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Infecção

DIRETORIA EXECUTIVA 1. Doenças infecciosas nos pacientes graves 1


BIÊNIO 2018/2019
2. Uso de antimicrobianos na unidade de terapia 5
Presidente
intensiva
Ciro Leite Mendes (PB)

Vice-Presidente 3. Avaliação de febre no paciente grave 31


José Roberto Fioretto (SP)
4. Pneumonia comunitária grave 36
Secretária Geral
Marcelo Maia (DF)
5. Meningoencefalites 46
Tesoureiro
Cristiano Franke (RS)
6. Infecções intra-abdominais 51
Diretor Científico
Flavia Ribeiro Machado (SP) 7. Febres hemorrágicas: diagnóstico diferencial 59

Presidente-Futuro
8. Tratamento das infecções relacionadas a 62
Suzana M. Lobo (SP)
cuidado de saúde: o desafio das bactérias
multirresistentes
Presidente-Passado
Mirella Oliveira (PR)
9. Pneumonia adquirida no hospital e pneumonia 70
associada à ventilação mecânica

10. Infecções da corrente sanguínea relacionadas 77


ao cateter

11. Infecção por Clostridium difficile 82


AMIB
Associação de Medicina 12. Terapia antifúngica na unidade de terapia 90
Intensiva Brasileira intensiva: quando usar?

Rua Arminda, 93 - 7º andar


Vila Olímpia 13. Infecções de pele e partes moles 99
CEP 04545-100 - São Paulo - SP
(11) 5089-2642 14. Endocardite infecciosa 105
www.amib.org.br
Infecção

COORDENADOR
André Japiassú

BOARD DE INSTRUTORES
Achilles Rohlfs
Brenno Cardoso Gomes
Denise Machado Medeiros
Gerson Macedo
Kelson Veras
Thiago Lisboa
Doenças infecciosas nos pacientes graves
André Japiassú
Características das doenças infecciosas
As doenças infecciosas formam o conjunto de causas mais comuns de internação nas unidades de terapia intensiva
(UTI). A pneumonia comunitária grave é, isoladamente, a causa mais frequente de internação, entre pacientes adultos
e pediátricos. Outras infecções também são causas de internação, principalmente quando associadas à sepse.
As doenças infecciosas possuem características comuns e são prevalentes em todos os continentes, mas existe
variação de microrganismos e síndromes infecciosas entre as diferentes regiões. Uma determinada infecção, que é
frequente em alguma região, pode ser rara em outra região do globo. Porém, o fenômeno recente da globalização
faz com que estas fronteiras estejam cada vez mais tênues, e com que certas doenças, anteriormente raras, fossem
disseminadas rapidamente (por exemplo, Zika e Chikungunyia, entre 2013 e 2015, no continente americano). O
quadro 1 apresenta as características comuns das doenças infecciosas e seu possível impacto mundial.

Quadro 1. Características comuns das doenças infecciosas e seu possível impacto mundial.
Característica Exemplo
Impacto global e explosivo Influenza
Imunidade adquirida Varicela e febre amarela
Acometimento ‘democrático’ entre indivíduos sadios ou com Pneumonia viral e dengue
comorbidades
Potencial para prevenção e erradicação Difteria e poliomielite
Adaptação de microrganismos ao tratamento antimicrobiano Bactérias produtoras de betalactamases
Dependência do comportamento humano Doenças sexualmente transmissíveis
Coevolução ou derivação de outras espécies animais Leptospirose e brucelose
Influência do tratamento em ecossistemas ou em comunidades Estafilococcia por Staphylococcus aureus resistente à meticilina

Outra característica de algumas doenças infecciosas é a emergência ou reemergência: doenças surgem em


diferentes períodos da história, e aparecem ou reaparecem com características semelhantes ou diferentes. A dengue
é um exemplo: causou surtos no Brasil na década de 1950 e 1960, desapareceu durante 15 a 20 anos, e ressurgiu no
fim da década de 1980. Desde lá, permanece reemergindo em surtos/epidemias, com aparecimento de novos tipos
de vírus.
Ainda falando em epidemiologia global, as doenças infecciosas causam cerca de 25% das mortes no mundo,
sendo a pneumonia, as doenças diarreicas, HIV/AIDS, a tuberculose e a malária as cinco principais infecções mortais.
No entanto, o desenvolvimento e o progresso da humanidade fez com que doenças anteriormente fatais fossem
controladas e, eventualmente, erradicadas: a difteria foi grande causa de morte infantil nos séculos XVIII e XIX, mas,
após, o início da imunização específica no fim do século XIX, foi controlada e erradicada em várias partes do planeta; a
tuberculose foi disseminada após a Revolução Industrial e o crescimento das grandes cidades, e os casos muitas vezes
eram fatais, e somente controlados com isolamento social de pacientes (em sanatórios), até o surgimento da vacinação
com BCG e o tratamento com esquema antimicrobiano combinado entre as décadas de 1920 e 1950.

Epidemiologia global das doenças infecciosas graves


O estudo EPIC (Extended Study of Prevalence of Infection in Intensive Care) foi coordenado pelo Doutor Jean Louis
Vincent, teve duas fases e marcou a prevalência de infecções em UTI ao redor do mundo, envolvendo 75 países e 1.265
UTI. Foi realizada corte de prevalência de 1 dia em 2007, no qual as UTI registraram todos os pacientes internados,
se eles apresentavam infecções e as características destas infecções. As comorbidades e a mortalidade hospitalar
também foram observadas.
O Brasil foi o segundo país que mais forneceu pacientes para o estudo, com cerca de 1.300 dos 14.400 indivíduos
incluídos. Em média, 50% dos pacientes internados em UTI do mundo inteiro apresentavam alguma infecção no dia do
estudo (Figura 1). A idade média foi de 60 anos, com Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) médio de 6,3 pontos
(marcando a presença de síndrome de disfunções orgânicas múltiplas); mais da metade usava suporte ventilatório

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invasivo. As comorbidades mais comuns foram: doença pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias ativas, insuficiência
cardíaca, diabetes mellitus e insuficiência renal crônica. O sítio de infecção mais comum em UTI foi o pulmonar (63%
de todas infecções), seguido por abdominal, sanguíneo primário, urinário e cutâneo.

Figura 1. Prevalência de pacientes com infecção nas unidades de terapia intensiva. Estudo EPIC II. Fonte:
adaptado de Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of
prevalence of infection in intensive care (EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.

No quadro 2, estão os principais desfechos e a comparação com dados da América Latina.

Quadro 2. principais desfechos da internação em unidade de terapia intensiva (UTI)


Desfechos Mundo (%) América Latina (%)
Infecção ativa 51 60
Presença de bacteremia 15 10
Infecções por bactérias Gram-negativas 62 70
Infecções por bactérias Gram-positivas 47 39
Mortalidade na UTI de todos os pacientes 18 27
Mortalidade hospitalar de todos os pacientes 24 33
Mortalidade hospitalar dos pacientes infectados 25 35

São notáveis as diferenças de piores desfechos no nosso continente, quando comparados ao restante do mundo.
As diferenças são mais contrastantes se compararmos a mortalidade de pacientes infectados na América do Norte
(18%) e Oceania (14%) vs. América Latina (35%) (Figura 2).

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Figura 2. Mortalidade na unidade de terapia intensiva de pacientes com infecção. Fonte: adaptado de
Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of
infection in intensive care (EPIC) II. JAMA 2009;302(21):2323-9.

Conclusão
As características das doenças infecciosas e os desfechos desfavoráveis no nosso continente apontam para nossa
maior preocupação com este tema, e a priorização do diagnóstico correto e do tratamento ágil e efetivo das infecções
nas nossas UTI.

Bibliografia consultada
Fauci AS, Morens DM. The perpetual challenge of infectious diseases. N Engl J Med 2012;366(5):454-61.

World Health Organization (WHO). The top 10 causes of death: leading causes of death by economy income group. Geneve: WHO; 2015.
Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs310/en/index1.html

Vincent JL, Rello J, Marshall J, et al. EPIC II Group of Investigators The extended study of prevalence of infection in intensive care (EPIC) II.
JAMA 2009;302(21):2323-9.

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Uso de antimicrobianos na unidade de terapia intensiva
Gerson Luiz de Macedo
Introdução
Na era pré-bacteriológica, o mundo microscópico foi responsável pelo extermínio de um quarto da população da
Europa no século XIV (no mínimo 25 milhões de pessoas) com a peste negra. Não se conhecendo os agentes etiológicos,
as doenças eram classificadas como contagiosas (contagium: substância derivada do corpo do doente, passando de um
indivíduo para o outro), como a sífilis, ou miasmáticas (miasma: substância gerada fora do corpo e se espalhando pelo
ar) como era o caso da malária.
Somente no final do século XIX, graças a Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Kock (1843-1910), a era bacteriológica
se iniciava com a descoberta dos principais microrganismos patogênicos ao homem, como a própria Yersinia pestis,
descoberta pelos pesquisadores Yersin e Kitasato em 1894, discípulos de Pasteur e Kock, respectivamente.
Chegávamos no século XX sem poder combater de forma eficaz as infecções, que continuavam a ser uma da
principais causas de mortalidade no início do século e uma das razões mais fortes para a baixa expectativa de vida de
um ser humano (47 anos).
A descoberta da penicilina por Alexander Fleming, publicada em 1929, deu início ao combate das bactérias,
principalmente dos germes Gram-positivos, que eram, na ocasião microrganismos frequentemente implicados em
infecções graves, como os estafilococos e os estreptococos, na época sensíveis a penicilida de Fleming.
Na Segunda Guerra Mundial, a era dos antibióticos pode ser considerada iniciada, porque somente nesta ocasião
foi possível a produção industrial de larga escala da penicilina. A temida pneumonia pneumocócica deixava de matar
30% dos pacientes infectados.
Com a descoberta de novos grupos de antibióticos a partir da década de 1960, chegamos a pensar que tínhamos
vencido o combate contra as bactérias patogênicas, porém, com a evolução tecnológica da medicina e o surgimento
das unidades de terapia intensiva e medicina invasiva a partir da década de 1970, começávamos a conhecer os germes
multirresistentes, também fruto do uso abusivo de antimicrobianos, aliados à imunodeficiência que, na década de
1980, já se relacionava não só com uso de quimioterápicos, mas também com o surgimento de novos microrganismos
patogênicos, como foi o caso do vírus da AIDS.
Nos dias de hoje, as infecções já representam a principal causa de morte nas unidades de terapia intensiva (UTI)
do mundo inteiro e estamos longe de erradicá-las destas unidades.

Antimicrobianos e Infecção no Brasil


Com o início da campanha de sobrevivência da sepse em 2004, o uso de protocolos nas unidades hospitalares
dos países desenvolvidos fez com que a mortalidade das infecções graves nos hospitais declinasse − o mesmo não
ocorrendo ainda na maioria dos hospitais de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

Definições fundamentais

Colonização
Presença de microrganismos em superfícies epiteliais de seres humanos, sem invasão tecidual e de forma simbiótica,
sem gerar resposta imunológica e inflamatória nociva ao organismo humano. Exemplo: microbiota intestinal.

Contaminação
Presença transitória de microrganismos em superfícies epiteliais, sem invasão tecidual ou relação de parasitimo,
podendo ocorrer também em objetos inanimados.

Colonização: Trato gastrintestinal e Antibioticoterapia


Nossa microbiota contém dez vezes mais células que o corpo humano, e o trato gastrintestinal é o local onde vive
o maior número de bactérias. Estima-se que 1kg de microrganismos coloniza o intestino com cerca de 500 espécies

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diferentes, principalmente no íleo e no cólon, desempenhando funções importantes na digestão, metabolismo e defesa
contra microrganismos patogênicos.
Ao nascer, o trato gastrintestinal estéril do recém-nato imediatamente recebe inoculações de microrganismos
maternos, profissionais de saúde e do meio ambiente hospitalar, e a criança com 1 ano de idade apresenta uma
microbiota já muito semelhante à do adulto.
Nos adultos, as bactérias anaeróbias dos gêneros Clostridium, Bacillus e Bacterioidetes dominam a microbiota,
desempenhando funções metabólicas não possíveis de serem realizadas pelo metabolismo humano, criando um
relacionamento simbiótico, e permitindo que hospedeiro e microrganismos usem fontes de energia que separadamente
não poderiam utilizar facilmente. Nossa microbiota digere certos polissacarídeos (pectina e arabinose) impossíveis
de serem digeridos pelo intestino humano, além de sintetizarem vitaminas (K) e aminoácidos importantes para o
metabolismo humano.
Em última análise, a microbiota intestinal funciona como um verdadeiro sistema de integração no organismo
humano, com as células humanas também participando de forma ativa desta interação, mantendo a barreira mucosa
íntegra e fazendo, inclusive, a distinção entre os microrganismos indígenas e espécies patogênicas ao homem.
Esta importante distinção é possível com a manutenção da integridade da população da microbiota e a existência
de um sistema “sensor” encontrado em células do intestino, que reconhece os germes patogênicos. Este sistema
usa receptores nas células para o reconhecimento dos patógenos (PPR), incluindo os receptores TOLL e NOD (do
inglês nucleotide-binding oligomerization domains), que pertencem ao sistema imune inato. A interação entre os
microrganismos patogênicos (padrão molecular associados a patógenos − PAMP) e estes receptores gera vias de
sinalização de defesa tanto do sistema imune inato quanto do sistema imune adaptativo, com importante papel da
microbiota comensal do intestino, que também interage com estes receptores, porém de forma protetora, atenuando
a resposta inflamatória, promovendo homeostasia e mantendo a integridade da barreira mucosa.
Existem vários mecanismos propostos para tentar explicar como nossa microbiota atenua ou suprime uma resposta
inflamatória mediada por um microrganismo patogênico. Uma explicação interessante mostra que a interação com os
receptores, por parte da bactéria comensal, dificulta ou previne o reconhecimento dos patógenos pelos receptores
TOLL, atenuando ou suprimindo uma resposta inflamatória de mucosa.
O uso abusivo ou inapropriado de antibióticos representa um importante fator de instabilidade destas interações
entre a microbiota e os receptores padrões, facilitando a inflamação e a perda da integridade da mucosa intestinal. A
infecção por Clostridium difficile serve como bom exemplo, em que a partir da contaminação fecal-oral, com uso de
antibióticos e fatores predisponentes (idade, imunossupressão e doença grave), a mudança e a redução da microbiota
levam à resposta inflamatória, podendo ser letal em alguns casos.

Principais grupos de antibióticos utilizados

Antibióticos betalactâmicos
Os antibióticos betalactâmicos representam a principal família de antimicrobianos disponíveis para o tratamento
de infecções bacterianas. O anel betalactâmico, em sua estrutura química (Figura 1), confere, ao mesmo tempo,
seu poder bactericida e sua fragilidade diante das betalactamases produzidas pelos microrganismos patogênicos
inicialmente sensíveis a este grande grupo de antibióticos. Tem como mecanismo de ação a inibição da síntese do
peptidoglicano na parede celular da bactéria, ligando-se a proteínas ligadoras de penicilinas (PBPS), causando lise
osmótica do microrganismo.

Penicilinas

Naturais
Obtidas a partir da fermentação do fungo Penicillium chrysogenum (Notatum), apresentam um anel tiazolidínico
ligado ao anel betalactâmico, transformando-se no ácido 6-aminopenicilânico, núcleo central do qual derivam as
penicilinas (Figura 2).

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Figura 1. O anel betalactâmico significa uma amida cíclica no qual se dá o
fechamento da cadeia pelo nitrogênio no carbono situado na porção beta.

Figura 2. Estrutura química da penicilina.

Fazem parte desse grupo de antibióticos a penicilina benzatina e procaína, para uso intramuscular, e a penicilina
cristalina para uso venoso. São antibióticos com excelente perfil farmacocinético, apresentando distribuição e
penetração em vários tecidos e líquidos orgânicos, atingindo concentrações seguras, inclusive nas meninges. São
excretadas pela via renal, havendo necessidade de ajuste da dose somente em casos de insuficiência renal grave
(clearance de creatinina inferior a 10 mL/hora), quando o intervalo das doses não deve ser inferior a 8 horas, com dose
máxima preconizada em anúricos de 6 milhões de unidades por dia de penicilina.
Pioneiras no combate a infecções bacterianas, as penicilinas naturais se tornaram drogas extremamente eficazes
para tratamento de infecções por bactérias Gram-positivas, cocos Gram-negativos, espiroquetas e actinomicetos a
partir da década de 1940, quando foram utilizadas de forma ampla com sua industrialização.

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Com o progressivo desenvolvimento de resistência, inicialmente por meio da produção de betalactamases
pelo Staphylococcus aureus e mutação com modificação dos sítios de PBPS, como no caso do pneumococo e dos
enterococos, hoje não utilizamos mais estes antibióticos isoladamente como terapia empírica na maioria dos pacientes
com sepse grave, porém, permanecem com atividade antimicrobiana segura para as infecções causadas pela Neisseria
meningitidis e pelas outras espécies de estreptococos (Streptococcus pyogenes, Streptococcus agalactiae, Streptococcus
equi, Streptococcus bovis), incluindo do grupo viridans (mitis, salivarius e sanguis).
Em pacientes com infecções graves, a penicilina cristalina (uso intravenoso) continua como droga de primeira linha,
associada à gentamicina, para o tratamento da endocardite infecciosa estreptocócica. O uso da penicilina cristalina
como monoterapia deve ficar restrito aos casos de endocardite em valvas naturais com extensão do tratamento para
4 semanas.
Nas infecções de pele e tecido celular subcutâneo (celulite e fasceíte necrotizante do tipo II) de etiologia
estreptocócica em pacientes não diabéticos e não usuários de droga intravenosa, mantém-se como opção terapêutica
associada a aminoglicosídeos.
A penicilina cristalina continua sendo uma excelente opção terapêutica para o tratamento da meningite
meningocócica, por se manter com elevada potência antimicrobiana, mesmo em baixas concentrações, além de ter
boa penetração na meninge inflamada. Como terapia empírica, as cefalosporinas de terceira geração tornaram-se a
droga de escolha para o tratamento dessas infecções.
Devido ao seu perfil farmacológico como um antibiótico tempo-dependente, devemos fazer infusões de penicilina
cristalina com intervalos de 4 horas (prática habitual) ou infusão contínua com dose média diária de 18 a 25 milhões
de unidades em adultos (200.000 a 500.000U/kg/dia em crianças) para infecções graves. É importante lembrar que,
para o balanço hidroeletrolítico do paciente crítico, 1 milhão de unidades de penicilina cristalina fornecem 1,6meq/L
de potássio e 1,60meq/L de sódio.

Penicilinas semissintéticas
Em 1959, com a obtenção do ácido 6-aminopenicilânico, tornou-se possível o desenvolvimento das penicilinas
semissintéticas com específico ou maior espectro antimicrobiano. Com parâmetro farmacocinético-farmacodinâmico
(PK/PD) semelhantes às penicilinas naturais, também se distribuem amplamente pelos tecidos e líquidos orgânicos,
com excreção pela via renal por secreção tubular.

Classificação
Penicilinas de segunda geração: ampicilina e amoxacilina.
Penicilinas antiestáfilocócicas: oxacilina e derivados.
Penicilinas de amplo espectro ou quarta geração: azlocilina, mezlocilina e piperacilina.
Inibidores de betalactamases.
Discutiremos, a seguir, as penicilinas semissintéticas principalmente com inibidores de betalactamases com
aplicação clínica em pacientes com infecções graves.

Ampicilina
Em consequência de sua ampla utilização desde o início da década de 1960 e com o progressivo aumento de
resistência bacteriana por meio da produção de beta-actamases, não utilizamos mais a ampicilina para tratamento
das infecções pelo S. aureus e os bacilos Gram-negativos anteriormente sensíveis (Haemophilus influenzae, Proteus
mirabilis, Escherichia coli, Salmonella, Shigella).
O Brasil mantém sua atividade bactericida segura contra os estreptococos do Grupo A de Lancefield, com atividade
variável contra os enterococos e pneumococos, havendo a necessidade de se conhecer o perfil de resistência em seu
hospital, para que possa ser utilizado com segurança.
É importante frisar que a ampicilina é considerada droga de escolha para o tratamento da meningite por Listeria
monocytogenes, além de manter estabilidade segura para o tratamento das infecções meníngeas pelo meningococo.

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Ampicilina com sulbactam
Disponível para uso venoso (1g de ampicilina + 500mg de sulbactam), em comprimidos e suspensão oral, a associação
da ampicilina com o sulbactam tornou o antibiótico betalactâmico novamente estável contra os microrganismos
sensíveis no início da década de 1960, continuando a não ter atividade antibiótica contra os microrganismos que têm
em seu mecanismo de resistência a mudança dos sítios de ação da droga (PBPS), impedindo a fixação da droga ao
seu receptor, como é o caso dos estafilococos Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), pneumococo e
enterococo resistentes.
Em pacientes com infecções graves, talvez sua melhor utilização seja em infecções causadas pelo Acinetobacter
baumannii.

Amoxacilina
Lançada na década de 1970, a amoxacilina é derivada da ampicilina, com espectro e problemas relacionados
à resistência antimicrobiana semelhantes, tornando-se diferente somente no que diz respeito ao melhor perfil
farmacocinético com relação à sua melhor absorção, produzindo níveis séricos mais elevados e mantendo
concentrações inibitórias seguras por tempo mais prolongado (8 ou até 12 horas, se utilizando preparações solúveis),
podendo ser usada com doses maiores (3g/4g/dia) em adultos (100mg/kg/dia em crianças) para o tratamento de
infecções respiratórias (principalmente recidivantes) com resistência intermediária às penicilinas. Para o tratamento
das infecções respiratórias (principalmente recidivantes).

Amoxacilina com clavulanato


Disponível para uso venoso (500mg/100mg e 1g/200mg), comprimidos e suspensão oral, a amoxacilina com o ácido
clavulânico tem aplicabilidade principalmente nas infecções respiratórias causadas pelo Streptococcus pneumoniae e
H. influenzae.

Isoxazolilpenicilinas

Oxacilina
Primeira isoxazolilpenicilina a ser sintetizada em 1961, a oxacilina, graças à presença da cadeia lateral isoxazolil, é
resistente à ação enzimática da penicilinase, não apresentando resistência a outras betalactamases. Essa característica
farmacológica a torna ativa contra os estafilococos produtores de penicilinase, sendo a droga de escolha para o
tratamento das infecções graves causadas por estes germes na comunidade, mas, no ambiente hospitalar, a ocorrência
de resistência é alarmante, tanto para a espécie aureus quanto para epidermidis. Sua utilização não é segura como
droga inicial. Seu PK/PD, quanto ao mecanismo de ação, são semelhantes aos de outras penicilinas, assim como os
efeitos adversos. No Brasil, seu uso é exclusivo pela via parenteral na dose de 100mg a 200mg/kg/dia, com doses
fracionadas a cada 4 ou 6 horas.

Penicilinas de terceira geração

Carbenicilina-ticarcilina-ticarcilina + ácido clavulânico


O primeiro antibiótico com atividade contra pseudomonas foi a carbenicilina, descoberta na década de 1960 para
uso exclusivamente venoso, em virtude de sua instabilidade em meio ácido, seguida da ticarcilina no início da década
de 1970. Com o surgimento crescente de resistência dos bacilos Gram-negativos, deixaram de ser utilizadas na prática
clínica. No Brasil, dispomos atualmente da ticarcilina ligada ao ácido clavulânico com atividade antipseudomonas, além
de bacilos Gram-negativos produtores de betalactamases convencionais (mediada por plasmídeos, não de espectro
ampliado). Sua padronização fica dependente de sua sensibilidade aos microrganismos hospitalares, comparada com
outros antibióticos com mesmo espectro já disponíveis em sua unidade hospitalar.

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Sua apresentação é em fraco-ampola com 3g de ticarcilina e 100mg de ácido clavulânico para uso venoso na dose
de 200 a 300mg/kg/dia, fracionadas a cada 4 horas nos pacientes com sepse grave. Nas infecções consideradas graves
sem instabilidade hemodinâmica e/ou respiratória, o intervalo das doses pode ser reduzido para 6 horas.

Penicilina de quarta geração


A piperacilina associada ao inibidor de betalactamase tazobactam é a única e mais utilizada penicilina semissintética
para o tratamento de infecções graves por bacilos Gram-negativos, incluindo pseudomonas. Para uso exclusivamente
venoso, em virtude de sua propriedade farmacodinâmica como antibiótico tempo-dependente, sua utilização em
infusão contínua vem sendo uma prática interessante, com o objetivo de se otimizar a eficácia terapêutica. Na forma
convencional, utilizamos a piperalicilina em doses de 200mg a 300mg/kg/dia, fracionadas de a cada 4 horas. Os bacilos
Gram-negativos produtores de betalactamase de espectro ampliado também são sensíveis a piperacilina-tazobactan.
Por serem ativas contra os germes anaeróbios, pode ser utilizada como monoterapia para tratamento de infecção
intra-abdominal complicada hospitalar.
Para a infusão contínua, devemos fazer a dose inicial fracionada de ataque, com o início imediato da infusão com
a dose total diária na solução de infusão.

Cefalosporinas
Descobertas por Giuseppe Brotzu em 1945, na Itália, a partir do isolamento do fungo Cefalosporium acremonium,
surgia um novo grande grupo de antibióticos pertencentes aos antibióticos betalactâmicos.
O estudo dos pesquisadores com o fungo resultou na descoberta do ácido 7 aminocefalosporânico a partir da
cefalosporina C no início da década de 1960 e a produção industrial da cefalotina, primeira cefalosporina de primeira
geração lançada para uso clínico (Figura 3).

Figura 3. Evolução na estrutura química das cefalosporinas.

Assim como as penicilinas, as cefalosporinas inibem a síntese da parede celular da bactéria em crescimento, se
ligando às PBPS, causando lise osmótica.
O uso das cefalosporinas tomou grandes proporções a partir do início da década de 1980, quando as infecções
hospitalares começaram definitivamente a representar grande ameaça para pacientes internados em unidades de
terapia intensiva e pacientes imunodeprimidos vulneráveis aos bacilos Gram-negativos, incluindo a Pseudomonas
aeruginosa, tornando-se os antibióticos mais prescritos nos hospitais em todo o mundo para o tratamento de infecções
graves.

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Com a evolução na geração de cefalosporinas, tivemos o aumento progressivo do espectro antimicrobiano contra
estes bacilos, mas também foi a partir do uso abusivo deste importante grupo de antibióticos que vimos o crescente
número de microrganismos se especializando em se defender destes antimicrobianos, produzindo betalactamases
cada vez mais eficazes na inativação das cefalosporinas. Atualmente, as cefalosporinas representam o principal grupo
de antibióticos indutores de betalactamases junto das penicilinas.
Os livros de farmacologia, por apresentar na maioria das vezes, sensibilidade in vitro dos bacilos Gram-negativos as
cefalosporinas, não representam a realidade da sensibilidade desses microrganismos in vivo, principalmente Klebsiella,
Enterobacter e Pseudomonas.
Precisamos conhecer a microbiota hospitalar para saber a verdadeira sensibilidade dos microrganismos
patogênicos, para que possamos prescrever, com maior segurança e, com isso, utilizar antibioticoterapia apropriada
para pacientes gravemente enfermos nas unidades hospitalares.
A ceftazidime, que foi produzida para tratamento das infecções por bacilos Gram-negativos, incluindo Pseudomonas,
hoje não é uma droga segura para o tratamento empírico de infecções graves em pacientes internados nas unidades de
terapia intensiva (UTI), principalmente aqueles com pneumonia associada à ventilação mecânica, em virtude da alta
incidência de resistência de patógenos frequentemente implicados nessas infecções, por ser uma droga indutora da
produção de betalactamases como acontece com Enterobacter e a Pseudomonas.
No tratamento da infecções graves pelo S. aureus, as cefalosporinas disponíveis, com exceção da ceftarolina,
não são drogas utilizadas nessas infecções como primeira escolha, principalmente pelo risco cada vez maior do
microrganismo ser oxacilino-resistente.
Os estreptococos do Grupo A de Lancefield e o pneumococo continuam sensíveis às cefalosporinas, sendo utilizados
principalmente no tratamento de infecções cutâneas graves (celulite) e meningite pelo pneumococo (somente as
cefalosporinas de terceira geração).
As cefalosporinas não são utilizadas contra microrganismos intracelulares, como a clamídia e a Legionella e, por
não apresentarem parede celular, o micoplasma é naturalmente resistente às cefalosporinas. As cefalosporinas não
apresentam atividade antimicrobiana contra os germes anaeróbios do gênero bacterioides, com exceção da cefoxitina,
que foi a primeira e única cefalosporina de segunda geração com esse espectro.
Com relação ao perfil farmacocinético das cefalosporinas, existe muita semelhança com as penicilinas, porém,
é importante ressaltar que somente a partir da descoberta das cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona e
cefotaxima) foi possível sua utilização em infecções bacterianas do sistema nervoso central, tornando-se as drogas de
escolha para o tratamento das meningites bacterianas comunitárias.
Com exceção da ceftriaxona, que apresenta excreção biliar predominante, todas as outras cefalosporinas são
excretadas por via renal. Na vigência de insuficiência renal, há necessidade de ajuste quando o cleareance de creatinina
cai abaixo de 50mL/minuto.

Principais cefalosporinas disponibilizadas para uso no Brasil

Cefalosporinas de primeira geração


A cefalotina foi a primeira cefalosporina lançada na década de 1960 para uso venoso, porém, por apresentar um
melhor perfil farmacocinético (meia-vida mais longa), a cefazolina é a droga que deve ser utilizada para uso venoso, já
que o espectro antimicrobiano é exatamente o mesmo da cefalotina. Por não atravessar a barreira hematoencefálica,
não são utilizadas para o tratamento das infecções no sistema nervoso central. Distribuem-se amplamente pelos outros
líquidos e tecidos corpóreos, e apresentam excreção renal.
A cefazolina é muito utilizada para profilaxia em cirurgias nas quais os anaeróbios entéricos (bacterioides) não
são prevalentes e infecções cutâneas de menor gravidade (pacientes com celulite sem sinais de disfunção orgânica na
apresentação inicial), em que os estreptococos do Grupo A são os principais responsáveis, seguidos dos estafilococos,
prevalentes em usuários de drogas injetáveis e indivíduos que usam piercing.

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Cefalosporinas de segunda geração

Cefoxitina
Primeira cefalosporina de segunda geração lançada no Brasil na década de 1980 para uso venoso, na realidade
pertence a outra classe de antibióticos, pela presença de um radical metóxi no carbono 7, caracterizando uma
cefamicina, porém, devido à semelhança na estrutura química, é estudada junto das cefalosporinas.
Apesar de ter como principal característica seu amplo espectro de ação, sendo a única cefalosporina com atividade
contra microrganismos anaeróbios, incluindo o grupo dos bacterioides, tem como propriedade adversa a indução de
betalactamases por bacilos Gram-negativos como a pseudomonas, Serratia e o Enterobacter. Estas betalactamases
induzidas têm origem cromossômica e resultam da liberação de gens repressores nestas bactérias, podendo ser ativa
sobre outras cefalosporinas, como as de terceira geração. Por este motivo, seu uso é muito restrito nos dias de hoje,
ainda sendo utilizada como monoterapia nas infecções cirúrgicas abdominais comunitárias não complicadas, como a
peritonite com suas diversas etiologias (apendicite, diverticulite etc.) e profilaxia de cirurgias abdominais.
A cefoxitina é utilizada na dose de 100 a 200mg/kg/dia, em intervalos a cada 6 horas.

Cefuroxima
Cefalosporina de amplo espectro com maior estabilidade que as betalactamases, é disponibilizada para uso oral e
venoso, com atividade antimicrobiana às infecções por H. influenzae, Moraxella catarralis, S. pneumoniae, S. aureus e
enterobactérias, sendo uma opção terapêutica às pneumonias comunitárias ou hospitalares em indivíduos com menos
de 4 dias de internação, infecções urinárias hospitalares e infecções de pele e tecido celular subcutâneo.
A cefuroxima é utilizada por via intravenosa da dose de 100mg/kg/dia devendo ser fracionada em intervalos a
cada 8 horas.

Cefalosporinas de terceira geração


As principais cefalosporinas de terceira geração utilizadas no Brasil são a cefotaxima e a ceftriaxona. Apresentam
o mesmo espectro antimicrobiano, porém, com relação ao perfil farmacocinético, a ceftriaxona apresenta vantagens
em sua utilização, por ter uma meia-vida prolongada, podendo ser utilizada em intervalos de 24 ou a cada 12 horas,
dependendo da gravidade da infecção e de não haver necessidade de reajuste da dose em pacientes com insuficiência
renal, por ter uma fração da dose administrada (30 a 40% da dose) eliminada por via biliar.
São drogas com atividade antimicrobiana bacilos Gram-negativos não produtores de betalactamases de espectro
ampliado, não tendo atividade contra P. aeruginosa e A. baumannii.
Foram as primeiras cefalosporinas capacitadas a atravessar a barreira hematoencefálica de pacientes com
infecções no sistema nervoso central e atingir concentrações liquóricas seguras para o tratamento, tornando-se as
drogas de escolha para a terapia das meningites bacterianas comunitárias e hospitalares de baixo risco para infecção
por Pseudomonas e Acinetobacter, que são microrganismos-resistentes.
Atingem níveis terapêuticos seguros na maioria dos outros líquidos e tecidos corpóreos, fazendo parte dos
protocolos de tratamento das infecções respiratórias comunitárias e hospitalares (com menos de 4 dias de internação),
incluindo as associadas à ventilação mecânica e de outros sítios orgânicos.
A cefotaxima é utilizada por via intravenosa nas doses que variam de 4 a 12g/dia, com intervalos a cada 4 ou 6
horas, e a ceftriaxona no dose de 2 a 4g.
Lançada no Brasil na década de 1980 como primeira cefalosporina com atividade contra a P. aeruginosa, a ceftazidima
vem se tornando de pouca utilidade para o tratamento destas infecções, por ser indutora de betalactamases. Muitos
hospitais terciários do Brasil já apresentam resistência significativa de cepas de Pseudomonas resistentes à ceftazidime,
além de outros bacilos Gram-negativos, como o Enterobacter. Em muitos hospitais, já não faz parte da primeira linha
antibiótica para terapia empírica de pacientes com infecções graves nos centros de tratamento intensivo.

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A ceftazidima é administrada em adultos na dose de 1 a 2g a cada 8 ou 12 horas pela via intravenosa.

Cefalosporinas de quarta geração


A cefepima e a cefpiroma foram lançadas na década de 1990 como cefalosporinas apresentando atividade contra
os bacilos Gram-negativos por apresentarem estabilidade ante às betalactamases de origem plasmidial, e também por
preservarem a atividade antimicrobiana contra os S. aureus.
Apresentam o mesmo PK/PD das cefalosporinas de terceira geração com atividade. Não apresentam atividade
antimicrobiana contra o A. baumannii, MRSA e Enterococcus. O uso clínico das cefalosporinas de quarta geração em
pacientes graves atualmente deve ser revisto, em virtude de não apresentarem mais estabilidade contra os bacilos
Gram-negativos produtores de novas betalactamases que tornam sua utilização dependente do perfil microbiológico
de resistência do hospital onde é utilizada (Quadro 1).

Quadro 1. Uso clínico de cefepima.


Monoterapia Infecções graves por bacilos Gram-negativos
Infecções do sistema nervoso central
Pneumonia comunitária grave
Pneumonia hospitalar em pacientes sem fatores de risco
Infecções cutâneas graves
Infecções articulares e ósseas
Urosepse
Associação com outros antibióticos Infecções intra-abdominais (associadas ao metronidazol)
Paciente leucopênico febril (associado a aminoglicosídeo)

A cefepima é utilizada habitualmente na dose de 1g a cada 12 horas por via venosa, porém em pacientes com
sepse e choque séptico é recomendado dobrar a dose para 4 ou 6g/dia em intervalos de 12 ou 8 horas.
Apesar de duas metanálises recentes de estudos randomizados comparando a cefepima e outros betalactâmicos
mostrarem maior mortalidade com seu uso em pacientes graves, o Food and Drug Administration (FDA) manteve as
indicações da cefipima em paciente gravemente enfermos.

Monobactâmicos
Na metade da década de 1970, pesquisadores japoneses descobriram que microrganismos do gênero Nocardia
produziam antibióticos betalactâmicos formados por uma estrutura monocíclica (Figura 4). Surgia, assim, uma nova
classe de antibióticos, denominados de monobactâmicos.
Produzido em 1981, o aztreonam é um antibiótico utilizado somente nas infecções por microrganismos Gram-
negativos, não sendo ativo contra microrganismos Gram-positivos e anaeróbios. São estáveis somente ante as beta-
lactamases não de espectro ampliado, podendo ser utilizado para o tratamento das infecções por enterobactérias
comunitárias incluindo a E.coli (não produtora de ESBL), Klebisiella (não produtora de ESBL), Proteus, Morganella,
Providencia, Salmonella. Também são sensíveis o H. influenza e as N. meningitidis e Gonorrhoeae. O Enterobacter
costuma ser resistente ao aztreonam.
Apresentam PK/PD semelhantes aos da cefalosporinas de quarta geração, inibindo a síntese da parede celular
bacteriana, ligando-se às PBPS (alta afinidade a PBP3), e não tendo atividade antimicrobiana contra Legionella,
micoplasma e clamídia.
Por serem drogas bastante seguras com relação a efeitos adversos, foram inicialmente muito utilizadas no lugar
dos aminoglicosídeos para tratamento das infecções por microrganismos Gram-negativos, por não serem nefrotóxicas
e ototóxicas, porém, nos últimos anos, apesar de não ser uma droga indutora de betalactamases para o tratamento
das infecções nosocomiais, é necessário o conhecimento da sensibilidade da microbiota hospitalar para o uso empírico
nas infecções graves, principalmente onde existe alto risco para infecções por Pseudomonas e Enterobacter, que já se
mostram resistentes ao monobactâmico.

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Figura 4. Estrutura química do monobactâmico.

O FDA aprovou, em 2010, o uso do aztreonam em solução inalatória em pacientes com fibrose cística e infecção
respiratória por P. aeruginosa.
Na maioria das infecções sistêmicas, o azteronam é administrado pela via intravenosa na dose de 1g a cada 8
horas. Nos pacientes com sepse grave ou choque séptico, a dose deve ser dobrada.

Aminoglicosídeos
Representam uma classe de antibióticos com excelente atividade contra bactérias Gram-negativas aeróbicas,
incluindo a P. aeruginosa. Não têm ação antimicrobiana contra os microrganismos anaeróbios e, entre as bactérias
Gram-positivas, somente têm atividade contra os microrganismos do gênero Staphylococcus.
Após atravessar por difusão passiva, as porinas da membrana externa do bacilo Gram-negativo, no citoplasma
da célula bacteriana, ligam-se à subunidade 30s ribossomal, inibindo a síntese proteica bacteriana. A resistência aos
aminoglicosídeos se dá principalmente por mediação cromossômica, diminuindo a afinidade da droga com o sítio de
ligação ribossomal ou mutação cromossômica, afetando o gen transportador do aminoglicosídeo na célula bacteriana.
A anaerobiose e o pH ácido também representam adversidade ao efeito terapêutico dos aminoglicosídeos.
São antibióticos com ação bactericida concentração dependente, além de produzirem um efeito pós-antibiótico
prolongado (10 horas ou mais), com sua atividade antimicrobiana não sendo afetada pelo tamanho do inóculo. A
emergência de resistência durante o tratamento é um evento raro e elas são muito resistentes às betalactamases.
O uso dos aminoglicosídeos em dose única diária tem eficácia similar ao regime de múltiplas doses, podendo
inclusive retardar o início da nefrotoxicidade. As recomendações atuais não aconselham a manutenção da terapia com
aminoglicosídeos por um período superior a 5 ou 6 dias. Alguns fatores que limitam seu uso amplo em pacientes graves
estão relacionados a um perfil farmacocinético inferior comparado aos betalactâmicos. Não são absorvidos por via
oral, não atravessam a barreira hematoencefálica e apresentam menor penetração tissular em tecidos (com exceção
do rim), como o parênquima pulmonar, porém, sem dúvida, a ototoxicidade e, principalmente, a nefrotoxicidade
representam a maior limitação para seu uso clínico.
Os aminoglicosídeos se acumulam no rim, com cerca de 85% da droga se concentrando no córtex renal. No túbulo
renal, ligam-se a uma glicoproteína localizada na membrana basal chamada megalina, necessária para a interiorização

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da droga por pinocitose e acúmulo na célula renal. Quando atingem nível crítico no citosol da célula, o aminoglicosídeo
ativa apoptose, levando à morte celular.
Não existe diferença significativa que possa influenciar na escolha entre os aminoglicosídeos utilizados na prática
clínica, no que diz respeito à maior ou menor toxicidade renal, porém, alguns fatores de risco (Quadro 2) merecem a
atenção na tomada de decisão para seu uso. Vários destes fatores estão presentes em pacientes com infecções graves
por bacilos Gram-negativos, porém, vale ressaltar que o uso de aminoglicosídeos em dose única diária pode reduzir de
forma significativa o risco de nefrotoxicidade, principalmente se limitarmos a 6 dias de tratamento.

