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6. Sepse, 53
Tesoureiro
Licurgo Pamplona Neto 7. Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave, 59
COORDENADOR (2022-2023)
André Miguel Japiassú
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Doenças Infecciosas nos 1
Pacientes Graves
André Japiassú
Característica Exemplo
Impacto global e explosivo Influenza
Imunidade adquirida Varicela e febre amarela
Acometimento “democrático” entre indivíduos sadios ou com Pneumonia viral e dengue
comorbidades
Potencial para prevenção e erradicação Difteria e poliomielite
Adaptação de microrganismos ao tratamento antimicrobiano Bactérias produtoras de betalactamases
Dependência do comportamento humano Doenças sexualmente transmissíveis
Coevolução ou derivação de outras espécies animais Leptospirose e brucelose
Influência do tratamento em ecossistemas ou em Estafilococcia por Staphylococcus aureus resistente à
comunidades meticilina
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
pacientes (em sanatórios), até o surgimento da vacina- O Brasil foi o segundo país que mais forneceu pa-
ção com BCG e o tratamento com esquema antimicro- cientes para o estudo, com cerca de 1.300 dos 14.400
biano combinado entre as décadas de 1920 e 1950. indivíduos incluídos. Em média, 50% dos pacientes
internados em UTI do mundo inteiro apresentavam
alguma infecção no dia do estudo (Figura 1.1). A ida-
Epidemiologia global das doenças de média foi de 60 anos, com Sequential Organ Failure
infecciosas graves Assessment (SOFA) médio de 6,3 pontos (marcando a
presença de síndrome de disfunções orgânicas múl-
O estudo EPIC (Extended Study of Prevalence of tiplas); mais da metade usava suporte ventilatório in-
Infection in Intensive Care) foi coordenado pelo Doutor vasivo. As comorbidades mais comuns foram: doença
Jean Louis Vincent, teve duas fases e marcou a prevalên- pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias ativas, insufi-
cia de infecções em UTI ao redor do mundo, envolvendo ciência cardíaca, diabetes mellitus e insuficiência renal
75 países e 1.265 UTI. Foi realizada corte de prevalência crônica. O sítio de infecção mais comum em UTI foi o
de 1 dia em 2007, no qual as UTI registraram todos os pulmonar (63% de todas infecções), seguido por abdo-
pacientes internados, se eles apresentavam infecções e minal, sanguíneo primário, urinário e cutâneo.
as características destas infecções. As comorbidades e a No Quadro 1.2, estão os principais desfechos e a
mortalidade hospitalar também foram observadas. comparação com dados da América Latina.
Figura 1.1: Prevalência de pacientes com infecção nas unidades de terapia intensiva. Estudo EPIC II. Fonte: adaptado de
Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in intensive care
(EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.
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Doenças Infecciosas nos Pacientes Graves
São notáveis as diferenças de piores desfechos Este estudo também fez análise mais detalhada
no nosso continente, quando comparados ao restan- da presença de recursos nas diversas UTIs. Havia dife-
te do mundo. As diferenças são mais contrastantes se rença significativa de recursos de monitoração e tera-
compararmos a mortalidade de pacientes infectados pêutica conforme o nível socioeconômico dos países,
na América do Norte (18%) e Oceania (14%) versus com prejuízo naqueles com menor renda per capita.
América Latina (35%) (Figura 1.2). Por exemplo, a disponibilidade de cateter nasal de alto
fluxo (-33%), ecocardiografia na UTI (-21%), presença de
infectologistas e microbiologia (-27%), de equinocan-
Epidemiologia atual: dinas (-45%) e dosagem sérica de antibióticos como a
EPIC 3 (2017) vancomicina (-61%) eram menores nos países pobres,
quando comparados àqueles ricos.
A terceira versão do EPIC de 2017 também ava-
liou a prevalência de infecções em pacientes internados
em UTI ao redor do mundo. A diferença após 10 anos é o Conclusão
aumento das infecções nosocomiais, principalmente o
crescimento da etiologia por bactérias Gram-negativas As características das doenças infecciosas e os
(67% das culturas positivas) e redução relativa da par- desfechos desfavoráveis no nosso continente apontam
ticipação de bactérias Gram-positivas (37%); anterior- para nossa maior preocupação com este tema, e a prio-
mente, havia uma quase equidade dessa relação. Houve rização do diagnóstico correto e do tratamento ágil e
efetivo das infecções nas nossas UTI.
associação de infecções por bactérias resistentes (como
Enterococos resistentes a vancomicina, Klebsiella resis-
tente a carbapenemases e Acinetobacter sp) com a mor-
talidade na UTI.
Figura 1.2: Mortalidade na unidade de terapia intensiva de pacientes com infecção. Fonte: adaptado de Vincent JL, Rello J,
Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in intensive care (EPIC) II. JAMA
2009;302(21):2323-9.
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Referências Bibliográficas
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Geneve: WHO; 2015. Available from: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index1.html>.
3. Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in
intensive care (EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.
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2017. JAMA 2020 Apr 21;323(15):1478-87.
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Uso de Antimicrobianos na 2
Unidade de Terapia Intensiva
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Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
grupo de antibióticos. Tem como mecanismo de ação a pneumococo e dos enterococos, hoje não utilizamos
inibição da síntese do peptidoglicano na parede celular mais estes antibióticos isoladamente como terapia em-
da bactéria, ligando-se a proteínas ligadoras de penici- pírica na maioria dos pacientes com sepse grave, porém,
linas (PBPS), causando lise osmótica do microrganismo. permanecem com atividade antimicrobiana segura
para as infecções causadas pela Neisseria meningitidis e
pelas outras espécies de estreptococos (Streptococcus
Penicilinas pyogenes, Streptococcus agalactiae, Streptococcus equi,
Naturais Streptococcus bovis), incluindo do grupo viridans (mitis,
salivarius e sanguis).
Obtidas a partir da fermentação do fungo
Penicillium chrysogenum (Notatum), apresentam um Em pacientes com infecções graves, a penicilina
anel tiazolidínico ligado ao anel betalactâmico, trans- cristalina (uso intravenoso) continua como droga de
formando-se no ácido 6-aminopenicilânico, núcleo cen- primeira linha, associada à gentamicina, para o trata-
tral do qual derivam as penicilinas (Figura 2.2). mento da endocardite infecciosa estreptocócica. O uso
da penicilina cristalina como monoterapia deve ficar
Fazem parte desse grupo de antibióticos a pe-
restrito aos casos de endocardite em valvas naturais
nicilina benzatina e procaína, para uso intramuscular,
com extensão do tratamento para 4 semanas.
e a penicilina cristalina para uso venoso. São antibió-
ticos com excelente perfil farmacocinético, apresen- Nas infecções de pele e tecido celular subcutâ-
tando distribuição e penetração em vários tecidos e neo (celulite e fasceíte necrotizante do tipo II) de etio-
líquidos orgânicos, atingindo concentrações seguras, logia estreptocócica em pacientes não diabéticos e não
inclusive nas meninges. São excretadas pela via renal, usuários de droga intravenosa, mantém-se como opção
havendo necessidade de ajuste da dose somente em terapêutica associada a aminoglicosídeos.
casos de insuficiência renal grave (clearance de crea- A penicilina cristalina continua sendo uma exce-
tinina inferior a 10 mL/hora), quando o intervalo das lente opção terapêutica para o tratamento da meningi-
doses não deve ser inferior a 8 horas, com dose máxi- te meningocócica, por se manter com elevada potência
ma preconizada em anúricos de 6 milhões de unida- antimicrobiana mesmo em baixas concentrações, além
des por dia de penicilina. de ter boa penetração na meninge inflamada. Como
Pioneiras no combate a infecções bacterianas, as terapia empírica, as cefalosporinas de terceira geração
penicilinas naturais se tornaram drogas extremamen- tornaram-se a droga de escolha para o tratamento des-
te eficazes para tratamento de infecções por bactérias sas infecções.
Gram-positivas, cocos Gram-negativos, espiroquetas e Devido ao seu perfil farmacológico como um an-
actinomicetos a partir da década de 1940, quando fo- tibiótico tempo-dependente, devemos fazer infusões
ram utilizadas de forma ampla com sua industrialização. de penicilina cristalina com intervalos de 4 horas (práti-
Com o progressivo desenvolvimento de resis- ca habitual) ou infusão contínua com dose média diária
tência, inicialmente por meio da produção de beta- de 18 a 25 milhões de unidades em adultos (200.000 a
lactamases pelo Staphylococcus aureus e mutação 500.000U/kg/dia em crianças) para infecções graves. É
com modificação dos sítios de PBPS, como no caso do importante lembrar que, para o balanço hidroeletrolí-
tico do paciente crítico, 1 milhão de unidades de peni-
cilina cristalina fornecem 1,6 meq/L de potássio e 1,6
Penicilina G
meq/L de sódio.
S CH3
CH2 CO NH Penicilinas semissintéticas
N CH3 Em 1959, com a obtenção do ácido 6-aminope-
nicilânico, tornou-se possível o desenvolvimento das
O
penicilinas semissintéticas com específico ou maior
CO2H
espectro antimicrobiano. Com parâmetro farmacociné-
tico-farmacodinâmico (PK/PD) semelhantes às penicili-
nas naturais, também se distribuem amplamente pelos
H2N
tecidos e líquidos orgânicos, com excreção pela via re-
S CH3
nal por secreção tubular.
CH3
N
Classificação
O
Penicilinas de segunda geração: ampicilina e
CO2H
amoxacilina.
6-APA Penicilinas antiestáfilocócicas: oxacilina e
Figura 2.2: Estrutura química da penicilina. derivados.
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Penicilinas de amplo espectro ou quarta gera- mantendo concentrações inibitórias seguras por tempo
ção: azlocilina, mezlocilina e piperacilina. mais prolongado (8 ou até 12 horas, se utilizando prepa-
Inibidores de betalactamases. rações solúveis), podendo ser usada com doses maiores
(3 g/4 g/dia) em adultos (100 mg/kg/dia em crianças)
para o tratamento de infecções respiratórias (principal-
Discutiremos, a seguir, as penicilinas semissinté-
mente recidivantes) com resistência intermediária às
ticas principalmente com inibidores de betalactama-
penicilinas. Para o tratamento das infecções respirató-
ses com aplicação clínica em pacientes com infecções
rias (principalmente recidivantes).
graves.
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Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
comparada com outros antibióticos com mesmo espec- acremonium, surgia um novo grande grupo de antibió-
tro já disponíveis em sua unidade hospitalar. ticos pertencentes aos antibióticos betalactâmicos.
Sua apresentação é em frasco-ampola com 3 g de O estudo dos pesquisadores com o fungo resul-
ticarcilina e 100 mg de ácido clavulânico para uso veno- tou na descoberta do ácido 7 aminocefalosporânico a
so na dose de 200 a 300 mg/kg/dia, fracionadas a cada partir da cefalosporina C no início da década de 1960
4 horas nos pacientes com sepse grave. Nas infecções e a produção industrial da cefalotina, primeira cefalos-
consideradas graves sem instabilidade hemodinâmica porina de primeira geração lançada para uso clínico
e/ou respiratória, o intervalo das doses pode ser redu- (Figura 2.3).
zido para 6 horas.
Assim como as penicilinas, as cefalosporinas ini-
bem a síntese da parede celular da bactéria em cresci-
Penicilina de quarta geração mento, se ligando às PBPS, causando lise osmótica.
A piperacilina associada ao inibidor de beta- O uso das cefalosporinas tomou grandes propor-
lactamase tazobactam é a única e mais utilizada pe- ções a partir do início da década de 1980, quando as
nicilina semissintética para o tratamento de infecções infecções hospitalares começaram definitivamente a
graves por bacilos Gram-negativos, incluindo pseudo- representar grande ameaça para pacientes internados
monas. Para uso exclusivamente venoso, em virtude em unidades de terapia intensiva e pacientes imuno-
de sua propriedade farmacodinâmica como antibió- deprimidos vulneráveis aos bacilos Gram-negativos,
tico tempo-dependente, sua utilização em infusão incluindo a Pseudomonas aeruginosa, tornando-se os
contínua vem sendo uma prática interessante, com o antibióticos mais prescritos nos hospitais em todo o
objetivo de se otimizar a eficácia terapêutica. Na forma mundo para o tratamento de infecções graves.
convencional, utilizamos a piperalicilina em doses de
Com a evolução na geração de cefalosporinas,
200 mg a 300 mg/kg/dia, fracionadas de a cada 4 ho-
tivemos o aumento progressivo do espectro antimi-
ras. Os bacilos Gram-negativos produtores de betalac-
crobiano contra estes bacilos, mas também foi a partir
tamase de espectro ampliado também são sensíveis
do uso abusivo deste importante grupo de antibióticos
a piperacilina-tazobactan. Por serem ativas contra os
germes anaeróbios, pode ser utilizada como mono- que vimos o crescente número de microrganismos se
terapia para tratamento de infecção intra-abdominal especializando em se defender destes antimicrobianos,
complicada hospitalar. produzindo betalactamases cada vez mais eficazes na
inativação das cefalosporinas. Atualmente, as cefalos-
Para a infusão contínua, devemos fazer a dose
porinas representam o principal grupo de antibióticos
inicial fracionada de ataque, com o início imediato da
indutores de betalactamases junto das penicilinas.
infusão com a dose total diária na solução de infusão.
Os livros de farmacologia, por apresentar na
maioria das vezes, sensibilidade in vitro dos bacilos
Cefalosporinas Gram-negativos as cefalosporinas, não representam a
Descobertas por Giuseppe Brotzu em 1945, na realidade da sensibilidade desses microrganismos in vivo,
Itália, a partir do isolamento do fungo Cefalosporium principalmente Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas.
O
HO2C H
CH (CH )
2 3 C N H H S H2N H H S
O O
NH2 N N
O CH2 O O CH2 O CH3
CH3
CO2H CO2H
Cefalosporina C (natural) Ácido 7-aminocefalosporânico (7-ACA)
O
S Cl
H H
O H H H
N S
S O
H H N
O CH2 O CH3
CO2H
Cefalotina
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
formados por uma estrutura monocíclica (Figura 2.4). O FDA aprovou, em 2010, o uso do aztreonam em
Surgia, assim, uma nova classe de antibióticos, denomi- solução inalatória em pacientes com fibrose cística e in-
nados de monobactâmicos. fecção respiratória por P. aeruginosa.
Produzido em 1981, o aztreonam é um antibióti- Na maioria das infecções sistêmicas, o azteronam
co utilizado somente nas infecções por microrganismos é administrado pela via intravenosa na dose de 1 g a
Gram-negativos, não sendo ativo contra microrganis- cada 8 horas. Nos pacientes com sepse grave ou choque
mos Gram-positivos e anaeróbios. São estáveis somen- séptico, a dose deve ser dobrada.
te ante as beta-lactamases não de espectro ampliado,
podendo ser utilizado para o tratamento das infecções
por enterobactérias comunitárias incluindo a E.coli Aminoglicosídeos
(não produtora de ESBL), Klebisiella (não produtora Representam uma classe de antibióticos com
de ESBL), Proteus, Morganella, Providencia, Salmonella. excelente atividade contra bactérias Gram-negativas
Também são sensíveis o H. influenza e as N. meningitidis aeróbicas, incluindo a P. aeruginosa. Não têm ação anti-
e Gonorrhoeae. O Enterobacter costuma ser resistente microbiana contra os microrganismos anaeróbios e, en-
ao aztreonam. tre as bactérias Gram-positivas, somente têm atividade
Apresentam PK/PD semelhantes aos da cefalos- contra os microrganismos do gênero Staphylococcus.
porinas de quarta geração, inibindo a síntese da parede Após atravessar por difusão passiva, as porinas
celular bacteriana, ligando-se às PBPS (alta afinidade da membrana externa do bacilo Gram-negativo, no ci-
a PBP3), e não tendo atividade antimicrobiana contra toplasma da célula bacteriana, ligam-se à subunidade
Legionella, micoplasma e clamídia. 30s ribossomal, inibindo a síntese proteica bacteriana. A
Por serem drogas bastante seguras com relação resistência aos aminoglicosídeos se dá principalmente
a efeitos adversos, foram inicialmente muito utilizadas por mediação cromossômica, diminuindo a afinidade
no lugar dos aminoglicosídeos para tratamento das in- da droga com o sítio de ligação ribossomal ou mutação
fecções por microrganismos Gram-negativos, por não cromossômica, afetando o gen transportador do ami-
serem nefrotóxicas e ototóxicas, porém, nos últimos noglicosídeo na célula bacteriana. A anaerobiose e o pH
anos, apesar de não ser uma droga indutora de betalac- ácido também representam adversidade ao efeito tera-
tamases para o tratamento das infecções nosocomiais, pêutico dos aminoglicosídeos.
é necessário o conhecimento da sensibilidade da mi- São antibióticos com ação bactericida concen-
crobiota hospitalar para o uso empírico nas infecções tração dependente, além de produzirem um efeito pós-
graves, principalmente onde existe alto risco para in- -antibiótico prolongado (10 horas ou mais), com sua
fecções por Pseudomonas e Enterobacter, que já se mos- atividade antimicrobiana não sendo afetada pelo tama-
tram resistentes ao monobactâmico. nho do inóculo. A emergência de resistência durante o
tratamento é um evento raro e elas são muito resisten-
O H tes às betalactamases.
X O uso dos aminoglicosídeos em dose única diária
R C N
Monobactam tem eficácia similar ao regime de múltiplas doses, po-
O
N dendo inclusive retardar o início da nefrotoxicidade. As
SO3H recomendações atuais não aconselham a manutenção
O H da terapia com aminoglicosídeos por um período supe-
S CH3 rior a 5 ou 6 dias. Alguns fatores que limitam seu uso
R C N
Penicilina amplo em pacientes graves estão relacionados a um
CH3
N perfil farmacocinético inferior comparado aos betalac-
O COOH tâmicos. Não são absorvidos por via oral, não atraves-
sam a barreira hematoencefálica e apresentam menor
O H penetração tissular em tecidos (com exceção do rim),
R C N
X S como o parênquima pulmonar, porém, sem dúvida, a
Cefalosporina ototoxicidade e, principalmente, a nefrotoxicidade re-
N
Cefamicina presentam a maior limitação para seu uso clínico.
O CH3R1
Os aminoglicosídeos se acumulam no rim, com
COOH
cerca de 85% da droga se concentrando no córtex renal.
No túbulo renal, ligam-se a uma glicoproteína localiza-
S CHCH2OH da na membrana basal chamada megalina, necessária
Ácido clavulânico para a interiorização da droga por pinocitose e acúmulo
N
COOH na célula renal. Quando atingem nível crítico no citosol
O
da célula, o aminoglicosídeo ativa apoptose, levando à
Figura 2.4: Estrutura química do monobactâmico. morte celular.
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Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
Não existe diferença significativa que possa in- tratamento da sepse grave em pacientes internados em
fluenciar na escolha entre os aminoglicosídeos utiliza- unidades de emergência ou de terapia intensiva.
dos na prática clínica, no que diz respeito à maior ou É uma prática comum o uso combinado do amino-
menor toxicidade renal, porém, alguns fatores de risco glicosídeo com um antibiótico betalactâmico em pacien-
(Quadro 2.2) merecem a atenção na tomada de deci- tes com bacteremia e endocardite estafilocócica, apesar
são para seu uso. Vários destes fatores estão presentes de um estudo recente ter demonstrado aumento da inci-
em pacientes com infecções graves por bacilos Gram- dência de nefrotoxicidade sem nenhum benefício clínico
negativos, porém, vale ressaltar que o uso de aminogli- (Cosgrove SE - Clin Infect Dis. 2009;48:713-21).
cosídeos em dose única diária pode reduzir de forma
No tratamento da pneumonia hospitalar devi-
significativa o risco de nefrotoxicidade, principalmente
do a bacilos Gram-negativos, o uso do aminoglicosí-
se limitarmos a 6 dias de tratamento.
deo associado a um antibiótico betalactâmico não se
A ototoxicidade com o uso dos aminoglicosídeos mostra superior à monoterapia com betalactâmico em
ocorre devido à penetração da droga na endolinfa e nos pacientes estáveis hemodinamicamente, porém, em
tecidos coclear e vestibular do sistema auditivo. O uso pacientes com sepse e choque séptico, tal associação
prolongado do aminoglicosídeo (7 dias ou mais) e lesão pode trazer benefício.
renal prévia são os principais fatores de risco para o efei- O uso de terapia inalatória com aminoglicosí-
to adverso. O bloqueio neuromuscular com o uso dos deos, comparado à terapia venosa combinada com be-
aminoglicosídeos é evento raro. talactâmicos em pacientes com pneumonia associada
à ventilação mecânica, vem sendo um novo alvo de
Uso clínico dos aminoglicosídeos atenção dos pesquisadores, pois, em alguns estudos,
O uso dos aminoglicosídeos como monoterapia esta prática resultou em melhor resolução dos sinto-
em pacientes com infecções graves por bacilos Gram- mas clínicos (81% versus 31%) e cura microbiológica
negativos não é recomendado por ser menos eficaz em (77% versus 5%) sem nenhum dos pacientes subme-
virtude do seu perfil farmacocinético, sendo necessária tidos à terapia inalatória ter apresentado disfunção
a associação antibiótica, de preferência a uma betalac- renal quando comparados ao grupo que fez uso de
tâmico. Em contrapartida, a monoterapia com betalac- terapia intravenosa com 31% de disfunção. Mais estu-
tâmico de amplo espectro em pacientes com infecções dos controlados com maior número de pacientes se-
graves não se mostra inferior na maioria dos estudos rão necessários para uma melhor avaliação desta nova
que comparam sinergismo antibiótico, a não ser por es- modalidade terapêutica.
tudo recente, que demonstrou que a terapia antibiótica No tratamento das infecções intra-abdominais
combinada, em pacientes com choque séptico, devido comunitárias e hospitalares, durante muitos anos,
a infecções por bacilos Gram-negativos, apresentou os aminoglicosídeos fizeram parte dos esquemas te-
menor mortalidade. Portanto, a presença de instabilida- rapêutico em combinação com a clindamicina, me-
de hemodinâmica na evolução clínica de um paciente tronidazol e betalactâmicos. Metanálises recentes
com infecção pode representar uma forte recomenda- mostraram menor eficácia comparada ao uso de
ção para a associação antibiótica. betalactâmicos para o combate aos bacilos Gram-
A escolha do aminoglicosídeo deve ser basea- negativos, porém, em pacientes com sepse, a adição
da na sensibilidade in vitro dos germes nos hospitais de um aminoglicosídeo, principalmente nas peritoni-
onde são utilizados. Apesar da gentamicina ser o ami- tes hospitalares, parece ser racional.
noglicosídeo mais ativo contra Enterobacteriaceae e a O uso dos aminoglicosídeos no tratamento da
tobramicina contra Pseudomonas, a amicacina man- urosepse apresenta eficácia equivalente à da terapêu-
tém atividade bactericida segura em muitas cepas de tica com betalactâmicos e fluoroquinilonas. Vale ressal-
Enterobacteriaceae (mais de 80%) e também em uma tar que o uso não superior a 5 dias de aminoglicosídeos
proporção considerável de cepas de Pseudomonas que torna menos provável a possibilidade de nefrotoxicida-
adquiriram resistência à gentamicina e à tobramicina, de. A elevada resistência dos bacilos Gram-negativos in-
devendo ser considerada a droga inicial de escolha no cluindo a E. coli produtora de betalactamase de espectro
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
ampliado, as cefalosporinas de terceira geração e fluo- A introdução do radical flúor na fórmula da qui-
roquinolonas, retorna aos aminoglicosídeos a condição nolona ampliou seu espectro de ação e potência, e me-
de uma opção terapêutica. lhor parâmetro farmacocinético-farmacodinâmico (PK/
A estreptomicina tem como principal indicação a PD) desse grupo de antibióticos, o que permitiu sua uti-
tuberculose pulmonar quando há resistência à isoniazi- lização em pacientes com infecções bacterianas graves,
da e à rifampicina. Outra indicação como droga de pri- inclusive no ambiente hospitalar.
meira linha é a tularemia (Quadros 2.3 e 2.4). No Brasil, as fluoroquinolonas mais utilizadas
são a ciprofloxacina, levofloxacina e a moxifloxacina
(Quadro 2.5).
Fluoroquinolonas
Lançadas na década de 1980 como antibióticos
ideais para o tratamento das infecções comunitárias e
Mecanismo de ação
hospitalares causadas por bactérias Gram-positivas e, O cromossoma bacteriano encontra-se entrela-
principalmente, Gram-negativas, representam, na atuali- çado em espirais bem apertadas, ocupando um espa-
dade, um importante exemplo de multirresistência e an- ço mínimo no interior da célula. A manutenção deste
tibioticoterapia, devido ao seu uso abusivo. Atualmente, estado e a divisão, reunião das novas cadeias e o enro-
seu uso é considerado um dos principais fatores de risco lamento de um novo DNA, ao ocorrerem a replicação
para infecção por C. difficile, além da alta e preocupante do cromossoma e a divisão celular, são mediados por
incidência de resistência dos bacilos gram negativos em enzimas intracelulares denominadas topoisomerase IV
infecções nas unidades de terapia intensiva. A neurotoxi- e topoisomerase II, também chamada de DNA-girase.
cidade, principalmente em pacientes (delirium, alteração As quinolonas agem inibindo estas enzimas, fazendo
do nível de consciência) mediada por inibição gabaérgi- com que o DNA ocupe um espaço maior que o conti-
ca representa outro fator adverso ao seu uso. do nos limites do corpo bacteriano, além da indução
Ajuste do antimicrobiano na O clearence de creatinina é o parâmetro mais utilizado para o cálculo do ajuste da dose
insuficiência renal dos aminoglicosídeos
Cálculo do clearance de creatinina Clearence de creatinina (mL/minuto) = (140-idade) × (peso)/creatinina sérica × 72
estimado - Se mulher, multiplicar o resultado por 0,85
Clearence creatinina (mL/min) Gentamicina, dose 24 horas (mg/kg) Amicacina, dose 24 horas (mg/kg)
> 50 3-5 15
30-50 2,5-3 9-12
10-30 1-1,5 4-9
< 10 0,5-1 2-4
Geração
Primeira Segunda Terceira Quarta
Ácido nalidíxico Norfloxacina Levofloxacina Trovafloxacina*
Pefloxacina Moxifloxacina Clinafloxacina*
Norfloxacina Sitafloxacina*
Ciprofloxacina
* Não disponíveis para uso clínico no Brasil.
20
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
descontrolada de RNA mensageiro e de proteínas, le- Elas representam uma excelente opção terapêu-
vando ao efeito bactericida deste grupo de antibióticos. tica aos macrolídeos para as infecções pelo pneumoco-
Nos bacilos Gram-negativos, o principal co e germes intracelulares como clamídia, micoplasma
alvo das quinolonas é a DNA-girase, enquanto nos e Legionella.
Staphylococcus e Streptococcus o local primário de ação A ciprofloxacina não tem atividade contra as bac-
é a topoisomerase IV. térias do gênero Streptococcus.
A resistência adquirida às quinolonas tem origem Apesar de ativa contra microrganismos anaeró-
cromossômica com a modificação de DNA-girases, não bios, a moxifloxacina não é habitualmente utilizada
sofrendo inibição das drogas. Outro mecanismo im- para este fim, em virtude de várias outras drogas esta-
portante de resistência é o desenvolvimento de uma rem disponíveis com a mesma eficácia e menor custo
bomba de efluxo, que retira o antibiótico do interior da para o tratamento dessas infecções.
célula bacteriana.
Com relação ao seu perfil PK/PD, as fluoroquino- Reações adversas com uso das
lonas são drogas concentração dependente, sendo a
relação entre área abaixo da curva pela concentração
fluoroquinolonas
inibitória mínima (AUC/MIC) o melhor fator preditor da Apesar de serem medicamentos com boa tolerân-
atividade antibacteriana da droga. Otimizando a dose cia e com incidência baixa de efeitos colaterais (Quadro
desses antibióticos, mais rápida são a taxa e a extensão 2.7), várias quinolonas foram retiradas do mercado em
de morte bacteriana, o que não ocorre com os antibió- decorrência de efeitos mais expressivos e específicos. O
ticos, que são tempo dependente como os betalactâmi- principal exemplo no Brasil foi a gatifloxacina, em virtu-
cos, que, excedendo o limiar de concentração da droga, de do surgimento de disglicemias. Outras drogas que
não há modificação na taxa de morte celular bacteriana. deixaram de ser comercializadas nos Estados Unidos,
em virtude de toxicidade cardiovascular (prolongamen-
Este perfil farmacodinâmico permite que, para
to do intervalo QT, torsades) foram a grepafloxacina e a
o tratamento das infecções graves por bacilos Gram-
esparfloxacina.
negativos, incluindo a Pseudomonas, a maximização da
dose traga maior segurança para o controle clínico da O emprego de quinolonas em doses terapêuticas
infecção (Quadro 2.6). não foi acompanhado de artropatias em crianças, como
observado em animais jovens, assim como de prema-
turidade, aborto espontâneo e alterações teratogênicas
Aplicação clínica das fluoroquinolonas em em fetos. Dessa maneira, na atualidade, podem ser utili-
pacientes críticos zadas em gestantes e crianças com indicações precisas,
No início de seu uso, na década de 1980, os ba- quando não se dispõe de outro grupo farmacológico
cilos Gram-negativos, incluindo a Pseudomonas, eram (resistência bacteriana) para o tratamento de infecções.
quase 100% suscetíveis às fluoroquinolonas. Nos dias Em virtude de sua neurotoxicidade em idosos
de hoje, devido ao abuso e ao uso inapropriados (trata- (delirium e convulsão), seu uso nessa faixa etária deve
mento de infecção respiratória comunitária com cipro- ser evitado, principalmente em pacientes que já apre-
floxacina), os índices de resistência para a pseudomonas sentam doenças degenerativas e cerebrovasculares.
chegam a 50%/60%, respectivamente, em muitas UTI
de hospitais terciários. Com relação aos outros bacilos
Gram-negativos, é necessário conhecer a microbiota Macrolídeos
da UTI para poder haver segurança com o uso empírico
destes antibióticos em pacientes com infecção grave. A Quadro 2.7: Principais reações adversas das
utilização de doses maximizadas baseadas em seu perfil fluoroquinolonas
PK/PD pode aumentar a margem de resposta terapêuti-
ca nas infecções nosocomiais. Sistema nervoso central: cefaleia, tonteira, insônia,
O arsenal terapêutico para o tratamento das in- pesadelos, paranoia e convulsões
fecções respiratórias comunitárias foi ampliado com o Neuropatia periférica
advento das quinolonas “respiratórias”, levofloxacina e Reações alérgicas
moxifloxacina.
Disglicemias
Quadro 2.6: Doses preconizadas para uso venoso Alterações do paladar
pacientes com sepse grave e choque séptico Nefrite intersticial
Ciprofloxacina 400 mg a cada 8 horas Síndrome hemolítico urêmica
Levofloxacina 750 mg em dose única diária Infecção por Clostridium difficile
Moxifloxacino 400 mg em dose única diária Hepatotoxicidade
21
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Introduzidos na década de 1950, sendo a eritromi- contra microrganismos intracelulares responsáveis pelas
cina seu primeiro representante, os macrolídeos represen- formas atípicas mais comuns de pneumonia (Mycoplama,
tam importante classe de antibióticos para o tratamento Chlamydia) e o pneumococo, associada a um antibiótico
de infecções por germes Gram-positivos e microrganis- betalactâmico.
mos intracelulares, além de serem a primeira escolha te- O uso da claritromicina associada ao etambutol
rapêutica para os pacientes alérgicos aos betalactâmicos. e à fluoroquinolona modificou o prognóstico dos pa-
A partir da eritromicina, novos compostos com cientes com AIDS e infecção pelo Mycobacterium avium,
melhores PK/PD foram sintetizados, permitindo sua possibilitando a sobrevida de alguns pacientes que an-
utilização em pacientes com infecção grave, como é o tes apresentavam um prognóstico muito reservado.
caso da azitromicina (azalídeo) e a claritromicina, única A azitomicina representa o protótipo dos aza-
disponível para uso venoso. lídeos, sendo disponibilizada para uso oral com perfil
São antibióticos classificados como bacteriostáti- farmacodinâmico e indicações semelhante à claritro-
cos, inibindo a síntese proteica bacteriana e ligando-se a micina. A claritromicina é recomendada em adultos na
subunidade ribossomal 50s. A claritromicina é vista pela dose de 500 mg a cada 12 horas e, em crianças, na dose
maioria dos pesquisadores, de acordo com seu perfil de 15 mg/kg/dia fracionada a cada 12 horas. A azitromi-
farmacodinâmico, como um antibiótico tempo-depen- cina é usada na dose de 500 mg no primeiro dia de tra-
dente, diferente da azitromicina, que tem sua melhor tamento e, em seguida, 250 mg ao dia, durante 5 dias.
eficácia terapêutica correlacionada com a relação AUC-
MIC. Os principais mecanismos de resistência a estes
antibióticos se devem à alteração do sítio de ligação na Sulfonamidas
unidade ribossomal ou pelo desenvolvimento de bom-
ba de efluxo por parte do microrganismo patogênico. Mecanismo de ação
Apesar do relato de desenvolvimento de resistência do As sulfonamidas são inibidoras competitivas da
pneumococo à claritromicina, o insucesso terapêutico enzima bacteriana sintetase de dihidroperoato (são
não é observado em estudos clínicos com uso desse análogos do seu substrato o ácido para-aminobenzoi-
medicamento em infecções respiratórias. co − PABA). A enzima catalisa uma reação necessária à
São drogas lipofílicas, com excelente penetração síntese de ácido fólico (o ácido fólico é necessário para
nos líquidos e tecidos orgânicos, sendo o trato respira- a síntese de precursores de DNA e RNA) nas bactérias.
tório o principal alvo terapêutico destes antibióticos. Como as células humanas obtêm seu ácido fólico
A Sociedade Brasileira de Pneumologia reco- da dieta e não possuem a enzima, elas não são afetadas.
menda o uso da claritromicina para o tratamento As bactérias, no entanto, são incapazes de absorvê-lo, e
empírico das infecções respiratórias graves que são ad- precisam produzi-lo; logo, elas são afetadas em doses
quiridas na comunidade em virtude de sua atividade usadas e param de se reproduzir (Quadro 2.8).
