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DOENÇAS INFECIOSAS

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas

Editor: Prof. Doutor Saraiva da Cunha

Coimbra, 2017
Doenças Infeciosas 2017

Lista de Autores

Dra. Ana Ribeiro Dr. Joaquim Oliveira, Dr. Gonçalo Cruz


Meningite e Encefalites Víricas Infeção por VIH.

Dr. António Vieira Dr. Luís Trindade


Leptospirose, Brucelose. Criptococose.

Dra. Cláudia Nazareth Dra. Margarida Prata


Problemas de saúde em migrantes e refugiados Arboviroses (Vírus Dengue, Zika, Chikungunya,
Toscana e do Nilo Ocidental), Clostridium
Dra. Conceição Ventura difficile
Diarreia bacteriana.
Dra. Maria João Faria
Dra. Cristina Valente Infeções associadas aos cuidados de saúde.
Co-infeção VIH/Hepatite
Dr. Nuno Marques
Dr. Eduardo Rabadão Leishmaniose, Doenças víricas hemorrágicas
Conceitos gerais de antibioterapia, Meningite
bacteriana, Abcesso cerebral, Meningite Dr. Pedro Correia
tuberculosa. Vacinação em adultos

Dr. Eduardo Serra, Dr. André Martins Dra. Raquel Gonçalves, Dra. Andrea Mesa
Hepatites víricas. Doença de Lyme

Dra. Eugénia Ferreira Dra. Rosa Sá


Bilharziose Infeções em toxicodependentes.

Dra. Helena Alves Prof. Doutor Saraiva da Cunha


Amebose, Toxoplasmose, Salmonelose Malária, Conselhos gerais aos viajantes.

Dra. Isabel Ramos Dra. Sofia Nunes, Dra. Célia Oliveira


Candidose, Pneumocistose, Histoplasmose, Tuberculose na infeção VIH/SIDA.
Sarcoma de Kaposi.
Dra. Sónia Rocha
Dr. João Trêpa Gripe e outras infeções respiratórias superiores
Riquetsioses, Febre escaronodular, febre Q.
Prof. Doutor Vitor Duque
Infeções por vírus do grupo Herpes.

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ÍNDICE
Pág.
Infeções bacterianas ..................................................................................................... 4
Conceitos Gerais de Antibioterapia ..................................................................... 4
Salmoneloses ....................................................................................................... 8
Diarreia de etiologia bacteriana ......................................................................... 23
Infeção por Clostridium difficile.......................................................................... 27
Brucelose ............................................................................................................ 37
Riquetsioses ........................................................................................................ 41
Febre Q ............................................................................................................... 46
Doença de Lyme ................................................................................................. 51
Meningite bacteriana aguda............................................................................... 56
Abcesso cerebral ................................................................................................ 64
Meningite tuberculosa ....................................................................................... 65
Tuberculose na infeção VIH ................................................................................ 69
Leptospirose ....................................................................................................... 75
Infeções em utilizadores de drogas por via EV .................................................. 81
Infeções víricas ............................................................................................................. 90
Meningites e Encefalites víricas ......................................................................... 90
Hepatites ........................................................................................................... 105
Herpes simplex .................................................................................................. 134
Varicela-zoster ................................................................................................... 146
Infeção por CMV ................................................................................................ 154
Epstein-Barr ....................................................................................................... 161
Infeção por VIH .................................................................................................. 166
Co-infecção VIH/Hepatites Víricas..................................................................... 238
Sarcoma de Kaposi ............................................................................................ 261
Arboviroses ........................................................................................................ 269
Doenças víricas hemorrágicas ........................................................................... 285
Gripe e outras infeções respiratórias superiores .............................................. 296
Infeções fúngicas ......................................................................................................... 306
Candidose .......................................................................................................... 306
Histoplasmose ................................................................................................... 313
Criptococose ...................................................................................................... 323
Pneumocistose .................................................................................................. 328
Infeções parasitárias ................................................................................................... 337
Malária ............................................................................................................... 337
Bilharziose.......................................................................................................... 344
Amebose ............................................................................................................ 347
Toxoplasmose .................................................................................................... 356
Leishmaniose ..................................................................................................... 368
Vacinação em adultos ................................................................................................. 375
Cuidados de Saúde em Viajantes ................................................................................ 390
Infeções associadas aos cuidados de saúde ............................................................... 393
Problemas de Saúde em migrantes e refugiados .................................................. 406

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INFECÇÕES BACTERIANAS

CONCEITOS GERAIS DE ANTIBIOTERAPIA

INTRODUÇÃO
O número crescente de antibióticos disponíveis, com diferentes espectros de
acção, efeitos secundários e interacções medicamentosas, por um lado, e os novos
perfis de resistência aos antimicrobianos em conjunto com a patogenicidade dos
"novos" agentes etiológicos até então considerados inofensivos, por outro,
aconselham a actualização periódica de conceitos no domínio da antibioterapia, por
parte de todos os que se confrontam no seu quotidiano com a necessidade de tratar
doentes com patologia infecciosa. Torna-se assim particularmente relevante revisitar
alguns conceitos úteis, repetidamente descritos na vasta literatura médica disponível,
mas que nem por isso parecem estar sempre presentes em todos os utilizadores de
antibióticos.

ANTIBIOTERAPIA DIRIGIDA
A quimioterapia das infecções bacterianas deve ser, sempre que possível,
iniciada após realização de colheitas de material adequado para identificação dos
gérmens em causa (sangue, urina, pus, expectoração, etc.), e determinação da sua
sensibilidade aos antibióticos disponíveis. Só deste modo é possível o uso racional dos
antibióticos, com espectro de acção dirigido ao agente etiológico causal, evitando
custos exagerados, toxicidade acrescida e desequilíbrios das floras bacterianas
comensais, que normalmente resultam da redundância de espectro de acção dos
antibióticos utilizados.

ANTIBIÓTICOS BACTERICIDAS "VERSUS" BACTERIOSTÁTICOS


Os antibióticos bactericidas devem ser sempre a primeira opção no tratamento
de todas as infecções complicadas ou que, pela sua gravidade, ponham em risco a vida
do doente: Endocardite e meningite bacterianas, sépsis e infecções em hospedeiro
imunocomprometido. Fora deste contexto, a escolha dum antibiótico bactericida ou

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bacteriostático deve levar em linha de conta outros factores (comodidade posológica,


baixo custo e inocuidade).

MONOTERAPIA "VERSUS" ASSOCIAÇÃO DE ANTIBIÓTICOS


A grande maioria das infecções bacterianas em hospedeiro imunocompetente
pode ser tratada com recurso à monoterapia. Existem contudo situações para as quais
a associação de antibióticos se encontra indicada: Prevenção da emergência de
resistências (exemplo clássico - tuberculose), infecções polimicrobianas, início de
terapêutica antibiótica empírica em doentes neutropénicos e sempre que se
pretenda, ou a diminuição da toxicidade, ou a obtenção de efeito sinérgico (ex.
endocardite enterocócica). Importa contudo ponderar entre os benefícios
pretendidos, e as desvantagens decorrentes da associação de antibióticos
(antagonismo, custo elevado, toxicidade), e só depois decidir pela sua utilização.
Não obstante as múltiplas descrições na literatura médica dando conta de casos
de antagonismo "in vitro" entre várias associações de antibióticos, "in vivo" os casos
de antagonismo têm sido bem mais difíceis de demonstrar, salientando-se contudo,
neste último caso, o exemplo clássico da associação de penicilina com tetraciclina no
tratamento da meningite pneumocócica.

ESCOLHA DA VIA DE ADMINISTRAÇÃO


Uma vez decidida a necessidade de utilização de um ou mais antibióticos,
impõe-se proceder à escolha adequada da sua via de administração. O tratamento de
infecções bacterianas sistémicas de gravidade moderada, em doente ambulatório,
pode ser feito recorrendo um antibiótico por via oral, caso esteja disponível, já que
nem todos são eficazes quando administrados por esta via (ex. aminoglicosídeos,
vancomicina). A administração parentérica de antibióticos deverá ficar reservada ao
tratamento de infecções sistémicas graves ou potencialmente letais, infecções em
doentes incapazes de cumprir com a medicação instituída, ou sempre que haja
indisponibilidade de antibióticos com absorção por via gastrointestinal.

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COMPORTAMENTO FARMACODINÂMICO
Relativamente ao comportamento farmacodinâmico dos diferentes antibióticos
é possível a sua divisão em 3 grupos: o primeiro, dos antibióticos concentração-
dependente (aminoglicosídeos, daptomicina, colistina, quinolonas fluoradas,
metronidazol e telitromicina) nos quais a actividade bactericida aumenta na razão
directa da sua concentração máxima, sendo o valor do pico de concentração máxima
(Cmax)/CIM e a área debaixo da curva de concentração-tempo nas 24 horas (24 h-
AUC)/CIM, as variáveis que mais influenciam a eficácia bactericida. Acresce neste
grupo a existência dum efeito pós-antibiótico prolongado, pelo que o intervalo entre
administrações pode ser aumentado, sem que daí advenha perda de eficácia anti-
bacteriana.
O segundo grupo, dos antibióticos tempo-dependente, são os que possuem
actividade bactericida na dependência do tempo (T) em que as suas concentrações
séricas se encontram acima da concentração inibitória mínima (CIM), sendo o T>CIM o
parâmetro que melhor se correlaciona com a eficácia. Incluem-se neste grupo as
pecicilinas, as cefalosporinas, os carbapenemos e a eritromicina. Se atendermos a que
este grupo de fármacos exibe efeito pós-antibiótico de curta duração, fácil se torna
perceber da necessidade da sua administração a curtos intervalos de tempo ou
mesmo em infusão contínua.
Finalmente um terceiro grupo, dos antibióticos predominantemente
bacteriostáticos, com características de antibióticos concentração-dependente,
constituído pela azitromicina, clindamicina, tetraciclinas, estreptograminas e
oxazolidinonas, outrora classificados como antibióticos tempo-dependente,
possuidores de efeito pós-antibiótico moderado a prolongado, nos quais a relação
24h-AUC/CIM constitui a variável de melhor valor preditivo para a sua eficácia anti-
bacteriana.
A vancomicina continua a ser considerada um antibiótico bactericida lento, com
efeito pós-antibiótico prolongado, tempo-dependente, não obstante a variável
farmacodinâmica utilizada para aferir da sua eficácia ser a 24 h-AUC/CIM (e não a
T>CIM).

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ANTIBIÓTICOS DE USO COMUM


1) Beta-lactâmicos
Inclui as penicilinas, cefalosporinas, inibidores das beta-lactamases e suas
associações, carbapenemos e monobactâmicos
2) Aminoglicosídeos
3) Tetraciclinas e Gliciclinas (Tigeciclina)
4) Cloranfenicol
5) Rifamicinas (Rifampicina, Rifabutina e Rifaximina)
6) Nitroimidazóis
7) Macrólidos e Lincomicinas
8) Antibacterianos Macrocíclicos (Fidaxomicina)
9) Glicopeptídeos (Vancomicina e Teicoplanina), Lipopeptídeos Cíclicos
(Daptomicina) e Lipoglicopeptídeos (Telavancina, Oritavancina e
Dalbavancina)
10) Polimixinas (Colistimetato de Sódio)
11) Sulfonamidas e Trimetroprim
12) Quinolonas
13) Oxazolidinonas (Linezolida e Tedizolida)
14) Estreptograminas (Quinupristina e Dalfopristina)
15) Anti-sépticos urinários.

Bibliografia

1) - Johns Hopkins antibiotic guidelines 2015.


http://www.hopkinsmedicine.org/AMP. Última vez acedido a 27/06/2017.

2) - Direção-Geral de Saúde, melhor informação mais saúde. Princípios gerais de


antibioterapia: Lisboa; Orientações e Circulares Informativas; Orientação nº
029/2011 de 05/08/2011, atualização de 24/08/2011. Disponível a partir de:
https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/orientacoes-e-circulares-
informativas/orientacao-n-0292011-de-05082011-atualizacao-de-24082011.aspx
Última vez acedido a 27/06/2017.

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Salmoneloses

Introdução
O nome Salmonella decorre da sua descoberta por Daniel E. Salmon, veterinário
norte-americano que primeiro isolou este microrganismo, em 1884, em tecido de
intestino de porco. As Salmonella podem ser comensais ou ter potencial patogénico,
sendo responsáveis por um vasto espectro de doenças no Homem e nos animais,
domésticos ou selvagens.
A sua distribuição generalizada no meio ambiente, o aumento da sua prevalência na
cadeia alimentar, a sua virulência e capacidade de adaptação, são factores que fazem
destes microrganismos um problema de saúde pública com grande impacto médico e
económico a nível mundial.

Microbiologia e Taxonomia
As Salmonellae são bacilos gram-negativos, anaeróbios facultativos, não formadores
de esporos, de crescimento intracelular facultativo, na sua maioria móveis; tal como
outras Enterobacteriaceae produzem ácido na fermentação da glicose, reduzem
nitratos e não produzem citocromo oxidase. Todas, excepto a Salmonella gallinarum-
pullorum, são móveis através de flagelos e a maioria não fermenta a lactose (apenas
1%); esta diferença no metabolismo dos açúcares pode ser usada para distinguir vários
serotipos de Salmonella – o serotipo Typhi é o único organismo que não produz gás na
fermentação dos açúcares.
Pertencendo à família das Enterobacteriaceae, o género Salmonella compreende duas
espécies: Salmonella enterica (que se divide em 6 subespécies – I, II, IIIa, IIIb, IV e VI) e
Salmonella bongori (anteriormente denominada subespécie V). A S. enterica
subespécie I contém quase todos os serótipos patogénicos para o Homem.
Os membros das sete subespécies de Salmonella podem ainda ser serotipados em
mais de 2500 serotipos (serovars) de acordo com a diversidade das suas estruturas
antigénicas de superfície (Quadro I).
Segundo a nomenclatura actualmente aceite, a completa designação taxonómica das
Salmonella pode ser abreviada. Como exemplo: “Salmonella enterica subespécie

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enterica serotipo Typhimurium” pode ser abreviada para “Salmonella serotipo


Typhimurium” ou simplesmente “Salmonella Typhimurium”.
As Salmonellae são serotipadas de acordo com os Ag somáticos O, Ag capsular Vi e Ag
flagelares H; a maioria da variabilidade antigénica ocorre no Ag O. Embora a
serotipagem de todos os Ag de superfície possa ser usada para a identificação formal,
a maioria dos laboratórios efectua reacções de aglutinação que diferenciam Ag O
específicos em serogrupos designados como A, B, C1, C2, D e E. As estirpes nestes seis
serogrupos causam 99% das infecções por Salmonellae no Homem e noutros animais
de sangue quente.
Métodos de genotipagem são frequentemente usados em estudos epidemiológicos
para diferenciar as estirpes dos serótipos mais comuns de Salmonella.

Quadro I. Salmonella: espécie, subespécie e número de serotipos.

Espécie e subspécie Nº de serotipos


S. enterica subsp. enterica (I) 1504
S. enterica subsp. salmae (II) 502
S. enterica subsp. arizonae (IIIa) 95
S. enterica subsp. diarizonae (IIIb) 333
S. enterica subsp. houtenae (IV) 72
S. enterica subsp. indica (VI) 13
S. bongori 22
Total 2541

Epidemiologia

Salmonella não-Typhi
Em muitos países a incidência de infecções por Salmonella tem aumentado, embora
não se disponha de dados estatísticos precisos, especialmente da África subsaariana.
Nos EUA a taxa de incidência de infecções por Salmonella não-Typhi tem-se mantido

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relativamente inalterada nas últimas duas décadas – causam 1.2 milhões de casos de
doença anualmente, estão associadas a uma taxa de hospitalização de 27% e
mortalidade 0.5%. No período compreendido entre 1996 e 2006 os serotipos mais
implicados foram Typhimurium, Enteritidis, Newport, Heidelberg e Javiana.
A incidência da infecção é maior durante a época das chuvas nos climas tropicais e
durante os meses mais quentes nos climas temperados.
Contrariamente às S. Typhi e S. Paratyphi em que o único reservatório é o Homem, as
Salmonella não-Typhi podem ser adquiridas a partir de múltiplos reservatórios
animais.
A sua transmissão pode ocorrer por diversas vias tais como a ingestão de produtos
alimentares de origem animal (especialmente ovos, carne de aves, carne de vaca,
produtos lácteos não pasteurizados), produtos frescos contaminados com dejectos de
animais, ingestão de água contaminada, contacto directo com animais (incluindo
animais de estimação tais como aves, roedores, cães, gatos e répteis, nomeadamente
tartarugas, iguanas e cobras), ou mesmo por transmissão nosocomial.
A infecção por S. enteritidis associada aos ovos de galinha emergiu como uma
importante causa de doença de origem alimentar durante 1980-1990; a sua
transmissão pode ser prevenida cozinhando os ovos até a gema estar solidificada ou
utilizar ovos pasteurizados.
A centralização do processamento de alimentos, o rápido crescimento da
comercialização internacional de produtos agrícolas e a utilização aumentada de
tecnologias de manufacturação têm facilitado a disseminação de novos serotipos de
Salmonella nos países desenvolvidos.
Por outro lado, o aumento da resistência aos antibióticos nas espécies de S. não-Typhi
é um problema à escala mundial e está relacionado com a utilização generalizada de
agentes antimicrobianos na alimentação dos animais. A identificação de isolados
multirresistentes está a aumentar nos países desenvolvidos e nos países em
desenvolvimento, nomeadamente aos antibióticos convencionais como ampicilina e
trimetoprim-sulfametoxazol, mas também resistência ao ácido nalidíxico e
fluorquinolonas.

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Salmonella Typhi e Paratyphi


Em contraste com outros serotipos de Salmonella, os agentes etiológicos da febre
tifóide (Salmonella Typhi e Salmonella Paratyphi) têm apenas como hospedeiro o ser
humano.
A transmissão ocorre geralmente por consumo de água ou alimentos contaminados
(contaminação fecal por hospedeiros doentes ou portadores crónicos assintomáticos).
Embora rara, a transmissão sexual (incluindo sexo oral e anal) de Salmonella Typhi é
possível. Os profissionais de saúde podem ser infectados após contacto com os
doentes ou durante o processamento de amostras clínicas no laboratório.
Apesar da incidência ter aumentado marcadamente em muitos países, há falta de
dados de vigilância sólidos. Estima-se que atinja, a nível global e durante o período de
um ano, aproximadamente 27 milhões de casos e cerca de 200 000 a 600 000 mortes.
A incidência é alta (>100 casos/100.000 habitantes/ano) na Ásia sul-central e sudeste
asiático; intermédia (10-100 casos/100.000 habitantes/ano) na restante Ásia, África,
América Latina e Oceânia (excepto Austrália e Nova Zelândia); e baixa no resto do
mundo (< 10 casos/100.000 habitantes/ano).
Nas regiões endémicas, a febre tifóide é mais comum nas zonas urbanas que nas
rurais e em indivíduos jovens, como idades compreendidas entre os 1 e 15 anos.
Os factores de risco mais frequentemente implicados são: consumo de água ou gelo
contaminados, consumo de alimentos ou bebidas adquiridos em vendedores de rua,
consumo de fruta e vegetais crus, contacto com pessoas doentes, inundações,
deficientes condições higieno-sanitárias e infecção prévia por Helicobacter pylori
(relacionada com diminuição crónica da acidez gástrica).
Estirpes de S. typhi multirresistentes surgiram na China e sudeste asiático nos anos 80;
estas estirpes contêm plasmídeos que codificam resistência ao cloranfenicol,
ampicilina e trimetoprim-sulfametoxazol. Com a utilização aumentada de
fluorquinolonas nos anos 90, estirpes de S. typhi e paratyphi com diminuição da
susceptibilidade à ciprofloxacina ou resistência, emergiram no subcontinente Indiano,
sul da Ásia e mais recentemente África subsaariana.

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Manifestações Clínicas
Serotipos específicos de Salmonella produzem síndromes clínicas características que
incluem: gastroenterite, febre entérica (tifóide), bacteriémia, infecções
endovasculares, infecções focalizadas (osteomielite, artrite séptica, meningite, etc.) e
estado de portador crónico.

Gastroenterite
As infecções por Salmonella não-Typhi cursam geralmente com gastroenterite aguda
autolimitada, indistinguível de outras causas de gastroenterite bacteriana.
O quadro clínico inicia-se cerca de 6 a 48 horas após a ingestão da água ou alimentos
contaminados e caracteriza-se por náuseas, vómitos e diarreia (fezes moles ou
líquidas, em moderada quantidade, sem sangue; contudo podem ocorrer sintomas de
disenteria). Podem ainda estar presentes febre (38-39ºC), dor abdominal tipo cólica,
arrepios de frio e, menos frequentemente, cefaleias e mialgias.
A diarreia é autolimitada, cedendo em 3 a 7 dias, e a febre cessa em 48 a 72 horas; a
diarreia que persiste por mais de 10 dias deve sugerir outro diagnóstico. Raramente a
infecção por Salmonella não-Typhi pode mimetizar doença inflamatória intestinal ou
pseudoapendicite.
Após resolução da gastroenterite os doentes mantém excreção fecal de Salmonella
durante 4 a 5 semanas (variação de acordo com o serotipo) e em raros casos por mais
de 1 ano; a antibioterapia pode aumentar a duração de portador.
Os factores de risco para apresentações mais graves incluem: infecção por VIH,
transplante prévio, lúpus, patologia reumatológica sob terapêutica imunossupressora,
patologia endovascular ou valvular cardíaca, neoplasia, quimioterapia recente,
hemoglobinopatias, doenças reticuloendoteliais (incluindo cirrose hepática) e
institucionalização.

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Febre Tifoide
A febre entérica ou febre tifoide é uma doença sistémica caracterizada por febre e dor
abdominal causada pela infecção disseminada por S. Typhi e S. Paratyphi.
O período de incubação varia de 5 a 21 dias (média 10 a 14 dias), dependendo da
quantidade de inóculo ingerida e do estado imunológico do doente.
Inicialmente cursa com diarreia (10 a 38% dos doentes podem referir obstipação),
cefaleia frontal tipo “moedouro”, mialgias, tosse seca (sem evidência de pneumonia),
mal-estar vago, letargia, anorexia e náuseas.
Posteriormente surge febre baixa, que se torna persistente e elevada pelo final da
segunda semana. Nesta fase, pode evidenciar-se rash maculopapular torácico e
abdominal (em até 25% dos casos) que resolve em 3 a 5 dias. Frequentemente,
objectiva-se dor à palpação abdominal e um aumento do peristaltismo. A dissociação
esfigmo-térmica (bradicardia relativa no pico febril), sugere a doença mas não é
patognomónica (surgindo em menos de 50% dos doentes).
Os quadros graves ocorrem em 10 a 15% dos casos, estando relacionados com
factores do hospedeiro (imunossupressão, anomalias do tracto biliar e urinário,
hemoglobinopatias, malária, schistosomose, bartonelose, histoplasmose, co-infecção
por Helicobacter pylori ou toma de anti-ácidos e inexistência de vacinação prévia),
com a virulência da estirpe envolvida, quantidade de inóculo e antibioterapia
instituída. Hemorragia gastrointestinal (10-20%) e perfuração intestinal (1-3%)
ocorrem mais frequentemente na terceira e quarta semana de doença.
Manifestações neurológicas ocorrem em 2 a 40% dos doentes, e incluem meningite,
síndrome de Guillain-Barré, neurite e sintomas neuropsiquiátricos.
Complicações raras incluem: coagulação intravascular disseminada, síndrome
hematofagocítico, pancreatite, abcesso hepático e esplénico, endocardite, pericardite,
miocardite, hepatite, glomerulonefrite, pielonefrite, osteomielite, endoftalmite,
parotidite, etc.
Mais de 10% dos doentes não tratados com febre tifóide excretam S. Typhi nas fezes
por mais de 3 meses e 1-4% desenvolvem estado de portador crónico assintomático.
A mortalidade é tipicamente baixa se o doente for assistido em locais com cuidados de
saúde adequados. A bacteriémia, as formas extra-intestinais (particularmente a

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meningite) e a presença de resistência antibiótica estão associadas a um prognóstico


mais sombrio.

Bacteriémia e Infecção Vascular


Cerca de 8% dos doentes com gastroenterite não-tífica desenvolvem bacteriémia e
destes, 5 a 10% desenvolvem infecções focalizadas. A bacteriémia e as focalizações
secundárias são mais comuns com Salmonella choleraesuis e Salmonella dublin e entre
crianças, idosos, doentes imunocomprometidos especialmente aqueles com infecção
por VIH. A mortalidade, nestes casos, é directamente proporcional à duração de
bacteriémia e a presença de coma ou choque séptico.
A infecção endovascular por Salmonella não-Typhi deve suspeitar-se nas bacteriémias
elevadas e persistentes especialmente quando existe doença valvular cardíaca, doença
vascular aterosclerótica, próteses vasculares ou aneurisma da aorta.
O risco de infecção endovascular associada à bacteriémia é de cerca de 9 a 25% em
doentes com idade superior a 50 anos. As taxas de mortalidade variam de 14 a 60%,
sendo menores quanto maior a rapidez na instituição de terapêutica médico-cirúrgica.

Salmonelose e Infecção por VIH


Salmonella não-Typhi são a principal causa de bacteriémia adquirida na comunidade
em doentes infectados por VIH, especialmente na África subsaariana.
A infecção por Salmonella não-Typhi está associada a contagens de linfócitos T CD4+
mais baixas, a um maior risco de complicações metastáticas e de bacteriémia
recorrente e a maior mortalidade.
De facto, a bacteriémia não-Typhi recorrente é uma doença definidora de SIDA, que
resulta de uma “clearance” incompleta da infecção primária devida à alteração da
imunidade celular e desregulação da libertação de citoquinas pró-inflamatórias. Sendo
cada vez mais infrequente na era pós-HAART (highly active antirretroviral therapy), a
redução da sua incidência deve-se não só à introdução da terapêutica antirretrovírica
(que conduz a supressão vírica e reconstituição imune), à actividade bactericida
directa de alguns antirretroviricos, à generalização da profilaxia com cotrimoxazol e ao
uso terapêutico da ciprofloxacina.

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Portador crónico
O estado de portador crónico define-se como a persistência de Salmonella nas fezes
ou urina por períodos superiores a um ano, após a infecção aguda. Isto ocorre em
cerca de 0,2% a 0,6% dos doentes infectados por Salmonella não-Typhi e em 1% a 4%
dos doentes com febre tifóide.
O estado de portador crónico é mais frequente na mulher, na criança, em doentes
com litíase biliar ou com co-infecção da bexiga por S. haematobium.
O portador crónico tem maior risco de desenvolvimento de colecistocarcinoma, bem
como de outras neoplasias gastrointestinais.
A serologia, com quantificação do antigénio Vi, pode ser útil na distinção entre
portador crónico e infecção aguda por S. Typhi, dado que os portadores crónicos
apresentam títulos altos deste antigénio.

Aspectos Diagnósticos
O diagnóstico definitivo de febre tifóide implica isolamento do gérmen no sangue,
medula óssea, fezes, máculas ou secreções intestinais. Contudo, a sensibilidade das
hemoculturas é de apenas 40 a 80%, pelo que se devem ter em conta os resultados de
diversos exames complementares de diagnóstico (para além de uma epidemiologia e
clínica sugestivas).

Achados laboratoriais:
 até ¼ dos doentes pode apresentar leuco-neutropenia ou anemia;
 a trombocitopenia é variável e a pode ocorrer coagulação intravascular
disseminada subclínica;
 aumento ligeiro a moderado das transaminases, bem como da CK, é comum;
 presença de neutrófilos nas fezes e, por vezes, glóbulos vermelhos.

Isolamento microbiológico:
 as hemoculturas, actualmente, conseguem detectar 80 a 100% dos casos de
bacteriémia;

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 as mieloculturas têm sensibilidade de 55 a 90%; a medula óssea apresenta


contagem de colónias cerca de 10 vezes superior à do sangue periférico, não se
verificando redução do número de colónias até 5 dias após o início de
antibioterapia (permitindo, em doentes com antibioterapia prévia à
hospitalização, resultados positivos mesmo na vigência de hemoculturas
negativas);
 as fezes frescas são a amostra ideal para isolamento de Salmonella e devem ser
colocadas directamente em placas de agar. Os meios de cultura cromo-
selectivos (tais como CHROMagar) são mais específicos que outros meios
selectivos, diminuem a necessidade de testes confirmatórios e o tempo
necessário à identificação e são cada vez mais utilizados para isolamento
primário e identificação de Salmonella. De referir que as coproculturas são
negativas na primeira semana de doença em 60-70% dos casos;
 os isolados de Salmonella podem por fim ser classificados em serogrupos de
acordo com as suas estruturas de superfície (antigénio O – somático, antigénio
Vi – capsular e antigénio H – flagelar). Para tal, a maioria dos laboratórios
realiza simples reacções de aglutinação.

Outros testes:
 os testes serológicos clássicos (Widal) têm especificidade e sensibilidade muito
limitada.
 a PCR no sangue para S. Typhi e Paratyphi não está ainda comercialmente
disponível e torna-se impraticável em certas áreas do globo onde a febre
tifóide é endémica

A imagiologia tem utilidade no diagnóstico e caracterização de formas focalizadas de


doença. A realização de ecocardiograma é mandatória nos doentes com bacteriémia.

Aspectos Terapêuticos

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Doenças Infeciosas 2017

A gastroenterite por Salmonella não-Typhi é habitualmente autolimitada, estando


indicada a reposição de fluídos e electrólitos quando necessária; a antibioterapia não
deve ser usada rotineiramente nos casos de gastroenterite não complicada (a duração
da febre e da diarreia não são significativamente diminuídas pela terapêutica
antibiótica); por outro lado a antibioterapia foi associada a taxas aumentadas de
recidiva, prolongamento do estado de portador gastrointestinal e reacções adversas
aos medicamentos.
O tratamento pre-emptivo deve ser considerado nos casos com risco aumentado de
doença invasiva, nomeadamente: RN, indivíduos com > 50 anos com suspeita de
aterosclerose, doentes imunodeprimidos, doentes com patologia valvular cardíaca ou
endovascular ou doença articular significativa. O tratamento consiste num antibiótico
oral ou ev durante 48-72h ou até o doente ficar apirético; os doentes
imunocomprometidos devem efectuar tratamento durante 7-14 dias.
Devido ao aumento da prevalência de estirpes resistentes, a antibioterapia empírica
nos casos de bacteriémia ou focalizações, deve incluir uma cefalosporina de 3ª
geração ou fluorquinolona. Se a bacteriemia é de baixo grau (<50% de hemoculturas
positivas) o doente deve ser tratado durante 7- 14 dias; nos doentes com infecção VIH
a bacteriémia deve ser tratada com antibioterapia ev durante 1- 2 semanas, seguida
de 4 semanas de antibioterapia oral.
As doses habituais dos fármacos são: ciprofloxacina 500mg po 12/12h ou 400mg ev,
12/12; ceftriaxone 2g ev id. No entanto doses maiores podem ser usadas dependendo
da focalização. Como alternativas (e dependendo do teste de sensibilidade aos
antibióticos), o cotrimoxazol, a amoxicilina ou a ampicilina são também adequados.
Nos trabalhadores da área da saúde ou indivíduos que manuseiam alimentos, deverá
haver evicção do local de trabalho e, eventualmente, ser ponderada terapêutica para
evitar o estado de portador.

Na febre tifóide, quanto mais célere o diagnóstico e instituição de tratamento, menor


o risco de complicações graves, reduzindo-se assim a taxa de mortalidade para menos
de 1%.

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Doenças Infeciosas 2017

Na doença tifo-paratífica não complicada, a maioria dos doentes necessita apenas de


antibioterapia oral e antipiréticos. Contudo, nos casos graves, o internamento pode
ser necessário para realização de terapêutica antibiótica endovenosa, bem como
administração de medidas de suporte: fluidoterapia, antipiréticos, antieméticos.
Historicamente a antibioterapia indicada incluía cloranfenicol, ampicilina ou
cotrimoxazol. Pelo acumular de resistências nos últimos 20 anos, e uma vez que a
sensibilidade às quinolonas tem vindo a decrescer progressivamente, os regimes
terapêuticos empíricos actualmente recomendados baseiam-se no facto de a infecção
ter sido adquirida ou não em países asiáticos.
A presença de resistência ao ácido nalidíxico no teste de sensibilidade aos antibióticos
é indicadora de sensibilidade reduzida às fluorquinolonas, e portanto preditiva de
insucesso terapêutico.
A) Infecção adquirida nos vários continentes, excepto continente asiático
-ciprofloxacina 400mg ev 12/12h (500 mg po 12/12h), durante 7-14 dias
ou
-levofloxacina 750mg po/ev id, durante 7 a 14 dias.

B) Infecção adquirida no continente asiático


-ceftriaxone 2g ev id, durante 7-14 dias
ou
-azitromicina 1g po, uma dose e posteriormente 500mg po id, durante 7dias
ou
-cloranfenicol 500mg po/ev de 6/6h, durante 14 dias

Por potencial toxicidade, nas grávidas e crianças o uso de quinolonas está contra-
indicado. Nestes casos, a amoxicilina e o ceftriaxone são os fármacos de eleição.

Outras considerações relativas às infecções por Salmonella

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Doenças Infeciosas 2017

 Nos casos graves, cursando com bacteriémia, choque séptico e coma, a


corticoterapia adjuvante está indicada. O fármaco recomendado é a
dexametasona (ev) - administrar a primeira dose imediatamente antes do
início da antibioterapia na dose de 3mg/Kg e posteriormente 1mg/kg de 6/6h
até perfazer 8 doses.
Nestes casos, a duração da antibioterapia deve ser no mínimo de 10 a 14 dias e
pode ser necessária a associação de antibióticos, nomeadamente cefalosporina
de 3ª geração + fluoroquinolona, até o teste de sensibilidade aos antibióticos
ser conhecido.

 Cursando com meningite, o ceftriaxone administrado em doses meníngeas é a


primeira escolha.

 Nas infecções endovasculares, incluindo endocardite, o tratamento deve ser


prolongado no mínimo até 6 semanas após cirurgia, que é habitualmente
necessária e urgente. Tratamento crónico supressivo deve ser mantido durante
anos se a correcção cirúrgica não é exequível.

 Nas focalizações extra-intestinais não vasculares, a terapêutica antibiótica deve


ser efectuada durante 2-4 semanas dependendo do local da infecção; podendo
ser necessária também a intervenção cirúrgica

 Todos os doentes com infecção VIH e salmonelose devem efectuar tratamento


antibiótico devido ao risco aumentado de bacteriemia e mortalidade. Os
fármacos preconizados incluem fluorquinolonas, cefalosporinas de 3ª geração
trimetoprim-sulfametoxazol, de acordo com o teste de sensibilidade. A
duração da terapêutica varia consoante existe bacteriémia ou não e também
com a contagem de linfócitos T CD4+. Assim:
o Doentes com gastroenterite sem bacteriémia e CD4+>200/mm3,
duração 7-14 dias; se CD4+< 200/mm3, duração2-6 semanas.

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Doenças Infeciosas 2017

o Doentes com gastroenterite e bacteriemia e CD4+>200/mm3, duração


14 dias (prolongar o tempo se bacteriémia persiste); se
CD4+<200/mm3, duração 2-6 semanas.
o A profilaxia secundária pode estar recomendada nos doentes com
bacteriémia recorrente e nos doentes com gastroenterite recorrente e
CD4+<200/mm3; a sua suspensão está indicada após resolução da
infecção e em resposta à terapêutica antirretrovírica com supressão
virológica sustentada e CD4+ >200/mm3

 Nos 1% a 5% dos doentes que desenvolvem o estado de portador crónico a S.


Typhi ou Paratyphi deve ser efectuada terapêutica antibiótica oral adequada
(amoxicilina, cotrimoxazol ou ciprofloxacina) durante 4 a 6 semanas, com taxas
de erradicação> 80%. Quando existem alterações anatómicas (ex: cálculos
biliares ou urinários) pode ser necessária a correcção cirúrgica.
O tratamento do portador assintomático de Salmonella não-Typhi é
controverso.
Prevenção
A prevenção e controle das salmoneloses requer um conhecimento aprofundado dos
complexos ciclos de transmissão e a vigilância contínua para caracterizar alterações da
incidência e prevalência e identificar surtos. Pela ubiquidade do agente e pelas
dificuldades socioeconómicas que caracterizam as regiões de maior prevalência, a sua
erradicação é pouco provável.
Estratégias efectivas de redução do risco implicam a monitorização de cada passo da
produção de alimentos desde o manuseamento de carne crua ou vegetais até à
preparação final das refeições. Os alimentos contaminados podem tornar-se seguros
para consumo através da pasteurização, irradiação ou cozedura adequada.
Assim a prevenção passa pela educação das populações em relação à importância da
ingestão de água de origem segura, do correcto manuseamento dos alimentos e
preparação dos mesmos e uma adequada higiene pessoal dos indivíduos que lidam
com o processamento alimentar.

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Doenças Infeciosas 2017

Nos países desenvolvidos, e no que diz respeito à transmissão a partir de ovos


infectados, o uso de produtos à base de ovos pasteurizados permanece a alternativa
mais segura para utilização em instituições e para fins industriais/comerciais.
A vacinação (para prevenção de infecção por S. Typhi) é uma opção, particularmente
em contexto de Medicina do Viajante. Actualmente existem duas vacinas
comercializadas: uma vacina oral viva atenuada (administrada nos dias 1, 3, 5, 7 e com
dose booster aos 5 anos) e uma vacina parenteral polissacarídea (administração
intramuscular e booster a cada 2 anos).
Embora não exista vacina para febre tifóide por S. Paratyphi, a vacina oral para S.
Typhi confere protecção parcial para infecção por S. Paratyphi do serogrupo B mas
não para o serogrupo A.
A vacinação é recomendada para os viajantes para áreas onde existe um risco
moderado a elevado de exposição, nomeadamente sul da Ásia, África, Caraíbas,
América Central e América do Sul. A vacina deve ser considerada mesmo para os
indivíduos que planeiam viagens inferiores a 2 semanas para áreas de risco elevado.
Os trabalhadores de laboratório que contactam com S. Typhi e os contactos de casa de
portadores crónicos devem ser vacinados
A vacinação não é recomendada nos adultos que residem em áreas endémicas
Por último de referir que a febre tifóide é uma doença de notificação obrigatória.

Bibliografia

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Doenças Infeciosas 2017

th
1. The Sanford Guide to Antimicrobial Therapy 2017. 47 Edition. Antimicrobial
Therapy, Inc.; 2017.
2. Salmonellosis. Pegues D.A., Miller S.I. In Kasper, Fauci, Hauser, Longo, Jameson,
Harrison´s Principles of Internal Medicine. 19th Edition. Mc Graw Hill Education;
2015, p 1049-1055.
3. Bacterial Enteric infections in Guidelines for de Prevention and Treatment of
Opportunistic Infections in HIV-infected adults and Adolescents (last updated May
3, 2016). Acedido em 2017-06-13 https://aidsinfo.nih.gov/guidelines.

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Doenças Infeciosas 2017

DIARREIAS DE ETIOLOGIA BACTERIANA

Introdução
A patologia Gastrointestinal (GI) de etiologia infecciosa tem um espectro alargado de
manifestações clínicas dependentes do microorganismo infectante, variando de
inconsequente a doença letal. A transmissão na maioria dos casos é fecal-oral. As más
condições de higiene, o estado imunitário do hospedeiro e o gérmen envolvido são
factores determinantes neste processo. As condições climáticas são outro factor a
considerar. A Diarreia Infecciosa Aguda é, de acordo com alguns estudos, a segunda
causa de doença mais comum em todo o mundo. Os agentes etiológicos podem ser
parasitas, vírus e bactérias, as quais merecem particular atenção. A diarreia é a
manifestação principal da infecção bacteriana do intestino. A cada ano que passa
surgem novos microrganismos capazes de produzir doença. O número de casos em
que se regista resistência aos antimicrobianos tem aumentado de modo progressivo,
tanto nos países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, agravando o
prognóstico, fundamentalmente nos países com poucos recursos económicos.

Transmissão
Via directa: contacto com mãos, lábios ou objectos contaminados.
Via indirecta: alimentos ou água contaminados.
Transmissão por vectores: ex.- moscas.
A transmissão por via directa pode ser drasticamente reduzida com a melhoria das
condições de higiene pessoal e doméstica. De igual modo as outras vias de
transmissão beneficiam de modo positivo com uma rede de esgotos eficiente e o
abastecimento de água potável a todas as populações.

Agentes etiológicos mais frequentes


Escherichia coli
Faz parte da flora intestinal, sendo, no entanto, considerada uma das causas mais
comuns de diarreia em todo o mundo. Afecta particularmente os viajantes. Tem vários
mecanismos capazes de produzir doença, havendo grande dificuldade em distinguir as

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Doenças Infeciosas 2017

formas patogénicas das comensais. Transmitida do animal ao homem através da


cadeia alimentar, pode originar grandes epidemias sobretudo nos países com más
condições de higiene. Identificada por serotipos e recentemente pelos seus
mecanismos patogénicos, a Escherichia coli enterotoxigénica produz uma ou mais
toxinas secretoras capazes de provocarem diarreia, sem dano histológico. Crianças
não imunes e viajantes são os grupos de maior risco. A Escherichia coli
enteropatogénica é uma causa importante de diarreia aguda e persistente, não
produzindo toxinas conhecidas mas colonizando o intestino delgado e originando
lesões características. A Escherichia coli enteroinvasiva é causa de disenteria com
invasão das células epiteliais do cólon de modo semelhante à Shigella spp. A
Escherichia coli enterohemorrágica é uma causa de infecção associada a colite
hemorrágica, síndrome hemolítico-urémico e PTT (púrpura trombocitopénica
trombótica). O serotipo 0157:H7 responsável por estas situações é uma das causas de
intoxicação alimentar. Histologicamente a presença de placas inflamatórias com
necrose associadas a trombose capilar é muito sugestivo de colite por Escherichia coli
enterohemorrágica O157:H7.

Shigella spp
Atinge as células epiteliais do cólon com posterior invasão dos tecidos, originando
diarreia aquosa ou disenteria. É uma enterobacteriácea que difere da Escherichia coli
pela sua incapacidade em produzir gás na presença da glicose, de fermentar a lactose
e não possuir mobilidade. Produz a toxina Shiga (Shigella dysenteriae), com efeito
citotóxico, enterotóxico e neurotóxico. Há 4 serogrupos (A-D) que correspondem às
espécies: Shigella dysenteriae, flexneri,. boydi e sonnei. As formas graves de doença
ocorrem com a Shigella dysenteriae. O homem é o hospedeiro natural deste
microorganismo, sendo a transmissão entre indivíduos possível pela via fecal-oral.

Tratamento (Shigella e E. coli)


- Hidratação e reposição da volémia;
- Medidas de suporte, como: nutrição adequada e tratamento das convulsões
hipoglicémicas com soluções endovenosas contendo glicose;

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Doenças Infeciosas 2017

- Antibiótico, que diminui a duração e gravidade da doença e reduz o risco de


transmissão e a contaminação do meio ambiente. Os antimicrobianos eficazes no
tratamento da Shigelose, são:
-Cotrimoxazol 960mg, oral, 2id (3 dias)
-Ciprofloxacina 500mg, oral, 2id, ou 750mg, oral, 1id (3 dias)
-Azitromicina 500mg, oral, 1id (3 dias)
Anti-diarreicos contra-indicados, dado o risco de megacólon tóxico.

Campylobacter spp
Responsável por muitos casos de diarreia e de disenteria. A via de transmissão mais
frequente é provavelmente o contacto com animais (cães, cabras, ovelhas, etc.) e
produtos alimentares infectados. Os alimentos mal cozinhados, principalmente o
frango, são fonte importante de infecção.
O Campylobacter jejuni é a espécie mais importante na infecção humana. O C. fetus é
causa de diarreia sobretudo em imunodeficientes. Tanto Campylobacter coli, como o
Campylobacter hyointestinalis ou o Campylobacter laridis raramente causam doença.
O Campylobacter fennelliae e o Campylobacter cinaedi podem originar quadros de
gastroenterite em homossexuais masculinos. O período de incubação médio varia de
24 a 72 horas, podendo, no entanto, prolongar-se até aos 10 dias. Os sintomas de
campylobacteriose variam de portador assintomático a diarreia aquosa e disenteria.

Tratamento (Campylobacter spp)


- Hidratação e reposição da volémia;
-Ciprofloxacina 500mg, oral, 2id (3 dias)
-Azitromicina 500mg, oral, 1id (3 dias)
- Eritromicina 500mg, 4id, (5 dias).

Yersinia spp
A Yersinia enterocolitica é responsável por um largo espectro de quadros clínicos,
variando de gastroenterite a colite invasiva e ileíte. A Yersinia spp é encontrada nos
lagos e em animais (gatos, vacas, galinhas e cavalos). A transmissão do

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Doenças Infeciosas 2017

microorganismo faz-se através de alimentos e animais. Surtos epidémicos estão


relacionados com a ingestão de leite e gelados contaminados. Segundo alguns
autores, os picos de doença são observados no fim do Outono e início do Inverno na
Europa. Os serotipos mais comuns entre nós são: O:3 e O:9.
Invade preferencialmente o epitélio intestinal cobrindo as placas de Peyer, atinge o
tecido linfóide, multiplica-se nos folículos e posteriormente propaga-se à lâmina
própria adjacente. Durante a invasão, o intestino afectado apresenta-se hiperemiado,
ulcerado e com infiltrado neutrofílico. A hiperplasia linfóide origina adenite
mesentérica que simula apendicite.

Tratamento (Yersinia spp)


Tal como nas outras diarreias, hidratação associada a antimicrobianos:
- Ciprofloxacina 500mg, oral, 2id (5 dias)
- Cotrimoxazol 960mg, oral, 2id (5 dias)
- Ceftriaxona 2gr, EV, id

Salmonella spp
As salmoneloses são abordadas em capítulo próprio.

Bibliografia:
- Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, Diarreia: Avaliação e Tratamento:
Normas de Orientação Clínica. Acesso através do link:
http://www.spg.pt/wp-content/uploads/2015/11/NOC_diarreia.pdf
- Herbert L. Dupont, MD, Review article: Acute Infectious Diarrhea in
Imunocompetent. N Engl J Med 2014; 370: 1532-40
- Christina M. et all. Guidelines for Diagnosis, Treatment and Prevention of Clostridium
difficile Infections. Am J Gastroenterol 2013; 108:478-498
- Dan Long, Anthony Fauci, Dennis Kasper, Stephen Hausen, Larry Jamerom, Joseph
Loscalzo, Harrison’s Principles of Internal Medicine, 19 th edition, 2016, MacGraw-Hill
Companies, Inc.

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Doenças Infeciosas 2017

Infeção por Clostridium difficile

O Clostridium difficile é uma das causas de diarreia associada ao uso de


antimicrobianos.
Trata-se de um bacilo Gram positivo, móvel, anaeróbio obrigatório, mas que possui a
capacidade de sobreviver em aerobiose através da formação de esporos. Pode
integrar a flora comensal do trato gastrointestinal em crianças e adultos e a via de
contaminação habitual é a via fecal-oral. A sua capacidade de produzir doença radica
na produção de toxinas.

Fisiopatologia
No intestino saudável, as espécies bacterianas que integram a flora comensal
combatem ativamente a proliferação de alguns microrganismos deletérios. Contudo,
quando existe uma alteração desse equilíbrio – seja motivada pelo uso de
antimicrobianos, de regimes de quimioterapia ou na presença de uma cirurgia
abdominal, por exemplo – esse mecanismo de defesa pode ser ultrapassado.
Naturalmente, a resistência à proliferação dessas espécies ocorre por vários
mecanismos, nomeadamente a competição por nutrientes, ocupação de nichos
fisiológicos e ecológicos, produção de produtos antimicrobianos ou mecanismos de
signaling através do sistema imunitário que controlam a proliferação bacteriana no
intestino normal. Mas, perante uma alteração da normal composição da flora do
cólon, ocorre proliferação de bactérias patogénicas que vão produzir inflamação e
dano da mucosa intestinal.

A capacidade de produzir doença, assenta em dois pilares fundamentais:


- Formação de esporos que são resistentes ao calor e possuem a capacidade de
persistir no ambiente por tempo prolongado (até 20 semanas). Após a ingestão
dos esporos, a germinação vai depender do ambiente encontrado no trato
gastrointestinal, atuando os sais biliares primários como potenciadores desse
processo.

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Doenças Infeciosas 2017

- Produção de toxinas, que se inicia ainda mesmo durante a fase de crescimento


vegetativo e se desenvolve no lúmen gastrointestinal. Estas toxinas são
capazes de se ligar a recetores específicos da mucosa intestinal, sendo depois
internalizadas por endocitose. Já no endossoma, sofrem um processo catalítico
que liberta as subunidades ativas de cada toxina. Quando há rutura do
endossoma, as subunidades ativas das toxinas desencadeiam polimeralização
da actina e alteração do citoesqueleto celular o que conduz à destruição
epitélio. Todas as estirpes patogénicas de C. difficile produzem toxina A –
enterotoxina e toxina B – citotoxina. Algumas estirpes, nomeadamente a
estirpe NAP1/B1/027 tem a capacidade de produzir uma toxina binária, além
de produzir níveis mais elevados de toxina A e B, fazendo com que seja
responsável por casos de doença mais grave, com recorrências mais frequentes
e mortalidade até 3 vezes superior.
A nível dos tecidos, verifica-se uma infiltração neutrofílica aguda, com formação de
pseudomembranas que não são mais do que uma combinação de restos celulares
(células epiteliais degradadas e células inflamatórias) e exsudato fibrinoso.

Epidemiologia
Trata-se de um dos microrganismos mais relevantes da flora hospitalar, com
incidência crescente nos últimos anos, acarretando uma taxa de mortalidade de
aproximadamente 3%.
Os doentes hospitalizados / institucionalizados são a população mais frequentemente
atingida por este microrganismo. Ainda assim, até 2 – 3% dos adultos saudáveis
podem estar colonizados por esta bactéria e existe mesmo um número crescente de
infeções por C. difficile na comunidade. Estas infeções atingem doentes mais novos,
muitos sem fatores de risco clássicos ou via de transmissão clara, estando descrita
uma morbi-mortalidade mais baixa, mas igual risco de recorrência.
No caso das crianças, a grande maioria está colonizada por este gérmen. Mas, dado
que os enterócitos ainda não expressam o receptor utilizado pela toxinas, mesmo que
ocorra replicação de C. difficile e produção de toxina, esta população não apresentará
manifestações clínicas. Alguns estudos sugerem que a infeção na infância (pela

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Doenças Infeciosas 2017

resposta imunitária que desencadeia), confere algum grau de proteção para infeções
por este gérmen no futuro.

Fatores de risco
- Utilização prévia de antimicrobianos: número de antimicrobianos e duração do
tratamento;
- Tipo de antimicrobiano:
Risco elevado – clindamicina, quinolonas fluoradas, cefalosporinas de segunda,
terceira ou quarta geração;
Risco moderado – penicilinas (e sua combinação com inibidores de beta-
lactamases), macrólidos, carbapenemes, vancomicina e metronidazol;
Risco menor – aminoglicosídeos, tetraciclinas, trimetoprim, sulfonamidas e
rifampicina.
- Utilização de inibidores da bomba de protões
- Idade avançada
- Hospitalização prévia
- Gravidade da doença de base
- Cirurgia abdominal prévia
- Sonda nasogástrica
- Hospitalização prolongada
- Residência em lares ou unidades de retaguarda

Manifestações clínicas
Existe um continuum na infeção por C. difficile. Desde a simples colonização do
indivíduo, casos de doença autolimitada, colite pseudomembranosa e até
desenvolvimento de complicações graves.

A maioria dos doentes desenvolve sintomas logo após, ou ainda durante, um curso de
antibioterapia. Ainda assim, 25 a 40% dos doentes desenvolvem sintomas até 10
semanas depois da suspensão do antibiótico.

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Doenças Infeciosas 2017

Os sintomas são inespecíficos. Entre os mais comuns, destaca-se: diarreia aquosa,


esverdeada, raramente sanguinolenta; dor abdominal; anorexia e mal-estar geral,
acompanhados de febre; desidratação e dor à palpação dos quadrantes inferiores do
abdómen. As manifestações extraintestinais são raras, mesmo em casos graves de
doença porque, apesar de altamente patogénico, trata-se um microrganismo não
invasivo.

Analiticamente, pode estar presente: elevação da contagem de leucócitos e da PCR,


hipoalbuminémia, elevação da CK e agravamento da função renal.

Critérios de doença grave


- Idade > 65 anos
- Leucócitos > 15 G/L
- Albumina < 3 g/dl
- Creatinina > 1,5 x basal
- Presença de comorbilidades
- Desidratação grave
- Silêncio abdominal
- Distensão abdominal grave

Complicações
- Choque
- Megacólon tóxico
- Perfuração intestinal
- Peritonite aguda

Diagnóstico diferencial
- Outras causas de diarreia associada ao uso de antimicrobianos.
- Outras causas de diarreia infeciosa – K. oxytoca, salmonelose, shigelose...
- Doença inflamatória intestinal
- Diverticulite

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Doenças Infeciosas 2017

- Síndroma do cólon irritável

Diagnóstico
Assenta em várias modalidades:
- Estudo microbiológico de fezes
- Deteção de produtos bacterianos:
- GDH (glutamato desidrogenase) – elevado valor preditivo
negativo, altamente sensível – bom teste de rastreio;
- Pesquisa de toxina – muito específicos, mas pouco sensíveis,
fáceis de executar, rápidos;
- Testes moleculares de amplificação de ácidos nucleicos (genes de
toxinas, gene do GDH ou 16S RNA) – rápidos, sensíveis e específicos,
configuram boas opções para testes confirmatórios;
- Cultura (toxigénica) de fezes – aplicável apenas em situações muito
particulares como a avaliação de surtos e outros estudos
epidemiológicos, já que permite identificação de ribotipos.
- Estudo endoscópico
- Estudo anatomopatológico de amostras recolhidas na endoscopia
- Exames de imagem – TAC

Os estudos microbiológicos reservam-se a doentes sintomáticos.


- No doente internado:
- Aqueles internados há mais de 72h;
- Os admitidos por diarreia, sem outra causa óbvia para a sintomatologia
apresentada.
- No doente em ambulatório:
- Todos os doentes com idade igual ou superior a 65 anos.
- Se o primeiro resultado for negativo, mas existe forte suspeita clínica, pode
realizar-se nova colheita 24h após a primeira.

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Doenças Infeciosas 2017

Iniciar por testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAAT) ou pesquisa de GDH por ELISA. Se resultado
positivo, confirmar com um teste mais específico – deteção de toxina (A/B) por ELISA.

Iniciar por pesquisa de GDH ou toxina (A/B) por ELISA e confirmar depois com testes de biologia
molecular.

Figura 1 – Algoritmos diagnósticos propostos pelo ESCMID para diagnóstico. Estes


fluxogramas devem ser considerados como duas alternativas de sequência
diagnóstica.

A pesquisa deve ser efetuada apenas em amostras diarreicas, exceto se estivermos


perante um íleos. Neste caso existe possibilidade de realizar zaragatoa retal para
cultura toxigénica, amplificação de ácidos nucleicos ou pesquisa de GDH.

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Doenças Infeciosas 2017

Os doentes, com identificação prévia de toxina positiva para C. difficile, os testes s


devem ser repetidos se houver suspeita de recidiva e tiverem sido excluídas outras
causa possíveis para os sintomas do doente.

Tratamento
O objetivo do tratamento consiste em erradicar o C. difficile do intestino e promover o
restabelecimento da microflora normal do cólon.

Quando há suspeita clínica o tratamento deve ser iniciado empiricamente, após


colheita de estudo microbiológico adequado e mesmo que os testes sejam negativos,
dado que os seus valores preditivos negativos são insuficientemente altos para excluir
com certeza doença, o tratamento pode ser mantido.

Medidas gerais:
- Suspender antimicrobianos não essenciais;
- Não usar agentes anti-motilidade;
- Implementar medidas de suporte, como a correção de desequilíbrios
hidroelectrolíticos e a fluidoterapia;
- Solicitar apoio cirúrgico precocemente.

Antibioterapia:
- Primeiro episódio, doença não grave, via oral possível:
1ª linha: Metronidazol 500 mg 3id durante 10 a 14 dias
Alternativa: Vancomicina 125 mg 4id durante 10 dias

- Primeiro episódio, doença grave, via oral possível:


1ª linha: Vancomicina 125 mg 4id durante 10 dias
Alternativa: Fidaxomicina 200 mg 2id durante 10 dias

- Primeira recorrência, doença não grave, via oral possível:


1ª linha: Vancomicina 125 mg 4id durante 10 dias

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Doenças Infeciosas 2017

Alternativa: Fidaxomicina 200 mg 2id durante 10 dias

- Múltiplas recorrências, via oral possível:


1ª linha: Fidaxomicina 200 mg 2id durante 10 a 14 dias
Alternativa: Vancomicina 125 mg 4id durante 2 semanas e posteriormente em regime
intermitente durante 4 semanas ou em regime de redução gradual da dose (125 mg
4id 10 -14 dias  125 mg 2id 7 dias  125 mg id 7 dias  125 mg cada 2/3 dias
durante 2 a 8 semanas)

- Quando a via oral não se encontra disponível:


Doença não grave – Metronidazol EV 500 mg 3id durante 10 dias
Doença grave ou recorrências – 1ª linha: Metronidazol EV 500 mg 3id durante 10 dias
+ Enemas de retenção com Vancomicina 500 mg4 id; Alternativa: Tigeciclina 50 mg 2id
por 14 dias

Transplante fecal
O objetivo é restaurar o microbioma intestinal de um indivíduo saudável. É uma
técnica de baixo custo e pouco complexa, cuja aceitação é crescente. Ainda assim,
persistem algumas dúvidas nomeadamente no que se refere à escolha dos dadores,
havendo necessidade de rastreio rigoroso destes. Há, contudo, indicação de quem não
pode ser dador:
- Uso de antiboterapia nos 3 meses anteriores à doação;
- História de doença gastrointestinal (doença inflamatória intestinal, cólon
irritável…) ou de cirurgia major;
- História de doenças auto-imunes ou terapêutica atual com
imunomoduladores;
- História de doenças neurológicas, doenças do desenvolvimento, fibromialgia
ou síndroma da fadiga crónica;
- Portadores de síndroma metabólica, obesos ou pessoas com défice nutricional;
- História de doença neoplásica ativa ou prévia.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 34


Doenças Infeciosas 2017

Indicações:
- Doença recorrente ou recidiva:
- Três ou mais episódios de doença leve ou moderada e falência
terapêutica prévia a ciclo alargado de vancomicina.
- Doença moderada que não responde à terapêutica convencional (pelo menos
uma semana).
- Doença severa e fulminante que não responde à terapêutica convencional em
48h.

Técnica:
- Diluir e homogeneizar o material em soro fisiológico;
- Filtrar se necessário;
- Administração:
- Infusão direta no tubo digestivo – endoscopia, sonda nasojejunal,
colonoscopia, enema;
- Centrifugação do preparado e colocação em cápsulas de gelatina para
ingestão;
- A via de administração não parece alterar a eficácia.

Opções futuras para tratamento de infeções por C. difficile (exemplos):


- “Novos” antimicrobianos: Rifaximina, Ácido fusídico, Ramoplanina,
Teicoplanina...;
- Agentes neutralizadores das toxinas: Colesteramina, por exemplo;
- Imunoterapia – Imunização ativa (toxóide) e passiva (anticorpos monoclonais
– bezlotoxumabe – já aprovado nos Estados Unidos);
- Sais biliares (ácido ursedesoxicólico);
- Inativação intestinal de antibióticos;
- Agentes protetores dos enterócitos.

Importância em contexto hospitalar

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Doenças Infeciosas 2017

Atendendo à sua capacidade de persistir no ambiente (através dos esporos) e de


resistir à solução antisséptica de base alcoólica habitualmente utilizada para
desinfeção das mãos, preconizam-se as seguintes atitudes em ambiente hospitalar:
- Colocação dos indivíduos com infeção suspeita ou confirmada por este gérmen em
quartos individuais. Se tal não for possível, realizar isolamento por coortes;
- Utilização de equipamento não crítico dedicado;
- Adoção de medidas de isolamento de contato – uso de bata e luvas na abordagem
do doente;
- Higiene das mãos com água e sabão;
- Higienização das unidades, superfícies e materiais com soluções de hipoclorito;
- Fomentar utilização racional de antimicrobianos.

Referências:
1. Leffler D, Lamont T. Clostridium difficile infection. N Engl J Med 2015;
372:1539-48
2. Bauer M et al. Clostridium difficile infection in Europe: a hospital-based survey.
Lancet 2011; 377: 63–73
3. Crobach et al. European Society of Clinical Microbiology and Infectious
Diseases: update of the diagnostic guidance document for Clostridium difficile
infection. Clinical Microbiology and Infection 2016; 22 S63-S81
4. Norma número 19/2014 de 19/12/2014 da Direção-Geral da Saúde.
Diagnóstico da Infeção por Clostridium difficile nos Hospitais, Unidades de
Internamento de Cuidados Continuados Integrados e na Comunidade
5. Debast S, Bauer M and Kuijper E. European Society of Clinical Microbiology and
Infectious Diseases: Update of the Treatment Guidance Document for
Clostridium difficile Infection. Clinical Microbiology and Infection 2014; vol 20,
supplement 2

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Doenças Infeciosas 2017

Brucelose

Brucelose, também conhecida como febre-de-malta ou febre ondulante, é uma zoonose


sistémica, provocada por bactérias do género Brucella.
A sua descrição deve-se a David Bruce, que em 1887 a identificou na ilha de Malta.
A infeção tem distribuição planetária, mas com incidência mais documentada nos países da
bacia do Mediterrâneo, norte de África e Médio Oriente.
Com uma incidência cada vez menos frequente no nosso meio, apresenta ainda, contornos
preocupantes na saúde humana, para além de um peso importante na economia animal.
A brucelose é doença de declaração obrigatória. Nos últimos anos foram notificadas em
Portugal e em média, cerca de meia centena de casos confirmados, anualmente.
O reservatório mais comum, no nosso meio, é o gado caprino e ovino.
Convém lembrar a relação entre brucelose e ameaça de bioterrorismo; a Brucella está
classificada na Categoria B (moderada morbimortalidade e moderada capacidade de
disseminação) dos microrganismos com potencial para integrar o arsenal dos agentes
biológicos.
O agente etiológico é um pequeno coco-bacilo Gram negativo, aeróbio não capsulado,
intracelular facultativo, do género Brucella.
A infeção no homem é mais frequentemente provocada por Brucella melitensis, mas também
por B. abortus, B. suis e, mais raramente, por B. canis.
Outras Brucellae geralmente consideradas como não patogénicas para o homem são a B. ovis,
B. pinnipediae, B. ceti, B.microti e B. neotomae.
A Brucella melitensis é predominante em Portugal.
Sendo uma zoonose, as vias de transmissão ao homem são o contacto direto ou indireto, com
os animais infetados ou as suas secreções e produtos biológicos derivados.
Os animais mais frequentemente infetados são o caprino e ovino. Atualmente a infeção
bovina é rara em consequência de programas sistemáticos de controlo sanitário. O cão e o
porco são fonte ocasional de transmissão de infeção.
Devem ser consideradas profissões de risco para a Brucelose as ligadas à agricultura, criação
de gado, bem como funcionários de matadouros e veterinários.
A infeção resulta da penetração da Brucella no organismo, através de lesões na pele ou
contacto com as mucosas, da inalação de aerossóis (acidente em laboratório, bioterrorismo),

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Doenças Infeciosas 2017

ou da ingestão de leite e derivados (lacticínios) não pasteurizados obtidos de animais


infetados. Esta última via de transmissão é a mais frequentemente referenciada.
Após a infeção a Brucella migra para os órgãos do sistema reticuloendotelial tais como
nódulos linfáticos, fígado, baço e medula. Tem a capacidade de sobreviver e multiplicar-se
dentro dos fagócitos do hospedeiro. Esta sobrevivência fica a dever-se à inibição da apoptose.
Outras formas como a transmissão por via sexual, por transfusão ou transplante de órgãos
sólidos, embora descritas, são de extrema raridade. Mães infetadas, que amamentam, podem
transmitir a infeção ao filho lactente.
Há que ter atenção especial, ao viajante regressado de área endémica, nomeadamente de
países do Médio Oriente onde é frequente a transmissão da brucelose por ingestão de
laticínios obtidos a partir de leite de camela.
Após um período de incubação médio que varia de 2 a 4 semanas (5-60 dias), os sintomas
iniciam-se, habitualmente de forma insidiosa. Na ausência de tratamento, pode evoluir para a
cronicidade.
As manifestações clínicas são pouco específicas e variam desde um quadro febril fruste até ao
envolvimento multiorgânico grave.
Na ausência de tratamento (evolução natural), o quadro clínico clássico é constituído por
febre ondulante, sudação intensa, mialgias e artralgias dispersas.
A brucelose é uma infeção sistémica. Qualquer órgão ou sistema pode ser atingido.
O envolvimento do sistema osteoarticular é a complicação focal mais frequente. A espondilite
lombar é a localização mais referida, seguida da sacroileíte. Na criança ou no adulto jovem é
frequente a referência a manifestações agudas de artrite coxo-femural ou do joelho.
O atingimento do sistema nervoso central é pouco frequente, mas de elevada gravidade;
Alterações neurológicas muito variáveis, habitualmente de instalação lenta, associadas à
identificação de Brucella spp na cultura de LCR, ou à presença de anti-corpos anti-Brucella
(com qualquer titulação), também no LCR, confirmam o diagnóstico de neurobrucelose.
Outras alterações como endocardite, hepatite granulomatosa, ou uveíte, são focalizações
pouco frequentes mas descritas como complicações da Brucelose.
Na ausência de manifestações específicas de focalização, o exame objetivo é pobre.
Hepatoesplenomegalia pode ser observada em cerca de 20% dos casos. As alterações
laboratoriais, nomeadamente hematológicas, são discretas; anemia e leucopenia são achados
ocasionais. A punção medular (se praticada), permite identificar granulomas brucélicos em
cerca de 75% dos casos.

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Doenças Infeciosas 2017

A mortalidade é de cerca de 2% e resulta habitualmente de complicações secundárias à


infeção cerebral ou do miocárdio.
Pesquisa de Brucellae, por hemocultura, é o método de eleição, para obter o diagnóstico de
certeza. Mielocultura, cultura de LCR ou de tecidos pós colheita cirúrgica ou biópsia,
nomeadamente de gânglio, são também práticas usuais. A rentabilidade destes
procedimentos é muito variável.
Trata-se de um microrganismo de crescimento lento. Também por este motivo, é fundamental
a qualidade da informação clínica que é enviada ao laboratório, a acompanhar a amostra do
material a cultivar.
Contudo, o diagnóstico imunológico é o mais frequentemente realizado, embora tendo em
atenção variações de sensibilidade e especificidade dos testes praticados.
O teste de Rosa-Bengala (ou prova do antigénio tamponado) é uma prova de aglutinação em
placa. De execução rápida, é um teste de “screening”. É frequentemente utilizado em rastreio
veterinário e, na saúde humana, em inquéritos epidemiológicos. É apenas um teste qualitativo
(resultado expresso de + até ++++). Implica a confirmação através de um Teste de
Imunofluorescência Indireta.
A reação de sero-aglutinação de Wright (ou sero aglutination test – SAT) é um método
qualitativo e quantitativo. Consideram-se positivos títulos superiores a 1/80. Risco de falsos
negativos por “fen menos de zona”
A reação de ELISA (Enzyme-linked immunosorbent assay) deteta anticorpos das classes IgG,
IgM e IgA. Apresenta elevada sensibilidade e especificidade. É de utilidade relevante no
diagnóstico diferencial entre doença ativa e infeção antiga.
As reações podem apresentar resultados “falso-negativo”, pela presença de co-aglutininas,
particularmente nas infeções por Y. enterocolitica e F. tularensis. Doenças do colagénio,
neoplasias ou vacinação anti c lera, podem igualmente ocasionar resultados “falso-negativo”.
O teste da polymerase chain reaction em tempo real (Real Time PCR) é altamente específico e
sensível (acima das 1000 cópias/ml). Trata-se de teste qualitativo que pode ser útil na
diferenciação de Brucella spp e na exclusão da suspeita de Brucelose crónica.

O tratamento deve assentar sempre numa associação de 2 antibióticos. O tratamento de


primeira linha para a fase aguda da Brucelose no adulto é constituído por Doxiciclina
(200mg/dia) + Rifampicina (600-900mg/dia). Outras associações como Doxiciclina +

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Doenças Infeciosas 2017

Estreptomicina demonstraram também serem eficazes, embora com maior risco de efeitos
adversos.
Não há Normas (guidelines) para o tratamento na criança e na mulher grávida. Contudo a
terapêutica com Co-trimoxazol + Rifampicina parece ser segura no tratamento da Brucelose
durante a gravidez. É igualmente uma opção possível na criança (a doxiciclina está aqui
contraindicada, por interferência com a formação do esmalte na dentição definitiva).
O período de tratamento varia entre 6 a 8 semanas. Focalizações podem impor tratamentos
bastante mais prolongados (três meses ou superior, variando de acordo com a evolução
clínica, laboratorial e imagiológica).
A forma mais eficiente de prevenção da transmissão da Brucelose consiste no controlo e
eliminação da infeção nos animais. Vacinação do gado e eventual abate de animais infetados.
Profissionais que intervêm no abate ou manipulação de gado e dos seus derivados,
nomeadamente veterinários e funcionários de matadouros devem adotar medidas de
proteção adequadas (luvas, aventais impermeáveis, viseiras, etc.). Técnicos de laboratório
devem tomar medidas de prevenção adequadas e específicas.
A Brucela é facilmente inativada pelo calor ou uso de desinfetantes comuns.
Não se recomenda o consumo de carne pouco cozinhada.
A pasteurização do leite deve ser sempre praticada.
Não existe atualmente vacina eficaz para imunização humana contra a Brucelose.

Bibliografia

Brucellosis in humans and animals: WHO guidance. Geneva, World Health Organization, 2005.

Centers for Diseases Control and Prevention – Brucellosis


https://www.cdc.gov/brucellosis/ [acedido em 03/07/2017].

European Centre for Disease Prevention and Control. Brucellosis.


https://ecdc.europa.eu/en/brucellosis [acedido em 03/07/2017].

World Health Organization – Brucellosis.


http://www.who.int/zoonoses/diseases/brucellosis/en/ [acedido em 03/07/2017].

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Doenças Infeciosas 2017

RIQUETSIOSES

Introdução
As riquetsioses são doenças exantemáticas febris, provocadas por bactérias do género
Rickettsia. São organismos fastidiosos, Gram negativo, intracelulares obrigatórios e
transmitidos por artrópodes.
A classificação dentro da família das Rickettsiaceae sofreu muitas alterações, dado que
a primeira classificação desta família foi feita com base em características gerais
fenotípicas e na característica funcional de necessitarem células eucariotas como meio
de cultura. Com a evolução tecnológica e o recurso às novas técnicas de biologia
molecular assistiu-se a uma reorganização e reclassificação desta família. Uma destas
alterações foi no género das Rickettsiae, inicialmente dividido em três grupos e
atualmente formado por dois: o das febres botonosas e o grupo tifo. O terceiro grupo
(tifo das moitas ou fluvial) faz parte de um género distinto, Orientia (anteriormente R.
tsutsugamushi). Neste momento existem 26 espécies de Rickettsia descritas, sendo
que cerca de metade são caracterizadas como patogénicas para o ser humano. Estão
presentes em todos os continentes, podendo variar nas suas características clínicas,
epidemiológicas e de diagnóstico, embora o tratamento seja essencialmente o
mesmo. É natural que no futuro existam novas reorganizações taxonómicas e
descrição de novas espécies dentro do género.
Do grupo das botonosas já foram identificadas em Portugal várias espécies, entre elas:
R. sibirica, R. slovaca, R. helvética, R. massilae, R. aeschlimannii, R. conorii e R. felis. A
maioria foram identificadas em estudos de seroprevalência realizados em cães e não
em doentes.
Neste capítulo faremos uma descrição mais detalhada da febre escaro-nodular (FEN),
também designada febre botonosa do mediterrâneo ou febre da carraça, provocada
pela espécie R. conorii, dado que é a zoonose mais frequentemente diagnosticada no
nosso país. Contudo já foram descritos em Portugal casos de doentes em que foram
isoladas outras espécies, como a R. sibirica e R. slovaca. Outras espécies, sobretudo as
pertencentes ao grupo do tifo (responsáveis por grande mortalidade em
determinados períodos da nossa história) podem surgir como patologia reemergente

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Doenças Infeciosas 2017

devido à falta de medidas higieno-sanitárias ou mudanças ambientais, sendo que na


Ásia continuam a ser uma das causas mais frequentes de febre.
Segundo alguns taxonomistas, a espécie R. conorii poderia dividir-se em 4 subespécies,
conorii ou estirpe Malish, caspia, israelensis e indica. Em Portugal as subespécies
dominantes são a R. conorii conorii ou estirpe Malish e a R. conorii israelensis. Em
Portugal o principal vetor da R. conorii é o ixodídeo Rhipicephalus sanguineus (carraça
do cão), sendo que o vetor funciona também como reservatório. Os outros
reservatórios habituais são cães, raposas e pequenos roedores. O ser humano é um
hospedeiro acidental.

Epidemiologia
Como já foi referido, a FEN é a zoonose mais frequentemente diagnosticada em
Portugal. Segundo dados da Direção Geral de Saúde, entre 2000 e 2010 foram
notificados 3,72 casos por 105 habitantes por ano. Os últimos dados oficiais
disponíveis indicam que em 2015 foram notificados 139 casos, aparentemente com
uma tendência decrescente. Contudo, existe uma óbvia subnotificação e estes
números não correspondem à realidade. A região com maior incidência (nos últimos
anos) é a região centro. Em relação à distribuição sazonal é típica dos meses mais
quentes, com o pico de maior incidência no mês de Agosto.
A grande maioria dos casos diagnosticados ocorrem em idades inferiores aos 14 anos,
muito provavelmente pela relação próxima que mantêm com os animais domésticos e
pelo facto de estarem mais em contacto com o solo. Não obstante, a incidência volta a
aumentar a partir dos 50 anos de idade.

Transmissão
A doença é transmitida ao homem pela picada da carraça infetada, enquanto se
alimenta. Parece que para existir uma transmissão eficaz deverá existir uma
parasitação humana por parte do artrópode de pelo menos 6 horas. A carraça é capaz
de transmitir a doença em qualquer estádio (larva, ninfa e adulto) mas a maioria dos
casos de FEN são provocados pela carraça no estádio de ninfa.
Fisiopatologia

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Doenças Infeciosas 2017

Após a picada existe uma disseminação das rickettsias pela via sanguínea produzindo
uma vasculite sistémica de pequenos e médios vasos, resultado do tropismo das
rickettsias pelas células endoteliais (onde se multiplicam), provocando um aumento da
permeabilidade vascular que irá ser responsável pelas manifestações clínicas e
analíticas da doença.
Clínica
O período de incubação normalmente varia entre três a sete dias. Classicamente a
doença apresenta-se como uma tríade de febre, exantema maculopapular (em casos
raros, petequial) [senão parece que o exantema é que é raro] e a escara de inoculação
no local da mordedura da carraça (habitualmente única), apelidada pelos franceses de
tâche noir pelo seu aspeto.
Habitualmente o quadro inicia-se com febre acompanhada de mialgias intensas e
cefaleias, seguido, após três-quatro dias de um exantema maculopapular ascendente
que não poupa palmas nem plantas dos pés e que pode persistir até aos 20 dias. A
escara de inoculação nem sempre está presente e resulta inicialmente do trauma local
da picada do vetor e posteriormente das lesões tecidulares provocadas pela Rickettsia
e resposta inflamatória. O seu aspeto é de uma foliculite que evolui para uma lesão
ulcerada coberta por uma escara negra acompanhada ou não por uma adenomegalia
satélite. Esta lesão de inoculação é de extrema importância para o diagnóstico precoce
e deve, portanto, ser realizada uma inspeção rigorosa do doente com suspeita de FEN
(normalmente a lesão pode ser encontrada nas zonas cobertas por roupa, região das
flexuras, zona púbica, espaços interdigitais ou espaço retroauricular).
Apesar de uma evolução normalmente benigna, podem surgir complicações graves e
eventualmente fatais como meningoencefalite, arritmias, coagulação intravascular
disseminada, insuficiência respiratória e renal.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se em três critérios: clínico, epidemiológico e laboratorial.
A presença da tríade clássica constitui a base do diagnóstico na maioria dos casos. Um
quadro clínico sugestivo, com contexto epidemiológico e na época do ano adequada é
FEN, até prova em contrário. Contudo, a escara de inoculação nem sempre está
presente. Segundo algumas casuísticas, está presente em apenas 40 a 60% dos casos e

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Doenças Infeciosas 2017

em algumas subespécies de Rickettsia conorii é raro existir. Nestes casos, os outros


critérios podem ajudar a esclarecer o diagnóstico.
A nível analítico as alterações mais comuns são a elevação da lactato desidrogenase e
da enzimologia hepática com trombocitopenia, embora estas alterações sejam
inespecíficas. Em relação aos métodos laboratoriais mais específicos que permitem a
confirmação do diagnóstico temos o isolamento por cultura celular (Shell vial),
técnicas imuno-histológicas ou amplificação de ADN por PCR a partir de zaragatoa de
escara bem como de biopsia cutânea ou da escara de inoculação. Por serem
dispendiosos, estes métodos são reservados geralmente para estudos
epidemiológicos. Na prática clínica, o método mais utilizado é a determinação de
anticorpos por imunofluorescência indireta (IFI). O diagnóstico é confirmado por
seroconversão, título IgM ≥ 1/32 e/ ou IgG ≥ 1/128 na fase aguda ou por um aumento
de 4 vezes entre o título do teste realizado na fase aguda e na fase de convalescença
da doença (colhido 4 a 6 semanas após início das queixas). Este método não permite a
descriminação de subespécies e apresenta a limitação inerente ao método de não
permitir fazer o diagnóstico numa fase precoce da doença. A reação de Weil-félix
apesar de ainda utilizada em alguns hospitais, não deve ser realizada pela sua
baixíssima sensibilidade e especificidade.

Tratamento
O tratamento de eleição é a doxiciclina na dose de 100mg duas vezes por dia durante
7 dias. Embora haja pouco consenso no que diz respeito à duração e cada vez mais se
preconizar tratamentos mais curtos, é altamente recomendado que o antimicrobiano
seja retirado apenas após 48 horas de apirexia. Existem outros antimicrobianos com
ação provável para a FEN como os macrólidos que podem surgir com primeira linha no
caso das crianças e das grávidas. As quinolonas também podem ser utilizadas como
segunda linha mas são menos eficazes. O cloranfenicol é também uma possibilidade,
embora seja cada vez menos utilizado pelo seu conhecido efeito tóxico medular.

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Doenças Infeciosas 2017

Prevenção
A prevenção vai incidir no vetor, nos reservatórios e no ser humano. Em relação ao
vetor, a utilização de repelentes que contem DEET (N,N-dietil-m-toluamida) pode
impedir a picada. No que diz respeito aos reservatórios, o mais importante é a
desparasitação dos animais domésticos e o controlo dos roedores.
No ser humano aconselha-se que, perante uma atividade com risco potencial, utilize
roupa clara que permita a visualização do vetor e que cubra a maior área corporal
possível. Após estas atividades, a realização de uma inspeção cuidadosa do corpo
pode impedir a transmissão da bactéria dado que parecem ser necessárias pelo menos
6 horas de contacto com o artrópode vetor. A vigilância epidemiológica desta doença
é essencial para o conhecimento da sua evolução, sendo uma doença de declaração
obrigatória.

Outras riquetsioses de interesse em Portugal


A infeção pela R. slovaca origina a síndrome conhecida como SENLAT – scalp eschar
and neck lymphadenopathy after a tick bite - previamente conhecida como
TIBOLA/DEBONEL, doença transmitida pela carraça Dermacentor marginatus. O
quadro clínico é uma doença febril semelhante à FEN mas menos intensa. As
características que permitem a diferenciação da FEN são a ausência do exantema e a
localização da escara de inoculação que quase sempre se encontra no couro cabeludo,
com linfangite e adenomegalia regional associada. Normalmente é mais comum no
princípio da Primavera e Outono. Tem um curso benigno, podendo manter-se alopecia
no local da escara e astenia após resolução do quadro.
A Rickettsia sibirica foi descrita inicialmente na Sibéria em 1930 e é o agente etiológico
da Lymphangitis-associated Rickettsiosis (LAR). Do ponto de vista clínico, é muito
semelhante à FEN, incluindo escara de inoculação que por vezes pode não ser única. A
sua característica clínica mais diferenciadora é a existência de uma linfangite entre a
escara e adenomegalia periférica.
O tratamento de ambas é com doxiciclina, na dose de 100mg 2id, com uma duração
semelhante ao da FEN.

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Doenças Infeciosas 2017

Bibliografia
[1] – Alexandre N, Santos A, Bacellar F, Boinas F, Núncio M, Sousa R: Detection of
Rickettsia conorii strains in Portuguese dogs (Canis familiaris). Ticks Tick Borne
Dis 2011; 2(2):119–22.

[2] – Meireles M, Magalhães F, Arlindo G: Febre Escaro-Nodular: Revisão Retrospetiva


de Casos Hospitalizados e Fatores Preditores de Doença Severa Acta Med Port 2015
Sep-Oct;28(5):624-631
[3] - Louro E, Campos A, Leitão J, Carvalho A, Santos R, Reis C, Almiro E, Porto A: Febre
escaro-nodular: uma zoonose benigna? Sociedade Portuguesa de Medicina Interna,
Medicina Interna 2006; 13(1): 14-18
[4] - Daniel J Sexton. "Other spotted fever group rickettsial infections." Uptodate.com.
n.d.
[5] – Sousa R, Nóbrega SD, Bacellar F, Torgal J: Sobre a realidade da Febre escaro-
nodular em Portugal. Acta Med Port 2003, 16:429-436.

Febre Q

Introdução
A febre Q foi descrita pela primeira vez em 1935 em Queensland, Austrália, por
Edward Derrick, no decorrer de um surto febril em trabalhadores de um matadouro.
Por não se saber exatamente de que doença se tratava, foi apelidada de query fever.
Em Portugal é considerada uma doença endémica, sobretudo no centro e sul do país,
e de declaração obrigatória desde 1999.
A febre Q é uma zoonose cujo agente causal é a Coxiella burnetii, um cocobacilo Gram
negativo, intracelular e esporulado. É uma doença com distribuição mundial, que
normalmente se manifesta de forma aguda, embora tenha potencial para formas
crónicas.
O seu reservatório animal mais importante é composto por gado caprino, bovino e
ovino. Contudo, foram descritos em estudos de seroprevalência outros reservatórios

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Doenças Infeciosas 2017

animais como camelos, pássaros selvagens, carraças, cães, gatos, pequenos roedores e
cavalos.
Os animais infetados excretam a bactéria através da urina, fezes, leite e secreções
vaginais sobretudo no momento do parto. Na sua forma de esporo é altamente
resistente e capaz de sobreviver durante meses. Os seres humanos são infetados pela
inalação de aerossóis contaminados pela bactéria. Esta característica, aliada à sua alta
virulência torna-a um potencial agente de bioterrorismo. Outras formas menos
comuns e possíveis de transmissão são a ingestão de produtos contaminados,
inoculação intradérmica, transmissão sanguínea e sexual. Após a sua inalação ou
ingestão existe inicialmente uma disseminação hematogénica, responsável pelos
primeiros sintomas sistémicos e posteriormente ocorre captação pelos macrófagos.
Nesta fase, dependendo do estado imunitário e de outras características do
hospedeiro, a bactéria é eliminada ou controlada pela formação de granulomas ou
pode evoluir para formas persistentes da doença.
O seu impacto em Portugal é difícil de avaliar dado que existe uma clara
subnotificação da doença, com o diagnóstico serológico a ultrapassar em mais do
dobro os casos declarados. Esta subnotificação pode ser explicada pela falta de
especificidade do quadro clínico e por muitas vezes ser um quadro assintomático ou
uma síndrome febril autolimitada. A incidência em 2008 foi calculada em 0,11 casos
por 105 habitantes, e de 2012 a 2015 foram notificados 96 casos de Febre Q, sendo a
região de Lisboa e Vale do Tejo a região de maior incidência. Verificou-se um aumento
dos casos notificados desde 2011, parecendo existir um predomínio no género
masculino e no grupo etário entre os 25 e os 34 anos.

Clínica
A maioria dos casos de Febre Q cursa com clínica inespecífica, podendo mesmo ser
assintomática. Os casos sintomáticos, podem dividir-se pela forma aguda ou crónica.

Dentro das formas de apresentação aguda, a mais comum é uma síndrome febril
autolimitada, após um período de incubação médio de 20 dias, acompanhada de
cefaleias intensas e mioartralgias. Ao contrário das riquetsioses, a existência de
exantema é rara. Este quadro clínico dura normalmente entre uma a três semanas.
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Doenças Infeciosas 2017

As outras manifestações associadas a apresentação aguda são a hepatite e a


pneumonia.
Em relação à hepatite, o quadro mais típico é a elevação da enzimologia hepática que,
contudo, se pode fazer acompanhar de hepatomegalia e raramente de icterícia.
Muitas vezes, no decorrer do estudo etiológico de uma febre de origem desconhecida
é o agente responsável por uma hepatite granulomatosa.
No que diz respeito à pneumonia, comporta-se como uma pneumonia atípica, com
tosse não produtiva e um padrão radiológico semelhante a uma pneumonia viral.
Outras formas agudas desta doença, mais raras e com uma mortalidade elevada, são a
endocardite aguda, miocardite ou pericardite e a meningite e/ou encefalite.
Em cerca de 5% dos casos, a febre Q pode também manifestar-se de forma crónica
como uma doença localizada. Os fatores de risco para o desenvolvimento da forma
crónica são a gravidez, a doença neoplásica, a doença valvular cardíaca prévia e a
existência de próteses articulares.
A nível do sistema cardiovascular, pode originar quadros de endocardite crónica ou
subaguda. A Coxiella burnetii é, portanto, um dos agentes a pensar em endocardites
com hemoculturas negativas, sobreinfecção de próteses vasculares e aneurismas.
A nível osteoarticular, pode manifestar-se como osteomielite ou artrite, sobretudo em
doentes portadores de próteses articulares.
Na gravidez esta doença encontra-se associada a aborto espontâneo, atraso no
desenvolvimento fetal e prematuridade.

Diagnóstico
O diagnóstico é difícil de realizar apenas pela clínica, que, como referido
anteriormente, é inespecífica. Contudo, os dados epidemiológicos podem ajudar a
suspeitar deste diagnóstico, particularmente em indivíduos que trabalhem em
matadouros ou com atividade agrícola, sobretudo pastores, veterinários e ainda
funcionários de laboratórios onde se trabalhe com esta bactéria. Pode ocorrer durante
todo o ano, sendo mais comum nos meses de Primavera e Verão.

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Doenças Infeciosas 2017

Analiticamente, as alterações são também inespecíficas. Normalmente apresenta-se


com uma ligeira leucocitose, trombocitopenia com elevação da enzimologia hepática e
de marcadores inflamatórios.
Neste contexto, o diagnóstico laboratorial assume extrema importância, podendo ser
feito através de métodos directos (normalmente não utilizados) e de métodos
indiretos. Os métodos diretos consistem em imunohistoquimica com visualização
directa nos tecidos afetados, deteção de ADN e isolamentos por cultura (num
laboratório de nível 3 em termos de exigência de biosegurança pelo risco de
contaminação).
Os métodos indiretos são os mais utilizados na prática clínica, como a Enzyme Linked
Immunosorbent Assay (ELISA), fixação do complemento e imunofluorescência
indirecta (IFI). Este último é o método de referência, segundo a OMS para o
diagnóstico serológico da febre Q e vai permitir detetar anticorpos tipo IgG, IgA e IgM
para antigénios de fase I e II. Esta variação antigénica que a bactéria sofre vai permitir
a distinção entre febre Q cr nica e aguda. Em Portugal um título de IgG ≥ 200 e IgM ≥
50 anti-fase II é indicador de infecção aguda, enquanto que um título de IgG ≥ 800
anti-fase I é indicador de infecção crónica. Relembrar que os métodos de deteção de
anticorpos têm a limitação inerente de só serem positivos após um periodo de 7 a 15
dias após o início dos sintomas.

Tratamento
A abordagem terapêutica é diferente para os casos agudos e crónicos. O tratamento
da doença aguda é empírico e não se deve aguardar pelos resultados serológicos.
O tratamento da Febre Q aguda em adultos e crianças com idade igual ou superior a 8
anos, sintomáticos, deve ser feito com doxiciclina, na dose de 100mg 2id durante duas
semanas. Em crianças com menos de 8 anos anos e até aos dois anos o recomendado
é o cotrimoxazol (Sulfametoxazol+Trimetoprim). Nas grávidas sintomáticas e
assintomáticas, recomenda-se tratamento com cotrimoxazol durante o período da
gravidez mas deve ser interrompido às 32 semanas pelo risco de hiperbilirrubinemia.
Os macrólidos podem constituir uma alternativa para crianças e grávidas.

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Doenças Infeciosas 2017

Nos casos de infeção crónica localizada, o tratamento deve ser feito com doxiciclina
100mg 2id, associada a hidroxicloroquina 200mg 3id, por um período de 18 a 24
meses, embora nalguns casos possa haver necessidade de manter o tratamento para
além dos 24 meses.
Deve existir um seguimento serológico destes doentes para a abordagem mais
precoce possível no caso de evidência serológica de doença crónica.
Existem alguns autores que sugerem que, no caso dos doentes com factores de risco
para doença crónica, nomeadamente história pessoal de febre reumática, prótese
valvular, prolapso mitral, cardiomiopatias congénitas ou clínica de endocardite aguda,
deve ser iniciada terapêutica com esquema de doxiciclina 100 mg 2id e
hidroxicloroquina 200mg 3id durante 12 meses.

Profilaxia
Deve-se ter cuidado na eliminação de produtos do parto de gado caprino e ovino,
promover-se a vacinação contra este agente nestes animais, consumir produtos
lácteos pasteurizados e educar a população (sobretudo a de risco) sobre as fontes da
infecção e sintomatologia.

Bibliografia
[1] – Anderson A, Bijlmer H, Fournier PE, Graves S, Hartzell J, Kersh GJ, Limonard G,
Marrie TJ, Massung RF, McQuiston JH, Nicholson WL, Paddock CD, Sexton DJ:
Diagnosis and Management of Q Fever – Recommendations from CDC and the Q Fever
Working Group. MMWR 2013; 62(RR03):1-23
[2] – Febre Q: Santos A: Do diagnóstico à investigação ecoepidemiológica de Coxiella
burnetii no contexto da infeção humana. Boletim Epidemiológico Observações,
Trimestre Outubro – Dezembro de 2015 – INSA
[3] - Santos AS, Bacellar F, França A: Febre Q: revisão de conceitos. Medicina Interna
2007, 14(2):90-99.
[4] – Didier Raoult. "Clinical manifestations and diagnosis of Q fever." Uptodate.com.
n.d.

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Doenças Infeciosas 2017

Doença de Lyme

A doença de Lyme, também conhecida por Borreliose de Lyme, é uma zoonose de


reconhecida importância médica a nível mundial, sobretudo no Hemisfério Norte. É
provocada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi sensu lato, uma bactéria espiralada e
móvel, transmitida ao homem geralmente de forma acidental através da mordedura
de carraças do género Ixodes.
É mais frequente nas zonas temperadas da América do Norte, Europa e África e
durante os meses quentes. Na Europa, os países mais afectados são a Alemanha,
Áustria, Eslovénia e Suécia.
O primeiro grande surto descrito ocorreu em 1976 em Lyme (Connecticut), na altura
interpretado como artrite reumatóide juvenil. Outros surtos prévios ficaram
conhecidos como eritema migrans crónico, síndrome de Bannwarth e acrodermite
crónica atrófica.

Existem grandes variações entre a doença euroasiática e a americana. Em termos de


etiologia, a doença americana é geralmente provocada por Borrelia burgdorferi sensu
strictu (grupo 1), a europeia por Borrelia garinii (grupo 2), Borrelia afzelii (grupo 3),
sendo também possível por B. burgdorferi sensu strictu, enquanto a asiática é apenas
por B.afzelii ou garinii.
Os vectores são também diferentes: a americana é transmitida sobretudo por Ixodes
scapularis e Ixodes pacificus, a europeia por Ixodes ricinus e a asiática por Ixodes
persulcatus.