Quadro 2. Fatores de risco para nefrotoxicidade com uso de aminoglicosídeos.


Uso prolongado de aminoglicosídeos
Idade avançada
Uso concomitante de vancomicina
Doença renal prévia
Doença hepática prévia
Choque

A ototoxicidade com o uso dos aminoglicosídeos ocorre devido à penetração da droga na endolinfa e nos tecidos
coclear e vestibular do sistema auditivo. O uso prolongado do aminoglicosídeo (7 dias ou mais) e lesão renal prévia
são os principais fatores de risco para o efeito adverso. O bloqueio neuromuscular com o uso dos aminoglicosídeos é
evento raro.

Uso clínico dos aminoglicosídeos


O uso dos aminoglicosídeos como monoterapia em pacientes com infecções graves por bacilos Gram-negativos
não é recomendado por ser menos eficaz em virtude do seu perfil farmacocinético, sendo necessária a associação
antibiótica, de preferência a uma betalactâmico. Em contrapartida, a monoterapia com betalactâmico de amplo
espectro em pacientes com infecções graves não se mostra inferior na maioria dos estudos que comparam sinergismo
antibiótico, a não ser por estudo recente, que demonstrou que a terapia antibiótica combinada, em pacientes com
choque séptico, devido a infecções por bacilos Gram-negativos, apresentou menor mortalidade. Portanto, a presença
de instabilidade hemodinâmica na evolução clínica de um paciente com infecção pode representar uma forte
recomendação para a associação antibiótica.
A escolha do aminoglicosídeo deve ser baseada na sensibilidade in vitro dos germes nos hospitais onde são
utilizados. Apesar da gentamicina ser o aminoglicosídeo mais ativo contra Enterobacteriaceae e a tobramicina contra
Pseudomonas, a amicacina mantém atividade bactericida segura em muitas cepas de Enterobacteriaceae (mais de
80%) e também em uma proporção considerável de cepas de Pseudomonas que adquiriram resistência à gentamicina
e à tobramicina, devendo ser considerada a droga inicial de escolha no tratamento da sepse grave em pacientes
internados em unidades de emergência ou de terapia intensiva.
É uma prática comum o uso combinado do aminoglicosídeo com um antibiótico betalactâmico em pacientes com
bacteremia e endocardite estafilocócica, apesar de um estudo recente ter demonstrado aumento da incidência de
nefrotoxicidade sem nenhum benefício clínico.
No tratamento da pneumonia hospitalar devido a bacilos Gram-negativos, o uso do aminoglicosídeo associado
a um antibiótico betalactâmico não se mostra superior à monoterapia com betalactâmico em pacientes estáveis
hemodinamicamente, porém, em pacientes com sepse e choque séptico, tal associação pode trazer benefício.
O uso de terapia inalatória com aminoglicosídeos, comparado à terapia venosa combinada com betalactâmicos em
pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica, vem sendo um novo alvo de atenção dos pesquisadores,
pois, em alguns estudos, esta prática resultou em melhor resolução dos sintomas clínicos (81% vs. 31%) e cura
microbiológica (77% vs. 5%) sem nenhum dos pacientes submetidos à terapia inalatória ter apresentado disfunção renal
quando comparados ao grupo que fez uso de terapia intravenosa com 31% de disfunção. Mais estudos controlados
com maior número de pacientes serão necessários para uma melhor avaliação desta nova modalidade terapêutica.

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No tratamento das infecções intra-abdominais comunitárias e hospitalares, durante muitos anos, os
aminoglicosídeos fizeram parte dos esquemas terapêutico em combinação com a clindamicina, metronidazol e
betalactâmicos. Metanálises recentes mostraram menor eficácia comparada ao uso de betalactâmicos para o combate
aos bacilos Gram-negativos, porém, em pacientes com sepse, a adição de um aminoglicosídeo, principalmente nas
peritonites hospitalares, parece ser racional.
O uso dos aminoglicosídeos no tratamento da urosepse apresenta eficácia equivalente à da terapêutica com
betalactâmicos e fluoroquinilonas. Vale ressaltar que o uso não superior a 5 dias de aminoglicosídeos torna menos
provável a possibilidade de nefrotoxicidade. A elevada resistência dos bacilos Gram-negativos incluindo a E. coli
produtora de betalactamase de espectro ampliado, as cefalosporinas de terceira geração e fluoroquinolonas, retorna
aos aminoglicosídeos a condição de uma opção terapêutica.
A estreptomicina tem como principal indicação a tuberculose pulmonar quando há resistência à isoniazida e à
rifampicina. Outra indicação como droga de primeira linha é a tularemia (Quadros 3 e 4).

Quadro 3. Doses dos aminoglicosídeos.


Amicacina 15 a 20mg/kg/dia, dose única diária intravenosa em infusão de 30 minutos
Gentamicina 5 a 7mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
Tobramicina 5 a 7mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
Netilmicina 3 a 7mg/kg/dia, dose única intravenosa em infusão de 30 minutos
Estreptomicina 1g/dia (adultos com menos de 60 anos), 750mg/dia (mais de 60 anos), crianças: 20 a 30mg/kg
(mais de 20 kg) – intramuscular

Quadro 4. Doses de aminoglicosídeos.


Ajuste do antimicrobiano na O clearence de creatinina é o parâmetro mais utilizado para o cálculo do ajuste da
insuficiência renal dose dos aminoglicosídeos
Cálculo do clearance de Clearence de creatinina (mL/minuto) = (140-idade) x (peso)/creatinina sérica x 72
creatinina estimado - Se mulher, multiplicar o resultado por 0,85
Clearence creatinina (mL/min) Gentamicina, dose 24 horas (mg/kg) Amicacina, dose 24 horas (mg/kg)
>50 3-5 15
30-50 2,5-3 9-12
10-30 1-1,5 4-9
<10 0,5-1 2-4

Fluoroquinolonas
Lançadas na década de 1980 como antibióticos ideais para o tratamento das infecções comunitárias e hospitalares
causadas por bactérias Gram-positivas e, principalmente, Gram-negativas, representam, na atualidade, um importante
exemplo de multirresistência e antibioticoterapia, devido ao seu uso abusivo. Atualmente, seu uso é considerado
um dos principais fatores de risco para infecção por C. difficile, além da alta e preocupante incidência de resistência
dos bacilos gram negativos em infecções nas unidades de terapia intensiva. A neurotoxicidade, principalmente em
pacientes (delirium, alteração do nível de consciência) mediada por inibição gabaérgica representa outro fator adverso
ao seu uso.
A introdução do radical flúor na fórmula da quinolona ampliou seu espectro de ação e potência, e melhor
parâmetro farmacocinético-farmacodinâmico (PK/PD) desse grupo de antibióticos, o que permitiu sua utilização em
pacientes com infecções bacterianas graves, inclusive no ambiente hospitalar.
No Brasil, as fluoroquinolonas mais utilizadas são a ciprofloxacina, levofloxacina e a moxifloxacina (Quadro 5).

Mecanismo de ação
O cromossoma bacteriano encontra-se entrelaçado em espirais bem apertadas, ocupando um espaço mínimo
no interior da célula. A manutenção deste estado e a divisão, reunião das novas cadeias e o enrolamento de um

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Quadro 5. Classificação das quinolonas por gerações.
Geração
Primeira Segunda Terceira Quarta
Ácido nalidíxico Norfloxacina Levofloxacina Trovafloxacina*
Pefloxacina Moxifloxacina Clinafloxacina*
Norfloxacina Sitafloxacina*
Ciprofloxacina
* Não disponíveis para uso clínico no Brasil.

novo DNA, ao ocorrerem a replicação do cromossoma e a divisão celular, são mediados por enzimas intracelulares
denominadas topoisomerase IV e topoisomerase II, também chamada de DNA-girase. As quinolonas agem inibindo
estas enzimas, fazendo com que o DNA ocupe um espaço maior que o contido nos limites do corpo bacteriano, além da
indução descontrolada de RNA mensageiro e de proteínas, levando ao efeito bactericida deste grupo de antibióticos.
Nos bacilos Gram-negativos, o principal alvo das quinolonas é a DNA-girase, enquanto nos Staphylococcus e
Streptococcus o local primário de ação é a topoisomerase IV.
A resistência adquirida às quinolonas tem origem cromossômica com a modificação de DNA-girases, não sofrendo
inibição das drogas. Outro mecanismo importante de resistência é o desenvolvimento de uma bomba de efluxo, que
retira o antibiótico do interior da célula bacteriana.
Com relação ao seu perfil PK/PD, as fluoroquinolonas são drogas concentração dependente, sendo a relação entre
área abaixo da curva pela concentração inibitória mínima (AUC/MIC) o melhor fator preditor da atividade antibacteriana
da droga. Otimizando a dose desses antibióticos, mais rápida são a taxa e a extensão de morte bacteriana, o que
não ocorre com os antibióticos, que são tempo dependente como os betalactâmicos, que, excedendo o limiar de
concentração da droga, não há modificação na taxa de morte celular bacteriana.
Este perfil farmacodinâmico permite que, para o tratamento das infecções graves por bacilos Gram-negativos,
incluindo a Pseudomonas, a maximização da dose traga maior segurança para o controle clínico da infecção (Quadro 6).

Quadro 6. Doses preconizadas para uso venoso pacientes com sepse grave e choque séptico.
Ciprofloxacina 400mg a cada 8 horas
Levofloxacina 750mg em dose única diária
Moxifloxacino 400mg em dose única diária

Aplicação clínica das fluoroquinolonas em pacientes críticos


No início de seu uso, na década de 1980, os bacilos Gram-negativos, incluindo a Pseudomonas, eram quase 100%
suscetíveis às fluoroquinolonas. Nos dias de hoje, devido ao abuso e ao uso inapropriados (tratamento de infecção
respiratória comunitária com ciprofloxacina), os índices de resistência para a pseudomonas chegam a 50%/60%,
respectivamente, em muitas UTI de hospitais terciários. Com relação aos outros bacilos Gram-negativos, é necessário
conhecer a microbiota da UTI para poder haver segurança com o uso empírico destes antibióticos em pacientes com
infecção grave. A utilização de doses maximizadas baseadas em seu perfil PK/PD pode aumentar a margem de resposta
terapêutica nas infecções nosocomiais.
O arsenal terapêutico para o tratamento das infecções respiratórias comunitárias foi ampliado com o advento das
quinolonas “respiratórias”, levofloxacina e moxifloxacina.
Elas representam uma excelente opção terapêutica aos macrolídeos para as infecções pelo pneumococo e germes
intracelulares como clamídia, micoplasma e Legionella.
A ciprofloxacina não tem atividade contra as bactérias do gênero Streptococcus.
Apesar de ativa contra microrganismos anaeróbios, a moxifloxacina não é habitualmente utilizada para este fim,
em virtude de várias outras drogas estarem disponíveis com a mesma eficácia e menor custo para o tratamento dessas
infecções.

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Reações adversas com uso das fluoroquinolonas
Apesar de serem medicamentos com boa tolerância e com incidência baixa de efeitos colaterais (Quadro 7),
várias quinolonas foram retiradas do mercado em decorrência de efeitos mais expressivos e específicos. O principal
exemplo no Brasil foi a gatifloxacina, em virtude do surgimento de disglicemias. Outras drogas que deixaram de ser
comercializadas nos Estados Unidos, em virtude de toxicidade cardiovascular (prolongamento do intervalo QT, torsades)
foram a grepafloxacina e a esparfloxacina.

Quadro 7. Principais reações adversas das fluoroquinolonas


Sistema nervoso central: cefaleia, tonteira, insônia, pesadelos, paranoia e convulsões
Neuropatia periférica
Reações alérgicas
Disglicemias
Alterações do paladar
Nefrite intersticial
Síndrome hemolítico urêmica
Infecção por Clostridium difficile
Hepatotoxicidade

O emprego de quinolonas em doses terapêuticas não foi acompanhado de artropatias em crianças, como
observado em animais jovens, assim como de prematuridade, aborto espontâneo e alterações teratogênicas em fetos.
Desta maneira, na atualidade, podem ser utilizadas em gestantes e crianças com indicações precisas, quando não se
dispõe de outro grupo farmacológico (resistência bacteriana) para o tratamento de infecções.
Em virtude de sua neurotoxicidade em idosos (delirium e convulsão), seu uso nessa faixa etária deve ser evitado,
principalmente em pacientes que já apresentam doenças degenerativas e cerebrovasculares.

Macrolídeos

Macrolídeos
Introduzidos na década de 1950, sendo a eritromicina seu primeiro representante, os macrolídeos representam
importante classe de antibióticos para o tratamento de infecções por germes Gram-positivos e microrganismos
intracelulares, além de serem a primeira escolha terapêutica para os pacientes alérgicos aos betalactâmicos.
A partir da eritromicina, novos compostos com melhores PK/PD foram sintetizados, permitindo sua utilização em
pacientes com infecção grave, como é o caso da azitromicina (azalídeo) e a claritromicina, única disponível para uso
venoso.
São antibióticos classificados como bacteriostáticos, inibindo a síntese proteica bacteriana e ligando-se a
subunidade ribossomal 50s. A claritromicina é vista pela maioria dos pesquisadores, de acordo com seu perfil
farmacodinâmico, como um antibiótico tempo-dependente, diferente da azitromicina, que tem sua melhor eficácia
terapêutica correlacionada com a relação AUC-MIC. Os principais mecanismos de resistência a estes antibióticos se
devem à alteração do sítio de ligação na unidade ribossomal ou pelo desenvolvimento de bomba de efluxo por parte
do microrganismo patogênico. Apesar do relato de desenvolvimento de resistência do pneumococo à claritromicina,
o insucesso terapêutico não é observado em estudos clínicos com uso desse medicamento em infecções respiratórias.
São drogas lipofílicas, com excelente penetração nos líquidos e tecidos orgânicos, sendo o trato respiratório o
principal alvo terapêutico destes antibióticos.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia recomenda o uso da claritromicina para o tratamento empírico das
infecções respiratórias graves que são adquiridas na comunidade em virtude de sua atividade contra microrganismos
intracelulares responsáveis pelas formas atípicas mais comuns de pneumonia (Mycoplama, Chlamydia) e o pneumococo,
associada a um antibiótico betalactâmico.

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O uso da claritromicina associada ao etambutol e à fluoroquinolona modificou o prognóstico dos pacientes com
AIDS e infecção pelo Mycobacterium avium, possibilitando a sobrevida de alguns pacientes que antes apresentavam
um prognóstico muito reservado.
A azitomicina representa o protótipo dos azalídeos, sendo disponibilizada para uso oral com perfil farmacodinâmico
e indicações semelhante à claritromicina. A claritromicina é recomendada em adultos na dose de 500mg a cada 12
horas e, em crianças, na dose de 15mg/kg/dia fracionada a cada 12 horas. A azitromicina é usada na dose de 500mg
no primeiro dia de tratamento e, em seguida, 250mg ao dia, durante 5 dias.

Sulfonamidas

Mecanismo de ação
As sulfonamidas são inibidoras competitivas da enzima bacteriana sintetase de dihidroperoato (são análogos do
seu substrato o ácido para-aminobenzoico − PABA). A enzima catalisa uma reação necessária à síntese de ácido fólico
(o ácido fólico é necessário para a síntese de precursores de DNA e RNA) nas bactérias.
Como as células humanas obtêm seu ácido fólico da dieta e não possuem a enzima, elas não são afetadas. As
bactérias, no entanto, são incapazes de absorvê-lo, e precisam produzi-lo; logo, elas são afetadas em doses usadas e
param de se reproduzir (Quadro 8).

Quadro 8. Indicações clínicas de sulfonamidas.


Tipo Farmacocinética Espectro Uso clínico
Sulfadiazina VO Toxoplasma gondii; fungo: Toxoplasmose*; profilaxia secundária da toxoplasmose
Paracoccidioides brasiliensis no SNC e pneumonia por Pneumocystis jiroveci –
pneumocistose; paracoccidioidomicose†
Sulfametoxazol- VO Gram-negativas, Haemophilus Infecções dos tratos respiratórios superior e
trimetoprima‡ IV influenzae; Morazella catarrhalis; inferior: exacerbação aguda de quadro crônico de
Nocardia sp.; Burkholderia bronquite, bronquietasias, faringite, sinusite, otite
cepacia; Calymmatobacterium média aguda em criança; infecção do trato urinário:
granulomatis; Stenotrophomonas cistites agudas e crônicas, uretrites, prostatites;
maltophilia; Yersinia enterocolitica; infecções genitais em ambos sexos inclusive uretrite
Escherichia coli; Salmonella typhi; gonocócica; infecções gastrintestinais, incluindo
Shigella sp.; Listeria sp.; fungo: febre tifoide e paratifoide, diarreia dos viajantes
Pneumocystis jiroveci causada por Escherichia coli; infecções de pele e
tecidos moles: piodermite, furúnculos, abscessos e
feridas infectadas; pneumocistose em HIV+, profilaxia
secundária da toxoplasmose no SNC e pneumonia por
Pneumocystis jiroveci; formas leves e moderadas de
paracoccidioidomicose†; isosporíase; nocardiose
* Associada à pirimetamina; † porém, não é a droga de primeira escolha; ‡ base fraca lipofílica, com ação bacteriostática isolada, em
associação tem ação sinérgica e atividade bactericida. VO: via oral, SNC: sistema nervoso central; IV: via intravenosa.

Efeito antimicrobiano: bactericida


A resistência é alta, e seu uso empírico, sem documentação de sensibilidade, é limitado.
Como efeitos colaterais, podem ocorrer reações de hiperssensibilidade (exantema polimórfico), elevação de
transaminases associada aos fenômenos alérgicos e, mais raramente, nefrite intersticial. Em uso prolongado, podem
fazer deposição de cristais de sulfa nos rins, com consequente litíase renal por sulfa; assim, orienta-se o uso diário de
bicarbonato de sódio (1 colher/dia) para alcalinização da urina e diminuição da deposição.

Farmacologia aplicada à terapia contra microrganismos anaeróbios


Os anaeróbios representam a principal população bacteriana de nossa microbiota, estando relacionados com a
maioria das infecções nos seres humanos. Os microrganismos que têm importância patogênica (Quadro 9) são aqueles
que estão em grande número no sítio de infecção e apresentam maior virulência ou resistência antimicrobiana.

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A virulência se dá por inflamação, necrose e produção de toxinas. A produção de toxina é o principal fator de virulência
dos anaeróbios do gênero Clostridium. Supurações, formação de abcessos e destruição de tecidos são características
das infecções por microrganismos anaeróbios. O sinergismo representa um importante mecanismo patogênico nestas
infecções, principalmente no contexto de infecções mistas, em que bactérias aeróbicas ajudam a criar um ambiente
ideal para a proliferação e virulência dos anaeróbios, representando um perfil polimicrobiano característico de muitas
infecções nos seres humanos.

Quadro 9. Bactérias anaeróbias com importância etiológica.


Bacilos Gram-positivos Cocos Gram-positivos Bacilos Gram-negativos Cocos Gram-positivos
Clostridium tetani Streptococcus B. fragilis Veillonella
Clostridium botulinum Peptococcus Prevotella
Clostridium peticum Prevotella Fusobacterium
Clostridium perfringens
Clostridium difficile

As drogas utilizadas no tratamento das infecções anaeróbicas podem ser classificadas como estritas (metronidazol)
ou polimicrobianas (clindamicina, cefoxitina, cloranfenicol, carbapenêmicos, tigeciclina e piperacilina). O sítio de
infecção (Quadro 10) e a natureza comunitária ou hospitalar serão decisivos para a escolha antibiótica, já que alguns
antibióticos de largo espectro podem ser utilizados como monoterapia (carbapenêmicos e tigeciclina) em alguns sítios
de infecção, como as intra-abdominais complicadas. O metronidazol está presente em muitos esquemas terapêuticos
para o tratamento dessas infecções, porém não tem atividade contra outros microrganismos além dos anaeróbios,
sendo necessária a associação antibiótica.

Quadro 10. Principais microrganismos anaeróbios relacionados com infecções em humanos.


Sítio de infecção Síndrome clínico Microrganismos
Cabeça e Pescoço Sinusite, Otite, Mastoidite Peptococcus
Infecções periodontais Fusobacterium
Prevotella
Sistema nervoso central Abscesso cerebral Peptococcus
Empiema Fusobacterium
Abscesso epidural Prevotella
Actinomyces
Trato respiratório Abscesso pulmonar Peptococcus
Empiema Fusobacterium
Prevotella
Clostridium
Abdominal Apendicite Peptococcus
Peritonite Fusobacterium
Abscesso intra-abdominal Clostridium
Abscesso hepático Bacterioides
Trato genital feminino Endometrite Peptococcus
Aborto séptico Prevotella
Actinomyces
Clostridium
Pele e tecido subcutâneo Gangrena gasosa Peptococcus
Fasceíte necromizante Fusobacterium
Celulite Clostridium
Úlcera de decúbito
Tóxico Botulismo Clostridium
Tétano
Colite membranosas

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Principais antibióticos utilizados no tratamento das infecções por germes anaeróbios
Vários antibióticos são usados para o tratamento de infecções por microrganismos anaeróbios. Vamos nos
restringir a discutir o uso do metronidazol e da clindamicina, que ainda não foram estudados neste capítulo.

Clindamicina
A clindamicina é uma lincosamida, produzida a partir da lincomicina (Lincon, Nebraska, 1962) com melhor PK/PD
que a primeira, sendo utilizada inicialmente na prática clínica contra as infecções estafilocócicas e, posteriormente,
reconhecida como um potente agente anaerobicida, além da atividade contra protozoários, principalmente do gênero
Plasmodium e Toxoplasma.
A clindamicina na dose de 20mg/kg/dia, associada ao artermeter por via intramuscular (IM) ou artesunato
representa o esquema terapêutico recomendado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da malária grave por
falciparum. Em gestantes no primeiro trimestre, o quinino substitui os derivados da artemisina.
Contra os microrganismos anaeróbios, age inibindo a síntese proteica bacteriana, ligando-se à subunidade
ribossomal 50s e, possivelmente, interferindo na reação de transpeptidação ribossomal. Considerada um antibiótico
bacteriostático, tem como principal mecanismo de resistência a alteração do sítio de ação na bactéria. A diarreia
induzida pelo seu uso com a incidência, podendo chegar a 20%, incluindo a colite pseudomembranosa pelo C. difficile,
e o surgimento de novas drogas com atividade contra os anaeróbios fizeram com que ela deixasse de ser a droga de
primeira linha nessas infecções, porém permanece como excelente opção terapêutica, principalmente em pacientes
alérgicos aos betalactâmicos (cefoxitina e carbapenêmicos).
Está indicada nas infecções polimicrobianas intra-abdominais e pélvicas, associadas a drogas ativas contra
enterobactérias (betalactâmicos e aminoglicosídeos). Na síndrome do choque tóxico estafilocócico e estreptocócico,
representa indicação interessante, por inibir a síntese das toxinas a nível ribossomal destas bactérias.
A Infectious Diseases Society of America, fazendo pela primeira vez, no início do ano de 2011, as recomendações
para o tratamento das infecções por MRSA comunitário, incluiu a clindamicina para o tratamento das infecções de pele
e tecido celular subcutâneo, considerando a mesma eficácia quando comparada às tetraciclinas de segunda geração
(doxiciclina e minociclina), sultametoxazol-trimetoprim e linezolida.
Disponibilizada para uso oral e venoso na dose de 600 a 900mg, a cada 8 horas. Na encefalite toxoplásmica e na
pneumonia por Pneumocystis, devemos utilizar a maior dose.

Metronidazol
O metronidazol é um derivado nitroimidazólico que foi sintetizado no final da década de 1950, inicialmente para
o tratamento de infecções pelos protozoários: Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Tricomonas vaginalis. Em uma
carta ao editor publicada pela revista Lancet em 1962, Shin mostrou que uma paciente com infecção por tricomonas e
gengivite ulcerativa apresentou “dupla cura” com seu uso, tornando, a partir desta observação, um excelente antibiótico
contra microrganismos anaeróbios.
O metronidazol entra de forma passiva na célula bacteriana e é ativado por um processo de redução intracelular,
inibindo a replicação e inativando o DNA bacteriano, impedindo a síntese enzimáticas do microrganismo. Apresenta
bom perfil farmacocinético com distribuição e penetração tecidual excelentes, incluindo o sistema nervoso central,
sendo excretada principalmente por via renal, sem necessidade de ajuste da dose em pacientes com insuficiência
renal. Se houver falência hepática concomitante, a redução de 50% da dose é recomendada.
O metronidazol está principalmente indicado nas infecções intra-abdominais consequentes à peritonite e
pelviperitonite, abscesso hepático bacteriano e amebiano, fasciítes necrotizantes e mionecrose e infecções do sistema
nervoso central (abscesso cerebral), associado a betalactâmicos. A dose recomendada para essas situações em adultos
é de 1g como dose inicial, seguida de 500mg a cada 8 ou 6 horas por via intravenosa.
No tratamento da diarreia e da colite pseudomembranosa, o metronidazol e a vancomicina apresentavam eficácia
semelhante até o início do século, porém, a partir do ano 2000, revisão de estudos controlados começaram a evidenciar
uma maior resistência bacteriana com o uso do metronidazol comparado ao uso da vancomicina, fazendo com que
a vancomicina fosse considerada a droga de escolha para os casos graves de colite por C. difficile. Para os casos não

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complicados, o metronidazol continua sendo a droga inicial de escolha na dose de 250mg a cada 6 horas, durante 10
dias. O metronidazol é habitualmente bem tolerado, com eventos adversos de importância clínica sendo considerados
raros. Alguns pacientes referem queixas abdominais brandas e sensação de gosto metálico na boca, além de poder
ocorrer o efeito semelhante ao dissulfiran (antabuse), quando usado concomitante com a ingestão de álcool.

Cloranfenicol
Inibindo a síntese de proteínas devido ao bloqueio específico dos ribossomas bacterianos, na subunidade 50s
(inibe a transpeptidação), o cloranfenicol foi um antimicrobiano utilizado amplamente na década de 1970 e início dos
anos 1980, antes da chegada das cefalosporinas de terceira geração e fluoroquinolonas. Antibiótico de largo espectro
contra bactérias Gram-positivas, Gram-negativas, anaeróbios e microrganismos intracelulares dos gêneros clamídia
e riquétsia. Em virtude de seus efeitos adversos principalmente voltados para o sistema hematopoiético, incluindo a
anemia aplásica, que, apesar de raros, o clorafenicol deixou de ser utilizado principalmente nas meningites bacterianas
agudas, febre tifoide e infecções intra-abdominais. Continua sendo a droga de escolha para o tratamento das formas
graves de febre maculosa e de outras riquetsioses.

Quem são os germes multirresistentes?


A partir do surgimento do S. aureus resistente à meticilina no início da década de 1960, vários microrganismos
(Quadro 11), principalmente hospitalares, vêm se tornando resistentes à maioria dos antibióticos disponíveis para
o tratamento de pacientes graves. Um dos mais recentes relatos de multirresistência traz a Klebsiella pneumoniae
produtora de uma temida nova betalactamase (New Delhi metalo-beta-lactamase-ndm1), resistente a todos os
antibióticos disponíveis, com exceção da colistina, que, hoje, já está codificada geneticamente por transmissão por
meio de plasmídeos em algumas cepas de outros microrganismos Gram-negativos como a E. coli, Enterobacter e a
Morganella morganii.

Quadro 11. Principais microrganismos multirresistentes.


Gram-positivos Gram-negativos
MRSA Escherichia coli (ESBL)
Staphylococcus epidermidis Enterobacter
Enterococcus faecium Pseudomonas
Acinetobacter
Klebsiella pneumoniae
MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; ESBL: betalactamase de espectro estendido.

Quadro 12. Patógeno ESKAPE.


E Enterococcus faecium (VRE)
S Staphylococcus aureus (MRSA)
K Klebsiella and Escherichia coli produtoras de BLEA
A Acinetobacter baumannii
P Pseudomonas aeruginosa
E Enterobacteriaceae
Fonte: Traduzido de: Boucher HW, Talbot GH, Bradley JS, Edwards JE, Gilbert D, Rice LB, et al. Bad bugs, no drugs: no ESKAPE! An update
from the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2009;48(1):1-12. VRE: vancomycin-resistant Enterococct; MRSA: methicilin-
resistant Staphylococcus aureus; BLEE: beta-lactamases de espectro ampliado.

Os bacilos Gram-negativos são considerados multirresistentes quando são produtores de betalactamases de


espectro ampliado (E. coli e Klebsiella), resistentes ao mesmo tempo aos betalactâmicos e aminoglicosídeos ou
quinolonas (Enterobacter e Proteus) e produtores de Carbapenemases, resistentes aos carbapenêmicos (Pseudomonas,
Acinetobacter e Klebsiella). Os cocos Gram-positivos são resistentes à oxacilina (S. aureus) ou à vancomicina
(Enterococos).

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Principais antibióticos disponíveis para o tratamento de infecções por germes
multirresistentes

Carbapenêmicos
Descobertos no final da década de 1970, constituem a principal arma para o tratamento das infecções graves
causadas por bacilos Gram-negativos. Sua atividade in vitro excede a maioria dos antibióticos betalactâmicos
disponíveis, apresentando atividade segura contra microrganismos anaeróbios e germes Gram-negativos incluindo
a P. aeruginosa e o Acinetobacter. As bactérias Gram-positivas são sensíveis, com exceção dos MRSA e Enterococcus
faecium vancomicina resistente. São antibióticos com estrutura similar aos betalactâmicos se diferenciando pela
substituição do carbono pelo enxofre (S) na posição 1 (Figura 5). O termo carbapem se refere exatamente a esta troca.

Figura 5. Estrutura química dos carbapenêmicos.

A tianamicina foi o primeiro carbapenêmico estudado, porém, em virtude de sua instabilidade química, foi
desenvolvido um derivado que mostrou melhor estabilidade, conhecido como imipenem, primeiro carbapenêmico
disponível para uso clínico no Brasil, que necessita da cilastatina para resistir à hidrólise enzimática mediada por uma
dipeptidase renal (deidropeptidase I) produzida no túbulo proximal. Agem da mesma forma que os betalactâmicos,
inibindo a síntese da parede celular bacteriana, unindo-se a todas PBPS (1, 2 e 3). São antibióticos resistentes à maioria
das betalactamases produzidas pelos bacilos Gram-negativos, incluindo as betalactamases de espectro ampliado. Até
o surgimento das carbapenemases, eram drogas seguras para o tratamento de quase todos os microrganismos Gram-
negativos, responsáveis por infecções graves nos seres humanos, com exceção da Stenotrophomonas maltophilia e
Pseudomonas cepacia.
São drogas com excelente PK/PD, utilizadas exclusivamente pela via intravenosa. Distribuem-se amplamente pelos
líquidos e tecidos orgânicos, incluindo o sistema nervoso central. São excretados pela via renal, havendo necessidade de
reajuste da dose dos antibióticos na vigência de oligúria e anúria. São antibióticos com perfil PK/PD tempo-dependente,
não apresentando efeito pós-antibiótico. As reações adversas são infrequentes, semelhantes às dos outros antibióticos
betalactâmicos. O imipenem está relacionado com alteração do nível de consciência e convulsões em pacientes com
doenças neurológicas e com insuficiência renal.
O meropenem foi o segundo carbapenêmico disponível para uso clínico, diferenciando-se basicamente do
imipenem por não sofrer hidrólise enzimática no túbulo renal proximal, não necessitando da cilastatina em sua
formulação. O espectro de ação é o mesmo também, sendo ativo contra L. monocytogenes, podendo ser útil no
tratamento das meningites por esta bactéria. O imipenem e o meropenem continuam sendo os antibióticos mais
importantes para o tratamento de infecções graves em pacientes hospitalizados. Devem ser utilizados de forma
criteriosa como monoterapia nas infecções pulmonares, urinárias, ósseas, intra-abdominais, ginecológicas e do sistema
nervoso central. Em pacientes com alto risco para infecções por pseudomonas e, principalmente, com instabilidade
(sepse grave e choque séptico), a associação antibiótica com aminoglicosídeos ou quinolonas está indicada, devendo
ser considerado o perfil da microbiota hospitalar.

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Habitualmente, em adultos, a dose do imipenem é de 500mg por via venosa a cada 6 horas. O meropenem deve
ser utilizado na dose de 500mg a 1g a cada 8 horas, podendo fazer infusão contínua de 3 horas a cada dose para
se obter a melhor resposta terapêutica otimizada, em virtude de seu perfil farmacodinâmico, como descrito neste
capítulo.
O ertapenem apresenta espectro de ação inferior ao imipenem e meropenem, não apresentando atividade
contra a P. aeruginosa e o Acinetobacter. Como vantagem, pode ser utilizado em dose única parenteral diária de 1g,
por apresentar meia-vida sérica prolongada. Essa droga pode ser utilizada naquelas indicações do imipenem e do
meropenem nas quais não há risco para infecções por P. aeruginosa e Acinetobacter.
O doripenem é o mais novo carbapenêmico, tendo sido lançado nos Estados Unidos em 2007, sendo aprovado
pelo FDA para infecções intra-abdominais e urinárias. Apresenta espectro de ação semelhante ao imipenem-cilastatina
e meropenem contra microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos e anaeróbios, sendo a droga com a maior
atividade contra a P. aeruginosa e atividade bactericida semelhante contra o Acinetobacter.
Não tem atividade antimicrobiana contra a Stenotrophomonas maltophilia, Pseudomonas cepacia, MRSA e
Enterococcus faecium vancomicina resistente.
Apresenta estabilidade e resistência às betalactamases AMPC e de espectro ampliado. Um estudo francês
conduzido por Chastre mostrou a não inferioridade do doripenem ao imipenem no tratamento de pacientes com
pneumonia associada à ventilação mecânica. Como o mais novo membro da família dos carbapenêmicos o uso do
doripenem se espelha ao meropem para o tratamento de infecções graves.

Cefalosporinas de quinta geração


Ceftarolina e ceftobiprole são novos antibióticos do grupo das cefalosporinas que foram classificadas como de
quinta geração, por apresentarem atividade antimicrobiana contra germes Gram-positivos resistentes às cefalosporinas
utilizadas na prática clínica. O S. aureus oxacilino resistente é o principal alvo terapêutico destas novas cefalosporinas.
A atividade antimicrobiana contra germes Gram-negativos se assemelha às cefalosporinas de terceira geração, a
princípio não havendo atividade antimicrobiana contra Pseudomonas. A ceftarolina foi a primeira cefalosporina de
quinta geração a ser introduzida no Brasil, sendo utilizada para o tratamento de infecções cutâneas graves causadas
pelos S. aureus, incluindo ORSA e S. pyogenes e agalactiae, e pneumonia comunitária causada por S. aureus, S.
pneumoniae, H. influenza, Klebsiella e E. coli.

Ceftobiprole
Cefalosporina com grande afinidade pela PBP-2A (PBP alterada pelo gene meca responsável pela resistência do S.
aureus aos betalactâmicos), tornando-se a primeira cefalosporina com atividade contra o MRSA. Além disto, também
apresenta excelente afinidade pela PBP-2x do S. pneumoniae resistente à penicilina e PBP-3 da P. aeruginosa.
A atividade bactericida (in vitro) desta nova cefalosporina é o maior quando comparada as cefalosporinas de
terceira e quarta geração em virtude de sua atividade contra MRSA. A atividade in vitro do ceftobiprol contra bacilos
Gram-negativos não fermentadores, como a P. aeruginosa, é semelhante a outros betalactâmicos com atividade contra
esse microrganismo (ceftazidima, cefepima e piperacilina), carbapenêmicos e aminoglicosídeos.
Não tem atividade antimicrobiana contra Stenotrophomonas, Acinetobacter, bacilos Gram-negativos produtores
de betalactamases de espectro ampliado e carbapenemases. Mais estudos são necessários para avaliar sua eficácia
contra a P. aeruginosa.
A dose recomendada do ceftobiprol na vigência de função renal normal é de 500mg em infusão de 30 minutos a 2
horas, com intervalos de 12 ou de 8 horas.
Foi aprovado para uso clínico no Canadá, Suíça, Rússia, Ucrânia e Hong-Kong.

Ceftarolina
Aprovada em 2010 pelo FDA, esta nova cefalosporina foi inicialmente recomendada para o tratamento de
pneumonias comunitárias e infecções cutâneas graves, incluindo aquelas causadas por MRSA, em virtude de sua alta

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afinidade pela PBP-2A. Sua atividade contra bacilos gram negativos se assemelha à ceftriaxona, não tendo atividade
contra bacilos produtores de beta-lactamases de espectro ampliado (E.coli e Klebisiella), além de não apresentar
atividade contra a P. aeruginosa, Acinetobacter e Stenotrophomonas.
A dose recomendada em pacientes com função renal normal é de 600mg em infusão intravenosa de 1 hora, em
intervalos de 12 horas. Assim como o ceftobiprol, estudos clínicos futuros devem determinar seu verdadeiro lugar no
tratamento de infecções como pneumonia, bacteremia, endocardite e infecções ósseas e cutâneas.

Cefalosporinas em combinação com inibidores de betalactamases: ceftazidime/avibactam,


ceftolozane/tazobactan
Essas novas combinações retomam a atividade antibacteriana das cefalosporinas contra germes Gram-negativos
produtores de betalactamases de espectro ampliado (ceftazidime/avibactam, ceftolozane/tazobactan), pseudomonas
e Klebsiella resistentes a carbapenêmicos (ceftazidime/avibactam). Nenhum dos dois antibióticos apresentam atividade
contra Acinetobacter, anaeróbios e Staphylococcus MSSA e MRSA.

Glicopeptídeos e lipopeptídeos

Vancomicina
A vancomicina, por longos anos, manteve-se como a droga de primeira linha para o tratamento das infecções
causadas por bactérias Gram-positivas resistentes aos antibióticos betalactâmicos, porém, com o surgimento de
Enterococcus resistentes, resistência intermediária dos MRSA e novas drogas bactericidas com melhor PK/PD, ela
continua sendo utilizada contra esses microrganismos somente pelo fato de ser de baixo custo. Para o tratamento das
infecções por C. difficile, a vancomicina é a droga de escolha para o tratamento das formas graves desta infecção.
O mecanismo de ação da vancomicina é semelhante ao dos betalactâmicos, inibindo o segundo estágio síntese
do peptidioglicano da parede celular, não havendo reação cruzada, nem competição com os sítios de ação, com os
betalactâmicos porque estes agem no terceiro estágio da biossíntese da parede celular.
O PK/PD que melhor se correlaciona com sua atividade bactericida é a relação AUC-MIC. Apesar de ter uma boa
distribuição na maioria dos tecidos, sua penetração no tecido pulmonar, na bile e no líquor (exceto quando a meninge
esteja inflamada) é pobre, e 100% de sua excreção se dá por filtração glomerular pela via renal.
O uso abusivo da vancomicina a partir da década de 1980 representa um dos principais fatores associados
(Quadro 13) à resistência dos enterococos (VRE), assim como da resistência intermediária do S. aureus (GISA), descrita
pela primeira vez no Japão, em 1996.