Quadro 2.8: Indicações clínicas de sulfonamidas
* Associada à pirimetamina; † porém, não é a droga de primeira escolha; ‡ base fraca lipofílica, com ação bacteriostática isolada,
em associação tem ação sinérgica e atividade bactericida. VO: via oral, SNC: sistema nervoso central; IV: via intravenosa.
22
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
23
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Na síndrome do choque tóxico estafilocócico e estrep- apresentou “dupla cura” com seu uso, tornando, a partir
tocócico, representa indicação interessante, por inibir a dessa observação, um excelente antibiótico contra mi-
síntese das toxinas a nível ribossomal destas bactérias. crorganismos anaeróbios.
A Infectious Diseases Society of America, fazendo O metronidazol entra de forma passiva na célu-
pela primeira vez, no início do ano de 2011, as recomen- la bacteriana e é ativado por um processo de redução
dações para o tratamento das infecções por MRSA co- intracelular, inibindo a replicação e inativando o DNA
munitário, incluiu a clindamicina para o tratamento das bacteriano, impedindo a síntese enzimáticas do micror-
infecções de pele e tecido celular subcutâneo, conside- ganismo. Apresenta bom perfil farmacocinético com
rando a mesma eficácia quando comparada às tetraci- distribuição e penetração tecidual excelentes, incluindo
clinas de segunda geração (doxiciclina e minociclina), o sistema nervoso central, sendo excretada principal-
sultametoxazol-trimetoprim e linezolida. mente por via renal, sem necessidade de ajuste da dose
Disponibilizada para uso oral e venoso na dose em pacientes com insuficiência renal. Se houver falên-
de 600 a 900 mg, a cada 8 horas. Na encefalite toxoplás- cia hepática concomitante, a redução de 50% da dose
mica e na pneumonia por Pneumocystis, devemos utili- é recomendada.
zar a maior dose. O metronidazol está principalmente indicado nas
infecções intra-abdominais consequentes à peritonite e
pelviperitonite, abscesso hepático bacteriano e ame-
Metronidazol biano, fasciítes necrotizantes e mionecrose e infecções
O metronidazol é um derivado nitroimidazólico do sistema nervoso central (abscesso cerebral), associa-
que foi sintetizado no final da década de 1950, inicial- do a betalactâmicos. A dose recomendada para essas si-
mente para o tratamento de infecções pelos protozoá- tuações em adultos é de 1 g como dose inicial, seguida
rios: Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Tricomonas de 500 mg a cada 8 ou 6 horas por via intravenosa.
vaginalis. Em uma carta ao editor publicada pela re- No tratamento da diarreia e da colite pseudo-
vista Lancet em 1962, Shin mostrou que uma pacien- membranosa, o metronidazol e a vancomicina apre-
te com infecção por tricomonas e gengivite ulcerativa sentavam eficácia semelhante até o início do século,
24
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
porém, a partir do ano 2000, revisão de estudos con- Quadro 2.11: Principais microrganismos multirresistentes
trolados começaram a evidenciar uma maior resistência
bacteriana com o uso do metronidazol comparado ao Gram-positivos Gram-negativos
uso da vancomicina, fazendo com que a vancomicina MRSA Escherichia coli (ESBL)
fosse considerada a droga de escolha para os casos gra- Staphylococcus epidermidis Enterobacter
ves de colite por C. difficile. Para os casos não compli- Enterococcus faecium Pseudomonas
cados, o metronidazol continua sendo a droga inicial
Acinetobacter
de escolha na dose de 250 mg a cada 6 horas, durante
10 dias. O metronidazol é habitualmente bem tolerado, Klebsiella pneumoniae
com eventos adversos de importância clínica sendo
MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; ESBL:
considerados raros. Alguns pacientes referem queixas
betalactamase de espectro estendido.
abdominais brandas e sensação de gosto metálico na
boca, além de poder ocorrer o efeito semelhante ao dis- Quadro 2.12: Patógeno ESKAPE
sulfiran (antabuse), quando usado concomitante com a
ingestão de álcool. E Enterococcus
S Staphylococcus aureus (MRSA)
Cloranfenicol C Clostridium difficile + Candida
Inibindo a síntese de proteínas devido ao blo- A Acinetobacter baumannii
queio específico dos ribossomas bacterianos, na subu- P Pseudomonas aeruginosa
nidade 50s (inibe a transpeptidação), o cloranfenicol foi E Enterobacteriacea (ESBL) + Carbapenem resistant
um antimicrobiano utilizado amplamente na década
de 1970 e início dos anos 1980, antes da chegada das Fonte: Traduzido de Rosa FG, et al. CID 2015;60:1289-90.
cefalosporinas de terceira geração e fluoroquinolonas. MRSA: methicilin-resistant Staphylococcus aureus. ESBL:
Antibiótico de largo espectro contra bactérias Gram- enterobactérias produtoras de betalactamase de espectro
positivas, Gram-negativas, anaeróbios e microrganismos ampliado.
intracelulares dos gêneros clamídia e riquétsia. Em virtu-
de de seus efeitos adversos principalmente voltados para ou quinolonas (Enterobacter e Proteus) e produtores
o sistema hematopoiético, incluindo a anemia aplásica, de Carbapenemases, resistentes aos carbapenêmicos
que, apesar de raros, o clorafenicol deixou de ser utiliza- (Pseudomonas, Acinetobacter e Klebsiella). Os cocos
do principalmente nas meningites bacterianas agudas, Gram-positivos são resistentes à oxacilina (S. aureus) ou
febre tifoide e infecções intra-abdominais. Continua sen- à vancomicina (Enterococos).
do a droga de escolha para o tratamento das formas gra-
ves de febre maculosa e de outras riquetsioses.
Principais Antibióticos Disponíveis
para o Tratamento de Infecções por
Quem são os Germes
Multirresistentes? Germes Multirresistentes
A partir do surgimento do S. aureus resistente à Carbapenêmicos
meticilina no início da década de 1960, vários micror- Descobertos no final da década de 1970, cons-
ganismos (Quadros 2.11 e 2.12), principalmente hos- tituem a principal arma para o tratamento das infec-
pitalares, vêm se tornando resistentes à maioria dos ções graves causadas por bacilos Gram-negativos.
antibióticos disponíveis para o tratamento de pacientes Sua atividade in vitro excede a maioria dos antibió-
graves. Um dos mais recentes relatos de multirresis- ticos betalactâmicos disponíveis, apresentando ati-
tência traz a Klebsiella pneumoniae produtora de uma vidade segura contra microrganismos anaeróbios e
temida nova betalactamase (New Delhi metalo-beta- germes Gram-negativos incluindo a P. aeruginosa e o
-lactamase-ndm1), resistente a todos os antibióticos Acinetobacter. As bactérias Gram-positivas são sensíveis,
disponíveis, com exceção da colistina, que, hoje, já está com exceção dos MRSA e Enterococcus faecium vanco-
codificada geneticamente por transmissão por meio micina resistente. São antibióticos com estrutura similar
de plasmídeos em algumas cepas de outros microrga- aos betalactâmicos se diferenciando pela substituição
nismos Gram-negativos como a E. coli, Enterobacter e a do carbono pelo enxofre (S) na posição 1 (Figura 2.5). O
Morganella morganii. termo carbapem se refere exatamente a esta troca.
Os bacilos Gram-negativos são considerados mul- A tianamicina foi o primeiro carbapenêmico
tirresistentes quando são produtores de betalactamases estudado, porém, em virtude de sua instabilidade
de espectro ampliado (E. coli e Klebsiella), resistentes ao química, foi desenvolvido um derivado que mostrou
mesmo tempo aos betalactâmicos e aminoglicosídeos melhor estabilidade, conhecido como imipenem,
25
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
1 - Anel betalactâmico
2 - Anel carbapenêmico (pentacíclico)
Figura 2.5: Estrutura química dos carbapenêmicos.
primeiro carbapenêmico disponível para uso clínico aminoglicosídeos ou quinolonas está indicada, deven-
no Brasil, que necessita da cilastatina para resistir à do ser considerado o perfil da microbiota hospitalar.
hidrólise enzimática mediada por uma dipeptidase Habitualmente, em adultos, a dose do imipenem
renal (deidropeptidase I) produzida no túbulo proxi- é de 500 mg por via venosa a cada 6 horas. O merope-
mal. Agem da mesma forma que os betalactâmicos, nem deve ser utilizado na dose de 500 mg a 1g a cada
inibindo a síntese da parede celular bacteriana, unin- 8 horas, podendo fazer infusão contínua de 3 horas a
do-se a todas PBPS (1, 2 e 3). São antibióticos resis- cada dose para se obter a melhor resposta terapêutica
tentes à maioria das betalactamases produzidas pelos otimizada, em virtude de seu perfil farmacodinâmico,
bacilos Gram-negativos, incluindo as betalactamases como descrito neste capítulo.
de espectro ampliado. Até o surgimento das carbape-
O ertapenem apresenta espectro de ação inferior
nemases, eram drogas seguras para o tratamento
ao imipenem e meropenem, não apresentando ativida-
de quase todos os microrganismos Gram-negativos,
de contra a P. aeruginosa e o Acinetobacter. Como vanta-
responsáveis por infecções graves nos seres huma-
gem, pode ser utilizado em dose única parenteral diária
nos, com exceção da Stenotrophomonas maltophilia e
de 1 g, por apresentar meia-vida sérica prolongada. Essa
Pseudomonas cepacia.
droga pode ser utilizada naquelas indicações do imipe-
São drogas com excelente PK/PD, utilizadas ex- nem e do meropenem nas quais não há risco para infec-
clusivamente pela via intravenosa. Distribuem-se am- ções por P. aeruginosa e Acinetobacter.
plamente pelos líquidos e tecidos orgânicos, incluindo
O doripenem é o mais novo carbapenêmi-
o sistema nervoso central. São excretados pela via renal,
havendo necessidade de reajuste da dose dos antibió- co, tendo sido lançado nos Estados Unidos em 2007,
ticos na vigência de oligúria e anúria. São antibióticos sendo aprovado pelo FDA para infecções intra-abdo-
com perfil PK/PD tempo-dependente, não apresen- minais e urinárias. Apresenta espectro de ação seme-
tando efeito pós-antibiótico. As reações adversas são lhante ao imipenem-cilastatina e meropenem contra
infrequentes, semelhantes às dos outros antibióticos microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos e
betalactâmicos. O imipenem está relacionado com alte- anaeróbios, sendo a droga com a maior atividade con-
ração do nível de consciência e convulsões em pacien- tra a P. aeruginosa e atividade bactericida semelhante
tes com doenças neurológicas e com insuficiência renal. contra o Acinetobacter.
O meropenem foi o segundo carbapenêmico dis- Não tem atividade antimicrobiana contra a
ponível para uso clínico, diferenciando-se basicamente Stenotrophomonas maltophilia, Pseudomonas cepacia,
do imipenem por não sofrer hidrólise enzimática no MRSA e Enterococcus faecium vancomicina resistente.
túbulo renal proximal, não necessitando da cilastati- Apresenta estabilidade e resistência às betalacta-
na em sua formulação. O espectro de ação é o mesmo mases AMPC e de espectro ampliado. Um estudo fran-
também, sendo ativo contra L. monocytogenes, poden- cês conduzido por Chastre mostrou a não inferioridade
do ser útil no tratamento das meningites por esta bac- do doripenem ao imipenem no tratamento de pacien-
téria. O imipenem e o meropenem continuam sendo tes com pneumonia associada à ventilação mecânica.
os antibióticos mais importantes para o tratamento de Como o mais novo membro da família dos carbapenê-
infecções graves em pacientes hospitalizados. Devem micos o uso do doripenem se espelha ao meropem para
ser utilizados de forma criteriosa como monoterapia o tratamento de infecções graves.
nas infecções pulmonares, urinárias, ósseas, intra-ab-
dominais, ginecológicas e do sistema nervoso central.
Em pacientes com alto risco para infecções por pseu- Cefalosporinas de quinta geração
domonas e, principalmente, com instabilidade (sepse Ceftarolina e ceftobiprole são novos antibióticos
grave e choque séptico), a associação antibiótica com do grupo das cefalosporinas que foram classificadas
26
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
como de quinta geração, por apresentarem atividade A dose recomendada em pacientes com função
antimicrobiana contra germes Gram-positivos resisten- renal normal é de 600 mg em infusão intravenosa de
tes às cefalosporinas utilizadas na prática clínica. O S. 1 hora, em intervalos de 12 horas. Assim como o cef-
aureus oxacilino resistente é o principal alvo terapêutico tobiprol, estudos clínicos futuros devem determinar
destas novas cefalosporinas. A atividade antimicrobia- seu verdadeiro lugar no tratamento de infecções como
na contra germes Gram-negativos se assemelha às cefa- pneumonia, bacteremia, endocardite e infecções ós-
losporinas de terceira geração, a princípio não havendo seas e cutâneas.
atividade antimicrobiana contra Pseudomonas. A cef-
tarolina foi a primeira cefalosporina de quinta geração Cefalosporinas em combinação
a ser introduzida no Brasil, sendo utilizada para o tra-
tamento de infecções cutâneas graves causadas pelos com inibidores de betalactamases:
S. aureus, incluindo ORSA e S. pyogenes e agalactiae, e ceftazidime/avibactam, ceftolozane/
pneumonia comunitária causada por S. aureus, S. pneu- tazobactan
moniae, H. influenza, Klebsiella e E. coli.
Essas novas combinações retomam a atividade
antibacteriana das cefalosporinas contra germes Gram-
Ceftobiprole negativos produtores de betalactamases de espectro am-
pliado (ceftazidime/avibactam, ceftolozane/tazobactan),
Cefalosporina com grande afinidade pela PBP-2A pseudomonas e Klebsiella resistentes a carbapenêmicos
(PBP alterada pelo gene meca responsável pela resis- (ceftazidime/avibactam). Nenhum dos dois antibióticos
tência do S. aureus aos betalactâmicos), tornando-se a apresentam atividade contra Acinetobacter, anaeróbios
primeira cefalosporina com atividade contra o MRSA. e Staphylococcus MSSA e MRSA.
Além disto, também apresenta excelente afinidade pela
PBP-2x do S. pneumoniae resistente à penicilina e PBP-3
da P. aeruginosa. Glicopeptídeos e lipopeptídeos
A atividade bactericida (in vitro) desta nova cefa- Vancomicina
losporina é o maior quando comparada as cefalosporinas
A vancomicina, por longos anos, manteve-se
de terceira e quarta geração em virtude de sua atividade
como a droga de primeira linha para o tratamento das
contra MRSA. A atividade in vitro do ceftobiprol contra
infecções causadas por bactérias Gram-positivas resis-
bacilos Gram-negativos não fermentadores, como a P. ae-
tentes aos antibióticos betalactâmicos, porém, com o
ruginosa, é semelhante a outros betalactâmicos com ati-
surgimento de Enterococcus resistentes, resistência in-
vidade contra esse microrganismo (ceftazidima, cefepima termediária dos MRSA e novas drogas bactericidas com
e piperacilina), carbapenêmicos e aminoglicosídeos. melhor PK/PD, ela continua sendo utilizada contra esses
Não tem atividade antimicrobiana contra microrganismos somente pelo fato de ser de baixo cus-
Stenotrophomonas, Acinetobacter, bacilos Gram- to. Para o tratamento das infecções por C. difficile, a van-
negativos produtores de betalactamases de espectro comicina é a droga de escolha para o tratamento das
ampliado e carbapenemases. Mais estudos são neces- formas graves desta infecção.
sários para avaliar sua eficácia contra a P. aeruginosa. O mecanismo de ação da vancomicina é seme-
A dose recomendada do ceftobiprol na vigência lhante ao dos betalactâmicos, inibindo o segundo es-
de função renal normal é de 500 mg em infusão de 30 tágio síntese do peptidioglicano da parede celular, não
minutos a 2 horas, com intervalos de 12 ou de 8 horas. havendo reação cruzada, nem competição com os sítios
Foi aprovado para uso clínico no Canadá, Suíça, de ação, com os betalactâmicos porque estes agem no
Rússia, Ucrânia e Hong-Kong. terceiro estágio da biossíntese da parede celular.
O PK/PD que melhor se correlaciona com sua ativi-
dade bactericida é a relação AUC-MIC. Apesar de ter uma
Ceftarolina boa distribuição na maioria dos tecidos, sua penetração
Aprovada em 2010 pelo FDA, esta nova cefalos- no tecido pulmonar, na bile e no líquor (exceto quando a
porina foi inicialmente recomendada para o tratamento meninge esteja inflamada) é pobre, e 100% de sua excre-
de pneumonias comunitárias e infecções cutâneas gra- ção se dá por filtração glomerular pela via renal.
ves, incluindo aquelas causadas por MRSA, em virtude O uso abusivo da vancomicina a partir da década
de sua alta afinidade pela PBP-2A. Sua atividade contra de 1980 representa um dos principais fatores associa-
bacilos gram negativos se assemelha à ceftriaxona, não dos (Quadro 2.13) à resistência dos enterococos (VRE),
tendo atividade contra bacilos produtores de beta-lac- assim como da resistência intermediária do S. aureus
tamases de espectro ampliado (E.coli e Klebisiella), além (GISA), descrita pela primeira vez no Japão, em 1996.
de não apresentar atividade contra a P. aeruginosa, Sua atividade contra as bactérias do gêne-
Acinetobacter e Stenotrophomonas. ro Staphylococcus continua segura, porém, contra os
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
28
Uso de antimicrobianos na Unidade de Terapia Intensiva
dose quando o clearence de creatinina for inferior a 30 droga mantém a atividade das tetraciclinas contra mi-
mL/minuto (ver apêndice). crorganismos intracelulares Chlamydia, Mycoplasma e
Ureaplasma.
A tigeciclina está indicada como monoterapia nos
Oxazolidinonas tratamento da infecções graves da pele e tecido celular
Linezolida e tedizolida subcutâneo, e infecções intra-abdominais complicadas.
Ligando-se à subunidade 50s do ribossoma bacte- O uso da tigeciclina em infecção respiratória,
riano, a linezolida inibe a síntese bacteriana de bactérias principalmente em pneumonia associada à ventilação
Gram-positivas, inibindo, de forma eficaz, o crescimen- mecânica, não foi aprovado pelo FDA, que, inclusive,
to de Estreptococos, Estafilococos, Enterococos, incluin- em 2010, chamou a atenção para o aumento do risco de
do os Estafilococos resistentes à oxacilina, Enterococos mortalidade com o seu uso (www.fda.gov/drugsafety/
resistentes à ampicilina e vancomicina e o Pneumococo ucm224370.htm). A causa do excesso de mortes parece
resistente à penicilina. estar relacionada com a progressão da infecção em pa-
A linezolida é uma droga bem tolerada para uso cientes tratados com tigeciclina.
oral e venoso, sendo os efeitos adversos mais descritos A tigeciclina é pouco metabolizada, sendo elimi-
relacionados com o trato gastrintestinal. Efeitos mais nada praticamente como droga ativa, sendo 60% pela
graves, como pancitopenia, fibrilação atrial e pancrea- bile e 40% pela urina, não havendo necessidade de
tite ocorrem em menos de 1% dos casos. ajuste da dose em pacientes com insuficiência renal.
Vale a pena chamar a atenção pelo fato da line- É administrada por via venosa, na dose inicial de
zolida ser um inibidor seletivo de fraca intensidade da 100 mg e, em seguida, 50 mg a cada 12 horas.
monoaminoxidase, por causar síndrome serotoninérgi-
ca em pacientes em uso farmacológico de antidepressi-
vos inibidores de recaptação de serotonina. Terapia antimicrobiana contra
O ajuste da dose em pacientes com insuficiência bacilos Gram-negativos
renal só deve ser feito em pacientes com clearence de produtores de carbapenemases
creatinina inferior a 50%, não sendo necessário o ajuste
em pacientes com insuficiência hepática. Seu uso clí-
nico fica reservado para pacientes com infecções por
Polimixinas
germes Gram-positivos resistentes às penicilinas e gli- Descobertas em 1947, as polimixinas são an-
copeptídeos. A diferença entre os dois fármacos parece tibióticos de curto espectro, extraídos da cultura de
estar relacionado somente com o aspecto farmacociné- bactérias do gênero Bacillus, que, durante muitos anos,
tico, sendo que a tedizolida tem meia-vida mais longa e deixaram de ser utilizadas em virtude do surgimento de
pode ser administrada uma vez ao dia. novos grupos farmacológicos bactericidas contra baci-
los Gram-negativos com menor toxicidade, principal-
mente no que diz respeito à nefrotoxicidade.
Glicilciclinas Com o aparecimento dos bacilos Gram-
Tigeciclina negativos produtores de carbapenemases,
Pseudomonas e Acinetobacter, elas representam, nos
A partir de modificações químicas da minoci- dias atuais, a única opção terapêutica para o trata-
clina (tetraciclina de segunda geração), mantendo-se
mento destas infecções. Interagindo com fosfolipídios
o núcleo cíclico das tetraciclinas, foi possível o desen-
da membrana do bacilo Gram-negativo e interferem
volvimento de um novo antibiótico pertencente ao
na permeabilidade da membrana da célula bacteria-
grupo das glicilciclinas, denominado tigeciclina. Este
na, levando à morte celular.
antibiótico mantém o mesmo espectro de ação das te-
traciclinas, porém, com a vantagem de apresentar ati- As duas preparações disponíveis para uso clínico
vidade antimicrobiana contra germes Gram-positivos são a polimixina B e a polimixina E, também denomina-
e Gram-negativos, que eram resistentes às tetracicli- da colistina. São antibióticos com perfil PK/PD concen-
nas convencionais, por meio da bomba de efluxo e de tração-dependente, com atividade bactericida contra
alteração ribossomal. Age inibindo a síntese proteica, as enterobactérias, com exceção da bactéria do gênero
ligando-se à subunidade 30s do cromossoma bacte- Proteus. Não tem atividade antimicrobiana contra bac-
riano, impedindo a fixação do ARN de transporte. Em térias Gram-positivas e anaeróbios.
particular, chamamos a atenção para sua atividade Seu principal efeito adverso é a nefrotoxicidade,
antimicrobiana contra MRSA, Enterococcus resistente à que ocorre em virtude do dano direto da droga nas cé-
vancomicina, enterobactérias, incluindo as produtoras lulas renais do túbulo contorcido distal. Seu potencial
de betalactamases de espectro ampliado e microrga- nefrotóxico é aumentado quando associado a outras
nismos anaeróbios, incluindo o Bacterioides fragilis. A drogas nefrotóxicas e em indivíduos idosos. Estudos
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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31
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
32
Farmacocinética e 3
Farmacodinâmica dos
Antimicrobianos
Kelson Veras
Thiago Lisboa
Farmacocinética Famacodinâmica
Figura 3.1: Visão geral da farmacocinética e farmacodinâmica na atividade antimicrobiana.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
(Cmax ou pico)
Embora uma proporção significativa de pacien-
tes críticos desenvolva insuficiência renal durante a
Área internação na UTI, um padrão cardiovascular hiperdi-
abaixo nâmico como consequência da resposta inflamatória
da curva sistêmica pode se associar com aumento da perfusão
(AAC) Concentração para diferentes órgãos, inclusive os rins. Assim, podem
mínima
ocorrer aumentos da taxa de filtração glomerular. Esse
(Cmin ou vale)
fenômeno foi recentemente denominado incremento
Tempo da depuração renal – IDR (augmented renal clearan-
Figura 3.2: Curva farmacinética. Após a administração de ce – ARC) e é definido como um clearence da creatinina
um fármaco, a concentração sérica do mesmo eleva-se até (ClCr) > 130 mL/min/1,73 m2). Embora seja um termo
atingir sua concentração sérica máxima ou de pico, conforme relativamente novo, muitos autores estão descrevendo
sua absorção. Os processos de distribuição, metabolismo e esse achado em diversas subpopulações de pacientes
eliminação da droga determinam a queda destes níveis séricos gravemente enfermos. Em uma coorte a prevalência do
até atingir a concentração sérica mínima ou concentração IDR foi descrita em mais de 50% dos pacientes. As situa-
de vale. A área que fica abaixo desta curva farmacocinética ções mais comuns descritas com IDR incluem o estado
representa a concentração total da droga a que o organismo hiperdinâmico da fase inicial da sepse, o uso de drogas
foi exposto durante sua administração até sua eliminação. vasoativas, traumas e queimaduras. Clinicamente, essa
situação de aumento da depuração renal associa-se à
exposição subterapêutica aos betalactâmicos.
Como um complicador a mais, relativo à posolo-
gia dos antibióticos em pacientes graves, os esquemas
de dosagem dos antibióticos são baseados em estudos
em voluntários humanos saudáveis quanto à tolerabi-
lidade, com estudos de eficácia clínica realizados em
pacientes não críticos. Após o lançamento do medica-
Vd
mento no mercado, o mesmo regime de dosagem é
Vd usado em pacientes críticos. No entanto, é provável que
isso leve a resultados abaixo do ideal na UTI, especial-
mente com cepas bacterianas mais resistentes.
Figura 3.3: Efeito do volume de distribuição na
concentração plasmática dos antimicrobianos. Determinantes Farmacodinâmicos
dos Antibióticos
e interpaciente e promovem o risco de subdosagem
A abordagem mais comum à escolha da dosagem
de antibióticos. As técnicas de suporte extracorpóreo
dos antibióticos é ajustar as doses para obter concentra-
também contribuem para a variabilidade da concen-
ções plasmáticas dos mesmos acima da concentração
tração de antibióticos.
inibitória mínima (CIM – minimum inhibitory concen-
A hipoalbuminemia é frequentemente observa- tration [MIC]) para o respectivo patógeno durante todo
da em pacientes internados em UTI. Diversos antibió- o intervalo entre as doses. A CIM é a concentração mais
ticos ligam-se à albumina, tais como betalactâmicos, baixa do antibiótico que inibe completamente o cresci-
teicoplanina e daptomicina. A concentração plasmáti- mento visível do organismo, conforme detectado a olho
ca não ligada à albumina determina a fração livre, que nu pela turvação de um meio de cultura líquido após
é a fração biologicamente ativa que se difunde pelas um período de incubação de 18 a 24 horas com um inó-
membranas biológicas dos tecidos. A fração livre tam- culo padrão de aproximadamente 105 UFC/mL. Nessas
bém é a fração que é eliminada pela depuração renal abordagens, o parâmetro farmacocinético é geralmen-
e hepática. Assim, a hipoalbuminemia determina a re- te a concentração sérica do agente anti-infeccioso e o
dução da ligação proteica destes antibióticos, levando parâmetro farmacodinâmico é quase exclusivamente a
a um aumento na fração livre dos mesmos e, também, CIM. Na Figura 3.5, encontra-se os critérios para definir
ao aumento da sua eliminação por filtração glomeru- a sensibilidade bacteriana a um determinado antibióti-
lar e/ou depuração metabólica (Figura 3.4). co no antibiograma.
34
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Antimicrobianos
Concentração sérica
• Cmax/CIM
recomendada Cmax
• AAC/CIM
Intermediário
Concentração sérica do antibiótico ³ MIC se uma dose AAC
maior que a usual for utilizada
Resistente CIM
Não é possível/seguro atingir concentração sérica Cmin
do antibiótico ³ MIC
Tempo
Figura 3.5: Definição da sensibilidade bacteriana aos
antibióticos no antibiograma. Figura 3.6: Índices farmacocinéticos/farmacodinâmicos
associados ao efeito bactericida ideal dos antimicrobianos.
O efeito pós-antibiótico (EPA) prolongado
consiste em um efeito antibacteriano persistente após Assim, os antimicrobianos podem ser classifica-
eliminação da droga. A explicação desse fenômeno re- dos em três principais grupos com base na relação PK/
laciona-se à lesão bacteriana causada pela exposição PD que otimiza sua ação bactericida:
a antibióticos que possuem tal efeito devido a causas Antimicrobianos com efeito bactericida de-
como: pendente do tempo;
Recuperação lenta das bactérias após danos Antimicrobianos com efeito bactericida de-
não-letais nas estruturas celulares; pendente da concentração;
Persistência do antibiótico em seu local de Antimicrobianos com efeito bactericida depen-
ligação; dente do tempo e com efeito pós-antibiótico.
Necessidade das bactérias ressintetizarem
novas proteínas antes do crescimento poder
continuar. Antimicrobianos com efeito bactericida
dependente do tempo
O significado clínico do EPA prolongado é que Os antimicrobiano cuja farmacodinâmica an-
tais antibióticos podem ser administrados em interva- tibacteriana é dependente do tempo têm como
los mais longos do que o previsto por sua meia-vida. representantes clássicos os betalactâmicos. Para anti-
Para tais antibióticos, o tempo de exposição bacteriana microbianos desse grupo, a taxa na qual os organismos
à droga é menos importante que administrar quantida- são mortos no local da infecção primária não é muito al-
de adequada do antimicrobiano. terada pela concentração do medicamento, desde que
essa concentração exceda a CIM do organismo-alvo.
Ou seja, o tempo em que a concentração de antibióti-
Relação Farmacocinética/ co livre permanece acima da CIM do microrganismo (T
Farmacodinâmica (PK/PD) > CIM) é que está associado ao efeito microbiológico.
Assim, o efeito dos betalactâmicos aumenta com con-
Três índices farmacocinéticos/farmacodinâmicos centrações crescentes até que a taxa bactericida máxi-
descrevem o efeito bactericida ideal associado aos anti- ma seja atingida (aquela que mantem a concentração
bióticos (Figura 3.6): antibiótica acima da CIM do microrganismo pelo tempo
T > CIM, que é a quantidade de tempo que a entre as doses). Após esse ponto, o aumento das con-
fração livre do antibiótico permanece acima centrações não produzirá um aumento correspondente
da CIM do organismo infectante; no efeito.
35
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Quando os níveis dessas drogas no local da infec- clínica e microbiológica, a estratégia para otimizar a
ção caem abaixo da CIM, a população residual bacteria- ação bactericida desta classe é o aumento da dose to-
na pode retomar o crescimento rapidamente, uma vez tal diária, justificando a estratégia de doses diárias mais
que os betalactâmicos possuem, no máximo, apenas elevadas das fluoroquinolonas para o tratamento de in-
um efeito pós-antibiótico curto. fecções graves (exemplo: ciprofloxacina 1.200 mg/dia;
O objetivo da terapia com esses medicamentos, levofloxacina 750 mg/dia).
portanto, é aumentar a duração da exposição, uma
vez que a duração das concentrações plasmáticas que
excedam a CIM é o determinante mais importante da
Antimicrobianos com efeito bactericida
eficácia desses medicamentos. As estratégias para se al- dependente do tempo e com efeito
cançar esse objetivo incluem doses frequentes, infusão pós-antibiótico
estendida (infundir cada dose em algumas horas) e a
infusão contínua da dose diária. O terceiro grupo inclui drogas que também têm
ação bactericida dependente do tempo, como os beta-
Um recente consenso de especialistas reco- lactâmicos, mas diferem desses por produzirem efeitos
menda manter-se concentração plasmática dos beta- pós-antibióticos de moderados a prolongados. Os prin-
lactâmicos entre 4 a 8 vezes a CIM do microrganismo cipais representante desse grupo são os glicopeptídeos
infectante durante todo o intervalo entre as doses em (vancomicina, teicoplanina).
pacientes críticos (Cmin ≥ 4-8´ CIM 100% do intervalo
Nesse grupo de antibacterianos a relação AAC/
entre doses), uma vez que tal estratégia comprovou
CIM está associada ao resultado, contudo, esses agen-
otimizar a eficácia clínica, maximizar a resposta bacte-
tes não são dependentes da concentração em seus
riológica, além de prevenir a seleção de subpopulações
efeitos! A presença de efeitos pós-antibióticos persis-
bacterianas resistentes. Depreende-se dessa afirmação
tentes torna o tempo de exposição menos importante.
a necessidade de monitorização terapêutica dos níveis
Provavelmente, isso está relacionado à lesão bacteria-
séricos do betalactâmicos utilizado para atingir tal obje-
na causada pela exposição ao medicamento. Para os
tivo. Infelizmente, a monitorização terapêutica de beta-
agentes citados, a duração do EPA é prolongada pelo
lactâmicos ainda não é amplamente disponível.
aumento da proporção AAC/CIM, sendo essa, por isso,
o determinante importante para a eficácia desses me-
Antimicrobianos com efeito bactericida dicamentos. Dessa forma, o objetivo da terapia com
esses medicamentos é fornecer uma quantidade ade-
dependente da concentração quada de medicamento, sendo, portanto, a AAC/CIM o
Os antibacterianos deste grupo têm ação bacte- principal parâmetro farmacocinético/farmacodinâmico
ricida dependente da concentração e produzem efeitos correlacionado com a eficácia terapêutica desses medi-
pós-antibiótico (EPA) entre moderados a prolongados. camentos, apesar dos mesmos não apresentarem efeito
O principal representante deste grupo são os amino- bactericida dependente da concentração.
glicosídeos e as quinolonas. A relação AAC/CIM de 24 Tradicionalmente, as concentrações mínimas
horas é o parâmetro que melhor se correlaciona com a têm sido usadas como marcador substituto da AAC
eficácia das fluoroquinolonas, enquanto os principais com base em dados indicando que um valor mínimo de
ensaios clínicos correlacionando parâmetros farmaco- 15-20 mg/L se correlacionaria com um AAC alvo ≥ 400
cinéticos/farmacodinâmicos com a eficácia terapêutica mg.hr/L, quando a CIM para vancomicina for 1 mg/L ou
dos aminoglicosídeos mostraram que para obter uma menos.1 No entanto, dados recentes sugerem que con-
resposta clínica de 90%, a concentração de pico (Cmax) centrações acima de 600 mg.hr/L aumentam o risco
deve exceder a CIM de oito a dez vezes.