Patogénese
Nos meses frios, durante o estádio de ninfa da carraça, a bactéria permanece
adormecida no seu intestino. À medida que a temperatura sobe, a carraça torna-se
adulta e tende a ir procurar alimento, picando o mamífero e injectando nele bactérias.
No homem, ela vai-se multiplicar localmente na pele e vão ser chamadas células do
sistema imunitário, levando a uma resposta inflamatória marcada à custa de células
mononucleares e citocinas por elas libertadas (sobretudo IFN-gama). A disseminação

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Doenças Infeciosas 2017

ocorre posteriormente, podendo isolar-se a bactéria no sangue e no LCR


precocemente, para além de possível atingimento tecidular, nomeadamente
miocárdico. Os tecidos afectados apresentam, tipicamente, um infiltrado linfocitário e
alterações associadas a um processo vasculítico.
A infecção por esta espiroqueta inibe a resposta imunitária do hospedeiro, razão pela
qual ocorre disseminação. Apesar disso, no indivíduo imunocompetente, a imunidade
celular (linfócitos B e T, opsonização e complemento) é geralmente suficiente para
debelar a infecção mesmo na ausência de antibioterapia.

Clínica
Tal como em infecções por outras espiroquetas (sífilis, leptospirose…), a doença de
Lyme pode cursar com surtos e remissões. Pode assim dividir-se em estádios conforme
a duração e a localização:
1. Estádio 1 – doença inicial, aguda e localizada. Ocorre no sítio da picada da
carraça e corresponde ao eritema migrans – lesão avermelhada com centro
endurecido e eritematoso, vesicular ou necrótico que progressivamente vai clareando
(aspecto em “alvo”). É mais frequente na forma americana e a lesão é muitas vezes
acompanhada de linfadenopatia regional.
2. Estádio 2 – doença disseminada que ocorre dias a semanas depois. A forma
mais frequente é a cutânea, correspondendo a lesões múltiplas, arredondadas,
geralmente mais pequenas e menos migratórias do que a lesão inicial. Pode também
haver envolvimento meníngeo, articular, hepático, cardíaco, muscular e ocular, entre
outros. A ausência de tratamento nesta fase pode levar a sequelas graves,
nomeadamente radiculoneurite motora e/ou sensorial, mononeurite multiplex, ataxia
cerebelosa, mielite, cegueira por atingimento do nervo óptico, bloqueios aurículo-
ventriculares, disfunção ventricular, osteomielite, entre outros.
3. Estádio 3 – doença persistente que se mantém durante meses ou até anos.
Mais frequente na forma americana, deve-se a respostas celular e humoral
exageradas e apresenta-se, na grande maioria das vezes, como artrite infecciosa. Na
doença por Borrelia garinii pode também ocorrer encefalomielite crónica, um quadro
caracterizado por paraparésia espástica, ataxia, disfunção vesical, neuropatia craniana

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(sobretudo 7º e 8º pares cranianos), enquanto que a complicação mais comum na


doença por Borrelia afzelii é a acrodermite crónica atrófica.

Síndrome pós-Doença de Lyme


Muitas vezes de diagnóstico diferencial com a doença persistente, nesta síndrome as
artralgias são o sintoma mais frequente, acompanhadas de mialgias, dificuldades
neurocognitivas, fadiga incapacitante e alteração do padrão do sono. Os sintomas
podem manifestar-se logo após a infecção ou iniciar após mais de um ano decorrido
desta, com alguns estudos a apontar uma relação com a presença do alelo HLA
DRB1*0401, responsável por inflamação excessiva, desregulação imune e fenómenos
de auto-imunidade local.
A clínica é semelhante àquela presente em outras síndromes de fadiga crónica e na
fibromialgia, estando recomendada apenas terapêutica sintomática.

Diagnóstico
O diagnóstico deve assentar num quadro clínico e epidemiologia compatíveis,
associados à serologia. A pesquisa de anticorpos (IgG, IgM e IgA) para Borrelia spp
pode ser feita no sangue e no LCR, inicialmente por método ELISA que, no caso de ser
positivo, deve ser confirmado por Western-Blott.
A cultura de material orgânico afectado (pele, sangue, LCR) e a amplificação por PCR
(sobretudo de líquido articular) podem também ser de grande mais-valia no
diagnóstico.

Diagnóstico Diferencial
A doença localizada deve ser diferenciada da simples reacção alérgica local à picada da
carraça, geralmente de aparecimento mais rápido, logo após a agressão.
A doença disseminada cutânea faz diagnóstico diferencial com o eritema multiforme,
e o atingimento de pares cranianos pode mimetizar a paralisia de Bell (paralisia facial
por vírus Herpes simplex 1) ou a síndrome de Ramsay-Hunt (por vírus Varicella-zoster).
A doença persistente pode confundir-se com a artrite do adulto ou a artrite
reumatoide da criança, assim como com a fibromialgia. Neste último caso, uma

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Doenças Infeciosas 2017

característica da doença persistente e que auxilia no diagnóstico diferencial, é o facto


de atingir localizações diferentes de forma intermitente, com inflamação objectivável,
algo que não acontece na fibromialgia.

Tratamento
Os doentes tratados em fases iniciais da doença e com o antibiótico adequado,
normalmente recuperam rápida e totalmente.
A selecção do antibiótico, a via de administração e a duração do tratamento da
doença de Lyme dependerá das manifestações clinicas do doente e do estádio da
doença assim como das comorbilidades e alergias medicamentosas conhecidas.
No estádio inicial, tanto na apresentação com eritema migratório único ou múltiplo,
recomenda-se o tratamento com doxiciclina 100mg 2id PO durante 14-21 dias ou
amoxicilina 500mg 3 id PO também com a duração de 14-21 dias. Em caso de alergia
ou intolerância, cefuroxime 500mg 2 id por 14-21 dias.
Nas crianças com idade inferior a 8 anos e grávidas, o tratamento deve ser feito com
amoxicilina ou cefuroxime.
Nas manifestações neurológicas, o tratamento deve ser endovenoso, recomendando-
se ceftriaxona 2gr durante 14 - 21 dias ou penicilina G 20 milhões UI/dia divididas em
4 doses diárias durante 14-28 dias. As excepções são a paralisia de nervo único e a
nevrite isolada, em que se pode optar por tratamento oral apenas.
No atingimento cardíaco a instituição rápida de antibioterapia adequada é,
habitualmente, suficiente, contudo, alguns doentes com bloqueio AV requerem
internamento e colocação de pacemacker transitório. As recomendações de
tratamento para doentes com bloqueio AV de 1º grau são idênticas às do estádio
inicial (doxiciclina 100mg 2 id 14-21 dias ou amoxicilina 500mg 3 id 14-21 dias). No
caso de bloqueio AV de alto grau recomenda-se o tratamento com ceftriaxona 2gr ev
por 14 - 21 dias ou penicilina G, 20 milhões UI e.v. diárias em 4 doses dia por 28 dias
Na artrite, o tratamento recomendado é também o regime oral por 28 dias, que deve
ser continuado até 60 dias se persistirem os sinais inflamatórios articulares.
Alternativamente, ceftriaxone por via endovenosa durante 14 a 28 dias.

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Doenças Infeciosas 2017

É frequente que, após o tratamento antibiótico da doença de Lyme, persistam


sintomas como fadiga, dores articulares e musculares. Uma pequena percentagem
destes doentes apresenta sintomas que se estendem para além de 6 meses, condição
conhecida como síndrome pós-doença de Lyme, e a sua causa encontra-se em estudo.

Bibliografia

WORMSER, Gary P. et al. (2006) The Clinical Assessment, Treatment, and Prevention
of Lyme Disease, Human Granulocytic Anaplasmosis, and Babesiosis: Clinical Practice
Guidelines by the Infectious Diseases Society of America (IDSA). Clinical Infectious
Diseases 2006; 43 (9): 1089-1134.

CAMERON, Daniel J. et al. (2014) Evidence assessments and guideline


recommendations in Lyme disease: the clinical management of known tick bites,
erythema migrans rashes and persistent disease. Lyme Disease Association, Inc.
https://www.lymediseaseassociation.org/

Cameron DJ, Johnson LB, Maloney EL. Evidence assessments and guideline
recommendations in Lyme disease: the clinical management of known tick bites,
erythema migrans rashes and persistent disease. Expert Review of Anti-infective
Therapy 2014; 12(9): 1103-1135.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 55


Doenças Infeciosas 2017

MENINGITE BACTERIANA AGUDA

O diagnóstico desta entidade baseia-se em dois elementos fulcrais:


1) - Na clínica, onde o inicio agudo de febre e/ou sinais de sépsis, sinais e/ou
sintomas meníngeos e disfunção do SNC devem levantar a suspeita do diagnóstico.
2) - Nos exames citoquímico e bacteriológico do LCR, onde geralmente se
verifica proteinorraquia aumentada, glicorraquia diminuída (por comparação sempre
com a glicemia), pleocitose com predomínio de neutrófilos e, eventualmente,
pesquisa de antigénios bacterianos específicos por técnicas imunocromatográficas
e/ou cultura de LCR positiva. As hemoculturas assumem um papel potencialmente
relevante e, com menor especificidade, também a elevação da proteína C-reactiva
sérica e a presença de leucocitose. Especialmente nos casos em que o exame
bacteriológico seja negativo e naqueles em que tenha havido toma prévia de
antibióticos, as modernas técnicas de PCR podem revelar-se de grande utilidade para
o diagnóstico (taxas de sensibilidade de 87 a 100% e de especificidade de 98 a 100%).
Na pesquisa deste diagnóstico devem sempre ser tidas em conta as contra-
indicações à execução de uma punção lombar (presença de edema da papila, suspeita
de herniação cerebral ou lesão ocupante de espaço, protrombinémia inferior a 50%,
plaquetas inferiores a 40 G/L, choque séptico e alterações cutâneas importantes na
zona de punção). Sempre que se coloque a possibilidade de realização de punção
lombar, deve guardar-se para depois desta (4 horas depois), a administração de
heparina de baixo peso molecular. Caso tenha havido toma prévia de heparina de
baixo peso molecular, deve deferir-se a realização da punção lombar por 12 horas, nos
casos de heparina em dose profilática, ou por 24 horas, nos casos em que a heparina
tenha sido usada em dose terapêutica. Em doentes medicados com Clopidogrel a
punção lombar só deverá ser efectuada 7 dias após a sua suspensão, ou após
transfusão de plaquetas, ou ainda da administração de Desmopressina.
Os agentes etiológicos envolvidos dependem de várias circunstâncias, como
sejam a idade do doente, a presença de factores predisponentes, a integridade do
sistema imunitário, a região geográfica e a existência eventual de surtos epidémicos
(Meningococo).

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Doenças Infeciosas 2017

Apesar destas variáveis, podemos afirmar que mais de 90% dos casos de
meningite bacteriana aguda são provocados por um destes dois gérmenes: Neisseria
meningitidis (Meningococo) e Streptococcus pneumoniae (Pneumococo). O
Haemophilus influenza tipo B, outrora agente etiológico importante, viu a sua
incidência diminuir drasticamente após generalização da vacina anti-HiB.
O tratamento da meningite bacteriana aguda engloba um conjunto de medidas
destinadas a lutar não só contra a infecção, mas também contra o choque, coagulação
intravascular disseminada, desequilíbrios hidroelectrolíticos / gasométricos,
hipertermia, convulsões e hipertensão intracraniana / edema cerebral. A
antibioterapia, adiante referida em pormenor, deve obedecer às seguintes normais
gerais:
1 - Deve ser realizada imediatamente após colheita urgente de LCR e sangue
para culturas ou, caso seja necessária a realização de exames imagiológicos antes da
punção lombar, após colheita de hemoculturas. Se houver lesões purpúreas
disseminadas ou alteração hiperaguda do estado de consciência, deve ser
administrado antibiótico imediatamente, mesmo antes de colheitas caso o doente
ainda se encontre em ambulatório.
2 - Devem ser usados antibióticos bactericidas, administrados por via
endovenosa e em doses máximas (doses referidas como “meníngeas”), que se
destinam a permitir o ultrapassar da barreira hemato-encefálica.
3 – Sempre que se opte pela utilização de Vancomicina, aconselha-se a
realização do seu doseamento sérico “em vale”, procurando-se a obtenção de
vancomicinémias o mais aproximado possível dos 20 mcg/ml (entre 15 e 20 mcg/ml).
O critério de cura é exclusivamente clínico, não se justificando a realização de
punção lombar de controlo nos casos de boa evolução. Na eventualidade de evolução
não favorável, deve pensar-se nas seguintes possibilidades:
1 - Complicações supuradas intracranianas e/ou agravamento do edema
cerebral associado (o que é indicação para realização de TAC-CE urgente).
2 – Resistência do gérmen ao antibiótico (frequente a do Haemophilus à
Ampicilina, mais rara a do pneumococo à Penicilina, muito rara a do Meningococo à
Penicilina).

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Doenças Infeciosas 2017

3 – Caso não tenha sido possível isolar um agente, ponderar estar em causa
uma bactéria menos comum (Listeria, Estafilococos, bacilos de Gram negativo),
principalmente em hospedeiros imunocomprometidos ou com factores de risco
específicos. A repetição da punção nestas duas últimas eventualidades será a atitude
mais prudente, juntamente com alteração empírica do esquema antibiótico.
Relativamente aos esquemas antibióticos seguintes, aplicam-se a adultos com
função renal normal (consultar também bibliografia pediátrica). As doses e o
significado das siglas são apresentados posteriormente, em quadro específico.

Tratamento Antibiótico Empírico da Meningite Bacteriana no Adulto “Normal”


10 a 50 anos > 50 anos Alergia a B-lactâmicos
Ceftri. ± Vanco. Ceftri. + Ampi. ± Vanco. Cloranf., Moxiflox. **

Tempo de tratamento recomendado – 10 a 14 dias


** Considerar dessensibilização
Nota – a inclusão opcional de Vanco. em esquemas empíricos depende dos padrões de resistência locais

Tratamento Antibiótico Empírico da Meningite Bacteriana (Casos Particulares)


Neurocirurgia / Shunt / TCE / Nosocomial Imunocomprometido
Vanco. + Ceftaz. ou Cefep. Ceftaz. ou Cefep. + Ampi. ± Vanco.

Tempo de tratamento recomendado - variável (1ª situação - 14 a 21 dias / 2ª situação - 10 a


21 dias)
Nota – a inclusão opcional de Vanco. em esquemas empíricos depende dos padrões de resistência locais

Tratamento Antibiótico da Meningite por Pneumococo Sensível à Penicilina


1ª Escolha Alternativa Alergia a B-lactâmicos
Pen. G Ceftri. Vanco., Moxiflox.**

Tempo de tratamento recomendado - 10 a 14 dias


** Considerar dessensibilização

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Doenças Infeciosas 2017

Tratamento Antibiótico da Meningite por Pneumococo Resistente à Penicilina *


Resist. Intermédia Resist. Completa Alergia a B-lactâmicos
Ceftri. Vanco. + Ceftri. ± Rif. Merop. Vanco.±Rif., Moxiflox. **

Tempo de tratamento recomendado - 10 a 14 dias


* Baseado sempre em antibiograma (eventual multirresistência)
** Considerar dessensibilização

Tratamento Antibiótico da Meningite por Meningococo


1ª Escolha Alternativa Penicilino-resistente Alergia a B-lactâmicos
Pen. G, Ampi. Ceftri. Ceftri., Cefep., Merop. Cloranf., Moxiflox.**

Tempo de tratamento recomendado - 7 dias


** Considerar dessensibilização

Tratamento Antibiótico da Meningite por H. influenzae não produtor de b-


lactamases
1ª Escolha Alternativa Alergia a B-lactâmicos
Ampic. Ceftri. Cloranf., Ciproflox.**

Tempo de tratamento recomendado - 7 a 10 dias; ** Considerar dessensibilização

Tratamento Antibiótico da Meningite por Haemophilus influenzae produtor de b-


lactamases
1ª Escolha Alternativa Alergia a B-lactâmicos
Ceftri. Cefep. Cloranf., Ciproflox.**

Tempo de tratamento recomendado - 7 a 10 dias


** Considerar dessensibilização

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Doenças Infeciosas 2017

Tratamento Antibiótico da Meningite por Listeria monocytogenes


1ª Escolha Alternativa

Ampi. ou Pen. G + Genta. Co-trimox. + Genta.

Tempo de tratamento recomendado - 21 dias

Tratamento Antibiótico da Meningite por Streptococcus agalactiae


1ª Escolha Alternativa Alergia a B-lactâmicos
Pen. G ± Genta. Ceftri. ± Genta. Vanco. ± Genta.

Tempo de tratamento recomendado - 14 a 21 dias


O aminoglicosídeo pode ser outro que não a Gentamicina

Tratamento Antibiótico da Meningite por Enterococcus spp


1ª Escolha Res. Ampicilina Res. Ampi. e Vanco.
Ampi. + Genta. Vanco. + Genta Linez. + Genta.

Tempo de tratamento recomendado - 21 dias

Tratamento Antibiótico da Meningite por Bacilos de Gram Negativo *


1ª Escolha Alternativa Alergia a B-lactâmicos
Ceftri. + Genta. Meropenem + Genta. Co-trimox. + Genta.
Aztreon. + Ciproflox. **

Tempo de tratamento recomendado - 21 dias; o aminoglicosídeo pode ser outro que não a
Gentamicina
* Basear em antibiograma; se suspeita de Pseudomonas, a cefalosporina a usar será a
Ceftazidima ou a Cefepima
** Considerar dessensibilização

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Doenças Infeciosas 2017

Tratamento Antibiótico da Meningite por Staphylococcus spp *


1ª Escolha Alergia a B-lactâmicos
(meticilino-sensível) (meticilino-resistente) (vancomicino-resistente) **

Fluclox. Vanco. Linez. Vanco. ou Linez.

Tempo de tratamento recomendado - 14 dias


* Se suspeita de Estafilococos coagulase negativos, usar Vancomicina + Rifampicina como 1ª
linha
** MIC > 2 mcg/ml

Antibiótico (Abreviatura) Dose / Tomas Recomendadas


Ampicilina (Ampi.) 2g de 4/4h

Aztreonamo (Aztreon.) 2g de 6/6h

Cefepima (Cefep.) 2g de 8/8h

Ceftazidima (Ceftaz.) 2g de 8/8h

Ceftriaxona(Ceftri.) 2g de 12/12h

Ciprofloxacina (Ciproflox.)
400mg de 8/8h
(Baseado em dados limitados)

Cloranfenicol (Cloranf.) 1g de 6/6h

Co-trimoxazol (Co-trimox.) 10-20mg/kg/dia (TMP) de 6/6h

Flucloxacilina (Fluclox.) 2g de 4/4h

Gentamicina (Genta.) Dose inicial de 2mg/kg  1,7mg/kg 8/8h

Linezolida (Linez.) 600mg de 12/12h

Meropenemo (Merop.) 2g de 8/8h

Moxifloxacina (Moxiflox.) 400mg 1id

Penicilina G (Pen. G) 4mU de 4/4h

Rifampicina (Rif.) 600mg 1id (pode ser per os)

Vancomicina (Vanco.) 1g de 12/12h (ajustar conforme níveis séricos)

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Doenças Infeciosas 2017

No que concerne à terapêutica adjuvante da meningite bacteriana aguda, uma


nota especial para a corticoterapia. Apesar do seu uso generalizado ser ainda
controverso, a evidência tem vindo a acumular-se no sentido de demonstrar o seu
impacto positivo – ainda que, em adultos, os benefícios sejam mais marcados na
meningite pneumocócica. Assim, deve considerar-se o uso de corticoterapia adjuvante
sempre que houver: suspeita de doença pneumocócica, défice de consciência
marcado (Glasgow < 11) e/ou de rápida progressão e sinais imagiológicos de edema
cerebral.
O fármaco utilizado é a Dexametasona e a dose recomendada em adultos é de
10mg de 6/6h durante 4 dias, devendo ser parado (sem “desmame”) ao fim desse
período. A administração deve ser feita idealmente antes ou em simultâneo com a
primeira toma antibiótica, sendo ainda admissível a sua administração até à 12ª hora
após a 1ª toma antibiótica, mas nunca depois da 12ª hora. Pretende-se com isto
interromper os efeitos neurotóxicos, citoquina-mediados, resultantes da lise
bacteriana.
Outros aspectos relevantes, alvo de medidas adjuvantes, são os seguintes:
- Hipertermia antipiréticos e arrefecimento periférico;
- Convulsões Diazepam / Clonazepam EV (em SOS) ou profilaxia com Fenitoína;
- Hipertensão intracraniana controlo da TA sistémica, elevação da cabeceira a 30º,
oxigenoterapia (procurando pCO2 de ± 30mmHg), administração de Manitol e
eventual shunt ventricular, se hidrocefalia;
- Choque soros, Dopamina, Noradrenalina, etc.;
- C.I.D. plasma fresco;
- Suporte geral cateter venoso central para administração de fluidos,
medicamentos e medição da PVC, algaliação, sonda naso-gástrica, vigilância dos
parâmetros vitais, electrólitos e gases arteriais (se necessário, internamento em
U.C.I.).
Finalmente, uma referência à necessidade de prevenção destas infecções.
Idealmente deveria ser efectuada a prevenção primária através da vacinação.
Actualmente fazem parte do calendário vacinal as vacinas contra o Meningococo tipo
C e contra o H. influenzae tipo B, devendo ser administradas da forma aí

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Doenças Infeciosas 2017

recomendada. Existe igualmente uma vacina quadrivalente contra os serótipos A, C, Y


e W135 do Meningococo, recomendada em viajantes para áreas endémicas. Desde
Janeiro de 2013 e com a última actualização em Março de 2017, existe aprovação pela
Agência Europeia do Medicamento (EMA) duma nova vacina indicada para a
imunização activa de indivíduos com idade superior a 2 meses, contra doença
meningocócica invasiva causada por Neisseria meningitidis do grupo B, cujo nome
comercial é Bexsero.
No caso de ocorrerem 2 ou mais caso de doença por Neisseria meningitidis do
grupo B no mesmo agregado domiciliário, esta última vacina deve ser administrada a
todos os contactos domiciliários.
As vacinas anti-pneumocócicas (a polissacarídica – Pneumo 23, e a conjugada –
Prevnar 13), recomendadas apenas em determinadas situações, não conferem
protecção absoluta mas parecem diminuir significativamente a incidência de doença
invasiva.
Na impossibilidade da prevenção primária, resta-nos a oportunidade de
prevenir o aparecimento de casos secundários, conforme se expõe seguidamente:

Quimioprofilaxia Secundária – Haemophilus influenzae:


- Recomendada para todos os contactos domiciliários, desde que se verifique uma
destas condições: exista criança < 4 anos com vacinação HiB não completa; exista
criança < 12 meses de idade com vacinação HiB em atraso; exista criança
imunocomprometida (estado vacinal é irrelevante).
- É também recomendada em infantários / creches, desde que haja 2 ou mais casos
num período de 60 dias.
- O próprio caso-índice deve fazer profilaxia, excepto se tratado com Ceftriaxona ou
Cefotaxima – os outros fármacos não eliminam eficazmente o gérmen da orofaringe.
 Preconiza-se o uso de Rifampicina:
- Adultos: 600 mg PO id – 4 dias
- Crianças ≥ 1 mês: 20 mg/kg PO id (até 600 mg) – 4 dias
- Crianças < 1 mês: 10 mg/kg PO id – 4 dias

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Doenças Infeciosas 2017

Quimioprofilaxia Secundária – Neisseria meningitidis:


- A profilaxia é recomendada para todos os que partilhem a mesma casa, e para os
que, nos últimos 7 dias antes dos sintomas, tenham tido: 1) contactos sexuais; 2)
contacto em instituições com zonas comuns para alimentação e/ou dormida (lar,
infantário, caserna, prisão, colégio interno, etc.); 3) contacto próximo com secreções
(entubação do doente, respiração boca-a-boca, partilha de escova de dentes ou
talheres, beijos profundos, etc.).

 Preconiza-se o uso de um dos seguintes antibióticos:


 Rifampicina
- Crianças < 3 meses: 5 mg/kg PO 12/12h – 2 dias.
- Crianças ≥ 3 meses até aos 12 anos: 10 mg/kg PO 12/12h (até 600 mg) – 2
dias
- Crianças ≥ 12 anos e adultos: 600 mg PO 12/12h – 2 dias
- Grávida: 600 mg PO 12/12h – 2 dias (só depois do 1º trimestre de gravidez)
 Ciprofloxacina, em toma única:
- > 16 anos – 500 mg
- Não usar durante a gravidez
 Ceftriaxona:
- < 16 anos 125mg IM, toma única;
- ≥ 16 anos 250 mg IM, toma única, (ideal na grávida)

ABCESSO CEREBRAL

A etiologia do abcesso cerebral depende de múltiplos factores (imunidade do


hospedeiro, intervenção neurocirúrgica prévia, idade do doente, patologia subjacente,
localização do abcesso), embora seja frequente o isolamento de uma flora mista
composta por cocos de Gram positivo, aeróbios (Streptococcus) e anaeróbios
(Peptostreptococcus) e bacilos de Gram negativo, aeróbios (Proteus, Pseudomonas) e
anaeróbios (Bacteroides). Raramente, pode ser provocado por Nocardia, Listeria,

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Doenças Infeciosas 2017

Staphylococcus, ser de origem parasitária (toxoplasmose, hidatidose, amebíase) ou


fúngica (Aspergillus, Candida).
O diagnóstico e seguimento, outrora complexos, foram bastante facilitados
após a introdução da TAC e da RMN do crânio.
O tratamento pode ser exclusivamente médico, quando diagnosticado numa
fase inicial ou, frequentemente, médico e cirúrgico (punção aspirativa ou mesmo
excisão completa do abcesso). Apenas a intervenção cirúrgica permite efectuar o
diagnóstico etiológico definitivo e respectivos antibiogramas.
Empiricamente, utiliza-se uma associação de antibióticos no tratamento desta
infecção, sendo o esquema empírico actualmente mais utilizado formado por uma
Cefalosporina de 3ª geração (Ceftriaxona ou Cefotaxima) e Metronidazol. Utilizam-se
as doses meníngeas já referidas e, no caso do Metronidazol, a dose para adulto é de
500mg EV de 6/6h ou 1g EV de 12/12h. Se o agente etiológico suspeito for a
Pseudomonas, a cefalosporina usada deverá ser a Ceftazidima ou a Cefepima. Caso
haja suspeita de Staphylococcus (trauma, neurocirurgia), a utilização de Flucloxacilina
ou Vancomicina é opção. Em doentes alérgicos aos B-lactâmicos, o esquema empírico
deverá ser composto por Vancomicina + Gentamicina + Metronidazol.
O tempo de tratamento endovenoso poderá variar entre 4 a 8 semanas,
conforme tenha havido ou não drenagem cirúrgica da lesão. Se for possível excisar
completamente a lesão, 15 dias de tratamento médico após a cirurgia poderão ser
suficientes. Estes tempos estão, no entanto, sujeitos a variações, dependendo da
evolução clínica e imagiológica.
Como fármacos adjuvantes recorremos frequentemente à Dexametasona,
para diminuir o edema peri-lesional, e ao Manitol, para reduzir a pressão
intracraniana.

MENINGITE TUBERCULOSA

Esta entidade pode ocorrer pela disseminação hematogénea do M. tuberculosis


ou pela ruptura de pequenos tuberculomas subependimários para o espaço
subaracnoideu.

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Doenças Infeciosas 2017

O diagnóstico desta particular infecção reveste-se de sérias dificuldades.


A clínica é bastante inespecífica. O espectro pode ir de uma febrícula com
cefaleias progressivamente agravadas, até alterações do comportamento, presença de
graves sinais neurológicos focais e coma profundo.
O diagnóstico etiológico definitivo é, ainda actualmente, bastante complexo. A
pesquisa directa do agente no LCR é quase sempre negativa e, apesar da cultura ter
melhores resultados, demora demasiado tempo para ser verdadeiramente útil. A
pesquisa do agente por PCR é promissora mas, tal como a pesquisa de antigénios e
anticorpos contra o bacilo de Koch, são necessários mais estudos para se provar a sua
utilidade. O doseamento da ADA (adenosina desaminase) no LCR de doentes com
“meningites assépticas” permite efectuar um diagn stico presuntivo desta infecção,
apesar do cut-off ideal ainda não ter sido encontrado – consoante os estudos,
variando de 6 a 19 U/L. No entanto existem falsos positivos (neurobrucelose,
ocasionalmente meningites bacterianas e fúngicas, toxoplasmose cerebral, linfoma
cerebral) e falsos negativos (principalmente em crianças).
Imagiologicamente, a presença de realce meníngeo a nível basilar é o achado
mais sugestivo da doença.
O tratamento desta forma de tuberculose não difere grandemente do utilizado
nas outras formas. Apenas a urgência no seu início, instituído face à suspeita clínica e
não apenas após confirmação laboratorial, e a sua duração, adiante referida, os
diferencia.
Os fármacos com melhor penetração a nível do SNC são a Isoniazida, a
Pirazinamida e a Etionamida. A Rifampicina tem menor penetração que os anteriores
e o Etambutol e Estreptomicina apenas penetram meninges inflamadas. Assim, o
esquema baseia-se nos 3 fármacos habituais (Isoniazida, Rifampicina e Pirazinamida) e
num quarto fármaco, o Etambutol ou a Estreptomicina – o uso de quarto fármaco
para tratamento da tuberculose, em qualquer das suas formas, é recomendado
quanto a taxa de resistência primária à Isoniazida de um país é superior a 4% (caso de
Portugal).

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Doenças Infeciosas 2017

Sempre que possível deve preferir-se a via oral (eventualmente via sonda naso-
gástrica), sendo a parentérica apenas utilizada quando exista estase gástrica.
Os fármacos devem ser todos administrados conjuntamente, em toma única
diária, excepto naqueles cuja posologia assim não o permite.
Não esquecer a necessidade de prescrever a Piridoxina sempre que se utilizar a
Isoniazida, para prevenir a neurotoxicidade associada a este fármaco.

Antibacilar (Dose/Kg) Dose Habitual Dose Máxima Via

Isoniazida (10 a 15 mg/Kg/dia) 300 mg/dia 600 mg/dia PO/IV/IM

Rifampicina (10 a 20 mg/Kg/dia) 600 mg/dia 900 mg/dia PO/IV

Pirazinamida (15 a 30 mg/Kg/dia) 1,5 g/dia 2 g/dia PO

Etambutol (15 a 20 mg/Kg/dia) 1200 mg/dia 1600 mg/dia PO

Estreptomicina (15 mg/Kg/dia) 1 g/dia 1 g/dia IV/IM

Etionamida (15 a 20 mg/Kg/dia) 750 mg/dia 1 g/dia PO

Cicloserina (5 mg/Kg 12/12h) 250 mg 12/12h 500 mg 12/12h PO

A duração do tratamento deverá ser no mínimo 9 meses, eventualmente com


prolongamento até 12 meses. Nesse sentido, a evolução clínica e laboratorial (exame
citoquímico do LCR) são factores determinantes.
A intolerância ou resistência aos fármacos obriga-nos, por vezes, a utilizar
associações menos eficazes, o que tem por consequência o prolongar dos tempos de
tratamento (de 18 a 24 meses quando não há possibilidade de utilizar Isoniazida e
Rifampicina). Nestas situações pode ser benéfico o uso de fármacos alternativos,
como as quinolonas (Ciprofloxacina 750mg PO 12/12h, por exemplo) ou outros
aminoglicosídeos (Amicacina 15 mg/kg/dia IM/IV, 12/12h, por exemplo).
A constatação que a SIDA e a tuberculose, que nesta co-infecção assume
formas muitas vezes disseminadas, são duas epidemias que cursam em paralelo,
colocou-nos o problema da terapêutica antituberculosa nestes doentes. Pese o
referido, as regras a seguir são genericamente as mesmas, apenas se justificando

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Doenças Infeciosas 2017

esquemas alternativos caso existam resistências ou toxicidades comprovadas aos


antibacilares correntes.
Na forma meníngea da tuberculose a corticoterapia é frequentemente
associada aos tuberculostáticos, especialmente nas formas graves (coma, sinais
neurológicos focais, edema cerebral, hidrocefalia, bloqueio medular). No adulto é
aconselhada a introdução de Prednisolona 20 a 40mg/dia (ou outro corticóide em
dose equivalente) durante 2 a 4 semanas, com redução progressiva durante período
similar.
Sempre que se constate imagiologicamente o desenvolvimento de hidrocefalia,
o tratamento neurocirúrgico (implantação de "shunt" para derivação do LCR) não deve
ser adiado. A presença de tuberculomas cerebrais, pelo contrário, raramente implica
cirurgia, sendo suficiente o tratamento médico.

Bibliografia

1)- Rodrigo H. Meningitis Treatment & Management. Medscape Drugs Diseases &
Procedures; Last Updated May 18, 2017 [serial online]. Available at:
http://emedicine.medscape.com/article/232915-treatment#aw2aab6b6b3. Última vez
acedido a 27/06/2017.

2)- Miranda HA, Castellar-Leones SM, Elzain MH, et al. Brain abscess: Current
management. Journal of Neurosciences in Rural Practices. 2013 August; 4(Suppl 1):
S67–S81.

3)- The UK joint specialist societies guideline on the diagnosis and management of
acute meningitis and meningococcal sepsis in immunocompetent
adults.http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0163445316000244?via%3
Dihub. Última vez acedido a 27/06/2017.

4)- ESCMID guideline: diagnosis and treatment of acute bacterial meningitis, May 1,
2016.http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(16)00020-
3/abstract.Última vez acedido a 27/06/2017.

5)- Paul Auwaerter. Brain abscess. Baltimore. Johns Hopkins Poc-It Guides; Last
updated:April6,2016.Availablat:http://www.hopkinsguides.com/hopkins/ub/view/Joh
ns_Hopkins_ABX_Guide/540065/all/Brain_Abscess.
Última vez acedido a 27/06/2017.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 68


Doenças Infeciosas 2017

TUBERCULOSE NA INFEÇÃO VIH/SIDA

A tuberculose (TB) mantém-se uma doença de elevada importância em


Portugal, com implicações na saúde individual e pública. O rastreio da infeção latente
e o diagnóstico e tratamento da doença ativa devem constituir preocupação de relevo
na prática clínica diária. Neste capítulo, referir-nos-emos exclusivamente à TB no
contexto da infeção por VIH/SIDA.
A história epidemiológica da TB sofreu alterações importantes em todo o
mundo nas últimas décadas, em grande parte relacionadas com a pandemia da
infeção pelo VIH. Em muitas zonas do globo, como a África, Ásia, América Latina,
Europa de leste e alguns países do oeste europeu, incluindo Portugal, a TB constitui a
doença oportunista mais frequentemente definidora de SIDA. A epidemiologia de
ambas as situações é sobreponível, com maior incidência em países subdesenvolvidos
e em determinados grupos sociais – utilizadores de drogas por via endovenosa,
reclusos e pessoas com carências económicas. A TB e a infeção por VIH influenciam-se
mutuamente, verificando-se uma progressão mais acelerada de ambas as infeções.
Efetivamente, a importância da imunidade celular no controlo da tuberculose explica
algumas das particularidades desta infeção nos indivíduos infetados por VIH:
- Incidência de TB aumentada independentemente da contagem de CD4 +, apesar do
risco aumentar com o declínio da imunidade;
- Elevada progressão de infeção para doença ativa e reativação frequente de focos
latentes;
- Muito maior probabilidade de reinfeção relativamente à população geral;
- Maior percentagem de formas de apresentação atípicas.
Em termos mais práticos, após contacto com o bacilo de Koch (BK), 1 em cada
10 indivíduos imunocompetentes virá a desenvolver TB durante toda a sua vida e 1 em
cada 10 indivíduos coinfetados pelo VIH e BK virá a sofrer de TB por ano. De tal modo
estas doenças andam de “mão dada”, que a presença de TB é indicação absoluta para
rastreio da infeção pelo VIH. Segundo o último relatório da DGS (2017), a
percentagem de doentes com diagnóstico de TB rastreados para o VIH foi de 88,2%
em 2015, um número claramente superior aos 80% registados em 2012. No nosso
país, a prevalência de infeção VIH entre os doentes com diagnóstico de tuberculose é
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Doenças Infeciosas 2017

das mais altas da União Europeia, tendo no entanto vindo a diminuir nos últimos anos.
Em 2015, 11,8% dos doentes com tuberculose que tinham esta serologia conhecida
eram positivos para o VIH.
As manifestações clínicas da tuberculose dependem maioritariamente do grau
de imunossupressão do doente infetado. Nos doentes com infeção precoce pelo VIH e
imunidade conservada, a TB frequentemente manifesta-se de forma semelhante à do
doente imunocompetente, nomeadamente com doença pulmonar cavitada. À medida
que a imunossupressão avança, tornam-se mais frequentes as manifestações
pulmonares sem cavitação e a doença extrapulmonar e/ou disseminada.
O diagnóstico da TB inclui a colheita de produtos biológicos adequados ao foco
suspeito (como expetoração, lavado brônquico, suco gástrico, aspirado ganglionar,
LCR, urina, sangue, etc.) para microscopia, cultura e técnicas de biologia molecular.
Nos doentes com infeção avançada por VIH, os achados radiológicos podem ser
incaracterísticos e uma radiografia de tórax normal não exclui a doença, sendo
necessário um elevado índice de suspeição para o diagnóstico.
A utilidade da prova tuberculínica para o diagnóstico depende da imunidade do
doente. Uma prova negativa não exclui a doença já que, sobretudo na
imunossupressão avançada, os falsos negativos são muito frequentes.
O tratamento da TB no contexto de infeção por VIH é semelhante ao da
população em geral. Alguns aspetos do tratamento dos doentes infetados por VIH são,
no entanto, de considerar:
- A farmacocinética dos antituberculosos pode estar alterada na presença de
síndromes de má-absorção e/ou doença oportunista intestinal;
- As interações farmacológicas entre os antituberculosos, nomeadamente da classe
das rifamicinas (rifampicina, rifabutina e rifapentina) e os antirretrovíricos podem
obrigar a ajustes de doses dos fármacos;
- Está descrita uma maior frequência de estirpes de BK portadoras de resistência aos
antituberculosos, incluindo multirresistência (resistência, pelo menos, à rifampicina e
isoniazida);

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Doenças Infeciosas 2017

- Existe uma maior incidência de efeitos adversos dos antituberculosos e sobreposição


de toxicidade entre estes e os antirretrovíricos (hepatotoxicidade, exantemas,
neuropatia periférica, …);
- Classicamente observa-se uma maior taxa de abandonos da terapêutica e/ou menor
adesão a esta;
- Existe uma maior incidência de reações paradoxais no decurso do tratamento.
O esquema terapêutico padrão da TB prevê a utilização de isoniazida,
rifampicina, pirazinamida e etambutol (esquema HRZE) durante os primeiros 2 meses,
seguidos de isoniazida e rifampicina, nas estirpes sensíveis a estes fármacos, durante
um mínimo de 4 meses. De referir que deve ser incluída a piridoxina ao esquema, de
forma a evitar a neuropatia periférica induzida pela isoniazida. A duração total do
tratamento depende do foco de TB em causa (pulmonar, óssea, meníngea, etc.) e é
sobreponível ao habitualmente preconizado independentemente da existência de
infeção por VIH. As doses dos fármacos, com as exceções respeitantes à utilização
conjunta com alguns antirretrovíricos, são idênticas às normalmente utilizadas.
A monitorização clínica e bacteriológica durante o tratamento é fundamental
para detetar precocemente as falências terapêuticas, devendo ser despistados fatores
como a má adesão, má-absorção intestinal, interações farmacológicas ou resistência
aos antituberculosos.
Na tentativa de eliminar o fator “má adesão”, o tratamento da tuberculose sob
observação direta em centros especializados é fortemente recomendado nos doentes
coinfetados por VIH.
Apesar de causar interações farmacológicas complexas, o uso de uma
rifamicina no esquema terapêutico é fundamental, já que os esquemas sem esta
classe são comprovadamente menos eficazes. Evidenciam-se os esquemas
antirretrovíricos preferenciais e alternativos nas tabelas I e II.

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Doenças Infeciosas 2017

Tabela I – Regime preferencial de terapêutica antirretrovírica combinada (TARc) em


doentes com tratamento da tuberculose.
TARc Anti-TB Comentários
Efavirenz Os fármacos antirretrovíricos e
+ antituberculosos não necessitam de
HRZE
Emtricitabina/Tenofovir ajuste posológico.
Ou Abacavir/Lamivudina

Tabela II – Regimes alternativos de terapêutica antirretrovírica combinada (TARc) em


doentes com tratamento da tuberculose.
TARc Anti-TB Comentários
Inibidor da protease potenciado
+ Ajustar a posologia da rifabutina para
H+Rifabutina+Z+E
Emtricitabina/Tenofovir 150mg qd ou 300mg 3x/semana.
Ou Abacavir/Lamivudina
- Com Rifampicina: Aumentar dose de
Raltegravir
HRZE raltegravir para 800mg bid; Sem ajuste
+
ou da dose de Rifampicina.
Emtricitabina/Tenofovir
H+Rifabutina+Z+E - Com Rifabutina: Sem ajuste de dose de
Ou Abacavir/Lamivudina
ambos os fármacos.

A abordagem da tuberculose com resistências é complexa e deve ser efetuada


em centros especializados. É importante no entanto saber que o tratamento de TB
resistente aos fármacos de 1ª linha deve ser guiado pelos testes de sensibilidade,
incluir fármacos de 2ª linha e ser obrigatoriamente mais prolongado.
As reações paradoxais durante o tratamento são mais frequentes que na
população em geral – variando de cerca de 10% em doentes imunocompetentes até
36% em doentes imunocomprometidos. Estas reações são exacerbações temporárias
dos sintomas, sinais clínicos ou manifestações radiológicas, em doentes com boa
resposta inicial à terapêutica antituberculosa. Estas reações ocorrem sobretudo em
doentes que iniciaram terapêutica antirretrovírica concomitantemente, havendo aqui

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Doenças Infeciosas 2017

sobreposição com a reconhecida síndroma de recuperação imune dos doentes


infetados por VIH, embora também possam ocorrer apenas com a toma dos
antituberculosos. Esta situação traduz uma melhoria da função imune e,
consequentemente, da capacidade de resposta inflamatória à doença.
O quadro pode ser discreto, devendo ser medicado sintomaticamente com
anti-inflamatórios não esteroides, mas pode assumir gravidade considerável
necessitando nestes casos e após exclusão de outra patologia, de corticoterapia
adjuvante (no adulto, 20 a 40 mg de prednisolona ou outro corticoide em dose
equivalente, durante 2 a 4 semanas e posterior diminuição progressiva durante
intervalo de tempo similar).
Todos estes fatores referidos anteriormente levaram a que, no passado, se
tenha preferido adiar o início da terapêutica antirretrovírica até após os primeiros 2
meses de tratamento antituberculoso. Estudos recentes mostraram, no entanto, o
benefício do início mais precoce da terapêutica antirretrovírica (após 2 semanas de
tratamento antituberculoso) relativamente ao início mais tardio (após 8 semanas de
tratamento) sobretudo no subgrupo dos doentes mais imunossuprimidos (< 50
linfócitos T CD4+/mm3). Estes estudos incluíram doentes com TB pulmonar e não estão
validados para a TB extrapulmonar. De facto, um estudo recente mostrou que o início
precoce da terapêutica antirretrovírica na meningite tuberculosa se associou a maior
risco de efeitos adversos, síndroma de recuperação imune e morte. Recomenda-se
atualmente que o tratamento antirretrovírico se inicie às 2 semanas de
antituberculosos, se a contagem CD4+ for inferior a 50-100 células/mm3, e entre as 8 e
as 12 semanas nos restantes doentes.
Nos doentes sob terapêutica antirretrovírica que são posteriormente
diagnosticados com tuberculose, o tratamento antituberculoso deve ser iniciado
imediatamente, ajustando o esquema antirretrovírico de forma a reduzir o risco de
interações farmacológicas e manter a supressão virológica.
Conhecendo a interação entre a infeção pelo VIH e a TB, torna-se importante a
prevenção de doença ativa nos doentes com contacto prévio com TB através do
diagnóstico e tratamento da tuberculose latente. O tratamento está indicado na
presença de lesões residuais de TB sem tratamento prévio, viragem tuberculínica

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Doenças Infeciosas 2017

(aumento ≥ 6 mm) ou prova tuberculínica positiva (induração > 5 mm, nestes doentes)
e, mais recentemente, ensaio de libertação de interferão-gama (IGRA) positivo. De
referir que a prova tuberculínica é de valorização algo complicada no nosso país,
devido à vacinação generalizada da população com o BCG e devido aos registos
deficientes / inexatos, ou apenas remotos, de resultados prévios.
O esquema de isoniazida durante 9 meses parece ser o tratamento de escolha
para a tuberculose latente, dada a elevada eficácia e baixa incidência de efeitos
secundários. A alternativa mais consensual inclui a rifampicina/rifabutina durante 4
meses. Logicamente, antes de iniciar um destes esquemas deve-se sempre excluir TB
ativa tendo em conta dados clínicos, imagiológicos e microbiológicos.
Sempre que um doente infetado pelo VIH tenha um contacto próximo
diagnosticado com TB bacilífera, deverá ser realizada quimioprofilaxia primária na
tentativa de “anular” eventual in culo que possa ter sido inalado,
independentemente da sua reação à prova tuberculínica e/ou tratamentos prévios. O
esquema utilizado passa pela toma de isoniazida, nas doses preconizadas para
imunocompetentes, durante 9 meses.
Finalmente, gostaríamos de referir a absoluta necessidade de encaminhar os
doentes portadores de TB resistente aos antituberculosos, infetados ou não pelo VIH,
particularmente se multirresistentes, para centros especializados nesse tipo de casos.
De acordo com as recomendações da OMS, deverão ser pessoas experientes e
interessadas na matéria a selecionar e orientar toda a terapêutica antituberculosa,
evitando erros graves com implicações tanto na vida do doente como, em última
análise, na saúde pública.

Bibliografia
- DGS. Programa Nacional para a Infeção VIH, Sida e Tuberculose 2017. Lisboa,
Portugal; 2017.
- European AIDS Clinical Society. EACS Guidelines. Version 8.2. Londres, Reino Unido;
2017.
- DGS. Recomendações Portuguesas para o Tratamento da Infeção por VIH1 e VIH2.
Capítulo 8.3. Lisboa, Portugal; 2016.

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Doenças Infeciosas 2017

LEPTOSPIROSE

A leptospirose e uma zoonose de distribuição mundial, embora mais prevalente nas


regiões tropicais e subtropicais. Na Europa ocorre principalmente na bacia
mediterrânica e países de leste.
Doença de polimorfismo conhecido pode variar desde uma infeção inaparente e
assintomática, passando por manifestações sugestivas de um banal síndrome gripal,
até à forma mais grave, denominada síndrome de Weil.
É uma doença predominantemente ligada ao meio rural. Contudo, atividades urbanas
e de lazer também podem estar implicadas. Presentemente, em países de baixos
recursos, a expansão de periferias urbanas pobres e insalubres (“bairros de lata”),
favorece a ocorrência de surtos.
Integrando o grupo das doenças de declaração obrigatória em Portugal, são
notificados cerca de três dezenas de casos anualmente. Estima-se que a
subnotificação seja bastante elevada, atendendo às dificuldades de diagnóstico,
particularmente nos casos de formas clínicas com manifestações moderadas e
evolução fruste.
Constante da listagem da OMS como doença negligenciada, a Leptospirose é uma
zoonose provocada por espiroquetas patogénicas, do género Leptospira.
As leptospiras são bactérias Gram negativas helicoidais, de pequeno diâmetro, longas,
móveis. São as únicas espiroquetas que podem sobreviver indistintamente, tanto no
animal, como livres no ambiente.
Classicamente divididas em duas espécies: L. interrogans e L. biflexa, agrupando as
estirpes patogénicas e saprófitas, respetivamente. Presentemente, a análise molecular
filogenética permite classifica-las em 20 espécies, das quais 9 consideradas
patogénicas. Destas, mais de 250 serovars têm capacidade de provocar doença.
As leptospiras patogénicas estão alojadas nos rins de várias espécies de mamíferos e
são excretadas para o ambiente pela urina. Em condições específicas de calor e
humidade, podem manter-se viáveis por longos períodos. Sem causar qualquer
doença no animal, este pode ser portador ao longo de anos.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 75


Doenças Infeciosas 2017

A transmissão ocorre pelo contacto direto com a urina de animais infetados; ou,
indiretamente, através do contacto com água, solo ou alimentos contaminados pela
urina infetada. Esta é a principal via de infeção. Podem ocorrer surtos de leptospirose
após períodos de inundações em consequência de chuvas intensas.
O contacto ocorre através da penetração das leptospiras na pele (com cortes ou
abrasões) ou nas mucosas. A via inalatória também é referida em situações pontuais.
Ocasionalmente pode ser transmitida através da ingestão de água ou alimentos
contaminados.
A transmissão inter-humana é excecional. A transmissão intrauterina pode levar a
aborto espontâneo.
Cerca de 150 espécies de mamíferos estão identificados como potenciais portadores
de leptospiras patogénicas. No nosso meio, o rato é referido com maior frequência.
Mas não são só os roedores que são portadores. Também animais domésticos como o
cão ou o porco podem estar implicados.

O risco de adquirir leptospirose está associado não só a atividades profissionais


agrícolas ou de contacto com animais, como também lúdicas. Nestas últimas, o
contágio ocorre durante atividades de lazer ou desporto (banhistas, campistas,
pescadores). Neste contexto, há que ter especial atenção à patologia do viajante
regressado de área endémica. Profissões de ambiente urbano (manutenção de
piscinas, matadouros, jardinagem, trabalho em minas, túneis, esgotos, valas, etc.) são
igualmente de risco.

Mais de 80% das infeções por leptospira cursam de forma assintomática. Quando é
aparente, o quadro clínico apresenta-se de forma muito heterogénea.
A leptospirose deve ser equacionada (em contexto epidemiológico compatível) no
diagnóstico diferencial de um quadro clínico sugestivo/compatível com síndrome
gripal.
A forma clínica mais grave e potencialmente fatal que configura o Síndrome de Weil é
caracterizada por febre com insuficiência renal e hepática e manifestações
hemorrágicas.

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Doenças Infeciosas 2017

Sendo uma infeção tipicamente bifásica, após um período de incubação variável de 2


a 26 dias (média 10 dias) inicia-se a primeira fase, (denominada septicémica ou
leptospirémica) de forma súbita, que se manifesta por febre alta, cefaleias de
predomínio frontal e mialgias difusas.
Podem também ocorrer manifestações hemorrágicas como petéquias, sufusão
conjuntival e epistáxis.
Nos casos que cursam com atingimento hepático, a icterícia instala-se entre o 4° e o
7°dia.
Quando coincidem a sufusão conjuntival e icterícia, as escleróticas apresentam uma
coloração “alaranjada” denominada icterícia rubínica.
A pesquisa de sinais meníngeos é negativa. Ocasionalmente verifica-se hiperestesia
cutânea.
As manifestações pulmonares, verificadas em mais de 50% dos casos sintomáticos, são
a tosse seca e a dor torácica. A hemoptise é rara.
Nesta primeira fase é possível a pesquisa de leptospiras tanto no sangue, como no
LCR.
Esta fase persiste em geral cerca de 10 dias e traduz o período de invasão visceral das
leptospiras, particularmente a nível renal e hepático. Após este primeiro tempo,
verifica-se remissão da sintomatologia, coincidindo esta com o desaparecimento das
leptospiras no sangue e no LCR.
Nas situações de evolução fruste, a resolução espontânea tem agora lugar, sem
sequelas.
Nos casos de mais elevada gravidade, inicia-se então a 2ª fase (chamada imune ou
leptospirúrica) que coincide com o aparecimento de anticorpos circulantes, da classe
IgM. Também neste período se verifica o desaparecimento de leptospiras da corrente
sanguínea e do LCR. A partir de agora, podem ser isoladas em amostras de urina do
doente.
Nesta fase a variabilidade das manifestações clínicas é grande.
Pode ocorrer uma síndrome meníngea (até 10% dos casos de meningite linfocitária em
meio rural), bem como outras formas de evolução grave.

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Doenças Infeciosas 2017

As complicações cardíacas são excecionais e consistem em perturbações da condução,


da repolarização ou do ritmo.
Pancreatite e colecistite também são referidas, bem como manifestações
oftalmológicas, como iridociclite e nevrite ótica
A Síndrome de WeiI é considerado como a forma mais grave e caracteriza-se por
lesões renais, hepáticas e diátese hemorrágica. A insuficiência renal aguda pode impor
a necessidade de tratamento dialítico.
A cura acontece por volta do 20° dia, habitualmente sem sequelas. A mortalidade é
referida em 5-10% das formas diagnosticadas.
A leptospirose na grávida pode provocar morte intrauterina ou parto prematuro. O
risco de infeção fetal (transmissão vertical intrauterina) parece diretamente
relacionado com o grau de gravidade da doença na mãe. Na criança a leptospirose é
extremamente rara e impõe o diagnóstico diferencial com a Síndrome de Kawasaki,
quando se apresenta com sinais de vasculite sistémica com exantema, febre e
atingimento cardíaco.
Sendo os dados clínicos e epidemiológicos fundamentais para o estabelecimento do
diagnóstico da leptospirose, o laboratório é fundamental para a confirmação do
diagnóstico.
As leptospiras podem ser isoladas no sangue e no LCR nas duas primeiras semanas da
doença. Na urina (e ao longo de várias semanas) só após esse período de doença.
O diagnóstico definitivo de leptospirose assenta no isolamento em cultura do
microrganismo, ou em testes serológicos.
O exame direto (sangue, LCR, urina) por microscopia ótica em fundo escuro é um teste
rápido, mas permite apenas o diagnóstico de presunção. Hoje, está praticamente
abandonado.
A cultura para leptospira é de crescimento lento (semanas), pelo que não é ajuda
prática na orientação dos cuidados terapêuticos. É útil para confirmação “à
posteriori”.
Os testes serológicos são os testes mais frequentemente utilizados para o diagnóstico
precoce.

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Doenças Infeciosas 2017

O teste de ELISA (Enzyme-linked immunosorbent assay) para leptospira, é sensível e


específico. Actualmente é o teste mais utilizado. Referem-se falsos-positivo por reação
cruzada.
O teste de aglutinação microscópica (MAT) é o teste-padrão. Permite a identificação
do serotipo. É efetuado em laboratórios de referência.
A Polymerase Chain Reaction em tempo real (RT-PCR), é um teste qualitativo por
amplificação do DNA de Leptospirae. Sensível e específica é utilizada para o
diagnóstico a partir de amostras de sangue, líquor, urina ou fragmento de biópsia.
A leptospirose é geralmente uma doença benigna e autolimitada (em 90% dos casos).
Evolui habitualmente para a cura sem qualquer tratamento, ou apenas com
terapêutica sintomática.
Contudo, na suspeita da doença, recomenda-se o início precoce de antibioterapia,
segundo o esquema seguinte.
Terapêutica das formas leves:
Doxiciclina 100 mg “per os” 12/12h x 7 dias
Amoxicilina 500 mg “per os” 6/6h x 7 dias
Terapêutica das formas moderadas / severas:
Penicilina G 1.5 milhões de unidades, IV (ou IM) 6/6h x 7 dias
Ceftriaxone 1gr IV/dia
Cefotaxima, 1 gr IV 6/6h
Quimioprofilaxia:
Doxiciclina 200 mg ”per os” uma vez por semana
Azitromicina 250 mg “per os” uma (ou duas) vez por semana

O início precoce do tratamento parece poder permitir encurtar o tempo de duração


da doença severa. Poderá igualmente prevenir a progressão das formas moderadas.
Nalguns casos é possível a ocorrência da reacção de Jarisch- Herxheimer após o início
da terapêutica antibiótica.
O tratamento sintomático é por vezes complemento necessário nos quadros graves e
é específico para cada complicação (ventilação assistida na insuficiência respiratória,
hemodiálise na insuficiência renal aguda, etc.).

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Doenças Infeciosas 2017

A quimioprofilaxia, embora referida pela maioria dos autores, não é de utilização


consensual.
A prevenção deve ser entendida nas vertentes animal, ambiental e humana.
Preconiza-se a vacinação sistemática do gado e animais domésticos, nomeadamente
canídeos.
Do ponto de vista ambiental, deve ser promovida a diminuição das populações de
roedores (desratização), a drenagem de zonas húmidas, bem como o arejamento de
caves e outros locais de passagem frequente, ou criação de roedores.
As medidas de proteção individual devem ser recomendadas aos indivíduos que
executam trabalhos em ambiente de risco, tais como minas, esgotos e valas húmidas.
Veterinários, trabalhadores de matadouros e tratadores de animais, devem também
ser considerados como profissionais em risco. Botas, luvas, vestuário impermeável e,
eventualmente, óculos de proteção, estão aqui indicados.
A vacinação humana ou a quimioprofilaxia (Doxiciclina, 200 mg/semana) não são
práticas correntes, no nosso meio.

Bibliografia

Centers for Diseases Control and Prevention – Leptospirosis


https://www.cdc.gov/leptospirosis/infection/index.html [acedido em 03/07/2017].

European Centre for Disease Prevention and Control. Leptospirosis - Annual


epidemiological report 2016 [2014 data].
https://ecdc.europa.eu/en/publications-data/leptospirosis-annual-epidemiological-
report-2016-2014-data [acedido em 03/07/2017].

Vinetz, Joseph M. Leptospirosis. “in” Harrison’s Principles of Internal Medicine: 18 ed.


McGraw Hill, 2012.

World Health Organization – Leptospirosis


http://www.who.int/zoonoses/diseases/leptospirosis/en/ [acedido em 03/07/2017].

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 80


Doenças Infeciosas 2017

INFECÇÕES EM UTILIZADORES DE DROGAS POR VIA ENDOVENOSA

De acordo com o relatório mundial da United Nations office on Drug and Crime
(2006), 5% da população mundial utiliza drogas ilícitas. Aspetos psicossociais e
económicos condicionam uma grande procura desta população aos cuidados de
saúde.

À grande diversidade de germes implicados nas infeções associa-se uma


resposta imune deficiente às infeções, de causa multifatorial:

1. Induzida por drogas:


 Inibição da quimiotaxia e da fagocitose
 Diminuição da produção de citoquinas e quemoquinas,
 Diminuição da atividade das células NK e da proliferação de
linfócitos em resposta a nitrogénios
 Diminuição da apresentação de antigénios pelos linfócitos B.

2. Malnutrição
 Resposta imune deficiente por défice de produção de ACS, entre
outros.

3. Infeção VIH
Como exemplo, constata-se que a morfina provoca depressão de função dos
monócitos, importantes na defesa antivírica, fator que pode contribuir para a elevada
transmissão de infeções como as do vírus da hepatite B/C e a infeção VIH.

Infeções mais frequentes em toxicodependentes:

1. Infeções da pele e tecidos moles


2. Infeções osteoarticulares
3. Infeções cardiovasculares
4. Infeções respiratórias
5. Infeções por vírus hepatotrópicos (hepatite vírica)

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6. Infeções por vírus da Imunodeficiência Humana


7. Infeções sexualmente transmitidas
8. Outras infeções (SNC, esplénicos, oculares)

Infeções da pele e tecidos moles

A infeção da pele e tecidos moles é a infeção que mais frequentemente conduz


à admissão hospitalar.

Os locais onde mais se observam as infeções estão relacionados com os locais


de acessos venosos utilizados pelos consumidores (membros superiores).

A contaminação da droga a injetar por microrganismos da boca (“lubrificarem”


a agulha na boca antes de injetar a droga), bem como dos locais de picada da injeção
ou a contaminação das drogas no local de produção e/ou transporte, são fatores
importantes na etiologia das infeções.

Os abcessos são a forma mais comum de apresentação das infeções, seguidos


pelas celulites, úlceras cutâneas, piomiosites e fasceíte necrotizante.

A etiologia das várias formas de apresentação da infeção cutânea varia, e por


ordem de frequência, os microrganismos encontrados são:

 S. aureus (MRSA e com frequência S. aureus meticilino


resistentes, adquiridos na comunidade – MRSA-CA)
 Streptococus spp., isolados ou associados a outros
microrganismos
 Eikenella corrodens
 Bacilos Gram (-) como por ex: E. coli, klebsiella, Enterobacter,
Proteus, Serratia)
Nos últimos anos, há registo de infeções cutâneas por microrganismos
esporulados, como Bacillus anthracis e clostridium spp. (botulinum, novyi, tetani)
devido à contaminação nos locais de picada ou contaminação nos locais de produção
das drogas.

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A colheita de produtos do local da infeção para estudo microbiológico é um


modo de diagnóstico etiológico para orientação terapêutica.

O diagnóstico deferencial de abcesso/celulite pode necessitar da ecografia de


tecidos moles/TAC de tecidos moles, sendo estes os melhores meios para orientação
terapêutica (necessidade de drenagem se confirmação de abcesso).

Terapêutica

As opções terapêuticas empíricas, orientadas pelas particularidades da infeção,


bem como a grande frequência de infeções mistas, orientam as seguintes associações
de antibióticos, empíricos (até isolamento de germe):

 Flucloxacina 1g ev ou per os de 8/8h + Clindamicina 450-600 mg ev ou


per os de 6/6h
 Cefazolina 1g ev de 8/8h+ Metronidazol 500 ev ou per os de 8/8h
 Priperaciina-Tazobactam 4,5g ev de 8/8h
 Vancomicina 15mg/kg ev de 12/12h + Metronidazol 500mg ev ou per os
de 8/8h
 Teicoplanina 6mg/kg ev de 12/12h (primeiras 3 tomas) seguido de
6mg/kg ev id + Metronidazol 500mg ev ou per os de 8/8h
 Linezolide 600mg ev ou per os de 12/12h + Metronidazol 500mg ev ou
per os de 8/8h
A gravidade da infeção vai determinar o tipo de tratamento: infeção
necrotizante difusa com necessidade de drenagem cirúrgica precoce e antibioterapia
dirigida.

O tratamento antibiótico por via endovenosa/oral e em regime hospitalar/


ambulatório depende da gravidade da infeção.

Infeção osteoarticular

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Doenças Infeciosas 2017

As infeções osteoarticulares resultam da disseminação por via hematogenea,


como consequência de um foco sético “à distância” ou por contiguidade (com infeção
de tecidos moles).

São muito frequentes e afetam preferencialmente o esqueleto axial, os


joelhos, e menos frequentemente as articulações condrocostais, esternoclaviculares e
sínfise púbica.

Em situações de osteomielites vertebrais, a maior incidência é na coluna


cervical.

As manifestações clínicas variam, de acordo com a gravidade e localização da


infeção, podendo ou não incluir sintomatologia constitucional, bem como sinais ou
sintomas dependentes da localização da lesão.

Os agentes etiológicos mais frequentes incluem S. aureus, Streptococcus (grupo


A e G), bacilos Gram negativos, como Eikenella corrodens, Pseudomonas spp., e com
menos frequência, fungos (Candida sp.).

O diagnóstico etiológico implica estudo microbiológico, sendo necessário


muitas vezes punção aspirativa/biópsia para cultura e identificação do germe.

Terapêutica

Devem utilizar-se antibióticos por via endovenosa durante 4-6 semanas e


limpeza cirúrgica se necessário.

Antibioterapia empírica até isolamento do germe:

 Flucloxacina (2g ev de 6/6h + Cefalosporina de terceira geração


(Cefotaxima, Cefazidima ou Cefepime).
 Na infeção por Candida spp, deverá utilizar-se a Anfotericina B, os
derivados azóis ou as equinocandinas (Caspofungina).
 Nas osteomielites, infeções graves e se suspeita de infeção por MRSA
utilizar Vancomicina ou Teicoplanina.

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Doenças Infeciosas 2017

Endocardite Infeciosa

A endocardite infeciosa nos toxicodependentes é com frequência associada a


bacteriemias.

O atingimento da válvula tricúspide é mais frequente, seguida das endocardites


da válvula aórtica e mitral.

Os microrganismos envolvidos na infeção valvular são S. aureus (incluindo os


MRSA adquiridos na comunidade) e Streptococcus (grupos A, B e G), sendo estes dois
microrganismos responsáveis por 70% dos casos.

S. epidermidis surge com menor frequência, como responsável por


endocardites nos toxicodependentes bem como Enterococcus e germes Gram
negativos.

As infeções por Candida, especialmente Candida não albicans representam


cerca de 5% dos casos.

As embolizações séticas são um risco frequente, nomeadamente a embolização


pulmonar, SNC e esplénica, determinando por vezes a apresentação clínica da
Endocardite infeciosa – febre, infiltrados pulmonares e sintomas constitucionais (estes
mais frequentes na endocardite do coração direito).

O sopro cardíaco, nomeadamente na endocardite da válvula tricúspide, surge


em cerca de 35% dos doentes.

Sinais clássicos, como o nódulo de Osler ou as lesões de Janeway, são raros.

A positividade de hemoculturas e o ecocardiograma (trans-toráxico e trans-


esofágico) são os indicadores mais importantes para o diagnóstico de endocardite
infeciosa (90% dos casos).

A repetição de hemoculturas deve ser feita quando os resultados das primeiras


hemoculturas são negativos, pois as bacteriémias são transitórias.

Terapêutica

Empírica:
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Doenças Infeciosas 2017

 Penicilina G 4.000.000 U ev de 4/4h + Gentamicina 1mg/kg ev de 8/8h


(4 a 6 semanas)
 Ampicilina 2g ev de 6/6h + Gentamicina 1mg/kg ev de 8/8h (4 a 6
semanas)
 Vancomicina 15 a 20mg/kg ev de 12/12h + Gentamicina 1mg/kg ev de
8/8h (4 a 6 semanas)
As indicações cirúrgicas são semelhantes aos não toxicodependentes.

Prognóstico

Na endocardite infeciosa em que há identificação de germe, o prognóstico é


mais favorável mesmo que exista febre prolongada ou outras complicações.

As embolias séticas são frequentes no início do tratamento, não sendo este o


fator determinante para atitude cirúrgica, como a substituição da válvula afetada.

Alguns estudos referem o tamanho da vegetação como fator determinante


para a embolização sética, não sendo, no entanto, dado consensual.

O risco cirúrgico é grande na cirurgia da remoção/substituição da válvula


afetada, mas é a condição necessária quando o tratamento médico “falha” (nesta
situação a mortalidade é de 100% se não se intervém cirurgicamente).

Infeções vasculares não-cardíacas

A injeção de drogas ilícitas pelos toxicodependentes conduz a trombose e


esclerose dos vasos, provocando com frequência infeções no local da injeção,
conduzindo à formação de hematomas, tromboses, tromboflebites, aneurismas
micóticos ou formação de fístulas arteriovenosas.

Os microrganismos mais frequentes responsáveis são:

 S. aureus
 Germes Gram negativos – Pseudomonas
Aneurismas micóticos:

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São situações frequentes nos toxicodependentes de drogas endovenosas,


sendo as artérias femorais as mais atingidas.

O traumatismo direto dos vasos periféricos é o início do processo de formação


do aneurisma micótico, com a disseminação de microrganismos por contiguidade de
zonas de celulite ou abcessos e menos frequente, por embolização à distância.

O diagnóstico é feito por ecodoppler, podendo ser confirmado por angio-TAC.

O tratamento é obrigatório, por um período de 4-6 semanas, de acordo com o


microrganismo mais provável (Vancomicina para S. aureus, associada ou não a
aminosídeo se suspeita de infeção por Gram negativo) e adaptado ao resultado das
culturas entretanto efetuadas.

Infeções pulmonares

Nos toxicodependentes de drogas endovenosas as pneumonias adquiridas na


comunidade (PAC), pneumonias de aspiração (PA), abcessos pulmonares e tuberculose
pulmonar surgem cerca de 10 vezes mais que na população geral.

A etiopatogenia destas infeções pode ser por disseminação broncogénica (S.


pneumoniae, Haemophilus influenzae, klebsiella pneumoniae e anaeróbios de boca) ou
por via hematogénica (S. aureus e Pseudomonas aeruginosa).

A antibioterapia vai ser orientada pelos isolamentos encontrados nas culturas


dos produtos biológicos, sendo o tempo de tratamento aumentado na situação dos
abcessos pulmonares.

Terapêutica

Pneumonia (da comunidade):

a. Tratamento em ambulatório:
 Macrólido per os (ex.: Azitromicina 500mg id) +
Amoxicilina/ácido clavulânico 875/125mg per os de 12/12h, 7 a
10 dias

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Doenças Infeciosas 2017

 Fluoroquinolona respiratória per os (ex.: Levofloxacina 750 mg


id), 7 a 10 dias

b. Tratamento em regime hospitalar:


 β-lactâmico (Cefoxitina 1g ev de 8/8h ou Ceftriaxone 1g ev de
12/12h) + Macrólido ev (nas doses acima padronizadas)
 Fluroquinolona respiratória (Levofloxacina 750mg ev id)
Na suspeita de pneumonia por S. aureus meticilino-resistente usar
Vancomicina, Teicoplanina ou Linezolide nas doses já referidas.

Na suspeita de Pseudomonas usar:

 β-lactâmico anti-pseudomonas (Piperacilina-Tazobactam 4,5g ev de


8/8h, Cefepime 1 a 2g ev de 12/12h)
 Carbapenemos: Imipenem 500mg ev de 6/6h ou 8/8h ou Meropenem
1g ev de 8/8h)
Abcesso pulmonar ou Pneumonia necrosante:

 Clindamicina 600 a 900mg ev de 6/6h + Netilmicina 5 a 7mg/kg ev cada


24h
 Carbapenemos: Imipenem 500mg ev de 6/6h ou 8/8h ou Meropenem
1g ev de 8/8h
Empiema pleural:

Terapêutica idêntica à do abcesso pulmonar, associada a drenagem e/ou


descorticação pleural.

Infeções por vírus hepatotrópicos

Os toxicodependentes apresentam um risco aumentado de infeção por vírus


hepatotrópicos como o VHB, VHC e VHD comparativamente com a população geral.

A partilha de agulhas e seringas bem como as más condições de vida deste grupo de
população condicionam este aumento de prevalência.
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Infeções do SNC

As infeções do SNC no toxicodependente têm como causa mais frequente a


endocardite e consequentemente S. aureus e Streptococcus pneumoniae são os
agentes etiológicos mais encontrados.

Abcessos cerebrais, meningites e meningoencefalites bem como a rutura de


aneurismas micóticos são as complicações mais frequentes.

Os diagnósticos diferenciais são numerosos, nomeadamente com situações não


infeciosas: intoxicações (overdose), síndrome confusional aguda, acidente vascular
cerebral e demência.

Bibliografia

 Lavender TW, McCarron B. Acute infections in intravenous drug users. Clin Med
(Lond). 2013; 13(5): 511-513.
 Gordon RJ, Lowy FD: Bacterial Infections in drug users. N Engl J Med 2005; 353:
1945-1954.
 Irish C, et al.: Skin and soft tissue infections and vascular disease among drug
users, England. Emerg Infect Dis 2007; 13:1510-1511.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 89


Doenças Infeciosas 2017

INFECÇÕES VÍRICAS
Meningite e Encefalites víricas

A meningite é a inflamação das meninges e a encefalite é a inflamação do


parênquima cerebral. No seu sentido estrito, são diagnósticos anátomo-patológicos,
mas as definições que usamos habitualmente para estas entidades alargam-se no seu
sentido clínico, sendo que são processos inflamatórios evidenciados por alteração
laboratorial ou imagiológica em associação a:
- evidência clínica de disfunção neurológica nas encefalites,
- presença de sinais meníngeos nas meningites.
Pela estrutura do sistema nervoso central (SNC), o atingimento meníngeo
torna-se concomitante com o atingimento encefálico e vice-versa.
As meningites e as encefalites podem ter causa infeciosa ou não infeciosa.
Dentro das causas infeciosas, os vírus são as principais causas de meningite linfocitária
e de encefalite. Um estudo de follow-up levado a cabo no estado da Califórnia nos
Estados Unidos da América e que englobou 1570 casos durante um período de 7 anos
(1998-2005), concluiu que dos casos confirmados ou prováveis de encefalite: 69 %
eram virais, 20 % eram bacterianas, 7 % eram relacionadas com priões, 3 % eram
parasitárias e 1 % eram fúngicas.
Os vírus mais frequentemente implicados são os Vírus Herpes Simplex, outros
vírus Herpes, os enterovírus, o vírus da parotidite e o vírus do sarampo.
A encefalite associada a uma causa infeciosa pode ser de dois tipos:
- primária – ocorre por infeção/invasão direta do SNC pelo microrganismo;
- para-infeciosa ou pós-infeciosa - ocorre aquando ou após outra doença infeciosa,
mediada por uma resposta imunológica.
Assim sendo, um desafio colocado na avaliação destes doentes é o significado
que tem a identificação de alguns microrganismos fora do SNC, já que estes podem ter
um papel nas manifestações neurológicas mas não necessariamente por invadirem o
SNC.

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Doenças Infeciosas 2017

Apesar de todos os exames complementares de diagnóstico, a etiologia da


encefalite permanece desconhecida na maioria dos casos (32-75 %). Mesmo nas
encefalites de causa viral isto acontece e na maioria destas o tratamento é apenas de
suporte. Ainda assim, na abordagem ao doente, deve ser sempre feita uma tentativa
de esclarecer o agente causal, pois, para além de poder ser um caso para o qual exista
uma terapêutica dirigida (como veremos), poderá ser importante em termos de
prognóstico, aconselhamento do doente e contactantes, profilaxia ou intervenções de
Saúde Pública.
No entanto, são muitos os vírus capazes de provocar meningite e/ou
encefalite. Na prática, um estudo exaustivo de cada doente não é possível, pelo que
deveremos guiar-nos por pistas epidemiológicas e clínicas e no resultado de alguns
exames complementares de diagnóstico que são essenciais.

a) Pistas epidemiológicas
Algumas características epidemiológicas que podem ajudar a direcionar a
investigação diagnóstica são: a época do ano, o local geográfico, a prevalência da
doença na comunidade, a exposição ocupacional, a exposição recreativa, a história de
viagens, os comportamentos sexuais, o contacto com insetos, o contacto com outros
animais, a história vacinal, o status imunológico (Quadros I e II).

b) Clínica
A maioria das encefalites virais é de instalação aguda.

Caracterizam-se pelo aparecimento de:

- febre,
- cefaleia,
- alteração do estado de consciência (confusão, desorientação, prostração, estupor,
coma; geralmente mais precoce no curso da doença do que na meningite bacteriana,
mas não é uma característica diferenciadora fidedigna).
Outros sinais que frequentemente ocorrem são:
- alterações do comportamento,
- sinais neurológicos focais,
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Doenças Infeciosas 2017

- convulsões.
Existem alguns achados clínicos característicos da infeção por determinados
vírus e que nos apontam para um diagnóstico etiológico, como se vê nos Quadros I e
II.
c) Exames complementares de diagnóstico
A avaliação diagnóstica de um doente com encefalite deve incluir:
- hemograma completo, provas de coagulação, bioquímica renal, bioquímica hepática,
marcadores de inflamação, gasimetria arterial, radiografia de tórax, hemoculturas;
- neuro-imagem – deve ser feita ressonância magnética crânio-encefálica (RM-CE), que
mostra predominantemente alterações da substância cinzenta na encefalite viral; a
tomografia computorizada crânio-encefálica é o exame de escolha apenas se a RM-CE
não estiver disponível ou não puder ser realizada;
- punção lombar – o líquor na encefalite viral geralmente mostra uma pleocitose
ligeira com predomínio de células brancas mononucleares (pode haver predomínio de
polimorfonucleares numa fase precoce da doença) e um aumento de proteínas ligeiro
a moderado; a glicorráquia é geralmente normal, raramente diminuída; pode haver
aumento da contagem de glóbulos vermelhos nas encefalites hemorrágicas; até 10 %
dos casos de encefalites virais cursam com análise normal do líquor; devem ser
solicitados exames microbiológicos – culturas (no isolamento de vírus, laboriosas e
com valor limitado; fundamentais para pesquisa de agentes bacterianos e fúngicos),
pesquisa de anticorpos e realização de testes de amplificação de ácidos nucleicos por
técnicas de Polimerase Chain Reaction-PCR (estes com papel diagnóstico cada vez mais
relevante e hoje em dia fundamentais na deteção de vários agentes virais no líquor;
utiliza-se atualmente um teste denominado Multiplex encefalites/meningites, que
numa amostra de líquor pesquisa de forma simultânea a presença de material
nucleico dos agentes bacterianos, víricos e fúngicos mais frequentemente implicados
nas infeções do SNC);
- eletroencefalograma (EEG) – indicador sensível de disfunção cerebral e que pode
demonstrar o envolvimento cerebral numa fase precoce da doença; na fase aguda, a
gravidade das alterações geralmente não se correlaciona com a extensão da doença,
mas alterações no EEG que rapidamente melhoram frequentemente indiciam um bom

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Doenças Infeciosas 2017

prognóstico; pode ser útil na sugestão de uma etiologia herpética quando demonstra
um foco epileptiforme temporal (ver Quadro I).
Deve também incluir, consoante o quadro clínico e a suspeita etiológica:
- serologias;
- estudo microbiológico de expetoração;
- estudo microbiológico de fezes;
- pesquisa microbiológica por PCR: zaragatoas nasais, zaragatoas orofaríngeas,
zaragatoas de lesões cutâneas ou mucosas, saliva;
- virémias;
- biopsia de lesões cutâneas;
- biopsia de adenopatias;
- biopsia cerebral – raramente realizada, a considerar em doentes com encefalite de
etiologia não esclarecida que deterioram o seu estado apesar das medidas instituídas.
Existem alguns achados nos exames complementares de diagnóstico
característicos da infeção por determinados agentes virais e que nos apontam para
um diagnóstico etiológico, como se vê no Quadro I.

d) Tratamento
Apesar da grande variedade de vírus reportada como causa de
meningoencefalite, a terapêutica antivírica dirigida é na generalidade limitada a casos
de encefalite por Vírus Herpes Simplex (HSV) e por Vírus da Imunodeficiência Humana
(VIH), respetivamente usando aciclovir e terapêutica antirretrovírica (TARV).
Nos Quadros I e II vemos ainda as terapêuticas a considerar nos outros casos
de encefalite e o nível de evidência científico que está na base da recomendação.
Sabendo que os HSV são das causas mais frequentes de encefalite viral e que a
terapêutica antivírica muda o curso e o prognóstico destes casos, o tratamento com
aciclovir endovenoso 10 mg/Kg de 8 em 8 horas deve ser iniciado em todos os casos
de suspeita de encefalite enquanto se aguardam os resultados do estudo diagnóstico
(ajustar dose à função renal se necessário). Esta terapêutica pode ser descontinuada
se o resultado da PCR para HSV 1 e 2 no líquor for negativo (salvaguardado o facto de
uma PCR para HSV inicialmente negativa poder ser positiva se repetida alguns dias

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 93


Doenças Infeciosas 2017

depois). Se o resultado da PCR para HSV for positivo, a terapêutica deve ser mantida
14 a 21 dias, altura em que se deve repetir punção lombar. Se a PCR permanecer
positiva, deve manter-se tratamento com reavaliação da PCR a cada semana e
suspendê-lo quando esta negativar.
Igual importância têm as medidas gerais de monitorização e suporte: vigilância
dos sinais vitais, vigilância do estado de consciência e das alterações neurológicas,
controlo da hipertensão intracraniana, controlo das convulsões.
Eventuais sequelas neurológicas funcionais devem ter encaminhamento
adequado em âmbito de Reabilitação.

e) Prevenção
A prevenção das infeções por estes vírus tem como principais abordagens
gerais:
- imuno e quimioprofilaxia nos casos em que estas estão disponíveis,
- proteção individual e das comunidades contra os mosquitos vetores de algumas
destas infeções (roupa comprida, repelentes, inseticidas, redes mosquiteiras, eliminar
pequenas concentrações de água parada),
- uso de proteção adequada no contacto com pessoas, animais ou ambientes
potencialmente infetados,
- vigilância das populações animais potencialmente infetantes (papel determinante
dos entomólogos, biólogos, veterinários),
- colaborar com a vigilância epidemiológica das doenças, nomeadamente notificando-
as quando constituem Doença de Notificação Obrigatória e fazendo bons registos
clínicos.

f) Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da encefalite viral faz-se sobretudo com:
- encefalomielite disseminada aguda (ADEM, de Acute Disseminated
Encephalomyelitis) – agressão ao SNC como resposta imunológica a um antecedente
antigénico (microrganismo, vacina);

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Doenças Infeciosas 2017

- encefalopatia (secundária a distúrbios metabólicos, hipóxia, isquémia, fármacos,


intoxicações, disfunção de órgão, infeções sistémicas).

Assim, a encefalite viral contempla doença por vários agentes. Para além da
investigação-base transversal a todos os casos de encefalite e de encefalite de causa
infeciosa, devemos adequar os exames diagnósticos aos fatores de risco do doente, a
fim de sermos eficazes em estabelecer um diagnóstico e subsequentemente uma
terapêutica apropriada, com o melhor prognóstico possível.
Em seguida apresentam-se dois quadros que têm o intuito de apresentar os
principais vírus a considerar em casos de encefalite e as principais características
diferenciadoras que apresentam (que não são constantes) que são úteis para a
abordagem do doente. O Quadro I refere-se aos agentes potencialmente implicados
no doente que não viajou para fora de Portugal. O Quadro II refere-se a agentes que
não circulam no nosso país e que são considerados no doente que viajou para
determinados locais, situação esta em que se recomenda a consulta de clínicos
especializados.

BIBLIOGRAFIA

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by the Infectious Diseases Society of America. IDSA Guidelines for
Management of Encephalitis 2008; 303-327
 Solomon T et al. Management of suspected viral encephalitis in adults ─
Association of British Neurologists and British Infection Association National
Guidelines. Journal of Infection 2012; 347-373
 Norma nº 007/2017 de 12/06/2017 da Direção-Geral da Saúde de Portugal.
Procedimento para disponibilização da reserva estratégica nacional de
imunoglobulina contra a raiva (REN IgR) 2017; 1-9

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 95


Doenças Infeciosas 2017

 Norma nº 004/2017 atualizada a 26/04/2017 da Direção-Geral da Saúde de


Portugal. SARAMPO: Procedimentos em unidades de saúde - Programa
Nacional Eliminação Sarampo 2017; 1-19
 Norma 007/2015 atualizada a 03/12/2015 da Direção-Geral da Saúde de
Portugal. Terapêutica e quimioprofilaxia da gripe sazonal 2015; 1-8

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 96


Doenças Infeciosas 2017

Quadro I – Vírus causadores de encefalite a considerar no doente que não viajou para fora de Portugal
EPIDEMIOLOGIA/
AGENTE ACHADOS CLÍNICOS ACHADOS NOS EXAMES TRATAMENTO PROFILAXIA
FATORES DE RISCO
Suporte Pré-exposição
Vírus da Imunodeficiência Exposição parentérica ou sexual Exantema máculo-papular
─ TARV (A-II) Pós-exposição
Humana Transmissão materno-fetal Linfadenopatia
(ver capítulo VIH) (ver capítulo VIH)
Edema e/ou hemorragia
Suporte
temporal e/ou frontal
Aciclovir iv
inferior
10 mg/Kg 8-8 h
A encefalite viral mais comummente Envolvimento temporal
14-21 dias (A-I)
diagnosticada nos países bilateral é quase
Seguidamente repetir
industrializados patognomónico (mas é um
punção lombar:
(~90 % por HSV-1) sinal tardio)
Vesículas cutâneo-mucosas se PCR negativa parar
Herpes simplex vírus 1 e 2 Crianças Romboencefalite ─
SIHAD se PCR positiva manter
Idosos Atividade epileptiforme
até negativar (controlo a
Imunodepressão (mais por HSV-2) com foco temporal
cada semana) (B-II)
Exposição sexual em > 80 % dos casos,
Transmissão materno-fetal objetivada 2-14 dias após
início dos sintomas

Grandes vasos cerebrais Pré-exposição:


com processos de arterite Suporte vacina
Vírus Varicela-Zoster Imunodepressão Exantema vesicular Enfartes cerebrais Aciclovir (B-III) ou Pós-exposição
isquémicos ou Ganciclovir (C-III) para evitar primo-
hemorrágicos infeção: vacina

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Doenças Infeciosas 2017

antivaricela ou
imunoglobulina
antivaricela se
vacina
contraindicada
Pós-exposição
para evitar
Herpes Zoster:
vacina antizoster
Faringite
Linfocitose com 10-20 % de
Linfadenopatia
linfócitos atípicos
Esplenomegália
a partir da 2ª semana de
Vírus Epstein-Barr Imunodepressão Hepatomegália Suporte ─
doença
Exantema máculo-papular
Aumento das
discreto na 2ª semana de
transaminases
doença
Colite
Imunodepressão Linfadenopatia
Ganciclovir +
Citomegalovírus Transmissão materno-fetal Retinite ─ ─
+ Foscarnet (B-III)
Úlceras cutâneo-mucosas
Síndrome mononucleosídea
Suporte
Ganciclovir ou Foscarnet
Pode ser detetado no líquor
Herpesvírus Humano 6 Imunodepressão Exantema máculo-papular (B-III em ─
de indivíduos saudáveis
imunocomprometidos, C-
III em

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Doenças Infeciosas 2017

inumocompetentes)
Enterovírus – Não vacinados com viagem a: África, Pré-exposição:
Paralisia flácida ─ Suporte
Vírus da poliomielite Ásia vacina PNV
Exantema
máculo-papular discreto
Cefaleia
é um sintoma proeminente
precoce
Herpangina Suporte
Agamaglobulinémia
Miocardite γ-globulina
Enterovírus não polio – Contacto com águas não tratadas Romboencefalite
Pericardite intraventricular na ─
Echovírus, Coxsackievírus Verão (Enterovírus 71)
Paralisia flácida doença grave ou crónica
Início do outono
(Enterovírus 71, Coxsackievírus) (C-III)
Em casos de
agamaglobulinémia, pode
desenvolver-se
meningoencefalite crónica
(raro)
Idosos
Exantema máculo-papular Pode haver pleocitose
Imunodepressão
Linfadenopatia neutrofílica na análise do
Vírus West Nile Contacto com pássaros Suporte ─
Paralisia flácida líquor
(transmissão por mosquito vetor)
Retinite Romboencefalite
Em Portugal, predominante no Algarve

1
Parotidite alguns dias antes Pré-exposição:
Vírus da Parotidite Não vacinados ─ Suporte
em ~50 % dos casos vacina PNV
1
Vírus do Sarampo Não vacinados Exantema máculo-papular ─ Suporte Pré-exposição:

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 99


Doenças Infeciosas 2017

que inicia na face vacina PNV


Tosse, Rinite, Conjuntivite Pós-exposição:
Linfadenopatia vacina ou
Sinal de Koplik imunoglobulina se
vacina
contraindicada
Pré-exposição:
vacina antigripe
1
Crianças Suporte
Vírus Influenza Sintomas respiratórios ─ sazonal
Inverno Oseltamivir (C-III)
Pós-exposição:
oseltamivir
Exantema
1
Não vacinados Pré-exposição:
Vírus da Rubéola máculo-papular discreto ─ ─
Transmissão materno-fetal vacina PNV
Linfadenopatia occipital
Forma furiosa (mais comum):
agitação, hidrofobia, Biopsia de pele da nuca
Pré-exposição:
comportamento bizarro, delírio com pesquisa de anticorpos
vacinação de
progredindo para contra o vírus no tecido
1
Suporte viajantes em risco
Vírus da Raiva Em Portugal, contacto com morcegos desorientação/ nervoso usando
Limpeza de feridas Pós-exposição:
estupor/coma imunofluorescência tem
vacina +
Forma paralítica: paralisia uma especificidade de
imunoglobulina
ascendente, posteriormente quase 100 %
envolvimento cerebral
Suporte
1
Síndrome demencial
Vírus John Cunningham Imunodepressão Leucoencefalopatia Diminuição da ─
Instalação gradual
imunossupressão (A-III)

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 100


Doenças Infeciosas 2017

TARV nos doentes com


SIDA (A-II)
2
Vírus Parainfluenza 2 e 3 ─ Sintomas respiratórios ─ Suporte ─

2
Sintomas respiratórios
Adenovírus ─ ─ Suporte ─
Conjuntivite
1
Vírus que classicamente se consideram causadores apenas de encefalite (e não de meningite)
2
Vírus que classicamente se consideram causadores apenas de meningite (e não de encefalite)

Quadro II - Vírus causadores de encefalite a considerar no doente que viajou para fora de Portugal
LOCAIS DE
ETIOLOGIA FATORES DE RISCO ACHADOS CLÍNICOS TRATAMENTO PROFILAXIA
CIRCULAÇÃO
Idosos Sintomas urinários
Vírus da encefalite de Suporte
América Contacto com pássaros (precoces) ─
Saint Louis IFN-α-2b (C-III)
(transmissão por mosquito vetor) SIHAD
Japão
China
Coreia
Crianças
Vírus da encefalite Tailândia Pré-exposição: vacinação de
Contacto com: pássaros, suínos Paralisia flácida Suporte
japonesa Índia viajantes em risco
(transmissão por mosquito vetor)
Nepal
Sudeste asiático
Austrália

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Doenças Infeciosas 2017

Crianças
Idosos
Vírus da encefalite América Central
Contacto com: pássaros, cavalos, ─ ─ ─
equina Oriental América do Sul
roedores (transmissão por
mosquito vetor)

Vírus da encefalite América Central Contacto com: pássaros, cavalos


─ ─ ─
equina Ocidental América do Sul (transmissão por mosquito vetor)

Contacto com: pássaros, cavalos,


Vírus da encefalite América Central
roedores (transmissão por Sintomas respiratórios ─ ─
equina Venezuelana América do Sul
mosquito vetor)
Crianças, especialmente as
Vírus da encefalite de Austrália aborígenes
─ Suporte ─
Murray Valley Nova Guiné Contacto com pássaros
(transmissão por mosquito vetor)
Crianças
EUA Contacto com: chimpanzés,
Vírus La Crosse ─ Suporte ─
(parte Oriental) esquilos (transmissão por mosquito
vetor)
Suporte
Vírus Nipah Sudeste asiático Contacto com: morcegos, suínos Sintomas respiratórios ─
Ribavirina (C-III)
Vírus Hendra Austrália Contacto com cavalos Sintomas respiratórios Suporte ─

Vírus B Europa Contacto com primatas Vesículas no local de Suporte Pós-exposição: Valaciclovir após
Limpeza de feridas

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Doenças Infeciosas 2017

África arranhão/mordedura Ganciclovir (B-III) ou arranhão/mordedura (B-III)


Valaciclovir (B-III) ou
Ásia
Aciclovir (C-III)

Vírus da encefalite Contacto com roedores


Europa Pré-exposição: vacinação de
transmitida por (transmissão por carraça vetor) Paralisia flácida Suporte
Sudeste asiático viajantes em risco
carraças Consumo de leite não pasteurizado
Ásia
Contacto com roedores
Vírus Powassan Nova Inglaterra ─ Suporte ─
(transmissão por carraça vetor)
Canadá
América Exantema máculo-
Ilhas do Pacífico Exposição ao mosquito vetor papular
Vírus Zika Suporte ─
África Exposição sexual Artralgias
Sudeste asiático Conjuntivite
América do Norte Exantema máculo-
Idosos
América Central papular
Imunodepressão
Vírus West Nile Sul da Europa Linfadenopatia Suporte ─
Contacto com pássaros
África Paralisia flácida
(transmissão por mosquito vetor)
Médio Oriente Retinite
Forma furiosa (mais
América Central
comum): agitação, Pré-exposição: vacinação de
América do Sul
Contacto com: morcegos, gatos, hidrofobia, Suporte viajantes em risco
Vírus da Raiva África
cães, guaxinins, doninhas comportamento Limpeza de feridas Pós-exposição: vacina +
Índia
bizarro, delírio imunoglobulina
Nepal
progredindo para

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Doenças Infeciosas 2017

desorientação/
estupor/coma
Forma paralítica:
paralisia ascendente,
posteriormente
envolvimento cerebral

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Doenças Infeciosas 2017

HEPATITES VÍRICAS

A terapêutica específica das infeções víricas é geralmente insatisfatória e o tratamento é


fundamentalmente sintomático. Contudo, há já algumas patologias para as quais existe
tratamento etiológico mais ou menos eficaz, sendo importante o seu conhecimento. Devemos
no entanto alertar que esta área da Medicina é objecto de investigação intensa, sujeita
portanto a modificações muito rápidas, donde a necessidade duma actualização constante,
como é exemplo paradigmático a terapêutica actual da Hepatite C.

Introdução

A hepatite viral permanece um grave problema de saúde pública à escala mundial.


São conhecidos 8 agentes distintos (A,B, C, D, E, G,TT E SEN).
Os vírus A e E partilham as mesmas vias de transmissão - formas agudas.
Os vírus B, D e C e E podem evoluir para a cronicidade – riscos de cirrose e carcinoma hepático
(CHC).
Para os vírus A, B (D) existe vacinação eficaz.
Principais medidas de prevenção: educação, imunização, terapêutica
Segundo a OMS - estratégia de actuação

1-Prevenção primária
-Deteção da hepatite vírica
-Controlar doença hepática crónica
-Avaliar exequibilidade de medidas de prevenção
-Adequar medidas ao tipo de transmissão
-Estabelecer meios de vigilância e investigação
2-Prevenção secundária
-Terapêutica - evitar o desenvolvimento de cirrose/CHC
-Prevenir transmissão a outros

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 105


Doenças Infeciosas 2017

Custos/Ano - 10 países EU (VHC,VHB,VIH) - 1,89 biliões (VHC-40%).

