óbitos por meningite por
Óbitos por 100 mil habitantes

4,0
H. infuenzae.4
Mais de 30 tipos diferentes de vírus podem cau-
sar meningite aguda. Contudo, os enterovírus são os
3,0 principais agentes etiológicos, responsáveis por cau-
sa 85% a 95% dos casos. Dos mais de 70 subtipos de
enterovirus, os dois mais comumente implicados na
2,0
etiologia das meningites agudas são o ecovírus 30 e a
coxsackie A1.5
1,0
Meningite Comunitária Subaguda/
0,0 Crônica em Pacientes Imunocompetentes
e Meningite Comunitária Aguda em
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016

Ano Pacientes Imunocomprometidos


Figura 13.2: Óbitos por meningite por 100 mil habitantes As meningites crônicas se opõem às meningites
por ano no Brasil. agudas, por provocarem sintomas com mais de quatro
FONTE: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare semanas de duração. A delimitação temporal entre as
meningites aguda e subaguda e entre as meningites
poucos dados estejam disponíveis em locais com subaguda e crônica é menos nítida, embora se admita
poucos recursos, há relatos de que até um quarto dos que os sintomas das meningites agudas evoluam de al-
sobreviventes de meningite bacteriana apresentavam gumas horas a poucos dias, das meningites subagudas
sequelas neuropsicológicas entre 3 e 60 meses após de alguns dias a poucas semanas, e das meningites crô-
a alta hospitalar. As meningites bacterianas e virais nicas de um mês a até alguns anos.3
podem representar um ônus substancial às famílias e Os agentes etiológicos deste grupo incluem bac-
à sociedade. térias piogênicas (pneumococos, meningococos, H.
infuenzae, enterobactérias, Staphylococcus aureus
Etiologia e Listeria monocytogenes), fungos (Cryptococcus
neoformans, Candida spp., Aspergillus spp.), menin-
Os agentes etiológicos das meningoencefalites
gite tuberculosa (Mycobacterium tuberculosis) e síflis
variam conforme a velocidade de instalação dos sinto-
(Treponema pallidum).
mas meníngeos (meningites agudas versus subagudas/
crônicas), o status imunológico do paciente e se o caso Enterobactérias, Staphylococcus aureus e Listeria
é de aquisição comunitária ou hospitalar.3 monocytogenes devem ser consideradas principal-
mente em pacientes com fatores de risco, como idosos,
etilistas, diabéticos, pacientes com neoplasias malig-
Meningite Comunitária Aguda em nas e aqueles que usam medicamentos imunossu-
Pacientes Imunocompetentes pressores.6
Os agentes etiológicos mais importantes são os
abaixo listados: Meningoencefalites
„ Streptococcus pneumoniae; Uma ampla busca na literatura mundial encon-
„ Neisseria meningitidis; trou que a maioria dos patógenos implicados na gêne-
se das encefalites infecciosas é constituída por vírus. O
„ Haemophilus influenzae;
vírus herpes simples (HSV) foi o agente mais frequente,
„ Vírus. seguido pelo vírus da varicela-zoster (VZV). Enterovirus
também foram frequentemente relatados.7
NoBrasil,aN.meningitidis(meningococos)sãoaprin- Com menor frequência, agentes de natureza
cipal causa de meningite bacteriana comunitária aguda, distinta dos vírus também podem causar encefalite,

106
Infecções do Sistema Nervoso Central

como: bactérias (Mycobacterium tuberculosis, Listeria dos casos. Porém, 95% dos pacientes apresentavam
monocytogenes, Salmonella typhi, Borrelia burgdorferi, pelo menos dois dos quatro sintomas mais típicos cons-
Treponema pallidum, Brucella melitensis, Leptospira inter- tituídos por febre, cefaleia, rigidez de nuca e alteração
rogans), fungos (Cryptococcus neoformans, Histoplasma do nível de consciência.
capsulatum) e parasitas (Toxoplasma gondii, Cysticercus
cellulosae, Naegleria fowlery, Plasmodium falciparum, Tabela 13.1: Principais sinais e sintomas em pacientes com
Trypanosoma cruzi). meningite comunitária em adultos12
Existem diferenças regionais importantes na
etiologia de encefalites por arbovírus, inclusive dentro Sinais e sintomas Frequência
de um mesmo país. Atualmente, as arboviroses ence- Cefaleia 87%
fatoligênicas de maior importância clínica e epidemio- Meningismo 83%
lógica são: dengue, febre do Nilo Ocidental, encefalite
Febre 77%
venezuelana, encefalite equina do leste, encefalite equi-
na do oeste, encefalite japonesa e encefalite de Saint Náusea 74%
Louis. Vale salientar que infecções sintomáticas pelos Alteração do nível de consciência 69%
vírus Ilhéus e Oropouche foram registradas na região Achados neurológicos focais 33%
Norte, vírus da encefalite de Saint Louis e vírus Rocio no
Convulsões 5%
estado de São Paulo e de vírus do Nilo Ocidental no es-
tado do Piauí.8

Diagnóstico Laboratorial
Manifestações Clínicas
Diante da multiplicidade etiológica das menin-
A meningite é estritamente definida como in- gites, encefalites e meningoencefalites, torna-se funda-
flamação das meninges, enquanto a encefalite é es-
mental para otimização de recursos e para aumentar a
tritamente definida pela presença de um processo
capacidade diagnóstica dos mesmos levar em conside-
inflamatório do parênquima encefálico (cérebro, tronco
rações os fatores que alteram esta etiologia, tais como
cerebral e cerebelo) associado a evidências clínicas de
disfunção neurológica focal ou difusa. manifestações clínicas (meningite versus encefalite),
tempo de duração da doença, estado imunológico do
A meningite causa febre, meningismo e cefaleia
paciente, além de aspectos epidemiológicos.
mas, além de deprimir o estado mental de um pacien-
te, não afeta a função cerebral cortical (por exemplo, Um estudo sugeriu um interessante protocolo
afasia, convulsão, hemiparesia). A encefalite também para a investigação da etiologia das meningites/menin-
pode apresentar cefaleia, febre e estado mental alte- goencefalites conforme o paciente enquadra-se em um
rado, porém distúrbios corticais como convulsões, al- dos seguintes perfis:3
terações comportamentais, distúrbios de linguagem 1. Meningite aguda em pacientes imunocom-
e sinais neurológicos focais são uma parte comum e petentes;
proeminente da síndrome. Embora alterações do es-
tado mental, convulsões ou sinais neurológicos focais 2. Meningite subaguda/crônica ou meningite
possam ocorrer na meningite, eles são menos proe- aguda em paciente imunodeprimido;
minentes e geralmente mais tardiamente no curso da 3. Meningoencefalite.
doença do que na encefalite. A maioria dos pacientes
tem predomínio de manifestações de uma ou de ou-
tra destas síndromes, mas muitos apresentam carac- O algoritmo proposto estabeleceu o limite de
terísticas combinadas, caracterizando a síndrome da sete dias entre as meningites agudas e subagudas e não
meningoencefalite.8,9,10,11 fez distinção entre o tempo de evolução das meningi-
tes subagudas e crônicas, por conta da similaridade dos
Um estudo prospectivo holandês de abrangên-
cia nacional12 avaliando as características clínicas em agentes etiológicos mais frequentemente envolvidos
adultos com meningite bacteriana adquirida na comu- e do caráter aditivo da investigação diagnóstica reco-
nidade identificou que os sinais e sintomas clássicos de mendada (Figura 13.3).
meningite bacteriana estavam presentes em uma gran-
de proporção de pacientes (Tabela 13.1). Contudo, a
tríade clássica de febre, rigidez de nuca e alteração do
nível de consciência estavam presentes em apenas 44%

107
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Suspeita de meningite

Início dos sintomas


< 7 dias (meningite aguda)
Sim Não

Sim Sim
Imunodepressão Sinais de encefalite
Não Não
Sim
Sinais de encefalite
Não

Perfil 1 Perfil 2 Perfil 1


Meningite aguda Meningite subaguda/crônica ou Meningoencefalite
em imunocompetente meningite aguda em imunossuprimido

Etiologia bacteriana piogênica e viral* Etiologias bacteriana (piogênica), Etiologias bacteriana, fúngica,
fúngica, micobacteriana micobacteriana, treponematosa,
e treponematosa parasitária e viral

Exames no LCR Exames no LCR Exames no LCR


Manometria, glicemia capilar, Manometria, glicemia capilar, Manometria, glicemia capilar,
citobioquímica, exame direto citobioquímica, exame direto citobioquímica, exame direto
(Gram e tinta nanquim), cultura (Gram e tinta nanquim), cultura (Gram e tinta nanquim), cultura
para germes piogênicos, látex para para germes piogênicos, látex para para germes piogênicos, látex para
antígenos bacterianos** antígenos bacterianos** antígenos bacterianos**
+ +
cultura para fungos, antígeno cultura para fungos, antígeno
criptocócico, cultura e teste molecular criptocócico, cultura e teste
para Mycobacterium molecular para Mycobacterium
tuberculosis, VDRL tuberculosis, VDRL
+
Pesquisa viral***

Exames no sangue Exames no sangue Exames no sangue


Hemocultura Hemocultura Hemocultura
+ +
Antígeno criptocócico, VDRL Antígeno criptocócico, VDRL
+
Pesquisa viral***

Exames de neuroimagem

* A pesquisa de vírus através do PCR pode ser considerada caso disponível.


** Partículas de látex, sensibilizadas com antissoros específicos, permitem, por técnica de aglutinação rápida (em lâmina ou
placa), detectar o antígeno bacteriano em líquor, soro e outros fluidos biológicos. A sensibilidade do teste de látex é da
ordem de 90% para H. influenzae, 94,4% para S. pneumoniae e 80% para N. meningitidis. A especificidade da reação é de 97%.
*** Isolamento viral, reação em cadeia de polimerase, inibição da hemaglutinação e ensaio imunoenzimático.

Figura 13.3: Algoritmo para investigação laboratorial dirigida de casos suspeitos de meningite3

Exame de Imagem Antes da Punção desvio adicional no encéfalo, levando à herniação fatal.
Contudo, nenhum estudo identificou características
Lombar associadas a um aumento do risco de herniação após
Os exames de neuroimagem antes da punção a punção lombar. Embora, um estudo tenha mostrado
lombar são indicados para detectar herniação cere- que certas características (idade > 60 anos, imunocom-
bral ou desvios de compartimentos cerebrais. Se esses prometidos, história de doença neurológica, convulsões
estão presentes e uma punção lombar é feita existe a recentes e alguns achados neurológicos anormais) esta-
preocupação teórica de que uma redução na pres- vam associadas a anormalidades na imagem, o risco de
são causada pela punção lombar possa precipitar um herniação cerebral não foi avaliado.13

108
Infecções do Sistema Nervoso Central

Em um estudo holandês de coorte prospectivo entre meningite bacteriana e viral, considerando-se um


de abrangência nacional incluindo pacientes com idade nível maior ou igual a 35 mg/dL como muito sugestivo
acima de 16 anos que apresentavam meningite bacteria- de meningite bacteriana.16
na, uma deterioração clínica possivelmente causada pela A coloração de Gram é positiva em 60 a 80% dos
punção lombar foi observada em 3,1% dos pacientes. A casos não tratados de meningite bacteriana. A sensibi-
herniação cerebral foi observada em quase metade dos lidade, conforme o agente etiológico, varia de 90% na
pacientes com deterioração clínica após punção lom- meningite pneumocócica ou estafilocócica até menos
bar, mas não ficou claro se a herniação foi causada por de 50% na meningite por Listeria.17
meningite fulminante, devido à consequência direta da Na meningite por N. meningitidis a coloração de
punção lombar ou pela combinação de ambos. A dete- Gram do LCR identifica diplococos Gram-negativos que
rioração clínica ocorreu dentro de 1 hora após a punção podem ocorrer tanto intracelularmente em leucócitos
lombar em apenas 0,1% desses pacientes. Esse estudo polimorfonucleares como extracelularmente. Quando
revela, portanto, que a herniação cerebral após punção o agente etiológico é o S. pneumoniae, observa-se di-
lombar na meningite bacteriana é um evento raro (varia- plococos Gram-positivos tanto intracelularmente como
ção de 0,1% a 3%, mais provavelmente próximo a 0,1%).14 extracelularmente, ocorrendo às vezes sob forma de ca-
Pacientes com massas expansíveis (por exemplo, deias curtas. A coloração de Gram nas meningites por
empiema subdural, abscesso cerebral ou necrose do lobo H. influenzae evidencia pequenos bacilos pleomórficos
temporal devido a encefalite por herpes simples) po- (cocobacilos) Gram-negativos sob arranjos aleatórios.
dem apresentar sintomas que parecem ser idênticos aos A coloração para bacilos álcool-ácido resistentes
da meningite bacteriana e, nesses pacientes, a punção (BAAR) deve ser feita se houver suspeita clínica de tu-
lombar pode levar como complicação à hérnia cerebral. berculose. A taxa de positividade é baixa para apenas
A retirada do líquido cefalorraquidiano reduz a pressão uma amostra (37%). Porém, esse resultado pode ser sig-
intracraniana a partir de baixo, aumentando assim o efei- nificativamente aumentado se quatro esfregaços forem
to de compressão superior, amplificando um desvio da examinados. Outras colorações devem ser realizadas se
massa encefálica já presente.15 Todos os pacientes com indicadas pela situação. Cryptococcus sp. pode ser iden-
suspeita de meningite bacteriana devem ser cuidadosa- tificado em até 50% dos casos em uma preparação de
mente avaliados para verificar se apresentam sinais ou tinta da China.17
sintomas de síndrome de herniação cerebral.
Tratamento
Exame do Líquido Os antibióticos devem ser administrados o
Cefalorraquidiano quanto antes a pacientes com suspeita de meningite
bacteriana, idealmente após a coleta de sangue e LCR
O padrão ouro para o diagnóstico de meningite para cultura, uma vez que a antibioticoterapia precoce
é o exame do líquido cefalorraquidiano (LCR). Uma ele- está associada a menor mortalidade. Se houver atraso
vação dos leucócitos no LCR geralmente indica inflama- para tal coleta, deve-se priorizar a antibioticoterapia.
ção das meninges. A dosagem de proteína e glicose do Surpreendentemente, muitos esquemas antibióticos
LCR são outros importantes indicadores da etiologia de não são baseados em ensaios randomizados, mas em
uma meningite infecciosa (Tabela 13.2). Pacientes com dados de modelos animais ou experiência clínica.
meningite bacteriana tipicamente apresentam proteína Pneumococos resistentes à penicilina têm sido
alta e glicose baixa no LCR. Uma vez que o nível de gli- relatados em todas as partes do mundo. Por esse mo-
cose no LCR é influenciado pela glicemia, uma dosagem tivo, cefotriaxona ou cefotaxima são os antibióticos
sérica de glicose deve ser feita concomitantemente. A de escolha para a antibioticoterapia empírica (Tabela
medida do lactato do LCR parece ter vantagens em rela- 13.3). Já a resistência antibiótica nos meningococos é
ção à dosagem de glicose do LCR, em virtude de não ser rara. A bacterioscopia do LCR permite um rápido de-
afetada pela concentração sérica. O lactato do LCR, se sescalonamento da antibioticoterapia quando formas
medido antes da antibioticoterapia, tem uma sensibili- compatíveis com meningococos ou Listeria são identi-
dade de 93% e especificidade de 96% na diferenciação ficados (Tabela 13.4).

Tabela 13.2: Características clássicas do líquido cefalorraquidiano conforme etiologia da meningite6,17

Pressão de Leucócitos Tipo celular Proteína


Aspecto Glicose
abertura (céls./mm3) predominante (mg/dL)
Bacteriana Turvo, purulento ↑ 100-50.000 Neutrófilos ↑ (> 100) ↓
Viral Límpido Normal ou leve ↑ < 1.000 Linfócitos ↑ leve (50-100) Normal ou ↓ leve
Tuberculosa Límpido, turvo ­↑ < 500 Linfócitos ↑↑↑ (200-5.000) ↓

109
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Tabela 13.3: Antibioticoterapia empírica para suspeita de meningite bacteriana aguda comunitária6

Esquema de escolha Anafilaxia a betalactámico

Cloranfenicol 25 mg/kg EV q6h ou


Ceftriaxona 2 g EV q12h ou Vancomicina 15-20 mg/kg EV q8-12h
Adultos sem fatores de risco
Cefotaxima 2 g EV q4-6h +
Moxifloxacina 400 mg EV q24h¶
Acrescentar:
Idosos, imunossupressão, Acrescentar:
SMX-TMP 5 mg/kg (TMP) EV q6-12 h
etilismo, doenças debilitantes Ampicilina 2 g EV q4h
OU Meropenem em monoterapia

Tabela 13.4: Antibioticoterapia guiada pela coloração de Gram do LCR

Diplococos Gram-positivos (S. pneumoniae) Ceftriaxona, cefotaxima


Diplococos Gram-negativos (N. meningitidis) Penicilina cristalina ou ampicilina
Cocobacilos Gram-negativos (H. influenzae) Ceftriaxona, cefotaxima
Bastonetes Gram-positivos (L. monocytogenes) Penicilina cristalina ou ampicilina

Não há estudos randomizados sobre a duração mesmo estudo, contudo, em pacientes com meningite
da antibioticoterapia na meningite bacteriana em adul- bacteriana confirmada, houve uma redução significati-
tos. Atualmente, a duração da antibioticoterapia para a va no risco de morte ou incapacidade aos 6 meses, os
doença meningocócica é de 5 a 7 dias, sendo um pou- quais também apresentaram significativamente menos
co mais longa para meningite pneumocócica (10 a 14 sequelas auditivas que no grupo placebo.
dias). A meningite por Listeria deve ser tratado por um
mínimo de 21 dias.
Um grande estudo multicêntrico controlado MENINGITE E VENTRICULITE
randomizado europeu em adultos encontrou que a de- NOSOCOMIAIS
xametasona, iniciada 15 a 20 minutos antes da adminis-
tração parenteral de antibióticos, na dose de 10 mg a
cada seis horas por via intravenosa durante quatro dias, Patogênese e Etiologia
mostrou uma porcentagem de pacientes com resulta-
do desfavorável significativamente menor1 e reduziu A meningite pode estar associada a uma varie-
ligeiramente a mortalidade nos casos de meningite dade de procedimentos invasivos ou traumatismo cra-
pneumocócica.18 niano. A meningite nosocomial apresenta um espectro
Contudo, a administração de dexametasona em diferente de microrganismos em relação à meningite
pacientes com meningite bacteriana em países pobres comunitária e os mecanismos patogênicos também são
não encontrou diferenças na mortalidade e na incidên- diferentes comparativamente à meningite adquirida na
cia de sequelas em crianças19, enquanto que em adultos comunidade.
e adolescentes observou-se até um risco aumentado de A ventriculite é uma infecção cerebral rara que
morte nos casos em que a etiologia bacteriana não foi tem sido variavelmente referida como ependimite,
confirmada,20 uma observação que pode ser explicada abscesso intraventricular, empiema ventricular e pio-
por casos de meningite tuberculosa que receberam cor- céfalo. Existem várias rotas possíveis através das quais
ticoide sem estar em uso de tuberculostáticos. Nesse um patógeno pode entrar no sistema intraventricular,
incluindo inoculação direta secundária a traumatismo
1
O resultado primário foi a pontuação oito semanas após a craniano ou procedimentos neurocirúrgicos (por exem-
randomização, conforme avaliado pelo médico do paciente. plo: craniotomia, implante de cateteres ventriculares in-
Um resultado desfavorável foi definido como uma pontuação
ternos ou externos, punção lombar, infusões intratecais
de 1 a 4 na Escala de Desfecho de Glasgow (Glasgow Outcome
Scale). Uma pontuação de 1 indica morte; 2, estado vegeta- de medicamentos ou raquianestesia), através de exten-
tivo (o paciente é incapaz de interagir com o ambiente); 3, são por contiguidade a partir da ruptura de um absces-
incapacidade grave (o paciente é incapaz de viver de forma so cerebral ou, em casos raros, infecção metastática em
independente, mas pode seguir os comandos); 4, incapaci- pacientes com bacteremia hospitalar.21,22
dade moderada (o paciente é capaz de viver de forma inde-
pendente, mas incapaz de retornar ao trabalho ou à escola); As bactérias específicas que causam a meningi-
e 5, leve ou nenhuma incapacidade (o paciente é capaz de te nosocomial variam de acordo com a patogênese e
retornar ao trabalho ou escola). o momento da infecção após o evento predisponente.