Para os aminoglicosídeos, o objetivo da terapia 1 Normalmente, a maioria dos centros leva aproximadamente
com esses medicamentos, portanto, é aumentar a con- três dias para retornar os resultados da microbiologia, in-
centração de pico da droga. O esquema de administra- cluindo a CIM. Então, qual abordagem as novas diretrizes de
ção da dose total diária do aminoglicosídeo em uma 2019 sugerem?
dose única foi projetado para aumentar as concentra- Obviamente, uma AAC para vancomicina depende das bac-
ções séricas máximas desta classe de antibiótico. Uma térias que estão sendo tratadas. Dado o uso comum da van-
comicina, observa-se nas diretrizes que "é importante estar
vez que os aminoglicosídeos apresentam EPA prolon- ciente dos padrões locais e nacionais de suscetibilidade à
gado devido sua inibição da síntese proteica bacteriana vancomicina para MRSA". Nesse ponto, observou-se que, para
devido sua ligação irreversível à subunidade ribossômi- o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), tam-
ca 30s bacteriana, sua ação antibacteriana persiste ape- bém é observado que as CIM de vancomicina permaneceram
sar dos níveis séricos mínimos ou mesmo indetectáveis. constantes ao longo do tempo, com ≥ 90% dos isolados com
CIM < 1mg/L. Diante disso, as diretrizes sugerem que um ní-
Para as quinolonas, uma vez que razão entre a vel apropriado de AAC por 24 horas deve ser de 400 a 600
área abaixo da curva de concentração-tempo de 24 ho- mg.h/L, com uma concentração inibitória mínima assumida
ras e a CIM (AAC24h/CIM) é o melhor preditor de resposta de 1 mg/L, se ainda não for conhecida.
36
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Antimicrobianos
de nefrotoxicidade, representando um limite superior (TRRC) ou Diálise Lenta de Baixa Eficiência (SLED),
razoável de um “intervalo terapêutico”. Uma vez que especialmente para o tratamento de bactérias multir-
mesmo concentrações mínimas de vancomicina infe- resistentes. Embora geralmente não esteja disponível
riores a 15 mg/L estão associadas ao desenvolvimento nas rotinas clínicas, uma estratégia guiada por monito-
de nefrotoxicidade, a importância de definir alvos que ramento terapêutico de medicamentos (TDM) tem um
permitam doses mais baixas de vancomicina não pode benefício potencial para garantir alvos terapêuticos
ser subestimada. apropriados.
Com base na lógica acima mencionada, especia- Até o momento, não existem diretrizes valida-
listas recomendam uma AAC de vancomicina de 400- das sobre ajustes de dose de antibióticos em pacien-
600 mg.hr/L, independentemente da CIM ou organismo tes sépticos com lesão renal aguda. As recomendações
tratado, uma vez que o limite inferior dessa faixa (400 atuais foram extrapoladas a partir de estudos reali-
mg.hr/L) representa o limiar de eficácia para tratar in- zados em pacientes não críticos com doença renal
fecções por MRSA. Por outro lado, o limite superior (600 crônica em estágio terminal, recebendo terapia de
mg.hr/L) representa provavelmente o limiar de segu- substituição renal.
rança para nefrotoxicidade. Felizmente, é possível administrar o efeito da he-
Atualmente, é possível estimar com precisão a modiálise intermitente no esquema da antibioticotera-
AAC da vancomicina com amostras limitadas (ou seja, pia administrando as drogas em relação ao momento
uma ou duas concentrações de vancomicina) e forne- da hemodiálise. Uma vez que a hemodiálise é de du-
cer recomendações de dosagem guiadas pela AAC em ração relativamente curta, a abordagem prática é ad-
tempo real. Uma dessas abordagens envolve o uso de ministrar os antibióticos que são eliminados durante a
programas de software bayesiano. Outra abordagem diálise após a mesma, tolerando-se as baixas concentra-
alternativa envolve o uso de duas concentrações (pico ções dos mesmos durante a diálise. Se as concentrações
e vale) e equações simples de farmacocinética analítica subterapêuticas durante a diálise não forem toleradas,
para estimar os valores da AAC. uma pequena dose adicional pode ser administrada no
meio da diálise.
Está em andamento um estudo farmacociné-
Dosagem de Antibióticos em tico observacional multinacional com o objetivo de
Doentes Críticos sob Terapia de desenvolver uma robusta diretriz de dosagem de an-
tibióticos baseada em evidências para pacientes gra-
Renal Substitutiva ves recebendo várias formas de TRS.2 O mesmo estudo
A dosagem antimicrobiana na terapia renal subs- também objetiva observar se as concentrações tera-
titutiva (TRS) e oxigenação por membrana extracor- pêuticas de antibióticos estão associadas à redução da
pórea (ECMO) é um cenário clínico desafiador para a mortalidade em 28 dias. Os antibióticos do estudo se-
dosagem de muitos antimicrobianos. rão vancomicina, linezolida, piperacilina/tazobactam e
meropenem.
De uma forma geral, recomenda-se não reduzir
a dose padrão de antibióticos, uma vez que não foi en-
contrado acúmulo de drogas na literatura disponível 2 Sampling Antibiotics in Renal Replacement Therapy
e manter infusão contínua ou prolongada em pacien- (SMARRT). Trial registration: Australian New Zealand Clinical
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Avaliação de Febre no 4
Paciente Grave
40
Avaliação de Febre no Paciente Grave
A febre é uma resposta inata adaptativa à infec- ventilação mecânica, flebite, presença de feridas infec-
ção. Existem argumentos contra o tratamento de rotina tadas ou bacteremia.
da febre no paciente criticamente enfermo. As tempe- Nos pacientes que apresentam sinais progressi-
raturas elevadas inibem o crescimento de microrga- vos de sepse grave ou nos casos de neutropenia asso-
nismos in vitro, e podem reduzir a expressão de fatores ciada à febre, deve-se iniciar antibioticoterapia de largo
de virulência, aumentar a suscetibilidade a agentes espectro, logo após a realização das hemoculturas.
antimicrobianos. Porém, este efeito não está demons-
Outra conduta interessante consiste em realizar
trado in vivo e não se sabe se é clinicamente significati-
cultura de cateteres utilizados por mais de 48 horas.
vo. Embora saiba-se que pacientes sépticos têm maior
risco de morte quando apresentam hipotermia espon- Nos pacientes com diarreia nosocomial, é funda-
taneamente, outro subgrupo de pacientes que apre- mental a pesquisa da presença de Clostridium difficile.
sentam febre alta (> 39,5 ºC) também apresentam pior Caso a febre persista por 48 a 96 horas após o
prognóstico. início da administração de antimicrobianos de largo
Embora a terapia da febre possa reduzir a in- espectro, deve-se reavaliar o paciente, levando-se em
vestigação excessiva e o tratamento em pacientes conta a possibilidade de infecção fúngica. Uma boa
com causas benignas de febre, também pode retar- conduta, neste caso, inclui o início de uma terapia an-
dar o diagnóstico precoce e a terapêutica empírica tifúngica empírica associada à realização de testes
de infecções graves cujo atraso no tratamento pode diagnósticos.
ser prejudicial. Alguns biomarcadores têm sido propostos como
A conduta inicial do paciente criticamente en- adjuvantes na investigação das causas de febre, dentre
fermo portador de febre deve incluir uma revisão apro- eles: níveis de procalcitonina sérica, sistemas de detec-
fundada dos registros médicos, exame físico detalhado, ção de endotoxinas, expressão de receptores em células
com avaliação rigorosa de fatores, como duração e mieloides, proteína C-reativa, fator de necrose tumoral
magnitude da febre, frequência cardíaca e relação no alta e interleucina. O nível sérico de procalcitonina é o
tempo entre o diagnóstico e o início da intervenção te- indicador mais precoce de infecção ou sepse bacteriana.
rapêutica (Figura 4.1). A abordagem medicamentosa em pacientes
Duas hemoculturas devem ser realizadas em que apresentam febre na UTI é realizada com o uso
todo paciente febril, coletadas em locais distintos, se de agentes antipiréticos ou por meio de técnicas de
possível, antes do início de antibioticoterapia. resfriamento externo. No entanto, esse último tipo de
Nos casos em que a febre está relacionada a uma procedimento promove grandes flutuações da tempe-
leucocitose não justificada, associada a acidose, hipo- ratura e a recuperação posterior do estado de hiperter-
tensão, taquicardia persistente e taquipneia, devem ser mia, com consequente hipermetabolismo, e elevação
investigadas uma possível síndrome séptica originada do consumo de oxigênio e da liberação de epinefrina e
por infecção do trato urinário, pneumonia associada à norepinefrina.
Se febre persistente
Se febre persistir após 48 horas
Figura 4.1: Manejo do paciente febril na Unidade de terapia intensiva. Fonte: Falcão LF, Macedo GL. Farmacologia aplicada
em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.
41
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
42
Avaliação de Febre no Paciente Grave
de possível infecção em desenvolvimento. Ela deve ser consideração pelos médicos, procedendo-se a uma
vista como uma resposta benéfica à agressão de micror- avaliação criteriosa para um eficaz tratamento desses
ganismos patogênicos. indivíduos.
Apesar de muito utilizados na rotina de unidade A abordagem e a avalição diagnóstica da febre
de terapia intensiva, os antitérmicos devem ter sua ad- em unidade de terapia intensiva são fundamentais para
ministração restrita a pacientes que se encontram sinto- a diminuição do uso inapropriado de antibióticos na
máticos em função da elevação da temperatura. prática clínica.
A importância da febre em pacientes internados
na unidade de terapia intensiva tem de ser levada em
Referências Bibliográficas
1. Falcão LF, Macedo GL. Farmacologia aplicada em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.
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43
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
44
Tratamento das Infecções por 5
Bactérias Multirresistentes
Kelsin Veras
46
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes
47
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
de NDM-1 aumentaram acentuadamente desde 2008, causadas por bactérias resistentes aos carbapenemos.
predominantemente em K. pneumoniae e E. coli, mas Dados experimentais mostram que a enzima KPC pode
também em outras Enterobacteriaceae. Há uma preocu- ter maior afinidade por ertapenem do que por outros
pação significativa de que as Enterobacteriaceae produ- carbapenemos. Portanto, quando administrados em
toras de NDM-1 continuem a se espalhar e tornarem-se conjunto, a KPC inativa preferencialmente o ertapenem,
endêmicas globalmente. O gene NDM-1 é transportado o que dificulta a degradação e melhora a atividade do
em plasmídeos, facilitando a transferência horizontal. outro carbapenêmico concomitante. Em relatos de ca-
Os isolados produtores de NDM-1 são geralmente resis- sos, o ertapenem associado ao doripenem ou merope-
tentes a todos os betalactâmicos, incluindo aztreonam, nem foi utilizado com sucesso para tratar infecções por
bem como a aminoglicosídeos e fluoroquinolonas. K. pneumoniae produtora de KPC e resistentes à colisti-
As carbapenemases de tipo oxacilinases (OXA) na (bacteremia, pneumonia associada à ventilação me-
foram descritas, principalmente, em Acinetobacter bau- cânica e infecção do trato urinário).
mannii, e são raras em outros organismos. A denomina- O tratamento combinado com carbapenem du-
ção aparentemente inofensiva é ilusória, pois apesar da plo é uma opção promissora em infecções por bactérias
oxacilinase haver sido descoberta por sua ação sobre a pan-resistentes, ou seja, resistente aos carbapenêmi-
oxacilina, as OXAs são carbapenemases. cos (CIM > 16 µg/mL e às polimixina (CIM > 2 µg/mL).
Atualmente, não há dados publicados de ensaios A combinação com um terceiro antimicrobiano pode
clínicos randomizados que avaliem as opções de tra- tornar o esquema mais eficaz.
tamento antimicrobiano para infecções por bactérias A colistina (polimixina E) e a polimixina B são
resistentes aos carbapenemos. Grande parte da evidên- consideradas os agentes in vitro mais ativos contra a
cia existente é de revisões de relatos de casos, séries de bactérias produtoras de carbapenemases. Existem vá-
casos e pequenos estudos retrospectivos, que possuem rias vantagens potenciais para o uso de polimixina B em
uma série de limitações inerentes. relação à colistina, muitas das quais decorrem do fato de
A terapia combinada para infecções por bactérias que a colistina é administrada sob a forma da pró-droga
resistentes aos carbapenemos pode diminuir a morta- inativa colistimetato. Apenas uma pequena fração de
lidade em comparação com a monoterapia. Os benefí- colistimetato é convertida em colistina e essa conversão
cios da terapia combinada incluem redução da terapia é lenta, com concentrações máximas ocorrendo ≥ 7 ho-
antimicrobiana inicial inadequada, potenciais efeitos ras após a administração. Como a conversão de colisti-
sinérgicos e supressão da resistência emergente. metato para colistina é lenta e ineficiente em pacientes
com função renal normal, a maioria dos colistimetato é
Os dados farmacocinéticos sugerem que relações
eliminada antes da conversão para colistina. Portanto,
T > CIM (concentração inibitória mínima) almejadas po-
apesar de ser administrado dose inferior, a polimixina
dem ser alcançadas usando carbapenem sob infusão
B pode atingir concentrações séricas de pico mais altas,
prolongada em alta dose quando as CIM dos carbape-
que são alcançadas muito mais rapidamente do que
nemos são relativamente baixas (< 4 μg/mL) ou mesmo
com a colistina. O ajuste renal da dose é necessário para
moderadamente elevadas (8-16 μg/mL). Simulações
a colistina e colistimetato, mas não é necessário para a
demonstraram que meropenem em dose elevada de
polimixina B. O motivo disso é que há uma depuração
(6 g/dia) administrado sob infusão prolongada (acima
renal mínima da colistina, mas o pró-fármaco colisti-
de 4 horas) apresentou alta probabilidade de atingir a
metato é predominantemente eliminado por via renal.
meta até uma CIM de 8-16 μg/mL. Um outro antibiótico
Tal como acontece com a colistina, a polimixina B so-
ativo in vitro deve ser combinado com o carbapenêmico
fre uma reabsorção tubular renal extensa e é eliminada
em dose alta. O imipenem, geralmente, não é utilizado
pela maior parte da depuração não-renal.
para o tratamento de infecções por bactérias resistentes
aos carbapenêmicos, porque seu uso em doses eleva- A seguir, estão as doses recomendadas:
das ou em infusões prolongadas é limitado devido ao Polimixina B
maior risco de convulsões e baixa estabilidade à tempe- Dose ataque: 20-25.000 UI (2-2,5 mg)/kg;
ratura ambiente. Manutenção: após 12 horas da dose de ata-
Contudo, embora os dados farmacocinéticos que e a cada 12 horas:
pareçam favoráveis, existem apenas dados clínicos li- • CIM < 1 µg/mL: 25.000 UI (2,5 mg)/kg/dia;
mitados que avaliam a eficácia da monoterapia com
• CIM ≥ 1: 30.000 UI (3 mg)/kg/dia.
carbapenem no tratamento das infecções por bactérias
resistentes aos carbapenemos. Para pacientes com in- Polimixina E (colistimetato)
fecções graves e/ou que estão criticamente doentes, Dose ataque: 5 mg/kg;
adicionar outro agente ativo pode aumentar a probabi- A dose de manutenção é de acordo com
lidade de resposta clínica. o clearence da creatinina (após 12 horas
O tratamento combinado com carbapenem da dose de ataque, dividida em 2-4 vezes
duplo pode ser uma opção efetiva para infecções ao dia).
48
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes
49
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Meropenem
CIM ≤ 16 μg/mL: manter com meropenem em dose alta (2 g a cada 8 horas)
CIM > 16 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Polimixina B/colistina
CIM ≤ 2 μg/mL: continuar polimixina B/colistina
CIM > 2 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Se CIM meropenem > 16 μg/mL e CIM polimixina B/colistina > 2 μg/mL, considerar um regime com doses elevadas de
tigeciclina ou um esquema de carbapenem duplo (meropenem na dose acima mais ertapenem 1 g/dia)
Tigeciclina
CIM ≤ 1 μg/mL: manter ou acrescentar tigeciclina
CIM > 1 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Fosfomicina: forma oral apenas para infecções urinárias; não há apresentação endovenosa no Brasil.
CIM ≤ 32 μg/mL: considerar fosfomicina
CIM > 32 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Aminoglicosideo
Gentamicina CIM ≤ 2 μg/mL ou amicacina CIM ≤ 4 μg/mL: considerar aminoglicosideo
Gentamicina CIM > 2 ou amicacina CIM > 4 μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
50
Tratamento das Infecções por Bactérias Multirresistentes
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51
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
52
Sepse 6
André Japiassú
Achilles Rohlfs Barbosa
Denise Medeiros
54
Sepse
SCCM publicaram novas definições consensuais de Para chegar a essa definição, a força-tarefa ava-
sepse. A sepse deixou de ser considerada apenas uma liou quais critérios clínicos identificaram melhor os pa-
resposta inflamatória à infecção, passando a ser defini- cientes infectados com maior probabilidade de terem
da como a presença de disfunção orgânica em resposta sepse. Esse objetivo foi alcançado através da análise de
à infecção, conforme avaliado por um aumento de dois dados de registros eletrônicos de saúde de cerca de 150
pontos no escore SOFA basal (Sequential Organ Failure mil pacientes com suspeita de infecção. Nesses pacien-
Assessment – Tabela 6.4). Para pacientes nos quais tes, foi avaliada a concordância entre os escores de infla-
o SOFA basal é desconhecido, o escore é assumido como mação (SIRS) ou disfunção orgânica (SOFA), delineando
zero. Uma vez que a presença de disfunção orgânica sua correlação com resultados subsequentes (validade
passou a ser indispensável para a definição de sepse, a preditiva). Além disso, a regressão multivariada foi utili-
denominação sepse grave tornou-se redundante e foi, zada para explorar o desempenho de 21 critérios labo-
portanto, eliminada. A definição de choque séptico pas- ratoriais e clínicos propostos pela força tarefa de 2001.
sou a ser sepse com hipotensão persistente, necessitan- Curiosamente, fora da UTI a presença de dois ou
do vasopressores para manter a PAM ≥ 65 mmHg, além mais dos sinais de um modelo simples, incluindo altera-
de um nível de lactato sérico > 2 mmol/L (18 mg/dL), ção do estado mental, pressão arterial sistólica menor ou
apesar da ressuscitação volêmica adequada. Com esses igual a 100 mmHg e frequência respiratória elevada (≥
critérios, a mortalidade hospitalar é superior a 40%. 22 irpm) apresentou validade preditiva estatisticamente
Sistema 0 1 2 3 4
PaO2/FiO2 ≥ 400 < 400 < 300 < 200 c/ VM < 100 c/VM
Plaquetas (x10 /mm )
3 3
≥ 150 < 150 < 100 < 50 < 20
BT (mg/dL) < 1,2 1,2-1,9 2-5,9 6-11,9 > 12
Dopamina
Dopamina Dopamina > 15
5-15 µg/kg/min
< 5µg/kg/min
Hemodinâmica PAM ≥ 70 PAM < 70 Adrenalina ou
Adrenalina ou
ou dobutamina noradrenalina
noradrenalina
(qualquer dose) > 0,1 µg/kg/min
≤ 0,1 µg/kg/min
Glasgow 15 13-14 10-12 6-9 <6
Creatinina (mg/dL) < 1,2 1,2-1,9 2-3,4 3,5-4,9 >5
55
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
56
Sepse
Figura 6.1: Sugestão de fluxo de atendimento para pacientes com suspeita de sepse.
para corrigir o choque. Nos casos de hipoperfusão per- com reanimação hemodinâmica guiada por lactato. Se
sistente apesar de vasopressor e reanimação volêmica o lactato inicial estiver elevado (> 2 mmol/L), ele deverá
adequada, deve-se considerar dobutamina. O uso de ser medido em 2 a 4 horas para guiar a necessidade de
vasopressor deve ser avaliado também na 1ª hora de medidas adicionais de reanimação.
avaliação do paciente, após abertura do protocolo de A polêmica quanto ao uso de corticosteroide na
diagnóstico e tratamento. Sua indicação mais precoce sepse, que parecia resolvida com o estudo CORTICUS,
deve ser útil quando o paciente não responde rapida- que não identificou diferença na mortalidade, mas ape-
mente à infusão de cerca de 30 ml/kg de cristaloides nas uma reversão mais rápida do choque no grupo que
(em torno de 1 a 1,5 L em paciente adulto médio). utilizou corticoide (hidrocortisona 50 mg EV a cada 6 ho-
Ensaios clínicos randomizados e controlados de- ras por 5 dias), voltou a reacender-se com a publicação
monstraram uma redução significativa na mortalidade em 2018 de dois estudos com resultados contraditórios.
57
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Enquanto no estudo ADRENAL pacientes com choque associado a fludrocortisona em pacientes com choque
séptico recebendo hidrocortisona não apresentaram di- séptico observou um menor mortalidade no grupo que
ferença na mortalidade quando comparados ao grupo recebeu a combinação de corticoides: mortalidade com
controle (apesar de uma resolução mais rápida do cho- 90 dias de 43% no grupo hidrocortisona/fludrocortiso-
que no grupo que recebeu hidrocortisona), o estudo na versus 49% no grupo placebo (RR 0,88; IC 95% 0,78 a
APPROCHSS, ao testar a combinação de hidrocortisona 0,99; P = 0,03).
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58
Pneumonia Adquirida na 7
Comunidade Grave
André Japiassú
Denise Medeiros
Kelson Veras
O achado mais notável foi a identificação de um em UTI) relatam isolamento bacteriano puro entre 26 a
patógeno em apenas 38% dos casos de PAC confirma- 43%, isolamento viral puro entre 10 a 36,4%, isolamen-
dos clínica e radiologicamente, apesar de uma bateria tos bacterianos-virais mistos entre 9,1 a 39% e ausência
detalhada e ampla de testes que excediam o que ge- de patógenos isolados entre 8 a 32,8%. O rinovírus e
ralmente pode ser realizado fora de uma investigação vírus influenza têm sido os vírus mais comumente iso-
clínica. Entre os motivos para esse achado, há a possi- lados em pacientes com PAC grave.
bilidade de os pacientes terem recebido antibiotico-
terapia antes da hospitalização. Contudo, também é
possível que achados radiográficos em pacientes com Diagnóstico
doenças cardiopulmonares crônicas sejam confundidos O diagnóstico de PAC não é difícil em pacientes
com pneumonia. Essa possibilidade, associada à pre- que não possuem doença cardiopulmonar subjacente.
ponderância de patógenos virais nesses casos de PAC, Uma tríade de (1) evidência de infecção (febre ou ca-
ressalta o quanto se usa antibioticoterapia empírica de lafrios e leucocitose), (2) sinais ou sintomas localizados
forma desnecessária na prática clínica diária. no sistema respiratório (tosse, aumento da produção
No entanto, o estudo EPIC falhou em não in- de escarro, dispneia, dor torácica ou ausculta pulmonar
cluir nos testes de PCR multiplex em tempo real os anormal) e (3) um infiltrado novo ou progressivo na ra-
patógenos bacterianos típicos (Streptococcus pneu- diografia torácica, geralmente, identifica com precisão
moniae, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, um paciente com PAC. A confusão pode ser o único sin-
Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Klebsiella pneumo- toma de apresentação em pacientes idosos, levando a
niae, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii), um atraso no diagnóstico.
os quais só foram pesquisados em amostras de derrame
pleural. Um estudo posterior, embora de menor propor-
ção, avaliou 323 pacientes adultos hospitalizados com Exames de imagem
PAC, incluindo a pesquisa desses patógenos por PCR Em pacientes com neoplasia pulmonar, fibrose
multiplex em amostras respiratórias desses pacientes pulmonar ou outras doenças pulmonares infiltrativas
(96% das amostras eram escarro e 4% eram aspirados crônicas ou insuficiência cardíaca congestiva, o diag-
endotraqueais), utilizando um teste que pesquisava 26 nóstico de PAC pode ser muito difícil. As apresentações
tipos de bactérias e vírus respiratórios. Em evidente con- atípicas também complicam o diagnóstico. Infiltrados
traste com os resultados do EPIC, foram detectadas bac- em radiografias também podem ser sutis: um radio-
térias nas amostras de 231 (71,5%) pacientes. Incluindo logista pode não identificar infiltrados em até 15% dos
os resultados dos vírus respiratórios, a detecção geral de casos e dois radiologistas que leem a mesma radiografia
patógenos por testes moleculares aumentou para 86,7% de tórax discordam em 10% dos casos.
(Figura 7.1). Comparado com os resultados apenas das A PAC pode ser diagnosticada e acompanha-
culturas das amostras respiratórias que identificaram um da por ultrassonografia pulmonar, uma técnica que
patógeno bacteriano em 39,3% pacientes, esse estudo mostra excelente sensibilidade e especificidade, no mí-
demonstrou que o uso de uma abordagem abrangen- nimo comparável àquelas da radiografia de tórax em
te de testes moleculares multibacterianos e multivirais dois planos. O US pulmonar pode ser realizado com
aproximadamente duplica a detecção de patógenos em qualquer equipamento de ultrassonografia. O US pul-
pacientes com PAC (39,3% para 86,7%). monar é uma ferramenta de diagnóstico prontamen-
Alguns poucos estudos com número pequeno te disponível que não envolve exposição à radiação e
de pacientes com PAC grave (requerendo internação possui aplicações amplas, especialmente em situações
onde o raio-X não está disponível e/ou não é aplicável.
100 A imagem ultrassonográfica dos pulmões na
90 86,7%
consolidação alveolar é caracterizada por um padrão
80
71,5% ultrassonográfico semelhante ao do fígado (hepati-
70
60
zação pulmonar). O broncograma aéreo localizado
50 dentro de uma área de consolidação consiste em ima-
40 gens de forma linear hipercoicas. Conforme com seu
30,3% status, ele é dividido em broncograma aéreo estático e
30
20 dinâmico. O broncograma aéreo estático, geralmente,
10 é produzido em atelectasias. É causada por ar aprisio-
0 nado dentro de uma área do pulmão que não é mais
Bactérias Vírus Qualquer patógeno
aerada, criando artefatos estáticos. O broncograma de
Figura 7.1: Proporção de patógenos bacterianos e ar estático pode ser revelado pela ausência de movi-
virais encontrados com uso de PCR multiplex em amostras mentos pulmonares dinâmicos durante a respiração.
respiratórias de pacientes com PAC. O broncograma aéreo dinâmico é produzido em áreas
60
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave
ventiladas do pulmão e é causado pela presença de ar identificados no trato respiratório durante a pneumo-
dentro dos brônquios, que depois se movem de acor- nia ainda é discutível, uma vez que os vírus respiratórios
do com a respiração do paciente. Nunca é produzido podem estar presentes em indivíduos adultos assinto-
em atelectasias, mas pode ser visto em 60% dos casos máticos. Assim, resultados positivos para vírus na PCR
de consolidação alveolar infecciosa. não excluem a possibilidade de que a pneumonia bac-
teriana esteja presente.
A detecção por PCR de bactérias em amostras
Exames microbiológicos respiratórias também é problemática. Na maioria dos
Embora a cultura de escarro seja frequentemen- casos, bactérias que causam pneumonia atingem os
te recomendada na busca do diagnóstico etiológico, o pulmões depois de colonizar as vias aéreas superiores,
benefício dessa prática no manejo inicial da PAC ainda de modo que um resultado positivo da PCR pode refle-
é controverso. Constituem obstáculos à sua realização a tir colonização ou infecção.
necessidade de coleta de forma adequada de amostra,
Para pacientes ambulatoriais, pacientes em se-
a não-uniformização das técnicas de preparação dos
tores de emergência e pacientes internados, a anti-
espécimes, a variabilidade da habilidade de interpreta-
bioticoterapia é estimulada quando as concentrações
ção do examinador e a inexistência de um padrão ouro
de procalcitonina (PCT) são superiores a 0,25 µg/L e
de diagnóstico microbiológico de PAC. Consideram-se
é fortemente estimulada quando as concentrações de
válidas para cultura (escarro purulento) amostras com
PCT são maiores que 0,5 µg/L. A antibioticoterapia é
menos de 10 células epiteliais e mais de 25 células poli-
desencorajada quando as concentrações são inferiores
morfonucleares por campo de pequeno aumento.
a 0,10 µg/L. O uso de PCT para orientar o tratamento
Outras técnicas disponíveis para a obtenção de antibiótico da pneumonia resultou em uma redução na
espécimes das vias aéreas inferiores são o aspirado exposição a antibióticos de 8 dias em média para 4 dias
traqueal, o minilavado broncoalveolar, a broncosco- sem aumentar a mortalidade ou da falha de tratamen-
pia com cateter protegido ou o lavado broncoalveolar, to. Além disso, o uso de PCT para orientar o tratamento
além da punção pulmonar transtorácica. antibiótico reduziu os custos de tratamento.
Esses procedimentos não devem ser rotineira- O estudo ProACT é, por enquanto, o melhor estu-
mente indicados na maioria dos pacientes com PAC, do avaliando a utilidade da procalcitonina na redução
mas são úteis naqueles que necessitam de admissão em da antibioticoterapia em pacientes com PAC. Um total
UTI e nos que não respondem ao tratamento empírico. de 1.656 pacientes foram incluídos na coorte de análise
A punção percutânea pulmonar está contraindicada em final (826 designados aleatoriamente para o grupo pro-
indivíduos sob ventilação mecânica invasiva. calcitonina e 830 para o grupo de cuidados habituais).
A hemocultura deve ser reservada, em casos de Não houve diferença significativa entre o grupo
sepse, para a PAC grave e no caso de pacientes inter- procalcitonina e o grupo de cuidados habituais na du-
nados não-respondedores à terapêutica instituída, pois ração do uso de antibióticos (média de 4,2 e 4,3 dias,
normalmente apresenta baixo rendimento. respectivamente; IC 95%, -0,6 a 0,5; P = 0,87) ou na pro-
Novas técnicas de diagnóstico tornaram-se im- porção de pacientes com resultados adversos1 (11,7% e
portantes para estabelecer a causa da PAC. A pesquisa 13,1%; IC95%: 4,6 a 1,7; P < 0,001 para não inferioridade)
de antígenos urinários através de ensaio de imunoab- em 30 dias .
sorção enzimática (ELISA) de amostras de urina detecta
polissacarídeo de parede celular pneumocócica em 77 a
88% de pacientes com pneumonia pneumocócica bac- Classificação de Gravidade
terêmica e em 64% com pneumonia não bacterêmica. O Idealmente, a terapia antibiótica para a PAC deve-
ELISA para o antígeno urinário de Legionella é positivo ria ser direcionada ao agente etiológico de cada pacien-
em cerca de 74% dos pacientes com pneumonia cau- te em particular. Contudo, os métodos de diagnóstico
sada por Legionella pneumophila sorotipo 1, com maior etiológico atualmente disponíveis apresentam grandes
sensibilidade em doença mais grave. limitações. Dessa forma, mesmo utilizando todos os
A reação em cadeia da polimerase (PCR) é recursos não se identifica o patógeno responsável em
uma técnica extremamente sensível e específica para cerca de 60% dos casos. Esta limitação força a utilização
a identificação de agentes patogênicos respiratórios, de terapia antibiótica empírica na maioria dos casos.
especialmente vírus. Os testes de PCR comercialmen- Inevitavelmente, esta terapia empírica não terá sucesso
te disponíveis podem detectar vírus respiratórios mais em todos os pacientes.
importantes, bem como Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydophyla pneumonia. Para o vírus influenza, a 1 Resultados adversos: Morte, intubação endotraqueal,
PCR é muito mais sensível do que os testes de antíge- vasopressores, insuficiência renal, abscesso pulmonar/
nos rápidos e tornou-se o padrão para o diagnóstico. empiema, desenvolvimento de pneumonia em pacien-
No entanto, o papel causador dos vírus respiratórios tes sem PAC, readmissão hospitalar.
61
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
62
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave
(PACS). A citada diretriz recomenda, ainda, que a anti- consistentemente fortes para infecção respiratória por
bioticoterapia empírica cubra empiricamente MRSA MRSA ou P. aeruginosa são o isolamento prévio desses
ou P. aeruginosa em adultos com PAC apenas se hou- organismos, principalmente do trato respiratório, e/ou
ver fatores de risco validados localmente para qualquer hospitalização recente com uso de antibióticos paren-
um dos patógenos. Os fatores de risco individuais mais terais nos últimos 90 dias (Tabela 7.2).
Paciente ambulatorial
Paciente sem comorbidades ou1 Amoxicilina 1 g q8h ou
fatores de risco para patógenos Doxiciclina 100 mg q12h ou
resistentes2 Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina)
Terapia combinada
Amoxicilina/clavulanato 500 mg/125 mg q8h ou
Amoxicilina/clavulanato 875 mg/125 mg q12h ou
Cefpodoxima 200 mg q12h ou
Cefuroxima 500 mg q12h
Paciente com comorbidades
e
Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina) ou
Doxiciclina 100mg q12h
Monoterapia
Levofloxacina 750 mg/dia, Moxifloxacina 400 mg/dia ou gemifloxacina 320 mg/dia
Paciente internado
Piperacilina-tazobactam (4,5 g q6h), cefepime (2 g q8h), ceftazidima (2 g q8h), aztreonam
Com fatores de risco para MRSA (2 g q8h), meropenem (1 g q8h) ou imipenem (500 mg q6h)
ou P. aeruginosa mais
Vancomicina (15 mg/kg q12h) ou linezolida (600 mg q12h)
Terapia combinada
Ampicilina-sulbactam 1,5-3 g q6h ou
Cefotaxima 1-2 g q8h ou
Ceftriaxona 1-2 g/dia ou
Ceftarolina 600 mg q12h
Sem fatores de risco para MRSA e
ou P. aeruginosa Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina)
Monoterapia
Levofloxacina 750 mg/dia ou moxifloxacina 400 mg/dia
Se tanto macrolídeo como e fluoroquinolonas contraindicados
Combinar um dos betalactâmicos supracitados com doxiciclina 100 mg q12h
PAC grave
Betalactâmico + macrolídeo
3
Sem fatores de risco para MRSA
ou
ou P. aeruginosa
Betalactâmico + fluoroquinolona4
Piperacilina-tazobactam (4,5 g q6h), cefepime (2 g q8h), ceftazidima (2 g q8h), aztreonam
Com fatores de risco para MRSA (2 g q8h), meropenem (1 g q8h) ou imipenem (500 mg q6h)
ou P. aeruginosa mais
Vancomicina (15 mg/kg q12h) ou linezolida (600 mg q12h)
1
Doença cardíaca, pulmonar, hepática ou renal crônica; diabetes mellitus; alcoolismo; neoplasias; asplenia.
2
Os fatores de risco incluem isolamento respiratório prévio de MRSA ou P. aeruginosa ou hospitalização recente E uso de
antibióticos parenterais (nos últimos 90 dias).