Quadro 13. Fatores associados à emergência de enterococos resistente aos glicopeptídeos (GRE).
Uso recente de vancomicina
Colonização do trato gastrointestinal do pelo Enterococos resistentes (GRE)
Tempo de internação hospitalar
Pacientes internados na unidade de terapia intensiva
Uso de cateter, ventilador mecânico e hemodiálise
Cirurgia abdominal
Hospitais de grande porte
Uso prévio de antibióticos contra germes anaeróbios

Sua atividade contra as bactérias do gênero Staphylococcus continua segura, porém, contra os Enterococcus, com
seu uso abusivo, vem aumentando a resistência desses microrganismos nos últimos anos. É a droga de escolha para o
tratamento das infecções graves causadas pelo C. difficile.
As principais reações adversas com o uso da vancomicina estão relacionadas com a velocidade de infusão como
a síndrome do homem vermelho, decorrentes de uma descarga histamínica, cujos principais sintomas são o prurido,
eritema, rubor facial, angioedema e, ocasionalmente, hipotensão, e com o nível sérico, em que a ototoxicidade e a

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nefrotoxicidade representam os principais efeitos colaterais. O alto índice desses efeitos adversos é visto principalmente
com uso de 4g ou mais de vancomicina ou quando associada a aminoglicosídeos.
A vancomicina continua sendo uma droga muito utilizada para o tratamento de bacteremia, endocardite,
pneumonia, celulite e osteomielite causadas pelos Staphylococcus coagulase positivo (Aureus) e coagulase negativo
(Epidermidis), resistente à oxacilina.
No tratamento da enterocolite por C. difficile, o uso oral deve ficar reservado para os casos graves (sepse grave)
dessa infecção, ficando o metronidazol para o tratamento da infecções leves e moderadas.
Apesar da prática comum de prescrever a vancomicina na dose de 1g a cada 12 horas em pacientes com função
renal normal, para otimizarmos sua utilização, devemos calcular a dose de acordo com o peso do paciente (15mg/kg).
Em pacientes geriátricos, a dose de 1g a cada 24 horas pode ser suficiente. Para as infecções que acometem o sistema
nervoso central, a dose de 15mg/kg a cada 6 horas é recomendada.

Teicoplanina
A teicoplanina apresenta o mesmo espectro de ação da vancomicina, apresentando os mesmos problemas de
resistência da vancomicina. Sua única vantagem está relacionada com o melhor perfil farmacocinético, apresentando
meia-vida mais longa. Sua excreção se faz por via renal, devendo haver reajuste de dose na presença de insuficiência
renal.
Apresenta as mesmas indicações terapêuticas da vancomicina. A dose habitual em adultos é de 400mg a cada 12
horas. Em crianças abaixo de 12 anos, a dose preconizada é de 10mg/kg de peso a cada dose horas.
Apresenta boa tolerância, com os efeitos adversos ocorrendo em menos de 5% dos pacientes. Apresenta menor
potencial de nefrotoxicidade e ototoxicidade comparada à vancomicina, não sendo indicada para o tratamento de
infecções em gestantes.

Glicopeptídeos de ação longa

Dalbavancin e oritavancin
Esses dois novos glicopeptídeos apresentam um aspecto farmacocinético único, pois têm eliminação lenta, com
meia-vida de 1 semana, podendo, portanto, serem usados por via intravenosa uma vez a cada 2 semanas. Mantêm
atividade exclusiva para os microrganismos Gram-positivos com o mesmo espectro da vanvomicina.

Lipopeptídeos

Daptomicina
Disponibilizado para uso clínico em 2003, foi o primeiro lipopeptídeo lançado no Brasil, com espectro de ação
semelhante aos glicopeptídeos, porém com atividade bactericida segura contra os Enterococcus resistentes à vancomicina
e teicoplanina. É considerado o antibiótico com maior atividade bactericida contra os germes Gram-positivos resistentes
(S. coagulase positivo, negativo e Enterococcus). Disponibilizada para uso exclusivamente venoso em dose única diária.
É um antibiótico de concentração dependente, e seu mecanismo de ação está relacionado com sua ligação à
membrana citoplasmática da célula bacteriana, promovendo efluxo de íons de potássio e despolarização da membrana
celular, inibindo a síntese de proteínas, DNA e RNA dentro da célula, levando à morte celular rápida, sem lise bacteriana.
Está aprovado para uso clínico em infecções graves da pele e tecido celular subcutâneo causadas por MRSA,
Enterococcus faecalis (incluindo VRE), Streptococcus sp na dose de 4mg/kg/dia em dose única. Nas infecções da
corrente sanguínea, incluindo endocardite bacteriana de coração direito, a dose inicial deve ser de 6mg/kg dia.
Não está indicada nas infecções do parênquima pulmonar, por ser inativada pelo surfactante.
Os dois principais efeitos adversos da daptomicina são a elevação dos níveis séricos de CPK e miopatia, que
regridem com a interrupção do uso da droga. Em pacientes com insuficiência renal, deve haver ajuste de dose quando
o clearence de creatinina for inferior a 30mL/minuto.

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Oxazolidinonas

Linezolida e tedizolida
Ligando-se à subunidade 50s do ribossoma bacteriano, a linezolida inibe a síntese bacteriana de bactérias Gram-
positivas, inibindo, de forma eficaz, o crescimento de Estreptococos, Estafilococos, Enterococos, incluindo os Estafilococos
resistentes à oxacilina, Enterococos resistentes à ampicilina e vancomicina e o Pneumococo resistente à penicilina.
A linezolida é uma droga bem tolerada para uso oral e venoso, sendo os efeitos adversos mais descritos relacionados
com o trato gastrintestinal. Efeitos mais graves, como pancitopenia, fibrilação atrial e pancreatite ocorrem em menos
de 1% dos casos.
Vale a pena chamar a atenção pelo fato da linezolida ser um inibidor seletivo de fraca intensidade da
monoaminoxidase, por causar síndrome serotoninérgica em pacientes em uso farmacológico de antidepressivos
inibidores de recaptação de serotonina.
O ajuste da dose em pacientes com insuficiência renal só deve ser feito em pacientes com clearence de creatinina
inferior a 50%, não sendo necessário o ajuste em pacientes com insuficiência hepática. Seu uso clínico fica reservado
para pacientes com infecções por germes Gram-positivos resistentes às penicilinas e glicopeptídeos. A diferença entre
os dois fármacos parece estar relacionado somente com o aspecto farmacocinético, sendo que a tedizolida tem meia-
vida mais longa e pode ser administrada uma vez ao dia.

Glicilciclinas

Tigeciclina
A partir de modificações químicas da minociclina (tetraciclina de segunda geração), mantendo-se o núcleo cíclico
das tetraciclinas, foi possível o desenvolvimento de um novo antibiótico pertencente ao grupo das glicilciclinas,
denominado tigeciclina. Este antibiótico mantém o mesmo espectro de ação das tetraciclinas, porém, com a vantagem
de apresentar atividade antimicrobiana contra germes Gram-positivos e Gram-negativos, que eram resistentes às
tetraciclinas convencionais, por meio da bomba de efluxo e de alteração ribossomal. Age inibindo a síntese proteica,
ligando-se à subunidade 30s do cromossoma bacteriano, impedindo a fixação do ARN de transporte. Em particular,
chamamos a atenção para sua atividade antimicrobiana contra MRSA, Enterococcus resistente à vancomicina,
enterobactérias, incluindo as produtoras de betalactamases de espectro ampliado e microrganismos anaeróbios,
incluindo o Bacterioides fragilis. A droga mantém a atividade das tetraciclinas contra microrganismos intracelulares
Chlamydia, Mycoplasma e Ureaplasma.
A tigeciclina está indicada como monoterapia nos tratamento da infecções graves da pele e tecido celular
subcutâneo, e infecções intra-abdominais complicadas.
O uso da tigeciclina em infecção respiratória, principalmente em pneumonia associada à ventilação mecânica,
não foi aprovado pelo FDA, que, inclusive, em 2010, chamou a atenção para o aumento do risco de mortalidade com
o seu uso (www.fda.gov/drugsafety/ucm224370.htm). A causa do excesso de mortes parece estar relacionada com a
progressão da infecção em pacientes tratados com tigeciclina.
A tigeciclina é pouco metabolizada, sendo eliminada praticamente como droga ativa, sendo 60% pela bile e 40%
pela urina, não havendo necessidade de ajuste da dose em pacientes com insuficiência renal.
É administrada por via venosa, na dose inicial de 100mg e, em seguida, 50mg a cada 12 horas.

Terapia antimicrobiana contra bacilos Gram-negativos produtores de carbapenemases

Polimixinas
Descobertas em 1947, as polimixinas são antibióticos de curto espectro, extraídos da cultura de bactérias do gênero
Bacillus, que, durante muitos anos, deixaram de ser utilizadas em virtude do surgimento de novos grupos farmacológicos
bactericidas contra bacilos Gram-negativos com menor toxicidade, principalmente no que diz respeito à nefrotoxicidade.

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Com o aparecimento dos bacilos Gram-negativos produtores de carbapenemases, Pseudomonas e Acinetobacter,
elas representam, nos dias atuais, a única opção terapêutica para o tratamento destas infecções. Interagindo com
fosfolipídios da membrana do bacilo Gram-negativo e interferem na permeabilidade da membrana da célula bacteriana,
levando à morte celular.
As duas preparações disponíveis para uso clínico são a polimixina B e a polimixina E, também denominada colistina.
São antibióticos com perfil PK/PD concentração-dependente, com atividade bactericida contra as enterobactérias,
com exceção da bactéria do gênero Proteus. Não tem atividade antimicrobiana contra bactérias Gram-positivas e
anaeróbios.
Seu principal efeito adverso é a nefrotoxicidade, que ocorre em virtude do dano direto da droga nas células renais
do túbulo contorcido distal. Seu potencial nefrotóxico é aumentado quando associado a outras drogas nefrotóxicas
e em indivíduos idosos. Estudos atuais indicam que a nefrotoxicidade das polimixinas é menor do que a que ocorre
com o uso de aminoglicosídeos. A neurotoxicidade, principalmente relacionada à dose, ocorre em cerca de 5% dos
pacientes que usam o fármaco e, clinicamente, manifesta-se com distúrbios do sensório com parestesias periorais e da
língua, polineuropatia e bloqueio neuromuscular.
A polimixina B está indicada para o tratamento das infecções hospitalares causadas pela Pseudomonas,
Acinetobacter e outros bacilos que surgem como multirresistentes, como é o caso da K. pneumoniae, todos produtores
de carbapenemases.
Deve ser utilizada pela via venosa na dose de 1,5 a 3mg/kg/dia (15.000 a 30.000u/kg/dia), fracionando a dose
em intervalos de 8 horas. As ampolas do sulfato de colistina contêm 1.000.000 de unidades, que corresponde a 40mg,
porém, por ser utilizada exclusivamente por via intramuscular, preferimos utilizar o colistimetato para uso venoso, que
contém 150mg da colistina base na dose de 3 a 5mg/kg/dia em intervalos de 8 horas.
A terapia inalatória com colistimetato vem sendo usada com resultados variados, principalmente em pacientes
portadores de fibrose cística que fazem pneumonia por Pseudomonas.
A maior parte da literatura sobre o uso parenteral das polimixinas é antiga. Nos últimos anos, a polimixina tem
sido usada para o tratamento dos bacilos Gram-negativos multirresistentes, principalmente a pneumonia associada
à ventilação mecânica. A literatura atual não relata o mesmo potencial nefrotóxico da droga observado no passado.
Observações mais recentes já relatam a emergência de resistência de cepas de Pseudomonas e Acinetobacter a este
grupo farmacológico.

Conclusões
Os centros de tratamento intensivo no mundo continuam sendo o epicentro da crise global de resistência
antimicrobiana em pacientes hospitalizados. Não há uma única solução para se tentar conter a disseminação desses
microrganismos, mas múltiplas intervenções associadas vêm demonstrando algum benefício. Um componente
essencial de todas as estratégias é o reconhecimento da magnitude do problema pelos médicos. O uso desnecessário
e inapropriado, o tempo prolongado de uso de antibióticos e a ausência de vigilância por parte das Comissões de
Controle de Infecção Hospitalar impedem um combate eficaz contra esses germes resistentes.

Referências
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30
Avaliação de febre no paciente grave
Gerson Macedo
Episódios febris, em geral, desencadeiam um novo processo investigativo para definição diagnóstica, e uma
abordagem assertiva é fundamental para que se institua uma terapia efetiva dentro dos prazos necessários.
Não é raro o estabelecimento de terapias antipiréticas antes de se confirmar a causa da febre, o que sinaliza uma
distorção conceitual em relação aos efeitos benéficos e deletérios da elevação da temperatura sobre o organismo.
De acordo com o American College of Critical Care Medicine, a febre de origem indeterminada em paciente
crítico antes afebril deve ser adequadamente investigada antes de se instituir qualquer conduta terapêutica ou de se
solicitarem exames complementares, o que inclui exame físico detalhado e história clínica evolutiva do doente.
Devemos considerar que, na ausência de um foco infeccioso definido e diante de um paciente com estabilidade
hemodinâmica, sem sinais de hipoperfusão tissular, a febre deve ser exaustivamente investigada dentro de uma
unidade de terapia intensiva (UTI), levando-se em conta também as etiologias não infecciosas. O uso precoce sem
justificativa de antimicrobianos representa um dos principais motivos de resistência bacteriana e de superinfecção na
medicina intensiva.
Nos casos de febre moderada, existe o questionamento a respeito do uso de antitérmicos para o controle da
temperatura, já que a febre representa uma resposta adaptativa capaz de reduzir a expressão de agentes virulentos, e
aumentar a resposta imunológica e a suscetibilidade dos microrganismos patogênicos aos antimicrobianos.
É importante ressaltar que, embora se deva considerar o uso de antitérmicos nos pacientes que se sintam
desconfortáveis com a febre, o uso regular destes medicamentos em pacientes internados pode retardar o diagnóstico
de uma patologia potencialmente grave e, assim, uma terapia adequada precoce.

Causas da febre
As causas de febre em doentes críticos podem ser amplamente classificadas como as síndromes de hipertermia e
febres infecciosas e não infecciosas.
Síndromes de hipertermia incluem hipertermia ambiental (síncope pelo calor/insolação), hipertermia induzida
por drogas (incluindo a síndrome neuroléptica maligna, síndrome serotoninérgica e simpaticomimética) e as causas
endócrinas (incluindo tireotoxicose, feocromocitoma e crise adrenal).
Uma vasta lista de infecções bacterianas, virais, fúngicas e protozoários pode causar febre na UTI. Os lugares
mais comuns de infecção em pacientes imunocompetentes incluem o trato respiratório inferior, trato urinário, sangue,
sinusite, pele/tecido mole e trato gastrintestinal.
Podem ser apontadas como causas mais importantes a pneumonia associada à ventilação e a infecção relacionada
ao cateter.

Infecção relacionada ao cateter intravascular


Seu diagnóstico é difícil, a não ser que haja sinais óbvios de infecção no local da inserção do cateter. Pacientes febris
que tiveram cateter venoso central por mais de 48 horas e não têm outra causa aparente para a febre devem ter este
cateter trocado por um novo. Os cateteres venosos periféricos devem ser trocados a cada 72 horas, independentemente
da existência da febre. Cateteres intra-arteriais têm menor risco de infecção.

Infecção bacteriana relacionada à transfusão


Causa rara de complicação durante os cuidados hospitalares, mas potencialmente fatal. Pode causar febre isolada
e nem sempre ocorre apenas durante a transfusão.

Causas não infecciosas de febre


São comuns na UTI.
Reações transfusionais e hipersensibilidade a drogas, em especial aos agentes antimicrobianos, são causas
frequentes de febre não infecciosa. Os hematomas em locais profundos do corpo, bem como trombose venosa
profunda (TVP), embolia pulmonar, infarto do miocárdio e hemorragia aguda, todos podem causar febre. Fontes intra-
abdominais incluem colecistite acalculosa, pancreatite e rejeição de transplantes de órgãos.

32
Já na febre medicamentosa, o diagnóstico é um desafio, podendo produzir febre alta isoladamente após vários
dias do início da droga e, ainda, levar dias para diminuir após sua interrupção. É um diagnóstico de exclusão quando
não há outros sinais de hipersensibilidade.
Condições intra-abdominais incluem a colecistite acalculosa, que é um importante diagnóstico a se considerar em
todos os pacientes em estado crítico. É uma causa de febre isolada de baixo grau e tem taxa de mortalidade alta, de
30 a 40%, mesmo com tratamento. Leucocitose e hipersensibilidade abdominal podem sugerir seu diagnóstico. Uma
ultrassonografia de vesícula biliar deve ser solicitada naqueles pacientes em que este diagnóstico é provável.
O tromboembolismo tem sido causa de febre oculta em UTI. A incidência de TVP em pacientes na UTI varia de 12 a
33%. No entanto, esta raramente é causa de febre nas unidades intensivas. Assim, febre isolada tem um valor preditivo
pobre para TVP e uma triagem para ela; na ausência de sinais locais indicativos, não é recomendada. Pelo mesmo
motivo, também não é indicada triagem para embolia pulmonar em pacientes com febre isolada.

Tratamento da febre no paciente crítico


Existem vários argumentos a favor e contra o tratamento da febre em pacientes neurologicamente intactos. Em
níveis muito elevados de temperatura, tais como 40°C a 41°C, aumentam as preocupações de existirem danos no
cérebro e na iniciação ou agravamento da insuficiência de vários sistemas. Sabe-se que baixar a temperatura de níveis
extremos está indicado. No entanto, em menor grau de febre, existem argumentos teóricos e experimentais tanto a
favor quanto contra o tratamento da febre, visando a níveis normais ou até mesmo subnormais.
Os defensores do tratamento da febre em pacientes sem lesões neurológicas argumentam redução da demanda
metabólica e do estresse cardiovascular, além de melhorar o conforto do paciente. O tratamento da febre pode reduzir
investigação excessiva, antibioticoterapia e custo de tratamento.
A febre é uma resposta inata adaptativa à infecção. Existem várias linhas de argumentos contra o tratamento de
rotina da febre no paciente criticamente enfermo. As temperaturas elevadas inibem o crescimento de microrganismos,
e podem reduzir a expressão de fatores de virulência, aumentar a suscetibilidade a agentes antimicrobianos e
aumentar a resposta imune do hospedeiro. É bem estabelecido que pacientes sépticos têm maior risco de morte
quando apresentam hipotermia do que febre.
Embora a terapia da febre possa reduzir a investigação excessiva e o tratamento em pacientes com causas benignas
de febre, também pode retardar o diagnóstico precoce e a terapêutica empírica de infecções graves cujo atraso no
tratamento pode ser prejudicial.
A conduta inicial do paciente criticamente enfermo portador de febre deve incluir uma revisão aprofundada dos
registros médicos, exame físico detalhado, com avaliação rigorosa de fatores, como duração e magnitude da febre,
frequência cardíaca e relação no tempo entre o diagnóstico e o início da intervenção terapêutica (Figura 1).
Duas hemoculturas devem ser realizadas em todo paciente febril, coletadas em locais distintos, se possível, antes
do início de antibioticoterapia.
Nos casos em que a febre está relacionada a uma leucocitose não justificada, associada a acidose, hipotensão,
taquicardia persistente e taquipneia, devem ser investigadas uma possível síndrome séptica originada por infecção
do trato urinário, pneumonia associada à ventilação mecânica, flebite, presença de feridas infectadas ou bacteremia.
Nos pacientes que apresentam sinais progressivos de sepse grave ou nos casos de neutropenia associada à febre,
deve-se iniciar antibioticoterapia de largo espectro, logo após a realização das hemoculturas.
Outra conduta interessante consiste em realizar cultura de cateteres utilizados por mais de 48 horas.
Nos pacientes com diarreia nosocomial, é fundamental a pesquisa da presença de Clostridium difficile.
Caso a febre persista por 48 a 96 horas após o início da administração de antimicrobianos de largo espectro,
deve-se reavaliar o paciente, levando-se em conta a possibilidade de infecção fúngica. Uma boa conduta, neste caso,
inclui o início de uma terapia antifúngica empírica associada à realização de testes diagnósticos.
Alguns biomarcadores têm sido propostos como adjuvantes na investigação das causas de febre, dentre eles:
níveis de procalcitonina sérica, sistemas de detecção de endotoxinas, expressão de receptores em células mieloides,
proteína C-reativa, fator de necrose tumoral alta e interleucina. O nível sérico de procalcitonina é o indicador mais
precoce de infecção ou sepse bacteriana.

33
Figura 1. Manejo do paciente febril na Unidade de terapia intensiva. Fonte: Falcão LF,
Macedo GL. Farmacologia aplicada em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.

A abordagem medicamentosa em pacientes que apresentam febre na UTI é realizada com o uso de agentes
antipiréticos ou por meio de técnicas de resfriamento externo. No entanto, este último tipo de procedimento
promove grandes flutuações da temperatura e a recuperação posterior do estado de hipertermia, com consequente
hipermetabolismo, e elevação do consumo de oxigênio e da liberação de epinefrina e norepinefrina.

Antipiréticos utilizados em medicina intensiva


Os anti-inflamatórios não esteroides (AINE) atuam na resposta inflamatória pelos seguintes mecanismos:
acetilando irreversivelmente a ciclo-oxigenase (COX) (salicilatos), competindo com o ácido aracdônico (derivados do
ácido propiônico) ou, ainda, inibindo parcialmente a COX (para-aminofenóis).
Certos fármacos neurolépticos conseguem interferir no mecanismo termorregulador hipotalâmico, alterando
diretamente o setpoint estabelecido, como é o caso da fenotiazina.

Pirazolonas (dipirona)
A dipirona é uma droga sintética extraída do alcatrão, que apresenta efeito antipirético, analgésico e anti-
inflamatório. Pertence ao grupo da pirazolonas e é classificada como AINE, apresentando efeitos diferenciados de
acordo com a posologia empregada: efeito antipirético em baixa dosagem (10mg/kg), efeito analgésico em dosagens
medianas (15 a 30mg/kg) e efeito anti-inflamatório e antiespasmódico em dosagem alta (>50mg/kg).

Salicilatos (ácido acetilsalicílico)


O ácido acetilsalicílico é uma droga classificada como AINE e pertence ao grupo não seletivo de inibidores da COX.
Os salicilatos, em geral, diminuem rápida e eficazmente a temperatura corporal. Seu mecanismo de ação baseia-se na
inibição irreversível da COX, envolvida na síntese de prostaglandinas. O ácido acetilsalicílico também inibe a agregação
plaquetária bloqueando a síntese de tromboxano A2 nas plaquetas.

34
Para-aminofenóis (paracetamol)
O paracetamol pode ser utilizado quando a terapia com ácido acetilsalicílico não for aconselhável ou for
contraindicada como, por exemplo, nos casos de pacientes em uso de anticoagulantes, hemofílicos ou com outras
patologia hematológicas e naqueles portadores de enfermidades do trato gastrintestinal superior ou com intolerância
ou hipersensibilidade ao ácido acetilsalicílico. O efeito antipirético do paracetamol está relacionado à inibição da
síntese de prostaglandinas no hipotálamo.

Ácidos propiônicos (ibuprofeno)


O ibuprofeno é um dos derivados do ácido propiônico mais usado nos Estados Unidos. É um inibidor da COX e,
consequentemente, da síntese de prostaglandinas. A classe dos derivados do ácido propiônico apresenta significativa
interação medicamentosa com anti-hipertensivos, diuréticos, varfarina e metotrexato. É válido lembrar que esta classe
apresenta alta avidez pela albumina.

Hipotermia
Evidência em vários modelos animais indicam que a redução de apenas alguns graus centígrados na temperatura
do tecido oferece melhor proteção contra a isquemia do que qualquer droga disponível. A hipotermia tem demonstrado
melhorar os resultados, a longo prazo, em seres humanos após parada cardíaca e asfixia neonatal.
Indução e manutenção da hipotermia ou normotermia requerem a interrupção dos mecanismos do corpo de
termorregulação normais, bem como de troca de calor ativo.

Conclusão
A febre é um fator complicador em até 70% das internações em unidade de terapia intensiva, representando,
muitas vezes, uma doença grave subjacente, podendo também levar a uma série de investigações desnecessárias e
ao uso inapropriado de antibióticos. Ela também está associada com o aumento dos custos e do tempo de internação
hospitalar.
São muitas as causas de febre em unidade de terapia intensiva, tanto infecciosas como não infecciosas. Distinguir
entre estas pode ser um desafio e requer avaliação clínica cuidadosa. A hemocultura deve ser vista como investigação
obrigatória e obtida em todos pacientes na unidade de terapia intensiva com febre de início recente.
Embora a febre seja comum em pacientes criticamente enfermos, ela pede atenção clínica e mudanças na gestão
destes pacientes. Apesar de poder ter origem infecciosa ou não infecciosa, a presença de febre, na maioria das vezes,
é um sinal de alerta sensível e importante, que deve desencadear uma rápida investigação de possível infecção em
desenvolvimento. Ela deve ser vista como uma resposta benéfica à agressão de microrganismos patogênicos.
Apesar de muito utilizados na rotina de unidade de terapia intensiva, os antitérmicos devem ter sua administração
restrita a pacientes que se encontram sintomáticos em função da elevação da temperatura.
A importância da febre em pacientes internados na unidade de terapia intensiva tem de ser levada em consideração
pelos médicos, procedendo-se a uma avaliação criteriosa para um eficaz tratamento desses indivíduos.
A abordagem e a avalição diagnóstica da febre em unidade de terapia intensiva são fundamentais para a diminuição
do uso inapropriado de antibióticos na prática clínica.

Bibliografia consultada
Falcão LF, Macedo GL. Farmacologia aplicada em medicina intensiva. 1. ed. São Paulo: Roca, 2011.

Laupland KB. Fever in the critically ill medical patient. Crit Care Med. 2009;37(7 Suppl):S273-8.

35
Pneumonia comunitária grave
André Japiassú
A sequência de raciocínio para um paciente com suspeita de pneumonia comunitária é a seguinte:
1. Qual é o diagnóstico? Existe outro diagnóstico possível?
2. O paciente precisa ser internado?
3. Onde ele precisa ser internado (quarto, unidade de terapia intensiva)?
4. Quais são os exames complementares necessários?
5. Qual é o tratamento recomendado?

Epidemiologia
A pneumonia comunitária é a infecção que mais leva à admissão hospitalar e à unidade de terapia intensiva (UTI).
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que esta é a principal causa de morte por doenças infecciosas
no mundo. Pneumonia bacteriana e influenza são causas comuns de morte em extremos de idade. Nos Estados Unidos,
são 4 milhões de casos por ano, com aproximadamente 10 milhões de visitas, 500 mil hospitalizações, 45 mil mortes.
Dados do Ministério da Saúde indicam números semelhantes, com cerca de 2,5 milhões de casos/ano.
A mortalidade está diretamente relacionada à necessidade de internação hospitalar: se é possível tratamento
ambulatorial, a mortalidade é menor que 1%. A internação hospitalar fora da UTI se associa à mortalidade de 5%; a
internação em UTI, com uso de ventilação mecânica, associa-se à mortalidade de 25% e, se o paciente tiver insuficiência
respiratória e choque, é de cerca de 50%.
A admissão em UTI de paciente grave pode durar de 2 a 3 semanas e custar mais de U$20 mil. A admissão hospitalar
geralmente se dá em pacientes com comorbidades e antibióticos prévios, nos quais o tratamento ambulatorial é
comprometido ou não é seguro. Outros fatores de risco são idade, disfunção neurológica, doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC), alcoolismo, neoplasias, nefro ou hepatopatia crônica, e doença multilobar ou progressão da imagem,
apesar de tratamento.

Diagnóstico
O diagnóstico clínico é composto por sinais e sintomas característicos na maior parte dos pacientes: tosse, secreção,
febre e dor torácica. A dispneia se associa com maior gravidade e necessidade de internação hospitalar. Em idosos,
sinais e sintomas clássicos podem estar ausentes; arritmias cardíacas e confusão mental são comuns nesta população.
O diagnóstico radiológico pode ser classificado em três grupos: intersticial, broncopneumonia, consolidação.
Porém, é comum que os três padrões se misturem no mesmo paciente. No entanto, é sempre desejável diferenciar
o padrão radiológico, porque certas etiologias são mais ou menos comuns dependendo deste padrão (por exemplo,
pneumococo sugere consolidação; Pneumocystis jiroveci e germes atípicos estão associados com infiltrado
intersticial bilateral; Haemophilus influenzae e Mycobacterium tuberculosis se apresentam como broncopneumonia;
Staphylococcus aureus pode causar condensação com cavitação e bolhas).
A utilização de oximetria de pulso é mandatória na triagem de pacientes ao chegarem no hospital. Queda da
saturação de oxigênio (SatO2) abaixo de 92% em ar ambiente é sinal de gravidade e serve como estratificação para
internar o paciente.
O pedido de exames laboratoriais é complementar ao exame clínico e deve ser composto por gasometria,
hemograma, bioquímica e biomarcadores (proteína C-reativa titulada e procalcitonina). A gasometria ratifica a presença
ou não de hipoxemia, além de evidenciar distúrbios ácido-base, como acidose metabólica (principalmente láctica). O
hemograma pode demonstrar sinais corroborativos de infecção (leucocitose ou leucopenia, desvio para bastões) e
plaquetopenia (que é sinal de disfunção orgânica para sepse). A bioquímica pode mostrar elevação da creatinina e
bilirrubinas totais (igualmente corrobora diagnóstico de sepse). Os biomarcadores podem ajudar a reforçar a presença
de infecção se estiverem elevados, ao mesmo que tempo que apresentam boa especificidade se estiverem normais.
Por exemplo, um paciente com clínica duvidosa para pneumonia com procalcitonina em níveis abaixo de 0,25pg/mL
pode ser observado sem receber antibióticos e continuar como paciente ambulatorial (ou, eventualmente, ter outro
diagnóstico não infeccioso).

37
Existem exames rápidos de verificação de antígenos de Legionella sp e Streptococcus pneumoniae em amostra de
urina. Estes exames conferem sensibilidade em torno de 70% e especificidade de 90%. São exames rápidos, geralmente
com resultado em poucas horas, e que podem orientar o tratamento.
Por mais que se investigue a etiologia de pneumonias comunitárias, o diagnóstico fica entre 40 e 70%. Isto ocorre
porque a maioria dos casos não é grave, e o tratamento empírico com antibióticos é eficiente. Porém a procura por agente
etiológico deve ser reforçada se o paciente é grave (insuficiência respiratória e choque) e/ou imunocomprometido.
Nestes casos, a etiologia é mais abrangente, e o tratamento pode ser ampliado.

Etiologia
A etiologia da pneumonia comunitária é composta frequentemente por bactérias e vírus (Quadro 1 e Figura 1).
Ocasionalmente, fungos podem causar pneumonia comunitária. A etiologia de frequência, em ordem decrescente, é
a seguinte:

Quadro 1. Patógenos mais comuns em pneumonia adquirida na comunidade, em ordem crescente.


PAC ambulatorial leve Internados (não em UTI) Internados em UTI (grave)
Streptococcus pneumoniae Streptococcus pneumoniae Streptococcus pneumoniae
Mycoplasma pneumoniae Mycoplasma pneumoniae Bacilos Gram-negativos
Chlamydophila pneumoniae Chlamydophila pneumoniae Haemophilus influenzae
Vírus respiratórios Vírus respiratórios Legionella sp.
Haemophilus influenzae Haemophilus influenzae Staphylococcus aureus
Legionella sp.

Figura 1. Etiologia de pneumonia comunitária grave. Fonte: Jain S, Self WH, Wunderink RG; CDC EPIC
Study Team. Community-acquired pneumonia requiring hospitalization among U.S. adults. N Engl J Med.
2015;373:415-27.

38
• vírus respiratórios (rinovírus, influenza, parainfluenza, vírus sincicial respiratório, adenovírus, metapneumovírus etc.).
• S. pneumoniae.
• H. influenzae.
• Klebsiella pneumoniae.
• S. aureus.
• Streptococcus agalactiae.
• Legionella sp.
• Mycoplasma pneumoniae.
• Histoplasma capsulatum.
• P. jirovecii.

Síndrome Respiratória Aguda Grave


Após o surgimento de um novo vírus causador de pneumonia grave em 2003 (coronavírus), o Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) elaborou a definição de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que serve para definir
a epidemiologia de infecções respiratórias que precisam de hospitalizações e para monitorar o surgimento de novas
epidemias. A presença de SRAG aumenta a chance de infecção viral, que pode vir acompanhada frequentemente de
infecção bacteriana (coinfecção). Em 2003, a epidemia de SRAG acometeu mais de 8.000 pessoas na Ásia e na América
do Norte, causando mais de 800 mortes. Profissionais de saúde que trabalhavam nos hospitais foram acometidos pela
síndrome, principalmente por falta de precauções necessárias para evitar a transmissão aérea do vírus, e pela falta de
mobilização adequada após notificação do surto da doença. A hospitalização por SRAG está associada a mais de um
terço de pneumonia por etiologia viral (Figura 2).
A definição de SRAG inclui história de febre ou febre aferida ≥38oC e tosse; início de sintomas há menos de 7 dias;
necessidade de hospitalização; independe da idade.
A realização de teste de reação em cadeia de polimerase em tempo real (PCR-RT) tem permitido caracterizar
o papel dos vírus respiratórios na etiologia da pneumonia: coronavírus, bocavírus, h-MPV, rinovírus, PIV 1-4, RSV e
coinfecção de >1 vírus e vírus-bactéria são detectados em frequência elevada por meio deste teste. A pesquisa de vírus
respiratório no swab nasofaríngeo e orofaríngeo, além de secreções do trato respiratório inferior, é aconselhada em
casos de SRAG, principalmente para orientar o tratamento, além de notificação epidemiológica (Quadro 2).

Estratificação e escores de risco


Existem alguns escores de estratificação de risco para pneumonia adquirida na comunidade. Eles são úteis para
guiar a decisão de internar ou não o paciente no setor de emergência.
O Pneumonia Severity Index (PSI) agrega dados clínicos da história atual e pregressa do paciente, além de resultados
de exames laboratoriais e de radiologia. O somatório de pontos indica a chance de morte. Os pacientes são classificados
em classes de 1 a 5: a classe 1 apresenta pouca gravidade e a mortalidade é menor que 1%; enquanto o grupo na classe
5 têm maior gravidade e mortalidade acima de 25%. Pacientes de risco mínimo apresentam idade menor que 50 anos,
exame físico normal e nenhuma comorbidade (risco de morte menor que 1%).
O escore CURB-65 é um acrônimo para os seguintes parâmetros e limites: confusão mental; ureia >50mg/dL;
frequência respiratória maior que 30 por minuto; pressão sanguínea (blood pressure) sistólica <90mmHg ou diastólica
<60mmHg e idade >65 anos. É um escore de fácil aplicabilidade e tem desempenho para estratificar o risco de
mortalidade do paciente semelhante ao PSI, mesmo com apenas cinco variáveis. A figura 3 demonstra a estratificação
de risco de morte, que é muito próxima nas classes PSI I e CURB-65 zero (mortalidade abaixo de 1%), e também
nas classes PSI IV-V e CURB-65 4-5 (mortalidade acima de 30%). Há variação de mortalidade mais significativa nas
classes intermediárias, mas, ainda assim, é possível estratificar se o paciente deve ou não ser internado no hospital.
Apenas o CURB-65 sugere admissão na UTI em casos de maior pontuação (4 ou 5 pontos), mas nenhum dos escores foi
desenhado para suportar esta decisão.

39
Figura 2. Epidemiologia de etiologia de síndrome gripal nos Estados Unidos e Brasil. Fonte: Ministério da
Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Monitoramento de 2016 até semana
52. São Paulo: Ministério da Saúde; 2016.

Quadro 2. Reação em cadeia de polimerase em tempo real em kit comercial (Fast-track FTD Respiratory Pathogens®).
Vírus Bactérias
Enterovírus Staphylococcus aureus
Vírus sincicial respiratório Streptococcus pneumoniae
Adenovírus Haemophilus influenzae b
Influenza A e Influenza B Chlamydia pneumophila
Parainfluenza 1-4 Mycoplasma pneumoniae
Metapneumovírus humano Legionella pneumoniae sorogrupo 1
Coronavírus (OC43, 229E, NL63 e HKU1)
Rinovírus e bocavírus

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Figura 3. Comparação entre Pneumonia Severity Index e CURB-65 score em relação à mortalidade hospitalar
e recomendação de alocação para tratamento. Fonte: Restrepo MI, Anzueto A. Severe community-acquired
pneumonia. Infect Dis Clin North Am. 2009 Sep;23(3):503-20.

Existem critérios da American Thoracic Society (ATS), que se dividem em maiores e menores. Um dos critérios
maiores (insuficiência respiratória e choque) ou a associação de três dos menores pode indicar alocação do paciente
em UTI/unidade fechada (Quadro 3).

Quadro 3. Critérios de gravidade de pneumonia comunitária, segundo a American Thoracic Society. Um critério maior ou a associação de
três menores aponta maior gravidade.
Critérios maiores Critérios menores
Insuficiência respiratória aguda, com necessidade Frequência respiratória acima de 30/minuto
de ventilação mecânica
Choque séptico ou misto, com necessidade de Relação PaO2/FiO2 ≤250 (gasometria)
amina vasoativa Infiltrados multilobares (raio X, tomografia)
Confusão mental
Ureia acima de 40mg/dL
Leucopenia abaixo de 4.000céls/mm3
Plaquetometria abaixo de 100mil/mm3
Temperatura corporal abaixo de 36°C
Pressão arterial sistólica abaixo de 90mmHg ou diastólica abaixo de 60mmHg
PaO2/FiO2: pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio.

Exames de imagem
O exame de imagem mais solicitado é a radiografia de tórax. As incidências posteroanterior e lateral são
recomendadas para visualizar todos os campos pulmonares e evitar exames falso-negativos. As pneumonias podem
ter padrão intersticial (por exemplo: atípica ou pneumocistose), de consolidação (por exemplo: pneumocócica) ou
de broncopneumonia (mais central, seguindo brônquios principais, com aspecto intermediário entre intersticial e
consolidativa, como por exemplo DPOC por S. aureus). Eventualmente radiografias podem ser normais, principalmente
no breve início do quadro de pneumonia, ou no paciente com neutropenia grave (por exemplo: aplasia de medula
óssea após quimioterapia).
A tomografia computadorizada de tórax se mantém como exame padrão-ouro para diagnóstico de pneumonia.
Além da melhor definição de acometimento do parênquima, revela presença de derrame pleural e adenomegalias
mediastinais. No entanto, há necessidade de transporte do paciente, que pode estar grave (em ventilação e/ou amina
vasoativa), e de uso de irradiação e, eventualmente, contraste venoso.

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Atualmente, a ultrassonografia está sendo usada para diagnóstico de pneumonia. O quadro de pneumonia se
revela como parênquima com área hipoecoica, indicando consolidação (70 a 97%), broncograma aéreo, que aparece
hiperecoico (76%), necrose de permeio (1%) e linhas B, que indicam acometimento intersticial (~100%).
A ultrassonografia também é vantajosa para avaliar doenças pleurais, com a pneumonia se associando à
fragmentação da linha pleural (>90%) e derrame pleural (34 a 61%), além de derrame localizado, indicando empiema
(9 a 42%). A ultrassonografia pode ser normal ou inconclusiva em 8% dos quadros de pneumonia, e o estudo deve
ser complementado com tomografia. Veja a comparação entre radiografia e ultrassonografia com correlação com
tomografia computadorizada na tabela 1.