110
Infecções do Sistema Nervoso Central

Assim, nas meningites que se desenvolvem após neuro- relacionadas à infecção ou se são secundárias à razão
cirurgia ou em pacientes hospitalizados por um período subjacente para a colocação do cateter ventricular ou
prolongado após trauma cranioencefálico penetran- se são resultado de neurocirurgia, hemorragia intracra-
te ou fratura da base do crânio a etiologia usual inclui niana ou trauma craniano prévios, pois nessas situações
ou por bacilos Gram-negativos Staphylococcus aureus, a hemorragia intraventricular pode ser a causa destas
e bacilos Gram-negativos (incluindo enterobactérias, alterações laboratoriais ou determinar uma reação in-
Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter sp.). Na me- flamatória (meningite química)2. Por outro lado, embora
ningite ou ventriculite como complicação de derivação uma elevação da contagem de leucócitos no LCR esteja
ventricular interna, os agentes etiológicos são compo- correlacionada com a presença de infecção, a infecção
nentes da microbiota da pele, tais como estafilococos do SNC pode estar presente mesmo em pacientes com
coagulase-negativos (principalmente Staphylococcus contagem normal de leucócitos no líquor.23
epidermidis) e Propionibacterium acnes, exceto se o pa- Os dados sobre o valor do lactato liquórico para o
ciente já encontrar-se hospitalizado por tempo prolon- diagnóstico de meningite e ventriculite nosocomiais são
gado, em cujo caso a etiologia é tipicamente hospitalar conflitantes. Uma vez que a hemorragia subaracnóidea
(S. aureus, bacilos Gram-negativos). Embora as infec- e o trauma cranioencefálico sabidamente podem cau-
ções nosocomiais fúngicas do LCR sejam muito menos sar hiperglicólise, não é surpreendente que o lactato no
comuns do que as causadas por bactérias, a frequência LCR possa estar elevado nesses pacientes. Por outro lado,
de meningite e ventriculite por Candida tem aumenta- também está demonstrado que as medicações depres-
do nos últimos anos.23,24 soras do SNC (benzodiazepínicos e opioides, por exem-
plo) reduzem as concentrações de lactato no LCR.23

Achados Clínicos e Diagnóstico A falha do shunt na ausência de infecção em de-


rivação é uma ocorrência comum. A cultura do líquor é
Febre e diminuição do nível de consciência são as o exame mais importantes para estabelecer o diagnós-
características clínicas mais consistentes de infecção do tico de infecção. Contudo, ocasionalmente, a cultura
sistema nervoso central. Porém tais parâmetros clínicos do líquor obtido de pacientes com derivação ventricu-
são inespecíficos e frequentemente não podem ser ava- lar pode ser positiva mesmo na ausência de infecção.
liados adequadamente porque o paciente encontra-se Nessa situação, a contaminação pode a causa da cultura
sedado, porque tais sinais podem ser uma manifestação positiva, porém, mesmo assim, infecção deve ser forte-
da doença neurológica subjacente (por exemplo, he- mente considerada, devendo-se coletar nova amostra
morragia intracraniana ou traumatismo cranioencefico de líquor para cultura. Uma segunda cultura positiva
grave). A febre também pode ser de outras fontes ex- com o mesmo microrganismo é geralmente indicativa
tracerebrais de infecção (por exemplo, pneumonia).21,24 de infecção verdadeira.
Febre e leucocitose periférica também são acha- As diretrizes da IDSA de 2017 para ventriculite e
dos clássicos na meningite, mas pode haver muitas meningite nosocomiais23 propõem a seguinte classifica-
outras causas desses achados em um paciente hospita- ção para pacientes com derivações ventriculares:
lizado. Sinais de irritação meníngea, incluindo rigidez da „ Contaminação: Uma cultura ou bacteriosco-
nuca, são observados em apenas 20% a 30% dos pacien- pia isoladas do LCR positiva com citometria
tes.23 Um histórico de implante de cateter intraventricu- liquórica, glicorraquia e proteinorraquia nor-
lar, craniotomia ou trauma resultando em contaminação mais e ausência de sintomas clínicos suspeitos
do líquor, além da ausência de outra causa de febre ou de ventriculite ou meningite;
convulsões torna o diagnóstico mais provável. „ Colonização: Múltiplas culturas ou bacterios-
A investigação diagnóstica consiste em neu- copias do LCR positivas com citometria liquó-
roimagem, análise do líquor (citobioquímica, bac- rica, glicorraquia e proteinorraquia normais e
terioscopia e culturas), além de hemoculturas. A ausência de sintomas clínicos sugestivos de
neuroimagem é indicada na maioria dos pacientes com ventriculite ou meningite;
suspeita de meningite bacteriana nosocomial, pois per- „ Infecção: Culturas únicas ou múltiplas do LCR
mite identificar hidrocefalia, identificando, assim, um positivas com pleocitose e/ou hipoglicorra-
mau funcionamento de uma derivação ventricular. A quia e sintomas clínicos sugestivos de ventri-
neuroimagem também pode mostrar massas expansi- culite ou meningite.
vas (ou seja, hemorragia, abscessos, empiema subdu-
ral), as quais devem ser identificadas antes da punção 2
Um parâmetro denominado índice celular foi testado como
lombar. O líquido cefalorraquidiano pode ser obtido auxílio no diagnóstico de ventriculite. O índice celular consis-
através do cateter em pacientes com cateteres ventricu- te na relação entre a proporção de leucócitos para eritrócitos
lares; caso contrário, uma punção lombar é necessária.21 no LCR e de leucócitos para eritrócitos no sangue periférico.
Contudo, o estudo limitou-se a 13 pacientes com hemorragia
Contudo, pode ser de difícil avaliar se as anorma- intraventricular que tinham drenos ventriculares externos e
lidades dos parâmetros laboratoriais liquóricos estão os resultados, no entanto, não foram validados.25

111
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Idealmente, as culturas devem ser coletadas do Tabela 13.5: Dosagens recomendadas de agentes
local de injeção e de coleta de amostra do dreno ven- antimicrobianos em adultos com função renal e hepática
tricular externo (ao invés do saco de drenagem), com o normais.23
intuito de reduzir o risco de contaminação no momento
Intervalo entre
da coleta.23 Antimicrobianos Dose total diária
doses (horas)
Amicacina 15 mg/kg 8h
Antibioticoterapia Empírica Ampicilina 12 g 4h
Quando houver pleocitose no liquórica, a terapia Cefepime 6g 8h
antimicrobiana deve ser iniciada após a coleta de líquor Cefotaxima 8-12 g 4-6 h
para cultura e antes mesmo que os resultados da cultu-
Ceftazidima 6g 8h
ra estejam disponíveis, caso haja suspeita de infecção.
Ceftriaxona 4g 12 h
Os microrganismos que causam essas infecções,
frequentemente, formam biofilmes nos pacientes com Ciprofloxacina 800-1200 mg 8-12 h
dispositivos protéticos intracranianos nos quais os Daptomicina 6-10 mg/kg 24 h
agentes antimicrobianos não penetram bem. Portanto, Gentamicina 5 mg/kg 8h
a terapia medicamentosa deve ser associada à remoção
do cateter intraventricular suspeito. Linezolida 1.200 mg 12 h
A antibioticoterapia empírica com vancomicina Meropenem 6g 8h
associado a cefepime, ceftazidima ou meropenem é Moxifloxacina 400 mg a
24 h
apropriada na maioria dos casos.23 A escolha empírica Oxacillina 12 g 4h
para cobertura dos bacilos Gram-negativos deve ser ba-
24 milhões de
seada nos padrões de susceptibilidade antimicrobiana Penicilina G 4h
unidades
locais desses patógenos. O meropenem é o agente de
escolha caso um carbapenêmicos seja cogitado, devido Trimetoprim-
10-20 mg/kgb 6-12 h
ao menor risco de convulsão com meropenem do que sulfametoxazol
com imipenem.21 Vancomicina 30-60 mg/kg 8-12 h
Antifúngicos
Antibioticoterapia Específica Anfotericina B
complexo lipídico
5 mg/kg 24 h
A vancomicina deve ser usada se a infecção for Fluconazol 400-800 mg 24 h
causada por S. aureus resistente à meticilina (MRSA).
Anfotericina B
Linezolida, daptomicina ou trimetoprim-sulfametoxa- 3-5 mg/kgc 24 h
lipossomal
zol são outras opções terapêuticas para cepas de MRSA.
Caso o estafilococo isolado for sensível à meticilina Posaconazol 800 mgd 6-12 h
(MSSA), a terapia deve ser alterada para oxacilina.23 Voriconazol 8 mg/kg e
12 h
Para o tratamento da infecção causada por baci- a
Não há dados sobre a dose ideal em pacientes com
los Gram-negativos (Enterobacteriaceae, Pseudomonas
meningite bacteriana.
sp., Acinetobacter sp.) a terapia poderá incluir cefepime,
ceftazidima ou meropenem ou outros agentes anti- b
Dosagem baseada no componente trimetoprim.
microbianos alternativos como aztreonam ou fluoro- c
Dose de 5-7,5 mg/kg a cada 24 horas em pacientes com
quinolona. Devido à fraca penetração do tazobactam infecção por Aspergillus.
no LCR, a piperacilina-tazobactam não é aconselhada
no tratamento de meningite e abscesso cerebral.26 A
d
Dose de 200 mg por via oral a cada 6 horas inicialmente,
escolha da antibioticoterapia é totalmente depen- depois 400 mg por via oral a cada 12 horas.
dente do antibiograma devido a grande variabilidade e
Dose de ataque de 6 mg/kg por via intravenosa a cada 12
de perfil de resistências dos bacilos Gram-negativos horas por 2 doses.
hospitalares. Para cepas que demonstrem resistência
aos carbapenêmicos, a colistina, sob forma de colisti- usadas porque não atingem concentrações adequa-
metato de sódio ou polimixina B, é a opção habitual das no líquido cefalorraquidiano (LCR). O tratamento
(Tabela 13.5).23 deve continuar até que todos os sinais e sintomas da
O tratamento da meningite fúngica depende infecção tenham se resolvido, o LCR tenha se normali-
do patógeno. Uma formulação lipídica intravenosa de zado e não haja evidência radiográfica de infecção. O
anfotericina B é recomendada para a ventriculite e me- tratamento recomendado para a ventriculite e menin-
ningite por Candida. As equinocandinas não devem ser gite por Aspergillus é o voriconazol. O posaconazol ou

112
Infecções do Sistema Nervoso Central

uma formulação lipídica de anfotericina B são alterna- apesar de antibioticoterapia adequada, o tratamento
tivas razoáveis.23 deve ser continuado por 10 a 14 dias após a última cul-
tura positiva.23 O tratamento da cerebrite ou abscesso

Antibioticoterapia Intratecal requer em torno de 4 a 6 semanas de antibioticoterapia.

A terapia antimicrobiana intraventricular deve


ser considerada para pacientes com ventriculite e me-
Prevenção
ningite associada à assistência à saúde, nos quais a in- O maior risco relacionado à drenagem ventricu-
fecção responde mal à terapia antimicrobiana sistêmica lar externa é a infecção secundária. Uma permanência
isolada. Os medicamentos administrados pela via intra- mais longa da derivação parece aumentar o risco, em-
ventricular devem ser livres de conservantes. As penici-
bora o risco possa se estabilizar com o tempo. A troca
linas e as cefalosporinas não devem ser administradas
periódica profilática do dreno não diminui a probabi-
pela via intratecal porque foram associadas a neurotoxi-
lidade de infecção do LCR. Como a infecção pode ser
cidade significativa, especialmente convulsões.23
adquirida no momento do implante do cateter, a troca
Não existem dados que definam a dose exata de
periódica de drenos não infectados pode, na verdade,
um agente antimicrobiano que pode ser administrado
aumentar o risco de infecção. Se a meningite bacteria-
pela via intraventricular. O dreno é geralmente fechado
na se desenvolver em paciente com DVE, o cateter deve
por 1 hora após a administração da dose intraventricu-
lar. As doses subsequentes podem ser determinadas ser removido para aumentar a probabilidade de cura da
medindo a concentração mínima numa amostra de lí- infecção. No caso dos cateteres ventriculares internos,
quor obtida imediatamente antes da infusão da dose a terapia antimicrobiana, a remoção de todos os com-
seguinte. A concentração liquórica do antimicrobiano ponentes do cateter infectado e a colocação de dreno
deve geralmente exceder 10 a 20 vezes a concentração externo parecem ser o tratamento mais efetivo, com
inibitória mínima da droga para o microrganismo iso- sucesso em mais de 85% dos pacientes; a drenagem ex-
lado com vistas a uma esterilização consistente do LCR terna leva a uma resolução mais rápida da ventriculite,
(Tabela 13.6).21 permite o monitoramento citobioquímico e microbio-
lógico do LCR e permite o tratamento da hidrocefalia
subjacente.23
Duração do Tratamento Um protocolo para o implante e cuidados após
Não há estudos controlados comparando dife- a introdução de DVE com fins a reduzir a incidência de
rentes durações da antibioticoterapia para o tratamen- ventriculite foi sugerido. O protocolo consiste na higie-
to de ventriculite associada e meningite nosocomiais. nização das mãos dos profissionais de saúde, tricotomia
Infecções causadas por estafilococos coagulase-nega- ampla do couro cabeludo do paciente, precauções de
tivos ou P. acnes devem ser tratadas por 10 a 14 dias. barreira máximas durante o implante da DVE (campos
Infecções causadas por S. aureus ou bacilos Gram- cirúrgicos estéreis cobrindo a cabeça e todo o corpo
negativos também por 10 a 14 dias, apesar de alguns do paciente, uso de gorro e máscara cirúrgica, além de
especialistas sugerirem uma duração de 21 dias. Em avental e luvas estéreis pela equipe cirúrgica), antibio-
pacientes com culturas de LCR repetidamente positivas
ticoprofilaxia em dose única (cefazolina) administrada
antes da incisão, desinfecção cutânea com clorexidina,
Tabela 13.6: Doses recomendadas de antimicrobianos uso de cateter ventricular impregnado com rifampina/
selecionados administrados pela via intraventricular21 minociclina, tunelização do cateter aproximadamen-
te 3 a 5 cm do local de inserção, aplicação de curativo
Antimicrobiano Dose Diária Intraventricular plástico transparente amplo e proteção das bordas do
Vancomicina 5-20 mg* curativo com fitas adesivas estéreis. Nenhuma troca de
Gentamicina 4-8 mg curativos de rotina era realizada, sendo a troca do cura-
Amicacina 5-50 mg** tivo efetuada apenas se o mesmo apresentasse algum
tipo de comprometimento. Durante a manipulação da
Polimixina B 5 mg
DVE, os cuidados incluíam, entre outros, desinfecção
10 mg uma vez ao dia ou 5 da torneira com conexões e a tubulação adjacente com
Colistimetato (polimixina E)
mg cada 12 h*** clorexidina e remoção de líquor com técnica estéril.
* A maioria dos estudos utilizou uma dose de 10 ou 20 mg. Uma análise retrospectiva deste protocolo introduzido
em uma unidade de tratamento neurológico terciário
** A dose diária habitual é de 30 mg. reduziu a taxa de positividade da cultura do líquido ce-
*** Em um estudo, os pacientes receberam 10 mg a cada 12 falorraquidiano de 9,8% para 0,8% (P=0,001) e diminuiu
horas sem aumento efeitos colaterais. a taxa de ventriculite de 6,3% para 0,8% (P=0,02).27

113
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Referências Bibliográficas
1. Beer R, Lackner P, Pfausler B, Schmutzhard E. Nosocomial ventriculitis and meningitis in neurocritical care patients. J Neurol.
2008;255:1617-24.
2. Boucher A, Herrmann JL, Morand P, et al. Epidemiology of infectious encephalitis causes in 2016. Med Mal Infect. 2017;47:221-35.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de
vigilância sentinela de doenças neuroinvasivas por arbovírus/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento
de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
4. Brouwer MC, van de Beek D. Chapter 19. Acute and chronic meningitis. In: Cohen J, Powderly WG, Opal SM. Infectious Disease. 4ª
ed. China: Elsevier, 2017.
5. Cho TA, Mckendall RR. Clinical approach to the syndromes of viral encephalitis, myelitis, and meningitis. Handb Clin Neurol.
2014;123:89-121.
6. Costerus JM, Brouwer MC, Sprengers MES, et al. Cranial Computed Tomography, Lumbar Puncture, and Clinical Deterioration in
Bacterial Meningitis: A Nationwide Cohort Study. Clin Infect Dis. 2018;67:920-6.
7. de Gans J, van de Beek D, for the European Dexamethasone in Adulthood Bacterial Meningitis Study Investigators. Dexamethasone
in adults with bacterial meningitis. N Engl J Med 2002; 347: 1549–56.
8. Flint AC, Rao VA, Renda NC, Faigeles BS, Lasman TE, Sheridan W. A simple protocol to prevent external ventricular drain
infections. Neurosurgery. 2013;72:993-9.
9. Gaieski DF, Nathan BR, O’Brien NF. Emergency Neurologic Life Support: Meningitis and Encephalitis. Neurocrit Care
2015;23(Suppl 2):S110-8.
10. GBD 2016 Meningitis Collaborators. Global, regional, and national burden of meningitis, 1990-2016: a systematic analysis for the
Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Neurol. 2018;17:1061-1082.
11. Hasbun R, Abrahams J, Jekel J, Quagliarello VJ. Computed tomography of the head before lumbar puncture in adults with suspected
meningitis. N Engl J Med 2001; 345: 1727-33.
12. Mai NTH, Tran TH, Thwaites G, et al. Dexamethasone in Vietnamese adolescents and adults with bacterial meningitis. N Engl J
Med. 2007;357:2431-40.
13. McGill F, Heyderman RS, Panagiotou S, Tunkel AR, Solomon T. Acute bacterial meningitis in adults. Lancet. 2016;388:3036-47.
14. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em
Serviços. Outras Meningites. In: ______. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico]/Ministério da Saúde, Secretaria
de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. 2. ed. Brasília: Ministério da
Saúde, 2017. cap. 1, p. 49-70.
15. Mohan S, Jain KK, Arabi M, Shah GV. Imaging of meningitis and ventriculitis. Neuroimaging Clin N Am. 2012;22:557-83.
16. Molyneux EM, Walsh AL, Forsyth H, et al. Dexamethasone treatment in childhood bacterial meningitis in Malawi: a randomised
controlled trial. Lancet 2002;360:211-8.
17. Nau R, Kinzig-Schippers M, Sörgel F, et al. Kinetics of piperacillin and tazobactam in ventricular cerebrospinal fluid of
hydrocephalic patients. Antimicrob Agents Chemother. 1997;41:987-91.
18. Pfausler B, Beer R, Engelhardt K, et al. Cell index–a new parameter for the early diagnosis of ventriculostomy (external ventricular
drainage)-related ventriculitis in patients with intraventricular hemorrhage? Acta Neurochir (Wien) 2004; 146:477–81.
19. Putz K, Hayani K, Zar FA. Meningitis. Prim Care. 2013;40:707-26.
20. Sakushima K, Hayashino Y, Kawaguchi T, Jackson JL, Fukuhara S. Diagnostic accuracy of cerebrospinal fluid lactate for
differentiating bacterial meningitis from aseptic meningitis: a meta-analysis. J Infect 2011; 64: 255-62.
21. Seehusen DA, Reeves MM, and Fomin DA. Cerebrospinal Fluid Analysis. Am Fam Physician 2003;68:1103-8.
22. Tunkel AR, Glaser CA, Bloch KC, et al. The management of encephalitis: Clinical practice guidelines by the Infectious Diseases
Society of America. Clin Infect Dis 2008; 47:303-27.
23. Tunkel AR, Hasbun R, Bhimraj A, et al. 2017 infectious diseases society of America’s clinical practice guidelines for healthcare-
associated ventriculitis and meningitis. Clin Infect Dis. 2017;64:e34-e65.
24. van de Beek D, de Gans J, Spanjaard, L et al. Clinical features and prognostic factors in adults with bacterial meningitis. N Engl J
Med. 2004;351:1849-59.
25. van de Beek D, de Gans J, Tunkel AR, Wijdicks EF. Community-acquired bacterial meningitis in adults. N Engl J Med.
2006;354:44-53.
26. van de Beek D, Drake JM, Tunkel AR. Nosocomial bacterial meningitis. N Engl J Med. 2010;362:146-54.
27. Vieira MADCES, Lima Neto AS, Costa CHN, et al. Proposta de abordagem simplificada para suspeitas de meningites: relato de
experiência de serviço de referência no estado do Piauí. Epidemiol Serv Saude. 2018;27:e2017329.

114
Febres Hemorrágicas 14

André Japiassú

Introdução coagulação provavelmente desempenha um papel im-


portante no desenvolvimento da coagulopatia típica
O termo febres hemorrágicas refere-se a doen- da dengue, a qual geralmente manifesta-se como um
ças infecciosas com potencial para produzir quadros de aumento no tempo de tromboplastina parcial, acompa-
elevada gravidade que produzem distúrbios hemorrá- nhado por baixos níveis de fibrinogênio, mas com pou-
gico. Apesar disso, geralmente não a sua elevada leta- ca evidência de ativação pró-coagulante. O sulfato de
lidade não está usualmente associada a sangramentos heparano também pode funcionar como um anticoa-
fatais, mas ao dano endotelial e microtromboses, levan- gulante e contribuir para a coagulopatia.
do à disfunção de múltiplos órgãos.
No Brasil, cinco doenças são mais comumente re-
Manifestações clínicas
feridas por este termo genérico:
Embora a maioria das pessoas com infecção pelo
„ Dengue;
vírus da dengue permaneça assintomática ou oligossin-
„ Febre amarela; tomática, cerca de 25% apresentam uma doença febril
„ Leptospirose; autolimitada, acompanhada por anomalias bioquímicas
„ Malária; e hematológicas leves a moderadas. Quando sintomá-
tica, os sintomas geralmente começam abruptamente
„ Hantavirose.
após um período de incubação de 4 a 7 dias (máximo
de 14 dias), e seguem três fases: fases febril, fase crítica
Dengue e fase de recuperação. Classicamente, a fase febril co-
meça com o início repentino de febre alta e calafrios,
Os vírus da dengue (DENV) pertencem ao gêne- muitas vezes com mal-estar grave, vômitos e sintomas
ro Flavivirus, família Flaviviridae, com quatro sorotipos constitucionais. Alguns pacientes têm uma erupção
distintos. O principal vetor da transmissão do vírus da macular transitória. A maioria dos pacientes melhora
dengue é o mosquito Aedes aegypti. após a defervescência.
A partir de 2014, o Brasil passou a utilizar uma
nova classificação de gravidade da dengue. Esta abor-
Fisiopatogenia
dagem enfatiza que a dengue é uma doença única, di-
Acredita-se que a resposta imunológica do hos- nâmica e sistêmica. Isso significa que a doença pode
pedeiro ao vírus da dengue crie um ambiente fisiológi- evoluir para remissão dos sintomas, ou pode agravar-
co em tecidos que promove a permeabilidade capilar -se exigindo constante reavaliação e observação, para
quando a carga viral está em rápido declínio. No entan- que as intervenções sejam oportunas e que os óbitos
to, os mecanismos fisiopatológicos não são bem esta- sejam minimizados. São três as categorias clínicas
belecidos. As interações entre a proteína não estrutural da classificação da dengue conforme sua gravidade
1 da dengue (NS1) e a camada de glicocálice endotelial (Tabela 14.1):
podem resultar na liberação de sulfato de heparano
„ Dengue sem sinais de alarme;
para a circulação, alterando as características de filtra-
ção desta camada e resultando em extravazamento „ Dengue com sinais de alarme;
de proteínas. A perda de proteínas essenciais para a „ Dengue grave.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Tabela 14.1: Classificação da gravidade da dengue (OPAS/OMS)

Dengue sem sinais de alarme Dengue com sinais de alarme Dengue grave
Pessoa que mora ou viajou para Todo caso de dengue que, próximo ou Caso de dengue com uma ou mais
áreas com transmissão de dengue preferencialmente na defervescência, apresenta das seguintes manifestações:
nos últimos 14 dias e apresenta um ou mais dos seguintes sinais: Choque ou dificuldade respiratória
febre, geralmente de 2 a 7 dias Dor abdominal intensa; devido a extravazamento plasmático
de duração, e pelo menos 2 dos Vômito persistente; grave;
seguintes critérios: Acúmulo de líquido (ascite, derrame pleural, Hemorragia grave (por exemplo,
Náusea/vômito; derrame pericárdico); hematêmese, melena, metrorragia,
Exantema; Sangramento de mucosas; sangramento do SNC);
Cefaleia/dor retro-orbital; Letargia/inquietação; Disfunção orgânica grave, como
Mialgia e artralgia; Hipotensão postural (lipotimia); insuficiência hepática, disfunção do
Petéquia ou teste de torniquete SNC (alteração do estado mental),
Hepatomegalia;
positivo; insuficiência cardíaca (miocardite) ou
Aumento progressivo do hematócrito.
Leucopenia. de outros órgãos.