3
Mesmos betalactâmicos e mesmas doses descritas para pacientes internados sem fatores de risco para MRSA ou P. aeruginosa.
4
Mesmas fluoroquinolonas e mesmas doses descritas para pacientes internados sem fatores de risco para MRSA ou P. aeruginosa.
63
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
64
Pneumonia Adquirida na Comunidade Grave
Corticoide na PAC
Não há dados sugerindo benefício dos corticos- O uso de corticoide na PAC, contudo, é aconselha-
teroides em pacientes com PAC não grave em relação à do nas recomendações da Surviving Sepsis Campaign
mortalidade ou falência de órgãos e apenas dados limi- sobre o uso de corticoides em pacientes com choque
tados em pacientes com PAC grave. Um grande estudo séptico refratário. Naturalmente, os corticosteroides
randomizado controlado (Extended Steroid in CAP(e) – também devem ser usados em pacientes com comorbi-
ESCAPe; clinictrials.gov NCT01283009) foi concluído, mas dades como doença pulmonar obstrutiva crônica, asma
não publicado ainda, o qual poderá informar quais sub- e doenças autoimunes, nas quais os mesmos são com-
grupos de pacientes se beneficiam de corticoides na PAC. ponentes do tratamento.
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65
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
66
Pneumonia Adquirida 8
no Hospital e Pneumonia
Associada à Ventilação
Mecânica
Denise Medeiros
Kelson Veras
Fabiano Nagel
originalmente para controlar a pressão exercida contra ser feitas mais rapidamente do que a coleta de amos-
a parede traqueal e prevenir a lesão traqueal. O diâme- tras broncoscópicas, com menos complicações e recur-
tro do balonete é maior do que o diâmetro traqueal. sos. As culturas semiquantitativas podem ser feitas mais
Portanto, após a insuflação do balonete, formam-se rapidamente do que culturas quantitativas, também
invariavelmente dobras ao longo da superfície do mes- dispendendo menos recursos laboratoriais. Por estas ra-
mo, que permitem aspiração de secreções orofaríngeas. zões, o aspirado traqueal com cultura semiquantitativa
Os agentes patogênicos também podem crescer na su- é a técnica de amostragem microbiológica recomenda-
perfície interna do tubo endotraqueal e chegar, assim, da pela diretriz IDSA/ATS de 2016.
aos pulmões. As bactérias também aderem rapidamen- Apesar dessas dificuldades, o diagnóstico preco-
te à superfície do tubo endotraqueal, formando uma ce e preciso de PAH/PAV é crítico pois a administração
estrutura chamada biofilme. As bactérias dentro do tardia de antibióticos apropriados aumenta a morta-
biofilme são difíceis de erradicar. Durante a ventilação lidade. Daí a busca por métodos confirmatórios mais
mecânica, as partículas de biofilme podem desalojar-se precisos para o diagnóstico da infecção. O uso de es-
nas vias aéreas por causa do fluxo de ar inspiratório e in- cores como o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS) e
tervenções médicas invasivas, como aspiração traqueal biomarcadores como a procalcitonina (PCT) foram, as-
e broncoscopia. As bactérias também podem entrar no sim, propostos para tornar o diagnóstico PAH/PAV mais
trato respiratório inferior dos pacientes por inalação de objetivo e específico. A diretriz IDSA/ATS de 2016 não
aerossóis gerados principalmente por dispositivos de encontrou evidências de superioridade, porém, no uso
nebulização contaminados. Quando isso ocorre, geral- do CPIS ou de biomarcadores (PCT ou PCR) comparados
mente é relacionado a falhas em procedimentos ade- aos critérios clínicos usuais isoladamente para decidir
quados de controle de infecção. sobre o início da antibioticoterapia em pacientes sus-
peitos de PAH/PAV. Desse modo, a recomendação dos
Diagnóstico painelistas para pacientes com suspeita de PAH/PAV
é usar critérios clínicos isoladamente ao invés de usar
Em 2002, os Centers for Disease Control and CPIS ou biomarcadores para decidir pelo início ou não
Prevention (CDC) definiram PAV como um infiltrado da antibioticoterapia.
pulmonar radiográfico novo ou progressivo em um
paciente após 48 horas de ventilação mecânica em um
pacientes com sinais clínicos de infecção (febre, leuco- Etiologia
penia/leucocitose, alteração do nível de consciência em O conceito de pneumonia de início precoce e tar-
idosos, escarro purulento ou aumento das secreções dio é baseado em dados do final da década de 1980.
respiratórias, início ou piora de tosse, dispneia ou ta- PAH/PAV de início precoce foram definidas como ocor-
quipneia, estertores pulmonares, piora da troca gasosa) rendo nos primeiros 4 dias de hospitalização, sendo
no qual critérios microbiológicos confirmam a infecção mais prováveis causadas por bactérias sensíveis aos an-
(cultura quantitativa de amostra respiratória, hemocul- tibióticos, enquanto PAH/PAV de início tardio (5 dias ou
tura, cultura do líquido pleural ou evidência histopato- mais) seriam mais provavelmente causadas por agentes
lógica de pneumonia). patogênicos multirresistentes.
O diagnóstico de PAV, contudo, é desafiador, Vários estudos subsequentes, contudo, questio-
uma vez que muitas condições comuns entre pacientes naram a relação entre o momento da pneumonia e o
críticos produzem sinais clínicos similares, como sín- risco de organismos multirresistentes, não havendo
drome do desconforto respiratório agudo (SDRA), trom- sido encontradas diferenças significativas entre os pa-
boembolismo pulmonar, hemorragia alveolar, sepse, drões de patógenos na pneumonia precoce e tardia. A
insuficiência cardíaca congestiva e atelectasias. De fato, presença de fatores de risco para patógenos multirre-
estudos de séries de autópsia mostram que os critérios sistentes é que se mostrou prevalecer sobre a distinção
diagnósticos clínicos falham em detectar um terço ou entre pneumonia de início precoce ou tardio. Portanto,
mais dos casos verdadeiros e sugerem erroneamente o tempo de desenvolvimento de PAH/PAV deve ser ava-
PAV em quase metade de todos os casos. liado no contexto de outros fatores de risco e tratamen-
As amostras respiratórias para cultura incluem to antibiótico recente. Os fatores associados a um risco
técnicas invasivas broncoscópicas (lavado broncoal- aumentado de PAV por patógenos multidroga-resisten-
veolar, escovado broncoscópico protegido, amostra tes (MDR) identificados na diretriz IDSA/ATS 2016 foram
brônquica cega ou mini-BAL). A amostra respiratória encontram-se relacionados na Quadro 8.1.
não invasiva refere-se ao material obtido por aspira- Já os fatores de risco para PAH por bactérias mul-
ção endotraqueal. Não há evidências de que amostras tirresistentes foram raramente estudados. Apenas um
microbiológicas invasivas com culturas quantitativas fator de risco foi significativamente associado a PAH
melhorem os resultados clínicos em comparação com por MDR: uso prévio de antibióticos por via intravenosa.
a amostras não invasiva com culturas quantitativas ou Embora outros fatores de risco possam ser relevantes,
semiquantitativas. As amostras não invasivas podem faltam evidências.
68
Pneumonia Adquirida no Hospital e Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica
Quadro 8.1: Fatores de risco para patógenos multidroga- Um fator de risco para resistência antimicro-
resistentes na PAV biana na PAV (Quadro 8.1);
Pacientes tratados em unidades onde mais de
Uso de antibióticos intravenosos nos últimos 90 dias;
10% a 20% dos isolados de S. aureus são resis-
Internação há 5 dias ou mais antes da ocorrência da PAV; tentes à meticilina;
Choque séptico no momento da PAV; Pacientes em unidades onde a prevalência de
Síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) anterior MRSA não é conhecida
à PAV;
Terapia substitutiva renal aguda antes do início da PAV; A prescrição de dupla cobertura antibiótica
antipseudomonas (esquema com dois antibióticos de
classes diferentes com atividade contra P. aeruginosa –
Tratamento Tabela 8.1) para o tratamento empírico de suspeita de
Tratamento antibiótico empírico para PAV PAV só está indicada em pacientes com qualquer um
Em pacientes com suspeita de PAV, recomen- dos seguintes:
da-se incluir cobertura para Staphylococcus aureus, Um fator de risco para resistência antimicro-
Pseudomonas aeruginosa e outros bacilos gram-negati- biana (Quadro 8.1);
vos em todos os esquemas antibioticos empíricos, tais Pacientes em unidades em que mais de 10%
como um esquema incluindo piperacilina-tazobactam, dos isolados gram-negativos são resistentes a
cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem. um agente que está sendo considerado para a
Qualquer um desses antibióticos é ativo contra monoterapia;
Staphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA). Pacientes em UTI onde as taxas locais de susce-
Desse modo, oxacilina ou cefalotina, agentes preferen- tibilidade antimicrobiana não estão disponíveis.
ciais para o tratamento desse microrganismo, não preci-
sam ser adicionados ao tratamento empírico. Contudo,
Tabela 8.1: Dupla cobertura empírica para Pseudomonas.
uma vez que a resistência às quinolonas é ligeiramente
mais comum na MSSA comparado a resistência às ou- Betalactâmico antipseudomonas Associado a:
tras opções, no caso de comprovação de PAV por MSSA
Aztreonam 1
deve-se adicionar um agente de espectro mais estreito Ciprofloxacina1
Ceftazidima1
com menor probabilidade de induzir resistência, como Levofloxacina
Cefepime
a cefalotina ou oxacilina. Da mesma forma, se um esque- Amicacina1
Piperacilina/tazobactam
ma para gram-negativos que não cubra MSSA (ceftazi- Polimixina1
Carbapenêmico
dima, aztreonam) ou ciprofloxacina for usado, também
deve-se acrescentar oxacilina ou cefalotina. 1
Se apenas estes no esquema combinado, associar oxacilina
A inclusão de um agente ativo contra o ou cefalotina. Se risco para MRSA, associar vancomicina ou
Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), linezolida.
como vancomicina ou linezolida, para o tratamento em-
pírico de suspeita de PAV, deve ser cogitada apenas em Na Figura 8.1, segue algoritmo pra tratamento
pacientes com qualquer um dos seguintes: empírico da PAV.
• Antibioticoterapia EV £ 90 d
• ³ 5 d de hospitalização
• Choque séptico
• SARA antes da PAV
Risco MDR? • TSR aguda antes da PAV
Sim Não
* Ou incidência desconhecida
Figura 8.1: Algoritmo para o tratamento empírico da PAV.
69
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Tratamento antibiótico empírico para PAH Na Figura 8.2, segue algoritmo pra tratamento
Semelhantemente aos pacientes com sus- empírico da PAH.
peita de PAV, recomenda-se incluir cobertura para Os carbapenêmicos associam-se com uma dimi-
Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e ou- nuição relativa de 22% na mortalidade em comparação
tros bacilos gram-negativos em todos os esquemas an- com esquemas sem carbapenêmicos. Contudo, muitos
tibióticos empíricos para PAH (piperacilina-tazobactam, estudos associam carbapenemos com seleção de C. dif-
cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem). ficile e organismos resistentes aos antibióticos, tanto no
A cobertura empírica para MRSA (vancomicina, paciente quanto a nível hospitalar, incluindo organis-
linezolida) na PAH deve ser incluída quando: mos resistentes a antibióticos diferentes do carbapene-
mos. Entre os carbapenêmicos, o ertapenem não tem
Houver fator de risco para MDR na PAH (uso
atividade contra P. aeruginosa e, portanto, não é reco-
prévio de antibiótico intravenoso nos últimos
mendado para o tratamento da pneumonia devido a
90 dias);
este organismo. O doripenem está associado a um risco
Houver fator de risco específico para infecção aumentado de morte e taxas de cura clínicas mais bai-
por MRSA (ou seja, hospitalização em uma uni- xas em comparação com o uso de imipenem, não sendo
dade em que mais de 20% dos isolados de S. indicado, portanto, para o tratamento de PAH/PAV.
aureus são resistentes à meticilina ou a preva-
Os aminoglicosídeos devem ser evitados se dis-
lência de MRSA não é conhecida);
ponível outra alternativa para gram-negativos. Primeiro,
Para pacientes com alto risco de mortalidade os aminoglicosídeos penetram mal nos pulmões, por-
(necessidade de suporte ventilatório devido à tanto, altas concentrações séricas de pico são necessárias
PAH e choque séptico). para obter concentrações microbiologicamente ativas
nos alvéolos, o que aumenta o risco de nefrotoxicidade e
A dupla cobertura antipseudomonas (esque- ototoxicidade. Ademais, a mortalidade com os aminogli-
ma com dois antibióticos de classes diferentes com ati- cosídeos no tratamento da PAH/PAV é similar à de outros
vidade contra P. aeruginosa) empírica deve ser cogitada esquemas, a taxa de resposta clínica é mais baixa em re-
para pacientes com PAH quando: lação a outras classes de antibióticos. Finalmente, há uma
Na presença de fatores que aumentam a pro- falta de estudos que avaliem os efeitos da monoterapia
babilidade de patógenos MDR (ou seja, uso com aminoglicosídeos em PAH/PAV.
prévio de antibióticos por via intravenosa em
90 dias);
Antibioticoterapia para MRSA
Em pacientes com alto risco de mortalidade
A PAH/PAV por MRSA deve ser tratada com vanco-
(necessidade de suporte ventilatório devido a
micina ou linezolida. Não foram encontradas diferenças
PAH e choque séptico);
na mortalidade na taxa de cura clínica entre estas duas
Paciente com doença pulmonar estrutural que drogas. Apesar de seus efeitos colaterais típicos reco-
aumentam o risco de infecção gram-negativa nhecidos, linezolida e vancomicina não parecem diferir
(ou seja, bronquiectasias ou fibrose cística). claramente nos estudos clínicos em termos de nefroto-
xicidade, trombocitopenia, eventos adversos graves ou
Para todos os outros pacientes com PAH que es- necessidade de descontinuação do tratamento devido
tão sendo tratados empiricamente, pode ser prescrito a um evento adverso. A escolha entre estas drogas deve
um único antibiótico com atividade contra P. aeruginosa. depender, portanto, de fatores, como contagem das
Sim Não
* Ou incidência desconhecida
Figura 8.2: Algoritmo para o tratamento empírico da PAH
70
Pneumonia Adquirida no Hospital e Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica
células sanguíneas, função renal, uso concomitante de Duração da terapia antibiótica na PAH/PAV
inibidores da recaptação da serotonina (a linezolida é
Recomenda-se uma duração de 7 dias da terapia
um inibidor da monoaminoxidase) e custo. A evidência
antimicrobiana na PAH/PAV, devido à ausência de dife-
indica que a vancomicina e linezolida são aproximada-
renças entre regimes de antibióticos de curta duração
mente equivalentes e que nenhum agente alternativo,
(isso é, 7-8 dias) e regimes de longa duração (ou seja,
como telavancina ou quinupristina-dalfopristina, é cla-
10-15 dias) em termos de mortalidade, cura clínica e re-
ramente superior às mesmas. Além disso, regimes alter-
cidiva da pneumonia, incluindo pneumonia par bacilos
nativos podem ser mais prejudiciais.
gram-negativos não fermentadores.
Contudo, podem existir situações nas quais uma
Monoterapia ou Antibioticoterapia duração mais curta ou mais longa pode ser indicada,
dependendo da taxa de melhora dos parâmetros clíni-
Combinada para PAH/PAV por cos, radiológicos e laboratoriais.
Pseudomonas aeruginosa A duração da antibioticoterapia pode ser guiada
Para pacientes com PAH/PAV devido a P. aeru- pelos níveis de procalcitonina associada a critérios clíni-
ginosa que não estão em choque séptico ou com alto cos. Contudo, não é conhecido se há benefícios do uso
risco de morte e cujo resultado do antibiograma já é co- de níveis de procalcitonina para determinar a interrup-
nhecido, é recomendada monoterapia usando um anti- ção da antibioticoterapia em locais onde a duração da
biótico para o qual a Pseudomonas isolada seja sensível. terapia antimicrobiana para PAH/PAV já for padronizada
Contudo, deve-se evitar monoterapia com aminoglico- em 7 dias.
sídeos devido à sua baixa penetração pulmonar e pela
falta de estudos avaliando monoterapia com aminogli-
cosídeos na PAH/PAV. Tratamento da traqueobronquite
Para pacientes com PAH/VAP devido a P. aeru- associada à ventilação mecânica (TAV)
ginosa que permanecem em choque séptico ou com A diretriz IDSA/ATS 2016 sugere não usar anti-
alto risco de morte quando o resultado do antibiogra- bióticos em pacientes com TAV. Em conjunto, as evi-
ma for conhecido, sugere-se antibioticoterapia combi- dências sugerem que a antibioticoterapia para o TAV
nada usando dois antibióticos aos quais Pseudomonas pode encurtar a duração da ventilação mecânica, con-
isolada seja sensível. Essa recomendação baseia-se na tudo, é incerto se melhora outros desfechos clínicos
evidência de que a terapia combinada está associada à devido a resultados inconsistentes. Apesar disso, os
diminuição da mortalidade entre pacientes com pneu- painelistas reconhecem que, em alguns pacientes, a
monia complicada por choque séptico. Para um pacien- TAV pode resultar em tamponamento mucoso e difi-
te cujo choque séptico já está resolvido quando chega culdade de desmame ventilatório. Em tais pacientes,
o resultado do antibiograma, a antibioticoterapia com- o tratamento antibiótico pode ser considerado, mas
binada não é mais recomendada. nenhuma evidência a favor ou contra está disponível
para essa situação. Por último, o painel também reco-
nhece que o diagnóstico de pneumonia é imperfeito,
Terapia antibiótica inalatória na PAV sendo a sensibilidade e especificidade das radiogra-
Para pacientes com PAV devido a bacilos gram- fias de tórax portáteis para pneumonia menores do
-negativos sensíveis apenas aminoglicosídeos ou que as de tomografia computadorizada. Desse modo,
polimixinas (colistina ou polimixina B), sugere-se anti- na presença de novos sinais respiratórios de infecção,
bióticos inalatórios associados aos antibióticos sistêmi- como uma quantidade aumentada de escarro puru-
cos. As evidências de metanálises apontam para uma lento e uma amostra de alta qualidade com colora-
melhor taxa de cura clínica, mas sem efeitos definitivos ção de gram-positiva, em conjunto com novos sinais
sobre a mortalidade ou nefrotoxicidade. sistêmicos de infecção e piora da oxigenação e/ou
Também é razoável considerar a terapia antibióti- aumento dos parâmetros do ventilador, o tratamento
ca inalatória adjuvante como um tratamento de último antibiótico pode ser considerado mesmo na ausência
recurso para pacientes que não respondem aos antibió- de infiltrados persistentes novos ou progressivos em
ticos intravenosos isoladamente, independentemente radiografias de tórax portáteis, devido à alta probabili-
de o organismo infectante ser ou não MDR. dade de uma nova PAV.
71
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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72
Infecções da Corrente 9
Sanguínea Relacionadas ao
Cateter
André Japiassú
Kelson Veras
Gerson Luiz de Macedo
Staphylococcus epidermidis), Staphylococcus aureus, amostras ao longo do tempo. De fato, estudos com a
enterococos ou Candida, obtêm acesso intravascular técnica de amostragem múltipla confirmaram que o
através do local de punção cutânea para inserção do rendimento diagnóstico é o mesmo, caso as venopun-
cateter. O óstio de inserção é comumente colonizado ções sejam feitas praticamente de forma simultânea, ou
fortemente pela flora cutânea do paciente ou é colo- se forem espaçadas ao longo do tempo.
nizado por microrganismos provenientes das mãos do Em caso de presença de cateter central e de sus-
pessoal médico ao inserir ou manipular o cateter. peita de ICSRC em que não haja indicação imediata
de remoção do dispositivo (ausência de sinais locais
de infecção, complicações ou de instabilidade hemo-
Colonização do cateter a partir de dinâmica), deve-se coletar amostras pareadas do ca-
um foco séptico à distância por via teter central e de veia periférica, para comparação de
hematogênica tempo de positivação ou de crescimento quantitativo.
Devem ser coletadas amostras de todos os lúmens
O cateter vascular pode ser colonizado por via
do dispositivo.
hematogênica a partir de locais remotos de infecção,
como, por exemplo uma bacteremia por Escherichia coli A ICSRC é diagnosticada quando ocorre isola-
proveniente de uma fonte intra-abdominal. O cateter mento de um microrganismo a partir de amostra obtida
colonizado pode, então, por sua vez, perpetuar a bacte- do cateter central concomitantemente ao crescimento
remia, propagando assim a infecção sistêmica, mesmo do mesmo microrganismo em hemocultura obtida por
que o foco séptico original tenha sido eliminado. punção venosa periférica, afastando-se a possibilidade
da bacteremia estar relacionada a um foco infeccioso
em outra localização. O mesmo microrganismo signifi-
Manipulação e contaminação das ca que ambos pertencem à mesma espécie e possuem
o mesmo perfil de antibiograma (variando no máximo
conexões do cateter
na sensibilidade a um agente antimicrobiano).
As conexões do cateter também são uma fonte
Quando o microrganismo isolado é um membro
potencial de colonização do cateter, podendo ser a fon-
te mais importante de microrganismos que colonizam da microbiota da pele (difteroides [Corynebacterium
o cateter. As conexões são colonizadas durante a ma- spp.], Bacillus spp., Propionibacterium spp., estafilococos
nipulação dos mesmos por profissionais de saúde com coagulase-negativos [S. epidermidis, S. hominis], estrep-
quebra das práticas de controle de infecção. tococos do grupo viridans, Aerococcus spp. e Micrococcus
spp.), seu crescimento em duas ou mais hemoculturas
coletadas por venopunções periféricas são exigidas
Diagnóstico para diferenciar de contaminação da amostra durante
a coleta por comensais da pele. Caso o microrganismo
O principal fator associado à baixa sensibilidade seja um patógeno usual (S. aureus, enterococos, ente-
de uma hemocultura é a coleta de volume de sangue robactérias, bacilos gram-negativos não fermentadores
insuficiente. Isso ocorre porque a concentração dos mi- etc.), o isolamento dos mesmos em uma única hemo-
crorganismos no sangue é baixa durante a infecção de cultura é sugestivo de infecção da corrente sanguínea.
corrente sanguínea. Em adultos, a coleta de 40 mL e de
A colonização do cateter pode ser demonstrada
60 mL, aumentam, respectivamente em 19% e em 29%
de três formas diferentes:
a recuperação de microrganismos em comparação à
coleta de apenas 20 mL. Contudo, deve-se seguir a re- 1. Crescimento do mesmo microrganismo isola-
comendação do fabricante no momento de determinar do na hemocultura periférica a partir da cultu-
o volume de preenchimento de cada frasco de hemo- ra da ponta do cateter (5 cm distais do cateter
cultura, o qual usualmente corresponde a 10 mL de san- removido de forma asséptica) acima do pon-
gue frasco para pacientes adultos. O sangue deve ser to de corte para o método empregado (> 15
coletado de veia periférica, podendo o total ideal de 60 UFC/placa para a técnica de rolagem ou “semi
mL ser obtido através de venopunção periférica única quantitativa” e > 100 UFC/mL para as técnicas
ou de mais de uma punção venosa periférica. A coleta “quantitativas”);
de sangue de pelo menos dois acessos venosos perifé- 2. Crescimento do mesmo microrganismo em
ricos permite a distinção entre contaminação durante sangue coletado através de lúmen do acesso
a coleta ou infecção da corrente sanguínea de fato, de venoso central com crescimento ocorrendo no
acordo com o microrganismo que crescer na hemocul- mínimo 120 minutos mais rápido na amostra
tura, conforme se verá logo adiante. central do que na periférica;
As infecções de corrente sanguínea são conti- 3. Crescimento do mesmo microrganismo em
nuas e não transitórias, ao contrário do que se pen- sangue coletado através de lúmen do acesso
sava. Assim, não há benefício em se coletar múltiplas venoso central com crescimento no mínimo
74
Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas ao Cateter
75
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
76
Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas ao Cateter
Tabela 9.2: Tempo de tratamento sugerido para infecções de corrente sanguínea associadas a cateteres profundos
Duração de tratamento
Infecção de corrente sanguínea
(+ remoção do cateter)
Complicada
Tromboflebite ou Endocardite ou Mielite 4-6 semanas
Não-complicada
Estafilococos coagulase-negativa 5-7 dias
Staphylococcus aureus 14 dias
Enterococos spp 7-14 dias
Bastonetes Gram-negativos 7-14 dias
Candida spp 14 dias (após hemocultura negativa de controle)
Adaptado de “The JAID/JSC Guide/Guidelines to Clinical Management of Infectious Disease Preparing Committee. J Infect Chemother 27 (2021) 657-77.”
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Infecções Intra-Abdominais 10
Kelson Veras
Gerson Luiz de Macedo
80
Infecções Intra-Abdominais
81
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Após identificar os pacientes como de risco me- O ertapenem é um carbapenêmico ativo contra
nor ou maior, de acordo com esses critérios, os pacien- as cepas mais comuns de Enterobacteriaceae produtoras
tes também devem ser estratificados entre pacientes de ESBL, e sem atividade apreciável contra Enterococcus
com infecção intra-abdominal comunitária ou hospita- spp. ou Pseudomonas aeruginosa. A diretriz de 2017 da
lar, resultando, assim, na divisão abaixo: Surgical Infection Society recomenda o ertapenem para
1. Pacientes com infecção intra-abdominal co- monoterapia para pacientes de baixo risco com infec-
munitária de baixo risco; ção intra-abdominal comunitária. Ertapenem é uma
boa opção, portanto, para o tratamento de pacientes
2. Pacientes infecção intra-abdominal comunitá-
em áreas do mundo onde existe uma alta prevalência
ria de alto risco;
de E. coli que produtora de ESBL na comunidade.
3. Pacientes com infecção intra-abdominal
Quinolonas como moxifloxacina ou a combina-
hospitalar.
ção de ciprofloxacina ou levofloxacina mais metro-
nidazol também são recomendados para pacientes
Em pacientes com infecção de maior gravidade, de baixo risco com infecção intra-abdominal comuni-
as consequências da falha no tratamento podem ser tária. Embora haja preocupações quanto a resistência
mais significativas do que em pacientes com infecção de microrganismos anaeróbios à moxifloxacina, não se
leve a moderada. O uso de esquemas antimicrobianos demonstrou correlação entre dados de susceptibilida-
empíricos iniciais que posteriormente são identificados de anaeróbica e desfecho clínico com o uso da moxi-
como carecendo de atividade in vitro contra os orga- floxacina. A levofloxacina é a única destas quinolonas
nismos isolados da infecção intra-abdominal tem sido que não foi estudada para infecções intra-abdominais.
associado a uma maior necessidade de procedimentos Contudo, baseado em seu espectro de ação, infere-se
adicionais de controle do foco e terapia antimicrobia- que a mesma tenha eficácia similar. As quinolonas es-
na mais agressiva, aumento do tempo de permanência tão indicadas, principalmente, em pacientes com aler-
hospitalar, além aumento de custos e da mortalidade. gia grave aos betalactâmicos. Contudo, deve-se preferir
Portanto, o uso de agentes de maior espectro que for- outra classe antibacteriana em regiões com alta preva-
necem atividade contra vários organismos gram-ne- lência de E. coli resistente às quinolonas (como é o caso
gativos ocasionalmente isolados desses pacientes tem do Brasil).
potencial para melhorar os resultados, embora essa Os dados agregados de ensaios clínicos utilizan-
hipótese não tenha sido rigorosamente examinada em do tigeciclina para qualquer indicação revelaram maior
ensaios clínicos. Recomenda-se, portanto, o uso empíri- mortalidade em pacientes tratados com tigeciclina. Esses
co de regimes antimicrobianos com atividade de amplo dados resultaram em um aviso na bula da tigeciclina in-
espectro contra enterobactérias, estreptococos aeróbi- dicando que a mesma deve ser reservada para situações
cos e anaeróbios obrigatórios. em que nenhum outro antibiótico seja adequado. A ti-
geciclina pode ser útil no tratamento de pacientes com
agentes patogênicos resistentes, particularmente como
Antibioticoterapia para infecções intra- componente de um regime combinado, em pacientes
abdominais comunitárias de baixo risco para os quais não há outra opção antibiótica.
A combinação de cefotaxima ou ceftriaxona
mais metronidazol é o esquema recomendado pela
diretriz de 2017 da Surgical Infection Society para in-
Antibioticoterapia para infecções intra-
fecções intra-abdominais comunitárias de baixo risco. abdominais comunitárias de alto risco
Contudo, na América Latina, existe uma alta prevalência Em pacientes com infecção de maior gravidade,
de Enterobacteriaceae produtoras de ESBL. Em áreas do as consequências da falha no tratamento podem ser
mundo onde E. coli produtoras de ESBL são prevalentes, mais significativas do que em pacientes com infecção
outros agentes seriam preferíveis. leve a moderada. O uso de esquemas antimicrobianos
A mesma diretriz não recomenda a combinação empíricos iniciais que posteriormente são identificados
de cefazolina mais metronidazol, uma vez que ape- como carecendo de atividade in vitro contra os orga-
nas evidências indiretas apoiam seu uso para trata- nismos isolados da infecção intra-abdominal tem sido
mento de pacientes com infecções intra-abdominais. associado a uma maior necessidade de procedimentos
Devido à falta de dados contemporâneos e o poten- adicionais de controle do foco e terapia antimicrobia-
cial de diminuição da eficácia das cefamicinas (cefoxi- na mais agressiva, aumento do tempo de permanência
tina, cefotetan), como refletido na evidência indireta hospitalar, além aumento de custos e da mortalidade.
de estudos de profilaxia cirúrgica colorretal, a diretriz A microbiota infectante de pacientes de alto ris-
também não recomenda o uso das cefamicinas para co com infecção intra-abdominal comunitária é geral-
o tratamento empírico de pacientes com infecções mente similar à dos pacientes de baixo risco. Alguns
intra-abdominais. pacientes, no entanto, são infectados com agentes
82
Infecções Intra-Abdominais
patogênicos como Enterobacter spp., P. aeruginosa e A cefepime é uma cefalosporina com ação an-
Enterococcus spp. que são resistentes aos agentes de tipseudomonas de quarta geração, a qual, em combi-
espectro mais estreito recomendados para uso em pa- nação com metronidazol, também é recomendada para
cientes de baixo risco. Os pacientes de maior risco infec- o tratamento de pacientes de alto risco com infecção
tados com esses agentes patogênicos podem, portanto, intra-abdominal.
receber terapia antimicrobiana inadequada se forem As susceptibilidades in vitro da Escherichia coli
utilizados agentes do espectro mais estreito. Para forne- à ceftazidima permanecem maiores que 90% na
cer terapia antimicrobiana adequada para pacientes de América do Norte e na Europa; no entanto, a suscep-
alto risco, recomenda-se o uso de regimes antimicrobia- tibilidade desse organismo à ceftazidima é sensivel-
nos empíricos de amplo espectro (Tabela 10.2). mente menor na Ásia, no Oriente Médio e na América
Os agentes incluídos nesta categoria são pipera- Latina, onde predominam as cepas produtoras de
cilina-tazobactam, carbapenêmicos de amplo espectro ESBL de E. coli. Tal como acontece com a maioria dos
(imipenem-cilastatina, meropenem e doripenem) e ce- outros agentes com atividade de amplo espectro
fepime mais metronidazol. A ceftazidima mais metroni- contra organismos gram-negativos, esse regime deve
dazol é uma opção, embora menos apoiada por dados ser reservado principalmente para o tratamento em-
recentes. Da mesma forma, o uso de aztreonam mais pírico de pacientes de alto risco com IAI. Um regime
metronidazol mais vancomicina pode ser considerado, baseado em ceftazidima provavelmente deve ser evi-
particularmente para pacientes com reações alérgicas tado em regiões onde existe uma alta prevalência de
graves aos betalactâmicos, embora também não tenha Enterobacteriaceae que produz ESBL.
sido avaliado em publicações recentes. Importante salientar que as E. coli resistentes a
Para evitar a exposição excessiva do paciente a quinolonas tornaram-se comuns em algumas regiões,
terapia antimicrobiana de amplo espectro e potencial de modo que as quinolonas não devem ser utilizadas,
seleção de microrganismos resistentes adicionais, no a menos que a epidemiologia hospitalar indique > 90%
entanto, também é recomendada um desescalonamen- de susceptibilidade da E. coli às quinolonas.
to da terapia com base em resultados de cultura. Não há evidências de que o uso rotineiro de agen-
Com base na evidência continuada de boa eficá- tes eficazes contra enterococos melhore o desfecho,
cia da piperacilina-tazobactam, a diretriz de 2017 da mas a infecção por este organismo foi associada a um
Surgical Infection Society recomenda esse agente para o desfecho mais desfavorável. Quase todos os enteroco-
tratamento de pacientes com infecção intra-abdominal. cos isolados da infecção intra-abdominais comunitárias
Para evitar o uso excessivo e a potencial promoção da são E. faecalis e geralmente são suscetíveis a ampicilina,
resistência a agentes de amplo-espectro como a pipe- incluindo algumas cepas de E. faecalis resistentes à van-
racilina-tazobactam, a diretriz sugere que este agente comicina. A ampicilina e a piperacilina geralmente têm
seja reservado principalmente para uso em pacientes boa atividade contra E. faecalis in vitro. Entre os carbape-
de alto risco. nêmicos de amplo espectro, o imipenem-cilastatina
b
Se a levofloxacina for a única fluoroquinolona disponível, pode ser substituída por ciprofloxacina. Há pouca evidência em
relação à sua eficácia e não é aprovada pela Food and Drug Administration para tratamento de pacientes com infecção intra-
abdominal complicada.
c
Adicionar ampicilina ou vancomicina para cobertura empírica de enterococos.
d
Ceftazidima mais metronidazol também é uma opção, mas menos bem apoiada por dados recentes.
e
Aztreonam mais metronidazol mais vancomicina é uma opção para pacientes com reações alérgicas graves a antibióticos
betalactâmicos, mas menos bem apoiada por dados recentes.