Alguns dados importantes a reter sobre a Hepatite B:


Existem 350 milhões de portadores crónicos, 75% Asiáticos
520.000 mortes anuais. Risco anual de cirrose - 12 %
A cirrose tem risco anual de falência hepática - 5.6% e CHC - 2.4%
O CHC é o 6º cancro mais comum sendo o seu risco 200 X superior na HVB.

A prevalência mundial do VHC cifra-se em 3%


Responsável por:
• 20% das hepatites agudas
• 70% das hepatites crónicas
• 40% dos casos de cirrose
• 60% dos hepatomas
• 30% dos transplantes hepáticos

Diagnóstico de Hepatite viral

Clínico: - Icterícia, colúria, fezes claras, astenia, anorexia.


Laboratorial: - Provas hepáticas (TGO e TGP são as mais importantes, apresentando
elevações 10-100 X o valor normal)
- Marcadores Serológicos: abordagem simplificada do doente com
hepatite aguda

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 106


Doenças Infeciosas 2017

Marcadores serológicos

AgHbs HAV IgM HBc IgM Anti-HVC Ac-HVE IGM Interpretação


+ - + - Hepatite B aguda
+ - - - Hepatite B crónica
+ + - - Hepatite A aguda +B
crónica
+ + + - Hepatite A e B agudas
- + - - Hepatite A aguda
- + + - Hepatite A e B agudas
(AgHbs abaixo do limiar
de detecção)
- - + - Hepatite B aguda (AgHbs
abaixo do limiar detecção
- - - + Hepatite C
- - - - + Hepatite E aguda

Adaptado de “Harrison”

Terapêutica
Em todas as formas clínicas será fundamental evitar novas agressões hepáticas (evitar álcool e
fármacos hepatotóxicos).
O repouso (não necessariamente absoluto) será recomendado nas fases agudas ou de
agudização.
A alimentação deve ser equilibrada sem necessidade de restrições dietéticas a não ser as auto-
impostas.
Hepatite Aguda – a terapêutica regra geral será sintomática, excepto nas formas graves da HVB
em que se deverá optar por nucleosídeos e na HVC pela utilização dos novos antivirais de ação
direta (AAD) durante 8 a 12 semanas.
Hepatite Crónica
Considera-se Hepatite crónica (HC) a inflamação e necrose hepáticas de qualquer etiologia,
com duração superior a 6 meses.
Clinicamente, embora possa haver períodos assintomáticos, a maioria dos doentes apresentam
fadiga moderada a severa, com elevação (ou não das transaminases - 30% dos doentes com

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 107


Doenças Infeciosas 2017

Hepatite C crónica e nos imunodeprimidos). Nas formas mais avançadas da doença poderá ser
acompanhada de sinais de insuficiência hepática crónica e icterícia podendo evoluir para
cirrose, descompensação hepática e Carcinoma-hepatocelular (CHC).

HEPATITE CRÓNICA B (HCB)


A evolução para a cronicidade depende fundamentalmente da idade e do estado imunológico
do indivíduo. A infecção perinatal evolui para a cronicidade em cerca de 90% dos casos. No
adulto jovem saudável <5% dos casos evoluem para formas crónicas.
A lesão histol gica tem importância progn stica: a sobrevida aos 5 anos na “Hepatite Cr nica
Persistente” é de 97%, na “Hepatite Cr nica Activa” é de 86% e na “Hepatite Crónica Activa
com Cirrose” é de 55%.
Com os avanços da investigação e nomeadamente da aplicação da Biologia Molecular à
Medicina, a história natural da hepatite B sofreu modificações consideráveis, sendo hoje
matéria de amplo debate.
Um aspecto muito importante, para além da histologia, é o grau de replicação viral, sabendo-se
hoje que virémias moderadas e persistentes, por si só, cursam com risco elevado de
hepatocarcinoma (CHC), como acontece com indivíduos que sofreram aquisição da infecção
precocemente.

>2000 >2000

*Nota: HVB Crónica AgHbe + ou neg –> tratar, se CV> 2000 UI/l- EASL 2017

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 108


Doenças Infeciosas 2017

Na hepatite crónica B (HCB) consideram-se duas fases principais distintas:


Fase replicativa, caracterizada por: presença (ou não) do AgHbe, DNA do VHB, AgHBc intra-
hepatocitário, alta infecciosidade e lesão hepática importante- (respectiva/ Hepatite b Ag e
positiva / ou negativa).
Fase não replicativa, caracterizada por: ausência dos AgHbe, DNA do VHB (pode se detectável
em títulos mínimos), e do AgHBc intra-hepatocitário; presença no soro do AcHBe;
infecciosidade limitada e lesão hepática mínima.
Podemos considerar diversos tipos de portadores:
Portadores adultos do AgHbs: tipo mais comum na Europa Ocidental e EUA; transmissão
dominante por via parentérica, sexual e horizontal (intrafamiliar); tipicamente têm AgHbe
negativo e antiHbe positivo aquando do diagnóstico.
Hepatite neonatal: Sudoeste asiático e Pacífico Sul, representa cerca de 50% dos casos de
hepatite; os doentes têm imunotolerância ao vírus durante o período neonatal e na infância. A
seroconversão Hbe ocorre tardiamente na vida adulta. Em criança têm altos níveis de DNA com
transaminases normais, apresentando na vida adulta, hepatite crónica ativa com
transaminases elevadas e AgHbe positivo.
Infecção VHB na África Subsariana, Alasca e Mediterrâneo: transmitida horizontalmente pessoa
a pessoa durante a infância; transmissão perinatal rara; muitas crianças têm transaminases
elevadas e a seroconversão Hbe acontece em geral na adolescência.
Hepatite crónica B com AgHbe negativo: estes doentes apresentam mutações do core e
précore e representam um grupo emergente de doentes com HCB com doença hepática activa.
São AgHbe negativos e têm antiHbe positivo, têm enzimas hepáticos “níveis flutuantes”,
doença hepática crónica e níveis relativamente baixos de DNA. São relativamente resistentes
ao tratamento com interferão e nucleosídeos(tidos). A prevalência destas mutações varia de 20
a 90 % nos doentes da área Mediterrânica, 10-38% da Ásia e Pacífico Sul e cerca de 10% dos
doentes dos EUA.
Conhecem-se hoje 9 genótipos do VHB. Tal como aconteceu com hepatite C, a genotipagem do
VHB deverá vir a desempenhar um papel importante a curto prazo, quer em relação à
epidemiologia/vias de transmissão, às mutações do précore (mais comuns no genótipo D do
que no A), a resposta ao tratamento (melhor no A e B) e maior risco de evolução para cirrose
(no genótipo C e D) e para CHC (no genótipo C).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 109


Doenças Infeciosas 2017

Categorias de doentes com hepatite B crónica


Há 5 fases não necessaria/ sequenciais

Portador inactivo
Imune Tolerante
AgHbe-Positivo AgHbe-Negativo
Replicação viral activa ALT-N
Doença hepática inactiva DNA-VHB < ou Neg

Imune-reactiva
AgHbe-Positivo AgHbe-Negativo
Replicação viral activa Anti-e +
Doença hepática activa Replicação viral activa
Doença hepática activa/inactiva

Fase do Ag HBs Neg


Ac Hbs -Positivo
(DNA-VHB+ no fígado!)
Reactivação se imunosupressão

Terapêutica – Objectivos Gerais

As terapias correntes são inadequadas para a erradicação viral.


Estão aprovados actualmente para o tratamento da HCB 2 grupos principais de fármacos:
imunomodeladores e análogos nucleosídeos(tidos), o que perfaz seis fármacos: o interferão
alfa 2a e 2b, e o peginterferão alfa, a lamivudina (LAM), o adefovir, a telvibudina, o entecavir
(ETC) e o tenofovir (TNF).
Existem objectivos terapêuticos a curto e longo prazo. Os 1ºs incluem atingir resposta
virológica (com negativação do DNA-VHB por “Polimerase Chain Reaction”- PCR),
seroconversão do AgHbe, e normalização da função hepática. (Sabe-se que a persistência mm
de baixos níveis de virémia condicionará insucesso terapêutico e risco aumentado de
resistências no futuro).
Os 2ºs referem-se ao aumento da sobrevida, à prevenção da cirrose e complicações da doença
avançada, como o CHC, objectivos possíveis desde que a terapêutica tenha resultado em
resposta virológica sustentada. Assim, estão definidos modelos de resposta quanto ao Tipo e
Momento da sua obtenção:

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 110


Doenças Infeciosas 2017

1. Tipo de resposta

• Bioquímica (RB): < da ALT para valor normal

• Virológica (RV): < do DNA-VHB (<1 log às 12 semanas ou NEG) e perda do AgHBe

• Histológica (RH): < 2 no índice de actividade inflamatória (HAI)

• RV parcial- DNA: > 200UI/ml à 24ª semana de terapia com nucleósido (ou 48ª semana
com adefovir)

• Resposta Completa (RC): Resposta combinada (RB, RV, e perda do AgHbs)

2. Momento em que surge resposta

• “On therapy” - durante a terapia

• Resposta mantida -persiste durante a terapia

• “Off Therapy - após descontinuar terapia

• Resposta Sustentada (RS-6) - 6 M após descontinuação

• Recidiva - varia com o momento em que surge - (ex. “breakthrough”- durante o


tratamento).

Guidelines da EASL - 2017


1) Recomendações semelhantes para a hepatite B Crónica AgHBe Positiva e Negativa.
2) Nos doentes sem cirrose:
a) ALT >2x valor normal (VN) e DNA >2.000UI/ml
b) ou biópsia com hepatite moderada ou severa e ALT>2x VN;
3) Na cirrose
a) Iniciar terapêutica independentemente dos níveis de ALT/DNA

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 111


Doenças Infeciosas 2017

Algoritmo terapêutico na HVB comparando guidelines: EASL, APASL e AASLD


Liver International -2017

O Interferão foi aprovado no início da década de 90 com as seguintes indicações


- AgHbs positivo; transaminases aumentadas (>2x)
- Biópsia com evidência histológica de lesão hepática em actividade
- DNA do VHB positivo; AgHbe positivo e AgHbe -
- Doença hepática compensada.
Posologia: Interferão alfa 5 milhões, UI, sc, id , 4 meses ou
10 milhões UI, sc, 3x/semana 4 meses.
Induz remissão mantida (perda do AgHbe) em 25-40% dos doentes, associada a perda do
AgHbs em 10% dos casos; não induz emergência de estirpes resistentes.
Vigilância/avaliação do tratamento
- Clínica; transaminases a cada 2-4 Semanas;
- AgHbs, AgHbe e DNA do VHB no início, às 12 semanas, no final e 6 meses depois do
tratamento.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 112


Doenças Infeciosas 2017

A probabilidade de resposta ao interferão é maior se:


- níveis baixos de DNA do VHB (< 20x108 UI/mL)
- elevação substancial das transaminases (>4 a 5x VN)
- baixa concentração do AgHbe
- genótipos A e B.
- actividade na biópsia hepática (necrose, inflamação)
- curta duração da doença
- aquisição da doença na vida adulta
- VIH negativo, ausência de insuficiência hepática.
No AgHbe negativo o genótipo D é o de pior resposta.
O Peginterferão alfa, na dose 180 μg/semana por 12 meses, é utilizado nos dois tipos de HCB,
tendo as mesmas indicações e monitorização do interferão. Consegue-se uma seroconversão
do AgHbe em cerca de 40%.
Nota: A melhor resposta da terapia com peginterferão pode ser obtida na mulher jovem,
genótipo A, AgHbe+, com inflamação e virémia moderadas, conseguindo-se neste caso taxas de
seroconversão Ac Hbe > 60%.

Dos análogos nucleósidos, a lamivudina foi a 1ª a ser aprovada pela FDA em 1999 para
tratamento da HCB, na dose de 100 mg dia, por via oral durante um ano.
Todas as drogas deste grupo actuam por inibição competitiva da polimerase viral de que
resulta uma diminuição da produção de partículas infectantes virais limitando a transmissão do
VHB a hepatócitos não infectados. Contudo, nenhum dos fármacos correntes é capaz de evitar
a produção de novo do cccDNA no hepatócito infetado.
Nenhum destes fármacos condiciona perda do AgHbs (excetuando, o Tenofovir actual/ com
perda estimada do AgHbs em até 10%). Apresentam risco comum de indução de resistências,
função das suas maiores ou menores potência relativa, barreira genética e duração da sua
utilização. (Apenas não há registo de indução de resistências com uso do Tenofovir).
A LAM tem muito boa biodisponibilidade por via oral e é muito bem tolerada. Actua por
bloqueio da DNA polimerase, sendo a sua actividade independente da imunidade do
hospedeiro, ao contrário do interferão. Induz uma diminuição da DNA do VHB de 4 log

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Doenças Infeciosas 2017

condicionando uma taxa de resposta de 32% (perda do AgHbe) com 17% de seroconversão
AcHbe, normalização mantida das transaminases em 41% e melhoria histológica em 52%.
Indicações do tratamento com LAM: deixou de ser fármaco de 1ª linha no tratamento da HCB,
excepto em 3 situações: no 3º trimestre de gravidez com virémia elevada (prevenção da
transmissão fetal, associado à vacinação do RN); na profilaxia da recidiva, aquando da terapia
imunossupressiva de curta duração, no portador VHB; e na hepatite aguda grave (neste caso,
apenas se houver contra-indicações para utilização do ETV ou TDF). Usa-se também em
associação com outros fármaco na co-infecção pelo VIH ou imunossupressão de outra
etiologia; é segura em doentes com descompensação hepática, podendo ser eficaz nos doentes
que não responderam ao tratamento com interferão. A limitação major ao tratamento com
lamivudina é a emergência de estirpes resistentes por mutação dum gene da DNA polimerase
(YMDD). A sua frequência varia de 15 a 30% no primeiro ano de tratamento até 54-90% ao fim
de 3 anos de tratamento.

Novas terapêuticas

Atualmente e com o passar dos anos e aquisição de experiências com a utilização destes novos
fármacos foi perceptível a dificuldade de estabelecer regras para a optimização destas
terapêuticas, que apresentam à partida limitações. São antivirais com potência e eficácia
variáveis e resistência induzida, factores que muitas vezes aumentam com a duração do seu
uso. Em monoterapia, apresentam ainda resistências cruzadas por vezes múltiplas, cujo
conhecimento é imprescindível para sua utilização criteriosa. Esboçam-se hoje estratégias para
optimizar a terapia da HBC, devendo evitar-se o uso de drogas em monoterapia sequencial e
com perfis de resistência cruzada, utilizar aquelas com maior potência e barreira genética (ex:
Entecavir/ Tenofovir), e estabelecer uma monitorização proficiente: se à 12ªs o DNA não
negativar (avaliação por PCR) ou pelo menos não diminuir < 1 log (“Não Resposta Primária”),
optar por “Add on Therapy”ou “De Novo Therapy”. O mesmo está aconselhado às 24ªs (ou 48ªs
com o Adefovir) se a virémia for >200UI/ml (“Resposta Parcial”).
Adefovir (ADV) - Análogo dos nucleotídeos eficaz nas estirpes selvagens e nos
mutantes resistentes à Lamivudina. Dose 10 mg/dia, por via oral. Não foram relatadas
resistências até às 136 semanas de tratamento. Pode causar insuficiência renal. Deve ser usado

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Doenças Infeciosas 2017

primariamente na HC AgHbe Neg (doentes que necessitam de terapia de longa duração e


normalmente apresentam virémias moderadamente elevadas, pelo menor risco de indução de
resistências. Outras indicações do ADV serão: a terapia de resgate na resistência à Lamivudina,
em associação (“Add on therapy”), não se observando resistência aos 3 anos; na profilaxia da
recidiva, aquando da terapia imunossupressiva no portador VHB, para prevenção da
agudização.
Notar que a utilização deste fármaco é hoje muito rara, pela sua substituição e com ampla
vantagem pelo Tenofovir.
Entecavir (ETV) - Análogo dos nucleosídeos, é fármaco potente usado como terapia de
1ª linha nas 2 formas crónicas da HVB, na dose de 0.5mg/dia (também poderá usar-se na
resistência à Lamivudina (1mg/d), embora com taxas de resistência de 35% após 4 anos). Não
deverá ser utilizado isoladamente no co-infectado VIH por risco de resistência cruzada.
Tenofovir (TDF) - Potente análogo nucleótido (mesma família do ADV) activo nos
naïves e nos mutantes resistentes (à LAM e ETV). A maior experiência do seu uso tem sido
obtida na terapia do co-infectado VHB/VIH. Poderá ser também eficaz na resistência primária
ao ADV. Na terapia de resgate pode usar-se nos regímenes de “Add on” ou “De Novo”. Até à
data presente não há referência a resistências ao TDF.
Nota: efeitos secundários mais frequentes-toxicidade renal e óssea.
A Telbivudina e a Emtricitabina são análogos nucleosídeos potentes, mas têm o seu uso
limitado por apresentarem resistência cruzada com a Lamivudina.
Outras opções terapêuticas estudadas - Tem sido ensaiadas associações terapêuticas,
nomeada/ do Peginterferão com a LAM, c/ Adefovir, e Tenofovir, bem como do ETV com TDF,
sem que se obtivessem mais-valias assinaláveis.

HEPATITE CRÓNICA DELTA

O vírus da hepatite delta é o responsável pela forma mais rara e a mais grave de hepatite vírica
nos humanos e a que com maior probabilidade conduz à cirrose.
O VHD é um vírus RNA incompleto que para se replicar e transmitir requer a presença do
AgHbs.

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Doenças Infeciosas 2017

Assim, o VHD ocorre apenas no indivíduo AgHbs + seja como co-infecção aguda ou como
superinfecção (esta a forma mais comum) nos doentes previamente infectados cronicamente
pelo VHB.
A hepatite Delta não é doença rara. Estando ligada à VHB apresenta distribuição e forma de
transmissão semelhantes, sendo a via mais comum de infeção a parenteral - forma comum de
transmissão para os usuários de narcóticos.
É fortemente endémica na bacia Mediterrânica, Médio Oriente, África Central, e países do
Norte do Continente Sul Americano (ex. Amazónia com grande prevalência).
Contudo, em zonas do globo em que o VHB é muto prevalente como a China, o VHD surge
apenas em 6.5% .
São hoje conhecidos 8 genótipos, que poderão contribuir para diversos cursos da
doença; por ex. o genótipo 1 é o mais frequente em todo o mundo e estará associado quer
com doença moderada ou severa, enquanto o 2 (na Ásia de Leste e Rússia) causa doença
moderada prolongada. O genótipo 3 encontra-se exclusivamente na parte norte da América
do Sul (Amazónia), o 4 no Japão e Taiwan e o 5 e 6 na África.
A co-infecção ou superinfecção dos portadores do AgHbs leva em geral a uma maior
agressividade da doença, sendo quase sempre o perfil histológico de HCA.
A Terapêutica ensaiada desde a década de 80 tem tido pouco sucesso. O fármaco mais
eficaz é o Interferão com sucesso virológico na ordem dos 25-30%, mas risco de recidivas em
cerca de 40%. (Estima-se que se às 24 semanas de terapia, nos doentes cujo decréscimo do
RNA-VHD seja < que 1 log. associado a decréscimo nulo do AgHbs não haverá qualquer tipo de
resposta em 83% dos doentes).

- Posologia: -Interferão alfa - 5 MU, sc, id, 12 meses ou


- 9-10 MU 3x/semana, por 12 meses
-Peginterferão 180ug/semanal por, pelo menos, 12 meses.
Melhoria mantida com clearance do AgHbs em 15-25% dos doentes.
Se existir cirrose, ponderar a transplantação hepática (melhor prognóstico que HC pelo VHB
isolado).
Outras terapêuticas utilizadas na HVD:

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Doenças Infeciosas 2017

I. Foram testadas terapias com os análogos nucleósidos utilizados na hepatite B isolados


ou associados ao Interferão sem sucesso relevante.
II. Estão hoje a ser ensaiados novos fármacos:
a. Os inibidores da isoprenilação – como será exemplo o Lorafenib –
revelando uma < do RNA-VHD dose dependente > de 2 log. UI/l após 28 dias
de terapia, mas com risco de toxicidade não negligenciável. Continua a ser
ensaiado agora associado a ritonavir.
b. O Myrcludex-B-é um lipopeptídeo derivado do domínio pre-S1 do
envelope do VHB também tem sido ensaiado (fase 1 e 2) na terapia da
hepatite D. O alvo molecular do fármaco é o peptídeo co-transportador
taurocolato de sódio do ác. biliar. Com 24 semanas de terapia condicionou
um declínio de RNA-VHD na maioria dos doentes bem como da ALT,
sugerindo redução também da atividade da hepatite.

HEPATITE CRÓNICA C - (HCC).

A hepatite C é em geral uma doença de evolução lentamente progressiva mas apresenta vários
padrões de progressão:

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Doenças Infeciosas 2017

Disease progression in hepatitis C:


person-to-person variability
R S
a L
t ≥ 30 years after infection
o
e
w Female sex, young age
o Decompensation
f (~ 20%)

HCC
d Norma Acute Chronic Chronic Cirrhosis (1-4%
i l liver infection infection hepatitis (20%) per
s (80%) year)
e
a Infection Stable Slowly
s
resolves hepatitis progressive
e
spontaneously (80%) (~ 75%)
p (20%)
F
r
o a
g s ≤ 20 years after infection
r t
e Alcohol use, co-infection with HIV or hepatitis B virus
s
s Lauer & Walker. N Engl J Med 2001; 345:41–52
i
o
n

- Cerca de 20% dos infectados recuperam espontaneamente.


- Os restantes 80% apresentam evidência bioquímica de hepatite crónica:
- A maioria tem lesões inflamatórias ligeiras a moderadas com fibrose mínima - o prognóstico
a longo prazo é desconhecido,
- 3 a 20% desenvolve cirrose em 10 a 20 anos e vem a morrer das complicações da doença
hepática (na co-infecção VHC/VIH em <10 anos).
A doença é mais severa e mais rapidamente progressiva se associada a outras doenças
hepáticas nomeadamente: co-infecção com o VHB, hepatopatia alcoólica (o co-factor mais
importante), défice de Alfa-1-antitripsina, idade (em geral correlação inversa entre progressão
da doença e idade), co-infecção por VIH.
Alguns doentes com HCC tem auto anticorpos anti-LKM tipo 1 (Liver-kidey-microsome) tal como
na HC auto-imune.

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Doenças Infeciosas 2017

INDICAÇÕES PARA TRATAMENTO


 Hepatite crónica C, com RNA VHC positivo ( >50 UI/mL)
 Evidência histológica de hepatite crónica (fibrose portal ou necrose em ponte;
inflamação e necrose pelo menos moderadas)
 Transaminases elevadas (>2xN) - embora não haja uma correlação absoluta a
maioria dos doentes com as características anteriores tem ALT persistentemente
elevada.

- Doentes com ALT normais


Cerca de 30% dos doentes têm ALT normal e outros 40% têm ALT< 2xN; a maioria destes
doentes tem doença histológica ligeira.
Não existe consenso em relação ao tratamento destes doentes. Factores a considerar na
decisão de tratar: genótipo favorável, presença de fibrose hepática, motivação do doente,
doença sintomática, gravidade das co-morbilidades e idade do doente.

- Doença hepática ligeira


Doentes com ALT persistentemente elevada mas sem fibrose e com alterações
necroinflamatórias mínimas: regra geral não há consenso quanto ao tratamento. Há quem
preconize vigilância clínica e laboratorial com eventual repetição da biopsia/Fibroscan para
avaliar taxa de progressão da doença.

- Doença hepática avançada


Candidatos a transplante hepático. Usar novos fármacos, os antivirais de ação direta (AAD) -
“Interferon free therapies”.

- Nas crianças
Taxas de resposta superiores às do adulto; tratar precocemente para obter melhores
respostas.

- Retratamento

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Doenças Infeciosas 2017

Alguns doentes poderão beneficiar com retratamento. A decisão deverá ter em conta: tipo de
resposta ao tratamento anterior; tipo de tratamento efectuado; existência de resistências,
gravidade da doença hepática; genótipo e outros factores de boa resposta; tolerância e adesão
do doente ao tratamento anterior.

Pelas últimas recomendações internacionais já de 2014 estes doentes deverão ser tratados
com novos fármacos AAD em associação.
Na doença hepática avançada, se existem condições para aguardar enxerto, optar por 24
semanas de AAD. Em alternativa transplantar e realizar a terapia adequada ao genótipo
envolvido, obviamente.

TRATAMENTO “CLÁSSICO”
O tratamento combinado Standard utilizado nas últimas 2 décadas e entretanto praticamente
abandonado, consistia na associação de Peginterferão e Ribavirina. Com esta terapêutica
obtinham-se taxas de resposta sustentada global (RS às 24 semanas) de 50-53%. (No doentes
com genótipo 1 em média 52-60%). Os genótipos 2 e 3 podiam atingir valores >80% (valores
um pouco inferiores na co-infecção VIH) .

ESQUEMAS TERAPÊUTICOS
Gen tipos 1 (e 4): Interferão Peguilado Alfa2a (180 μg/sc/Semana) ou Interferão
Peguilado Alfa2b (1,5 μg/Kg/sc/Semana) + Ribavirina com dose ajustada ao peso (< 65Kg: 400
mg 2 id; >65 e <75Kg: 400+600 mg /dia; >75Kg: 600 mg 2 id) durante 48 Semanas. Controlar
viremia às 4 (Resposta Rápida-RR ) e às 12 Semanas (Resposta Precoce-RP): se diminuição pelo
menos 2 log. continuar até às 48 semanas; se não houver diminuição da viremia a
probabilidade de resposta é muito baixa, logo suspender o tratamento.
Genótipo 2 ou 3: Peginterferão Alfa2a ou Alfa2b associado à Ribavirina, em doses
standard, durante 24 semanas (na co-infecção VHC/VIH no mínimo 48s).
Se existissem contraindicações à Ribavirina: Interferão 3 MU 3x/S durante 12 meses; controlo
RNA VHC aos 3 meses; se positivo, suspender tratamento.
MONITORIZAÇÃO DA TERAPÊUTICA
 Hemograma completo, semanal nas primeiras 4 semanas quando se utilizar ribavirina.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 120


Doenças Infeciosas 2017

 Testes de função tiroideia (cada 3-6 meses durante e 6 meses após tratamento-qd se
utilizava interferão)
 Auto anticorpos (cada 3-6 meses durante e 6 meses após tratamento)
 Vigilância do estado emocional – terapia antidepressiva sempre que necessário.
 Contraceção rigorosa (por 2 métodos -1 obrigatoriamente método barreira) durante e
até 6 meses após tratamento (se utilizar Ribavirina)
 Determinação seriada das transaminases e função renal
 A pesquisa do RNA do VHC por “PCR em tempo real” (qualitativa/quantitativa) é o meio
mais eficaz de determinar a resposta ao tratamento: se for positivo aos 1º-3 meses de
tratamento - RS altamente improvável - o tratamento poderá ser interrompido. (c/
novos AAD a PCR geralmente negativa ao 1º mês)
 Repetir no final e às 12 e 24 semanas após tratamento.

Fatores de boa resposta à terapia da HCC actual (com os novos AAD)


 Níveis baixos de RNA do VHC
 Genótipos 1b, 4, 5 e 6
 Carga viral < 800.000 UI/l
 Biópsia/Fibroscan com menores fibrose, inflamação e esteatose
 IMC baixo e IL28b-homozigotia CC?
 Nota: pior resposta nos genótipos 3 e 1a

INFEÇÃO VHC AGUDA

Não é habitual o diagnóstico da hepatite C aguda. Os anticorpos anti-VHC poderão não


positivar nas 1ªs semanas, assim como no imunodeprimido. Recorre-se à determinação da
virémia RNA-VHC por “PCR em tempo real”, que dará resultados positivos nas 1ªs semanas de
doença. Estudos com poucos doentes e metodologias diversas obtiveram taxas de resposta
elevadas (83 a 100%) com monoterapia com interferão (ou Peginterferão).
Atualmente considera-se recomendável tratar os mono-infectados com os novos AAD
adaptados ao genótipo envolvido, por 8 semanas, com taxas de sucesso estimadas próximas
dos 100%.
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Doenças Infeciosas 2017

Nota: no co-infectado VHC/VIH a duração da terapia não deverá ser inferior às 12s.

Efeitos secundários do Interferão:


- Síndroma pseudo-gripal com febre, arrepios, mialgias e cefaleias, muito frequentes no início
do tratamento, melhorando em geral com a continuação deste.
- Letargia, depressão.
- Mielossupressão: anemia, trombocitopenia e neutropenia. Suspender tratamento se
neutrófilos < 500/mm3, ou utilizar G-CSF.
- Problemas cardiovasculares: hipotensão, hipertensão, arritmias.

Efeitos secundários da Ribavirina


-Anemia por hemólise (recuperação após suspensão ou redução do fármaco,
eventualmente com utilização de eritropoietina); exantema; teratogenicidade significativa em
animais.

Interferão alfa Ribavirina

Contra- -História actual ou passada de psicose ou depressão - IRC terminal


indicações grave não controladas - Anemia
absolutas - Neutropenia e ou trombocitopenia graves - Hemoglobinopatias
- Transplantação de órgão (excepto hepática) - Doença cardíaca
- Doença cardíaca sintomática grave
- Cirrose descompensada - Gravidez
-Ausência de
contracepção segura

Contra- Diabetes descompensada HTA não controlada


indicações Doenças auto-imunes Idade avançada
relativas

Efeitos secundários dos AAD


-geralmente bem tolerados e raramente condicionadores de suspensão terapêutica, traduzem-
se por: cansaço, sintomatologia digestiva ligeira a moderada, cefaleia.

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Doenças Infeciosas 2017

Nas contra-indicações refere-se, a título de ex. a presença de IR c/clearance de creatinina <30,


indicação de não usar o Sofosbuvir/Ledipasvir.
Nota: das múltiplas interações medicamentosas a ter em conta com os AAD, citam-se como
exemplos a amiodarona, anti-epilépticos e anti-retrovíricos- (existem tabelas para consulta,
disponíveis na internet).

Hepatite Fulminante
Nenhum tratamento comprovadamente eficaz.
Tratamento sintomático:
- restrição da ingesta proteica
- monitorização da glicemia - soro glucosado hipertónico (10-20%) consoante necessário
- prevenir hemorragias digestivas - antagonistas H2 e antiácidos
- antibioterapia intensiva das complicações infecciosas
- plasma fresco e factores de coagulação consoantes as necessidades
- lutar contra a encefalopatia hepática (lactulose e/ou neomicina)
Outras medidas - dexametasona, plasmaferese, interferão alfa, não foi demonstrado que
aumentem a sobrevida
Ponderar transplante hepático em doentes com encefalopatia grau III-IV.

NOVAS TERAPÊUTICAS PARA HEPATITE C CRÓNICA

Agentes Antivirais de ação direta (AAD)

A investigação dos novos fármacos de acção directa (AAD) realizada nos últimos anos, teve
como alvos primordiais o genoma do VHC e o seu ciclo replicativo, e assim, têm sido
identificados novos fármacos que pelo seu uso combinado têm apresentado eficácia, nunca
alcançada previamente, com índices de resposta viral mantida (RVM) superando os 90% na
maior parte dos casos. Esta investigação conduziu à cura por erradicação viral de uma doença
viral crónica. Pode, por isso, ser considerada revolucionária no âmbito do tratamento das
doenças víricas. Na tabela seguinte, são exemplificadas várias opções terapêuticas dos AAD
mais usados, agrupadas pelo seu tipo de actuação/mecanismo de acção:

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 123


Doenças Infeciosas 2017

TABELA 1. AAD mais usados (extraído de: Hepatology – A clinical textbook, 8th Edition, 2017).

Segundo as normas de consenso publicadas por EASL 2016 e AASLD Abril 2017, apresentam-se
na tabela seguinte as várias opções terapêuticas:

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Doenças Infeciosas 2017

FIGURA1 - Doentes naive/experimentados, mono ou co-infectados VHC/VIH, sem cirrose

Journal of Hepatology 2016

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Doenças Infeciosas 2017

FIGURA 2 - Doentes naive/experimentados, mono ou co-infectados VHC/VIH, com cirrose

Journal of Hepatology 2016

Nota: Por vezes, poderão coexistir infeções por vários destes agentes, quer em actividade simultânea ou ocasiões
em que predominará um deles, em detrimento de outro, devendo nestes casos proceder-se a tratamento quer
simultâneo ou alternado, respetivamente.

PROFILAXIA

Hepatite A

 Boa higiene pessoal (lavagem das mãos; preparação higiénica dos alimentos).

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Doenças Infeciosas 2017

 Melhoria das condições de habitação (água e saneamento básico), redução do


confinamento, quartos individuais.
 Os trabalhadores de saúde devem adoptar precauções entéricas no contacto com os
doentes infectados com o VHA.
 Profilaxia aquando de viagens para áreas de maior endemicidade.
 Manipuladores de alimentos: boas práticas de higiene e lavagem das mãos poderão
evitar surtos alimentares.
 Vigilância das áreas de produção de bivalves e do circuito de comercialização.
 Vacinação: vacina de vírus inativado (Vaqta®, Havrix®). Indicações:
 Viajantes para áreas endémicas  Internados em lares e residências
 Homossexuais  Manipuladores de alimentos
 Toxicodependentes  Crianças e pessoal das creches e
 Indivíduos com patologia crónica infantários
hepática (HCB;HCC...)  Trabalhadores da recolha de lixo e dos
 Hemofílicos esgotos.

 Prevenção passiva (Imunoglobulina humana) - a utilizar quando se pretende protecção


imediata - na profilaxia pós exposição e nas viagens para áreas endémicas quando não
há tempo para efectuar a vacinação e ainda quando há alergia aos componentes da
vacina.

Hepatite B

 Todo o material utilizado para perfurar a pele deverá ser estéril.


 Na perfuração das orelhas, tatuagem e “body piercing” deverá utilizar-se também
material estéril e técnica asséptica.
 Educação dos utilizadores de drogas ilícitas por via EV no sentido de utilizarem agulhas
e seringas estéreis e de utilização única, não partilhando nunca este material.
 Pessoal exposto repetidamente ao sangue (dentistas, trabalhadores hospitalares)
deverá utilizar protecção apropriada.
 Trabalhadores da saúde deverão notificar as exposições ao sangue.
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Doenças Infeciosas 2017

 Grávidas devem ser rastreadas para infecção pelo VHB.


 Dádivas de sangue devem ser rastreadas para os marcadores da infecção pelo VHB.
 Praticar sexo seguro.
 Vacinas de recombinação genética (Engerix B®). Esquema posológico habitual: 0, 1, 6
meses. Ter em mente que a protecção só existe depois dos 6 meses e tem uma duração
variável de 3-40 anos. A duração precisa da protecção conferida pela vacinação é
desconhecida. Contudo aproximadamente 80-90% dos vacinados imunocompetentes
mantêm níveis protetores de AcHBs pelo menos durante 5 anos. Mesmo depois de os
níveis de AcHBs se tornarem indetetáveis continua a existir protecção contra hepatite
clínica, antigenémia HBs e hepatite crónica. Por isso actualmente não se recomendam
doses de reforço exceto nas seguintes situações:
o Imunodeprimidos que perderam AcHbs;
o Imunocompetentes, (incluem-se os profissionais de saúde) com níveis
indetetáveis de AcHBs, com exposições percutâneas a indivíduos AgHbs
positivos;
o Hemodialisados com títulos <10 mIU/mL.

 Profilaxia pós exposição em indivíduos não vacinados : Imunoglobulina humana anti-


hepatite B (HBIG) - na dose de 0,06 mL/kg + 1º dose da vacina em locais separados
(vacinação segundo o esquema: 0, 1, 6 meses).
 Recém-nascidos de mães AgHbs e AgHbe positivas - HBIG (0,5 ml) + vacinação (Engerix
B® 0,5 ml).

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Doenças Infeciosas 2017

ESQUEMAS POSOLÓGICOS
ENGERIX B
(amp. c/ 10 e 20 µg de
AgHbs)

Crianças <11anos 10 µg
Jovens 11-19 anos 20 µg
Adultos 20 µg
Imunocomprometidos e dialisados 40 µg
RN filho de mãe AgHbs + 10 µg

Está também comercializada em Portugal uma formulação combinada das duas vacinas anti-
VHA e anti-VHB - Twinrix®, a utilizar quando estiverem indicadas as duas vacinações
nomeadamente nos recém-nascidos e crianças segundo o esquema posológico recomendado
para o VHB:

Twinrix®Junior Twinrix® Adulto

Dose 360 U ELISA/0,5 ml 720 U ELISA/1 ml


10 microg AgHbs/0,5ml 20microg AgHbs/1ml

Indicações Lactentes, crianças e adolescentes até aos 15 Adolescentes > 16 anos e adultos
anos inclusive

Posologia 3 doses: 0, 1 e 6 meses 3 doses: 0, 1 e 6 meses

Nota: nos imunodeprimidos e nos indivíduos em que com o esquema vacinal habitual não se
obteve resposta, poderá estar indicada a repetição do mesmo esquema em dose dupla, com
bons resultados.

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Doenças Infeciosas 2017

PROFILAXIA DE REACTIVAÇÃO DA HEPATITE B NA IMUNOSSUPRESSÃO

Na Figura acima estão patentes as diferentes causas de reativação de HVB.


Nestas situações dever-se-á iniciar prontamente o ETV ou TDF por um período nunca inferior a
6 a 12 meses após suspensão da imunossupressão. Se esse não for o caso, como por ex. nos
transplantados de órgão sólido manter-se-á o antivírico ad eternum.

NOTA: recentemente foi documentada reativação da HBC pelo uso de AAD no co- infectado
VHC/VHB, pelo que se deverá sempre excluir/tratar em simultâneo, se for o caso de
coexistência destas infeções.

Hepatite C

 Prevenção primária – as mesmas recomendações da hepatite B. Não existe vacina.


 Profilaxia pós exposição- as imunoglobulinas revelaram-se ineficazes e não estão
indicadas
 Deverá fazer-se o seguimento dos profissionais de saúde que tiveram exposição
percutânea a indivíduos portadores do VHC, com monitorização seriada das
transaminases e do VHC (1, 3 e 6 meses). Perante a evidência de sintomatologia clínica

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Doenças Infeciosas 2017

ou laboratorial de hepatite aguda (transaminases ou anti-VHC positivo por ELISA)


deverá confirmar-se a infecção por PCR-VHC. Se a infecção se confirmar é lícito oferecer
o tratamento previamente referido. Acredita-se, baseado em estudos preliminares, que
esta intervenção abortará a evolução para hepatite crónica C e todas as suas
consequências.

HEPATITE E

O vírus da hepatite E (VHE) é um vírus de RNA, membro da família Hepeviridae, do género


Hepevirus, que sofre replicação no citoplasma do hospedeiro. A sua transmissão ocorre por via
fecal-oral (a transmissão interpessoal é rara) e o período de incubação varia entre 28 a 40 dias.
São reconhecidos 7 genótipos e 24 subtipos do vírus. A sua distribuição envolve quase todas as
regiões a nível mundial, havendo um claro predomínio nos países em desenvolvimento
(destaque para Índia, Nepal, algumas regiões da China, México, Cuba, Egipto e inúmeros outros
países africanos) onde as condições sanitárias deficientes e o consumo de águas contaminadas
justificam a endemicidade do vírus (genótipos 1 e 2). A nível mundial, o VHE é uma das causas
mais frequentes de hepatite aguda e icterícia, estimando-se que cause cerca de 56.000 mortes
por ano a nível mundial (WHO 2014). Em países desenvolvidos, os casos de infeção pelo VHE
são esporádicos e raros (principalmente por genótipos 3 e 4), frequentemente associados a
viajantes que estiveram em regiões endémicas ou, por vezes, a contacto com animais (porcos,
ovelhas, veados, esquilos e algumas espécies de primatas) ou consumo de carne contaminada
(forma zoonótica de hepatite E).
Habitualmente a infeção pelo VHE é assintomática, sobretudo quando ocorre na infância.
Quando a infeção é sintomática, o vírus causa habitualmente uma hepatite aguda, precedida
de sintomas inespecíficos, como aqueles típicos de uma síndrome gripal (astenia, mialgias,
artralgias, náuseas, vómitos) ou sintomas de colestase (icterícia, colúria e acolia fecal). A
infeção é aguda e a hepatite autolimitada na grande maioria os casos. No entanto, há o risco
de desenvolvimento de infecção crónica em indivíduos imunodeprimidos, como no caso de
doentes transplantados e infectados por VIH. Em comparação com a infeção pelo VHA, o VHE
associa-se a uma maior mortalidade, especialmente em infeções durante a gravidez. A
incidência de hepatite fulminante é maior em mulheres grávidas, sobretudo no 3º trimestre e a

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Doenças Infeciosas 2017

transmissão vertical traduz-se numa elevada mortalidade para os recém-nascidos. Além disso,
ao contrário do que acontece na infeção por VHA, após uma primeira seroconversão, os
indivíduos infetados por VHE, podem ser reinfectados e sofrer novos episódios de hepatite
aguda. Nos doentes imunodeprimidos, a infeção pelo genótipo 3 do VHE pode evoluir para
formas crónicas, ao contrário do que sucede habitualmente nos imunocompetentes.
Apesar do tropismo hepático do vírus e das suas manifestações mais conhecidas (sintomas
constitucionais e secundários à hepatite), a replicação do vírus noutros órgãos ou mecanismos
imunológicos secundários podem ser responsáveis por diferentes manifestações extra-
hepáticas da infeção. Estas podem ser muito variadas: pancreatite aguda, tiroidite,
glomerulonefrite membranosa ou membranoproliferativa, trombocitopenia. Destacam-se
ainda as manifestações neurológicas, podendo cursar com infeção concomitante do SNC:
síndrome de Guillain-Barré, paralisia de Bell, mielite transversa aguda, meningoencefalite,
miopatia proximal ou neuropatias periféricas.
Em indivíduos imunocompetentes, o diagnóstico de infeção aguda pode ser feito pela deteção
de RNA do vírus por Polimerase Chain Reaction (PCR), no soro ou nas fezes, (sendo este o
método mais sensível e específico) ou pelo doseamento de anticorpos (Ac) anti-VHE IgM e/ou
Ac anti-VHE IgG. A produção de Ac IgM inicia-se numa fase precoce e torna-se detetável cerca
de 1 semana antes dos Ac IgG, atingindo o seu pico perto da 6ª e 8ª semanas, respetivamente.
Ao fim de 2-6 meses a presença de Ac IgM é indetectável, enquanto os títulos de Ac IgG
persistem por muito tempo. Assim, a presença de Ac anti-VHE IgG pode indicar uma infeção
recente ou traduzir infeção antiga, pelo que a sua deteção não tem valor diagnóstico em
regiões onde o vírus é endémico. Em doentes imunocomprometidos, o diagnóstico deve ser
feito pela deteção de RNA por PCR, dado que nestes doentes os testes serológicos têm
sensibilidade/especificidade particularmente baixa.
Nas situações de infeção crónica, as opções terapêuticas passam pela redução da
imunossupressão, podendo associar-se a interferão α peguilado (peg-IFN α) ou Ribavirina (RBV)
em monoterapia. A terapêutica com peg-IFN α associa-se com maior frequência a efeitos
secundários e pode causar rejeição do enxerto, pelo que não é indicada em transplantados
cardíacos ou renais. A terapêutica com RBV mostrou ser segura em doentes transplantados e
não transplantados, pelo que é a opção habitualmente preferida. Em casos excecionais,

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Doenças Infeciosas 2017

doentes imunocompetentes com hepatite aguda grave podem beneficiar de terapêutica com
RBV.
Existe uma vacina VHE recombinante, com eficácia na prevenção de hepatite aguda
sintomática (>90%), aprovada na China em 2012 e não comercializada noutros países. Esta
vacina mostrou ser eficaz e segura em grávidas, no entanto a sua eficácia não é ainda
conhecida em grupos particulares, como imunodeprimidos ou indivíduos com doença hepática
terminal. Destaca-se que, apesar de prevenir episódios de hepatite aguda sintomática, não
evita a infeção pelo vírus.

Bibliografia

1- American Association for the Study of Liver diseases (AASLD). April 2017 Recommendations
for testing, Managing and treating Hepatitis C. http://www.hcvguidelines.org/

2 - European Association for the Study of the Liver. EASL Recommendations on Treatment of
Hepatitis C 2016. J Hepatol 2017; 66(1): 153-194.

3- European Association for the Study of the Liver. EASL 2017 Clinical Practice Guidelines on
Management of Hepatitis B Virus Infection. J Hepatol 2017; In Press.
https://doi.org/10.1016/j.jhep.2017.03.021

4- Terrault, N., Bzowej, N., Chang, K., Hwang, J., Jonas, M., and Murad M. AASLD Guidelines for
Treatment of Chronic Hepatitis B. Hepatology 2016: 63 (1): 261-283.

5- Sureau, C., Negro, F. The Hepatitis Delta Virus: replication and Pathogenesis. J. Hepatology
2016; 64 (1 suppl): S102-S116.

6- Hoofnagle JH, Nelson KE, Purcell RH. Hepatitis E. N Engl J Med 2012; 367: 1237-44.

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Doenças Infeciosas 2017

HERPES SIMPLEX

Agente etiológico – Vírus herpes hominis vírus ou Herpes simplex virus 1 (HSV-1) e 2 (HSV-2).
Família Herpesviridae, sub-família – alfaherpesvirus. Partícula vírica de grande tamanho (120 a
260 nm), com genoma DNA (dupla cadeia) e envelope externo. Variabilidade genética limitada
sem influência aparente na virulência. A distribuição é mundial e a susceptibilidade é universal,
sendo encontrado nas mais remotas populações. Não há vectores animais conhecidos e o
homem parece ser o único reservatório. Não há variação sazonal na incidência da infecção.
A transmissão ocorre durante contato com fluídos corporais contaminados.
Tem a capacidade de induzir infecção latente no hospedeiro natural com episódios recorrentes
ocasionais. O período de incubação varia entre 2 e 12 dias.

Epidemiologia e transmissão
A infeção por HSV-1 é adquirida mais frequentemente e mais precocemente do que a
infecção por HSV-2, a prevalência aumenta de forma directa com a idade (superior a 90% pela
quinta década da vida) e de forma inversa com o estado socioeconómico. Nos países
desenvolvidos tem havido uma diminuição da prevalência da infeção por HSV-1 adquirida
durante a infância mas aumento do número de casos de aquisição sexual durante a
adolescência e do número de casos de herpes neonatal por HSV-1.
A infeção por HSV-2 é habitualmente adquirida por contacto sexual, durante a
puberdade. Representa a maior parte das lesões genitais, mas não a sua exclusividade. A
prevalência é superior nas mulheres do que nos homens, mas também nos homossexuais
masculinos e nos infetados por HIV; correlaciona-se com o número de parceiros sexuais, com a
idade de início da actividade sexual e com história de outras doenças de transmissão sexual.
Indivíduos infectados por HSV-1 têm uma maior probabilidade de adquirirem uma forma
subclínica de infeção por HSV-2. Contudo, não se sabe se a infeção prévia por HSV-1, está
associada uma diminuição do risco de aquisição da infeção por HSV-2.
A incidência global da infeção por HSV-2 tem sido estimada em 23 milhões de novos casos por
ano.
A transmissão ocorre mais frequentemente entre parceiros sexuais de longa duração do que
entre contactos ocasionais situando-se a taxa de transmissão entre os 3 e os 12 % ao ano. O

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tempo médio para a transmissão entre casais serodiscordantes é de 3 meses, o que


corresponde a um número médio de 40 atos sexuais (risco de 3,5% por acto sexual).
A prevenção passa pelo conhecimento do estado serológico, uso de preservativo (diminui a
transmissão entre as mulheres) e quimioprofilaxia do parceiro índex.
A identificação do tipo de vírus é importante, dado que as infecções genitais por HSV-1 são
menos graves e têm uma menor tendência para a recorrência. A seroprevalência de HSV-2
varia entre 10-15% aos 15-29 anos para cerca de 35% pelos 60 anos. O risco estimado, de uma
mulher susceptível adquirir HSV após um único contacto sexual é de 80%.
A transmissão do HSV ocorre através do contacto próximo com uma pessoa que está a eliminar
o vírus num local periférico, numa superfície mucosa ou em secreções orais ou genitais. A
infecção ocorre por inoculação do vírus em superfícies mucosas susceptíveis (orofaringe, cérvix
e conjuntiva) ou através de pequenas abrasões cutâneas.
O HSV é rapidamente inactivado à temperatura ambiente e por secagem, de modo que a
disseminação através de aerossóis ou fomites não é habitual.
No doente infectado, a excreção assintomática do vírus através de fluídos orgânicos
permite a disseminação da infecção, é comum mesmo no indivíduo não imunocomprometido.
Durante a vida, os episódios de eliminação assintomática são mais frequentes do que os
episódios de eliminação sintomática. A reactivação e eliminação genital assintomática ocorrem
em cerca de 1 a 3% dos dias. A probabilidade de transmissão depende da quantidade de vírus
eliminado. É desconhecido se o nível de virémia no plasma tem impacto na transmissão por via
sexual. A maior parte das infecções genitais são adquiridas a partir de parceiros sexuais
assintomáticos, sendo o vírus eliminado através das secreções orais ou genitais.
A disseminação da infeção HSV-1 através de secreções orais para outras áreas cutâneas é um
risco associados com determinadas profissões, como dentistas, e trabalhadores em unidades
de cuidados intensivos ou de laboratório. Surtos entre lutadores têm sido descritos.
Surtos nosocomiais podem surgir em pessoal hospitalar ou em enfermarias de neonatologia e
infecções adquiridas no laboratório por contacto da pele com secreções infectadas. A
transmissão pode ocorrer para crianças nascidas de mães que excretam o vírus na altura do
parto. Lesões por HSV-1 e HSV-2, de localização anal e perianal são comuns em homossexuais
masculinos. Auto-inoculação das áreas genitais para outros locais não é incomum.
A maior parte das lesões ocorre nos primeiros cinco dias após o contacto.

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Os inibidores da DNA polimerase, diminuem a frequência da eliminação assintomática, os


títulos de HSV-2 durante a recorrência e a transmissão entre casais serodiscordantes.

Patologia e patogénese
Infecção primária – ocorre em indivíduos susceptíveis com a primeira exposição ao HSV-1 ou
HSV-2.
Infecção recorrente – ocorre após a infecção primária.
Primeiro episódio – corresponde à primeira manifestação clínica, podendo coincidir com a
infecção primária ou com uma infecção recorrente.
Reinfecção – ocorre quando há infecção com uma estirpe diferente num indivíduo
previamente infectado.

A infecção, inicia-se com o contacto do vírus com superfícies mucosas ou cutâneas, com
soluções de continuidade. Após uma fase de replicação local nas células da epiderme e da
derme, que mesmo sendo assintomática permite a infeção das terminações nervosas
autonómicas ou sensoriais e o vírus ou o capsídeo são transportados por via intra-axonal
retrógrada para os corpos celulares neuronais nos gânglios das raízes nervosas
correspondentes onde permanece na forma latente de partícula vírica não intacta.
O local de latência depende do local da infecção primária. A infeção primária por HSV-1 ocorre
geralmente a nível da mucosa da orofaringe e por conseguinte o local de latência situa-se nos
gânglios do trigémio ou cervicais; para o HSV-2 mais frequentemente adquirido por via genital
ou anal o local de latência situa-se nos gânglios das raízes sagradas (S2 a S5).
Na reactivação a replicação inicia-se nos gânglios e a disseminação das partículas infecciosas
ocorre por migração centrífuga em direção às superfícies cutâneo-mucosas através dos nervos
sensoriais periféricos.
Após resolução da doença primária, há latência da infeção não há partículas infecciosas
intactas ou completas nos corpos neuronais dos gânglios nervosos mas sim um número
limitado de cópias de RNA e DNA.

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A reativação da infeção pode resultar da exposição e da acção de factores como a luz


ultravioleta, imunossupressão (celular e humoral), traumatismo cutâneo ou ganglionar
(cirurgia) entre outros.

Diagnóstico
Um diagnóstico clínico pode ser efectuado de forma precisa quando lesões vesiculares
múltiplas, características, de base eritematosa, estão presentes. Infecções mucosas por Herpes
simplex, sob a forma de uretrite ou faringite, podem estar presentes sem lesões cutâneas.
Estudos laboratoriais para confirmar o diagnóstico são recomendados.
O isolamento em cultura de celular ou a identificação de DNA do HSV são os melhores métodos
para a confirmação da infecção por HSV.
O HSV causa um efeito citopático em sistemas de cultura celular, permitindo um resultado em
cerca de 48-96 horas, após a inoculação das amostras – fluído vesicular, líquido
cefalorraquídeo (em recém-nascidos), fezes, urina, nasofaringe e conjuntiva. As amostras
quando colhidas através de zaragatoa apropriada devem ser colocadas em meio de transporte
vírico e enviadas refrigeradas (a 4ºC) ao laboratório.
Métodos rápidos de cultura em frasco (shell vial) combinados com a coloração de antigénios
víricos permitem resultados em 24 horas. A sensibilidade do isolamento vírico depende do
estádio das lesões cutâneas, é maior para as lesões vesiculares, no primeiro episódio e quando
a amostra provém de um doente imunocomprometido.
Métodos para a deteção de antigénios víricos diretamente em amostras têm uma sensibilidade
próxima da cultura para as lesões genitais e oro-labiais.
Métodos serológicos, detectam anticorpos contra proteínas específicas purificadas de HSV-1
ou HSV-2. São utilizados para a demonstração da seroconversão durante a infecção primária.
Nas infecções orogenitais recorrentes observa-se uma elevação superior a quatro vezes no
título de anticorpos específicos em apenas 5% dos casos.
O método de Western blot é o teste mais preciso para a distinção entre anticorpos específicos
contra HSV-1 e HSV-2.
A PCR (Polymerase chain reaction) para a pesquisa de ADN HSV, é o método de escolha nas
infecções do sistema nervoso central (sensibilidade de 90%, especificidade de 100%).

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Manifestações clínicas
Dependem do local anatómico envolvido, da idade e do estado imunitário do hospedeiro. As
apresentações variam desde a eliminação subclínica através das mucosas até aos quadros
graves de sépsis e encefalite. O primeiro episódio da doença por HSV, especialmente se for a
infecção primária é frequentemente acompanhado por sinais e sintomas sistémicos e tem uma
maior taxa de complicações.
A lesão típica, associada a infecção pelos vírus herpes simplex é a formação vesicular, de
parede fina, assente numa base inflamatória. No entanto, a infecção pode apresentar-se sob a
forma de lesão ulcerativa localizada à mucosa (gengivoestomatite, queratite) no doente
imunocompetente ou cutânea, no doente imunocomprometido.

Infecção primária Infecção recorrente


Gengivoestomatite Herpes oro-labial (HSV-1)
Faringite Paralisia de Bell (ramo mandibular - n. facial)
Queratoconjuntivite Queratoconjuntivite
Herpes cutâneo (gladiatorum, panarício) Herpes cutâneo
Herpes genital (HSV-2) Herpes genital
Encefalite (HSV-1) Encefalite
Meningoencefalite (HSV-2) Meningite asséptica
Herpes neonatal (HSV-2) Herpes neonatal
Infecções viscerais (pneumonite, esofagite)

Infeção orofacial
Entre as infecções orofaciais, a gengivoestomatite e a faringite são as manifestações clínicas
mais comuns do primeiro episódio de infecção por HSV-1. Frequentemente encontrada na
criança e adulto jovem.
Tem uma duração de 3-14 dias, com manifestações clínicas que incluem febre (2-12 dias), mal-
estar, mialgias, irritabilidade, incapacidade de se alimentar por odinofagia e adenopatia
cervical. As lesões podem envolver o palato (duro e mole), gengiva, língua, lábios e face na
gengivoestomatite. Na faringite envolvem a faringe posterior, pilares amigdalinos (lesões
exsudativas ou necróticas). Em 30% dos casos há manifestações de gengivoestomatite e de

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faringite. Diagnóstico diferencial da faringite: bacteriana, Mycoplasma pneumoniae e causas


não-infecciosas de ulceração (síndroma de Stevens-Johnson).
Herpes labial recorrente – causa mais frequente de reactivação clínica.
No doente imunocomprometido, as lesões podem estender-se em superfície e na direção das
camadas cutâneas profundas.
Mucosite por HSV – semelhante às lesões orais causadas pela quimioterapia, trauma ou
infecções bacterianas ou fúngicas.
Eczema herpeticum – ocorre em doentes com eczema atópico ou queimaduras, podem
desenvolver lesões orofaciais graves, com extensão rápida em superfície e disseminação
sistémica ocasional.
Eritema multiforme – a infecção por herpes é um factor precipitante em 75% dos casos.
Paralisia de Bell – paralisia do ramo mandibular do nervo facial.

Infeção genital
A infecção genital, especialmente o primeiro episódio da infecção primária resulta em duração
prolongada dos sintomas, das lesões (10 a 12 dias) e da eliminação vírica em associação com
manifestações sistémicas.
Nos homens (70%) e nas mulheres (40%), o primeiro episódio é acompanhado por sintomas
sistémicos - febre, cefaleias, mal-estar, mialgias – e, sintomas locais – dor, prurido, disúria,
corrimento (vaginal e uretral) e linfadenopatia inguinal dolorosa, que persistem após o
desaparecimento das manifestações sistémicas. Ao exame objectivo, podemos observar
múltiplas pequenas ulcerações que coalescem. A duração das lesões do herpes genital primário
é de cerca de 17-20 dias até à cicatrização completa.
Disúria e corrimento mucóide claro, pode ser observado nas mulheres (83%) e nos homens
(44%) durante o primeiro episódio de infecção por HSV. A intensidade da disúria é
desproporcional em relação ao corrimento uretral e à inflamação detetada na sumária de
urina.
Na cervicite, o corrimento purulento ou sanguíneo vaginal é geralmente abundante tornando
difícil a sua diferenciação com a gonorreia ou infeções por Chlamydia trachomatis. Ao exame
objectivo através do espéculo a presença de ulceração ou necrose cervical é específica do HSV.
Outras manifestações – endometrite e salpingite (mulher) ou prostatite (homem).

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Lesões rectais e perianais – a proctite por HSV está relacionada com o sexo anal. A
sintomatologia inclui dor e corrimento anorretal, tenesmo e obstipação. Pode haver lesões
perianais externas. A sigmoidoscopia, mostra ulcerações nos 10 cm distais da mucosa rectal. A
biópsia rectal, mostra ulcerações e necrose, com infiltrado infiltrado polimorfonuclear e
linfocítico da lâmina própria e células multinucleadas com inclusões intranucleares. Pode haver
eliminação assintomática de HSV através da mucosa rectal em homens e mulheres que nunca
tiveram sexo anal, devido ao estabelecimento de latência no dermátomo do sacro após uma
infecção genital anterior.

Complicações do herpes genital


Meningite asséptica (mielite transversa, radiculopatia sagrada. A meningite asséptica é
mais comum na mulher e mais frequentemente associada ao HSV-2. Na presença de
envolvimento neurológico e ulceras genitais as hipóteses de diagnóstico diferencial que
incluem o herpes zoster sacral, síndroma de Behçet, doenças do colagénio vascular, doença
intestinal inflamatória e porfiria.
Meningite linfocítica recorrente benigna ou de Mollaret é caracterizada por episódios
recorrentes de meningite com duração de 3-7 dias que resolvem sem sequelas (HSV-2, mais
comum).
Disfunção do sistema nervoso autónomo pode ocorrer em associação com herpes
genital. Manifestações clínicas incluem hiperestesia ou anestesia do perinium, região lombar
baixa e sacro com retenção urinária e obstipação. Mais frequente na mulher, ocasional no
homem com proctite. O exame físico mostra uma bexiga grande, diminuição da sensibilidade
na região do sacro, diminuição do tónus rectal e perineal. No homem pode haver impotência e
ausência dos reflexos bulbocavernosos. Pode haver pleocitose do LCR, o eletromiograma revela
lentificação da velocidade de condução, e o exame cistométrico mostra atonia vesical. A
resolução ocorre em 4-8 semanas.
Mielite transversa foi descrita em associação com herpes genital primário. Manifestações
clínicas incluem diminuição dos reflexos tendinosos profundos, da força muscular nas
extremidades inferiores e eventualmente disfunção do sistema nervoso autónomo. Pode
deixar sequelas residuais.

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Doenças Infeciosas 2017

Lesões extragenitais. Mais comuns em mulheres e durante o curso do herpes genital


primário. As localizações mais frequentes são as nádegas, testículos ou coxas. Ocorrem durante
as primeiras duas semanas da infecção e admite-se serem secundárias a reativação, virémia ou
autoinoculação. Tanto HSV-1 como HSV-2 podem ser causa rara de doença inflamatória
pélvica.
Infecção disseminada. Manifesta-se sob a forma de múltiplas vesiculas sobre grandes áreas do
tórax e extremidades. Raramente ocorre durante a infecção primária e parece resultar de
disseminação por via sanguínea. A disseminação cutânea ocorre numa fase precoce e está
muitas vezes associada com meningite asséptica, hepatite ou pneumonite.
Manifestações raras (HSV-2 genital primário). Hepatite, pneumonite e artrite monoarticular,
trombocitopenia, necrose supra-renal e mioglobinúria. A gravidez pode predispor para a
disseminação visceral da infecção genital primária. No doente imunocomprometido,
especialmente no deficit da imunidade celular, pode haver manifestações de doença
disseminada semelhantes às que ocorrem no recém-nascido, com pneumonite, hepatite e
meningite. As infecções disseminadas (grávida e imunocomprometido) estão associadas com
mortalidade elevada.
Superinfecção. Celulite pélvica, vaginite bacteriana e fúngica. Resultam de infecção
bacteriana ou fúngica secundária das lesões vesiculares. A celulite pélvica aparece como um
eritema e edema progressivo da região perianal.

Infecções mucocutâneas recorrentes.


Nas lesões recorrentes, os sinais, sintomas e localizações anatómicas estão habitualmente
localizadas a um local mucocutâneo bem definido. Os sintomas locais (dor e prurido) são
ligeiros a moderados, em relação ao primeiro episódio, a duração é mais curta e a área
envolvida é mais pequena (um décimo). As lesões orolabiais têm uma duração média de 5 dias.
Nos doentes imunocompetentes, a reactivação oral do HSV-1 é mais frequente do que a
reactivação genital. A reactivação genital por HSV-2 é mais frequente (8/10 vezes) do que a
reactivação oral.
Sintomas prodrómicos podem preceder o aparecimento das lesões genitais e orais (20% dos
casos). Variam desde uma sensação de formigueiro (30 minutos a 48 horas) antes da
reativação orolabial até dores agudas nas nádegas, pernas e ancas (1 a 5 dias) antes da

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Doenças Infeciosas 2017

reactivação genital. Pode ser a manifestação mais incomodativa. O HSV está presente nas
superfícies mucosas durante o pródromo.

Os aspectos clínicos da reactivação podem ser diferentes da infecção primária. A reactivação


subclínica é comum, por vezes sob a forma de síndroma clínicos atípicos incluindo fissuras
lineares ou ulceras serpiginosas sem base eritematosa que não são reconhecidas como
herpéticas.
É recomendado que de todas as ulcerações das mucosas oral ou genital sejam colhidas
amostras para diagnóstico etiológico através da demonstração do ácido nucleico ou isolamento
do HSV.

Herpes na grávida
As infecções recorrentes aumentam em frequência durante a gravidez, mas não afectam de
forma significativa o feto na infecção por HSV-2. Os primeiros episódios têm consequências
mais graves para a mãe e para a criança. A disseminação visceral pode ocorrer na grávida
durante o terceiro trimestre assim como prematuridade e/ou atraso de crescimento intra-
uterino. A aquisição de uma infeção primária por HSV-1 ou HSV-2 durante a gravidez tem o
potencial de transmissão transplacentar do vírus para o feto e resultar em aborto espontâneo,
embora seja incomum. A taxa de transmissão da mãe para o filho é mais elevada quando a
infeção primária ocorre próxima do termo (30 a 50%) do que na reativação durante o parto
(<1%).
A transmissão intra-parto é responsável pela maioria dos casos. As grávidas que eliminam
herpes na altura do parto devem ser consideradas para cesariana.

Tratamento
Primeiro episódio clínico de herpes genital
O tratamento do primeiro episódio clínico de herpes genital é recomendado de por norma da
OMS. Aplica-se aos adolescentes (10-19 anos) e adultos, com o primeiro episódio clínico de
herpes genital incluindo grávidas, pessoas que vivem com HIV, imunocomprometidos, e
populações especiais (trabalhadores do sexo, homens que têm sexo com homens e
transgénero).

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Doenças Infeciosas 2017

Deve utilizar-se a dose padrão de aciclovir em relação ao valaciclovir ou famciclovir.

- Aciclovir, 400 mg, oral, 3 id, 10 dias


- Aciclovir, 200 mg, oral, 5 id, 10 dias
- Valaciclovir, 500 mg, oral, 2 id, 10 dias
- Famciclovir, 250 mg, oral, 3 id, 10 dias

Episódio clínico recorrente de herpes genital


O tratamento dos episódios clínicos recorrentes de herpes genital é recomendado pelas
normas da OMS. Aplica-se aos adolescentes (10-19 anos) e adultos com episódios clínicos
recorrentes de herpes genital. O tratamento deve ser iniciado nas primeiras 24 horas do início
dos sintomas ou na fase prodrómica. Aplica-se a pessoas que vivem com HIV,
imunocomprometidos, e grávidas.
Deve utilizar-se o aciclovir em relação ao valaciclovir ou famciclovir.

Adultos, adolescentes e grávidas


- Aciclovir, 400 mg, oral, 3 id, 5 dias
- Aciclovir, 800 mg, oral, 2 id, 5 dias
- Aciclovir, 800 mg, oral, 3 id, 2 dias
- Valaciclovir, 500 mg, oral, 2 id, 3 dias
- Famciclovir, 250 mg, oral, 2 id, 5 dias

HIV(s) e Imunocomprometidos
- Aciclovir 400 mg, oral, 3 id, 5 dias
- Valaciclovir 500 mg, oral, 2 id, 5 dias
- Famciclovir 500 mg, oral, 2 id, 5 dias

Episódio clínico recorrente de herpes genital frequentes, severos ou que causam angústia
(terapêutica supressiva)

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O tratamento supressivo dos episódios clínicos recorrentes de herpes genital, frequentes,


severos ou que causam angústia é recomendado pelas normas da OMS, com reavaliação ao fim
de um ano.
Entende-se por dos episódios clínicos recorrentes frequentes de herpes genital quando
ocorrem 4-6 vezes ou mais por ano.
Aplica-se aos adolescentes (10-19 anos), a pessoas que vivem com HIV, imunocomprometidos
e grávidas. A determinação da frequência ou da gravidade implica a monitorização.
Deve utilizar-se o aciclovir em relação ao valaciclovir ou famciclovir.
É desconhecido se o tratamento tem efeito na transmissão ao feto.

Adultos, adolescentes e grávidas


- Aciclovir, 400 mg, oral, 2 id,
- Valaciclovir, 500 mg, oral, 1 id,
- Famciclovir, 250 mg, oral, 2 id.

Imunocomprometido, VIH
- Aciclovir, 400 mg, oral, 2 id,
- Valaciclovir, 500 mg, oral, 2 id,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 2 id.

Lesões orolabiais
Primeiro episódio
- Aciclovir, 400 mg, oral, 5 id, 5 dias,
- Valaciclovir, 2000 mg, oral, 2 id, 1 dia,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 2 id, 7 dias.
Alternativa:
Regimes tópicos
- Penciclovir 1% creme, local, 2/2 h (durante o dia) 4 dias
- Aciclovir 5%, creme, local, 5 id, 4 dias

Infecções do sistema nervoso central

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Doenças Infeciosas 2017

Encefalite herpética - Aciclovir, 10 mg/kg, ev, 3id, 14 -21 dias.

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Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 145


Doenças Infeciosas 2017

VARICELA-ZOSTER

Família Herpesviridae, sub-família – alfaherpesvirus. O vírus varicela-zoster (VZV) é o agente


etiológico de duas entidades nosológicas distintas: a varicela (infecção primária) e o herpes
zoster (reactivação de infecção latente).

Varicela
A varicela é uma doença de distribuição universal, ocorrendo de forma sazonal ou epidémica
entre indivíduos susceptíveis no final do inverno e início da primavera, nos climas temperados.
O Homem é o único reservatório conhecido na natureza. De modo que, a varicela representa a
forma primária de infecção e ocorre quando um indivíduo susceptível ou seronegativo é
exposto ao vírus da varicela-zoster. A transmissão faz-se de pessoa a pessoa, por contacto
directo com gotas ou aerossóis do fluído vesicular das lesões cutâneas ou através de secreções
do tracto respiratório (porta de entrada mais frequente). A varicela é uma doença altamente
contagiosa. A transmissão ocorre desde cerca de 2 dias antes do período de formação das
vesículas e geralmente durante de 4 a 5 dias depois até todas as vesículas terem crosta. Nos
imunocomprometidos a duração do período de contagiosidade pode ser maior. O período de
incubação médio é de 14-15 dias, com variação entre 10 e 20 dias. A taxa de ataques
secundários entre os indivíduos susceptíveis de um agregado familiar é de 70-90%.
Aproximadamente, 90% dos casos de varicela ocorrem em crianças com menos de 13 anos de
idade. Embora, tipicamente uma doença da infância, cerca de 5-10% dos casos surgem em
idades superiores a 15 anos.
As manifestações de apresentação são a febre baixa, o mal-estar (sendo estas as manifestações
anunciadoras ou prodrómicas) e a erupção cutânea (ocorre 1 a 2 dias depois). A erupção
cutânea é constituída por maculo-pápulas (d=5mm, mas podem atingir 12 a 13 mm), vesículas
e crostas em vários estádios de evolução que ocorrem em simultâneo de forma característica.
As vesiculas podem ser redondas ou ovais, e evoluem para a cura através do aparecimento de
umbilicação central. Inicialmente o conteúdo vesicular é claro e as vesiculas têm a forma de
gota de orvalho (dew drop like). Rompem ao fim de algumas horas com formação de uma
crosta, se não romperem o seu conteúdo torna-se purulento. Aparecem inicialmente na face e
tronco, com disseminação centrífuga posterior, podendo também atingir as mucosas da

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orofaringe e da vagina, embora raramente. Sucessivas vagas de lesões ocorrem durante um


período de 2 a 4 dias. As crostas destacam-se completamente ao fim de 1 a 2 semanas após o
início da infecção. É uma doença benigna nas crianças o risco de mortalidade aumenta a partir
dos 15 anos), apresentando uma maior morbilidade nos adultos, com mortalidade apreciável
nos imunocomprometidos (15%), em virtude do envolvimento visceral. A complicação mais
séria é a pneumonia, que acontece em cerca de 20% dos adultos.

Varicela no imunocomprometido

Os doentes imunocomprometidos, apresentam habitualmente um maior número de lesões,


muitas vezes com uma base hemorrágica. A cura demora o triplo do tempo habitual. O risco de
complicações viscerais (30-50%) e a mortalidade (15%) são maiores.
Nos doentes submetidos a transplante de medula óssea, o risco de desenvolverem infecção
por VZV é de cerca de 30% durante o primeiro ano.
Disseminação visceral (pulmonar, hepática e sistema nervoso central) mais frequente.

Complicações

Cutâneas:
-Infecção bacteriana secundária (Gram +s) das lesões cutâneas, especialmente se causadas por
Staphylococcus aureus.

Sistema Nervoso Central:


- Após as complicações cutâneas, o local mais frequentemente envolvido pela varicela é o
sistema nervoso central, manifestando-se sob a forma de ataxia cerebelosa aguda ou
encefalite. A ataxia cerebelosa aguda (1 por 4000 casos) surge mais frequentemente durante a
primeira semana após o início do exantema, com febre (reaparecimento), ataxia, vómitos,
alterações do discurso, vertigem e tremor; alterações no LCR com pleocitose linfocítica e
elevação das proteínas. É uma complicação benigna com resolução em duas a quatro semanas;
diagnóstico efectuado por PCR positiva no LCR.

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A encefalite (0,1 a 0,2%) é mais grave e ameaçadora da vida nos adultos (mortalidade de 5 a
20%) e sequelas neurológicas em 15% dos sobreviventes. Caracteriza-se pelo aparecimento de
cefaleias, depressão do nível de consciência, vómitos, febre e convulsões; tem uma duração de
duas semanas.
- Outras complicações neurológicas: meningite, mielite transversa e síndroma de Reye
(contraindicada a administração de AAS em doentes com varicela).

Pulmonares:
- Pneumonite, é uma complicação grave, mais frequente no adulto (1 em cada 400 casos) e no
imunocomprometido; aparece 3 a 5 dias no curso da doença, pode ser assintomática ou
associada com taquipneia, tosse, dispneia e febre, RX com alterações de tipo intersticial ou
nodular.
Outras:
- Miocardite, nefrite, hepatite e diátese hemorrágica.

A varicela e a grávida

A complicação mais grave para a grávida é a pneumonite por varicela (alta mortalidade)
especialmente quando ocorre no 2º ou 3º trimestre de gravidez.
Durante a gravidez, a infecção está associada ao perigo potencial de transmissão para o feto,
sendo o risco maior durante a primeira metade da gravidez.
A infecção do recém-nascido pode ocorrer in útero e pode ser assintomática, pode manifestar-
se pelo aparecimento da síndroma da varicela congénita (cicatrizes cutâneas, hipoplasia dos
membros, microcefalia, baixo peso, cataratas) ou pela varicela perinatal (quando a mãe
desenvolve varicela até 5 dias antes ou até 48 horas após o parto), progressiva, com
envolvimento visceral (especialmente os pulmões) e uma mortalidade de cerca de 30%.

O zoster ou zona
O herpes zoster ("zona") é uma doença esporádica que resulta da reactivação da infecção a
partir de um gânglio nervoso sensitivo ou autonómico. Ocorre em 15% da população e
predomina nos idosos, a partir da 6ª década da vida. Caracteriza-se por uma erupção cutânea

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máculo-pápulo-vesicular, unilateral, localizada a um dermátomo, geralmente anunciada por


dor no dermátomo cerca de 48 a 72 horas antes. As lesões surgem durante 3 a 5 dias e a
doença mantém-se durante 10 a 15 dias. Localização mais frequente nos dermátomos
torácicos e lombares. A complicação mais frequente é a nevrite aguda (aguda) e a nevralgia
post-herpética (subaguda e crónica), rara nas crianças e jovens mas muito frequente (25 a 50%)
acima dos 50 anos. A dor pode ser constante ou intermitente, localizada ao dermátomo. Pode
agravar-se à noite ou nas variações de temperatura e pode ser incapacitante.

Zoster no imunocomprometido
O herpes zoster no imunocomprometido é mais severo, com período de vesiculação (2
semanas) e formação de crostas mais prolongado (3 a 4 semanas), com disseminação mais
frequente (40%) e maior risco de complicações viscerais.
Na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana o zoster ocorre em 8-11% dos doentes. A
disseminação é infrequente mas complicações têm sido descritas: retinite, necrose aguda da
retina e encefalite crónica progressiva. Raramente fatal.

Condições mais raras


Herpes zoster oftalmicus - condição ameaçadora da visão, se envolvimento do primeiro ou do
segundo ramo do trigémio, com queratite. Corresponde ao par craniano mais frequentemente
afectado. Deve ser pedida observação pela oftalmologia. O atingimento da córnea pode ser
seguido por iridociclite, glaucoma secundário e queratite paralítica.
Envolvimento do ramo maxilar ou mandibular do nervo trigémio – envolvimento da cavidade
oral, com lesões no palato, fossa tonsilar, pavimento da boca e língua.
Síndroma de Ramsay Hunt - envolvimento do gânglio geniculado com dor e vesículas no canal
auditivo externo, perda do paladar nos 2/3 anteriores da língua e paralisia facial ipsilateral.

Locais de envolvimento extra-cutâneo


- Meningoencefalite ou encefalite – as manifestações clínicas são semelhantes a outras causas
víricas de encefalite.
- Angeíte cerebral granulomatosa - ocorre em regra após herpes zoster oftalmicus.

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- Síndroma de Guillain-Barré, mielite transversa e miosite - resulta do envolvimento ocasional


das células dos cornos anteriores da medula espinhal (semelhante à polio), dando paralisia
motora e dor intensa.

Diagnóstico
Na maior parte dos casos, o quadro clínico característico (vesiculações em vários estádios de
evolução, com localização sugestiva, acompanhadas por prurido e febre baixa) permite o
diagnóstico.

Diagnóstico diferencial:
Impétigo.
Herpes simplex disseminado (dermatite atópica ou eczema).
Infecção disseminada por enterovírus (coxsackievirus do grupo A)
Infecção por herpes simplex e enterovírus - quadros semelhantes à zona.
Confirmação:
Cultura vírica, pesquisa de antigénios víricos, serologia, métodos moleculares.

Profilaxia
Medidas gerais:
1) Isolamento estrito dos doentes com varicela, suspeita ou confirmada. Embora a
contagiosidade do herpes zoster seja muito menor, a possibilidade de transmissão por via
aérea aconselha também o isolamento destes doentes.
2) Identificação dos indivíduos susceptíveis, com exposição de risco.
Tipos de exposição e risco associado:
- Exposição por contacto (directo), com pessoa infecciosa, mais de uma hora e dentro
de casa.
- Exposição substancial, no hospital: para doentes - partilha do mesmo quarto com o
doente infectado e para trabalhadores de saúde - contacto prolongado, directo,
frente a frente com doente infectado.
- Exposição curta: contactos breves com doente infectado (técnicos de RX, pessoal de
limpeza), resulta em menor probabilidade de transmissão.

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Imunização passiva: VZIG (imunoglobulina anti-varicela/zoster)

Quando administrar: o mais precocemente possível e até 10 dias após a exposição.

A quem administrar: a todos os susceptíveis com exposição substancial.


Imunocomprometidos (imunodeficiência primária ou adquirida, doença neoplásica ou em
tratamento imunossupressivo), se exposição substancial a varicela ou herpes zoster.
Recém-nascidos de mães com sinais de varicela (5 dias antes até dois dias após o parto).
Prematuros hospitalizados nascidos com mais de 28 semanas de gestação, filhos de mãe sem
imunidade que foram expostos.
Prematuros hospitalizados nascidos com menos de 28 semanas de gestação ou com peso
inferior a 1 kg à nascença expostos durante o período neonatal independe do estado
serológico da mãe.
Imunocomprometidos, se exposição substancial.
Grávidas sem evidência de imunidade.

Imunização activa: vacinação


Há duas vacinas, vivas atenuadas para a prevenção da varicela e do herpes zoster.
A vacina contra a varicela, disponível no Japão e nos EUA, não está incluída no calendário
vacinal português, destina-se a utilização em crianças entre os 12-18 meses, mas pode ser
utilizada em adultos susceptíveis para a prevenção da varicela.
É aconselhada na vacinação pré-escolar, como método de profilaxia após exposição ou em
surtos epidémicos, sendo eficaz na prevenção da doença ou na modificação da sua gravidade,
se utilizada dentro de 3-5 dias após a exposição.
A vacina contra o zoster, é recomendada para a vacinação do adulto com mais de 50 anos de
idade e permite uma diminuição da incidência do zoster.

Tratamento
Imunocomprometidos:

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Varicela
- Aciclovir, 10-12 mg/kg (ou 500 mg/m2), ev, 3id, durante 7 dias.

Zona
Forma não grave:
- Aciclovir, 800 mg, oral, 5id, durante 7 dias.
Forma grave (mais que um dermátomo, nervo trigémio ou disseminado):
- Aciclovir, 10-12 mg/kg, ev, 3id, durante 7-14 dias.

Imunocompetentes:

Varicela
- Terapêutica com aciclovir recomendada para crianças de alto risco (prematuros e crianças
com displasia bronco-pulmonar), adolescentes e adultos.
Adolescentes e adultos - Aciclovir, 800 mg, oral, 5id, 5-7 dias,
- Valaciclovir, 1 g, oral, 3id, 5 dias,

Crianças de 2-12 anos - formas ligeiras a moderadas, não tratar é uma opção
- formas graves, iniciar nas primeiras 24h após a erupção
- Valaciclovir 20 mg/kg, oral, 3id, 5 dias
- Aciclovir 20 mg/kg, oral, 4id, 5 dias
Gravidez (3º trimestre), pneumonia - Aciclovir 800 mg, oral, 5 id, 5 dias
- Aciclovir 10 mg/Kg, IV, 5 dias

Zona
- Reduz a incidência de neuralgia pós herpética nos doentes com mais de 50 anos. Se dor
intensa na fase aguda nestes doentes (> 50 anos):
Prednisona: 30 mg, oral, 2id, dias 1-7, 15 mg, dias 8-14, e 7,5 mg, 2id, dias 15-21.
Adolescentes e adultos - Aciclovir, 800 mg, oral, 5id (5 a 10 mg, ev, 3 id), 7-10 dias,
- Valaciclovir, 1 g, oral, 3 id, 7 dias,
- Famciclovir, 500 mg, oral, 3 id, 7 dias.

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Zoster oftálmico- tratamento supervisionado por oftalmologista.

Tratamento sintomático:
Boa higiene com banho diário e desinfecção. Cortar a unhas rentes.
Prurido - medidas locais: banhos de água morna e compressas húmidas isoladas ou associadas
a antipruriginosos sistémicos (ex: Hidroxizina)
Antipirético - ácido acetilsalicílico (ligação epidemiológica com o síndroma de Reye), está
contra-indicado na varicela.
Analgesia no zoster - o tratamento da dor, quer na fase aguda quer pós-zoster, é geralmente
difícil, sendo necessário usar criteriosamente os analgésicos (com eventual recurso aos
opiáceos). Como coadjuvantes, com bons resultados sobretudo nas dores crónicas, utiliza-se o
cloridrato de amitriptilina 75-300 mg/dia, ou o bicloridrato de flufenazina 1 mg/dia.

BIBLIOGRAFIA:
Hales CM, et al; Centers for disease control and prevention (CDC). Update on
recommendations for the use of herpes zoster vaccine. MMWR 2014;63(33):729-31.
Werner RN, et al. European consensus-based (S2k) Guideline on the Management of Herpes
Zoster - guided by the European Dermatology Forum (EDF) in cooperation with the European
Academy of Dermatology and Venereology (EADV), Part 1: Diagnosis. JEADV 2017, 31, 9–19.
Werner RN, et al. European consensus-based (S2k) Guideline on the Management of Herpes
Zoster - guided by the European Dermatology Forum (EDF) in cooperation with the European
Academy of Dermatology and Venereology (EADV), Part 2: Treatment. JEADV 2017, 31, 20–29.
Updated Recommendations for Use of VariZIG — United States, 2013. (Disponível em:
https://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm6228a4.htm)
Prevention of Varicella. Recommendations of the Advisory Committee on Immunization
Practices (ACIP). (Disponível em:
https://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/rr5604a1.htm)

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INFECÇÕES POR CMV

Citomegalovírus (CMV), família Herpesviridae, sub-família – betaherpesvirus. O CMV é um vírus


com distribuição mundial, sendo a principal causa de infecção intra-uterina. Os quadros clínicos
que pode originar são muito variados.

1. Infecção congénita
A maioria das infecções congénitas é assintomática, embora 5-25% dos infectados possam
desenvolver sequelas tardias: atraso de desenvolvimento psicomotor, défices auditivos e/ou
visuais, anomalias dentárias. A infecção congénita severa acontece em cerca de 5% dos casos
de primoinfecção da mãe, caracterizando-se por: hepatoesplenomegalia, petéquias e icterícia
(60-80% dos casos); microcefalia, calcificações cerebrais, ACIU, prematuridade (30-50%);
hérnias inguinais e coriorretinite menos frequentemente; estas infecções severas têm um
prognóstico reservado com uma mortalidade de 20-30%, ficando os sobreviventes afectados
por sequelas mais ou menos graves.

2. Infecção perinatal
É a infecção adquirida durante a passagem por um canal de parto infectado ou por contacto
pós-natal com leite ou outras secreções maternas. A maioria é assintomática (em virtude da
protecção conferida pelos anticorpos passivamente transferidos da mãe). Raramente,
sobretudo em prematuros, podem ocorrer pneumonite intersticial, linfocitose atípica, défice
de ganho ponderal, adenopatias, exantema, hepatite, anemia.

3. Mononucleose por CMV


É a manifestação mais frequente da primo-infecção fora do período neonatal. Os adultos
jovens (média de 29 anos) são os mais frequentemente afectados mas a média de idades é
superior à da mononucleose infecciosa associada com EBV. A transmissão pode ocorrer através
do contacto com fluídos corporais e do contacto sexual. Mas a fonte de infecção mais
claramente identificada é a transfusão sanguínea. O período de incubação de 20-60 dias. A
duração da doença de 2 a 6 semanas, caracterizada por febre prolongada, fadiga profunda,
mal-estar, mialgias, cefaleias e esplenomegalia; raramente pode ocasionar faringite ou

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adenopatias cervicais ou exantema rubeoliforme. Representa 21% dos casos de mononucleose


infecciosa. No quadro clínico, predomina a febre (9 a 35 dias) e menos frequentemente os
sinais associados a adenopatias e esplenomegalia.
Diagnóstico da infecção por CMV: laboratorialmente ocorre linfocitose relativa, com os
linfócitos a representar mais de 50% dos leucócitos, dos quais mais de 10% são atípicos,
aumento ligeiro das provas de função hepática. Os anticorpos heterófilos são negativos.

Complicações:
Pneumonia intersticial
Hepatite
Síndroma de Guillain-Barré
Meningoencefalite
Miocardite
Trombocitopenia e Anemia hemolítica

4. No imunocomprometido
4a. Em transplantação
É o agente infeccioso mais frequente em transplantação de órgãos sólidos e de medula óssea,
induzindo uma série de síndromas clínicas: febre e leucopenia, hepatite, pneumonite,
esofagite, gastrite, colite, retinite.
O risco máximo acontece 1-4 meses após o transplante. A doença é mais severa na
primoinfecção. As reactivações são frequentes mas menos importantes clinicamente. Na
transplantação de órgãos sólidos, o enxerto é o alvo para a infecção por CMV. A pneumonia
por CMV ocorre em 15-20% dos transplantados medulares, sendo o período de maior risco
pelas 5-13 semanas e a mortalidade de 84-88%.

4b. Na infecção pelo VIH


A infecção por CMV é quase universal associada a infecção pelo VIH causando frequentemente
retinite e doença disseminada nas fases mais avançadas da imunodeficiência.

Diagnóstico

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- Observação da citopatologia típica (inclusões citomegálicas) por citologia ou histologia


- Detecção do Ag CMV em tecidos (fosfoproteína pp65).
- Detecção do DNA em tecidos (hibridização in situ/polymerase chain reaction)
- Isolamento do vírus (cultura em tubo ou frasco e em “shell vial”)
- Seroconversão (detecção de IgM e IgG específicas do vírus)

No doente imunocompetente, a serologia é o método de escolha para o diagnóstico


da infecção e/ou doença primária a CMV.
No doente imunocomprometido, o diagnóstico da doença por CMV é um pouco mais
complicado, porque a eliminação assintomática (urina, saliva e fezes) é frequente e a sua
detecção, pode estar ou não associada a doença. Isto significa que o diagnóstico de certeza
implica geralmente a documentação de lesão tecidual através de métodos histológicos.
Em relação às duas formas clínicas que nos interessam e duma forma muito resumida podemos
dizer que na retinite o diagnóstico é feito perante um exame oftalmológico sugestivo,
complementado pelo isolamento do CMV no sangue ou na urina em doente previamente
infectado por CMV (com serologia positiva de classe IgG).
O diagnóstico de pneumonite é sustentado pelo isolamento do vírus (do lavado broncoalveolar
e/ou do parênquima pulmonar), histologia sugestiva (corpos de inclusão intranucleares em
forma de olho de mocho) e ausência de outros patógenos.
A detecção de virémia CMV corresponde com alta probabilidade a doença por CMV.
O diagnóstico de hepatite (especialmente frequente em transplantação de órgãos sólidos) e o
diagnóstico de colite por CMV necessitam também de demonstração da existência de lesão
tecidual associada através do exame histológico de tecido obtido através de biópsia hepática e
de colonoscopia, respectivamente.
Nas infecções do sistema nervoso central nomeadamente a meningite, a encefalite e a
ventriculoencefalite que são mais frequentes no doente imunocomprometido nomeadamente
na infecção HIV, os métodos moleculares (PCR) são os que apresentam maior rendimento em
termos de diagnóstico comparativamente à cultura.

Prevenção e tratamento

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Várias estratégias preventivas foram elaboradas, no sentido de prevenir a ocorrência de


infecções por CMV em doentes de alto risco.
Transfusão sanguínea: utilização de sangue de dadores seronegativos para CMV ou sangue
desleucocitado de dadores seropositivos para CMV.
Transplantação: utilizar órgãos de dadores seronegativos em receptores seronegativos.
Imunoglobulina hiperimune CMV: o seu uso diminui a incidência da doença CMV em
transplantação de orgãos sólidos nos grupos de menor risco, sendo os resultados
contraditórios no que respeita aos transplantes de medula.
Aciclovir profiláctico - embora este agente não seja eficaz no tratamento da infecção por CMV,
a sua utilização em altas doses, como profiláctico, diminui a incidência de infecção e doença
por CMV nos transplantados renais e hepáticos.
Ganciclovir profiláctico, ou em combinação sequencial com as outras formas descritas.
Valganciclovir profiláctico – éster do ganciclovir que permite administração oral.

Tratamento:
Retinite por CMV
Lesões centrais ameaçadoras da visão:
- Ganciclovir administrado através de implante intranuclear + Valganciclovir 900 mg, oral,
2id.
Lesões periféricas:
- Valganciclovir 900 mg, oral, 2id, 14-21 dias (tratamento de indução), seguido por
- Valganciclovir, 900 mg, oral, id (tratamento de manutenção); suspender quando
contagem de CD4>100/mm3 durante 6 meses.

Alternativa:
- Ganciclovir 5 mg/kg, IV, 2id, 14-21 dias, seguido por Valganciclovir 900 mg, oral, id, ou
- Foscarnet 60 mg/kg, IV, 3id ou 90 mg/kg, IV, 2id durante 14-21 dias, seguido por 90-120
mg, id, ou
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana, IV, durante 2 semanas, seguido por 5 mg/kg/cada 2
semanas, IV. Cada dose deve ser administrada após hidratação com EV e
probenecid oral.

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Pneumonite (em transplantados de medula e órgãos sólidos)


Duração do tratamento: pelo menos 3 semanas (média de 3/6 semanas)
- Ganciclovir, 5 mg/kg, IV, 2id, até melhoria clínica, seguido por
- Valganciclovir, 900 mg, oral, 2id.

Alternativa:
- Foscarnet, 90 mg/kg, IV, 2id.
- Cidofovir 5mg/kg/semana, IV.
- Imunoglobulina hiperhimune anti-CMV (adicionar na pneumonite ameaçadora da vida).

Encefalite
Duração do tratamento: manter até PCR para CMV ser indetectável no LCR e no sangue com
evidência clínica favorável; manter profilaxia secundária com Valganciclovir, 900 mg, oral até
recuperação imune ou CD4>100/mm3 durante seis meses.
- Ganciclovir, 5mg/kg, IV, 2id

Alternativa:
- Valganciclovir, 900 mg, oral, 2id.
- Foscarnet, 90 mg/kg, 2id.
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana.

Doença gastrointestinal: colite, esofagite


Duração do tratamento: manter até PCR ou antigenémia não detectável, haver evidência
clínica de evolução favorável, tempo mínimo de 3 semanas (média 3-6 semanas).
Profilaxia secundária: transplantados de órgãos sólidos – Valganciclovir, 900 mg, oral, id, 1-3
meses – tratamento recente com imunossupressão em alta dose, doença severa a CMV, se
mais do que um episódio de doença a CMV; Infecção HIV/sida: se mais do que um episódio de
doença a CMV.
- Ganciclovir, 5mg/kg, IV, 2 id, manter até evolução clínica favorável, seguido por

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- Valganciclovir, 900 mg, oral, 2id.

Alternativa:
- Foscarnet, 90 mg/kg, IV, 2 id.
- Cidofovir, 5 mg/kg/semana, IV.

Gravidez
Administração de imunoglobulina hiperimune em dose única (200 UI/kg, IV) na infecção
primária, reduz a probabilidade de ocorrerem complicações da infecção congénita ao primeiro
ano de vida.