A maioria dos sinais de alarme relacionados na rápida parenteral com solução cristaloide. Ainda seme-
Figura 14.1 são resultantes do aumento da permeabili- lhantemente a outros tipos de choque séptico, após
dade vascular, a qual marca o início do deterioramento essa fase de reexpansão volêmica, a continuação da
clínico do paciente e sua possível evolução para o cho- reanimação volêmica deve, idealmente, ser guiada por
que por extravasamento de plasma. A hipótese corren- testes de fluidorresponsividade para minimizar compli-
te para explicar a dor epigástrica intensa e contínua, por cações de sobrecarga volêmica (por exemplo, edema
exemplo, se deve ao aparecimento súbito de grande agudo de pulmão), cujo risco é agravado pela presença
quantidade de líquido extravasado para as áreas parar- de alteração da permeabilidade capilar na dengue gra-
renal e perirrenal, o que irrita os plexos nervosos na re- ve. Uma opção para minimizar a quantidade de volume
gião retroperitoneal. adicional, é realizar provas volêmicas com pequenas
O grave comprometimento orgânico, como he- alíquotas de solução de albumina a 4% (80 mL de NaCl
patites, encefalites ou miocardites pode ocorrer sem o a 0,9% + 20 mL de albumina a 20%). Drogas vasopres-
concomitante extravasamento plasmático ou choque. soras como noradrenalina e vasopressina podem ser
As miocardites por dengue são expressas principal- necessárias, concomitante ou após tentativa de norma-
mente por alterações do ritmo cardíaco (taquicardias lização da PAM com fluidos.
e bradicardias), inversão da onda T e do segmento ST Na presença de sangramentos graves, pode ser
com disfunções ventriculares (diminuição da fração da necessário a transfusão de concentrado de hemácias e
ejeção do ventrículo esquerdo), podendo ter elevação o distúrbio da coagulação pode necessitar de correção
das enzimas cardíacas. Elevação de enzimas hepáticas com plasma ou, no caso do paciente hipervolêmico, con-
de pequena monta ocorre em até 50% dos pacientes, centrado de complexos protrombínicos. A transfusão de
podendo nas formas graves evoluir para comprome- plaquetas deve ser cogitada apenas em situações de san-
timento severo das funções hepáticas expressas pelo gramento persistente, não controlado com a correção
acréscimo das aminotransferases em 10 vezes o va- dos fatores de coagulação e do choque, e com tromboci-
lor máximo normal, associado a elevação do valor do topenia e INR maior que 1,5 vezes o valor normal.
tempo de protrombina. Alguns pacientes podem ainda
Suporte aos órgãos com insuficiência pode in-
apresentar manifestações neurológicas, como convul-
cluir a necessidade de ventilação mecânica invasiva,
sões e irritabilidade. O acometimento grave do sistema
terapia renal substitutiva, uso de inotrópicos e outros.
nervoso pode ocorrer no período febril ou, mais tar-
Os demais cuidados usuais com pacientes graves de-
diamente, na convalescença e tem sido relatado com
vem ser instituídos, tais como a correção de distúrbios
diferentes formas clinicas: meningite linfomonocítica,
hidroeletrolíticos, nutrição, sedoanalgesia etc.
encefalite, síndrome de Reye, polirradiculoneurite, po-
lineuropatias (síndrome de Guillain-Barré) e encefalite.
A insuficiência renal aguda é pouco frequente e geral- Febre Amarela
mente cursa com pior prognóstico.
O agente etiológico, um arbovírus (vírus trans-
mitido por artrópodes), conhecido como vírus da fe-
Tratamento bre amarela, pertencente à família Flaviviridae, gênero
Na dengue grave, a reanimação volêmica visa Flavivirus. A febre amarela é uma infecção zoonótica,
reverter o choque. Como em outras formas de choque mantida na natureza por primatas selvagens não huma-
séptico, deve-se iniciar imediatamente fase de expansão nos e mosquitos (mosquitos fêmeas dos gêneros Aedes,

116
Febres Hemorrágicas

Sabethes e Haemagogus). O Aedes aegypti pode trans- Lesão e extravazamento capilar plasmáticos são
mitir vírus da febre amarela entre seres humanos em característicos de muitas febres hemorrágicas virais
regiões urbanas (febre amarela urbana). e a febre amarela não é exceção. Os achados macros-
cópicos na autópsia incluem hemorragias petequiais
disseminadas de pele e mucosas, efusões pleurais e
Fisiopatogenia peritoneais moderadas e edema pulmonar. Edema ce-
Imediatamente após a picada infectante, o vírus rebral e outros órgãos, particularmente em torno dos
da febre amarela é detectado nos tecidos subcutâneos vasos sanguíneos, é visto no exame microscópico.
pelas células dendríticas que transportam o vírus para
os linfonodos. Lá, o vírus da febre amarela replica-se e
é apresentado aos linfócitos CD4, os quais coordenam Manifestações clínicas
as respostas imunológicas inatas e adaptativas. Após O período de incubação após a picada de um
a replicação, o vírus da febre amarela é liberado pelas mosquito infectado é de 3 a 6 dias. O início da doença é
células nos ductos linfáticos e depois nos vasos sanguí- tipicamente abrupto, com febre, calafrios, mal-estar, dor
neos (viremia). Após a viremia, o vírus da febre amarela, de cabeça, dor lombar, mialgia generalizada, náusea e
usando seu tropismo, infecta vários órgãos, incluindo tontura. Ao exame físico, o paciente é febril e aparece
o coração, timo, rim e fígado. No fígado, as células de agudamente enfermo, com congestão da conjuntiva e
Kupffer e os hepatócitos são infectados. da face e bradicardia relativa em relação ao grau da fe-
O hepatócito infectado sofre degeneração eosi- bre (sinal de Faget).
nofílica com cromatina nuclear condensada (corpúscu- Em aproximadamente 15 a 25% das pessoas
los de Councilman) típica de morte celular por apoptose afetadas, a doença reaparece de forma mais grave (o
e distinta da necrose por balonamento e rarefação vista chamado “período toxêmico”) com febre, vômitos, dor
na hepatite viral. A lesão hepática por apoptose explica epigástrica, icterícia, insuficiência renal e diátese he-
a ausência virtual de células inflamatórias na febre ama- morrágica. Os níveis séricos de transaminases aumen-
rela, a preservação da estrutura da reticulina e a cicatri- tam, bem como as concentrações de bilirrubina direta.
zação sem fibrose. Curiosamente, as concentrações séricas de aspartato
aminotransferase (AST) frequentemente excedem a ala-
O antígeno da febre amarela já foi identificado
nina aminotransferase (ALT), presumivelmente devido à
em células tubulares renais de casos humanos fatais,
lesão viral direta ao miocárdio e ao músculo esqueléti-
sugerindo um efeito viral direto na lesão renal da febre
co. Os níveis séricos de transaminase refletem a gravida-
amarela. Porém, no modelo de macaco, a função tubu-
de da doença. Observa-se, ainda, proteinúria, oligúria e
lar renal foi mantida durante o curso da doença, sendo
aumento da creatinina sérica. Cerca de 20 a 50% dos pa-
demonstrado que a oligúria é causada por insuficiên-
cientes com doença hepatorrenal morrem, tipicamente
cia pré-renal associada à hipotensão. A necrose tubular
7 a 10 dias após o início do quadro.
aguda foi um evento terminal nesses modelos animais.
A albuminúria marcante observada na febre amare- As manifestações hemorrágicas incluem peté-
la pode ser devida à alteração da função glomerular, quias, equimoses, epistaxe e sangramentos gengivais e
uma vez que alterações histológicas são observadas na nos locais de punção por agulha. Em muitos casos, há
membrana basal e nas células da cápsula de Bowman. hemorragias de grande monta, hematêmeses, melena
Lesões virais diretas às fibras miocárdicas, que contêm ou metrorragia.
antígeno viral e apresentam alterações compatíveis Anormalidades laboratoriais incluem trombo-
com a apoptose, podem contribuir para o choque. citopenia, prolongamento de TAP e TTPA, queda do
Três importantes citocinas estão associadas com fibrinogênio e dos fatores II, V, VII, VIII, IX e X, além da
a fisiopatogenia da febre amarela: TNF-α, IFN-γ e TGF-β, presença de produtos da degradação da fibrina. Essas
devido a essas condições apoptóticas. Essas citocinas, anormalidades sugerem um distúrbio hemorrágico
atuando sob coordenação de células CD4 e linfócitos multifatorial causado pela síntese reduzida de fatores
citotóxicos CD8, estão relacionadas à apoptose e vários de coagulação e coagulopatia de consumo.
dos sintomas observados na febre amarela grave, como A lesão miocárdica manifesta-se por anormali-
síndrome de extravazamento vascular, trombocitope- dades da onda ST-T no eletrocardiograma e, ocasional-
nia, lesão hepática, lesão renal e diátese hemorrágica. A mente, por miocardiopatia dilatada aguda.
hemorragia é uma manifestação clínica comum em pa- Os pacientes também apresentam delirium
cientes com febre amarela clássica. O processo e meca- agitado, estupor, coma, respiração Cheyne-Stokes,
nismo desse fenômeno são pouco compreendidos, mas acidose metabólica, hipercalemia, hipoglicemia e hi-
uma descoberta chave é um dano celular endotelial na potermia. Pode haver hipertensão intracraniana com
rede capilar. Esses dados indicam que, assim como o aumento da proteína liquórica, porém sem elevação
vírus da dengue, o vírus da febre amarela também de- dos leucócitos no líquor, o que é consistente com
monstra tropismo por células endoteliais. edema cerebral. A encefalite verdadeira pelo vírus

117
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

da febre amarela (em oposição à encefalopatia) é „ Plasma fresco congelado no caso de hemorra-
muito rara. gias; e
A fase de convalescença é caracterizada por fra- „ Diálise precoce, se instalada insuficiência renal.
queza e fadiga prolongadas que duram várias semanas.
Mortes ocorrendo semanas após a recuperação foram
Deve-se atentar para a possibilidade de infecção
descritas, possivelmente causadas por arritmia cardía-
bacteriana concomitante, ponderando o início precoce
ca, mas essa complicação não é bem documentada. A
de antibioticoterapia de largo espectro.
duração da icterícia em sobreviventes é desconhecida,
mas testes de função hepática anormais foram encon-
trados 2 meses ou mais após o início da recuperação. A
cicatrização do fígado e dos rins é completa sem cicatri-
Leptospirose
zes pós-necróticas. Epidemiologia
A leptospirose é causada pela espiroqueta
Diagnóstico laboratorial Leptospira interrogans. Trata-se de uma zoonose sistê-
Os métodos sorológicos que identificam IgM mica e potencialmente fatal, endêmica em muitas re-
específica, como é o caso do IgM-ELISA, podem forne- giões tropicais, causando epidemias após chuvas com
cer o diagnóstico presuntivo rápido em uma amostra inundações. A infecção resulta da exposição direta ou
sorológica, se a mesma for obtida a partir do 5° dia de indireta a animais hospedeiros infectados que carre-
doença. A presença de IgM decorre de infecção recen- gam o patógeno em seus túbulos renais e eliminam
te (2-3 meses) ou atual, portanto, a interpretação de leptospiras patogênicas em sua urina. Embora muitos
um resultado positivo para IgM para o vírus da febre animais selvagens e domésticos possam servir como
amarela requer uma correlação com o quadro clínico hospedeiros reservatórios, o rato marrom (Rattus norve-
do paciente. Vale lembrar que a vacinação contra a fe- gicus) é a fonte mais importante de infecções humanas.
bre amarela também induz a formação de IgM especí- Indivíduos que vivem em ambientes urbanos de fave-
fica e, por isso, é importante conhecer os antecedentes las, caracterizados por saneamento inadequado e habi-
vacinais do caso suspeito. tações precárias, apresentam alto risco de exposição a
O diagnóstico pode ser confirmado por detecção ratos e, consequentemente, à leptospirose. As portas de
do RNA viral (Reação em Cadeia de Polimerase - PCR), entrada incluem cortes e abrasões ou membranas mu-
além de sorologia com captura de IgM em ensaio enzi- cosas, como as superfícies conjuntival, oral ou genital. A
mático, o MAC-ELISA em pessoas não vacinadas ou com exposição pode ocorrer por contato direto com um ani-
aumento de quatro vezes ou mais nos títulos de anticor- mal infectado ou por contato indireto, através do solo
pos pela técnica de inibição da hemaglutinação (IH), em ou da água contaminada com urina de um animal infec-
amostras pareadas. tado. Indivíduos com ocupações de risco para contato
direto com animais potencialmente infectados incluem
veterinários, trabalhadores de matadouros, trabalhado-
Tratamento res rurais (particularmente em situações de ordenha lei-
A hospitalização em unidade de terapia inten- teira), caçadores, trabalhadores de abrigos de animais,
siva está indicada para pacientes que apresentarem cientistas e tecnólogos que manipulam animais em la-
necessidade de suporte intensivo. Cuidados imple- boratórios ou durante o trabalho de campo. Porém, o
mentados o mais brevemente possível como ven- contato indireto com leptospiras via água ou solo con-
tilação mecânica protetora, hemodiálise e suporte taminado é muito mais comum e pode estar associado
hematológico influenciam o desfecho dos casos, mui- a atividades ocupacionais, recreacionais ou de caráter
to embora considerável proporção ainda vá ter des- não profissional.
fecho fatal. Um painel de especialistas recomendou
as seguintes medidas a serem aplicadas em terapia
intensiva:
Manifestações clínicas
A leptospirose apresenta-se tipicamente em sua
„ Manutenção da nutrição e prevenção de
fase precoce como uma doença febril aguda, inespecífi-
hipoglicemia;
ca, caracterizada por febre, mialgia e cefaléia e pode ser
„ Uso de inibidor de bomba de prótons associa- confundida com outras entidades, como gripe e den-
do a bloqueador do receptor H2 para preven- gue. Os sintomas gastrointestinais são frequentemente
ção de hemorragia gástrica; observados e podem incluir náuseas, vômitos, diarreia
„ Ressuscitação volêmica e uso de drogas e dor abdominal. Náuseas e outros sintomas gastroin-
vasoativas; testinais podem contribuir para a desidratação em pa-
„ Correção de acidose metabólica e distúrbios cientes com insuficiência renal não-oligúrica causada
eletrolíticos; por leptospirose.

118
Febres Hemorrágicas

Essa apresentação corresponde a cerca de 90% respiratória (síndrome da hemorragia pulmonar aguda
das formas clínicas. Geralmente, a leptospirose é as- e síndrome da angústia respiratória aguda [SARA]) e a
sociada à intensa mialgia, principalmente em região óbito. Na maioria dos pacientes, porém, a hemorragia
lombar e nas panturrilhas. Também podem ocorrer ar- pulmonar maciça não é identificada até que uma radio-
tralgias e tosse. Exantema cutâneo ocorre em 10 a 20% grafia de tórax seja realizada ou que o paciente seja sub-
dos pacientes, apresentando-se sob a forma de eritema metido à intubação orotraqueal.
macular, papular, urticariforme ou purpúrico, distribuí- Assim, deve-se manter uma suspeição para a for-
do no tronco ou região pré-tibial. Em menos de 20% ma pulmonar grave da leptospirose em pacientes que
dos casos de leptospirose também podem ocorrer he- apresentem febre e sinais de insuficiência respiratória,
patomegalia, esplenomegalia e linfadenopatia. independentemente da presença de hemoptise. Além
A sufusão conjuntival é um achado característico disso, a leptospirose pode causar SARA na ausência de
da leptospirose e é observada em cerca de 30% dos pa- sangramento pulmonar.
cientes. Esse sinal aparece no final da fase precoce e ca- Outros tipos de diátese hemorrágica, frequente-
racteriza-se por hiperemia e edema da conjuntiva. Com mente em associação com trombocitopenia, também
a progressão da doença, os pacientes também podem podem ocorrer, além de sangramento nos pulmões, fe-
desenvolver petéquias e hemorragias conjuntivais. Essa nômenos hemorrágicos na pele (petéquias, equimoses
fase precoce da leptospirose tende a ser autolimitada e e sangramento nos locais de venopunção), nas conjun-
regride entre 3 e 7 dias sem deixar sequelas. tivas e em outras mucosas ou órgãos internos, inclusive
Em aproximadamente 15% dos pacientes com no sistema nervoso central.
leptospirose, ocorre a evolução para manifestações clí- A insuficiência renal aguda é uma importante
nicas graves caracterizadas por disfunção de múltiplos complicação da fase tardia e ocorre em 16 a 40% dos
órgãos, incluindo fígado, rins, pulmões e cérebro, que pacientes. A leptospirose causa uma forma peculiar
se inicia após a primeira semana da doença, podendo de insuficiência renal aguda, caracterizada por ser não
manifestar-se mais precocemente em pacientes com oligúrica e hipocalêmica, devido à inibição de reab-
apresentações fulminantes. sorção de sódio nos túbulos renais proximais, aumen-
A manifestação clássica da leptospirose grave é to no aporte distal de sódio e consequente perda de
a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterí- potássio. Durante esse estágio inicial, o débito uriná-
cia, insuficiência renal e hemorragia, mais comumente rio é de normal a elevado, os níveis séricos de creatini-
pulmonar. A icterícia é considerada um sinal caracterís- na e ureia aumentam e o paciente pode desenvolver
tico e apresenta uma tonalidade alaranjada muito in- hipocalemia moderada a grave. Com a perda progres-
tensa (icterícia rubínica). Geralmente, a icterícia aparece siva do volume intravascular, os pacientes desenvol-
entre o 3° e 7° dia de doença e sua presença costuma vem insuficiência renal oligúrica devido à azotemia
ser usada para auxiliar no diagnóstico da leptospirose, pré-renal. Nesse estágio, os níveis de potássio come-
sendo um preditor de pior prognóstico devido a sua çam a subir para valores normais ou elevados. Devido
associação com essa síndrome. Entretanto, essas mani- à perda contínua de volume, os pacientes podem de-
festações podem se apresentar concomitantemente ou senvolver necrose tubular aguda e não responder à
isoladamente, na fase tardia da doença. reposição intravascular de fluidos, necessitando de
A síndrome de hemorragia pulmonar, caracteriza- início imediato de diálise para tratamento da insufi-
da por lesão pulmonar aguda e sangramento pulmonar ciência renal aguda.
maciço, vem sendo cada vez mais reconhecida no Brasil Outras complicações frequentes na forma grave
como uma manifestação distinta e importante da lep- da leptospirose são:
tospirose na fase tardia. No entanto, é importante ob- „ Miocardite, acompanhada ou não de choque e
servar que manifestações graves da leptospirose, como arritmias agravados por distúrbios eletrolíticos;
hemorragia pulmonar e insuficiência renal, podem „ Pancreatite;
ocorrer em pacientes anictéricos. Portanto, os médicos
„ Anemia; e
não devem se basear apenas na presença de icterícia
para identificar pacientes com leptospirose ou com ris- „ Distúrbios neurológicos como confusão, delí-
co de complicações graves da doença. Enquanto a le- rio, alucinações e sinais de irritação meníngea.
talidade geral nos casos de leptospirose notificados no
Brasil é de 10%, nos pacientes que desenvolvem hemor- A leptospirose é uma causa relativamente fre-
ragia pulmonar é maior que 50%. quente de meningite asséptica. Embora menos frequen-
O comprometimento pulmonar da leptospirose tes, também podem-se observar encefalite, paralisias
se apresenta com tosse seca, dispneia, expectoração focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios
hemoptoica e, ocasionalmente, dor torácica e ciano- visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de
se. A hemoptise franca indica extrema gravidade e nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barré
pode ocorrer de forma súbita, levando à insuficiência e mielite.

119
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Diagnóstico laboratorial „ Reanimação circulatória;


A detecção do DNA da leptospira por PCR pode „ Ventilação mecânica;
ser feito a partir de 1 a 10 dias do início dos sintomas. „ Hemodiálise;
O diagnóstico sorológico pode ser realizado atra- „ Controle de sangramentos etc.
vés da identificação anticorpos IgM através do método
ELISA. Os anticorpos IgM são detectáveis pelo método
ELISA dentro de 5 a 7 dias após o início dos sintomas.
Malária Grave
O diagnóstico também é confirmado através da A malária é uma doença infecciosa cujo agente
demonstração de soroconversão pelo teste da aglutina- etiológico é um parasito do gênero Plasmodium. As es-
ção microscópica (MAT), ou seja, uma primeira amostra pécies associadas à malária humana são: Plasmodium
(fase aguda) não reagente e uma segunda amostra cole- falciparum, P. vivax P. malariae e P. ovale. No Brasil, nunca
tada 14 dias após o início dos sintomas (no máximo até foi registrada transmissão autóctone de P. ovale, que é
60 dias) com título maior ou igual a 200. A demonstração restrita a determinadas regiões da África. A transmissão
de uma elevação de pelo menos 4 vezes nos títulos de natural da malária ocorre por meio da picada de fêmeas
anticorpos detectados pelo MAT, entre duas amostras infectadas de mosquitos do gênero Anopheles, sendo
sanguíneas coletadas com igual interval ao acima cita- mais importante a espécie Anopheles darlingi, cujos
do também confirma a leptospirose. Quando não hou- criadouros preferenciais são coleções de água limpa,
ver disponibilidade de duas ou mais amostras, um título quente, sombreada e de baixo fluxo, muito frequentes
maior ou igual a 800 na MAT confirma o diagnóstico. na Amazônia brasileira. O Plasmodium falciparum é a
principal causa de malária grave.
A infecção inicia-se quando os parasitos (esporo-
Tratamento zoítos) são inoculados na pele pela picada do vetor, os
Antibioticoterapia quais irão invadir as células do fígado, os hepatócitos.
Nessas células multiplicam-se e dão origem a milhares
A antibioticoterapia está indicada em qualquer
de novos parasitos (merozoítos), que rompem os hepa-
período da doença, mas sua eficácia parece ser maior na
tócitos e, caindo na circulação sanguínea, vão invadir as
primeira semana do início dos sintomas. Pacientes sin-
hemácias, dando início à segunda fase do ciclo, chama-
tomáticos devem receber terapia antimicrobiana para
da de esquizogonia sanguínea. É nessa fase sanguínea
encurtar a duração da doença e reduzir a eliminação da que aparecem os sintomas da malária.
leptospira na urina.
O desenvolvimento do parasito nas células do
Pacientes ambulatoriais com doença leve: fígado requer aproximadamente uma semana para o
„ Doxiciclina: 100 mg por via oral duas vezes ao P. falciparum e P. vivax e cerca de duas semanas para o
dia por 7 dias; P. malariae. Nas infecções por P. vivax e P. ovale, alguns
„ Azitromicina: 500 mg por via oral uma vez ao parasitos se desenvolvem rapidamente, enquanto ou-
dia por três dias; tros ficam em estado de latência no hepatócito. São, por
„ Gestantes: azitromicina ou amoxicilina (500 isso, denominados hipnozoítos (do grego hipnos, sono).
mg a cada 8 horas durante 7 dias). Esses hipnozoítos são responsáveis pelas recaídas da
doença, que ocorrem após períodos variáveis de incu-
bação (geralmente dentro de seis meses).
Pacientes hospitalizados com doença grave:
Na fase sanguínea do ciclo, os merozoítos forma-
„ Penicilina G cristalina: 1,5 MU EV a cada seis horas; dos rompem a hemácia e invadem outras, dando início
„ Ampicilina: 1 g EV a cad 6 horas; a ciclos repetitivos de multiplicação eritrocitária. Os ci-
„ Ceftriaxona: 1 a 2 g EV uma vez ao dia; clos eritrocitários repetem-se a cada 48 horas nas infec-
ções por P. vivax e P. falciparum e a cada 72 horas nas
„ Cefotaxima: 1 g EV a cada 6 horas;
infecções por P. malariae. Depois de algumas gerações
„ Azitromicina 500 mg EV uma vez ao dia. de merozoítos nas hemácias, alguns se diferenciam em
formas sexuadas: os macrogametas (feminino) e mi-
A duração do tratamento na doença grave geral- crogametas (masculino). Esses gametas no interior das
mente é de sete dias. hemácias (gametócitos) não se dividem e, quando in-
geridos pelos insetos vetores, irão fecundar-se para dar
origem ao ciclo sexuado do parasito.
Suporte intensivo
Os casos graves que requeiram tratamento em
leitos de terapia intensiva devem receber o suporte Definição de malária grave
avançado à vida conforme suas insuficiências orgânicas Em um paciente com parasitemia por P. falcipa-
exijam, incluindo: rum e sem outra causa confirmada para seus sinais ou