83
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
também possui boa atividade in vitro, mas o doripenem Tabela 10.3: Critérios para identificar pacientes com
e, particularmente, o meropenem têm menos ativida- infecção intra-abdominal adquirida no setor de saúde ou
de. Considere, portanto, o uso de ampicilina ou vanco- hospitalar
micina para o tratamento empírico antienterococo em
pacientes de alto risco se este não estiver sendo tratado Desenvolvimento de infecção após 48 horas do controle
com piperacilina-tazobactam ou imipenem-cilastatina. inicial do foco
Linezolida e daptomicina são as opções para trata- Hospitalização por mais de 48 horas durante a admissão
mento empírico ou dirigido para infecções suspeitas ou atual ou nos últimos 90 dias
comprovadas de Enterococcus spp. resistente à vanco- Residência em um serviço de enfermagem especializada ou
micina (VRE). outra instalação de cuidados de longa duração nos últimos
Os esquemas antimicrobianos empíricos devem 30 dias;
ser ajustados de acordo com resultados das culturas e Terapia de infusão endovenosa domiciliar, cuidados com
antibiogramas, desescalonando para antibióticos com feridas domiciliar ou diálise nos últimos 30 dias;
perfis de atividade mais estreitos, sempre que possível. Uso de antibioticoterapia de amplo espectro durante 5 dias
A ampicilina-sulbactam não é recomendada de- ou mais nos últimos 90 dias.
vido a altas taxas de resistência a este agente entre E.
coli adquirida na comunidade a nível mundial. A clin- não fermentadores Pseudomonas aeruginosa e
damicina não é recomendada para cobertura antia- Acinetobacter, Klebsiella e E. coli produtoras de beta-
naeróbica empírica devido ao aumento da prevalência lactamase de espectro estendido (ESBL), espécies de
de resistência a esses agentes no grupo Bacteroides Enterobacter, espécies de Proteus, MRSA, enterococos e
fragilis. Devido à disponibilidade de agentes menos espécies de Candida. Para essas infecções, são recomen-
tóxicos e, no mínimo, igualmente eficazes, os amino- dados esquemas complexos com múltiplas drogas, pois
glicosídeos não são recomendados para uso rotineiro a terapia empírica adequada parece ser importante na
em adultos com infecção intra-abdominal adquirida determinação de complicações pós-operatórias e mor-
na comunidade. talidade. A incapacidade de tratar adequadamente os
Mesmo quando fungos são isolados a partir do organismos resistentes, em infecções semelhantes as-
foco infeccioso intra-abdominal, os agentes antifúngi- sociadas ao cuidado da saúde, foi associada ao aumen-
cos são desnecessários em pacientes com infecções in- to da mortalidade. Os padrões de resistência local dos
tra-abdominais comunitárias, a menos que o paciente isolados nosocomiais observados no hospital específi-
tenha alto risco para infecção fúngica. Pacientes graves co devem ditar o tratamento empírico, e o tratamento
com infecções intra-abdominais comunitárias devido deve ser alterado com base em um estudo microbioló-
a perfurações gastrointestinais altas, no entanto, têm gico completo dos espécimes infectados.
uma incidência particularmente elevada de peritonite Para alcançar a cobertura empírica de patóge-
por Candida e a mortalidade nesses pacientes é bastan- nos prováveis, podem ser necessários esquemas mul-
te alta. Considere o uso de agentes antifúngicos para tidrogas que incluem agentes com espectro ampliado
a terapia empírica de pacientes críticos com uma fonte de cobertura a bactérias multirresistentes. Os agentes
gastrointestinal alta. recomendados incluem piperacilina-tazobactam, ce-
fepime mais metronidazol ou um carbapenêmico como
imipenem ou meropenem. Ceftazidima mais metroni-
Infecções intra-abdominais associadas
dazol ou aztreonam mais metronidazol mais vancomi-
a cuidados de saúde cina são alternativas.
Pacientes infectados com microrganismos resis- O potencial papel patogênico dos enterococos
tentes ou oportunistas foram identificados como ten- em infecções pós-operatórias provavelmente justifica o
do maior risco de um desfecho adverso. Há uma ampla uso de um agente empírico antienterocócico na maioria
evidência de que os pacientes com infecções intra-ab- desses pacientes também. Os enterococos são microrga-
dominais associadas a cuidados de saúde, incluindo pa- nismos oportunistas comumente isolados de pacientes
cientes com infecções pós-operatórias, estão em maior com infecções intra-abdominais associadas a cuidados
risco de infecção por agentes patogênicos resistentes de saúde, embora seu papel patogênico nas infecções
ou oportunistas. Porém, mesmo pacientes que não intra-abdominais ainda seja uma questão de algum de-
estão hospitalizados podem estar sob risco de infec- bate. Os pacientes em que a infecção intra-abdominal
ções intra-abdominais devido a esses microrganismos associada a cuidados de saúde desenvolve-se após uma
(Tabela 10.3). operação abdominal parecem estar sob risco especial de
A infecção associada a cuidados de saúde é infecção por Enterococcus spp., assim como os pacien-
comumente causada por uma microbiota mais re- tes que receberam antibioticoterapia de amplo espec-
sistente, que pode incluir os bacilos gram-negativos tro anterior. A terapêutica empírica antienterocócica é
84
Infecções Intra-Abdominais
recomendada para pacientes com infecção intra-abdo- Pacientes sabidamente colonizados por MRSA
minal associada a cuidados de saúde, particularmente e aqueles que com vários fatores de risco para a co-
para aqueles com os seguintes fatores de risco: lonização por MRSA devem receber empiricamente
1. Infecções pós-operatórias; vancomicina ou teicoplanina ou linezolida ou dap-
2. Exposição recente a terapia antimicrobiana de tomicina como alternativas. Outros agentes ativos,
amplo espectro; contra MRSA, incluem a ceftarolina, tigeciclina, te-
lavancina, dalbavancina e oritavancina, mas não há
3. Sinais de sepse ou choque séptico. dados publicados suficientes sobre o manejo de infec-
ções graves para fazer qualquer recomendação sobre
Tanto E. faecalis quanto E. faecium são encontra- o uso desses agentes.
dos com relativa frequência em pacientes com infec- Embora a Escherichia coli ainda seja o principal
ção intra-abdominal associada a cuidados de saúde, agente etiológico gram-negativo nas infecções intra-
sendo esse último responsável por uma proporção -abdominais associadas a cuidados de saúde, ente-
substancial desses isolados enterocócicos. Devido ao robactérias resistentes e bacilos gram-negativos não
maior risco da participação etiológica do E. faecium fermentadores (Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter
em pacientes com infecção intra-abdominal associada baumannii) também são encontrados com alguma fre-
a cuidados de saúde, a terapia antienterocócica em- quência. São fatores de risco para colonização por esses
pírica deve ser dirigida tanto contra E. faecalis como microrganismos:
E. faecium. Os glicopeptídios, geralmente, têm boa
1. Pacientes previamente colonizados ou in-
atividade contra cepas não-VRE de E. faecalis e E. fae-
fectados com um organismo gram-negativo
cium, enquanto que os antibióticos betalactâmicos ti-
resistente;
picamente não possuem atividade contra E. faecium.
Portanto, sugere-se o uso de vancomicina ou teico- 2. Prevalência local de bacilos gram-negativos
planina para pacientes com infecção intra-abdominal resistentes;
associada a cuidados de saúde sob risco de infecção 3. Uso prévio de terapia antimicrobiana de am-
por Enterococcus spp. plo espectro;
A terapia empírica dirigida contra Enterococcus 4. Internações prolongadas;
faecium resistente à vancomicina (VRE) não é recomen- 5. Múltiplas intervenções invasivas prévias.
dada, a menos que o paciente tenha um risco muito alto
de infecção devido a este organismo, como um receptor
de transplante hepático com infecção intra-abdominal O uso de agentes antifúngicos empíricos deve
originária da árvore hepatobiliar ou um paciente sabi- ser considerado naqueles pacientes com infecção in-
damente colonizado com E. faecium resistente à van- tra-abdominal associada a cuidados de saúde com riso
comicina. Sugere-se, nestes casos, o uso de linezolida elevado para infecção por Candida spp. Os fatores de
ou daptomicina empírica. A tigeciclina também possui risco específicos para a peritonite por Candida incluem:
boa atividade in vitro contra VRE, mas há apenas dados 1. Perfurações gastrointestinais recorrentes;
clínicos limitados sobre o uso deste agente para pacien- 2. Perfurações gastrointestinais altas;
tes com infecção intra-abdominal associada a cuidados 3. Pancreatite tratada cirurgicamente;
de saúde por VRE.
4. Antibioticoterapia de amplo espectro
Pacientes colonizados com Staphylococcus au- prolongada;
reus resistentes à meticilina (MRSA) correm o risco de
5. Pacientes fortemente colonizados por
infecções invasivas por MRSA, incluindo infecção intra-
-abdominal pós-operatória. Os fatores de risco para a Candida.
colonização por MRSA são semelhantes aos fatores de
risco para infecção por patógenos resistentes e oportu- Em pacientes com infecção intra-abdominal asso-
nistas relacionados às infecções associadas a cuidados ciada a cuidados de saúde, o achado de fungos na colo-
de saúde: ração de Gram de líquido ou tecido peritoneal infectado
1. Idade avançada; deve ser interpretado como infecção por Candida spp.
2. Comorbidades médicas; O tratamento recomentado para terapia empírica
3. Residência em estabelecimento de cuidados de pacientes gravemente doentes em risco de infecção
prolongados; por Candida spp deve ser com uma equinocandina (ani-
dulafungina, caspofungina ou micafungina). Considere
4. Hospitalização recente;
fluconazol para terapia antifúngica de pacientes menos
5. Cirurgia recente; severos em risco de infecção por Candida spp. A dura-
6. História de exposição recente a agentes ção da terapia deve ser determinada pela adequação
antibióticos. do controle do foco e resposta clínica.
85
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
86
Infecções Intra-Abdominais
inicial. Na maioria dos pacientes, o estudo de imagem saúde, utilizando, se possível, uma classe diferente de
de escolha para investigar a falha do tratamento é a agentes antimicrobianos. Se não houver resposta clíni-
tomografia computadorizada com contraste. As tomo- ca a este teste terapêutico dentro de alguns dias, a tera-
grafias computadorizadas são geralmente bastante pia antimicrobiana deve ser descontinuada e somente
sensíveis na detecção de coleções de fluidos intra-ab- reiniciada se houver evidência de deterioração clínica.
dominais infectados, particularmente quando com- Pacientes com evidências clínicas de falha no
paradas com exames físicos, estudos laboratoriais e tratamento e estudos de imagem que mostrem infec-
outras modalidades de imagem. A tomografia compu- ção intra-abdominal recorrente ou persistente, mas
tadorizada, no entanto, não diferencia necessariamen- nos quais o controle adicional do foco não pode ser
te as coleções de fluidos pós-operatórias infectadas alcançado, devem continuar a antibioticoterapia. A
das não infectadas. terapia antimicrobiana deve ser interrompida quando
Nos pacientes com falha terapêutica e exames os sinais clínicos de inflamação sistêmica ou disfunção
imagem mostrando inflamação intra-abdominal em orgânica diminuírem. Esses pacientes devem ser moni-
atividade devem ser submetidos a uma tentativa com torados para patógenos resistentes, com a terapia an-
agentes antimicrobianos adicionais apropriados para timicrobiana ajustada conforme necessário para tratar
infecção intra-abdominal associada a cuidados de esses agentes patogênicos
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87
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
88
Infecções de Pele e 11
Partes Moles (IPPM)
Kelson Veras
de culturas de aspirados por agulha da pele inflama- celulite moderada e podem, inicialmente, receber os
da também é baixo, variando de ≤ 5% a cerca de 40%. agentes orais efetivos para doença leve. Os pacientes
As culturas de amostras obtidas por biópsia com pun- que apresentam dois ou mais critérios SIRS ou que fa-
ch identificam um patógeno em 20% a 30% dos ca- lham em agentes orais devem ser considerados para um
sos. Hemoculturas, culturas de aspirados de tecido ou esquema intravenoso de cefalotina, ceftriaxona, penici-
biópsias de pele são desnecessárias para casos típicos lina G ou, em casos de alergia à penicilina, clindamicina.
de celulite. Estes métodos diagnósticos devem ser con- As formas graves são aquelas em pacientes com
siderados para pacientes com neoplasias, para aque- dois ou mais critérios de SIRS associado a hipotensão ar-
les que apresentam manifestações sistêmicas graves terial, ou celulite em paciente imunocomprometido ou
(como febre alta e hipotensão) e fatores predisponentes na presença de progressão rápida levando a disfunção
incomuns, como lesões por imersão, mordidas de ani- orgânica. Esses casos devem receber antibioticoterapia
mais, neutropenia e imunodeficiência grave. empírica de largo espectro endovenosa, tais como pi-
As culturas de swab superficial da pele, especial- peracilina-tazobactam ou imipenem ou meropenem,
mente aquelas de feridas ou úlceras crônicas, são co- qualquer um destes associado à vancomicina. A avalia-
mumente polimicrobianas ou colonizadas com agentes ção cirúrgica deve ser solicitada para descartar a possi-
patogénicos multirresistentes que não estão envolvi- bilidade de um processo necrotizante, bem como para
dos na etiologia da celulite subjacente. Por conseguin- a obtenção de amostras para cultura.
te, deve-se ter cuidado ao interpretar ou buscar culturas O Staphylococcus aureus resistente à meticilina
de superficiais, o que pode levar à antibioticoterapia (MRSA) é uma causa incomum de celulite típica. No en-
de amplo espectro desnecessária. A Infectious Diseases tanto, a cobertura para MRSA pode ser considerada na
Society of America (IDSA) não recomenda culturas de celulite associada a trauma penetrante, especialmen-
swab no manejo de úlceras infectadas. te associado ao uso de drogas ilícitas, na presença de
A antibioticoterapia para casos típicos de celulite coleção purulenta ou com evidências simultâneas de
deve incluir um antibiótico ativo contra estreptococos. infecção por MRSA em outros lugares. As opções para
Uma grande porcentagem de pacientes pode receber tratamento de MRSA nessas circunstâncias incluem dro-
medicamentos orais desde o início para a celulite típica gas intravenosas (vancomicina, daptomicina, linezolida
e antibióticos adequados para a maioria dos pacientes ou telavancina) ou terapia oral com doxiciclina, clinda-
incluem penicilina, amoxicilina, amoxicilina-clavulana- micina ou sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP). Se
to, oxacilina, cefalexina ou clindamicina. Nos casos de a cobertura para estreptococos e MRSA for desejada
celulite não complicada, um tratamento de 5 dias de te- para terapia oral, as opções incluem clindamicina iso-
rapia antimicrobiana é tão efetivo como um curso de 10 lada ou a combinação de SMX-TMP ou doxiciclina com
dias, se a melhora clínica tiver ocorrido em 5 dias. um betalactâmico (por exemplo: penicilina, cefalexina
Sinais sistêmicos de infecção, como febre, são ou amoxicilina). A atividade da doxiciclina e SMX-TMP
preditores de falha da antibioticoterapia ambulatorial contra estreptococos β-hemolíticos não é conhecida,
empírica. Pacientes com celulite não purulenta que e na ausência de abscesso, úlcera ou drenagem puru-
atendem a qualquer critério para síndrome de respos- lenta, recomenda-se a monoterapia com betalactâmico
ta inflamatória sistêmica (SIRS), são consideradas como (Figura 11.1).
Cobertura de estreptococos MR
Cobrir MRSA
se fator
de risco
Figura 11.1: Antibioticoterapia empírica para infecções não purulentas de pele e partes moles.
90
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)
IPPM purulenta
Vancomicina,
VO: EV: linezolida,
cefalexina, oxacilina, oxacilina, daptomicina
amoxicilina-clavulanato, cefalotina,
clindamicina clindamicina
Figura 11.2: Antibioticoterapia empírica para infecções purulentas de pele e partes moles.
91
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
92
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)
Tabela 11.1: Tratamento empírico para infecções necrotizantes de pele e partes moles
Hipersensibilidade severa à
Primeira escolha Dose
penicilina
Vancomicina 15 mg/kg q12h EV Clindamicina ou
MAIS metronidazol MAIS
Piperacilina-tazobactam 4,5 g q6-8h EV aminoglicosideo ou
OU fluoroquinolona
Imipenem OU 1 g q 6-8h EV
Meropenem OU 1 g q8h EV
Ertapenem OU 1 g/dia EV
Ceftazidima OU 2 g q8h EV
Cefepime MAIS metronidazol OU 500 mg q6h EV
Ciprofloxacina OU 400 mg q8h EV
Levofloxacina mais metronidazol 750 mg q24h EV
Clindamicina1 600-900 mg q8h EV
1
Acrescentar clindamicina sempre que o paciente apresentar hipotensão ou outra disfunção orgânica. O emprego da
clindamicina não é direcionado a cobertura de anaeróbios, mas devido a sua ação inibitória da síntese proteica, reduzindo a
produção de toxinas pelo S. aureus, estreptococos e clostrídios.
93
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Tabela 11.2: Tratamento para infecções necrotizantes de pele e partes moles de etiologia determinada
IPM necrotizantes
94
Infecções de Pele e Partes Moles (IPPM)
desbridamento cirúrgico emergente e antibióticos que a tetraciclina, clindamicina e cloranfenicol são mais
apropriados. Uma vez que outras bactéria diferentes eficazes do que a penicilina. Como 5% das cepas de C.
dos clostrídios também produzem gás nos tecidos, a perfringens são resistentes à clindamicina, a combina-
cobertura inicial deve ser tão ampla como a recomen- ção de penicilina mais clindamicina é o tratamento an-
dada para a fasciite necrotizante, até o diagnóstico ser tibiótico recomendado. O valor do tratamento adjunto
estabelecido por cultura ou coloração de Gram. O trata- de com oxigenioterapia hiperbárico para a gangrena
mento experimental da gangrena gasosa demonstrou gasosa é controverso.
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95
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
96
Infecção por 12
Clostridioides difficile
Kelson Veras
toxina, a qual pode estar associada a aumento da viru- Outras características clínicas consistentes com
lência. Esta toxina, que tem 2 subunidades, é chamada infecção pelo C. difficile incluem cólicas abdominais,
de toxina binária. A mesma interfere com a polimeriza- febre, leucocitose e hipoalbuminemia. Os sintomas sis-
ção da malha de actina subjacente à membrana celular, têmicos geralmente estão ausentes em doenças leves,
resultando em protrusões celulares formadas por mi- mas são comuns em doenças moderadas ou graves.
crotúbulos e liberação de fibronectina aumentada para No geral, a febre ocorre em cerca de 28% dos casos,
a superfície celular, aumentando assim a adesão do C. leucocitose em por volta de 50% e dor abdominal em
difficile às células intestinais. aproximadamente 22%. A febre e a leucocitose podem
ser graves em muitos pacientes, com temperaturas que
ocasionalmente atingem 40 °C e contagens de leucóci-
História Natural tos que às vezes se aproximam de 50.000 células/mm3.
A dor abdominal, quando ocorre, geralmente é locali-
A infecção e a colonização pelo C. difficile estão
zada nos quadrantes inferiores. A hipoalbuminemia,
associadas com variáveis diferentes do hospedeiro e do
resultado de grandes perdas de proteínas atribuíveis à
patógeno. A idade avançada, o uso de antibióticos e o
enteropatia, pode ocorrer no início da doença.
uso de inibidores da bomba de prótons são fatores de
risco significativos para a infecção por C. difficile. Por sua Pacientes com doença grave podem desenvolver
vez, a hospitalização nos últimos dois meses, o uso de íleo colônico ou dilatação tóxica e apresentam dor ab-
quimioterapia e o uso de inibidores da bomba de pró- dominal e distensão, mas com diarreia mínima ou sem
tons ou bloqueadores H2 são fatores de risco significati- diarreia. As complicações da colite grave pelo C. difficile
vos para a colonização por C. difficile. incluem desidratação, distúrbios eletrolíticos, hipoal-
Após o estabelecimento da colonização com pro- buminemia, megacólon tóxico, perfuração intestinal,
dução de toxina, cerca de 10 a 60% dos pacientes de- hipotensão, insuficiência renal, síndrome de resposta
senvolve infecção pelo C. difficile, sendo que o restante inflamatória sistêmica, sepse e morte.
desenvolve colonização assintomática. Metade dos pa-
cientes continua colonizado e eliminando esporos até
um mês após a resolução dos sintomas.
Diagnóstico
Os pacientes devem ser submetidos a investiga-
ção diagnóstica para C. difficile apenas na presença de
Manifestações Clínicas sinais (diarreia com ou sem dor abdominal) ou caracte-
As manifestações clínicas da infecção por cepas rísticas clínicas ou radiográficas (íleo ou megacólon tó-
produtoras de toxinas do C. difficile variam de portador xico) de infecção por C. difficile ou, ainda, em pacientes
assintomático, diarreia leve ou moderada, a colite pseu- com leucocitose inexplicada ou outros sinais de infec-
domembranosa fulminante e, às vezes, fatal. ção e na presença de fatores de risco, como hospitaliza-
ção e exposição a antibióticos.
A apresentação clínica mais comum da infecção
pelo C. difficile é a diarreia associada a uma história de Os exames de amostras fecais para C. difficile po-
uso de antibióticos. O início da diarreia é, tipicamente, dem ser divididos da seguinte forma:
durante ou logo após um esquema de antibioticotera- Métodos de triagem:
pia, mas pode ocorrer a partir de alguns dias após o iní- Pesquisa da glutamato desidrogenase do C.
cio da terapia antibiótica até 8 semanas após o término difficile;
da terapia. Pesquisa das toxinas A e B.
Para a doença leve a moderada, a diarreia geral- Métodos confirmatórios:
mente é o único sintoma, com os pacientes apresen-
Cultura;
tando até 10 evacuações por dia embora, comumente,
seja consideravelmente menos. As fezes geralmente PCR para C. difficile toxigênico.
são aquosas, com um odor fétido característico, em-
bora também ocorram fezes mucosas ou amolecidas. Os imunoensaios para glutamato desidrogena-
Evacuação sanguinolenta significativa é raro. se (GDH) detectam um antígeno (enzima) comum alta-
Em pacientes criticamente graves com sepse mente conservado no C. difficile. A enzima GDH tem se
sem fonte óbvia, a infecção pelo C. difficile deve ser in- mostrado um marcador de triagem sensível. Visto que
cluída no diagnóstico diferencial. É importante perce- muitas bactérias intestinais têm essa enzima, ela é deci-
ber que muitos desses pacientes criticamente doentes siva para sistemas de identificação que detectam a GDH
não apresentarão diarreia como sintoma predominan- específica para o C. difficile com especificidade con-
te, por causa da dismotilidade colônica grave induzida fiável e alta sensibilidade. Esse antígeno é produzido
pela infecção. em níveis elevados em todos os isolados de C. difficile,
98
Infecção por Clostridioides difficile
incluindo cepas toxigênicas e não toxigênicas. É um Um exemplo típico de algoritmo de múltiplos es-
exame barato, de fácil execução e rápido. tágios pesquisaria a GDH seguido de imunoensaio para
O teste de imunoensaio enzimático para a to- toxina A ou toxina B. Os testes de amplificação do DNA
xina A e B do C. difficile é rápido, mas é menos sensí- poderiam, então, ser usados para confirmação quando
vel do que o ensaio de citotoxina celular e, portanto, há discrepância entre os resultados da GDH e da pesqui-
é uma abordagem alternativa sub-ótima para o diag- sa de toxinas.
nóstico. Durante vários anos, esses ensaios baratos,
rápidos e simples foram os testes comerciais de esco-
lha para a maioria dos laboratórios para o diagnóstico
Exames de Imagem
de infecção pelo C. difficile. Como algumas cepas de A detecção de colite pseudomembranosa
C. difficile não produzem toxina A, recomenda-se que (CPM) por meio da visualização endoscópica é diagnós-
os imunoensaios de toxinas detectem as toxinas A e B. tica para infecção por C. difficile (embora haja muitas
As amostras de fezes podem ser mantidas a 4 °C por outras causas de CPM, elas são extremamente raras).
dias ou semanas antes de serem testadas quanto à to- A colonoscopia é o procedimento preferido porque a
xina. Um estudo grande recente mostrou sensibilidade CPM está restrita ao cólon direito em até um terço dos
de dois tipos de imunoensaios para toxinas entre 68 a pacientes e, consequentemente, escapará à detecção
83%, com especificidades de aproximadamente 99%. por sigmoidoscopia. A CPM, contudo, geralmente não
O desempenho dos imunoensaios de toxinas varia, está presente, tornando a endoscopia relativamente in-
portanto, marcadamente entre os fabricantes, por isso sensível (» 51%). Esse procedimento também determina
é importante selecionar um imunoensaio relativamen- risco de perfuração em casos de colite fulminante.
te sensível. O desempenho geral dos imunoensaios de Os achados da radiografia simples geralmen-
toxinas levou à recomendação de que esses testes não te são normais em pacientes com CDI, a menos que
devem ser usados como testes isolados para o diag- tenham íleo ou megacólon tóxico. A tomografia
nóstico, mas fazendo parte de um algoritmo de 2 ou computadorizada (TC) do abdômen e da pelve é re-
3 estágios. comendada em pacientes com infecção por C. difficile
O teste de referência para C. difficile é o teste de complicada. As TC abdominais e pélvicas podem ser
citotoxicidade celular (CTC), o qual verifica a presença usadas como complemento para determinar a gravi-
de toxina livre nas fezes. O CTC depende da detecção dade e extensão da doença e podem detectar espes-
do efeito citopático em cultura celular, confirmado pela samento da parede do cólon, ascite, megacólon, íleo
neutralização desse efeito por anticorpos para a toxina ou perfuração. As características tomográficas caracte-
do C. difficile. As células (geralmente células Vero) são rísticas incluem o espessamento da parede colônica, o
cultivadas na presença de filtrado de fezes com e sem espessamento da gordura mesentérica pericolônica, o
a presença de anticorpos antitoxina. Essas culturas são “sinal do acordeom”, o “sinal do duplo halo” (também
examinadas microscopicamente às 24 e 48 horas para conhecido como “sinal do alvo”) e ascite (que sugere
um efeito citopático, que é abolido pela antitoxina. hipoalbuminemia). Não deve haver envolvimento do
Esse teste requer a capacidade de realizar uma cultura intestino delgado, uma vez que o C. difficile é tipica-
celular, raramente disponível em laboratórios comer- mente restrito ao cólon. Estes achados são sugestivos
ciais. Devido a essas dificuldades técnicas, esse teste de CPM, embora tanto o sinal do acordeom como o
confirmatório foi suplantado pelos testes de biologia duplo halo são sinais tomográficos inespecíficos de
molecular. colite de qualquer etiologia.
Os testes de amplificação de ácido nucleico
para o gene tcdA são modalidades de diagnóstico pre-
cisas para detectar C. difficile toxigênicos em amostras Tratamento
fecais com sensibilidade (0,87 a 0,92), especificidade
(0,94 a 0,97), razão de verossimilhança (likelihood ratio)
positiva (26,89) e razão de verossimilhança negativa Tratamento de suporte
(0,11) elevadas. No entanto, não distinguem a coloniza- Inicialmente, o tratamento da infecção pelo C.
ção por C. difficile da infecção ativa. Aproximadamente difficile deve almejar o tratamento do choque, caso pre-
45% dos testes de PCR tornam-se negativos após 3 sente, onde a reanimação volêmica tem um papel pre-
dias de terapia com antibióticos. A iniciação da terapia ponderante. Outras complicações devem ser abordadas
antes do teste pode resultar, portanto, em resultados concomitantemente, tais como a correção dos distúr-
falso-negativos. Esses testes, contudo, não devem ser bios eletrolíticos. Antibióticos sistêmicos que não sejam
realizados para comprovar cura, uma vez que podem mais necessários devem ser descontinuados. Deve-se
permanecem positivos em 60% dos pacientes após o evitar antiperistálticos, uma vez que mascaram sinto-
tratamento bem-sucedido. mas e podem precipitar megacólon tóxico.
99
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
100
Infecção por Clostridioides difficile
a administração de vancomicina por enema para ga- a cirurgia se não houver melhora na perfusão sistêmica
rantir que o tratamento atinja a área afetada, usando após 24 horas de tratamento clínico agressivo de sepse e
enemas de vancomicina de 500 mg em 100 a 500 mL instituição de tratamento antibiótico adequado da infec-
de solução salina normal a cada 6 horas, dependendo ção por C. difficile. Em pacientes com doença grave, mas
o volume do comprimento do segmento a ser tratado. não fulminante, a ausência de melhora com tratamento
A duração da terapia por enema deve continuar até o clínico otimizado é uma indicação adicional para a tera-
paciente ter uma melhoria significativa. pia cirúrgica. No entanto, não há consenso sobre o que
Outros antibióticos que têm atividade contra C. constitui uma ausência de resposta ao tratamento clínico
difficile são rifaximina, nitazoxanida, ramoplanina, tei- ou quanto tempo a terapia médica isoladamente deve
coplanina e tigeciclina. No entanto, devido a dados li- ser mantida antes de declarar o paciente como uma falha
mitados, alto custo, um perfil desfavorável de eventos clínica. Muitos continuam o tratamento medicamentoso
adversos e resistência a C. difficile (associado à rifaximina por um período mínimo de 3 a 5 dias antes de considerar
em particular), o uso desses agentes não é recomendado, o tratamento cirúrgico, desde que o paciente não esteja
exceto nos casos de efeitos adversos inaceitáveis associa- deteriorando.
dos à terapia padrão, necessidade de terapia de resgate Neal e cols. sugeriram, em um estudo publica-
para doença fulminante quando a cirurgia é necessária do em 2011, uma técnica cirúrgica alternativa por via
mas não é possível e em casos de infecção recorrente in- laparoscópica que consistia em uma ileostomia em alça
tratável. A tigeciclina deve ser administrada na dose de através da qual era realizada uma generosa lavagem co-
50 mg endovenosa a cada 12 horas por 14 dias. lônica intraoperatória com uma solução laxante osmó-
tica de polietilenoglicol em solução salina balanceada.
Administração de vancomicina colônica anterógrada
Tratamento cirúrgico via ileostomia (500 mg em 500 mL de Ringer-lactado
A colite grave por C. difficile é geralmente tra- a cada 8 horas por 10 dias) era realizada no pós-ope-
tada com cuidados de suporte e antibióticos. Apenas ratório. Além disso, os pacientes continuavam usando
um pequeno número de pacientes com essa doença metronidazol intravenoso (500 mg a cada 8 horas du-
(0,4% a 3,5%) é submetido a intervenções cirúrgicas. rante 10 dias). Essa técnica minimamente invasiva levou
No entanto, a maioria dos pacientes com doença gra- à preservação do cólon em mais de 90% dos pacientes
ve complicada deve ser submetida a uma avaliação por (de um total de 42 pacientes) e melhorou significati-
um cirurgião relativamente cedo em sua evolução, para vamente a sobrevida em comparação com controles
consideração de tratamento cirúrgico potencial, caso o históricos submetidos a colectomia (19% versus 50%
tratamento clínico seja ineficaz. O procedimento cirúr- de mortalidade). As vantagens dessa abordagem são
gico mais comum realizado para o tratamento da colite a provável maior disposição dos cirurgiões em utilizar
por C. difficile é a colectomia subtotal com ileosto- esse tratamento no início da doença com base na po-
mia terminal. Isso, geralmente, resulta no controle do tencial preservação do cólon e menos consequências
foco da infecção. Porém, esse procedimento cirúrgico adversas a longo prazo. Contudo, ainda é necessária
grande e de elevada morbidade é realizado em pacien- uma validação adicional dessa abordagem.
tes bastante comprometidos. Desse modo, as taxas de
mortalidade e complicações são elevadas. Em uma série
de estudos, a mortalidade operatória de indivíduos sub- Tratamento das recidivas
metidos a intervenção cirúrgica para colite por C. diffici- Uma primeira recorrência do CDI pode ser trata-
le foi de aproximadamente 50%. da com vancomicina enteral (particularmente se o me-
As indicações para tratamento cirúrgico de pa- tronidazol houver sido utilizado no primeiro episódio),
cientes com colite por C. difficile são ambíguas. A im- fidaxomicina ou com vancomicina com desmame pro-
previsibilidade do curso clínico da doença, bem como o longado, segundo o esquema abaixo.
desejo de evitar um procedimento de alta morbidade e 125 mg 4 vezes ao dia por 14 dias;
potencialmente letal, muitas vezes leva a atrasos na in- A seguir, 125 mg 2 vezes ao dia por 7 dias;
tervenção cirúrgica. Isso pode levar a realizar-se a cirurgia A seguir, 125 mg uma vez ao dia por 7 dias;
em um paciente cujo prognóstico geral é ruim devido a
A seguir, 125 mg uma vez ao dia a cada 2-3
doença avançada. A decisão de pelo tratamento cirúrgi-
dias por 2-8 semanas.
co para alguns pacientes com colite fulminante ou com
risco de vida é clara. Não é provável que os pacientes que
apresentam megacólon tóxico, perfuração do cólon, san- O metronidazol não é recomendado para o trata-
gramento refratário ou necrose colônica como resultado mento de infecção recorrente, uma vez que as taxas de
da isquemia colônica sobrevivam com tratamento clínico resposta inicial e sustentada são inferiores às da vanco-
isolado. Em pacientes com choque séptico devido a co- micina. Além disso, o metronidazol não deve ser usado
lite por C. difficile, a intervenção cirúrgica precoce tam- para terapia de longa duração devido ao potencial de
bém deve ser considerada. A recomendação é proceder neurotoxicidade cumulativa.
101
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Kelson Veras
Frederico Bruzzi de Carvalho
André Japiassú
MENINGITES E Epidemiologia
MENINGOENCEFALITES A incidência de casos de meningite aumentou de
COMUNITÁRIAS forma global de 2,5 milhões em 1990 para 2,82 milhões
em 2016. A incidência de persiste mais elevada nos paí-
ses do cinturão da meningite (países da zona do Sahel
Introdução da África subsaariana, Figura 13.1).