Tabela 1. Comparação entre radiografia e ultrassonografia com correlação com tomografia computadorizada como gold standard.
Acurácia do método Radiografia de tórax (%) Ultrassonografia torácica (%)
Sensibilidade 89 94
Especificidade 90 96
Falso-negativo 13 8
Falso-positivo 8 4
Fonte: Reissig A, Gramegna A, Aliberti S. The role of lung ultrasound in the diagnosis and follow-up of community-acquired pneumonia.
Eur J Intern Med. 2012;23(5):391-7.

Outros exames complementares


O uso de biomarcadores pode ajudar a definir a presença de infecção, assim como a limitar a duração de
antibioticoterapia. A procalcitonina ajuda a diferenciar pneumonia bacteriana da viral; auxilia na decisão de admissão
hospitalar e guia a duração de tratamento. Ela se eleva 2 horas após o início de inflamação sistêmica e a sua meia-vida
é de 12 a 24 horas. A proteína C-reativa também auxilia no diagnóstico de infecção, porém é menos específica para
presença de infecção (está elevada em neoplasias e pós-operatórios); seus níveis se elevam após 4 a 6 horas e sua
meia-vida é de 24 a 48 horas.
A coleta de hemoculturas está preconizada nos casos mais graves, com indicação de internação hospitalar,
principalmente quando o paciente tem quadro de sepse. Devem-se coletar 20 a 30mL de sangue em dois a três frascos
de hemoculturas (isto leva à sensibilidade de 95% se houver bacteremia). O rendimento positivo é de cerca de 10 a
20%, indicando a etiologia precisa da pneumonia.
Outros exames suplementares podem ser úteis para identificar etiologia da pneumonia: os antígenos urinários
para Legionella sp (sensibilidade de 70 a 90% e especificidade de 100%) e pneumococo (sensibilidade 50-80% e
especificidade 90%) podem guiar a terapia mais específica. Exame de reação de cadeia de polimerase para Mycoplasma
sp e Chlamydophila sp e sorologia para H. capsulatum podem ser indicadas em pacientes com história epidemiológica
sugestiva (viagem recente e suspeita de imunodepressão) (Figura 4).

Condutas
O atendimento de um paciente com pneumonia no setor de emergência deve seguir um padrão único:
primeiramente, deve-se estratificar se o paciente tem sepse (o diagnóstico de sepse determina a rapidez de coleta de
exames e o tratamento com líquidos e antibióticos na primeira hora após atendimento). A abordagem da sepse está
contida em capítulo à parte. A internação de paciente com suspeita clínica de pneumonia segue o padrão de coleta de
exames de sangue e realização de exame radiológico para confirmação do diagnóstico, seguidos de tratamento inicial
com hidratação e antibioticoterapia. De acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia (SBPT), a primeira dose de antibiótico em paciente internado por pneumonia deve ser feita em até 6 horas.
Fazem parte dos princípios do tratamento: verificar necessidade de admissão hospitalar; conferir antibioticoterapia
com diretrizes; início precoce; sepse até 1 hora; sem sepse até 6 horas; uso de antibioticoterapia combinada
(controverso); uso rotineiro de corticoides não é indicado; ventilação protetora para presença de síndrome da angústia
respiratória aguda; imunização (prevenção secundária) (Figura 5).

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Figura 4. Síndrome torácica e exames complementares a serem solicitados. Fonte: Correa RA, Lundgren
FL, Pereira-Silva JL, et al, Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos
imunocompetentes – 2009. J Bras Pneumol. 2009;35:574-601.

Figura 5. Antibioticoterapia de acordo com local de tratamento para paciente com pneumonia comunitária.
Fonte: Coorea RA, Lundgren FL, Pereira-Silva JL, et al, Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na
comunidade em adultos imunocompetentes – 2009. J Bras Pneumol. 2009;35:574-601.

A antibioticoterapia deve ser direcionada contra germes mais comuns, iniciada em até 3 a 8 horas, na dose
máxima e via intravenosa. A terapia combinada de antibióticos pode ser vantajosa em casos de sepse/bacteremia
pneumocócica. A duração é usualmente de 7 a 14 dias (eficácia semelhante). A monitoração com procalcitonina
mostrou reduzir o tempo de antibiótico em 2 a 3 dias, desde que haja protocolo específico para este intuito. Parece
haver custo-efetividade com duas dosagens de procalcitonina e redução de tratamento em 2 a 3 dias em 30 a 50% dos
pacientes internados.

43
Uso prévio de antibióticos, instituição de longa permanência, pneumopatia estrutural, suspeita de tuberculose
(evitar uso de quinolona primariamente) e pacientes imunocomprometidos (ampliar espectro, pensando em infecções
virais e fúngicas) são exceções a este esquema de tratamento.
A terapia antibiótica combinada deve ser instituída se houver maior gravidade (choque séptico) ou o paciente
for imunossuprimido. A associação de betalactâmicos com macrolídeos é defendida ao invés de monoterapia com
quinolonas, porém não há estudos clínicos que afirmem definitivamente esta superioridade. Quanto maior a gravidade,
mais frequente é a associação (betalactâmico ou quinolona + macrolídeo ou aminoglicosídeo). Os problemas com
terapia combinada são: escolha errônea dos antibióticos; tempo prolongado de antibioticoterapia; maior chance de
efeitos adversos (diarreia associada a antibióticos e interações medicamentosas); maior chance de infecção fúngica;
e maior custo associado a medicamentos. O mais recomendando é avaliar custo-benefício de acordo com a gravidade
do paciente.
São causas de falha (progressão de insuficiência respiratória e/ou choque; falta de resposta em 72 horas): sepse
grave + outras disfunções orgânicas; tuberculose e patógenos incomuns; resistência bacteriana; pneumonia associada
a cuidados de saúde; neoplasias, tromboembolismo pulmonar e vasculites; complicações (empiema, endocardite e
artrite); febre relacionada à antibioticoterapia.
São critérios de pneumonia associada a cuidados de saúde: hospitalização nos últimos 3 meses; internação em
home care, asilo ou outra Instituição de Longa Permanência; hemodiálise nos últimos 30 dias; história familiar de
infecção por germe resistente; terapia imunossupressiva; outros, como antibióticos nos últimos 3 meses, necessidade
de assistência em hospital-dia (não ambulatorial), alimentação enteral e inibidores de bomba de prótons.
O antiviral deve ser usado em casos graves de pneumonia adquirida na comunidade, principalmente em períodos
de sazonalidade (outono nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil, e início do ano nas Regiões Norte e Nordeste). O oseltamivir
deve ser administrado preferencialmente nos primeiros 3 a 4 dias após início de sintomas de gripe. O seu uso após o
quinto dia está associado com alta morbimortalidade. A dose preconizada é de 75mg, administrada via oral ou enteral
(diluição em água), a cada 12 horas. A duração do tratamento é variável, de 7 a 10 dias. Não há benefício em se usar
o dobro da dose em pacientes graves. Seu uso é indicado em pacientes internados, com risco para mortalidade por
pneumonia por influenza: idosos acima de 65 anos; gestantes e puérperas; crianças menores de 5 anos; indígenas
que vivem em aldeias; e comorbidades, como insuficiência cardíaca, pneumopatas, nefropatas, diabetes mellitus,
neoplasias ativas, outros pacientes imunossuprimidos e transtornos neurológicos crônicos.
Estima-se que mais de 70% das mortes associadas à SRAG sejam em pacientes com alguma das condições descritas,
mesmo recebendo antiviral – daí a importância de administrá-lo o mais precocemente possível.
A procalcitonina pode reduzir o uso de antibiótico, se comtemplada em protocolo: se procalcitonina <0,1mcg/L,
não iniciar antibiótico; se procalcitonina 0,1 a 0,25mcg/L, o antibiótico pode ser suspenso; se procalcitonina 0,25 a
0,5mcg/L, avaliar manter antibiótico; se procalcitonina >0,5mcg/L, manter antibiótico.
Desde que o paciente se recupere do quadro respiratório e hemodinâmico, há indicação de troca da via de
administração de antibiótico de venoso para oral. Isto parece reduzir a duração do tratamento em torno de 3 a 4 dias,
e em 1ª 2 dias o tempo de internação hospitalar, sem aumentar risco de falha ou eventos adversos. As condições
para esta troca são lucidez, temperatura <1°C febre ou < 38,3°C, pressão arterial sistólica >90mmHg, frequência
cardíaca <100bpm, frequência respiratória <25/minuto, SatO2 >90% ou pressão parcial de oxigênio (pO2) >60mmHg (ar
ambiente), e ser capaz de deglutir.
A ventilação não invasiva na PAC é controversa. A chance de falha (necessidade de ventilação invasiva) é de 50
a 60%. Sugere-se que a tentativa de ventilação não invasiva seja feita obedecendo os seguintes critérios: cooperação
e lucidez; ausência de choque; insuficiência respiratória hipoxêmica e hipercapneica; relação pressão parcial de
oxigênio/fração inspirada de oxigênio >200-250, BiPAP melhor que CPAP.
A tentativa de ventilação não invasiva deve ser realizada por período de 30 minutos a 2 horas, com monitoração
de estabilidade hemodinâmica, melhora da hipoxemia e manutenção da consciência. Na tolerância ruim em qualquer
destas condições, devem ser consideradas intubação traqueal e ventilação invasiva.

44
Bibliografia consultada
Braden CR, Dowell SF, Jernigan DB, et al. Progress in global surveillance and response capacity 10 years after severe acute respiratory
syndrome. Emerg Infect Dis. 2013;19(6):864-9.

Choi SH, Hong SB, Ko GB, et al. Viral infection in patients with severe pneumonia requiring intensive care unit admission. Am J Respir Crit
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Fine MJ, Auble TE, Yealy DM, et al. A prediction rule to identify low-risk patients with community-acquired pneumonia. N Engl J Med.
1997;336(4):243-50.

Lim WS, Lewis S, Macfarlane JT. Severity prediction rules in community acquired pneumonia: a validation study. Thorax. 2000;55(3):219-23.

Oosterheert JJ, Bonten MJ, Schneider MM, et al. Effectiveness of early switch from intravenous to oral antibiotics in severe community
acquired pneumonia: multicentre randomised trial. Brit Med J. 2006; 333:1193.

Coorea RA, Lundgren FL, Pereira-Silva JL, et al, Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos
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Jain S, Self WH, Wunderink RG; CDC EPIC Study Team. Community-acquired pneumonia requiring hospitalization among U.S. adults. N
Engl J Med. 2015;373:415-27.

45
Meningoencefalites
Brenno C. Gomes
Introdução
Quase 70 anos após a descoberta da penicilina, as doenças infecciosas neurológicas continuam uma importante
fonte mundial de morbidade e mortalidade. A ameaça das doenças infecciosas neurológicas decorre de vários fatores,
tais como o surgimento de grandes populações de pacientes imunocomprometidos, tanto oriundos da síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS) e/ou fruto de regimes terapêuticos agressivos contra neoplasias sólidas ou líquidas;
o aumento da facilidade de viagens que permitem rápida transmissão global de agentes infecciosos emergentes; o
uso generalizado de antibióticos que contribuíram para muitos sucessos clínicos, mas que também impulsionaram
o surgimento de microrganismos resistentes; e o reconhecimento de um número crescente de agentes infecciosos
oportunistas nas últimas décadas.
O clínico, quando confrontado com potencial doença infecciosa neurológica, deve considerar três conjuntos de
dados com urgência:
• Demografia do paciente: é o paciente imunocompetente ou imunocomprometido? E, se imunocomprometido,
por quais mecanismo as defesas do hospedeiro são alteradas? Por exemplo: HIV, corticosteroides, trauma ou
cirurgia penetrante recente, exposições recentes relacionadas ao cuidado da saúde, quimioterapia etc.
• Ritmo da doença e da síndrome clínica presente (estado mental alterado, défice focal etc.).
• Dados laboratoriais, incluindo exames de neuroimagem e de detecção rápida, para orientar a melhor
estratégia terapêutica.
De acordo com os temas citados, propõem-se o diagnóstico e o gerenciamento terapêutico de possíveis
emergências iniciais.

Fisiopatologia
O termo ‘meningite’ implica inflamação das leptomeninges (aracnoide e pia-máter) e, por extensão, o envolvimento
do líquido cefalorraquidiano (LCR) e do espaço subaracnóideo. A dura-máter pode também ser afetada, porém
raramente o processo inflamatório afeta unicamente a ela.
A meningite pode ser classificada em função do curso temporal. A meningite aguda tem início ao longo de horas a
dias e a crônica é uma síndrome que persiste mais de 4 semanas. Meningite recorrente se refere a recrudescência de
sintomas e sinais que aparecem de tempos em tempos, após períodos completos de ausência de doença. É importante
a classificação temporal, pois a partir dela podemos correlacionar os agentes etiológicos possíveis com mais acurácia.

Manifestações clínicas
A meningite geralmente se manifesta com dor de cabeça, rigidez do pescoço, sensibilidade à luz e diferentes
graus de sintomas e sinais neurológicos. Meningite aguda é mais frequentemente acompanhada de febre e alterações
do estado mental, enquanto os sintomas são mais indolentes na meningite crônica. Além disto, a inflamação das
meninges, às vezes, estende-se ao parênquima ou cordão axonal, gererando sintomas e sinais resultantes da disfunção
cerebral aguda, denominado meningoencefalite ou meningoencefalomielite (Figura 1).
As formas mais frequentes e geralmente mais graves de meningite são devidas às infecções, incluindo bactérias,
vírus, fungos e parasitas. Causas não infecciosas de meningite incluem síndromes inflamatórias primárias, como
vasculite, neoplasias sólidas e de formas hematológicas e alguns irritantes químicos.
No início do curso, nem sempre é possível a fácil distinção, mas esta deve ser realizada o quanto antes devido à
diversidade de urgências terapêuticas, com particularidades específicas de tratamento em cada síndrome.
O quadro 1 apresenta as etiologias mais comuns de meningite.

Diagnóstico
Os principais tipos de infecções neurológicas incluem meningite, encefalite, abscesso cerebral, abscesso peridural
e empiema subdural.

47
Figura 1. Sinais e sintomas da meningite e da meningoencefalite.

Quadro 1. Etiologias mais comuns de meningite.


Comunitária aguda Streptococcus pneumoniae
Neisseria meningitidis
Haemophilus influenzae
Viral
Nosocomial aguda Enterobactérias
Staphylococcus aureus
Acinetobacter calcoaceticus e Pseudomonas aeruginosa
Subaguda/crônica Mycobacterium tuberculosis
Em pacientes imunocomprometidos Cryptococcus neoformans
Sífilis
Citomegalovírus
Outras etiologias Herpes simplex
Herpes zoster
Leptospira interrogans
Listeria monocytogenes
Histoplasma capsulatum
Sporothrix sp
Coccidioides immitis
HIV (aguda/subaguda)
Toxoplasma gondii

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Os sinais de alerta para o diagnóstico são febre, dor de cabeça, rigidez nucal, estado mental alterado e/ou sinais
focais. A presença de alguns sintomas é marcante: febre é comum nas meningites (~95% dos casos), bem como
rigidez de nuca (88%), alteração da consciência (78%) e cefaleia intensa (90%). O paciente pode manifestar coma na
apresentação em 15% dos casos de meningites. A cefaleia é sintoma inespecífico, porém a tríade de febre, rigidez nucal
e alteração de consciência é mais específica. Se o paciente não tiver nenhum destes três sinais/sintomas (febre, rigidez
nucal e alteração da consciência), pode-se afastar o diagnóstico de meningite. Estes fazem com que lancemos mão de
investigação dirigida, incluindo exame físico, testes sorológicos, neuroimagem e análise do liquido cerebroespinhal. A
ordem dos testes depende do processo de triagem inicial realizado à beira do leito.
A tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) de crânio devem ser realizada antes da punção
liquórica em alguns casos, a saber: nível de consciência deprimido (escala de Glasgow menor que 14 pontos), exame
clínico com défice focal, ou convulsões. Em pacientes imunodeprimidos devemos ter mais atenção, pois há maior risco
de infecções do sistema nervoso central com efeito massa, como tuberculose, toxoplasmose, linfoma ou criptococose.
Os achados possíveis à tomografia computadorizada de crânio, que indicam hipertensão intracraniana, sendo
contraindicação relativa à punção lombar, são: edema cerebral difuso (apagamento de sulcos e das cisternas basais,
perda da diferenciação entre substância branca e cinzenta); hidrocefalia; múltiplos infartos por vasculite (até 20%);
trombose de seio venoso; empiema ou abscesso; doença associada na base do crânio (fraturas, sinusite, otite, e
mastoidite); encefalite necrosante assimétrica com predileção por áreas temporais e frontais, na encefalite herpética.
Também deve haver cautela na indicação de punção lombar na presença de coagulopatia ou trombocitopenia
grave (denotadas por sangramento ativo; plaquetas <50.000; ou razão normalizada internacional - INR > 1,4). A punção
pode ser realizada após correção das alterações. Também deve-se realizar TC crânio em pacientes imunodeprimidos ou
com algum sinal neurológico focal (exceto paralisia do VI par craniano isolada).
Uma vez obtido liquor, é obrigatório analisar proteína, glicose (relação soro/liquor), celularidade com diferencial,
além de bacterioscopia pelo Gram e cultura com teste de sensibilidade antibiótica (TSA) (Figura 2).

Figura 2. Padrão liquórico esperado nos diversos tipos de meningite.

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Terapia farmacológica
Deve ser iniciada o mais precocemente possível (até 3 a 6 horas).
O uso de antibiótico inclui bactericida mais penetração no sistema nervoso central. Na meningite aguda, deve
ser feito ceftriaxona, 2g, intravenosa, a cada 12 horas. Também podem ser usadas outras cefalosporinas; penicilina G;
ampicilina 2 g, intravenosa, a cada 4 horas (> 50 anos - Listeria). São ainda opções vancomicina, cefepime, carbapenem,
trimetoprim- sulfametoxazol.
Para outras meningites/encefalites, podem ser usados rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol (chamado
esquema RIPE); aciclovir; e anfotericina B/fluconazol.
A punção lombar deve ser repetida se a pressão intracraniana se elevar; em caso de coma; se paciente
imunocomprometido ou com HIV.
Para o uso de corticoides, sabe-se que complicações/sequelas são reduzidas, principalmente em meningites
bacterianas. Líquor com leucócitos > 1.000 células/mm3 e Gram presença de bactérias podem demandar o uso de
corticoides. Os esquemas a ser seguido é 10 mg, intravenoso, a cada 6 horas, por 4 dias OU 4mg, intravenoso, a cada
6 ou 8 horas, por a 28 dias.

Resumo
As doenças infecciosas neurológicas continuam sendo uma causa significativa de morbidade e mortalidade,
afetando hospedeiros saudáveis e também aqueles com doenças imunossupressoras. A etiologia da meningite
bacteriana difere por faixa etária e local de aquisição. S. pneumoniae ainda é o patógeno mais comum adquirido
na comunidade em adultos e a forma com maior mortalidade. A dexametasona pode reduzir morbimortalidade em
adultos com este patógeno. O uso de corticoide é controverso em meningoencefalites por outras etiologias. Mais da
metade dos casos de encefalite permanecem sem etiologia definitiva.

Referências bibliográficas
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Kramer AH. Viral encephalitis in the ICU. Crit Care Clin 2013;29:621-49.

50
Infecções intra-abdominais
Kelson Veras
Gerson Macedo
Introdução
A classificação mais utilizada para infecções intra-abdominais distingue entre complicadas e não complicadas.
Nas infecções intra-abdominais não complicadas, o processo infeccioso está contido em um único órgão, sem ruptura
anatômica. A apendicite aguda e a colecistite são exemplos comuns de infecções intra-abdominais não complicadas.
As infecções são categorizadas como complicadas quando há ruptura da barreira anatômica, determinando peritonite
localizada ou generalizada.
As peritonites, por sua vez, podem ser classificadas em primária, secundária ou terciária. A peritonite primária
consiste na peritonite bacteriana espontânea observada como complicação em qualquer situação que produza síndrome
clínica de ascite, como na cirrose hepática descompensada e/ou na síndrome nefrótica com ascite. Na peritonite
primária, não há ruptura da barreira anatômica do trato gastrintestinal ou infecção localizada intra-abdominal, não
havendo uma fonte óbvia dos agentes etiológicos. A peritonite primária geralmente é adquirida na comunidade e é
monobacteriana, sendo usualmente causada pela flora gastrintestinal, como bacilos Gram-negativos e enterococos.
Raramente requer intervenção cirúrgica.
O termo “peritonite secundária” refere-se à peritonite no contexto de perfuração de uma víscera oca. Após esta
ruptura da barreira anatômica, pode ocorrer derramamento grosseiro de flora gastrintestinal na cavidade peritoneal.
Os organismos causadores variam de acordo com o local da perfuração. Consequentemente, a infecção é usualmente
polimicrobiana, mas também há alta incidência de culturas negativas nas peritonites secundárias.
A peritonite terciária é descrita como peritonite persistente ou recorrente após falha no tratamento clínico e
cirúrgico, diferenciando-se da peritonite secundária, que se prolonga apenas pelo controle inadequado da fonte ou no
estabelecimento de complicações pós-operatórias, como deiscência anastomótica. A taxa de pacientes que evoluem
de peritonite secundária para terciária pode ser de até 20%.
Existe alta incidência de bactérias nosocomiais e multirresistentes nesta configuração. A disfunção imune e a
resposta alterada ao estresse endócrino também contribuem para a doença persistente. Curiosamente, algumas
doenças são mais propensas a progredirem para a peritonite terciária do que outras. Especialmente no cenário de
pancreatite necrotizante, altas taxas de progressão de peritonite secundária para terciária foram relatadas. A peritonite
terciária tem sido associada a alta mortalidade, maior permanência na UTI e disfunção orgânica mais grave.

Etiologia
A localização da fonte primária da peritonite secundária influencia no espectro de agentes patogênicos envolvidos,
uma vez que estômago, intestino delgado superior, intestino delgado inferior e intestino grosso têm microbiota distinta
entre si.
Infecções derivadas do estômago, duodeno, sistema biliar e intestino delgado proximal contêm organismos
aeróbicos e facultativos, tanto Gram-positivos e Gram-negativos. As infecções derivadas das perfurações distais do
intestino delgado contêm organismos facultativos e aeróbicos Gram-negativos, mas anaeróbios, como Bacteroides
fragilis, estão comumente presentes.
As infecções intra-abdominais derivadas de cólon possuem anaeróbios, facultativos e obrigatórios. A espécie de
bactéria facultativa Gram-negativa mais comumente detectada é Escherichia coli. Estreptococos do grupo viridans e
enterococos também são comumente presentes.

Diagnóstico
O diagnóstico das infecções intra-abdominais complicadas é preponderantemente clínico. Pacientes com infecção
intra-abdominal tipicamente apresentam dor abdominal de início rápido e sintomas de disfunção gastrintestinal (perda
de apetite, náuseas, vômitos, distensão e/ou obstipação), com ou sem sinais de inflamação (dor, sensibilidade, febre,
taquicardia e/ou taquipneia).
No entanto, pacientes críticos podem ser difíceis de avaliar, devido à presença de outras lesões que podem desviar
a atenção ou pela presença de insuficiência respiratória, rebaixamento do nível de consciência ou outras comorbidades.
Inicialmente, a dor pode ser mal localizada (peritônio visceral) antes de progredir para dor constante, severa e mais

52
localizada (peritônio parietal). A rigidez abdominal difusa sugere peritonite e deve ser abordada prontamente, por
meio de ressuscitação agressiva e intervenção cirúrgica.
A história da doença, o exame físico e os exames laboratoriais identificam a maioria dos pacientes com suspeita de
infecção intra-abdominal para os quais avaliação e manejo adicionais são recomendados. Para pacientes selecionados,
com achados de exame físico não confiáveis, como aqueles com estado mental rebaixado ou lesão da medula vertebral,
ou aqueles imunossuprimidos por doença ou terapia, a infecção intra-abdominal deve ser considerada se o paciente
apresentar evidência de infecção de fonte.
Não há evidências fortes de que os resultados da coloração de Gram, cultura e suscetibilidade forneçam informações
capazes de alterar o desfecho em pacientes com infecção intra-abdominal complicada adquirida na comunidade. Assim,
as culturas do foco infeccioso intra-abdominal para pacientes de baixo risco com infecção adquirida na comunidade são
consideradas opcionais no paciente individual, mas podem ser de valor epidemiológico na detecção de alterações nos
padrões de resistência dos patógenos associados às infecções intra-abdominais comunitárias e na orientação quanto
à terapia oral após alta. Para pacientes de alto risco, as culturas do sítio infeccioso devem ser rotineiramente obtidas,
particularmente em pacientes com exposição prévia a antibióticos, que são mais propensos a abrigar patógenos
resistentes.
As hemoculturas raramente são complementos úteis para o diagnóstico de infecção intra-abdominal. As taxas
de bacteremia relacionadas aos organismos presentes no sítio de infecção abdominal infectado variam de zero a
5%. Bacteremia, porém, é mais comum em pacientes em unidade de terapia intensiva e associa-se a aumento da
mortalidade.
Os estudos de imagem são usados para identificar o foco da infecção e estabelecer a extensão e a gravidade
da doença, mas a abordagem específica depende do estado hemodinâmico do paciente. Imagens diagnósticas são
desnecessárias em pacientes com sinais óbvios de peritonite difusa e nos quais a intervenção cirúrgica imediata está
indicada.
As radiografias simples do abdômen são frequentemente os primeiros estudos de imagem obtidos em pacientes
com peritonite. Seu valor na obtenção de um diagnóstico específico é limitado. O ar livre está presente na maioria dos
casos de perfuração gástrica e duodenal anterior, mas é muito menos frequente com perfurações do intestino delgado
e do cólon, sendo incomum com perfuração de apêndice. Os filmes em posição ortostática são úteis para identificar
o ar livre sob o diafragma (mais frequentemente à direita) como indicação de uma víscera perfurada. No entanto,
a presença de ar livre não é um achado sistemático na perfuração visceral, e pequenas quantidades de ar livre são
facilmente despercebidas em radiografias simples.
A tomografia computadorizada (TC) deve ser considerada uma das técnicas de imagem mais úteis na avaliação
de infecções intra-abdominais. No entanto, muitos pacientes instáveis podem não ser adequados para o transporte
para a TC, e a função renal prejudicada pode limitar o uso de contraste intravenoso. Para pacientes instáveis, que não
têm indicação de laparotomia imediata e cuja condição crítica os impede de deixar a unidade de terapia intensiva para
análise de imagem adicional, a ultrassonografia é a melhor modalidade de imagem disponível.
A ultrassonografia abdominal é útil na avaliação de patologias no quadrante superior direito (por exemplo:
abscesso peri-hepático, colecistite, biloma, pancreatite e pseudocisto pancreático), quadrante inferior direito e pelve
(por exemplo: apendicite, abscesso tubo-ovariano, abcesso no fundo de saco de Douglas). A ultrassonografia é a
primeira técnica de imagem para suspeita de colecistite aguda ou colangite.
A ultrassonografia detecta a colelitíase em cerca de 98% dos pacientes. A colecistite calculosa aguda é
diagnosticada radiologicamente pela presença concomitante de espessamento da parede da vesícula biliar (≥5mm),
fluido pericolecístico ou sensibilidade direta, quando a sonda é empurrada contra a vesícula biliar (sinal de Murphy
ultrassonográfico). No entanto, o exame, às vezes, é limitado, devido ao desconforto do paciente, à distensão abdominal
e à interferência do gás intestinal.
Se o diagnóstico de peritonite não for estabelecido clinicamente, e o paciente não tiver indicação de laparotomia
imediata, a TC é o exame de imagem de escolha para determinar a presença de uma infecção intra-abdominal e sua
origem. A TC é preferida porque é mais sensível para detectar pequenas quantidades de fluido, inflamação e outras
patologias no trato gastrintestinal. Além disto, a TC abdominal é o estudo de escolha em pacientes com suspeita de
diverticulite.

53
Sempre que possível, a TC deve ser realizada com contraste enteral e intravenoso. Ela pode ser usada para avaliar
a isquemia, bem como para determinar obstrução intestinal. Um abscesso é sugerido pela presença de densidade
de fluido que não está no interior de uma alça intestinal ou outra víscera oca. O gás dentro de uma coleção fluida
ou a presença de uma cápsula realçada pelo contraste e alterações inflamatórias adjacentes também são altamente
sugestivos de um abscesso. A isquemia pode ser demonstrada por um coágulo em um grande vaso ou pela ausência de
fluxo sanguíneo. O gás dentro da parede intestinal ou na veia porta também pode sugerir isquemia.
A ressonância magnética, apesar de ter a vantagem de não expor o paciente à radiação, tem uso limitado na
obtenção de informações sobre processos patológicos no abdômen. Devido a processos que incluem a respiração e o
peristaltismo, o diafragma e o intestino movem-se constantemente, resultando em imagem de baixa qualidade.

Tratamento
As recomendações para o manejo das infecções intra-abdominais complicadas da Surgical Infection Society e da
Infectious Diseases Society of America, de 2010, baseiam-se na gravidade da infecção. São consideradas infecções
de alto risco ou gravidade aquelas em que o paciente apresenta-se com distúrbio fisiológico severo (escore Acute
Physiology and Chronic Health Disease Classification System II - APACHE >15), idade avançada ou imunossuprimidos.

Controle do foco infeccioso


O controle do foco infeccioso intra-abdominal é definido como “todas as medidas físicas empreendidas para
eliminar uma fonte de infecção, controlar a contaminação contínua e restaurar a anatomia e a função pré-mórbidas”.
A capacidade de controlar a origem da contaminação bacteriana e a remoção de focos infecciosos parecem ser os
fatores mais importantes na otimização do resultado. As intervenções podem, muitas vezes, servir como ferramentas
de diagnóstico, ao obterem uma melhor impressão da extensão da doença ou encontrarem o local exato de uma
perfuração. Assim, se a condição geral do paciente justificar a intervenção cirúrgica urgente, não se deve perder tempo
investigando ainda mais a extensão ou origem da doença.
Em pacientes com peritonite grave, não é recomendada relaparotomia obrigatória ou agendada, na ausência de
descontinuidade intestinal, perda fascial abdominal que impede o fechamento da parede abdominal ou hipertensão
intra-abdominal. As indicações geralmente aceitas para a laparostomia, em que nem a fáscia nem a pele são fechadas,
incluem distúrbios fisiológicos graves intraoperatórios, que impedem a conclusão do procedimento planejado,
hipertensão intra-abdominal e perda de tecido mole abdominal, impedindo, por sua vez, o fechamento fascial
imediato. As indicações geralmente aceitas para a laparostomia ou a relaparotomia planejada incluem configurações
nas quais o controle adequado do foco não pode ser obtido no procedimento inicial; o controle ou o restabelecimento
da continuidade da víscera oca não podem ser realizados de forma segura; e possível isquemia intestinal em curso que
requer um segundo ato operatório para assegurar a viabilidade entérica.

Infecções do trato biliar


A colecistite aguda é uma doença inflamatória aguda da vesícula biliar, muitas vezes atribuível a cálculos biliares,
mas também vários outros fatores podem estar envolvidos, como isquemia, distúrbios de motilidade, lesões químicas
diretas, infecções por microrganismos, protozoários e parasitas, doenças do colágeno e reação alérgica.
A colangite aguda é uma condição mórbida com inflamação aguda e infecção na via biliar. História de coledocolitíase
ou manipulação recente do trato biliar associada à febre (muitas vezes com calafrios), dor abdominal (quadrante
superior direito) e icterícia (tríade de Charcot) é altamente sugestiva de colangite. A febre ocorre em quase 95% dos
pacientes com colangite. Aproximadamente 90% dos pacientes têm dor no quadrante superior direito do abdome e
80% têm icterícia.
Pacientes com infecção suspeita e colecistitite aguda ou colangite devem receber terapia antimicrobiana, como
recomendado no quadro 1.

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Quadro 1. Antibioticoterapia empírica inicial da infecção biliar em adultos.
Colecistite aguda adquirida na comunidade Cefalotina ou ceftriaxona
de gravidade leve a moderada
Colecistite aguda adquirida na comunidade Imipenem-cilastatina, meropenem, doripenem ou piperacillina-tazobactam em
com distúrbios fisiológicos graves, idade monoterapia
avançada ou imunossupressão Ciprofloxacina, levofloxacina ou cefepime, qualquer um em combinação com
metronidazol
Colangite aguda após anastomose bilioentérica Imipenem-cilastatina, meropenem, doripenem ou piperacillina-tazobactam em
de qualquer gravidade monoterapia
Ciprofloxacina, levofloxacina ou cefepime, qualquer um em combinação com
metronidazol
Infecção biliar associada a cuidados de saúde Imipenem-cilastatina, meropenem, doripenem ou piperacillina-tazobactam,
de qualquer gravidade qualquer um em combinação com vancomicina
Ciprofloxacina, levofloxacina ou cefepime, qualquer um em combinação com
metronidazol associado a vancomicina
Devido ao aumento da resistência de Escherichia coli às fluoroquinolonas, os perfis de sensibilidade da população local e, se disponível,
a sensibilidade do isolado devem ser revisados.

Para pacientes com colecistite aguda leve a moderada comunitária, deve-se providenciar cobertura antibacteriana
empírica contra bacilos Gram-negativos entéricos e cocos Gram-positivos. A terapia anaeróbica não é indicada, a
menos que haja anastomose bilioentérica. Pacientes submetidos à colecistectomia para colecistite aguda devem ter a
terapia antimicrobiana interrompida dentro de 24 horas, a menos que haja evidência de infecção estendendo-se além
da parede da vesícula biliar.
Para a infecção biliar adquirida na comunidade, a atividade antimicrobiana contra enterococos não é necessária,
pois a patogenicidade dos enterococos não foi demonstrada. Para pacientes imunodeprimidos selecionados,
particularmente aqueles com transplante hepático, a infecção enterocócica pode ser significativa e requerer tratamento.

Infecções intra-abdominais extrabiliares


Os antibióticos utilizados para o tratamento empírico da infecção intra-abdominal adquirida na comunidade
devem ser ativos contra os bacilos entéricos Gram-negativos aeróbicos e facultativos e os estreptococos Gram-positivos
entéricos. Cobertura para bacilos anaeróbios obrigatórios deve ser fornecida para infecção distal do intestino delgado,
apêndice e cólon, e para perfurações gastrintestinais mais proximais na presença de obstrução ou íleo paralítico. A
cobertura para anaeróbios também deve ser cogitada em outras situações de perfuração do trato gastrointestinal
proximal, como na presença de operação tardia para perfurações agudas de estômago e jejuno proximal, na presença
de malignidade gástrica ou de terapia que reduza a acidez gástrica.
A ampicilina-sulbactam não é recomendada devido a altas taxas de resistência a este agente entre E. coli adquirida
na comunidade. A clindamicina não é recomendada devido ao aumento da prevalência de resistência entre o anaeróbio
B. fragilis. Devido à disponibilidade de agentes menos tóxicos e pelo menos igualmente eficazes, os aminoglicosídeos não
são recomendados para uso rotineiro em adultos com infecção intra-abdominal adquirida na comunidade. A cobertura
empírica para enterococos não é necessária em pacientes com infecção intra-abdominal adquirida na comunidade. A
terapia antifúngica empírica para Candida não é recomendada para pacientes com infecção intra-abdominal adquirida
na comunidade (Quadro 2).

Quadro 2. Antibioticoterapia empírica inicial da infecção intra-abdominal complicada extrabiliar em adultos.


Leve a moderada Alto risco ou gravidade
Monoterapia Cefoxitina, ertapenem, moxifloxacina e tigeciclina Imipenem-cilastatina, meropenem, doripenem, e
piperacilina-tazobactam
Terapia Cefazolina, ceftriaxona, cefotaxima, ciprofloxacina ou Cefepime, ceftazidima, ciprofloxacina ou levofloxacina,
combinada levofloxacina, qualquer um associado a metronidazol qualquer um associado a metronidazol
A bula da tigeciclina alerta que este antibiótico só deve ser utilizado caso não haja qualquer outra opção disponível, devido ao excesso
de mortalidade associada ao seu uso.

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Em pacientes com infecção de maior gravidade, as consequências da falha no tratamento podem ser mais
significativas do que naqueles com infecção leve a moderada. O uso de esquemas antimicrobianos empíricos iniciais,
que posteriormente são identificados como carecendo de atividade in vitro contra os organismos isolados da infecção
intra-abdominal, tem sido associado a uma maior necessidade de procedimentos adicionais de controle do foco e
terapia antimicrobiana mais agressiva, e a aumento do tempo de permanência hospitalar, além de aumento de custos
e da mortalidade. Portanto, o uso de agentes de maior espectro, que fornecem atividade contra vários organismos
Gram-negativos ocasionalmente isolados destes pacientes, tem potencial para melhorar os resultados, embora esta
hipótese não tenha sido rigorosamente examinada em ensaios clínicos. Recomenda-se o uso empírico de regimes
antimicrobianos com atividade de amplo espectro contra organismos Gram-negativos, incluindo meropenem,
imipenem-cilastatina, doripenem, piperacilina-tazobactam ou combinação de ciprofloxacina ou levofloxacina com
metronidazol ou ceftazidima ou cefepima em combinação com metronidazol, para pacientes com infecção intra-
abdominal adquirida na comunidade de alta gravidade, conforme definido no APACHE II >15, idade avançada ou
imunossupressão.
Importante salientar que as E. coli resistentes a quinolonas tornaram-se comuns em algumas regiões, de modo
que as quinolonas não devem ser utilizadas, a menos que a epidemiologia hospitalar indique >90% de suscetibilidade
de E. coli às quinolonas.
Não há evidências de que o uso rotineiro de agentes eficazes contra enterococos melhore o desfecho, mas a
infecção por este organismo foi associada a um desfecho mais desfavorável. Quase todos os enterococos isolados da
infecção intra-abdominais comunitárias são Enterococcus faecalis e geralmente suscetíveis a ampicilina, piperacilina
e vancomicina. Se o regime selecionado não tiver esta cobertura, a adição seletiva de um agente que ofereça tal
cobertura pode ser considerada nestas infecções graves.
Ainda em relação às infecções intra-abdominais graves, o uso rotineiro de um aminoglicosídeo ou de outro segundo
agente efetivo contra bacilos Gram-negativos não é recomendado. O uso de agentes eficazes contra Staphylococcus
aureus resistentes à meticilina (MRSA) ou fungos não é recomendado na ausência de evidência de infecção por tais
organismos.
Nestes pacientes de alto risco, os esquemas antimicrobianos devem ser ajustados de acordo com a cultura e os
relatórios de sensibilidade, para garantir a atividade contra os agentes patogênicos predominantes isolados em cultura.

Infecções intra-abdominais associadas a cuidados de saúde


A infecção associada a cuidados de saúde é comumente causada por uma microbiota mais resistente, que pode incluir
bacilos Gram-negativos não fermentadores Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter, Klebsiella e E. coli produtoras
de betalactamase de espectro estendido (ESBL), espécies de Enterobacter, espécies de Proteus, MRSA, enterococos
e espécies de Candida. Para estas infecções, são recomendados esquemas com múltiplas drogas complexos, pois a
terapia empírica adequada parece ser importante na determinação de complicações pós-operatórias e mortalidade. A
incapacidade de tratar adequadamente os organismos resistentes, em infecções semelhantes associadas ao cuidado da
saúde, foi associada ao aumento da mortalidade. Os padrões de resistência local dos isolados nosocomiais observados
no hospital específico devem ditar o tratamento empírico, e o tratamento deve ser alterado com base em um estudo
microbiológico completo dos espécimes infectados.
Para alcançar a cobertura empírica de patógenos prováveis, podem ser necessários esquemas multidrogas
que incluem agentes com espectro ampliado de atividade de bactérias multirresistentes. Estes agentes incluem
meropenem, imipenem-cilastatina, doripenem, piperacilina-tazobactam em monoterapia ou ceftazidima ou cefepime
em combinação com metronidazol. Pode ser necessário associar aminoglicosídeos ou colistina, a depender dos padrões
de resistência hospitalares locais.
A cobertura antimicrobiana empírica dirigida contra MRSA deve ser fornecida a pacientes com infecção intra-
abdominal associada a cuidados de saúde, que são sabidamente colonizados com este organismo ou que correm o
risco de ter uma infecção devido a este organismo, por conta da falha em tratamento prévio e de exposição antibiótica
significativa.