120
Febres Hemorrágicas

sintomas, a presença de uma ou mais das característi- O óbito de pacientes por malária cerebral – a
cas clínicas ou laboratoriais abaixo relacionados clas- grande maioria, crianças com menos de 5 anos de idade
sifica esse paciente como portador de malária grave – geralmente se deve à parada respiratória causada pela
(Quadro 14.1). herniação cerebral em resposta ao edema cerebral com
consequente compressão do tronco cerebral.
Quadro 14.1: Características clínicas ou laboratoriais que A síndrome do desconforto respiratório agudo
classificam o paciente como portador de malária grave (SDRA) é uma complicação temida em adultos com ma-
lária falciparum grave (particularmente em mulheres
Alteração do nível de grávidas), embora também possa ocorrer em infecções
Choque circulatório
consciência por P vivax e P knowlesi. O aumento da permeabilidade
Anemia grave (Hb < 7 g/dL capilar pulmonar se desenvolve em até 30% dos pacien-
Sangramento significativo
ou Hto < 20%) tes adultos e muitas vezes se manifesta após o início do
IRA Hipoglicemia tratamento antimalárico. A patogênese não é totalmen-
te compreendida, mas o dano endotelial mediado pela
SARA Acidose lática
inflamação pode ter um papel importante. O papel do
Icterícia Hiperparasitemia (> 10%) sequestro parasitário vascular pulmonar não é claro.
A lesão renal aguda é comum em adultos com
Fisiopatogenia e manifestações clínicas malária grave. Ele se comporta clínica e patologicamen-
A característica unificadora na patogênese da te como necrose tubular aguda. A patogênese perma-
malária é o sequestro de eritrócitos parasitados na nece incerta, mas a redução do fluxo microcirculatório
microvasculatura de vários órgãos. Na malária por P provavelmente contribui.
falciparum, protuberâncias ou botões emergem na Icterícia grave resulta de uma combinação de
superfície do eritrócito infectado 12-15 horas após a hemólise, lesão hepatocelular e colestase. A icterícia é
infecção. Essas protuberâncias expressam proteínas mais comum em adultos do que em crianças e é fre-
adesivas que mediam a citoaderência, isso é, a ligação quentemente acompanhada por insuficiência renal.
a receptores da superfície endotelial na microcircula- A acidose láctica resulta principalmente da gli-
ção. Os eritrócitos infectados aderem às paredes dos cólise anaeróbica em tecidos nos quais os parasitas
vasos e às vezes uns aos outros (aglutinação mediada sequestrados obstruem o fluxo microcirculatório. A in-
por plaquetas) ou aderem-se a eritrócitos não infecta- suficiência dos mecanismos hepático e renal de elimina-
dos (“rosetas”). A adesão provoca o sequestro de células ção do lactato também contribuem para sua elevação.
vermelhas do sangue contendo parasitas maduros em
A hipoglicemia associa-se à acidose láctica e é
órgãos vitais (particularmente o cérebro), onde os para-
especialmente problemática em crianças e mulheres
sitas sequestrados interferem no fluxo da microcircula-
grávidas. Resulta de uma falha da gliconeogênese he-
ção e no funcionamento do endotélio vascular.
pática e um aumento no consumo tecidual de glicose.
A malária cerebral é a manifestação grave mais A hipoglicemia hiperinsulinêmica é um efeito adverso
frequente da malária falciparum. Apresenta-se como importante da quinina (poderoso estimulante da secre-
coma e febre, geralmente sem sinais neurológicos fo- ção pancreática de insulina).
cais; as convulsões ocorrem na maioria das crianças,
mas apenas em aproximadamente 12% dos pacien-
tes adultos. A profundidade do coma no momento Diagnóstico
do diagnóstico tem um significado prognóstico forte
para um desfecho fatal em adultos e crianças, mas Gota espessa
sequelas neurológicas graves são incomuns em so- É o método oficialmente adotado no Brasil para
breviventes, embora mais frequentes em crianças. O o diagnóstico da malária. Mesmo após o avanço de téc-
aumento da pressão intracraniana devido ao edema nicas diagnósticas, este exame continua sendo um mé-
cerebral é o principal determinante para a patogêne- todo simples, eficaz, de baixo custo e de fácil realização.
se da malária cerebral em crianças. A malária cerebral Quando executado adequadamente, é considerado pa-
manifesta-se com rebaixamento do nível de consciên- drão-ouro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
cia, podendo levar ao coma e convulsões. Rigidez de Sua técnica baseia-se na visualização do parasito por
nuca é um sinal raro. Uma retinopatia com hemorra- meio de microscopia óptica, após coloração com coran-
gias retinianas variadas, podendo haver manchas de te vital (azul de metileno e Giemsa), permitindo a dife-
Roth (hemorragias retinianas com área central es- renciação específica dos parasitos, a partir da análise da
branquiçada) e descoloração vascular ocorre tanto sua morfologia, e dos seus estágios de desenvolvimen-
em crianças como em adultos com malária grave. A to encontrados no sangue periférico. A determinação
retinopatia da malária é patognomônica de desenvol- da densidade parasitária, útil para a avaliação prognós-
vimento da malária cerebral. tica, deve ser realizada em todo paciente com malária,

121
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

especialmente nos portadores de P. falciparum. Por parenteral reduziu significativamente a mortalidade de


meio desta técnica é possível detectar outros hemopa- 22,4% para 14,7% em comparação com a quinina. No
rasitos, tais como Trypanosoma sp. e microfilárias. maior estudo até agora de crianças hospitalizadas com
malária falciparum grave na África, o artesunato reduziu
Esfregaço delgado significativamente a mortalidade de 10,9% para 8,5%,
em comparação com a quinina. O artesunato intrave-
Possui baixa sensibilidade (estima-se que a gota
noso ou intramuscular é, portanto, o tratamento de es-
espessa é cerca de 30 vezes mais eficaz na detecção da
colha para malária grave em todo o mundo (incluindo
infecção malárica). Porém, este método permite, com
em pacientes com malária grave vivax e knowlesi). O ar-
mais facilidade, a diferenciação específica dos parasitos
tesunato não tem efeitos adversos locais ou sistêmicos
a partir da análise de sua morfologia e das alterações
importantes, embora altas doses cumulativas (≥ 6 mg/
provocadas no eritrócito infectado.
kg por dia) possam suprimir temporariamente a medula
óssea (Tabela 14.2).
Testes rápidos
Testes rápidos para a detecção de antígenos do Reanimação volêmica
plasmódio (testes imunocromatográficos) representam
A estratégia ideal de manejo volêmico na malária
novos métodos de diagnóstico da malária. São realiza-
grave é incerta. O estudo Fluid Expansion as Supportive
dos em fitas de nitrocelulose contendo anticorpo mo-
Therapy (FEAST) demonstrou uma mortalidade maior
noclonal contra antígenos específicos do parasito. Em
dentro de 48 horas entre crianças africanas escolhidas
parasitemia superior a 100 parasitos/μL, pode apresen-
aleatoriamente para receber um bolus de 20-40 mL/kg
tar sensibilidade de 95% ou mais quando comparados à
em comparação com crianças que receberam apenas
gota espessa. Grande parte dos testes hoje disponíveis
hidratação de manutenção (10,5% versus 7,3%; RR 1,45;
discrimina, especificamente, o P. falciparum das demais
IC 95% 1,13-1,86). A maioria das crianças tinha malária
espécies. Por sua praticidade e facilidade de realização,
confirmada (57%).
são úteis para a confirmação diagnóstica, no entanto
seu uso deve ser restrito a situações onde não é possí- A reanimação com fluidos tem sido considerada
vel a realização do exame da gota espessa por micros- uma intervenção chave no tratamento de adultos com
copista certificado, como áreas longínquas e de difícil malária falciparum grave. A hipovolemia profunda é
acesso aos serviços de saúde e áreas de baixa incidência comum nesses pacientes e tem o potencial de exacer-
da doença. Estes testes não avaliam a densidade parasi- bar a acidose e a lesão renal aguda, que são preditores
tária nem a presença de outros hemoparasitos e não de- independentes de morte. No entanto, novas técnicas
vem ser usados para controle de cura devido a possível de imagem microvascular têm mostrado que a gravi-
persistência de partes do parasito, após o tratamento, dade da doença se correlaciona mais fortemente com
levando a resultado falso positivo. a obstrução da microcirculação por eritrócitos parasi-
tados – um processo denominado sequestro. A carga
de líquidos tem pouco efeito sobre o sequestro e au-
Tratamento menta o risco de complicações, particularmente o ede-
Os dois principais pilares do tratamento da malá- ma pulmonar, uma condição que pode se desenvolver
ria grave são o uso precoce de agentes antimaláricos e repentinamente e que é frequentemente fatal nessa
o tratamento de suporte às funções vitais. população. Ademais, seu aparecimento é imprevisível,
como ilustra o estudo conduzido por Taylor e colabo-
radores com 28 adultos com malária grave nos quais a
Agentes antimaláricos termodiluição transpulmonar foi usada para avaliar o
Dois estudos de referência em doentes com ma- volume diastólico final global (uma medida do volume
lária grave mostraram definitivamente que o artesuna- intravascular), a água pulmonar extravascular (uma me-
to intravenoso reduziu a mortalidade em 35 e 23% em dida de edema pulmonar) e a permeabilidade vascular
adultos e crianças, respectivamente, em comparação pulmonar. Todos os pacientes mostraram-se hipovolê-
com a quinina. O artesunato intravenoso é atualmen- micos à chegada e receberam ressuscitação volêmica
te o tratamento de primeira linha para a malária grave, com uma mediana de 3,4 L de fluidos nas primeiras 6
conforme recomendado pela OMS. Artemeter e quinina horas de internação. Com 72 horas, 54% dos pacientes
são as terapias de segunda linha. O mecanismo desta desenvolveu edema pulmonar com permeabilidade
sobrevivência aumentada em relação à quinina é a rá- vascular pulmonar aumentada, vindo a óbito cerca de
pida atividade do artesunato nas formas jovens em anel metade desses pacientes apesar de suporte ventilatório
do plasmódio, impedindo a maturação e o sequestro mecânico. Mais importante, não foi observada correla-
dos parasitas na microcirculação. ção entre a quantidade de líquido recebido e o desen-
A malária falciparum grave é uma emergência mé- volvimento de lesão pulmonar aguda, sendo que não
dica e requer cuidados intensivos. Na Ásia, o artesunato foi possível identificar os pacientes que eventualmente

122
Febres Hemorrágicas

Tabela 14.2: Esquemas recomendados para o tratamento da malária grave e complicada pelo Plasmodium falciparum e
pelo Plasmodium vivax

Artesunato Clindamicina
2,4 mg/kg (dose de ataque) por via endovenosa, seguida 20 mg/kg/dia, dividida em 3 doses diárias, por 7 dias. Cada
de 1,2 mg/kg administrados após 12 e 24 horas da dose dose deverá ser diluída em solução glicosada a 5% (1,5 mL/
de ataque. Em seguida, manter uma dose diária de 1,2 mg/ kg de peso) e infundida gota a gota em 1 hora. Se o paciente
kg durante 6 dias. Se o paciente estiver em condições de estiver em condições de deglutir, a dose diária pode ser
deglutir, a dose diária pode ser administrada em comprimidos, administrada em comprimidos, por via oral.
por via oral.
Dissolver o pó de artesunato (60 mg por ampola) em diluente Apresentações
próprio ou em uma solução de 0,6 mL de bicarbonato de sódio
Solução injetável: fosfato de clindamicina 600 mg/4 mL
5%. Esta solução deve ser diluída em 50 ml de SG 5% e
administrada por via endovenosa, em uma hora. Após injeções EV rápidas, podem ocorrer reações de
hipersensibilidade na forma de rubor ou sensação de náusea.
Casos de hipotensão e até parada cardiorrespiratória e foram
relatados após administração intravenosa rápida demais. A
clindamicina não deve, portanto, ser administrada por injeções
EV em bolus, mas apenas por infusão lenta da solução
diluída.
Gestantes no 1º Trimestre
Quinina Clindamicina
20 mg/kg de dicloridrato de quinina (dose de ataque), diluida Conforme esquema acima.
em 10 mL/kg de solução glicosada a 5% (máximo de 500
mL de SG 5%) EV durante 4 horas. Após 8 horas do início
da administração da dose de ataque, administrar uma dose
de manutenção de quinina de 10 mg/kg, diluídos em 10 mL/
kg de SG 5% EV (máximo de 500 mL de SG 5%), durante 4
horas. Essa dose de manutenção deve ser repetida a cada 8
horas, contadas a partir do início da infusão anterior, até que
o paciente possa deglutir; a partir desse momento, deve-se
administrar comprimidos de quinina na dose de 10 mg/kg a
cada 8 horas, até completar um tratamento de 7 dias.
Apresentações
Solução injetável: 500mg/5mL
Comprimidos de 500mg

desenvolveram extravazamento vascular pulmonar por seguir as diretrizes para SDRA não relacionada à malá-
nenhum parâmetro no momento da admissão, suge- ria, com a exceção de que a hipercapnia permissiva é
rindo o caráter imprevisível do surgimento do edema desencorajada em pacientes com malária cerebral, pois
pulmonar e a necessidade de cautela na reanimação vo- pode exacerbar a elevação da pressão intracraniana.
lêmica. As diretrizes atuais e a prática clínica generaliza- Na ausência de ventilação mecânica, a mortalida-
da recomendam que pacientes com malária grave que de da SDRA é superior a 80%. Porém, mesmo com ven-
não têm hipotensão ou sinais de depleção significativa tilação mecânica, a letalidade ainda é superior a 50% na
de volume devem geralmente receber líquidos de for- malária falciparum.
ma conservadora.

Hipotensão
Síndrome do desconforto respiratório agudo
O choque hipotensivo na malária grave é inco-
(SDRA) mum e está associado à alta mortalidade em todos os
O desconforto respiratório na malária pode surgir grupos etários. A presença de choque em pacientes com
devido a anemia grave, acidose metabólica grave, pneu- infecção pelo Plasmodium é definida como síndrome da
monia ou SDRA, e ocorre em 25% dos adultos e 40% das malária álgida, que pode estar associada à insuficiência
crianças com malária grave causada por P. falciparum. adrenal aguda, sepse bacteriana concomitante, falência
As estratégias de ventilação na malária severa devem miocárdica, edema pulmonar agudo e sangramentos

123
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

profusos causados por coagulação intravascular disse- Insuficiência renal aguda


minada ou rotura de hematoma subcapsular esplênico. A IRA na malária geralmente é causada por P. fal-
Todas estas possibilidades devem ser excluídas. ciparum, embora tenha sido relatada com outras espé-
cies. A incidência de IRA na malária grave varia de 1 a 5%
Malária cerebral em áreas endêmicas, porém é muito maior em séries de
O uso da dexametasona para reduzir o edema malária importada (variando de 23 a mais de 50%). A
cerebral e a pressão intracraniana não demonstrou be- redução da dose de derivados de artemisinina é desne-
nefício clínico e complicações foram mais frequentes no cessária, mesmo na insuficiência renal, contudo, a qui-
grupo sob uso de corticosteroide, incluindo coma pro- nina pode se acumular, de modo que sua dose deve ser
longado, pneumonia e sangramento gastrointestinal. corrigida, a menos que a terapia de substituição renal
Também o manitol foi avaliado em vários estudos clíni- tenha sido iniciada.
cos, tanto em crianças como em adultos, sem identificar A maioria dos casos de IRA na malária grave é não
benefício clínico e/ou mostrando prejuízos. oligúrica, de modo que a função renal deve ser verifica-
Convulsões devem ser tratadas com esquemas da diariamente. Na insuficiência renal aguda ou acidose
anticonvulsivantes padrão após. O uso de drogas anti- metabólica grave, hemofiltração ou hemodiálise devem
convulsivantes profiláticas foi investigado apenas com ser iniciadas precocemente.
o fenobarbital. Uma metanálise da Cochrane sobre
os dados identificou que embora o uso de fenobar- Hipoglicemia
bital profilático foi associado com menor incidência A hipoglicemia é uma complicação importante
de convulsões, houve aumento da mortalidade geral. da malária grave por P. falciparum, especialmente em
Contudo, esse aumento da mortalidade provavelmente crianças e mulheres grávidas. A hipoglicemia está as-
foi relacionado a depressão respiratória. Se estes acha- sociada de forma independente a aumento da morta-
dos podem ser generalizados para outras classes de an- lidade, predominantemente quando acompanhada de
tiepilépticos, em particular aqueles que causam menos acidose ou hiperlactatemia. Se não for cuidadosamente
depressão respiratória, é desconhecido. Recomendasse, monitorada, a hipoglicemia pode passar despercebida,
assim, limitar o uso de anticonvulsivantes em pacientes levando a comprometimento neurológico e sequelas
com malária cerebral àqueles com atividade convulsiva neurológicas. Em pacientes inconscientes, a glicemia
clinicamente evidente. deve ser medida a cada 4-6 horas. A hipoglicemia deve
ser tratada de maneira imediata com glicose em endo-
Anemia e trombocitopenia venosa em bolus.
Anemia grave devido a hemólise maciça e a eli- Como já mencionado anteriormente, a hipoglice-
minação de eritrócitos parasitados pelo sistema fago- mia pode ser exacerbada pela quinina parenteral (um
cítico-monocitário é mais frequente em crianças, mas secretagogo de insulina).
pode complicar a malária em qualquer idade. A anemia
diminui a oxigenação dos tecidos e contribui para a
acidose, disfunção orgânica e morte. A anemia se de- Hantavirose
senvolve rapidamente na malária grave, motivando o Os hantavírus são vírus de RNA, envelopados,
acompanhamento seriado da dosagem de hemoglobi- esféricos, com um diâmetro de 80 a 120 nm e perten-
na e hematócrito. centes à família Bunyaviridae. Atualmente, mais de 28
Os dados atualmente existentes não permitem hantavírus que causam doenças em humanos, varian-
recomendações sobre os pontos de corte ideais para do de insuficiência renal aguda a edema pulmonar e
hemoglobina, nos quais a transfusão deve ser adminis- doença hemorrágica grave, foram identificados em
trada. Os benefícios devem superar o risco transfusio- todo o mundo. No Brasil, foram isolados dezenas de ou-
nal. Seguindo-se a prática usual para demais pacientes tros vírus da família Bunyaviridae, sendo o mais impor-
críticos, recomenda-se a transfusão de concentrados tante deles, do ponto de vista epidemiológico, o vírus
de hemácias quando a hemoglobina for menor que Oropouche, por causar epidemias extensas na Região
7,0 g/dL. Amazônica, apenas superado pelo dengue em número
Trombocitopenia profunda também é comum de casos notificados.
na malária falciparum grave, sendo provavelmente A transmissão da infecção aos seres humanos
causada pelo aumento do consumo de plaquetas, se- ocorre pela inalação de partículas de poeira aerossoli-
questro no esplênico ou ambos. A coagulação intra- zadas contendo o hantavírus. Áreas rurais com alta den-
vascular disseminada, que ocorre em cerca de 5% a sidade de roedores, durante campanhas militares ou
10% dos casos de malária grave, deve ser tratada con- em áreas periurbanas com grande aglomeração popu-
vencionalmente. Não há provas para apoiar a transfu- lacional e baixas condições sanitárias, favorecem o ínti-
são plaquetária empírica. mo contato de seres humanos com estes hospedeiros.

124
Febres Hemorrágicas

O hantavírus é eliminado na urina fresca, nas fezes e na Manifestações clínicas


saliva dos roedores hospedeiros.
Na fase prodrômica, os pacientes inicialmente
As infecções causadas pelo hantavírus apresen- apresentam como manifestações mais frequentes: fe-
tam-se sob duas formas síndrômicas: a febre hemorrá- bre, mialgias, dor lombar, dor abdominal, astenia, cefa-
gica com síndrome renal (FHSR), doença clinicamente leia intensa e sintomas gastrointestinais como náuseas,
semelhante à leptospirose e com evolução relativamen- vômitos e diarreia. Esse quadro inespecífico pode durar
te benigna, e a síndrome cardiopulmonar por han- cerca de 1 a 6 dias, podendo prolongar-se por até 15
tavírus (SCPH), que acomete o trato respiratório e dias e depois, regredir. Pode evoluir para uma fase clíni-
apresenta elevada letalidade. ca mais crítica, a cardiopulmonar.
A forma clínica mais comum no Brasil é a síndro- Já nessa fase, os exames laboratoriais podem
me cardiopulmonar por hantavirus (SCPH). Tem havido mostrar hemograma com linfócitos atípicos acima de
um aumento progressivo na notificação de casos em to- 10%, plaquetopenia (< 150.000 até 20.000 plaquetas/
das as regiões do país. Desde 1993, quando os primei- mm3), leucócitos normais ou elevados com desvio à es-
ros casos de SCPH foram identificados no Brasil, mais querda e hemoconcentração (Hto > 45%).
de 1800 casos foram relatados, representando mais de
45% dos casos de SCPH notificados nas Américas.
Síndrome cardiopulmonar por hantavírus
A fase cardiopulmonar é caracterizada pelo iní-
Fisiopatogenia cio da tosse, que em geral é seca, mas, em alguns ca-
Tanto na FHSR quanto na SCPH, as infecções vi- sos, pode ser produtiva, acompanhada por taquicardia,
rais iniciam-se pelas células endoteliais da microvascu- taquidispneia e hipoxemia. Tais manifestações podem
larização dos pulmões. Após a replicação viral, há uma ser seguidas por uma rápida evolução para edema pul-
disseminação do vírus por via linfo-hemática para ou- monar não cardiogênico, hipotensão arterial e colapso
tros órgãos e tecidos. circulatório. A radiografia do tórax habitualmente de-
Na SCPH, os hantavírus utilizam-se das integrinas monstra infiltrado intersticial difuso bilateral. Derrame
β3 como receptores para infectarem as células endo- pleural, principalmente bilateral, de pequena magnitu-
teliais. As plaquetas, que também possuem integrinas de é comum. A área cardíaca é normal. O índice cardíaco
β3, são da mesma forma infectadas, ocorrendo trom- é baixo e a resistência vascular periférica é elevada, com-
bocitopenia. A infecção viral desencadeia uma resposta patível com choque cardiogênico. Comprometimento
imunológica com a ativação de células de defesa, entre renal pode aparecer, mas em geral se apresenta de leve
as quais, linfócitos citotóxicos CD8. Depois de ativadas, a moderado. A taxa de letalidade é elevada nessa fase,
essas células são capazes de produzir citocinas que comumente em torno de 45%. O óbito ocorre, mais co-
atuarão diretamente sobre o endotélio vascular, além mumente, no prazo de 5 a 6 dias do início da doença.
de estimular macrófagos a produzirem mais citocinas, Nos pacientes que se recuperam, segue-se uma
como a IL-1, o INF-γ e TNF. Essas substâncias, ao atuarem fase diurética, onde há recuperação das alterações de
diretamente no capilar, podem levar a um aumento da permeabilidade do endotélio vascular, com intensa e
permeabilidade vascular, que permite um maciço extra- rápida reabsorção do líquido sequestrado no terceiro
vasamento de líquidos para o espaço intersticial e pos- espaço e no interstício. Caracteriza-se por recuperação
teriormente para os alvéolos, desencadeando edema hemodinâmica, poliúria, principalmente nos primeiros
pulmonar e insuficiência respiratória aguda. 5 dias. A convalescença, de duração prolongada (2 me-
O quadro de choque que ocorre na SCPH tem ses em média), há persistência de adinamia com melho-
mecanismo pouco conhecido. Supõe-se que o mesmo ra progressiva.
seja consequente à depressão da função miocárdica
ocasionada por elevados níveis de TNF. Febre hemorrágica com síndrome renal
A diminuição do fluxo plasmático renal por hipo- Classicamente, divide-se a evolução clínica em
volemia e os infiltrados na região medular dos rins po- cinco fases: febril, hipotensiva, oligúrica, diurética e de
deriam explicar as alterações da função renal. Na FHSR, convalescência; esses períodos podem superpor-se e,
da mesma forma, o endotélio vascular é afetado, resul- nos casos leves, nem mesmo ocorrer. O início mostra-
tando em uma permeabilidade vascular anormal, vaso- -se abrupto e manifesta-se com febre elevada, calafrios,
dilatação, transudação de fluido, edema e hemorragias. cefaleia retro-orbitária, fotofobia, mialgias, dor abdomi-
A patogênese da insuficiência renal é desconhecida. nal, náuseas e vômitos, hiperemia cutânea difusa aco-
Desconhecidas são também, até o presente mo- metendo a face, o pescoço e a parte superior do tórax e
mento, as razões pelas quais há grupos de hantavírus petéquias no palato mole e nas axilas são achados físi-
que desencadeiam maior patogenia sobre o sistema re- cos comuns. O fígado pode ser palpado em significativo
nal, no caso da FHSR, ou sobre pulmões e coração, em número de casos. Muitos pacientes se recuperam len-
se tratando de SCPH. tamente a partir dessa fase, mas alguns evoluem com