Por outro lado, o número global de mortes por
A meningite é uma infecção das meninges e do meningite diminuiu em 21,0% de 1990 para 2016. As
espaço subaracnóideo, mas também pode envolver maiores taxas de mortalidade também estão nos países
o córtex e o parênquima cerebral (meningoencefali- do cinturão da meningite. Dos países com os maiores
te) devido à estreita relação anatômica entre o líquido declínios da mortalidade em 2016 o Brasil encontra-
cefalorraquidiano (LCR) e o cérebro. O envolvimento -se na primeira posição, à frente da China, Sudão, EUA,
inflamatório do espaço subaracnóideo com a irritação Nepal, Haiti, Egito, Indonésia, Myanmar, Níger e Índia,
meníngea leva à tríade clássica de dor de cabeça, febre e todos com declínios na mortalidade de meningite de
meningismo, e a uma pleocitose no LCR. O envolvimen- pelo menos 50% entre 1990 e 2016 (Figura 13.2).
to do córtex cerebral e do parênquima pode resultar em A meningite bacteriana pode tornar-se rapida-
alterações comportamentais, anormalidades neurológi- mente fatal e levar a incapacidades graves em quem
cas focais e comprometimento da consciência. Embora sobrevive. Sobreviventes podem ter complicações
esses últimos sinais sejam classicamente considerados como comprometimento cognitivo, problemas com-
como encefalite, a meningite e a encefalite devem ser portamentais, perda auditiva, fraqueza motora, parali-
vistas como um continuum.1 sia, distúrbios da coordenação ou convulsões. Embora
Figura 13.1: Incidência global de meningite (novos casos por 100.000 habitantes).
FONTE: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
4,0
H. infuenzae.4
Mais de 30 tipos diferentes de vírus podem cau-
sar meningite aguda. Contudo, os enterovírus são os
3,0 principais agentes etiológicos, responsáveis por cau-
sa 85% a 95% dos casos. Dos mais de 70 subtipos de
enterovirus, os dois mais comumente implicados na
2,0
etiologia das meningites agudas são o ecovírus 30 e a
coxsackie A1.5
1,0
Meningite Comunitária Subaguda/
0,0 Crônica em Pacientes Imunocompetentes
e Meningite Comunitária Aguda em
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
106
Infecções do Sistema Nervoso Central
como: bactérias (Mycobacterium tuberculosis, Listeria dos casos. Porém, 95% dos pacientes apresentavam
monocytogenes, Salmonella typhi, Borrelia burgdorferi, pelo menos dois dos quatro sintomas mais típicos cons-
Treponema pallidum, Brucella melitensis, Leptospira inter- tituídos por febre, cefaleia, rigidez de nuca e alteração
rogans), fungos (Cryptococcus neoformans, Histoplasma do nível de consciência.
capsulatum) e parasitas (Toxoplasma gondii, Cysticercus
cellulosae, Naegleria fowlery, Plasmodium falciparum, Tabela 13.1: Principais sinais e sintomas em pacientes com
Trypanosoma cruzi). meningite comunitária em adultos12
Existem diferenças regionais importantes na
etiologia de encefalites por arbovírus, inclusive dentro Sinais e sintomas Frequência
de um mesmo país. Atualmente, as arboviroses ence- Cefaleia 87%
fatoligênicas de maior importância clínica e epidemio- Meningismo 83%
lógica são: dengue, febre do Nilo Ocidental, encefalite
Febre 77%
venezuelana, encefalite equina do leste, encefalite equi-
na do oeste, encefalite japonesa e encefalite de Saint Náusea 74%
Louis. Vale salientar que infecções sintomáticas pelos Alteração do nível de consciência 69%
vírus Ilhéus e Oropouche foram registradas na região Achados neurológicos focais 33%
Norte, vírus da encefalite de Saint Louis e vírus Rocio no
Convulsões 5%
estado de São Paulo e de vírus do Nilo Ocidental no es-
tado do Piauí.8
Diagnóstico Laboratorial
Manifestações Clínicas
Diante da multiplicidade etiológica das menin-
A meningite é estritamente definida como in- gites, encefalites e meningoencefalites, torna-se funda-
flamação das meninges, enquanto a encefalite é es-
mental para otimização de recursos e para aumentar a
tritamente definida pela presença de um processo
capacidade diagnóstica dos mesmos levar em conside-
inflamatório do parênquima encefálico (cérebro, tronco
rações os fatores que alteram esta etiologia, tais como
cerebral e cerebelo) associado a evidências clínicas de
disfunção neurológica focal ou difusa. manifestações clínicas (meningite versus encefalite),
tempo de duração da doença, estado imunológico do
A meningite causa febre, meningismo e cefaleia
paciente, além de aspectos epidemiológicos.
mas, além de deprimir o estado mental de um pacien-
te, não afeta a função cerebral cortical (por exemplo, Um estudo sugeriu um interessante protocolo
afasia, convulsão, hemiparesia). A encefalite também para a investigação da etiologia das meningites/menin-
pode apresentar cefaleia, febre e estado mental alte- goencefalites conforme o paciente enquadra-se em um
rado, porém distúrbios corticais como convulsões, al- dos seguintes perfis:3
terações comportamentais, distúrbios de linguagem 1. Meningite aguda em pacientes imunocom-
e sinais neurológicos focais são uma parte comum e petentes;
proeminente da síndrome. Embora alterações do es-
tado mental, convulsões ou sinais neurológicos focais 2. Meningite subaguda/crônica ou meningite
possam ocorrer na meningite, eles são menos proe- aguda em paciente imunodeprimido;
minentes e geralmente mais tardiamente no curso da 3. Meningoencefalite.
doença do que na encefalite. A maioria dos pacientes
tem predomínio de manifestações de uma ou de ou-
tra destas síndromes, mas muitos apresentam carac- O algoritmo proposto estabeleceu o limite de
terísticas combinadas, caracterizando a síndrome da sete dias entre as meningites agudas e subagudas e não
meningoencefalite.8,9,10,11 fez distinção entre o tempo de evolução das meningi-
tes subagudas e crônicas, por conta da similaridade dos
Um estudo prospectivo holandês de abrangên-
cia nacional12 avaliando as características clínicas em agentes etiológicos mais frequentemente envolvidos
adultos com meningite bacteriana adquirida na comu- e do caráter aditivo da investigação diagnóstica reco-
nidade identificou que os sinais e sintomas clássicos de mendada (Figura 13.3).
meningite bacteriana estavam presentes em uma gran-
de proporção de pacientes (Tabela 13.1). Contudo, a
tríade clássica de febre, rigidez de nuca e alteração do
nível de consciência estavam presentes em apenas 44%
107
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Suspeita de meningite
Sim Sim
Imunodepressão Sinais de encefalite
Não Não
Sim
Sinais de encefalite
Não
Etiologia bacteriana piogênica e viral* Etiologias bacteriana (piogênica), Etiologias bacteriana, fúngica,
fúngica, micobacteriana micobacteriana, treponematosa,
e treponematosa parasitária e viral
Exames de neuroimagem
Figura 13.3: Algoritmo para investigação laboratorial dirigida de casos suspeitos de meningite3
Exame de Imagem Antes da Punção desvio adicional no encéfalo, levando à herniação fatal.
Contudo, nenhum estudo identificou características
Lombar associadas a um aumento do risco de herniação após
Os exames de neuroimagem antes da punção a punção lombar. Embora, um estudo tenha mostrado
lombar são indicados para detectar herniação cere- que certas características (idade > 60 anos, imunocom-
bral ou desvios de compartimentos cerebrais. Se esses prometidos, história de doença neurológica, convulsões
estão presentes e uma punção lombar é feita existe a recentes e alguns achados neurológicos anormais) esta-
preocupação teórica de que uma redução na pres- vam associadas a anormalidades na imagem, o risco de
são causada pela punção lombar possa precipitar um herniação cerebral não foi avaliado.13
108
Infecções do Sistema Nervoso Central
109
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Tabela 13.3: Antibioticoterapia empírica para suspeita de meningite bacteriana aguda comunitária6
Não há estudos randomizados sobre a duração mesmo estudo, contudo, em pacientes com meningite
da antibioticoterapia na meningite bacteriana em adul- bacteriana confirmada, houve uma redução significati-
tos. Atualmente, a duração da antibioticoterapia para a va no risco de morte ou incapacidade aos 6 meses, os
doença meningocócica é de 5 a 7 dias, sendo um pou- quais também apresentaram significativamente menos
co mais longa para meningite pneumocócica (10 a 14 sequelas auditivas que no grupo placebo.
dias). A meningite por Listeria deve ser tratado por um
mínimo de 21 dias.
Um grande estudo multicêntrico controlado MENINGITE E VENTRICULITE
randomizado europeu em adultos encontrou que a de- NOSOCOMIAIS
xametasona, iniciada 15 a 20 minutos antes da adminis-
tração parenteral de antibióticos, na dose de 10 mg a
cada seis horas por via intravenosa durante quatro dias, Patogênese e Etiologia
mostrou uma porcentagem de pacientes com resulta-
do desfavorável significativamente menor1 e reduziu A meningite pode estar associada a uma varie-
ligeiramente a mortalidade nos casos de meningite dade de procedimentos invasivos ou traumatismo cra-
pneumocócica.18 niano. A meningite nosocomial apresenta um espectro
Contudo, a administração de dexametasona em diferente de microrganismos em relação à meningite
pacientes com meningite bacteriana em países pobres comunitária e os mecanismos patogênicos também são
não encontrou diferenças na mortalidade e na incidên- diferentes comparativamente à meningite adquirida na
cia de sequelas em crianças19, enquanto que em adultos comunidade.
e adolescentes observou-se até um risco aumentado de A ventriculite é uma infecção cerebral rara que
morte nos casos em que a etiologia bacteriana não foi tem sido variavelmente referida como ependimite,
confirmada,20 uma observação que pode ser explicada abscesso intraventricular, empiema ventricular e pio-
por casos de meningite tuberculosa que receberam cor- céfalo. Existem várias rotas possíveis através das quais
ticoide sem estar em uso de tuberculostáticos. Nesse um patógeno pode entrar no sistema intraventricular,
incluindo inoculação direta secundária a traumatismo
1
O resultado primário foi a pontuação oito semanas após a craniano ou procedimentos neurocirúrgicos (por exem-
randomização, conforme avaliado pelo médico do paciente. plo: craniotomia, implante de cateteres ventriculares in-
Um resultado desfavorável foi definido como uma pontuação
ternos ou externos, punção lombar, infusões intratecais
de 1 a 4 na Escala de Desfecho de Glasgow (Glasgow Outcome
Scale). Uma pontuação de 1 indica morte; 2, estado vegeta- de medicamentos ou raquianestesia), através de exten-
tivo (o paciente é incapaz de interagir com o ambiente); 3, são por contiguidade a partir da ruptura de um absces-
incapacidade grave (o paciente é incapaz de viver de forma so cerebral ou, em casos raros, infecção metastática em
independente, mas pode seguir os comandos); 4, incapaci- pacientes com bacteremia hospitalar.21,22
dade moderada (o paciente é capaz de viver de forma inde-
pendente, mas incapaz de retornar ao trabalho ou à escola); As bactérias específicas que causam a meningi-
e 5, leve ou nenhuma incapacidade (o paciente é capaz de te nosocomial variam de acordo com a patogênese e
retornar ao trabalho ou escola). o momento da infecção após o evento predisponente.
110
Infecções do Sistema Nervoso Central
Assim, nas meningites que se desenvolvem após neuro- relacionadas à infecção ou se são secundárias à razão
cirurgia ou em pacientes hospitalizados por um período subjacente para a colocação do cateter ventricular ou
prolongado após trauma cranioencefálico penetran- se são resultado de neurocirurgia, hemorragia intracra-
te ou fratura da base do crânio a etiologia usual inclui niana ou trauma craniano prévios, pois nessas situações
ou por bacilos Gram-negativos Staphylococcus aureus, a hemorragia intraventricular pode ser a causa destas
e bacilos Gram-negativos (incluindo enterobactérias, alterações laboratoriais ou determinar uma reação in-
Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter sp.). Na me- flamatória (meningite química)2. Por outro lado, embora
ningite ou ventriculite como complicação de derivação uma elevação da contagem de leucócitos no LCR esteja
ventricular interna, os agentes etiológicos são compo- correlacionada com a presença de infecção, a infecção
nentes da microbiota da pele, tais como estafilococos do SNC pode estar presente mesmo em pacientes com
coagulase-negativos (principalmente Staphylococcus contagem normal de leucócitos no líquor.23
epidermidis) e Propionibacterium acnes, exceto se o pa- Os dados sobre o valor do lactato liquórico para o
ciente já encontrar-se hospitalizado por tempo prolon- diagnóstico de meningite e ventriculite nosocomiais são
gado, em cujo caso a etiologia é tipicamente hospitalar conflitantes. Uma vez que a hemorragia subaracnóidea
(S. aureus, bacilos Gram-negativos). Embora as infec- e o trauma cranioencefálico sabidamente podem cau-
ções nosocomiais fúngicas do LCR sejam muito menos sar hiperglicólise, não é surpreendente que o lactato no
comuns do que as causadas por bactérias, a frequência LCR possa estar elevado nesses pacientes. Por outro lado,
de meningite e ventriculite por Candida tem aumenta- também está demonstrado que as medicações depres-
do nos últimos anos.23,24 soras do SNC (benzodiazepínicos e opioides, por exem-
plo) reduzem as concentrações de lactato no LCR.23
111
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Idealmente, as culturas devem ser coletadas do Tabela 13.5: Dosagens recomendadas de agentes
local de injeção e de coleta de amostra do dreno ven- antimicrobianos em adultos com função renal e hepática
tricular externo (ao invés do saco de drenagem), com o normais.23
intuito de reduzir o risco de contaminação no momento
Intervalo entre
da coleta.23 Antimicrobianos Dose total diária
doses (horas)
Amicacina 15 mg/kg 8h
Antibioticoterapia Empírica Ampicilina 12 g 4h
Quando houver pleocitose no liquórica, a terapia Cefepime 6g 8h
antimicrobiana deve ser iniciada após a coleta de líquor Cefotaxima 8-12 g 4-6 h
para cultura e antes mesmo que os resultados da cultu-
Ceftazidima 6g 8h
ra estejam disponíveis, caso haja suspeita de infecção.
Ceftriaxona 4g 12 h
Os microrganismos que causam essas infecções,
frequentemente, formam biofilmes nos pacientes com Ciprofloxacina 800-1200 mg 8-12 h
dispositivos protéticos intracranianos nos quais os Daptomicina 6-10 mg/kg 24 h
agentes antimicrobianos não penetram bem. Portanto, Gentamicina 5 mg/kg 8h
a terapia medicamentosa deve ser associada à remoção
do cateter intraventricular suspeito. Linezolida 1.200 mg 12 h
A antibioticoterapia empírica com vancomicina Meropenem 6g 8h
associado a cefepime, ceftazidima ou meropenem é Moxifloxacina 400 mg a
24 h
apropriada na maioria dos casos.23 A escolha empírica Oxacillina 12 g 4h
para cobertura dos bacilos Gram-negativos deve ser ba-
24 milhões de
seada nos padrões de susceptibilidade antimicrobiana Penicilina G 4h
unidades
locais desses patógenos. O meropenem é o agente de
escolha caso um carbapenêmicos seja cogitado, devido Trimetoprim-
10-20 mg/kgb 6-12 h
ao menor risco de convulsão com meropenem do que sulfametoxazol
com imipenem.21 Vancomicina 30-60 mg/kg 8-12 h
Antifúngicos
Antibioticoterapia Específica Anfotericina B
complexo lipídico
5 mg/kg 24 h
A vancomicina deve ser usada se a infecção for Fluconazol 400-800 mg 24 h
causada por S. aureus resistente à meticilina (MRSA).
Anfotericina B
Linezolida, daptomicina ou trimetoprim-sulfametoxa- 3-5 mg/kgc 24 h
lipossomal
zol são outras opções terapêuticas para cepas de MRSA.
Caso o estafilococo isolado for sensível à meticilina Posaconazol 800 mgd 6-12 h
(MSSA), a terapia deve ser alterada para oxacilina.23 Voriconazol 8 mg/kg e
12 h
Para o tratamento da infecção causada por baci- a
Não há dados sobre a dose ideal em pacientes com
los Gram-negativos (Enterobacteriaceae, Pseudomonas
meningite bacteriana.
sp., Acinetobacter sp.) a terapia poderá incluir cefepime,
ceftazidima ou meropenem ou outros agentes anti- b
Dosagem baseada no componente trimetoprim.
microbianos alternativos como aztreonam ou fluoro- c
Dose de 5-7,5 mg/kg a cada 24 horas em pacientes com
quinolona. Devido à fraca penetração do tazobactam infecção por Aspergillus.
no LCR, a piperacilina-tazobactam não é aconselhada
no tratamento de meningite e abscesso cerebral.26 A
d
Dose de 200 mg por via oral a cada 6 horas inicialmente,
escolha da antibioticoterapia é totalmente depen- depois 400 mg por via oral a cada 12 horas.
dente do antibiograma devido a grande variabilidade e
Dose de ataque de 6 mg/kg por via intravenosa a cada 12
de perfil de resistências dos bacilos Gram-negativos horas por 2 doses.
hospitalares. Para cepas que demonstrem resistência
aos carbapenêmicos, a colistina, sob forma de colisti- usadas porque não atingem concentrações adequa-
metato de sódio ou polimixina B, é a opção habitual das no líquido cefalorraquidiano (LCR). O tratamento
(Tabela 13.5).23 deve continuar até que todos os sinais e sintomas da
O tratamento da meningite fúngica depende infecção tenham se resolvido, o LCR tenha se normali-
do patógeno. Uma formulação lipídica intravenosa de zado e não haja evidência radiográfica de infecção. O
anfotericina B é recomendada para a ventriculite e me- tratamento recomendado para a ventriculite e menin-
ningite por Candida. As equinocandinas não devem ser gite por Aspergillus é o voriconazol. O posaconazol ou
112
Infecções do Sistema Nervoso Central
uma formulação lipídica de anfotericina B são alterna- apesar de antibioticoterapia adequada, o tratamento
tivas razoáveis.23 deve ser continuado por 10 a 14 dias após a última cul-
tura positiva.23 O tratamento da cerebrite ou abscesso
113
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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114
Febres Hemorrágicas 14
André Japiassú
Dengue sem sinais de alarme Dengue com sinais de alarme Dengue grave
Pessoa que mora ou viajou para Todo caso de dengue que, próximo ou Caso de dengue com uma ou mais
áreas com transmissão de dengue preferencialmente na defervescência, apresenta das seguintes manifestações:
nos últimos 14 dias e apresenta um ou mais dos seguintes sinais: Choque ou dificuldade respiratória
febre, geralmente de 2 a 7 dias Dor abdominal intensa; devido a extravazamento plasmático
de duração, e pelo menos 2 dos Vômito persistente; grave;
seguintes critérios: Acúmulo de líquido (ascite, derrame pleural, Hemorragia grave (por exemplo,
Náusea/vômito; derrame pericárdico); hematêmese, melena, metrorragia,
Exantema; Sangramento de mucosas; sangramento do SNC);
Cefaleia/dor retro-orbital; Letargia/inquietação; Disfunção orgânica grave, como
Mialgia e artralgia; Hipotensão postural (lipotimia); insuficiência hepática, disfunção do
Petéquia ou teste de torniquete SNC (alteração do estado mental),
Hepatomegalia;
positivo; insuficiência cardíaca (miocardite) ou
Aumento progressivo do hematócrito.
Leucopenia. de outros órgãos.
A maioria dos sinais de alarme relacionados na rápida parenteral com solução cristaloide. Ainda seme-
Figura 14.1 são resultantes do aumento da permeabili- lhantemente a outros tipos de choque séptico, após
dade vascular, a qual marca o início do deterioramento essa fase de reexpansão volêmica, a continuação da
clínico do paciente e sua possível evolução para o cho- reanimação volêmica deve, idealmente, ser guiada por
que por extravasamento de plasma. A hipótese corren- testes de fluidorresponsividade para minimizar compli-
te para explicar a dor epigástrica intensa e contínua, por cações de sobrecarga volêmica (por exemplo, edema
exemplo, se deve ao aparecimento súbito de grande agudo de pulmão), cujo risco é agravado pela presença
quantidade de líquido extravasado para as áreas parar- de alteração da permeabilidade capilar na dengue gra-
renal e perirrenal, o que irrita os plexos nervosos na re- ve. Uma opção para minimizar a quantidade de volume
gião retroperitoneal. adicional, é realizar provas volêmicas com pequenas
O grave comprometimento orgânico, como he- alíquotas de solução de albumina a 4% (80 mL de NaCl
patites, encefalites ou miocardites pode ocorrer sem o a 0,9% + 20 mL de albumina a 20%). Drogas vasopres-
concomitante extravasamento plasmático ou choque. soras como noradrenalina e vasopressina podem ser
As miocardites por dengue são expressas principal- necessárias, concomitante ou após tentativa de norma-
mente por alterações do ritmo cardíaco (taquicardias lização da PAM com fluidos.
e bradicardias), inversão da onda T e do segmento ST Na presença de sangramentos graves, pode ser
com disfunções ventriculares (diminuição da fração da necessário a transfusão de concentrado de hemácias e
ejeção do ventrículo esquerdo), podendo ter elevação o distúrbio da coagulação pode necessitar de correção
das enzimas cardíacas. Elevação de enzimas hepáticas com plasma ou, no caso do paciente hipervolêmico, con-
de pequena monta ocorre em até 50% dos pacientes, centrado de complexos protrombínicos. A transfusão de
podendo nas formas graves evoluir para comprome- plaquetas deve ser cogitada apenas em situações de san-
timento severo das funções hepáticas expressas pelo gramento persistente, não controlado com a correção
acréscimo das aminotransferases em 10 vezes o va- dos fatores de coagulação e do choque, e com tromboci-
lor máximo normal, associado a elevação do valor do topenia e INR maior que 1,5 vezes o valor normal.
tempo de protrombina. Alguns pacientes podem ainda
Suporte aos órgãos com insuficiência pode in-
apresentar manifestações neurológicas, como convul-
cluir a necessidade de ventilação mecânica invasiva,
sões e irritabilidade. O acometimento grave do sistema
terapia renal substitutiva, uso de inotrópicos e outros.
nervoso pode ocorrer no período febril ou, mais tar-
Os demais cuidados usuais com pacientes graves de-
diamente, na convalescença e tem sido relatado com
vem ser instituídos, tais como a correção de distúrbios
diferentes formas clinicas: meningite linfomonocítica,
hidroeletrolíticos, nutrição, sedoanalgesia etc.
encefalite, síndrome de Reye, polirradiculoneurite, po-
lineuropatias (síndrome de Guillain-Barré) e encefalite.
A insuficiência renal aguda é pouco frequente e geral- Febre Amarela
mente cursa com pior prognóstico.
O agente etiológico, um arbovírus (vírus trans-
mitido por artrópodes), conhecido como vírus da fe-
Tratamento bre amarela, pertencente à família Flaviviridae, gênero
Na dengue grave, a reanimação volêmica visa Flavivirus. A febre amarela é uma infecção zoonótica,
reverter o choque. Como em outras formas de choque mantida na natureza por primatas selvagens não huma-
séptico, deve-se iniciar imediatamente fase de expansão nos e mosquitos (mosquitos fêmeas dos gêneros Aedes,
116
Febres Hemorrágicas
Sabethes e Haemagogus). O Aedes aegypti pode trans- Lesão e extravazamento capilar plasmáticos são
mitir vírus da febre amarela entre seres humanos em característicos de muitas febres hemorrágicas virais
regiões urbanas (febre amarela urbana). e a febre amarela não é exceção. Os achados macros-
cópicos na autópsia incluem hemorragias petequiais
disseminadas de pele e mucosas, efusões pleurais e
Fisiopatogenia peritoneais moderadas e edema pulmonar. Edema ce-
Imediatamente após a picada infectante, o vírus rebral e outros órgãos, particularmente em torno dos
da febre amarela é detectado nos tecidos subcutâneos vasos sanguíneos, é visto no exame microscópico.
pelas células dendríticas que transportam o vírus para
os linfonodos. Lá, o vírus da febre amarela replica-se e
é apresentado aos linfócitos CD4, os quais coordenam Manifestações clínicas
as respostas imunológicas inatas e adaptativas. Após O período de incubação após a picada de um
a replicação, o vírus da febre amarela é liberado pelas mosquito infectado é de 3 a 6 dias. O início da doença é
células nos ductos linfáticos e depois nos vasos sanguí- tipicamente abrupto, com febre, calafrios, mal-estar, dor
neos (viremia). Após a viremia, o vírus da febre amarela, de cabeça, dor lombar, mialgia generalizada, náusea e
usando seu tropismo, infecta vários órgãos, incluindo tontura. Ao exame físico, o paciente é febril e aparece
o coração, timo, rim e fígado. No fígado, as células de agudamente enfermo, com congestão da conjuntiva e
Kupffer e os hepatócitos são infectados. da face e bradicardia relativa em relação ao grau da fe-
O hepatócito infectado sofre degeneração eosi- bre (sinal de Faget).
nofílica com cromatina nuclear condensada (corpúscu- Em aproximadamente 15 a 25% das pessoas
los de Councilman) típica de morte celular por apoptose afetadas, a doença reaparece de forma mais grave (o
e distinta da necrose por balonamento e rarefação vista chamado “período toxêmico”) com febre, vômitos, dor
na hepatite viral. A lesão hepática por apoptose explica epigástrica, icterícia, insuficiência renal e diátese he-
a ausência virtual de células inflamatórias na febre ama- morrágica. Os níveis séricos de transaminases aumen-
rela, a preservação da estrutura da reticulina e a cicatri- tam, bem como as concentrações de bilirrubina direta.
zação sem fibrose. Curiosamente, as concentrações séricas de aspartato
aminotransferase (AST) frequentemente excedem a ala-
O antígeno da febre amarela já foi identificado
nina aminotransferase (ALT), presumivelmente devido à
em células tubulares renais de casos humanos fatais,
lesão viral direta ao miocárdio e ao músculo esqueléti-
sugerindo um efeito viral direto na lesão renal da febre
co. Os níveis séricos de transaminase refletem a gravida-
amarela. Porém, no modelo de macaco, a função tubu-
de da doença. Observa-se, ainda, proteinúria, oligúria e
lar renal foi mantida durante o curso da doença, sendo
aumento da creatinina sérica. Cerca de 20 a 50% dos pa-
demonstrado que a oligúria é causada por insuficiên-
cientes com doença hepatorrenal morrem, tipicamente
cia pré-renal associada à hipotensão. A necrose tubular
7 a 10 dias após o início do quadro.
aguda foi um evento terminal nesses modelos animais.
A albuminúria marcante observada na febre amare- As manifestações hemorrágicas incluem peté-
la pode ser devida à alteração da função glomerular, quias, equimoses, epistaxe e sangramentos gengivais e
uma vez que alterações histológicas são observadas na nos locais de punção por agulha. Em muitos casos, há
membrana basal e nas células da cápsula de Bowman. hemorragias de grande monta, hematêmeses, melena
Lesões virais diretas às fibras miocárdicas, que contêm ou metrorragia.
antígeno viral e apresentam alterações compatíveis Anormalidades laboratoriais incluem trombo-
com a apoptose, podem contribuir para o choque. citopenia, prolongamento de TAP e TTPA, queda do
Três importantes citocinas estão associadas com fibrinogênio e dos fatores II, V, VII, VIII, IX e X, além da
a fisiopatogenia da febre amarela: TNF-α, IFN-γ e TGF-β, presença de produtos da degradação da fibrina. Essas
devido a essas condições apoptóticas. Essas citocinas, anormalidades sugerem um distúrbio hemorrágico
atuando sob coordenação de células CD4 e linfócitos multifatorial causado pela síntese reduzida de fatores
citotóxicos CD8, estão relacionadas à apoptose e vários de coagulação e coagulopatia de consumo.
dos sintomas observados na febre amarela grave, como A lesão miocárdica manifesta-se por anormali-
síndrome de extravazamento vascular, trombocitope- dades da onda ST-T no eletrocardiograma e, ocasional-
nia, lesão hepática, lesão renal e diátese hemorrágica. A mente, por miocardiopatia dilatada aguda.
hemorragia é uma manifestação clínica comum em pa- Os pacientes também apresentam delirium
cientes com febre amarela clássica. O processo e meca- agitado, estupor, coma, respiração Cheyne-Stokes,
nismo desse fenômeno são pouco compreendidos, mas acidose metabólica, hipercalemia, hipoglicemia e hi-
uma descoberta chave é um dano celular endotelial na potermia. Pode haver hipertensão intracraniana com
rede capilar. Esses dados indicam que, assim como o aumento da proteína liquórica, porém sem elevação
vírus da dengue, o vírus da febre amarela também de- dos leucócitos no líquor, o que é consistente com
monstra tropismo por células endoteliais. edema cerebral. A encefalite verdadeira pelo vírus
117
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
da febre amarela (em oposição à encefalopatia) é Plasma fresco congelado no caso de hemorra-
muito rara. gias; e
A fase de convalescença é caracterizada por fra- Diálise precoce, se instalada insuficiência renal.
queza e fadiga prolongadas que duram várias semanas.
Mortes ocorrendo semanas após a recuperação foram
Deve-se atentar para a possibilidade de infecção
descritas, possivelmente causadas por arritmia cardía-
bacteriana concomitante, ponderando o início precoce
ca, mas essa complicação não é bem documentada. A
de antibioticoterapia de largo espectro.
duração da icterícia em sobreviventes é desconhecida,
mas testes de função hepática anormais foram encon-
trados 2 meses ou mais após o início da recuperação. A
cicatrização do fígado e dos rins é completa sem cicatri-
Leptospirose
zes pós-necróticas. Epidemiologia
A leptospirose é causada pela espiroqueta
Diagnóstico laboratorial Leptospira interrogans. Trata-se de uma zoonose sistê-
Os métodos sorológicos que identificam IgM mica e potencialmente fatal, endêmica em muitas re-
específica, como é o caso do IgM-ELISA, podem forne- giões tropicais, causando epidemias após chuvas com
cer o diagnóstico presuntivo rápido em uma amostra inundações. A infecção resulta da exposição direta ou
sorológica, se a mesma for obtida a partir do 5° dia de indireta a animais hospedeiros infectados que carre-
doença. A presença de IgM decorre de infecção recen- gam o patógeno em seus túbulos renais e eliminam
te (2-3 meses) ou atual, portanto, a interpretação de leptospiras patogênicas em sua urina. Embora muitos
um resultado positivo para IgM para o vírus da febre animais selvagens e domésticos possam servir como
amarela requer uma correlação com o quadro clínico hospedeiros reservatórios, o rato marrom (Rattus norve-
do paciente. Vale lembrar que a vacinação contra a fe- gicus) é a fonte mais importante de infecções humanas.
bre amarela também induz a formação de IgM especí- Indivíduos que vivem em ambientes urbanos de fave-
fica e, por isso, é importante conhecer os antecedentes las, caracterizados por saneamento inadequado e habi-
vacinais do caso suspeito. tações precárias, apresentam alto risco de exposição a
O diagnóstico pode ser confirmado por detecção ratos e, consequentemente, à leptospirose. As portas de
do RNA viral (Reação em Cadeia de Polimerase - PCR), entrada incluem cortes e abrasões ou membranas mu-
além de sorologia com captura de IgM em ensaio enzi- cosas, como as superfícies conjuntival, oral ou genital. A
mático, o MAC-ELISA em pessoas não vacinadas ou com exposição pode ocorrer por contato direto com um ani-
aumento de quatro vezes ou mais nos títulos de anticor- mal infectado ou por contato indireto, através do solo
pos pela técnica de inibição da hemaglutinação (IH), em ou da água contaminada com urina de um animal infec-
amostras pareadas. tado. Indivíduos com ocupações de risco para contato
direto com animais potencialmente infectados incluem
veterinários, trabalhadores de matadouros, trabalhado-
Tratamento res rurais (particularmente em situações de ordenha lei-
A hospitalização em unidade de terapia inten- teira), caçadores, trabalhadores de abrigos de animais,
siva está indicada para pacientes que apresentarem cientistas e tecnólogos que manipulam animais em la-
necessidade de suporte intensivo. Cuidados imple- boratórios ou durante o trabalho de campo. Porém, o
mentados o mais brevemente possível como ven- contato indireto com leptospiras via água ou solo con-
tilação mecânica protetora, hemodiálise e suporte taminado é muito mais comum e pode estar associado
hematológico influenciam o desfecho dos casos, mui- a atividades ocupacionais, recreacionais ou de caráter
to embora considerável proporção ainda vá ter des- não profissional.
fecho fatal. Um painel de especialistas recomendou
as seguintes medidas a serem aplicadas em terapia
intensiva:
Manifestações clínicas
A leptospirose apresenta-se tipicamente em sua
Manutenção da nutrição e prevenção de
fase precoce como uma doença febril aguda, inespecífi-
hipoglicemia;
ca, caracterizada por febre, mialgia e cefaléia e pode ser
Uso de inibidor de bomba de prótons associa- confundida com outras entidades, como gripe e den-
do a bloqueador do receptor H2 para preven- gue. Os sintomas gastrointestinais são frequentemente
ção de hemorragia gástrica; observados e podem incluir náuseas, vômitos, diarreia
Ressuscitação volêmica e uso de drogas e dor abdominal. Náuseas e outros sintomas gastroin-
vasoativas; testinais podem contribuir para a desidratação em pa-
Correção de acidose metabólica e distúrbios cientes com insuficiência renal não-oligúrica causada
eletrolíticos; por leptospirose.