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Certos grupos de pacientes com risco particularmente alto de desfecho ruim devido à infecção enterocócica
incluem pacientes imunocomprometidos; pacientes com peritonite pós-operatória; pacientes com sepse grave de
origem abdominal que receberam previamente cefalosporinas e outros antibióticos de amplo espectro selecionando
espécies de Enterococcus; e pacientes com peritonite e doença cardíaca valvular, ou material intravenoso protético,
que os colocam em alto risco de endocardite.
A terapêutica empírica antienterocócica, portanto, é recomendada para pacientes com infecção intra-abdominal
associada a cuidados de saúde, particularmente para aqueles com os fatores de risco citados. A terapia empírica
antienterocócica inicial deve ser dirigida contra E. faecalis. Os antibióticos que podem ser potencialmente utilizados
contra este organismo, com base nos testes de sensibilidade do isolado, incluem ampicilina, piperacilina-tazobactam
e vancomicina.
A terapia empírica dirigida contra E. faecium resistente à vancomicina não é recomendada, a menos que o
paciente tenha um risco muito alto de infecção devido a este organismo, como um receptor de transplante de fígado
com infecção intra-abdominal originária da árvore hepatobiliar ou paciente sabidamente colonizado com E. faecium
resistente à vancomicina (B-III).

Candidíase intra-abdominal
Mesmo quando fungos são isolados a partir do foco infeccioso intra-abdominal, os agentes antifúngicos são
desnecessários em adultos, a menos que o paciente tenha alto risco para infecção fúngica. As hemoculturas geralmente
são negativas. Swabs de feridas superficiais e espécimes retirados de cateteres intra-abdominais, que estiveram no
local por >24 horas, não fornecem informações úteis e não devem ser realizados. Em contraste, o isolamento de fungos
obtido de espécimes intra-abdominais normalmente estéreis (espécimes intraoperatórios e/ou de drenos que foram
colocados dentro de 24 horas) em pacientes com evidência clínica de infecção deve ser considerado indicativo de
candidíase intra-abdominal.
Até 40% dos pacientes com peritonite secundária ou terciária podem desenvolver candidíase intra-abdominal
com alta taxa de mortalidade. Um subgrupo de pacientes pós-cirúrgicos, particularmente aqueles com perfuração
gastroduodenal recidivante, vazamento de anastomose ou pancreatite necrotizante aguda, apresenta risco
particularmente elevado de candidíase invasiva. Portanto, pacientes que tiveram perfurações gastroduodenais,
vazamentos anastomóticos, pancreatite necrotizante ou outros eventos intra-abdominais sem o isolamento de
espécies de Candida e que evoluem mal apesar do tratamento para infecções bacterianas podem se beneficiar de
terapia antimicótica empírica.
A terapia antifúngica empírica deve ser considerada para pacientes com evidência clínica de infecção intra-
abdominal e fatores de risco significativos para candidíase, incluindo cirurgia abdominal recente, vazamento de
anastomose ou pancreatite necrotizante. O tratamento da candidíase intra-abdominal deve incluir controle do foco,
com drenagem e/ou desbridamento adequado.
A escolha da terapia antifúngica é a mesma para o tratamento de candidemia ou terapia empírica para pacientes
não neutropênicos na unidade de terapia intensiva. O fluconazol é uma escolha adequada para o tratamento se Candida
albicans for isolada. Para espécies de Candida resistentes ao fluconazol, a terapia com equinocandina (caspofungina,
micafungina ou anidulafungina) é apropriada. Para pacientes criticamente doentes, recomenda-se a terapia inicial
com equinocandina, em vez de um triazol. A duração da terapia deve ser determinada pela adequação do controle de
origem e resposta clínica.
A terapia antimicrobiana deve ser limitada a 4 a 7 dias, a menos que seja difícil alcançar o controle adequado do
foco. Durações maiores da terapia não se associaram a resultados melhores. As evidências sugerem que uma duração
da antibioticoterapia não superior a 1 semana é apropriada para a maioria dos pacientes com infecção intra-abdominal,
com exceção daqueles com controle inadequado do foco infeccioso. Dentro desta janela, a resolução dos sinais clínicos
de infecção deve ser usada para julgar o ponto de término da terapia antimicrobiana. O risco de falha subsequente no
tratamento parece ser bastante baixo em pacientes que não apresentam evidência clínica de infecção no momento da
cessação da terapia antimicrobiana. Isso geralmente corresponde a um paciente afebril, com contagem de leucócitos
normal e que está tolerando a dieta oral.

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Em uma série de condições, a duração da terapia acima de 24 horas não é considerada necessária. Em tais pacientes,
o principal objetivo da terapia é a profilaxia contra a infecção do sítio cirúrgico, em oposição ao tratamento de infecção
estabelecida. Estas condições incluem lesões do trato gastrintestinal alto operadas dentro de 24 horas, lesões de alça
reparadas dentro de 12 horas (traumáticas ou iatrogênicas) e processos localizados, como a apendicite não perfurada,
colecistite, obstrução intestinal e infarto intestinal, no qual o foco de inflamação ou infecção é completamente
eliminado por um procedimento cirúrgico, e não há extensão da infecção além do órgão em questão.
A administração de antibióticos profiláticos a pacientes com pancreatite necrosante grave antes do diagnóstico
de infecção não é recomendada.

Bibliografia consultada
Blot S, De Waele JJ, Vogelaers D. Essentials for selecting antimicrobial therapy for intra-abdominal infections. Drugs. 2012;72(6):e17-e32.

Friedrich AK, Cahan M. Intraabdominal infections in the intensive care unit. J Intensive Care Med. 2014;29(5):247-54.

Solomkin JS, Mazuski JE, Bradley JS, et al. Diagnosis and management of complicated intra-abdominal infection in adults and children:
guidelines by the Surgical Infection Society and the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2010;50(2):133-64.

Sartelli M, Viale P, Catena F, et al. 2013 WSES guidelines for management of intra-abdominal infections. World J Emerg Surg. 2013;8(1):3.

Kimura Y, Takada T, Strasberg SM, et al. TG13 current terminology, etiology, and epidemiology of acute cholangitis and cholecystitis. J
Hepatobiliary Pancreat Sci. 2013;20(1):8-23.

Pappas PG, Kauffman CA, Andes DR, et al. Clinical Practice Guideline for the Management of Candidiasis: 2016 Update by the Infectious
Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2016;62(4):e1-50.

58
Febres hemorrágicas: diagnóstico diferencial
André Japiassú
Raramente pacientes com febres hemorrágicas necessitam de cuidados intensivos. O diagnóstico diferencial é
extenso, e os sintomas e sinais são semelhantes no início do quadro. Por isso, a história epidemiológica e os exames
complementares são fundamentais para determinar o diagnóstico e iniciar o tratamento.
O roteiro inicial de atendimento ao paciente com febre hemorrágica deve ser o seguinte:
1. O paciente tem febre >38°C ou história de febre nas últimas 24 horas?
2. O paciente tem uma resposta positiva para as seguintes perguntas:
a. Entrou em contato com espécimes de fluidos corporais de paciente ou animal com suspeita de febre
hemorrágica (sangue, urina, fezes ou tecidos)?
b. Apresenta mordida de carrapato e/ou é oriundo de área endêmica para doenças transmitidas por
carrapato (por exemplo, rickettsiose)?
c. Viveu ou trabalhou em área rural da África ou América Latina, onde há endemia de doença por vírus Lassa,
ebola ou febre por Marburg?
d. Mora ou realizou viagem recente para área onde há transmissão de outras doenças febris (por exemplo,
malária, dengue, Zika)?

Veja as principais doenças e suas características no Quadro 1.

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Quadro 1. Principais doenças e suas características.
Doença Agente Diagnóstico Tratamento
Dengue Vírus da dengue Síndrome febril, associada com rash, mialgia, Extravasamento de líquido para espaço
náusea/vômitos; sinal de alarme, que aponta extracelular: reposição volêmica
disfunção orgânica, principalmente plaquetopenia; Sangramento: suporte ou transfusão de
hemoconcentração e leucopenia plaquetas apenas com níveis abaixo de
Há 2 fases: a primeira, febril com sintomas gerais; a 10.000/mm3
segunda com defervescência, com plaquetopenia e Tratamento de suporte para outras disfunções
hemoconcentração orgânicas
Miocardite em crianças
Meningoencefalite rara
Antígeno NS-1 é positivo entre dias 1 e 4 de doença;
sorologia IgM e IgG positiva após quinto dia
Zika e Vírus Síndrome febril semelhante à da dengue; não Suporte
Chikungunya há sangramento e nem choque; manifestações
neurológicas mais comuns são encefalite e síndrome
de Guillain-Barré (Quadro 2)
Malária Plasmodium Febre alta, torpor, convulsões, anemia, choque, Interrupção da esquizogonia sanguínea –
falciparum icterícia, sangramento desaparecimento da parasitemia (2-3 dias):
Gota espessa com coloração Giemsa expressa o grau artesunato 1,2-2,4 mg/kg por 5-6 dias
de parasitemia; alternativa é imunocromatografia Destruição de formas latentes: clindamicina
Situação é mais grave após 5 dias de doença 600mg, a cada 6-8 horas
Febre amarela Vírus da febre Transmissão em áreas florestais (o contágio urbano Suporte: reposição volêmica, hemotransfusão,
amarela é raro) monitoração e prevenção de hipoglicemia
Doença em 2 fases: febre e mialgia por 3-4 dias, com Hemodiálise menos frequente
remissão por 48-72 horas
Período de intoxicação: 15% dos pacientes
manifestam disfunção hepática e/ou renal e
eventualmente neurológica, hematológica e
miocárdica
Diagnóstico por sorologia
Hantavirose Hantavírus Morador ou viajante de área endêmica (interior da Suporte: reposição volêmica, hemotransfusão,
Região Sudeste e Centro-Oeste) ventilação mecânica, hemodiálise
Febre semelhante às das doenças anteriores, com
manifestação de insuficiência respiratória e/ou renal
aguda como característica
Sorologia confirma diagnóstico
Leptospirose Leptospira inter- História epidemiológica de contato com água Penicilina, ceftriaxone e ampicilina são
rogans contaminada (chuvas, enchentes, limpeza de esgoto) eficazes nos primeiros 5 dias de doença (fase
por urina de roedores bacterêmica)
Doença em 2 fases: febre e mialgia por 3-4 dias, Suporte: reposição volêmica, hemotransfusão,
com remissão por 48-72 horas; a segunda fase é ventilação mecânica, hemodiálise
ictérica, com colestase e insuficiência renal aguda e
pneumonite/hemorragia pulmonar
Elevação intensa de creatinofosfoquinase
Diagnóstico confirmado por microaglutinação
(pareado em 2 semanas) ou reação de cadeia de
polimerase

Quadro 2. Sintomas e sinais de arboviroses: dengue, Chikungunya e Zika (intensidade zero a uma a três cruzes).
Sinal/sintoma Dengue Zika Chikungunya
Febre +++ ++ +++
Rash + +++ ++
Conjuntivite 0 ++ 0
Artralgia + ++ +++
Mialgia ++ + +
Cefaleia ++ + ++
Hemorragia ++ 0 0
Choque + 0 0

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Tratamento das infecções relacionadas a cuidado de saúde:
o desafio das bactérias multirresistentes
Kelson Veras e Thiago Lisboa
Introdução
As mutações que conferem às bactérias resistência antibiótica são evolutivamente antigas. Elas surgiram como
resposta às pressões de seleção competitivas, muito antes da atividade humana. Tais mecanismos de resistência
encontraram um nicho permissivo no ambiente hospitalar moderno, onde uma alta densidade de pacientes suscetíveis, a
intensa pressão de seleção para resistência a antibióticos e as múltiplas oportunidades de transmissão se interconectam.
As taxas de resistência antimicrobiana são mais elevadas nas unidades de terapia intensiva (UTI) pelo uso excessivo de
antibióticos, pelas práticas de isolamento imperfeitas e por estadias prolongadas de pacientes altamente suscetíveis
a infecções nosocomiais por conta de comorbidades e do uso de dispositivos invasivos, como tubos endotraqueais e
nasogástricos, cateteres urinários e cateteres venosos centrais. Como grupo, os bacilos Gram-negativos aeróbicos são
as causas mais comuns de infecções nosocomiais e as mais comuns de infecção na UTI. Os bacilos Gram-negativos
possuem vários modos de resistência aos antibióticos e são altamente eficientes na transferência horizontal entre
espécies.
As betalactamases consistem em uma família de enzimas que hidrolisam os anéis betalactâmicos, que são estru-
turas essenciais para o efeito antibacteriano de todos os antibióticos betalactâmicos, como penicilinas, cefalospori-
nas, carbapenêmicos e aztreonam. Algumas são consideradas ‘betalactamases de espectro estendido’, porque podem
inativar uma ampla gama de antibióticos de betalactâmicos. As carbapenemases são membros ainda mais versáteis
da família das betalactamases por sua capacidade de hidrolisar os carbapenêmicos, que são os antibióticos de maior
espectro disponíveis para o tratamento de infecções bacterianas.
Embora muitos genes de betalactamases estejam codificados no cromossomo bacteriano, os genes das
betalactamases de espectro estendido e das carbapenemases são usualmente mediados por plasmídeos. Os plasmídeos
são porções de DNA circulares consideradas móveis, porque podem ser passadas entre bactérias por conjugação,
processo que liga brevemente o citoplasma de duas bactérias, permitindo a transferência de genes. Os genes de
resistência antimicrobiana codificados em cromossomos bacterianos, como as bombas de efluxo da Pseudomonas
aeruginosa, geralmente não são móveis, enquanto aqueles que são transportados em plasmídeos podem se disseminar
rapidamente entre bactérias da mesma espécie ou de espécies diferentes. Além disso, os plasmídeos geralmente
carregam vários genes codificadores de resistência a múltiplos antimicrobianos simultaneamete. Às vezes, estes
genes adicionais são adquiridos de elementos transponíveis, ou transposons, que são sequências de DNA móveis
que podem se integrar ao cromossomo bacteriano ou a um plasmídeo, muitas vezes carregando genes de resistência
antimicrobiana.

Betalactamase AmpC
Estas betalactamases são capazes de hidrolisar penicilinas, aminopenicilinas (ampicilina e amoxicilina), carboxipe-
nicilinas (ticarcilina e carbenicilna), ureidopenicilinas (piperacilina), aztreonam e a maioria das cefalosporinas, incluin-
do as cefamicinas (cefoxitina e cefotetan).
A betalactamase AmpC não é inibida por antimicrobianos contendo inibidores de betalactamase, mas não tem
atividade hidrolítica significativa contra cefepime ou carbapenêmicos.
As betalactamases AmpC estão presentes em vários bacilos Gram-negativos clinicamente importantes, incluindo
Citrobacter freundii, Enterobacter spp, Serratia marcescens, Providencia sp e Morganella morganii, e também são
encontrados em P. aeruginosa, Acinetobacter spp e várias outras espécies.
Uma característica de muitas bactérias produtoras de betalactamase do tipo AmpC é que a expressão basal pode ser
baixa, mas aumenta após a exposição a antibióticos betalactâmicos. Uma explicação para isso é a ‘indução’ de AmpC. A
indução ocorre após a exposição a betalactâmicos, o que estimula a transcrição do gene AmpC e a produção de AmpC.
Uma explicação adicional para a hiperprodução de AmpC após a exposição a betalactâmicos é a seleção de mutantes,
que são naturalmente hiperprodutores de AmpC. Assim, um isolado inicialmente suscetível a um betalactâmico pode
desenvolver resistência durante ou após a exposição.
A betalactamase AmpC é, usualmente, codificadas por genes cromossômicos. Já foram achadas betalactamases
AmpC mediadas por plasmídeos. Desde sua descoberta no final da década de 1980, as betalactamases AmpC mediadas
por plasmídeos foram descritas em organismos que normalmente não possuem um gene AmpC cromossômico. Estas

63
bactérias incluem Salmonella spp., Klebsiella spp., Escherichia coli e Proteus mirabilis. Ao contrário das betalactamases
AmpC com mediadas cromossomicamente, as betalactamases AmpC mediadas por plasmídeo não são indutíveis pelos
antibióticos betalactâmicos.
Em virtude da resistência in vitro e do potencial de indução do gene ampC ou seleção de mutantes hiperprodutores
de betalactamase AmpC, os betalactâmicos, de maneira geral, incluindo as formas combinadas com inibidores de
betalactamase, devem ser evitados para o tratamento de infecções por bactérias produtoras deste tipo de betalactamase.
Os mutantes hiperproduzores de AmpC são resistentes às penicilinas, aztreonam, cefalosporinas de terceira
geração e até ertapenem quando a enzima é expressa de forma maciça. Porém, a betalactamase AmpC tem pouca
atividade hidrolítica contra carbapenêmicos e cefepime. Imipenem e meropenem continuam como os betalactâmicos
mais ativos, embora o cefepime se mantenha como opção valiosa para poupar carbapenêmicos quando sensíveis no
antibiograma e desde que o foco infeccioso tenha sido controlado.
Outras opções de antibióticos para o tratamento de infecções causadas por bactérias produtoras de betalactamase
AmpC incluem aminoglicosídeos, quinolonas, trimetoprim/sulfametoxazol (e nitrofurantoína para isolados urinários),
além da tigeciclina.

Betalactamases de espectro estendido


Nas décadas de 1960 e 1970, a resistência aos primeiros betalactâmicos desenvolveu-se nos bacilos Gram-negati-
vos pela produção de betalactamases de amplo espectro (ESBL, do inglês extended-spectrum beta-lactamases), que
hidrolisavam penicilinas, aminopenicilinas, carboxipenicilinas, ureidopenicilinas e cefalosporinas de espectro estreito.
Estas ESBL incluem TEM-1, TEM-2 e SHV-1. A resposta científica a estas ESBL foi o desenvolvimento de cefalosporinas
de terceira geração, como ceftriaxona, cefotaxima e ceftazidima, monobactâmicos (como o aztreonam) e carbapenê-
micos (como imipenem), que são estáveis na presença das ESBL. No início dos anos 1980, os bacilos Gram-negativos
responderam a esses novos antimicrobianos por meio do desenvolvimento de mutações nas betalactamases TEM e
SHV, resultando na evolução das ESBL. Além de hidrolisar os mesmos antimicrobianos que as ESBL, estas também
hidrolisam cefalosporinas de terceira geração e aztreonam. Desde a década de 1980, o número de ESBL identificado
aumentou acentuadamente, e novas famílias foram descritas. Existem agora mais de 300 tipos diferentes de enzimas
ESBL, mais frequentemente das famílias TEM, SHV, CTX-M e OXA.
Curiosamente, os organismos que transportam ESBL demonstram suscetibilidade in vitro às cefalosporinas do
grupo das cefamicinas, que incluem cefotetan, cefmetazol e cefoxitina, mas os dados clínicos sobre o uso destes
antibióticos durante as infecções por bactérias produtoras de ESBL são muito limitados. A resistência é muito comum
por meio de outros mecanismos. O uso das cefamicinas para tratamento de infecções por produtores de ESBL, portanto,
é desencorajado. Esta característica têm utilidade apenas para fins de identificação laboratorial preliminar de cepas
possivelmente produtoras de ESBL.
O papel da piperacillina-tazobactam para pacientes infectados com patógenos produtores de ESBL ainda não
está claro. Embora as ESBL sejam geralmente inibidas pelo tazobactam, muitos organismos produzem múltiplas EBSL
simultaneamente, o que pode reduzir a eficácia da piperacilina-tazobactam. A presença de mecanismos adicionais de
resistência (por exemplo, betalactamases AmpC) pode ainda limitar ainda mais a atividade da piperacilina-tazobactam
contra organismos produtores de ESBL. Vários estudos sugerem atividade in vitro moderada a alta de piperacilina-
tazobactam contra ESBL, mas isto não se traduz necessariamente em eficácia clínica. O estudo randomizado e
controlado MERINO (Meropenem vs. Piperacillin-Tazobactam for Definitive Treatment of BSI’s Due to Ceftriaxone Non-
susceptible Escherichia Coli and Klebsiella Spp. – NCT02176122) encontra-se em andamento com previsão de término
em 2018 e pode determinar o papel deste antibiótico nas infecções graves por bactérias produtoras de betalactamases
do tipo ESBL e AmpC.
Da mesma forma, a cefepime pode ter atividade in vitro contra alguns organismos que transportam ESBL, mas as
falhas de tratamento são comuns, tendo sido relatado o surgirmento de resistência durante a terapia. Como resultado,
estes antibióticos são considerados inferiores aos carbapenemos para agentes patogênicos produtores de ESBL.
Poucos dados estão disponíveis sobre a eficácia de outras classes de antibióticos, ou combinações de antibióticos,
contra organismos produtores de ESBL. A resistência à fluoroquinolona é muito comum em patógenos produtores
de ESBL, e a ciprofloxacina é inferior aos carbapenemos, mesmo para o tratamento de isolados ESBL sensíveis a

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fluoroquinolonas. A resistência a aminoglicosídeos entre os agentes patogênicos produtores de ESBL também está
aumentando e, com a possível exceção das infecções do trato urinário, esta classe não deve ser utilizada como
monoterapia. A terapia de combinação, que inclui um aminoglicosídeo no tratamento de infecções causadas por
patógenos produtores de ESBL, não foi estudada especificamente até a presente data.
As taxas de resistência ao trimetoprim-sulfametoxazol também são elevadas, mas este agente pode ser considerado
para infecções de baixa gravidade, como infecções do trato urinário não complicadas devido a isolados sensíveis.
A tigeciclina tem pouca penetração no sistema urinário (um sítio comum de infecções Gram-negativas), e há
dados clínicos limitados sobre seu uso contra organismos produtores de ESBL. Mais importante ainda, as metanálises
de ensaios de não inferioridade demonstraram aumento da mortalidade e taxas de falência do tratamento associadas
ao uso de tigeciclina em comparação com outros antibióticos. O risco aumentado foi maior em pacientes tratados com
tigeciclina para pneumonia associada ao ventilador, um uso para o qual a Food and Drug Administration (FDA) não o
aprovou, mas o risco também foi observado quando a tigeciclina foi usada para indicações aprovadas pelo FDA. Desta
forma, um aviso na bula desaconselha o uso de tigeciclina para infecções causadas por organismos para os quais um
agente antibiótico alternativo seja disponível.
Os carbapenemos são as drogas de escolha para o tratamento de infecções causadas por patógenos portadores de
ESBL. Em estudos observacionais de pacientes com bacteremia causada por Klebsiella produtora de ESBL, o tratamento
com imipenem-cilastatina ou meropenem associou-se com mortalidade reduzida em comparação com outras escolhas.
Há menos dados disponíveis sobre doripenem e ertapenem, mas acredita-se que sua eficácia contra organismos
produtores de ESBL seja comparável aos carbapenemos mais antigos.

Carbapenemases
Os bacilos Gram-negativos produtores de carbapenemases são um grande problema emergente. À medida que
a prevalência de ESBL e cefalosporinases transmitidas por plasmídeo aumentou, também cresceu o consumo de
carbapenêmicos, promovendo o surgimento de bactérias resistentes a esta classe de antimicrobianos pela difusão de
carbapenemases transmitidas por plasmídeos. Este fato suscita grandes preocupações, devido à resistência a múltiplos
medicamentos observada nestes isolados; para a maioria, apenas colistina, tigeciclina e gentamicina ainda possuem
atividade.
As carbapenemases hidrolisam o mesmo espectro de antimicrobianos que as ESBL, mas também hidrolisam
cefamicinas e carbapenêmicos. A maioria também é geralmente pouco inibida pelos inibidores de betalactamase.
Existem também algumas diferenças entre diferentes famílias de carbapenemases na sua capacidade de hidrolisar os
diversos betalactâmicos.
As carbapenemases da classe A englobam várias famílias, sendo a mais prevalente a família KPC (Klebsiella
pneumoniae carbapenamases). As carbapenemases KPC são mediadas por plasmídeos e hidrolisam todos os
betalactâmicos atualmente disponíveis. As KPC são inibidas apenas fracamente por inibidores de betalactamases,
como tazobactam, e as cepas de KPC geralmente carregam mecanismos adicionais de resistência a inibidores de
betalactamases. Os bacilos Gram-negativos produtores de KPC também possuem frequentemente outros mecanimos
de resistência, incluindo resistência a aminoglicosídeos e fluoroquinolonas. As KPC são encontradas principalmente
em K. pneumoniae, mas também são descritas em outras Enterobacteriaceae, incluindo E. coli e Klebsiella oxytoca, e
em P. aeruginosa.
As metalobetalactamases incluem várias famílias de carbapenemases. Estas metalobetalactamases hidrolisam
todos os betalactâmicos, com exceção do aztreonam, mas a maioria também é resistente ao aztreonam por meio
de outros mecanismos de resistência. Uma nova metoblactamase, denominada NDM-1 (sigla do inglês New Delhi
metallo-beta-lactamase), foi inicialmente descrita em um isolado K. pneumoniae em um paciente na Índia em 2008. Os
relatos de Enterobacteriaceae produtoras de NDM-1 aumentaram acentuadamente desde 2008, predominantemente
em K. pneumoniae e E. coli, mas também em outras Enterobacteriaceae. Há uma preocupação significativa de que as
Enterobacteriaceae produtoras de NDM-1 continuem a se espalhar e globalmente tornem-se endêmicas. O gene NDM-1
é transportado em plasmídeos, facilitando a transferência horizontal. Os isolados produtores de NDM-1 são geralmente
resistentes a todos os betalactâmicos, incluindo aztreonam, bem como a aminoglicosídeos e fluoroquinolonas.

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As carbapenemases de tipo oxacilinases (OXA) foram descritas principalmente em Acinetobacter baumannii e
são raras em outros organismos. A denominação aparentemente inofensiva é ilusória, pois, apesar da OXA ter sido
descoberta por sua ação sobre a oxacilina, as OXA são carbapenemases.
Atualmente, não há dados publicados de ensaios clínicos randomizados que avaliem as opções de tratamento
antimicrobiano para infecções por bactérias resistentes aos carbapenemos. Grande parte da evidência existente é de
revisões de relatos de casos, séries de casos e pequenos estudos retrospectivos, que possuem limitações inerentes.
A terapia combinada para infecções por bactérias resistentes aos carbapenemos pode diminuir a mortalidade
em comparação com a monoterapia. Os benefícios da terapia combinada incluem redução da terapia antimicrobiana
inicial inadequada, potenciais efeitos sinérgicos e supressão da resistência emergente.
Os dados farmacocinéticos sugerem que níveis séricos acima da concentração inibitória mínima (CIM) almejadas
podem ser alcançadas usando carbapenem sob infusão prolongada em alta dose, quando as CIM dos carbapenemos
são relativamente baixas (<4μg/mL) ou mesmo moderadamente elevadas (8 a 16μg/mL). Simulações demonstraram
que meropenem em dose elevada de 6g ao dia, administrado sob infusão prolongada (acima de 4 horas), apresentou
alta probabilidade de atingir a meta até uma CIM de 8 a 16μg/mL. Outro antibiótico ativo in vitro deve ser combinado
com o carbapenêmico em dose alta. O imipenem geralmente não é utilizado para o tratamento de infecções por
bactérias resistentes aos carbapenêmicos, porque seu uso em doses elevadas ou em infusões prolongadas é limitado,
devido ao maior risco de convulsões e à baixa estabilidade à temperatura ambiente.
No entanto, embora os dados farmacocinéticos pareçam favoráveis, existem apenas dados clínicos limitados
que avaliam a eficácia da monoterapia com carbapenem no tratamento das infecções por bactérias resistentes aos
carbapenemos. Para pacientes com infecções graves e/ou que estão criticamente doentes, adicionar outro agente
ativo pode aumentar a probabilidade de resposta clínica.
O tratamento combinado com carbapenem duplo pode ser uma opção efetiva para infecções causadas por bactérias
resistentes aos carbapenemos. Dados experimentais mostram que a enzima KPC pode ter maior afinidade por ertapenem
do que por outros carbapenemos. Portanto, quando administrados em conjunto, a KPC inativa preferencialmente o
ertapenem, o que dificulta a degradação e melhora a atividade do outro carbapenêmico concomitante. Em relatos
de casos, o ertapenem associado ao doripenem ou meropenem foi utilizado com sucesso para tratar infecções por
K. pneumoniae produtora de KPC e resistentes à colistina (bacteremia, pneumonia associada à ventilação mecânica e
infecção do trato urinário).
O tratamento combinado com carbapenem duplo é uma opção promissora em infecções por bactérias
panresistentes, ou seja resistente aos carbapenêmicos (CIM >16µg/mL e às polimixina (CIM >2µg/mL). A combinação
com um terceiro antimicrobiano pode tornar o esquema mais eficaz.
A colistina (polimixina E) e polimixina B são considerados os agentes in vitro mais ativos contra a bactérias produtoras
de carbapenemases. Existem várias vantagens potenciais para o uso de polimixina B em relação à colistina, muitas das
quais decorrem do fato de que a colistina é administrada sob a forma da pró-droga inativa colistimetato. Apenas uma
pequena fração de colistimetato é convertida em colistina, e esta conversão é lenta, com concentrações máximas
ocorrendo ≥7 horas após a administração. Como a conversão de colistimetato para colistina é lenta e ineficiente em
pacientes com função renal normal, a maioria dos colistimetato é eliminada antes da conversão para colistina. Portanto,
apesar de ser administrado dose inferior, a polimixina B pode atingir concentrações séricas de pico mais altas, que são
alcançadas muito mais rapidamente do que com a colistina. O ajuste renal da dose é necessário para a colistina e o
colistimetato, mas não é necessário para a polimixina B. O motivo é que há uma depuração renal mínima da colistina,
mas o pró-fármaco colistimetato é predominantemente eliminado por via renal. Tal como acontece com a colistina, a
polimixina B sofre reabsorção tubular renal extensa e é eliminada pela maior parte da depuração não renal.
O quadro 1 apresenta as doses recomendadas.
Historicamente, a neurotoxicidade era uma preocupação importante com o uso de polimixinas, manifestando-se,
principalmente, como parestesia e ataxia. Atualmente, esse efeito colateral é relatado menos frequentemente,
possivelmente pelo fato de os pacientes discutidos na literatura mais recente serem mais criticamente doentes,
ventilados e sedados, o que pode limitar significativamente a capacidade de detectar neurotoxicidade. No entanto,
a nefrotoxicidade permanece uma preocupação, porque continua a ocorrer em ≥40% dos doentes tratados com

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Quadro 1. Doses recomendadas.
Polimixina B Dose de ataque: 20-25.000UI (2-2,5 mg)/kg
Manutenção (após 12 horas da dose de ataque e a cada 12 horas):
• CIM <1µg/mL: 25.000UI (2,5 mg)/kg/dia
• CIM ≥1: 30.000UI (3mg)/kg/dia
Polimixina E (colistimetato) Dose de ataque: 5mg/kg
A dose de manutenção é de acordo com o clearence da creatinina (após 12 horas da dose de
ataque, dividida em 2 a 4 vezes ao dia)
CIM: concentração inibitória mínima.

polimixinas. Embora a nefrotoxicidade tenha sido relatada com uso de colistina e polimixina B, evidências recentes
sugerem que as taxas de nefrotoxicidade podem ser maiores com o uso de colistina do que com polimixina B (50% a 60%
vs. 20% a 40%, respectivamente). O uso de colistina e polimixina B em doses mais elevadas, que podem ser necessárias
para infecções por bactérias produtoras de carbapenemases, pode estar associado a maior risco de nefrotoxicidade. Os
melhores resultados associados às polimixinas em altas doses podem ocorrer às custas da piora da função renal. Para a
polimixina B, um estudo de coorte retrospectivo de 276 pacientes demonstrou que altas doses (≥200mg ao dia) foram
associadas de forma independente com menor mortalidade. No entanto, o uso de ≥200mg ao dia foi associado a um
risco significativamente maior de insuficiência renal grave. No entanto, apesar do desenvolvimento de disfunção renal
moderada a grave, análises multivariadas mostram que doses ≥200mg ao dia ainda estavam associadas à diminuição
da mortalidade.
A maioria dos isolados de bactérias produtoras de carbapenemase permanece sensível à tigeciclina in vitro,
sendo uma alternativa ao esquema carbapenêmico duplo para isolados panresistentes (CIM para polimixina >2µg/mL
e CIM para carbapenêmico >16µg/mL). A tigeciclina pode ser mais eficaz para infecções graves por produtores de
carbapenemase quando utilizada em doses mais elevadas e em combinação com outros antibióticos ativos e
dependendo da fonte da infecção (pouca penetração no sistema urinário). A tigeciclina só deve ser considerada para
infecções por produtores de carbapenemase com CIM para tigeciclina ≤1μg/mL. Caso a CIM >1μg/mL, considerar
antimicrobianos ativos in vitro alternativos.
Dados limitados demonstraram que a fosfomicina tem atividade contra a K. pneumoniae KPC e Enterobacteriaceae
produtoras da metalobetalactamase NDM-1. A fosfomicina atinge altas concentrações urinárias por períodos de
tempo prolongados (após uma única dose de 3g, obtêm-se concentrações urinárias de pico >4.000 μg/mL e estas
concentrações permanecem acima da CIM até 72 horas. Relatos de casos selecionados demonstraram o sucesso da
fosfomicina oral para o tratamento de infecções do trato urinário causadas por Enterobacteriaceae produtoras de
KPC e NDM-1 sensíveis à fosfomicina. A fosfomicina pode ser considerada para produtores de carbapenemase com
CIM para fosfomicina ≤32μg/mL. Caso o CIM for >32μg/mL, considerar antimicrobianos ativos in vitro alternativos. Na
Europa, está disponível uma formulação de fosfomicina intravenosa. No Brasil, contamos apenas com a apresentação
oral, a qual só deve ser usada para infecções do trato urinário.
A gentamicina é geralmente o aminoglicosídeo mais ativo in vitro contra K. pneumoniae resistente a carbapenem.
No entanto, a amicacina pode ser mais ativo contra outros produtores de carbapenemase. Os dados sobre o uso
de aminoglicosídeos como monoterapia são limitados, e a monoterapia com aminoglicosídeos parece ser mais
eficaz no tratamento de infecções do trato urinário, sempre como um componente de um esquema combinado. Os
aminoglicosídeos podem ser considerados para microrganismos produtores de carbapenemase quando a CIM para
gentamicina for ≤2μg/mL e para amicacina a CIM ≤4μg/mL. Para CIM acima destes valores devem-se considerar
antimicrobianos ativos in vitro alternativos. Quando utilizados, as doses devem ser mais altas que o usual (gentamicina
7 a 10mg/kg/24 hora; amicacina 15 a 30mg/kg/24 hora).
Para pacientes criticamente doentes ou com infecções profundas, deve-se considerar a terapia combinada
empírica ou direcionada por antibiograma com dois ou mais antimicrobianos. Os dados clínicos que apoiam o uso
de aminoglicosídeos e fosfomicina são limitados. Se algum destes medicamentos tiver uma atividade in vitro e for
selecionado para uso (especialmente para infecções fora do trato urinário), deve ser usados em combinação com
outros dois fármacos ativos in vitro devido ao potencial de emergência de resistência ao tratamento (Quadros 2 e 3).

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Quadro 2. Sugestão de tratamento empírico para bactérias resistentes aos carbapenemos.
Sítio de infecção Droga principal Drogas adjuntas
Corrente sanguínea, pulmão Meropenem em dose alta Aminoglicosideo
Mais polimixina B Tigeciclina
Fosfomicina
Intra-abdominal Meropenem em dose alta Fosfomicina
Mais polimixina B
Mais tigeciclina
Vias urinárias Meropenem em dose alta Colistina
Mais aminoglicosídeos Aminoglicosideo
Ou fosfomicina

Quadro 3. Tratamento direcionado pelo perfil de sensibilidade do antibiograma.


Meropenem CIM ≤16μg/mL: manter com meropenem em dose alta (2g a cada 8 horas)
CIM >16μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Polimixina B/colistina CIM ≤2μg/mL: continuar polimixina B/colistina
CIM >2μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Se CIM meropenem >16μg/mL e CIM polimixina B/colistina >2μg/mL, considerar um regime com doses elevadas de tigeciclina ou
esquema de carbapenem duplo (meropenem na dose acima mais ertapenem 1g/dia)
Tigeciclina CIM ≤1μg/mL: manter ou acrescentar tigeciclina
CIM >1μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro
Fosfomicina: forma oral apenas para infecções CIM ≤32μg/mL: considerar fosfomicina
urinárias; não há apresentação endovenosa no Brasil CIM >32μg/mL: considerar antimicrobianos alternativos ativos in vitro

Aminoglicosídeo Gentamicina CIM ≤2μg/mL ou amicacina CIM ≤4μg/mL: considerar


aminoglicosideo
Gentamicina CIM >2 ou amicacina CIM >4 μg/mL: considerar
antimicrobianos alternativos ativos in vitro
CIM: concentração inibitória mínima.

Novas perspectivas para o tratamento de produtores de betalactamases

Novas combinações de betalactâmicos associados a inibidor de betalactamase


O avibactam é um novo inibidor sintético de betalactamase, o qual, combinado com a ceftazidima, parece ser tão
eficaz quanto os carbapenêmicos no tratamento de infecções urinárias e abdominais complicadas, inclusive aquelas
com isolados resistentes a cefalosporinas de terceira geração. A ceftazidima-avibactam tem atividade in vitro contra
muitas bactérias Gram-negativas resistentes, incluindo E. coli ou Klebsiella spp produtoras de ESBL, Enterobacter
cloacae resistente a ceftazidima (AmpC) e K. pneumoniae produtora de carbapenemase (KPC). A ceftaroline-avibactam
mostrou atividade contra Enterobacteriaceae que expressam ESBL, AmpCs e KPC.
A ceftolozane é uma nova cefalosporina com estabilidade melhorada contra betalactamases AmpC e, combinada
com tazobactam, tem eficácia contra produtores de ESBL, estando em fase 3 de estudos clínicos. A combinação
ceftolozane-tazobactam é suscetível à hidrólise por enzimas carbapenemases, mas não é afetada por outros mecanismos
de resistência, como bombas de efluxo e perda de porina. A adição de tazobactam ao ceftolozane proporciona maior
atividade contra P. aeruginosa multirresistentes e a maioria das Enterobacteriaceae produtoras de ESBL.
A plazomicina é um novo promissor aminoglicosídeo ativo in vitro contra vários microrganismos Gram-negativos
multirresistentes, incluindo os fenótipos ESBL e AmpC e vários produtores de carbapenemase, excluindo as enzimas
NDM-1.

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Bibliografia consultada
Fraimow HS, Tsigrelis C. Antimicrobial resistance in the intensive care unit: mechanisms, epidemiology, and management of specific
resistant pathogens. Crit Care Clin. 2011;27(1):163-205.

Mehrad B, Clark NM, Zhanel GG, et al. Antimicrobial resistance in hospital-acquired gram-negative bacterial infections. Chest
2015;147(5):1413-21.

Marston HD, Dixon DM, Knisely JM, et al. Antimicrobial Resistance. JAMA 2016;316(11):1193-204.

Morrill HJ, Pogue JM, Kaye KS, et al. Treatment Options for Carbapenem-Resistant Enterobacteriaceae Infections. Open Forum Infect Dis.
2015;2(2):ofv050.

Ruppé É, Woerther PL, Barbier F. Mechanisms of antimicrobial resistance in Gram-negative bacilli. Ann Intensive Care. 2015;5(1):61.