Efeitos secundários:
1-Ganciclovir
- Teratogénico, mutagénico e carcinogénico
- Atrofia testicular
- Toxicidade medular: leucopenia, sobretudo neutropenia; trombocitopenia, anemia,
eosinofilia.
- SNC: cefaleias, alterações do comportamento, psicose, convulsões, coma.
- Outros: exantema, febre, alterações das provas de função hepática, azotémia, náuseas,
vómitos, sépsis, edema facial, odinofagia, epistáxis, mal-estar.

2-Foscarnet
- Nefrotóxico (atrofia tubular- IRA)
- Mal-estar, náusea, vómitos, fadiga, cefaleias.
- Anemia. Não causa neutropenia.
- Hipocalcemia sintomática, hipocaliémia, hipomagnesémia.
- Febre e exantema.

3-Cidofovir

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- Nefrotoxicidade: Lesão tubular proximal (S. de Fanconi), elevação da creatinina


sérica(suspender se  0,5 mg/dl), proteinúria( suspender se 3). Necessidade de
administração de probenicide e hidratação prévia).
- Náusea, febre, alopecia e neutropenia.

BIBLIOGRAFIA:
Ziemann M, et al. Transfusion-transmitted CMV infection - current knowledge and future
perspectives. Transfus Med 2017;27(4):238-248.
Gandhi MK, et al. Human cytomegalovirus: clinical aspects, immune regulation, and emerging
treatments. Lancet Infect Dis 2004;4(12):725-38.
Rawlinson WD, et al. Congenital cytomegalovirus infection in pregnancy and the neonate:
consensus recommendations for prevention, diagnosis, and therapy. Lancet Infect Dis
2017;17(6):e177-e188.

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INFECÇÃO PELO VÍRUS DE EPSTEIN-BARR

Vírus de Epstein-Barr, Família Herpesviridae, sub-família – gamaherpesvirus. O vírus de Epstein-


Barr é um vírus herpes humano, de distribuição mundial. A infecção primária adquirida durante
a infância é habitualmente assintomática, mas no adolescente e no adulto jovem está
associada a um quadro clínico típico conhecido como mononucleose infecciosa. Dados
seroepidemiológicos sugerem também uma associação entre o vírus de Epstein-Barr, o linfoma
africano de Burkitt e o carcinoma nasofaríngeo.

Epidemiologia
A infecção é adquirida numa fase precoce da vida, ambos os sexos são atingidos, de modo que,
na maior parte das populações humanas 90-95% dos adultos apresentam anticorpos anti-vírus
de Epstein-Barr.
São conhecidas duas estirpes do vírus (tipo 1 e tipo 2), não obedecendo a uma distribuição
geográfica particular podendo coexistir no mesmo indivíduo.
Nos países desenvolvidos a seroconversão para o vírus de Epstein-Barr ocorre em duas fases,
antes dos cinco anos em cerca de 50% dos indivíduos e a meio da segunda década da vida. A
prevalência de anticorpos é maior nos grupos economicamente desfavorecidos.
O quadro clínico associado a infecção primária é mais frequente no adolescente e no adulto
jovem (15-24 anos).
Durante o episódio de mononucleose infecciosa o vírus pode ser detectado em baixos títulos a
nível da orofaringe onde permanece até 18 meses após a recuperação clínica.
A eliminação assintomática através das secreções da orofaringe, corresponde ao principal
modo de disseminação do vírus. Cerca de 12-25% dos adultos saudáveis eliminam o vírus de
Epstein-Barr de forma assintomática, mas taxas superiores são encontradas nos doentes com
algum grau de imunodepressão – transplantados, com leucemia, linfoma, doença crítica e no
infectado pelo vírus da imunodeficiência humana.
O grau de contagiosidade é baixo, há necessidade de contacto íntimo (transferência de saliva
através do beijo) entre um indivíduo susceptível e um eliminador assintomático. A transmissão,

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Doenças Infeciosas 2017

através do contacto com doente com mononucleose infecciosa, ocorre num pequeno número
de casos (6%).
Vias de transmissão menos habituais - transfusão sanguínea e transplantação de medula óssea
ou de órgãos sólidos.

Resposta celular e imunológica


A infecção é adquirida através da orofaringe, havendo infecção e replicação nos linfócitos B
presentes no tecido linfóide e disseminação posterior através do tecido linforreticular. Período
de incubação de 30-50 dias.
Durante a infecção aguda são produzidos anticorpos circulantes contra antigénios próprios do
vírus (anticorpos específicos) e contra antigénios não relacionados com o vírus (anticorpos
heterófilos, classe IgM, detectados sob a forma de aglutininas e de hemolisinas).
Não há reacção cruzada entre eles. Não há uma boa correlação entre o título de anticorpos
heterófilos e a gravidade da doença.

Manifestações clínicas

Mononucleose Infecciosa like


Corresponde à forma clássica de apresentação. As características clinicas e laboratoriais são
influenciadas pela idade do doente. Nas crianças a infecção primária é geralmente
assintomática, mas quando sintomática o exantema, a neutropenia e a pneumonia são mais
frequentes. Durante a doença aguda os anticorpos heterófilos podem ser detectados em 80%
dos casos pelos 4 anos de idade e em 90% dos casos nos adolescentes. A doença é
autolimitada e dura duas a três semanas em média.
Sintomas
Na maior parte dos casos há uma tríade clínica com dor de garganta (70-90% dos casos), febre
(90%) e linfadenopatia (80-90%). O quadro pode instalar-se de forma súbita ou pode ser
precedida por vários dias de sintomatologia incaracterística (arrepios, suores, sensações de
febre, anorexia e mal estar). A cefaleia retro-orbitária, mialgias e sensação de plenitude
abdominal, podem também preceder a doença. A dor de garganta é a queixa mais frequente e
habitualmente severa. Outras formas de apresentação menos comuns são a febre prolongada
e o mal-estar.

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Doenças Infeciosas 2017

Sinais
Febre, vespertina, com temperaturas entre 38-39ºC (40 ºC não é incomum), que se mantém
durante 10-14 dias.
Linfadenopatias - simétricas, móveis, não espontaneamente dolorosas, com localização cervical
posterior mais frequente.
Orofaringe – aumento de volume das amígdalas, eritema da faringe (exsudato em 30%),
petéquias do palato (25-60%) em grupos, na junção do palato duro/mole.
Edema periorbitário (presente em até um terço dos casos).
Erupção cutânea (macular, urticariforme, petequial, escarlatiforme ou tipo eritema
multiforme), está presente em cerca de 5% dos doentes, mas com a administração de
ampicilina, ocorre erupção cutânea maculopapular pruriginosa em 90-100% dos doentes.
Esplenomegalia (50%) - máxima no início da segunda semana com regressão nos 7-10 dias
seguintes. Hepatomegalia (10-15%). Icterícia (5%).

Complicações
Hematológicas – anemia hemolítica autoimune (0,5-3%) – hemólise clinicamente aparente
durante a segunda ou terceira semana, desaparece ao fim de um a dois meses;
trombocitopenia – ligeira, é comum (50% dos doentes) na mononucleose infecciosa, formas
graves são raras; neutropenia – ligeira e autolimitada, perigo de sépsis bacteriana e/ou
pneumonia.
Ruptura esplénica – rara mas dramática, incidência máxima na segunda ou terceira semana de
doença, considerar sempre que houver dor abdominal. Pode ser a forma de apresentação da
mononucleose infecciosa. Na ausência de dor, o choque é a forma de apresentação. Há história
de traumatismo associado, em 50% dos casos; aconselhada prudência na palpação abdominal,
abstenção de desportos de contacto e tratamento da obstipação.
Neurológicas (ocorrem em menos de 1% dos doentes, podem ser a primeira ou a única
manifestação da infecção, são a causa mais frequente de morte) - encefalite, meningite
asséptica, paralisia de Bell, síndroma de Guillain-Barré, convulsões, mononeurite multiplex,
mielite transversa, psicose. Recuperação completa em 85% dos casos.
Hepáticas – elevação autolimitada das enzimas hepatocelulares ocorre em 80-90% dos casos
de MI.

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Doenças Infeciosas 2017

Renais – alterações do sedimento urinário, sendo a hematúria microscópica e a proteinúria as


mais frequentes. Insuficiência renal (nefrite, rabdomiólise) – rara.
Cardíacas – manifestações clínicas incomuns. Alterações ST-T (6%). Descritas pericardite e
miocardite fatais.
Pulmonares – manifestações clínicas raras (3 a 5%). Pneumonite intersticial (excluir outras
causas).
Morte – rara. Ocorre associada a infecção maciça por EBV em doentes saudáveis ou portadores
da doença de Duncan (doença linfoproliferativa associada ao cromossoma X) ou como
resultado de complicação.
Causas mais frequentes de morte são as complicações neurológicas, a ruptura esplénica ou a
obstrução das vias aéreas superiores.
Outras causas: granulocitopenia, trombocitopenia, falência hepática e miocardite.

Evolução clínica - é habitualmente benigna, com resolução da febre em 10-14 dias e regressão
da esplenomegalia nos 7-10 dias seguintes (total de 2 a 3 semanas), na ausência de
complicações.

Diagnóstico
1) quadro clínico
2) alterações laboratoriais
a) hematológicas - leucocitose (12-18-000/mm3)
- linfocitose absoluta ou relativa
- linfócitos atípicos (10%)

b) serológicas - anticorpos não específicos ou heterófilos (Reacção de Paul-Bunnell, Monospot)


- anticorpos específicos: VCA (viral capsid antigen) - Os anticorpos
anti-VCA da classe IgG e IgM estão presentes na fase aguda da doença, persistindo as IgM
durante 1-2 meses (até 4 meses em 10% dos casos) e as IgG por toda a vida. A presença de
anticorpos anti-VCA IgM é o melhor indicador de infecção aguda, não reaparecendo em regra
com as reactivações da doença. EBNA (Epstein-Barr nuclear antigen) - aparece 3-6 semanas
após início da doença e permanece durante toda a vida. A seroconversão EBNA (negativo na

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fase aguda e positivo na convalescença) é um indicador seguro de infecção aguda. Se for


positivo na infecção aguda exclui o EBV como agente etiológico do quadro mononucleósico.

Diagnóstico diferencial – Infecção VIH, CMV, toxoplasmose. Outras entidades que podem
cursar com linfocitose atípica: rubéola, hepatite vírica aguda, toxidermias.
Tratamento
Sintomático:
Não há terapêutica antivírica com eficácia demonstrada.
Aconselhável repouso durante a fase aguda. Evitar esforços físicos violentos (ex.: desportos de
contacto) durante as primeiras 2-3 semanas de doença. Tratar a obstipação.
Aliviar a febre e a odinofagia com paracetamol ou ibuprofeno. Esta última pode ser aliviada
com gargarejos de água morna salgada.

Se houver faringite exsudativa ou eritema difuso:


- Clindamicina 300 mg, oral, 3id, 10 dias
- Azitromicina 500 mg, oral 3 id, 5 dias
- Claritromicina 250 mg, oral 2id, 10 dias

Indicação para o uso de corticóides:


- obstrução das vias aéreas,
- anemia hemolítica ou
- trombocitopenia grave,
- prostração prolongada.

Prednisona, 30 a 40 mg, 2 id, a resposta é rápida e a dose pode ser reduzida em 1 a 2 semanas.
Prevenção
Não é necessário isolamento.
Não dar sangue durante os seis meses seguintes.

BIBLIOGRAFIA:
Cohen JI. Epstein-Barr virus infection. N Engl J Med 2000;343(7):481-92.

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Doenças Infeciosas 2017

INFEÇÃO POR VIH

Parte I – Epidemiologia e Clínica da infeção por VIH

1 Introdução

O vírus da imunodeficiência humana (VIH), um lentivírus da família Retroviridae, foi


isolado pela primeira vez em 1983, no Instituto Pasteur, tendo sido nomeado
“lymphadenopathy-associated virus” (LAV). Contudo, os primeiros casos de síndrome de
imunodeficiência adquirida (SIDA), foram identificados em 1981, nos Estados Unidos da
América, após a notificação de 5 pacientes jovens homossexuais do sexo masculino, residentes
em Los Angeles, com pneumonia por Pneumocystis carinii (actual jirovecii) e sarcoma de
Kaposi. Nos anos seguintes, a epidemia adquiriu proporções mundiais e em 1987, antes da
aprovação da Zidovudina (AZT) - o primeiro antirretrovírico a ser comercializado, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) admitiu existirem entre 5-10 milhões de pessoas infetadas por VIH
em todo o mundo. Em 1995, com a introdução dos inibidores da protease (IP), iniciou-se a era
da “Highly Active Antiretroviral Therapy” (HAART), que representou o turning-point desta
pandemia, aumentando a sobrevida destes doentes.

2 Epidemiologia

O início da epidemia de VIH começou na Republica Democrática do Congo (Kinshasa)


após o vírus da imunodeficiência dos símios (VIS) ter adquirido a capacidade de infetar o ser
humano. Acredita-se que esta transmissão terá ocorrido através do consumo continuado de
carne de animais selvagens (gorila, macaco e chipanzé) infetada, assim como, pelo contacto
direto com o sangue destes animais aquando da sua preparação. As estirpes de VIH-1 podem
ser divididas em quatro grupos que correspondem, segundo estudos filogenéticos, a três
fenómenos de transmissão distintos a partir de chimpanzés (M, N e O) e um a partir de gorilas
(P). O grupo M é o mais prevalente a nível mundial e responsável pela pandemia VIH/SIDA,
sendo composto por nove subtipos (A-K); os grupos N, O e P são minoritários e restritos a
África Ocidental. A infeção por VIH-2, do qual se conhecem 8 grupos (A-H), foi transmitida a
partir de macacos da espécie Cercocebus atys, encontra-se maioritariamente confinada à África

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Doenças Infeciosas 2017

Ocidental, e caracteriza-se por ser menos transmissível e de progressão mais lenta. Nos últimos
anos, têm também sido descobertas formas recombinantes de vírus (FRC), que resultam da
hibridização de 2 subtipos víricos e correspondem atualmente a cerca de 5% das infeções no
continente europeu.

De acordo com os dados publicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde
os primeiros casos registados em 1981 até 2016 morreram cerca de 35 milhões de pessoas com
infeção VIH/SIDA. Reportando-se ao final de 2015 a OMS estima que esta pandemia afete cerca
de 36,7 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a África subsariana a região mais
atingida, com dois terços dos casos. Na última década verificou-se um aumento global da
prevalência desta infeção, fruto do aumento da sobrevida dos doentes sob terapêutica
antirretrovírica. Contudo, apesar de uma diminuição marcada da sua incidência entre 2000 e
2010 (em alguns países de quase 50%), verificou-se em 2015 que estes valores têm vindo a
estagnar, principalmente devido à dificuldade de implementação e manutenção de medidas de
prevenção.

Em Portugal, a vigilância epidemiológica da infeção VIH/SIDA baseia-se na notificação


obrigatória dos casos diagnosticados. Até 31 de Dezembro de 2015 foram reportados um total
de 54297 casos, dos quais 51656 causados pelo VIH-1, 1791 causados pelo VIH-2 e 587
identificados como VIH-1+2 (casos cujo tipo de vírus não foi identificado ou infeção dupla).
Uma análise temporal destes dados demostra que, entre 1983 e 2000, se observou uma
tendência crescente do número de novos diagnósticos. Inversamente, entre 2000 e 2015,
registou-se uma tendência decrescente no número de casos diagnosticados (redução de cerca
de 54,1% de novos diagnósticos em mulheres e 47,7% em homens), situando-se a taxa de
novos diagnósticos em 8,1 casos por cada 100 000 habitantes. No que respeita às
características demográficas, existe um predomínio de homens (73%), maioritariamente nos
escalões etários entre os 20 e os 49 anos (69,6%), e uma distribuição geográfica desigual,
concentrando-se 73,2% dos casos em 3 distritos (Lisboa, Porto e Setúbal). Quanto ao modo de
transmissão, a categoria que cumulativamente (1983-2015) regista um maior número de casos
é a heterossexual (45,2%), seguida da associada à toxicodependência (34,1%) e em terceiro
lugar a homo/bissexual (16,6%).

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Doenças Infeciosas 2017

No último ano foram notificados 841 novos casos, mantendo-se a tendência


decrescente no número de novos diagnósticos observada na última década, contudo os dados
revelam uma nova tendência relativamente ao modo de transmissão de doença. Verificou-se
uma ligeira diminuição na proporção de casos transmitidos por via heterossexual (cerca de 57%
dos novos diagnósticos), uma marcada redução na proporção de novos casos associados a
toxicodependência (provavelmente devido à implementação de políticas relacionadas com o
consumo de drogas, nomeadamente a descriminalização do uso de substância ilícitas e
programas de redução de riscos e minimização de danos) e um aumento na proporção de
casos decorrentes de relações sexuais entre homo/bissexuais (cerca de 35% dos novos casos).

3 Transmissão e fatores de risco

As principais vias de transmissão do VIH são a via sexual (hetero e homossexual), a via
parentérica e a transmissão vertical.

Entre 1983 e 1999, verificou-se um predomínio da transmissão parentérica,


principalmente em doentes utilizadores de drogas endovenosas. No entanto, na última década
registou-se um predomínio da transmissão sexual (hetero e homossexual), principalmente nos
indivíduos homens que têm sexo com homens (MSM), devido à diminuição da perceção de
risco. São vários os fatores que aumentam a probabilidade de transmissão de VIH por via
sexual nomeadamente uma carga viral elevada, um estádio avançado da infeção VIH, a prática
de sexo anal recetivo com lesão da mucosa e a coexistência de outras infeções sexualmente
transmissíveis (IST). A circuncisão masculina em países cuja via de transmissão é heterossexual
parece conferir um efeito protetor (diminui cerca de 60% o risco de aquisição). Outros fatores
que diminuem o risco consistem em utilização do preservativo, cumprimento da TARV e
utilização de profilaxia pré-exposição (PreP).

A transmissão de VIH através da transfusão de sangue e seus derivados tem diminuído a


nível global quer pela exclusão dos dadores com comportamentos considerados de risco, quer
pela realização de testes de rastreio nas amostras colhidas. Em Portugal, o rastreio dos dadores
e dos produtos de sangue e seus derivados é realizado desde 1983. As infeções notificadas

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Doenças Infeciosas 2017

relacionadas com esta via de transmissão foram resultado de transfusões em países


estrangeiros que não possuem o mesmo tipo de políticas de rastreio.

A partilha de material de injeção contaminado é a mais importante via de transmissão


entre toxicodependentes por via endovenosa. A introdução de programas de troca de seringas,
de educação sanitária e de substituição de opiáceos (metadona e buprenorfina) tem diminuído
significativamente as taxas de transmissão neste grupo.

A transmissão mãe-filho pode ocorrer no útero (principalmente durante o 3º trimestre


de gestação), durante o parto ou após o nascimento, através do aleitamento materno. Sem
intervenção preventiva o risco de transmissão da infeção VIH a um recém-nascido de uma mãe
infetada pode ascender aos 40%, sendo o fator de risco mais importante a carga viral no
momento do parto. Em mulheres sob terapêutica antirretrovírica e carga viral indetetável o
risco de transmissão ao recém-nascido é tendencialmente 0%. Desde 1995, nos países
desenvolvidos, a taxa de transmissão foi reduzida para 1-2%, fruto do uso de terapêutica
antirretrovírica (TARV) na mulher grávida, cesariana eletiva em casos selecionados, profilaxia
pós-exposição do recém-nascido e contraindicação da amamentação

4 História natural da infeção

A história natural da infeção por VIH é o reflexo de uma complexa interação entre a
replicação vírica e os mecanismos de defesa do hospedeiro ao longo do tempo (Fig. 1).
Previamente à introdução da terapêutica antirretrovírica (TARV), a sobrevida média de um
indivíduo infetado por VIH era de 8-10 anos. Todavia, na era pós-TARc, este paradigma foi
sofrendo alterações e vários estudos comprovaram que os doentes sob terapêutica têm uma
esperança média de vida muito próxima à de um indivíduo não infetado.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 169


Doenças Infeciosas 2017

Figura 1 – História natural da infeção VIH (adaptado de: Costin, J.M.; Cytopathic Mechanisms of HIV-1.
Virology Journal, 2007; 4:100)

A história natural da infeção pode, então, ser dividida em 4 etapas:


1. Síndrome retroviral aguda (que corresponde à infeção aguda por VIH e
seroconversão).
2. Infeção crónica assintomática.
3. Infeção sintomática (antigamente conhecida como AIDS related complex – ARC - ou
complexo relacionado com a SIDA – CRS).
4. SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) que se caracteriza pela presença de
uma ou mais doenças definidoras de SIDA.

A infeção por VIH-1 cursa com um amplo espectro clínico, que varia desde estádios
assintomáticos até neoplasias e infeções oportunistas nas fases avançadas da doença. Estas
podem ser agrupadas em três categorias clínicas, segundo a classificação do CDC (Quadro 1).

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro 1 – Categorias clínicas da infeção por VIH de acordo com a classificação do CDC
(Adaptado: CDC Expanded AIDS surveillance definition – 1993)

Categoria A

 Infecção VIH assintomática

 Infecção VIH aguda

 Linfadenopatia generalizada persistente

Categoria B

 Angiomatose bacilar

 Sintomas constitucionais, tais como febre (≥ 38,5° C) ou diarreia > 1 mês

 Tricoleucoplasia oral

 Herpes zoster (> 2 episódios e > 1 dermátomo)

 Púrpura trombocitopénica idiopática (PTI)

 Listeriose

 Doença inflamatória pélvica (especialmente se complicada por abcesso tubo-


ovárico)

 Candidose oral

 Candidose vulvovaginal persistente, recidivante ou respondendo mal a terapêutica


antifúngica

 Displasia in situ do colo uterino (moderada ou grave) ou cancro do colo in situ

 Neuropatia periférica

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Doenças Infeciosas 2017

Categoria C

Doenças definidoras de SIDA

 Candidose esofágica ou broncopulmonar

 Carcinoma do colo do útero invasivo

 Coccidioidomicose disseminada ou extrapulmonar

 Criptococose extrapulmonar

 Criptosporidiose com diarreia > um mês duração

 Demência associada a VIH

 Estrongiloidose extra-intestinal

 Herpes simplex, com úlcera mucocutânea > 1 mês, bronquite, pneumonite e/ou
esofagite

 Histoplasmose disseminada ou extrapulmonar

 Isosporose com diarreia > 1 mês de duração

 Infecção disseminada por Mycobacterium avium complex ou Mycobacterium


kansasii

 Infecção por CMV de qualquer órgão, excepto fígado, baço ou gânglio

 Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP)

 Linfoma de Burkitt

 Linfoma imunoblástico

 Linfoma primário do sistema nervoso central (SNC)Pneumonia por Pneumocystis


jirovecii

 Pneumonia bacteriana recorrente (≥ dois epis dios em 12 meses)

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Doenças Infeciosas 2017

 Sarcoma de Kaposi

 Septicemia recorrente a Salmonella spp (não-tifóide)

 Síndrome de emaciação associada a VIH: perda involuntária de > 10% do peso


corporal e diarreia cr nica (≥ duas dejecções/dia, ≥ 30 dias) ou astenia cr nica e
febre ≥ 30 dias

 Toxoplasmose cerebral

 Tuberculose

4.1 Síndrome Retrovírico Agudo

A infeção aguda por VIH, também denominada de síndrome retroviral aguda,


representa a fase inicial da infeção e, geralmente, ocorre duas a quatro semanas após a
exposição ao vírus. Está associada a uma intensa replicação viral e ao desenvolvimento de uma
resposta imune específica.

O quadro clínico da infeção primária por VIH é muito variável e inespecífico, podendo
assemelhar-se ao de outras patologias, nomeadamente a mononucleose infeciosa ou a gripe,
havendo um baixo limiar de suspeita, que dificulta o diagnóstico atempado. Os sinais e
sintomas mais frequentes são a febre, linfadenopatias, faringite e exantema, sendo também
comuns astenia, perda ponderal, mialgias e artralgias (Quadro 2). Podem ainda ocorrer
sintomas digestivos como náuseas, vómitos e diarreia. Em menor número de casos, e
considerando que se trata de um vírus neurotrópico, podem surgir manifestações neurológicas
tais como meningite linfocitária, meningoencefalite, neuropatia periférica, paralisia facial e
síndrome de Guillain-Barré. A duração do quadro clínico da infeção aguda pode variar entre
alguns dias e vários meses, sendo habitualmente inferior a duas semanas.

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro 2 – Manifestações clínicas associadas a infeção aguda por VIH

Sinais e sintomas Percentagem (%)

Febre 96

Adenopatia 74

Faringite 70

Exantema 70

Mialgias 54

Cefaleias 32

Diarreia 32

Náuseas e vómitos 27

Hepatoesplenomegalia 14

Candidose oral 12

Manifestações neurológicas (Ex: meningite 12


linfocitária, meningoencefalite, neuropatia periférica,
paralisia facial, síndrome de Guillain-Barré, nevrite braquial e
perda da capacidade cognitiva ou psicose)

Durante este período assiste-se a um aumento marcado da carga viral de VIH e a uma
diminuição do número de linfócitos TCD4+, o que ocorre até ao momento em que as respostas
humoral e celular são desencadeadas pelo hospedeiro. O papel da resposta imunitária mediada
por células, em particular a atividade dos linfócitos TCD8+ citotóxicos, parece ser fundamental
no início do controlo da replicação viral, mesmo antes do aparecimento dos anticorpos anti-
VIH ligantes e neutralizantes. O aparecimento de tais anticorpos ocorre, em média, 2 a 6
semanas após a infeção. A transmissão da infeção pode ocorrer em qualquer fase, mas é

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Doenças Infeciosas 2017

durante a infeção aguda que o risco de contágio é maior (provavelmente devido à elevada
carga viral circulante).

4.2 Fase crónica (fase de portador assintomático e fase sintomática)

Após a infeção aguda, o sistema imune é capaz de controlar o vírus durante vários anos,
embora se continue a observar uma continua destruição das defesas do indivíduo (fase crónica
inicial - portador assintomático). Nesta fase os indivíduos infetados geralmente não
apresentam alterações ao exame físico, exceto nos casos em que se desenvolve uma
linfadenopatia generalizada persistente (presença de adenopatias em duas ou mais cadeias
ganglionares periféricas não contíguas, excluindo as cadeias inguinais, para as quais não é
possível encontrar outra etiologia). Após uma marcada redução da viremia VIH e da
recuperação parcial da contagem de linfócitos TCD4+ a nível plasmático, assiste-se a uma
estabilização dos seus valores durante vários anos. O ponto de estabilização da carga viral ou
viral set point é um importante preditor de progressão de doença, isto é, viremias VIH elevadas
estão associadas a um declínio mais rápido da contagem de linfócitos TCD4+ e a uma sobrevida
inferior à dos doentes que apresentam cargas virais VIH mais baixas. Na infeção VIH-1, a perda
de linfócitos TCD4+ ocorre ao ritmo de 40-60 células/mm3/ano, sendo o período de latência
clínica, em média, de 10 anos.

Com a evolução da doença surgem as primeiras manifestações clínicas associadas à


infeção VIH, fruto do efeito direto do vírus e/ou do agravamento da imunossupressão do
hospedeiro. São as condições que se incluem na categoria B, de acordo com a classificação dos
CDC, e correspondem à fase sintomática da infeção VIH que não contempla ainda as doenças
definidoras de SIDA (Quadro 1).

4.3 SIDA

Este representa o estádio final da infeção, e como o sistema imune se encontra


depletado, o organismo já não se encontra capaz de combater infeções oportunistas (infeções
oportunistas são aquelas que ocorrem mais frequentemente em indivíduos com sistema imune
enfraquecido do que naquelas que apresentam uma imunidade conservada). Na maioria dos
casos, com esta imunossupressão marcada (linfócitos TCD4+ < 200/mm3) surgem as doenças
definidoras de SIDA. Estas condições clínicas estão enumeradas no quadro 1 (categoria C). É

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Doenças Infeciosas 2017

possível estabelecer uma correlação entre a contagem dos linfócitos TCD4+ e o tipo de
manifestações clínicas (Quadro 3). No entanto, virtualmente todas as condições clínicas podem
ocorrer quanto mais baixa for a contagem de linfócitos TCD4+ (p. ex.: os linfomas podem
ocorrer em qualquer valor de linfócitos TCD4+, porém são mais frequentes quando <
200/mm3).

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro 3 – Correlação das complicações com o valor dos linfócitos T CD4 + (Adaptado de Arch

Linf. TCD4+ Infeções Complicações

≥ 500/mm3 Síndrome aguda VIH Linfadenopatia generalizada persistente

Candidose vaginal Poliomiosite

Meningite linfocitária

Síndrome de Guillain-Barré

200-499/mm3 Pneumonia pneumocócica ou outra Cancro do colo uterino in situ

Tuberculose pulmonar Cancro do colo uterino

Zona (Herpes zoster) Pneumonite intersticial linfocitária

Criptosporidiose autolimitada Anemia

Tricoleucoplasia oral Púrpura trombocitopénica idiopática

< 200/mm3 Pneumonia por P. Jirovecii Síndrome de emaciação

Candidose esofágica Linfoma não-Hodgkin

Herpes simplex disseminado Cardiomiopatia

Toxoplasmose Neuropatia periférica

Criptococose Demência associada à infeção por VIH

Histoplasmose disseminada Linfoma do SNC

Coccidioidomicose disseminada Nefropatia associada à infeção por VIH

Criptosporidiose crónica

Leucoencefalopatia multifocal
progressiva

Microsporidiose

Tuberculose extrapulmonar

Leishmaniose visceral

3
< 50/mm Doença por CMV

M. avium complex disseminado

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Doenças Infeciosas 2017

Intern Med 1995; 155: 1537)

A evolução da infeção por VIH-1 é variável, no entanto a maioria (60-70%) dos doentes,
na ausência de terapêutica antirretrovírica, desenvolve SIDA cerca de 10-11 anos após a
transmissão do vírus. Porém verifica-se que alguns indivíduos têm uma progressão de doença
diferente. Em cerca de 10-20% a progressão da doença é mais rápida e a evolução para SIDA
ocorre em menos de 5 anos. Nestes doentes é frequente a viremia VIH persistir >10 5 cópias/ml
após infeção aguda e a contagem de linfócitos T CD4+ começar a diminuir mais cedo e a uma
velocidade superior. No outro extremo do espectro clínico encontram-se os doentes que não
chegam a apresentar condições definidoras de SIDA por um longo período de tempo (5-15% do
total de indivíduos infetados).

Deste grupo de doentes podem distinguir-se:

1. “Long term non progressors” - doentes cuja infeção foi documentada há pelo menos
8 anos, que mantêm linfócitos TCD4+ > 500/mm3 e carga viral detetável,
normalmente inferior a 5000 cópias, sem administração de TARV.

2. “Elite controllers” - um subgrupo raro de doentes, que apresentam linfócitos TCD4+


> 500/mm3 e uma replicação viral controlada (< 50 cópias/mL de ARN-VIH-1) sem
TARV.

5 Classificação da infeção por VIH

A classificação mais utilizada para a infeção por VIH é a do CDC, na sua versão revista no
ano de 1993, a qual utiliza dados clínicos e a contagem de linfócitos TCD4+ (Quadro 4).
Consideram-se três níveis de contagem de linf citos TCD4+ (≥ 500, 200-449 e < 200/mm3) aos
quais correspondem respetivamente os números 1, 2 e 3; e três categorias clínicas, as quais
são designadas pelas letras A, B e C. As patologias correspondentes a cada uma destas
categorias clínicas estão enumeradas no quadro 1.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 178


Doenças Infeciosas 2017

Quadro 4 – Classificação da infeção por VIH, segundo o CDC, 1993. (Adaptado: Revised CDC HIV

classification system - 1993)

Categorias clínicas

A B C
Contagem de linfócitos Assintomática ou Sintomática Doença definidora de
TCD4+ infeção VIH aguda ou (nem A nem C) SIDA
linfadenopatia
generalizada
persistente

≥ 500/mm3 (≥ 29%) A1 B1 C1

200-499/mm3 (≥ 14-28%) A2 B2 C2

< 200/mm3 (<14%) A3 B3 C3

Mais recentemente, em 2014, o CDC realizou uma revisão à classificação utilizada para
a infeção pelo VIH. Nesta nova classificação são estabelecidos 4 estádios (estádio 0 e estádios
1,2 e 3). O estádio 0 corresponde à infeção viral aguda e para poder ser atribuído depende de
um teste inicial (anticorpo/antigénio/RNA viral) negativo ou indeterminado, seguido de um
teste positivo (com uma diferença máxima entre os dois testes de 180 dias). Já os estádios 1,2
e 3 são atribuídos apenas, de acordo com a contagem de linfócitos TCD4+ (≥ 500, 200-449 e <
200/mm3). Em doentes que se apresentem inicialmente com doença definidora de SIDA, é
atribuído automaticamente o estádio 3, independentemente do número de linfócitos TCD4+
(Quadro 5). De notar que nesta nova classificação, ao contrário da anterior, pode haver uma
reclassificação da doença de acordo com o número de linfócitos TCD4+, desde que esta
alteração se acompanhe de um registo temporal (p.ex.: estádio 2 à data do diagnóstico).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 179


Doenças Infeciosas 2017

Quadro 5 – Classificação da infeção por VIH, segundo CDC, 2014. (Adaptado: Revised
Surveillance Case Definition for HIV Infection — United States, 2014)

Contagem de Linfócitos TCD4+

Estádio 1 – 5 anos > 6 anos

1 ≥ 1000/mm3 (≥ 30%) ≥ 500/mm3 (≥ 26%)

3 3
2 500-999/mm (≥ 22-29%) 200-499/mm (≥ 14-25%)

3 < 500/mm3 (< 29%) < 200/mm3 (< 14%)

Nota: Existem 3 situações que podem não ser baseadas nesta tabela: 1) se os critérios para o estádio
0 foram cumpridos, a classificação é o estádio 0 independentemente dos valores de linfócitos TCD4+;
2) se o doente se apresenta com doença definidora de SIDA é classificado como estádio 3,
independentemente dos valores de linfócitos TCD4+; 3) Se não existe informação que permita
classificar o doente por estádios, o estádio fica atribuído como desconhecido.

6 Diagnóstico

A utilização de testes de diagnóstico permite a identificação dos indivíduos infetados


por VIH. Segundo o CDC, todas as pessoas com idades compreendidas entre os 13 e os 64 anos
(segundo as normas da DGS entre os 18 e os 64 anos) devem realizar pelo menos, uma vez na
vida, o teste de rastreio para a infeção pelo VIH. Em indivíduos com fatores de risco
(comportamentos sexuais de risco, homens que tem sexo com homens, consumidores de
drogas endovenosas) é aconselhado que o rastreio seja realizado mais frequentemente.
Existem três tipos de testes que podem ser realizados para o diagnóstico da infeção pelo VIH:

1. Testes para pesquisa de anticorpos contra o VIH – estes testes podem ser realizados
por imunocromatografia, ou por método de ELISA (enzyme-linked immunosorbent
assay). Os testes rápidos ou de screening utilizam, por norma, técnicas de
imunocromatografia, em que os antigénios de VIH, que se encontram fixados numa
banda, quando em contacto com os anticorpos presentes no sangue do doente
reagem e mudam de cor, traduzindo positividade. Já os testes realizados por
método de ELISA são mais sensíveis e específicos, utilizando técnicas mais
complexas (Sandwich), sendo considerados os testes standard para o diagnóstico da

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 180


Doenças Infeciosas 2017

infeção por VIH. A produção de anticorpos pelo doente infetado pode demorar
entre 3 a 12 semanas, o que significa que este método de diagnóstico apresenta um
período janela com essa duração (testes falso-negativo por ainda não existirem
anticorpos circulantes).

2. Testes para pesquisa combinada de anticorpos VIH/antigénio p24 – estes testes


permitem a pesquisa do antigénio p24, para além dos anticorpos contra VIH-1 e
VIH-2. São também realizados por métodos de ELISA (4ª geração) e são atualmente
os testes recomendados para realização em ambiente hospitalar. O período de
janela destes testes é de aproximadamente 2 a 6 semanas após a infeção, visto ser
esse o tempo necessário para a produção de antigénio em quantidade suficiente
para ser detetável.

3. Deteção de ARN viral no sangue – A deteção do ARN de VIH, através de técnicas de


polymerase chain reaction (PCR) no sangue é o método mais sensível para o
diagnóstico de uma infeção aguda, porque pesquisa vírus presentes no sangue, e
não os anticorpos contra VIH. O período de janela é relativamente pequeno, entre
7-28 dias, visto que a replicação viral é bastante marcada no momento da
primoinfeção. Este tipo de teste é bastante dispendioso e não deve ser utilizado
para rastreio, a não ser que exista um elevado risco de suspeição.

7 Abordagem inicial e seguimento do doente infetado por VIH

A abordagem inicial de um doente com infeção por VIH deve ter por base uma história
clínica completa (incluindo antecedentes pessoais e familiares, medicação crónica, história
psicossocial com avaliação do estilo de vida) e um exame físico detalhado.

A avaliação laboratorial do doente com infeção por VIH recentemente diagnosticada


deve incluir um grupo de análises que tem os seguintes objetivos: estadiamento da infeção por
VIH e caracterização do tipo de vírus; obter um perfil analítico basal que servirá de comparação
com as determinações futuras; determinar o risco cardiovascular, a função renal, hepática e a

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 181


Doenças Infeciosas 2017

presença de doença óssea; avaliar a presença de infeções latentes e infeções transmitidas por
via sexual para eventual tratamento/prevenção.

A. Estadiamento/caracterização da infeção por VIH

1. Confirmação da infeção por VIH – se não houver ainda confirmação da infeção por VIH
esta deve ser confirmada, de acordo com o algoritmo publicado pela Direção Geral de
Saúde (Norma de Orientação Clínica nº 058/2011 atualizada a 10/12/2014) e disponível
online em www.dgs.pt.
2. Quantificação da viremia plasmática e subtipo VIH – a quantificação da viremia
plasmática é um dos elementos mais importantes na avaliação e acompanhamento da
infeção por VIH. A viremia correlaciona-se com o risco de transmissão da infeção e com
a probabilidade de progressão da doença, e é o melhor indicador da eficácia
terapêutica. Deverá ser efetuada na avaliação inicial e após início ou modificação da
TARV, devendo ser repetida às 4 semanas e aos 3 meses. Depois de se obter viremia
indetetável, e num doente estabilizado, deverá ser repetida 2 a 3 vezes por ano (cada 4
a 6 meses). Dados mais recentes aconselham a realização de 1 a 2 determinações
anuais nestes doentes.
3. Contagem de linfócitos TCD4+ (número absoluto e percentagem) – a contagem de
linfócitos TCD4+ é o outro parâmetro importante na avaliação inicial e
acompanhamento do doente com infeção por VIH. Fornece-nos uma avaliação da
deterioração imunológica que já ocorreu e permite-nos estimar o risco de
aparecimento de infeções oportunistas. É primordial na decisão de instituir profilaxia
das infeções oportunistas. Tal como a viremia, deverá ser determinada na avaliação
inicial e depois repetido 2 a 3 vezes por ano (cada 4 a 6 meses). Em doentes com
valores de linfócitos TDC4+ > 350/mm3 pode ser efetuado num intervalo mais alargado
(cada 6 a 12 meses); em doentes estabilizados e com valores de linfócitos TDC4+ >
500/mm3 discute-se a utilidade de continuar a efetuar essa determinação, uma vez que
não são expectáveis alterações significavas neste parâmetro nem estas alterações
determinam modificação na conduta terapêutica. A contagem de linfócitos TCD8+ é
opcional – não há evidência da utilidade clínica na monitorização de TCD8+ nem da
relação CD4/CD8. Estes dois parâmetros não devem ser utilizados na decisão clínica.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 182


Doenças Infeciosas 2017

4. Teste de resistência basal – é recomendado o teste de resistência genotípico basal para


avaliar a presença de mutações que conferem resistência aos ARV, uma vez que estas
poderão condicionar a escolha do esquema terapêutico. Este teste deverá ser efetuado
o mais próximo possível da data do diagnóstico, independentemente da decisão de
iniciar TARV, para que se detetem as resistências transmitidas. Em alternativa poderá
ser colhido e armazenado soro para efetuar o teste de resistência quando clinicamente
adequado. Não se recomenda por rotina a realização de testes de deteção de mutações
no gene da integrase dada a baixa prevalência de resistência aos inibidores da integrase
– só deverá ser realizado no caso de o doente apresentar falência terapêutica a estes
ARV.
5. Determinação do tropismo CCR5 – a determinação do tropismo de VIH está indicada
quando se pondera a utilização de inibidores do co-receptor CCR5. Tendo em
consideração que estes fármacos não fazem parte dos fármacos para início de TARV
esta análise não deverá ser efetuada por rotina.
6. HLA B57*01 – a determinação deste marcador genético tem importância quando se
pondera a utilização de abacavir como parte do esquema de TARV. Os doentes que
forem positivos deverão ser considerados alérgicos para aquele fármaco e o abacavir
não deve ser prescrito. Se o HLA B57*01 não estiver facilmente disponível é razoável
iniciar abacavir com aconselhamento e vigilância relativamente ao aparecimento de
reação de hipersensibilidade.

B. Perfil analítico basal


I. Hemograma e bioquímica completos – diagnóstico de citopenias (frequentes na infeção
por VIH); determinação de valores basais e monitorização de terapêuticas com
fármacos que podem ser nefro, hepato e/ou mielotóxicos; avaliação inicial e cada 3 a 12
meses.
1. Função hepática (bilirrubina, ALT, AST, fosfatase alcalina) – na avaliação inicial, antes do
início de TARV e cada 3 a 12 meses; avaliação mais frequente se utilização de fármacos
hepatotóxicos.
2. Glicemia em jejum – na avaliação inicial e cada 6 a 12 meses; efetuar PTGO se a glicemia
em jejum estiver entre 100 e 125 mg/dL (5,7 a 6,9 mmol/L); pode estar indicado efetuar

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Doenças Infeciosas 2017

determinação da Hb A1c em doentes com hiperglicemia ou diabetes mellitus;


recomendado efetuar glicemia em jejum antes e 4 a 6 semanas após início de TARV.
3. Função renal (ureia, creatinina, ionograma, análise sumária de urina tipo II) com cálculo
da taxa de filtração glomerular estimada (TGFe) – a TFGe e a análise sumária de urina
deverão ser efetuadas na avaliação inicial especialmente em doentes de raça negra,
doentes com infeção avançada ou com comorbilidades; recomenda-se também antes
do início de TARV com fármacos nefrotóxicos; aconselha-se avaliação anual ou mais
frequente se fatores de risco para doença renal ou tratamento com fármacos
nefrotóxicos.
4. Ficha lipídica (colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL e triglicerídeos) – avaliação
basal, antes do início de TARV, 4 a 6 semanas após introdução de terapêutica e depois
anualmente.
5. Lipase e amilase pancreática – para monitorização de iatrogenia.
6. Avaliação óssea (cálcio, fosfato, fosfatase alcalina) – na avaliação inicial e cada 6 a 12
meses; recomenda-se avaliação da densidade mineral ssea em indivíduos com ≥ 65
anos de idade ou mais jovens com ≥ 1 fator de risco para perda ssea prematura; não
se recomenda o rastreio da osteoporose por rotina em infetados por VIH sem outros
fatores de risco. Aconselha-se a avaliação do score de risco FRAX® em doentes com
mais de 40 anos de idade.
7. Testosterona (total e livre) – ponderar em homens com queixas de fadiga, depressão,
disfunção eréctil e redução da líbido, perda de peso e naqueles com diminuição da
densidade mineral óssea.
8. Glicose-6-fosfato-desidrogenase – ponderar doseamento em doentes de risco de défice
desta enzima (negros, mediterrânicos, nativos da Índia e sudeste asiático).
9. Vitamina D – avaliação inicial em todos os doentes; se houver défice está indicada a
avaliação dos níveis de PTH.
10. Teste de gravidez – antes do início ou modificação de TARV com efavirenz

C. Rastreio de co-infecções
1. Hepatites A, B e C – para rastreio de hepatites crónicas (B e C) e determinação da
necessidade de vacinação (A e B); rastreio da hepatite B (ag HBs, ac HBs e ac HBc);

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 184


Doenças Infeciosas 2017

rastreio da infeção VHC (ac VHC); rastreio da hepatite A (ac VHA); aconselha-se
vacinação para os não imunes à hepatite A e B.
2. Sífilis – rastreio inicial e anual (mais frequente se risco elevado); os doentes com
serologia positiva e sinais ou sintomas de sífilis ocular ou neurológica e sem resposta ao
tratamento devem efetuar punção lombar; a punção lombar nos casos de sífilis latente
tardia (mais de um ano de duração ou de duração desconhecida) tem sido questionada,
embora se mantenha a recomendação particularmente em doentes com linfócitos
TCD4+ < 350 mm3 e/ou RPR sérico > 32.
3. Outras IST – rastreio de tricomoníase, infeção por clamídea e gonorreia; rastreio
periódico de acordo com comportamentos de risco reportados, presença de outras IST
no doente ou companheiro e prevalência de IST na comunidade.
4. Tuberculose – prova de Mantoux ou IGRA, em casos selecionados; efetuar radiografia
torácica em doentes com testes de rastreio positivos.
5. Outras – serologia para Toxoplasma gondii (IgG), CMV (IgG), Vírus varicela-zoster (IgG) e
serologia para Leishmania devem ser realizadas de acordo com o contexto
epidemiológico do doente e o grau de imunossupressão, sendo a decisão
individualizada para cada doente.

Parte II - Terapêutica anti-retrovírica (TARV)

Índice de acrónimos, siglas e abreviaturas

ABC – Abacavir

ABC/3TC – Coformulação abacavir/lamivudina

ACTG – AIDS Clinical Trials Group (rede de centros nos EUA, responsável pelo desenho e
implementação de estudos na área da infecção por VIH)

ADN – Acido desoxirribonucleico

ARV – Anti-retrovíricos

ATV – Atazanavir

ATV/r – Atazanavir potenciado com ritonavir

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 185


Doenças Infeciosas 2017

AZT – Azidotimidina (zidovudina)

AZT/3TC – Coformulaço de zidovudina com lamivudina

CDC – Centres for Disease Control

COBI – Cobicistato

D4T – Estavudina

DAD – Data collection on adverse events of anti-HIV Drugs (coorte europeia dedicada ao
estudo dos efeitos adversos dos ARV)

DDC – Zalcitabina

DDI – Didanosina

DHHS – Department of Health and Human Services dos EUA

DRV – Darunavir

DRV/r – Darunavir potenciado com ritonavir

DTG – Dolutegravir

EFV – Efavirenze

ETV – Etravirina

EVG – Elvitegravir

FDA – Food and Drug Administration

FPV – Fosamprenavir

FPV/r – Fosamprenavir potenciado com ritonavir

HAART – higly active antiretroviral therapy

HPTN 052 - Estudo do “HIV Prevention Trials Network” dedicado ao estudo da TARV como
prevenção da transmissão em casais serodiscordantes para VIH

IDV – Indinavir

IINT – Inibidore da integrase

IP – Inibidor da protease

ITIAN – Inibidor da transcriptase inversa análogo dos nucleosídeos

ITINAN – Inibidor da transcriptase inversa não análogo dos nucleosídeos

LGP – linfadenopatia generalizada persistente

LPV/r – Coformulaçao lopinavir/ritonavir


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Doenças Infeciosas 2017

MSM – Men that have sex with men

MMWR – Morbidity mortality weekly report

MVC – Maraviroc

NFV – Nelfinavir

NVP – Nevirapina

OMS – Organização Mundial da Saúde

PACTG – Pediatric AIDS Clinical Trials Group

PPE – Profilaxia pós-exposição

PrEP – Profilaxia pré-exposição

RAL – Raltegravir

RPV – Rilpivirina

RTV – Ritonavir

SIRI – Síndroma inflamatória de reconstituição imunológica

SIV – Vírus da imunodeficiência dos símios

SMART – Strategies for Management of Anti-Retroviral Therapy (um dos maiores ensaios
clínicos, tendo com o objectivo determinar a melhor estratégia de tratamento da infecção por
VIH)

SNC – Sistema nervoso central

SNS – Serviço nacional de saúde

SQV – Saquinavir

SQV/r – Saquinavir potenciado com ritonavir

START – Strategic Timing of Antiretroviral Treatment (grande ensaio clínico internacional para
estudo dos riscos e benefícios do tratamento precoce da infecção por VIH)

T20 – Enfuvirtida

TAMS – Mutações de resistência aos análogos da timidina

TARV- Terapêutica anti-retrovírica

TasP – Tratamento como prevenção

TDF – Tenofovir disoproxil fumarato

TDF/FTC – Coformulação tenofovir/emtricitabina

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 187


Doenças Infeciosas 2017

TPV - Tipranavir

VIH – Vírus da imunodeficiência humana

1. Introdução

A terapêutica anti-retrovírica (TARV) constitui um dos mais significativos avanços na área da


medicina, tendo permitido transformar uma doença quase uniformemente fatal numa doença
crónica. No entanto, vale a pena relembrar um pouco do caminho percorrido, desde a
disponibilização do primeiro fármaco, em 1987 (azidotimidina – AZT), até à actualidade, para
melhor entender e apreciar as actuais linhas de orientação terapêutica (ver Quadro I).

O primeiro fármaco anti-retrovírico – AZT – foi aprovado pela “Food and Drug Administration”
(FDA) em 19 de Março de 1987, nos EUA. Trata-se de um fármaco anteriormente estudado
como antineoplásico e que se verificou ter actividade anti-retrovírica. É um inibidor da
transcriptase inversa análogo dos nucleosídeos (ITIAN) (análogo da timidina) que se incorpora
na cadeia de ADN proviral em formação, competindo com o substrato natural e funcionando
como terminador da cadeia nascente de ADN. A posologia utilizada no ensaio clínico que serviu
de suporte à sua aprovação foi de 250 mg a cada 4 horas (1500mg/dia). Esta dose ocasionava
efeitos secundários marcados, nomeadamente, anemia grave com necessidade de recurso a
transfusões sanguíneas. Os efeitos secundários eram tão frequentes e tão devastadores que
alguns activistas e líderes mundiais proclamavam que a causa de morte e progressão da
doença era o AZT e não a infecção por VIH. Em Portugal o AZT foi aprovado pelo Infarmed em
12 de Março de 1990 e foi, no ano seguinte, objecto de despacho (14/91 do Ministério da
Saúde, DR 164, II série) onde se estipulava que o AZT estaria disponível apenas nas farmácias
hospitalares do SNS, gratuitamente para os doentes. Este despacho dizia ainda que “Todos os
casos de infecção pelo vírus de imunodeficiência humana (VIH) devem ser notificados à
Comissão Nacional de Luta contra a SIDA”. Por último atribuía à Direcção Geral dos Hospitais,
em colaboração com a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, a responsabilidade de
proceder à revisão das normas de utilização do AZT.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 188


Doenças Infeciosas 2017

Entretanto, começaram a ser utilizadas doses mais baixas que as anteriormente referidas, que
foram melhor toleradas, sem aparente perda do efeito terapêutico. Nas primeiras
recomendações do serviço de Saúde dos EUA (DHHS) de 1998, as dosagens preconizadas eram
200 mg 3 x/ dia ou 300 mg 2id (esta a posologia actualmente recomendada). A experiência de
utilização de AZT (em monoterapia) mostrava uma recuperação modesta e temporária (3-6
meses) dos linfócitos TCD4, com melhoria do estado geral. Findo este período assistia-se, regra
geral, a uma deterioração continuada do défice imunológico e consequentes infecções
oportunistas.

Cerca de 4 anos depois (9 de Outubro de 1991) foi aprovado o segundo fármaco – didanosina
(DDI) – com indicação na terapêutica sequencial ou seja, quando o AZT deixava de funcionar,
substituía-se por DDI. Mais uma vez se assistia a uma ligeira melhoria (menos pronunciada e
menos duradoira que a primeira, com AZT) e depois continuava a deterioração imunológica.
Este fármaco apresentava-se em pastilhas volumosas de 100 mg e era administrado fora das
refeições (1 hora antes ou 2 horas depois) duas vezes por dia. Causava efeitos secundários
gastrointestinais marcados (náuseas, vómitos, diarreia, dores abdominais), pancreatite e
neuropatia periférica (esta última em 21 a 26% dos doentes). Relativamente a este fármaco,
hoje pouco utilizado nos países desenvolvidos, a FDA emitiu em 2010, um comunicado
alertando para a possibilidade de ocorrência de hiperplasia hepática nodular regenerativa
(hipertensão portal não cirrótica) nos doentes que foram submetidos a tratamento com DDI
(actual ou passado), complicação grave e potencialmente fatal. De assinalar que registámos
esta complicação nos nossos doentes (um doente falecido e outro transplantado por esta
causa). Este aspecto reforça a necessidade de farmacovigilância a longo prazo, uma vez que os
estudos de aprovação têm uma duração limitada, em geral 48 semanas.

O 3º fármaco, desta mesma classe terapêutica, surgiu no ano seguinte (19 de Junho de 1992 –
zalcitabina, DDC) – também aprovado como terapêutica sequencial ou aditiva ao AZT, com
resultados pouco impressivos. Posteriormente, numa fase em que era já prática corrente a
terapêutica dupla, foi aprovado para associação com AZT (1996). Anote-se que a zalcitabina foi
o primeiro fármaco a ser descontinuado, em 3 Dezembro de 2006.

O 4º fármaco, ainda da mesma classe, – estavudina, D4T – foi aprovado em 29 de Junho de


1994. Este era um fármaco potente, mais cómodo que os anteriores e com comprimidos mais
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 189
Doenças Infeciosas 2017

pequenos (40 mg 2 vezes por dia), com melhor tolerância imediata, mas que tinha também o
potencial de ocasionar neuropatia periférica e, veio mais tarde a comprovar-se, lipoatrofia
marcada (um dos componentes da lipodistrofia ou síndroma da redistribuição da gordura
corporal), verificada com maior incidência na chamada era HAART, a que chegaremos mais
adiante. Por esta altura, começaram a utilizar-se as biterapias, nomeadamente a associação de
AZT com 3TC, AZT com DDI. Também foi experimentada a associação AZT+D4T mas
rapidamente se verificou que era antagónica do ponto de vista virológico e desaconselhada
(aspecto já expresso nas recomendações publicadas em 1998). A associação de DDI+D4T,
inicialmente olhada com reserva, pelo perfil semelhante e potencialmente cumulativo de
toxicidades, foi, depois, promovida e popular durante um período ainda longo (desde 1998 a
2003), até se confirmarem os receios iniciais de toxicidade cumulativa substancial (neuropatia
periférica, pancreatite, acidose láctica…) e por esse motivo desaconselhada.

1.1. Início da era da terapêutica anti-retrovírica combinada

Em 1996 deu-se a grande revolução na TARV que foi possível pelo aparecimento da tecnologia
de quantificação de VIH plasmática, que permitiu uma melhor apreciação da cinética da
replicação vírica e da eficácia da terapêutica, ao mesmo tempo que surgiram fármacos de uma
nova classe – inibidores da protease de VIH. Vale a pena relevar a enorme importância de que
se reveste a disponibilização da quantificação da viremia plasmática, um instrumento poderoso
na verificação da eficácia virológica dos fármacos, aceite pela FDA como marcador substituto
de eficácia, em vez dos “ends points” clínicos clássicos de morbilidade e mortalidade. Este
facto permitiu uma via de aprovação acelerada dos anti-retrovíricos (ARV) (os tempos para
análise dos objectivos primários dos ensaios clínicos para aprovação dos ARV são atingidos às
48 semanas). Só assim foi possível disponibilizar, em tão curto espaço de tempo, uma
quantidade significativa de novos medicamentos que permitiram controlar eficazmente a
progressão da doença.

Nesta época, designada de era HAART - higly active antiretroviral therapy – houve uma grande
euforia, com o enorme sucesso alcançado, tendo inclusive David Ho, cientista e investigador
respeitado, previsto a cura da doença dentro de poucos anos. Infelizmente, tal objectivo não
veio a verificar-se, o que se explica pela existência de populações de células com semividas
longas (ex: linfócitos TCD4 de memória) que são infectadas e onde o VIH se mantém latente.
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Doenças Infeciosas 2017

Como consequência, a cura foi um tema proibido até há cerca de 2-3 anos, sendo actualmente
alvo de investigação e investimento muito forte.

De qualquer modo, este clima de euforia ficou também assinalado no 11º Congresso
Internacional de Sida, em Vancouver, Canadá, no lema “ hit hard, hit early”, isto é, tratar com
fármacos em combinação, pelo menos três, e tratar todos os doentes infectados. Esta
estratégia está também consagrada nas 1ªs recomendações do DHHS, publicadas em 1998,
onde se preconizava que todos os infectados por VIH com menos de 500 linfócitos TCD4/mm3
e/ou com viremia >20 000cp/ml deveriam iniciar TARV, deixando em aberto a possibilidade de
iniciar nos que tivessem acima daquele valor e viremia superior a 20 000cp/ml.

Infelizmente, passados poucos anos, começaram a verificar-se os efeitos secundários de médio


e longo prazo, que puseram em causa esta estratégia, nomeadamente, a lipodistrofia, que
surgiu como mais um estigma que atingiu esta comunidade, já muito marcada, que tornava
estes doentes identificáveis pelo seu biótipo: face magra, com arcada zigomática saliente pela
perda da gordura facial, perda da gordura das nádegas e membros, com veias salientes. Estas
alterações associavam-se, por vezes, a acumulação de gordura central, com aumento do
perímetro abdominal (“crixybelly” – barriga do crixivan® – nome comercial do indinavir, o mais
popular inibidor da protease nesta época), aumento das mamas e acumulação de gordura no
pescoço (“buffalo hump”). Além destes efeitos secundários, convém não perder de vista a
dificuldade em cumprir esta terapêutica, em virtude do número de comprimidos, número de
tomas e requisitos alimentares. Como exemplo, o indinavir (IDV) apresentava-se em cápsulas
de 400 mg e a posologia era de 2 cps 3 vezes ao dia (800mg 3id), fora das refeições (1 hora
antes ou > de 2h após) e recomendava-se a ingestão de pelo menos 1,5L de água por dia, para
minimizar o risco de nefrolitíase, ocasionada pela precipitação de cristais de indinavir no
sistema excretor urinário. Este fármaco era habitualmente associado ao AZT, 200 mg 3 x dia,
com as refeições (ou seja 2 cp 3x/dia) e o terceiro fármaco era frequentemente o ddi – 2
pastilhas enormes, 2x/dia, dissolvidas em água, também tomadas fora das refeições, mas não
concomitantemente com o indinavir (estas pastilhas continham um antiácido que inibia a
absorção do IDV). No total, com este esquema terapêutico, o doente ingeria 16 comprimidos
por dia, em pelo menos 7 tomas, em horários diferentes. Muitas vezes, havia necessidade de
juntar vários outros fármacos, para terapêutica ou prevenção de infecções oportunistas, que

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Doenças Infeciosas 2017

complicavam, ainda mais, a adesão dos doentes e que ocasionavam efeitos secundários
adicionais.

Todos estes factos concorreram para a adopção de uma estratégia mais conservadora,
consagrada nas recomendações terapêuticas emanadas pelo DHHS, em 2001, e que consistiu
no início da TARV apenas quando o risco de aparecimento de complicações da infecção por VIH
era grande, superando, neste contexto, os inconvenientes da terapêutica. Nesta altura, essa
fronteira foi marcada, nos indivíduos assintomáticos, nos 200 linfócitos TCD4/mm3. Abaixo
deste limiar os doentes têm um risco elevado de infecções/tumores oportunistas e, portanto,
recomendava-se o início da TARV. Acima daquele valor, considerava-se que os doentes não
tinham indicação porque o risco de infecções oportunistas era baixo e, desta maneira, o risco
dos efeitos secundários era maior do que os benefícios esperados. Estas mesmas
recomendações colocavam a hipótese de iniciar com linfócitos TCD4 entre 200 e 350/mm3,
mas sem evidência empírica de suporte.

Iremos ver mais adiante como, com o aparecimento de fármacos mais eficazes, melhor
tolerados e com melhor perfil de segurança, a curto e longo prazo e, ainda, pelo aparecimento
de coformulações, que simplificaram grandemente a terapêutica, aquele limiar foi subindo,
primeiro para 350 (por volta de 2007) e, mais recentemente, para valores de 500 linfócitos
TCD4/mm3 (nos EUA em 2009, em 2013 pela OMS e, muito recentemente, também nas
recomendações portuguesas). Esta mudança deve-se, entre outros factores, à publicação de
vários estudos de coorte (e, anteriormente, do estudo SMART), que demonstraram melhores
resultados globais quando se inicia a TARV mais precocemente e, também, pela verificação da
diminuição do risco de transmissão da infecção por VIH, nos doentes submetidos a tratamento
e com virémia controlada, aspecto cada vez mais valorizado.

Algumas recomendações (EUA, por exemplo, desde 2012) não colocam qualquer limiar de
linfócitos TCD4/mm3 para o início da TARV, considerando que a infecção por VIH é uma doença
vírica activa, que deteriora o sistema imunológico e tem repercussões sistémicas, em vários
aparelhos e sistemas. Os resultados do estudo START e do estudo Temprano vieram
demonstrar, de forma inequívoca, que a TARv é benéfica em qualquer estádio da infecção por
VIH, independentemente da contagem de linfócitos TCD4, quer do ponto de vista individual,
reduzindo a ocorrência de infecções e tumores oportunistas, quer do ponto de vista da saúde
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Doenças Infeciosas 2017

pública, reduzindo o risco de novas infecções (este aspecto resultado do estudo HPTN 052). Por
esse motivo a quase totalidade das recomendações, incluído a portuguesas, preconiza a TARv
para todas as pessoas com infecção por VIH, independentemente da existencia de sintomas e
da contagem de linfócitos TCD4 e viremia VIH.

Um aspecto que vale a pena salientar é a simplificação do tratamento, permitido pelo


aparecimento de coformulações, – a primeira das quais foi o Combivir® (AZT/3TC) em 1997,
seguido, em 2000, pelo Trizivir® (ABC/AZT/3TC) e também, no mesmo ano, o Kaletra®
(lopinavir/ritonavir), fármaco que se tornou o inibidor da protease padrão, distinção que
manteve até ao surgimento dos novos fármacos desta classe (atazanavir em 2003 e darunavir
em 2006).

Mais recentemente, em 2003, foram disponibilizadas novas “estruturas” de associações de


ITIAN em coformulaçao – ABC/3TC (kivexa®) e TDF/FTC (truvada®). Durante vários anos
coexistiram, como estrutura básica de tratamento, estas três opções: AZT/3TC, ABC/3TC e
TDF/FTC. Em 2008, o AZT/3TC foi retirado das opções de primeira linha, em atenção aos efeitos
secundários do AZT (anemia, lipoatrofia) continuando, no entanto, em algumas circunstâncias,
a ter um papel na TARV.

Foram entretanto disponibilizadas várias coformulações que permitem um tratamento


simplificado (1 cp 1 x por dia): EFV/FTC/TDF (Atripla®), FTC/RPV/TDF (Eviplera®),
EVG/COBI/FTC/TDF (Stribild®), EVG/COBI/FTC/TAF (Genvoya®), FTC/RPV/TAF (Odefesey®),
ABC/3TC/DOL (Triumeq®).

1.2 Mutações de resistência de VIH e sua detecção

Vale a pena, também, referir que os erros, involuntários, que cometemos antes da era HAART
e nos primeiros anos desta era (monoterapias, biterapias, utilização de inibidores da protease
não potenciados, reciclagem de fármacos previamente utilizados), decorrentes das limitações
de fármacos disponíveis mas, também, da nossa ignorância relativamente aos princípios da
TARV, levaram a que, em muitos doentes, tenha havido multiplicação de vírus com várias
mutações de resistência aos análogos da timidina (TAMS) e aos inibidores da protease. Nos
primeiros anos deste milénio havia um número significativo de doentes sob TARV sem viremia
suprimida e sem opções terapêuticas eficazes. Nesta fase foram propostas diversas

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Doenças Infeciosas 2017

abordagens, todas com sucesso limitado, como sejam: mega-HAART (associação de 4, 5 ou


mesmo 6 ARV), intensificação terapêutica com hidroxi-ureia (este fármaco aumenta a semivida
intracelular de DDI e D4T, aumentando eventualmente a eficácia mas também a toxicidade),
dupla potenciação de IP (por exemplo, a associação de IDV+SQV+RTV).

Entretanto, também a partir de 2000, foi disponibilizada uma nova ferramenta – teste de
resistência genotípica. Esta tecnologia desenvolveu-se a partir da verificação de viremias não
controladas em indivíduos sob TARV, particularmente naqueles que tinham sido sujeitos
anteriormente a terapêuticas subóptimas. Através da sequenciação de vírus obtidos destes
doentes foram detectadas mutações em alguns codões específicos, que puderam ser
associadas a diminuição da actividade de fármacos ARV. Também em laboratório foi possível
provocar mutações, em vírus submetidos a baixas concentrações de ARV. Foram estes os dois
eixos fundamentais que levaram ao desenvolvimento dos testes de resistência genotípica, que
entraram na rotina do seguimento clínico por volta do ano 2000, o que permitiu uma utilização
mais criteriosa dos fármacos e sua sequenciação mais racional.

Por volta de 2003, começaram a surgir fármacos com novos mecanismos de acção – primeiro o
inibidor da fusão, enfuvirtida (T20) – depois IP com perfis de resistência diferentes (tipranavir,
em 2005 e darunavir, em 2006). Com estes novos recursos, munidos de regras de utilização dos
ARV mais consistentes e guiados pelos testes de resistência acima mencionados, foi possível
resgatar alguns doentes em falência virológica. Em 2007, com o aparecimento de dois novos
fármacos de 2 novas classes terapêuticas – raltegravir, primeiro inibidor da integrase e
maraviroc, primeiro inibidor do co-receptor CCR5 – e ainda pelo aparecimento de um terceiro
fármaco – etravirina, ITINAN de 2ª geração – com um perfil diferente de resistência, foi
possível, na prática, resolver todas, ou quase todas, as situações de doentes em falência. Para
muitos doentes, que estavam muito degradados fisicamente, com imunossupressão muito
avançada, esta foi, verdadeiramente, uma segunda vida que lhes foi proporcionada,
mantendo-se ainda hoje, a maioria, com sucesso terapêutico.

O problema das resistências é hoje relativamente menor, em resultado da melhor qualidade


dos fármacos disponíveis e um melhor conhecimento das regras de utilização.

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Doenças Infeciosas 2017

Traçados alguns dos aspectos fundamentais da evolução da TARV, podemos agora aprofundar
e sistematizar alguns dos aspectos aflorados anteriormente.

2. Objectivos da terapêutica anti-retrovírica

- Reduzir a morbilidade associada à infecção por VIH e aumentar a duração e qualidade de


vida.

- Recuperar e preservar a função imunológica.

- Suprimir de forma eficaz (abaixo do limiar de detecção, <20 cp/ml no nosso laboratório) e
duradoira a viremia plasmática.

- Prevenir a transmissão da infecção por VIH.

3. Quando iniciar TARV

A TARV está indicada para todos os doentes com infeção por VIH, independentemente da
sintomatologia e da contagem de linfócitos TCD4, desde que o doente esteja preparado e
aceite iniciar a TARV. Nas seguintes situações, considera-se urgente o inico da terapêutica:

- Doentes com infecção VIH sintomática ou com infecções ou tumores oportunistas;

- No doente assintomático com linf citos TCD4 ≤ a 350/mm3

- Para diminuir o risco de transmissão da infecção por VIH.

É fundamental despender tempo suficiente para a preparação do doente na aceitação e


compreensão da doença e posteriormente da TARV.

Contrariamente à posição inicial, que preconizava que prioritário era tratar as infecções
oportunistas e só depois a infecção por VIH, para evitar toxicidades cumulativas e interacções
medicamentosas, está hoje demonstrado que, na maioria das infecções oportunistas, o início
precoce da TARV melhora o prognóstico, diminui a mortalidade e o surgimento de novas
infecções oportunistas. A excepção a esta regra é a infecção do SNC, nomeadamente
criptococose, pelo risco elevado de síndroma inflamatória de reconstituição imunológica (SIRI),

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Doenças Infeciosas 2017

com agravamento do quadro clínico e eventualmente, maior mortalidade. No entanto, mesmo


nesta situação, há argumentos a favor do início precoce da TARV, tendo em conta que os
ensaios clínicos que suportam os resultados menos favoráveis foram realizados em países com
baixos recursos, onde os fármacos utilizados não são o padrão dos países desenvolvidos e, por
outro lado, o maneio das complicações destas situações poderá ser limitado pela escassez de
meios e menor acessibilidade aos cuidados de saúde. No entanto, em mais um estudo
recentemente publicado, registou-se uma maior mortalidade no grupo dos doentes que iniciou
TARV 1 a 2 semanas após diagnóstico, comparativamente com os que iniciaram mais
tardiamente, 5 semanas após o diagnóstico.

Uma situação particular é a tuberculose, tratada detalhadamente noutro capítulo, mas que
podemos resumir aqui da seguinte maneira: todo o doente com tuberculose, coinfectado por
VIH, tem indicação para TARV; nos doentes sem TARV prévia e com linfócitos TCD4 < 50/mm3,
a TARV deve ser iniciada dentro de 2 semanas após início da terapêutica antibacilar e dentro
de 8 semanas para todos os outros doentes. Nos doentes com mais de 50 linf. TCD4/mm3 e
com doença grave, a TARV deve ser iniciada entre 2-4 semanas (força de recomendação BI
entre 50 e 200 linf. TCD4 e BIII acima de 200 linf. TCD4). Nos doentes com mais de 50 linf.
TCD4/mm3 mas sem doença grave, a TARV pode ser diferida para além das 2-4 semanas mas
deverá ser iniciada até às 8 semanas após início da terapêutica antibacilar (força de
recomendação AI entre 50 e 500 linf. TCD4 e BIII acima de 500 linf. TCD4). Nos doentes com
meningite tuberculosa e CD4 baixos, o início precoce da TARV coloca problemas específicos de
adesão e vigilância dos efeitos secundários, que justifica a supervisão em centros com
experiência nestas duas áreas. Embora complexo, com dificuldades de adesão acrescidas,
sobreposição de efeitos secundários e muitas interacções medicamentosas e com maior risco
de SIRI, o tratamento concomitante melhora a sobrevida, particularmente nos doentes com
linfócitos TCD4 <50/mm3, diminui o risco de infecções oportunistas adicionais e podem obter-
se taxas de supressão virológica elevada e melhoria dos resultados do tratamento da
tuberculose.

4. Como iniciar TARV

Quando se inicia TARV, em regra, começa-se por escolher a estrutura do tratamento com a
associação de dois ITIAN, de preferência em coformulação: ABC/3TC ou TDF/FTC. Esta última é
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Doenças Infeciosas 2017

uma opção mais fácil (embora mais onerosa), porque não apresenta limitações à sua utilização,
a não ser a presença de insuficiência renal, ou risco elevado de desenvolvimento de
insuficiência renal e, eventualmente, o risco de desenvolvimento de osteoporose (mulheres
pós-menopáusicas de baixo peso, por exemplo).

Em contrapartida para a prescrição do ABC/3TC é necessário ter em linha de conta os seguintes


aspectos.

Risco de desenvolvimento de reacção de hipersensibilidade – para minimizar esse risco está


indicado efectuar a determinação do HLA-B*5701. Os que forem positivos para este alelo, são
considerados alérgicos ao ABC, facto que deve ser registado no processo de forma bem visível.
Os doentes devem ser alertados para nunca tomarem este fármaco, pois têm um risco elevado
de desenvolver reacção de hipersensibilidade; em contrapartida os negativos tem um risco
baixíssimo, tendencialmente nulo, de apresentar aquela reacção, embora devam, apesar disso,
ser alertados para a possibilidade de tal ocorrência e aconselhados a recorrer aos cuidados de
saúde se surgir alguma erupção cutânea.

Em segundo lugar, nalguns ensaios clínicos (ACTG 5202), verificou-se, em doentes com viremia
elevada (> 100 000cp/ml), um maior risco de insucesso virológico (sobretudo à custa da
incapacidade em obter viremia indetectável). No entanto, convém referir que, noutros ensaios,
este facto não foi observado e, mais recentemente, não houve qualquer diferença nas
falências, quando em associação com o dolutegravir, relativamente aos fármacos
comparadores.

Por último, a utilização de ABC foi associada, em alguns estudos de coorte (DAD), a um
aumento do risco de enfarte do miocárdio. Embora esta associação não se tenha verificado nos
ensaios clínicos de registo do fármaco, nem nas metanálises, isso pode dever-se à selecção dos
doentes incluídos nos ensaios clínicos (jovens e sem comorbilidades). Por outro lado, o efeito
observado no estudo DAD, pode ser explicado por viés de selecção, numa altura em que o ABC
era visto como um fármaco seguro, particularmente no contexto da insuficiência renal,
situação onde o TDF não é o fármaco de eleição, sendo conhecido o facto de a insuficiência
renal ser um factor de risco acrescido de enfarte do miocárdio. Permanece pois a dúvida
relativamente a este aspecto, mantendo, a maioria das recomendações, em respeito pelo

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Doenças Infeciosas 2017

princípio da prudência, o alerta para o risco da sua utilização em doentes com risco
cardiovascular elevado (> 20% aos 10 anos, calculado pela equação de Framingham).

A esta estrutura de esquema de TARV, junta-se um terceiro componente, havendo, de acordo


com as recomendações portuguesas de 2016, duas opções (ver Quadro II – esquemas
terapêuticos recomendados): 1 ITINAN (RPV, se viremia <100.000cp/mL) ou 1 inibidor da
integrase (dolutegravir, raltegravir ou elvitegravir – esta opção apenas em coformulação com
cobicistato/emtricitabina/tenofovir).

Actualmente, sempre que possível, tendo em atenção a eficácia, comodidade, efeitos


secundários, tolerabilidade e segurança, a preferência recai num inibidor da integrase.

Quadro IIA. Esquemas recomendados em doentes sem terapêutica prévia

Para todos os doentes (independentemente da viremia)


TDF/FTC DTG ou
Ou TAF*/FTC EVG (apenas disponível em coformulação com TDF ou TAF)
+ RAL ou
ABC/3TC** + DTG (disponível em coformulação)
Para doentes com viremia < 100.000 cop/ml
TDF/FTC + RPV*** (disponível em coformulação com TDF ou TAF)
Ou TAF/FTC
*TAF é uma nova formulação de tenofovir (alafenamida) com dosagem significativamente
inferior que ao TDF, menor exposição plasmática mas com maior concentração intracelular,
diminuindo a toxicidade renal e óssea do TDF (tenofovir disoproxil fumarato)

** Doentes negativos para HLA-B*5701)

*** Doentes com > 200 linf TCD4)

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro IIB. Esquemas Alternativos ou de 2ª linha em doentes sem terapêutica prévia

Para todos os doentes (independentemente da viremia)


TDF/FTC DRVR
Ou + ATVr
TAF/FTC EFV (disponível em coformulação com TDF/FTC)
Para doentes com viremia < 100.000 cop/ml
ABC/3TC* + RAL
EFV
DRVr
ATVr
* Doentes negativos para HLA-B*5701)

A classe dos inibidores das integrase (IINT) faz parte dos fármacos preferidos nos esquemas de
primeira linha, tendo em conta a tolerância a curto e longo prazo e os resultados de diversos
ensaios clínicos (ACTG 5257, FLAMINGO, SPRING, SINGLE), onde esta classe terapêutica obteve,
globalmente, melhores resultados que os fármacos comparadores – EFV, ATVr e DRVr.

Embora os IP tenham sido relegados para fármacos de segunda linha, continuam a ser
fundamentais na TARV, quando há alguma urgência no início do tratamento (teste de
resistência genotípica ainda não disponível) e nos doentes em que não temos a certeza do seu
perfil de adesão à TARV. Esta preferência advém da sua elevada barreira genética à resistência
(quando utilizados potenciados com ritonavir, de acordo com as recomendações), isto é, é
necessária a acumulação de várias mutações do vírus para que haja diminuição significativa da
actividade antivírica do fármaco. Este aspecto traduz-se, clinicamente, pela não emergência de
resistências quando o doente não adere completamente ao esquema terapêutico e, mesmo,
quando se verifica insucesso virológico, não ocorrem mutações de resistência aos IP e ocorrem,
com menor frequência, mutações de resistência aos outros componentes do esquema
terapêutico Neste aspecto, o dolutegravir parece ter um comportamento semelhante aos IP,
embora ainda falte a prova do tempo para que se possa utilizar com segurança neste tipo de
doentes. Os IP são ainda fármacos fundamentais em terapêuticas de resgate – isto é quando o
doente já teve múltiplos insucessos terapêuticos e acumulou várias mutações de resistências.

Convém ainda realçar que com os IP (tal como com os IINT) obtém-se uma melhor recuperação
imunológica, com um aumento adicional de 30 a 50 linf TCD4/mm3, quando comparados com
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Doenças Infeciosas 2017

os esquemas baseados em ITINAN, o que, segundo alguns aa, pode ter significado clínico
quando a imunossupressão é muito avançada (linf TCD4 <50/mm3).

5.Efeitos secundários

Em virtude destes fármacos serem para utilização durante longos períodos de tempo,
potencialmente para toda a vida do doente, é importante conhecer bem o perfil de efeitos
secundários imediatos e a longo prazo e, obviamente, preferir os fármacos com melhor perfil
de segurança.

Uma primeira abordagem ao problema é conhecer os efeitos secundários comuns às classes


terapêuticas, tentando depois conhecer os efeitos secundários dos fármacos actualmente
preferidos para utilização em primeira linha.

5.1 Inibidores da transcriptase inversa análogos dos nucleosídeos (ITIAN)

Dois efeitos secundários raros mas potencialmente fatais foram associados à utilização dos
fármacos desta classe (ver Quadro III): esteatose hepática e acidose láctica. Estes efeitos foram
mais importantes, e mais frequentemente observados, com os fármacos mais antigos (AZT,
D4T, DDI) e são menos marcados, ou inexistentes, com os actualmente preferidos (ABC,
3TC/FTC, TDF), pelo que já não estão listados nos RCM destes últimos. Contudo é importante
continuar a monitorizar, e tentar prevenir, o aparecimento da esteatose hepática, uma
condição relativamente frequente na actualidade, embora com etiologias multifactoriais, onde
os ARV recomendados não parecem ter um papel relevante, até porque esta patologia é
observada, também frequentemente, nos indivíduos não infectados por VIH. Os outros efeitos
secundários, para além da eventual intolerância gastrintestinal (náuseas e vómitos), mais
frequente, uma vez mais, nos fármacos mais antigos (DDI, DDC e, em menor grau, AZT e D4T)
são mediados, fundamentalmente, pela toxicidade mitocondrial, que varia consoante a
afinidade diferencial dos fármacos para a polimerase mitocondrial dos diversos tecidos,
determinando perfis de efeitos adversos diferentes. Assim, o AZT pode causar anemia
macrocítica, neutropenia e miopatia; o D4T, DDI e DDC podem causar pancreatite e neuropatia
periférica, o TDF pode causar lesão renal e óssea. Foi ainda descrito um quadro tipo Guillan-
Barré (fraqueza neuromuscular ascendente rapidamente progressiva) associado à utilização de
D4T. O ABC para além do risco cardiovascular já atrás mencionado, é bem tolerado, assim

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Doenças Infeciosas 2017

como o 3TC e FTC, que não causam, em geral, qualquer efeito adverso, excepto eventual
hiperpigmentação ou descoloração cutânea com o FTC. Um outro efeito secundário, também
já atrás mencionado, é a lipoatrofia, particularmente associada ao D4T mas também ao AZT.
Parece, também, haver algum impacto metabólico do uso destes fármacos, particularmente
DDI, D4T e AZT, com risco aumentado de resistência à insulina e dislipidemia, com aumento do
colesterol, LDL e triglicerídeos (D4T>AZT>ABC). O DDI, fármaco já muito pouco utilizado, foi
também associado a risco aumentado de enfarte do miocárdio e à ocorrência de hiperplasia
nodular regenerativa hepática, já atrás mencionada.

5.2 Inibidores da transcriptase inversa não análogos dos nucleosídeos (ITINAN)

Os ITINAN (ver também Quadro IV) têm como efeito secundário comum o risco de toxidermia
(maior para a NVP - 7% - do que EFV - 2%, ou RPV) e a toxicidade hepática, maior para a NVP
do que EFV ou RPV. Para além disso, o EFV ocasiona frequentemente, nas primeiras 2 a 4
semanas de terapêutica, efeitos secundários do SNC (sonhos anormais, pesadelos, sonolência,
insónia, vertigens, dificuldade de concentração, depressão, psicose, ideação suicida) que, regra
geral, desaparecem com a continuação do tratamento. Ultrapassada esta fase inicial, o EFV é
bem tolerado, podendo, alguns doentes, manter alguma irritabilidade, tendência depressiva e,
segundo alguns estudos retrospectivos, de metodologia questionável, aumento do risco
suicidário. O EFV ocasiona ainda alterações lipídicas (aumento do colesterol total, das LDL e da
HDL), sendo a NVP neutra neste particular.

Convém ainda alertar para o facto da absorção da RPV ser altamente influenciada pelas
refeições e seu tipo: deve ser tomada com uma refeição com pelo menos 400 Kcal, caso
contrário a sua absorção diminui 50%, sendo, também, problemática a utilização concomitante
de antiácidos (inibidores da bomba de protões – proibidos; antiácidos com alumínio, magnésio
ou carbonato de cálcio – devem ser tomados 2 horas antes ou 4 horas depois da RPV;
antagonistas H2 – devem ser tomados 12 horas antes ou 4 horas após RPV).

5.3 Inibidores da protease (IP)

Historicamente, os primeiros IP (ver Quadro V), foram associados a efeitos secundários


gastrointestinais marcados (náuseas e diarreia), alterações do metabolismo lipídico (aumento
dos triglicéridos e colesterol total, LDL e HDL) e glucídico – resistência à insulina e diabetes (IDV

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Doenças Infeciosas 2017

e LPV). Podem interferir, pelas suas interacções, com muita outra medicação, como iremos
verificar mais adiante.

Para além destes efeitos secundários, são de referir a possibilidade de aumento da bilirrubina
conjugada com ATV E IDV e a possível ocorrência de toxidermia, particularmente, com ATV,
DRV e FPV (todos eles têm na sua constituição um anel sulfamídico), tendo-se já descrito, com
estes fármacos, casos de S. Stevens Johnson. De referir a ocorrência de nefrolitíase com IDV e
ATV. Foram também descritos, em doentes com hemofilia, aumento de hemorragias
espontâneas e hematúria. Com o TPV foram ainda referidos casos de hemorragias
intracranianas. Foram reportados, com todos os IP, casos de hepatite tóxica e descompensação
hepática. Por último, alguns IP (SQV/r, ATV/r, LPV/r) provocam aumento do intervalo PR e, em
estudos de coorte, verificou-se a associação do seu uso com a ocorrência de enfarte do
miocárdio e AVC (excepto com – ATV).

5.4 Inibidores da integrase (IINT)

Relativamente aos inibidores da integrase (ver Quadro VI) são muito bem tolerados e com bom
perfil de segurança a curto e longo prazo. Os dados mais consistentes, e com mais tempo de
experiência, dizem respeito ao raltegravir, sendo particularmente relevantes os do ensaio
clínico ACTG 5257, onde se observaram, globalmente, melhores resultados com RAL em
comparação com ATV e DRV, condicionados, sobretudo, pelo muito bom perfil de efeitos
secundários e, portanto, menor número de descontinuações. Apesar deste bom perfil, pode
estar associado a aumento da CPK, fraqueza muscular e rabdomiólise e, foram já descritos,
casos de toxicidade hepática e reacções de hipersensibilidade. O elvitegravir (EVG), está
disponível apenas em coformulação com cobicistato/emtricitabina/tenofovir, aprovado para
doentes com clearance de creatinina superior a 70 ml/min e sem mutações de resistência aos
componentes da coformulação.

O dolutegravir (DTG), perfila-se como o fármaco ideal desta classe terapêutica, pela elevada
barreira genética (semelhante aos IP) comodidade posológica e perfil de resistências. Este
fármaco provoca alterações da secreção tubular de creatinina, aumentando a creatininémia e
desta maneira diminuindo, artificialmente, a depuração de creatinina. Este efeito observa-se
também com outros fármacos, nomeadamente EVG, COBI, RTV e vários outros, o que poderá

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Doenças Infeciosas 2017

complicar a monitorização da depuração renal nestes doentes. Têm sido reportados com este
fármaco mais efeitos secundários do sistema nervosos central (cefaleias e tendência depressiva
com eventual aumento do risco suicidário).

5.5 Inibidores da entrada

O maraviroc (ver Quadro VII) não foi aprovado para doentes sem experiência terapêutica
prévia e, antes da sua utilização, é necessário efectuar um teste para determinação do
tropismo de VIH, tendo apenas utilidade nos vírus que utilizam, exclusivamente, os co-
receptores CCR5. É um fármaco bem tolerado, estando descritos alguns casos raros de
hepatotoxicidade, com ou sem reacção de hipersensibilidade acompanhante. Vale a pena
realçar que este fármaco não actua directamente no vírus, mas antes no receptor celular que o
vírus utiliza para a sua entrada. O bloqueio deste receptor causou receios de efeitos
secundários importantes, nomeadamente hepáticos, que se verificaram com outro fármaco em
desenvolvimento – aplaviroc – entretanto interrompido, mas que não se verificaram com o
maraviroc.

O T20 é um fármaco de recurso, utilizado por via parentérica (sc) que inibe a formação do
complexo de fusão do vírus com a membrana celular, impedindo, desta forma, a entrada do
vírus na célula. Para além dos efeitos secundários locais, associados à administração sc, o T20 é
bem tolerado, tendo-se observado um aumento do número de infecções pulmonares com a
utilização deste fármaco (ver Quadro VII).

No Quadro VIII apresentam-se alguns exemplos de fármacos com toxicidades sobrepostas,


chamando-se a atenção para a necessidade de monitorização atenta quando se associam estes
produtos.

6. Interacções medicamentosas

É um aspecto extremamente importante da TARV uma vez que pode ter consequências muito
significativas, ocasionalmente com desfecho fatal.

O mecanismo mais frequentemente implicado é através da interferência com a actividade do


citocrómio P450. Os fármacos podem ser indutores, inibidores ou substratos deste sistema
enzimático, que é o mais importante meio de metabolização dos fármacos. O efeito mais

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Doenças Infeciosas 2017

frequente é a inibição deste sistema enzimático (o ritonavir é o mais potente inibidor) o que
conduz ao aumento das concentrações dos fármacos que são substrato deste complexo
enzimático, com maior potencial de efeitos adversos ou mesmo concentrações tóxicas. Estas
interacções são particularmente relevantes com os fármacos que têm janelas terapêuticas
estreitas e/ou semividas longas.

Já mencionámos atrás que o RTV é o mais potente inibidor do Cit P450 e é por esse motivo que
este fármaco, em doses baixas, é utilizado na potenciação de outros IP, melhorando a sua
farmacocinética, permitindo a utilização de doses mais baixas e menor número de tomas. A
maioria dos IP são portanto substratos do Cit P450, mas têm, também, algum potencial
intrínseco de inibição deste sistema enzimático.

Os ITINAN podem funcionar como indutores ou inibidores do cit P450, dependendo das
isoenzimas utilizadas, tornando as interacções um pouco mais complexas e imprevisíveis.

A maioria dos fármacos utilizados no tratamento das infecções oportunistas são substratos do
cit P450 e, desta maneira, são esperadas interacções significativas. Como não é possível ter
presente todas as interacções, recomenda-se a consulta sistemática do RCM do produto, as
tabelas de interacções medicamentosas (como as disponíveis nas recomendações dos CDC com
o seguinte endereço: aidsinfo.nih.gov) ou consultar o site disponível em
www.hivdruginteractions.org.

No Quadro IX apresentamos uma listagem de fármacos que não devem ser associados com
alguns ARV. Apenas deixar relevado que os fármacos que mais frequentemente ocasionam
interacções (sofrendo elevações das suas concentrações séricas para níveis que desaconselham
o seu uso, ou justifica alterações das dosagens) são antiarrítmicos (amiodarona, dronedarona,
flecainamida, propafenona), psicotrópicos (triazolam e midazolam, trazodona), rifamicinas
(rifampicina e rifapentina), neurolépticos (pimozida), antiepilépticos (carbamazepina,
hidantina, valproato de sódio), anti-histamínicos (terfenadrina e astemizol), antifúngicos
(cetoconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazole), ergotamínicos, corticoides, inibidores da
fosfodiesterase (avanafil, sildenafil, tadalafil, vardenafil), estatinas (lovastatina, sinvastatina),
antiácidos, antagonistas H2, inibidores da bomba de protões, anticoagulantes.

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Doenças Infeciosas 2017

Não esquecer, ainda, que as drogas ilícitas têm também interacções, podendo a utilização
concomitante destes fármacos ocasionar “overdose” ou ressaca precoce.

Uma palavra final para os medicamentos e chás ditos “naturais” um tanto em voga, que podem
também ocasionar interacções, como por exemplo o hipericão.

7. TARV em situações especiais

7.1 Mulher grávida e prevenção da transmissão vertical

A TARV na mulher grávida, ou mulher em idade fértil e com potencial de engravidar, coloca
alguns problemas particulares, que abordarei sucintamente, e que podem sumariar-se da
seguinte forma:

- Possível majoração dos efeitos secundários na gravidez;

- Possíveis efeitos secundários no feto;

- Alterações da farmacocinética dos ARV durante a gravidez;

- Necessidade de prevenir a transmissão vertical da infecção por VIH.

As recomendações actuais, relativamente à TARV, determinam que a terapêutica na mulher


deverá ser efectuada seguindo as mesmas indicações e utilizando os mesmos esquemas
terapêuticos aprovados para a generalidade da população, independentemente do potencial
de procriação. No entanto, deverão evitar-se os fármacos com potencial de efeitos adversos
para a mulher, feto e criança. Neste aspecto, uma das questões dominantes centra-se na
utilização (ou não) do EFV, um dos fármacos mais largamente utilizados, devido à verificação
de efeito teratogénico em experimentação animal. No entanto, os estudos de
farmacovigilância, nomeadamente no “Antiretroviral Pregnancy Registry”, não indiciam um
risco maior de teratogenicidade relativamente aos outros fármacos. O esquema preferido da
OMS, para todas as idades (excepto crianças com menos de 3 anos de idade) e também para as
mulheres, incluindo as grávidas, é a associação de EFV + (FTC ou 3TC) + TDF, o que de algum
modo, traduz a confiança desta instituição neste fármaco, relativamente à segurança na
gravidez. Contudo, muitas recomendações dos países desenvolvidos continuam a aconselhar,
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Doenças Infeciosas 2017

nas mulheres grávidas ou com potencial de engravidar, evitar a utilização do EFV, devido ao
risco de defeitos do tubo neural, sobretudo nas primeiras semanas de gestação. Uma
metanálise recente, efectuada em crianças expostas a EFV in útero, não revelou risco acrescido
de anomalias do desenvolvimento neurológico, contudo, o número de crianças expostas é
ainda insuficiente para excluir com segurança aquele risco.

Relativamente aos fármacos ITIAN, a associação com maior experiência de utilização é a


lamivudina com AZT, que se revelou segura na gravidez. Contudo, esta combinação, como já
vimos atrás, não faz parte dos esquemas actualmente preferidos para a população geral. Na
gravidez, embora esta associação continue a fazer parte dos esquemas recomendados, o facto
de ocasionar efeitos secundários mais frequentes, nomeadamente, anemia e, também, pela
necessidade de duas tomas diárias, tem levado ao uso, cada vez mais alargado, das outras
coformulações recomendadas na população geral – ABC/3TC (com o cuidado de testar
previamente o HLA-B*5701) ou o TDF/FTC (com vigilância da função renal) - que se têm
revelado melhor toleradas.

Relativamente ao terceiro fármaco, já vimos as reservas relativamente ao EFV. Quanto à NVP,


esta pode ser continuada se a mulher já estiver com um esquema que inclua este fármaco, mas
não deve ser iniciada na gravidez. Relativamente aos IP, o fármaco recomendado desta classe
foi, durante muito tempo, o NFV, já não disponível, pelo que foi substituído pelo LPV/r. No
entanto, também este fármaco já não é o preferido em muitas recomendações para a
população geral. Além disso, é também administrado duas vezes ao dia e pode agravar a
emese gravídica. Assim, o ATV/r, sendo também um fármaco recomendado na gravidez é, cada
vez mais, a escolha neste contexto. Tem, como inconveniente, o risco de hiperbilirrubinemia,
com agravamento potencial da icterícia neonatal, sem consequências patológicas aparentes. O
DRV/r e o SQV/r surgem como IP alternativos, o primeiro ainda com experiência de utilização
limitada, o segundo associado ao prolongamento do espaço PR e QT, pelo que se recomenda
realização de ECG previamente à sua prescrição.