125
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

hipotensão e choque que costuma ocorrer antes do 5° (dobutamina). Na presença de IRA, a recomendação
ou 6° dia. A queda pressórica pode ser leve, mas alguns para diálise deve seguir a prática usual.
doentes desenvolvem choque refratário, que exige o Os pacientes com síndrome da angústia respira-
uso de drogas vasoativas. As hemorragias revelam-se tória aguda (SARA) devem ser ventilados com estraté-
comuns nessa fase e podem ser vistas na conjuntiva gias protetoras pulmonares. Pode-se, também, cogitar
ocular, na pele e mucosas, no trato digestivo e no siste- circulação extracorpórea com oxigenador de membra-
ma nervoso central. A função renal deteriora, em geral, na (ECMO) nos casos mais graves com choque refratário.
24 horas após a hipotensão, surgindo oligúria ou mes-
Alguns serviços na América do Sul (Brasil,
mo anúria, que requer o uso de métodos dialíticos. A
Argentina e Chile), de forma empírica, têm administra-
recuperação a partir daí pode ser rápida, com surgimen-
dos corticosteroides, precocemente, embora não haja
to de diurese intensa e episódios de hipertensão arte-
até o momento estudo randomizado duplo cego para
rial. A taxa de letalidade é baixa e varia de 1 a 10%. Essa
avaliar sua eficácia.
enfermidade deve ser diferenciada, clinicamente, da
leptospirose e de outras febres hemorrágicas virais que Até o momento, não existe terapêutica antiviral
ocorrem, nas mesmas áreas de ocorrência das hantavi- comprovadamente eficaz contra a SCPH. A ribavirina,
roses. Até o presente momento, não existe confirmação um análogo nucleosídeo, com grande atividade antivi-
de casos humanos nas Américas. ral, encontra-se em estudo.

Diagnóstico Biossegurança
Muito embora não haja relato de transmissão in-
Sorologia ter-humana nos casos de SCPH ocorridos no Brasil e na
Através da técnica ELISA pode-se confirmar o América do Norte, a confirmação dessa forma de trans-
diagnóstico de hantavirose pesquisando anticorpo da missão na Argentina e no Chile reforça a necessidade de
classe IgM em amostra de soro colhida na fase aguda isolamento do paciente, incluindo precauções de con-
(prodrômica ou cardiopulmonar) da doença de pacien- tato (avental, luvas e óculos), quando houver risco de
tes com suspeita de infecção por hantavírus. A técnica exposição a sangue e secreções, e também, precauções
de ELISA é utilizada também para detecção de anticor- contra aerossóis (máscara N95).
pos IgG contra o hantavirus. O teste ELISA, tanto para
a detecção de IgM quanto a de IgG, é de grande sen-
sibilidade. Anticorpos IgM podem ser detectados em Febre Maculosa
cerca de 95% dos pacientes no momento dos sintomas
agudos, com raros resultados falso-positivos, podendo
Epidemiologia
ser identificados até 60 dias após o início dos sintomas. As rickettsioses são um grupo de doenças zoo-
nóticas causadas por bactérias do gênero Rickettsia,
Ehrlichia, Anaplasma, Orientia, Bartonella e Coxiella,
Detecção do genoma viral transmitidas por artrópodes (como carrapatos, piolhos,
A técnica de transcrição reversa seguida pela pulgas e ácaros) e insetos flebotomíneos. Focaremos o
reação em cadeia da polimerase (Reverse Transcriptase texto nas doenças com características do grupo febre
Polymerase Chain Reaction [RT-PCR]) tem se mostrado maculosa, com destaque para a causada pela Rickettsia
eficiente na detecção de RNA viral em amostras de soro rickettsii, transmitida por carrapatos (Amblyomma sculp-
e fragmentos de tecidos colhidos o mais precocemente tum, cajennense, ovale ou aureolatum). A maior parte dos
possível, até o sétimo dia da doença. casos no Brasil estão concentrados na região Sudeste e
estados como Santa Catarina, com surtos episódicos no
Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás,
Tratamento Bahia e Ceará. Há tendência para incidência maior nos
Para todo caso suspeito de SCPH, deve-se pro- meses de junho a outubro, quando os carrapatos estão
videnciar imediatamente vaga em Unidade de Terapia em estágios de larva e ninfa, mostrando sazonalidade
Intensiva (UTI). da doença.
Preconiza-se uma cuidadosa infusão endoveno-
sa de líquidos. Se feita de modo excessivo, a infusão
poderá precipitar ou piorar o edema pulmonar. É fun- Fisiopatogenia
damental um manejo volêmico guiado por fluidorres- A doença se inicia após picada do inseto em
ponsividade e a preocupação em manter um balanço hospedeiros (como humanos e outros mamíferos) e a
hídrico equilibrado. Soluções de albumina podem ser bactéria ativa o endotélio, causando aumento de per-
úteis para alcançar este objetivo, ao permitirem a infu- meabilidade vascular e tendência a formação de coágu-
são de menor volume de líquido. O choque pode exigir los e ativação plaquetária. O tempo de incubação gira
o uso de vasopressores (noradrenalina) e/ou inotrópicos em torno de 2 dias a 2 semanas. É importante examinar

126
Febres Hemorrágicas

a pele do paciente de maneira atenta, porque eventual- atenção se a doença não for tratada adequadamente
mente se encontra carrapatos ainda em contato, prin- após 5 dias. Também ocorre insuficiência renal e au-
cipalmente em membros inferiores e dorso. O primeiro mento de ureia e creatinina.
estágio da doença é inespecífico, como em outras sín- O diagnóstico específico é realizado através da
dromes febris agudas hemorrágicas. sorologia com reação de imunofluorescência indireta,
pareando amostras entre o momento inicial e após 14-
21 dias. A reação de cadeia de polimerase (PCR) para
Manifestações clínicas DNA da Rickettsia também é específica e realizada em
Febre, mialgias, cefaleia, hiperemia conjuntival, laboratórios de referência. O cultivo da bactéria é difí-
palpitações e dispneia podem estar presentes no início cil e raramente a bactéria cresce em meios de culturas
do quadro. Náuseas, vômitos e diarreia também podem comuns.
coexistir. Entre o 2° e 5° dia, surge rash maculopapular e
petéquias, que é característico, mas pode se assemelhar
à meningococcemia; há lesões em palmas das mãos e Tratamento
planta dos pés, com tendência ao aparecimento de no- O aspecto primordial é reconhecer e pesquisar
vas lesões na direção centrípeta para tronco, pescoço e precocemente a possibilidade da febre maculosa. O
face. Sangramentos, torpor e oligúria ocorrem após 5-7 diagnóstico e tratamento tardio (após 5-7 dias) está as-
dias da história natural da doença. Também pode cursar sociado a maior mortalidade. Se reconhecida antes de
com hepatoesplenomegalia e icterícia. 5 dias e o paciente não está grave, doxiciclina pode ser
usada na dose de 100 mg a cada 12 horas por 1 sema-
na. Macrolídeos e quinolonas são alternativas em casos
Diagnóstico laboratorial leves, na ausência de doxiciclina. Porém se o paciente
Anemia, plaquetopenia, leucocitose com desvio apresenta sepse e/ou choque, é necessário usar cloran-
para esquerda, hiponatremia, elevação de bilirrubi- fenicol, na dose de 50-75 mg/kg/dia, dividida em 4 do-
nas, LDH e CPK são comuns. A plaquetopenia chama a ses (máximo de 4 g/dia), por 7-10 dias.

Tabela 14.3: Características, diagnósticos e tratamento para doenças febris agudas

Doença febril aguda* Característica clínica marcante Diagnóstico Tratamento empírico


Dengue Choque, raramente sangramentos, Hemoconcentração, antígeno Suporte, reposição
serosites NS-1 até D5, ELISA, PCR volêmica, transfusão
Febre amarela Disfunções hepática e renal, Transaminases muito elevadas, Suporte, transfusão,
evolução para coma INR e PTT elevados, PCR hemodiálise
Leptospirose Insuficiência renal, hipocalemia, Bilirrubinas e creatinina Suporte, hemodiálise,
icterícia elevadas, transaminases penicilina ou ceftriaxona
pouco elevadas, teste de (até D7)
microaglutinação, PCR
Malária Choque, sonolência/torpor, Anemia, hemólise, Artesunato, clindamicina,
insuficiência renal pesquisa com gota espessa hemodiálise, ventilação
(parasitemia) mecânica
Hantavirose Síndrome cardiopulmonar ou ELISA, PCR Suporte, hemodiálise,
pulmão-rim ventilação mecânica
Febre maculosa Rash característico, plaquetopenia, Imunofluorescência indireta, Doxiciclina (até D7),
choque, sonolência/torpor PCR cloranfenicol (se ficar grave)
* Quadro febril inicial inespecífico na 1ª fase, com padrão bifásico - a 2ª fase se manifesta com disfunções orgânicas e história
epidemiológica é importante.

127
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Referências Bibliográficas
1. Brain Swelling and Death in Children with Cerebral Malaria. N Engl J Med 2015;372:1126-37.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia
prático de tratamento da malária no Brasil/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de
Vigilância Epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis.
Leptospirose: diagnóstico e manejo clínico/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de
vigilância, prevenção e controle das hantaviroses/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento
de Vigilância Epidemiológica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
5. Burton A. Gaining ground against cerebral malaria. Lancet Neurol. 2017 May;16(5):345-46.
6. Cheng MP, Yansouni CP. Management of severe malaria in the intensive care unit. Crit Care Clin 2013;29:865-85.
7. Cupertino MC, Garcia R, Gomes AP, de Paula SO, Mayers N, Siqueira-Batista R. Epidemiological, prevention and
control updates of yellow fever outbreak in Brazil. Asian Pac J Trop Med 2019; 12: 49-59.
8. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança [recurso eletrônico] /Ministério da Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 5. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
9. Ferreira MS. Hantaviroses. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. [Internet]. 2003;36(1):81-96.
10. Figueiredo LTM. Vírus brasileiros da família Bunyaviridae. Medicina, Ribeirão Preto 1999; 32: 154-8.
11. Gomes AP, Vitorino RR, Costa AP et al. Malária grave por Plasmodium falciparum. Rev. Bras. Ter. Intensiva [online]
2011;23:358-69.
12. Haake DA. Leptospirosis in humans. Curr Top Microbiol Immunol. 2015; 387: 65–97.
13. Hanson J, Anstey NM, Bihari D, White NJ, Day NP, Dondorp AM. The fluid management of adults with severe malaria.
Crit Care. 2014;18:642.
14. Maitland K, Kiguli S, Opoka RO, et al. Mortality after fluid bolus in African children with severe infection. N Engl J Med
2011;364:2483-95.
15. Maitland K. Management of severe paediatric malaria in resource-limited settings. BMC Med. 2015;13:42.
16. Marks M, Gupta-Wright A, Doherty JF, Singer M, Walker D. Managing malaria in the intensive care unit. Br J Anaesth.
2014; 113: 910-21.
17. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em
Serviços. Leptospirose. In: ______. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] /Ministério da Saúde, Secretaria
de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. – 2. ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2017. cap. 10, p. 569-85.
18. Mohanty S, Mishra SK, Patnaik R, et al. Brain swelling and mannitol therapy in adult cerebral malaria: a randomized
trial. Clin Infect Dis. 2011;53:349-55.
19. Monath TP. Yellow fever: an update. Lancet Infectious Diseases 2001; 1: 11–20.
20. Pan American Health Organization. Dengue: guidelines for patient care in the Region of the Americas. Washington,
D.C.: PAHO, 2016.
21. Pinto Junior VL, Hamidad AM, Albuquerque Filho DO, Santos VM. Hantavirus pulmonary syndrome in Brazil. J Infect
Dev Ctries 2014; 8:137-142.
22. Plewes K, Turner GDH, Dondorp AM. Pathophysiology, clinical presentation, and treatment of coma and acute kidney
injury complicating falciparum malaria. Curr Opin Infect Dis. 2018;31:69-77.
23. Quaresma JAS, Pagliari C, Medeiros DBA, Duarte MIS and Vasconcelos PFC. Immunity and immune response, pathology
an pathologic changes: progress and challenges in the immunopathology of yellow fever. Rev. Med. Virol. 2013 ;23:305-18.
24. Simmons CP, Farrar JJ, Nguyen vV, Wills B. Dengue. N Engl J Med. 2012;366:1423-32.
25. Taylor WR, Hanson J, Turner GD, et al. Respiratory manifestations of malaria. Chest 2012;142:492–505.
26. Vasconcelos PFC. Febre amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 2003;36:275-93.
27. White NJ, Pukrittayakamee S, Hien TT, Faiz MA, Mokuolu OA, Dondorp AM. Malaria. Lancet 2014;383:723-35.
28. Wilder-Smith A, Ooi EE, Horstick O, Wills B. Dengue. Lancet 2019; 393: 350-63.
29. World Health Organization. Severe Malaria. Tropical Medicine and International Health 2014;19(suppl 1):7-131.

128
Infecções Fúngicas Invasivas 15

André Japiassú
Brenno Cardoso Gomes
Kelson Veras

No ano 2000, fungos foram responsáveis por do biofilme, causando candidemia persistente. Uma vez
apenas 4,6% dos casos de sepse nos Estados Unidos. que a candidemia se desenvolveu, seja de um cateter
Contudo, a incidência de sepse de etiologia fúngica au- intravascular colonizado ou por outros meios, os fun-
mentou em 207%, de 5.231 casos em 1979 para 16.042 gos podem se disseminar, levando a infecções metas-
casos em 2000. táticas secundárias no pulmão, fígado, baço, rins, ossos
Contudo, em um estudo de prevalência pontual, ou olhos (o exame oftalmológico pode detectar reti-
de escala mundial, avaliada em um único dia do ano de nite em até 15% dos casos). Essas infecções profundas
2007, os fungos foram isolados em 19% das culturas de podem permanecer localizadas ou levar à candidemia
pacientes internados em UTI com um quadro infeccioso. secundária. Durante a candidemia, os fungos na corren-
te sanguínea podem entrar na urina, levando à candi-
dúria. Menos frequentemente, a candidíase profunda
Candidíase Invasiva pode ocorrer como resultado de pielonefrite ascenden-
te e pode permanecer localizada ou levar à candidemia
A candidíase invasiva é a doença fúngica mais secundária.
comum entre pacientes hospitalizados no mundo de-
senvolvido. A candidíase invasiva compreende a candi-
Quadro 15.1: Fatores de risco para candidíase invasiva
demia e a candidíase profunda. A candidemia é o tipo
mais comum da doença. A candidíase profunda origina- Doença crítica, principalmente pacientes com permanência
-se por disseminação hematogênica ou por inoculação prolongada na UTI;
direta da Candida em um local estéril, tal como a cavi-
dade peritoneal. Cirurgia abdominal, principalmente em pacientes com
extravasamento anastomótico ou submetidos a repetidas
As espécies de Candida são o agente predomi-
laparotomias;
nante da sepse fúngica. Existem pelo menos 15 espé-
cies distintas de Candida que causam doenças nos seres Pancreatite aguda necrosante;
humanos. Porém, 90% das doenças invasivas são causa- Doença maligna hematológica;
das pelos patógenos mais comuns, C. albicans, C. glabra-
ta, C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei. Transplante de órgãos sólidos;
Os principais fatores de risco para candidíase in- Tumores de órgãos sólidos;
vasiva encontram-se relacionados no Quadro 15.1. Neonatos, particularmente aqueles com baixo peso ao
As espécies de Candida são flora humana normal nascer e bebês prematuros;
e são tipicamente encontradas no trato gastrointestinal,
trato geniturinário e pele. Espécies de Candida que co- Uso de antibióticos de amplo espectro;
lonizam o intestino podem invadir através de transloca- Presença de cateter vascular central;
ção ou por vazamento anastomótico pós-laparotomia e
Nutrição parenteral total;
causar infecção localizada, profunda (ex.: peritonite) ou
candidemia. Em pacientes com cateteres intravascula- Hemodiálise;
res internos, a candidemia que se origina do intestino Uso de glicocorticoides ou quimioterapia para câncer;
ou da pele leva à colonização do cateter e à formação de
biofilme. Os fungos são subsequentemente liberados Colonização por Candida, particularmente se multifocal.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

A cultura é o único método diagnóstico que per- e insuficiência orgânica múltipla apesar de antibioti-
mite testes de sensibilidade aos antifúngicos. O diag- coterapia de amplo espectro, não encontrou diferença
nóstico de candidíase invasiva é inequívoco quando significativa na sobrevida livre de infecção fúngica in-
a Candida é isolada em cultura de material estéril, tais vasiva comprovada com 28 dias em comparação com o
como líquidos peritoneal, pleural ou pericárdico ou de grupo placebo. O resultado não diferiu em relação aos
cultura de tecidos estéreis biopsiados ou ainda a partir subgrupos pré-definidos de pacientes com níveis de
do seu isolamento em hemoculturas. Contudo, a sen- β-D-glucano elevados (> 80 pg/mL), Candida Score ³ 3
sibilidade das hemoculturas está longe do ideal, com ou índice de colonização ³ 50%. Desta forma, em vez
uma sensibilidade de 21 a 71% relatada em estudos de de ser vistos como ferramentas diagnósticas definitivas,
autópsia e uma sensibilidade global para o diagnóstico estes escores preditivos, bem como os testes de antíge-
de candidíase invasiva de aproximadamente 50%. nos, podem ser melhor visualizados como marcadores
Manano e β-D-glucano, que são antígenos com- que auxiliam na avaliação da possibilidade de um pa-
ponente da parede celular da Candida, assim como os ciente ter candidíase invasiva.
anticorpos antimanano, são os principais marcadores Infelizmente, os testes de Reação em Cadeia da
substitutos da candidíase invasiva. O desempenho de Polimerase (PCR) para a detecção de candidíase invasiva
testes para esses marcadores é variável. Existem muitas ainda não estão validados devido à padronização limita-
fontes potenciais de contaminação do teste β-D-gluca- da, embora vários testes de PCR já tenham sido avaliados.
no que podem produzir resultados falso-positivos, en- Os agentes antifúngicos sistêmicos que se
contrados mais frequentemente em pacientes com alto mostraram eficazes no tratamento da candidíase inva-
risco de candidíase invasiva. O principal valor diagnósti- siva compreendem quatro categorias principais: os po-
co do teste da β-D-glucano é seu valor preditivo negati- lienos (anfotericina B), os triazóis e as equinocandinas
vo para candidíase invasiva em situações de prevalência (Tabela 15.1).
baixa a moderada. A nefrotoxicidade é o efeito adverso grave mais
O β-D-glucano é um constituinte da parede ce- comum associado à terapia com desoxicolato de anfo-
lular de espécies de Candida, espécies de Aspergillus, tericina B, resultando em lesão renal aguda em até 50%
Pneumocystis jiroveci e vários outros fungos. Portanto, dos receptores e acidose tubular perdedora de eletró-
o teste do β-D-glucano não é específico para Candida. litos na maioria dos pacientes. As formulações lipídicas
O resultado positivo do teste requer confirmação e de anfotericina B são mais caras que o desoxicolato, mas
identificação do organismo infectante (Aspergillus, todas têm consideravelmente menos nefrotoxicidade. As
Pneumocystis jirovecii ou Candida). Muitas fontes po- formulações lipídicas, com exceção da apresentação sob
tenciais de contaminação incluem: membranas de celu- forma de dispersão coloidal, também têm menos reações
lose para hemodiálise, produtos sanguíneos humanos relacionadas à infusão do que o desoxicolato de anfote-
(imunoglobulinas ou albumina), betalactâmicos como ricina B. Contudo, desconhece-se quaisquer formas de
amoxicilina-clavulanato ou piperacilina-tazobactam, candidíase para as quais as formulações lipídicas de an-
infecções bacterianas graves, esponjas e gazes cirúr- fotericina B sejam superiores ao desoxicolato em termos
gicas contendo glucano e mucosite severa. O teste do de eficácia clínica. Além disso, não há conhecimento de
β-D-glucano tem alto valor preditivo negativo em vá- qualquer situação em que as formulações lipídicas não
rios estudos com prevalência intermediária. No entanto, devam ser usadas, com exceção das infecções do trato
a sensibilidade limitada em outros estudos sugere que urinário, devido à reduzida excreção renal dessas formu-
o valor preditivo negativo pode ser insuficiente em pa- lações. Dados demonstrando que a nefrotoxicidade in-
cientes de alto risco. duzida por desoxicolato de anfotericina B está associada
Os testes de antígeno manano e de anticorpos a um aumento de 6,6 vezes na mortalidade levaram mui-
antimanano da Candida podem ser preferíveis para as tos médicos a usar formulações lipídicas de anfotericina
circunstâncias em que este é o principal patógeno fúngi- B na candidíase comprovada ou suspeita, especialmen-
co e o risco de falso positivo do teste β-D-glucano é alto. te entre pacientes em um ambiente de alto risco, como
O teste combinado antígeno-anticorpo é a estratégia de
maior sensibilidade. Estes testes podem ser usados para Tabela 15.1: Antifúngicos sistêmicos eficazes para
detectar candidíase hepatoesplênica com hemocultura candidíase invasiva.
negativa através do teste sérico e na candidíase do siste-
Anfotericina B
ma nervoso central através de sua pesquisa no LCR.
Escores de risco para candidíase invasiva in- Deoxicolato, liposomal, complexo lipídico e de dispersão
cluem variáveis como fatores de risco para candidíase in- coloidal
vasiva (Candida Score) ou número de sítios colonizados Triazóis
pela Candida (Índice de Colonização). De fato, o estudo Fluconazole, voriconazol e posaconazol
EMPIRICUS, que avaliou o impacto da terapia empírica
Equinocandinas
com micafungina em pacientes com sepse adquirida na
UTI, com colonização por Candida em múltiplos locais Caspofungina, anidulafungina e micafungina