118
Febres Hemorrágicas
Essa apresentação corresponde a cerca de 90% respiratória (síndrome da hemorragia pulmonar aguda
das formas clínicas. Geralmente, a leptospirose é as- e síndrome da angústia respiratória aguda [SARA]) e a
sociada à intensa mialgia, principalmente em região óbito. Na maioria dos pacientes, porém, a hemorragia
lombar e nas panturrilhas. Também podem ocorrer ar- pulmonar maciça não é identificada até que uma radio-
tralgias e tosse. Exantema cutâneo ocorre em 10 a 20% grafia de tórax seja realizada ou que o paciente seja sub-
dos pacientes, apresentando-se sob a forma de eritema metido à intubação orotraqueal.
macular, papular, urticariforme ou purpúrico, distribuí- Assim, deve-se manter uma suspeição para a for-
do no tronco ou região pré-tibial. Em menos de 20% ma pulmonar grave da leptospirose em pacientes que
dos casos de leptospirose também podem ocorrer he- apresentem febre e sinais de insuficiência respiratória,
patomegalia, esplenomegalia e linfadenopatia. independentemente da presença de hemoptise. Além
A sufusão conjuntival é um achado característico disso, a leptospirose pode causar SARA na ausência de
da leptospirose e é observada em cerca de 30% dos pa- sangramento pulmonar.
cientes. Esse sinal aparece no final da fase precoce e ca- Outros tipos de diátese hemorrágica, frequente-
racteriza-se por hiperemia e edema da conjuntiva. Com mente em associação com trombocitopenia, também
a progressão da doença, os pacientes também podem podem ocorrer, além de sangramento nos pulmões, fe-
desenvolver petéquias e hemorragias conjuntivais. Essa nômenos hemorrágicos na pele (petéquias, equimoses
fase precoce da leptospirose tende a ser autolimitada e e sangramento nos locais de venopunção), nas conjun-
regride entre 3 e 7 dias sem deixar sequelas. tivas e em outras mucosas ou órgãos internos, inclusive
Em aproximadamente 15% dos pacientes com no sistema nervoso central.
leptospirose, ocorre a evolução para manifestações clí- A insuficiência renal aguda é uma importante
nicas graves caracterizadas por disfunção de múltiplos complicação da fase tardia e ocorre em 16 a 40% dos
órgãos, incluindo fígado, rins, pulmões e cérebro, que pacientes. A leptospirose causa uma forma peculiar
se inicia após a primeira semana da doença, podendo de insuficiência renal aguda, caracterizada por ser não
manifestar-se mais precocemente em pacientes com oligúrica e hipocalêmica, devido à inibição de reab-
apresentações fulminantes. sorção de sódio nos túbulos renais proximais, aumen-
A manifestação clássica da leptospirose grave é to no aporte distal de sódio e consequente perda de
a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterí- potássio. Durante esse estágio inicial, o débito uriná-
cia, insuficiência renal e hemorragia, mais comumente rio é de normal a elevado, os níveis séricos de creatini-
pulmonar. A icterícia é considerada um sinal caracterís- na e ureia aumentam e o paciente pode desenvolver
tico e apresenta uma tonalidade alaranjada muito in- hipocalemia moderada a grave. Com a perda progres-
tensa (icterícia rubínica). Geralmente, a icterícia aparece siva do volume intravascular, os pacientes desenvol-
entre o 3° e 7° dia de doença e sua presença costuma vem insuficiência renal oligúrica devido à azotemia
ser usada para auxiliar no diagnóstico da leptospirose, pré-renal. Nesse estágio, os níveis de potássio come-
sendo um preditor de pior prognóstico devido a sua çam a subir para valores normais ou elevados. Devido
associação com essa síndrome. Entretanto, essas mani- à perda contínua de volume, os pacientes podem de-
festações podem se apresentar concomitantemente ou senvolver necrose tubular aguda e não responder à
isoladamente, na fase tardia da doença. reposição intravascular de fluidos, necessitando de
A síndrome de hemorragia pulmonar, caracteriza- início imediato de diálise para tratamento da insufi-
da por lesão pulmonar aguda e sangramento pulmonar ciência renal aguda.
maciço, vem sendo cada vez mais reconhecida no Brasil Outras complicações frequentes na forma grave
como uma manifestação distinta e importante da lep- da leptospirose são:
tospirose na fase tardia. No entanto, é importante ob- Miocardite, acompanhada ou não de choque e
servar que manifestações graves da leptospirose, como arritmias agravados por distúrbios eletrolíticos;
hemorragia pulmonar e insuficiência renal, podem Pancreatite;
ocorrer em pacientes anictéricos. Portanto, os médicos
Anemia; e
não devem se basear apenas na presença de icterícia
para identificar pacientes com leptospirose ou com ris- Distúrbios neurológicos como confusão, delí-
co de complicações graves da doença. Enquanto a le- rio, alucinações e sinais de irritação meníngea.
talidade geral nos casos de leptospirose notificados no
Brasil é de 10%, nos pacientes que desenvolvem hemor- A leptospirose é uma causa relativamente fre-
ragia pulmonar é maior que 50%. quente de meningite asséptica. Embora menos frequen-
O comprometimento pulmonar da leptospirose tes, também podem-se observar encefalite, paralisias
se apresenta com tosse seca, dispneia, expectoração focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios
hemoptoica e, ocasionalmente, dor torácica e ciano- visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de
se. A hemoptise franca indica extrema gravidade e nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barré
pode ocorrer de forma súbita, levando à insuficiência e mielite.
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
120
Febres Hemorrágicas
sintomas, a presença de uma ou mais das característi- O óbito de pacientes por malária cerebral – a
cas clínicas ou laboratoriais abaixo relacionados clas- grande maioria, crianças com menos de 5 anos de idade
sifica esse paciente como portador de malária grave – geralmente se deve à parada respiratória causada pela
(Quadro 14.1). herniação cerebral em resposta ao edema cerebral com
consequente compressão do tronco cerebral.
Quadro 14.1: Características clínicas ou laboratoriais que A síndrome do desconforto respiratório agudo
classificam o paciente como portador de malária grave (SDRA) é uma complicação temida em adultos com ma-
lária falciparum grave (particularmente em mulheres
Alteração do nível de grávidas), embora também possa ocorrer em infecções
Choque circulatório
consciência por P vivax e P knowlesi. O aumento da permeabilidade
Anemia grave (Hb < 7 g/dL capilar pulmonar se desenvolve em até 30% dos pacien-
Sangramento significativo
ou Hto < 20%) tes adultos e muitas vezes se manifesta após o início do
IRA Hipoglicemia tratamento antimalárico. A patogênese não é totalmen-
te compreendida, mas o dano endotelial mediado pela
SARA Acidose lática
inflamação pode ter um papel importante. O papel do
Icterícia Hiperparasitemia (> 10%) sequestro parasitário vascular pulmonar não é claro.
A lesão renal aguda é comum em adultos com
Fisiopatogenia e manifestações clínicas malária grave. Ele se comporta clínica e patologicamen-
A característica unificadora na patogênese da te como necrose tubular aguda. A patogênese perma-
malária é o sequestro de eritrócitos parasitados na nece incerta, mas a redução do fluxo microcirculatório
microvasculatura de vários órgãos. Na malária por P provavelmente contribui.
falciparum, protuberâncias ou botões emergem na Icterícia grave resulta de uma combinação de
superfície do eritrócito infectado 12-15 horas após a hemólise, lesão hepatocelular e colestase. A icterícia é
infecção. Essas protuberâncias expressam proteínas mais comum em adultos do que em crianças e é fre-
adesivas que mediam a citoaderência, isso é, a ligação quentemente acompanhada por insuficiência renal.
a receptores da superfície endotelial na microcircula- A acidose láctica resulta principalmente da gli-
ção. Os eritrócitos infectados aderem às paredes dos cólise anaeróbica em tecidos nos quais os parasitas
vasos e às vezes uns aos outros (aglutinação mediada sequestrados obstruem o fluxo microcirculatório. A in-
por plaquetas) ou aderem-se a eritrócitos não infecta- suficiência dos mecanismos hepático e renal de elimina-
dos (“rosetas”). A adesão provoca o sequestro de células ção do lactato também contribuem para sua elevação.
vermelhas do sangue contendo parasitas maduros em
A hipoglicemia associa-se à acidose láctica e é
órgãos vitais (particularmente o cérebro), onde os para-
especialmente problemática em crianças e mulheres
sitas sequestrados interferem no fluxo da microcircula-
grávidas. Resulta de uma falha da gliconeogênese he-
ção e no funcionamento do endotélio vascular.
pática e um aumento no consumo tecidual de glicose.
A malária cerebral é a manifestação grave mais A hipoglicemia hiperinsulinêmica é um efeito adverso
frequente da malária falciparum. Apresenta-se como importante da quinina (poderoso estimulante da secre-
coma e febre, geralmente sem sinais neurológicos fo- ção pancreática de insulina).
cais; as convulsões ocorrem na maioria das crianças,
mas apenas em aproximadamente 12% dos pacien-
tes adultos. A profundidade do coma no momento Diagnóstico
do diagnóstico tem um significado prognóstico forte
para um desfecho fatal em adultos e crianças, mas Gota espessa
sequelas neurológicas graves são incomuns em so- É o método oficialmente adotado no Brasil para
breviventes, embora mais frequentes em crianças. O o diagnóstico da malária. Mesmo após o avanço de téc-
aumento da pressão intracraniana devido ao edema nicas diagnósticas, este exame continua sendo um mé-
cerebral é o principal determinante para a patogêne- todo simples, eficaz, de baixo custo e de fácil realização.
se da malária cerebral em crianças. A malária cerebral Quando executado adequadamente, é considerado pa-
manifesta-se com rebaixamento do nível de consciên- drão-ouro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
cia, podendo levar ao coma e convulsões. Rigidez de Sua técnica baseia-se na visualização do parasito por
nuca é um sinal raro. Uma retinopatia com hemorra- meio de microscopia óptica, após coloração com coran-
gias retinianas variadas, podendo haver manchas de te vital (azul de metileno e Giemsa), permitindo a dife-
Roth (hemorragias retinianas com área central es- renciação específica dos parasitos, a partir da análise da
branquiçada) e descoloração vascular ocorre tanto sua morfologia, e dos seus estágios de desenvolvimen-
em crianças como em adultos com malária grave. A to encontrados no sangue periférico. A determinação
retinopatia da malária é patognomônica de desenvol- da densidade parasitária, útil para a avaliação prognós-
vimento da malária cerebral. tica, deve ser realizada em todo paciente com malária,
121
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
122
Febres Hemorrágicas
Tabela 14.2: Esquemas recomendados para o tratamento da malária grave e complicada pelo Plasmodium falciparum e
pelo Plasmodium vivax
Artesunato Clindamicina
2,4 mg/kg (dose de ataque) por via endovenosa, seguida 20 mg/kg/dia, dividida em 3 doses diárias, por 7 dias. Cada
de 1,2 mg/kg administrados após 12 e 24 horas da dose dose deverá ser diluída em solução glicosada a 5% (1,5 mL/
de ataque. Em seguida, manter uma dose diária de 1,2 mg/ kg de peso) e infundida gota a gota em 1 hora. Se o paciente
kg durante 6 dias. Se o paciente estiver em condições de estiver em condições de deglutir, a dose diária pode ser
deglutir, a dose diária pode ser administrada em comprimidos, administrada em comprimidos, por via oral.
por via oral.
Dissolver o pó de artesunato (60 mg por ampola) em diluente Apresentações
próprio ou em uma solução de 0,6 mL de bicarbonato de sódio
Solução injetável: fosfato de clindamicina 600 mg/4 mL
5%. Esta solução deve ser diluída em 50 ml de SG 5% e
administrada por via endovenosa, em uma hora. Após injeções EV rápidas, podem ocorrer reações de
hipersensibilidade na forma de rubor ou sensação de náusea.
Casos de hipotensão e até parada cardiorrespiratória e foram
relatados após administração intravenosa rápida demais. A
clindamicina não deve, portanto, ser administrada por injeções
EV em bolus, mas apenas por infusão lenta da solução
diluída.
Gestantes no 1º Trimestre
Quinina Clindamicina
20 mg/kg de dicloridrato de quinina (dose de ataque), diluida Conforme esquema acima.
em 10 mL/kg de solução glicosada a 5% (máximo de 500
mL de SG 5%) EV durante 4 horas. Após 8 horas do início
da administração da dose de ataque, administrar uma dose
de manutenção de quinina de 10 mg/kg, diluídos em 10 mL/
kg de SG 5% EV (máximo de 500 mL de SG 5%), durante 4
horas. Essa dose de manutenção deve ser repetida a cada 8
horas, contadas a partir do início da infusão anterior, até que
o paciente possa deglutir; a partir desse momento, deve-se
administrar comprimidos de quinina na dose de 10 mg/kg a
cada 8 horas, até completar um tratamento de 7 dias.
Apresentações
Solução injetável: 500mg/5mL
Comprimidos de 500mg
desenvolveram extravazamento vascular pulmonar por seguir as diretrizes para SDRA não relacionada à malá-
nenhum parâmetro no momento da admissão, suge- ria, com a exceção de que a hipercapnia permissiva é
rindo o caráter imprevisível do surgimento do edema desencorajada em pacientes com malária cerebral, pois
pulmonar e a necessidade de cautela na reanimação vo- pode exacerbar a elevação da pressão intracraniana.
lêmica. As diretrizes atuais e a prática clínica generaliza- Na ausência de ventilação mecânica, a mortalida-
da recomendam que pacientes com malária grave que de da SDRA é superior a 80%. Porém, mesmo com ven-
não têm hipotensão ou sinais de depleção significativa tilação mecânica, a letalidade ainda é superior a 50% na
de volume devem geralmente receber líquidos de for- malária falciparum.
ma conservadora.
Hipotensão
Síndrome do desconforto respiratório agudo
O choque hipotensivo na malária grave é inco-
(SDRA) mum e está associado à alta mortalidade em todos os
O desconforto respiratório na malária pode surgir grupos etários. A presença de choque em pacientes com
devido a anemia grave, acidose metabólica grave, pneu- infecção pelo Plasmodium é definida como síndrome da
monia ou SDRA, e ocorre em 25% dos adultos e 40% das malária álgida, que pode estar associada à insuficiência
crianças com malária grave causada por P. falciparum. adrenal aguda, sepse bacteriana concomitante, falência
As estratégias de ventilação na malária severa devem miocárdica, edema pulmonar agudo e sangramentos
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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Febres Hemorrágicas
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Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
hipotensão e choque que costuma ocorrer antes do 5° (dobutamina). Na presença de IRA, a recomendação
ou 6° dia. A queda pressórica pode ser leve, mas alguns para diálise deve seguir a prática usual.
doentes desenvolvem choque refratário, que exige o Os pacientes com síndrome da angústia respira-
uso de drogas vasoativas. As hemorragias revelam-se tória aguda (SARA) devem ser ventilados com estraté-
comuns nessa fase e podem ser vistas na conjuntiva gias protetoras pulmonares. Pode-se, também, cogitar
ocular, na pele e mucosas, no trato digestivo e no siste- circulação extracorpórea com oxigenador de membra-
ma nervoso central. A função renal deteriora, em geral, na (ECMO) nos casos mais graves com choque refratário.
24 horas após a hipotensão, surgindo oligúria ou mes-
Alguns serviços na América do Sul (Brasil,
mo anúria, que requer o uso de métodos dialíticos. A
Argentina e Chile), de forma empírica, têm administra-
recuperação a partir daí pode ser rápida, com surgimen-
dos corticosteroides, precocemente, embora não haja
to de diurese intensa e episódios de hipertensão arte-
até o momento estudo randomizado duplo cego para
rial. A taxa de letalidade é baixa e varia de 1 a 10%. Essa
avaliar sua eficácia.
enfermidade deve ser diferenciada, clinicamente, da
leptospirose e de outras febres hemorrágicas virais que Até o momento, não existe terapêutica antiviral
ocorrem, nas mesmas áreas de ocorrência das hantavi- comprovadamente eficaz contra a SCPH. A ribavirina,
roses. Até o presente momento, não existe confirmação um análogo nucleosídeo, com grande atividade antivi-
de casos humanos nas Américas. ral, encontra-se em estudo.
Diagnóstico Biossegurança
Muito embora não haja relato de transmissão in-
Sorologia ter-humana nos casos de SCPH ocorridos no Brasil e na
Através da técnica ELISA pode-se confirmar o América do Norte, a confirmação dessa forma de trans-
diagnóstico de hantavirose pesquisando anticorpo da missão na Argentina e no Chile reforça a necessidade de
classe IgM em amostra de soro colhida na fase aguda isolamento do paciente, incluindo precauções de con-
(prodrômica ou cardiopulmonar) da doença de pacien- tato (avental, luvas e óculos), quando houver risco de
tes com suspeita de infecção por hantavírus. A técnica exposição a sangue e secreções, e também, precauções
de ELISA é utilizada também para detecção de anticor- contra aerossóis (máscara N95).
pos IgG contra o hantavirus. O teste ELISA, tanto para
a detecção de IgM quanto a de IgG, é de grande sen-
sibilidade. Anticorpos IgM podem ser detectados em Febre Maculosa
cerca de 95% dos pacientes no momento dos sintomas
agudos, com raros resultados falso-positivos, podendo
Epidemiologia
ser identificados até 60 dias após o início dos sintomas. As rickettsioses são um grupo de doenças zoo-
nóticas causadas por bactérias do gênero Rickettsia,
Ehrlichia, Anaplasma, Orientia, Bartonella e Coxiella,
Detecção do genoma viral transmitidas por artrópodes (como carrapatos, piolhos,
A técnica de transcrição reversa seguida pela pulgas e ácaros) e insetos flebotomíneos. Focaremos o
reação em cadeia da polimerase (Reverse Transcriptase texto nas doenças com características do grupo febre
Polymerase Chain Reaction [RT-PCR]) tem se mostrado maculosa, com destaque para a causada pela Rickettsia
eficiente na detecção de RNA viral em amostras de soro rickettsii, transmitida por carrapatos (Amblyomma sculp-
e fragmentos de tecidos colhidos o mais precocemente tum, cajennense, ovale ou aureolatum). A maior parte dos
possível, até o sétimo dia da doença. casos no Brasil estão concentrados na região Sudeste e
estados como Santa Catarina, com surtos episódicos no
Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás,
Tratamento Bahia e Ceará. Há tendência para incidência maior nos
Para todo caso suspeito de SCPH, deve-se pro- meses de junho a outubro, quando os carrapatos estão
videnciar imediatamente vaga em Unidade de Terapia em estágios de larva e ninfa, mostrando sazonalidade
Intensiva (UTI). da doença.
Preconiza-se uma cuidadosa infusão endoveno-
sa de líquidos. Se feita de modo excessivo, a infusão
poderá precipitar ou piorar o edema pulmonar. É fun- Fisiopatogenia
damental um manejo volêmico guiado por fluidorres- A doença se inicia após picada do inseto em
ponsividade e a preocupação em manter um balanço hospedeiros (como humanos e outros mamíferos) e a
hídrico equilibrado. Soluções de albumina podem ser bactéria ativa o endotélio, causando aumento de per-
úteis para alcançar este objetivo, ao permitirem a infu- meabilidade vascular e tendência a formação de coágu-
são de menor volume de líquido. O choque pode exigir los e ativação plaquetária. O tempo de incubação gira
o uso de vasopressores (noradrenalina) e/ou inotrópicos em torno de 2 dias a 2 semanas. É importante examinar
126
Febres Hemorrágicas
a pele do paciente de maneira atenta, porque eventual- atenção se a doença não for tratada adequadamente
mente se encontra carrapatos ainda em contato, prin- após 5 dias. Também ocorre insuficiência renal e au-
cipalmente em membros inferiores e dorso. O primeiro mento de ureia e creatinina.
estágio da doença é inespecífico, como em outras sín- O diagnóstico específico é realizado através da
dromes febris agudas hemorrágicas. sorologia com reação de imunofluorescência indireta,
pareando amostras entre o momento inicial e após 14-
21 dias. A reação de cadeia de polimerase (PCR) para
Manifestações clínicas DNA da Rickettsia também é específica e realizada em
Febre, mialgias, cefaleia, hiperemia conjuntival, laboratórios de referência. O cultivo da bactéria é difí-
palpitações e dispneia podem estar presentes no início cil e raramente a bactéria cresce em meios de culturas
do quadro. Náuseas, vômitos e diarreia também podem comuns.
coexistir. Entre o 2° e 5° dia, surge rash maculopapular e
petéquias, que é característico, mas pode se assemelhar
à meningococcemia; há lesões em palmas das mãos e Tratamento
planta dos pés, com tendência ao aparecimento de no- O aspecto primordial é reconhecer e pesquisar
vas lesões na direção centrípeta para tronco, pescoço e precocemente a possibilidade da febre maculosa. O
face. Sangramentos, torpor e oligúria ocorrem após 5-7 diagnóstico e tratamento tardio (após 5-7 dias) está as-
dias da história natural da doença. Também pode cursar sociado a maior mortalidade. Se reconhecida antes de
com hepatoesplenomegalia e icterícia. 5 dias e o paciente não está grave, doxiciclina pode ser
usada na dose de 100 mg a cada 12 horas por 1 sema-
na. Macrolídeos e quinolonas são alternativas em casos
Diagnóstico laboratorial leves, na ausência de doxiciclina. Porém se o paciente
Anemia, plaquetopenia, leucocitose com desvio apresenta sepse e/ou choque, é necessário usar cloran-
para esquerda, hiponatremia, elevação de bilirrubi- fenicol, na dose de 50-75 mg/kg/dia, dividida em 4 do-
nas, LDH e CPK são comuns. A plaquetopenia chama a ses (máximo de 4 g/dia), por 7-10 dias.
127
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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128
Infecções Fúngicas Invasivas 15
André Japiassú
Brenno Cardoso Gomes
Kelson Veras
No ano 2000, fungos foram responsáveis por do biofilme, causando candidemia persistente. Uma vez
apenas 4,6% dos casos de sepse nos Estados Unidos. que a candidemia se desenvolveu, seja de um cateter
Contudo, a incidência de sepse de etiologia fúngica au- intravascular colonizado ou por outros meios, os fun-
mentou em 207%, de 5.231 casos em 1979 para 16.042 gos podem se disseminar, levando a infecções metas-
casos em 2000. táticas secundárias no pulmão, fígado, baço, rins, ossos
Contudo, em um estudo de prevalência pontual, ou olhos (o exame oftalmológico pode detectar reti-
de escala mundial, avaliada em um único dia do ano de nite em até 15% dos casos). Essas infecções profundas
2007, os fungos foram isolados em 19% das culturas de podem permanecer localizadas ou levar à candidemia
pacientes internados em UTI com um quadro infeccioso. secundária. Durante a candidemia, os fungos na corren-
te sanguínea podem entrar na urina, levando à candi-
dúria. Menos frequentemente, a candidíase profunda
Candidíase Invasiva pode ocorrer como resultado de pielonefrite ascenden-
te e pode permanecer localizada ou levar à candidemia
A candidíase invasiva é a doença fúngica mais secundária.
comum entre pacientes hospitalizados no mundo de-
senvolvido. A candidíase invasiva compreende a candi-
Quadro 15.1: Fatores de risco para candidíase invasiva
demia e a candidíase profunda. A candidemia é o tipo
mais comum da doença. A candidíase profunda origina- Doença crítica, principalmente pacientes com permanência
-se por disseminação hematogênica ou por inoculação prolongada na UTI;
direta da Candida em um local estéril, tal como a cavi-
dade peritoneal. Cirurgia abdominal, principalmente em pacientes com
extravasamento anastomótico ou submetidos a repetidas
As espécies de Candida são o agente predomi-
laparotomias;
nante da sepse fúngica. Existem pelo menos 15 espé-
cies distintas de Candida que causam doenças nos seres Pancreatite aguda necrosante;
humanos. Porém, 90% das doenças invasivas são causa- Doença maligna hematológica;
das pelos patógenos mais comuns, C. albicans, C. glabra-
ta, C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei. Transplante de órgãos sólidos;
Os principais fatores de risco para candidíase in- Tumores de órgãos sólidos;
vasiva encontram-se relacionados no Quadro 15.1. Neonatos, particularmente aqueles com baixo peso ao
As espécies de Candida são flora humana normal nascer e bebês prematuros;
e são tipicamente encontradas no trato gastrointestinal,
trato geniturinário e pele. Espécies de Candida que co- Uso de antibióticos de amplo espectro;
lonizam o intestino podem invadir através de transloca- Presença de cateter vascular central;
ção ou por vazamento anastomótico pós-laparotomia e
Nutrição parenteral total;
causar infecção localizada, profunda (ex.: peritonite) ou
candidemia. Em pacientes com cateteres intravascula- Hemodiálise;
res internos, a candidemia que se origina do intestino Uso de glicocorticoides ou quimioterapia para câncer;
ou da pele leva à colonização do cateter e à formação de
biofilme. Os fungos são subsequentemente liberados Colonização por Candida, particularmente se multifocal.
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
A cultura é o único método diagnóstico que per- e insuficiência orgânica múltipla apesar de antibioti-
mite testes de sensibilidade aos antifúngicos. O diag- coterapia de amplo espectro, não encontrou diferença
nóstico de candidíase invasiva é inequívoco quando significativa na sobrevida livre de infecção fúngica in-
a Candida é isolada em cultura de material estéril, tais vasiva comprovada com 28 dias em comparação com o
como líquidos peritoneal, pleural ou pericárdico ou de grupo placebo. O resultado não diferiu em relação aos
cultura de tecidos estéreis biopsiados ou ainda a partir subgrupos pré-definidos de pacientes com níveis de
do seu isolamento em hemoculturas. Contudo, a sen- β-D-glucano elevados (> 80 pg/mL), Candida Score ³ 3
sibilidade das hemoculturas está longe do ideal, com ou índice de colonização ³ 50%. Desta forma, em vez
uma sensibilidade de 21 a 71% relatada em estudos de de ser vistos como ferramentas diagnósticas definitivas,
autópsia e uma sensibilidade global para o diagnóstico estes escores preditivos, bem como os testes de antíge-
de candidíase invasiva de aproximadamente 50%. nos, podem ser melhor visualizados como marcadores
Manano e β-D-glucano, que são antígenos com- que auxiliam na avaliação da possibilidade de um pa-
ponente da parede celular da Candida, assim como os ciente ter candidíase invasiva.
anticorpos antimanano, são os principais marcadores Infelizmente, os testes de Reação em Cadeia da
substitutos da candidíase invasiva. O desempenho de Polimerase (PCR) para a detecção de candidíase invasiva
testes para esses marcadores é variável. Existem muitas ainda não estão validados devido à padronização limita-
fontes potenciais de contaminação do teste β-D-gluca- da, embora vários testes de PCR já tenham sido avaliados.
no que podem produzir resultados falso-positivos, en- Os agentes antifúngicos sistêmicos que se
contrados mais frequentemente em pacientes com alto mostraram eficazes no tratamento da candidíase inva-
risco de candidíase invasiva. O principal valor diagnósti- siva compreendem quatro categorias principais: os po-
co do teste da β-D-glucano é seu valor preditivo negati- lienos (anfotericina B), os triazóis e as equinocandinas
vo para candidíase invasiva em situações de prevalência (Tabela 15.1).
baixa a moderada. A nefrotoxicidade é o efeito adverso grave mais
O β-D-glucano é um constituinte da parede ce- comum associado à terapia com desoxicolato de anfo-
lular de espécies de Candida, espécies de Aspergillus, tericina B, resultando em lesão renal aguda em até 50%
Pneumocystis jiroveci e vários outros fungos. Portanto, dos receptores e acidose tubular perdedora de eletró-
o teste do β-D-glucano não é específico para Candida. litos na maioria dos pacientes. As formulações lipídicas
O resultado positivo do teste requer confirmação e de anfotericina B são mais caras que o desoxicolato, mas
identificação do organismo infectante (Aspergillus, todas têm consideravelmente menos nefrotoxicidade. As
Pneumocystis jirovecii ou Candida). Muitas fontes po- formulações lipídicas, com exceção da apresentação sob
tenciais de contaminação incluem: membranas de celu- forma de dispersão coloidal, também têm menos reações
lose para hemodiálise, produtos sanguíneos humanos relacionadas à infusão do que o desoxicolato de anfote-
(imunoglobulinas ou albumina), betalactâmicos como ricina B. Contudo, desconhece-se quaisquer formas de
amoxicilina-clavulanato ou piperacilina-tazobactam, candidíase para as quais as formulações lipídicas de an-
infecções bacterianas graves, esponjas e gazes cirúr- fotericina B sejam superiores ao desoxicolato em termos
gicas contendo glucano e mucosite severa. O teste do de eficácia clínica. Além disso, não há conhecimento de
β-D-glucano tem alto valor preditivo negativo em vá- qualquer situação em que as formulações lipídicas não
rios estudos com prevalência intermediária. No entanto, devam ser usadas, com exceção das infecções do trato
a sensibilidade limitada em outros estudos sugere que urinário, devido à reduzida excreção renal dessas formu-
o valor preditivo negativo pode ser insuficiente em pa- lações. Dados demonstrando que a nefrotoxicidade in-
cientes de alto risco. duzida por desoxicolato de anfotericina B está associada
Os testes de antígeno manano e de anticorpos a um aumento de 6,6 vezes na mortalidade levaram mui-
antimanano da Candida podem ser preferíveis para as tos médicos a usar formulações lipídicas de anfotericina
circunstâncias em que este é o principal patógeno fúngi- B na candidíase comprovada ou suspeita, especialmen-
co e o risco de falso positivo do teste β-D-glucano é alto. te entre pacientes em um ambiente de alto risco, como
O teste combinado antígeno-anticorpo é a estratégia de
maior sensibilidade. Estes testes podem ser usados para Tabela 15.1: Antifúngicos sistêmicos eficazes para
detectar candidíase hepatoesplênica com hemocultura candidíase invasiva.
negativa através do teste sérico e na candidíase do siste-
Anfotericina B
ma nervoso central através de sua pesquisa no LCR.
Escores de risco para candidíase invasiva in- Deoxicolato, liposomal, complexo lipídico e de dispersão
cluem variáveis como fatores de risco para candidíase in- coloidal
vasiva (Candida Score) ou número de sítios colonizados Triazóis
pela Candida (Índice de Colonização). De fato, o estudo Fluconazole, voriconazol e posaconazol
EMPIRICUS, que avaliou o impacto da terapia empírica
Equinocandinas
com micafungina em pacientes com sepse adquirida na
UTI, com colonização por Candida em múltiplos locais Caspofungina, anidulafungina e micafungina
130
Infecções Fúngicas Invasivas
131
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
fluconazol. Resultados falso-positivos ocorrem em pa- de angioinvasão ou formação de complexo imune com
cientes colonizados, mas não infectados com espécies altos níveis de anticorpos contra Aspergillus.
de Aspergillus e naqueles que têm infecção por espécies Resultados falso-positivos foram relatados em vá-
de Fusarium, Histoplasma capsulatum e Blastomyces der- rios contextos, incluindo em pacientes que receberam
matitidis, porque estes fungos têm galactomananos se- certos antibióticos (historicamente mais notadamente
melhantes nas suas paredes celulares. piperacilina-tazobactam, que parece agora não ser mais
Dessa maneira, o teste do galactomanano no reativo cruzado, e amoxicilina-clavulanato), colonização
soro e no LBA é recomendado como um marcador pre- neonatal com Bifidobacterium, quando o Plasmalyte é
ciso para o diagnóstico de aspergilose invasiva quando usado em líquidos de LBA, e em pacientes com outras
usado em certas subpopulações de pacientes (maligni- micoses invasivas (incluindo peniciliose, fusariose, his-
dade hematológica, transplante de células-tronco he- toplasmose e blastomicose).
matopoiéticas). Por outro lado, o galactomanano não Outro potencial marcador circulante para detec-
é recomendado para triagem de sangue de rotina em ção de aspergilose inclue o 1,3-β-D-glucano. O teste para
pacientes que recebem terapia ou profilaxia antifúngi- 1,3- β-D-glucano no soro é recomendado para o diag-
ca, mas pode ser aplicado a espécimes de broncoscopia nóstico de aspergilose invasiva em pacientes de alto risco
desses pacientes. O galactomanano também não é re- (malignidade hematológica, transplante de células-tron-
comendado para triagem em receptores de órgãos só- co hematopoiéticas alogênico). A presença de 1,3- β-D-
lidos ou pacientes com doença granulomatosa crônica. -glucano no soro significa a presença de invasão fúngica,
No entanto, a população de pacientes específi- mas não é específico para espécies de Aspergillus; ou-
ca testada é fundamental para otimizar a utilidade do tras doenças fúngicas, incluindo candidíase, fusariose e
galactomanano. A sensibilidade do galactomanano em pneumonia por Pneumocystis jirovecii, podem resultar
pacientes não neutropênicos parece ser menor que em em um teste positivo. Resultados falso-positivos podem
outros subgrupos e diminui para aproximadamente ocorrer em uma variedade de contextos, como tubos de
20% em receptores de transplante de órgãos sólidos. O coleta de sangue contaminados com glucana, gaze, fil-
teste do galactomanano tem sido repetidamente nega- tros de membrana para sangue e vários medicamentos
tivo na aspergilose invasiva em pacientes com doença (por exemplo, antibióticos incluindo algumas cefalospo-
granulomatosa crônica, potencialmente devido à falta rinas, carbapenêmicos e ampicilina-sulbactam).
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132
Infecções Graves no Paciente 16
Imunocomprometido
entre na corrente sanguínea. A candidíase dos tecidos sanguínea relacionada ao cateter. Um tempo diferencial
profundos, como a doença hepática ou hepatoesplêni- para positividade de ≥ 2 horas entre a amostra do CVC e
ca, esofagite ou endocardite, é muito menos comum. a amostra periférica pode indicar uma infecção relacio-
Os fungos filamentosos, como o Aspergillus, são mais nada ao CVC. Não se recomenda a obtenção de hemo-
susceptíveis de causar uma infecção potencialmente fa- culturas apenas a partir do cateter sem amostragem de
tal dos seios da face e pulmões, tipicamente após duas veia periférica, uma vez que uma infecção relacionada
semanas ou mais de neutropenia. ao cateter não pode ser descartada sem a cultura peri-
férica simultânea.