Relativamente aos IINT, embora pareçam bons fármacos para utilizar na gravidez, a experiência
é limitada e, por isso, as recomendações apenas contemplam a utilização do RAL, que neste
aspecto, pela experiência acumulada, é o fármaco preferido desta classe. Recomenda-se
também a utilização de fármacos desta classe quando o diagnóstico de infecção por VIH é
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Doenças Infeciosas 2017

tardio na gravidez e/ou quando a viremia é muito elevada, tendo em conta a sua rapidez de
acção que permitirá, mais facilmente atingir, a viremia indetectavel na altura do parto.

A rilpivirina, um fármaco recentemente introduzido, não apresenta interacções relevantes e


parece ser um fármaco desprovido de teratogenicidade. No entanto, apenas deve ser utilizado
com viremia < 100 000 cp/ml e não deve ser associado com inibidores da bomba de protões,
não havendo experiência de utilização na gravidez.

Em súmula relativamente à mulher grávida ou com potencial de engravidar

- A mulher grávida deverá efectuar testes anti-VIH no primeiro e terceiros trimestres.

- Na mulher grávida que planeia engravidar, ou que tem relações sem contracepção eficaz,
deve ser evitada a utilização do EFV;

- Se a mulher já está sob TARV, quando se conhece a gravidez, pode e deve manter-se a TARV
(com eventual adaptação/ optimização do esquema); se o diagnóstico da gravidez ocorre com
>8 semanas de gestação, não há vantagem em alterar o esquema de TARV (o período de maior
risco de teratogenicidade já ocorreu);

- Se a mulher não está sob TARV e não houver urgência em iniciar, preconiza-se o inicioda
TARV no começo do 2º trimestre de gravidez; neste contexto deve utilizar-se um esquema
preferido na gravidez, segundo as recomendações portuguesas: (AZT/3TC ou ABC/3TC ou
TDF/FTC) + (ATV/r ou LPV/r);

- Se a mulher se apresenta tardiamente, já com a gravidez avançada e viremia elevada, poderá


adicionar-se, ao esquema anterior, o raltegravir para conseguir, mais rapidamente, a supressão
da viremia;

- Nas mulheres sem seguimento durante a gravidez (diagnóstico efectuado na altura do parto)
deve-se efectuar a profilaxia da transmissão vertical, com AZT ev durante o trabalho de parto,
associado a uma dose de nevirapina (não consensual em todas as recomendações), seguida de
profilaxia no recém-nascido.

7.1.1 Tipo de parto

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- Se a mulher tem viremia indetectável (<400cp/ml) e não há infecções vaginais ou


outras razões obstétricas, o parto deverá ser vaginal;

- Se a viremia materna for <1000 cp/ml algumas recomendações apontam para a


mesma metodologia acima exposta;

- Se a viremia não está suprimida recomenda-se cesariana;

7.1.2 Profilaxia intraparto

- Na mulher com viremia persistentemente indetectável durante a gravidez e peri-parto


não se recomenda a administração de AZT intraparto;

- Nas mulheres com viremia detectável (>1000cp/ml) recomenda-se administração de


AZT ev durante o trabalho de parto.

7.1.3 Profilaxia no recém-nascido:

- Se a viremia da mãe durante a gravidez e parto foi sempre indetectável (<50 cp/ml)
recomenda-se profilaxia com AZT durante 4- 6 semanas;

- Nas outras situações, preconiza-se profilaxia no recém-nascido com esquema de


AZT+3TC+LPV/r durante 4 a 6 semanas (protocolo inicial – ACTG 076 - era de 6 semanas, mas
vários estudos apontam para igual eficácia de 4 semanas).

7.2 Profilaxia pós-exposição ocupacional (PPE)

As normas de prevenção (precauções padrão – considerar que todos os doentes,


independentemente da patologia de base, são potencialmente portadores de doenças
transmissíveis pelo sangue e fluidos biológicos, e adoptar, em todos os contactos, as medidas
preventivas adequadas) deverão ser escrupulosamente seguidas e os dispositivos seguros
(anti-acidente) devem estar amplamente disponíveis em todos os locais de prestação de
cuidados de saúde. No entanto, os acidentes envolvendo riscos biológicos continuam a ocorrer.
Nesta circunstância, é fundamental que os profissionais de saúde, em qualquer local e a
qualquer hora, saibam onde se dirigir para ser avaliados e implementada a PPE, se indicada.

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Doenças Infeciosas 2017

A manobra que mais frequentemente é causa de acidente é o reenbainhamento das agulhas,


procedimento que deverá ser completamente banido dos cuidados de saúde. As agulhas em
uso nos locais de prestação de cuidados de saúde devem ser anti-acidente, mas se porventura
não estiverem disponíveis e for absolutamente necessário efectuar o reembainhamento, este
procedimento deverá ser efectuado apenas com uma mão contra uma superfície dura,
minimizando, desta maneira o risco de acidente. É preciso ter a noção que o risco de
transmissão da infecção por VIH, através da picada acidental com agulha utilizada em doente
infectado por VIH, é muito baixa – cerca de 0,3% (ou seja 1 em cada 333 picadas ou 3 em cada
1 000). Este risco diz respeito a uma agulha (oca), recentemente utilizada em veia ou artéria de
doente infectado por VIH. Noutros acidentes, com objectos não ocos (lancetas, bisturis,
agulhas de sutura) ou com agulhas não utilizadas em veias ou artéria do doente (ex. agulhas de
insulina), o risco é muitíssimo menor. Na exposição de mucosas o risco é ainda menor – 0,09%
(ou seja 9 em cada 10.000 ou 1 a cada 1.111). Não foi possível quantificar o risco pela
exposição de pele não intacta a fluidos infectantes.

São considerados fluidos infectantes: sangue, fluidos visivelmente contaminados com sangue,
líquidos pleural, pericárdio, peritoneal, cefalorraquideo, sémen, secreções vaginais e líquido
amniótico; embora o leite contenha VIH não foi nunca associado a transmissão no contexto
ocupacional.

Fluidos não infectantes: fezes e urina (não visivelmente contaminadas com sangue), suor,
lágrimas e saliva.

Situações em que não se recomenda a PPE: agulhas encontradas fora do contexto dos serviços
de saúde; agulhas não visivelmente contaminadas com sangue;

Situações a decidir caso a caso: fonte desconhecida (ex: picada em agulha de contentor ou
misturada em roupa na lavandaria).

Situações em que se recomenda a PPE: acidente por picada profunda, com agulha oca,
utilizada muito recentemente em doente infectado por VIH. Na Fig. 1 apresenta-se um
fluxograma de avaliação duma exposição ocupacional envolvendo risco biológico.

Nas circunstâncias em que a PPE está indicada o esquema recomendado é:

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Doenças Infeciosas 2017

Emtricitabina (200 mg id) + tenofovir (300 mg id) + raltegravir (200 mg 2 id) ou

Emtricitabina (200 mg id) + tenofovir (300 mg id) + elvitegravir/cobicistato (150/150 mg id).

Emtricitabina (200 mg id) + tenofovir (300 mg id) + dolutegravir (50 mg id).

A PPE deverá ser iniciada tão precocemente quanto possível, logo após uma primeira avaliação
sumária, de preferência antes das 2h após acidente. Após toma da primeira dose de PPE pode
concluir-se, com mais tranquilidade, a avaliação e decidir da continuação ou não da PPE. Não é
consensual qual o período até onde a PPE é eficaz. Algumas recomendações afirmam que já
não vale a pena iniciar PPE após as 36 horas, outras 48 e outras ainda 72 horas. As
recomendações do DHHS de 2014 deixam mesmo a possibilidade de iniciar PPE ultrapassado
aquele período. As recomendações portuguesas e as da OMS fixam este período nas 72 horas.
Quando o profissional procura aconselhamento após este período e, também, quando não
aceita efectuar terapêutica, o trabalhador deverá ser informado dos sintomas da síndroma
vírica aguda e aconselhado a recorrer imediatamente aos cuidados de saúde se aquela
sintomatologia surgir, devendo, nesta altura, ser feito o diagnóstico e iniciada a TARV
precocemente.

Já assinalámos acima a premência de uma decisão célere quanto ao início da PPE,


providenciando, sem demora, a primeira toma de ARV. Concluída a avaliação deverá ser
fornecida medicação para 2-3 dias, período findo o qual o profissional da saúde deverá ser
reobservado. Nesta consulta procede-se à reavaliação, agora eventualmente com mais dados
e, talvez também, com uma maior objectividade do profissional, da necessidade de
continuação da PPE. Quando se justifica manter a PPE, esta deverá continuar até perfazer
quatro semanas, sendo aconselhada uma consulta intermédia para averiguar a ocorrência de
possíveis efeitos secundários e reforçar a adesão. Poderá, também, ser necessário proceder a
alteração do esquema, devido a VIH com mutações de resistência na fonte ou por eventuais
efeitos secundários no profissional (ver esquemas alternativos no Quadro VIII). Neste, deverá
ser colhida uma amostra de sangue basal, para documentar a ausência de infecção prévia e
obter um padrão de base para comparar com possíveis alterações que surjam posteriormente.
Esta colheita poderá ser feita na avaliação inicial ou no prazo de 2-3 dias.

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Doenças Infeciosas 2017

Para além destas considerações, de ordem estritamente médica, é importante ter presente a
vertente administrativa/legal e a necessidade de notificação e comunicação do acidente para
as entidades adequadas (superior hierárquico, recursos humanos, seguros, serviço de saúde
ocupacional, DGS).

Quadro X. Esquemas alternativos de PPE (combinar um fármaco da coluna 1 com uma


associação da coluna 2)

RAL
DRV/r TDF+FTC*
ETV TDF +3TC
RPV* AZT+3TC*
ATV/r AZT+FTC
LPV/r

* Disponível em coformulação

7.3. Profilaxia pós exposição não ocupacional

As exposições a VIH que ocorrem fora do contexto dos serviços de saúde (sexuais e utilização
de drogas por via EV) podem, em circunstâncias particulares, merecer também medidas de
profilaxia pós-exposição. No entanto, estas regras de utilização são menos conhecidas, menos
procuradas e por isso estão provavelmente subutilizadas.

Sistematizamos na Quadro XI os dados relativos ao risco de aquisição da infecção por VIH,


através de exposições diversas (práticas sexuais não protegidas, partilha de seringas).

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Quadro XI. Risco de aquisição da infecção VIH por práticas sexuais com exposição a pessoa
infectada por VIH e por partilha de seringas

Tipo de exposição Risco (%) Infecção/


Nº de exposições
Sexo anal receptivo 0,5% 1/200
Sexo vaginal receptivo 0,1% 1/1000
Sexo anal insertivo 0,065 1/1538
Sexo vaginal insertivo 0,05 1/2000
Sexo oral (insertivo e receptivo) Baixo
Partilha de seringa 0,67 1/149
Agulha percutânea (ocupacional) 0,3 1/333

Vemos assim que a maioria das práticas sexuais, com excepção do sexo anal receptivo – 0,5%,
acarretam um risco substancialmente inferior ao das exposições percutâneas ocupacionais –
0,3%. De salientar que, de acordo com os dados recentes do estudo HPTN 052 e outros, o risco
de transmissão da infecção por VIH, de indivíduos infectados e sob TARV com viremia
indetectável, é muito pequeno, tendencialmente nulo. Desta maneira, nos casais
serodiscordantes para VIH, recomenda-se, para além das medidas de sexo seguro, o início da
TARV para diminuir o risco de transmissão. Nestes casais serodiscordantes, em que o parceiro
infectado está sob TARV com viremia indetectável, as recomendações actuais vão no sentido
de não preconizar qualquer PPE se ocorrer ruptura de preservativo ou outro acidente sexual.

As situações em que se recomenda actualmente a PPE são as exposições classificadas como de


risco elevado: sexo vaginal ou anal (insertivo ou receptivo) com parceiro infectado (sem TARV)
ou com status VIH desconhecido; partilha de seringas; feridas com exposição a sangue ou
outros fluidos potencialmente infectantes duma pessoa infectada por VIH ou com status VIH
desconhecido (feridas com agulha oca, mordedura humana).

Exposições de risco baixo devem ser avaliadas caso a caso (tendo em conta factores que
aumentam o risco): contacto orovaginal (insertivo e receptivo); contacto oroanal (insertivo e
receptivo); contacto oropeniano (insertivo ou receptivo, com ou sem ejaculação); algumas

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Doenças Infeciosas 2017

recomendações consideram esta prática (sexo oral receptivo com ejaculação) como merecendo
PPE.

Exposição para as quais não está recomendada profilaxia: beijo, contacto oro-oral sem lesão da
mucosa; mordeduras humanas sem sangue visível; exposição a agulhas sólidas ou objectos
afiados sem contacto recente com sangue.

É importante assegurar que a PPE não se transforme num substituto das práticas de prevenção
da infecção por VIH. Também, em regra, não há lugar à PPE quando as práticas de risco são
reiteradas (por exemplo, se houve práticas de risco, com parceiro potencialmente infectado
nas últimas 4 semanas).

Quando há indicação para PPE, o esquema recomendado é TDF/FTC + RAL ou DTG, a iniciar o
mais precocemente possível e manter durante 4 semanas. O indivíduo exposto deve ser
reavaliado aos 2-3 dias, 15, 30 e 60 dias. É importante avaliar o risco de outras doenças de
transmissão sexual (Chlamydia, gonorreia, sífilis, hepatites B e C) e também o risco eventual de
uma gravidez não desejada. Caso se justifique deverão ser implementadas medidas preventivas
relativamente a estas situações.

7.4. Profilaxia pré-exposição

As medidas preventivas reconhecidamente eficazes (sexo seguro, drogas seguras, circuncisão,


prevenção da transmissão vertical) não têm sido suficientes para controlar a epidemia,
continuando a registar-se um número muito elevado de novas casos de infecção,
particularmente nos países de fracos recursos. Por isso, têm sido investigadas outras
estratégias preventivas, nomeadamente, vacinas, microbicidas vaginais e, mais recentemente,
a TasP e PrEP. As vacinas têm-se revelado, até ao momento, decepcionantes, com os melhores
resultados não ultrapassando os 30% de protecção. Com os microbicidas locais tem-se obtido
um sucesso muito variável, desde aumento do risco de transmissão de infecção (por
inflamação e facilitação da penetração de VIH pela mucosa) até taxas de protecção de 60%
(muito dependente duma correcta adesão).

Por isso tem sido acolhida com entusiasmo a chamada TasP – treatment as prevention – que
consiste no tratamento dos infectados por VIH para diminuir o risco de transmissão. Vários

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Doenças Infeciosas 2017

estudos apontam no sentido de que o risco de transmissão é directamente proporcional à


carga vírica do indivíduo infectado. Desta maneira, reduzindo a viremia reduz-se o risco de
transmissão, que é virtualmente nulo no doente com viremia consistentemente indetectável. O
estudo mais revelador, neste aspecto, é o HPTN 052, onde se registou uma redução na taxa de
transmissão da infecção por VIH em 96%, nos casais serodiscordantes em que o parceiro
infectado esta sob TARV.

Embora esta estratégia seja aliciante e eficaz do ponto de vista teórico, na prática apresenta
várias barreiras à sua efectividade, nomeadamente:

1- Dificuldade em identificar todos os doentes infectados por VIH (ter presente que em
Portugal cerca de 50% dos doentes chegam ao diagnóstico da infecção por VIH em fase
tardia, a necessitar de terapêutica);
2- É preciso que todos os infectados identificados aceitem iniciar TARV (com vista à
diminuição do risco de transmissão) e que todos atinjam, de forma consistente e
duradoira, viremia indetectável;
Para além destes obstáculos, acresce a escassez de recursos humanos e materiais para se levar
a cabo esta tarefa. Contudo, as recomendações actuais de TARV, ao preconizarem terapêutica
para todos, fazem coincidir a indicação da terapêutica para proveito individual da indicação
para benefício da saúde pública, sendo vantajoso do ponto de vista individual mesmo em fases
precoces da doença conforme demonstrado pelos estudos START e Temprano.

Uma outra abordagem possível, esta mais controversa, é a PrEP – profilaxia pré-exposição – ou
seja a utilização da TARV, em indivíduos não infectados, mas com elevado risco de aquisição da
infecção, para diminuir este risco. Vários estudos demonstraram a validade deste conceito em
contextos epidemiológicos distintos, embora, também, outros tenham mostrado resultados
nulos. A diferença reside, fundamentalmente, na adesão à terapêutica. Como fragilidades
desta estratégia são apontadas as seguintes:

1. A relação custo-efectividade depende muito do risco de determinada população, sendo


tanto maior quanto maior ele for. Contudo, mesmo nestas populações, sendo os
recursos escassos e finitos, é fundamental que a primazia recaia sobre o tratamento dos
infectados por VIH;

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Doenças Infeciosas 2017

2. Potencial desinibição do comportamento, ou seja, os não infectados expostos sujeitos a


PrEP poderá sobrestimar a sua eficácia, descurando as outras medidas
reconhecidamente eficazes; de salientar que este receio não tem sido observado nos
estudos efectuados;
3. É preciso uma logística complexa, para além da disponibilidade de recursos:
identificação da população em risco; testes de rastreio antes de iniciar PreP; testes de
rastreio e vigilância frequentes durante a PreP, para evitar a utilização de terapêutica
subóptima em caso de infecção, e também para detecção de toxicidades e outras
infecções de transmissão sexual;
4. Poderão existir dificuldades na promoção da adesão. Não são conhecidas as estratégias
de promoção da adesão que poderão funcionar nestas populações de não infectados.
5. Outro risco, eventualmente promovido pelas empresas produtoras de ARV, é a
medicalização da prevenção, substituindo práticas e comportamentos seguros, por um
comprimido que se toma todos os dias
Apesar disso, os CDC publicaram recomendações de PrEP para diversos grupos de risco.
Também em Portugal se perspectiva o inicio da utilização desta ferramenta de prevenção,
tendo sido publicado recentemente (Jun de 2017), um despacho onde se considera urgente o
inico da utilização da PrEP, aguardando-se a publicação de normas para a utilização desta
estratégia de prevenção. Esta abordagem poderá tornar-se mais interessante se novos
fármacos, com semividas mais longas (semanas ou meses), estiverem disponíveis a preços
comportáveis. Também a perda de patente, a curto prazo, do fármaco preconizado para esta
indicação (tenofovir/emtricitabina) poderá facilitar a implementação mais alargada desta
estratégia.

Como ponto comum a estas normas podemos apontar:

1. A PreP deve ser utilizada apenas em indivíduos com risco elevado de aquisição da
infecção por VIH;

2. É obrigatório verificar ausência de infecção por VIH antes de iniciar PreP, através da
realização de testes de rastreio e verificando se existem sintomas de infecção aguda;

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 215


Doenças Infeciosas 2017

3. É necessário informar claramente da necessidade de adesão e a relação directa que existe


entre esta e a eficácia da PreP;

4. A PreP deve fazer parte de um conjunto de medidas preventivas;

5. É necessária vigilância e tratamento das infecções sexualmente transmitidas, diagnóstico


de gravidez, rastreio da infecção por VIH e vigilância dos efeitos secundários pelo menos a
cada 3 meses e antes de fornecer nova medicação.

Bibliografia

1. BHIVA guidelines for the routine investigation and monitoring of adult HIV-1 positive
individuals (2016). Disponível em http://www.bhiva.org/monitoring-guidelines.aspx, acedido
em 30 de Jun de 2017.

2. Panel on Antiretroviral Guidelines for Adults and Adolescents. Guidelines for the use of
antiretroviral agents in HIV-1-infected adults and adolescents. Department of Health and
Human Services. Disponível em aidsinfo.nih.gov. Acedido em 1 Junho de 2017.

3. European AIDS Clinical Society Guidelines, version 8.0, October 2016. Disponível em
eacsociety.org, acedido em 1 de abril de 2017.

4. Kuhar DT, Henderson DK, Struble KA et al. Updated US Public Health Service Guidelines for
the management of occupational exposures to HIV and recommendations for postexposure
prophylaxis. Infect Control Hosp Epidemiol 2013, 32(9): 875-92.

5. Updated guidelines for antiretroviral postexpsoure prophylaxis after sexual, injection drug
use, or other nonoccupational exposure to HIV – United Sates, 2016. Disponível em
https://www.cdc.gov/hiv/pdf/programresources/cdc-hiv-npep-guidelines.pdf, acedido em 30
Jun 2017.

6. Recommendations for the use of antiretroviral drugs in pregnant HIV-1-infected women for
maternal health and interventions to reduce perinatal HIV transmission in the United States.

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Doenças Infeciosas 2017

and adolescents. Department of Health and Human Services. Disponível em


http://aidsinfo.nih.gov/guidelines. Oct 2016. Acedido em 30 Jun2 017.

7. Recomendações Portuguesas para o tratamento da infecção por VIH-1 e VIH-2 2016 versão
1.0 (8 Fev 2016). Disponível em www.pnvihsida.dgs.pt. Acedido 30 Jun 2017.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 217


Doenças Infeciosas 2017

Quadro I - Marcos seleccionados na história da infecção por VIH

1981 Publicação dos primeiros casos de Pneumocistose em MSM no MMWR


1982 CDC define AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome) (em substituição de GRID – Gay
related immunodeficiency)
1983 Isolado LAV (lymphadenopathy associated virus) de doentes com LGP, por Luc Montagnier no
instituto Pasteur em França); resultados “replicados” por Robert Gallo no National Cancer
Institute – HTLV-III.
1985 Aprovação do 1º teste de detecção da Acs anti-VIH pela FDA
1986 Comité Internacional de taxonomia dos vírus uniformiza o termo VIH
Conhecidos primeiros resultados do ensaio clínico com AZT (azidotimidina)
1987 Azidotimidina (AZT) aprovado pela FDA (1º fármaco anti-retrovírico, inibidor da transcriptase
inversa análogo dos nucleosídeos)
1989 CDC publica recomendações para a profilaxia da pneumocistose
1991 Didanosina (DDI) aprovado pela FDA (1º fármaco aprovado sob o regulamento de aprovação
acelerada da FDA)
1992 Zalcitabina(DDC) aprovadapela FDA
1994 Estavudina (D4T) aprovada pela FDA
CDC recomenda AZT na gravidez para evitar a transmissão vertical (estudo PACTG 076)
1995 Lamivudina e saquinavir (1º inibidor da protease de VIH) aprovados pela FDA
1996 Nevirapina (NVP - 1º inibidor da transcriptase inversa não análogo dos nucleosídeos)
ritonavir, indinavir aprovados pela FDA
11º Congresso Internacional de SIDA (Vancouver) marca o início da era HAART (Higly active anti-
retroviral therapy)
David Ho anuncia ser possível a cura da infecção por VIH em poucos anos
FDA aprova 1º teste de quantificação da viremia plasmática de VIH
1997 Delavirdina (DLV), Nelfinavir (NFV) aprovados pela FDA. Comercializada a primeira co-
formulação de ARV – AZT/3TC (=Combivir®)
1998 Abacavir (ABC) , efavirenze (EFV) aprovados pela FDA
O serviço de Saúde dos EUA (DHHS) publica as primeiras recomendações de tratamento da
infecção VIH
1999 Identificada origem de VIH  SIV do chimpazé Pan troglodytes
2000 O teste de resistência genotípica entrou nos cuidados padrão
Didanosina EC (cápsulas entéricas – mais pequenas e com menos efeitos secundários); Lopinavir
em coformulação com ritonavir; coformulação de ABC/AZT/3TC (=trizivir®)
2001 Tenofovir disoproxil fumarato (TDF) aprovado pela FDA – 1º inibidor da transcriptase inversa
análogo dos nucleotídeos

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Doenças Infeciosas 2017

2002 Aprovado primeiro teste rápido de detecção de acs anti-VIH no sangue


2003 Emtricitabina (FTC), enfuvirtida (T20) (1º inibidor da fusão), Atazanavir (ATV), Fosamprenavir
(FPV) aprovados pela FDA
Publicados resultados (desanimadores) de ensaios de vacinas iniciados vários anos antes
2004 Aprovado primeiro teste rápido de detecção de acs na saliva
Disponibilizadas as co-formulações de ABC/3TC (=Kivexa®) e Tenofovir/emtricitabina
(=Truvada®)
2005 Aprovado Tipranavir (TPV).
CDC publica recomendações de profilaxia pós-exposição sexual
2006 Aprovado Darunavir (DRV); co-formulação EFV/FTC/TDF (=Atripla®) - 1º tratamento compacto
da infecção VIH (1 cp 1 vez por dia)
2007 Aprovado Raltegravir (1º inibidor da transferência da cadeia de integrase) e Maraviroc (1º
inibidor do co-receptor CCR5).
Alerta de problemas no fabrico de nelfinavir
2008 Aprovada Etravirina (inibidor da transcriptase inversa não análogo dos nucleosídeos de 2ª
geração).
Publicado estudo que associa o uso de ABC com enfarte do miocárdio
2010 Doente de Berlim – 1º caso de cura da infecção VIH
2011 Nevirapina XR (extended release); aprovada Rilpivirina.
Disponibilizada 2ª opção de tratamento compacto – FTC/TDF/RPV (=Eviplera®)
2012 Nova opção de tratamento compacto (co-formulação) com novo inibidor da integrase,
elvitegravir (EVG) – EVG/COBI/FTC/TDF (=Stribild®)
2013 Aprovado Dolutegravir (DTG), inibidor da integrase de 2ª geração
Bébé do Mississipi – 1ª cura funcional de infecção VIH
2014 Estudos PARTNER e HPTN 052: comunicados estudos aos 2 anos, ausência de transmissão de
VIH em casais serodiscodantes com parceiro com viremia indetectável.
Dados actualizados em 2016: mantêm mesmas conclusões
Bébé do Mississipi – cura funcional de infecção VIH não confirmada (reaparecimento da
viremia)
2015 Publicados resultados dos estudos START e TEMPRANO que comprovam benefícios do inicio
precoce da TARV

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro IIIa. Inibidores da transcriptase inversa análogos dos nucleosídeos

Nome genérico Abacavir* Didanosina Emtricitabina Lamivudina


(FTC) (3TC)
(Sigla) (ABC) (ddI)
Emtriva® Epivir®
Marca Ziagen® Videx EC®

Formas de Cp 300 mg Caps entéricas: Cap 200 mg Cp 150 mg


apresentação 125,200,250,
Susp oral 20 mg /ml Susp oral 10 Susp oral 10
400
mg/ml mg/ml

Posologias 300 mg 2 id ou >60Kg: 400 mg id 200 mg id 150 mg 2 id

recomendadas 600 mg id <60Kg: 250 mg id 240 mg (susp)

Interacção com Sem efeito Os níveis << 55% Tomar c/ ou s/ Tomar c/ ou


os alimentos refeição s/ refeição
O álcool aumenta os níveis Tomar ½ h antes
de ABC em 41% ou 1 h depois
das refeições

Biodisponibilidad 83% 30%-40% 93% 86%


e oral

Semi-vida sérica 1,5 h 1,5 h 10 h 5-7 h

Semivida 12-26 h >20 h >20 h 18-22 h


intracelular

Eliminação Metabolizado pela álcool Excreção renal – Excreção renal Excreção


desidrogenase e glucoronil 50% Ajustar dose na renal
transferase. Excreção renal - Insuf renal
Ajustar dose na Ajustar dose
82%
Insuf renal na Insuf renal

Toxicidade mais Reacção de Pancreatite, Toxicidade Toxicidade


importante hipersensibilidade (pode ser neuropatia mínima. Hiper- mínima.
fatal); febre, exantema, periférica, pigmentação/
náusea, vómitos, mal-estar, náusea, diarreia. descoloração
fadiga, perda do apetite, da pele
sintomas respiratórios

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(odinofagia, tosse, dispneia)

Quadro IIIb. Inibidores da transcriptase inversa análogos dos nucleosídeos (cont.)

Nome genérico Estavudina Tenofovir** disoproxil Zidovudina


fumarato
(Sigla) (D4T) (AZT, ZDV)
(TDF)
Marca Zerit® Retrovir®
Viread®

Formas de Caps 15, 20, 30, 40 mg Cp 300mg Caps 100 mg e Cp 300 mg


apresentação
Sol oral1mg/mL Sol. EV 10 mg/ml

Sol. oral 10 mg/ml

Posologias >60 kg: 40 mg 2 id 300 mg id 200 mg 3 id ou

recomendadas <60 kg: 30 mg 2 id 300 mg 2 id ou

Interacção com os Tomar c/ ou s/ refeição Tomar c/ ou s/ refeição Tomar c/ ou s/ refeição


alimentos

Biodisponibilidade 86% 25% em jejum; 39% c/ 60%


oral refeição gorda

Semi-vida sérica 1,0 h 17h 1,1 h

Semivida 7,5 h >60 h 7h


intracelular

Eliminação Excreção renal 50% Excreção renal Metabolizado em


glicuronido de AZT
Ajustar dose na Insuf Ajustar dose na Insuf
renal renal Excreção renal de GAZT

Ajustar dose na Insuf renal

Toxicidade mais Neuropatia periférica. Astenia, cefaleias, Anemia macrocitica,


importante diarreia, náusea, vómitos, neutropenia, Intolerância
Lipodistrofia
flatulência, insuficiência GI, cefaleias, insónia,
Pancreatite,
renal astenia.
Hiperlipidemia

Fraqueza
neuromuscular

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Doenças Infeciosas 2017

ascendente rapid/
progressiva

Os doentes que apresentem sinais ou sintomas de hipersensibilidade (febre, exantema, fadiga, náusea,
vómitos, diarreia e dor abdominal) devem suspender abacavir imediatamente. O ABC não deverá ser
reiniciado visto os sintomas reaparecerem com maior gravidade incluindo hipotensão grave e morte. A
acidose láctica c/ esteatose hepática é um efeito raro, mas potencialmente fatal de alguns ITRAN (AZT,
DDI, D4T, DDC).

*Está disponível (nos EUA e Europa, em Portugal ainda em fase de negociação), uma nova apresentação
de tenofovir na formulação alafenamida (TAF) em várias conformulações (ver abaixo). Esta molécula
apresenta uma semivida plasmática curta (0,5 h) mas uma semivida intracelular longa (150 a 180
horas). Apresenta o mesmo perfil de efeitos secundários que o TDF mas com menor risco de
insuficiência renal (pode ser utilizado em doentes com clearande de creatinina > 30 ml/ min) e
osteoporose.

Coformulações:

Combivir® (lamivudina 150mg+ zidovudina 300 mg): 1 cp 2id;

Trizivir®: (abacavir 300mg+lamivudina 150mg+ zidovudina 300mg) 1 cp 2id;

Kivexa® (Abacavir 600mg+ lamivudina 300mg) 1 cp id;

Truvada® (emtricitabina 200mg+ tenofovir disiproxil fumarato 300mg): 1 cp id;

Atripla® (emtricitabina 200mg+ tenofovir disiproxil fumarato 300mg+ efavirenze 600mg ) 1 cp id;

Eviplera® (emtricitabina 200mg+tenofovir disiproxil fumarato 300mg+ rilpivirina 25mg ); 1 cp id

Stribild® (emtricitabina 200mg+ tenofovir disiproxil fumarato 300mg+ elvitegravir 150mg + cobicistato
150 mg) 1 cp id

Descovy® (emtricitabina 200mg+ tenofovir alafenamida 10 mg) 1 cp id

Genvoya® - (emtricitabina 200mg+ tenofovir alafenamida 10 mg+ elvitegravir 150mg + cobicistato 150
mg) 1 cp id

Odefsey® - (emtricitabina 200mg+ tenofovir alafenamida 25mg+ rilpivirina 25 mg) 1 cp id

Triumeq® - (Abacavir 600mg+ lamivudina 300mg + Dolutegravir 50mg) 1 cp id;

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro IVa. Inibidores da transcriptase inversa não análogos dos nucleosídeos

Nome genérico Efavirenz Etravirina


(Sigla) (EFV) (ETR)
Marca Sustiva® Stocrin® Intellence®

Apresentação Caps 50, 200 mg Cp 25,100 e 200 mg


Cp 600 mg

Posologia recomendada 600 mg ao deitar, com estômago 200 mg 2 id


vazio

Interacção com os Tomar com estômago vazio para Tomar a seguir a uma refeição
alimentos diminuir efeitos secundários

Semivida sérica 40-55 h 41 horas

Eliminação Metabolizada pelo Cit P450 (2B6 E Substrato do Cit P450 (3A4, 2C9 e
3A4); indutor/inibidor do 3A4, 2C19); Indutor do 3A4, inibidor do 2C9
predominantemente indutor), E 2C19

Efeitos secundários Exantema*; sintomas do SNC**, Exantema, incluindo S. Stevens-


aumento das transaminases; Johnson; reacções de
hiperlipidemia; falsos positivos nos hipersensibilidade com exantema,
testes dos canabinóides e sintomas constitucionais e por vezes
benzodiazepinas, teratogénico em falência de órgão; náusea
macacos

Interacções Consultar “sites” de interacções Consultar “sites” de interacções


medicamentosas medicamentosas medicamentosas

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro IVb. Inibidores da transcriptase inversa não análogos dos nucleosídeos (cont.)

Nome genérico Nevirapina Rilpivirina


(Sigla) (NVP) (RPV)
Marca Viramune® Edurant®
Apresentação Cp 200 mg; Cp 400mg (formulação Cp 25mg
de lib prolongada) Susp oral 50
mg/mL
Posologia recomendada 200 mg id 14 dias 25 mg id
depois: 200 mg 2 id ou 400 mg id
Interacção com os Sem efeito Tomar com uma refeição
alimentos
Semivida sérica 25-30 h 50 horas
Eliminação Cit P450 - indutor do 3A4 e 2B6; Substrato do Cit P450 (3A4)
80% excretada pela urina como
glicuronoconjugados (<5% sem
alteração);10% nas fezes
Efeitos secundários Exantema* incluído SS Johnson; Exantema, depressão, insónia,
hepatite, inclusive com necrose cefaleias, hepatotoxicidade
hepática fatal***
Interacções Consultar “sites” de interacções Consultar “sites” de interacções
medicamentosas medicamentosas medicamentosas

* Nos ensaios clínicos houve suspensão devido ao exantema em 7% dos doentes a tomar NVP e 1,7%
dos que tomavam EFV. Casos raros de S. Stevens-Johnson foram relatados com todos os ITRNAN, sendo
a incidência maior com NVP.

** Pode incluir tonturas, sonolência, insónia, sonhos anormais, confusão, pensamento anormal,
dificuldade de concentração, amnésia, agitação, despersonalização, alucinações e euforia. Cerca de 50%
dos doentes podem apresentar algum destes sintomas. Os sintomas usualmente melhoram/
desaparecem depois de 2-4 semanas, podendo no entanto haver necessidade de suspensão do fármaco
numa percentagem baixa de doentes.

*** Efeitos adversos hepáticos sintomáticos, graves e até fatais ocorrem com frequência
significativamente superior na 1ª terapêutica em mulheres com mais de 250 linfócitos TCD4/mm3 e
homens com mais de 400 linfócitos TCD4/mm3: não deve ser utilizada nestas situações. Esta toxicidade
não ocorreu na utilização da NVP em dose única na prevenção da transmissão vertical da infecção VIH.

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro Va. Inibidores da protease de VIH


Nome químico Atazanavir Darunavir
(Sigla) (ATZ) (DRV)
Marca Reyataz® Prezista®
Apresentação Caps 100, 150, 200, 300mg Cp 75,150,300,400,600 e
800 mg
Susp 100mg/ml
Posologia 400 mg id ou (posologia não aprovada 800 mg + 100 mg RTV 1 id
pela EMA) (dtes sem mutações de
300 mg +100 mg RTV id resistência)
(com EFV: 400mg+100 mg RTV id) 600 mg + 100 mg RTV 2 id
(dtes com mutações de
resistência)
Efeito dos Tomar com alimentos, evitar antiácidos Tomar com alimentos
alimentos (aumenta AUC-30%)
Semi-vida sérica 7 horas 15 h (c/ RTV)
Metabolismo Citocromo P450 3A4: inibidor e Citocromo P450 3A4:
substrato. inibidor e substrato.
Ajustar dose na insuficiência hepática
Armazenamento Temp. ambiente Temp. ambiente
Toxicidade mais Aumento da bilirrubinémia indirecta Exantema (10%) tem uma
importante Prolongamento intervalo PR- Bloqueio metade sulfamidica (S
AV 1º grau em alguns doentes: utilizar c/ Stevens-Johnson,
cuidado em dtes com alts da condução epidermólise tóxica, eritema
ou c/ medicação que causa aumento do multiforme)
PR. Hepatotoxiciade
Hiperglicemia. Diarreia, náuseas
Redistribuição da gordura corporal Cefaleias
Possível aumento dos episódios Hiperlipidemia
hemorrágicos em doentes com hemofilia Elevação das transaminases
Colelitíase Hiperglicemia
Nefrolitíase Redistribuição da gordura
Exantema (20%) corporal
Elevação das transaminases Possível aumento dos
hiperlipidemia episódios hemorrágicos em
doentes com hemofilia

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Quadro Vb. Inibidores da protease de VIH (cont.)

Nome químico Fosamprenavir Indinavir


(Sigla) (FAPV) (IDV)
Marca Telzir® Crixivan®
Apresentação Cp 700 mg Cáps 100, 200 e 400 mg
Susp 50 mg/ml
Posologia 700 mg +100 mg RTV 2 id 800 mg 3id
1400/200 id 800 mg+100-200 mg RTV 2 id
ou 1400 2 id
Efeito dos alimentos Sem alts com os alimentos Níveis diminuem 77%
Tomar 1 hora antes ou 2 h após
as refeições; pode ser tomado
com leite magro ou refeição
pobre em gorduras
C/ RTV- tomar c/ ou s/
alimentos
Semi-vida sérica 7,7 horas 1,5-2 h
Metabolismo Citocromo P450 3A4: inibidor, Cit. P450 3A4: inibidor (< que
indutor e substrato RTV)
Ajustar dose na insuficiência Ajustar dose na insuficiência
hepática hepática
Armazenamento Temp. ambiente Temp. Ambiente, proteger da
humidade
Toxicidade mais Exantema (12-19%) tem uma Nefrolitíase,
importante metade sulfamidica Intolerância GI, náusea
Diarreia, náusea, vómitos Hepatite
Cefaleias Aumento bilirrubinémia
Hiperlipidemia indirecta
Elevação das transaminases Hiperlipidemia
Hiperglicemia Cefaleias, astenia, visão nublosa,
Redistribuição da gordura vertigens, exantema, sabor
corporal metálico, trombocitopenia,
Possível aumento dos episódios alopécia, Anemia hemolítica
hemorrágicos em doentes com Hiperglicemia
hemofilia Redistribuição da gordura
Nefrolitíase corporal
Possível aumento dos episódios
hemorrágicos em doentes com
hemofilia

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro Vc. Inibidores da protease de VIH (cont.)


Nome químico Lopinavir/ritonavir Nelfinavir
(Sigla) (LPV/r) (NFV)
Marca Kaletra® Viracept®
Apresentação Cp (200 mg LPV + 50mg RTV) ou Cp 250 e 625 mg
(100 mg LPV + 25mg RTV) Pó oral 50 mg/g
Sol 5 ml : 400mg/100mg
Posologia 400/100 mg 2id ou 750 mg 3 id ou 1250 mg 2 id
800/200 mg id
(com EFV ou NVP: LPV/r 500/125 2
id)
Efeito dos Cp- sem alts com os alimentos Níveis aumentam 2-3 vezes
alimentos Sol: tomar com alimentos Tomar com refeição ou lanche
Semi-vida sérica 5-6h 3,5-5 h
Metabolismo Citocromo P450 3A4: inibidor e Substrato do CIP 2C19 e 3A4
substrato Inibidor do 3A4
Armazenamento Cp- estáveis à temp ambiente Temp. ambiente
Sol oral estável a temp 2-8ºC

Toxicidade mais Intolerância GI, náusea vómitos, Diarreia


importante diarreia Hiperlipidemia
Pancreatite Hiperglicemia
Astenia Redistribuição da gordura corporal
Hiperlipidemia (espec triglic) Possível aumento do episódios
Elevação das transaminases hemorrágicos em doentes com
Hiperglicemia hemofilia
Resistência à insulina/diabetes Elevação das transaminases
mellitus
Redistribuição da gordura corporal
Possível aumento do episódios
hemorrágicos em doentes com
hemofilia
Aumento do intervalo PR
Aumento do intervalo QT e torsades
de pointes

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Quadro Vd. Inibidores da protease do VIH (cont.)


Nome genérico Ritonavir Saquinavir Tipranavir
(Sigla) (RTV) (SQV) (TPV)
Marca Norvir® Invirase® Aptivus®
Apresentação Cp 100mg Cáps duras 200 mg Cáps 250 mg
Cáps 100 mg Cp 500 mg Solução oral: 100 mg/mL
Susp. 80 mg/ml
Posologia Como potenciador de outros 1000 mg +100 mg RTV 500 mg + 200 mg RTV 2
IP: 100-400 mg 1-2 id 2 id; não recomendado id
s/ RTV
Efeito dos Níveis aumentam 15%. Tomar Tomar dentro de 2h de Sem alts com as
alimentos se possível com as refeições uma refeição qdo refeições ( RTV cp)
pois poderá ser melhor tomado com o RTV Tomar com refeição
tolerado (com RTV caps)
Semi-vida sérica 3-5 h 1-2 h 6h
Metabolismo Cit. P450 3A4 > 2D6 Cit P450 3A4: inibidor Citocromo P450 3A4:
Inibidor potente do 3A4 e substrato indutor e substrato
C/ RTV: inibidor do 3A4 e
2D6
Armazenamento Cp – temp. ambiente Temp. ambiente Refrigerar ou temp.
Refrigerar as cápsulas; podem ambiente (até 60 dias)
estar à temp ambiente < 30 A solução oral não deve
dias. A solução oral não deve ser refrigerada
ser refrigerada
Toxicidade mais Intolerância GI, náusea Intolerância GI, náusea Hepatite incluindo
importante vómito, diarreia. e diarreia descompensação-
Parestesias circumorais e das Cefaleias vigilância
extremidades. Elevação das Exantema (componente
Hiperlipidemia (espc triglic) transaminases sulfamidico)
Hepatite Hiperlipidemia Casos raros de
Astenia Hiperglicemia hemorragia
Perversão do paladar Redistribuição da intracraniana
Hiperglicemia gordura corporal Hiperlipidemia (espc
Redistribuição da gordura Possível aumento do triglic)
corporal episódios hemorrágicos Hiperglicemia
Possível aumento do episódios em doentes com Redistribuição da
hemorrágicos em doentes hemofilia gordura corporal
com hemofilia Aumento do intervalo Possível aumento do
PR episódios hemorrágicos
Aumento do intervalo em doentes com
QT e torsades de hemofilia
pointes

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro VI. Inibidores da integrase

Nome Dolutegravir Elvitegravir


Raltegravir
genérico (DOL) (EVG)
(RAL)
(Sigla) Tivicay® Stribild®
Isentress®
Marca
Apresentação Cp 50 mg Cp coformulado (EVG Cp 400mg
150mg+COBI 150 mg Cp mastigáveis de 25 e
+ TDF 300mg+FTC 100 mg
200 mg) Carteiras com Susp oral
100 mg
Posologia 50 mg id (doentes sem 1 cp com alimentos 400 mg 2id
recomendad TARv prévia) Não recomendado (800 mg 2 id com RIF)
a 50 mg 2 id (em doentes em doentes com ClCr
com mutações de < 70 mL/min
resistência; na
associação com EFV,
FPVr, TPVr ou RIF)
Interacção Sem efeito Tomar com estômago Sem efeito
com os vazio para diminuir
alimentos efeitos secundários
Semivida 14 horas 13 h 25-30 h
sérica
Metabolismo Glicuronidação pelo EVG - Metabolizada Glicuronidação pelo
UGT1A1 pelo Cit P450 3A4 e UGT1A1
Contribuição menor de UDT 1A1/3; COBI Cit
Cit 3A4, do 3A e 2D6 (minor)
Efeitos Hipersensibilidade com Náusea Exantema* incluído SS
secundários exantema, sintomas Diarreia Johnson; reação de
constitucionais e por Insuficiência renal hipersensibilidade e
vezes disfunção de Diminuição da epidermólise tóxica
órgão; densidade mineral Náusea
Insónia óssea Cefaleia
cefaleia Diarreia pirexia
Elevação da CPK, fraqueza
muscular e rabdomiólise

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro VII. Inibidores da entrada (inibidor da fusão e inibidor do CCR5)


Nome genérico Enfuvirtida Maraviroc
(Sigla) (T20) MVC
Marca Fuzeon® Selzentry®

Apresentação Amp 108 mg de T20 Cp 150 e


300 mg

Posologia 90 mg 2 id sc 150 mg 2id quando associado


recomendada com inibidores potentes do Cit
P450 (IP potenciados com RTV
excepto TPV)
300 mg 2 id (em associação com
ITIAN, T20, TPVr, NVP e RAL e
com outros fármacos sem
interferência com o Cip P 450)
600 mg 2 id (com indutores do
Cit P450, como EFV, ETR ...)

Interacção com os Sem efeito Tomar com estômago vazio para


alimentos diminuir efeitos secundários

Semivida sérica 3,8 horas 14-18 horas

Metabolismo Catabolismo dos aminoácidos Substrato do Cit 3A4


constituintes

Efeitos Reacção no local da administração Dor abdominal


secundários (dor, eritema, induração, nódulos, Tosse
quistos, prurido, equimose) Vertigem
Aumento da incidência de Sintomas músculo-esqueléticos
pneumonia bacteriana Pirexia
Reação de hipersensibilidade: Exantema
exantema, febre, náusea, vómitos, Sintomas do tracto respiratório
arrepios, calafrios, hipotensão, superior
aumento das transaminases Hepatoxicidade
Hipotensão ortostática

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro VIIIa. Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos

FPV ATV DRV IDV

Bloqueadores Bepridil Bepridil Nenhum Nenhum


canais de Cálcio

Cardíaco Amiodarona Amiodarona Amiodarona Amiodarona

Dronedarona Dronedarona Dronedarona Dronedarona

Agentes Sinvastatina Sinvastatina Sinvastatina Sinvastatina


hipolipemiantes
Lovastatina Lovastatina Lovastatina Lovastatina

Anti- Rifampicina Rifampicina Rifampicina Rifampicina


micobacterianos
Rifapentina Rifapentina Rifapentina Rifapentina

GI Cisapride Cisapride Cisapride Cisapride

Inibidores bomba
protões

Neuroléptico Pimozide Pimozide Pimozide Pimozide

Psicotrópicos Midazolam Midazolam Midazolam Midazolam

Triazolam Triazolam Triazolam Triazolam

Ergotamínicos Dihidro-ergotamina Dihidro- Dihidro- Dihidro-


ergotamina ergotamina ergotamina
Ergotamina
Ergotamina Ergotamina Ergotamina

Ervas Hipericão Hipericão Hipericão Hipericão

Outros Fluticasona Fluticasona Fluticasona Atazanavir

Contraceptivos IDV Carbamazepina


orais
Irinotecan Fenobarbital
DLV

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Doenças Infeciosas 2017

fenitoína

Quadro VIIIb Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos (cont.)

LPV/R SQV TPV EFV

Bloqueadores Nenhum Nenhum Amiodarona Nenhum


canais de Cálcio
Dronedarona

Flecainida

Propafenona

Quinidina

Cardíaco Amiodarona Amiodarona Sinvastatina Nenhum

Dronedarona Dronedarona Lovastatina

Agentes Sinvastatina Sinvastatina Rifampicina Rifapentina


hipolipemiantes
Lovastatina Lovastatina Rifapentina

Anti- Rifampicina Rifampicina Cisaprida Cisaprida


micobacterianos
Rifapentina Rifapentina

Rifabutina

GI Cisapride Cisapride Pimozida Pimozida

Neuroléptico Pimozide Nenhum Midazolam Midazolam

Triazolam Triazolam

Psicotrópicos Midazolam Midazolam Dihidro- Dihidro-


ergotamina ergotamina
Triazolam Triazolam
Ergonovina Ergonovina

Ergotamina Ergotamina

Metilergonovina Metilergonovina

Ergotamínicos Dihidro- Dihidro- ETR Outros ITINAN


ergotamina ergotamina

Ergotamina Ergotamina

Ervas Hipericão Hipericão Hipericão Hipericão

Outros Fluticasona Fluticasona Fluticasona Voriconazol

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro VIIIc Fármacos que não devem ser utilizados com os anti-retrovíricos (cont.)

ETR NVP RPV MVC EVG/COBI

Cardíaco Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum

Agentes Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Sinvastatina


hipolipemiantes
Lovastatina

Anti- Rifampicina Rifampicina Rifabutina Rifapentina Rifabutina


micobacterianos
Rifapentina Rifampicina Rifampicina

Rifapentina Rifapentina

GI Nenhum Nenhum Inibidores da Nenhum Cisaprida

bomba de

protões

Neuroléptico Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Pimozida

Psicotrópicos Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Midazolam

Triazolam

Ergotamínicos Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Dihidro-


ergotamina

Ergotamina

Metilergonovina

ARV Outros ITINAN Outros Outros ITINAN Nenhum


ITINAN
IP não
potenciados

ATVr, FPVr,

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 233


Doenças Infeciosas 2017

TPVr

Ervas Hipericão Hipericão Hipericão Hipericão Hipericão

Outros

# Listados todos os fármacos com índices terapêuticos reduzidos e que têm metabolização
pelo Cit P450 3A e Cit 2D6. Não se sabe se estas interacções acontecem de facto nos doentes.

ALTERNATIVAS: Sinvastatina, lovastatina: atorvastatina, pravastatina, fluvastatina,


cerivastatina (devem ser utilizados com precaução)

Rifabutina: Claritromicina, azitromicina (profilaxia MAI), claritromicina,


azitromicina, etambutol (tratamento MAI)

Astemizol, Terfenadrina: Loratadina, desloratadina, fexofenamida,


cetirizina

Midazolam, Triazolam: Temazepam, lorazepan

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 234


Doenças Infeciosas 2017

Quadro IXa. Fármacos com toxicidades sobrepostas


Supressão medular Neuropatia periférica Pancreatite Nefrotoxicidade

Anfotericina B Didanosina Cotrimoxazol Aciclovir

Cidofovir Isoniazida Didanosina Adefovir

Cotrimoxazol Linezolide 3TC (crianças) Aminoglicosideos

Quimioterapia Estavudina Pentamidina Anfotericina B

Dapsona Zalcitabina Ritonavir Cidofovir


Zidovudina
Flucitosina Estavudina Foscarnet

Ganciclovir Zalcitabina Indinavir

Hidroxi-Ureia Pentamidina

Interferão  Tenofovir

Linezolide

Peginterferão  Primaquina

Pirimetamina

Ribavirina

Rifabutina

Sulfadiazina

Trimetrexate

Valganciclovir

Zidovudina

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 235


Doenças Infeciosas 2017

Quadro IXb. Fármacos com toxicidades sobrepostas (cont.)


Hepatotoxicidade Exantema Diarreia Ocular

Azitromicina Abacavir Atovaquona Cidofovir

Claritromicina Amprenavir Clindamicina Didanosina

Efavirenze Atazanavir Darunavir Etambutol

Fluconazol Atovaquona Fosamprenavir Linezolide

Isoniazida Cotrimoxazol Lopinavir/r Rifabutina

Itraconazol Dapsona Nelfinavir Voriconazol

Cetoconazol Darunavir Ritonavir

Nevirapina Efavirenze Tipranavir

ITRAN Fosamprenavir

Inibidores da Protease Nevirapina

(espec TPV) Sulfadiazina

Rifampicina Tipranavir

Rifabutina voriconazol

Voriconazol

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 236


Doenças Infeciosas 2017

Oferecer 1ª toma de PPE enquanto


se procede à avaliação da Fonte VIH positiva
exposição (documentada)

Fonte desconhecida Efectuar 28 dias de


PPE

Efectuar acs anti-VIH Esquema

(teste rápido, com consentimento) Doente recusa recomendado


TDF 300 mg id
+FTC 200 mg id
Fonte Fonte + RAL 400 mg 2 id
negativa positiva

Efectuar testes VIH


Comportamentos de risco nas 6 Não STOP PPE no profissional
semanas anteriores? Consulta dentro de 3
dias
Sim

Efectuar ARN VHC positivo

negativo

STOP PPE

Figura 1 – Fluxograma de avaliação de exposição ocupacional a VIH (adaptado de New


York State Department of Health AIDS Institute)

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 237


Doenças Infeciosas 2017

CO-INFECÇÃO VIH E HEPATITES VÍRICAS

INTRODUÇÃO

A infeção simultânea por vírus da imunodeficiência humana (VIH) e os vírus da


hepatite B (VHB) ou da hepatite C (VHC) é comum, devido ao facto destes vírus
partilharem as mesmas vias de transmissão.

Todos os indivíduos infetados por VIH devem ser rastreados para os vírus da hepatite
A (VHA), VHB e VHC. No caso de co-infeção por VHB, o vírus da hepatite Delta (VHD)
deve ser pesquisado.

Na era da terapêutica antirretroviral altamente eficaz (TARV), a doença hepática


constitui a causa mais comum de morte não associada ao VIH. A morbilidade
associada à doença hepática representa a 3ª causa de morte nestes indivíduos.

A co-infeção por VHB, VHD e VHC origina uma progressão mais rápida da fibrose,
maiores taxas de cirrose e de carcinoma hepatocelular (CHC).

CO-INFECÇÃO VIH/VHB

Tem sido claramente demonstrada a maior mortalidade associada ao fígado, nos


indivíduos co-infetados VIH/VHB, comparativamente com os mono-infetados por VHB
ou por VIH. A coexistência destes dois vírus revelou um efeito deletério, causando um
risco de mortalidade relacionada com o fígado cerca de 17 vezes superior,
comparativamente com os mono-infetados por estes vírus.

Dados epidemiológicos

Estima-se que haja cerca de 400 milhões de portadores do VHB em todo o mundo e
cerca de 36 milhões de infetados por VIH, presumindo-se que cerca de 4-8 milhões
estejam co-infetados por estes dois vírus. Na Europa ocidental a prevalência é de 6-

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 238


Doenças Infeciosas 2017

9%, no entanto estas taxas atingem valores mais elevados em áreas onde a Hepatite B
tem maior endemicidade, tais como África sub-sahariana e Ásia. Também a via de
transmissão condiciona diferentes prevalências, sendo estas mais elevadas em
homens que fazem sexo com homens (HSH) e utilizadores de drogas endovenosas
(UDEV). Em Portugal, alguns dados revelam taxas de prevalência entre 2,7 e 5%.

História natural e patogénese da doença hepática

A patogénese da doença hepática nestes doentes não é bem conhecida, mas é


provavelmente multifatorial, envolvendo fatores relacionados com a toxicidade dos
fármacos, ação direta do VIH e do VHB sobre as células hepáticas, resposta imune
defeituosa, entre outros. O VIH pode infetar diretamente as células estreladas do
fígado, onde a sua replicação promove uma ativação celular e consequente
fibrogénese através dos depósitos de colagénio. A disfunção imune na coinfecção
VIH/VHB pode também contribuir para uma doença hepática mais acelerada, pela
menor resposta dos linfócitos TCD4 específicos no controlo do VHB. A infeção por VIH
leva a uma depleção das células imunes da mucosa intestinal, incluindo os linfócitos
TCD4, levando a uma maior permeabilidade da mucosa e facilitando a translocação
microbiana com aumento das citoquinas pro-inflamatórias, maior produção de
colagénio, fatores que estimulam a fibrose e favorecem a maior progressão da doença
hepática.

A hepatite B no contexto do VIH apresenta-se com níveis mais elevados de ADN-VHB,


menores taxas de perda de AgHBs e do AgHBe, menor seroconversão “e” e “s”, e
maior evolução para cronicidade (>20%), especialmente em indivíduos com maior
depleção de linfócitos TCD4. Existe também um maior risco de reativação no caso dos
Portadores Inativos do vírus da hepatite B (atualmente com a designação de Infeção
Crónica AgHBe negativo), uma maior e mais rápida progressão da fibrose, evolução
para cirrose e carcinoma hepatocelular, em idades mais jovens.

O efeito do VHB sobre a história natural da infeção VIH continua uma questão
controversa, no entanto a maior parte dos estudos mostrou uma aceleração da

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 239


Doenças Infeciosas 2017

doença e maior mortalidade. A coexistência destes dois vírus, tem de um modo geral
um impacto negativo na evolução da doença hepática.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito da mesma forma que na mono-infeção por VHB, através de


testes serológicos e virológicos. Paralelamente são necessários testes bioquímicos e
avaliação do grau de fibrose para complemento do estudo.

Em todos os indivíduos, deve ser feita a pesquisa do AgHBs, anti-HBc e anti-HBs. Em


caso de anti-HBc isolado e em particular naqueles com transaminases elevadas, deve
testar-se o ADN-VHB para verificar a existência de replicação viral e eventual hepatite
B oculta (HBO). Nesta apenas o ADN-VHB é detetável, não havendo por vezes nenhum
marcador serológico. A prevalência desta entidade é diversa (10-45%), consoante as
diferentes áreas do globo, estimando-se ser de 0,6% na Europa. As diferentes técnicas
e sua sensibilidade podem também estar na origem destas diferentes taxas de
prevalência. Habitualmente a IBO cursa com baixas virémias (< 103), muitas vezes
intermitentes. Pelo contrário, o ADN-VHB na co-infeção apresenta-se, em geral, com
valores mais elevados comparativamente com a mono-infeção por VHB.

A biópsia hepática (BH) continua a ser o gold standard na avaliação do grau de fibrose
hepática, permitindo também conhecer a atividade necroinflamatória e eventuais co-
morbilidades que possam alterar o prognóstico ou comprometer o tratamento. A
fibrose classifica-se em F0 (ausência de fibrose), F1 (fibrose portal sem septos), F2
(fibrose portal com alguns septos), F3 (fibrose em pontes) e F4 (cirrose).

Os métodos não invasivos para avaliação da fibrose, têm-se tornado mais acessíveis e
mais frequentemente aplicados, por serem mais fáceis de realizar, melhor aceites
pelos doentes, permitindo fazer uma avaliação dinâmica, pela facilidade da sua
repetição ao longo do tempo. A elasticidade hepática medida pela Elastografia
Transitória (ET) (FibroScan®) é um método imagiológico que está já validado para a
Hepatite B. Os marcadores bioquímicos (Fibrotest, FIB4, APRI, etc.) são testes
sanguíneos que avaliam o grau de fibrose de forma indireta.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 240


Doenças Infeciosas 2017

Num trabalho recente realizado numa população de doentes co-infetados pelo


VIH/VHB foi realizada a BH e a ET com o intuito de verificar a concordância dos dois
exames na avaliação da fibrose e concluiu-se haver uma correlação significativa entre
a elastografia e o score de Metavir na avaliação da fibrose (<0,0001). Também a
conjugação da ET e do Fibrotest® permitiu concluir a concordância dos dois testes em
97% dos doentes, o que reduz cada vez mais a realização de BH, como técnica
invasiva.

Muitos marcadores bioquímicos têm sido desenvolvidos, inicialmente estudados na


hepatite C e posteriormente estendidos a outras doenças hepáticas devido à
facilidade de execução. Em doentes co-infetados VIH/VHB, só três (Fibrotest®,
Fibrometer® e Hepascore®) (Quadro I) mostraram estar associados com exatidão a
graus mais avançados de fibrose.

Quadro I- Variáveis usadas para calcular os scores

Bil GGT Hap a2M Apo Hyl AST Plq TP U Id sexo


Fibrotest x x x x x x x
Hepascore x x x x x x
Fibromete x x x x x x x
r
[Abreviaturas: Bil: bilirrubina total; Hap: haptoglobulina; a2M: a2-macroglobulina;
Apo: apolipoproteina A1; Plq: plaquetas; TP: tempo de protrombina; Id: idade]

A determinação do genótipo do VHB (A-J) não é fundamental na prática clínica,


porque exceto nos casos do genótipo A, em que há uma melhor resposta ao
Interferão, quando se utilizam os fármacos orais no tratamento da hepatite B, o
genótipo não influencia a resposta.

Tratamento

Os objetivos do tratamento na co-infeção VIH/VHB são os mesmos das respetivas


mono-infeções, ou seja a supressão da replicação viral eficaz e mantida, com o

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 241


Doenças Infeciosas 2017

objetivo de reduzir o risco de progressão da fibrose. Foi demonstrada a melhoria da


função hepática em indivíduos co-infetados VIH/VHB com cirrose após o início da
terapêutica antirretroviral contendo tenofovir (TDF). Tem-se verificado após alguns
meses de tratamento, uma melhoria da fibrose hepática, com menores taxas de
descompensação e morte em indivíduos tratados com análogos dos núcleos(t)idos,
fármacos utilizados no tratamento da hepatite B crónica. Estes fármacos, com grande
ação antiviral, atuam primariamente competindo com substratos naturais nucleótidos,
de forma a inibir a transcriptase reversa do ARN pregenómico que se transforma
depois em ADN-VHB. A lamivudina (LAM) ou 3TC é um análogo da citidina, fármaco
que compete na síntese do ADN viral. Trata-se de um fármaco de baixo custo, muito
bem tolerado e amplamente usado em todo o mundo. A sua grande desvantagem é a
alta taxa de resistência observada (70% de resistência ao fim de 5 anos). Este fármaco
tem resistência cruzada com a telbivudina e com a emtricitabina (FTC). A dose é de
100 mg/dia. A emtricitabina (FTC) é também um análogo da citidina, muito
semelhante à LAM, e está comercializado na dose de 200 mg, co-formulado com o
tenofovir (tenofovir/emtricitabina). O entecavir (ETV) é um análogo da guanosina,
inibidor da polimerase/transcriptase reversa, altamente potente contra a replicação
viral. A resistência ao ETV é baixa e após 4 anos de seguimento, a resistência
cumulativa descrita foi de 1,2%, mantendo-se sobreponível aos 5 anos. O ETV mantém
eficácia parcial às formas resistentes à LAM (R-LAM) e nestes casos doses mais altas
(1mg) devem ser usadas. A posologia é de 1 comprimido por dia de 0,5 mg. O
tenofovir disoproxil fumarato é a pro-droga do tenofovir. É ativo contra a forma
selvagem do VHB, o mutante do pré-core e também contra as R-LAM. Este fármaco é
eficaz contra as estirpes R-LAM. A posologia é de 1 comprimido de 245 mg por dia. A
farmacocinética do TDF está alterada em indivíduos com compromisso da função
renal, havendo necessidade de ajuste de dose de acordo com a clearance da
creatinina. É fundamental a monitorização da função renal nestes doentes, avaliando
a taxa de filtração glomerular estimada (eTFG) e doseamento de fosfato sérico. Pró-
droga do tenofovir, o tenofovir alafenamida (TAF) demonstrou ter eficácia similar, mas
apenas com um décimo da dose. Reduzindo a exposição ao TDF, o TAF está associado

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 242


Doenças Infeciosas 2017

a um melhor perfil renal e ósseo. Foi recentemente aprovado na dose de 25 mg por


dia.

Em co-infectados VIH/VHB, o início precoce da TARV incluindo fármacos com dupla


atividade anti-VIH e VHB é a atitude recomendada. O TDF, um análogo nucleótido, é o
fármaco preferido devido à elevada potência e alta barreira genética, no entanto as
recomendações da European AIDS Clinical Society (EACS) sugerem que a terapia dupla
deve ser a utilizada nestes doentes, isto é TDF e LAM (lamivudina ou 3TC) ou FTC
(emtricitabina).

Se o TDF estiver contraindicado, o entecavir (ETV) deve ser incluído no esquema


terapêutico. O ETV é um fármaco com grande eficácia no tratamento do VHB isolado
ou na co-infeção VIH/VHB associado à TARV, ou seja o seu uso em monoterapia nos
co-infetados está absolutamente contraindicado devido ao facto deste fármaco ter
atividade anti-VIH. Em dois trabalhos ficou demonstrado que, não só leva a um
declínio do ARN-VIH, como induz a emergência da rtM184V, o que está claramente
associada a uma diminuição da susceptibilidade à lamivudina. Este fármaco só deve
ser usado em conjunto com a TARV, nunca de forma isolada no infetado por VIH.

O papel do ETV nos co-infetados pode ser importante em casos de resistência à


lamivudina (R-LAM) ou intolerância ao tenofovir, no entanto sempre que possível a
terapêutica combinada com TDF, deve ser a estratégia mais adequada.

Em casos de disfunção renal, a dose de TDF pode ser ajustada de acordo com a
clearance da creatinina, salientando-se que um valor <10ml/min, contraindica este
fármaco por absoluto. Devido às escassas alternativas terapêuticas e pelo risco de
reaparecimento da replicação do VHB, a descontinuação do TDF deve ser evitada,
sempre que possível.

O Interferão Peguilado ou PegInterferão (PEGIFN) tem um efeito modesto sobre o


VHB, mas não condiciona resistência. Os resultados de eficácia foram desapontadores,
quer de forma isolada, quer em associação com fármacos orais (adefovir ou tenofovir).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 243


Doenças Infeciosas 2017

Concluindo, no tratamento do indivíduo co-infectado por VIH/VHB, o esquema


terapêutico deve incluir 2 fármacos com dupla atividade contra o VIH e VHB, ou seja o
TDF (ou TAF) + FTC ou 3TC. A função renal e óssea devem ser monitorizadas. A
duração do tratamento com núcleos(t)idos ainda não está bem definida,
recomendando-se terapêutica indefinidamente. Em caso de necessidade de retirar
estes fármacos do esquema antirretroviral, algumas recomendações sugerem que a
terapêutica da hepatite B possa ser descontinuada, com cautela, em casos de
indivíduos AgHBe positivos que tenham feito a seroconversão para AcHBe há pelo
menos 6 meses ou em caso de seroconversão para AcHBs nos indivíduos AgHBe
negativos. Em caso de cirrose, esta terapêutica nunca ser descontinuada para evitar
descompensação hepática (Quadro II).

Quadro II-Tratamento da hepatite B em co-infetados VIH/VHB

Co-infeção VIH/VHB

Qualquer valor de TCD4 ou cirrose

Experiência prévia à Lamivudina

Sim Não

Juntar/substituir TARV

um NRTI por TDF incluindo TDF(TAF)

+FTC ou 3TC

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 244


Doenças Infeciosas 2017

Monitorização

Todos os indivíduos suscetíveis (sem evidência de contacto prévio com o VHB) devem
ser vacinados, apesar da resposta imune ser particularmente pobre naqueles com um
nível de TCD4<200 cél/mm3.

Em co-infetados com cirrose recomenda-se a ecografia e alfa-fetoproteína de 6/6


meses, para rastreio do carcinoma hepatocelular (CHC). Nos que não têm cirrose é
muito importante uma vigilância atenta, particularmente em indivíduos com ADN-VHB
>2000 IU/ml e TCD4 <100 cél/mm3, bem como em caso de história familiar de
carcinoma hepatocelular.

Na presença de cirrose, deve ser realizada uma endoscopia digestiva alta, que deve ser
repetida ao fim de 1 ano, no caso da presença de varizes; na sua ausência o exame
deve ser repetido 3-4 anos depois.

Um Teste de Resistência deve ser realizado na presença de falência virológica ou


sempre que haja reaparecimento do ADN-VHB em doente com este valor previamente
indetetável.

A vigilância sob tratamento deve basear-se na realização do ADN-VHB (cada 6 meses)


e da serologia (anual), com o objetivo de identificar doentes com reaparecimento da
virémia e aqueles em que a clearance do antigénio “s” ou “e” possa ter ocorrido.

A seroconversão espontânea do AgHBe é muito menos comum na co-infeção,


podendo no entanto, atingir percentagens superiores, durante o tratamento
antirretroviral (33% após 48 semanas). Numa avaliação realizada em 72 doentes com
um período de follow-up de 3 anos, verificou-se uma clearance do AgHBs em 5,5% dos
casos e do AgHBe em 17,6% dos mesmos, havendo uma clara relação entre a
seroconversão e o maior tempo de terapêutica antirretroviral.

Há que ter em atenção à possibilidade de ocorrência do Síndroma de Reconstituição


Imunitária (IRIS), que se define como um agravamento da infeção VIH, seguindo-se à
TARV, e que pode ocorrer em 10-30% dos indivíduos, particularmente em indivíduos

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 245


Doenças Infeciosas 2017

3
com valores de TCD4 <100 cél/mm prévios à terapêutica, surgindo habitualmente nos
primeiros 4 meses após início da terapêutica.

A resposta do sistema imune, recentemente recuperado, pode resultar numa marcada


atividade inflamatória, sobretudo em indivíduos com valores muito elevados de ADN-
VHB e de ALT antes da TARV. Ocasionalmente a seguir a IRIS, ocorre a seroconversão
“e” ou “s”, o que traduz um controlo sobre o VHB; no entanto em caso de cirrose,
pode ocorrer uma descompensação hepática grave.

Uma descontinuação da terapêutica antirretroviral por qualquer razão pode levar a


uma reativação da hepatite B, podendo ocorrer desde elevação das transaminases
sem tradução clínica, até situações potencialmente fatais. Se houver necessidade de
suspender a TARV, em nenhuma circunstância devem ser retirados os fármacos com
atividade anti-VHB, devendo ser mantido pelo menos um deles.

A quantificação do AgHBs (qAgHBs) e do AgHBe (qAgHBe) é também uma área de


interesse na infeção por VIH. O declínio dos níveis de ambos pode predizer a resposta
à terapêutica e subsequentemente a seroconversão ”e” e “s”.

Prevenção

Todos os indivíduos infetados por VIH devem ser testados para o VHB. Aqueles com
marcadores negativos devem ser vacinados. A resposta à vacina está intimamente
relacionada com o grau de imunodepressão: em caso de indivíduos com TCD4 < 200
cél/mm3 e ARN-VIH detetável, deve iniciar-se a terapêutica antirretroviral e só depois
a vacinação, para se obter uma melhor resposta após recuperação imunológica (isto é
subida das células TCD4). Está recomendado um esquema vacinal aos 0,1 e 6 meses,
podendo considerar-se dose dupla (40µg) no esquema 0,1,6 e 12 meses, em casos de
grave imunodepressão ou não respondedores a esquema anterior (título de AcHBs<10
UI/ml). Nesta população de doentes, os títulos de anticorpos (AcHBs) são
habitualmente baixos e menos duradouros. O anti-HBs deve ser avaliado 2 a 4
semanas após o esquema vacinal. Aqueles que não obtenham seroconversão após o
segundo esquema vacinal e que mantenham comportamentos de risco, devem ser

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 246


Doenças Infeciosas 2017

testados anualmente, não estando recomendado mais nenhuma dose de vacina.


Nestas pessoas, o TDF incluído no esquema terapêutico tem tido um efeito protetor.

CO-INFECÇÃO VIH/VHB/VHD

O vírus da hepatite Delta (VHD) é um vírus ARN, defeituoso, infetando apenas


indivíduos portadores do VHB (AgHBs positivo).

Dados epidemiológicos

A prevalência do Ac-VHD na população infetada por VIH varia de 15-50%, dependendo


da área geográfica envolvida. Em Espanha a superinfeção por VHD ocorre em cerca de
1/5 dos indivíduos AgHBs positivo e é responsável por cerca de metade dos casos de
descompensação hepática. Em Portugal esta prevalência não está bem caracterizada,
admitindo-se ser baixa. Com o tratamento dirigido ao VHB, tem-se assistido em alguns
países, a uma redução da prevalência de AgHBs nos infetados por VIH e como
consequência, e no caso de Espanha, verificou-se uma redução da hepatite Delta de
30% entre 1993-1996 para 4,2% entre 2011-2014.

História Natural

A co-infeção VIH/VHB/VHD é muito mais frequente em indivíduos que tenham


contraído VIH através do uso de drogas endovenosas. Estes têm habitualmente
virémias detetáveis e em geral refletem a superinfeção VHB/VHD. A hepatite Delta
constitui a forma mais agressiva de hepatite viral crónica, assumindo uma evolução
mais rápida para cirrose e com elevadas taxas de descompensação hepática, quando
associada ao VHC e/ou ao VIH.

Diagnóstico

O AgVHD é o marcador específico de infeção aguda e a presença de replicação ativa


do VHD pode ser confirmada pela deteção de ARN viral pela técnica de PCR-RT. Esta
técnica é muito útil na monitorização da resposta ao tratamento antiviral.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 247


Doenças Infeciosas 2017

Tratamento

O tratamento do VHD nestes indivíduos raramente é eficaz. O PegInterferão é o único


fármaco aprovado e tratamentos prolongados, não inferiores a 18 meses, são os
recomendados.

Outras tentativas têm sido realizadas, nomeadamente com a administração conjunta


de ribavirina (RBV), mas os sucessos são escassos. Alguns relatos revelaram que com a
utilização de tenofovir, se poderia atingir uma perda do AgHBs e assim evitar a
replicação do VHD.

Esta continua a ser a co-infeção mais difícil de tratar, continuando em estudo


inibidores da entrada (ex: Myrcludex B), inibidores da prenilação (ex: Lonafarnib),
entre outros.

Prevenção

A vacinação contra a hepatite B constitui a forma de prevenção da hepatite Delta e a


prevenção de comportamentos de risco continua a ser a forma mais eficaz de evitar
novas infeções.

CO-INFECÇÃO VIH/VHC

O VHC e as suas complicações têm sido, nos últimos anos, uma das causas mais
importantes de morbilidade e mortalidade nos indivíduos VIH positivos. A terapêutica
antirretroviral altamente eficaz diminuiu significativamente a ocorrência de infeções
oportunistas e consequentemente aumentou a sobrevida destes doentes. Se até ao
advento da TARV, o VHC não tinha grande impacto no tempo de vida destes
indivíduos, após a sua introdução, as hepatites crónicas, nomeadamente a hepatite C
tornou-se mais relevante.

Dados epidemiológicos

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 248


Doenças Infeciosas 2017

Estima-se que cerca de 15-30% dos infetados por vírus da imunodeficiência humana
estejam simultaneamente infetados por vírus da hepatite C, no entanto esta
percentagem aumenta para 75% em caso de utilizadores de drogas endovenosas.

Em Portugal e na maioria dos centros, a prevalência do VHC na infeção VIH, é de cerca


de 30%, sobretudo associado à toxicodependência (80%). Nos últimos anos tem-se
assistido a um decréscimo de novos casos de hepatite C associada ao VIH,
provavelmente devido às campanhas de vigilância e prevenção.

História Natural

O vírus da imunodeficiência humana modifica a história natural da Hepatite C,


induzindo uma mais rápida progressão para fibrose, desenvolvimento de cirrose e de
doença hepática terminal e por essa razão todos os indivíduos VIH positivos com
hepatite C crónica devem ser tratados, salvo se houver contraindicação.

Estima-se que com 40 anos de idade, cerca de metade dos co-infetados tenham um
grau avançado de fibrose (F3-F4), o que condiciona um maior risco de morte e
complicações relacionadas com o fígado.

Diagnóstico

Todo o indivíduo infetado por VIH deve realizar o anticorpo para o VHC e se positivo,
deve ser feita a determinação do ARN-VHC, para quantificação da atividade vírica,
seguindo-se a determinação do genótipo e a avaliação da fibrose. Os genótipos (G)
identificados são seis (1-6), com vários subtipos, sendo os mais frequentes entre nós o
G1 (55-60%), G3 (25%) e o G4 (15-20%). Esta determinação, a avaliação da fibrose e a
existência ou não de um tratamento anterior, são fundamentais na decisão de qual o
tratamento mais adequado.

Outros testes devem complementar o estudo, para procurar doenças concomitantes,


muitas delas mais prevalentes na presença do VHC (doenças tiroideias, doenças
autoimunes, tais como crioglobulinémia mista, linfomas não-Hodgkin, etc.). Testes
genéticos (ex:IL28b) poderão ter importância para determinar a probabilidade de
resposta, no caso do tratamento com PEGIFN e RBV, terapêutica que não é mais de

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 249


Doenças Infeciosas 2017

primeira linha. Os indivíduos com homozigotia CC são em geral bons respondedores e


mais suscetíveis de eliminar o VHC de forma espontânea. Os indivíduos CT/TT têm, em
geral, respostas mais pobres ao tratamento. Quanto ao genótipo, tal como na mono
infeção por VHC e com a terapêutica com PEGIFN e RBV, os genótipos 1 e 4 eram os
mais difíceis de tratar, enquanto os genótipos 2 e 3 tinham taxas de resposta mais
elevada. Atualmente com os novos fármacos antivíricos de ação direta (AAD), o
genótipo 3 é o mais difícil de curar.

A avaliação da fibrose pode ser feita, tal como na coinfecção por VHB, através de
métodos invasivos (BH) ou não invasivos: imagiológicos (elastografia) ou testes
bioquímicos. Com a BH avalia-se a atividade necroinflamatória e a fibrose, classificada
de F0 a F4. A elastografia tem também uma boa fiabilidade, particularmente em
indivíduos com graus de fibrose ligeira ou avançada. Em casos duvidosos, concilia-se
com testes bioquímicos (APRI, Fibrotest) e em caso de não concordância, a biópsia
hepática deve ser realizada.

Tratamento

Todos os co-infetados VIH/VHC são potenciais candidatos ao tratamento da hepatite C


crónica (HCC). Todos aqueles com ARN-VHC detetável, naïves ou com experiência
prévia a tratamentos anteriores e com doença hepática compensada ou
descompensada, devem ser tratados. Em indivíduos com práticas que ponham em
risco a saúde pública, tais como utilizadores de drogas endovenosas, homens que
fazem sexo com homens, reclusos, doentes em hemodiálise e mulheres que queiram
engravidar, devem ter acesso à terapêutica de forma prioritária. Pelo contrário
indivíduos com expectativa de sobrevida <1 ano, não são elegíveis para tratamento.

Atendendo à mais rápida progressão da doença hepática, em particular nos indivíduos com
TCD4 < 200 cél/mm3, os co-infetados devem fazer tratamento o mais cedo possível. Caso o
diagnóstico do VIH e do VHC seja simultâneo, poder-se-á considerar tratar o VHC antes de
iniciar a terapêutica antirretroviral, se TCD4 >500 cél/mm3 e um grau de fibrose >F2, no
sentido de evitar interações medicamentosas entre a terapêutica para a hepatite C e a
terapêutica antirretroviral.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 250


Doenças Infeciosas 2017

O tratamento standard da hepatite crónica C, até há pouco tempo, consistia na


associação do PEGIFN com a RBV, durante 48 semanas, podendo variar o tempo de
tratamento consoante as características basais do indivíduo e consoante resposta
virológica no decurso do tratamento. Os resultados obtidos no final do tratamento
revelaram-se inferiores ao da hepatite C isolada (taxas de cura em cerca de 45%).

Fármacos antivíricos de ação direta (AAD), atuando diretamente nas enzimas de


replicação do VHC surgiram no mercado, nomeadamente inibidores da protease
(NS3/4A), inibidores da polimerase (NS5B) e inibidores do complexo de replicação
NS5A.

Os inibidores da protease (NS3/4A) disponíveis são o simeprevir (SMP), paritaprevir


(PTV) (este tem de usar potenciado com ritonavir(r)) e grazoprevir (GZR) (co-
formulado com elbasvir). São fármacos maioritariamente metabolizados pelo CYP3A4,
daí o grande número de interações medicamentosas. Pelo facto de atingirem
concentrações elevadas em caso de doença hepática severa (CHILD C), não devem ser
usado nestes doentes.

Os inibidores do complexo de replicação NS5A incluem o daclatasvir (DCV), o


ledipasvir (LDV), o ombitasvir (OBV), o elbasvir (EBR) e o velpatasvir (VEL). O DCV é
ativo contra todos os genótipos (pangenotípico), tem poucas interações
medicamentosas e se dado conjuntamente com sofosbuvir (SOF), o uso de
amiodarona está contraindicado devido ao risco de bradicardia. O LDV está disponível
co-formulado com SOF. Quando administrado com SOF, não deve ser dado em
conjunto com amiodarona e a utilização com omeprazol pode diminuir as
concentrações do LDV. É ativo contra os genótipos 1,4,5 e 6. O OBV está disponível em
co-formulação com o PTV/r e tem indicação para os genótipos 1 e 4. É administrado
em simultâneo com o DSV, no caso do genótipo 1. O EBR é um fármaco usado em co-
formulação com o GZR e com atividade contra os genótipos 1 e 4. O VEL, mais
recentemente aprovado está co-formulado com SOF e é ativo contra todos os
genótipos (Quadro III).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 251


Doenças Infeciosas 2017

Quadro III- Antivíricos de Ação Direta (AAD) disponíveis em 2017

Dentro dos inibidores da polimerase (NS5B), o sofosbuvir é o AAD mais potente, com
mais elevada barreira genética e com atividade pangenotípica. Aproximadamente 80%
do SOF é excretado pelo rim, razão porque este fármaco não deve ser utilizado em
indivíduos com clearance da creatinina < 30 ml/min. Trata-se de um medicamento que
é metabolizado pela gp-P e não por enzimas do CY450, o que o torna um fármaco com
poucas interações. Não deve ser utilizado com outros fármacos indutores da
glicoproteína-P, tais como antibacilares, anticonvulsivantes ou chá de hipericão. O
dasabuvir (DSV) utiliza-se em combinação com o esquema de dose fixa OBV/PTV/r no
genótipo 1.

Os sucessivos estudos em co-infetados, têm demonstrado que a RVS é semelhante aos


mono-infetados por VHC, e não só reduz a morbilidade e mortalidade relacionada com
o fígado, como tem um impacto extremamente importante no atraso da progressão
da doença VIH e na redução da mortalidade não relacionada com o fígado (ex:
manifestações extra-hepáticas associadas ao VHC).

Concluindo, todos estudos até aqui realizados têm apontado para o benefício do
tratamento da hepatite C e da RVS (Resposta Viral Sustentada) na progressão da

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 252


Doenças Infeciosas 2017

doença hepática. Atualmente e com os novos AAD, nos diferentes genótipos e com os
vários regimes, as taxas de cura ultrapassam os 90% (Quadros IV e V) e são
semelhantes às do mono-infetado por VHC, sem a presença do VIH. O tratamento
precoce da hepatite C nos indivíduos infetados por VIH é fundamental, visando um
triplo objetivo: erradicação do vírus, redução da morbilidade e da mortalidade
associada ou não ao fígado. É crucial implementar estratégias para melhorar a adesão
ao tratamento e promover a motivação quer do doente quer do próprio médico.

Quadro IV- Regimes de Antivíricos de Ação Direta (AAD) nos diferentes genótipos

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Doenças Infeciosas 2017

Quadro V- Opções terapêuticas no co-infetado VIH/VHC

(Adaptado de EACS 2017)

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Doenças Infeciosas 2017

Monitorização

A monitorização do tratamento é feita através do ARN-VHC. Para avaliar a eficácia,


deve ser realizado às semanas 4, 12 ou 24 (no final do tratamento de 12 ou 24
semanas) e 12 ou 24 semanas após o final de tratamento para avaliar a Resposta Viral
Sustentada (RVS). Esta define-se como a indetetabilidade do ARN-VHC 12 ou 24
semanas após o final do tratamento. A obtenção de RVS significa cura.

Em caso de utilização da RBV e devido à hemólise extravascular, a vigilância dos


parâmetros hematológicos é necessária durante o tratamento. Mulheres em idade
fértil e os seus companheiros devem usar formas de contraceção eficaz durante o
tratamento e até 6 meses após término do mesmo, devido ao risco teratogénico da
RBV.

A monitorização das interações é fundamental. Antes do tratamento deve ser


conhecida toda a medicação concomitante e quer antes, quer durante, deve ser feita
consulta sistemática no site das interações (www. hep-druginteractions.org). É
fundamental que o doente seja alertado para o facto, de que em caso de falha na
comunicação ao seu médico, poderá haver efeitos indesejáveis ou insucesso
terapêutico. Excetuando o DCV que pode ser dado em diferentes doses, nenhum dos
outros AAD deve sofrer redução da dose prescrita. Se ocorrer anemia, sob RBV, com
um valor <10 gr/dl, a dose deve ser reduzida. O tratamento deve ser interrompido em
caso de elevação das transaminases (ALT>10x o valor basal), em caso de infeção
bacteriana/sépsis, particularmente em doentes com cirrose.

Os doentes com um grau de fibrose F0-F2 devem ser testados às 48 semanas após
final do tratamento para o ARN-VHC e caso este esteja indetetável, o indivíduo é
considerado curado e poderá ter alta hospitalar. Em caso de indivíduos com
comportamentos de risco (ex. HSH ou UDEV), o teste de ARN-VHC deve ser anual ou
sempre que o quadro clínico/laboratorial o justifique (suspeita de reinfeção).

Em caso de indivíduos com doença hepática avançada (F3-F4), deve manter-se a


vigilância e rastreio do carcinoma hepatocelular com ecografia abdominal de 6/6

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Doenças Infeciosas 2017

meses, apesar da cura virológica. No caso dos cirróticos a Endoscopia Digestiva Alta
deve fazer parte da vigilância.

Atendendo ao facto destes indivíduos poderem estar infetados por VHB, é


fundamental que após a cura da hepatite C, se mantenha uma vigilância, pelo risco de
reativação da hepatite B.

Concluindo todos os doentes têm indicação para tratamento com os novos AAD. O
tratamento deve ser individualizado de acordo com o vírus e com o doente. A gestão
das interações não deve constituir um obstáculo. As taxas de cura com estes fármacos
ultrapassa os 90-95%. Apesar da cura, os doentes com doença severa devem manter
vigilância, visto que em indivíduos com cirrose, o risco de carcinoma hepatocelular não
é eliminado.

Hepatite C aguda

Em caso da ocorrência de uma hepatite C aguda, tem de se monitorizar o ARN-VHC e


tratar de acordo com um algoritmo (Quadro VI)

Quadro VI-Algoritmo para o tratamento da hepatite C aguda em infetados por VIH

(Adaptado EACS 2017)

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Doenças Infeciosas 2017

Prevenção

Não havendo vacinas disponíveis para a hepatite C, as medidas de prevenção são


fundamentais, isto é o conhecimento e a prática de comportamentos que não
envolvam riscos.

HEPATITES A e E NOS CO-INFECTADOS

Estas duas formas de hepatite são usualmente benignas e autolimitadas, podendo na


co-infeção por VIH assumir formas particulares.

HEPATITE A

Dados epidemiológicos

A prevalência da hepatite A nos indivíduos infetados por VIH é elevada (40-70%),


estimando que em Portugal seja >50%.

A via de transmissão do vírus da hepatite A (VHA) é quase que exclusivamente fecal-


oral, no entanto pode ser transmitida de pessoa a pessoa, através de relações sexuais
e mais raramente através de sangue e/ou derivados. Tem-se assistido nos últimos
anos em alguns países, inclusive Portugal, a um elevado número de casos de hepatite
A aguda em HSM, associados a práticas sexuais oro-anais ou dedo-ânus (práticas que
evitam o contacto por penetração mas facilitam a transmissão do VHA).

História Natural

A hepatite A nesta população de doentes parece ter uma evolução benigna,


autolimitada, e não parece ser afetada pela presença do VIH, no entanto a duração da
virémia é mais prolongada. Este facto tem como consequência, um maior risco de
transmissão a outros, maior probabilidade de lesão hepática e até maior risco de
hepatite fulminante. Os indivíduos cronicamente infetados por VHC, têm um risco
significativamente maior de sofrer uma hepatite fulminante se contraírem o VHA.

Tratamento

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 257


Doenças Infeciosas 2017

Visto tratar-se, em geral, de uma doença autolimitada a hepatite A aguda não tem
tratamento específico, carecendo apenas de vigilância clínica e laboratorial e medidas
de suporte.

Prevenção

Como profilaxia, a vacinação anti-hepatite A, é fortemente recomendada em


indivíduos VIH positivos, particularmente nos infetados por VHC.

As taxas de resposta, ou seja a garantia de proteção, com o desenvolvimento de


anticorpos anti-VHA é maior em indivíduos com melhor estado imunológico, isto é
com TCD4 >350 cél/mm3. Também a supressão viral do VIH tem influência na resposta
vacinal, conseguindo-se uma maior proteção e um efeito mais duradouro em
indivíduos com maior tempo de indetetabilidade do VIH. Quer o CDC (Center Diseases
Control), quer o EACS, recomendam a vacinação, independentemente do nível de
TCD4 nos indivíduos VIH positivos, sobretudo naqueles com maior risco de infeção por
VHA, ou seja viajantes, UDEV, HSH e os portadores de hepatites virais crónicas B ou C.

HEPATITE E

Dados epidemiológicos

O VHE (vírus da hepatite E) tem uma distribuição mundial, afetando o homem


esporadicamente. O genótipo 3 parece ser a forma mais virulenta, podendo levar a
formas crónicas e a doença mais severa nos indivíduos imunocomprometidos. Este
vírus também se transmite através de água/alimentos contaminados (fígado de
animais ou outras carnes mal cozinhadas, marisco, etc.) e mais raramente através da
via parenteral, materno-fetal ou animais infetados (ex.: caçadores). Muito
recentemente foram descritos vários casos associados ao consumo de carne de javali.

História Natural

A hepatite E assume formas mais severas no 3º trimestre da gravidez, e em indivíduos


com doença hepática crónica, em que a mortalidade atinge os 1,3%.

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Doenças Infeciosas 2017

Têm sido descritos casos em que a hepatite E evolui para a cronicidade,


particularmente em indivíduos transplantados, sob imunossupressores, em doentes
hemato-oncológicos ou infetados por VIH.

Não há uma relação direta entre o VIH e o VHE e os indivíduos infetados por VIH não
estão em maior risco de serem infetados por VHE, no entanto estes indivíduos têm um
risco claramente superior de desenvolverem doença hepática crónica. A própria
imunodepressão, pelas mais variadas razões, determina um atraso na eliminação do
VHE, pelo que o período de virémia é mais prolongado, facilitando a cronicidade e a
evolução para cirrose. Os indivíduos com TCD4 mais baixos, podem não conseguir
fazer a seroconversão de IgM para IgG, razão porque o ARN-VHE persiste detetável
durante maiores períodos de tempo.

Diagnóstico

Nos infetados por VIH, a técnica de PCR-RT é a adequada para determinar se existe ou
não uma forma crónica de hepatite E. A pesquisa de anticorpo pode dar um resultado
falsamente negativo devido à imunossupressão subjacente.

Tratamento

Embora em casos esporádicos tenha havido uma resposta viral sustentada após
terapêutica com PegInterferão e/ou conjuntamente com ribavirina, não há
recomendação para tratar a hepatite E nestes indivíduos. Mais recentemente o
Sofosbuvir (um inibidor da polimerase do VHC) tem sido testado no tratamento da
hepatite crónica por VHE.

Prevenção

As vacinas para a hepatite E continuam em desenvolvimento, apesar de uma vacina


recombinante ter sido desenvolvida na China.

A pesquisa do VHE deve ser considerada nos indivíduos VIH positivos com doença
hepática de causa desconhecida.

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Doenças Infeciosas 2017

CO-INFECÇÕES MÚLTIPLAS

A prevalência de infeções múltiplas (VIH/VHB, VIH/VHC, VIH/VHB/VHD,


VIH/VHB/VHD/VHC) é facilmente compreendida pelas formas de transmissão destes
vírus.

Sempre que o VHD está presente, assume a dominância viral sobre os outros (VHB e
VHC), que em geral, se mantêm com virémia indetetável. Na sua presença há uma
progressão muito mais rápida da doença hepática para formas de cirrose.

No caso da presença simultânea do VHB e VHC, parece haver um predomínio


recíproco com alternância viral, podendo o momento da infeção ter grande influência
nesta dominância, isto é se a infeção pelo VHC se seguiu à infeção pelo VHB, então
aquele pode ser o dominante. Note-se, no entanto, que esta dominância pode ser
oscilante com o tempo. No caso de indivíduos sob terapêutica imunossupressora, a
replicação de ambos os vírus pode ocorrer em simultâneo.

Em qualquer das co-infeções, a evolução é muito mais rápida, daí que estes indivíduos
estejam mais vulneráveis ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. O seu
rastreio regular é mandatório.