130
Infecções Fúngicas Invasivas

uma UTI. O fluconazol, o itraconazol, o voriconazol, o Em hospedeiros imunocomprometidos, o


posaconazol e um novo triazol de espectro expandido, Aspergillus apresenta-se mais comumente como asper-
o isavuconazol, demonstram atividade similar contra a gilose pulmonar invasiva, geralmente com dissemina-
maioria das espécies de Candida. ção subsequente. Entre os receptores de transplantes
Em muitas partes do mundo, com base nas taxas de órgãos sólidos, a incidência de aspergilose invasiva
de sucesso relatadas em estudos clínicos bem planeja- é maior após o transplante de pulmão. O sinal radiológi-
dos, o fluconazol continua sendo a terapia padrão para co mais precoce da aspergilose invasiva é um nódulo. O
pacientes com candidemia. No entanto, à luz de dados “sinal do halo”, definido como um macronódulo circun-
recentes sobre a eficácia das equinocandinas e aumento dado por um perímetro de opacidade em vidro fosco
da resistência ao fluconazol, a diretriz 2016 da IDSA re- correspondente à hemorragia alveolar, é sugestivo de
comenda que o fluconazol deve ser considerado terapia aspergilose invasiva em pacientes com fatores compatí-
de primeira linha apenas em pacientes hemodinamica- veis do hospedeiro (Quadro 15.2).
mente estáveis, que não tiveram exposição prévia aos O imunoensaio enzimático de galactomanano
azólicos e que não pertencem a um grupo de alto risco do Aspergillus detecta polissacarídeos que estão pre-
para infecção por C. glabrata, incluindo aqueles que são sentes na parede celular das espécies de Aspergillus e
idosos, têm malignidade subjacente ou são diabéticos. que podem ser encontrados no soro e no lavado bron-
As equinocandinas demonstram atividade fun- coalveolar (LBA) durante a infecção invasiva. O papel do
gicida significativa contra a maioria das espécies de teste do galactomanano no diagnóstico da aspergilose
Candida, e cada um desses agentes tem demonstrado invasiva tem sido estudado com maior frequência em
sucesso em aproximadamente 70%-75% dos pacien- pacientes neutropênicos e receptores de transplante
tes em estudos clínicos comparativos randomizados. alogênico de células hematopoiéticas. Nesses grupos
Apesar da necessidade de administração intravenosa, de pacientes, a sensibilidade relatada do ensaio no soro
sua excelente eficácia, perfil de segurança favorável, é de 70% a 82% e a especificidade é de 81% a 92%, e no
interações medicamentosas limitadas e preocupações LBA, a sensibilidade é de 73% a 100% e a especificidade
com a resistência ao fluconazol levaram muitos especia- é de 68% a 92%. Em receptores de órgãos sólidos, a sen-
listas a favorecer as equinocandinas como terapia inicial sibilidade é de 21% a 86% e a especificidade é de 80%
para a maioria dos pacientes adultos com candidemia. a 89% no soro, sendo que no LBA, a sensibilidade é de
Poucos estudos comparando diferentes equinocandi- 60% a 90% e a especificidade é de 90% a 96%. A sen-
nas foram realizados, mas a maioria dos especialistas sibilidade do teste é maior no LBA do que no soro, es-
concorda que esses agentes são suficientemente seme- pecialmente em receptores de transplante de pulmão.
lhantes para serem considerados intercambiáveis. As Resultados falso-negativos ocorrem em pacientes que
equinocandinas atingem concentrações terapêuticas estão recebendo agentes antifúngicos diferentes do
em todos os locais de infecção, com exceção do olho, Quadro 15.2: Fatores predisponentes do hospedeiro
do sistema nervoso central e da urina. associados à aspergilose pulmonar invasiva

Neutropenia de quimioterapia ou doença hematológica


Aspergilose Invasiva subjacente (leucemia aguda, síndrome mielodisplásica,
anemia aplástica e outras causas de insuficiência medular);
Embora existam mais de 300 espécies de
Aspergillus, a literatura implica apenas alguns como Imunossupressão para GVHD (por exemplo, o uso de
causa de doença humana. O Aspergillus fumigatus causa corticosteroides, depleção de células T, inibição do fator de
a doença mais grave em humanos e é encontrado em necrose tumoral α);
mais de 90% das infecções. Outros patógenos impor- Imunossupressão para prevenir a rejeição de aloenxerto
tantes incluem A. niger e A. flavus. após transplante de órgão sólido;
A principal portal de entrada para infecção por
Aspergillus é o trato respiratório. A exposição ao fungo AIDS avançada (contagem de CD4 < 100 células/µL);
ocorre através da inalação de esporos. Os pequenos es- Doença granulomatosa crônica (defeituosa NADPH oxidase);
poros de Aspergillus presentes no ar atingem a árvore
Doença pulmonar estrutural preexistente (por exemplo,
brônquica, incluindo os alvéolos, onde o fungo estabe-
enfisema, tuberculose cavitária prévia);
lece a colonização e, no paciente imunocomprometi-
do, pode iniciar uma doença invasiva. As hifas podem Condições coexistentes (por exemplo, diabetes e
invadir os vasos sanguíneos, resultando em inflama- desnutrição);
ção vascular com trombose, necrose e hemorragia – Uso de corticosteroides inalatórios e sistêmicos;
características histopatológicas da doença invasiva.
O Aspergillus pode colonizar e crescer em brônquios, AIDS, síndrome da imunodeficiência adquirida; DECH,
cistos ou cavidades causadas por infecções anteriores, doença do enxerto contra hospedeiro; NADPH, fosfato de
como a tuberculose dinucleotídeo de adenina e nicotinamida.

131
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

fluconazol. Resultados falso-positivos ocorrem em pa- de angioinvasão ou formação de complexo imune com
cientes colonizados, mas não infectados com espécies altos níveis de anticorpos contra Aspergillus.
de Aspergillus e naqueles que têm infecção por espécies Resultados falso-positivos foram relatados em vá-
de Fusarium, Histoplasma capsulatum e Blastomyces der- rios contextos, incluindo em pacientes que receberam
matitidis, porque estes fungos têm galactomananos se- certos antibióticos (historicamente mais notadamente
melhantes nas suas paredes celulares. piperacilina-tazobactam, que parece agora não ser mais
Dessa maneira, o teste do galactomanano no reativo cruzado, e amoxicilina-clavulanato), colonização
soro e no LBA é recomendado como um marcador pre- neonatal com Bifidobacterium, quando o Plasmalyte é
ciso para o diagnóstico de aspergilose invasiva quando usado em líquidos de LBA, e em pacientes com outras
usado em certas subpopulações de pacientes (maligni- micoses invasivas (incluindo peniciliose, fusariose, his-
dade hematológica, transplante de células-tronco he- toplasmose e blastomicose).
matopoiéticas). Por outro lado, o galactomanano não Outro potencial marcador circulante para detec-
é recomendado para triagem de sangue de rotina em ção de aspergilose inclue o 1,3-β-D-glucano. O teste para
pacientes que recebem terapia ou profilaxia antifúngi- 1,3- β-D-glucano no soro é recomendado para o diag-
ca, mas pode ser aplicado a espécimes de broncoscopia nóstico de aspergilose invasiva em pacientes de alto risco
desses pacientes. O galactomanano também não é re- (malignidade hematológica, transplante de células-tron-
comendado para triagem em receptores de órgãos só- co hematopoiéticas alogênico). A presença de 1,3- β-D-
lidos ou pacientes com doença granulomatosa crônica. -glucano no soro significa a presença de invasão fúngica,
No entanto, a população de pacientes específi- mas não é específico para espécies de Aspergillus; ou-
ca testada é fundamental para otimizar a utilidade do tras doenças fúngicas, incluindo candidíase, fusariose e
galactomanano. A sensibilidade do galactomanano em pneumonia por Pneumocystis jirovecii, podem resultar
pacientes não neutropênicos parece ser menor que em em um teste positivo. Resultados falso-positivos podem
outros subgrupos e diminui para aproximadamente ocorrer em uma variedade de contextos, como tubos de
20% em receptores de transplante de órgãos sólidos. O coleta de sangue contaminados com glucana, gaze, fil-
teste do galactomanano tem sido repetidamente nega- tros de membrana para sangue e vários medicamentos
tivo na aspergilose invasiva em pacientes com doença (por exemplo, antibióticos incluindo algumas cefalospo-
granulomatosa crônica, potencialmente devido à falta rinas, carbapenêmicos e ampicilina-sulbactam).

Referências Bibliográficas
1. Eggimann P, Pittet D. Candida colonization index and subsequent infection in critically ill surgical patients: 20 years
later. Intensive Care Med. 2014;40:1429-48.
2. Delaloye J, Calandra T. Invasive candidiasis as a cause of sepsis in the critically ill patient, Virulence 2014;5:161-9.
3. Kullberg BJ, Arendrup MC. Invasive Candidiasis. N Engl J Med. 2015;373:1445-56.
4. Leon C, Ruiz-Santana S, Saavedra P et al. A bedside scoring system (“Candida score”) for early antifungal treatment in
non-neutropenic critically ill patients with Candida colonization. Crit Care Med 2006;34:730-73.
5. Martin GS, Mannino DM, Eaton S, Moss M. The epidemiology of sepsis in the United States from 1979 through 2000. N
Engl J Med. 2003;348:1546-54.
6. Miceli MH, Kauffman CA. Aspergillus Galactomannan for Diagnosing Invasive Aspergillosis. JAMA. 2017;318:1175-76.
7. Pappas PG, Kauffman CA, Andes DR, Clancy CJ, Marr KA, Ostrosky-Zeichner L, et al. Clinical Practice Guideline for the
Management of Candidiasis: 2016 Update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2016;62:e1-50.
8. Patterson TF, Thompson GR 3rd, Denning DW, Fishman JA, Hadley S, Herbrecht R, et al. Practice Guidelines for the
Diagnosis and Management of Aspergillosis: 2016 Update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis.
2016;63:e1-e60.
9. Segal BH. Aspergillosis. N Engl J Med 2009;360:1870-84.
10. Timsit JF, Azoulay E, Schwebel C, et al. EMPIRICUS Trial Group.Empirical Micafungin Treatment and Survival Without
Invasive Fungal Infection in Adults With ICU-Acquired Sepsis, Candida Colonization, and Multiple Organ Failure: The
EMPIRICUS Randomized Clinical Trial. JAMA 2016;316:1555-64.
11. Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, et al. EPIC II Group of Investigators. International study
of the prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA. 2009;302:2323-9.

132
Infecções Graves no Paciente 16
Imunocomprometido

Brenno Cardoso Gomes


André Japiassú
Frederico Bruzzi de Carvalho

Introdução empírica em pacientes que não apresentam um foco


clínico suspeito de infecção. Em cerca de metade dos
Os principais grupos hospedeiros imunocompro- pacientes com neutropenia febril, a terapia antibiótica
metidos são aqueles com: permanecerá empírica, uma vez que nenhum agen-
1. HIV/AIDS; te patogênico ou foco de infecção relevante pode ser
identificado nos dias seguintes. As bases para a seleção
2. Transplantes de órgãos sólidos (TOS) ou trans-
de agentes antimicrobianos empíricos são:
plante de células-tronco hematopoiéticas
(TCTH); „ Resultados relatados de estudos clínicos pros-
pectivos, randomizados; e
3. Neoplasia sob quimioterapia ou radioterapia;
„ Microrganismos identificados em pacientes
4. Imunodeficiências primárias e doenças auto-
com infecções microbiologicamente docu-
imunes;
mentadas por analogia. Aqui, Staphylococcus
5. Imundeficiências adquiridas: asplenia, cortico- aureus, Streptococcus spp., Enterococos, estafi-
terapia de longa duração. lococos coagulase negativos, enterobactérias
gram-negativas e Pseudomonas aeruginosa
Particularmente durante a neutropenia induzi- são os agentes patogênicos mais frequentes e
da por quimioterapia, a febre ocorre frequentemente: relevantes.
10%-50% dos pacientes com tumores sólidos e mais de
80% das pessoas com neoplasias hematológicas desen- A epidemiologia local deve ser levada em con-
volverão febre durante 1 ou mais ciclos de quimiotera- sideração para a escolha adequada da terapia anti-
pia associado à neutropenia. As infecções clinicamente microbiana empírica. Os achados microbiológicos de
documentadas ocorrem em 20%-30% dos episódios pacientes tratados em uma instituição de hematolo-
febris. Os locais comuns de infecção incluem o trato in- gia e oncologia definida devem ser discutidos regu-
testinal, pulmão e pele. larmente, ou seja, pelo menos uma vez por ano, com
especialistas em controle de infecção. Além disso, os
Etiopatogenia agentes patogênicos gram-positivos resistentes, como
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA) e
A maioria dos pacientes que desenvolvem febre enterococos resistentes à vancomicina (VRE), tornaram-
durante a neutropenia não possui nenhum sítio identifi- -se mais comuns, bem como bactérias gram-negativas
cável de infecção e nenhum resultado positivo de cultu- multirresistentes.
ra. A maioria dos pacientes não terá nenhuma etiologia Os fungos raramente são identificados como a
infecciosa documentada, portanto. Bacteremia somen- causa da primeira febre no início da neutropenia. Em vez
te está presente em 10%-25% dos casos, com a maioria disso, eles são encontrados após a primeira semana de
dos episódios ocorrendo no contexto de neutropenia neutropenia prolongada e antibioticoterapia empírica.
prolongada ou profunda (< 100 neutrófilos/mm3). Leveduras, principalmente espécies de Candida, podem
No início da febre, a antibioticoterapia precisa ser causar infecções superficiais de superfícies mucosas.
iniciada imediatamente e, devido ao tempo necessário A mucosite induzida pela quimioterapia, por sua vez,
para testes microbiológicos, terá que ser inicialmente pode romper essa barreira, permitindo que a Candida
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

entre na corrente sanguínea. A candidíase dos tecidos sanguínea relacionada ao cateter. Um tempo diferencial
profundos, como a doença hepática ou hepatoesplêni- para positividade de ≥ 2 horas entre a amostra do CVC e
ca, esofagite ou endocardite, é muito menos comum. a amostra periférica pode indicar uma infecção relacio-
Os fungos filamentosos, como o Aspergillus, são mais nada ao CVC. Não se recomenda a obtenção de hemo-
susceptíveis de causar uma infecção potencialmente fa- culturas apenas a partir do cateter sem amostragem de
tal dos seios da face e pulmões, tipicamente após duas veia periférica, uma vez que uma infecção relacionada
semanas ou mais de neutropenia. ao cateter não pode ser descartada sem a cultura peri-
férica simultânea.

Diagnóstico
Outros exames microbiológicos
Sinais e sintomas de inflamação são frequente-
mente atenuados ou ausentes em pacientes neutropê- Amostras para cultura de outros locais suspeitos
nicos. Assim, nas infecções bacterianas de pele e tecidos de infecção devem ser obtidos, conforme clinicamente
moles podem estar ausentes induração, eritema, calor indicado.
ou pustulação; uma infecção pulmonar pode não ter „ Fezes: uma amostra de fezes em paciente
infiltrado discernível em uma radiografia; a pleocitose com diarreia deve ser avaliada com teste para
do LCR pode ser modesta ou totalmente ausente no glutamatodesidrogenase (GDH) e pesquisa de
contexto da meningite; e uma infecção do trato uriná- toxina para Clostridium difficile. Entre os para-
rio pode demonstrar pouca ou nenhuma piúria. A fe- sitas, uma preocupação importante é com a
bre é muitas vezes o único sinal de uma grave infecção pesquisa de larvas de Strogyloides stercoralis.
subjacente. „ Urina: a urocultura é indicada se existem si-
O exame físico de pacientes neutropênicos febris nais ou sintomas de infecção do trato urinário,
requer uma pesquisa cuidadosa para detectar sinais e se o paciente estiver com sonda vesical ou se
sintomas sutis, especialmente nos locais mais comu- os achados do exame de urina são anormais.
mente infectados: pele (especialmente locais de pro- „ LCR: a citobioquímica e a cultura estão in-
cedimentos ou cateteres prévios, tais como locais de dicadas se houver suspeita de meningite.
aspiração de medula óssea ou pontos de punção de Transfusão de plaquetas deve ser administra-
cateter), orofaringe (incluindo o periodonto), trato di- da antes da punção lombar se houver trombo-
gestivo, pulmão e períneo. Ferramentas de diagnóstico citopenia < 50 mil/mm3.
adicionais incluem exames laboratoriais sanguíneos, „ Pele: aspiração ou biópsia de lesões cutâneas
culturas microbiológicas e estudos de imagem. suspeitas de infecção devem ser realizadas
para testes citológicos, coloração de gram e
cultura.
Hemocultura
Um mínimo de dois conjuntos separados de he- „ Amostras respiratórias: amostras do tra-
moculturas deve ser obtido antes do início da antibioti- to respiratório inferior obtidos por aspirado
coterapia (um “conjunto” consiste em uma amostra de traqueal ou lavado broncoalveolar (BAL) são
20 mL de sangue colhido por punção venosa periféri- recomendados para pacientes com infiltra-
ca). Não há necessidade de esperar entre a coleta das do de etiologia incerta visível na imagem de
amostras; amostras separadas podem ser obtidas pela tórax. As amostras podem ser examinadas
punção venosa de ambos os braços. através de bacterioscopia e cultura. Essas
amostras também podem ser analisadas por
Se o paciente tiver um cateter venoso central reação em cadeia da polimerase (PCR) multi-
(CVC), uma amostra deve ser obtido de uma veia peri- plex para Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia
férica e pelo menos uma amostra do CVC (no caso de pneumoniae e vírus respiratórios. Antígenos
se optar pela permanência do mesmo) ou a ponta do urinários para de Legionella, pneumococos e
cateter deverá ser enviada para cultura (quando este for Histoplasma também são recomendados.
retirado por suspeita de ser a fonte da infecção).
O volume total da hemocultura é um determi-
nante crucial da detecção de uma infecção sanguínea. Marcadores séricos de inflamação
O rendimento diagnóstico da hemocultura pode ser Estudos demonstraram resultados inconsistentes
aumentado obtendo-se três pares de hemoculturas quanto ao uso de tais marcadores de inflamação como
(60 mL de sangue). proteína C reativa, interleucinas-6 e -8 e procalcitoni-
No paciente com cateter venoso central im- na em pacientes imunossuprimidos. Os dados atuais
plantado, amostras de sangue de todos os lúmens do não são suficientes para recomendar o uso rotineiro
cateter, bem como uma amostra de uma veia perifé- desses testes para orientar decisões sobre o uso de
rica, deve ser obtida para avaliar infecção da corrente antimicrobianos.

134
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido

Exames de imagem Podem considerar-se modificações na terapêu-


tica empírica inicial para pacientes com risco de infec-
Recomenda-se tomografia computadorizada do
ção com organismos multirresistentes aos antibióticos,
tórax no caso de sintomas do respiratórios associados
particularmente se a condição do paciente é instável ou
a febre. As radiografias convencionais de tórax são de-
se o paciente tiver resultados de hemocultura positiva
sencorajadas, pois apresentam anormalidades em me-
para bactérias resistentes. Esses incluem MRSA, VRE,
nos de 2% de pacientes neutropênicos febris que não
bactérias gram-negativas produtoras de ESBL ou car-
apresentam sinais clínicos de infecção do trato respira-
bapenemases (ex: KPC). Os fatores de risco para infec-
tório inferior. A congestão nasal ou sinais e sintomas de
ção por estes microrganismos incluem infecção prévia
sinusite justificam uma tomografia computadorizada
ou colonização com estas bactérias e tratamento em
de seios paranasais. Os primeiros dados sobre PET-CT
hospital com altas taxas de endemicidade dos mesmos.
indicam um potencial uso para identificação precoce da
fonte de febre/infecção, particularmente de focos ab- A. MRSA: considere a adição precoce de vanco-
dominais. Apesar desses relatórios positivos, uma reco- micina, linezolida ou daptomicina;
mendação explícita para seu uso rotineiro não pode ser B. VRE: considere a adição precoce de linezolida
dada devido à falta de estudos sistemáticos. As queixas ou daptomicina;
gastrointestinais ou anormalidades laboratoriais devem C. ESBLs: considere o uso precoce de um
induzir a ultrassonografia abdominal. Uma tomografia carbapenêmico;
computadorizada abdominal é uma alternativa na sus- D. KPCs: considere o uso precoce de polimixina-
peita de enterocolite neutropênica. -colistina associado a outra droga ativa.