Diagnóstico
Outros exames microbiológicos
Sinais e sintomas de inflamação são frequente-
mente atenuados ou ausentes em pacientes neutropê- Amostras para cultura de outros locais suspeitos
nicos. Assim, nas infecções bacterianas de pele e tecidos de infecção devem ser obtidos, conforme clinicamente
moles podem estar ausentes induração, eritema, calor indicado.
ou pustulação; uma infecção pulmonar pode não ter Fezes: uma amostra de fezes em paciente
infiltrado discernível em uma radiografia; a pleocitose com diarreia deve ser avaliada com teste para
do LCR pode ser modesta ou totalmente ausente no glutamatodesidrogenase (GDH) e pesquisa de
contexto da meningite; e uma infecção do trato uriná- toxina para Clostridium difficile. Entre os para-
rio pode demonstrar pouca ou nenhuma piúria. A fe- sitas, uma preocupação importante é com a
bre é muitas vezes o único sinal de uma grave infecção pesquisa de larvas de Strogyloides stercoralis.
subjacente. Urina: a urocultura é indicada se existem si-
O exame físico de pacientes neutropênicos febris nais ou sintomas de infecção do trato urinário,
requer uma pesquisa cuidadosa para detectar sinais e se o paciente estiver com sonda vesical ou se
sintomas sutis, especialmente nos locais mais comu- os achados do exame de urina são anormais.
mente infectados: pele (especialmente locais de pro- LCR: a citobioquímica e a cultura estão in-
cedimentos ou cateteres prévios, tais como locais de dicadas se houver suspeita de meningite.
aspiração de medula óssea ou pontos de punção de Transfusão de plaquetas deve ser administra-
cateter), orofaringe (incluindo o periodonto), trato di- da antes da punção lombar se houver trombo-
gestivo, pulmão e períneo. Ferramentas de diagnóstico citopenia < 50 mil/mm3.
adicionais incluem exames laboratoriais sanguíneos, Pele: aspiração ou biópsia de lesões cutâneas
culturas microbiológicas e estudos de imagem. suspeitas de infecção devem ser realizadas
para testes citológicos, coloração de gram e
cultura.
Hemocultura
Um mínimo de dois conjuntos separados de he- Amostras respiratórias: amostras do tra-
moculturas deve ser obtido antes do início da antibioti- to respiratório inferior obtidos por aspirado
coterapia (um “conjunto” consiste em uma amostra de traqueal ou lavado broncoalveolar (BAL) são
20 mL de sangue colhido por punção venosa periféri- recomendados para pacientes com infiltra-
ca). Não há necessidade de esperar entre a coleta das do de etiologia incerta visível na imagem de
amostras; amostras separadas podem ser obtidas pela tórax. As amostras podem ser examinadas
punção venosa de ambos os braços. através de bacterioscopia e cultura. Essas
amostras também podem ser analisadas por
Se o paciente tiver um cateter venoso central reação em cadeia da polimerase (PCR) multi-
(CVC), uma amostra deve ser obtido de uma veia peri- plex para Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia
férica e pelo menos uma amostra do CVC (no caso de pneumoniae e vírus respiratórios. Antígenos
se optar pela permanência do mesmo) ou a ponta do urinários para de Legionella, pneumococos e
cateter deverá ser enviada para cultura (quando este for Histoplasma também são recomendados.
retirado por suspeita de ser a fonte da infecção).
O volume total da hemocultura é um determi-
nante crucial da detecção de uma infecção sanguínea. Marcadores séricos de inflamação
O rendimento diagnóstico da hemocultura pode ser Estudos demonstraram resultados inconsistentes
aumentado obtendo-se três pares de hemoculturas quanto ao uso de tais marcadores de inflamação como
(60 mL de sangue). proteína C reativa, interleucinas-6 e -8 e procalcitoni-
No paciente com cateter venoso central im- na em pacientes imunossuprimidos. Os dados atuais
plantado, amostras de sangue de todos os lúmens do não são suficientes para recomendar o uso rotineiro
cateter, bem como uma amostra de uma veia perifé- desses testes para orientar decisões sobre o uso de
rica, deve ser obtida para avaliar infecção da corrente antimicrobianos.
134
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido
135
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
136
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido
da indicação de tratamento “preemptivo”, apenas para do tecido necrótico central. Infiltrados focais ou difusos
aqueles pacientes com achados adicionais sugestivos e consolidação também podem ser vistos.
de infecção por fungos invasivos, tais como resultados O teste de galactomanana no soro e no lavado
de exames sorológicos ou achados de TC de tórax ou broncoalveolar é recomendado como um marcador
seios paranasais. preciso para o diagnóstico da aspergilose invasiva em
A terapia antifúngica empírica ou preemptiva pacientes com malignidade hematológica e transplan-
deve envolver uma equinocandina, o voriconazol ou te de células-tronco hematopoiéticas. Contudo, a galac-
uma formulação de anfotericina B, uma vez que o flu- tomanana não é recomendada em pacientes que que
conazol não possui qualquer atividade contra infecções estão recebendo outros agentes antifúngicos que não
invasivas por fungos filamentosos e podem ocorrer in- o fluconazol, embora possa ser aplicado a amostras de
fecções de escape por espécies de Candida resistentes broncoscopia desses pacientes. A galactomanana não é
ao fluconazol em pacientes utilizado este antifúngico recomendada para triagem em receptores de transplan-
de forma profilática. te de órgãos sólidos. Resultados falso-positivos ocor-
rem em pacientes colonizados, mas não infectados com
espécies de Aspergillus e naqueles que têm infecção
Principais Infecções Graves no com espécies de Fusarium, Histoplasma capsulatum e
Imunocomprometido Blastomyces dermatitidis porque esses fungos possuem
galactomananas semelhantes nas paredes celulares.
Pneumonias A infecção pulmonar por Candida raramente é
Existem quatro grandes grupos de agentes pa- identificada, sendo mais frequentemente em associação
togênicos responsáveis pela pneumonia em pacientes com a candidíase disseminada. Os achados radiológicos
imunocomprometidos. Dependendo do defeito imuni- são semelhantes aos demonstrados na aspergilose pul-
tário subjacente, a probabilidade de cada uma dessas monar, incluindo áreas de consolidação fragmentadas,
etiologias para infecção é variada. cavitação focal e múltiplos nódulos pulmonares.
1. Bacteriana: Micobactérias da tuberculose e A pneumocistose é causada pelo fungo
não-tuberculosas, principalmente do comple- Pneumocystis jirovecii, anteriormente Pneumocystis ca-
xo Mycobacterium avium; rinii. A pneumocistose é mais comum em pacientes
2. Fungos: Pneumocystis jirovecii, Aspergillus fu- com imunodeficiência relacionada à AIDS. Os grupos
migatus, Candida, Cryptococcus neoformans, de maior risco incluem aqueles com doença maligna
mucormicoses e outros fungos, incluindo hematológica, receptores de transplante de medu-
Coccidioides immitis e Histoplasma capsulatum; la óssea e pacientes sob terapia com corticosteroides.
Nesses pacientes, a pneumocistose pode apresentar-se
3. Vírus: Citomegalovírus (CMV), infecções respi-
como uma pneumonia aguda com hipoxia mais grave
ratórias adquiridas na comunidade, incluindo
em comparação com o início insidioso frequentemen-
influenza e vírus herpes simplex (HSV) e vírus
te observado em pacientes com AIDS. A pneumocisto-
da varicela zoster (VZV);
se apresenta-se com mais frequência com infiltrados
4. Parasitas: Strongyloides, toxoplasmose. centrais bilaterais difusos em radiografias de tórax e
opacificação em vidro fosco difusa central ou peri-hilar
A aspergilose pulmonar invasiva traz uma bilateral. A adenopatia e os derrames pleurais são inco-
mortalidade significativa (até 50-70%), particularmente muns enquanto os cistos parenquimatosos podem se
em receptores de transplante de medula, com o resulta- desenvolver com a progressão da doença, resultando
do dependendo em grande parte da terapia antifúngica em pneumatoceles. As alterações císticas são mais fre-
precoce. Os fatores de risco para aspergilose angioinva- quentemente observadas em pacientes imunocompro-
siva incluem neutropenia prolongada, transplante (o metidos com AIDS em comparação com outras causas
risco é maior para o pulmão e de medula óssea), terapia de imunodeficiência.
com corticosteroides (doses prolongadas e altas), ma- A causa mais comum de infecção pulmonar
lignidade hematológica (particularmente leucemia) e viral nos pacientes imunocomprometidos é o citome-
terapia citotóxica. galovírus (CMV). O CMV pode ser visto em até 30% de
Nas radiografias de tórax, a aspergilose pulmonar transplantes de órgãos sólidos e 40% de receptores de
invasiva apresenta-se como nódulos de 1-3 cm que po- transplante de medula, com uma mortalidade de até
dem se unir em massas maiores. Na TC, os nódulos com 85%. Os achados radiográficos podem ser normais ou
um halo circundante em vidro fosco (“sinal do halo”) demonstrar uma combinação de múltiplos pequenos
são característicos da aspergilose pulmonar invasiva nódulos e infiltrado misto intersticioalveolar. A TC ge-
precoce, com a aparência em vidro fosco representan- ralmente mostra uma combinação de pequenos nódu-
do a angioinvasão. Em uma doença mais estabelecida, los mal definidos, opacificação de vidro fosco e áreas
o “sinal crescente de ar” representa a cavitação em torno de consolidação do espaço aéreo. Derrame pleural
137
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
pode estar presente. Pode ser difícil diferenciar pneu- se infecção complicada (infecção no tecido profundo,
moconiose de CMV. Além da infecção por CMV, outros trombose séptica ou endocardite) está presente. Em
agentes patogênicos virais incluem o vírus respiratório geral, para organismos que não sejam estafilococos
sincitial (RSV), o vírus influenza. coagulase-negativos, um tratamento de 14 dias de te-
rapia antimicrobiana sistêmica é adequado no paciente
neutropênico se o cateter for removido, se o paciente
Infecções da corrente sanguínea responder a terapia antimicrobiana dentro de 72 h e se
relacionadas ao cateter (ICSRC) a ICSRC não for complicada por infecção profunda nos
tecidos. ICSRC devido a qualquer agente patogênico
O cateter venoso central é uma importante fon-
complicada por infecção disseminada ou profunda re-
te de infecções sanguíneas na população de pacientes
quer 4-6 semanas de terapia antimicrobiana. O ecocar-
neutropênicos. As conexões e o lúmen do cateter são
diograma transtorácico pode ser a única modalidade
os principais locais de colonização. Uma ferramenta de
disponível para avaliação das válvulas, pois o ecocardio-
diagnóstico útil para o diagnóstico de infecção da cor-
grama transesofágico pode não ser recomendado até a
rente sanguínea relacionada ao cateter é a tempo di-
resolução da neutropenia e da trombocitopenia con-
ferencial de positivação de hemoculturas realizada em
comitante. O tratamento prolongado (4-6 semanas) é
amostras colhidas simultaneamente através do cateter
recomendado para ICSRC complicada ou se bacteremia
e de veia periférica. A premissa do teste é que, quando
ou fungemia persistente após mais de 72 h da remoção
o cateter é a fonte de bacteremia, a concentração de or-
do cateter em um paciente que recebendo antimicro-
ganismos será extremamente alta no lúmen, resultando
bianos apropriados.
em uma cultura rapidamente positiva. Estudos sugeri-
ram que uma cultura de sangue colhida do cateter que
se positiva pelo menos 120 minutos antes do que uma Infecção de pele e partes moles
cultura de sangue obtida simultaneamente de veia pe-
Além da infecção, o diagnóstico diferencial de
riférica indica que o cateter é, provavelmente, a fonte
lesões cutâneas deve incluir erupção por drogas, infil-
de infecção.
tração cutânea pela malignidade subjacente, reações
A remoção do cateter é considerada na maioria induzidas por quimioterapia ou radiação, síndrome de
das ICSRC. A decisão recai principalmente sobre o orga- Sweet, eritema multiforme, vasculite leucocitoclástica e
nismo isolado. Por exemplo, embora a bacteremia com doença do enxerto contra hospedeiro entre receptores
estafilococos coagulase-negativos seja comum entre de transplantes alogênicos.
pacientes neutropênicos, o patógeno é de baixa viru-
O diagnóstico diferencial para infecção de lesões
lência e pode não requerer a remoção do cateter com
cutâneas deve incluir agentes bacterianos, fúngicos, vi-
a administração de vancomicina através dos lúmens do
rais e parasitários. A biópsia ou aspiração da lesão para
cateter infectado. Em contraste, ICSRC com S. aureus,
obter material para avaliação histológica e microbioló-
bacilos gram-negativos (como P. aeruginosa) ou espé-
gica deve ser sempre implementada como um passo de
cies de Candida normalmente requerem a remoção do
diagnóstico precoce.
cateter além do tratamento antimicrobiano sistêmico.
A terapêutica antibacteriana empírica deve incluir
A remoção do cateter também é recomendada
a vancomicina associada a antibióticos anti-pseudomo-
para infecção no túnel ou infecção na bolsa de cateter
nas, tais como cefepime, um carbapenemo (imipenem-
implantado, trombose séptica, endocardite, sepse com
-cilastatina ou meropenem) ou piperacilina-tazobactam.
instabilidade hemodinâmica ou infecção sanguínea
As infecções clínicas e microbiologicamente documenta-
que persiste apesar de > 72 h de terapia com antibióti-
das devem ser tratadas com base no antibiograma dos
cos apropriados.
organismos isolados. Recomenda-se que a duração do
Em alguns pacientes, a remoção do cateter não é tratamento seja de 7-14 dias. A intervenção cirúrgica é
viável por causa da trombocitopenia, os riscos associa- recomendada para a drenagem de abcessos de tecidos
dos ao reimplante durante a neutropenia ou a ausência moles após a recuperação da medula ou na fasciite necro-
de outros locais de acesso vascular. Nos casos em que o tizante ou mionecrose. O aciclovir deve ser administrado
cateter deve ser retido, é prudente prolongar a terapia a pacientes suspeitos ou confirmados com infecção cutâ-
sistêmica endovenosa antimicrobiana, particularmente nea ou disseminada pelo vírus do herpes simples (HSV)
no caso de S. aureus e bacteremia bacilar gram-negati- ou da varicela-zoster (VZV).
va. Dados sugerem que a terapia com selo de antibió-
ticos pode ser útil para salvar alguns dos cateteres de
longo prazo. Infecção por citomegalovírus (CMV)
A duração da terapia antimicrobiana sistêmica O quadro clínico mais comum no hospedeiro
depende de vários fatores, incluindo se o cateter foi transplantado é uma síndrome viral, caracterizada por
removido ou retido, resposta à terapia antimicrobiana febre e mal-estar, bem como leucopenia, trombocitope-
dentro de 48-72 h (resolução de febre e bacteremia) e nia e enzimas hepáticas elevadas. Estes sinais aparecem
138
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido
da 3ª à 4ª semana, com um pico da sexta a 16ª semana e respiratórios. O exame físico revela frequentemente lin-
tornam-se raros após o 6º mês. Os sintomas do trato di- fadenopatia, hepatomegalia e/ou esplenomegalia, com
gestivo superior, e principalmente a dor, são comuns. A lesões cutâneas e bucais. Os testes de laboratório ge-
diarreia, ocasionalmente contendo sangue, é mais inco- ralmente apresentam anemia, leucopenia, trombocito-
mum e sugere o envolvimento do colônico. Quando o penia e elevação das enzimas hepáticas e bilirrubina. O
cólon é afetado pela citomegalovirose invasiva, podem choque com insuficiência hepática, renal e respiratória
ser observadas alterações ulcerativas. À medida que as (incluindo SARA) e coagulopatia pode complicar casos
úlceras aumentam em profundidade, a erosão nos va- graves e pode ser confundido com sepse bacteriana. Os
sos sanguíneos pode causar diarreia sangrenta profu- locais mais comuns de envolvimento são fígado, baço,
sa. Ao longo do tempo, podem desenvolver-se pólipos trato gastrointestinal e medula óssea. A disseminação
inflamatórios, que raramente podem obstruir o cólon. também pode ser observada na pele, glândulas adre-
Inflamação grave e vasculite podem levar a isquemia e nais, sistema nervoso central e endocárdio. Meningite,
necrose transmural do intestino, resultando em perfu- cerebrite e lesões cerebrais focais ou lesões da medula
ração e peritonite. espinhal ocorrem em 5% a 10% dos casos, como ma-
Os sintomas respiratórios podem exigir a admis- nifestações de infecção amplamente disseminada ou
são em uma unidade de terapia intensiva. Além disso, a achados isolados. A imagem pulmonar caracteriza-se
hepatite clínica, meningoencefalite, pancreatite e mio- por infiltrados difusos reticulonodulares, intersticiais ou
cardite são raras. Em contraste com o que se encontra miliários, mas podem a radiologia pode ser normal em
em pacientes infectados pelo HIV, a coriorretinite é mui- 10% a 50% dos casos.
to rara em pacientes transplantados. A histopatologia com coloração para fungos, cul-
O diagnóstico da infecção causada pelo CMV turas, detecção de antígenos e testes sorológicos para
evoluiu consideravelmente nos últimos anos. Existem anticorpos específicos de Histoplasma podem ajudar
dois métodos utilizados para diagnosticar a infecção a fazer o diagnóstico de histoplasmose disseminada.
por CMV ativa: o teste de antigenemia e a reação em O diagnóstico rápido é muitas vezes alcançado pela
cadeia da polimerase (PCR), que podem ser utilizados determinação do antígeno, exame citológico e/ou his-
para a detecção precoce da replicação viral do CMV. A topatológico de amostras de tecido, secreções respira-
sorologia em pacientes imunocomprometidos pode ser tórias ou fluidos corporais; ou pela coloração de Wright
difícil de interpretar devido às respostas humorais pre- de esfregaços de sangue. Testes sorológicos para anti-
judicadas dos pacientes. Além disso, eles podem apre- corpos contra H. capsulatum e cultura do organismo são
sentar IgG circulante de transfusões ou de tratamentos métodos menos rápidos, mas podem auxiliar na confir-
com imunoglobulina. mação do diagnóstico.
O tratamento é sempre indicado na síndrome O tratamento é indicado para todos os pacientes
viral, na presença de doença por CMV (evidência de com histoplasmose disseminada. Recomenda-se uma
infecção por CMV com sinais e sintomas da doença) e das formulações lipídicas de anfotericina B em pacien-
quando os danos teciduais orgânicos são documenta- tes graves. O itraconazol não é recomendado para a
dos por alterações histológicas e imuno-histoquímicas. terapia inicial em tais pacientes porque não erradica a
O medicamento padrão de ouro para tratamento é o fungemia tão rapidamente quanto a anfotericina.
ganciclovir intravenoso. Há uma evidência limitada de
que o valganciclovir oral também é eficaz. Portanto, o
ganciclovir intravenoso é a escolha para infecção gra-
Infecção disseminada por
ve, mas para infecção leve a moderada é possível usar o micobactérias não tuberculosas (MNT)
tratamento com valganciclovir. O aciclovir e o valaciclo- As infecções disseminadas por MNT ocorrem
vir não são indicados para tratamento. Foscarnet é uma quase que exclusivamente em hospedeiros imuno-
escolha alternativa para o CMV resistente a ganciclovir, comprometidos. O complexo Mycobacterium avium
embora os efeitos colaterais frequentes, e principal- é a espécie de MNT mais comumente associada a in-
mente a nefrotoxicidade, limite seu uso. fecções disseminadas. As infecções disseminadas por
O tempo de tratamento recomendado é deter- MNT envolvem a medula óssea, sistema linforreticular,
minado pelo monitoramento da antigenemia ou carga trato gastrointestinal, pulmões e pele. As manifesta-
viral para o CMV. O tratamento deve ser mantido até er- ções clínicas das infecções disseminadas por MNT in-
radicação viral em um ou dois testes após um mínimo cluem febre, perda de peso, diarreia, linfadenopatia
de duas semanas de tratamento. generalizada, lesões cutâneas disseminadas, sensibi-
lidade abdominal difusa e hepatoesplenomegalia. O
diagnóstico definitivo requer o isolamento de espé-
Histoplasmose disseminada cies de MNT a partir do: sangue, medula óssea, linfo-
As manifestações clínicas comuns incluem febre, nodos, fígado, pulmão e outros tecidos corporais ou
fadiga, mal-estar, anorexia, perda de peso e sintomas fluidos como o líquido pleural. No entanto, a cultura
139
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
é essencial para diferenciar as MNT do M. tuberculosis, Ulceração mucosa mais comum no intestino
determinar a espécie de MNT causadora da infecção e delgado, mas pode ocorrer em qualquer ní-
realizar testes de sensibilidade a fármacos. Os swabs vel do esôfago ao reto;
de lesões cutâneas, tecido subcutâneo e lavado nasal Manifestações pulmonares:
podem ser cultivados para MNT. Além disso, as cul-
Tosse seca, dispneia, broncoespasmo, he-
turas para MNT podem ser obtidas do sangue, lesões
moptise e edema pulmonar (síndrome de
cutâneas, líquido pleural e lavado broncoalveolar. O
Loefler);
material de biópsia obtido da pele, pulmões, fígado,
medula óssea e até mesmo vértebras pode apresen- Manifestações dermatológicas:
tar aparências histopatológicas consistentes com a Lesões serpiginosas ou lineares pruriginosas
doença por MNT e demonstrar a presença de BAAR. (larva currens);
No entanto, métodos de hibridização de DNA podem Lesões pupúricas;
ser necessários para identificação de espécies de MNT. Outros órgãos acometidos:
Os seguintes fármacos são geralmente utiliza- SNC (meningite), fígado (padrão obstrutivo),
dos no tratamento de infecções por MNT: etambutol, linfonodos, coração, músculos etc.;
rifampicina, aminoglicosídeos (amicacina e tobra-
Infecções secundárias:
micina), macrolídeos (claritromicina, azitromicina),
TMP-SMZ, quinolonas (ciprofloxacina, levofloxacina, Enterobactérias e fungos;
moxifloxacina), imipenem, linezolida e tigeciclina. A Meningite, endocardite, peritonite, sepse;
terapia antimicrobiana deve basear-se nos resultados Podem, ainda, ocorrer infecções secundárias,
dos testes de sensibilidade antimicrobiana. A duração como meningite, endocardite, sepse e peri-
da terapia geralmente é variável e depende do local tonite, mais frequentemente por enterobac-
e extensão da infecção, bem como a condição clínica térias e fungos. Esses quadros, quando não
do paciente. A terapia antimicrobiana geralmente é tratados conveniente e precocemente, podem
administrada por 3 meses ou mesmo por uma duração atingir letalidade de 85%.
muito maior, especialmente nas infecções dissemina-
das. Às vezes, a terapia médica pode ser prolongada
e podem ser necessários ciclos repetidos de terapia Uma vez considerada a possibilidade de hiperin-
antimicrobiana em infecções recorrentes ou parcial- fecção, a grande carga de larvas torna o diagnóstico re-
mente tratadas. O tratamento cirúrgico sob a forma lativamente fácil. As larvas filariformes podem ser vistas
de desbridamento pode ser necessário em infecções em no exame microscópico direto a partir de amostras
localizadas graves, tais como infecções graves de pele de escarro ou colhidas por broncoscopia. As larvas são
e partes moles. mais facilmente encontradas em espécimes de fezes
e foram observadas em diversos locais de dissemina-
ção, incluindo líquido cefalorraquidiano, espécimes de
Estrongiloidíase disseminada biópsia hepática, líquido pleural e urina. A biópsia do
Embora a maioria dos indivíduos infectados se- duodeno pode demonstrar larvas, sendo um método
jam assintomáticos, S. stercoralis é capaz de se trans- frequente de diagnóstico em receptores de transplan-
formar em uma doença fatal fulminante sob certas tes submetidos a endoscopia gastrointestinal superior
condições associadas a um compromisso de imunida- por suspeita de doença por citomegalovírus ou outra
de do hospedeiro. Tais condições foram comumente infecção oportunista. As larvas também podem ser de-
resumidas como “defeitos na imunidade mediada por monstradas em espécimes de biópsia cutânea obtidas
células”, embora as circunstâncias específicas nas quais de uma erupção cutânea. O teste sorológico, agora, está
a hiper-infiltração de S. stercoralis se desenvolvam nem amplamente disponível e é sensível, embora não espe-
sempre sejam previsíveis. A hiperinfecção descreve a cífico. Infecções com filária ou Ascaris spp. podem levar
síndrome de autoinfecção acelerada, geralmente – em- a falsos positivos.
bora nem sempre – o resultado de uma alteração no es- O tratamento da estrongiloidíase intestinal crôni-
tado imunológico. ca deve ser administrado antes da terapia de imunossu-
Manifestações gerais: pressão, se possível. As opções de tratamento incluem
ivermectina (droga de escolha) e tiabendazol. O alben-
Febre, fadiga, mialgias, perda de peso;
dazol pode ser usado como alternativa, pois tem menor
Manifestações gastrointestinais: eficácia. O tratamento da síndrome de hiperinfecção
Dor abdominal, náuseas/vômitos, diarreia por Strongyloides deve incluir doses diárias de ivermec-
aquosa, constipação, íleo obstrutivo, sangra- tina, até obtenção da depuração parasitológica dos lo-
mento gastrointestinal; cais infectados.
140
Infecções Graves no Paciente Imunocomprometido
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141
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
142
Endocardite Infecciosa 17
Fisiopatologia Diagnóstico
Modelos experimentais de endocardite infec- Devemos considerar endocardite infecciosa em
ciosa demonstraram que a doença segue uma sequên- pacientes que apresentem os seguintes sintomas e si-
cia previsível: dano estrutural endocárdico, agregação nais: febre de origem obscura persistente, insuficiência
de plaquetas e fibrina para criar uma vegetação esté- cardíaca aguda, acidente vascular encefálico embólico
ril, bacteremia transitória, resultando na semeadura e sepses de foco indefinido.
da vegetação, proliferação microbiana e invasão da O uso dos critérios de Duke ajuda a classificar
superfície endocárdica, com infecção metastática em o diagnóstico de endocardite em casos definidos ou
órgãos viscerais (por exemplo: rins, baço e cérebro). O prováveis. Essa classificação tem sido usada, principal-
dano ao endocárdio pode ser causado por uma série mente e com maior sucesso, em pacientes com apre-
de fatores, que vão desde inflamatórios, como febre sentação clássica da doença e que não tenham prótese
reumática, congênitos (prolapso da valva mitral), à de-
valvar ou dispositivos intracardíacos. Nesses últimos, o
generação senil.
escore pode encontrar um falso-negativo. Cerca de 30%
De fato, qualquer turbulência excessiva ou gra- dos pacientes podem apresentar clínica sem bactere-
diente de alta pressão local pode causar danos ao mia ou vegetação no ecocardiograma inicialmente.
endocárdio e/ou nas proximidades. Em seguida, os
O Quadro 17.3 descreve os critérios de Duque
agregados de plaquetas de fibrina desenvolvem-se no
modificados para o diagnóstico de endocardite
local do dano para formar vegetações estéreis, também
infecciosa.
denominadas de trombose asséptica. Assim, o tecido
está propício a receber microrganismos e desenvolver A Figura 17.1 demonstra um fluxograma de in-
o processo de infecção local. vestigação diagnóstica de pacientes com quadro suges-
tivo de endocardite infecciosa.
Manifestações clínicas
Terapia farmacológica
Veja, no Quadro 17.2, os achados clínicos e labo-
ratoriais mais comuns na endocardite infecciosa. Algumas propostas de tratamento empírico
incluem endocardite aguda de válvula nativa com
Quadro 17.2: Manifestações clínicas comuns de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA)
endocardite infecciosa provável (vancomicina ou daptomicina), endocardite
aguda de válvula nativa com MRSA improvável (oxa-
Achado % cilina ou cefazolina), endocardite aguda em válvula
Febre 96 protética com MRSA provável (vancomicina + genta-
Piora do sopro anterior 20 micina + rifampicina) e endocardite por enterococos
na válvula nativa (ampicilina + ceftriaxona). Devemos
Novo sopro 48
sempre realizar os ajustes farmacológicos quando ti-
Evento embólico vascular 17 vermos o resultado das hemoculturas, por exemplo:
Esplenomegalia 11 germes HACEK causando endocardite (ceftriaxona
Hemorragias cutâneas 8 ou ampicilina ou ciprofloxacino). A duração da po-
sologia é variável, de acordo com o agente envolvi-
Nódulos de Osler 3
do e deve ser considerado se há ou não presença de
Lesões de Janeway 5 válvula protética.
Elevado VHS 61
Hematúria 26
Fator reumatoide positivo 5
Tratamento Cirúrgico
Radiografia de tórax (derrame, infiltrado, 67-85* As principais indicações cirúrgicas são: insufi-
embolia séptica) ciência cardíaca aguda grave, obstrução valvular ou
progressão de lesão valvular, abcesso perivalvular ou
* Mais comum em endocardite de câmara direita. miocárdico, deiscência de prótese valvular, bacteremia
Fonte: adaptado de Murdoch DR, Corey GR, Hoen B, et al.; persistente, endocardite fúngica ou paciente que não
International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort respondeu à terapia com antibióticos. Algumas indi-
Study (ICE-PCS) Investigators. Clinical presentation, etiology, cações cirúrgicas são ditas como relativas: embolia re-
and outcome of infective endocarditis in the 21st century: the corrente, infecção por Estafilococo ou BGN em prótese,
International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort febre persistente, vegetação móvel > 10 mm, aumento
Study. Arch Intern Med. 2009;169(5):463-73. da vegetação na vigência de tratamento adequado.
144
Endocardite Infecciosa
Critérios maiores
1. Hemocultura positiva com microrganismo típico de estar envolvido em endocardite: Estreptococo alfa-hemolítico,
Streptococcus bovis, microrganismos HACEK ou Staphylococcus aureus, ou espécies de Enterococcus adquiridas
na comunidade; sem foco primário em duas hemoculturas separadas OU bacteremia persistente com qualquer microrganismo
(pelo menos duas hemoculturas positivas com intervalo > 12 horas ou três hemoculturas positivas ou quatro ou mais
hemoculturas positivas separadas por pelo menos 1 hora).
2. Evidência de envolvimento endocárdico: achados ecocardiográficos com massa móvel ligada à válvula, abscesso ou nova
deiscência parcial da válvula protética OU nova regurgitação valvular.
3. Sorologia: cultura de sangue positiva única para Coxiella burnetii OU título de anticorpo IgG antifase 1 ≥ 1:800
Critérios menores
Condição prévia: uso de drogas intravenosas ou condição cardíaca predisponente.
Febre ≥ 38°C.
Fenômenos vasculares: embolia arterial, embolia pulmonar séptica, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragias
conjuntivais, lesões de Janeway.
Fenômeno imunológico: glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide positivo.
Achados ecocardiográficos consistentes com a endocardite, mas não atendendo aos principais critérios
Evidência microbiológica: hemoculturas positivas que não atendem aos principais critérios ou evidências sorológicas de
infecção ativa consistente com endocardite
Endocardite definida: endocardite infecciosa histopatologicamente comprovada OU diagnóstico clínico definido por dois
critérios maiores OU um maior e três critérios menores OU cinco critérios menores.
Endocardite possível: um critério maior e um critério menor OU três critérios menores
Endocardite rejeitada: diagnóstico alternativo mais provável OU resolução da síndrome de endocardite infecciosa com
terapia antibiótica por 4 dias ou mais OU não há evidência patológica de endocardite infecciosa em cirurgia ou autópsia com
terapia antibiótica por ≤ 4 dias OU não cumpre os critérios acima de possível endocardite infecciosa
Fonte: adaptado de Li JS, Sexton DJ, Mick N, et al. Modificações propostas aos critérios de Duke para o diagnóstico de
endocardite infecciosa. Clin Infect Dis. 2000;30:633-638.
Suspeita clínica de EI
ETT
145
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
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146
Prevenção de 18
Infecções Nosocomiais
Thiago Lisboa
Infecção hospitalar é um dos temas mais im- de Saúde (OMS) iniciou uma campanha com foco na la-
portantes em UTIs, principalmente porque acomete vagem das mãos nos seguintes momentos: antes de to-
pacientes gravemente enfermos e pode aumentar o car um paciente, antes de um procedimento asséptico
tempo de permanência na UTI e no hospital e o risco (de limpeza), após risco pela exposição a fluídos corpo-
de morte. Sua definição é qualquer infecção adquiri- rais, depois de trocar um paciente e após o contato com
da após 48 horas da internação do paciente e que se as áreas próximas ao paciente.
manifesta durante a internação ou mesmo após a alta,
quando puder ser relacionada com a internação ou pro-
cedimentos hospitalares. Cerca de 70% dos pacientes Uso Racional de Antimicrobianos
internados em UTIs recebem tratamento para algum
tipo de infecção; boa parte delas é adquirida durante a Estima-se que de 500 mil a 1 milhão de mortes
permanência, sendo as mais comuns: pneumonia hos- ocorram no mundo devido à resistência antimicrobia-
pitalar, pneumonia associada a ventilação mecânica, na. Um fato alarmante é o crescimento do consumo
bacteremia associada a uso de cateter venoso/arterial e global de antibióticos no ambiente hospitalar na última
infecções do trato urinário associados a uso de cateter década, que bateu a casa dos 40%. Estudos estatísticos
vesical. A vigilância das infecções ao longo do tempo revelam que se nenhuma mudança ocorrer, em 2050,
mostra que há diminuição das taxas com aplicação de o mundo registrará cerca de 10 milhões de mortes as-
medidas baseadas em evidência. São 7 pontos chave da sociadas à resistência a antibióticos e antimicrobianos,
Prevenção de Infecção na UTI: superando a morte por câncer, por exemplo. “O uso ra-
1. Higienização das mãos; cional desses medicamentos na UTI, restringindo-se es-
pectro e duração minimamente necessários, é a melhor
2. Uso racional de antimicrobianos;
maneira de combater a emergência de resistência no
3. Uso das precauções de contato; ambiente hospitalar e, principalmente, nas unidades de
4. Rastreio e isolamento dos casos; terapia intensiva”, alerta o médico intensivista Dr. Thiago
5. Limpeza do ambiente; Lisboa, coordenador da Campanha Nacional da AMIB.
6. Vigilância epidemiológica;
7. Educação contínua dos profissionais. Uso Adequado das Precauções de
Contato
Higienização das Mãos Usar com pacientes sabidamente colonizados ou
Essa é a principal medida de prevenção de infec- com infecção por patógenos potencialmente resisten-
ções relacionadas aos cuidados de saúde. Infelizmente, tes no ambiente de cuidados intensivos. O uso de luvas
a taxa de adesão a esse ponto chave é muito baixa, che- e aventais podem minimizar o risco de transmissão cru-
gando apenas a 70% nos centros que apresentam os zada (de um paciente para outro) nas UTIs. Veja a seguir
melhores resultados. Em 2009, a Organização Mundial os tipos de precaução de contato:
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
Precaução Padrão
Devem ser seguidas para todos os pacientes, independentemente das suspeita ou não de infecções.
Precaução de Contato
148
Prevenção de Infecções Nosocomiais
149
Curso de Infecções Graves na UTI – INFECÇÃO
150
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