Bibliografia

EACS- European Treatment Guidelines. Version 8.2 January 2017

Puoti M, Moioli MC, Travi G, et al. The burden of liver disease in human
immunodeficiency virus-infected patients. Seminary Liver Diseases 2012; 32:103-13

Valente C. Actualização e novos desafios na coinfecção pelos vírus VIH e VHB. Rev Port
Doenças Infecciosas 2013; 9: 65-74

Poveda E, Puoti M, Garcia-Deltoro M, et al. News on viral hepatitis in HIV: update from
the 2016 GEHEP Conference. AIS Rev 2017; 19:47-53

Jafari A, Khalili H, Izadpanah S, et al. Safely treating hepatitis C in patients with HIV or
hepatitis B vírus coinfection. Expert Opinion Drug Safety 2015; 14(5): 1-19

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 260


Doenças Infeciosas 2017

Sarcoma de Kaposi

Introdução

O Sarcoma e Kaposi (SK) é uma doença angioproliferativa de etiologia vírica (vírus


herpes humano de tipo 8 ou VHH-8) e de patogénese multifactorial, ainda não
totalmente compreendida na actualidade, mas com uma evidente correlação com
disfunção imunitária dos hospedeiros.
Desde a descrição dos primeiros casos por Moritz Kaposi, em 1872 de
“hemangiosarcomas múltiplos e pigmentados” em idosos do sexo masculino de
ascendência judia, os avanços no conhecimento desta patologia permitem hoje
reconhecer quatro diferentes formas doença, com características próprias sob o ponto
de vista epidemiológico, clínico, evolutivo e de prognóstico:
1- SK clássico ou do idoso – corresponde ao tipo descrito por Moritz Kaposi,
afectando homens com mais de 60 anos, de origem mediterrânica ou judia;
atingimento cutâneo exclusivo e evolução indolente, habitualmente benigna;
2- SK africano ou endémico - referido pela primeira vez em 1914, afecta homens
jovens (25 – 40 anos) africanos residentes nas regiões central e oriental de África, não
associado a imunodeficiência mas mais agressivo do que o anterior; existe uma
variante linfadenopática do SK africano que atinge crianças (idade média de 3 anos) e
com evolução igualmente agressiva;
3- SK iatrogénico – descrito em 1970, em doentes a fazerem terapêuticas
imunossupressoras, tais como os transplantados de órgãos sólidos ou os submetidos a
corticoterapia por tempo prolongado ou ainda a quimioterapia;
4- SK epidémico ou associado à infecção por VIH – os primeiros casos foram relatados
em 1981, em adultos jovens norte-americanos, homossexuais masculinos, com
quadros clínicos / analíticos sugestivos de imunossupressão grave (SIDA); antes do
início da terapêutica anti-retrovírica de elevada eficácia – “HAART” – a prevalência do
SK nos doentes com SIDA era 20.000 vezes superior à da população geral; após a
década de 90 do século XX (p s “HAART”), a sua prevalência tem vindo a diminuir nos
países ocidentais.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 261


Doenças Infeciosas 2017

Em 1994, Chang e colaboradores identificaram o genoma de um novo vírus herpes


humano (hoje classificado como “vírus herpes humano do tipo 8 ou VHH-8”) em
amostras de tecido tumoral de SK. Embora os diferentes tipos epidemiológicos de SK
anteriormente referidos tenham uma etiologia comum - o VHH8 - as diferentes formas
de evolução clínica parecem ser explicadas pela influência ou participação de co-
factores genéticos, imunológicos e ambientais.
Para além de estar implicado na etiologia do SK, o VHH-8 foi também relacionado com
outras patologias tais como a “Doença de Castleman Multicêntrica e o “Linfoma
Primário de Derrame” (forma rara de linfoma de células B).
O genoma do VHH-8 foi detectado em saliva e sémen, concluindo-se que a sua
transmissão poderá ocorrer pela exposição a estes fluidos (saliva e secreções genitais).
As vias parentérica e vertical são também vias eficazes de disseminação deste agente.
A seroprevalência do VHH-8 na população em geral é bastante variável consoante a
área geográfica considerada e é mais elevada nos grupos populacionais de maior risco
para infecções sexualmente transmitidas. As taxas de prevalência mais elevadas (30 a
80%) verificam-se na África subsariana, onde o SK é das doenças neoplásicas mais
comuns. Em alguns países mediterrânicos, encontram-se taxas da ordem dos 10 a
20%.
Neste capítulo irá ser abordado apenas o SK associado à infecção por VIH, considerado
uma das doenças neoplásicas definidoras de SIDA desde os primeiros anos da
pandemia. Pode ocorrer em infectados por VIH sem critérios analíticos de
imunossupressão grave, ou seja, com contagens de linfócitos T CD4 (+) > 200 / mm3,
embora o risco seja significativamente mais elevado quando as contagens de linfócitos
T4 são reduzidas ou as virémias VIH elevadas.

Clínica

É um tumor multicêntrico, representado por múltiplos nódulos vasculares (purpúricos


ou violáceos escuros), que podem surgir na pele, mucosas, gânglios linfáticos ou
vísceras (tracto digestivo e respiratório, sobretudo). A sua evolução poderá ser

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Doenças Infeciosas 2017

indolente, com atingimento discreto da pele e/ou gânglios linfáticos, ou expressar-se


sob formas evolutivas mais agressivas, com envolvimento cutâneo e/ou visceral
extensos e prognóstico vital reservado.
As lesões cutâneas, em geral não dolorosas nem pruriginosas, afectam
frequentemente a face (nariz), os membros inferiores e a região genital; podem
confluir e fazer-se acompanhar de linfedema marginal ou ulceração, ocasionando
problemas estéticos (nas localizações à face) ou tornando-se incapacitantes se
localizadas sobre articulações ou nas regiões plantares. Na mucosa oral, as lesões
tumorais atingem sobretudo o palato e as gengivas, e o seu crescimento exofítico
pode impossibilitar a mastigação e a deglutição.
As lesões do tubo digestivo (igualmente de cor rosada a violácea e de crescimento
exofítico) podem encontrar-se desde a cavidade oral ao ânus; são muito friáveis e, por
esse motivo, o risco de sangramento é considerável. O envolvimento gastro-intestinal
pode ocorrer na ausência de lesões cutâneas, estando presente em 40 % dos doentes
à data do diagnóstico de SK; nesta localização, pode ser assintomático ou causar dor
abdominal, perda de peso, má absorção com diarreia ou oclusão, vómitos e
hemorragia.
As localizações pulmonares são as de pior prognóstico, pelos quadros de insuficiência
respiratória que lhe estão associados e pela resposta menos favorável à quimio e/ou
radioterapias.

Diagnóstico

O diagnóstico de certeza é histológico (a partir de peças de biópsia), muito embora o


aspecto macroscópico das lesões cutâneas / mucosas, bem como a sua localização,
possam ser muito sugestivos. Não esquecer, no entanto, que as lesões cutâneas e da
mucosa oral se podem confundir com outras entidades nosológicas, tais como: nevus,
angiomatose bacilar, angiomas, micobacteriose cutânea, granulomas piogénicos ou
infiltração cutânea linfomatosa.

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Doenças Infeciosas 2017

Nos infectados por VIH, o rastreio sistemático do VHH-8 por testes serológicos ou de
biologia molecular (PCR) não está indicado. A quantificação da virémia por VHH-8
poderá, no entanto, ser útil na monitorização da resposta à terapêutica do SK.
Tratamento

Os objectivos do tratamento podem ser apenas paliativos e estéticos ou então


preventivos da progressão do tumor e terapêuticos do compromisso de órgão. A
terapêutica anti-retrovírica combinada (TARVc) é um componente indispensável do
tratamento do SK epidémico, quer isoladamente (resolvendo grande número de casos
de atingimento cutâneo pouco extenso), quer associada à quimioterapia sistémica ou
à radioterapia.
Após o início da TARVc, pode ocorrer uma exacerbação das lesões de SK num contexto
de recuperação imunológica (síndroma de reconstituição imunológica ou SRI). O risco
de desenvolver uma SRI é mais elevado em doentes com baixas contagens de
linfócitos T CD4 (+) e virémias VIH elevadas.
Apesar da inexistência de protocolos terapêuticos “standard”, são várias as opções
atualmente disponíveis. A instituição de determinado esquema terapêutico em
detrimento de outro, irá depender de factores como: a extensão da doença,
localização e velocidade de progressão das lesões, estádio da doença (grau de
imunossupressão) e concomitância de outras patologias associadas ao VIH.

A- Lesões cutâneas localizadas ou pouco numerosas (< 25) ou lesões da mucosa oral

- Radioterapia local (400 rads/semana, durante 6 semanas ou dose única de 8


Gy); os efeitos secundários da radioterapia local nas doses anteriormente referidas
são mínimos quando se trata de lesões cutâneas, mas pode ser responsável por
mucosites graves quando aplicada a lesões das mucosas;
- cirurgia laser;
- crioterapia com azoto líquido;
- alitetroína em gel a 0,1 % para aplicação tópica (2 a 4 xs / dia, sobre as
lesões);

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Doenças Infeciosas 2017

- quimioterapia intralesional, nas lesões nodulares. Ex: Vimblastina, em soluto


a 0,2 – 0,3 mg/ml, injectar 0,1 ml/0,5 cm2 de lesão e repetir cada 3 a 4 semanas, se
necessário; interferão  intralesional (1 milhão U); Gonadotrofina coriónica humana
(2000 U intralesiona)l;
- Electroquimioterapia: é uma nova técnica de terapia local, recomendada para
nódulos cutâneos metastáticos e para várias neoplasias cutâneas primárias. Não tem
efeitos secundários sistémicos; aparentemente com excelentes taxas de resposta,
associadas a períodos de remissão também prolongados.
- TARvc - por si só, os esquemas anti-retrovíricos altamente eficazes da era
“p s HAART”, permitem controlar grande parte dos SK epidémicos que se apresentam
com lesões localizadas, pequenas ou pouco numerosas. Os esquemas de combinação
terapêutica que incluam “inibidores da protease” (IP), parecem permitir melhor
controlo das lesões de SK.

A terapia local também poderá ser utilizada com intuito paliativo, em casos de doença
rapidamente progressiva e não responsiva à quimioterapia e/ou radioterapia.

B- Lesões cutâneas numerosas (>25) e/ou extensas ou doença sistémica

1- Quimioterapia sistémica (monoterapia ou associações farmacológicas)

1. Doxorrubicina peguilada liposómica - 20 mg / m2, iv, cada 2 a 3 semanas;


2. Daunorrubicina liposómica - 40 mg/ m2, iv, cada 2 a 3 semanas;
3. ABV: bleomicina (10 mg / m2, iv) + vincristina (2 mg, iv)  adriamicina (10-20 mg /
m2, iv), cada 15 dias;
4. Paclitaxel (Taxol): 100 mg/ m2, em infusão iv (durante 3 horas),cada 2 semanas;
5. Vincristina (2 mg, iv) alternando com vimblastina (0,1 mg/Kg, iv), semanalmente;
6. Interferão  - 18 a 36 milhões de U /dia, via sc ou im, durante 10 a 12 semanas;
passar depois a 18 milhões de U/dia, 3 xs/semana;

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Doenças Infeciosas 2017

As antraciclinas (doxorrubicina e daunorrubicina) liposómicas são consideradas a


terapêutica de primeira linha do SK epidémico, sistémico ou de evolução mais
agressiva. Comparativamente à quimioterapia convencional de associação (ex: ABV ou
BV), aliam uma maior eficácia a um menor risco de efeitos secundários (menos
toxicidade cardíaca, gastrintestinal e neurológica; menos alopécia).
O tratamento com Paclitaxel é habitualmente reservado para situações de doença
sistémica recidivante ou refractária ao tratamento de primeira linha (antraciclinas
liposómicas ou ABV). A terapêutica com Paclitaxel está associada a uma incidência
elevada de efeitos secundários como mielossupressão, alopécia e neuropatia
sensitiva.
No SK de localização pulmonar, para além de esquemas mais agressivos de
quimioterapia, parece ter algum interesse a radioterapia.
Ter em atenção o risco sério de agravamento da imunodepressão de base (induzida
pelo VIH) e o aumento da incidência de infecções oportunistas, nos doentes
submetidos a esquemas agressivos de quimioterapia com citostáticos.

Observação – Têm melhor prognóstico (com maior probabilidade de resposta à


terapêutica do SK) os doentes com: contagem mais elevada de linfócitos CD4
(sobretudo se > 150 / mm3), lesões confinadas à pele ou gânglios linfáticos e ausência
de “sintomas B” (febre, hiperssudação nocturna, diarreia, < 10% de perda involuntária
de peso).
Tal como para outras doenças neoplásicas, também para o SK associado à SIDA se
pode fazer um estadiamento que permita distinguir as situações de bom ou mau
progn stico. Para esse fim, são utilizadas as iniciais T (de “tumor”), I (de “imunidade”)
e S (de “doença sistémica”). Assim, poderemos ter:
a)- T0 = lesões confinadas à pele e/ou gânglios linfáticos e/ou mucosa oral (palato, não
nodulares, mínimas) versus T1 = lesões ulceradas ou com edema associado, ou SK
gastrointestinal, ou SK extenso da mucosa oral, ou SK de outras vísceras exceptuando
gânglios linfáticos;
b)- I0 = linfócitos T CD4 (+) > 200/mm3 versus I1 = linf. T CD4 (+) < 200/mm3;

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Doenças Infeciosas 2017

c)- S0 = sem sintomas “B”, sem hist ria de infecções oportunistas (IO) ou candidose
oral, com índice de Karnofsky > 70 versus S1 = história prévia de IO ou candidose oral,
presença de sintomas “B”, índice de Karnofsky < 70.

2- Terapêuticas-alvo ou dirigidas
Na patogénese do SK parecem interferir mecanismos variados, de entre os quais
sobressaem a evasão imunitária, a oncogénese, a inflamação e a angiogenese. O seu
reconhecimento tem proporcionado linhas de investigação com o objectivo de
desenvolver terapias dirigidas ao bloqueio desses mesmos mecanismos, tais como as
baseadas na utilização de agentes anti-angiogénicos, de metaloproteínases e de
inibidores da sinalização de citoquinas. O recurso a este tipo de terapêuticas está
reservado aos pacientes com doença (SK) progressiva, apesar da quimioterapia e/ou
TARV. Ex:
a. Irinotecan (agente anti-angiogénico) – 150 mg/m2 no 1º dia + 10 mg/m2 cada
21 dias (associado a TARV incluindo inibidores da protease);
b. Talidomida (100 mg/dia, durante 12 meses) – a acção do fármaco é devida à
sua capacidade de bloquear a produção de TNF alfa, inibindo a proliferação das
células endotelias vasculares;
c. Interleucina-12 (IL-12) – estimula a resposta imunitária de tipo 1;
d. Mesilato de Imatinib (300 mg, 2id) – inibe o crescimento da massa tumoral.

3. Imunoterapia

O Interferão alfa, pelos seus efeitos imunomodelador, anti-vírico e anti-angiogénico,


revelou também eficácia quando utilizado em doses altas e associado à TARV, durante
pelo menos 6 meses. Contraindicação: contagem de linfócitos T CD4 < 200 / mm3.

Prevenção
A supressão eficaz da replicação do VIH em resultado da terapêutica anti-retrovírica
nos infectados por VIH com SK, pode prevenir a progressão da doença ou a ocorrência
de novas lesões.

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Doenças Infeciosas 2017

O Foscarnet e o Ganciclovir, provavelmente pela sua actividade anti-vírica sobre o


VHH-8, parecem ter alguma utilidade na prevenção do SK (os doentes tratados para
doença citomegálica com estes anti-víricos, têm menor risco de desenvolver SK).
Já existem linhas de investigação para a procura de uma vacina preventiva e
terapêutica da infecção por VHH-8, a qual seria particularmente útil para as
populações africanas que apresentam prevalências elevadas de infecção por VHH-8 e
VIH associadas a uma menor acessibilidade à TARVc.

Bibliografia

- La Ferla L, Pinzone MR, Nunnari G, Martellotta F, Lleshi A, Tirelli U, De Paoli P,


Berreta M, Cacopardo B. Kaposi`s sarcoma in HIV-positive patients: the state of
art in the HAART-era. Eur. Rev. Med. Pharmacol. Sci 2013; 17: 2354-65.
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Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available at
http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf. Last update:
18/5/2017. Accessed: 23/08/2017

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Doenças Infeciosas 2017

Arboviroses

Introdução e conceito
Nos últimos anos este grupo de patologias tem vindo a assumir um destaque cada vez
maior, não apenas pela grande dispersão geográfica que alcançaram, mas também
pelas implicações clínicas que advém da infeção por estes agentes.
As arboviroses englobam um amplo conjunto de agentes virais que se transmitem aos
hospedeiros vertebrados (humanos e não só) através da picada de artrópodes
(arbovirose – arthropod-borne virus). Para cada vírus existe um número limitado de
vetores competentes e disponíveis em cada local. Podem ainda ser consideradas
outras vias de transmissão para estes agentes: transfusão de hemoderivados,
transplante de órgãos, transmissão vertical, transmissão sexual e, em contextos muito
específicos, transmissão nosocomial.
Pertencem a este grupo, vírus provenientes de várias famílias das quais as mais
relevantes são Flaviviridae, Togaviridae e Bunyaviridae. De longe que o vírus do
Dengue é o mais frequente e reconhecido. O vírus Chikungunya e o vírus Zika, viram a
sua importância clínica reforçada apenas recentemente. Não obstante, existem
numerosos outros arbovírus cuja significância depende largamente da região do globo
considerada e da sintomatologia clínica que desencadeiam.
Neste capítulo serão abordados os vírus do Dengue, Chikungunya e Zika, pela sua atual
relevância epidemiológica e o vírus Toscana e vírus do Nilo Ocidental, os arbovírus
com ciclos de circulação conhecidos em Portugal. Outros arbovírus clinicamente muito
importantes, como por exemplo o vírus da Febre Amarela, o vírus da Encefalite
Japonesa ou o vírus da Febre Hemorrágica de Crimeia-Congo, serão alvo de exposição
noutros capítulos deste manual.

Epidemiologia
Num mundo verdadeiramente global em que as viagens, independentemente das suas
motivações (lazer, económicas, humanitárias...), se tornaram a regra e no qual as
alterações climáticas levaram a mudanças na ecologia de alguns dos vetores

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Doenças Infeciosas 2017

implicados na transmissão destas doenças, as Arboviroses constituem um problema


de saúde pública à escala planetária.
Dos mais de 450 arbovírus que se conhecem, aproximadamente 150 podem causar
doença em humanos. Destes, apenas uma fração é clinicamente significativa. A sua
abordagem faz-se em dois planos: o do doente que reside em regiões endémicas para
determinados arbovírus e o do viajante que regressa com doença febril no qual se
suspeita de uma arbovirose. Assim, é fundamental conhecer a distribuição geográfica
dos agentes mais comuns.

Vírus do Dengue

Epidemiologia:
O vírus do Dengue é um vírus de ARN de cadeia simples, que pertence à família,
Flaviviridae. Existem 4 tipos diferentes de vírus do Dengue: 1, 2, 3 e 4.
Transmitido essencialmente através da picada de mosquitos do género Aedes (A.
aegypti e A. albopictus) que se encontram ativos no período diurno. A transmissão
ocorre durante todo o ano, mas é mais intensa durante a estação das chuvas. O vírus
do Dengue pode também transmitir-se por transfusão de produtos sanguíneos ou
transplante de órgãos. A transmissão perinatal é possível quando a mãe é infetada no
período imediatamente antes do parto. Não há registo de transmissão congénita do
vírus, ao contrário do que sucede com o vírus Chikungunya ou o vírus Zika, ou de
transmissão sexual, como ocorre com este último.
A infeção pelo vírus do Dengue é endémica nas regiões tropicais e subtropicais. É uma
doença urbana e é uma das principais causas de febre em viajantes que regressam da
América Latina ou do Sudeste Asiático. Tem igualmente vindo a ser diagnosticado com
frequência crescente em doentes provenientes da África abaixo do Sara, mas com a
ressalva de que nesses doentes a prioridade vai para a exclusão de um possível
diagnóstico de malária.
A introdução do vírus em locais onde existam vetores competentes e onde ocorram
condições climáticas favoráveis à dispersão do vírus, pode levar à ocorrência de surtos

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Doenças Infeciosas 2017

em regiões onde a transmissão não é habitual, tal como aconteceu em Portugal, na


ilha da Madeira em 2012.

Clínica:
A doença tem um início abrupto após um período de incubação de 5 a 7 dias (3 a 10
dias). Três em cada quatro infeções pelo vírus do Dengue são assintomáticas. Quando
produz sintomas, estes são leves a moderados, incluindo: febre (que dura entre 2 a 7
dias e pode ser bifásica), mal-estar geral, artralgias e mialgias, cefaleia e dor retro-
orbitária, exantema macular ou maculopapular generalizado, por vezes pruriginoso e
que pode ser descamativo na fase de convalescença. Apesar do curso relativamente
benigno da maioria das infeções, até 5% dos doentes apresentam doença severa,
potencialmente fatal (taxas de mortalidade variam entre 1 e 10% nas diferentes séries
e estão amplamente dependentes da rapidez com que se instituem medidas de
suporte). Nestes casos, são mais frequentes as manifestações hemorrágicas tais como
petéquias, equimoses, púrpura, epistáxis ou hematúria. Muito utilizado em zonas
endémicas, o teste do torniquete pode apontar no sentido de doença grave.

Sinais de alarme incluem: febre prolongada, vómitos persistentes, dor abdominal,


manifestações hemorrágicas, dificuldade respiratória, choque hipovolémico e
trombocitopenia acompanhada de aumento do hematócrito, traduzindo
hemoconcentração. Outras manifestações incluem fenómenos de hepatite,
miocardite, pancreatite, estando também descritos casos de atingimento do sistema
nervoso central.

A vulgarmente chamada fase crítica do Dengue, inicia-se aquando da defervescência e


prolonga-se por 24-48h. Após esta fase, a maioria dos doentes melhora, mas aqueles
em que houve maior permeabilidade vascular podem desenvolver doença severa.
Até 2009, a Organização Mundial da Saúde possuía um sistema de classificação para a
doença provocada pelo vírus do Dengue que distinguia 3 patamares de doença: febre
do dengue, febre hemorrágica do dengue e síndroma de choque do dengue. Em
Novembro de 2009, esta classificação foi simplificada para apenas duas situações
possíveis: Dengue e Dengue Severo, sendo este último definido pela presença de
choque ou acumulação de fluídos no terceiro espaço, acompanhados de dificuldade
respiratória, hemorragia grave ou disfunção de órgão (hepatite grave; alteração do
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Doenças Infeciosas 2017

estado de consciência ou insuficiência cardíaca). Alguns autores entendem que se


trata de uma classificação demasiado simplista, mas é mais fácil de aplicar em regiões
endémicas e não deixa de apontar claramente para os sinais de alarme a considerar
nos doente com potencial de evolução para doença grave.
Diagnóstico:

Em zonas endémicas, o diagnóstico assenta largamente nas características clínicas


apresentadas pelo doente. Já o diagnóstico laboratorial pode ocorrer por meio de:

- Testes rápidos de identificação de NS1 (dengue nonstructural protein 1).

- Biologia molecular (RT-PCR) – identificação do vírus no soro nos primeiros 5 dias de


febre.
- Serologia – deteção de IgG e IgM e documentação de seroconversão. A presença de
IgM numa única amostra sugere uma provável infeção recente, mas existe um
potencial para reação cruzada com outros flavivírus que possam estar em circulação
na mesma zona. Já a deteção isolada de IgG não tem qualquer interesse pois esta
molécula pode permanecer detetável por longos períodos de tempo após a infeção,
além do que indivíduos vacinados contra Febre Amarela ou Encefalite Japonesa,
podem exibir fenómenos de reação cruzada nos estudos serológicos, levando a falsos
positivos. Daí que, em laboratórios de referência se aplique mais de uma técnica em
simultâneo, nomeadamente ELISA e testes de hemaglutinação, por exemplo.

A deteção da proteína NS1 ou um resultado positivo de PCR confirma um diagnóstico


de dengue, enquanto que a serologia requer mais cautelas na sua interpretação.
Achados laboratoriais comuns incluem: leucopenia; trombocitopenia; hiponatrémia;
elevações moderadas de ALT e AST.

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Doenças Infeciosas 2017

Figura 1 – História natural da infeção sintomática por vírus do dengue

Tratamento:
Não existe tratamento específico, devendo o cuidado ser orientado para medidas de
suporte, nomeadamente a reposição da volémia. Devem evitar-se os AINEs pelo risco
hemorrágico que acarretam, sendo a febre controlada com recurso ao paracetamol.
Não existe benefício demonstrado na administração de corticóides, excepto quando
existem complicações auto-imunes associadas.

Prevenção:
Não existe uma vacina licenciada para a prevenção da doença em viajantes, contudo,
países como o Brasil ou as Filipinas têm uma vacina viva atenuada disponível. Os
estudos de licenciamento apontam para eficácias variáveis consoante os serotipos e
grupo etário, o que levou à sua aprovação para indivíduos entre os 9 e os 45 anos.

Vírus Chikungunya
Epidemiologia:
O vírus Chikungunya é um vírus de ARN de cadeia simples, pertencente à família
Togaviridae, ao género Alphavirus.

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Doenças Infeciosas 2017

É transmitido aos humanos através da picada de um mosquito infetado. Partilha o


mesmo vetor com o vírus do Dengue (Aedes spp). O seu reservatório natural são os
primatas não humanos, mas em períodos de surto de doença, podem ocorrer ciclos de
transmissão que incluam apenas o vetor e o humano. Tal como outros arbovírus, é
possível a sua transmissão através do contato com sangue de pessoas virémicas. Já a
transmissão materno-fetal também é possível, sobretudo quando a mulher se
encontra virémica no período do parto.
Este vírus está associado à possibilidade de ocorrência de grandes surtos, com taxas
de ataque elevadas. Nos últimos anos esses surtos têm sido frequentemente descritos
um pouco por todo o globo (nas regiões de clima tropical e subtropical), incluindo
surtos em solo Europeu (Itália e França). Neste momento, o vírus circula de forma
continuada quer na América Central e do Sul, no Sudeste Asiático, nas Ilhas do Pacífico
e em África.

Clínica:
Ao contrário da maioria dos arbovírus, nos quais a maioria das infeções é
assintomática, neste caso, apenas 3 a 28% dos infetados não têm sintomas. O período
de incubação é de 3 a 7 dias (de 1 a 12 dias). Por norma a doença tem início abrupto,
com febre alta e dor articular intensa. Outras manifestações podem incluir: cefaleia,
mialgias, artralgias, conjuntivite, vómitos e erupção cutânea maculopapular (que
predomina no tronco e extremidades, mas que pode atingir palmas, plantas e face). A
febre raramente se prolonga além de uma semana e também pode ser bifásica. As
queixas articulares são proeminentes e muitas vezes incapacitantes. A regra é que
múltiplas articulações sejam afetadas – predileção para as articulações das mãos e pés
(mas também podem envolver o esqueleto axial), com atingimento bilateral e por
vezes simétrico.
As complicações são raras, mas podem ocorrer, estando descritas: miocardite, doença
ocular – uveíte e retinite, hepatite aguda, doença renal aguda, doença cutânea severa
com formação de exantemas bolhosos e também sintomas neurológicos. Nestes,
destacam-se quadros de meningoencefalite, síndroma de Guillain-Barré, fenómenos
de mielite e parésia de nervos cranianos.

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Doenças Infeciosas 2017

Os indivíduos com maior risco de desenvolverem complicações são os recém-nascidos,


expostos no momento do parto, doentes com mais de 65 anos e aqueles que possuem
outras comorbilidades.
Na maioria dos casos, após 7 a 10 dias de doença, os sintomas desaparecem. Apesar
de extremamente incapacitante, casos de morte associados são extremamente raros,
verificando-se sobretudo em doentes idosos.
Alguns doentes (entre 5 a 80% dos casos, dependendo das séries) podem manter
queixas persistentes de dor articular, poliartrite, tenossinovite ou fenómeno de
Raynaud nos meses que se seguem à doença aguda.
No que se refere à infeção na gravidez, a doença não tem expressão diferente na
mulher grávida. Contudo, quando ocorre transmissão intraparto ao recém-nascido,
esta pode acarretar complicações para o bebé, tais como doença neurológica,
sintomas hemorrágicos, atingimento cardíaco e erupção cutânea extensa e bolhosa.
Existem ainda casos descritos de aborto espontâneo, quando a infeção ocorre no
primeiro trimestre de gravidez.

Diagnóstico:
Assenta largamente em critérios clínicos, sobretudo em regiões endémicas. Para um
diagnóstico de certeza, existem vários métodos laboratoriais: na primeira semana
após o início dos sintomas pode proceder-se à identificação direta do vírus, por
técnicas de biologia molecular (e por cultura celular em laboratórios de referência).
Com mais de 7 dias de doença é expectável que exista já uma resposta imunológica
mensurável, o que permitirá a utilização de métodos serológicos que apresentam as
limitações já atrás mencionadas.
Achados laboratoriais comuns incluem: trombocitopenia; linfopenia; elevação da
creatinina e alteração da enzimologia hepática.

Tratamento:
Não existe terapêutica antivírica dirigida ao vírus Chikungunya. O tratamento é
sintomático e deve passar pelo repouso, ingestão de fluídos e medicação com

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Doenças Infeciosas 2017

analgésicos e antipiréticos. Os AINEs são permitidos, mas apenas quando o


diagnóstico de Dengue tenha sido afastado com certeza,
Para os doentes que desenvolvem queixas persistentes, o uso mais prolongado de
AINEs, terapêutica com corticóides e fisioterapia podem ajudar no controlo dos
sintomas.

Tabela 1 – Comparação das caraterísticas clínicas e laboratoriais entre infeção por Dengue e
Chikungunya.

Prevenção:
Não existe qualquer vacina ou medicação protetora contra a infeção por este agente.
Assim, a prevenção assenta apenas em medidas de proteção individual e em medidas
de controlo vetorial.

Vírus Zika

Epidemiologia:
O vírus Zika é um vírus de cadeia simples de ARN, pertencente à família Flaviviridae, ao
género Flavivirus. Foi isolado pela primeira vez em 1947, em primatas não humanos
na floresta Zika no Uganda. Entre os anos de 1951 e 2007, manteve a sua circulação
entre humanos, com aparecimento de casos esporádicos de doença, sempre com
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Doenças Infeciosas 2017

localização geográfica restrita em regiões da África e da Ásia. No ano de 2007, o surto


documentado na ilha de Yap, no oceano Pacífico, foi a primeira manifestação de uma
tentativa de globalização por parte deste arbovírus. Em 2015 assistiu-se a um surto de
elevadas proporções no Brasil, no qual foram colocadas em evidência características
até aí desconhecidas do vírus. Hoje, o vírus Zika está presente no sudeste asiático, no
continente africano e numa ampla região do continente americano.
O seu mecanismo principal de transmissão é através da picada de mosquitos do
género Aedes infetados pelo vírus. Existem outras vias de transmissão do vírus como a
transfusão de hemoderivados, a transmissão sexual, intrauterina e perinatal. Não se
conhecem casos de transmissão da doença através do aleitamento materno.

Clínica:
A larga maioria das infeções pelo vírus Zika é assintomática. Estima-se que apenas
uma em cada quatro pessoas infetadas desenvolva sintomas e, até muito
recentemente, a infeção era considerada benigna, com uma duração máxima de
aproximadamente sete dias.
As manifestações mais comuns são febre, exantema (predominantemente
maculopapular), cefaleia, artralgias, mialgias, astenia e conjuntivite, que podem
ocorrer entre 3 a 12 dias após a picada do mosquito infetante. Estas queixas são muito
semelhantes às apresentadas no contexto de outras arboviroses, havendo a ressaltar
aqui a maior frequência do exantema e a presença de conjuntivite, dados clínicos que,
em países de baixos rendimentos e nos quais existe a circulação de outros arbovírus, é
muitas vezes orientadora do raciocínio clínico.
Durante o surto do vírus no Brasil, assistiu-se a uma elevação significativa do número
de crianças nascidas com microcefalia face ao esperado na população. Inicialmente
não se encontrava claramente definida uma relação de causa-efeito, mas
posteriormente ARN do vírus Zika foi identificado em muitas dessas crianças,
nomeadamente a nível do líquido cefalorraquidiano. Outras alterações congénitas
provocadas pelo vírus Zika incluem calcificações cerebrais e alterações retinianas,
entre outras.

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Doenças Infeciosas 2017

Além destas complicações devastadoras, o vírus Zika tem também a capacidade de


produzir casos de doença grave, com complicações neurológicas como a síndrome de
Guillian-Barré e encontram-se já descritos casos de óbito causado pela infeção por
este vírus.

Diagnóstico:
Em linha com o descrito previamente, o diagnóstico, além de orientado por critérios
clínicos, assenta na identificação do vírus por técnicas de biologia molecular (ou
cultura celular em laboratórios de referência) ou por serologia. Das limitações do
diagnóstico serológico, além de mais demorado e muitas vezes retrospetivo,
destacam-se as reações cruzadas entre os flavivírus (sobretudo em indivíduos com
histórias de vacinação relevante). Contudo, não são de esperar reações cruzadas com
outros vírus, nomeadamente com os alfavírus, dos quais faz parte o vírus
Chikungunya. A deteção de anticorpos por métodos ELISA ou IFA poderá depois ser
confirmada através da deteção de anticorpos neutralizantes.
A forma mais rápida de diagnóstico dos arbovírus é através de técnicas de biologia
molecular. Porém, o curto intervalo de tempo em que o vírus se encontra no sangue e
na urina, faz com que um elevado índice de suspeição seja determinante na
abordagem destes casos. No caso do vírus Zika, este pode ser pesquisado por PCR no
sangue nos primeiros 5 dias de doença e na urina até 14 dias após o início de
sintomas.

Tratamento:
Não existe terapêutica dirgida contra o virus Zika. O tratamento baseia-se em medidas
de suporte. O uso de AINEs é desaconselhado até que o diagnóstico de Dengue esteja
excluído. As mulheres grávidas ou em idade fértil devem ser aconselhadas
relativamente à sua situação clínica.

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Doenças Infeciosas 2017

Tabela 2 – Comparação das caraterísticas clínicas e laboratoriais entre infeção por Dengue e Zika.

Prevenção:
A primeira medida é a de evicção da picada do mosquito através de medidas que
adiante se elucidam. Devem utilizar-se métodos barreia no contacto sexual sempre
que se haja a possibilidade de um dos parceiros estar infetado pelo vírus. Para as
mulheres em idade fértil, nomeadamente aquelas que preveem engravidar, viagens
não essenciais a zonas de circulação do vírus devem ser ponderadas.

Zika e gravidez:
As grávidas regressadas de áreas afetadas devem adotar relações sexuais protegidas
com preservativo ou abstinência sexual até ao final da gravidez.
Perante a presença de uma grávida com possível exposição ao vírus Zika (incluindo
exposição sexual), a DGS recomenda: tratamento sintomático, se aplicável,
diagnóstico laboratorial e realização de ecografia:
- Se detetada microcefalia, calcificações intracranianas ou outras alterações do
sistema nervoso central deve realizar-se amniocentese para pesquisa do ARN viral e
acompanhar a grávida de acordo com a avaliação de risco;
- Se não se detetam alterações, deve repetir-se a ecografia de 4 em 4 semanas.

Já os casais que planeiam engravidar, se apenas um dos elementos do casal regressou


de áreas afetadas (com ou sem sintomas):

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Doenças Infeciosas 2017

- Deve evitar a gravidez durante 6 meses (se foi o homem que viajou);
- Deve evitar a gravidez durante 8 semanas (se apenas a mulher viajou).
O diagnóstico laboratorial está apenas indicado em casos selecionados.

Vírus Toscana

Epidemiologia:
Inicialmente identificado em 1971, o vírus Toscana é um vírus de ARN de cadeia
simples pertencente à família Bunyaviridae, ao género Phlebovirus. O seu vetor é um
mosquito pertencente ao género Phlebotomus. Relativamente ao seu ciclo de vida,
nem a existência de um reservatório animal vertebrado, nem qual o papel do
hospedeiro humano, se encontram completamente elucidados. Para já, admite-se que
os próprios vetores possam também atuar como reservatórios do vírus na natureza. A
sua distribuição geográfica abrange os países mediterrânicos e acredita-se que exista
uma sazonalidade na distribuição da infeção, sendo esta mais comum de Abril a
Outubro.

Clínica:
A grande maioria das infeções é assintomática ou causa apenas sintomatologia ligeira.
A forma de doença mais relevante é a de doença neuro-invasiva. O período de
incubação é curto – 3 a 7 dias (máximo de 14 dias), podendo ser influenciado pela
quantidade do inóculo. Por norma, a clínica é de início abrupto com cefaleias, febre,
náuseas, vómitos e mialgias. À observação pode estar presente rigidez da nuca,
alteração do estado de consciência e sinais neurológicos focais. A doença tem uma
duração média de 7 dias e a evolução é geralmente benigna, sendo muitas vezes
impossível de distinguir clinicamente de outras formas de meningite de líquor claro.
Ainda assim, encontram-se descritos na literatura casos severos de doença com
manifestações neurológicas mais graves. O atingimento preferencial é do sistema
nervoso central, havendo, contudo, alguns relatos de casos de doença neurológica de
tipo periférico causada pela infeção pelo vírus Toscana. O exame citoquímico do

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Doenças Infeciosas 2017

líquido cefalorraquídeo revela pleocitose ligeira (mononuclear), com proteínas e


glicose normais. Perifericamente, pode existir leucocitose ou leucopenia.
Diagnóstico:
Para além de um elevado nível de suspeição clínica, o laboratório é fundamental para
diagnóstico de certeza desta arbovirose:
- Serológico – documentação de seroconversão ou deteção de IgG e/ou IgM. As
maiores limitações são a necessidade de recolher amostras seriadas (e assim levar a
um diagnóstico retrospetivo na maioria das vezes) e a reatividade cruzada com outros
arbovírus.
- Técnicas de biologia molecular – identificação do vírus no soro e/ou líquido
cefalorraquídeo. São testes rápidos e altamente sensíveis, cuja grande dificuldade se
prende com o curto período de doença, o que implica uma forte suspeição clínica para
a sua solicitação.

Tratamento:
Apenas medidas sintomáticas. Não existe tratamento dirigido contra o vírus Toscana.

Prevenção:
Não existem medidas preventivas específicas dirigidas a este vírus.

Vírus do Nilo Ocidental

Epidemiologia:
O vírus do Nilo Ocidental pertence à família Flaviviridae. É mantido na natureza
através de um ciclo enzoótico entre os mosquitos do género Culex, que atuam como
vetores, e os seus hospedeiros naturais – as aves, que habitam áreas pantanosas.
Cavalos e humanos são hospedeiros terminais (dead-end hosts) pois nestes não se
conseguem alcançar níveis de virémia suficientemente elevados para dar continuidade
ao ciclo de vida do vírus. Além da picada de mosquito, existem outras vias de
transmissão documentadas, tais como transfusão de hemoderivados e transplantação
de órgão, entre outras.

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Doenças Infeciosas 2017

A sua dispersão é verdadeiramente global, estando presente em todos os continentes


à exceção da Antárctica. Existem 7 linhagens, sendo a linhagem 1 endémica na bacia
mediterrânica, Europa Oriental, América do Norte, Caraíbas e América Latina. Ainda
assim, existe evidência crescente da circulação de vírus pertencentes à linhagem 2
como causas de doença nos países Europeus e seus vizinhos do Norte de África. Tal
como o vírus Toscana, existe uma predileção pelos meses mais quentes do ano.

Clínica:
O período de incubação pode ir de 2 a 14 dias. Na larga maioria dos casos, a infeção
em humanos é assintomática ou produz sintomas ligeiros caraterizados por febre,
mal-estar geral, mialgias e exantema difuso. Estes sintomas têm uma duração variável
de 3 a 6 dias, havendo, contudo, indivíduos que podem necessitar de mais tempo para
recuperar. Menos de 1% dos doentes infetados pelo vírus do Nilo Ocidental
apresentam formas graves de doença que se caraterizam por quadros de encefalite,
meningite ou paralisia flácida aguda. Apesar de ser uma doença geralmente benigna,
as formas neuro-invasivas têm uma taxa de mortalidade que pode ir até 10%, sendo
os indivíduos nos extremos da idade ou aqueles com comorbilidades os que
apresentam maior risco de desenvolverem formas graves de doença.

Diagnóstico:
Para além de um elevado nível de suspeição clínica, o laboratório é fundamental para
diagnóstico de certeza desta arbovirose:
- Serológico – documentação de seroconversão ou deteção de IgG e/ou IgM. As
maiores limitações são a necessidade de recolher amostras seriadas (e assim levar a
um diagnóstico retrospetivo na maioria das vezes) e a reatividade cruzada com outros
arbovírus. É necessário levar em conta a história vacinal do indivíduo na interpretação
dos resultados serológicos.
- Técnicas de biologia molecular – identificação do vírus no soro, líquido
cefalorraquídeo e/ou urina. São testes rápidos e altamente sensíveis, cuja grande
dificuldade se prende com o curto período de doença, o que implica uma forte
suspeição clínica para a sua solicitação.

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Doenças Infeciosas 2017

Tratamento:
Apenas medidas de suporte. Não existe tratamento dirigido contra o vírus do Nilo
Ocidental.
Prevenção:
Não existem medidas preventivas específicas dirigidas a este vírus.

Prevenção e controlo

Existem várias medidas passíveis de serem adotadas com vista à prevenção da infeção
por estes vírus, evitando a picada mosquito vetor:

- Medidas de proteção individual: uso de roupas (que podem estar impregnadas por
repelente) largas, de cores claras, que cubram a maior superfície corporal possível. Na
pele exposta, recomenda-se a aplicação de repelentes com concentrações de DEET
adequadas (>20%) que devem ser reaplicados regularmente. Quando houver
igualmente necessidade de uso de protetor solar, primeiro aplica-se o protetor solar e
posteriormente o repelente. Grávidas e crianças devem procurar aconselhamento
específico relacionado com a aplicação destes produtos.

- Controlo vetorial: assenta em várias medidas complementares – combate aos


criadouros das larvas dos mosquitos, controlo da população de mosquitos através da
utilização de agentes químicos (consoante o vetor em causa, assim se aplicam em
localizações distintas – domicílio, peri-domicílio, outras áreas selecionadas...). Outro
pilar fundamental é o da vigilância epidemiológica dos vetores levada a cabo pelas
instituições sanitárias locais e também por redes de vigilância internacionais.

De notar que todas estas patologias são Doenças de Declaração Obrigatória.

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Doenças Infeciosas 2017

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por vírus Zika
7 - Ministério da Saúde Brasileiro - secretaria de Vigilância em Saúde. Dengue:
diagnóstico e manejo clínico – adulto e criança. 5aedição; 2016

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DOENÇAS VÍRICAS HEMORRÁGICAS

INTRODUÇÃO
As febres hemorrágicas são tradicionalmente causadas por vírus pertencentes
a quatro famílias distintas (Arenaviridae, Bunyaviridae, Filoviridae e Flaviviridae)[tabela
1], que causam disfunção multiorgânica e que têm por base o atingimento do sistema
vascular. Apresentam-se como uma doença febril aguda acompanhada de sinais de
diátese hemorrágica.
Nos últimos anos foram descobertos novos agentes etiológicos,
nomeadamente o Vírus Chapare (arenavírus; Bolivia) o Vírus Bas-Congo, pertencente à
família Rhabdoviridae (previamente não associada a febres hemorrágicas e isolado na
República Democrática do Congo) e o vírus Lujo, (arenavírus; África do Sul/Zâmbia).
As epidemias têm sido esporádicas e geograficamente restritas às zonas
endémicas. Contudo, numa época em que viajar para estas áreas se torna cada vez
mais frequente, aliado ao facto do tempo de duração dessas viagens poder ser inferior
ao período de incubação, é preocupante a possibilidade de existência de casos em
diferentes áreas geográficas perante o surgimento de um surto epidémico.
Estes vírus podem ser utilizados como armas biológicas, visto que possuem
algumas das seguintes características: morbilidade e mortalidade elevada, potencial
para transmissão interpessoal, dose infectante baixa e elevada disseminação por via
aérea, ausência de vacinas eficazes, potencial para provocar pânico na sociedade,
capacidade de produção em larga escala, e estabilidade ambiental. Com excepção do
vírus Dengue, qualquer um dos outros agentes etiológicos das febres hemorrágicas
pode ser aerossolizado em laboratório. Salienta-se também que existem dificuldades
técnicas na capacidade de produção em larga escala dos vírus da febre hemorrágica
Crimeia-Congo e da febre hemorrágica com síndroma renal por hantavírus, pelo que, a
utilização destes agentes como armas biológicas está condicionada.
A transmissão interpessoal é possível, essencialmente através de contacto
directo com sangue e fluidos corporais. Em alguns surtos provocados por arenavírus e
filovírus existiram suspeitas de transmissão interpessoal por via aérea. No entanto, tal
facto nunca foi provado. O risco de transmissão interpessoal é mais elevado na fase

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tardia da doença, altura em que o doente pode apresentar vómitos, diarreia, choque
e, frequentemente, hemorragias.
A transmissão nosocomial está bem documentada nas infecções por
bunyavírus (ex: febre hemorrágica Crimeia-Congo) e filovírus (ex: febre hemorrágica
de Ébola).
Uma vez que a maioria destas doenças ocorre em locais remotos, com
infraestruturas sanitárias inadequadas ou inexistentes e com poucos recursos de
saúde, a cadeia epidemiológica é muitas vezes difícil de estabelecer.

ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA
Os arenavírus são mantidos na natureza em roedores e a infecção humana
ocorre por contacto directo ou indirecto com os seus produtos de excreção, ou por
inalação de aerossóis contendo excreta dos mesmos.
A febre hemorrágica argentina apresenta como hospedeiros principais
roedores Calomys sp., estando associada à actividade agrícola nas pampas argentinas.
Na década de 1960 foi isolado na Bolívia o vírus Machupo e o vírus da febre de Lassa
na Nigéria. Este último tem como reservatório natural roedores da espécie Mastomys
natilensis. Na década de 1990 foram isolados em estudos necrópsicos novos
arenavírus, nomeadamente o vírus Guanarito na Venezuela e o vírus Sabiá, no Brasil.
De todos os bunyavírus, o mais patogénico para os humanos é o vírus da febre
do vale do Rift. A doença foi reconhecida no vale do Rift, no Quénia e a infecção
humana ocorre por picada de mosquito infectado, por contacto directo com tecidos
animais (por exemplo de ovinos e caprinos) infectados, por inalação de aerossóis
contendo partículas virais provenientes de restos mortais de animais infectados ou
por ingestão de leite de um animal doente. Os técnicos de laboratório apresentam
risco elevado de adquirirem a doença por via aérea através de aerossóis gerados a
partir de amostras contaminadas. Diversos géneros de mosquitos como por exemplo,
Aedes (o mais frequente), Anopheles e Culex, podem ser vectores deste vírus.
Em 1944 surgiu na Crimeia um surto de febre hemorrágica em trabalhadores
agrícolas, e em 1967 foi isolado o seu agente etiológico que foi denominado de vírus
Crimeia. Em 1969 foi demonstrado que este vírus era idêntico ao vírus Congo que

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tinha sido isolado em 1956 e desde então os dois nomes passaram a ser utilizados
conjuntamente para designarem o mesmo agente. A transmissão ocorre através de
picada de carraças Ixodes pertencentes a três géneros (Hyalomma, Dermacentor e
Rhipicephalus) e vários animais domésticos e selvagens podem ser hospedeiros.12 Este
vírus tem sido associado a surtos nosocomiais esporádicos mas particularmente
graves.
Ao contrário dos outros bunyavírus, os hantavírus não são transmitidos por
artrópodes, mas sim por contacto com roedores infectados ou seus excrementos. Os
principais hantavírus responsáveis por febre hemorrágica com síndroma renal são os
vírus: Hantaan, Puumala, Dobrava e Seoul, que são mantidos na natureza em roedores
das espécies Apodemus agrarius, Clethrionomys glareolus, Apodemus flavicollis e
Rattus norvegicus, respectivamente. No seu conjunto os hantavírus apresentam uma
distribuição geográfica mundial, destacando-se o vírus Hantaan no Extremo Oriente, o
vírus Puumala na Europa, o vírus Dobrava nos Balcãs e o vírus Seoul nas zonas
urbanas.
Os filovírus incluem os vírus Marburgo e Ébola e a sua transmissão aos
humanos faz-se através de contacto com sangue, secreções ou tecidos de doentes ou
primatas infectados. É igualmente possível a transmissão percutânea (associado a uma
mortalidade mais elevada). A transmissão através das mucosas oral, nasal e
conjuntival está documentada em experiências com primatas, contudo ainda não
foram evidenciadas em humanos.
Desde 1967, data em foi isolado o vírus Marburgo na sequência de um surto de
febre hemorrágica na Alemanha (em Frankfurt e Marburgo) e Jugoslávia (em
Belgrado) que atingiu técnicos de laboratório expostos a sangue e tecidos de macacos
verdes africanos (Cercophitecus aethiops) importados do Uganda, já existiram algumas
dezenas de novos surtos, na sua maioria em África.
As duas primeiras estirpes do vírus Ébola foram identificadas como estando na
origem dos surtos epidémicos de febre hemorrágica que surgiram, quase em
simultâneo em pequenas comunidades no Sudão e Zaire (actual República
Democrática do Congo) em 1976. A transmissão percutânea, através de agulhas e
seringas não esterilizadas ficou bem documentada nestes surtos. Em 1989, surgiu uma

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terceira estirpe (não patogénica para os humanos) em Reston, nos EUA, em associação
com um surto de febre hemorrágica em macacos Cynomolgus importados das
Filipinas. Uma nova estirpe (Costa do Marfim), foi responsável pela existência de
surtos ocorridos na Costa do Marfim e no Gabão, em 1994 e 1995 respectivamente.
Mais recentemente, em finais de 2007 e 2008, no seguimento de uma epidemia de
febre hemorrágica na parte ocidental do Uganda foi isolada uma quinta estirpe
(Bundibugyo).
Muito pouco se conhece acerca da história natural da infecção por filovírus e
pensa-se que os seus reservatórios naturais sejam os morcegos frutígeros.
Finalmente, os flavivírus incluem os agentes da febre amarela e do dengue que
são transmitidos através da picada de mosquitos Aedes infectados e os agentes das
febres hemorrágicas de Omsk e da Floresta de Kyasanur que, por sua vez, são
transmitidos através da picada de carraças infectadas.
A zona endémica para febre amarela localiza-se entre as latitudes 10ºN a 40ºS
no continente americano e 16ºN a 10ºS no continente africano.
Existem 5 serotipos de dengue com ausência de imunidade cruzada, sendo o
risco de febre hemorrágica superior numa segunda infecção. Estão documentados
alguns casos de transmissão nosocomial de dengue, bem como de infecções em
técnicos de laboratório, através de inalação de aerossóis enquanto cultivavam estes
vírus.
O vírus da febre hemorrágica de Omsk foi isolado na Sibéria e é transmitido
através de picadas de carraças Dermocenter reticulates e Dermocenter marginatus. O
vírus da febre hemorrágica da Floresta de Kyasanur foi isolado na Índia, sendo
endémico no estado de Karnataka e transmite-se através de picadas de carraças
Haemophysalis spinigera.

CLÍNICA
Na tabela 2 descrevem-se as manifestações clínicas, que são inespecíficas e
nem todos os pacientes infectados desenvolvem febre hemorrágica.

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As alterações analíticas mais frequentes incluem: leucopenia (excepto em


alguns casos de febre de Lassa em que pode haver leucocitose), anemia ou
hemoconcentração, trombocitopenia e elevação das transaminases. Pode ainda haver
alteração da função renal.
Quanto ao período de transmissibilidade, alguns vírus podem ser encontrados
no sémen e serem transmitidos por via sexual até: 83-92 dias no caso do Marburgo,
80-100 dias no Ébola, 90 dias no vírus da febre de Lassa e 7 a 22 dias no Junin.

DIAGNÓSTICO
Considera-se um caso suspeito de febre hemorrágica viral, um indivíduo que
apresente os seguintes critérios: a) habitante ou estadia em zona endémica; b)
temperatura superior a 38,5ºC de duração superior a 72 horas e inferior a duas
semanas; c) fadiga e prostração; d) um ou mais dos seguintes sintomas e sinais: “rash”
purpúrico ou hemorrágico, hemorragia activa ou sinais de choque; e) ausência de
factores de risco prévios para sintomas hemorrágicos; f) contacto com animais ou
pessoas doentes, contacto com restos mortais de animais ou que tenha sido picado
por artrópodes até cerca de 21 dias antes do início da sintomatologia; g) ausência de
diagnóstico estabelecido.
O diagnóstico deve ser baseado em dados clínicos e confirmado por testes
laboratoriais. Contudo, o diagnóstico específico requer o isolamento do vírus ou a
detecção de evidência serológica da infecção em amostras de soro.
As técnicas laboratoriais para diagnóstico das FHV incluem: detecção de
antigénios, detecção de anticorpo IgM (por exemplo pelo método ELISA – “Enzyme
Linked Immunosorbent Assay”), isolamento em culturas celulares, visualização por
microscopia electrónica, técnicas de imunohistoquímica e RT-PCR (“Reverse
transcriptase Polymerase Chain Reaction”). A confirmação serológica baseia-se na
presença de IgM ou de um título de IgG que se eleva pelo menos quatro vezes nas
determinações efectuadas durante a fase aguda e o período de convalescença. O
isolamento viral por cultura celular é o método de referência, contudo encontra-se
limitado pela necessidade de ser feito somente em laboratórios de nível 4 de
biosegurança e pelo tempo de cultura (3 a 10 dias para a maioria dos vírus; os

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hantavírus requerem um tempo superior). Portugal, até ao momento não dispõe de


laboratórios de nível 4 de biosegurança. O diagnóstico por imunohistoquímica é
realizado numa fase post-mortem, através de biópsias da pele e/ou fígado.
O diagnóstico diferencial inclui, entre outras entidades: malária, febre tifóide,
disenteria, riquetsioses, meningococémia, sépsis, leptospirose, hepatites víricas,
shigelose, rubéola, tripanossomose e diátese hemorrágica de causa não infecciosa.

TRATAMENTO
O tratamento das FHV é sintomático e de suporte, pelo que o objectivo
principal é a estabilização do equilíbrio hidro-electrolítico, do volume circulatório e da
pressão arterial. As injecções intramusculares e os anti-agregantes plaquetares estão
contra-indicados.
Segundo as recomendações da “European Agency for the Evaluation of Medical
Products” (EMEA) preconiza-se o uso da ribavirina no tratamento destas entidades,
somente em adultos (tabela 3).
Após a identificação de um caso suspeito, este deve ser comunicado à
Autoridade de Saúde e recomenda-se, mesmo antes da confirmação diagnóstica, o
início da terapêutica com ribavirina. Caso se confirme uma infecção por arenavírus ou
bunyavírus, dever-se-á manter a ribavirina durante 10 dias. Caso contrário, isto é, nas
infecções por filovírus ou flavivírus, a ribavirina deverá ser suspensa.
A ribavirina, segundo alguns estudos, quando administrada sob a forma
endovenosa nas primeiras seis horas após o início da febre de Lassa, diminui a
mortalidade de 76% para 9%. A sua utilização está contra-indicada na gravidez,
contudo no contexto das FHV, pensa-se que os efeitos benéficos superam os
eventuais riscos fetais, pelo que está recomendada, especialmente em caso de ataque
bioterrorista.

PROFILAXIA
Com excepção da vacina de vírus vivos e atenuados da febre amarela, que é
obrigatória para os viajantes para áreas endémicas, não existem mais vacinas
disponíveis para as febres hemorrágicas.

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A vacina da febre amarela não tem qualquer interesse na profilaxia após a


exposição, uma vez que o tempo de aparecimento de anticorpos neutralizantes após
vacinação é superior ao período de incubação da doença (2 a 6 dias). Esta vacina
apresenta as seguintes contra-indicações: crianças com idade inferior a 9 meses;
grávidas; indivíduos com alergia às proteínas do ovo e em caso de imunosupressão.
Actualmente recomenda-se que os infectados por vírus de imunodeficiência humana
(VIH), desde que com contagem de linf citos CD4 superior a 200/μl, sejam imunizados
para a febre amarela se viajarem para áreas endémicas.

Em caso de exposição percutânea ou mucosa a sangue, fluidos corporais,


secreções ou excreções de doentes suspeitos, deve-se proceder imediatamente à
lavagem das áreas expostas com água e sabão.

A eficácia da ribavirina na profilaxia pós-exposição a infecções por arenavírus e


bunyavírus nunca foi testada nos humanos. Contudo, a EMEA aconselha a utilização da
ribavirina nos contactos de alto risco de doentes com febre de Lassa e/ou FHCC. A
dose de ribavirina com intuito profilático é de 500 mg per os 6/6h, durante 7 dias.

PREVENÇÃO E CONTROLO DA INFECÇÃO

A prevenção das FHV passa antes de tudo por evitar o contacto com espécies
hospedeiras. É importante o uso de repelentes, de vestuário adequado e de
mosquiteiros, de forma a prevenir as picadas de mosquitos, devendo-se ainda
controlar as populações de artrópodes e roedores nas áreas endémicas.

Em caso de infecção humana é essencial, para diminuir o risco de transmissão


interpessoal, a aplicação imediata dos métodos de isolamento de contacto e
respiratório. Os doentes devem ser isolados, de preferência em quartos individuais e
de pressão negativa para prevenir a transmissão por via aérea.

Resumidamente, é essencial a adopção de uma metodologia adequada e eficaz


que deverá incluir os seguintes passos: implementar medidas de precaução com todos
os pacientes; identificar e isolar todos os casos suspeitos o mais rápido possível;
utilizar equipamento de protecção individual; desinfectar superfícies, materiais e

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equipamentos utilizados durante a assistência prestada aos casos suspeitos e/ou


doentes; depositar o lixo de forma segura; utilizar métodos de enterro seguros;
mobilizar, educar e elucidar a comunidade sobre as medidas de controlo e prevenção
destas doenças. É fundamental estar preparado e não entrar em pânico.

Todas as medidas que possam ser aplicadas para minimizar os efeitos destas
doenças são fulcrais dadas a ausência de tratamento e profilaxia eficazes.

REFERÊNCIAS

1. Borio L, Inglesby T, Peters CJ, et al; Working Group on Civilian Biodefense.


Hemorrhagic fever viruses as biological weapons: medical and public health
management. JAMA. 2002;287(18):2391-405.

2. Ftika L, Maltezou HC. Viral haemorrhagic fevers in healthcare settings. J Hosp Infect.
2013;83(3):185-92. doi: 10.1016/j.jhin.2012.10.013. Epub 2013 Jan 16.

3. CDC. Update: management of patients with suspected viral hemorrhagic fever-


United States. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1995;44(25):475-9.

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Tabela 1: Etiologia das febres hemorrágicas víricas nos humanos


Família Doença Fonte de infecção Distribuição
Género humana mais geográfica natural
comum
Arenaviridae
Arenavírus do Velho Febre de Lassa Roedores África ocidental
Mundo
Arenavírus do Novo FH Argentina (Junin) Roedores América do Sul
Mundo
FH Boliviana Roedores América do Sul
(Machupo)
FH Brasileira (Sabiá) Roedores América do Sul
FH Venezuelana Roedores América do Sul
(Guanarito)

Bunyaviridae
Phlebovírus Febre do Vale de Mosquitos África, Península
Rift Arábica
Nairovírus FH Crimeia-Congo Carraças África, Ásia Central,
Europa Leste, Médio
Oriente
Hantavírus FH com Síndroma Roedores Ásia, Europa
Renal

Filoviridae
Filovírus FH Marburgo Desconhecido África
(morcegos
frutívoros)
FH Ébola Desconhecido África
(morcegos
frutívoros)

Flaviviridae
Flavivírus Febre Amarela Mosquitos África Tropical,
América do Sul
FH Dengue Mosquitos Ásia, Américas,
Pacífico, África
FH Omsk Carraças Ásia Central
FH Kyasanur Carraças Índia

FH: febre hemorrágica.

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Tabela 2: Manifestações clínicas das febres hemorrágicas virais


Febre Período de Características clínicas Mortalidade
hemorrágica incubação (%)
(dias)
Lassa 5-6 Início insidioso: febre, náuseas, dor abdominal, tosse, 15-20
conjuntivite, ulceração da mucosa orofaríngea, faringite
exsudativa e linfadenopatia cervical.
Sinais tardios: edema do pescoço, derrame pleural e
pericárdico. As hemorragias são menos comuns. A surdez é
uma sequela frequente.

Arenavírus Novo 7-14 Febre, mialgias, náuseas, “flushing” da face e tronco, 15-30
Mundo linfadenopatia generalizada. Podem surgir petéquias,
hemorragias e disfunção do SNC.

Vale do Rift 2-5 Febre, cefaleias, dores retro-orbitárias, fotofobia e icterícia. <1
Em <1% dos casos ocorre febre hemorrágica e/ou
encefalite.
10% desenvolverão retinite até 4 semanas após infecção.

Vírus Hantaan 7-21 Evolução clínica inclui várias fases (febril, hipotensiva, 5-15
oligúrica, poliúrica e convalescença).

Crimeia-Congo 3-12 Febre, mialgias, cefaleias, alterações súbitas do humor, 15-30


rigidez da nuca, fotofobia, náuseas e dores abdominais.
Posteriormente: insónias, hepatomegália, adenopatias
periféricas, icterícia, petéquias e hemorragias. A partir do 5º
dia: falência multi-orgânica com CID.

Ébola 2-21 Febre elevada e prostração acentuada. 50-90


“Rash” maculo-papular difuso ao 5º dia de doença, ao qual
se segue quadro hemorrágico com CID.

Marburgo 2-14 Febre elevada, mialgias, dor abdominal, diarreia. 23-70


“Rash” maculo-papular não pruriginoso na face, pescoço,
tronco e membros superiores. Hemorragias e CID são
comuns entre o 5º e 7º dia de doença.

Febre 3-6 Início abrupto: febre, mialgias, “flushing” facial, sufusão 20


Amarela conjuntival, náuseas e vómitos.
Recuperação ao 3º- 4º dia ou fase de intoxicação com febre,
bradicardia relativa ao grau de temperatura (sinal de Faget),
icterícia, insuficiência renal e hemorragias.

Omsk e Floresta 3-8 Evolução bifásica, com envolvimento pulmonar e 0,5-10


de Kyasanur manifestações do SNC.

Dengue 3-5 Início abrupto de febre bifásica com duração 2 a 7 dias. O 1-10
período crítico é entre as 24 horas antes e 24 horas depois
do doente ficar apirético, altura em que a fase hemorrágica
pode surgir acompanhada de letargia, oligúria, derrame
pleural.
SNC: sistema nervoso central; CID: coagulação intravascular disseminada.

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Tabela 3: Ribavirina no tratamento das febres hemorrágicas virais, segundo as


recomendações europeias37

Tratamento (10 dias)


Adultos Administração endovenosa (ev):
Dose inicial de 2 g ev seguido de 1 g ev 6/6h 4 dias, seguido de 0,5 mg/Kg
8/8h 6 dias
Ou
Dose inicial de 30 mg/Kg ev, seguido de 15 mg/Kg ev 6/6h 4 dias, seguido
de 7,5 mg/Kg 8/8h 6 dias.

Administração per os (po):


Dose inicial de 2 g po, seguido de 1 g po 6/6h 4 dias, seguido de 500 mg
6/6h 6 dias.

Grávidas Ribavirina é teratogénica, contudo recomenda-se terapêutica.


A amamentação deve ser suspensa.

Crianças Não recomendada.

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Gripe e outras infeções respiratórias superiores

GRIPE

Introdução
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) as infeções respiratórias
agudas são a principal causa de morbilidade e mortalidade decorrente de doenças
infeciosas a nível global.
A gripe é uma infeção respiratória causada por vírus da família Orthomyxoviridae que
consiste em 4 géneros Influenza: A, B, C e D. O vírus Influenza A pode infetar
humanos, aves, suínos, cavalos e outros animais. Baseadas nas glicoproteínas de
superfície víricas hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA), o vírus Influenza A é
subdividido em vários subtipos: 18 HA (H1-H18) e 11 NA (N1-N11). Destas, apenas 3
HA (H1, H2, H3) e 2 NA (N1, N2) causaram pandemias e mantêm-se em circulação
sustentada. Já os vírus Influenza B e C só são encontrados no Homem.
A cada ano, tanto o vírus Influenza A como o B são responsáveis por epidemias
sazonais, contribuindo para 200.000 hospitalizações. A OMS estima que o vírus
Influenza infete 5-15% da população mundial anualmente, resultando em 250.000-
500.000 mortes o que a torna na segunda causa de mortalidade infeciosa, a seguir à
infeção pelo vírus da imunodeficiência humana. Para além das epidemias sazonais
anuais pelos vírus Influenza H1N1 e H3N2, há descritas pandemias em 1918 (Gripe
Espanhola), 1958 (Gripe Asiática), 1968 (Gripe de Hong Kong) e 2009 (pandemia por
H1N1). A partir de 1997 começaram a ser descritos casos de infeção pelo Influenza
H5N1, um subtipo aviário altamente patogénico para o Homem.

Aspetos clínicos
Os vírus Influenza mantêm atividade com uma sazonalidade característica, ocorrendo
gripe geralmente nos meses de Outono e Inverno. A infeção é transversal a todas as
faixas etárias, embora seja mais frequente nas crianças.
Os vírus Influenza transmitem-se pela inalação de gotículas infetadas, como é
classicamente reconhecido, mas também através de aerossóis ou por auto-inoculação

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(fómites e mãos contaminadas). Após a inalação, apresentando tropismo por


recetores expressos no epitélio respiratório, o vírus compromete preferencialmente a
traqueia e os brônquios. Histologicamente, nas infeções não complicadas, reconhece-
se inflamação da mucosa com edema, hiperémia e infiltração local por linfócitos e
histiócitos. Ocorrendo extensão distal deste processo para as vias respiratórias distais,
a gripe pode complicar-se de pneumonite intersticial.
Clinicamente, a infeção por vírus Influenza A e B instala-se de forma aguda, como uma
síndroma febril autolimitada acompanhada por coriza, odinofagia, tosse irritativa,
cefaleias, arrepios, mialgias e astenia. O período de incubação dura cerca de 48 horas
e os sintomas persistem por 4 a 5 dias. A retoma às atividades de vida diária, limitada
pela astenia, pode manter-se prejudicada por mais uma ou duas semanas. A
apresentação com sintomas sistémicos, e não apenas os adstritos ao aparelho
respiratório superior, distingue a gripe das constipações condicionadas por outros
vírus respiratórios. Podem ocorrer infeções assintomáticas ou subclínicas, sobretudo
se já existir imunidade previamente adquirida.
A grande maioria dos doentes recupera sem necessidade de qualquer intervenção
médica, mas ocorrem episódios com complicações. A exacerbação de doenças
crónicas como insuficiência cardíaca, asma ou doença pulmonar obstrutiva crónica é
frequentemente descrita, bem como otites médias e bronquiolite na população
pediátrica. A nível pulmonar, a pneumonia é a complicação mais comum podendo
decorrer da ação do próprio vírus ou resultar de uma sobre-infeção bacteriana, na
maioria das vezes por Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus ou
Haemophilus influenzae. No caso da pneumonia vírica, esta pode progredir
rapidamente para infiltrados pulmonares bilaterais e hipoxemia refratária, cumprindo
critérios de ARDS (acute respiratory distress syndrome) ou ALI (acute lung injury) com
mortalidade na ordem dos 50%. Esta situação registou-se com frequência na gripe
pandémica de 2009 em que 70 a 80% dos doentes admitidos em unidades de cuidados
intensivos sob este diagnóstico vieram a necessitar de ventilação mecânica.

Diagnóstico

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Dado que vários vírus respiratórios determinam quadros clínicos sobreponíveis, o


diagnóstico laboratorial é uma ferramenta importante em situações particulares para
proceder a esta classificação. O recurso a métodos laboratoriais é também vantajoso
na distinção entre a pneumonia de causa vírica daquela decorrente de sobre-infeção
bacteriana, pela evicção do uso desnecessário de antibióticos.
Neste sentido, têm sido desenvolvidos diferentes testes microbiológicos, com
especificidade e sensibilidade distintas bem como com diferente aplicabilidade
prática. São eles, isolamento cultural, microscopia por imunofluorescência, deteção
molecular e testes rápidos antigénicos. Estes últimos, cada vez mais utilizados,
permitem um diagnóstico precoce, particularmente útil em contexto epidémico,
quando se visa instituir medidas de contenção da infeção e evitar os custos dela
decorrentes. Posto isto, importa salientar que o diagnóstico clínico, baseado nos
sintomas e na sazonalidade característica de Influenza, tem um valor preditivo
positivo estimado de cerca de 60%, a que acrescem apenas 20%, quando adicionado o
resultado positivo de um teste rápido.

Terapêutica
Embora na maioria das vezes apenas seja necessário tratamento sintomático, os
agentes antivíricos são um recurso importante. A sua ação é efetiva somente na
utilização precoce no decurso da doença (24 a 48 horas após o início da
sintomatologia).
Estes fármacos dividem-se em duas grandes classes: adamantanos (amantadina,
rimantadina) e inibidores da neuraminidase (zanamivir e oseltamivir). Enquanto os
primeiros raramente são utilizados na prática clínica (resistência natural do Influenza
B), os inibidores da neuraminidase podem acelerar a clearance vírica e ajudar à
resolução rápida dos sintomas. Todavia, além de possuírem eficácia clínica limitada, a
elegibilidade para esta terapêutica deve ser criteriosa, já que há evidência de que
estes fármacos estão sujeitos ao desenvolvimento precoce de resistências, tal como
sucede com outros vírus de RNA. Terapêuticas combinadas no futuro poderão
providenciar melhores resultados.

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Prevenção
A vacinação é a chave na prevenção contra a gripe sazonal, veiculando proteção para
as estirpes circulantes e inibindo suas potenciais complicações. Tratando-se de um
vírus sazonal, a vacina é preparada anualmente, de acordo com as indicações da OMS,
em função das estirpes que se prevê em circulação no período para que se destina. É
um processo complexo, que atende a múltiplas variáveis, mas que se justifica pelo
facto da vacinação ser clínica e custo-efetiva.
A vacinação está recomendada para grupos alvo com maior risco. São estes, os idosos
(>65 anos), as grávidas (no 2º e 3º trimestres), os profissionais de saúde, os portadores
de imunodeficiência (primária ou secundária) e todos aqueles (adultos ou crianças
com mais de 6 meses) com doenças crónicas (respiratória, renal, hepática,
neurológica, hemato-oncológica, cardiovascular ou obesidade mórbida) ou
institucionalizados.
A vacina trivalente injetável, utilizada em Portugal, é geralmente bem tolerada, ainda
que possam surgir reações adversas locais e, por vezes, sistémicas, como febre e
mialgias. É fundamental que seja feita em período atempado (preferencialmente em
Outubro/Novembro) para prevenção da gripe. O fator limitante da vacinação reside na
ineficácia perante estirpes em circulação não abrangidas pela vacina fabricada no ano
em causa.

RINOSSINUSITE AGUDA

Introdução
O termo rinossinusite aguda descreve o quadro sintomático consequente à inflamação
dos seios paranasais e cavidade nasal, sendo um termo mais correto do que apenas
sinusite uma vez que esta é quase sempre acompanhada de inflamação da mucosa
nasal contígua. A rinossinusite não complicada define-se como rinossinusite sem
evidência clínica de extensão da inflamação para além dos seios paranasais e cavidade
nasal no momento do diagnóstico (por exemplo, sem envolvimento neurológico,
oftalmológico e tecidos moles).

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Doenças Infeciosas 2017

É também classificada de acordo com a duração da sintomatologia: aguda (< 4


semanas), subaguda (4-12 semanas) ou crónica (> 12 semanas, com ou sem
exacerbações agudas). Tipicamente, se o quadro durar menos de 10 dias a etiologia é
provavelmente vírica (figura 1).
A causa mais comum de rinossinusite é uma infeção respiratória superior vírica mas
também pode resultar de variações anatómicas, rinite alérgica, secura nasal,
infeção/procedimentos/traumatismos dentários, barotrauma, fatores hormonais,
imunodeficiências, inalação de substâncias irritantes, ventilação mecânica e sondas
nasogástricas. Os agentes etiológicos mais frequentemente implicados são os vírus,
nomeadamente rinovírus, vírus influenza e parainfluenza, bem como agentes
bacterianos como o Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza (atualmente
menos comum graças à presença de vacina no Plano Nacional de Vacinação),
Moraxella catarrhalis, anaeróbios, Staphylococcus aureus e bactérias de Gram
negativo.
Cerca de 1/5 dos antibióticos prescritos aos adultos é direcionado para o tratamento
da rinossinusite, tornando-a na quinta causa mais comum de prescrição de
antibioterapia.

Figura 1 – Sintomas e classificação da rinossinusite.

Aspetos clínicos
Clinicamente, pode surgir febre, mal estar geral, cefaleias e tosse com edema da
mucosa nasal bilateralmente, secreções nasais ou obstrução nasal, anosmia e
dor/pressão facial. A infeção do seio maxilar causa odontalgia na região molar e do
seio etmoidal origina edema e dor periocular. As secreções nasais são inicialmente

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 300


Doenças Infeciosas 2017

serosas e evoluem para mucopurulentas com resolução em 10 dias. Contudo, se há


detioração os sintomas ao fim de 5 dias de clínica, provavelmente estamos perante
uma sobre-infeção bacteriana.

Diagnóstico
Perante um quadro de rinossinusite é necessário distinguir entre etiologia bacteriana,
vírica e condições não infeciosas. Na causa bacteriana é típico que os sinais e sintomas
durem, pelo menos, 10 dias. A utilização de radiografia da face/crânio permanece
controversa, mas pode demonstrar opacificação completa do seio, espessamento da
mucosa e nível aéreo. Já a tomografia computorizada é o método de imagem de
eleição, indicando a extensão da doença e avaliação do complexo osteomeatal. A
ressonância magnética nuclear é útil na sinusite de etiologia fúngica e no diagnóstico
de complicações intracranianas de sinusite.

Terapêutica
O tratamento para a rinossinusite de etiologia vírica consiste em terapêutica
sintomática.
Relativamente às rinossinusites agudas bacterianas a antibioterapia deverá ser dirigida
aos três agentes etiológicos mais frequentes: S.pneumoniae, H.influenzae e
M.catarrhalis. O esquema de primeira linha é amoxicilina com ou sem ácido
clavulânico e no caso de antibioterapia nas últimas 4-6 semanas deverá utilizar-se
amoxicilina/ácido clavulânico 2000mg/125mg 12/12 horas ou uma fluoroquinolona
respiratória (levofloxacina ou moxifloxacina).

Prevenção
A prevenção da rinossinusite está dependente da causa etiológica e tratamento da
condição que predispõe a novos episódios infeciosos, como rinite alérgica, fibrose
quística, refluxo gastroesofágico, discinesia ciliar e alterações anatómicas.
Estudos demonstram que a vacinação anti-pneumocócica tem contribuído para a
redução do S.pneumoniae como agente etiológico mais frequente.

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Doenças Infeciosas 2017

OTITE MÉDIA AGUDA

Introdução
A otite média aguda é uma inflamação do ouvido médio que habitualmente segue
uma infeção vírica da nasofaringe que interrompe a função da trompa de Eustáquio.
Isto causa alterações na ventilação, criando uma pressão negativa transitória no
ouvido médio que altera a eficácia da barreia mucociliar perante a invasão de um
microrganismo. As bactérias replicam-se no fluido no ouvido médio e os vírus
respiratórios infetam a mucosa isoladamente ou em combinação com as bactérias. Os
agentes etiológicos mais comuns da otite média aguda são o Streptococcus
pneumoniae, Haemophilus influenza, Moraxella catarrhalis e vírus respiratórios.
Aspetos clínicos
A sintomatologia mais comum caracteriza-se por febre, otalgia, otorreia, cefaleias e
sintomas recentes ou concomitantes de infeção respiratória alta como tosse, rinorreia
ou congestão nasal. Quando a otite é complicada por otorreia, os doentes
apresentam-se com hipoacusia, acufenos e vertigem.

Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se essencialmente na história clínica e no exame físico do
doente. Caso haja suspeita de complicações intracranianas (mastoidite, abcesso
epidural ou subdural ou cerebral, tromboflebite do seio sigmoide, meningite) deve
realizar-se uma tomografia cerebral.

Terapêutica
O tratamento não reduz as complicações ou recorrências relacionadas com a doença.
Contudo, alivia as queixas álgicas, reduz o tempo de duração da sintomatologia e a
progressão para o ouvido contralateral. Portanto, a terapêutica assenta na analgesia e
antibioterapia.
O uso de antibióticos em adultos está recomendada quando a sintomatologia dura há
mais de 48 horas, o doente apresenta-se com febre elevada (> 39ºC) e otalgia

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Doenças Infeciosas 2017

moderada a grave. A antibioterapia de eleição é a amoxiclina ou, caso o doente tenha


história conhecida de alergias à penicilina, cefalosporinas ou macrólidos.

Prevenção
A vacinação contra o Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza e vírus
Influenza pode reduzir os quadros de otite pelos serótipos presentes destes agentes.

FARINGITE ESTREPTOCÓCICA

Introdução
O Streptococcus pyogenes é uma bactéria de Gram positivo organizada em cocos em
cadeia. Exibe uma hemólise completa (β-hemólise) no crescimento em placas de agar
sangue. Pertence ao grupo A da classificação de Lancefield, sendo também
denominado por Streptococcus do grupo A. É a causa mais temível de faringite
bacteriana aguda dada a sua associação com a febre reumática aguda, sendo
responsável por 10-15% dos casos de faringite em adultos. Nos países de clima
temperado, a maioria dos casos ocorre no Inverno e início da Primavera.
O fator de risco mais comum é o contato próximo com um indivíduo com faringite por
Streptococcus do grupo A, aumentando em situações de maior aglomerado de pessoas
como nas escolas e lares. Assim, a transmissão ocorre através de contato direto de
pessoa-a-pessoa através da saliva ou secreções nasais de um doente com faringite
aguda, mais comum do que um portador.

Aspetos clínicos
A faringite por Streptococcus do grupo A é caracterizada por um início súbito de
odinofagia e febre, podendo ser acompanhados de cefaleias, dor abdominal, náuseas
e vómitos. Tosse, rinorreia, disfonia, úlceras orais e conjuntivite são mais típicos de
etiologia vírica. Ao exame físico o doente apresenta eritema faríngeo e amigdalino,
hipertrofia amigdalina com ou sem exsudado, petéquias ao nível do palato e
linfadenopatia cervical anterior. Também pode surgir um exantema escarlatiniforme –
escarlatina.

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Doenças Infeciosas 2017

Raramente, podem ocorrer complicações supurativas e não supurativas após um


quadro de faringite estreptocócica. As complicações supurativas resultam da
propagação da bactéria para estruturas adjacentes: abcesso periamigdalino, abcesso
retrofaríngeo, linfadenite cervical e mastoidite. As manifestações não supurativas
incluem febre reumática aguda e glomerulonefrite pós-estreptocócica, resultando
provavelmente da resposta imunológica do hospedeiro ao microrganismo.

Diagnóstico
O diagnóstico diferencial de faringite aguda inclui múltiplos agentes bacterianos e
víricos. Os vírus são a causa mais comum de faringite em todas as idades. Já o
Streptococcus pyogenes é a etologia bacteriana mais frequente.
A história e o exame objetivo podem evidenciar uma etiologia vírica perante os
sintomas já previamente descritos. Nestes casos não é necessário testar a presença de
Streptococcus pyogenes. O diagnóstico laboratorial é feito através do teste de deteção
rápida de antigénios ou cultura de exsudado faríngeo que é o teste de diagnóstico
padrão.

Terapêutica
A evolução natural da faringite estreptocócica pode dividir-se em sintomatologia auto-
limitada ou, mais frequentemente, febre reumática aguda e complicações supurativas.
A antibioterapia está indicada para todos os doentes, independentemente da idade,
que apresentam um teste de deteção rápida de antigénios ou cultura positiva para
Streptococcus do grupo A. A terapêutica antibiótica encurta a duração da
sintomatologia, reduz a incidência de complicações supurativas e sequelas não
supurativas, erradica o microrganismo do trato respiratório superior e reduz/elimina a
cadeia de transmissão.
O tratamento recomendado é penicilina (ou amoxicilina) durante 10 dias. A penicilina
benzatínica (1.200.000 U, no adulto) permite o tratamento com uma administração
única por via intramuscular. Nos doentes com história de alergia à penicilina pode ser
administrado um macrólido ou uma cefalosporina de primeira geração.

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Doenças Infeciosas 2017

Prevenção
A contenção da transmissão efetua-se através da boa higienização das mãos e da
etiqueta respiratória. O tratamento de doentes infetados permite eliminar o potencial
de transmissão ao fim de 24 horas sob antibioterapia.

Bibliografia
 Peteranderl C, Herold S, Schmoldt C. Human Influenza virus infections. Semin Respir
Crit Care Med 2016;37:487-500.
 Rosenfeld RM et al. Clinical practice guideline: adult sinusitis. Otolaryngology –
Head and Neck Surgery 2007;137:S1-S31.
 Celin S, Bluestone C, Stephenson J, et al. Bacteriology of acute otitis media in
adults. JAMA;1991;11:360-364
 Anjos LMM, Marcondes MB, Lima MF, Mondelli AL, Okoshi MP. Streptococcal acute
pharyngitis. Rer Soc Bras Med Trop 2014;47(4):409-413.

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Doenças Infeciosas 2017

INFECÇÕES FÚNGICAS
CANDIDOSES

Introdução

O agente etiológico das candidoses (Candida spp.) é o principal responsável por


micoses oportunistas (quer de localização muco-cutânea quer invasivas), sendo
também apontado como uma das principais causas das infecções nosocomiais ou
ligadas aos cuidados de Saúde. É um fungo dimórfico, podendo apresentar-se sob a
forma de pseudo-hifas ou micelas, sendo esta a sua forma predominante. Em
laboratório não requer técnicas especiais de cultura, crescendo rapidamente (1 a 3
dias) em meio Sabouraud mantido a 37ºC.
Das mais de uma centena de espécies identificadas, apenas cerca de uma
dezena foram consideradas patogénicas para o Homem: C. albicans, C. guilliermondii,
C. krusei, C. parapsilosis, C. tropicalis, C. kefyr, C. lusitaniae, C. rugosa, C. norvegensis e
C. glabrata (anteriormente Torulopsis glabrata). A C. albicans é a espécie etiológica
mais frequentemente implicada em candidoses das mucosas, sendo também
responsável por 50% dos casos de candidémia em doentes internados.
Fungos do género Candida foram isolados a partir do solo, de animais, de
objectos contaminados e do meio hospitalar. No Homem podem existir como
comensais da pele, da mucosa conjuntival, do aparelho gastro-intestinal ou do
aparelho genito-urinário (sobretudo feminino). A integridade das “barreiras”
representadas pela pele e as mucosas intactas, são importantes mecanismos de
defesa dos hospedeiros. A maioria das candidoses tem origem na flora endógena do
hospedeiro, sendo factores predisponentes e favorecedores de candidémia: (1) -
antibioterapia sistémica, de amplo espectro e por tempo prolongado; (2) -
cateterizações venosas e vesicais prolongadas; (3) - alimentação parentérica
prolongada; (4) – gravidez e contraceptivos orais (aumento dos níveis de estrogénios);
(5) - toxicodependência de drogas injectáveis; (6) - Diabetes mellitus; (7) -
imunossupressão resultante de corticoterapia em altas doses, de terapia com
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Doenças Infeciosas 2017

citostáticos, de outras terapêuticas imunossupressoras, da infecção VIH ou de


hemopatias malignas; (8) - queimaduras de 3ºGrau.
Candidoses superficiais podem surgir em pele macerada, em superfícies
cutâneas ou mucosas persistentemente humedecidas, sulcos infra-mamários, zonas
inter-digito-palmares, entre outras localizações. Uma vez ocorrida perda da
integridade da pele/mucosas de revestimento (ex: perfuração do tubo digestivo por
traumatismo, cirurgia, úlcera péptica, lesões da mucosa por agentes citostáticos, ...)
estes fungos podem passar de colonizadores a agentes invasivos dos tecidos mais
profundos e do aparelho circulatório. Os défices da imunidade celular (ex: presente na
infecção VIH) e a disfunção de neutrófilos ou a neutropenia são importantes factores
predisponentes da candidose sistémica.
A transmissão entre humanos pode ocorrer por exposição a secreções
contaminadas (a via oral é a principal porta de entrada).

Clínica

As manifestações clínicas mais comuns das infecções muco-cutâneas por


Candida spp são: candidose oral, queilite angular, candidose vulvo-vaginal, paroníquia,
intertrigo, onicomicose, candidose cutânea crónica e balanite. Nas formas invasivas,
poderão ocorrer: candidémia, endocardite, esofagite, osteo-artrite, meningite,
infecções de próteses (endovasculares; ortopédicas), entre outras.
Candidose orofaríngea - habitualmente assintomática; por vezes queixas de
alterações do paladar. Ao exame objectivo, as lesões apresentam-se como placas
eritematosas, cobertas de exsudado branco (tipo “leite coalhado”) que se destaca
facilmente por raspado com espátula e que se podem localizar à mucosa jugal, sulcos
gengivo-labiais, palato (duro ou mole) e mucosa lingual. Mais raramente, a nível da
língua ou palato, podem ocorrer apenas placas eritematosas, não cobertas de
exsudato esbranquiçado, designadas por candidose atrófica. No adulto sem patologia
prévia, a candidose oral deverá fazer suspeitar de défice imunitário.
Candidose vulvo-vaginal – leucorreia esbranquiçada (tipo “leite coalhado”),
associada a sensação de ardor e prurido vulvo-vaginal; sensação de disúria e queixas

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Doenças Infeciosas 2017

de dispareunia; eritema da mucosa vulvo-vaginal. Resposta rápida à terapêutica anti-


fúngica habitualmente recomendada; recorrências frequentes.
Candidose esofágica – dor, desconforto ou ardor retroesternal, agravado pela
deglutição; odinofagia; anorexia (por dor à deglutição); perda de peso. Há casos
assintomáticos. Nesta localização e no contexto de infecção por VIH, é considerada
doença definidora de SIDA.
Na candidémia / candidoses invasivas pode ocorrer sintomatologia sistémica
(febre, arrepios, prostração) e outras queixas relacionada com o órgão ou aparelho
atingidos.

Diagnóstico

1- Clínico – na candidose oral e vulvo-vaginal, o diagnóstico é habitualmente


clínico (aspecto muito sugestivo das lesões); também na localização esofágica, o
aspecto macroscópico das lesões visualizadas por endoscopia, é orientador do
diagnóstico; em qualquer dos casos, poderá proceder-se à colheita de amostras para
confirmação laboratorial por cultura ou por biópsia; a biópsia das lesões esofágicas
poderá ser útil para distinguir entre situações de simples colonização ou de
infecção/invasão das estruturas da parede do órgão.
2- Laboratorial: Candidose muco-cutânea – demonstração da presença do
fungo em espécimes obtidos por zaragatoa ou raspado das lesões da mucosa oral e
vaginal bem como em raspados de pele e unhas; as hifas, pseudo-hifas e gemulação
características, podem ser visualizadas por observação microscópica (microscópio
óptico) entre lâmina e lamela, após clarificação com hidróxido de potássio a 10 – 20 %.
Podem ser também preparados esfregaços em lâmina, corados pelo Gram,
apresentando-se o fungo como Gram (+).
A cultura (ex: em meio Sabouraud a 37º C) de produtos como exsudados
cutâneos, urina (nomeadamente em doente algaliado), expectoração, drenos
abdominais, aspirados endotraqueais ou corrimento vaginal, não devem ser
valorizados isoladamente, pelo risco elevado de contaminação pela flora endógena
nas localizações referidas.

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Doenças Infeciosas 2017

Candidose profunda – biópsia visceral ou cultura de produtos biológicos


habitualmente estéreis como LCR, sangue, líquido articular, aspirações guiadas por
TAC ou líquido de derrame pleural e peritoneal; hemoculturas são úteis no diagnóstico
de candidémia (frequentemente associada a cateterização venosa central) e
endocardite.
Testes de diagnóstico rápido baseados na pesquisa de antigénios /
biomarcadores de infecção por Candida spp têm vindo a ser estudados, estando
alguns deles estão já comercializados para uso laboratorial. Exemplos destes
marcadores biológicos são os componentes da parede fúngica como o manano (e
respectivo anticorpo) e o Beta-D-glucano (BG). No entanto, há quem questione a
sensibilidade e/ou especificidade destes testes.
Técnicas de biologia molecular como a reacção em cadeia da polimerase (PCR e
RT-PCR) parecem também promissoras no diagnóstico precoce de candidémia, ao
permitir a detecção do ADN fúngico em amostras de sangue periférico.
Associadamente ao diagnóstico das micoses, têm vindo a desenvolver-se
também testes de sensibilidade aos anti-fúngicos que sejam reproductíveis, fidedignos
e clinicamente informativos.

Tratamento

Candidose 1ª Linha Alternativo


Vulvovaginal1  Clotrimazol: creme 10mg/g ou  Nistatina em formulação
comp vag 100mg id, 3- 7 dias ou vaginal (óvulo e pomada)
 Miconazol: creme 20mg/g id, 7 200000U/dia, 14 a 28 dias
dias ou
 Fluconazol: 150 mg po 1id (1 a
3 dias).
Orofaríngea  Fluconazol: 100mg po id, 7 a 14  Itraconazol 200mg po (jejum)
Doente VIH2 dias e/ou id, 1 a 2 semanas
 Nistatina: 500000 UI (4-6ml)  Anfotericina B susp 1-5ml id po

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Doenças Infeciosas 2017

susp. oral po 4id, 7 a 14 dias ou 0,3mg/Kg/dia iv, 2 semanas


 Posaconazol 400mg po, 2id (1º
dia)→ 400mg po id, durante 7 –
14 dias .
Esofágica  Fluconazol 100 - 400mg po id,  Caspofungina 70mg (1ª toma)
3
Doente VIH 14 a 21 dias ou seguida de 50mg id iv, 2 semanas
 Itraconazol 200mg po (jejum)  Anfotericina B 0,3-
id, 14 a 21 dias 0,7mg/Kg/dia iv, 2 semanas
 Voriconazol 200mg po 2id ou
6mg/Kg iv 12/12h → 4mg/Kg iv
12/12h, 14 a 21 dias
 Posaconazol 200mg (1ª toma)
→ 100mg po id, 13 dias
Endocardite4  Anfotericina B 0,5-1mg/Kg/dia  Caspofungina 50-70 mg/dia iv
iv, 6 a 10 semanas (pós-cirúrgico)
+ 5-Flucitosina 100-150
mg/Kg/dia, 4 tomas po (ajustada à
função renal)
Focalização  Anfotericina B 0,5-1mg/Kg/dia  Voriconazol 200mg iv 2id, 28
Pulmonar/ iv, 28 dias ou dias (ex: por C. Krusei)
Endoftalmite5  Fluconazol 400-800mg iv id, 28
dias
Candidémia 1ª Linha Alternativo
Doente não  Fluconazol 400mg iv id, 7 dias  Anfotericina B 0,5mg/Kg/dia iv,
neutropénico6 → Fluconazol 400mg po id, até 15 10 dias ou
dias após última hemocultura  Caspofungina 70mg (1ª toma)
positiva. → 50mg iv id, 10 dias

Doente  Anfotericina B 0,7–  Caspofungina 70mg (1ª toma)


neutropénico6 1,0mg/Kg/dia iv (fase inicial) → 50mg iv id, 10 dias

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Doenças Infeciosas 2017

1 - Na candidose genital masculina, poderá recorrer-se a qualquer uma das


formulações em creme referidas anteriormente, para aplicação tópica (prepúcio e
glande) 2 vezes/dia, durante 7 dias.
2 - Factores de risco: CD4 < 250 céls/mm3, antibioterapia ou corticoterapia
prolongadas.
3 - Recomenda-se a realização de EDA para exclusão de diagnósticos diferenciais.
4 - Exige substituição valvular para evitar recidiva e posterior profilaxia com
Fluconazol.
5 - A presença de abcesso pode exigir vitrectomia da “pars plana” diagn stica e
terapêutica.
6 - Recomenda-se a substituição de cateter e investigação de outras focalizações (ex:
endoftalmite) nos 3 a 6 meses subsequentes; a Anfotericina B Lipossómica ou
formulada em complexo lipídico são mais seguros que a clássica, nomeadamente no
que diz respeito à toxicidade renal, permitindo administrações mais prolongadas, nas
doses de 3-5mg e 5mg/Kg/dia, respectivamente.

Nota: Nos últimos anos foram identificadas resistências de diversas espécies de


Candida aos antifúngicos disponíveis; sabe-se hoje que as C. krusei, C. norvegensis e a
C. glabrata são uniformemente resistentes ao fluconazol e que tanto a C. lusitaniae
como a C. guilliermondii não respondem à terapêutica com Anfotericina B, sendo
necessário nestes casos recorrer a Caspofungina.

Profilaxia
- Profilaxia Primária: não está recomendada “por rotina” em imunodeprimidos
por infecção VIH, para prevenção de doença muco-cutânea, dadas as reduzidas
morbilidade e mortalidade associadas a estas localizações, e porque a terapêutica
anti-fúngica disponível é bastante eficaz. Para além disso, a utilização profilática dos
anti-fúngicos poderá levar ao desenvolvimento de resistências da Candida spp ou
acarretar riscos de interacções medicamentosas com fármacos anti-retrovíricos, sem
esquecer também os custos acrescidos da medicação.