TRATAMENTO Apesar dos estafilococos coagulase-negativos


serem a causa mais comum de bacteremia em pacien-
Antibioticoterapia empírica tes neutropênicos, os mesmos são considerados pató-
genos fracos, raramente causam deterioração clínica
O objetivo da terapia antibiótica empírica inicial
rápida. Geralmente, portanto, não há urgência em tra-
é prevenir a morbidade e mortalidade graves devido a
tar estas infecções. Deste modo, a vancomicina (ou
agentes patogênicos bacterianos até que os resultados
outros agentes ativos contra cocos gram-positivos) não
das culturas estejam disponíveis para orientar escolhas
é recomendada como uma parte padrão do regime an-
antibióticas mais precisas. Mesmo que as culturas per-
tibiótico inicial para febre e neutropenia. Esses agentes
maneçam negativas, os antibióticos empíricos são con-
devem ser considerados, porém para pacientes graves
siderados vitais para cobrir possíveis infecções ocultas já na terapia empírica inicial.
em pacientes neutropênicos febris.
A mucosite gastrointestinal, o uso de ceftazidi-
Apesar de décadas de ensaios clínicos bem ma e a profilaxia com ciprofloxacina ou levofloxacina
realizados, nenhum regime terapêutico empírico úni- são fatores de risco importantes para o desenvolvimen-
co para o tratamento inicial de pacientes febris com to de bacteremia grave por estreptococos do grupo
neutropenia emergiu como claramente superior aos viridans durante a neutropenia. De 10 a 25% dos es-
outros. Pacientes de alto risco requerem tratamen- treptococos do grupo viridians podem ser resistentes
to hospitalar com terapia antibiótica endovenosa de à penicilina e muitos estreptococos do grupo viridans
amplo espectro com cobertura para Pseudomonas ae- têm reduzida sensibilidasde às fluoroquinolonas. O
ruginosa e outros patógenos gram-negativos resisten- tratamento precoce com vancomicina parece reduzir a
tes. A monoterapia com um agente antipseudomonas mortalidade. Os pneumococos também podem causar
betalactâmico, como cefepime, um carbapenêmico infecção fulminante se não forem reconhecidos rapi-
(imipenem-cilastatina ou meropenem) ou a piperaci- damente e tratados com prontidão com antibióticos
lina-tazobactam são tão eficazes quanto as combina- apropriados; pode ser prudente adicionar vancomicina
ções multidrogas e são recomendadas como terapia ao tratamento até que a sensibilidade aos antibióticos
de primeira linha. Muitos centros descobriram que a seja conhecida. Os estafilococos coagulase-negativos,
ceftazidima não é mais um agente confiável para a que são a causa mais comum de bacteremia em pa-
monoterapia empírica da febre e da neutropenia devi- cientes neutropênicos, são patógenos fracos que ra-
do à diminuição da sua eficácia contra os organismos ramente causam deterioração clínica rápida, portanto
gram-negativos e sua fraca atividade contra muitos geralmente não há necessidade urgente de tratar es-
patógenos gram-positivos, como estreptococos. A sas infecções com vancomicina no momento da febre.
monoterapia com aminoglicosídeos não deve ser utili- Nos pacientes com mucosite grave, paciente sob uso
zada para cobertura empírica ou bacteremia durante a de fluoroquinolona profilática ou uso de ceftazidima
neutropenia devido ao rápido aparecimento da resis- empírica há risco de bacteremia grave por estreptoco-
tência microbiana a esta classe de agentes. cos do grupo viridans. Esquemas incluindo cefepime,

135
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

carbapenemos e piperacilina-tazobactam, fornecem antibioticoterapia empírica ampliada para incluir co-


uma cobertura excelente dos estreptococos viridans e bertura para bactérias gram-negativas, gram-positivas
são considerados agentes adequados para o tratamen- e anaeróbicas resistentes, além de Candida. A terapia
to da neutropenia febril em pacientes com mucosite empírica para fungos filamentosos deve ser conside-
oral, evitando-se a adição de vancomicina ao esquema. rada em pacientes de alto risco com febre persistente
após 4-7 dias de um regime antibacteriano de amplo
Modificações da antibioticoterapia empírica espectro e sem fonte de febre identificada.
As modificações no esquema antibiótico inicial
devem ser orientadas por dados clínicos e microbioló- Duração da antibioticoterapia
gicos. A febre persistente inexplicada em um paciente A descontinuação precoce da terapia com anti-
cuja condição é estável, raramente requer uma mudan- bióticos, enquanto a febre e a neutropenia persistem é
ça empírica no regime antibiótico inicial. Se uma infec- fortemente desencorajada para pacientes de alto risco.
ção for identificada, os antibióticos devem ser ajustados Um número limitado de estudos demonstrou que pa-
em conformidade. As infecções clínicas e/ou microbio- cientes neutropênicos com supressão de medula persis-
lógicas documentadas devem ser tratadas com antibió- tente apresentam alto risco de febre recorrente e sepse.
ticos apropriados para o local e segundo o antibiograma Portanto, pacientes com mielossupressão profunda e
do organismo isolado. persistente e nenhuma fonte identificável de infecção
Uma vez que iniciada a antibioticoterapia em- devem continuar a terapia antibiótica até que haja evi-
pírica para a febre, todos os pacientes neutropênicos dência de recuperação da medula. A abordagem tradi-
devem ser monitorados de perto para resposta clínica, cional da duração da terapia antibiótica para uma febre
efeitos adversos, emergência de infecções secundárias de etiologia não identificada tem sido a continuação de
e o desenvolvimento de organismos resistentes. Isso antibióticos de amplo espectro até o paciente estar afe-
envolve exame físico diário, revisão de sistemas para no- bril por pelo menos 2 dias e a contagem de neutrófilos
vos sintomas, culturas de amostras de locais suspeitos for > 500 células/mm3 em pelo menos uma ocasião, evi-
e/ou estudos de imagem direcionados. Com antibióti- denciando uma tendência crescente consistente.
cos empíricos, o tempo médio para a defervescência em Em pacientes com infecções documentadas clini-
pacientes com neoplasias hematológicas é de 5 dias, camente ou microbiologicamente, a duração da terapia
enquanto que para pacientes com menor risco com tu- é ditada pelo organismo e foco infeccioso específicos. A
mor sólido, a defervescência ocorre em uma mediana maioria das infecções bacterianas da corrente sanguí-
de 2 dias. Isso deve ser mantido em mente ao avaliar pa- nea, infecções dos tecidos moles e pneumonias reque-
cientes neutropênicos que permanecem febris após o rem 10-14 dias de terapia antibiótica apropriada.
início de antibacterianos empíricos. A febre persistente
em um paciente de outra forma assintomático e hemo-
dinamicamente estável não é uma razão para adições Terapia antifúngica empírica
ou alterações de antibióticos não dirigidas. A terapia antifúngica empírica e a investigação
Febre recorrente ou persistente acima de 3 dias para infecções fúngicas invasivas devem ser conside-
de duração, apesar da antibioticoterapia empírica, radas para pacientes com febre persistente ou recor-
deve induzir a uma pesquisa completa de uma fonte rente após 4-7 dias de antibióticos e cuja duração total
de infecção, incluindo um novo conjunto de hemo- da neutropenia seja acima de 7 dias. Leveduras (prin-
culturas e a coleta de outros exames diagnósticos cipalmente espécies de Candida) e fungos filamento-
direcionada pelos sintomas. As infecções de escape sos (principalmente Aspergillus), tipicamente causam
(breakthrough infections), como a diarreia associada infecções que se manifestam pela febre persistente ou
a Clostridium difficile ou uma infecção cutânea ou da recorrente em pacientes com neutropenia prolongada,
corrente sanguínea relacionada ao cateter, não são em vez de causar febre precoce no curso da neutrope-
incomuns. Para pacientes com febre recorrente ou nia. Como as manifestações clínicas são inespecíficas
persistente, também devem ser consideradas fontes nos estágios iniciais, o diagnóstico de infecção fúngica
não infecciosas, tais como febre relacionada a drogas, invasiva é especialmente difícil. A febre pode ser o sinal
tromboflebite ou trombose venosa profunda, febre isolado de infecção fúngica invasiva; portanto, para evi-
devido á neoplasia subjacente ou febre pela reabsor- tar o início tardio do tratamento, a terapia antifúngica
ção de um grande hematoma. Em muitos casos, ne- empírica para a síndrome da febre neutropênica per-
nhuma fonte de febre persistente é identificada, mas sistente ou recorrente tem sido a abordagem padrão.
o paciente defervesce, porém, quando os neutrófilos Contudo, dado que a febre é um marcador especial-
aumentam para acima de 500 células/mm3. mente inespecífico para a infecção por fungos invasi-
Os pacientes que permanecem hemodina- vos, a indicação de terapia antifúngica empírica para
micamente instáveis após doses iniciais com esque- todo paciente neutropênico com base em febre per-
ma padrão para febre neutropênica devem ter sua sistente isoladamente tem sido questionada em favor

136
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido

da indicação de tratamento “preemptivo”, apenas para do tecido necrótico central. Infiltrados focais ou difusos
aqueles pacientes com achados adicionais sugestivos e consolidação também podem ser vistos.
de infecção por fungos invasivos, tais como resultados O teste de galactomanana no soro e no lavado
de exames sorológicos ou achados de TC de tórax ou broncoalveolar é recomendado como um marcador
seios paranasais. preciso para o diagnóstico da aspergilose invasiva em
A terapia antifúngica empírica ou preemptiva pacientes com malignidade hematológica e transplan-
deve envolver uma equinocandina, o voriconazol ou te de células-tronco hematopoiéticas. Contudo, a galac-
uma formulação de anfotericina B, uma vez que o flu- tomanana não é recomendada em pacientes que que
conazol não possui qualquer atividade contra infecções estão recebendo outros agentes antifúngicos que não
invasivas por fungos filamentosos e podem ocorrer in- o fluconazol, embora possa ser aplicado a amostras de
fecções de escape por espécies de Candida resistentes broncoscopia desses pacientes. A galactomanana não é
ao fluconazol em pacientes utilizado este antifúngico recomendada para triagem em receptores de transplan-
de forma profilática. te de órgãos sólidos. Resultados falso-positivos ocor-
rem em pacientes colonizados, mas não infectados com
espécies de Aspergillus e naqueles que têm infecção
Principais Infecções Graves no com espécies de Fusarium, Histoplasma capsulatum e
Imunocomprometido Blastomyces dermatitidis porque esses fungos possuem
galactomananas semelhantes nas paredes celulares.
Pneumonias A infecção pulmonar por Candida raramente é
Existem quatro grandes grupos de agentes pa- identificada, sendo mais frequentemente em associação
togênicos responsáveis pela pneumonia em pacientes com a candidíase disseminada. Os achados radiológicos
imunocomprometidos. Dependendo do defeito imuni- são semelhantes aos demonstrados na aspergilose pul-
tário subjacente, a probabilidade de cada uma dessas monar, incluindo áreas de consolidação fragmentadas,
etiologias para infecção é variada. cavitação focal e múltiplos nódulos pulmonares.
1. Bacteriana: Micobactérias da tuberculose e A pneumocistose é causada pelo fungo
não-tuberculosas, principalmente do comple- Pneumocystis jirovecii, anteriormente Pneumocystis ca-
xo Mycobacterium avium; rinii. A pneumocistose é mais comum em pacientes
2. Fungos: Pneumocystis jirovecii, Aspergillus fu- com imunodeficiência relacionada à AIDS. Os grupos
migatus, Candida, Cryptococcus neoformans, de maior risco incluem aqueles com doença maligna
mucormicoses e outros fungos, incluindo hematológica, receptores de transplante de medu-
Coccidioides immitis e Histoplasma capsulatum; la óssea e pacientes sob terapia com corticosteroides.
Nesses pacientes, a pneumocistose pode apresentar-se
3. Vírus: Citomegalovírus (CMV), infecções respi-
como uma pneumonia aguda com hipoxia mais grave
ratórias adquiridas na comunidade, incluindo
em comparação com o início insidioso frequentemen-
influenza e vírus herpes simplex (HSV) e vírus
te observado em pacientes com AIDS. A pneumocisto-
da varicela zoster (VZV);
se apresenta-se com mais frequência com infiltrados
4. Parasitas: Strongyloides, toxoplasmose. centrais bilaterais difusos em radiografias de tórax e
opacificação em vidro fosco difusa central ou peri-hilar
A aspergilose pulmonar invasiva traz uma bilateral. A adenopatia e os derrames pleurais são inco-
mortalidade significativa (até 50-70%), particularmente muns enquanto os cistos parenquimatosos podem se
em receptores de transplante de medula, com o resulta- desenvolver com a progressão da doença, resultando
do dependendo em grande parte da terapia antifúngica em pneumatoceles. As alterações císticas são mais fre-
precoce. Os fatores de risco para aspergilose angioinva- quentemente observadas em pacientes imunocompro-
siva incluem neutropenia prolongada, transplante (o metidos com AIDS em comparação com outras causas
risco é maior para o pulmão e de medula óssea), terapia de imunodeficiência.
com corticosteroides (doses prolongadas e altas), ma- A causa mais comum de infecção pulmonar
lignidade hematológica (particularmente leucemia) e viral nos pacientes imunocomprometidos é o citome-
terapia citotóxica. galovírus (CMV). O CMV pode ser visto em até 30% de
Nas radiografias de tórax, a aspergilose pulmonar transplantes de órgãos sólidos e 40% de receptores de
invasiva apresenta-se como nódulos de 1-3 cm que po- transplante de medula, com uma mortalidade de até
dem se unir em massas maiores. Na TC, os nódulos com 85%. Os achados radiográficos podem ser normais ou
um halo circundante em vidro fosco (“sinal do halo”) demonstrar uma combinação de múltiplos pequenos
são característicos da aspergilose pulmonar invasiva nódulos e infiltrado misto intersticioalveolar. A TC ge-
precoce, com a aparência em vidro fosco representan- ralmente mostra uma combinação de pequenos nódu-
do a angioinvasão. Em uma doença mais estabelecida, los mal definidos, opacificação de vidro fosco e áreas
o “sinal crescente de ar” representa a cavitação em torno de consolidação do espaço aéreo. Derrame pleural

137
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

pode estar presente. Pode ser difícil diferenciar pneu- se infecção complicada (infecção no tecido profundo,
moconiose de CMV. Além da infecção por CMV, outros trombose séptica ou endocardite) está presente. Em
agentes patogênicos virais incluem o vírus respiratório geral, para organismos que não sejam estafilococos
sincitial (RSV), o vírus influenza. coagulase-negativos, um tratamento de 14 dias de te-
rapia antimicrobiana sistêmica é adequado no paciente
neutropênico se o cateter for removido, se o paciente
Infecções da corrente sanguínea responder a terapia antimicrobiana dentro de 72 h e se
relacionadas ao cateter (ICSRC) a ICSRC não for complicada por infecção profunda nos
tecidos. ICSRC devido a qualquer agente patogênico
O cateter venoso central é uma importante fon-
complicada por infecção disseminada ou profunda re-
te de infecções sanguíneas na população de pacientes
quer 4-6 semanas de terapia antimicrobiana. O ecocar-
neutropênicos. As conexões e o lúmen do cateter são
diograma transtorácico pode ser a única modalidade
os principais locais de colonização. Uma ferramenta de
disponível para avaliação das válvulas, pois o ecocardio-
diagnóstico útil para o diagnóstico de infecção da cor-
grama transesofágico pode não ser recomendado até a
rente sanguínea relacionada ao cateter é a tempo di-
resolução da neutropenia e da trombocitopenia con-
ferencial de positivação de hemoculturas realizada em
comitante. O tratamento prolongado (4-6 semanas) é
amostras colhidas simultaneamente através do cateter
recomendado para ICSRC complicada ou se bacteremia
e de veia periférica. A premissa do teste é que, quando
ou fungemia persistente após mais de 72 h da remoção
o cateter é a fonte de bacteremia, a concentração de or-
do cateter em um paciente que recebendo antimicro-
ganismos será extremamente alta no lúmen, resultando
bianos apropriados.
em uma cultura rapidamente positiva. Estudos sugeri-
ram que uma cultura de sangue colhida do cateter que
se positiva pelo menos 120 minutos antes do que uma Infecção de pele e partes moles
cultura de sangue obtida simultaneamente de veia pe-
Além da infecção, o diagnóstico diferencial de
riférica indica que o cateter é, provavelmente, a fonte
lesões cutâneas deve incluir erupção por drogas, infil-
de infecção.
tração cutânea pela malignidade subjacente, reações
A remoção do cateter é considerada na maioria induzidas por quimioterapia ou radiação, síndrome de
das ICSRC. A decisão recai principalmente sobre o orga- Sweet, eritema multiforme, vasculite leucocitoclástica e
nismo isolado. Por exemplo, embora a bacteremia com doença do enxerto contra hospedeiro entre receptores
estafilococos coagulase-negativos seja comum entre de transplantes alogênicos.
pacientes neutropênicos, o patógeno é de baixa viru-
O diagnóstico diferencial para infecção de lesões
lência e pode não requerer a remoção do cateter com
cutâneas deve incluir agentes bacterianos, fúngicos, vi-
a administração de vancomicina através dos lúmens do
rais e parasitários. A biópsia ou aspiração da lesão para
cateter infectado. Em contraste, ICSRC com S. aureus,
obter material para avaliação histológica e microbioló-
bacilos gram-negativos (como P. aeruginosa) ou espé-
gica deve ser sempre implementada como um passo de
cies de Candida normalmente requerem a remoção do
diagnóstico precoce.
cateter além do tratamento antimicrobiano sistêmico.
A terapêutica antibacteriana empírica deve incluir
A remoção do cateter também é recomendada
a vancomicina associada a antibióticos anti-pseudomo-
para infecção no túnel ou infecção na bolsa de cateter
nas, tais como cefepime, um carbapenemo (imipenem-
implantado, trombose séptica, endocardite, sepse com
-cilastatina ou meropenem) ou piperacilina-tazobactam.
instabilidade hemodinâmica ou infecção sanguínea
As infecções clínicas e microbiologicamente documenta-
que persiste apesar de > 72 h de terapia com antibióti-
das devem ser tratadas com base no antibiograma dos
cos apropriados.
organismos isolados. Recomenda-se que a duração do
Em alguns pacientes, a remoção do cateter não é tratamento seja de 7-14 dias. A intervenção cirúrgica é
viável por causa da trombocitopenia, os riscos associa- recomendada para a drenagem de abcessos de tecidos
dos ao reimplante durante a neutropenia ou a ausência moles após a recuperação da medula ou na fasciite necro-
de outros locais de acesso vascular. Nos casos em que o tizante ou mionecrose. O aciclovir deve ser administrado
cateter deve ser retido, é prudente prolongar a terapia a pacientes suspeitos ou confirmados com infecção cutâ-
sistêmica endovenosa antimicrobiana, particularmente nea ou disseminada pelo vírus do herpes simples (HSV)
no caso de S. aureus e bacteremia bacilar gram-negati- ou da varicela-zoster (VZV).
va. Dados sugerem que a terapia com selo de antibió-
ticos pode ser útil para salvar alguns dos cateteres de
longo prazo. Infecção por citomegalovírus (CMV)
A duração da terapia antimicrobiana sistêmica O quadro clínico mais comum no hospedeiro
depende de vários fatores, incluindo se o cateter foi transplantado é uma síndrome viral, caracterizada por
removido ou retido, resposta à terapia antimicrobiana febre e mal-estar, bem como leucopenia, trombocitope-
dentro de 48-72 h (resolução de febre e bacteremia) e nia e enzimas hepáticas elevadas. Estes sinais aparecem

138
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido

da 3ª à 4ª semana, com um pico da sexta a 16ª semana e respiratórios. O exame físico revela frequentemente lin-
tornam-se raros após o 6º mês. Os sintomas do trato di- fadenopatia, hepatomegalia e/ou esplenomegalia, com
gestivo superior, e principalmente a dor, são comuns. A lesões cutâneas e bucais. Os testes de laboratório ge-
diarreia, ocasionalmente contendo sangue, é mais inco- ralmente apresentam anemia, leucopenia, trombocito-
mum e sugere o envolvimento do colônico. Quando o penia e elevação das enzimas hepáticas e bilirrubina. O
cólon é afetado pela citomegalovirose invasiva, podem choque com insuficiência hepática, renal e respiratória
ser observadas alterações ulcerativas. À medida que as (incluindo SARA) e coagulopatia pode complicar casos
úlceras aumentam em profundidade, a erosão nos va- graves e pode ser confundido com sepse bacteriana. Os
sos sanguíneos pode causar diarreia sangrenta profu- locais mais comuns de envolvimento são fígado, baço,
sa. Ao longo do tempo, podem desenvolver-se pólipos trato gastrointestinal e medula óssea. A disseminação
inflamatórios, que raramente podem obstruir o cólon. também pode ser observada na pele, glândulas adre-
Inflamação grave e vasculite podem levar a isquemia e nais, sistema nervoso central e endocárdio. Meningite,
necrose transmural do intestino, resultando em perfu- cerebrite e lesões cerebrais focais ou lesões da medula
ração e peritonite. espinhal ocorrem em 5% a 10% dos casos, como ma-
Os sintomas respiratórios podem exigir a admis- nifestações de infecção amplamente disseminada ou
são em uma unidade de terapia intensiva. Além disso, a achados isolados. A imagem pulmonar caracteriza-se
hepatite clínica, meningoencefalite, pancreatite e mio- por infiltrados difusos reticulonodulares, intersticiais ou
cardite são raras. Em contraste com o que se encontra miliários, mas podem a radiologia pode ser normal em
em pacientes infectados pelo HIV, a coriorretinite é mui- 10% a 50% dos casos.
to rara em pacientes transplantados. A histopatologia com coloração para fungos, cul-
O diagnóstico da infecção causada pelo CMV turas, detecção de antígenos e testes sorológicos para
evoluiu consideravelmente nos últimos anos. Existem anticorpos específicos de Histoplasma podem ajudar
dois métodos utilizados para diagnosticar a infecção a fazer o diagnóstico de histoplasmose disseminada.
por CMV ativa: o teste de antigenemia e a reação em O diagnóstico rápido é muitas vezes alcançado pela
cadeia da polimerase (PCR), que podem ser utilizados determinação do antígeno, exame citológico e/ou his-
para a detecção precoce da replicação viral do CMV. A topatológico de amostras de tecido, secreções respira-
sorologia em pacientes imunocomprometidos pode ser tórias ou fluidos corporais; ou pela coloração de Wright
difícil de interpretar devido às respostas humorais pre- de esfregaços de sangue. Testes sorológicos para anti-
judicadas dos pacientes. Além disso, eles podem apre- corpos contra H. capsulatum e cultura do organismo são
sentar IgG circulante de transfusões ou de tratamentos métodos menos rápidos, mas podem auxiliar na confir-
com imunoglobulina. mação do diagnóstico.
O tratamento é sempre indicado na síndrome O tratamento é indicado para todos os pacientes
viral, na presença de doença por CMV (evidência de com histoplasmose disseminada. Recomenda-se uma
infecção por CMV com sinais e sintomas da doença) e das formulações lipídicas de anfotericina B em pacien-
quando os danos teciduais orgânicos são documenta- tes graves. O itraconazol não é recomendado para a
dos por alterações histológicas e imuno-histoquímicas. terapia inicial em tais pacientes porque não erradica a
O medicamento padrão de ouro para tratamento é o fungemia tão rapidamente quanto a anfotericina.
ganciclovir intravenoso. Há uma evidência limitada de
que o valganciclovir oral também é eficaz. Portanto, o
ganciclovir intravenoso é a escolha para infecção gra-
Infecção disseminada por
ve, mas para infecção leve a moderada é possível usar o micobactérias não tuberculosas (MNT)
tratamento com valganciclovir. O aciclovir e o valaciclo- As infecções disseminadas por MNT ocorrem
vir não são indicados para tratamento. Foscarnet é uma quase que exclusivamente em hospedeiros imuno-
escolha alternativa para o CMV resistente a ganciclovir, comprometidos. O complexo Mycobacterium avium
embora os efeitos colaterais frequentes, e principal- é a espécie de MNT mais comumente associada a in-
mente a nefrotoxicidade, limite seu uso. fecções disseminadas. As infecções disseminadas por
O tempo de tratamento recomendado é deter- MNT envolvem a medula óssea, sistema linforreticular,
minado pelo monitoramento da antigenemia ou carga trato gastrointestinal, pulmões e pele. As manifesta-
viral para o CMV. O tratamento deve ser mantido até er- ções clínicas das infecções disseminadas por MNT in-
radicação viral em um ou dois testes após um mínimo cluem febre, perda de peso, diarreia, linfadenopatia
de duas semanas de tratamento. generalizada, lesões cutâneas disseminadas, sensibi-
lidade abdominal difusa e hepatoesplenomegalia. O
diagnóstico definitivo requer o isolamento de espé-
Histoplasmose disseminada cies de MNT a partir do: sangue, medula óssea, linfo-
As manifestações clínicas comuns incluem febre, nodos, fígado, pulmão e outros tecidos corporais ou
fadiga, mal-estar, anorexia, perda de peso e sintomas fluidos como o líquido pleural. No entanto, a cultura