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Pneumonia adquirida no hospital e pneumonia
associada à ventilação mecânica
Kelson Veras
Introdução
Nas diretrizes de 2016 da Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Society (IDSA/ATS), o termo
‘pneumonia adqurida no hospital’ designa episódios de pneumonia não associados à ventilação mecânica. Assim, os
pacientes com pneumonia adquirida no hospital (PAH) e associada à ventilação mecânica (PAV) pertencem agora a dois
grupos mutuamente exclusivos. O objetivo, ao usar esta nova definição é evitar o uso do incômodo termo ‘pneumonia
hospitalar não associada à ventilação mecânica’.
Estas infecções afetam negativamente importantes desfechos do paciente. Embora a mortalidade por todas
as causas associada à PAV tenha variado de 20 a 50%, a mortalidade diretamente relacionada à PAV é debatida.
Metanálise recente, derivada de estudos randomizados de prevenção de PAV, estimou a mortalidade atribuível em
13%. No entanto, há pouca controvérsia quanto ao enorme uso de recursos e ao prolongado período de permanência
hospitalar relacionado à PAV. Dois estudos recentes estimaram que a PAV prolonga o tempo de ventilação mecânica em
7,6 a 11,5 dias, e a hospitalização em 11,5 a 13,1 dias em comparação com pacientes semelhantes sem PAV. O custo
excessivo associado à PAV foi estimado em aproximadamente US$40 mil por paciente.

Patogênese
O risco para PAH/PAV é determinado em parte pela duração da exposição ao ambiente dos serviços de saúde,
e pela presença de fatores do hospedeiro e relacionados ao tratamento, que predispõem ao desenvolvimento de
PAH/PAV por meio do aumento da probabilidade de colonização do trato aerodigestivo com bactérias patogênicas (por
exemplo, exposição prévia a antibióticos), predispondo à aspiração de secreções e fluidos contaminados (por exemplo,
condensado do circuito ventilatório). Os pacientes podem ser colonizados por fontes endógenas via equipamentos
respiratórios contaminados e mãos da equipe da unidade de terapia intensiva (UTI). Vários relatos descrevem surtos
em UTI por conta de broncoscópios, suprimento de água, equipamentos respiratórios, umidificadores, sensores de
temperatura do ventilador e nebulizadores respiratórios contaminados.
Acredita-se que a colonização endógena seja fundamental para o desenvolvimento de PAV. Em pacientes
criticamente doentes, a flora oral muda precocemente para uma predominância de patógenos aeróbios Gram-negativos
e Gram-positivos. Como resultado, a aspiração pulmonar de conteúdo orofaríngeo aumenta drasticamente o risco
de colonização e infecção nas vias aéreas. Além da colonização orofaríngea e traqueobrônquica, o estômago foi
postulado como um reservatório importante de organismos que causam PAH/PAV, embora o papel exato do estômago
na causalidade seja debatido. A importância do estômago como fonte de agentes patogênicos para PAH/PAV parece
ser influenciada por múltiplos fatores, incluindo o uso de medicamentos predisponentes à colonização bacteriana
(antibióticos e profilaxia da úlcera do estresse), posicionamento supino da cabeça, administração de alimentação
enteral e gravidade da doença do paciente, incluindo instabilidade hemodinâmica com necessidade de vasopressores.
A aspiração pulmonar das secreções orofaríngeas contaminadas por meio do balonete do tubo endotraqueal
desempenha um papel significativo na patogênese da PAV. Os balonetes dos tubos endotraqueais são estruturas de
alto volume e baixa pressão, projetados originalmente para controlar a pressão exercida contra a parede traqueal e
prevenir a lesão traqueal. O diâmetro do balonete é maior do que o diâmetro traqueal. Assim, após a insuflação do
balonete, formam-se invariavelmente dobras ao longo da superfície do mesmo, que permitem aspiração de secreções
orofaríngeas. Os agentes patogênicos também podem crescer na superfície interna do tubo endotraqueal e chegar,
assim, aos pulmões. As bactérias também aderem rapidamente à superfície do tubo endotraqueal, formando uma
estrutura chamada ‘biofilme’. As bactérias dentro do biofilme são difíceis de erradicar. Durante a ventilação mecânica,
as partículas de biofilme podem desalojar-se nas vias aéreas por causa do fluxo de ar inspiratório e intervenções
médicas invasivas, como aspiração traqueal e broncoscopia. As bactérias também podem entrar no trato respiratório
inferior dos pacientes por inalação de aerossóis gerados principalmente por dispositivos de nebulização contaminados.
Quando isto ocorre, geralmente é relacionado a falhas em procedimentos adequados de controle de infecção.

Diagnóstico
Em 2002, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) definiram PAV como um infiltrado pulmonar
radiográfico novo ou progressivo em um indivíduo após 48 horas de ventilação mecânica com sinais clínicos de infecção

71
(febre, leucopenia/leucocitose, alteração do nível de consciência em idosos, escarro purulento ou aumento das
secreções respiratórias, início ou piora de tosse, dispneia ou taquipneia, estertores pulmonares, piora da troca gasosa),
no qual os critérios microbiológicos confirmam a infecção (cultura quantitativa de amostra respiratória, hemocultura,
cultura do líquido pleural ou evidência histopatológica de pneumonia).
O diagnóstico de PAV, porém, é desafiador, uma vez que muitas condições comuns entre pacientes críticos
produzem sinais clínicos similares, como, por exemplo, síndrome do desconforto respiratório agudo, tromboembolismo
pulmonar, hemorragia alveolar, sepse, insuficiência cardíaca congestiva e atelectasias. De fato, estudos de séries de
autópsia mostram que os critérios diagnósticos clínicos falham em detectar um terço ou mais dos casos verdadeiros e
sugerem erroneamente PAV em quase metade de todos os casos.
As amostras respiratórias para cultura incluem técnicas invasivas broncoscópicas (lavado broncoalveolar, escovado
broncoscópico protegido, amostra brônquica cega ou minilavado broncoalveolar). A amostra respiratória não invasiva
refere-se ao material obtido por aspiração endotraqueal. Não há evidências de que amostras microbiológica invasivas
com culturas quantitativas melhorem os resultados clínicos em comparação com a amostras não invasiva com culturas
quantitativas ou semiquantitativas. As amostras não invasivas podem ser feitas mais rapidamente do que a coleta de
amostras broncoscópicas, com menos complicações e recursos. As culturas semiquantitativas podem ser feitas mais
rapidamente do que culturas quantitativas, também despendendo menos recursos laboratoriais. Por estas razões, o
aspirado traqueal com cultura semiquantitativa é a técnica de amostragem microbiológica recomendada pela diretriz
IDSA/ATS de 2016.
Apesar destas dificuldades, o diagnóstico precoce e preciso de PAH/PAV é crítico, pois a administração tardia
de antibióticos apropriados aumenta a mortalidade. Daí a busca por métodos confirmatórios mais precisos para o
diagnóstico da infecção. O uso de escores, como o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS), e de biomarcadores, como
a procalcitonina (PCT), foi, assim, propostos para tornar o diagnóstico PAH/PAV mais objetivo e específico. A diretriz
IDSA/ATS de 2016 não encontrou evidências de superioridade, porém, no uso do CPIS ou de biomarcadores (PCT ou
PCR), quando comparados aos critérios clínicos usuais para decidir sobre o início da antibioticoterapia. Deste modo, a
recomendação dos painelistas para pacientes com suspeita de PAH/PAV é usar critérios clínicos isoladamente, ao invés
de usar CPIS ou biomarcadores para decidir pelo início ou não da antibioticoterapia.

Etiologia
O conceito de pneumonia de início precoce e tardio é baseaado em dados do final da década de 1980 e demonstra
que 50% dos pacietnes ventilados mecanicamente desenvolveram PAV dentro de 4 dias depois da admissão hospitalar.
O conceito de pneumonia de início precoce e tardio é baseado em dados do final da década de 1980. PAH/PAV
de início precoce foram definidas como ocorrendo nos primeiros 4 dias de hospitalização, sendo mais provavelmente
causadas por bactérias sensíveis aos antibióticos, enquanto PAH/PAV de início tardio (5 dias ou mais) seria mais
provavelmente causada por agentes patogênicos multirresistentes.
Vários estudos subsequentes questionaram a relação entre o momento da pneumonia e o risco de organismos
multirresistentes, não tendo sido encontradas diferenças significativas entre os padrões de patógenos na pneumonia
precoce e tardia. A presença de fatores de risco para patógenos multirresistentes é que se mostrou prevalente na
distinção entre pneumonia de início precoce ou tardio. O tempo de desenvolvimento de PAH/PAV deve ser avaliado no
contexto de outros fatores de risco e tratamento antibiótico recente. Os fatores associados a um risco aumentado de
PAV por patógenos multidrogarresistentes (MDR) identificados na diretriz IDSA/ATS 2016 encontram-se relacionados
no quadro 1.

Quadro 1. Fatores de risco para patógenos multidrogarresistentes na pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).
Uso de antibióticos intravenosos nos últimos 90 dias
Internação há 5 dias ou mais antes da ocorrência da PAV
Choque séptico no momento da PAV
Síndrome de desconforto respiratório agudo antes da PAV
Terapia substitutiva renal aguda antes da PAV

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Já os fatores de risco para PAH por bactérias multirresistentes foram pouco estudados. Apenas um fator de risco
foi significativamente associado a PAH por MDR: uso prévio de antibióticos por via intravenosa. Embora outros fatores
de risco possam ser relevantes, faltam evidências.

Tratamento

Tratamento antibiótico empírico para pneumonia associada à ventilação mecânica


Em pacientes com suspeita de PAV, recomenda-se incluir cobertura para Staphylococcus aureus, Pseudomonas
aeruginosa e outros bacilos Gram-negativos em todos os esquemas antibióticos empíricos, como, por exemplo, incluir
piperacilina-tazobactam, cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem.
Qualquer um destes antibióticos são ativos contra S. aureus sensível à meticilina (MSSA). Deste modo, oxacilina ou
cefalotina, agentes preferenciais para o tratamento deste microrganismo, não precisam ser adicionados ao tratamento
empírico. Porém, uma vez que a resistência às quinolonas é ligeiramente mais comum na MSSA comparada à resistência
de outras opções, no caso de comprovação de PAV por MSSA deve-se adicionar um agente de espectro mais estreito,
com menor probabilidade de induzir resistência, como a cefalotina ou oxacilina. Da mesma forma, se um esquema
para Gram-negativos que não cubra MSSA (ceftazidima e aztreonam) ou ciprofloxacina for usado, também deve-se
acrescentar oxacilina ou cefalotina.
A inclusão de um agente ativo contra Estafilococos resistentes a meticilina (MRSA; vancomicina ou linezolida)
para tratamento empírico de suspeita de PAV deve ser cogitada apenas em pacientes em qualquer uma das seguintes
situações: um fator de risco para resistência antimicrobiana na PAV (Quadro 1); pacientes tratados em unidades onde
mais de 10 a 20% dos isolados de S. aureus são resistentes à meticilina; pacientes em unidades onde a prevalência de
MRSA não é conhecida.
A prescrição de dupla cobertura antibiótica antipseudomonas (esquema com dois antibióticos de classes diferentes
com atividade contra P. Aeruginosa – Quadro 2) para o tratamento empírico de suspeita de PAV só está indicada em
pacientes em qualquer umas das seguintes situações: um fator de risco para resistência antimicrobiana (Quadro 1);
pacientes em unidades em que mais de 10% dos isolados Gram-negativos são resistentes a um agente que está sendo
considerado para a monoterapia; pacientes em UTI onde as taxas locais de suscetibilidade antimicrobiana não estão
disponíveis.

Quadro 2. Dupla corbertura empírica para Pseudomonas.


Betalactâmico antipseudomonas Associado a
Aztreonam* Ciprofloxacina*
Ceftazidima* Levofloxacina
Cefepime Amicacina*
Piperacilina/tazobactam Plimixina*
Carbapenêmico
* Se apenas estes no esquema combinado, associar oxacilina ou cefalotina. Se risco para estafilococos resistente à meticilina, associar
vancomicina ou linezolida.

Tratamento antibiótico empírico para pneumonia adquirida no hospital


Semelhantemente aos pacientes com suspeita de PAV, recomenda-se incluir cobertura para S. aureus, P. aeruginosa
e outros bacilos Gram-negativos em todos os esquemas antibióticos empíricos para PAH (piperacilina-tazobactam,
cefepime, levofloxacina, imipenem ou meropenem).
A cobertura empírica para MRSA (vancomicina e linezolida) na PAH deve ser incluída quando houver fator de risco
para MDR na PAH (uso prévio de antibiótico intravenoso nos últimos 90 dias); houver fator de risco específico para
infecção por MRSA (ou seja, hospitalização em unidade em que mais de 20% dos isolados de S. aureus são resistentes
à meticilina ou a prevalência de MRSA não é conhecida); e para pacientes com alto risco de mortalidade (necessidade
de suporte ventilatório devido à PAH e choque séptico).

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Figura 1. Algoritmo para o tratamento empírico da pneumonia associada à ventilação mecânica
(PAV). * Ou incidência desconhecida. MDR: multidrogarresistente; EV: endovenosa; d: dias;
SARA: síndrome da angústia respiratória aguda; BGN: bastonete Gram-negativo; ABT: antibiótico;
MRSA: Staphylococcus aureus resistente à meticilina; LZD: linezolide; MSSA: Staphylococcus
aureus sensível à meticilina.

A dupla cobertura antipseudomonas (esquema com dois antibióticos de classes diferentes com atividade contra
P. aeruginosa) empírica deve ser cogitada para pacientes com PAH quando na presença de fatores que aumentam a
probabilidade de patógenos MDR (ou seja, uso prévio de antibióticos por via intravenosa em 90 dias); em pacientes
com alto risco de mortalidade (necessidade de suporte ventilatório devido à PAH e choque séptico); e em paciente
com doença pulmonar estrutural que aumenta o risco de infecção Gram-negativa (ou seja, bronquiectasias ou fibrose
cística).
Para todos os outros pacientes com PAH tratados empiricamente, pode ser prescrito um único antibiótico com
atividade contra P. aeruginosa.

Figura 2. Algoritmo para o tratamento empírico da pneumonia adquirida no hospital (PAH). * Ou


incidência desconhecida.

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Os carbapenêmicos associam-se com uma diminuição relativa de 22% na mortalidade em comparação com
esquemas sem carbapenêmicos. Muitos estudos associam carbapenemos com seleção de Clostridium difficile e
organismos resistentes aos antibióticos, tanto no paciente quanto a nível hospitalar, incluindo organismos resistentes
a antibióticos diferentes do carbapenemos. Entre os carbapenêmicos, o ertapenem não tem atividade contra P.
aeruginosa e, portanto, não é recomendado para o tratamento da pneumonia, devido a este organismo. O doripenem
está associado a um risco aumentado de morte e a taxas de cura clínicas mais baixas, em comparação com o uso de
imipenem, não sendo indicado, para o tratamento de PAH/PAV.
Os aminoglicosídeos devem ser evitados se disponível outra alternativa para Gram-negativos. Primeiro, os
aminoglicosídeos penetram mal nos pulmões, de modo que altas concentrações séricas de pico são necessárias para
obter concentrações microbiologicamente ativas nos alvéolos, o que aumenta o risco de nefrotoxicidade e ototoxicidade.
Ademais, a mortalidade com os aminoglicosídeos no tratamento da PAH/PAV é similar a de outros esquemas. A taxa
de resposta clínica é mais baixa em relação a outras classes de antibióticos. Finalmente, faltam estudos que avaliem os
efeitos da monoterapia com aminoglicosídeos em PAH/PAV.

Antibioticoterapia para estafilococos resistentes à meticilina (MRSA)


A PAH/PAV por MRSA deve ser tratada com vancomicina ou linezolida. Não foram encontradas diferenças na
mortalidade na taxa de cura clínica entre estas duas drogas. Apesar de seus efeitos colaterais típicos reconhecidos,
linezolida e vancomicina não parecem diferir claramente nos estudos clínicos em termos de nefrotoxicidade,
trombocitopenia, eventos adversos graves ou necessidade de descontinuação do tratamento, devido a um evento
adverso. A escolha entre estas drogas deve depender de fatores, como contagem das células sanguíneas, função
renal, uso concomitante de inibidores da recaptação da serotonina (a linezolida é um inibidor da monoaminoxidase) e
custo. A evidência indica que a vancomicina e a linezolida são aproximadamente equivalentes e que nenhum agente
alternativo, como telavancina ou quinupristina-dalfopristina, é claramente superior às mesmas. Além disso, regimes
alternativos podem ser mais prejudiciais.

Monoterapia ou antibioticoterapia combinada para pneumonia adquirida no hospital/pneumonia


associada à ventilação mecânica por pseudomonas aeruginosa?
Para pacientes com PAH/PAV devido a P. aeruginosa que não estão em choque séptico ou com alto risco de morte,
e cujo resultado do antibiograma já é conhecido, é recomendada monoterapia usando um antibiótico para o qual a
Pseudomonas isolada seja sensível. Deve-se evitar monoterapia com aminoglicosídeos, devido à sua baixa penetração
pulmonar e pela falta de estudos avaliando monoterapia com aminoglicosídeos na PAH/PAV.
Para pacientes com PAH/VAP devido a P. aeruginosa que permanecem em choque séptico ou com alto risco de morte
quando o resultado do antibiograma for conhecido, sugere-se antibioticoterapia combinada usando dois antibióticos
aos quais Pseudomonas isolada seja sensível. Esta recomendação baseia-se na evidência de que a terapia combinada
está associada à diminuição da mortalidade entre pacientes com pneumonia complicada por choque séptico. Para
um paciente cujo choque séptico já está resolvido quando chega o resultado do antibiograma, a antibioticoterapia
combinada não é mais recomendada.

Terapia antibiótica inalatória na pneumonia associada à ventilação mecânica


Para pacientes com PAV devido a bacilos Gram-negativos sensíveis apenas a aminoglicosídeos ou a polimixinas
(colistina ou polimixina B), sugerem-se antibióticos inalatórios associados aos antibióticos sistêmicos. Evidências
de metanálises apontam para uma melhor taxa de cura clínica, mas sem efeitos definitivos sobre a mortalidade ou
nefrotoxicidade.
Também é razoável considerar a terapia antibiótica inalatória adjuvante como um tratamento de último recurso
para pacientes que não respondem aos antibióticos intravenosos isoladamente, independentemente do organismo
infectante ser ou não MDR.

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Duração da terapia antibiótica na pneumonia adquirida no hospital/pneumonia associada à
ventilação mecânica
Recomenda-se duração de 7 dias da terapia antimicrobiana na PAH/PAV, devido à ausência de diferenças entre
regimes de antibióticos de curta duração (isto é, 7 a 8 dias) e regimes de longa duração (ou seja, 10 a 15 dias) em
termos de mortalidade, cura clínica e recidiva da pneumonia, incluindo pneumonia par bacilos Gram-negativos não
fermentadores.
Podem existir situações nas quais uma duração mais curta ou mais longa pode ser indicada, dependendo da taxa
de melhora dos parâmetros clínicos, radiológicos e laboratoriais.
A duração da antibioticoterapia pode ser guiada pelos níveis de PCT associados a critérios clínicos. Não é conhecido
se há benefícios do uso de níveis de PCT para determinar a interrupção da antibioticoterapia em locais onde a duração
da terapia antimicrobiana para PAH/PAV já for padronizada em 7 dias.

Tratamento da traqueobronquite associada à ventilação mecânica


A diretriz IDSA/ATS 2016 sugere não usar antibióticos em pacientes com TAV. Em conjunto, as evidências sugerem
que a antibioticoterapia para a traqueobronquite associada à ventilação mecânica (TAV) pode encurtar a duração da
ventilação mecânica, mas é incerto se melhora outros desfechos clínicos devido a resultados inconsistentes. Apesar
disto, os painelistas reconhecem que, em alguns pacientes, a TAV pode resultar em tamponamento mucoso e dificuldade
de desmame ventilatório. Em tais pacientes, o tratamento antibiótico pode ser considerado, mas nenhuma evidência
a favor ou contra está disponível para esta situação. Por último, o painel também reconhece que como diagnóstico de
pneumonia é imperfeito, sendo a sensibilidade e a especificidade das radiografias de tórax portáteis para pneumonia
menores do que as de tomografia computadorizada. Deste modo, na presença de novos sinais respiratórios de infecção,
como quantidade aumentada de escarro purulento e amostra de alta qualidade com coloração de Gram-positiva, em
conjunto com novos sinais sistêmicos de infecção e piora da oxigenação e/ou aumento dos parâmetros do ventilador,
o tratamento antibiótico pode ser considerado mesmo na ausência de infiltrados persistentes novos ou progressivos
em radiografias de tórax portáteis, devido à alta probabilidade de uma nova PAV.

Bibliografia consultada
Bassi GL, Ferrer M, Marti JD, et al. Ventilator-associated pneumonia. Semin Respir Crit Care Med. 2014;35(4):469-81.

Bouadma L, Luyt CE, Tubach F, et al.; PRORATA trial group. Use of procalcitonin to reduce patients’ exposure to antibiotics in intensive care
units (PRORATA trial): a multicentre randomised controlled trial. Lancet. 2010;375(9713):463-74.

Lisboa T, Rello J. Diagnosis of ventilator-associated pneumonia: is there a gold standard and a simple approach? Curr Opin Infect Dis.
2008;21(2):174-8.

Kalil AC, Metersky ML, Klompas M, et al. Management of Adults With Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical
Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016;63(5):e61-e111.

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pneumonia in subjects enrolled in 2 large clinical studies. Respir Care. 2013;58(7):1220-5.

76
Infecções da corrente sanguínea relacionadas ao cateter
Kelson Veras
Brenno Gomes
Introdução
As infecções relacionadas ao cateter venoso central podem ser distinguidas em infecções do sítio de saída
do cateter e infecções da corrente sanguínea relacionadas ao cateter. Nas infecções do óstio de saída do cateter,
verificam-se sinais infecciosos no orifício na pele por onde o cateter se exterioriza. Podem-se observar, neste local,
eritema, induração e/ou dor. Outros sinais e sintomas de infecção, como febre ou drenagem purulenta do local de
saída podem estar associados, bem como presença ou não de infecção concomitante da corrente sanguínea.
A infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter (ICSRC) é caracterizada pela presença de bacteremia por
microrganismo idêntico ao isolado do cateter suspeito e quando não há infecção em outro local que possa ser a fonte
da bacteremia.
Dados do International Nosocomial Infection Control Consortium (INICC) coletados em hospitais da Região Sudeste
do Brasil encontraram uma taxa de ICSRC venoso central de 9,1 por 1.000 cateter-dias e incidência em 8,3% dos
pacientes. A mortalidade bruta nos pacientes com ICSRC foi de 47,1%, com mortalidade adicional de 27,8%. O duração
média de internação dos pacientes com ICSRC foi de 13 dias, o que caracterizou permanência extra de 7,3 dias.

Etiologia
O estudo BrSCOPE (SCOPE brasileiro) incluiu 16 hospitais de vários tamanhos geograficamente dispersos nas cinco
regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul). De 2007 a 2010, 2.563 casos de infecções da corrente
saguínea foram notificados pelos hospitais participantes. Entre 1.196 isolados obtidos de pacientes internados na
unidade de terapia intensiva, os seguintes foram os principais microrganismos identificados (por ordem de frequência):
estafilococos coagulase-negativos (16,6%), Acinetobacter spp. (15,2%), Staphylococcus aureus (12,8%), Klebsiella spp.
(11,8%), Pseudomonas aeruginosa (10,0%), Candida spp. (7,4%), Enterobacter spp. (5,8%), Enterococcus spp. (5,5%),
Serratia spp. (3,2%) e Proteus spp. (1,8%).
A resistência à ampicilina-sulbactam, piperacillina-tazobactam, ceftazidima e cefepime foi muito frequente nos
isolados de Klebsiella spp. (54,5%, 33,5%, 54,4% e 50,2%, respectivamente), embora fosse mantida boa sensibilidade aos
carbapenêmicos (resistência ao imipenem e ao meropenem observada em 0,3% e 1,3% dos isolados, respectivamente).
As amostras de Acinetobacter spp. apresentaram resistência às cefalosporinas, aos aminoglicosídeos, às
fluoroquinolonas e aos carbapenêmicos em mais de 50% dos isolados testados. Os isolados de P. aeruginosa eram
resistentes a piperacilina-tazobactam, ceftazidima, cefepime, imipenem e meropenem em uma frequência entre 34%
a 43%, aproximadamente.

Patogênese
Quando um cateter é colocado em um vaso sanguíneo, uma bainha de fibrina rapidamente se desenvolve ao redor
do cateter. O coágulo geralmente não produz nenhum problema circulatório, mas serve como nicho para colonização
bacteriana ou fúngica. A colonização bacteriana ou fúngica do dispositivo intravascular pode ocorrer por meio de
vários mecanismos.

Migração da microbiota cutânea para o cateter intravascular


Os microorganismos de origem cutânea, como os estafilococos coagulase-negativo (geralmente Staphylococcus
epidermidis), S. aureus, enterococos ou Candida, obtêm acesso intravascular através do local de punção cutânea
para inserção do cateter. O óstio de inserção é comumente colonizado fortemente pela flora cutânea do paciente, ou
colonizado por microrganismos provenientes das mãos do pessoal médico ao inserir ou manipular o cateter.

Colonização do cateter a partir de foco séptico à distância por via hematogênica


O cateter vascular pode ser colonizado por via hematogênica a partir de locais remotos de infecção, como, por
exemplo, uma bacteremia por Escherichia coli proveniente de fonte intra-abdominal. O cateter colonizado pode, então,
por sua vez, perpetuar a bacteremia, propagando a infecção sistêmica, mesmo que o foco séptico original tenha sido
eliminado.

78
Manipulação e contaminação das conexões do cateter
As conexões do cateter também são fonte potencial de colonização do cateter, podendo ser a fonte mais importante
de microrganismos que colonizam o cateter. As conexões são colonizadas durante a manipulação dos mesmos por
profissionais de saúde com quebra das práticas de controle de infecção.

Diagnóstico
O principal fator associado à baixa sensibilidade de uma hemocultura é a coleta de volume de sangue insuficiente.
Isto ocorre porque a concentração dos microrganismos no sangue é baixa durante a infecção de corrente sanguínea. Em
adultos, a coleta de 40mL e de 60mL aumenta, respectivamente, em 19% e em 29% a recuperação de microrganismos
em comparação à coleta de apenas 20 mL. No entanto, deve-se seguir a recomendação do fabricante no momento de
determinar o volume de preenchimento de cada frasco de hemocultura, o qual usualmente corresponde a 10mL de
sangue/frasco para pacientes adultos. O sangue deve ser coletado de veia periférica, podendo o total ideal de 60mL ser
obtido de venopunção periférica única ou de mais de uma punção venosa periférica. A coleta de sangue de pelo menos
dois acessos venosos periféricos permite a distinção entre contaminação durante a coleta ou infecção da corrente
sanguínea de fato, de acordo com o microrganismo que crescer na hemocultura.
As infecções de corrente sanguínea são contínuas e não transitórias, ao contrário do que se pensava. Assim, não
há benefício em se coletarem múltiplas amostras ao longo do tempo. De fato, estudos com a técnica de amostragem
múltipla confirmaram que o rendimento diagnóstico é o mesmo, caso as venopunções sejam feitas praticamente de
forma simultânea, ou se forem espaçadas ao longo do tempo.
Em caso de presença de cateter central e de suspeita de ICSRC em que não haja indicação imediata de remoção do
dispositivo (ausência de sinais locais de infecção, complicações ou de instabilidade hemodinâmica), devem-se coletar
amostras pareadas do cateter central e de veia periférica, para comparação de tempo de positivação ou de crescimento
quantitativo. Devem ser coletadas amostras de todos os lúmens do dispositivo.
A ICSRC é diagnosticada quando ocorre isolamento de um microrganismo a partir de amostra obtida do cateter
central concomitantemente ao crescimento do mesmo microrganismo em hemocultura obtida por punção venosa
periférica, afastando-se a possibilidade da bacteremia estar relacionada a um foco infeccioso em outra localização. O
mesmo microrganismo significa que ambos pertencem à mesma espécie e possuem o mesmo perfil de antibiograma
(variando no máximo na sensibilidade a um agente antimicrobiano).
Quando o microrganismo isolado é um membro da microbiota da pele (difteroides − Corynebacterium spp. −,
Bacillus spp., Propionibacterium spp., estafilococos coagulase-negativos − S. epidermidis e Staphylococcus hominis −
estreptococos do grupo viridans, Aerococcus spp. e Micrococcus spp.), seu crescimento em duas ou mais hemoculturas
coletadas por venopunções periféricas é exigido para diferenciar de contaminação da amostra durante a coleta por
comensais da pele. Caso o microrganismo seja um patógeno usual (S. aureus, enterococos, enterobactérias, bacilos
Gram-negativos não fermentadores etc.), o isolamento dos mesmos em uma única hemocultura é sugestivo de infecção
da corrente sanguínea.
A colonização do cateter pode ser demonstrada de três formas diferentes:
1. Crescimento do mesmo microrganismo isolado na hemocultura periférica a partir da cultura da ponta do cateter
(5cm distais do cateter removido de forma asséptica) acima do ponto de corte para o método empregado (>15
unidades de formação de colônias − UFC/placa para a técnica de rolagem ou semiquantitativa e >100UFC/mL
para as técnicas quantitativas).
2. Crescimento do mesmo microrganismo em sangue coletado do lúmen do acesso venoso central com
crescimento ocorrendo no mínimo 120 minutos mais rápido na amostra central do que na periférica.
3. Crescimento do mesmo microrganismo em sangue coletado do lúmen do acesso venoso central com
crescimento no mínimo três vezes maior na cultura quantitativa da amostra central em relação à amostra
venosa periférica.
Caso a colonização do cateter não seja demonstrada por uma das maneiras descritas, a infecção sanguínea
relacionada ao cateter é improvável, e devem ser feitos esforços para identificar outra fonte para a infecção.

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Tratamento
Em qualquer paciente que tenha um cateter venoso central, sintomas e sinais de infecção sem outra fonte
confirmada devem aumentar a suspeita de que o cateter possa ser a fonte da infecção. O local de saída do cateter deve
ser examinado cuidadosamente. Se houver alguma purulência ou eritema, é provável uma infecção local, e o cateter
precisa ser removido. Se o paciente tiver sinais de sepse ou choque séptico, a terapia antibiótica empírica deve ser
iniciada.
No caso de hemoculturas positivas obtidas do cateter e hemoculturas negativas a partir de venopunção periférica
(colonização do cateter sem ICSRC), há risco aumentado para ICSRC subsequente, especialmente se o dispositivo for
deixado no lugar. Nesta circunstância, o cateter deve ser removido. Alternativamente, a terapia com selo antibióticos
(sem antibioticoterapia sistêmica) pode ser administrada, se a remoção não for viável.
Um cateter não tunelizado suspeito de infecção não deve ser trocado através de fio guia. O cateter deve ser
removido e substituído por um novo cateter em um novo local. A troca por fio guia deve ser reservada para substituir
um cateter não tunelizado mal funcionante apenas se nenhuma evidência de infecção estiver presente.
A antibioticoterapia empírica deve ser prescrita conforme a epidemiologia hospitalar local, mas usualmente
requer cobertura para Pseudomonas. A cobertura para S. aureus resistentes à meticilina (MRSA) deve ser prescrita se
esta causa de ICSRC for frequente na unidade de terapia intensiva em questão.

Antibioticoterapia específica: estafilococos coagulase-negativos


Não há ensaios clínicos randomizados controlados para guiar a abordagem ótima para ICSRC por estafilococos
coagulase-negativos. O curso é benigno na maioria dos pacientes, principalmente em se tratando de Staphylococcus
lugdunensis, o qual raramente causa ICSRC. Por isto, usualmente, o tratamento consiste apenas em remover cateter,
iniciando antibioticoterapia apenas na presença de outros dispositivos endovasculares ou persistência da febre e/ou
bacteremia. Alguns especialistas recomendam remover o cateter e associar antibioticoterapia por 5 a 7 dias.
Se necessário manter o cateter central, deve-se administrar antibioticoterapia sistêmica por 10 a 14 dias. Em
cateteres tunelizados/implantados, a antibioticoterapia sistêmica deve ser feita por 7 dias associada a selo antibiótico
por 10 a 14 dias. Caso os sintomas piorarem ou persistirem, o cateter deve ser removido, e o paciente deve ser tratado
com antibioticoterapia sistêmica por mais 5 a 7 dias
Os pacientes com dispositivos endovasculares (válvula, marca-passo e enxerto vascular) devem ter o cateter
removido e a antibioticoterapia mais prolongada. Se a endocardite infecciosa for excluída, 3 semanas de terapia são
apropriadas.

Antibioticoterapia específica: Staphylococcus aureus


A bacteremia por S. aureus está associada à alta taxa de infecções metastáticas, incluindo trombose séptica e
endocardite. Em virtude disto, estes pacientes devem ter o cateter removido e um ecocardiograma deve ser solicitado.
A antibioticoterapia pode ser feita com oxacilina e, no caso de MRSA, as opções são vancomicina, teicoplanina,
linezolida e daptomicina, entre outras. A duração da antibioticoterapia vai de 10 a 14 dias em bacteremias não
complicadas até 4 a 6 semanas na presença de endocardite ou outra infecção metastática ou, ainda, em pacientes com
próteses endovasculaes.
Caso decida-se pela manutenção do cateter, e não havendo nenhuma das complicações descritas, a
antibioticoterapia sistêmica e o selo antibiótico devem durar 4 semanas. A taxa de sucesso é baixa, e a maioria recidiva
e necessita, eventualmente, da remoção do cateter.

Antibioticoterapia específica: enterococos


Em geral, a conduta na ICSRC por enterococos consiste na remoção do cateter (se factível) e na antibioticoterapia
sistêmica. Seguramente, a manutenção do cateter não deve ser tentada na situação de infecção no óstio de inserção ou
na bolsa de um cateter implantado, tromboflebite supurativa, sepse, endocardite, bacteremia persistente ou infecção
metastática.

80
O risco de endocardite infecciosa na ICSRC por enterococos é relativamente baixo se a infecção for devida
a Enterococcus faecium. No entanto, o risco é consideravelmente maior se a infecção fosse devida a Enterococcus
faecalis. A avaliação ecocardiográfica é recomendada para pacientes com sinais e sintomas de endocardite infecciosa
(por exemplo, sopros novos ou embolia), bacteremia persistente ou na presença de uma válvula protética ou de outros
corpos estranhos endovasculares.
A duração da antibioticoterapia será de 7 a 14 dias, caso a endocardite for afastada. Em decidindo-se pela
manutenção do cateter, deve-se instituir antibioticoterapia sistêmica associada a selo antibiótico por 7 a 14 dias se
endocardite e infecções metastáticas forem afastadas.
O antibiótico de escolha para enterococos sensíveis é a ampicilina. A vancomicina deve ser utilizada se o patógeno
for resistente à ampicilina. Nos casos de ICSRC devido a enterococos resistentes à ampicilina e à vancomicina, podem
ser utilizadas linezolida ou daptomicina, com base nos resultados do antibiograma.

Antibioticoterapia específica: bacilos Gram-negativos


Em geral, o gerenciamento de CRBSI devido a bacilos Gram-negativos (mais comuns são Klebsiella pneumoniae,
Enterobacter spp, Pseudomonas spp, Acinetobacter spp, e Stenotrophomonas maltophilia) consiste na remoção do
cateter (se possível) e na antibioticoterapia sistêmica. Seguramente, a manutenção do cateter não deve ser tentada
na situação de infecção no óstio de inserção ou na bolsa de um cateter implantado, e em casos de tromboflebite
supurativa, sepse, endocardite, bacteremia persistente ou infecção metastática.
A duração do cateter nos casos em que ele é removido é de 7 a 14 dias. Caso o cateter não tenha sido removido,
deve-se instituir antibioticoterapia sistêmica associada a selo antibiótico por 10 a 14 dias. Havendo piora dos sintomas
ou ausência de resposta, o cateter deve ser removido e a antibioticoterapia mantida por mais 10 a 14 dias.

A infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter por Candida


A remoção do cateter é obrigatória em todos os casos.
As opções de antifúngicos incluem o fluconazol, a anfotericina B e as equinocandinas.
A terapia antifúngica deve ser continuada por 14 dias após a primeira hemocultura negativa para pacientes com
infecção por Candida em que não há suspeita e nem evidência de infecção metastática (incluindo retinite por Candida),
e nos quais a fungemia e as evidências de infecção resolvem-se prontamente após a remoção do cateter.

Bibliografia consultada
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Infecção por Clostridium difficile
Kelson Veras
Introdução
O Clostridium difficile é o agente etiológico mais frequente das infecções hospitalares nos Estados Unidos,
causando 12,1% das infecções associadas aos cuidados de saúde. Com base em dados de atestados de óbitos dos
Estados Unidos, a infecção por C. difficile é a principal causa de morte associada à gastrenterite e foi estimada em 14
mil mortes em 2007. O excesso de custos relacionados à infecção por C. difficile é estimado em US$4,8 bilhões somente
nas unidades de pronto atendimento. Estima-se que o C. difficile causou cerca de 453 mil infecções e esteve associado
a aproximadamente 29 mil mortes nos Estados Unidos em 2011.
No início dos anos 2000, os hospitais americanos começaram a relatar aumentos dramáticos na infecção grave
por C. difficile. Os isolados foram caracterizados pelos Centers for Disease Control and Prevention como toxinótipo
III, de análise de endonuclease de restrição grupo BI, eletroforese em gel de campo pulsado norte-americano tipo
NAP1 e reação em cadeia da polimerase (PCR) tipo 027, sendo conhecidos como BI/NAP1/027. A cepa BI/NAP1/027 é
caracterizada por resistência de fluoroquinolona de alto nível, esporulação eficiente, produção de toxinas marcadamente
alta e taxa de mortalidade três vezes maior que a associada a cepas menos virulentas.

Etiopatogenia
O C. difficile é um bacilo Gram-positivo anaeróbio esporulante toxigênico transmitido entre humanos por via
fecal-oral. A ingestão de esporos pode ocorrer pela exposição a uma variedade de fontes, incluindo alimentos e água.
Em serviços de saúde, as mãos dos profissionais de saúde e superfícies ambientais contaminadas são fontes comuns.
O ácido gástrico fornece importante defesa do hospedeiro, matando agentes patogênicos ingeridos, mas os esporos
conseguem passar incólumes ao meio ácido gástrico. Para iniciar a infecção no hospedeiro, os esporos de C. difficile
ingeridos devem germinar no trato intestinal, transformando-se em células vegetativas que expressam toxinas. Os
esporos de C. difficile germinam em resposta a sais biliares específicos.
O C. difficile coloniza o intestino grosso de forma não invasiva e libera duas exotoxinas, que causam colite em
pessoas suscetíveis. A infecção é transmitida por esporos que são resistentes ao calor, ao ácido e aos antibióticos.
Os esporos são abundantes nos estabelecimentos de saúde e encontram-se em baixos níveis no meio ambiente e
nos alimentos, permitindo transmissão nosocomial e comunitária. A colonização é prevenida pelas propriedades de
barreira da microbiota fecal. O enfraquecimento desta resistência por antibióticos é o principal fator de risco para a
doença.
Somente cepas toxigênicas estão associadas ao desenvolvimento de diarreia por C. difficile. As toxinas A e B do C.
difficile (tcdA e tcdB) são ambas citotóxicas para vários tipos de células diferentes, causam maior permeabilidade vascular
ao abrir as junções firmes (tight junctions) entre células e causam hemorragia. Ambas também induzem a produção
de fatores de necrose tumoral alfa e interleucinas pró-inflamatórias, que contribuem para a resposta inflamatória
associada e para a formação de pseudomembranas. As pseudomembranas do cólon têm uma aparência distinta, com
mucosa inflamada repleta de placas aderentes elevadas branco-amareladas. Histologicamente, as pseudomembranas
são compostas por neutrófilos, fibrina, mucina e detritos celulares.
Algumas cepas de C. difficile, em particular a cepa hipervirulenta BI/NAP1/027, também expressam outra toxina, a
qual pode estar associada a aumento da virulência. Esta toxina, que tem duas subunidades, é chamada de toxina binária.
A mesma interfere na polimerização da malha de actina subjacente à membrana celular, resultando em protrusões
celulares formadas por microtúbulos e liberação de fibronectina aumentada para a superfície celular, aumentando a
adesão do C. difficile às células intestinais.