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Doenças Infeciosas 2017

A profilaxia 1ª de candidoses é aceite em alguns contextos clínicos: nos


receptores de transplantes alogénicos de medula óssea; nos transplantados hepáticos;
nos neutropénicos graves; nos doentes críticos, quer cirúrgicos, quer das Unidades de
Cuidados Intensivos. Habitualmente recomenda-se: Fluconazol, 200 – 400 mg / dia,
po. Alternativas: Caspofungina, 50 mg / dia, ev; Itraconazol, 200 mg / dia, po;
Posaconazole, 200 mg 3 id, po; Anfotericina B liposómica, 1 a 2 mg / dia, ev.
- Profilaxia Secundária: no infectado VIH, apenas está recomendada naquelas
situações de recorrências frequentes e/ou severas, com graves repercussões na
qualidade de vida dos doentes. Se aconselhada, usar Fluconazol (150 mg / dia, po); o
Posaconazole (200 mg 2id, po) é uma alternativa ao Fluconazol. Poderá suspender-se
a profilaxia 2ª, se a contagem de linfócitos T CD4 (+) for > 200 / mm3.

Bibliografia
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Longo DL, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Jameson JL, Loscalzo J (eds); 2012, pp 1651-
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- Cervera C. Candidemia and invasive candidiasis in the adult: clinical forms and
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- Cornely OA, Bassetti M, Calandra T, Garbino J, Kullberg BJ, Lortholary O et al. ESCMID
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neutropenic adult patients. Clin Microbiol Infect. 2012; 18 (Suppl. 7):19-37;
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and Adolescents: recommendations from the Centers for Disease Control and
Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the
Infectious Diseases Society of America. Available at
http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf. Last update:
18/5/2017. Accessed: 23/08/2017

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 312


Doenças Infeciosas 2017

Histoplasmose

Introdução

A Histoplasmose é uma micose sistémica considerada pouco frequente até há umas


década atrás, mas que se reconhece hoje ter uma grande dispersão mundial. No
hospedeiro imunocompetente, a maioria (90 a 95 %) dos casos de infecção cursa de
forma assintomática ou como doença benigna e autolimitada. Nas áreas endémicas,
os grupos populacionais com risco mais elevado de doença sintomática são os
imunodeprimidos, os portadores de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), os
expostos a inóculos volumosos de microconídias do referido agente e as idades
extremas da vida (crianças pequenas e idosos).
O seu agente etiológico é o Histoplasma capsulatum, um fungo dimórfico que
existe na Natureza na forma filamentosa (micelar), mas que se converte em forma
leveduriforme quando invade os tecidos do hospedeiro (à temperatura de 37º C).
Foram identificadas duas variedades de Histoplasma capsulatum com capacidade
patogénica para o Homem: o Histoplasma capsulatum var. capsulatum (endémica na
América do Norte e Central, Antilhas, sudeste asiático e alguns países da Bacia
Mediterrânica), agente da histoplasmose americana, e o Histoplasma capsulatum var.
duboisii (endémica na África ocidental), agente da histoplasmose africana.
Na Natureza, as maiores concentrações da forma micelar deste fungo encontram-
se nos solos fertilizados por excrementos de aves ou morcegos, em grutas ou
cavernas, em velhos galinheiros, em edifícios antigos ou pontes sujeitos a trabalhos de
reparação ou demolição, ou ainda em rochedos ou penhascos escolhidos por aves
para nidação.
O Homem infecta-se por inalação dos microconídia que se formam na fase micelar
do fungo. No interior dos alvéolos pulmonares os conídia são fagocitados por
neutrófilos e macrófagos convertendo-se em leveduras (o morfotipo patogénico);
estes têm capacidade de sobreviver no interior dos macrófagos numa primeira fase,
podendo ser veiculadas através destas células para os gânglios linfáticos hilares e
mediastínicos, com posterior disseminação hematogénica. A resposta imunitária
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 313
Doenças Infeciosas 2017

celular do hospedeiro (mediada por linfócitos T específicos) desenvolve-se em 2 a 3


semanas, permitindo a activação dos macrófagos infectados e a destruição do fungo.
Quando ocorre depressão da imunidade celular, a reactivação de focos infecciosos
quiescentes é a responsável pelo aparecimento de sintomatologia. A extensão ou
gravidade da doença irá depender do balanço entre o volume do inóculo (de conídia)
inalado e a resposta imunitária do hospedeiro.
Desde o início da pandemia da infecção por VIH, a histoplasmose extra-pulmonar é
considerada “doença definidora de SIDA”. Neste contexto, uma contagem de linf citos
T CD4 (+) < 150 / mm3 está associada a risco elevado de doença sintomática e extra-
pulmonar. A incidência de histoplasmose nos infectados por VIH tem vindo a diminuir
desde meados da década de noventa (século XX), quer pela maior eficácia da
terapêutica anti-retrovírica disponível (início da “HAART”), quer pelo recurso mais
frequente à profilaxia primária, recomendada por alguns especialistas (ver
“terapêutica no imunodeprimido por infecção VIH”).
A região de maior endemicidade em todo o Mundo está localizada no Centro-Este
dos E.U.A., nos vales dos rios Ohio, Mississipi, St Lawrence e Rio Grande; nestas
regiões, estima-se que 80 a 90 % da população tenha sido já infectada por H.
capsulatum.

Clínica

I – Histoplasmose americana

A)- Histoplasmose Pulmonar Aguda (HPA)

No hospedeiro imunocompetente, a infecção aguda primária, é assintomática em


95 – 99 % dos casos. Nos restantes, poderá ocorrer sintomatologia respiratória aguda
benigna (pseudogripal) ou pneumonia grave.
Nas formas agudas sintomáticas pseudogripais (febre, mal estar geral, cefaleias,
mialgias, tosse não produtiva, toracalgia, anorexia), o Rx Tórax revela infiltrado

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Doenças Infeciosas 2017

parenquimatoso pulmonar localizado, com adenopatias hilares ou mediastínicas. É


frequente a evolução para a cura espontânea em 2 a 3 semanas.
As formas graves de pneumonia (comuns nos expostos a grande quantidade de
inóculo ou nos imunodeprimidos) podem evoluir para situações de falência
respiratória com necessidade de ventilação mecânica e terapêutica antifúngica. O Rx
Tórax mostra infiltrados pulmonares extensos e bilaterais.
Manifestações imunológicas como pericardite, eritema nodoso ou poliartrites,
podem acontecer nestas formas de apresentação.
De notar que existem formas de primoinfecção cutâneas.

B)- Histoplasmose Pulmonar Crónica (HPC)

O tabagismo, a bronquite crónica e o enfisema pulmonar, são factores


predisponentes para uma evolução mais “arrastada” da pneumopatia. São critérios
para HPC: a duração de sintomas respiratórios (> 3 meses), a presença de infiltrados /
cavitações nos vértices (uni ou bilaterais) e o enfisema subjacente. Os sintomas mais
comuns incluem: perda de peso, dispneia, tosse produtiva, hemoptises. A doença
pode evoluir por meses ou anos, não se verificando habitualmente cura espontânea.
O diagnóstico diferencial com a tuberculose pulmonar impõe-se.

C)- Histoplasmose Progressiva Disseminada (HPD)

Os quadros clínicos de HPD ocorrem quase exclusivamente em indivíduos com


compromisso da imunidade celular: infectados por VIH, com doenças hematológicas
(leucemias, linfomas) e os submetidos a terapêuticas imunossupressivas (corticoides,
metotrexato, citostáticos, anticorpos monoclonais, entre outros). A imunodepressão
associada aos extremos etários da vida (crianças e idosos) constitui também um
reconhecido factor de risco.
Manifestações cínicas mais frequentes: febre, calafrios, fadiga, emagrecimento,
anorexia, linfadenopatias e hepato-esplenomegália.

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Doenças Infeciosas 2017

A HDP pode resultar da reactivação de uma infecção antiga latente, ou seguir-se a


uma infecção respiratória aguda, com rápida disseminação a vários órgãos ou sistemas
(gânglios linfáticos, medula óssea, pele, gastrintestinal, supra-renais, sistema nervoso
central, hepático e esplénico). Mais raramente poderá também ocorrer envolvimento
ósteo-articular, mediastínico, renal e cardíaco (endocárdio, pericárdio).
A invasão medular óssea traduz-se invariavelmente por citopenias hematológicas.
A localização ao SNC manifesta-se por febre, cefaleias, alterações do estado de
consciência, défices neurológicos focais e convulsões. Na doença gastrintestinal
surgem: diarreia, febre, dor abdominal e perda de peso.
Nos infectados por VIH com contagens de linfócitos T CD4 (+) > 300 / mm3, a
histoplasmose fica muitas vezes limitada ao aparelho respiratório; se a contagem de
linfócitos T CD4 (+) for < 150 / mm3, é mais frequente o envolvimento extra-
pulmonar, nomeadamente medular ósseo, gastrointestinal e, por vezes também, do
SNC (ex: meningite linfocitária, abcessos fúngicos intraparenquimatosos cerebrais).

D)- Sindroma de reconstituição Imunitária (SRI)


Relacionados com esta micose sistémica e em doentes com boa resposta
imunológica à terapêutica anti-retrovírica, foram também descritos casos de SRI, que
se apresentaram sob as formas de (ou agravamento de) pneumonite, uveíte, abcessos
hepáticos, adenites e lesões cutâneas.

II - Histoplasmose Africana

A)- Formas localizadas - são as mais frequentes. O atingimento poderá ser cutâneo,
ósseo, ganglionar ou raramente intestinal e pulmonar.

B)- Formas disseminadas - podem traduzir-se por manifestações associadas


nomeadamente cutâneo-ganglionares, cutâneo-ósseas, cutâneo-ósseo-ganglionares.
De salientar a presença frequente de lesões cutâneas em ambas as formas e o aspecto
variegado de que se poderão revestir, sendo a diversidade e o polimorfismo destas
lesões que de alguma forma caracterizarão a doença.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 316


Doenças Infeciosas 2017

Diagnóstico

O diagnóstico destas micoses sistémicas, assenta em elementos de ordem


epidemiológica e clínica, associados a:
1- deteção do antigénio (Ag) polissacarídico do Histoplasma capsulatum, em vários
fluidos orgânicos (urina, soro, LCR, lavado bronco-alveolar), permitindo um
diagnóstico rápido de histoplasmose disseminada. Nos doentes gravemente
imunodeprimidos (ex: com SIDA) e com formas de doença disseminada, o Ag de
histoplasma é detectado na urina em 99 – 100 % dos casos e no soro em 92%.
2- estudo histopatológico de peças de biópsia cutânea ou outros tecidos afectados,
com demonstração da presença do fungo (leveduriforme) após coloração pela
hematoxilina-eosina ou pela metenamina-prata ou ainda pelo ác. periódico Schiff
(PAS);
3- isolamento (cultura e identificação) do agente nas lesões e fluidos biológicos (ex:
hemocultura, mielocultura, cultura de LCR, cultura de secreções respiratórias, ...); é
um microrganismo de crescimento lento (2 a 4 semanas);
4- testes serológicos para a detecção dos anticorpos anti-Histoplasma, recorrendo
a métodos de Imunodifusão ou de Fixação do Complemento; permitem um
diagnóstico rápido da doença, sobretudo nas formas evolutivas subagudas ou crónicas
em imunocompetentes; se realizados precocemente (< 4 semanas de doença), são
geralmente negativos. Nos gravemente imunodeprimidos, acontecem com frequência
resultados falsos-negativos, o que limita a utilização destes testes nesta população.

Terapêutica

Em ambas as variedades desta micose, sempre que justificada, a terapêutica


baseia-se na utilização de anti-fúngicos sistémicos: anfotericina B, derivados do
imidazol e novos triazóis (sobretudo itraconazol e posaconazol, dada a menor eficácia
do fluconazol comparativamente aos anteriores). A resposta à terapêutica depende do

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Doenças Infeciosas 2017

tipo de micose, da sua forma clínica de apresentação e, essencialmente, do estado


imunitário do hospedeiro atingido.
Os novos anti-fúngicos da classe das equinocandinas não estão indicados.

I - Histoplasmose Americana
A)- Forma aguda - geralmente não necessita de terapêutica. Exceptuam-se os casos
de doença severa ou prolongada, em que se poderá optar por:
1-Anfotericina B Liposómica (ABL) - Dose: 3 a 5 mg/kg/d, em perfusão e.v., por 2 a 3
semanas, seguida de Itraconazol, 200 mg 3id (oral) durante 3 dias + 200mg 2id, até
completar 12 semanas de tratamento antifúngico;
2- Itraconazol - 200 mg 3id (oral), durante 3 dias, seguindo-se 200 mg 2id, durante
6 a 12 meses. O Itraconazol isoladamente, poderá ser considerado na doença menos
severa.
Recomenda-se associar metilprednisolona (0,5 a 1 mg/ kg /dia, ev) à terapêutica
antifúngica nas primeiras 2 semanas de tratamento, em casos de insuficiência
respiratória grave com infiltrados pulmonares extensos e bilaterais.
A HPA em infectados por VIH com contagem de linfócitos T CD4 (+) > 300 / mm3,
deve ser tratada da mesma forma que nos imunocompetentes.

B)- Forma disseminada [no Imunocompetente]


1- Anfotericina B (clássica) - 0.5-1mg/kg/d, via e.v., até um total de 3 a 4g, com
duração média de tratamento de 3 meses. Se existirem previamente alterações da
função renal, preferir as formulações lipídicas da anfotericina B.
2- Itraconazol (Itrac.)- 50 a 100 mg/d, durante 3 a 4 meses.
3- Ketoconazol - 400 mg/d (toma única diária), per os por 6 a 12 meses.

Nota: O Itraconazol não deverá ser usado em monoterapia nas formas meníngeas; o
Posaconazol revelou-se muito eficaz em modelos experimentais e nalgumas
terapêuticas “salvage”, onde tinham falharam outros anti-fúngicos.

C)- Forma terciária ou pulmonar crónica

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 318


Doenças Infeciosas 2017

O fármaco de eleição é o Itraconazol (pela melhor comodidade de administração,


associada à segurança e eficácia do fármaco).
1- Itraconazol - 200 mg 3 id, oral, durante 3 dias, seguido de 200 mg 1 ou 2 id,
durante 18 a 24 meses;
2- Anfotericina B- em doses padrão /dia ou tri-semanal, via ev, por 3 a 6 meses;
3- Ketoconazol – 400 mg / d (toma única diária), p.o., por 12 a 18 meses.
A terapêutica deverá prosseguir até se verificarem estabilidade e ausência de novas
lesões radiológicas pulmonares nos controlos radiográficos pulmonares realizados a
cada 4 a 6 meses). Após a terapêutica anti-fúngica, os doentes devem ser vigiados
(montorização de recidivas) durante pelo menos mais 1 ano.

D)- Terapêutica da Histoplasmose no Imunodeprimido por VIH / SIDA

D.1. Histoplasmose disseminada, moderada a severa

1- Fase de Indução

- Anfotericina B liposómica (ABL) – considerada fármaco de 1ª escolha. Dose: 3


mg/kg/d, via ev, durante pelo menos 15 dias (ou até se verificar melhoria clínica);
Em alternativa à ABL: Anfotericina B complexo lipídico, 3 mg /kg/dia, via e.v..

2- Fase de Manutenção

- Itraconazol - ap s a “fase de indução”, a terapêutica anti-fúngica deverá


prosseguir com Itraconazol, nas doses de 200 mg, oral, 3 id, durante 3 dias, seguidos
de 200 mg, oral, 2id, durante pelo menos 12 meses.

D.2. Histoplasmose disseminada, ligeira

Nas formas menos graves de doença não se utiliza a terapêutica de indução. Os


esquemas recomendados são:
- Itraconazol - 200mg po, 3id durante 3 dias; depois 200 mg 2id, por (pelo
menos) 12 meses; o itraconazol é considerado fármaco de 1ª opção para esta
recomendação;

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Doenças Infeciosas 2017

- Posaconazol - 400 mg, po, 2id, durante (pelo menos) 12 meses;


- Voriconazol - 400 mg, po, 2id, durante 1 dia, seguido de 200 mg, po, 2id
durante (pelo menos) 12 meses;
- Fluconazol – 800 mg, po, 1id (12 meses).

D.3. Meningite por Histoplasma

1- Fase de indução (4 a 6 semanas)

- Anfotericina B liposómica (ABL) – 5 mg/kg/d, via ev.

2- Fase de manutenção (durante 12 meses ou até resolução das alterações do


LCR)
- Itraconazol – 200 mg, po, 2 ou 3id;

D. 4. Histoplasmose Africana

A terapêutica da HAf assenta nos anti-fúngicos sistémicos, em doses padrão, por


períodos longos (nunca inferiores a 6 meses). Nos imunodeprimidos por infecção VIH,
dada a história natural da doença, cursando com recidivas frequentes e disseminação
das formas aparentemente localizadas, após o tratamento da fase aguda (com
duração de pelo menos 12 meses, com os mesmos agentes terapêuticos e doses
referidos para a Histoplasmose americana), deverá seguir-se também uma profilaxia
secundária.
No âmbito da SIDA, permanecem ainda desconhecidas as doses eficazes, bem
como a duração da terapêutica.

Prevenção

A)- Profilaxia Primária (prevenção do 1º episódio de doença)

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Doenças Infeciosas 2017

Indicações: 1)- contagem de linfócitos T CD4 (+) < 150 /mm3; 2)- em doentes com
profissões de risco ou residentes em área hiper-endémica de histoplasmose (> 10
casos / 100 doentes-ano).
Preferir o Itraconazol, 200 mg, po, 1 id.
Podem suspender a profilaxia 1ª os doentes sob terapêutica anti-retrovírica eficaz
e com contagem de linfócitos T CD4 (+) > 150 /mm3 durante pelo menos 6 meses.

B)- Profilaxia Secundária (terapêutica supressiva)


Nos casos de doença severa e disseminada ou infecção do SNC (ou ainda nos casos
de recidiva), após completados pelo menos 12 meses de tratamento, devem iniciar
terapêutica supressiva com Itraconazol (200mg/dia, po) ou Fluconazol (400 mg / dia,
po) ou Posaconazol (600 mg / dia, po) ou ainda Anfotericina B (50 mg / semana ou 2
xs/ semana, via ev).

Critérios para suspensão terapêutica da profilaxia secundária da histoplasmose em


infectados por VIH): ter completado pelo menos 12 meses com terapêutica anti-
fúngica + manutenção de contagens de linfócitos T4 > 150 / mm3, sob terapêutica
anti-retrovírica eficaz (virémia VIH indetectavel), há pelo menos 6 meses +
hemoculturas negativas (para fungos) + doseamento sérico do antigénio do
histoplasma < 2 ng / mL unidades.
Após a suspensão da profilaxia secundária, esta deverá ser reintroduzida se a
contagem de linfócitos T CD4 (+) for < 150 / mm3.

Bibliografia

- McKinsey DS, McKinsey JP. Pulmonary Histoplasmosis. Semin Respir Crit Care
Med. 2011;32 (6): 735 – 744;
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Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 321


Doenças Infeciosas 2017

- Fernández Andreu CC, Illnait Zaragozi MT, Martínez Machín G, Perurena


Lancha MR, Monroy Vaca E. Una actualización acerca de histoplasmosis. Rev
Cubana Med Trop 2011; 63 (3): 189 – 205;
- Johnston RB Jr, Thareja S, Shenefelt PD. Disseminated histoplasmosis in a renal
transplant patient. Cutis 2013; 91 (6): 295 – 299;
- Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.
Guidelines for the Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in
HIV-infected Adults and Adolescents: recommendations from the Centers for
Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available
at http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf. Last update:
18/5/2017. Accessed: 23/08/2017

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 322


Doenças Infeciosas 2017

CRIPTOCOCOSE

Classificação
- Reino: Fungos
- Phylun: Basidiomycota
- Subfilo: Basidiomycotina
- Ordem: Sporidiales
- Família: Sporidiobolaceae
- Genus: Cryptococcus
- Classe: Deuteromicetes

Introdução
A criptococose é uma infecção sistémica causada por um fungo leveduriforme
encapsulado, o Cryptococcus neoformans, pertencente à classe dos Deuteromicetes.
Das dezanove espécies conhecidas, apenas o Cryptococcus neoformans é patogénico
para o homem e animais. No contexto da infecção VIH, a maior parte dos casos é
causada por Cryptococcus neoformans variedade grubii (antigo serótipo A) enquanto a
variedade neoformans é responsável pela proporção restante, especialmente na
Europa. Uma pequena proporção de infecções está associada ao Cryptococcus gatii
(antigas designações de Cryptococcus serotipos B e C). As dimensões da cápsula
variam com as condições do meio de crescimento e com a estirpe. Tem a capacidade
de produzir melanina, que é importante para a sua identificação e um factor de
virulência. O Cryptococcus neoformans é a única espécie que cresce bem a 37ºC.

Epidemiologia
Este fungo tem ampla distribuição mundial, é um saprófita ambiental encontrado em
amostras de solos. Os solos mais enriquecidos são aqueles que são frequentados por
aves especialmente por pombos, galinhas e perus.
Provavelmente as aves desempenham apenas o papel de vector sendo o reservatório
a vegetação e algumas árvores.

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Doenças Infeciosas 2017

Pode ainda ser encontrado como comensal no cão. No Homem é mais


frequentemente encontrado em situações de colonização endobrônquica em doentes
com doença pulmonar crónica subjacente. Transmissão homem a homem pode
ocorrer através da transplantação de tecidos contaminados. A transmissão é feita por
via inalatória, havendo uma predilecção pela invasão do sistema nervoso central.

Patogénese
A patogénese da criptococose é determinada por três principais factores: o status de
defesa do hospedeiro, a virulência do C. neoformans e a dimensão do inóculo.

Clínica
A infecção sintomática disseminada, na grande maioria dos casos, está associada com
algum grau de imunossupressão que ocorre na infecção VIH, nas doenças
linforeticulares e outras neoplasias malignas, na transplantação renal, na
corticoterapia prolongada, na diabetes e na sarcoidose. Calcula-se que nos doentes
com criptococose sem infecção VIH, cerca de 20% não apresentem qualquer factor de
risco ou imunocompromisso subjacente. A infecção criptocócica pode envolver
qualquer órgão ou sistema, mas as localizações mais frequentes são o pulmão e o SNC.
Nesta última localização pode revestir aspectos de: meningite crónica (a forma mais
frequente), meningoencefalite e granuloma cerebral, associada a imunodepressão
profunda (<100 CD4+/mm3).
Manifestações: inicialmente com cefaleia, febre, mal-estar e posteriormente
perturbações da visão e alteração do estado de consciência. Sinais (se presentes)
podem incluir meningismo, edema da papila, paralisias dos pares cranianos (VI par) e
redução do nível de consciência. A rigidez da nuca é infrequente.
Criptococose pulmonar: o doente imunocomprometido apresenta sintomas
constitucionais como febre, mal-estar, dor torácica, polipneia e perda de peso,
contrariamente ao que acontece no doente normal. Na SIDA, a pneumonia pode não
ser sintomática, e em 90% dos casos há infecção simultânea do SNC, sendo esta a
forma de apresentação mais frequente. Radiografia de tórax: no indivíduo normal –
nódulos bem definidos, únicos ou múltiplos; no imunocomprometido – infiltrados

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Doenças Infeciosas 2017

alveolares e intersticiais são comuns. Cavitação, derrames pleurais e adenopatia hilar,


podem ser outras apresentações.
Criptococose cutânea: lesão papular ou macular com centro mole ou ulcerado, mas
existem variações de acordo com o nível de imunodepressão. Algumas resultam de
infecção cutânea primária (inoculação directa), outras serão manifestações de
infecção disseminada.
Outras: endoftalmite, hepatite, pericardite, endocardite e abcesso renal.

Diagnóstico
Febre e cefaleia em doente com SIDA ou com factores de risco para infecção pelo VIH
sugerem a possibilidade de criptococose, toxoplasmose ou linfoma do sistema
nervoso central. A punção lombar é o teste diagnóstico mais útil. O LCR tipicamente
pode apresentar pressão elevada, glicose baixa ou normal e proteínas elevadas ou
normais.
As hemoculturas são positivas em 50-70% dos casos e o antigénio sérico positivo em
95%. No LCR, as culturas e o antigénio criptocócico são positivos em mais de 95% dos
casos, com o teste da tinta-da-china positivo em 60-80% dos casos.
Culturas positivas no sangue, urina e/ou secreções respiratórias implicam a realização
de punção lombar. Antigenémia sérica sugere doença criptocócica se título superior a
1:8, confirmado por cultura. A cultura de expectoração é positiva em apenas 10 %. A
biopsia pulmonar é necessária para diagnóstico das formas pulmonares.

Tratamento
A – No Imunocompetente
Forma não meníngea: Fluconazol – 400mg/ev ou po, id, durante 8 semanas a 6 meses;
na doença severa: Anfotericina B - 0.5-0.8mg/Kg, id, até responder e nessa altura
substituir por Fluconazol 400mg po, id, durante 8-10 semanas.

Meningite: Anfotericina B - 0.5-0.8mg/Kg, id + Flucitosina 37.5mg/Kg, 4id, po, até


apirexia e culturas negativas no LCR (± 6 semanas), substituir por Fluconazol 200mg,

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Doenças Infeciosas 2017

po, id; nas formas menos severas: Fluconazol 400mg, id, po, por 8-10 semanas; alguns
autores aconselham manter terapêutica por 2 anos para redução das recidivas.
Anfotericina B liposómica / ABLC – é uma alternativa com menor potencial toxicidade.

B – No Imunocomprometido
A criptococose é uma infecção oportunista frequente nos indivíduos imunodeficientes
no quadro da SIDA, tendo diminuído a sua incidência com a TARV. Na SIDA, 5% dos
doentes desenvolvem meningite criptocócica que será mortal em 60% dos mesmos na
ausência de tratamento. Com o tratamento actual em três fases a taxa de mortalidade
situa-se nos 5%. Por outro lado, 50% dos indivíduos com episódio anterior de
meningite criptocócica podem sofrer recidiva, daí a necessidade de terapêutica
profilática.

Forma não meníngea (pulmonar, disseminada ou antigenémia)


- Terapêutica primária
Fluconazol 200-400 mg, po, indefinidamente ou até reconstituição imune.
- Terapêutica alternativa
Itraconazol 200 mg, po, 2id, comprimidos administrados com alimentos ou suspensão
administrada em jejum, indefinidamente ou até reconstituição imune.

Meningite
- Terapêutica primária (fases de indução, consolidação e supressão):
Anfotericina B – 0.7 mg/Kg/dia ev + 5-Flucitosina – 25mg/Kg, 6/6 h, po, por, pelo
menos, 2 semanas (fase de indução), depois Fluconazol 400 mg/dia po durante 8
semanas ou até à esterilização do LCR (fase de consolidação), e depois 200mg/dia
(fase de supressão). Suspender o tratamento quando os CD4+ forem superiores a 100-
200/mm3 durante mais de 6 meses, o tratamento inicial estiver completo e o doente
esteja assintomático.
- Terapêutica alternativa (fases de indução e consolidação):
Anfotericina B – 0.7-1 mg/Kg/dia, ev, (sem 5-Flucitosina) durante 14 dias, depois
Fluconazol 400 mg/dia durante 8 a 10 semanas.

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Doenças Infeciosas 2017

Fluconazol – 400-800 mg/dia, po + 5-Flucitosina 25mg/kg, 4id, durante 6 a 10


semanas.
Anfotericina B liposómica 4 mg/Kg/dia, durante 2 semanas, depois Fluconazol 400
mg/dia, durante 8 a 10 semanas.
- Terapêutica alternativa (fase supressão):
Itraconazol 200 mg, po, 2id (se intolerância ou falência do Fluconazol).

- Falência do tratamento:
É definida pela não obtenção de resposta clínica em duas semanas de tratamento na
ausência de síndroma de reconstituição imune.
Considerar três possibilidades:
Manter o mesmo tratamento, aumentar a dose de fluconazol associado à 5-Flucitosina
ou usar fármacos alternativos, como o Voriconazol.

Recidiva
Desenvolvimento de novos sinais e sintomas clínicos ou culturas repetidas positivas.
A persistência de um teste positivo pela tinta-da-china ou a variação no título do
antigénio criptocócico não são, isoladamente, indicações de recidiva.

Bibliografia:
 Perfect J. R., et al. Clinical Practice Guidelines for the Management of
Cryptococcal Disease: 2010 Update by the Infectious Diseases Society of
America; Clin Infect Dis 2010; 50 (3): 291-322.
 Gilbert, et al; The Sanford guide to antimicrobial therapy, 2016, 46th ed., 127-
128.
 Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.
Guidelines for the prevention and treatment of opportunistic infections in HIV-
infected adults and adolescents: recommendations from the Centers for
Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available at
http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf.

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Doenças Infeciosas 2017

PNEUMOCISTOSE

Introdução
O agente etiológico da pneumocistose foi descrito pela primeira vez em 1909
por Carlos Chagas, um investigador brasileiro que se dedicava ao estudo da
tripanosomose em modelos animais (cobaios). Mais tarde, Antonio Carinii identificou
microrganismos semelhantes no tecido pulmonar de roedores, e, tal como Chagas,
pensou tratar-se de uma nova forma do ciclo de vida do Trypanosoma.
Inicialmente classificado como protozoário (pelas suas características morfo-
estruturais e pela sua sensibilidade aos anti-parasitários), o microrganismo foi
denominado de Pneumocystis carinii pelo seu tropismo para o tecido pulmonar dos
hospedeiros animais, pela sua morfologia quística e em homenagem aos
investigadores que primeiro o descreveram. Desconhecia-se ainda, nessa data, a sua
capacidade de infectar seres humanos.
Em meados do século XX, investigadores alemães e checos (entre os quais
Vanek e Jiroveci), associaram-no à infecção em humanos, descrevendo-o como agente
etiológico de pneumonia intersticial em prematuros e crianças com défices graves de
nutrição. A partir da década de 60, mais casos de pneumocistose foram descritos em
seres humanos (crianças e adultos), com défices imunes de diferentes etiologias
(congénitos ou adquiridos). Mas foi no início da década de 80, no dealbar da
pandemia da SIDA, que o Pneumocystis carinii surgiu como dos seus mais importantes
agentes oportunistas, causando pneumonia intersticial grave e potencialmente letal,
em imunodeprimidos por infecção VIH.
Em 1988, a classificação filogenética deste microrganismo foi revista, em
virtude das estreitas semelhanças dos seus ARN ribosomal e ADN mitocondrial com os
dos fungos ascomicetas. A pneumocistose deixou então de ser uma parasitose,
passando a ser considerada uma micose sistémica. Esta decisão não foi isenta de
crítica, uma vez que os Pneumocystis não crescem em meios de cultura para fungos
nem são sensíveis à terapêutica com antifúngicos.
A nomenclatura do agente foi alterada em 2006, por se haver reconhecido que
as espécies que infectavam hospedeiros animais eram distintas daquela que infectava

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Doenças Infeciosas 2017

o Homem, a qual passou a ser designada de P. jirovecii. O Pneumocistis carinii infecta


especificamente roedores (ex: ratos). Nas publicações médicas, a pneumonia por
Pneumocystis é designada pelas iniciais PPC ou PPc.
O P. jirovecii é então considerado um fungo ascomiceta unicelular, cujo ciclo de
vida compreende pelo menos três estádios morfológicos distintos: trofozoíto (forma
vegetativa), esporozoíto (forma pré-quística) e o quisto (que contém vários
“esporos”). Os quistos são arredondados, com 5 a 8 μm de diâmetro e de parede
habitualmente espessa. Desconhece-se a existência de eventuais reservatórios
ambientais e a infecção humana parece ocorrer por via inalatória, provavelmente por
transmissão inter-pessoal; presume-se que a transmissão inter-humana possa ter sido
responsável por pequenos surtos de pneumocistose em enfermarias com pacientes
oncológicos, descritos entretanto na literatura médica mundial. A colonização do
tracto respiratório de indivíduos assintomáticos e saudáveis foi já documentada,
podendo o microrganismo manter-se em latência, nesta situação por tempo ainda não
perfeitamente definido. Se, por qualquer motivo, ocorrer uma situação de défice
imunitário na vida destes hospedeiros (ex: neoplasias hematológicas, infecção VIH,
terapêuticas imunossupressoras), o microrganismo pode tornar-se invasivo e
patogénico, causando doença pulmonar na grande maioria dos casos. Com ponto de
partida no aparelho respiratório, poderá ocorrer disseminação para todo o organismo,
sendo particularmente atingidos a pele e os órgãos ricos em células do sistema
retículo-endotelial (SRE): fígado, baço, medula óssea e gânglios linfáticos.
A partir do início da década de 80, a infecção por VIH foi a grande responsável
pelo grande aumento da incidência de pneumocistose nos países ocidentais, tendo-se
tornado numa das principais causas de mortalidade associada à SIDA. Os avanços que
se verificaram nos últimos anos no acompanhamento dos doentes portadores de
infecção VIH, quer em termos de instituição precoce de profilaxias primárias, quer no
recurso à terapêutica anti-retrovírica de combinação (“HAART”), eficaz no controlo da
replicação vírica, permitiram reduzir de forma drástica a incidência e prevalência da
pneumocistose e outras infecções oportunistas nos países ocidentais.

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Doenças Infeciosas 2017

Por vezes, a PPc pode ocorrer em doentes a fazerem terapêutica anti-


retrovírica (TARV), sobretudo naqueles com uma adesão problemática a esta
medicação ou com défice imune marcado apesar da supressão virológica.

Clínica
O início da sintomatologia é habitualmente insidioso e caracterizado por febre,
tosse seca, taquipneia, fadiga e uma sensação de dispneia de instalação progressiva
(por vezes com várias semanas de evolução). Diarreia e perda de peso também
poderão estar presentes.
Há quadros de evolução mais rápida ou mesmo fulminante, culminando em
situações de insuficiência respiratória grave; estas formas evolutivas clinicamente
“mais agressivas”, são raras nos infetados por VIH. Um agravamento súbito da
dispneia associado a toracalgia, podem indicar a ocorrência de um pneumotórax.
Ao exame físico, poderemos objectivar uma taquipneia, ou mesmo adejo nasal
e tiragem intercostal (esta mais frequentemente encontrada em crianças). Febre,
taquicardia e candidose oral, estão também presentes em grande número de casos. A
auscultação pulmonar pode não revelar alterações, ou permitir a detecção de
discretos fervores ou roncos inspiratórios, bi-basais.
As manifestações atípicas e extra-pulmonares da pneumocistose (lesões
cutâneas, hepato-esplenomegália, derrame pulmonar), são mais comuns nos doentes
a fazerem profilaxia da pneumocistose com Pentamidina em aerossol.

Diagnóstico
O diagnóstico de presunção de PPc baseia-se na conjugação de dados clínicos,
epidemiologia sugestiva, achados imagiológicos e alterações laboratoriais.

A- IMAGIOLOGIA
- Telerradiografia do Tórax – Em ¼ dos doentes e em fase precoce do quadro,
poderá não mostrar alterações. O reforço intersticial difuso e bilateral, de predomínio
peri-hilar, é o aspecto radiológico mais comum; achados radiológicos menos comuns

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Doenças Infeciosas 2017

são: pneumotóraces, micronodulações, focos de consolidação unilateral, adenopatias


mediastínicas, pneumatocelos e derrame pleural (discreto).

- TAC Torácica de Alta Resolução – Muito sensível na pneumonia por P.


jirovecii, mostrando imagens de atenuação em “vidro despolido”, associadas a
alterações sugestivas de doença intersticial (espessamento de septos, reticulação,
micron dulos e consolidação do “espaço de ar”). Uma TAC Pulmonar sem alterações
tem um elevado valor preditivo negativo.

- Cintigrafia Pulmonar (com Galium) – mostra hiperfixação pulmonar difusa,


mesmo quando o RX do Tórax parece normal. Apesar da sua elevada sensibilidade,
este exame é pouco específico de pneumocistose.

B- ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
- Gasometria arterial - mostra habitualmente hipoxémia de intensidade
variável (hipoxémias graves, com PaO2 < 70 mmHg, implicam um pior prognóstico
vital) + hipocapnia + alcalose respiratória (sugerindo hiperventilação). Nos doentes
com gasometrias normais em repouso, a dessaturação poderá ser induzida pelo
exercício físico.
- LDH sérica - a elevação da desidrogenase láctica (LDH) sérica é muito
sugestiva de PPc nos doentes com infecção VIH e sintomatologia respiratória fruste;
no entanto, esta alteração é bastante inespecífica pois pode estar presente em muitas
outras doenças pulmonares, reflectindo a intensidade da lesão pulmonar; se > a 1000
U/L, indica uma maior gravidade do quadro
- Albuminémia - a hipoalbuminémia, tal como a hipoxémia e a elevação da LDH
sérica, constitui um indicador laboratorial de gravidade (mau prognóstico) da doença.

O diagnóstico definitivo da pneumocistose é dificultado pela impossibilidade


de isolamento do seu agente etiológico em cultura. Apesar de amplamente estudado,
ainda não se conseguiu o desenvolvimento em cultura do P. jirovecii fora do ambiente
pulmonar dos hospedeiros. Por este motivo, o diagnóstico definitivo da PPc baseia-se

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Doenças Infeciosas 2017

na identificação do fungo (quistos ou trofozoítos) em secreções respiratórias (ex:


expetoração, lavado bronco-alveolar, aspirado brônquico) ou peças de biópsia,
recorrendo a técnicas de coloração citoquímica, imunofluorescência indirecta com
anticorpos monoclonais e técnicas de biologia molecular.

IDENTIFICAÇÃO DO PNEUMOCYSTIS

- Visualização microscópica após colorações citoquímicas convencionais: tanto


os trofozoítos como os quistos de P. jiroveci podem ser identificados na expectoração
induzida por nebulização com soluto salino hipertónico, no lavado-bronco-alveolar
(LBA) obtido por broncofibroscopia ou no tecido pulmonar (por biópsia), recorrendo a
colorações especiais. Para os trofozoítos recomendam-se corantes como o
Papanicolau, o Gram-Weigert ou o Wright-Giemsa modificado; os quistos podem ser
corados com Grocott-Gomori, metenamina-prata, azul de Toluidina, Giemsa, entre
outros.
- Detecção do agente por técnicas de Imunofluorescência com anticorpos
monoclonais (IFA): tem a vantagem de identificar trofozoítos e quistos e a
desvantagem de ser mais dispendiosa e demorada que as técnicas de coloração
citoquímica convencional; ainda comparativamente a estas últimas, é mais sensível
mas menos específica para evidenciar a presença dos microrganismos.
- Detecção de Ácidos Nucleicos do agente por técnicas de Biologia Molecular: A
Reacção de Polimerização em Cadeia (PCR) e a PCR em tempo real, revelaram-se mais
sensíveis e específicas que os métodos microscópicos, na identificação do fungo em
amostras de expectoração e no LBA. Para além do interesse no diagnóstico, as
técnicas de biologia molecular poderão ter utilidade na quantificação dos
microrganismos nos espécimes em estudo (ex: expectoração e LBA) e na detecção de
resistência aos fármacos.

NOTAS FINAIS:
1- Apesar da melhoria na acuidade diagnóstica da pneumocistose verificada
nos últimos anos, mantém-se o interesse na descoberta de métodos de

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Doenças Infeciosas 2017

detecção rápida do agente, que sejam mais baratos e que possam ser
aplicados a amostras biológicas obtidas de forma menos invasiva (ex:
sangue ou urina); de entre os diversos marcadores serológicos em estudo,
o Beta-D-Glucano (BDG), um dos componentes mais abundante da parede
dos quistos de Pneumocystis, parece ser dos mais promissores;
2- A sensibilidade da pesquisa do agente em amostras de expectoração
induzida é bastante inferior à dessa mesma pesquisa no LBA obtido por
broncofibroscopia; no entanto, esta técnica, mais invasiva e nem sempre
disponível, não pode ser executada em doentes com insuficiência
respiratória grave;
3- Nos doentes com pneumocistose, a realização de biópsias pulmonares
(transbrônquica ou transtorácica) tem risco elevado de complicações (ex: -
pneumotórax, hemoptises);
4- Nos doentes a fazerem profilaxia da pneumocistose com Pentamidina em
aerossol, é reduzida a sensibilidade da pesquisa do fungo na expectoração
induzida.

Terapêutica da Pneumocistose na infecção por VIH

A – FORMAS GRAVES
1ª ESCOLHA: Trimetoprima-Sulfametoxazol (Co-trimoxazol) : 15 a 20 mg/kg/dia
de Trimetoprima (ou 75 - 100 mg/Kg/dia de Sulfametoxazol), em 3 a 4
administrações diárias, via endovenosa (ev), durante 21 dias. A administração ev.
pode ser substituída pela oral, quando ocorrer melhoria clinica.
Alternativas: 1- Pentamidina - 4 mg/Kg/dia por via ev (perfusão lenta), 21 dias;
2- Primaquina (30 mg, 1id, per os) + Clindamicina (600 mg 4id ou
900 mg 3id, via ev), durante 21 dias. A Clindamicina pode ser
usada nesta combinação por via oral, nas doses de 300 mg 4id
ou 450 mg 3id.

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Doenças Infeciosas 2017

Nota: Nos candidatos a terpêutica com Primaquina e Dapsona,


é necessário pesquisar previamente o défice de G-6-P-D
(glicose-6-fosfato-desidrogenase).

B – FORMAS LIGEIRAS A MODERADAS


1ª ESCOLHA: Trimetoprima-Sulfametoxazol (Co-trimoxazol) : 15 a 20 mg/Kg/dia de
Trimetoprima (ou 75 - 100 mg/Kg/dia de Sulfametoxazol), em 3 a 4 administrações
diárias, via oral, durante 21 dias, ou Trimetoprima-Sulfametoxazol (Co-trimoxazol), 2
comp de 960 mg, cada 8 horas, via oral, 21 dias.

Alternativas:
 Dapsona (100 mg, 1 id) + Trimetoprima (15 mg/Kg/dia, em 3 ou 4 tomas),
por via oral (21 dias).
 Atovaquona - 750 mg 2id, via oral, com as refeições, durante 21 dias (a
suspensão parece ter melhor biodisponibilidade que os comprimidos).
 Primaquina (30 mg, 1id, per os) + Clindamicina (300 mg 4id ou 480 mg 3id,
via oral), durante 21 dias.

Nas formas moderadas a graves de doença (com dispneia intensa, hipoxémia < 70
mmHg), deverá associar-se corticoterapia aos antimicrobianos. Ex: Metilprednisolona
(1mg/Kg/dia, durante 5 dias) ou Prednisona (40 mg 2 id durante 5 dias, seguidos da
redução progressiva do corticoide a cada 4 ou 5 dias).

Profilaxia da Pneumocistose na infecção por VIH

A- Profilaxia Primária - recomendada quando a contagem de linf. CD4 (+) < 200/mm 3
(ou < 14 %) e ainda na presença de candidose oral ou história prévia de doença
definidora de SIDA.
Primeira escolha: Co-trimoxazol (480 ou 960 mg / dia, ou em dias alternados), via oral.

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Doenças Infeciosas 2017

Alternativas: Dapsona (100mg /dia, oral) ou Pentamidina (300mg em aerossol, cada 4


semanas) ou Atovaquona (750 mg, 2 id, oral), ou a associação Dapsona (200 mg) +
Pirimetamina (75 mg ) + Ác. Folínico (25 mg), por via oral, uma vez /semana.

B - Secundária – recomendada após um primeiro episódio de doença. Os fármacos e


respectivas dosagens são os mesmos referidos para a prevenção primária.

Observações:
1- Poderão suspender a profilaxia primária e secundária da PPc, os pacientes que
submetidos a terapêutica anti-retrovírica combinada, mantenham de forma
sustentada, viremia VIH indetectáveis e contagem de linfócitos T4 > 200 / mm 3, por
período de tempo  de 3 meses; poderá também considerar-se a suspensão destas
profilaxias (1ª e 2ª), nos doentes com linfócitos T4 > 100 e < 200 / mm 3 e que
apresentam ARN do VIH sérico indetetável durante > 3 meses.
2- Perante uma reacção adversa grave (eritema cutâneo marcado, síndroma de
Stevens-Johnson, epidermólise tóxica, neutropenia ou trombocitopenia graves,
hepatotoxicidade) ou falência terapêutica com o Co-trimoxazol, este deverá ser
substituído por uma das alternativas propostas;

3- Em doentes com o diagnóstico de PPc e que ainda não iniciaram TARVc, esta deverá
ser introduzida após as 2 primeiras semanas de terapêutica da pneumocistose (reduz
a mortalidade e não agrava substancialmente o risco de Síndroma de Reconstituição
Imunológica).

Bibliografia
- Esteves F, Antunes F, Matos O. Pneumocystis e pneumocistose: o agente
patogénico e a doença. Rev. Port. D. Infec. 2014;10(1):16-22;
- Carmona EM, Limper AH. Update on the diagnosis and treatment of
Pneumocystis pneumonia. Ther Adv Respir Dis 2011;5:41-54 (versão “online”
em http://tar.sagepub.com/content/5/1/41);

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 335


Doenças Infeciosas 2017

- Gilroy SA, Bennett NJ. Pneumocystis Pneumonia. Semin Respir Crit Care Med
2011;32:775-782
- Costiniuk CT, Fergusson DA, Doucette S, Agel JB. Discontinuation of
Pneumocystis jiroveci Pneumonia Prophylaxis with CD4 Count < 200 Cells/μL
and Virologic Suppression: A Systematic Review. (2011) PLoS ONE 6(12):
e28570. doi:10.1371/journal.pone.0028570;
- Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.
Guidelines for the Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in
HIV-infected Adults and Adolescents: recommendations from the Centers for
Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV
Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Available at
https://aidsinfo.nih.gov/guidelines, 18/05/2017 (Last updated July 25, 2017).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 336


Doenças Infeciosas 2017

INFEÇÕES PARASITÁRIAS
MALÁRIA

Doença provocada por cinco espécies de Plasmódio (Plasmodium falciparum,


Plasmodium ovale (com duas subespécies, P. ovale wallikeri e P. ovale curtisi), Plasmodium
vivax, Plasmodium malariae e Plamodium knowlesi) e que atinge vastas áreas de África, da
América Central e do Sul e da Ásia. É transmitida ao homem pela picada de fêmeas de
mosquitos do género Anopheles. Considerada a mais importante parasitose do homem,
estima-se em 212 milhões o número de casos e em 429000 o número de mortes verificado em
2015 (dados da OMS). Face aos enormes esforços na luta contra esta doença, foi conseguida
uma diminuição de 21% do número de casos e de 29% no número de óbitos entre 2000 e
2015. Em Portugal foram notificados 221 casos da doença no ano de 2015 (DGS, Doenças de
Declaração Obrigatória).
As formas mais graves de malária estão conotadas habitualmente com P. falciparum,
pois os eritrócitos parasitados exprimem à sua superfície a proteína PfEMP1 que promove a
aderência aos endotélios e a formação de rosetas, fundamento dos fenómenos
fisiopatológicos encontrados nas formas graves da doença. Estão descritos, cada vez mais
frequentemente, também casos de doença grave nas infeções por P. knowlesi e P. vivax, esta
última principalmente se adquirida em países asiáticos e na amazónia em que se deteta
resistência crescente à Cloroquina.
As manifestações clínicas da doença são muito variadas e nenhuma tem carácter
patognomónico. A febre é quase uma constante, associada às cefaleias, mialgias, calafrios,
anorexia, hipersudorese, astenia, adinamia, icterícia e hepatoesplenomegalia. Os acessos
palúdicos são o que melhor caracteriza a clínica da malária e têm tipicamente três fases
sequenciais: “calafrio”, “calor”, “suores”. Estão na base da designação de febre terçã (quando
ocorrem cada 48 horas, em infeções por P. vivax, P. ovale e P. falciparum) ou de febre quartã
(quando ocorrem cada 72 horas na infeção por P. malariae), contudo, a sua ausência não
exclui o diagnóstico.
O diagnóstico laboratorial efetua-se através da observação de glóbulos vermelhos
parasitados, pela técnica de gota espessa e em esfregaços do sangue periférico, que continua a

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Doenças Infeciosas 2017

ser o teste “padrão”. Se necessário, o teste deve ser repetido. As vantagens deste método de
diagnóstico são as seguintes: permite identificar qualquer espécie de Plasmódio, quantificar a
parasitemia, avaliar a eficácia da terapêutica e um baixo custo. Como desvantagens pode
referir-se o limiar de deteção (entre 50-500 parasitas/µL), a necessidade de laboratório com
pessoal qualificado, e uma sensibilidade que não ultrapassa os 75%.
Recentemente disponibilizaram-se também testes rápidos de diagnóstico através de
tiras teste que detetam a presença de antigénios específicos do P. falciparum (outros também
de P. vivax) no sangue de doentes infetados. Estes testes têm sensibilidades e especificidades
muito diversas, consoante as múltiplas (>200) marcas comerciais e, embora sejam de fácil
execução, também não estão isentos de dificuldades: persistência da positividade dos testes
mesmo ap s a “cura” da doença, não quantificam a parasitemia, comportam-se pior em
infeções por Plasmódio não falciparum, são mais exigentes nas condições de manutenção e
conservação e têm custos elevados.
O recurso aos métodos de biologia molecular justifica-se quando as parasitémias são
muito baixas e também para o diagnóstico da malária por P. Knowlesi, já que
morfologicamente é muito difícil distinguir esta espécie das formas de P. malariae.
Níveis de parasitemia superiores a 5% dos eritrócitos, anemia grave, hipoglicemia,
presença de choque, acidose metabólica, hemoglobinúria, coagulação intravascular
disseminada, alterações do estado de consciência, vómitos e diarreia abundantes,
compromisso grave da função renal, pulmonar ou hepática são sinais de mau prognóstico,
presentes nas formas graves da doença, que aconselham o internamento do doente e
terapêutica por via parenteral, especialmente em indivíduos não imunes.
Os principais medicamentos utilizados no tratamento e na prevenção da malária
pertencem aos seguintes grupos:
 Alcalóides da cinchona Quinino, Quinidina
 4 – aminoquinoleínas Cloroquina, Amodiaquina
 8 – aminoquinoleínas Primaquina
 4 – quinolinometanóis Mefloquina
 9 – fenantrenometanóis Halofantrina
 Derivados da acridina Quinacrina
 Derivados da artemisina Artesunato, Artemeter

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Doenças Infeciosas 2017

 Inibidores da DHFR Pirimetamina, Proguanilo


 Inibidores da DHPS Sulfadoxina
 Antibióticos Doxiciclina, Clindamicina.

Alguns destes fármacos estão disponíveis em coformulações, como a


Sulfadoxina/Pirimetamina, Atovaquona/Proguanilo e várias combinações contendo os
derivados da artemisina.
O fármaco de eleição no tratamento da malária por P. falciparum sensível à Cloroquina
(cada vez mais restrito a algumas áreas geográficas da América Central), continua a ser a
Cloroquina. Para as restantes espécies de Plasmódio a Cloroquina é também uma opção, mas
já estão descritas formas de P. vivax resistentes na Ásia e na bacia amazónica, nomeadamente
na Indonésia e Papua Nova Guiné. Infelizmente, nos últimos tempos desenvolveram-se
resistências do P. falciparum aos anti-maláricos em diferentes continentes (África, Ásia, bacia
amazónica), nomeadamente à Cloroquina, à Sulfadoxina+Pirimetamina e à Mefloquina, o que
obrigou à procura de terapêuticas alternativas, como a associação Atovaquona+Proguanilo,
Artemeter+Lumefantrina e Dihidroartemisina+Piperaquina, todas disponíveis por via oral e
úteis nas formas de menor gravidade.
Nas formas mais graves, e nomeadamente na malária cerebral, entre nós prefere-se o
Quinino por via EV, associado à Doxiciclina. Os novos derivados da artemisina por via
endovenosa (Artesunato, ainda não comercializados na Europa), são considerados os fármacos
mais eficazes nas formas graves de malária, mas devem ser administrados em associação com
outros antimaláricos para evitar as recidivas. Logo que possível, a terapêutica deverá passar a
ser administrada por via oral, com recurso a uma co-formulação contendo derivados da
artemisina.
Lembramos ainda que a terapêutica da malária abrange medidas de suporte geral,
nomeadamente nas formas graves e na malária cerebral, que incluem o internamento em UCI
para ventilação assistida, correção dos desequilíbrios hidro-electrolíticos e metabólicos
(hipoglicemia), combate ao choque, correção da anemia, luta contra o edema cerebral
(dispensando a utilização de corticoides, que agravam o prognóstico) e pulmonar, prevenção e
tratamento da insuficiência renal, controlo das convulsões e antibioterapia intensiva contra as
infeções bacterianas secundárias.

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Doenças Infeciosas 2017

A exsanguinotransfusão, antes preconizada nas formas muito graves em que o grau de


parasitemia era muito elevado (>10%), caiu em desuso.
Nos casos particulares da infeção por Plasmodium vivax ou Plasmodium ovale, a
terapêutica do acesso agudo deve consolidar-se com a administração de primaquina (15-30 mg
por dia em adultos, crianças 0,25-0,5 mg/kg/dia, durante 14 dias), para evitar futuras recidivas
por reativação dos hipnozoítos hepáticos. Os doentes com deficiência marcada de G6PD não
podem receber este medicamento.
Os viajantes para zonas de endemia devem tomar medidas que ajudem a prevenir a
infeção, como sejam o uso de repelentes contra insetos, utilização de mosquiteiros durante o
sono, proteção da pele com roupa leve mas que impeça a picada do Anopheles (que se
alimenta predominantemente ao fim da tarde e durante a noite), e efetuar quimioprofilaxia
com Cloroquina sempre que viaja para zonas em que não tenham sido descritas resistências a
este fármaco (praticamente restritas a algumas zonas da América central). Sempre que o
viajante se desloca para áreas geográficas em que esteja presente o P. falciparum Cloroquino-
resistente (África, América do sul, Ásia) deverá preferir-se a Mefloquina, a associação
Atovaquona+Proguanilo ou a Doxiciclina. Esta última tem a vantagem de conferir alguma
proteção contra outras doenças frequentes nos países de endemia malárica, como sejam a
cólera, as gastroenterites, as rickettsioses, e as doenças de transmissão sexual. No entanto,
como necessita de uma administração diária, apenas se revela funcional durante deslocações
curtas. A prevenção deve ser iniciada, consoante o medicamento escolhido, 1-3 semanas antes
de partir e continuada até 4 semanas depois do regresso (com exceção da Doxiciclina que pode
iniciar-se na véspera da partida, e da associação Atovaquona+Proguanilo que se inicia na
véspera de partir e se suspende 5-7 dias após o regresso).
Nos quadros seguintes procurámos resumir alguns regimes terapêuticos e profiláticos
da malária. Alertamos para a necessidade de conhecer em pormenor os efeitos secundários
dos anti-maláricos e as respetivas contraindicações. Assim, a Cloroquina não deve ser
administrada em doentes com antecedentes de epilepsia, psoríase, prurido intenso, miastenia
ou retinopatia; a Mefloquina não se deve usar sempre que existam antecedentes de alergia,
epilepsia, doenças psiquiátricas, anomalias da condução cardíaca, em crianças com menos de
5Kg (ou 3 meses); as tetraciclinas estão contraindicadas nas crianças com <8 anos, na gravidez
e se houver antecedentes de fototoxicidade; a Atovaquona+Proguanilo não está aconselhada

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Doenças Infeciosas 2017

nas grávidas nem nos doentes com insuficiência renal grave (clearance da creatinina <
30ml/min).
Malária
Terapêutica das formas não complicadas (preferir a via oral)
 P. malariae, P. ovale, P. vivax, P. knowlesi e P. falciparum Cloroquino-sensíveis (situação
rara)
Cloroquina# – dose total de 25 mg/kg, administrada em 2 dias segundo a fórmula:
600 mg (0h) + 300 mg (6h) + 300 mg (24h) +300 mg (48h) ou
600 mg (0 e 24 h) + 300 mg (48h)
 P. falciparum e P. vivax Cloroquino-resistentes (situação mais comum)
1ª Linha
- Atovaquona/Proguanilo§ – comprimidos com 250/100 mg para adultos >40 Kg, 4
comprimidos/dia em toma única, durante 3 dias
- Dihidroartemisina+Piperaquina§– comprimidos com 40/320 mg para adultos (< 60 kg, 3
comp./dia em toma única, em jejum, 3 dias seguidos; >60 kg, 4 comp. tomados da mesma
forma; Dosagem proposta pela OMS, mas que não coincide com a do RCM do
medicamento)
- Artemeter/Lumefantrina – comprimidos com 20/120 mg para adultos com >35Kg, 4
comprimidos cada 12 horas, durante 3 dias
2ª Linha
- Quinino# + Doxiciclina& - 10 mg/kg (máximo 600 mg), cada 8 h (5-7 dias) + 2,5 mg/kg/dia
(máximo 200 mg), cada 12 h (7 dias)
- Quinino# + Clindamicina&* - 10 mg/kg (máximo 600 mg), cada 8 h (5-7 dias) + 7-13 mg/kg
(máximo 450 mg), cada 8 h (7 dias)

Nota: nas infeções por P. vivax e P. ovale é necessário consolidar a terapêutica através da
administração de Primaquina (15mg/kg/dia durante 14 dias); nos doentes provenientes da
Oceânia ou do Sudeste Asiático, onde a resistência à Primaquina está em crescendo,
aconselha-se duplicar a dose diária; dosear, previamente, G6PD.
# a dose de Cloroquina reporta-se à base (150 mg de base equivalem a 250 mg do sal),
enquanto a do Quinino se refere ao sal.
§ existem formulações pediátricas, mas que não estão comercializadas em Portugal.
& administrada concomitantemente ou sequencialmente.
* esquema a utilizar nas grávidas ou em crianças com < 8 anos.
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Doenças Infeciosas 2017

Malária
Terapêutica das formas graves (começar por via parenteral e logo que possível continuar por
via oral)

 P. falciparum, P. vivax, P. knowlesi


- Artesunato# e.v. – 2,4 mg/kg (dose de carga) seguida de 2,4 mg/kg às 12 horas, depois 2,4
mg/kg/dia (mínimo 3 doses)
- Quinino* e.v.+ Doxiciclina& -20 mg/kg (dose de carga deve ser perfundida em soros com
glicose durante 4 h) seguida de 10 mg/kg (perfundida durante 4h) cada 8-12 horas (5-7
dias) + 2,5 mg/kg/dia (máximo 200 mg), cada 12 h (7 dias)

# não disponível em Portugal; logo que se passe para a via oral utilizar uma das várias
coformulações, como a Dihidroartemisina+Piperaquina ou o Artemeter+Lumefantrina.
* a dose de Quinino reporta-se ao sal e a dose de carga de Quinino deve ser evitada se tiver
havido administração de Quinino ou Mefloquina nas 12 horas que precedem a terapêutica; se
o Quinino e.v. se administrar por mais de 48 horas, ou existir insuficiência renal ou hepática,
então deve reduzir-se a dose total em um terço (administração da mesma dose cada 12 horas).
& nas grávidas e nas crianças com <8 anos substituir por Clindamicina.

Malária
Quimioprofilaxia (via oral)
Zonas sem resistência à Cloroquina (hoje raras)
Cloroquina - 5mg/kg/semana da base (máximo 300 mg) equivalem a 8,3mg/kg do sal
Zonas de resistência à Cloroquina
Mefloquina - 5mg/kg/semana (máximo 250mg)
Atovaquona + Proguanilo§- (em adultos com >40kg - 1 comprimido de 250/100mg por
dia)
Doxiciclina - 1,5mg/kg/dia (máximo 100mg)
Zonas de resistência à Mefloquina (sudeste asiático)
Doxiciclina - (dose anterior)
Atovaquona + Proguanilo - (dose anterior)

Alternativa menos vulgarizada e com indicação não aprovada em Portugal


Primaquina
Em fase de investigação
Tafenoquina
§ existe uma formulação pediátrica com 62,5/25 mg por comprimido, não comercializada em
Portugal

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Doenças Infeciosas 2017

Bibliografia

- Lalloo, D G, et al. UK malaria treatment guidelines 2016. Journal of Infection 2016; 72(6): 635
- 649.
- White NJ, et al. Malaria. Lancet 2014; 383: 723–35.
- Chiodini PL, et al. Guidelines for malaria prevention in travellers from the United Kingdom.
London, Public Health England, July 2014.
- WHO. Guidelines for the treatment of malaria. 3rd Edition, 2015.
- Direção Geral da Saúde. Orientação nº 8/2017. Malária ou paludismo. 17/05/2017.
- WHO. World Malaria Report 2016. Geneva: World Health Organization; 2016.

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Doenças Infeciosas 2017

SCHISTOSOMOSE (OU BILHARZIOSE)

Definição
O Schistosoma (S) é um Trematode, que frequentemente infecta o Homem (intestino, vias
biliares, pulmões, veias intestinais e tracto génito-urinário). A doença é limitada ao órgão
parasitado (excepto na Schistosomose intestinal que, provoca fibrose hepática). Em áreas
endémicas a maioria da população está infectada, mas é assintomática.

Etiologia
Existem 3 Espécies major de Schistosoma: S. mansoni, S. haematobium e S. japonicum, e ainda,
S. mekongi, intercalatum e dermatitis, de menor prevalência mas que também infectam o
Homem. Após exposição a produtos contaminados (água, peixe, crustáceos, vegetais entre
outros), o Homem é infectado pela cercaria que penetra na pele e se transforma em S.,
migrando este, 2 a 3 dias depois para os pulmões e veia porta, onde amadurece em sexo
feminino e masculino. Posteriormente vão migrar para as veias mesentéricas e ureteres onde
depositam os ovos. O tempo de migração e maturação, difere entre as espécies, assim, o S.
mansoni e japonicum, depositam os ovos 4 a 5 semanas após a infecção, enquanto o S.
haematobium o faz 2 a 3 meses depois. Os parasitas adultos têm de 1 a 2cm e não se
multiplicam no Homem. As áreas de maior prevalência de Schistosomose são:
S. mansoni- América do Sul (Brasil e Venezuela),Caraíbas, África e Médio Oriente
S. japonicum- Sudoeste Asiático, África, China e Filipinas
S. haematobium- África e Médio Oriente
S. mekongi- rio Mekongi, Indochina, Laos, Camboja e Tailândia
S. intercalatum- África ocidental
S. dermatitis- Estados Unidos da América

Clínica
A doença no Homem depende da duração e intensidade da infecção, localização da deposição
dos ovos e de infecções coexistentes. Frequentemente a infecção inicial da população de áreas
endémicas, é assintomática, contrastando com doença febril aguda (ou febre de Katayama –
exposição e infecção pelo S. mansoni, japonicum e raramente pelo haematobium), nos
visitantes. Os sintomas podem ser de mínimos a graves (febre, arrepios de frio, cefaleia, perda
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Doenças Infeciosas 2017

de peso, tosse não produtiva, dor abdominal e diarreia entre outros), podendo ocorrer 2 a 6
(ou mais) semanas após a exposição e permanecerem por 2 a 3 meses. A complicação mais
importante é a fibrose hepática, provocada pela Schistosomose intestinal, podendo também
encontrar-se, ascite, encefalopatia hepática e ginecomastia. A fibrose peri-portal e hipertensão
portal (S. mansoni, japonicum e raramente o S. haematobium), pode provocar hipertensão
pulmonar e glomerulonefrites. Podem ainda observar-se pólipos inflamatórios no intestino
grosso (principalmente com o S. mansoni) e fibrose dos ureteres (S. haematobium).
A co-infecção pelo vírus de imunodeficiência humana (VIH), associa-se a uma diminuição da
excreção dos ovos de S. mansoni e S. haematobium, bem como a virémias VIH mais elevadas, o
que pode acelerar a progressão da infecção VIH.

Diagnóstico
O diagnóstico de Schistosomose aguda, é sugerido pela clínica e a presença de eosinofilia (por
vezes superior a 50%), com relevância no viajante para o conhecimento da área endémica
visitada, exposição ou ingestão de produtos contaminados. Os testes serológicos positivos são
indicação de doença. A tomografia axial computadorizada (TAC), pode mostrar lesões
calcificadas de ovos de S. em vários órgãos - fígado, intestino, sistema nervoso central (SNC). O
diagnóstico definitivo, é estabelecido pela demonstração de ovos de Schistosoma, nas fezes ou
tecidos de biópsia.

Tratamento
Praziquantel- 20mg/kg oral 2id- 1 dia (2 doses), no S. haematobium, intercalatum e
mansoni.
Praziquantel- 20mg/kg oral 3id- 1 dia (3 doses), no S. japonicum e mekongi.
A oxamniquina pode constituir um tratamento alternativo para infecções causadas por
S. mansoni.
O sucesso terapêutico deve ser avaliado 4 a 6 semanas após tratamento com a realização de
exames parasitológicos de fezes.

Profilaxia

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Doenças Infeciosas 2017

Teoricamente a infecção pode ser controlada por variados métodos, mas a sua aplicação tem
sido pouco eficaz, entre eles as medidas de educação sanitária (difíceis em áreas endémicas) e
eliminação do molusco hospedeiro.

Bibliografia

1. Harrison’s-Principles of Internal Medicine, 2016.


2. Darcy S., Jenkins-Holick, Teri L. Kaul. Schistosomiasis. Urologic Nurs 2013; 33(4):163-70.
3. Gomes LI, et al. Diagnosing schistosomiasis: where are we? Rev Soc Bras Med Trop
2014; 47(1):3-11.
4. Lee EF, Young ND, Lim NT, Gasser RB, Fairlie WD. Apoptosis in schistosomes: toward
novel targets for the treatment of schistosomiasis. Trends Parasitol 2014; 30 (2): 75-84.
5. Schistosomiasis. Medscape (http://emedicine.medscape.com/article/228392-
overview).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 346


Doenças Infeciosas 2017

AMEBOSE

Introdução
A amebose é uma infecção causada pelo protozoário intestinal Entamoeba histolytica. Cerca de
90% das infecções são assintomáticas e as restantes 10% produzem um espectro de síndromes
clínicas que vão desde a colite amebiana a abcessos hepáticos ou de outros órgãos.
A amebose constitui um importante problema de saúde pública nos países em
desenvolvimento, sendo a terceira causa mais comum de morte devida a doenças parasitárias
(para além da malária e schistosomose).
O agente responsável por esta infecção, a Entamoeba histolytica, infecta apenas o homem e
tem uma distribuição mundial.
O principal impacto destes protozoários é a capacidade de manterem infecção em 20 a 30%
dos indivíduos que vivem em áreas tropicais e em mais de 5% dos indivíduos que habitam nos
climas temperados.

Etiologia e Taxonomia
As espécies de Entamoeba taxonomicamente pertencem ao subfilum Sarcodina, classe
Lobosea e família Entamoebidae.
As espécies incluem E. histolytica , E. dispar , E. moshkovskii, E. coli, E. hartmanni, E. polecki, E.
chattoni, Dientamoeba fragilis, Iodamoeba butschlii e Endolimax nana.
Muitas espécies de Entamoeba infectam o Homem mas só a E. histolytica causa doença
invasiva. A E. dispar e a E. moshkovskii são morfologicamente idênticas à E. histolytica mas a
primeira é não patogénica e a segunda pode causar diarreia não invasiva.
A classificação baseia-se na morfologia, diferenças antigénicas, caracterização do DNA, análise
de isoenzimas, susceptibilidade aos fármacos, especificidade do hospedeiro, características de
crescimento “in vitro” e virulência “in vivo”.
A E. histolytica, a E. dispar e a E. moshkovskii apresentam uma forma de trofozoíto e uma
forma de quisto. Os trofozoítos das três espécies apresentam numerosas diferenças
antigénicas, mas são morfologicamente indistinguíveis: têm 10-60μm de diâmetro, um núcleo
único contendo uma cromatina periférica fina e um nucléolo central, um citoplasma com
ectoplasma claro e endoplasma granular com numerosos vacúolos.

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Doenças Infeciosas 2017

Dado que a prevalência das duas últimas é semelhante à da E. histolytica, torna-se


clinicamente importante realizar testes de diagnóstico que permitam distinção entre elas
(detecção de antigénios específicos nas fezes ou por PCR).

Epidemiologia e ciclo de vida


Cerca de 10% da população mundial esta infectada com Entamoeba, a maioria com E. dispar ,
não invasiva. Estima-se que a infecção por E. histolytica resulta em 34 a 50 milhões de casos
sintomáticos em todo o mundo anualmente, sendo responsável por aproximadamente
100.000 mortes.
Áreas com maior incidência de infecção por Entamoeba incluem a maioria dos países em
desenvolvimento nos trópicos particularmente México, India e nações da América Central e do
Sul, Ásia tropical e África.
Nos E.U.A. a amebose é a terceira infecção parasitária mais comum, a seguir à giardíase e
criptosporidiose (1,2 casos/100.000 habitantes).
O conhecimento de factores de risco epidemiológicos para a aquisição desta infecção e
gravidade da doença, são essenciais para o reconhecimento dos doentes com amebose e a
compreensão da importância deste parasita.
A prevalência desta infecção é mais elevada em:
 indivíduos com baixo nível socio-económico residentes em áreas endémicas
 viajantes e imigrantes provenientes de países com elevada endemicidade
 populações institucionalizadas
 homossexuais
A doença assume maior gravidade em:
 crianças, principalmente recém-nascidos
 gravidez e pós-parto
 corticoterapia
 neoplasias
 malnutrição

A infecção por este protozoário ocorre quando os quistos de E. histolytica são ingeridos a
partir de água ou alimentos contaminados. Outros modos menos frequentes de transmissão

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Doenças Infeciosas 2017

incluem a via sexual (sexo oral e anal) e, em raros casos, a inoculação rectal directa através de
aparelhos de enema contaminados. A infecção resulta em colonização ou invasão,
dependendo de vários factores como as estirpes da E. histolytica e sua interacção com a flora
bacteriana, susceptibilidade genética do hospedeiro, malnutrição, sexo, idade e imunidade.
A forma quística é a principal razão da extensa prevalência da infecção a nível mundial, uma
vez que os quistos excretados podem sobreviver durante semanas num meio ambiente
favorável.
A ingestão dos quistos resulta na sua excistação no intestino delgado - o quisto entra em
divisão nuclear e citoplasmática para formar 8 trofozoítos; os trofozoítos multiplicam-se por
fusão binária e têm a capacidade de colonizar ou invadir o cólon; a invasão da mucosa
intestinal pelos trofozoítos exerce um efeito lítico sobre os tecidos e resulta na formação de
úlceras; a migração dos parasitas colónicos para o fígado efectua-se através do sistema venoso
porta; e por fim a amebose hepática consiste na formação de abcessos necróticos ou fibrose
periportal.

Manifestações Clínicas

Colonização assintomática
Todos os indivíduos infectados por E. dispar, E. moshkovskii e muitos dos infectados por E.
histolytica são assintomáticos (doença não invasiva). Contudo, até 20% dos últimos podem vir
a desenvolver doença invasiva no período de um ano. Os doentes com confirmação desta
infecção, mesmo assintomáticos, devem efectuar tratamento para eliminar o microrganismo e
prevenir a sua transmissão.

Diarreia amebiana.
A diarreia amebiana sem desinteria é a manifestação mais comum da infecção por E.
histolytica e tem uma duração média de 3 dias.

Disenteria ou colite amebiana


A desinteria amebiana é definida como diarreia com muco ou sangue visível ou oculto nas
fezes, num doente com infecção por E.histolytica.

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Doenças Infeciosas 2017

Na apresentação mais típica, a colite amebiana cursa com dores abdominais de começo
gradual e insidioso (várias semanas de evolução) e diarreia sanguinolenta. No entanto, a
presença de múltiplas dejecções de fezes mucosas e de pequeno volume ou de diarreia
profusa aquosa também é comum. A febre ocorre em menos de 40% dos doentes. Anorexia e
perda progressiva de peso são frequentes.
Nas crianças, perfuração, peritonite e colite necrotizante podem desenvolver-se rapidamente.
A principal preocupação do médico perante um doente com disenteria é o diagnóstico
diferencial com outras causas infecciosas (Shigella, Salmonella, Campylobacter e E. coli) e as
causas não infecciosas (doença inflamatória intestinal, colite isquémica, diverticulite, ou
malformações arteriovenosas).

Manifestações menos comuns da colite amebiana:


 colite necrotizante aguda (ocorre em 0,5 % dos doentes e está associada a mortalidade
elevada 40%);
 amebomas (massas anulares inflamatórias localizadas, que se desenvolvem habitualmente
no cego ou cólon ascendente, podem causar sintomatologia obstrutiva e ser confundidas
com neoplasias);
 megacólon tóxico (complicação da colite amebiana, ocorrendo em 0,5% dos casos,
reconhecidamente uma consequência do tratamento inapropriado com corticosteróides;
 fístulas rectovaginais;

Abcesso Hepático
O abcesso hepático amebiano é a manifestação extra-intestinal mais comum da amebose
invasiva, sendo mais frequente no sexo masculino, entre os 18 e 50 anos.
Embora seja desconhecida a causa deste predomínio, possíveis explicações para este facto
podem estar relacionados com efeitos hormonais e ingestão alcoólica.
Para além da sintomatologia clínica apresentada e da investigação laboratorial e imagiológica
apropriadas, o diagnóstico depende de um elevado índice de suspeição, sendo mandatória a
realização de uma história epidemiológica cuidadosa de viagens ou residência em áreas
endémicas.

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Doenças Infeciosas 2017

Caracteriza-se clinicamente por febre (87–100% dos doentes) com 1 a 2 semanas de evolução
e dor no hipocôndrio direito (tipo moedouro ou pleurítica com irradiação para o ombro). Os
sintomas gastrointestinais ocorrem em 10-35% dos doentes e incluem náuseas, vómitos,
cólicas abdominais, distensão abdominal, diarreia ou obstipação. 10 a 30% dos casos
apresentam tosse. A perda de peso ocorre nos casos com evolução mais arrastada
Ao exame objectivo detecta-se hepatomegalia em 30 a 50% dos casos; a icterícia é
infrequente.
Analiticamente, de referir leucocitose (sem eosinofilia), anemia moderada, elevação das
transaminases, fosfatase alcalina e velocidade de sedimentação.
O exame microscópico das fezes para pesquisa de quistos ou trofozoítos de E. histolytica é
habitualmente negativo.
A radiografia torácica pode evidenciar elevação da hemicúpula diafragmática direita. Na
ecografia abdominal, em 80% dos casos observa-se uma lesão única localizada no lobo direito
do fígado.
A aspiração do abcesso permite evidenciar um líquido inodoro, de coloração castanha ou
amarelada e estéril.
É importante o diagnóstico diferencial com o abcesso piogénico, hepatoma e quisto
equinocócico.
Como complicações do abcesso hepático podem surgir ruptura intratorácica (amebose
pleuropulmonar), ruptura intraperitoneal ou ruptura pericárdica (habitualmente a partir de
abcessos localizados no lobo esquerdo e com prognóstico mais reservado).
A mortalidade do abcesso hepático amebiano é baixa (<1%) com tratamento adequado.

Manifestações clínicas menos frequentes incluem abcesso cerebral amebiano, amebose


genito-urinária e amebose cutânea.

Diagnóstico

Microscopia
O exame microscópico permite a identificação de quistos e trofozoítos de E. histolytica. É
executado em esfregaço de fezes coradas com coloração permanente (hematoxilina ou

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Doenças Infeciosas 2017

tricrómio). Esta técnica é demorada e laboriosa, necessitando de várias amostras, uma vez que
o microrganismo é eliminado de forma intermitente; por outro lado, não distingue a E.
histolytica das espécies não patogénicas (E. dispar e E. moshkovskii).
Historicamente a presença de eritrofagocitose pelos trofozoítos era interpretada como muito
sugestiva de infecção por E. histolytica; contudo este dado é raramente observado e também
ocorre nas espécies não patogénicas.
A identificação do parasita no aspirado de abcesso hepático ocorre apenas em 20% dos casos
porque maioritariamente os trofozoítos encontram-se na cápsula do abcesso e não no
aspirado necrótico central.
A cultura de amebas a partir de amostras de fezes só está disponível em alguns laboratórios de
investigação, sendo mais sensível que a microscopia mas significativamente menos sensível
que a detecção de Ag nas fezes ou PCR.

Detecção de Antigénios
Os métodos de detecção de antigénios utilizam anticorpos monoclonais dirigidos contra várias
proteínas da E. histolytica. Está actualmente comercializado um teste de detecção de
antigénios específicos para E. histolytica nas fezes que se baseia na detecção de Gal/GalNAc
lecitina; este teste é rápido e mais sensível quando comparado com a microscopia.
A pesquisa de antigénios no material fecal, por técnica ELISA (TechLab®), permite distinguir a
infecção por E. hystolytica da infecção por E. dispar ou E. moshkovskii.
Requer utilização de fezes frescas ou congeladas, tem sensibilidade inferior à PCR mas
especificidade comparável.

Polymerase Chain Reaction – PCR


A PCR baseia-se na amplificação de genes da E. histolytica extraídos do DNA fecal ou a partir de
pús do abcesso. A sua sensibilidade e especificidade são elevadas (superior a 95%).
As desvantagens deste método decorrem da especificidade técnica e custo elevados.

Serologia (Indirect Hemagglutination – IHA)

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Doenças Infeciosas 2017

A detecção de anticorpos no soro, na fase aguda, apresenta uma sensibilidade de 80% nos
abcessos hepáticos amebianos e 70% na doença intestinal invasiva. O principal problema dos
testes serológicos é que se mantêm positivos durante anos após o episódio inicial, e por outro
lado, numa fase precoce de abcesso amebiano a serologia pode ser negativa. 5-10% dos
indivíduos provenientes de áreas endémicas apresentam testes serológicos positivos.

Colonoscopia e biopsia
O aspecto macroscópico do cólon pode ser semelhante ao da Doença Inflamatória Intestinal:
mucosa ulcerada, friável, presença de úlceras grandes ou pseudomembranas.
Pode ser difícil identificar as amebas na biopsia cólica contudo, a coloração PAS (periodic acid-
Schiff) ou a reacção de imunoperoxidase podem ajudar a identificar os parasitas.
A limitação da colonoscopia advém do facto de ser um exame invasivo e nos países em
desenvolvimento nem sempre ser possível a sua realização.
Os enemas não devem ser efectuados para preparação dos doentes, porque interferem com a
identificação dos parasitas.

Técnicas Imagiológicas
A ecografia, a TAC e a RMN são importantes na identificação de abcessos hepáticos mas não
conseguem diferenciar o abcesso amebiano do abcesso piogénico. Refira-se que apenas 1/3 a
2/3 dos abcessos hepáticos desaparecem na ecografia ao fim de seis meses. A cintigrafia com
gálio permite diferenciar o abcesso amebiano do piogénico pois o primeiro não demonstra
marcação ou apenas capta à superfície e o segundo exibe captação central.

Tratamento
Os fármacos para tratar a amebose podem ser classificados em 2 grupos de acordo com o seu
local primário de acção.

A)Amebicidas luminais – são pouco absorvidos, atingem concentrações elevadas no lúmen


intestinal e a sua actividade está limitada a quistos e trofozoítos da mucosa.
A indicação para a sua utilização inclui a erradicação de quistos nos doentes com colite ou
abcesso hepático e no tratamento dos portadores assintomáticos. Tal como referido

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Doenças Infeciosas 2017

anteriormente, os portadores assintomáticos de E. histolytica devem ser tratados com um


agente luminal para erradicar a infecção. Esta recomendação baseia-se no risco conhecido
destes doentes desenvolverem doença invasiva e também pelo facto de constituírem um risco
para a saúde pública (minimizar a disseminação da doença). A infecção por E. díspar e por E.
moshkovskii não requer tratamento.
Fármacos indicados:
Paramomicina 25-35mg/kg/dia, dividido em 3 doses, durante 7 dias
ou
Iodoquinol 650mg, po, 3id, durante 20 dias
Alternativa: Furoato de diloxanida 500mg, po, 3id, durante 10 dias

B)Amebicidas tecidulares – atingem grandes concentrações no sangue e tecidos após


administração oral e parenteral. São usados no tratamento da colite amebiana/desinteria e
formas extra-intestinais como o abcesso hepático.
Colite amebiana/desinteria (doença moderada)
Metronidazol 500-750mg,po, 3id, durante 7 a 10 dias
ou
Tinidazol 2g, po, id, durante 3 dias
Abcesso hepático e colite grave
Metronidazol 750mg, ev/po, 3id, durante 10 dias
ou
Tinidazol 2g, po, id, durante 5 dias
Nota: o tratamento inicial deve ser seguido do tratamento com um agente luminal para
erradicar o agente.

Em relação aos abcessos hepáticos o metronidazol é o fármaco de eleição e mais de 90% dos
doentes respondem à terapêutica com diminuição acentuada da dor e desaparecimento da
febre em 72h; a resolução completa do abcesso ao fim de 6 meses, ocorre em 2/3 dos
doentes, mas 10% podem ter alterações durante um ano.
A drenagem cirúrgica dos abcessos hepáticos não complicados é geralmente desnecessária e
deve ser evitada.

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Doenças Infeciosas 2017

O papel da aspiração percutânea guiada por TAC é controverso: a aspiração deve ser reservada
para os doentes com diagnóstico incerto, na ausência de resposta à terapêutica médica (febre
persistente >4 dias) e abcessos de grandes dimensões com risco de ruptura (especialmente
abcessos do lobo esquerdo, por risco de ruptura para o pericárdio).

Prevenção
A prevenção da amebose baseia-se na melhoria das condições higiénicas e sanitárias das
populações, bem com na interrupção da disseminação da doença através do tratamento dos
portadores assintomáticos. Nas áreas de elevada endemicidade, a ingestão de frutas ou
vegetais não cozinhados deve ser evitada e a água a consumir deve ser engarrafada.
Os esforços actuais estão direccionados para o desenvolvimento de uma vacina que previna a
doença nos residentes de áreas endémicas e para aqueles que viajam para essas áreas.

Bibliografia
1. The Sanford Guide to Antimicrobial Therapy 2017. 47 th Edition. Antimicrobial Therapy,
Inc.; 2017.
2. Amebiasis and Infection with Free-Living Amebas. Andrade R.M., Reed S.L. In Kasper,
Fauci, Hauser, Longo, Jameson, Harrison´s Principles of Internal Medicine. 19th Edition.
Mc Graw Hill Education; 2015, p 1363-1367.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 355


Doenças Infeciosas 2017

TOXOPLASMOSE

Introdução
A toxoplasmose é uma doença infecciosa de distribuição mundial causada pelo Toxoplasma
gondii. A vasta maioria dos indivíduos infectados com este microrganismo é assintomática,
podendo haver reactivação da infecção em condições de imunossupressão.
Se até à década de oitenta os casos de toxoplasmose descritos na literatura ocorriam
essencialmente em doentes com neoplasias hematológicas ou resultavam da transmissão
vertical, actualmente, os avanços científicos e tecnológicos em áreas como a transplantação e
as terapêuticas imunossupressoras, bem como a pandemia da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana, vieram modificar este panorama.

Etiologia, Ciclo de Vida e Epidemiologia


O Toxoplasma gondii é um coccídeo intracelular que pertence ao subfilum Apicomplexa, classe
Sporozoa, que infecta mamíferos e aves e existe na natureza em várias formas: macrogâmetas
e microgâmetas, oocisto (que liberta esporozoítos), quisto (que contem e liberta bradizoítos) e
taquizoítos.
Os membros da família dos felinos (gatos em particular) são os hospedeiros definitivos e são os
únicos animais em que este protozoário pode completar o seu ciclo reprodutivo (a fase
sexuada do ciclo de vida deste parasita ocorre no gato e é definida pela formação de oocistos).
Após a ingestão de qualquer das formas de T. gondii, o parasita infecta as células do epitélio
intestinal do felino resultando na produção de oocistos, que são posteriormente excretados
nas fezes; após esporulação, que tem lugar entre 1 e 21 dias, os oocistos contendo
esporozoítos são então ingeridos pelos hospedeiros intermediários (homem, diversos animais
selvagens e domésticos) e dão lugar à fase de taquizoíto. Os taquizoítos penetram nas células
nucleadas, replicam-se e levam à morte celular, invadindo rapidamente as células vizinhas. A
disseminação através da corrente sanguínea leva à infecção de vários órgãos e tecidos
nomeadamente SNC, olho, esqueleto, músculo cardíaco e placenta.
A forma de taquizoíto provoca uma importante resposta inflamatória e destruição tecidular.
Os taquizoítos transformam-se em bradizoítos sob a pressão da resposta imune do hospedeiro

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Doenças Infeciosas 2017

formando quistos que persistem numa fase de latência. Em condições de imunossupressão, os


quistos podem eclodir e libertar os bradizoítos, que se transformam novamente em
taquizoítos, causando reactivação da infecção.

A transmissão ao homem pode ocorrer pelas seguintes vias:


 Oral (ingestão de carne mal cozinhada que contenha quistos; ingestão de água, vegetais ou
outros alimentos contaminados com oocistos);
 congénita (transmissão vertical da mãe infectada para o filho);
 transfusões sanguíneas ou transplante de órgãos;
 picadas acidentais em profissionais de saúde.

As taxas de seroprevalência variam substancialmente entre os diferentes países


(aproximadamente 11% nos EUA e mais de 78% em outras partes o mundo) e parecem
correlacionar-se com:
 factores climáticos (as regiões frias e as regiões áridas e quentes estão associadas a baixa
prevalência);
 idade da população (nas faixas etárias mais avançadas encontram-se índices de prevalência
mais elevados);
 hábitos alimentares;
 condições higiénicas das populações.

Clínica
Clinicamente a toxoplasmose pode ser classificada em 5 categorias: infecção aguda no
imunocompetente, infecção ou reactivação no doente imunocomprometido, toxoplasmose
ocular, toxoplasmose na gravidez e toxoplasmose congénita.

Infecção aguda no imunocompetente


A toxoplasmose aguda é habitualmente assintomática e autolimitada na maioria dos casos.

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Doenças Infeciosas 2017

A manifestação clínica mais comum é a linfadenopatia cervical - os glânglios podem ser únicos
ou múltiplos, são habitualmente indolores à palpação, móveis, < 3cm de diâmetro e não
supuram; podem também atingir as regiões suboccipital, supraclavicular, inguinal e mediastino
(linfadenopatia generalizada ocorrem em 20 a 30% dos doentes sintomáticos). Cerca de 20 a
40% dos doentes com linfadenopatia refere cefaleias, febre e fadiga; em menor percentagem,
apresentam mialgias, odinofagia, dor abdominal, rash maculopapular e meningocefalite. Os
sinais e sintomas associados à infecção aguda habitualmente resolvem em várias semanas mas
a linfadenopatia pode persistir durante alguns meses. Saliente-se aqui o diagnóstico diferencial
com outras infecções (EBV, CMV, tuberculose, doença da arranhadela do gato, sífilis), mas
particularmente com doenças malignas do foro hematológico.
A toxoplasmose é responsável por cerca de 1% das síndromes mononucleósicas (febre,
mialgias, odinofagia, mal estar geral, sudorese nocturna, rash maculo-papular,
hepatoesplenomegalia e linfócitos atípicos <10% no sangue periférico).
Alguns genótipos de T. gondii prevalentes na América do Sul podem ser mais virulentos que
aqueles tipicamente observados na América do Norte e Europa; estes genótipos podem estar
associados a doença ocular aguda ou recorrente em indivíduos imunocompetentes e também
foram associados com pneumonite e quadros de sepsis fulminantes
Outras manifestações mais raras da toxoplasmose aguda incluem miocardite, pericardite,
pneumonite, miosite, hepatite e encefalite.

Infecção no imunodeprimido
Nos indivíduos imunocomprometidos a toxoplasmose pode apresentar um variado espectro de
manifestações clínicas; o diagnóstico precoce requer um elevado índice de suspeição, uma vez
que se a infecção não for tratada atempadamente, pode ser rapidamente fatal.
As alterações na imunidade mediada pelas células T parecem conferir o maior risco de
toxoplasmose, tal como observado nos doentes com neoplasias hematológicas (especialmente
D. de Hodgkin e outros linfomas), os doentes com infecção VIH, doentes transplantados ou sob
terapêutica imunossupressora com doses elevadas de corticosteroides ou imunomoduladores
como agentes anti TNF-alfa (natalizumab; alemtuzumab).

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 358


Doenças Infeciosas 2017

Habitualmente resulta da reactivação de uma infecção latente, mas tb pode resultar de


infecção aguda recentemente adquirida como a observada nos transplantes de órgão sólido
(através do órgão transplantado), ou mais raramente através da via oral.
As manifestações clínicas incluem encefalite, pneumonite, miocardite ou hepatite e podem
ocorrer nos doentes com as diferentes causas de imunossupressão.
As considerações adicionais referem-se aos doentes com infecção VIH.
A encefalite toxoplásmica é a infecção oportunista mais frequente do SNC no doente com
infecção por VIH. Surge no contexto de depleção celular avançada com linfócitos TCD4+
<100/mm3; de facto, os doentes com TCD4+ <100/mm3 e com serologia positiva para
Toxoplasma, têm aproximadamente 30% de probabilidade de sofrer reactivação da
toxoplasmose, se não efectuam profilaxia adequada.
As manifestações clínicas podem ser muito variadas e dependem da zona cerebral afectada. A
apresentação mais comum é a de um quadro de instalação subaguda de cefaleias, alterações
do estado de consciência, convulsões, défices neurológicos focais (hemiparésia, afasia),
alterações sensoriais, sinais cerebelosos e alterações neuropsiquiátricas; podem surgir febre e
sintomas constitucionais. Ao exame físico, a presença de sinais meníngeos é rara.
Uma forma menos frequente de apresentação é a encefalite difusa – panencefalite
rapidamente progressiva e geralmente com desenlace fatal. Mais raramente foram descritos
casos de mielite transversa e síndrome do canal medular.
As técnicas imagiológicas, nomeadamente a TAC e a RMN (mais sensível), não são específicas
mas as alterações identificadas podem sugerir o diagnóstico: presença de múltiplas lesões com
captação de contraste em forma de anel, situadas na junção corticomedular e nos gânglios
basais, acompanhadas de edema circundante e provocando efeito de massa; estas alterações
não são patognomónicas da infecção por Toxoplasma porque 40% dos linfomas do sistema
nervoso central são multifocais e 50% captam contraste em forma de anel.
Outros exames imagiológicos, como a SPTEC e a PET, são úteis principalmente no diagnóstico
diferencial com linfoma primário cerebral.
O diagnóstico definitivo de toxoplasmose cerebral assenta no exame anatomo-patológico de
tecido cerebral obtido através da biopsia cerebral.

Toxoplasmose ocular

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 359


Doenças Infeciosas 2017

A infecção ocular por Toxoplasma gondii causa cerca de 35% de todos os casos de
coriorretinite nos EUA e na Europa. Era formalmente aceite que a maioria dos casos de doença
ocular resultava de infecção congénita mas tem-se constatado novos casos em indivíduos
imunocompetentes e associados a surtos em alguns países na América do Sul.
As lesões coriorretinianas podem resultar de infecção congénita ou surgir no decurso de
infecção toxoplásmica aguda. Os doentes que apresentam coriorretinite como sequela tardia
da infecção “in utero” demonstram envolvimento ocular bilateral com atingimento da mácula.
Se a coriorretinite surge no contexto de infecção aguda, o envolvimento é geralmente
unilateral e poupando a mácula.
A sintomatologia mais referida compreende visão enublada, escotomas, fotofobia, e dor
ocular. O envolvimento da mácula ocorre com perda da visão central. O envolvimento dos
músculos extraoculares pode levar a alterações da convergência e estrabismo. À medida que a
inflamação diminui a visão melhora, mas agravamentos episódicos de coriorretinite podem
destruir progressivamente o tecido retiniano e levar ao aparecimento de glaucoma.
O exame oftalmológico é de particular importância e as lesões estão habitualmente localizadas
próximo do pólo posterior da retina; podem ser únicas, mas mais frequentemente são
múltiplas. As lesões congénitas podem ser uni ou bilateriais e evidenciam degeneração massiva
corioretiniana com fibrose extensa.
Impõe-se nestas situações o diagnóstico diferencial com outras causas de uveítes posteriores
como tuberculose, sífilis, lepra, histoplasmose, etc.

Toxoplasmose na gravidez e Toxoplasmose congénita


Só uma pequena percentagem (20%) de mulheres infectadas durante a gravidez desenvolvem
sinais clínicos de infecção e o diagnóstico é feito quando os testes serológicos evidenciam os
anticorpos específicos. Cerca de 1/3 das mulheres infectadas durante a gravidez transmitem a
infecção ao feto.
De salientar que, se a infecção é adquirida nos 6 meses antes da concepção, a probabilidade
de infecção transplacentária aumenta à medida que o intervalo entre a infecção aguda e a
concepção diminui, pelo que as mulheres com toxoplasmose aguda documentada devem ser
aconselhadas a não engravidar nos 6 meses após a infecção. O risco é substancialmente
reduzido se a mãe foi infectada no período ≥6 meses antes da concepção.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 360


Doenças Infeciosas 2017

Dos vários factores que influenciam o prognóstico, a idade gestacional na altura da infecção é
o mais crítico: se esta ocorre no 1º trimestre, a incidência da infecção transplacentária é baixa
(10 a 25%) mas a doença no R.N. é grave (coriorretinite, estrabismo, cegueira, epilepsia,
microcefalia, calcificações cerebrais, anemia, icterícia, pneumonite, hidrocefalia, diarreia, etc.);
se a infecção ocorre no 3º trimestre a incidência da infecção transplacentária é maior (60 a
65%), mas a criança é habitualmente assintomática ao nascer. No entanto, estudos recentes
sugerem que estas crianças podem ter maiores dificuldades na aprendizagem e sequelas
neurológicas crónicas.
Na ecografia pré-natal as alterações sugestivas de doença congénita incluem calcificações
intracranianas, dilatação ventricular, hepatomegalia, ascite e aumento da espessura da
placenta.