139
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

é essencial para diferenciar as MNT do M. tuberculosis, ƒ Ulceração mucosa mais comum no intestino
determinar a espécie de MNT causadora da infecção e delgado, mas pode ocorrer em qualquer ní-
realizar testes de sensibilidade a fármacos. Os swabs vel do esôfago ao reto;
de lesões cutâneas, tecido subcutâneo e lavado nasal „ Manifestações pulmonares:
podem ser cultivados para MNT. Além disso, as cul-
ƒ Tosse seca, dispneia, broncoespasmo, he-
turas para MNT podem ser obtidas do sangue, lesões
moptise e edema pulmonar (síndrome de
cutâneas, líquido pleural e lavado broncoalveolar. O
Loefler);
material de biópsia obtido da pele, pulmões, fígado,
medula óssea e até mesmo vértebras pode apresen- „ Manifestações dermatológicas:
tar aparências histopatológicas consistentes com a ƒ Lesões serpiginosas ou lineares pruriginosas
doença por MNT e demonstrar a presença de BAAR. (larva currens);
No entanto, métodos de hibridização de DNA podem ƒ Lesões pupúricas;
ser necessários para identificação de espécies de MNT. „ Outros órgãos acometidos:
Os seguintes fármacos são geralmente utiliza- ƒ SNC (meningite), fígado (padrão obstrutivo),
dos no tratamento de infecções por MNT: etambutol, linfonodos, coração, músculos etc.;
rifampicina, aminoglicosídeos (amicacina e tobra-
„ Infecções secundárias:
micina), macrolídeos (claritromicina, azitromicina),
TMP-SMZ, quinolonas (ciprofloxacina, levofloxacina, ƒ Enterobactérias e fungos;
moxifloxacina), imipenem, linezolida e tigeciclina. A ƒ Meningite, endocardite, peritonite, sepse;
terapia antimicrobiana deve basear-se nos resultados „ Podem, ainda, ocorrer infecções secundárias,
dos testes de sensibilidade antimicrobiana. A duração como meningite, endocardite, sepse e peri-
da terapia geralmente é variável e depende do local tonite, mais frequentemente por enterobac-
e extensão da infecção, bem como a condição clínica térias e fungos. Esses quadros, quando não
do paciente. A terapia antimicrobiana geralmente é tratados conveniente e precocemente, podem
administrada por 3 meses ou mesmo por uma duração atingir letalidade de 85%.
muito maior, especialmente nas infecções dissemina-
das. Às vezes, a terapia médica pode ser prolongada
e podem ser necessários ciclos repetidos de terapia Uma vez considerada a possibilidade de hiperin-
antimicrobiana em infecções recorrentes ou parcial- fecção, a grande carga de larvas torna o diagnóstico re-
mente tratadas. O tratamento cirúrgico sob a forma lativamente fácil. As larvas filariformes podem ser vistas
de desbridamento pode ser necessário em infecções em no exame microscópico direto a partir de amostras
localizadas graves, tais como infecções graves de pele de escarro ou colhidas por broncoscopia. As larvas são
e partes moles. mais facilmente encontradas em espécimes de fezes
e foram observadas em diversos locais de dissemina-
ção, incluindo líquido cefalorraquidiano, espécimes de
Estrongiloidíase disseminada biópsia hepática, líquido pleural e urina. A biópsia do
Embora a maioria dos indivíduos infectados se- duodeno pode demonstrar larvas, sendo um método
jam assintomáticos, S. stercoralis é capaz de se trans- frequente de diagnóstico em receptores de transplan-
formar em uma doença fatal fulminante sob certas tes submetidos a endoscopia gastrointestinal superior
condições associadas a um compromisso de imunida- por suspeita de doença por citomegalovírus ou outra
de do hospedeiro. Tais condições foram comumente infecção oportunista. As larvas também podem ser de-
resumidas como “defeitos na imunidade mediada por monstradas em espécimes de biópsia cutânea obtidas
células”, embora as circunstâncias específicas nas quais de uma erupção cutânea. O teste sorológico, agora, está
a hiper-infiltração de S. stercoralis se desenvolvam nem amplamente disponível e é sensível, embora não espe-
sempre sejam previsíveis. A hiperinfecção descreve a cífico. Infecções com filária ou Ascaris spp. podem levar
síndrome de autoinfecção acelerada, geralmente – em- a falsos positivos.
bora nem sempre – o resultado de uma alteração no es- O tratamento da estrongiloidíase intestinal crôni-
tado imunológico. ca deve ser administrado antes da terapia de imunossu-
„ Manifestações gerais: pressão, se possível. As opções de tratamento incluem
ivermectina (droga de escolha) e tiabendazol. O alben-
ƒ Febre, fadiga, mialgias, perda de peso;
dazol pode ser usado como alternativa, pois tem menor
„ Manifestações gastrointestinais: eficácia. O tratamento da síndrome de hiperinfecção
ƒ Dor abdominal, náuseas/vômitos, diarreia por Strongyloides deve incluir doses diárias de ivermec-
aquosa, constipação, íleo obstrutivo, sangra- tina, até obtenção da depuração parasitológica dos lo-
mento gastrointestinal; cais infectados.

140
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido

Referências Bibliográficas
1. Al-Anazi KA, Al-Jasser AM, Al-Anazi WK. Infections caused by non-tuberculous mycobacteria in recipients of
hematopoietic stem cell transplantation. Front Oncol. 2014;4:1-12.
2. Azevedo LS, Pierrotti LC, Abdala E, Costa SF, Strabelli TMV, Campos SV, et al. Cytomegalovirus infection in transplant
recipients. Clinics (Sao Paulo). 2015; 70: 515-23.
3. Freifeld AG, Bow EJ, Sepkowitz KA, Boeckh MJ, Ito JI, Mullen CA, et al. Infectious Diseases Society of America. Clinical
practice guideline for the use of antimicrobial agents in neutropenic patients with cancer: 2010 Update by the Infectious
Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2011;52:427-31.
4. Hage CA, Azar MM, Bahr N, Loyd J, Wheat LJ. Histoplasmosis: Up-to-Date Evidence-Based Approach to Diagnosis and
Management. Semin Respir Crit Care Med. 2015;36:729-45.
5. Heinz WJ, Buchheidt D, Christopeit M, von Lilienfeld-Toal M, Cornely OA, Einsele H, et al. Diagnosis and empirical
treatment of fever of unknown origin (FUO) in adult neutropenic patients: guidelines of the Infectious Diseases Working
Party (AGIHO) of the German Society of Hematology and Medical Oncology (DGHO). Ann Hematol. 2017; 96: 1775-92.
6. Keiser PB and Nutman TB. Strongyloides stercoralis in the Immunocompromised Population. Clin Microbiol Rev.
2004;17:208-17.
7. Miceli MH, Kauffman CA. Aspergillus Galactomannan for Diagnosing Invasive Aspergillosis. JAMA. 2017;318:1175-6.
8. Patterson TF, Thompson GR 3rd, Denning DW, Fishman JA, Hadley S, Herbrecht R, et al. Practice Guidelines for the
Diagnosis and Management of Aspergillosis: 2016 Update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis.
2016;63:e1-e60.
9. Jepson SL, Pakkal M, Bajaj A, Raj V. Pulmonary complications in the non-HIV immunocompromised patient. Clinical
Radiology 2012;67:1001-10.
10. Stevens DL, Bisno AL, Chambers HF, Dellinger EP, Goldstein EJ, Gorbach SL, et al. Practice guidelines for the diagnosis
and management of skin and soft tissue infections: 2014 update by the infectious diseases society of America. Clin Infect
Dis. 2014;59:147-59.

141
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

142
Endocardite Infecciosa 17

Brenno Cardoso Gomes

Introdução estrutural. A endocardite de prótese corresponde à in-


fecção de uma válvula cardíaca artificial. Já endocardite
A endocardite infecciosa é definida como uma trombótica não bacteriana é o termo empregado para
infecção, geralmente bacteriana, da superfície endo- descrever qualquer vegetação estéril.
cárdica do coração. Afeta principalmente as válvulas São cerca de 40 a 50 mil casos/ano de endocardi-
cardíacas, embora, em alguns casos, os septos entre as te infecciosa nos Estados Unidos. O diagnóstico clássico
câmaras, o endocárdio mural ou os dispositivos eletrô- ocorre em adultos de meia-idade, com doença reumá-
nicos implantáveis cardiovasculares (por exemplo, mar- tica ou cardiopatia congênita. Atualmente, cresce o
ca-passos) possam estar envolvidos. número de casos em portadores de prótese valvar, em
Tradicionalmente, existe a classificação de en- pacientes em hemodiálise aguda e crônica, em pacien-
docardite “aguda” ou “subaguda”, com base na duração tes com algum tipo de imunossupressão e em usuários
dos sintomas antes da apresentação final da doença. A de drogas ilícitas injetáveis. Estima-se que há um predo-
endocardite bacteriana subaguda progride em um pe- mínio de endocardites de origem comunitária (em 75%
ríodo de semanas a meses, sendo usualmente causada das vezes), em comparação com origem nosocomial
por germes de baixa virulência, como o Estreptococos (em 25%). Veja, no Quadro 17.1, as condições predis-
viridans; a endocardite bacteriana aguda progride em ponentes mais comuns para endocardite.
um período de 1 a 2 semanas, com evolução clínica As etiologias mais comuns são Streptococcus sp
que muda rapidamente e apresenta complicações pre- e Staphylococcus sp. A incidência de Staphylococcus sp
cocemente e, normalmente, o Estafilococos aureus é o cresce, principalmente, após a década de 2000. As espé-
principal microrganismo envolvido. No entanto, estas cies mais comuns são: Streptococcus viridans e faecalis
categorias provaram ser pouco confiáveis. (40%), Staphylococcus aureus e epidemirdis (40%), gêne-
Outra forma de classificação é quanto ao tipo de ros Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemco-
tecido envolvido e se há, ou não, processo infeccioso mitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens
no tecido do endocárdio. Nesse sentido, a endocardite e Kingella kingae (HACEK; 5%), Candida sp (2 a 3%) e
de válvula nativa é a infecção de uma válvula cardía- outros (por exemplo: Corynebacterium não diphtheriae;
ca previamente normal ou com problema congênito menos que 2%).

Quadro 17.1: Condições predisponentes associadas ao aumento do risco de endocardite infecciosa.

Mais comum Menos comum


Prolapso valvar mitral Doença cardíaca reumática
Doença valvular degenerativa Estenose aórtica hipertrófica
Válvula protética Coarctação da aorta
Congênita (doença cardíaca valvular ou comunicação Doença cardíaca congênita cianótica
septoventricular)
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Fisiopatologia Diagnóstico
Modelos experimentais de endocardite infec- Devemos considerar endocardite infecciosa em
ciosa demonstraram que a doença segue uma sequên- pacientes que apresentem os seguintes sintomas e si-
cia previsível: dano estrutural endocárdico, agregação nais: febre de origem obscura persistente, insuficiência
de plaquetas e fibrina para criar uma vegetação esté- cardíaca aguda, acidente vascular encefálico embólico
ril, bacteremia transitória, resultando na semeadura e sepses de foco indefinido.
da vegetação, proliferação microbiana e invasão da O uso dos critérios de Duke ajuda a classificar
superfície endocárdica, com infecção metastática em o diagnóstico de endocardite em casos definidos ou
órgãos viscerais (por exemplo: rins, baço e cérebro). O prováveis. Essa classificação tem sido usada, principal-
dano ao endocárdio pode ser causado por uma série mente e com maior sucesso, em pacientes com apre-
de fatores, que vão desde inflamatórios, como febre sentação clássica da doença e que não tenham prótese
reumática, congênitos (prolapso da valva mitral), à de-
valvar ou dispositivos intracardíacos. Nesses últimos, o
generação senil.
escore pode encontrar um falso-negativo. Cerca de 30%
De fato, qualquer turbulência excessiva ou gra- dos pacientes podem apresentar clínica sem bactere-
diente de alta pressão local pode causar danos ao mia ou vegetação no ecocardiograma inicialmente.
endocárdio e/ou nas proximidades. Em seguida, os
O Quadro 17.3 descreve os critérios de Duque
agregados de plaquetas de fibrina desenvolvem-se no
modificados para o diagnóstico de endocardite
local do dano para formar vegetações estéreis, também
infecciosa.
denominadas de trombose asséptica. Assim, o tecido
está propício a receber microrganismos e desenvolver A Figura 17.1 demonstra um fluxograma de in-
o processo de infecção local. vestigação diagnóstica de pacientes com quadro suges-
tivo de endocardite infecciosa.

Manifestações clínicas
Terapia farmacológica
Veja, no Quadro 17.2, os achados clínicos e labo-
ratoriais mais comuns na endocardite infecciosa. Algumas propostas de tratamento empírico
incluem endocardite aguda de válvula nativa com
Quadro 17.2: Manifestações clínicas comuns de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA)
endocardite infecciosa provável (vancomicina ou daptomicina), endocardite
aguda de válvula nativa com MRSA improvável (oxa-
Achado % cilina ou cefazolina), endocardite aguda em válvula
Febre 96 protética com MRSA provável (vancomicina + genta-
Piora do sopro anterior 20 micina + rifampicina) e endocardite por enterococos
na válvula nativa (ampicilina + ceftriaxona). Devemos
Novo sopro 48
sempre realizar os ajustes farmacológicos quando ti-
Evento embólico vascular 17 vermos o resultado das hemoculturas, por exemplo:
Esplenomegalia 11 germes HACEK causando endocardite (ceftriaxona
Hemorragias cutâneas 8 ou ampicilina ou ciprofloxacino). A duração da po-
sologia é variável, de acordo com o agente envolvi-
Nódulos de Osler 3
do e deve ser considerado se há ou não presença de
Lesões de Janeway 5 válvula protética.
Elevado VHS 61
Hematúria 26
Fator reumatoide positivo 5
Tratamento Cirúrgico
Radiografia de tórax (derrame, infiltrado, 67-85* As principais indicações cirúrgicas são: insufi-
embolia séptica) ciência cardíaca aguda grave, obstrução valvular ou
progressão de lesão valvular, abcesso perivalvular ou
* Mais comum em endocardite de câmara direita. miocárdico, deiscência de prótese valvular, bacteremia
Fonte: adaptado de Murdoch DR, Corey GR, Hoen B, et al.; persistente, endocardite fúngica ou paciente que não
International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort respondeu à terapia com antibióticos. Algumas indi-
Study (ICE-PCS) Investigators. Clinical presentation, etiology, cações cirúrgicas são ditas como relativas: embolia re-
and outcome of infective endocarditis in the 21st century: the corrente, infecção por Estafilococo ou BGN em prótese,
International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort febre persistente, vegetação móvel > 10 mm, aumento
Study. Arch Intern Med. 2009;169(5):463-73. da vegetação na vigência de tratamento adequado.

144
Endocardite Infecciosa

Quadro 17.3: Critérios de Duque modificados para o diagnóstico de endocardite infecciosa

Critérios maiores
1. Hemocultura positiva com microrganismo típico de estar envolvido em endocardite: Estreptococo alfa-hemolítico,
Streptococcus bovis, microrganismos HACEK ou Staphylococcus aureus, ou espécies de Enterococcus adquiridas
na comunidade; sem foco primário em duas hemoculturas separadas OU bacteremia persistente com qualquer microrganismo
(pelo menos duas hemoculturas positivas com intervalo > 12 horas ou três hemoculturas positivas ou quatro ou mais
hemoculturas positivas separadas por pelo menos 1 hora).
2. Evidência de envolvimento endocárdico: achados ecocardiográficos com massa móvel ligada à válvula, abscesso ou nova
deiscência parcial da válvula protética OU nova regurgitação valvular.
3. Sorologia: cultura de sangue positiva única para Coxiella burnetii OU título de anticorpo IgG antifase 1 ≥ 1:800
Critérios menores
Condição prévia: uso de drogas intravenosas ou condição cardíaca predisponente.
Febre ≥ 38°C.
Fenômenos vasculares: embolia arterial, embolia pulmonar séptica, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragias
conjuntivais, lesões de Janeway.
Fenômeno imunológico: glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide positivo.
Achados ecocardiográficos consistentes com a endocardite, mas não atendendo aos principais critérios
Evidência microbiológica: hemoculturas positivas que não atendem aos principais critérios ou evidências sorológicas de
infecção ativa consistente com endocardite
Endocardite definida: endocardite infecciosa histopatologicamente comprovada OU diagnóstico clínico definido por dois
critérios maiores OU um maior e três critérios menores OU cinco critérios menores.
Endocardite possível: um critério maior e um critério menor OU três critérios menores
Endocardite rejeitada: diagnóstico alternativo mais provável OU resolução da síndrome de endocardite infecciosa com
terapia antibiótica por 4 dias ou mais OU não há evidência patológica de endocardite infecciosa em cirurgia ou autópsia com
terapia antibiótica por ≤ 4 dias OU não cumpre os critérios acima de possível endocardite infecciosa

Fonte: adaptado de Li JS, Sexton DJ, Mick N, et al. Modificações propostas aos critérios de Duke para o diagnóstico de
endocardite infecciosa. Clin Infect Dis. 2000;30:633-638.

Suspeita clínica de EI

ETT

Valva artificial ou CDI/MP Positivo Não diagnóstico Negativo

ETE1 Suspeita clínica EI

Alta2 Baixa Pare

Figura 17.1: Fluxograma para diagnóstico de endocardite infecciosa.


EI = endocardite infecciosa; ETT= ecocardiografia transtorácica; ETE= ecocardiografia transesofágica. 1 Método preferível com
prótese valvar, dispositivos cardíacos implantados, para avaliar complicações. 2 Prótese valvular cardíaca, doenças cardíacas
congênitas, endocardite prévia, novo sopro, IC ou outras evidências de EI.

Profilaxia resistência microbiana. A American Heart Association


(AHA) restringiu antibióticos para endocardite prévia,
A profilaxia é parte de grandes modificações valva protética, cardiopatia congênita e transplante
nos últimos anos, tendo como proposta mais atual cardíaco com valvulopatia, sem aumento na incidên-
seu uso cada vez mais restrito. Há falha na profilaxia cia de endocardite infecciosa por estreptococos.
em série de casos em torno de 50%, com importante

145
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Referências Bibliográficas
1. Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS, et al. American Heart Association Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis,
and Kawasaki Disease of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, Council on Clinical Cardiology,
Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia, and Stroke Council. Infective Endocarditis in Adults: Diagnosis,
Antimicrobial Therapy, and Management of Complications: A Scientific Statement for Healthcare Professionals From
the American Heart Association. Circulation. 2015;132(15):1435-86.
2. Cahill TJ, Baddour LM, Habib G, et al. Challenges in Infective Endocarditis. J Am Coll Cardiol. 2017;69(3):325-44.
3. Lester SJ, Wilansky S. Endocarditis and associated complications. Crit Care Med. 2007;35(8 Suppl.):S384-91.

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

146
Prevenção de 18
Infecções Nosocomiais

Thiago Lisboa

Infecção hospitalar é um dos temas mais im- de Saúde (OMS) iniciou uma campanha com foco na la-
portantes em UTIs, principalmente porque acomete vagem das mãos nos seguintes momentos: antes de to-
pacientes gravemente enfermos e pode aumentar o car um paciente, antes de um procedimento asséptico
tempo de permanência na UTI e no hospital e o risco (de limpeza), após risco pela exposição a fluídos corpo-
de morte. Sua definição é qualquer infecção adquiri- rais, depois de trocar um paciente e após o contato com
da após 48 horas da internação do paciente e que se as áreas próximas ao paciente.
manifesta durante a internação ou mesmo após a alta,
quando puder ser relacionada com a internação ou pro-
cedimentos hospitalares. Cerca de 70% dos pacientes Uso Racional de Antimicrobianos
internados em UTIs recebem tratamento para algum
tipo de infecção; boa parte delas é adquirida durante a Estima-se que de 500 mil a 1 milhão de mortes
permanência, sendo as mais comuns: pneumonia hos- ocorram no mundo devido à resistência antimicrobia-
pitalar, pneumonia associada a ventilação mecânica, na. Um fato alarmante é o crescimento do consumo
bacteremia associada a uso de cateter venoso/arterial e global de antibióticos no ambiente hospitalar na última
infecções do trato urinário associados a uso de cateter década, que bateu a casa dos 40%. Estudos estatísticos
vesical. A vigilância das infecções ao longo do tempo revelam que se nenhuma mudança ocorrer, em 2050,
mostra que há diminuição das taxas com aplicação de o mundo registrará cerca de 10 milhões de mortes as-
medidas baseadas em evidência. São 7 pontos chave da sociadas à resistência a antibióticos e antimicrobianos,
Prevenção de Infecção na UTI: superando a morte por câncer, por exemplo. “O uso ra-
1. Higienização das mãos; cional desses medicamentos na UTI, restringindo-se es-
pectro e duração minimamente necessários, é a melhor
2. Uso racional de antimicrobianos;
maneira de combater a emergência de resistência no
3. Uso das precauções de contato; ambiente hospitalar e, principalmente, nas unidades de
4. Rastreio e isolamento dos casos; terapia intensiva”, alerta o médico intensivista Dr. Thiago
5. Limpeza do ambiente; Lisboa, coordenador da Campanha Nacional da AMIB.
6. Vigilância epidemiológica;
7. Educação contínua dos profissionais. Uso Adequado das Precauções de
Contato
Higienização das Mãos Usar com pacientes sabidamente colonizados ou
Essa é a principal medida de prevenção de infec- com infecção por patógenos potencialmente resisten-
ções relacionadas aos cuidados de saúde. Infelizmente, tes no ambiente de cuidados intensivos. O uso de luvas
a taxa de adesão a esse ponto chave é muito baixa, che- e aventais podem minimizar o risco de transmissão cru-
gando apenas a 70% nos centros que apresentam os zada (de um paciente para outro) nas UTIs. Veja a seguir
melhores resultados. Em 2009, a Organização Mundial os tipos de precaução de contato:
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Precaução Padrão
Devem ser seguidas para todos os pacientes, independentemente das suspeita ou não de infecções.

Precaução de Contato

Precaução Respiratória – Gotículas


Só se mantêm no ar por curta distância (1 m).

Precaução Respiratória – Aerossóis


Ficam em suspensão no ar e podem ser transportadas por longas distâncias.

148
Prevenção de Infecções Nosocomiais

Rastreio e Medidas de Isolamento escolha da melhor opção terapêutica. O tratamento


antimicrobiano empírico inadequado aumenta o risco
dos Casos de mortes dos pacientes com infecções graves inter-
nados nas UTIs, portanto, o conhecimento da flora mi-
Portanto, é importante a identificação dos pa- crobiológica associada com infecções nas unidades de
cientes colonizados ou infectados com patógenos po- terapia intensiva é o melhor preditor para o sucesso da
tencialmente resistentes para o adequado manejo e terapia antimicrobiana.
emprego de medidas preventivas.

Educação Contínua dos


Limpeza Adequada do Ambiente Profissionais
Alguns patógenos sobrevivem no ambien-
te por tempo prolongado (p.ex.: Acinetobacter sp, O constante e periódico treinamento reforça o
Pseudomonas sp, Clostridioides difficile), aumentando conhecimento teórico e atualiza os profissionais médi-
cos, de enfermagem, fisioterapia e demais que atuam
o risco de transmissão cruzada e dificultando o manejo
nas UTIs. Treinamentos de higiene de mãos, coloca-
de surtos dentro das UTIs.
ção e retirada de precauções de contato e reforço no
não uso de adereços são bem-vindos e devem fazer
A Vigilância Epidemiológica parte da rotina de educação da equipe. A criação e
atualização de rotinas de antibioticoterapia empírica
É importante para conhecer a triagem do ris- também é parte dessa estratégia, por parte da CCIH
co de desenvolvimento da infecção e para auxiliar na do hospital.

149
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO

Anotações durante o curso: orientações e atualizações

150
I

Rua Arminda, 93 - 7º andar - Vila Olímpia - São Paulo - SP - CEP 04545-100


Fone: (11)5089-2642
www.amib.org.br

Você também pode gostar