História natural
A infecção e a colonização pelo C. difficile estão associadas com variáveis diferentes do hospedeiro e do patógeno.
A idade avançada, o uso de antibióticos e o uso de inibidores da bomba de prótons são fatores de risco significativos
para a infecção por C. difficile. Por sua vez, a hospitalização nos últimos 2 meses, o uso de quimioterapia e o uso de
inibidores da bomba de prótons ou bloqueadores H2 são fatores de risco significativos para a colonização por C. difficile.

83
Após o estabelecimento da colonização com produção de toxina, cerca de 10 a 60% dos pacientes desenvolvem
infecção pelo C. difficile, sendo que o restante desenvolve colonização assintomática. Metade dos pacientes continuam
colonizados e eliminando esporos até 1 mês após a resolução dos sintomas.

Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da infecção por cepas produtoras de toxinas do C. difficile variam de portador
assintomático, diarreia leve ou moderada, a colite pseudomembranosa (CPM) fulminante e, às vezes, fatal.
A apresentação clínica mais comum da infecção pelo C. difficile é a diarreia associada à história de uso de
antibióticos. O início da diarreia é tipicamente durante ou logo após um esquema de antibioticoterapia, mas pode
ocorrer a partir de alguns dias após o início da terapia antibiótica até 8 semanas após o término da terapia.
Para a doença leve a moderada, a diarreia geralmente é o único sintoma, com os pacientes apresentando até dez
evacuações por dia. As fezes geralmente são aquosas, com odor fétido característico, embora também ocorram fezes
mucosas ou amolecidas. Evacuação sanguinolenta significativa é raro.
Em pacientes criticamente graves com sepse sem fonte óbvia, a infecção pelo C. difficile deve ser incluída no
diagnóstico diferencial. É importante perceber que muitos destes pacientes criticamente doentes não apresentarão
diarreia como sintoma predominante, por causa da dismotilidade colônica grave induzida pela infecção.
Outras características clínicas consistentes com infecção pelo C. difficile incluem cólicas abdominais, febre,
leucocitose e hipoalbuminemia. Os sintomas sistêmicos geralmente estão ausentes em doenças leves, mas são comuns
em doenças moderadas ou graves. No geral, a febre ocorre em cerca de 28% dos casos, leucocitose em torno de 50%
e dor abdominal em aproximadamente 22%. A febre e a leucocitose podem ser graves em muitos pacientes, com
temperaturas que ocasionalmente atingem 40°C e contagens de leucócitos que, às vezes, aproximam-se de 50.000
células/mm3. A dor abdominal, quando ocorre, geralmente é localizada nos quadrantes inferiores. A hipoalbuminemia
é o resultado de grandes perdas de proteínas atribuíveis à enteropatia e pode ocorrer no início da doença.
Pacientes com doença grave podem desenvolver íleo colônico ou dilatação tóxica, e apresentam dor abdominal
e distensão, mas com diarreia mínima ou sem diarreia. As complicações da colite grave pelo C. difficile incluem
desidratação, distúrbios eletrolíticos, hipoalbuminemia, megacólon tóxico, perfuração intestinal, hipotensão,
insuficiência renal, síndrome de resposta inflamatória sistêmica, sepse e morte.

Classificação de gravidade
Três fatores de risco independentes, determinados por análise multivariada, preveem doença grave, a saber:
distensão abdominal, leucocitose e hipoalbuminemia. Recomendações publicadas em 2013 no The American Journal
of Gastroenterology propõem a redefinição dos critérios para a doença grave usando esses três critérios para orientar
a terapia. A toxina do C. difficile é um potente agente quimiotático para neutrófilos, que pode resultar em leucocitose
expressiva. A hipoalbuminemia pode correlacionar-se com a gravidade da diarreia porque resulta de enteropatia
perdedora de proteína.
A doença leve a moderada é definida como infecção por C. difficile com diarreia como único sintoma, mas sem
sintomas ou sinais adicionais que atendam à definição de infecção grave ou complicada abaixo.
A doença grave é a infecção por C. difficile que apresenta ou desenvolve durante o curso da doença hipoalbuminemia
(albumina sérica <3g/dL) e uma das seguintes: leucocitose ≥15.000 células/mm3 ou sensibilidade à palpação abdominal.
Adicionalmente, critérios de doença complicada não podem estar presentes.
A infecção complicada por C. difficile é a que apresenta ou desenvolve pelo menos um dos seguintes sinais ou
sintomas atribuíveis à infecção por C. difficile: admissão em unidade de terapia intensiva, hipotensão com ou sem uso
obrigatório de vasopressores, febre ≥38,5°C, íleo ou distensão abdominal significativa, mudanças no estado mental,
leucocitose ≥35.000 células/mm3 ou leucopenia <2.000 células/mm3, níveis séricos de lactato >2,2mmol/L, ou qualquer
outra evidência disfunção orgânica.

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Diagnóstico
Os pacientes devem ser submetidos à investigação diagnóstica para C. difficile apenas na presença de sinais
(diarreia com ou sem dor abdominal) ou características clínicas ou radiográficas (íleo ou megacólon tóxico) de infecção
por C. difficile ou ainda em pacientes com leucocitose inexplicada ou outros sinais de infecção e na presença de fatores
de risco, como hospitalização e exposição a antibióticos.
Os exames de amostras fecais para C. difficile podem ser assim divididos:
• Métodos de triagem: pesquisa da glutamato desidrogenase (GDH) do C. difficile e pesquisa das toxinas A e B.
• Métodos confirmatórios: cultura e PCR para C. difficile toxigênico.
Os imunoensaios para GDH detectam um antígeno (enzima) comum altamente conservado no C. difficile. A enzima
GDH tem se mostrado um marcador de triagem sensível. Visto que muitas bactérias intestinais têm esta enzima, ela é
decisiva para sistemas de identificação que detectam a GDH específica para o C. difficile com especificidade confiável
e alta sensibilidade. Este antígeno é produzido em níveis elevados em todos os isolados de C. difficile, incluindo cepas
toxigênicas e não toxigênicas. É um exame barato, de fácil execução e rápido.
O teste de imunoensaio enzimático para a toxina A e B do C. difficile é rápido, mas é menos sensível do que o ensaio
de citotoxina celular e, portanto, é uma abordagem alternativa subótima para o diagnóstico. Durante vários anos,
estes ensaios baratos, rápidos e simples foram os testes comerciais de escolha para a maioria dos laboratórios para
o diagnóstico de infecção pelo C. difficile. Como algumas cepas de C. difficile não produzem toxina A, recomenda-se
que os imunoensaios de toxinas detectem as toxinas A e B. As amostras de fezes podem ser mantidas a 4°C por dias
ou semanas antes de serem testadas quanto à toxina. Um grande estudo recente mostrou sensibilidade de dois tipos
de imunoensaios para toxinas entre 68 a 83% com especificidades de aproximadamente 99%. O desempenho dos
imunoensaios de toxinas variam, portanto, marcadamente entre os fabricantes, por isto é importante selecionar um
imunoensaio relativamente sensível. O desempenho geral dos imunoensaios de toxinas levou à recomendação de que
estes testes não devem ser usados isoladamente para o diagnóstico, mas como parte de um algoritmo de dois ou três
estágios.
O teste de referência para C. difficile é o de citotoxicidade celular (CTC), o qual verifica a presença de toxina livre
nas fezes. O CTC depende da detecção do efeito citopático em cultura celular, confirmado pela neutralização deste
efeito por anticorpos para a toxina do C. difficile. As células (geralmente células Vero) são cultivadas na presença de
filtrado de fezes, com e sem a presença de anticorpos antitoxina. Estas culturas são examinadas microscopicamente
às 24 e 48 horas para um efeito citopático, que é abolido pela antitoxina. Este teste requer a capacidade de realizar
uma cultura celular, raramente disponível em laboratórios comerciais. Devido a estas dificuldades técnicas, este teste
confirmatório foi suplantado pelos testes de biologia molecular.
Os testes de amplificação de ácido nucleico para o gene tcdA são modalidades de diagnóstico precisas para
detectar C. difficile toxigêncios em amostras fecais com sensibilidade (0,87 a 0,92), especificidade (0,94 a 0,97), razão
de verossimilhança (likelihood ratio) positiva (26,89) e razão de verossimilhança negativa (0,11) elevadas. No entanto,
não distinguem a colonização por C. difficile da infecção ativa. Aproximadamente 45% dos testes de PCR tornam-se
negativos após 3 dias de terapia com antibióticos. A iniciação da terapia antes do teste pode resultar em resultados
falso-negativos. Estes testes não devem ser realizados para comprovar cura, uma vez que podem permanecem positivos
em 60% dos pacientes após o tratamento bem-sucedido.
Um exemplo típico de algoritmo de múltiplos estágios pesquisaria a GDH seguido de imunoensaiio para tcdA ou
tcdB. Os testes de amplificação do DNA poderiam, então, ser usados para confirmação quando há discrepância entre
os resultados da GDH e da pesquisa de toxinas.

Exames de imagem
A detecção de CPM por meio da visualização endoscópica é diagnóstica para infecção por C. difficile (embora
existam muitas outras causas de CPM, elas são extremamente raras). A colonoscopia é o procedimento preferido,
porque a CPM está restrita ao cólon direito em até um terço dos pacientes e, consequentemente, escapará à detecção
por sigmoidoscopia. A CPM, entretanto, geralmente não está presente, tornando a endoscopia relativamente insensível
(≈51%). Este procedimento também determina risco de perfuração em casos de colite fulminante.

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Os achados da radiografia simples geralmente são normais em pacientes com colite por C. difficile (CDI), a menos
que tenham íleo ou megacólon tóxico. A tomografia computadorizada (TC) do abdômen e da pelve é recomendada em
pacientes com infecção por C. difficile complicada. As TC abdominais e pélvicas podem ser usadas como complemento
para determinar a gravidade e a extensão da doença, e detectar espessamento da parede do cólon, ascite, megacólon,
íleo ou perfuração. As características tomográficas incluem o espessamento da parede colônica, o espessamento da
gordura mesentérica pericolônica, o “sinal do acordeon”, o “sinal do duplo halo” (também conhecido como “sinal do
alvo”) e ascite (que sugere hipoalbuminemia). Não deve haver envolvimento do intestino delgado, uma vez que o C.
difficile é tipicamente restrito ao cólon. Estes achados são sugestivos de CPM, embora tanto o sinal do acordeon como
o duplo halo são sinais tomográficos inespecíficos de colite de qualquer etiologia.

Tratamento

Tratamento de suporte
Inicialmente, o tratamento da infecção pelo C. difficile deve almejar o tratamento do choque, caso presente, e
a reanimação volêmica tem papel preponderante. Outras complicações devem ser aboradadas concomitantemente,
como a correção dos distúrbios eletrolíticos. Antibióticos sistêmicos que não sejam mais necessários devem ser
descontinuados. Devem-se evitar antiperistálticos, uma vez que mascaram sintomas e podem precipitar megacólon
tóxico.

Antibioticoterapia
A definição do esquema antibiótico a ser usado depende da gravidade da infecção pelo C. difficile, conforme
quadro 1.

Quadro 1. Esquema antibiótico a ser usado.


Classificação Esquema terapêutico
Formas leve a moderadas Metronidazol 500mg via enteral a cada 8 horas por 10-14 dias
Formas graves Vancomicina 125mg via enteral a cada 6 horas por 10-14 dias
Formas complicadas Vancomicina 500mg via enteral a cada 6 horas MAIS
Metronidazol 500mg endovenoso a cada 8 horas
Em caso de íleo paralítico, acrescentar vancomicina 500mg em diluído em 500mL de
uma solução fisiológica a cada 6 horas por via retal

Além do uso de doses mais elevadas de vancomicina (500mg por via oral quatro vezes ao dia) incluído nas diretrizes
de tratamento da Infectious Diseases Society of America (IDSA)/Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA)
de 2010 na infecção grave complicada, tornou-se também prática comum usar estas doses mais altas de vancomicina
quando os pacientes não respondem à dose recomendada padrão de 125mg quatro vezes ao dia, apesar dos níveis
fecais de vancomicina em pacientes com esta dose atingirem níveis que são, no mínimo, dez vezes a concentração
inibitória mínima (CIM) relatada para o C. difficile. Não há evidências suficientes para apoiar o uso de doses acima
125mg quatro vezes ao dia para pacientes com infecção por C. difficile leve a moderada, particularmente para pacientes
ambulatoriais.
Para colite por C. difficile grave, a vancomicina oral parece ser preferível ao metronidazol. No entanto, em pacientes
com íleo paralítico ou motilidade gastrintestinal ruim, a redução do peristaltismo intestintal dificulta a chegada do
antibiótico até o intestino grosso e atinge concentrações terapêuticas no lúmen colônico.
Formas alternativas são sugeridas para introdução de vancomicina diretamente no cólon. A vancomicina pode ser
introduzida no cólon distal por enema. No entanto, pouquíssima droga provavelmente alcançará o cólon proximal com
essa abordagem, a menos que seja administrada diluída em grande volume (500 a 1.000mL). Também é discutível a
eficácia da administração de vancomicina via enema a pacientes com diarreia significativa, uma vez que é improvável
que a droga seja retida.

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Em pacientes com doença grave complicada, recomenda-se, também, o metronidazol endovenoso para compor
o esquema. Não há evidências que apoiem um efeito aditivo ou sinérgico do metronidazol com vancomicina para o
tratamento da colite por C. difficile. No entanto, havendo dúvidas se, de fato, concentrações luminais adequadas de
vancomicina podem ser alcançadas, o uso deste agente adicional parece racional. No entanto, assim como para com os
métodos alternativos de administração da vancomicina, faltam evidências de alta qualidade demonstrando o benefício
desta associação.
Quando a infecção por C. difficile ocorre em um segmento excluído do cólon devido à derivação, como ileostomia,
colostomia ou fístula mucosa, recomenda-se a administração de vancomicina por enema para garantir que o tratamento
atinja a área afetada, usando enemas de vancomicina de 500mg em 100 a 500mL de solução salina normal a cada 6
horas, dependendo do volume do comprimento do segmento a ser tratado. A duração da terapia por enema deve
continuar até o paciente ter uma melhoria significativa.
A fidaxomicina é um antibiótico macrocíclico bactericida, de má absorção enteral e com atividade contra bactérias
Gram-positivas anaeróbicas específicas. Em testes clínicos de fase 3, a taxa de cura para infecção aguda por C.
Difficile foi quase equivalente entre pacientes que receberam fidaxomicina e aqueles que receberam vancomicina
(aproximadamente 90% para cada). O risco de recorrência foi de 15% entre os pacientes que receberam fidaxomicina,
em comparação com 25% entre aqueles que receberam vancomicina. O custo marcadamente maior da fidaxomicina
limita seu uso, apesar de sua superioridade à vancomicina, em termos de redução do risco de recorrência, e de sua
comercialização ainda não estar disponível no Brasil.
Outros antibióticos que têm atividade contra C. difficile são rifaximina, nitazoxanida, ramoplanina, teicoplanina e
tigeciclina. No entanto, devido a dados limitados, alto custo, um perfil desfavorável de eventos adversos e resistência a
C. difficile (associado à rifaximina em particular), o uso destes agentes não é recomendado, exceto em casos de efeitos
adversos inaceitáveis associados à terapia padrão, necessidade de terapia de resgate para doença fulminante quando
a cirurgia é necessária, mas não é possível, e infecção recorrente intratável. A tigeciclina deve ser administrada na dose
de 50mg endovenosa a cada 12 horas por 14 dias.

Tratamento cirúrgico
A colite grave por C. difficile é geralmente tratada com cuidados de suporte e antibióticos. Apenas um pequeno
número de pacientes com esta doença (0,4 a 3,5%) é submetido a intervenções cirúrgicas. No entanto, a maioria
dos pacientes com doença grave complicada deve ser submetida a uma avaliação por um cirurgião relativamente
cedo em sua evolução, para consideração de tratamento cirúrgico potencial, caso o tratamento clínico seja ineficaz. O
procedimento cirúrgico mais comum realizado para o tratamento da colite por C. difficile é a colectomia subtotal com
ileostomia terminal. Isso geralmente resulta no controle do foco da infecção. Porém, este procedimento cirúrgico grande
e de elevada morbidade é realizado em pacientes bastante comprometidos. Deste modo, as taxas de mortalidade e
complicações são elevadas. Em uma série de estudos, a mortalidade operatória de indivíduos submetidos à intervenção
cirúrgica para colite por C. difficile foi de aproximadamente 50%.
As indicações para tratamento cirúrgico de pacientes com colite por C. difficile são ambíguas. A imprevisibilidade
do curso clínico da doença, bem como o desejo de evitar um procedimento de alta morbidade e potencialmente
letal, muitas vezes leva a atrasos na intervenção cirúrgica. Isso pode levar a realizar-se a cirurgia em um paciente cujo
prognóstico geral é ruim por conta da doença avançada. A decisão pelo tratamento cirúrgico para alguns pacientes com
colite fulminante ou com risco de vida é clara. Não é provável que os pacientes que apresentam megacólon tóxico,
perfuração do cólon, sangramento refratário ou necrose colônica como resultado da isquemia colônica sobrevivam
com tratamento clínico isolado. Em pacientes com choque séptico devido à colite por C. difficile, a intervenção cirúrgica
precoce também deve ser considerada. A recomendação é proceder à cirurgia se não houver melhora na perfusão
sistêmica após 24 horas de tratamento clínico agressivo de sepse e instituição de tratamento antibiótico adequado da
infecção por C. difficile. Em pacientes com doença grave, mas não fulminante, a ausência de melhora com tratamento
clínico otimizado é uma indicação adicional para a terapia cirúrgica. No entanto, não há consenso sobre o que constitui
uma ausência de resposta ao tratamento clínico ou quanto tempo a terapia médica isoladamente deve ser mantida
antes de declarar o paciente como uma falha clínica. Muitos continuam o tratamento medicamentoso por um período
mínimo de 3 a 5 dias antes de considerar o tratamento cirúrgico, desde que o paciente não esteja deteriorando.

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Neal et al. sugeriram uma técnica cirúrgica alternativa por via laparoscópica que consistia em uma ileostomia em
alça por meio da qual era realizada uma generosa lavagem colônica intraoperatória com solução laxante osmótica de
polietilenoglicol em solução salina balanceada. Administração de vancomicina colônica anterógrada via ileostomia
(500mg em 500mL de Ringer-lactato a cada 8 horas, por 10 dias) era realizada no pós-operatório. Além disto, os
pacientes continuavam usando metronidazol intravenoso (500mg a cada 8 horas durante 10 dias). Esta técnica
minimamente invasiva levou à preservação do cólon em mais de 90% dos pacientes (de um total de 42 pacientes) e
melhorou significativamente a sobrevida em comparação com controles históricos submetidos à colectomia (19% vs.
50% de mortalidade). As vantagens desta abordagem são a provável maior disposição dos cirurgiões em utilizar este
tratamento no início da doença com base na potencial preservação do cólon e menos consequências adversas a longo
prazo. Porém, ainda é necessária uma validação adicional desta abordagem.

Tratamento das recidivas


A primeira recidiva deve ser tratada com o mesmo antibiótico eficaz no primeiro episódio de infecção pelo
C. difficile. Não se deve usar o metronidazol além da primeira recidiva, devido ao potencial de neurotoxicidade
cumulativa. A encefalopatia associada ao uso de metronidazol é um efeito colateral pouco comum da medicação.
Habitualmente, manifesta-se como disartria e ataxia. Os fatores de risco incluem disfunção hepática e curso prolongado
de metronidazol (dose cumulativa típica acima de 20g). A ressonância magnética do crânio geralmente é diagnóstica e
revela na sequência FLAIR um hipersinal simétrico nos núcleos dentados do cerebelo.
As diretrizes recomendam a partir da segunda recidiva o uso de vancomicina por tempo prolongado, a qual é
desescalonada gradualmente ao longo de vários dias, conforme o seguinte esquema:
• 125mg quatro vezes ao dia por 14 dias; a seguir, 125mg duas vezes ao dia por 7 dias; a seguir, 125mg uma vez
ao dia por 7 dias; a seguir, 125mg uma vez ao dia a cada 2 dias por 8 dias (quatro doses); a seguir, 125mg uma
vez ao dia a cada 3 dias por 15 dias (cinco doses).

Probióticos
Atualmente, os probióticos têm um efeito incerto sobre a prevenção da infecção por C. difficile, e seu uso rotineiro
para prevenção ou tratamento de infecção ativa não é recomendado. Em vista da falta de dados de eficácia, abundantes
dados sobre danos potenciais, altos custos e falta de plausibilidade biológica para estes microrganismos não humanos
em conferir resistência à colonização, seu uso não pode ser aconselhado.

Transplante de microbiota fecal


A microbiota colônica humana, a qual fornece resistência à colonização contra patógenos bacterianos, é
considerada um determinante chave na patogênese do C. difficile. Após breve exposição a antibióticos orais, é comum
um declínio rápido na diversidade microbiana fecal, o qual pode durar muitos meses. Interromper a administração de
todos os antibióticos é a melhor maneira de eliminar a colonização colônica pelo C. difficile e permitir a recuperação
espontânea da microbiota fecal. No entanto, esta recuperação pode levar 12 semanas ou mais, sendo que recidivas
podem ocorrer neste período.
O transplante de microbiota fecal surgiu recentemente como tratamento seguro e eficaz para a infecção
recorrente por C. difficile. Os componentes exatos do microbioma fecal que fornecem resistência contra o C. difficile
não são conhecidos. Em 2013, resultados de um ensaio randomizado e controlado de transplante microbiano fecal
foram relatados. O teste mostrou que a administração de vancomicina seguida de uma infusão de fezes de um doador
administradas por tubo nasoduodenal era segura e superior à vancomicina isolada para a infecção recorrente de C.
difficile. O transplante de microbiota fecal de um doador saudável e pré-testado associado à interrupção simultânea
do uso de qualquer antibióticos por parte do receptor resulta em sucesso terapêtuico de mais de 90% dos pacientes
com infecção recorrente por C. difficile. Embora a transmissão de um patógeno não detectado ou não identificável do
doador seja uma possibilidade, não há relatos conhecidos de complicações infecciosas graves resultantes do transplante
microbiano fecal quando o rastreio adequado do doador é realizado. Dada a eficácia do transplante microbiano fecal
para infecção recorrente, tem sido crescente o interesse em seu uso para doença primária grave. Por enquanto,

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existem poucos estudos sobre esta abordagem de tratamento e, embora as séries de casos sejam promissoras, é
necessário mais trabalho para entender o possível papel do transplante de microbiota fecal na infecção primária por C.
difficile. Além disto, os esforços para desenvolver uma mistura adequada de bactérias fecais cultivadas como substituto
das fezes no transplante microbiano fecal estão em andamento. As cápsulas administradas oralmente que contêm os
esporos de bactérias fecais demonstraram eficácia no tratamento da doença recorrente e justificam novos testes como
substituto.

Prevenção da transmissão do C. difficile na unidade de terapia intensiva


O C. difficile é ubíquo nos serviços de saúde, e os esporos viáveis podem ser identificados nas mãos e nos
estetoscópios dos profissionais de saúde, na cama e lençois, nos banheiros e nos móveis de cabeceira. A higienização
das mãos com álcool-gel não reduz o número de esporos viáveis de C. difficile, sendo necessária a lavagem das mãos
com água e sabão. Os pacientes com infecção diagnosticada ou suspeita por C. difficile devem receber isolamento
de contato até a resolução da diarreia, e os profissionais de saúde devem usar luvas, aventais descartáveis e lavar as
mãos com água e sabão. A desinfecção das superfícies e equipamentos deve ser feita com produto esporicida, como
hipoclorito de sódio, uma vez que os esporos não são eliminados com álcool a 70%. A limpeza terminal pós-alta do
quarto também é recomendada.

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89
Terapia antifúngica na unidade de terapia intensiva:
quando usar?
Gerson Macedo
Introdução
Infecção fúngica invasiva é uma complicação bem documentada de várias condições e procedimentos que resultam
em imunossupressão, incluindo transplantes, infecção vírus da imunodeficiência humana (HIV) e tratamento de
neoplasias malignas. Durante as últimas décadas, fungos oportunistas emergiram como sérias ameaças nosocomiais,
particularmente entre pacientes graves. O aumento de candidíase invasiva observado, em pacientes críticos, foi de
mais de dez vezes desde a década de 1980, e a mortalidade atribuída a Candida varia de 20 a 40%, dependendo da
população de pacientes estudada.
As infecções fúngicas em unidades de terapia intensiva (UTI) têm se tornado mais proeminentes, tanto em unidades
adultas como pediátricas, especialmente nas UTI cirúrgicas. Os patógenos envolvidos são as leveduras e os bolores de
Candida e Aspergillus. Candida responde por mais de 80% dos isolados de fungos em infecções nosocomiais, enquanto
que o resto são infecções por Aspergillus. Mais de 10% de todas as infecções de corrente sanguínea são causadas por
Candida sp.
Candidíase invasiva tem sido associada com sepse severa, choque séptico e falência de múltiplos órgãos com
características clínicas que se assemelham àquelas causadas por patógens bacterianos.
A candidemia pode resultar de fontes endógenas (gastrintestinal) ou exógenas (por exemplo, cateter venoso
central). Infecção por Candida é uma das mais comuns, perdendo apenas para Staphylococcus coagulase-negativo e
Staphylococcus aureus.
Infelizmente, apesar dos recentes avanços na terapia antifúngica, como a disponibilidade de triazólicos de espectro
estendido e a classe das equinocandinas, as taxas de resposta permanecem subótimas.

Epidemiologia
Infecções invasivas por Candida são as infecções invasivas mais comuns, correspondendo a 70 a 90% de todas as
micoses sistêmicas. Entre todas as causas de infecção de corrente sanguínea nosocomial, Candida está em quarto lugar
nos Estados Unidos. Candidíase invasiva está relacionada com elevada mortalidade, principalmente em UTI.
Durante mais de 20 anos (1979 a 2000), a incidência de infecções por espécies de cândida aumentou em 207%,
representando a quarta e sexta infecção nosocomial de corrente sanguínea na América e na Europa, respectivamente.
A mortalidade varia, respectivamente, entre 36 e 63%, o que constitui um grave problema de saúde pública.
A incidência anual de hospitalizações nos Estados Unidos associada com infecção de corrente sanguínea por
Candida cresceu cerca de 50% entre 2000 e 2005.
Outro estudo EPIC II (Extended Prevalence of Infection in Intensive Care) mostrou a prevalência de infecções em
pacientes graves em UTI ao redor do mundo (75 países enviaram informações). Fungos estavam presentem em 19%
dos pacientes infectados.
Candida e Aspergillus spp. são as causas mais frequentes de infecção fúngica invasiva e estão associadas com
alta morbidade e mortalidade. A incidência de candidíase invasiva é de 7 a 15 vezes maior que aspergilose invasiva.
Originalmente descritos em pacientes imunocomprometidos, com neoplasias, patógenos fúngicos oportunistas têm
sido reconhecidos como causa frequente de infecção em pacientes críticos e cirúrgicos.
A candidíase envolve uma série de doenças causadas por Candida spp. Estes patógenos infectam a maioria dos
sistemas orgânicos, produzindo doença mucocutânea moderada e fungúria a infecções graves e profundas, como
meningite, endocardite e infecções intra-abdominais. Candida spp. representa a quarta causa mais comum de infecção
de corrente sanguínea adquirida em hospital, e a taxa de ataque parece aumentar em pacientes de UTI, onde mais de
10% das infecções nosocomiais são atribuídas a este patógeno.
Candida albicans é a espécie mais comumente isolada, contando com 40 a 60% das candidíases invasivas. No
entanto, tem ocorrido um crescimento distinto na incidência de infecções por cândida não albicans, particularmente
após a segunda geração de azólicos, como o fluconazol, tornou-se disponível no fim dos anos 1980.
Entre espécies não albicans, Candida glabrata, associada à infecção em idosos e a neoplasias subjacentes, e
Candida tropicalis, comum em pacientes neutropênicos e com leucemia, são mais comumente isoladas, cada uma

91
causando cerca de 20 a 30% dos casos de infecção. Entre pacientes de UTI, infecção por C. glabrata está relacionada
com maior mortalidade que outras espécies de Candida. Candida parapsilosis associa-se a neonatos e uso de cateteres
intravenosos por tempo prolongado; e Candida krusei é mais frequente em pacientes com transplante de medula
óssea ou com leucemia que receberam tratamento profilático com fluconazol.
Já infecções invasivas por bolores, predominantemente aspergilose, têm se tornado mais comuns, afetando
primariamente receptores de transplante e pacientes com neoplasias hematológicas malignas e associada à
neutropenia severa. Embora menos comum, aspergilose invasiva pode ocorrer em pacientes de UTI que não são
imuncomprometidos, como portadores de doença pulmonar crônica e insuficiência hepática severa.
A manifestação mais comum de aspergilose invasiva ou outra infecção por bolor é doença pulmonar ou sinusite.
No entanto, infecção cutânea e do sistema nervoso central também podem ocorrer. Estes patógenos raramente causam
infecção de corrente sanguínea.

Populações de risco
Apesar de infecções fúngicas serem um problema cada vez mais comum no ambiente da UTI, sua incidência ainda
é relativamente baixa: menos de 1% de todos os pacientes internados em UTI desenvolvem doença fúngica.
Idealmente, os clínicos deveriam ser capazes de identificar pacientes com alto risco para o desenvolvimento desta
infecção e focar nos esforços de prevenção. Possíveis fatores de risco que podem ser encontrados na UTI estão listados
no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores de risco para infecção fúngica invasiva na unidade de terapia intensiva.
Colonização de pele e mucosas
Alteração de barreiras do hospedeiro
Cirurgias
Feridas
Queimaduras
Cateteres (venoso, arterial e vesical)
Alteração da flora bacteriana normal
Antibioticoterapia (espectro amplo, anaeróbios e tempo prolongado)

Pacientes pediátricos também são de risco para desenvolver doença fúngica invasiva, quando em UTI. Para
crianças com malignidade, muitos dos fatores de riscos são os mesmos que para adultos. Na UTI neonatal, candidemia
e candidíase invasiva são as infecções fúngicas mais comumente encontradas. A doença em neonatos é diferente
daquela vista em crianças e adultos, porque tem um início súbito. O risco nesta população está relacionado com
prematuridade e dias de vida.
Candida sp. é a infecção fúngica mais prevalente, apesar de que outros grupos, incluindo pacientes imunossuprimidos
e aqueles que se submeteram a transplante de órgãos sólidos ou quimioterapia, podem manifestar outras espécies. C.
albicans é isolada em 50 a 70% dos casos. A prevalência de outras espécies é dependente de fatores como localização
geográfica, idade, cirurgia prévia e uso de anti-fúngicos ou antibióticos. Por exemplo, vancomicina e linezolida têm sido
associados com o aumento do risco para infecção por C. glabrata e C. krusei.
Os fatores de risco para o desenvolvimento de candidemia podem ser classificado como internos (fatores do
paciente) e externos (fatores ambientais). Fatores internos, que têm valor preditivo positivo, são insuficiência renal,
malignidade hematológica, neutropenia, idade <1 mês ou >65 anos, e colonização de mucosas por Candida sp. Fatores
externos incluem cirurgia abdominal recente, presença de cateter venoso central, administração de nutrição parenteral
total ou uso de antibióticos de largo espectro e internação prolongada em UTI.
Em pacientes de UTI, nos quais muitas barreiras são rompidas, a colonização também tem um importante papel
na patogênese. Tanto duração quanto intensidade da colonização são importantes.

92
A colonização foi definida como a presença de espécies de Candida em amostras não significantes obtidas de
orofaringe, estômago, urina e aspirado traqueal. Ela é considerada unifocal quando espécies de Candida eram isoladas
de um foco, e multifocal quando estas espécies eram encontradas em vários sítios não contíguos, mesmo se duas
espécies do fungo fossem encontradas.
Perda da integridade da mucosa gastrintestinal é um pré-requisito essencial para que Candida alcance a corrente
sanguínea via trato gastrintestinal, e a presença de imunossupressão isolada não é suficiente. Fatores do hospedeiro
necessários para o desenvolvimento de candidíase sistêmica incluem proliferação de Candida no intestino (geralmente
devido ao uso de antibióticos de amplo espectro), ruptura da barreira mucosa secundária a trauma ou mucosite induzida
por quimioterapia, e falha do sistema imune com supressão de células T (que geralmente previnem colonização e
invasão superficial), células epiteliais, ou redução da fagocitose por macrófagos e neutrófilos (que geralmente previnem
invasão profunda e disseminação hematogênica).
No estudo de coorte realizado por Léon et al., foi constatado que a colonização fúngica multifocal é realmente um
fator de risco independente de infecção por Candida comprovada.
Para pacientes considerados “altamente” colonizados por espécies de Candida, não há marcador biológico que
possa auxiliar o clínico a decidir se prescreve ou não agentes antifúngicos.
Medicações associadas com o aumento do risco de desenvolvimento de infecção de corrente sanguínea por
Candida, em uma análise univariada, inclui nutrição parenteral, agentes intralipídicos, vancomicina ou um agente anti-
biótico com atividade contra organismos aneróbicos (Incluindo combinação de imipenem, metronidazol, clindamcina,
e penicilina/inibidores de beta- lactamase de amplo espectro, como ticarcilina/clavulanato, piperacilina/tazobactam
e ampicilina/sulbactam). Administração de antiácidos, bloqueadores de H2, corticosteroides ou sucralfato não estão
associados ao risco de infecção de corrente sanguínea por cândida.

Quadro clínico
A candidíase invasiva por afetar qualquer órgão, e portanto, apresentar uma ampla variedade de manifestações.
Podem provocar sepse grave, choque séptico, falência múltiplas de órgãos, da mesma forma que agentes bacterianos.
Os sinais de candidíase, ainda que inespecíficos, podem apresentar-se de maneira precoce, ainda que a doença seja
diagnosticada tardiamente, no decorrer da internação em UTI, com mortalidade aproximada de 40 a 50%, apesar
das novas terapias antifúngicas. A maioria apresenta pontuações elevadas nas escalas Acute Physiology and Chronic
Health Evaluation (APACHE) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), além de febre que não responde aos
antimicrobianos comumente utilizados, desenvolvendo complicações que levam ao choque séptico.
As infecções sistêmicas por cândida são frequentemente inespecíficas e abrangem desde candidemia até candidíase
disseminada aguda, apresentando diversos sinais inflamatórios locais e sistêmicos, num espectro desde sepse, sepse
grave, choque séptico, falência de múltiplos órgãos, não existindo critérios diagnósticos específicos. A infecção invasiva
geralmente se dá por disseminação hematogênica, mas pode ocorrer também por cateteres vasculares, sondas, corpos
estranhos ou próteses.

Diagnóstico
Métodos tradicionais de diagnóstico de infecções fúngicas incluem avaliação clínica, cultura, evidência radiológica
e histopatológica. No entanto, cada método é problemático por causa das dificuldades em detectar patógenos e fatores
subjacentes em pacientes de risco para o desenvolvimento de infecção fúngica.
A diretriz da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sugere que a terapia antifúngica empírica deve ser
considerada em doentes críticos com fatores de risco para candidíase invasiva e nenhuma outra causa de febre
conhecida.
Em 2006, um grupo espanhol, usando dados do projeto do Estudo de Prevalência de Candidíase, identificou
quatro preditores de infecção por Candida comprovada. Baseado nesses preditores foi criado o Candida Score. Este
seria útil para estratificar o risco de infecção por Candida comprovada e diferenciaria pacientes que se beneficiariam
com tratamento antifúngico precoce daqueles em que a infecção por Candida é altamente improvável.

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O estudo de coorte prospectivo realizado por Leroy et al. confirmou que o Candida Score é uma ferramenta
interessante para diferenciar entre pacientes de UTI com sepse aqueles que podem se beneficiar de terapia antifúngica
precoce, daqueles em que a infecção por Candida é improvável. O Candida Score é dado conforme fórmula a seguir:

Candida Score: 0,908 x (nutrição parenteral total) + 0,997 x (cirurgia) + 1,112 x


(colonização multifocal por espécies de Candida) + 2,038 x (sepse severa)

Uma versão simplificada deste escore, após arredondar para 1 o peso da nutrição parenteral total, cirurgia e
colonização, e para 2 o peso de sepse severa, foi formulada:

Candida escore simplificado = 1 x (nutrição parenteral total) + 1 x (cirurgia) + 1 x


(colonização multifocal por espécies de Candida) + 2 x (sepse severa)

Pacientes com escore >2,5 têm 7,75 vezes mais chances de apresentar infecção por Candida. A avaliação com
Candida Score deveria ser realizada no momento da admissão na UTI e em qualquer momento em que a candidíase é
suspeitada.
O trabalho de Leroy et al. observou associação linear e significante entre valores crescentes do Candida Score e
taxa de infecção invasiva por Candida e a não ocorrência de candidíase invasiva em pacientes com escore <3. Pacientes
cirúrgicos apresentam com mais frequência escore >3 que pacientes clínicos. Foi observada ainda uma relação entre
início dos agentes antifúngicos e o valor do Candida Score. A frequência de terapia empírica foi 2,3, 27,6, 41,2 e 75%
em pacientes com escores iguais a 2, 3, 4 e 5, respectivamente.
A hemocultura é método confiável para identificar fungemia, porém é moderadamente pouco sensível (50 a 70%).
Achados radiológicos de infecção fúngica estão relacionados com mudanças causadas pela resposta imune do hospedeiro.
Assim, métodos convencionais de diagnóstico podem não identificar a doença em pacientes imunocomprometidos.
Testes sorológicos consistem na detecção de componentes da parede celular do fungo, como manana,
galactomanana e beta-1,3-D-glucana, ou anticorpos dirigidos contra estes antígenos (antimanana) no sangue ou
outros fluidos corporais. Estes testes demonstraram bons resultados em estudos clínicos. Dosagens de manana
e/ou antimanana levam a um diagnóstico precoce de infecção por Candida quando comparado com hemoculturas.
O principal limitante dos testes sorológicos é que algumas pessoas podem ter anticorpos contra cândida devido à
colonização soprofítica de superfícies mucocutâneas; ainda, em pacientes imunocomprometidos, a produção de
anticorpos se encontra alterada.
O ensaio de galactomanana foi o teste mais aguardado por sua capacidade de identificar Aspergillus com simples
amostra de sangue. Foi aprovado para rastreamento prospectivo de aspergilose em pacientes receptores de transplante
de medula óssea. Sensibilidade e especificidade podem ser maiores que 80 e 89%, respectivamente.
Em recente metanálise, o teste galactomanana mostrou sensibilidade de 71% e especificidade de 89% para casos
confirmados de aspergilose invasiva, mas as análises de subgrupo mostraram que o desempenho do teste difere pela
população de pacientes e pelo tipo de referência utilizada. Este teste foi validado principalmente para os casos de
malignidade hematológica ou para pacientes que se submeteram a transplante de células hematopoiéticas. Entretanto,
galactomanana tem sido usado com sucesso para detectar aspergilose invasiva em lavado broncoalveolar em pacientes
de UTI sem leucemia ou câncer. O ensaio com galactomanana pode apresentar resultados falso-positivo quando os
pacientes avaliados estão em uso de antibióticos betalactâmicos, principalmente piperacilina/tazobactan. Uso prévio
de antifúngico pode causar resultado falso-positivo, dificultando o uso do teste em pacientes que estão recebendo
profilaxia antifúngica.
O teste betaglucan é um ensaio diagnóstico inespecífico que detecta a presença de muitos tipos de fungo, visando
ao componente da parede celular do fungo. O teste pode detectar tanto Candida quanto Aspergillus, mas não identifica
Cryptococcus e Zygomycetes. O teste é muito sensível para detectar patógenos fúngicos, mas, por causa de outras
fontes ambientais de betaglucan, a especificidade melhora se mais de uma amostra for testada.

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Tratamento
Existem três estratégias importantes de tratamento.

Profilaxia antifúngica
Esta forma de tratamento é dada para aqueles pacientes sem evidência clínica de infecção fúngica, embora
em risco de desenvolvê-la. Os pacientes de alto risco são aqueles com pancreatite aguda necrotizante, perfuração
gastrintestinal recorrente e transplantados de órgãos sólidos ou células hematopoéticas. Um argumento contra o uso
de profilaxia antifúngica na UTI é a preocupação com a emergência de Candida sp não albicans.
Estudos indicam que pacientes críticos de alto risco se beneficiam de profilaxia antifúngica. Profilaxia com fluconazol
é utilizada para prevenir candidíase intra-abdominal em pacientes cirúrgicos de alto risco com perfuração gastrintestinal
recorrente ou anastomose. O risco de candidíase intra-abdominal reduziu em oito vezes naqueles pacientes que usaram
fluconazol (400mg/dia). Porém, estes estudos não reduziram a mortalidade de forma significativa.
Blumberg et al. relataram alta mortalidade (41%) entre pacientes que desenvolveram infecção de corrente
sanguínea por Candida. Por causa da alta mortalidade entre estes pacientes, tem-se sugerido que terapias profiláticas,
préemptiva ou empírica seja fornecida para pacientes de alto risco.
Garey et al. relataram que a mortalidade foi menor com a terapia com fluconazol iniciada no mesmo dia de coleta
da cultura, ou seja, dia 0 (15,4%) e maior (23,7%) se tratamento iniciado no dia 1, 36,4% se o início do fluconazol se
der no dia 2 e 41,4% se a terapia for iniciada com mais de 3 dias. Como conclusão, observou-se que a mortalidade
aumentava com cada dia de atraso para início do tratamento com fluconazol, e que o início precoce da terapia é
também associado com uma diminuição do período de internação na UTI.

Tratamento antifúngico empírico


Este é o tipo de tratamento utilizado em pacientes com achados clínicos sugestivos de infecção de etiologia fúngica
ou, alternativamente, início do tratamento sem tais achados, mas no cenário de uma infecção fúngica muito provável,
ainda que sem confirmação microbiológica. Esta conduta é fracamente apoiada na literatura, mas comumente utilizada
na prática clínica.

Tratamento antifúngico préemptivo


Este é o início do tratamento em resposta a uma infecção provável, sem confirmação microbiológica (como no
caso da terapia empírica), mas apoiado pela identificação de um ou mais marcadores biológicos de risco de infecção.
Os estudos indicam que estratégia preemptiva precoce previne candidemia, mas não tem impacto na mortalidade.
No estudo de Zilberberg et al., o período de internação hospitalar foi 13 dias a mais e a média de custos hospitalares
foi quase o dobro no grupo que recebeu tratamento inadequado, quando comparado com o grupo que foi tratado
corretamente.
O espectro de tratamento de infecções fúngicas foi alargado com o aparecimento de novas moléculas antifúngicas
nos últimos anos. No entanto, a controvérsia surgiu com relação ao custo-benefício destes novos tratamentos, que
incluem polienos, azólicos e equinocandinas (Quadro 2).

Polienos
São representados pela anfotericina B. Desenvolvida nos anos 1970, por muitos anos foi o único antimicótico
sistêmico disponível até o aparecimento dos imidazólicos na década de 1980.
A nefrotoxicidade associada à infusão acontece em 50 a 90% dos pacientes, a qual pode ser diminuída mediante
administrações contínuas a cada 24 horas ou em alternância com flucitosina.

95
Quadro 2. Drogas para o tratamento de infecções fúngicas.
Medicação Indicação
Fluconazol Mais usado e de menor custo
Ineficaz se Candida glabrata e Candida kruzei
Boa penetração no sistema nervoso central
Hepatoxicidade
Há muitos estudos comprovando eficácia
Anfotericina B Mais usada para infecção invasiva
Formulações lipídicas caras
Nefrotoxicidade
Padrão-ouro para estudos clínicos
Formulações lipídicas são caras
Caspofungina, micafungina e Tratamento de Candida e Aspergilus sp
anidulafungina Boa tolerância
Custo alto
Não penetram em sistema nervoso central
Voriconazol Boa indicação para Candida (dúvida sobre cobertura de Candida glabatra)
Boa penetração no sistema nervoso central
Custo alto

Imidazólicos e triazólicos
O fluconazol é o azólico mais empregado. É considerado o tratamento de escolha para pacientes que não foram
expostos a fármacos desta família, com doença leve a moderada, sem fatores de risco para C. glabrata (por sua elevada
resistência), assim como infecções geniturinárias. Também pode ser usado como tratamento de descalonamento em
pacientes que apresentam melhora com terapias antifúngicas mais agressivas, como equinocandinas ou anfotericina
B, ou naqueles em que se realizará mudança para via oral.

Equinocandinas
É a família de fármacos mais nova para o tratamento de micoses sistêmicas. Possuem poucas interações
medicamentosas e ampla variedade fungicida contra Candida spp., embora baixa contra C. parapsilosis. São uteis em
espécies de Candida resistentes aos azólicos.
Têm baixa penetração no sistema nervoso central, devendo ser evitadas em infecções nesta topografia.

Tratamento na unidade de terapia intensiva


Embora não exista um consenso sobre qual fármaco deva ser usado na UTI, a maioria dos especialistas recomenda
que o manejo empírico seja realizado com um polieno, uma equinocandina ou um azólico/triazólico, dependendo de
variáveis clínicas: características epidemiológicas de cada UTI e fatores do paciente, como a gravidade da doença, o
sítio de infecção, a presença de neutropenia e a falha orgânica coexistente.
De acordo com a diretriz da IDSA, a duração do tratamento antifúngico deve ser de pelo menos 14 dias a partir
do primeiro hemocultivo negativo para candidemia ou até que se apresente resolução da infecção, seja ela clínica,
microbiológica ou radiológica (Figuras 1 e 2).

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Figura 1. Tratamento fúngico empírico para pacientes graves com suspeita
de candidíase invasiva.

Figura 2. Tratamento fúngico empírico para pacientes graves com suspeita


de aspergilose.

Bibliografia consultada
Blumberg HM, Jarvis WR, Soucie JM, et al. NEMIS Study Group. Risk Factors of Candidal Bloodstream Infections in Surgical Intensive Care
Unit Patients: The NEMIS Prospective Multicenter Study. Clinical Infectious Diseases. 2001;33:177-86.

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Garey KW, Rege M, Pai MP, et al. Time to Initiation of Fluconazole Therapy Impacts Mortality in Patients with Candidemia: A Multi-
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Montravers P, Mira JP, Gangneux JP, et al.; AmarCand Study Group. A multicentre study of antifungal strategies and outcome of Candida
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León C, Ruiz-Santana S, Saavedra P, et al.; EPCAN Study Group. A bedside scoring system («Candida score») for early antifungal treatment
in nonneutropenic critically ill patients with Candida colonization. Crit Care Med. 2006;34(3):730-7.

Leroy G, Lambiotte F, Thévenin D, et al. Evaluation of “Candida score” in critically ill patients: a prospective, multicenter, observational,
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Zilberberg MD, Kollef MH, Arnold H, et al. Inappropriate empiric antifungal therapy for candidemia in ICU and hospital resource utilization:
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98
Infecções de pele e partes moles
Kelson Veras
Infecções não purulentas de pele e partes moles
Celulite e erisipela referem-se a infecções cutâneas difusas, superficiais, não purulentas e que se propagam em
determinada área. Estes termos não são apropriados para inflamação cutânea associada a coleções de pus, como
furúnculos ou abcessos de pele.
Os termos “celulite” e “erisipela” são, às vezes, usados de forma intercambiável, especialmente nos países
europeus. Frequentemente, porém, a erisipela é definida como uma infecção limitada à derme superior, incluindo o
sistema linfático superficial, enquanto que a celulite consiste em uma infecção que envolve a derme mais profunda e o
tecido celular subcutâneo, sendo que, ao exame físico, a erisipela apresenta os limites da inflamação mais nitidamente
delineados do que a celulite.
Aqui, a erisipela é considerada no contexto da celulite, uma vez que fatores de risco, diagnóstico e conduta da
erisipela são semelhantes aos da celulite.
Ambas as infecções determinam áreas de eritema, edema, dor e calor, que difundem-se rapidamente, às vezes
acompanhadas por linfangite e inflamação dos linfonodos regionais. Na evolução, podem desenvolver-se vesículas,
bolhas e hemorragia cutânea na forma de petéquias ou equimoses. As manifestações sistêmicas são geralmente leves,
mas febre, taquicardia, confusão, hipotensão e leucocitose estão eventualmente presentes e podem ocorrer horas
antes das alterações cutâneas surgirem.
Estas infecções aparecem quando bactérias penetram a superfície cutânea, especialmente em pacientes com pele
frágil ou defesas locais diminuídas devido a condições como obesidade, trauma cutâneo anterior (incluindo cirurgia),
episódios prévios de celulite e edema de insuficiência venosa ou linfedema. A porta de entrada pode ser óbvia, como
trauma, ulceração e inflamação cutânea preexistente, mas, muitas vezes, são mínimas e clinicamente inaparentes.
A maioria destas infecções têm como etiologia estreptococos, comumente do grupo A, mas também de outros
grupos, como B, C, F ou G. Staphylococcus aureus causa celulite com menos frequência, mas os casos devidos a este
organismo são tipicamente associados a uma ferida aberta ou a um trauma penetrante prévio, incluindo locais de
injeção de drogas ilícitas. Vários outros organismos podem causar celulite, mas geralmente apenas em circunstâncias
especiais, como mordidas de animais, lesões por imersão em água doce ou salgada, neutropenia ou imunodeficiência
grave.
Hemoculturas raramente são positivas (≤5% dos casos). O isolamento do agente etiológico a partir de culturas de
aspirados por agulha da pele inflamada também é baixo, variando de ≤5% a cerca de 40%. As culturas de amostras
obtidas por biópsia com punch identificam um patógeno em 20% a 30% dos casos. Hemoculturas, culturas de aspirados
de tecido ou biópsias de pele são desnecessárias para casos típicos de celulite. Estes métodos diagnósticos devem ser
considerados para pacientes com neoplasias, para aqueles que apresentam manifestações sistêmicas graves (como
febre alta e hipotensão) e com fatores predisponentes incomuns, como lesões por imersão, mordidas de animais,
neutropenia e imunodeficiência grave.
As culturas de swab superficial da pele, especialmente aquelas de feridas ou úlceras crônicas, são geralmente
polimicrobianas ou colonizadas com agentes patogênicos multirresistentes, que não estão envolvidos na etiologia
da celulite subjacente. Por conseguinte, deve-se ter cuidado ao interpretar ou buscar culturas de superficiais, o que
pode levar à antibioticoterapia de amplo espectro desnecessária. A Infectious Diseases Society of America (IDSA) não
recomenda culturas de swab no manejo de úlceras infectadas.
A antibioticoterapia para casos típicos de celulite deve incluir um antibiótico ativo contra estreptococos. Uma
grande porcentagem de pacientes pode receber medicamentos orais desde o início para a celulite típica, e antibióticos
adequados para a maioria dos pacientes incluem penicilina, amoxicilina, amoxicilina-clavulanato, oxacilina, cefalexina
ou clindamicina. Nos casos de celulite não complicada, o tratamento de 5 dias de terapia antimicrobiana é tão efetivo
como um curso de 10 dias, se a melhora clínica tiver ocorrido em 5 dias.
Sinais sistêmicos de infecção, como febre, são preditores de falha da antibioticoterapia ambulatorial empírica.
Pacientes com celulite não purulenta que atendem a qualquer critério para síndrome de resposta inflamatória
sistêmica (SIRS) são considerados com celulite moderada e podem, inicialmente, receber os agentes orais efetivos
para doença leve. Os pacientes que apresentam dois ou mais critérios da SIRS ou que falham em agentes orais devem
ser considerados para um esquema intravenoso de cefalotina, ceftriaxona, penicilina G ou, em casos de alergia à
penicilina, clindamicina.

100
As formas graves são aquelas em pacientes com dois ou mais critérios de SIRS associados a hipotensão arterial, ou
celulite em paciente imunocomprometido ou na presença de progressão rápida, levando à disfunção orgânica. Estes
casos devem receber antibioticoterapia empírica de largo espectro endovenosa, como piperacilina-tazobactam ou
imipenem ou meropenem − qualquer um destes associado à vancomicina. A avaliação cirúrgica deve ser solicitada para
descartar a possibilidade de um processo necrotizante, bem como para a obtenção de amostras para cultura.
O S. aureus resistente à meticilina (MRSA) é uma causa incomum de celulite típica. No entanto, a cobertura para
MRSA pode ser considerada na celulite associada a trauma penetrante, especialmente associado ao uso de drogas
ilícitas, na presença de coleção purulenta ou com evidências simultâneas de infecção por MRSA em outros lugares.
As opções para tratamento de MRSA nessas circunstâncias incluem drogas intravenosas (vancomicina, daptomicina,
linezolida ou telavancina) ou terapia oral com doxiciclina, clindamicina ou sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP). Se
a cobertura para estreptococos e MRSA for desejada para terapia oral, as opções incluem clindamicina isolada ou a
combinação de SMX-TMP ou doxiciclina com um betalactâmico (por exemplo, penicilina, cefalexina ou amoxicilina). A
atividade da doxiciclina e SMX-TMP contra estreptococos beta-hemolíticos não é conhecida e, na ausência de abscesso,
úlcera ou drenagem purulenta, recomenda-se monoterapia com betalactâmico.

Infecções purulentas de pele e partes moles


Na celulite purulenta (presença de pústula, abscesso ou drenagem purulenta), a etiologia por S. aureus é a mais
provável. Uma vez que não é possível diferenciar por meio das características clínicas se a etiologia deve-se ao S.
aureus sensível à meticilina ou MRSA, este último deve ser considerado para infecções purulentas em populações
conhecidas como de alto risco para MRSA, como atletas, crianças, homens que fazem sexo com homens, prisioneiros,
recrutas militares, moradores de instalações de cuidados prolongados, indivíduos com exposição prévia ao MRSA e
usuários de drogas intravenosas.
Quando a identificação de coleções purulentas não for evidente ao exame físico, a ultrassonografia pode detectar
abcessos subjacentes a áreas de celulite e prevenir procedimentos invasivos desnecessários. Os casos de infecções de
pele e partes moles (IPPM) purulenta, nos quais a etiologia por S. aureus é a mais provável, devem ser drenados, e
amostras para cultura e antibiograma devem ser sempre realizadas para orientar a terapia, devido à possibilidade de
MRSA.
Para celulite purulenta sem sinais sistêmicos de infecção (celulite leve) e sem suspeita de infecção por MRSA,
cefalexina, dicloxacilina, amoxicilina/clavulanato ou, em casos de alergia à penicilina, clindamicina devem ser
considerados. Em caso de suspeita de MRSA, podem ser utilizados por via oral SMX-TMP, doxiciclina ou minociclina.
Estes agentes, no entanto, não oferecem cobertura estreptocócica adequada, e a cefalexina, cefadroxila ou penicilina
devem ser adicionadas se ambos os organismos estiverem envolvidos. A clindamicina ou linezolida orais são opções
para pacientes com alergia à penicilina, cobrindo tanto MRSA como estreptococos.
Pacientes com IPPM purulenta manifestando um critério para SRIS (celulite moderada) podem ser tratados
inicialmente com os mesmos agentes citados para a forma leve. Os pacientes que apresentam dois ou mais critérios
para SIRS devem ser considerados para a antibioticoterapia endovenosa usando oxacilina ou cefalotina na suspeita de
S. aureus sensível à meticilina, ou vancomicina, clindamicina ou linezolida na suspeita de MRSA.
Para os pacientes com celulite purulenta que apresentam dois ou mais critérios para SIRS, bem como hipotensão,
imunocomprometimento ou progressão rápida para disfunção orgânica (forma grave), a cobertura empírica intravenosa
para MRSA deve ser iniciada, sendo opções: vancomicina, clindamicina, linezolida, daptomicina, ceftaroline, telavancina
ou tigeciclina. Os pacientes também devem receber avaliação cirúrgica para possíveis condições necrotizantes,
aproveitando-se a retirada de qualquer tecido obtido cirurgicamente para cultura e antibiograma. Se o antibiograma
demonstrar S. aureus sensível à meticilina, a cobertura pode ser reduzida à oxacilina, cefalotina ou ceftriaxona.

Infecções necrotizantes de pele e partes moles


As IPPM necrotizantes diferem das infecções superficiais mais leves na apresentação clínica, nas manifestações
sistêmicas concomitantes e nas estratégias terapêuticas. Estas infecções profundas envolvem os compartimentos
fascial e/ou muscular, e são potencialmente devastadoras devido à maior destruição tecidual. As IPPM necrotizantes
geralmente se desenvolvem a partir de lesão cutânea traumática ou cirúrgica.

101
As infecções necrotizantes podem ser monomicrobianas, geralmente por estreptococos ou, menos comumente,
por MRSA comunitário, Aeromonas hydrophila, Vibrio vulnificus ou polimicrobianos, envolvendo flora bacteriana mista
aeróbia/anaeróbia. Embora muitas variações específicas de infecções necrotizantes de tecidos moles tenham sido
descritas com base em etiologia, microbiologia e localização anatômica específica da infecção, a abordagem inicial
para diagnóstico, tratamento antimicrobiano e intervenção cirúrgica é semelhante para todas as formas, sendo mais
importante do que determinar a variante específica. No início da doença, distinguir entre uma celulite que deve
responder ao tratamento antimicrobiano isoladamente e uma infecção necrotizante que requer intervenção cirúrgica
é essencial, mas pode ser difícil.

Fasciíte necrotizante
A fasciíte necrotizante é uma infecção subcutânea agressiva que se estende ao longo da fáscia superficial, a qual
compreende todo o tecido entre a pele e os músculos subjacentes. A lesão inicial pode ser trivial, como uma abrasão
mínima, uma picada de inseto, um ponto de injeção (como em usuários de drogas injetáveis) ou bolhas, sendo que
uma minoria de pacientes não possui lesão visível. A apresentação inicial é a da celulite, que pode progredir rápida ou
lentamente. À medida que progride, há toxicidade sistêmica, muitas vezes incluindo febre alta, desorientação e letargia.
O exame local geralmente revela inflamação cutânea, edema e alterações da cor da pele ou gangrena e anestesia. Uma
característica clínica distintiva é a induração de consistência firme dos tecidos subcutâneos. Na celulite, os tecidos sub-
cutâneos são macios à palpação. Na fasciíte, os tecidos subjacentes são firmes, e os planos fasciais e os grupos muscu-
lares não podem ser discernidos pela palpação. Um trajeto eritematoso amplo, às vezes, é evidente ao longo da área da
infecção, à medida que avança proximalmente em uma extremidade. Se houver ferida aberta, a sondagem das bordas
com um instrumento cego permite a pronta dissecção dos planos fasciais superficiais, bem além das margens da ferida.
Na forma monomicrobiana, os patógenos usuais são Streptococcus pyogenes (estreptococos beta-hemolítico
do grupo A), S. aureus, V. vulnificus, A. hydrophila e estreptococos anaeróbicos (Peptostreptococcus). A infecção por
estafilococos e estreptococos hemolíticos pode ocorrer simultaneamente.
A infecção polimicrobiana é mais comumente associada a quatro contextos clínicos: abscessos perianais, trauma
abdominal penetrante ou procedimentos cirúrgicos envolvendo intestino; úlceras de decúbito; locais de injeção
em usuários de drogas ilícitas; e disseminação a partir de um foco genital, como abscesso de Bartholin, ferida de
episiotomia ou uma pequena infecção vulvovaginal. Na forma polimicrobiana, numerosos organismos anaeróbicos e
aeróbicos diferentes podem ser cultivados a partir do plano fascial envolvido. A maioria dos organismos é originária da
flora intestinal ou geniturinária (por exemplo, coliformes e bactérias anaeróbicas).
O diagnóstico de fasciíte pode não ser nítido ao primeiro exame, podendo ser confundido com celulite. No entanto,
características que sugerem o envolvimento de tecidos mais profundos incluem dor intensa que parece desproporcional
aos achados clínicos; falha na resposta à antibioticoterapia inicial; consistência firme indurada do tecido subcutâneo,
estendendo-se para além da área de envolvimento aparente da pele; toxicidade sistêmica, muitas vezes com estado
mental alterado; edema ou dor que se estende além do eritema cutâneo; crepitação, indicando gás nos tecidos; lesões
bolhosas; e necrose da pele ou equimoses.
A tomografia computadorizada ou a ressonância magnética podem apresentar edema que se prolonga ao longo do
plano fascial, embora a sensibilidade e a especificidade destes estudos de imagem não sejam definidas. A tomografia
computadorizada ou a ressonância magnética também pode retardar o diagnóstico e o tratamento definitivo. Na
prática, o julgamento clínico é o elemento mais importante no diagnóstico. A característica diagnóstica mais importante
da fascite necrotizante é a aparência dos tecidos subcutâneos ou planos fasciais na operação. A fáscia, no momento
do exame visual direto, mostra-se edemaciada e acinzentada com áreas de necrose. Um exsudato fino e acastanhado
pode estar presente, não se notando pus verdadeiro. A erosão extensa dos tecidos circundantes está geralmente
presente, e os planos teciduais podem ser prontamente dissecados com um dedo em luva ou um instrumento cego.
Um diagnóstico bacteriológico definitivo é melhor estabelecido pela cultura e pela coloração de Gram de tecido
profundo obtido na cirurgia ou ainda de hemoculturas positivas. As culturas superficiais de feridas podem ser enganosas,
uma vez que os resultados podem não refletir os organismos infectantes do tecido profundo, mas apenas a colonização
da superfície da lesão. A aspiração direta por agulha de uma área de inflamação cutânea pode produzir fluido para
coloração de Gram e cultura. Em casos suspeitos, uma pequena incisão exploratória feita na área de máxima suspeição

102
pode ser útil para excluir ou confirmar o diagnóstico. Se uma infecção necrotizante estiver presente, será óbvio a partir
dos achados descritos. Se não houver necrose na incisão exploratória, o procedimento pode ser terminado com muito
pouco risco ou morbidade para o paciente. A biópsia para análise de amostra congelada também pode ser usada
para fazer o diagnóstico, mas, se houver uma suspeição suficiente para fazer uma biópsia, o diagnóstico geralmente é
evidente na inspeção macroscópica sem necessidade de confirmação histológica. Além disto, os erros de amostragem
da biópsia por si só podem produzir um resultado falso-negativo.
A coloração de Gram do exsudato demonstra os agentes patogênicos e fornecem um guia precoce para a terapia
antimicrobiana. Por exemplo, cocos Gram-positivos em cadeias sugerem Streptococcus (grupo A ou anaeróbico).
Grandes cocos Gram-positivos em cachos sugerem S. aureus.
A intervenção cirúrgica é a principal modalidade terapêutica em casos de fasciíte necrotizante, e é indicada
quando esta infecção é confirmada ou suspeita. A maioria dos pacientes com fasciíte necrotizante deve retornar ao
centro cirúrgico 24 a 36 horas após o primeiro desbridamento e, diariamente, até que a equipe cirúrgica não ache mais
necessário desbridamento adicional. Embora purulência evidente esteja geralmente ausente, estas feridas podem drenar
quantidades abundantes de líquido tecidual, e a administração agressiva de fluidos é um complemento necessário. Na
ausência de estudos clínicos definitivos, a terapia antimicrobiana deve ser administrada até o desbridamento adicional
não ser mais necessário, ocorrer melhora clínica e a febre estar ausente por 48 a 72 horas. O tratamento empírico
da fasciíte necrotizante polimicrobiana deve incluir agentes eficazes contra aeróbios, incluindo MRSA, e anaeróbios
(Quadro 1). Entre as várias opções, estão vancomicina, linezolida ou daptomicina combinadas com uma das seguintes
opções: piperacilina-tazobactam; um carbapenêmico (imipenem-cilastatina, meropenem ou ertapenem); ceftriaxona
mais metronidazol; ou uma fluoroquinolona mais metronidazol.

Quadro 1. Tratamento empírico para infecções necrotizantes de pele e partes moles de etiologia polimicrobina.
Primeira escolha Dose Hipersensibilidade severa à penicilina
Vancomicina MAIS 15mg/kg q12 horas EV Clindamicina ou
Piperacilina-tazobactam OU 4,5g q6-8 horas EV metronidazol MAIS
Imipenem OU 1g q 6-8 horas EV aminoglicosideo ou
Meropenem OU 1g q8 horas EV fluoroquinolona
Ertapenem OU 1g/dia EV
Ceftriaxona MAIS 1-2g q24 horas EV
metronidazol OU 500mg q6 horas EV
clindamicina 600-900mg q8 horas EV
Ciprofloxacina MAIS 400mg q12 horas EV
metronidazol 500mg q6 horas EV
EV: via endovenosa.

Após resultado da cultura e antibiograma, tornando-se a etiologia microbiana conhecida, a cobertura antibiótica
deve ser adequadamente modificada, conforme especificado no quadro 2.
A fasciíte necrotizante e/ou a síndrome de choque tóxico estreptocócico causada por estreptococos do grupo A
devem ser tratados com clindamicina e penicilina. A clindamicina suprime a toxina estreptocócica e a produção de
citocinas. A clindamicina é superior à penicilina em modelos animais e dois estudos observacionais mostram maior
eficácia para a clindamicina do que os antibióticos betalactâmicos. A associação de penicilina é necessária devido à
resistência potencial dos estreptococos do grupo A à clindamicina.

Mionecrose ou gangrena gasosa


O Clostridium perfringens é a causa mais frequente de gangrena gasosa entre as demais espécies de Clostridium
que causam esta doença. A dor cada vez mais severa que começa dentro de 24 horas, geralmente no local de uma lesão
traumática, é o primeiro sintoma clínico consistente. A pele pode parecer inicialmente pálida, mas rapidamente muda
para bronze, depois em vermelho purpúra. A região infectada torna-se tensa e dolorosa, e bolhas cheias de líquido
avermelhado aparecem. O gás no tecido, detectado como crepitação ou por imagem, geralmente está presente neste
estágio tardio. Sinais de toxicidade sistêmica, incluindo taquicardia, febre e diaforese, desenvolvem-se rapidamente,
seguido de choque e falência de vários órgãos.

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Quadro 2. Tratamento para infecções necrotizantes de pele e partes moles de etiologia determinada.
Tipo de infecção Primeira escolha Dose Hipersensibilidade severa à
penicilina
Streptococcus Penicilina 2-4MU q4-6 horas EV Vancomicina, linezolida,
MAIS quinupristina/dalfopristina e
Clindamicina 600-900mg q8 horas EV daptomicina
Staphylococcus aureus Oxacilina 1-2g q4 horas EV Vancomicina, linezolida,
Cefalotina 1g q6 horas EV quinupristina/dalfopristina e
Vancomicina (MRSA) 15mg/kg q12 horas EV daptomicina
Clindamicina 600-900mg q8 horas EV
Clostridium species Clindamicina 600-900mg q8 horas EV
MAIS
Penicilina 2-4MU q4-6 horas EV
Aeromonas hydrophila Doxiciclina 100mg q12 horas VO
MAIS
Ciprofloxacina 400mg q12 horas EV
OU
Ceftriaxona 1-2g q24 horas EV
Vibrio vulnificus Doxiciclina 100mg q12 horas VO
MAIS
Ceftriaxona 1-2g q24 horas EV
OU
Cefotaxima 2g q8 horas EV
EV: via endovenosa.

A gangrena gasosa é uma infecção fulminante que requer cuidados intensivos, medidas de suporte, desbridamento
cirúrgico emergente e antibióticos apropriados. Uma vez que outras bactéria diferentes dos clostrídios também
produzem gás nos tecidos, a cobertura inicial deve ser tão ampla como a recomendada para a fasciíte necrotizante
até o diagnóstico ser estabelecido por cultura ou coloração de Gram. O tratamento experimental da gangrena gasosa
demonstrou que a tetraciclina, clindamicina e cloranfenicol são mais eficazes do que a penicilina. Como 5% das
cepas de C. perfringens são resistentes à clindamicina. A combinação de penicilina mais clindamicina é o tratamento
antibiótico recomendado. O valor do tratamento adjunto de com oxigenoterapia hiperbárico para a gangrena gasosa
é controverso.

Bibliografia consultada
Raff AB, Kroshinsky D. Cellulitis: A Review. JAMA. 2016;316(3):325-37.

Stevens DL, Bisno AL, Chambers HF, et al. Practice guidelines for the diagnosis and management of skin and soft tissue infections: 2014
update by the infectious diseases society of America. Clin Infect Dis. 2014;59(2):147-59.

Ustin JS, Malangoni MA. Necrotizing soft-tissue infections. Crit Care Med. 2011;39(9):2156-62.

104
Endocardite infecciosa
Brenno C Gomes
Introdução
A endocardite infecciosa é definida como uma infecção, geralmente bacteriana, da superfície endocárdica
do coração. Afeta principalmente as válvulas cardíacas, embora, em alguns casos, os septos entre as câmaras, o
endocárdio mural ou os dispositivos eletrônicos implantáveis cardiovasculares (por exemplo, marca-passos) podem
estar envolvidos.
Tradicionalmente, existe a classificação de endocardite “aguda” ou “subaguda”, com base na duração dos sintomas
antes da apresentação final da doença. A endocardite bacteriana subaguda progride em um período de semanas
a meses, sendo usualmente causada por germes de baixa virulência, como o Estreptococos viridans; a endocardite
bacteriana aguda progride em um período de 1 a 2 semanas, com evolução clínica que muda rapidamente e apresenta
complicações precocemente, e normalmente o Estafilococos aureus é o principal microrganismo envolvido. No entanto,
estas categorias provaram ser pouco confiáveis.
Outra forma de classificação é quanto ao tipo de tecido envolvido e se há, ou não, processo infeccioso no tecido
endocárdio. Neste sentido, a endocardite de válvula nativa é a infecção de uma válvula cardíaca previamente normal
ou com problema congênito estrutural, sendo denominada endocardite de válvula nativa. A endocardite de prótese
corresponde a infecção de uma válvula cardíaca artificial. Já a endocardite trombótica não bacteriana é o termo
empregado para descrever qualquer vegetação estéril.
São cerca de 40 mil a 50 mil casos/ano de endocardite infecciosa nos Estados Unidos. O diagnóstico clássico
ocorre em adultos de meia-idade, com doença reumática ou cardiopatia congênita. Atualmente cresce o número de
casos em portadores de prótese valvar, em pacientes em hemodiálise aguda e crônica, em pacientes com algum tipo
de imunossupressão e em usuários de drogas ilícitas injetáveis. Estima-se que há um predomínio de endocardites de
origem comunitária (em 75% das vezes), em comparação com origem nosocomial (em 25%). Veja, no quadro 1, as
condições predisponentes mais comuns para endocardite.

Quadro 1. Condições predisponentes associadas ao aumento do risco de endocardite infecciosa.


Mais comum Menos comum
Prolapso valvar mitral Doença cardíaca reumática
Doença valvular degenerativa Estenose aórtica hipertrófica
Válvula protética Coarctação da aorta
Congênita (doença cardíaca valvular ou Doença cardíaca congênita cianóticas
comunicação septal ventricular)

As etiologias mais comuns são Streptococcus sp e Staphylococcus sp. A incidência de Staphylococcus sp cresce
principalmente após a década de 2000. As espécies mais comuns são: Streptococcus viridans e faecalis (40%);
Staphylococcus aureus e epidemirdis (40%); gêneros Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemcomitans,
Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae (HACEK; 5%); Candida sp (2 a 3%); e outros (por
exemplo: Corynebacterium não diphtheriae; menos que 2%).

Fisiopatologia
Modelos experimentais de endocardite infecciosa demonstraram que a doença segue uma sequência previsível:
dano estrutural endocárdico; agregação de plaquetas e fibrina para criar uma vegetação estéril; bacteremia transitória,
resultando na semeadura da vegetação; proliferação microbiana; e invasão da superfície endocárdica, com infecção
metastática em órgãos viscerais (por exemplo: rins, baço e cérebro). O dano ao endocárdio pode ser causado por
uma série de fatores, que vão desde inflamatórios, como febre reumática, congênitos (prolapso da valva mitral), à
degeneração senil.
De fato, qualquer turbulência excessiva ou gradiente de alta pressão local pode causar danos ao endocárdio
e/ou nas proximidades. Em seguida, os agregados de plaquetas de fibrina desenvolvem-se no local do dano para
formar vegetações estéreis, também denominadas de trombose asséptica. Assim, o tecido está propício a receber
microrganismos e desenvolver o processo de infecção local.

106
Manifestações clínicas
Veja, no quadro 2, os achados clínicos e laboratoriais mais comuns na endocardite infecciosa.

Quadro 2. Manifestações clínicas comuns de endocardite infecciosa.


Achado %
Febre 96
Piora do sopro anterior 20
Novo sopro 48
Evento embólico vascular 17
Esplenomegalia 11
Hemorragias cutâneas 8
Nódulos de Osler 3
Lesões de Janeway 5
Elevado VHS 61
Hematúria 26
Fator reumatoide positivo 5
Radiografia de tórax (derrame, infiltrado, embolia séptica) 67-85*
* Mais comum em endocardite de câmara direita. Fonte: adaptado de Murdoch DR, Corey GR, Hoen B, et al.; International Collaboration
on Endocarditis-Prospective Cohort Study (ICE-PCS) Investigators. Clinical presentation, etiology, and outcome of infective endocarditis in
the 21st century: the International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort Study. Arch Intern Med. 2009;169(5):463-73.

Diagnóstico
Devemos considerar endocardite infecciosa em pacientes que apresentem os seguintes sintomas e sinais: febre
de origem obscura persistente, insuficiência cardíaca aguda, acidente vascular encefálico embólico e sepses de foco
indefinido.
O uso dos critérios de Duke ajuda a classificar o diagnóstico de endocardite em casos definidos ou prováveis.
Esta classificação tem sido usada principalmente e com maior sucesso em pacientes com apresentação clássica da
doença e que não tenham prótese valvar ou dispositivos intracardíacos. Nestes últimos, o escore pode encontrar um
falso-negativo. Cerca de 30% dos pacientes podem apresentar clínica sem bacteremia ou vegetação no ecocardiograma
inicialmente.
O quadro 3 descreve os critérios de Duque modificados para o diagnóstico de endocardite infecciosa.
A Figura 1 demonstra um fluxograma de investigação diagnóstica de pacientes com quadro sugestivo de endocardite
infecciosa.

Terapia farmacológica
Algumas propostas de tratamento empírico incluem endocardite aguda de válvula nativa com Staphylococcus
aureus resistente à meticilina (MRSA) provável (vancomicina ou daptomicina), endocardite aguda de válvula nativa com
MRSA improvável (oxacilina ou cefazolina), endocardite aguda em válvula protética com MRSA provável (vancomicina
+ gentamicina + rifampicina) e endocardite por enterococos na válvula nativa (ampicilina + ceftriaxona). Devemos
sempre realizar os ajustes farmacológicos quando tivermos o resultado das hemoculturas, por exemplo: germes HACEK
causando endocardite (ceftriaxona ou ampicilina ou ciprofloxacino). A duração da posologia é variável, de acordo com
o agente envolvido e deve ser considerado se há ou não presença de válvula protética.

107
Quadro 3. critérios de Duque modificados para o diagnóstico de endocardite infecciosa.
Critérios maiores
1. Hemocultura positiva com microrganismo típico de estar envolvido em endocardite: Estreptococo alfa-hemolítico, Streptococcus
bovis, microrganismos HACEK ou Staphylococcus aureus, ou espécies de Enterococcus adquiridas na comunidade; sem foco
primário em duas hemoculturas separadas OU bacteremia persistente com qualquer microrganismo (pelo menos duas hemoculturas
positivas com intervalo >12 horas ou três hemoculturas positivas ou quatro ou mais hemoculturas positivas separadas por pelo
menos 1 hora).
2. Evidência de envolvimento endocárdico: achados ecocardiográficos com massa móvel ligada à válvula, abscesso ou nova
deiscência parcial da válvula protética OU nova regurgitação valvular.
3. Sorologia: cultura de sangue positiva única para Coxiella burnetii OU título de anticorpo IgG antifase 1 ≥1:800
Critérios menores
Condição prévia: uso de drogas intravenosas ou condição cardíaca predisponente.
Febre ≥ 38°C.
Fenômenos vasculares: embolia arterial, embolia pulmonar séptica, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragias
conjuntivais, lesões de Janeway.
Fenômeno imunológico: glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide positivo.
Achados ecocardiográficos consistentes com a endocardite, mas não atendendo aos principais critérios
Evidência microbiológica: hemoculturas positivas que não atendem aos principais critérios ou evidências sorológicas de infecção
ativa consistente com endocardite
Endocardite definida: endocardite infecciosa histopatologicamente comprovada OU diagnóstico clínico definido por dois critérios
maiores OU um maior e três critérios menores OU cinco critérios menores.
Endocardite possível: um critério maior e um critério menor OU três critérios menores
Endocardite rejeitada: diagnóstico alternativo mais provável OU resolução da síndrome de endocardite infecciosa com terapia
antibiótica por 4 dias ou mais OU não há evidência patológica de endocardite infecciosa em cirurgia ou autópsia com terapia
antibiótica por ≤ 4 dias OU não cumpre os critérios acima de possível endocardite infecciosa
Fonte: adaptado de Li JS, Sexton DJ, Mick N, et al. Modificações propostas aos critérios de Duke para o diagnóstico de endocardite
infecciosa. Clin Infect Dis. 2000;30:633-638.

Figura 1. Investigação diagnóstica de pacientes com quadro sugestivo de endocardite infecciosa. Fonte:
Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS, et al.; American Heart Association Committee on Rheumatic Fever,
Endocarditis, and Kawasaki Disease of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, Council on Clinical
Cardiology, Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia, and Stroke Council. Infective Endocarditis
in Adults: Diagnosis, Antimicrobial Therapy, and Management of Complications: A Scientific Statement for
Healthcare Professionals From the American Heart Association. Circulation. 2015;132(15):1435-86.

108
Tratamento cirúrgico
As principais indicações cirúrgicas são: insuficiência cardíaca aguda grave, obstrução valvular ou progressão de
lesão valvular, abcesso perivalvular ou miocárdico, deiscência de prótese valvular, bacteremia persistente, endocardite
fúngica ou paciente que não respondeu à terapia com antibióticos. Algumas indicações cirúrgicas são ditas como
relativas: embolia recorrente, infecção por Estafilococo ou BGN em prótese, febre persistente, vegetação móvel > 10
mm, aumento da vegetação na vigência de tratamento adequado.

Profilaxia
A profilaxia é parte de grandes modificações nos últimos anos, tendo como proposta mais atual seu uso cada vez
mais restrito. Há falha na profilaxia em série de casos em torno de 50%, com importante resistência microbiana. A
American Heart Association (AHA) restringiu antibióticos para endocardite prévia, valva protética, cardiopatia congênita
e transplante cardíaco com valvulopatia, sem aumento na incidência de endocardite infecciosa por estreptococos.

Bibliografia consultada
Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS, et al.; American Heart Association Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease
of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, Council on Clinical Cardiology, Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia,
and Stroke Council. Infective Endocarditis in Adults: Diagnosis, Antimicrobial Therapy, and Management of Complications: A Scientific
Statement for Healthcare Professionals From the American Heart Association. Circulation. 2015;132(15):1435-86.

Cahill TJ, Baddour LM, Habib G, et al. Challenges in Infective Endocarditis. J Am Coll Cardiol. 2017;69(3):325-44.

Lester SJ, Wilansky S. Endocarditis and associated complications. Crit Care Med. 2007;35(8 Suppl.):S384-91.

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