Diagnóstico
A infecção por T. gondii pode ser diagnosticada indirectamente por métodos serológicos e
directamente por PCR, cultura celular e inoculação no ratinho.

Testes Serológicos
Os testes serológicos para a demonstração de anticorpos especificos anti Toxoplasma gondii
são os métodos principais de diagnóstico.
Os anticorpos IgG surgem uma a duas semanas após a infecção, elevam-se em seis a oito
semanas e depois declinam durante os dois anos seguintes. Estes anticorpos permanecem
detectáveis durante toda a vida. Os anticorpos IgM podem ser detectados na primeira semana
de infecção e geralmente declinam nos meses seguintes. Contudo, estes anticorpos podem por
vezes persistir por mais de 1 ano após a infecção inicial. A presença de IgA circulantes favorece
o diagnóstico de infecção recente.
Nos doentes imunocompetentes com quadro linfadenopático um título positivo de IgM é uma
indicação de infecção aguda e deve ser repetido passadas 3 semanas. Uma elevação do título
IgG sem aumento do título de IgM sugere que a infecção está presente mas não é aguda. Se se
verificar um aumento ”borderline” de IgG e IgM os títulos devem ser repetidos dentro de 3 a 4
semanas.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 361


Doenças Infeciosas 2017

As técnicas disponíveis são ELISA IgG (é o teste standard usado na maioria dos laboratórios),
Teste de Sabin-Feldman dye, IFA (teste de imunofluorescência indirecta), ISAGA IgG ou IgM
(teste de aglutinação), Teste da avidez de IgG (importante no diagnóstico durante a gravidez).

PCR
O diagnóstico por técnicas moleculares - PCR - tem elevada sensibilidade e especificidade, e
pode ser efectuada em vários líquidos corporais (sangue, LCR, urina, humor vítreo) e tecidos
(placenta, tecidos fetais) A PCR do liquido amniótico veio revolucionar o diagnóstico intra-
uterino de infecção por T. gondii.
A PCR em tempo real é uma técnica promissora que pode fornecer resultados quantitativos; os
isolados podem ser genotipados e as sequências polimórficas podem ser obtidas com
consequente identificação precisa da estirpe infectante.

Histologia
A demonstração de taquizoítos em amostras de tecidos ou líquidos corporais sugere o
diagnóstico de infecção aguda ou reactivação de infecção latente; por outro lado, a
demonstração de quistos contendo bradizoítos confirma apenas infecção prévia por este
protozoário. A histologia dos gânglios linfáticos é muito característica e a biopsia
endomiocárdica tem sido usada com sucesso para diagnosticar toxoplasmose nos receptores
de transplante cardíaco.

Isolamento
Embora largamente substituído pela PCR, o isolamento de T. gondii quer por cultura celular
quer por inoculação no ratinho, a partir do sangue ou outros líquidos corporais pode ser usado
para diagnosticar infecção aguda.
O isolamento do organismo na placenta é muito sugestivo de envolvimento fetal e o
isolamento a partir de tecidos fetais é diagnóstico de infecção congénita.

Tratamento

Indivíduos imunocompetentes

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 362


Doenças Infeciosas 2017

As formas linfadenopáticas não requerem tratamento específico, a menos que haja doença
visceral ou os sintomas sejam graves e persistentes. A combinação de pirimetamina (50mg
cada 12 horas durante 2 dias seguida de 25-50mg/dia), sulfadiazina (1g de 6 em 6 horas) e
ácido folínico (10-20mg/dia durante e uma semana após a terapêutica com pirimetamina),
durante 2 a 4 semanas é a recomendada. As infecções adquiridas por acidentes profissionais
ou transfusões são potencialmente mais graves e os doentes infectados por estas vias devem
provavelmente ser tratados

Indivíduos imunocomprometidos
A experiência de tratamento da toxoplasmose nos doentes imunocomprometidos tem sido
mais extensivamente estudada nos doentes com infecção VIH, daí que os regimes terapêuticos
possam em grande parte, e na ausência de dados, ser extrapolados directamente para os
doentes com outros tipos de imunodeficiência (transplantados, neoplasias e terapêuticas
imunossupressoras).
O tratamento da toxoplasmose cerebral nos indivíduos infectados pelo VIH inclui tratamento
da fase aguda e tratamento de manutenção (secundário)
É considerado regime preferencial a associação pirimetamina+ sulfadiazina+ácido folínico.
Assim,
 Se </=60Kg pirimetamina: dose de indução 200 mg po, toma única, seguida de
pirimetamina 50mg, po, id + sulfadiazina 1 g, po, 6/6H + ácido folínico (10-25mg, po, id
durante e uma semana após o tratamento com pirimetamina
 Se > 60Kg pirimetamina: dose de indução 200 mg po, toma única, seguida de pirimetamina
75mg, po id + sulfadiazina 1,5 g, po, 6/6H + ácido folínico (10-25mg, po, id durante e uma
semana após o tratamento com pirimetamina).

Regimes alternativos preferenciais :


 pirimetamina + clindamicina (600 mg ev/po de 6/6h nos doentes com intolerância ou
história de alergia às sulfamidas) + ácido folínico ;
 trimetoprim-sulfametoxazol (10mg/kg/dia do componente trimetoprim, po, dividido
em 2 ou 3 doses).
 pirimetamina + atovaquona (1500 mg, po, 12/12h) + ácido folínico

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 363


Doenças Infeciosas 2017

 sulfadiazina + atovaquona
 atovaquona
 pirimetamina + azitromicina (900mg -1200mg per os, dia)

A terapêutica de fase aguda deve ser mantida durante 6 semanas, ou prolongar-se se não
existir melhoria clínica e radiológica.
Os corticosteroídes (dexametasona) devem ser administrados quando clinicamente indicado
para reduzir o efeito de massa associado a lesões focais ou associado a edema.
Após terem completado a terapêutica da fase aguda todos os doentes devem manter
terapêutica crónica de manutenção:
- Regimes preferenciais: pirimetamina (25-50mg, po, dia) + sulfadiazina (2 a 4g, po, id,
dividida em 2 a 4 doses) + ácido folínico (10-25mg/dia)
- Regimes alternativos:
 clindamicina (600mg, po, 8/8h)+ pirimetamina(25-50mg, po,id) + ac. folinico (10-
25mg/dia)
 trimetropim + sulfametoxazol (960mg, per os, 2id)
 atovaquona (750-1500mg, po, 2id )+ pirimetamina+ ác. folínico
 atovaquona + sulfadiazina;
 atovaquona.

Se inicialmente a terapêutica crónica de manutenção era ad eternum, actualmente a utilização


de esquemas antirretrovíricos mais potentes veio permitir recuperar (pelo menos
parcialmente) o sistema imunológico, mesmo em doentes severamente imunodeprimidos.
Assim, quando os linfócitos TCD4+ são > 200/mm3 e a carga vírica se mantém indetectável por
um período superior a 6 meses, a profilaxia pode ser suspensa.
Todos os esquemas supracitados apresentam toxicidade significativa, sendo por vezes
necessário interromper ou modificar o tratamento.

Situações particulares

Terapêutica da toxoplasmose ocular

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 364


Doenças Infeciosas 2017

A decisão de tratar a corioretinite activa toxoplásmica deve basear-se numa avaliação


oftalmológica completa. Os benefícios da terapêutica médica estão relacionados
primariamente com a apresentação clínica; dada a grande variedade de manifestações clínicas
da doença retiniana e porque a doença pode ser autolimitada mesmo sem tratamento, a
resposta à terapêutica é difícil de interpretar. A combinação de pirimetamina (dose de indução
100mg/dia durante 2 dias seguida de 25 a 50mg/dia) e sulfadiazina (1g 4x dia )durante 4 a 6
semanas é a combinação de fármacos mais comummente utilizada. Trimetoprim-
sufametoxazol mostrou respostas semelhantes ao esquema anterior num ensaio recente,
randomizado duplamente cego.
Também em ensaios recentes não demonstraram taxas de resposta diferentes na aplicação de
clindamicina intravítreo + dexametasona comparado com o regime oral de pirimetamina,
sufadiazina, ácido folínico e prednisona.
Os corticoesteroides sistémicos estão indicados quando as lesões envolvem a mácula, o nervo
óptico ou o feixe papilomacular. A fotocoagulação tem sido usada para o tratamento de lesões
activas e para profilaxia da disseminação das lesões. Nalguns doentes poderá ser necessária a
vitrectomia.

Terapêutica da toxoplasmose na grávida


A identificação de infecção aguda materna implica instituição imediata de tratamento à mãe. O
tratamento da mulher grávida não elimina mas parece diminuir a incidência e severidade da
infecção fetal. Na mulher grávida com suspeita ou confirmação de ter adquirido a infecção
antes das 18 semanas de gestação utiliza-se a espiramicina (1 g cada 8 horas) durante toda a
gravidez mesmo que os resultados da PCR no líquido amniótico sejam negativos e as ecografias
sejam normais.
Esta terapêutica permite reduzir a incidência de infecção congénita em cerca de 60%.
Se a infecção fetal está documentada ou é altamente suspeita (PCR positiva no líquido
aminiótico ou ecografia sugestiva de toxoplasmose congénita) ou se a infecção materna
ocorreu na mulher com ≥ 18 semanas de gestação o regime terapêutico recomendado é a
conjugação de pirimetamina (50mg cada 12 horas durante 2 dias seguida de 50mg/dia)+
sulfadiazina (75mg/kg 1ªdose, seguida de 50mg/kg a cada 12 horas), e ácido folínico (10-20
mg/dia durante e uma semana após a terapêutica com pirimetamina). A pirimetamina não

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Doenças Infeciosas 2017

deve ser utilizada nas primeiras 18 semanas de gestação pela teratogenicidade (nestas
circunstâncias recomenda-se apenas a sulfadiazina+clindamicina, embora os dados relativos à
sua eficácia sejam insuficientes).

Terapêutica da toxoplasmose congénita


Mantém-se a indicação de associação de pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico (embora
os esquemas variem entre os vários centros) durante aproximadamente 1 ano.

Profilaxia primária
A profilaxia primária é recomendada nos indivíduos com infecção pelo VIH com linfócitos T
CD4+ < 100/mm3 e que apresentam serologia positiva para T. gondii.
Os fármacos utilizados são o trimetoprim-sulfametoxazol (cotrimoxazol) 960mg, po, id;
regimes alternativos incluem a associação pirimetamina e dapsona ou atovaquona (1500 mg
po id)
A profilaxia primária pode ser descontinuada quando a contagem de linfócitos T CD4+ é
superior a 200 células/mm3 por um período superior a 3 meses em resposta à terapêutica
antirretrovírica.

Prevenção
Uma vez que não existe uma vacina disponível, a prevenção assume particular importância na
mulher grávida e no indivíduo imunocomprometido. A probabilidade de adquirir a infecção é
reduzida se determinadas precauções forem tomadas, como por exemplo:
- evitar o contacto com materiais potencialmente contaminados com fezes de gatos,
especialmente quando se manuseia a “caixa de areia” e jardinagem ( a utilização de
luvas é aconselhada nestas actividades);
- lavar as mãos após manuseio de carne crua;
- evitar a ingestão de carne mal cozinhada (cozinhar a 67 graus), carne fumada ou
curada;
- lavar as frutas e os vegetais antes do seu consumo;
- evitar a ingestão de marisco cru incluindo ostras, mexilhões e amêijoas;

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Doenças Infeciosas 2017

- evitar a ingestão de águas não tratadas e leite não pasteurizado.

Bibliografia
1. Toxoplasma gondii Encephalitis. Guidelines for the Prevention and Treatment of
Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. (last updated December
10, 2015) Acedido em 2017-06-13 em http://www.aidsinfo.nih.gov/guidelines.
2. The Sanford Guide to Antimicrobial Therapy 2017. 47 th Edition. Antimicrobial Therapy, Inc.;
2017.
3. Toxoplasma Infection. Kim K., Kasper L. H. In Kasper, Fauci, Hauser, Longo, Jameson,
Harrison´s Principles of Internal Medicine. 19th Edition. Mc Graw Hill Education; 2015, p
1398-1405

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 367


Doenças Infeciosas 2017

LEISHMANIOSE

Definição
A Leishmaniose (L) é causada por um Protozoário do Género Leishmania (Ordem
Kinetoplastida), podendo assumir variadas síndromes clínicas. É endémica nos trópicos e
regiões subtropicais e assume elevada importância a nível mundial, devido à sua expansão
através das viagens, guerras e serviços humanitários intercontinentais e na infecção pelo vírus
da imunodeficiência humana (VIH). Os roedores, caninos, entre outros, são os reservatórios
habituais da Leishmania, sendo o Homem um reservatório acidental. No Homem a
leishmaniose visceral (L.V) ou Kala-azar, a cutânea (L.C), e a mucosa (L.M) resultam da infecção
dos macrófagos (sistema fagocítico-mononuclear), pele e mucosa naso-orofaríngea,
respectivamente.

Etiologia
A Leishmaniose é transmitida ao Homem pela picada de um mosquito (fêmea) do
Género Phlebotomus (no velho continente - europa) ou Lutzomyia (no novo continente -
América). Contudo, existem ainda outras vias de transmissão que ocorrem mais raramente,
nomeadamente através de transfusão sanguínea, prática de sexo anal, transmissão congénita
e exposição ocupacional (adquirida em laboratórios).
É importante o conhecimento epidemiológico, zona geográfica e manifestações clínicas da
doença. As espécies Mayor de Leishmania que causam doença humana dividem-se em 2 sub-
géneros:

1-Sub-género Leishmania

- Complexo de L. donovani:
---L. donovani – L.V (também, L.C pós kala-azar e L.C do velho continente); existindo na China,
subcontinente indiano (Índia, Nepal e Bangladesh), no sudoeste da Ásia, Etiópia, Quénia,
Sudão e esporadicamente na África subsaariana.

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Doenças Infeciosas 2017

---L. infantum – L.V (também, L.C do velho continente); existe na China, Ásia central e
sudoeste, no este da Europa, África do norte, Etiópia, Sudão e esporadicamente na Africa
subsaariana.
---L.Chagasi – L.V (também, L.C do novo continente); existe na América central e sul.

-Complexo de L. mexicana:
---L. mexicana – L.C do novo continente (também, L.C difusa); existe no Texas, México e na
América central e sul.
---L. amazonensis – L.C do novo continente (também, L.M, L.C difusa e L.V); existe no Panamá e
na América do sul.

-L. tropica: - L.C do velho continente (também, L.V); existe em: Ásia central, Índia, sudoeste da
Ásia, Turquia, Grécia, África do norte, Etiópia, Quénia e Namíbia.

-L. major – L.C do velho continente; existe na Ásia central, Índia, sudoeste da Ásia, centro-
oeste da Turquia, África do norte, Etiópia, Sudão e Quénia.

-L. aethiopica – L.C do velho continente (também, L.C difusa); existe: Etiópia e Quénia.

2-Sub-género Viannia:

-L. braziliensis – L.C do novo continente (L.M); existe na América do norte e sul.

-L. guyanensis - L.C do novo continente (L.M); existe na América do sul.

-L. panamensis – L.C do novo continente (L.M); existe na América central, Venezuela,
Colômbia, Equador e Peru.

-L. peruviana – L C do novo continente; existe no Peru.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 369


Doenças Infeciosas 2017

Clínica
A L.V (Kala-azar) tem uma incubação de 3-8 meses, mas pode ser de 10 dias a 34 meses. O
início pode ser súbito ou gradual. Classicamente apresente-se com: febre, perda de peso,
hepatoesplenomegália, linfadenopatias, anemia ou pancitopenia, hipergamaglobulinémia e
raramente como hepatite aguda, bacteriémia e S. Guillan-Barré. A L.V é fatal se não tratada. A
L.C pode variar entre uma lesão cutânea ulcerada localizada, a nódulos disseminados, com
envolvimento mucocutâneo e visceral. É raro o envolvimento exclusivamente cutâneo com a
infecção VIH. A L.M é caracterizada por uma infecção das membranas mucosas do nariz, boca,
orofaringe e laringe, apresentando lesões desfigurantes.

Co-infecção L.V/VIH
Na co-infecção L.V/VIH verifica-se sempre uma dúvida entre uma infecção primária e uma
reactivação, uma vez que pode tratar-se, quer de uma infecção primária por Leishmania
favorecida pela imunossupressão da infecção VIH, quer de uma infecção latente por
Leishmania que é reactivada pela depleção imunológica. A L.V promove a progressão clínica e
o desenvolvimento de condições definidoras de SIDA aumentado a mortalidade dos doentes
infectados por VIH. O risco de desenvolvimento de L.V nas áreas endémicas é cerca de cem a
mil vezes superior na infecção VIH. Esta última, também compromete a resposta terapêutica e
aumenta a probabilidade de recidivas, pelo que facilmente se conclui que ambas as doenças
exercem um efeito cumulativo na imunossupressão dos indivíduos afectados.
Nos últimos anos foi proposto, especialmente nos países do Sul da Europa, um ciclo de
transmissão alternativo que inclui a partilha de seringas pelos utilizadores de drogas
endovenosas (UDE). Representa, por um lado, um ciclo artificial, visto que as seringas
substituem os mosquitos, sendo a metaciclogénese desnecessária uma vez que já ocorre
transmissão das formas amastigotas e, por outro lado, trata-se de um ciclo antroponótico pois
os UDE actuam como reservatório dos parasitas.
Actualmente, segundo a OMS, esta co-infecção atinge 35 países. Até ao início de 2001 foram
reportados 1911 casos de co-infecção nos países do sudoeste da Europa, 8,3% dos quais em
Portugal. Na bacia mediterrânica 25% a 70% dos casos de LV ocorrem em adultos co-
infectados por VIH e 1,5% a 9,0% dos doentes com SIDA sofrem reactivações ou infecções
primárias. O verdadeiro impacto da realidade desta co-infecção está provavelmente

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 370


Doenças Infeciosas 2017

subestimado, uma vez que o facto de não ser uma doença definidora de SIDA condiciona a sua
subnotificação.
Os doentes infectados com o VIH podem ter apresentações atípicas da doença. Em áreas
endémicas como a França, aproximadamente 10% dos doentes com infecção VIH têm infecção
assintomática por Leishmania. Nesta população, a L.V é responsável por 7% a 23% dos casos de
“febre de origem desconhecida”. Habitualmente manifesta-se em doentes com
imunossupressão avançada, sendo a contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm 3
em 77% a 90% dos casos.

Diagnóstico
Deve ser sempre considerado em doentes de áreas endémicas conhecidas e também em
viajantes, emigrantes, militares e em doentes infectados com o VIH. O diagnóstico definitivo
requer a demonstração do parasita (amastigotas), nos tecidos, por observação em microscopia
ou pelo crescimento deste (promastigotas) em cultura em meio próprio para Leishmania como
o meio Novy-McNeal-Nicolle (através de biópsia de pele, punção-aspiração, incisão ou
aspiração de bordos de ulceras, cutâneas ou mucocutâneas, medula óssea, biópsia ou
aspiração de nódulos linfáticos). Em doentes com Kala-azar co-infectados com o VIH, os
amastigotas podem encontrar-se em vários locais e tecidos como: lavado bronco-alveolar,
liquido de derrame pleural, tecido de biópsia da faringe, estômago e ou intestino. Existem
ainda outros métodos de diagnóstico como: serologia, testes cutâneos e PCR (sensibilidade de
90% e especificidade de 100% na L.V). O teste de detecção antigénica na urina (rK39), pode vir
a constituir uma alternativa em doentes imunodeprimidos que não desenvolvam uma resposta
humoral e na distinção entre formas activas e subclínicas.
A aspiração esplénica é considerada o método diagnóstico mais sensível, contudo não é uma
prática isenta de riscos e complicações (inferiores a 1%). No entanto, o procedimento
diagnóstico mais frequentemente utilizado para confirmação parasitológica é a aspiração de
medula óssea, que poderá não demonstrar a presença de amastigotas, caso exista uma
medula óssea hipoplásica como em situações de imunossupressão avançada.

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Doenças Infeciosas 2017

Tratamento

L.V (Kala-azar)
Anfotericina B lipossómica 1. 10 mg/kg e.v., 1 ou 2 doses;
2. 3 mg/kg/dia e.v., dias 1-5, 14 e 21
(dose total 20 mg/kg)
Anfotericina B 0,7-1 mg/kg/dia e.v., em dias alternados,
15-20 doses
Miltefosina 1. 50 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
<25 kg), 28 dias;
2. 100 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
>25 Kg), 28 dias;
3. 150 mg/dia p.o. (>12 anos e peso
>50 kg), 28 dias
v+
Antimónio pentavalente 20 mg Sb /kg/dia i.m. ou e.v., 28-30 dias
Pentamidina 4 mg/kg/dia e.v. ou i.m., em dias
alternados ou 3x/semana, 15 a 20 doses
Paromomicina 15 mg i.m. (11mg base)/kg/dia, 21 dias
Terapêutica combinada:
1. Anfotericina B lipossómica 5 mg/kg e.v. dose única + miltefosina p.o. 7-14
dias;
2. Anfotericina B lipossómica 5 mg/kg e.v. dose única + paromomicina 15mg
i.m. (11 mg base)/kg/dia, 10 dias
3. Miltefosina p.o. 10 dias + paromomicina15mg i.m. (11 mg base)/kg/dia, 10
dias
4. Antimónio pentavalente 20 mg Sbv+/kg/dia i.m. ou e.v., 17 dias +
paromomicina15mg i.m. (11 mg base)/kg/dia, 17 dias

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 372


Doenças Infeciosas 2017

L.V (Kala-azar) em doentes com infecção VIH


Anfotericina B lipossómica (tratamento 4mg/Kg/dia e.v. do 1º ao 5º dia e depois
de eleição nos países da orla ao 10º, 17º, 24º, 31º e 38º dia (dose total
mediterrânica) de 40 mg/kg).

Anfotericina B 0,7 mg/kg/dia e.v., 28 dias


Miltefosina 100mg/dia p.o., 28 dias
Antimónio pentavalente 20 mg Sbv+/kg/dia i.m. ou e.v., 28 dias
Nota: Não existe eficácia documentada de terapêutica combinada em doentes com
infecção VIH

Leishmaniose mucocutânea ou mucosa


Velho Continente Novo Continente
1. Miltefosina 50 mg 8/8h p.o., 28 1. Antimónio pentavalente, 20 mg
dias; Sbv+/kg/dia i.m. ou e.v., 28-30
2. Antimónio pentavalente, 20 mg dias. Adicionar pentoxifilina
Sbv+/kg/dia i.m. ou e.v., 20-28 400mg p.o. 8/8h, 30 dias;
dias; 2. Anfotericina B lipossómica (dose
3. Anfotericina B lipossómica (dose total 30-40 mg/kg e.v.);
total 21-40 mg/kg e.v.) 3. Miltefosina 150 mg p.o. i.d., 28
dias

Leishmaniose cutânea
O tratamento depende da espécie em causa e da extensão da lesões, podendo
adoptar-se uma atitude meramente expectante (resolução espontânea) ou optar-
se pela administração de fármacos sistémicos (ou tópicos, estes em fase de
investigação).

Prevenção e quimioprofilaxia
Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 373
Doenças Infeciosas 2017

O melhor tratamento para a Leishmaniose é a prevenção, principalmente nos viajantes e


militares, com o uso de barreiras anti-mosquitos (redes, roupa e cremes repelentes de
insectos). O controlo dos vectores baseia-se na eliminação dos reservatórios.
Na co-infecção L.V/VIH a cura clínica não significa evidência de cura parasitária, daí que seja
importante a realização de quimioprofilaxia secundária, embora não existam, até ao momento
esquemas profilácticos preconizados, bem como evidência de resultados que suportem a sua
implementação e eficácia. Um dos esquemas que pode ser usado é a Anfotericina B liposómica
3 mg/kg, cada 3 semanas. A interrupção da quimioprofilaxia secundária, deve ser considerada
nos doentes com contagem de linfócitos T CD4+ superior a 200 células/mm³ por um período
mínimo de 6 meses sob terapêutica anti-retrovírica e nos que não tenham recidivas durante
um período mínimo de um ano.

Referências
1. Monge-Maillo B, López-Vélez R. Therapeutic options for visceral leishmaniasis. Drugs.
2013;73(17):1863-88. doi: 10.1007/s40265-013-0133-0.
2. Blum J, Buffet P, Visser L, et. al. LeishMan recommendations for treatment of
cutaneous and mucosal leishmaniasis in travelers, 2014. J Travel Med. 2014;21(2):116-
29.
3. Ready PD. Epidemiology of visceral leishmaniasis. Clin Epidemiol. 2014; 6:147-54. doi:
10.2147/CLEP.S44267. eCollection 2014.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 374


Doenças Infeciosas 2017

Vacinação em adultos

O Programa Nacional de Vacinação (PNV) celebrou os seus 50 anos em 2015. A vacinação está
frequentemente associada à idade pediátrica, contudo, existem vacinas que têm indicações
nos adultos e que permitem, tal como nas crianças, a prevenção do desenvolvimento de
patologias graves. A vacinação no adulto não é tão estruturada e universal como nas crianças,
e várias vacinas estão apenas recomendadas para indivíduos com situações clínicas especificas.
É fundamental conhecer que vacinas existem no mercado e ainda mais importante, quais são
os nossos doentes que melhor podem usufruir das suas vantagens.

Vacina da Hepatite A
O vírus da hepatite A (VHA) é transmitido preponderantemente pela via fecal-oral. Nos países
em desenvolvimento a infecção é muito comum na infância por contacto com água ou
alimentos contaminados. Nos países desenvolvidos a melhoria das condições socioeconómicas
e higieno-sanitárias das populações reflete-se na menor probabilidade de imunização natural
na infância com consequente aumento da população adulta suscetível. Nos países ocidentais
(incluindo Portugal) têm-se registado surtos de hepatite A aguda em adultos, sobretudo na
população homossexual masculina (HSH), o ultimo dos quais muito recentemente no final de
2016 e inicio de 2017.
O rastreiro de imunidade para VHA (anticorpo anti-VHA IgG) e a vacinação dos não imunizados
é recomendada para a população suscetível com fatores de risco/patologias crónicas
associadas, nomeadamente:
 HSM
 Doença hepática crónica
 Indivíduos que recebem fatores de coagulação
 Viajantes para áreas endémicas
 Imunodeprimidos
 Utilizadores de drogas endovenosas
Em Abril de 2017, no decurso do surto de hepatite A a Direção-Geral de Saúde (DGS) emitiu
uma norma relativamente à vacinação da hepatite A em que considera:

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 375


Doenças Infeciosas 2017

1. Os indivíduos a quem já tiver sido administrada uma dose de vacina contra a hepatite A
no decurso da sua vida não necessitam de segundas doses, considerando-se estarem
protegidos.
2. Em contexto de pós-exposição são elegíveis para vacinação os contactos de pessoas
com hepatite A (coabitantes e contactos sexuais) até 2 semanas após última exposição,
devendo ser administrada dose única de vacina em formulação adequada à idade.
Deve ser considera a administração de imunoglobulina intravenosa às pessoas com
compromisso imunitário, doença hepática crónica, contraindicação à vacinação e
crianças com menos de 12 meses de idade.
3. Em contexto pré-exposição devem ser vacinados os HSH e que se desloquem ou vivem
em locais afetados pelo atual surto e viajantes para áreas endémica. A DGS preconiza
nestas situações a administração de dose única de vacina em formulação pediátrica
(situação a rever logo que o surto esteja terminado).

Uma vez terminado o surto, a vacinação deve ser realizada à população com os fatores de risco
acima detalhados, com uma das formulações comercializadas em Portugal (Vaqta® e Havrix®)
nas formulações adequadas à idade, segundo o esquema de 1 administração seguida de dose
de reforço 6 a 12 meses após.
Nos indivíduos que não sejam imunes contra o Vírus da Hepatite B, deve ser considerada a
formulação Twinrix®, que confere imunidade para o VHA e o VHB, devendo ser administradas
3 doses (0, 1 e 6 meses).

Vacina da Hepatite B
A vacinação contra o Vírus da Hepatite B (VHB) faz parte do PNV desde 1987. Contudo, a
duração precisa da proteção conferida pela vacinação é desconhecida pelo que há que
considerar a existência de indivíduos adultos não imunes e, deste modo, em risco de serem
infectados.
O VHB é transmitido através das mucosas ou de forma percutânea quando expostas a fluidos
contaminados (sangue, sémen, saliva). Deste modo, os indivíduos com maior risco e cuja
vacinação é recomendada são:
 Profissionais de Saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica, entre outros)

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 376


Doenças Infeciosas 2017

 Doença hepática crónica


 Hemodialisados ou doentes com doença renal crónica em estádio avançado
 Hemofílicos
 Doente com infecção VIH
 Familiares dos portadores de hepatite B (especialmente cônjuges, filhos menores e
outros familiares em coabitação)
 HSM
 Prostitutas
 Utilizadores de drogas endovenosas
 Viajantes para áreas endémicas
 Reclusos
Nos indivíduos que já cumprirem esquema vacinal para a infecção por VHB no passado, não
estão recomendadas doses de reforço dado que, mesmo depois de os níveis de AcHBs se
tornarem indetectáveis continua a existir proteção contra a hepatite clínica, antigenémia HBs e
hepatite crónica. A exceção são os imunodeprimidos que perderam AcHBs; imunocompetentes
com níveis indetectáveis de AcHBs, com exposições percutâneas a indivíduos AgHBs positivos,
e hemodialisados com títulos antiHBs< 10 mIU/mL.
Em contexto de profilaxia pós exposição, preconiza-se que:
1. Pessoa exposta não vacinada e doente AgHBs positivo: imunoglobulina anti- Hepatite B
(0,06mL/Kg) e 1ª dose de vacina (preferencialmente <72h do acidente) em locais
separados (vacinação segundo esquema 0,1 e 6 meses).
2. Pessoa exposta não vacinada e doente AgHBs negativo: vacinar segundo esquema
habitual
3. Pessoa exposta não vacinada e doente desconhecido: imunoglobulina anti-Hepatite B
opcional (avaliar caso a caso) e vacinar segundo esquema habitual.
4. Pessoa exposta vacinada e presença de anticorpos anti-HBs >10mUI/mL: nenhuma
atitude a tomar.
5. Pessoa exposta vacinada mas não respondedor (anti-HBs <10mUI/mL): se doente
AgHBs positivo deve ser administrada imunoglobulina anti-hepatite B e revacinar; se
doente AgHBs negativo ponderar revacinar e se doente desconhecido ponderar
imunoglobulina caso a caso.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 377


Doenças Infeciosas 2017

A vacina contra a Hepatite B comercializada em Portugal é a Engerix B® com preparações de 20


μg: 1 ampola IM, com repetição 1 mês e 6 meses. Se se optar por um esquema rápido de
imunização, a repetição será após 1 e 2 meses, com reforço aos 12 meses. Nos doentes
submetidos a diálise e nos imunodeprimidos a repetição será após 1 mês, 2 e 6 meses, com
recurso a uma dose dupla em cada administração caso não haja resposta com o esquema
habitual.

Vacina da Hepatite E
O vírus da Hepatite E é transmitido pela via fecal-oral. A distribuição geográfica é sobretudo
nos países do Sudeste Asiático e China. As estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS) estima que ocorram anualmente 20 milhões de infecções, destes 3.3 milhões se
traduzam em quadros de hepatite clínica e cerca de 56600 mortes.
Existe vacinação contra o vírus da Hepatite E mas apenas se encontra licenciada e
comercializada na China.

Vacina contra a Zona (Herpes Zóster)


A zona é uma erupção cutânea dolorosa e com formação de vesículas e que resulta da
reativação da infecção a partir de um gânglio nervoso sensitivo ou autonómico.
A reativação do vírus do Herpes Zóster é mais frequente nos idosos, nomeadamente a partir
da 6ª década de vida.
A vacina contra a Zona, comercializada em Portugal é a Zostavax® e está indicada para prevenir
a zona e a nevralgia pós herpética nos indivíduos com mais de 50-60 anos,
independentemente da existência de episódios prévios de Zona. A administração pode ser
subcutânea ou intramuscular, preferencialmente na região deltoide e não se preconizam doses
de reforço.
A vacina está contraindicada nas seguintes situações: indivíduos infetados por VIH; leucemias
agudas ou crónicas; linfomas e outras condições que afetem a medula óssea ou o sistema
linfático; terapêutica imunossupressora (incluindo doses elevadas de corticosteroides);
tuberculose ativa não tratada e gravidez.

Vacina Haemophilus infuenzae tipo b

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 378


Doenças Infeciosas 2017

O Haemophilus influenzae é um bacilo Gram negativo, frequentemente associado a meningites


e a outras infecções invasivas graves e cuja prevalência era muito relevante anteriormente á
introdução da vacinação no PNV (2000).
Os indivíduos adultos com asplenia anatómica ou funcional, hipoesplenismo, défice congénito
do complemento ou terapêutica com inibidores do complemento (eculizumab) têm risco
acrescido de infecções graves por bactérias capsuladas (Haemophilus influenzae, Neisseria
meningitidis e Streptococcus pneumoniae).
Assim, recomenda-se que:
 Adultos que têm asplenia anatómica ou funcional, drepanocitose ou serão submetidos
a esplenectomia eletiva devem receber uma dose de vacina se nunca tiverem sido
vacinados. A vacina deve ser administrada pelo menos 2 semanas antes de
esplenectomia eletiva.
 Adultos que foram submetidos a transplante de células hematopoiéticas devem
receber 3 doses de vacina pelo menos com intervalo de 4 semanas, 6 a 12 meses após o
transplante.
A vacina comercializada em Portugal é a Hiberix®.

Vacina da Gripe
A vacina da Gripe é provavelmente a imunização mais comum e conhecida na população
adulta a nível mundial. Ainda que a infeção pelo vírus da Gripe esteja, na maioria das
situações, associada a quadros clínicos autolimitados, a morbilidade é importante e não raras
vezes podem haver complicações sistémicas, particularmente na população mais idosa e com
comorbilidades.
Assim, a DGS recomenda a vacinação aos seguintes grupos:
 Pessoas com idade igual ou superior a 65 anos.
 Doentes crónicos (ex. asma sob terapêutica com corticoides inalados ou sistémicos;
DPOC; insuficiência cardíaca crónica; cardiopatia isquémica; insuficiência renal crónica;
cirrose; hepatite crónica; diabetes mellitus; obesidade; entre outras) e
imunodeprimidos, com 6 ou mais meses de idade.
 Grávidas.

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 379


Doenças Infeciosas 2017

 Profissionais de saúde e outros prestadores de cuidados (estruturas residenciais para


pessoas idosas).
 Residentes em Instituições ou em Unidade de Cuidados Continuados (UCC)
A vacina é administrada anualmente, durante o outono/inverno e preferencialmente até ao
fim de cada ano civil. Nos indivíduos que se enquadrem nos grupos acima mencionados a
vacinação é totalmente comparticipada se administrada nos centros de saúde. Os vírus da
gripe estão em constante alteração e a imunidade provocada pela vacina não é duradoura,
pelo que as pessoas devem vacinar-se anualmente.

Vacinação contra infecções por Streptococcus pneumoniae


A bactéria Streptococcus pneumoniae é responsável por um amplo espectro de infecções, das
mais comuns como a otite média e sinusite, até casos mais graves como a pneumonia e
meningite. A vacinação com a vacina combinada de 13 valências (Prevnar13®) foi incluída no
PNV em 2015. Estudos em países onde a vacinação em idade pediátrica é utilizada desde á
mais tempo demonstraram diminuição significativa da doença invasiva pneumocócica (DIP)
causada pelos serótipos vacinais; diminuição dos casos de otite média aguda e pneumonia;
imunidade de grupo na população infantil e adulta não vacinada, assim como diminuição de
resistência aos antimicrobianos.
Na população adulta, a vacinação é recomendada nos grupos em risco de contrair DIP,
nomeadamente:
 IMUNOCOMPETENTES
o Doença cardíaca crónica (Insuficiência cardíaca crónica; doença cardíaca
isquémica; hipertensão arterial pulmonar; cardiomiopatias).
o Doença hepática crónica
o Insuficiência renal crónica
o Doença respiratória crónica (Insipiência respiratória crónica; DPOC; enfisema;
asma brônquica (sob corticoterapia sistémica ou inalada crónica);
bronquiectasias; doença intersticial pulmonar; fibrose quística; pneumoconioses;
doenças neuromusculares).
o Pré-transplantação de órgão
o Dador de medula óssea (antes da doação)

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Doenças Infeciosas 2017

o Fístulas de LCR (*)


o Implantes cocleares (candidatos e portadores) (*)
o Diabetes mellitus
(*) Nestas patologias os indivíduos afetados estão isentos de pagamento da vacina.

 IMUNOCOMPROMETIDOS
o Asplenia ou disfunção esplénica (*) (asplenia congénita ou adquirida; doença e
células falciformes; outras hemoglobinopatias com disfunção esplénica)
o Imunodeficiência primária (*)
o Infecção por VIH (*)
o Receptor de transplante (*) (células precursoras hematopoiéticas e órgãos
sólidos)
o Doença neoplásica ativa (*) (leucemias; linfomas; mieloma múltiplo; outros
tumores malignos)
o Imunossupressão iatrogénica (terapêutica com fármacos biológicos;
quimioterapia; radioterapia; corticoterapia sistémica se prednisolona ou
equivalente em dose 20mg/dia durante >14 dias)
o Síndrome de Down
o Síndrome nefrótico (*)
(*) Nestas patologias os indivíduos estão isentos do pagamento da vacina, ainda que no caso
da infecção por VIH a gratuidade apenas se aplica quando a contagem de células CD4 < 500
células /mm3.
Existem situações especiais e que se deve ter atenção para a optimização do efeito protetor da
vacina, nomeadamente:
 Infecção VIH: se células CD4<200/mm3 deve-se vacinar sem necessidade de aguardar
por reconstituição imunitária; ponderar uma dose extra de vacina após CD4>200/mm 3.
 Esplenectomia cirúrgica: se intervenção eletiva vacinar 2 semanas antes; se intervenção
urgente vacinar 2 semanas após.
 Doenças autoimunes: 4 semanas antes do início de terapêuticas imunossupressoras.
 Transplantação: em espera para transplante de órgão sólido vacinar no mínimo 2 a 4
semanas antes; após o transplante vacinar 6 meses depois.

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Doenças Infeciosas 2017

A vacinação é recomendada com as seguintes vacinas:


 Vacina combinada de 13 valências (Pn13 - Prevenar 13®)
 Vacina polissacarídea de 23 valências (Pn 23 - Pneumo 23®)

O esquema vacinal, deve ser o seguinte:


 1 administração de Pn13 e 6 a 12 meses após (mínimo de 8 semanas) administração de
Pn23. Nos doentes imunocomprometidos e nos doentes imunocompetentes com
fístulas de LCR e implantes cocleares deve-se administrar dose de reforço após 5 anos
com Pn23.
 Indivíduos previamente vacinados com 1 ou 2 doses de Pn23, devem receber após 12
meses da última dose uma administração de Pn13 e 6 a 12 meses depois (desde que
decorra pelo menos 5 anos após ultima Pn23), nova administração de Pn23.

Vacina da Varicela
A varicela é uma doença predominantemente da infância, benigna e altamente contagiosa.
Pode-se associar a complicações graves, quer associadas a sobre-infecção bacteriana (celulite,
pneumonia, fasceíte, choque tóxico) quer ao próprio agente viral, nomeadamente encefalite,
cerebrite ou pneumonia. As complicações são mais comuns nos adultos que não tiveram
contato com o vírus na infância. A infecção na grávida acarreta especial risco, nomeadamente
pela maior frequência de pneumonite, que pode ser fatal em cerca de 40% dos casos.
Assim, recomenda-se a vacinação nos seguintes grupos de risco:
 Indivíduos não imunes em ocupações de alto risco (trabalhadores da saúde,
professores, trabalhadores de creches e infantários)
 Mulheres não imunes antes da gravidez
 Pais de criança jovem, não imunizados
 Adultos ou crianças que contatam habitualmente com doentes imunodeprimidos.
A vacina da varicela é constituída por Vírus da Varicella Zoster vivo atenuado, que, sendo
segura no imunocompetente, está limitado o seu uso nos imunodeprimidos, grávidas, menores
de 1 ano e indivíduos com terapêutica com salicilatos (não devem ser prescritos salicilatos até
6 semanas após a vacinação). A vacina comercializada em Portugal é a Varivax® e a Varilrix®,

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Doenças Infeciosas 2017

devendo serem administradas duas doses, com intervalo mínimo de 4 a 8 semanas e 6 a 8


semanas, respectivamente.

Vacina contra o vírus do papiloma humano (VPH)


A vacina contra o VPH está incluída no PNV desde 2008. O VPH é responsável por lesões
benignas e algumas neoplasias malignas, nomeadamente cancro do colo do útero e cavidade
oral.
A doença é relevante também no sexo masculino, não havendo rastreiros implementados para
os homens, ao invés do que acontece no sexo feminino. Os homens beneficiam da imunidade
de grupo se a taxa de cobertura nas raparigas for elevada. Os HSH, e indivíduos que que viajem
ou emigrem para países de baixa cobertura vacinal, mantêm-se em risco elevado de contrair
infecção e suas potenciais complicações.
Assim, para além dos esquemas vacinais incluídos no PNV para o VPH, recomenda-se:
 Mulheres com idade até 26 anos e homens até aos 21 anos que não tenham recebido
imunização com vacina VPH devem receber 3 doses de vacina aos 0,1 e 6 meses.
Homens dos 22 aos 26 anos podem também ser vacinados (avaliação caso a caso
conforme fatores de risco).
 Mulheres com idade até 26 anos e homens até aos 21 anos (ou até aos 26 anos de
acordo com avaliação e fatores de risco) que iniciaram esquema vacinal antes dos 15
anos e que receberam 2 doses pelo menos com 5 meses de intervalo são considerados
imunes e não necessitam de doses adicionais.
 Mulheres com idade até 26 anos e homens até aos 21 anos (ou até aos 26 anos de
acordo com avaliação e fatores de risco) que iniciaram esquema vacinal antes dos 15
anos e que receberam apenas 1 dose ou 2 doses com menos de 5 meses de intervalo,
não são considerados imunes e devem receber 1 dose adicional de vacina.
Indivíduos com situações clinicas específicas e sua orientação preferencial:
 HSH até aos 26 anos e que não receberam imunização contra o VPH, devem ser
vacinados com esquema de 3 administrações (0,1-2 e 6 meses)
 Mulheres até aos 26 anos com patologia imunossupressora (VIH, imunodeficiências
primárias, neoplasias malignas, patologia auto-imune e a receber terapêutica

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 383


Doenças Infeciosas 2017

imunossupressora) devem ser vacinadas com esquema de 3 administrações (0,1-2 e 6


meses)
 Mulheres grávidas não devem ser vacinadas durante a gravidez. Se engravidar durante
o ciclo de vacinações, as doses em falta devem ser adiadas para após o parto.
As vacinas comercializadas em Portugal são a Gardasil® (vacina recombinante que confere
proteção contra os serótipos 6,11,16,18) e a Cervarix® (serótipos 16 e 18).

Vacinação contra o tétano, difteria e tosse convulsa (Tdpa)


A vacinação Tdpa faz parte do PNV desde 1965. Contudo alguns estudos têm demonstrado um
aumento de incidência de infecção por Bordetella pertussis, o agente etiológico da tosse
convulsa, nomeadamente em adultos. Estes adultos podem constituir a fonte para transmissão
a crianças demasiado novas para serem vacinadas e em que a infecção é mais grave.
Preconiza-se, no adulto, a vacinação nas seguintes situações:
 Adultos que não tenham recebido Tdap, devem receber uma administração de Tdap
seguida de um reforço de toxóides de difteria e tétano (Td) conforme o preconizado no
plano nacional de vacinação.
 Adultos com esquemas incompletos de vacinação devem receber uma nova
administração de Tdap.
 Mulheres grávidas, com objetivo de proteger passivamente contra a tosse convulsa o
recém-nascido e o lactente, devem, em cada gravidez, receber uma dose de vacina
Tdpa entre as 20 e as 36 semanas de gestação, idealmente até às 32 semanas. A
vacinação deve ocorrer após a ecografia morfológica (recomendada entre as 20 e as 22
semanas + 6 dias).

Vacina contra Neisseria menigitidis


A doença meningocócica é uma infecção grave sendo que a sua forma invasiva manifesta-se
sob a forma de meningite e/ou sépsis sendo a taxa de letalidade de 5 a 14% e, não raras vezes,
associa-se a sequelas neurológicas importantes.
Existem três vacinas para a prevenção de infecção por Neisseria meningitidis: vacina
antimeningocócica contra o serótipo C (Menjugate®), B (Bexsero®) e a vacina

Clínica Universitária de Doenças Infeciosas Página 384


Doenças Infeciosas 2017

antimeningocócica conjugada contra o meningococo dos serótipos ACW 135Y (Nimenrix®,


Menveo®).
A vacina antimeningocócica contra o serótipo B ainda não faz parte do PNV. A vacina contra o
meningococo serotipo C está incluída no programa de vacinação desde 2006 e têm-se
comprovado redução de incidência global da doença invasiva por este serótipo. Nos
adolescentes e adultos até aos 50 anos com risco acrescido para doença invasiva
meningocócica (asplenia anatómica ou funcional; hipoesplenismo; défice congénito do
complemento; terapêutica com inibidores do complemento (Eculizumab) devem ser vacinados.
A vacina antimeningocócica contra os serótipos ACW135Y (Nimenrix®, Menveo®) está
recomendada nas seguintes situações:
 Adultos com asplenia anatómica ou funcional ou deficiências do complemento, devem
receber 2 doses de vacina pelo menos com 2 meses de intervalo e com reforço a cada 5
anos. Devem também receber vacinação com vacina antimeningocócica contra o
serótipo B, com 2 administrações com pelo menos 1 mês de intervalo.
 Adultos infectados pelo VIH que não foram previamente imunizados, devem receber 2
doses de vacina pelo menos com 2 meses de intervalo e dose de reforço a cada 5 anos.
Vacinação contra Meningoco B não é normalmente recomendada nesta população
dado que a doença invasiva meningocócica nesta população é mais comum pelos
serótipos incluídos na vacina quádrupla.
 Microbiologistas com exposição a isolados de Neisseria meningitidis devem receber 1
dose, com dose de reforço a cada 5 anos, e 2 doses de MenB pelo menos com 1 mês de
intervalo.
 Adultos em risco devido a existência de surto na comunidade devem receber 1 dose de
da vacina mais adequada ao serotipo causador do surto (ou 2 doses de MenB com 1
mês de intervalo se o surto for causado por este serotipo).
 Adultos que viajem ou vivam em países endémicos de doença meningocócica devem
receber 1 dose e revacinar a cada 5 anos (se o risco de infecção se mantiver).
 Recrutas Forças Armadas devem receber 1 dose e revacinar passados 5 anos, se risco
de infecção se mantiver.
 Estudantes universitários do 1º ano com menos de 21 anos que vivam em residências
de estudantes devem 1 dose de vacina.

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Doenças Infeciosas 2017

 Adultos a partir dos 56 anos de idade que nunca foram vacinados, deve ser
administrada 1 dose de vacina.

Vacina contra o sarampo, parotidite epidémica e rubéola (VASPR)


A VASPR está indicada para a prevenção do sarampo, parotidite epidémica e rubéola e faz
parte do PNV, sendo a vacinação nas crianças realizadas aos 12 meses e ao 5º ano de idade.
A VASPR está indicada nos adultos, nas seguintes situações:
 Mulheres em idade fértil sem nenhuma dose anterior de vacina conta a rubéola (VAR
ou VASPR) e cujo estado imunitário se desconheça, deve, fazer uma dose de VASPR.
 Puérperas não imunizadas, ou cujo estado imunitário se desconheça, devem ser
vacinadas ainda na maternidade, logo após o parto, ou na consulta de revisão do
puerpério.
 Adultos com imunodeficiências primárias ou adquiridas, doenças malignas com
envolvimento da medula óssea ou sistema linfático a receber terapêutica
imunossupressora não devem ser vacinados com VASPR.
 Doente infectados VIH com células CD4+ <200/mm3 não devem ser vacinados com
VASPR. Infectados VIH com células CD4+ >200/mm3 e sem evidência de imunidade
devem ser vacinados com 2 doses de VASPR (intervalo entre administrações mínimo de
28 dias)
 Profissionais de saúde nascidos antes de 1957 que não foram vacinados e/ou sem
evidência serológica de anticorpos protetores devem ser considerados para vacinação
com 2 administrações de VASPR (intervalo mínimo de 28 dias).

Vacinação no viajante
A consulta do viajante é de especial importância para uma preparação adequada do estado de
saúde do individuo para condições que virá a enfrentar no país de destino. Neste momento de
consulta, várias recomendações devem ser transmitidas pelo clínico, nomeadamente cuidados
de higiene, dietéticos e de cuidados especiais para, por exemplo, evitar picadas de mosquitos
(vetores muito associados a doenças tropicais). A revisão do Boletim de vacinas e a sua
atualização é também um ponto importante. Por fim deve-se avaliar quais profilaxias e

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Doenças Infeciosas 2017

vacinações devem ser tomadas de acordo com o destino, duração da viagem e com as
atividades que se planeiam realizar.
De seguida destaca-se algumas das vacinações mais usadas nestas circunstâncias.

Vacina da febre amarela


Viajantes para a países da África subsariana (Angola, Senegal, Costa do Marfim, Congo, Etiópia,
Guiné Bissau, Guiné Conacri, Mauritânia, Nigéria) e para países da América Central (Bolívia,
Brasil, Peru, Venezuela) estão em risco de contraírem infeção pelo vírus que é transmitido por
picada de mosquito (Aedes aegypti) infetado. Alguns países requerem comprovativo de
vacinação antes de autorizada a entrada no país (Certificado de Vacinação Internacional).
Em Portugal está comercializada a vacina Stamaril®, dose única de 0,5 mililitro para adultos e
crianças a partir dos 6 meses de idade. A primeira dose deve ser administrada pelo menos 10
dias antes de haver risco de infeção.
A vacinação está contraindicada em doente imunocomprometidos, nomeadamente doentes
infetados por VIH com contagem de células CD4 <200/mm3.

Vacina da Encefalite Japonesa


A encefalite japonesa é transmitida pela picada de mosquitos do género Culex, sendo um
vírus que pertence à família dos Flaviriridae. A manifestação da doença é, como o nome indica,
um quadro de encefalite.
Os países com risco comprovado de transmissão são: Índia, Paquistão, Sri Lanka, Myanmar,
Laos, Vietname, Malásia, Singapura, Filipinas e Indonésia.
Viajantes que planeiem atividade ao ar livre (campismo, caminhadas, passeios de bicicleta) e
que venham a trabalhar ou realizar voluntariado (médicos veterinários, pessoas que trabalham
nas aldeias ou zonas endémicas específicas) têm risco acrescido.
A vacina comercializada em Portugal é a Ixiaro®. É constituída por vírus inativado, e são
administradas 2 doses, segundo o esquema 0 e 28 dias (quando o tempo de espera não o
permite, aos 0 e 7 dias, desde que tenham mais de 18 anos). O reforço é feito após 2 anos e
subsequentemente não está bem definida a periodicidade.

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Doenças Infeciosas 2017

Vacina da Cólera
A cólera é uma doença causada pela bactéria Vibrio cholerae e é responsável por diarreia
severa e vómitos. A desidratação é comum devido a incapacidade de ingerir líquidos pela via
oral e pela enorme perda de fluídos.
A vacinação é recomendada para voluntários que se desloquem para áreas de desastres
naturais em países com más condições de higiene (ex. após sismos ou tsunamis), para campos
de refugiados e viajantes para países onde decorram surtos de cólera.
A vacina disponível no mercado é a Dukoral®, em suspensão e granulado efervescente para
suspensão oral, conferindo imunidade 1 semana após a administração da 2ª dose. Duração da
imunidade de 6 meses a 2 anos.

Vacina contra a Encefalite da Carraça


Vacina recomendada para viajantes para florestas da Europa Central por períodos >3 semanas,
especialmente no verão.
A vacina comercializada é a FSME-IMMUN® (só disponível em farmácia hospitalar), em
suspensão para administração intramuscular (0.5mL), 3 doses (0, 1-3 e 5-12 meses), dose de
reforço a cada 3 a 5 anos.

Vacina contra a Febre Tifoide


A febre tifoide é causada pela bactéria Salmonella Typhi e Salmonella Paratyphi A, B ou C. A
transmissão é mais comum sempre que há contaminação da cadeia alimentar com fezes
humanas em países com más condições de saneamento básico.
A vacinação é recomendada para viagens com duração superior a 3-4 semanas,
nomeadamente para o norte e oeste de África, sul da Ásia e América Latina. Os doentes
imunocomprometidos e com litíase vesicular constituem fator de risco para doença mais
grave.
A vacina comercializada é a Typhim Vi® (só disponível nos centros de vacinação internacional),
administração subcutânea ou intramuscular, com reforço a cada 3 anos.

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Doenças Infeciosas 2017

Vacina contra a Poliomielite


A poliomielite é uma infeção viral que ocorre no aparelho gastrointestinal e que se transmite
de pessoa-a-pessoa pela via fecal-oral em condições higieno-sanitárias precárias. A infecção
pode ser assintomática ou, nas formas mais graves, ser transmitida ao Sistema Nervoso Central
culminando em quadros de meningite, apneia com necessidade de ventilação mecânica e de
paralisia flácida.
A vacinação está recomendada para os viajantes nos seguintes países: Afeganistão, Camarões,
Cisjordânia e Faixa de Gaza, Etiópia, Guiné Equatorial, Iraque, Israel, Nigéria, Paquistão, Síria,
Somália e Yemen (as zonas de risco estão em permanente atualização, consultar o site da
OMS).
A vacina comercializada é a Imovax Polio®, 3 doses (0, 1-2 e 6-12 meses). Os adultos vacinados
em criança devem receber uma dose de reforço única.

Referências
https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0162016-de-
16122016.aspx
http://www.immunize.org/askexperts/experts_hib.asp
https://www.cdc.gov/vaccines/vpd/hib/hcp/recommendations.html
http://app10.infarmed.pt/prontuario/framepesactivos.php?palavra=vacina&x=0&y=0&rb1=0
http://www.ema.europa.eu/ema/
http://www.fitfortravel.nhs.uk/home.aspx

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Doenças Infeciosas 2017

CUIDADOS DE SAÚDE EM VIAJANTES

O turismo é atualmente uma das indústrias mais pujantes. O progressivo esgotamento


dos destinos turísticos clássicos e o gosto pela aventura conduzem o viajante para regiões cada
vez mais exóticas, com o consequente agravamento dos riscos decorrentes dessas
deslocações.
Cerca de 50% dos viajantes tem um qualquer problema de saúde no decorrer da
deslocação, sendo a diarreia a ocorrência mais frequente. Muitos destes "acidentes de
percurso" são facilmente evitáveis através de medidas simples e de fácil execução por um
viajante convenientemente elucidado. Presentemente, apenas uma minoria dos viajantes
procura o conselho dum médico previamente à deslocação, e habitualmente fá-lo poucos dias
antes da partida, não deixando tempo para uma correta atuação. Se sofrer de qualquer
doença crónica (cardíaca, pulmonar, renal, diabetes, em especial a insulinodependente) terá
ainda mais motivos para se aconselhar antes de viajar.
O viajante previdente leva consigo um pequeno stock de medicamentos básicos (a
definir individualmente) para fazer face a problemas banais: febre, cefaleias, infeções
respiratórias, diarreia, alergias, queimaduras solares.
A diarreia do viajante previne-se com medidas de higiene pessoal e alimentar rigorosas.
Preconiza-se o consumo exclusivo de água de boa qualidade e a preferência por bebidas
engarrafadas e por alimentos cozinhados recentemente. Deve evitar-se a água e os cubos gelo
de origem duvidosa, os gelados e o leite não pasteurizados, alimentos consumidos crus
(atenção aos mariscos e saladas), legumes e frutos consumidos com casca. Para muitos
viajantes e em certos locais remotos, estas regras são por vezes de difícil aplicação.
Para a eventualidade de adoecer com diarreia, o viajante deve estar bem informado
acerca das normas a adotar para o seu tratamento: medidas simples de reidratação por via
oral que, no adulto (na criança são necessários especiais cuidados), pode ser efetuada com os
sais (ORS - Oral Rehydration Salts) preconizados pelo Organização Mundial de Saúde e
vendidos nas farmácias de um grande número de países, ou com sumos de fruta, água ou chá
açucarados a que se junta uma pitada de sal. Nos casos moderados habitualmente basta um
medicamento que diminua o número de dejeções (Loperamida), enquanto nos mais graves

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Doenças Infeciosas 2017

pode ser necessário um antibiótico (geralmente uma quinolona fluorada ou a Azitromicina),


que deverão fazer parte da "mini-farmácia" que acompanha o viajante.
Para além de constituir uma excelente oportunidade para atualizar o calendário vacinal,
outras vacinas podem ser necessárias, tendo em consideração o destino, o tempo de
permanência e as características do viajante. As vacinas contra a febre amarela, as hepatites B
e A, a febre tifoide, a raiva, a doença meningocócica e a encefalite japonesa podem justificar-
se em circunstâncias particulares. A vacina contra a cólera raramente está indicada na
generalidade dos viajantes. As vacinas em viajantes são mais aprofundadamente abordadas no
capítulo sobre vacinação em adultos.
São raros os países que exigem um certificado internacional de vacinação contra a
febre-amarela aos viajantes originários de Portugal, embora esta vacina se aconselhe
vivamente a todos os que se desloquem para a África equatorial ou para a bacia amazónica na
América do Sul.
A malária (ou paludismo) é uma doença potencialmente grave que, com alguma
frequência, atinge os viajantes e que pode ser prevenida através da administração de
medicamentos. As dificuldades e a controvérsia na escolha destes medicamentos (devido às
resistências do parasita) realçam a importância das outras normas de proteção individual.
Sendo a doença transmitida pela picada de mosquitos, medidas como a aplicação de
repelentes de insetos (contendo DEET ou Icaridina), o uso de vestuário adequado ou a
utilização de redes mosquiteiras impregnadas de inseticida (Permetrina) sempre que dormir
em habitações de menor qualidade e em zonas rurais, são essenciais. Todavia, estas medidas
preventivas podem, se inadequadamente aplicadas, ser ineficazes; sendo assim, todo o
viajante que adoeça com febre após permanência em zona palustre deve procurar de imediato
ajuda médica.
O turismo sexual deve ser condenado e, logo que possível, eliminado. Entretanto, todo
o viajante deve estar corretamente informado do risco de aquisição das doenças de
transmissão sexual e do modo de as prevenir. Divulgar a prática do sexo seguro, generalizando
o uso dos métodos barreira, como os preservativos, é uma medida universalmente
recomendada.

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Doenças Infeciosas 2017

Verificar antecipadamente o estado dos seus dentes e, se usar óculos graduados, não
se esquecer de levar um par de reserva. Se utilizar aparelhos eletrónicos (auditivos e outros)
levar consigo pilhas suplementares.
Finalmente, se não estiver protegido por um seguro de saúde, é uma atitude
previdente a realização de um seguro de viagem que inclua a evacuação, especialmente nas
deslocações para países em que os cuidados de saúde locais não sejam ainda os melhores.
Antes de partir o viajante deve consultar com a devida antecedência (1 mês será em
regra suficiente) o seu médico de família; se por qualquer motivo ele sentir dificuldades nos
conselhos a prestar, seguramente o enviará a uma consulta de Medicina do Viajante.

Bibliografia
- Chiodini JH, et al. Recommendations for the practice of travel medicine. Travel Med Infect Dis
2012; 108(3): 109-28.
- Freedman DO, et al. Medical Considerations before International Travel. N Engl J Med 2016;
375: 247-60.

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Doenças Infeciosas 2017

INFEÇÕES ASSOCIADAS AOS CUIDADOS DE SAÚDE

INTRODUÇÃO

A evolução do conhecimento permitiu diagnosticar e tratar diversas patologias anteriormente


desconhecidas e invariavelmente mortais. Em muitos casos, no entanto, as formas de
tratamento necessárias associam-se a um prejuízo transitório, mais ou menos prolongado, da
imunidade.

Por outro lado, no último século assistiu-se a um aumento significativo da longevidade, mas
nem sempre o prolongamento da vida se faz com a qualidade desejável. Os períodos terminais,
caracterizados por uma diminuição das defesas do organismo, são frequentemente passados
em internamento.

Neste contexto, reunidas num mesmo ambiente um conjunto de pessoas particularmente


suscetíveis, foi criada uma situação favorável à aquisição e transmissão de infeções,
principalmente em meio hospitalar. Mas também podem ser transmitidas infeções nas
restantes situações em que se prestam cuidados de saúde, como os cuidados continuados,
primários ou domiciliários.

A partir da década de 1940, generalizou-se o uso dos antibióticos, os quais revolucionaram o


tratamento dos doentes com infeções, contribuindo significativamente para a redução da sua
morbimortalidade. No entanto, o seu uso excessivo e muitas vezes inadequado promoveu a
emergência e proliferação de bactérias resistentes. Esta tendência tem-se agravado, sendo
cada vez mais frequente o aparecimento de microrganismos apenas suscetíveis a poucos
antibióticos e, como tal, causadores de infeções de tratamento difícil.

Desta forma o antibiótico, essencial para a realização, em segurança, de muitas intervenções e


procedimentos de saúde e determinante do aumento da esperança de vida verificado na
segunda metade do século XX, perdeu eficácia, resultando em infeções muito mais difíceis de
tratar. A manter-se esta tendência, será posta em causa a medicina avançada que hoje se
pratica. Por exemplo, cirurgias mais ou menos radicais, ou terapêutica oncológica e de
imunomodulação, cujo risco-benefício é favorável porque podem ser prevenidas ou tratadas as
complicações infeciosas expectáveis, poderão deixar de ser possíveis por se tornarem
intratáveis as infeções decorrentes.

As infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS) e o aumento da resistência dos


microrganismos aos antimicrobianos (RAM) são problemas relacionados e de importância
crescente à escala mundial. Nenhum país e nenhuma instituição prestadora de cuidados de
saúde podem alegar serem alheios a estas complicações.

Porque este é um cenário inaceitável, milhares de profissionais em todo o mundo vêm


trabalhando, diariamente, para que tal situação não se concretize. Em Portugal, cabe ao
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Doenças Infeciosas 2017

Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA) a


coordenação deste esforço.

Este Programa surgiu como resposta à necessidade de uma nova abordagem de ambos os
problemas, potenciando as oportunidades geradas pela sua interligação. Criado em 2013,
como um dos nove programas de saúde prioritários da Direção Geral da Saúde (DGS), o PPCIRA
resultou da fusão do Programa Nacional de Controlo da Infeção com o Programa Nacional de
Prevenção da Resistência Antimicrobiana. O Despacho n.º 15423/2013 determina e regula esta
estrutura de gestão.

De acordo com o referido despacho, foram criados os Grupos de Coordenação Regional e Local
do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (GCR-
PPCIRA e GCL-PPCIRA), substituindo os primeiros, os Grupos Coordenadores Regionais de
Prevenção e Controlo de Infeção e os segundos, as Comissões de Controlo de Infeção e as
Comissões de Antibióticos.

Por um lado pretende-se reduzir a emergência de resistências a antibióticos, o que pode


conseguir-se reduzindo o seu consumo. Este objetivo é atingível, promovendo o uso racional
destes fármacos, não os utilizando quando não são necessários e utilizando, quando
estritamente indicados, os antibióticos de espetro mais estreito possível e apenas durante o
tempo necessário.

Por outro lado, a promoção de boas práticas de prevenção e controlo da infeção permitem
reduzir a transmissão e a incidência da infeção, reduzindo as situações em que é necessária
prescrição antibiótica, reduzindo o consumo de antibióticos e consequentemente o
aparecimento de resistências.

Um dos objetivos fundamentais do PPCIRA é a redução das taxas de infeção associada aos
cuidados de saúde, através da prevenção e do controlo da sua transmissão.

Um terceiro pilar estruturante do PPCIRA é a Vigilância Epidemiológica, permitindo através dos


seus vários programas medir o sucesso das restantes frentes, ou seja, perceber se estão a ser
reduzidas as IACS e as RAM.

DEFINIÇÕES E CONCEITOS

Infeção Hospitalar ou Nosocomial

É toda a infeção contraída no hospital devida a microrganismos, clínica e/ou


microbiologicamente reconhecida, que afeta tanto o doente, pelo facto da sua admissão no
hospital ou dos cuidados que aí recebeu, como também o profissional de saúde devido à sua
atividade, quer os sintomas da doença apareçam ou não, durante o tempo em que o indivíduo
estiver no hospital.

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Doenças Infeciosas 2017

Excluem-se desta definição os doentes com evidência de processos infeciosos nas primeiras
48-72 horas de internamento por se admitir que se tratariam de infeções adquiridas na
comunidade, em incubação na altura da hospitalização, à exceção de doente com
internamento recente em unidade hospitalar.

Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS)

Conceito alargado de infeção adquirida pelos utentes e profissionais, associada à prestação de


cuidados, onde quer que estes sejam prestados (unidades de doentes agudos, centros de
reabilitação, unidades de diálise, centros de saúde, cuidados domiciliários).

Vigilância Epidemiológica (VE)

A Epidemiologia é o estudo dinâmico das determinantes, ocorrência e distribuição de saúde e


doença numa população.

A Vigilância Epidemiológica (VE) tem como objetivos, compreender as causas da doença,


explicar as características do seu aparecimento e distribuição, descrever a sua história natural
e estudar os métodos possíveis para a sua prevenção.

Infecção

É a presença de microrganismos nos tecidos ou fluidos do organismo com replicação e efeitos


clínicos adversos.

Colonização

É a presença de microrganismos nos tecidos ou fluidos orgânicos com crescimento e


multiplicação mas sem efeitos clínicos adversos e sem reacção imunitária detetável.

Se houver uma reação imunitária considera-se como infecção subclínica.

Portador

É um indivíduo colonizado com um microrganismo específico em que, apesar do agente ser


isolado, não há doença (mas pode ter história de doença anterior).

Pode ser portador transitório, intermitente, persistente (permanente ou crónico).

Contaminação

Presença transitória de microrganismos na superfície do corpo sem invasão de tecidos ou


reação fisiológica. Também se refere à presença de microrganismos sobre ou em objetos ou
superfícies.

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Doenças Infeciosas 2017

Disseminação

É o movimento de microrganismos a partir da pessoa para o ambiente, é maior nos indivíduos


infetados do que nos com infeção subclínica ou nos colonizados.

Circunstâncias que favorecem as IACS

1 - Hospedeiro susceptível
Todo o doente é mais ou menos
imunodeprimido, dependendo da patologia
que motivou o internamento e suas das
comorbilidades e portanto mais suscetível
de desenvolver infecção quando exposto à
contaminação hospitalar/ unidade de saúde.
Os profissionais são frequentemente
expostos à contaminação mas raramente
são vítimas de infeção.

Por outro lado, os doentes são sujeitos a procedimentos invasivos que os tornam mais
suscetíveis às infeções: cirurgias, cateterismos (algaliação, cateteres vasculares, ventilação),
pressão terapêutica (antibióticos, corticóides, quimioterapia, ...).

Hospedeiros particularmente suscetíveis

–Doentes imunodeprimidos (doença imunossupressora primário ou secundária a uma doença


e/ou tratamento: neoplasias, infeção VIH/SIDA, exposição a imunossupressores, …),

–Diabetes e outras doenças metabólicas,

–Insuficientes respiratórios,

–Doentes com patologias de pele: queimados, doentes com feridas abertas, feridas em
politraumatizados, úlceras de pressão,

–Idosos, por acumulação de várias patologias e polimedicação,

–Recém-nascidos, sobretudo os prematuros, por imaturidade do sistema imunitário,

–Fumadores,

–Doentes desnutridos ou obesos.

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Doenças Infeciosas 2017

2 - Microrganismo

Os microrganismos são “nossos amigos”, são parte essencial da nossa ecologia microbiana
própria para que se mantenha um equilíbrio desejável, sendo necessário compreender a sua
interacção com o homem:

–90% das células do corpo humano são bactérias (flora saprófita/comensal),

–Cerca de apenas 3% dos microrganismos são considerados patogénicos,

–No ar ambiente, os microrganismos presentes dependem do número de pessoas, do


movimento dessas pessoas e do movimento do ar.

A patogenicidade do microrganismo (capacidade de produzir doença), depende de vários


fatores:

–Dose infetante (inóculo),

–Especificidade,

–Características antigénicas,

–Adesividade,

–Resistência aos ácidos, desinfectantes, etc.

3 - Ambiente hospitalar
Em ambiente hospitalar, o principal reservatório dos agentes patogénicos é o corpo humano,
embora o ambiente inanimado seja um fator também muito importante. Os reservatórios
humanos nos quais se incluem doentes, profissionais de saúde, visitantes, podem transmitir
microrganismos por apresentarem infecções ativas mesmo que assintomáticas, ou ainda por se
encontrarem colonizados.

Impacto das IACS

Pela sua frequência, morbilidade mortalidade e custos, as IACS são um importante problema
de saúde pública.

Nos países desenvolvidos estima-se em 5 a 10 % o número de doentes que desenvolvem uma


infeção durante a sua estadia no hospital.

Esta realidade aumenta a morbilidade e a mortalidade, aumenta o tempo de internamento


hospitalar, aumenta os custos relacionados com o tratamento e outras medidas associadas.

O risco de contrair uma IACS não é necessariamente o mesmo em todas as áreas do hospital.
Este risco depende do tipo de cuidados e das características do doente condicionando a
incidência das infecções que aí ocorrem. Maiores incidências são de esperar (podendo atingir
os 50%) em Unidades de Cuidados Intensivos, onde os doentes são submetidos a métodos
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Doenças Infeciosas 2017

mais invasivos de tratamento (ventilação mecânica, traqueostomia), as situações clínicas são


mais graves e os tempos de internamento mais prolongados.

Não esquecer que as IACS são em grande parte evitáveis se todos os profissionais de saúde
aderirem rigorosamente às normas de boas práticas esplanadas de seguida.

NORMAS DE BOAS PRÁTICAS DE ATUAÇÃO

Como anteriormente mencionado, a interrupção da transmissão de microrganismos de


indivíduos colonizados/infetados para doentes suscetíveis, assim como para os profissionais de
saúde, é um dos fatores relevantes no controlo das IACS e, consequentemente, com influência
nas resistências aos antimicrobianos.

Em 1996, o National Health and Medical Research Council (NHMRC) adotou a terminologia:
“standard precautions” e “additional precautions”.

Estas precauções, Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI) e Precauções Baseadas nas
Vias de Transmissão (PBVT), baseiam-se nas vias de transmissão dos microrganismos e definem
as boas práticas, essenciais à prestação dos cuidados de saúde.

Esta abordagem bidual e complementar, vem reforçar o nível de proteção dos doentes, dos
visitantes, dos profissionais de saúde e de outros.

Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI)

As Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI) partem do princípio que todo o doente
pode constituir um risco de transmissão de microrganismos e destinam-se a prevenir a
transmissão cruzada proveniente de possíveis fontes de infeção. Estas potenciais fontes de
infeção incluem o sangue e outros fluidos orgânicos (excluindo o suor), pele não intacta,
mucosas assim como qualquer material ou equipamento do ambiente de prestação de
cuidados passível de sofrer contaminação.

O princípio subjacente às PBCI é de que “não há doentes de risco, mas sim, procedimentos de
risco”. O cumprimento das PBCI garante a segurança dos doentes, dos profissionais de saúde e
de todos os que entram em contacto com os serviços de saúde, pelo que devem ser adotadas
por todos.

A aplicação das PBCI durante a prestação de cuidados é determinada pelo nível de interação
entre o prestador de cuidados e o utente e o grau de exposição que se prevê ao sangue ou
outros fluidos orgânicos.

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Doenças Infeciosas 2017

As PBCI ajudam a prevenir e controlar a transmissão cruzada, a infeção e as


resistências aos antimicrobianos:

(Aplicar a todos os doentes mesmo sem conhecer o seu diagnóstico)

De um doente para Do doente para o Do profissional de De um profissional de


outro doente profissional de saúde saúde para o doente saúde para outro

As PBCI são compostas por 10 itens:

1. Colocação de doentes

Na admissão do doente à unidade de saúde deve ser avaliado o risco de transmissão de


agentes infeciosos, de forma sistemática e atualizada de acordo com a situação clínica.
Representa um risco acrescido de transmissão cruzada a presença de:

a. Sintomas respiratórios (tosse ou espirros),

b. Diarreia,

c. Traqueostomia.

Doentes com algum destes riscos devem ser colocados num lugar que os minimize, ex: local
afastado das zonas de maior circulação.

2. Higiene das mãos

A higiene das mãos é considerada como a medida mais importante para a redução da
transmissão de agentes infeciosos durante a prestação de cuidados.
Os profissionais de saúde devem proceder à higiene das mãos de acordo com o modelo
conceptual proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), designado por os “Cinco
Momentos”, cumprindo ainda os princípios relativos às técnicas adequadas a este
procedimento e aos produtos a utilizar na higiene das mãos.
Os “Cinco Momentos” para a higiene das mãos na prática clínica são os seguintes:
1. Antes do contacto com o doente,
2. Antes de procedimentos limpos/assépticos,
3. Após risco de exposição a fluidos orgânicos,
4. Após contacto com o doente,
5. Após contacto com o ambiente envolvente do doente.

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Doenças Infeciosas 2017

A Solução Antissética de Base Alcoólica (SABA) deve ser a primeira escolha para a higiene das
mãos desde que as mãos estejam visivelmente limpas e/ou isentas de matéria orgânica.
Assim, a SABA deve ser utilizada na maioria dos procedimentos comuns na prestação de
cuidados.
A lavagem das mãos com água e sabão deve ficar restrita às seguintes situações:
a. Quando os profissionais tenham as mãos visivelmente sujas ou contaminadas com matéria
orgânica,
b. Nas situações consideradas “sociais”, tais como, antes e ap s as refeições e ap s a utilização
das instalações sanitárias,
c. Ao chegar e sair do local de trabalho,
d. Na prestação de cuidados a doentes com Clostridium difficile.
3. Etiqueta respiratória

A etiqueta respiratória é composta por um conjunto de medidas destinadas a conter as


secreções respiratórias, de forma a minimizar a transmissão de agentes infeciosos por via
aérea ou através de gotículas.

Devem ser cumpridas as seguintes medidas:

a. Cobrir a boca e o nariz ao espirrar ou tossir,

b. Utilizar um toalhete de uso único para conter as secreções respiratórias, o qual deve ser
prontamente eliminado num contentor de resíduos,

c. Em alternativa poderá tossir ou espirrar para o braço evitando a dispersão de partículas e a


consequente contaminação das mãos,

d. Higienizar as mãos após contacto com secreções respiratórias,

e. Evitar tocar nas mucosas dos olhos, boca ou nariz.

4. Utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI)

O uso adequado de EPI, visa proteger não só o profissional de saúde mas também o doente, do
contacto com agentes transmissíveis sendo da responsabilidade de cada profissional escolher e
adequar o mesmo a cada situação.

A seleção do EPI deve ser baseada numa avaliação do risco de transmissão dos microrganismos
(do e para o doente) e o risco de colonização/contaminação da pele, mucosas ou da roupa do
profissional de saúde, com fluidos orgânicos.

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Doenças Infeciosas 2017

5. Práticas seguras na preparação e administração de injetáveis

a. Usar técnica assética para evitar a contaminação do material de injeção estéril,

b. Não administrar medicamentos a múltiplos doentes usando a mesma seringa mesmo que a
agulha tenha sido mudada,

c. Usar sempre que possível embalagens de dose única,

d. Não administrar medicamentos contidos em embalagem de dose única a mais do que um


doente e não juntar as sobras dos medicamentos para uso posterior,

e. Se for necessário usar embalagens de doses múltiplas, tanto a agulha como a seringa usadas
para aceder à embalagem, devem estar estéreis. Não guardar estas embalagens junto às
unidades dos doentes,

f. Não usar frascos/sacos de soluções endovenosas para uso comum em múltiplos doentes (p.
ex. frascos de solutos para diluição de medicamentos).

6. Descontaminação do equipamento clínico

O equipamento clínico utilizado em doentes pode ficar contaminado com matéria orgânica e
servir de veículo de transmissão a agentes infeciosos durante a prestação de cuidados, pelo
que deve ser mantido e manipulado de forma adequada.

O equipamento clínico é classificado como:

a. De uso único - a embalagem apresenta o respectivo símbolo “usar uma vez e eliminar”,

b. De uso num único doente - pode ser reutilizado no mesmo doente,

c. Equipamento reutilizável - destinado a ser usado mais do que uma vez e/ou em mais do que
um doente, devendo ser descontaminado obrigatoriamente entre doentes e entre utilizações
no mesmo doente.

7. Controlo ambiental

As áreas partilhadas por diferentes doentes (quartos, enfermarias, salas de tratamento ou de


exames…), podem ficar contaminadas com substâncias orgânicas durante a prestação de
cuidados.

Para evitar que as áreas de prestação de cuidados funcionem como reservatórios para a
transmissão de microrganismos devem estar definidas pelas instituições hospitalares um
conjunto de práticas seguras no âmbito da higienização do ambiente.

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Doenças Infeciosas 2017

8. Manuseamento seguro da roupa

Roupa limpa:

A roupa limpa deve ser acondicionada numa área reservada para o efeito, de preferência em
armários fechados. As prateleiras devem ser de material lavável, que suporte a limpeza e
desinfecção e devem estar afastadas do chão (mínimo 30 cm).

Antes da sua utilização, a roupa limpa deve ser manipulada o mínimo possível e com as mãos
limpas.

Roupa suja:

Embora a roupa suja possa conter um grande número de microrganismos, os casos descritos
de infecções transmitidas através da roupa são em número muito reduzido e estão geralmente
relacionados com más práticas.

Toda a roupa suja deve:

a. Ser considerada como contaminada e manuseada com cuidado de forma a não contaminar o
ambiente ou o fardamento,

b. Ser depositada de imediato após a remoção, em saco impermeável que deverá estar
disponível junto do local de utilização,

c. Não ser manipulada uma vez colocada no saco,

e. Ser recolhida dentro de um horário fixo de acordo com as necessidades do serviço.

9. Recolha segura de resíduos

Os resíduos provenientes da prestação de cuidados de saúde devem ser imediatamente


eliminados no local onde são produzidos, separando-os de acordo com os grupos a que
pertencem.

Os contentores de resíduos não devem ser cheios até mais de 2/3, de modo a possibilitar o seu
encerramento em segurança.

10. Exposição a agentes microbianos no local de trabalho

O risco de exposição a agentes microbianos transmissíveis pelo sangue e fluidos orgânicos é


um dos riscos mais importantes a que os profissionais de saúde estão sujeitos. Todos os
profissionais devem conhecer os procedimentos a seguir no caso de ocorrer exposição
significativa.

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Doenças Infeciosas 2017

Precauções Baseadas nas Vias de Transmissão (PBVT)

São medidas adicionais às PBCI a aplicar no doente/utente, em que se sabe, ou se presume,


que esteja infetado ou colonizado com microrganismo epidemiologicamente relevante, cuja
disseminação não pode ser evitada usando apenas as PBCI.

Quando iniciar as Precauções Baseadas nas Vias de Transmissão (PBVT) - medidas adicionais
às PBCI:

a) As PBVT devem ser instituídas logo que sejam detetados sinais/sintomas sugestivos de
infeção transmissível, e não apenas quando o diagnóstico já é confirmado. As PBVT devem ser
iniciadas nos doentes que se sabe terem, ou serem considerados de alto risco de estarem
colonizados ou infetados com microrganismos multirresistentes (MMR), em conformidade com
a política da unidade de saúde. Não se deve esperar confirmação laboratorial para agir,

b) Cada Unidade de Saúde deve definir uma política interna que autorize o profissional de
saúde e fundamente o início das PBVT, adequadas aos sinais/sintomas e manter essas
Precauções, até que os resultados laboratoriais, estejam disponíveis para confirmação ou não,
do diagnóstico.

c) O profissional do GCL-PPCIRA deve:

i. Estar informado quando são iniciadas as PBVT,

ii. Confirmar se as PBVT aplicadas são adequadas à situação clínica/patologia infeciosa,

iii. Ser consultado antes da interrupção das PBVT instituídas, ou de acordo com a política local.

Avaliação do risco de infeção e aplicação de medidas de contenção e de proteção:

Tipo de Contenção Contenção Contenção Contenção Contenção Proteção


Precauções PBCI Contacto Via Aérea Contacto+Via Gotículas Doente
Aérea Imunodeprimido
Patologias A maioria MMR, Tuberculose, Varicela, Herpes Meningite Neutrófilos <500,
mais das Pediculose, Sarampo Zoster bacteriana, Queimaduras
frequentes patologias, Escabiose, (disseminado ou Rubéola, extensas não
incluindo Diarreia por em doente Parotidite, infetadas
Herpes Clostridium imunodeprimid Gripe
Zoster difficile, o)
localizado, Diarreia na
Herpes Pediatria,
Simples, VIH, Infeções
Hepatites extensas

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Doenças Infeciosas 2017

Quarto Comum Individual se Individual Individual com Individual se Individual com


possível, com pressão pressão possível, pressão positiva
Portas negativa negativa Portas
fechadas fechadas
Luvas Se risco de Sempre que Como nas Sempre que Como nas Como nas PBCI
contacto entrar no PBCI entrar no PBCI
com sangue quarto, quarto,
e outras Retirar antes Retirar antes de
secreções e de sair do sair do quarto
excreções quarto
Bata fluido- Se risco de Ao entrar no Como nas Ao entrar no Como nas Como nas PBCI
resistente contaminação quarto PBCI quarto PBCI
da farda
com sangue
e outra
matéria
orgânica
Máscara Máscara Como nas Máscara Máscara Máscara Como nas PBCI
cirúrgica se PBCI especial especial (N95), cirúrgica,
risco de (N95), Colocar e Colocar ao
salpicos de Colocar e remover na entrar no
sangue e remover na antecâmara quarto
outra antecâmara
matéria
orgânica
para as
mucosas
oral, nasal e
ocular
(adicionar
protector
ocular)
Higiene das Sabão Sabão Sabão Sabão Sabão Sabão líquido/SABA
Mãos líquido/SABA líquido/SABA líquido/SABA líquido/SABA líquido/SABA
Deambulação Sem Limitar, Evitar, Evitar, Evitar, Evitar,
restrição Se Se Se necessário, Se No transplantado
necessário, necessário, colocar máscara necessário, de medula óssea,
proteger colocar cirúrgica no colocar colocar máscara
lesões e máscara doente máscara com filtro HEPA
conter cirúrgica no cirúrgica no no doente
drenagens, doente doente
O
profissional
deve usar
luvas e bata
fluido-
resistente
Transporte Sem Limitar, Evitar, Evitar, Evitar, Evitar,
do doente restrição Se Se Se necessário, Se No transplantado
necessário, necessário, colocar máscara necessário, de medula óssea,
proteger colocar cirúrgica no colocar colocar máscara
lesões e máscara doente máscara com filtro HEPA
conter cirúrgica no cirúrgica no no doente
drenagens doente doente

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Doenças Infeciosas 2017

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA (VE) DAS IACS

A Vigilância Epidemiológica das IACS permite o conhecimento precoce do aparecimento de


microrganismos que, pelas suas características patogénicas ou pelo seu padrão de resistências,
justifiquem a implementação, o mais cedo possível, das PBVT adequadas à situação.

A VE permite ainda a elaboração da carta epidemiológica de cada unidade hospitalar,


disponibilizando ao clínico informação relevante particularmente quando é necessário iniciar
antibioterapia empírica em doente com suspeita de IACS.

1 - Estudo de Prevalência das IACS

Consiste em rever num momento determinado (dia, semana ou período breve), todos os
processos dos doentes internados e detetar as IACS presentes.

Por ser de fácil realização e pouco oneroso, faz parte da VE habitual das IACS, proporciona uma
informação analítico/descritiva geral das IACS e permite conhecer os efeitos das medidas de
controlo implementadas.

Deve ser efetuado com uma periodicidade regular.

2 - Estudo de Incidência das IACS

É avaliada e registada a situação de cada doente durante todo o internamento no sentido de


detetar os casos de IACS.

Para que possa ter validade e utilidade é necessária uma recolha de dados de qualidade que
possam ser analisados.

3 - O papel do Laboratório na VE

O sistema de VE das IACS deverá ser complementado pelo conhecimento e divulgação de


todas as culturas positivas para MMR dos produtos biológicos identificados diariamente no
Laboratório de Microbiologia e dos seus padrões de resistência aos antimicrobianos.

BIBLIOGRAFIA

1 - https://www.dgs.pt/pns-e-programas/programas-de-saude-prioritarios/controlo-da-
infecoes-e-de-resistencia-aos-antimicrobianos.aspx

2 - Despacho n.º 15423/2013, Diário da República, 2.ª série - N.º 229 - 26 de novembro de 2013

3 - PORTUGAL - Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em


Números – 2015, DGS

4 - Norma da DGS nº 029/2012 de 28/12/2012 atualizado a 31/10/2013

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Doenças Infeciosas 2017

Problemas de saúde em migrantes e refugiados

Nas duas últimas décadas tem-se assistido a um enorme aumento da mobilidade das
populações e da diversificação dos fluxos migratórios, nomeadamente na sequência de
guerras, conflitos ou violações dos direitos humanos.
De facto, o número total de pessoas deslocadas cresceu de 33,9 milhões em 1997 para 65,6
milhões no final de 2016 (22,5 milhões refugiados, 40,3 milhões deslocados dentro das
fronteiras dos seus próprios países e 2,8 milhões requerendo asilo), número que permanece
até ao momento como o valor mais alto registado.
A nível mundial e só em 2016, 10,3 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar a sua
residência, em virtude de conflitos e perseguições, o que corresponde a um valor de 1 em cada
20 pessoas por minuto.
No presente, mais de metade dos refugiados é oriunda de três países: Síria, Afeganistão e
Sudão do Sul. Por outro lado e pelo terceiro ano consecutivo, a Turquia foi o país que maior
número de refugiados acolheu a nível mundial (2,9 milhões), seguida do Paquistão, Líbano,
Irão, Uganda e Etiópia.
Neste contexto, e em consonância com a realidade global, os países da União Europeia (UE)
enfrentam atualmente um influxo sem precedentes de migrantes e refugiados (M/R), oriundos
maioritariamente da Síria, Afeganistão, Eritreia, Iraque, Nigéria, Paquistão, Somália, bem como
dos Balcãs Ocidentais.
Mais de 4% da população da UE corresponde a cidadãos de nacionalidade não europeia. Em
termos absolutos, o maior número reside na Alemanha (8,7 milhões), seguindo-se o Reino
Unido (5,6 milhões), a Itália (5,0 milhões), a Espanha (4,4 milhões) e a França (4,4 milhões).
Embora a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheça que todo o ser
humano tem direito de gozar do melhor estado de saúde física e mental alcançável, sem
distinção de raça, de religião, de credo político, de condição económica ou social; e embora se
tenham ratificado normas e acordos internacionais de direitos humanos destinados a proteger
os direitos dos M/R, em particular no que diz respeito a saúde; a realidade é que estas
populações frequentemente carecem de condições higienossanitárias, de acesso a cuidados de
saúde e se encontram economicamente desprotegidas, ao mesmo tempo que se confrontam
com um novo contexto sociocultural e linguístico nos países de trânsito ou de destino.

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Doenças Infeciosas 2017

É neste cenário que se colocam sérios desafios à saúde pública. Nomeadamente a criação,
planeamento e implementação de programas de saúde eficazes, que possam dar resposta à
heterogeneidade de necessidades de saúde encontradas, adaptando-se simultaneamente às
características culturais dos indivíduos.
Em março de 2016 a OMS alterou a sua abordagem de uma perspetiva meramente
humanitária, para uma perspetiva baseada em sistemas de saúde mais abrangentes e com
cobertura universal.
Neste sentido, tem desenvolvido esforços para criar políticas aplicáveis aos M/R, fortalecer os
sistemas de saúde para possibilitar um acesso equitativo aos mesmos, conceber sistemas de
informação para avaliação da saúde dos M/R, partilhar informação das melhores práticas,
aumentar a sensibilidade à diversidade cultural, oferecer formação específica aos profissionais
de saúde, promover a cooperação multilateral e coordenação intersectorial, inter-países e
inter-agências (Organização das Nações Unidas, Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, Organização Internacional para as Migrações, entre outras).

Os M/R tendem a apresentar um bom estado de saúde até iniciarem a sua jornada. Assim, os
seus problemas de saúde são muito similares aos da restante população, embora alguns
grupos apresentem maior prevalência de determinadas patologias.
Ao longo do seu percurso migratório, no entanto, vários aspetos podem influenciar
negativamente a sua saúde.
Os problemas mais frequentemente identificados nos M/R recém-chegados são as
perturbações psicossociais, os distúrbios nutricionais, os ferimentos (acidentais ou vítimas de
abuso ou tortura), hipotermia, queimaduras, gravidez e complicações relacionadas com o
parto, abuso de álcool e drogas. No género feminino, em particular, são ainda de salientar as
questões relacionadas com violência, saúde materno-infantil e saúde sexual e reprodutiva. As
crianças, por outro lado, são mais suscetíveis a infecções agudas, nomeadamente respiratórias
e gastrointestinais, bem como infeções dermatológicas.
Todos estes problemas contribuem para uma maior vulnerabilidade a doenças crónicas não
transmissíveis (DCNT), definidas como patologias de evolução lenta, de longa duração e em
grande parte preveníveis (ex: patologias cardiovasculares - nomeadamente hipertensão
arterial, patologias respiratórias crónicas, neoplasias, diabetes).

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Doenças Infeciosas 2017

Para este tipo de patologias, os pontos-chave são a prevenção e a manutenção de cuidados de


saúde. Mas, tal como já referido anteriormente, seja por falta de acesso aos mesmos, seja até
mesmo pela sua inexistência, os M/R encontram-se frequentemente em situação de
interrupção ou ausência de seguimento clínico e de tratamentos crónicos.
Apesar da perceção geral de que os M/R poderão ser responsáveis pela importação de
doenças de natureza infeciosa, isso geralmente não ocorre.
Com maior frequência, estes são expostos às doenças infeciosas presentes nas comunidades
de acolhimento, independentemente da sua origem.
Neste sentido, a OMS não recomenda rastreios de saúde obrigatórios. Este é um
procedimento que induz, invariavelmente, ansiedade e até mesmo algum alarmismo, tanto
nos M/R como na população em geral; dissuade os M/R de recorrer aos exames de saúde,
comprometendo a identificação de doentes de alto risco; e, por fim, não existe evidência de
que este método seja custo-efetivo.
A OMS incentiva, sim, políticas inclusivas de oferta de check-ups a todos os recém-chegados,
com o objetivo de assegurar o acesso e ligação aos serviços saúde, independentemente do seu
estatuto legal, género, idade, religião, nacionalidade ou raça.
Recomenda-se que estes sejam realizados nos pontos de entrada, de forma a identificar com
maior celeridade os problemas de saúde. O esclarecimento diagnóstico e tratamento
apropriado devem seguir-se, garantindo-se os cuidados necessários particularmente aos
grupos mais vulneráveis, como as crianças, grávidas e idosos.
Os check-ups devem visar não só as DCNT, mas também as doenças de declaração obrigatória
(DDO), respeitando sempre a dignidade e os direitos humanos. Esta é a estratégia mais
humana e segura de prevenir a disseminação de patologias de caráter infecioso.
Nunca é demais enfatizar que os resultados destas avaliações não devem, em qualquer
circunstância, ser usados como justificação para discriminar, ou no limite deportar, um M/R.
No que diz respeito à atualização dos esquemas vacinais dos M/R de acordo com os planos de
vacinação dos países de destino, é importante sublinhar que a transmissão, à população local,
de doenças preveníveis por vacinas é tão passível de ocorrer, como após o regresso de um
viajante não vacinado de um país endémico.
Contudo, sendo certo que há falhas graves na imunização das populações a nível global,
porque o acesso a vacinas é limitado ou porque os países de origem não valorizam os

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Doenças Infeciosas 2017

benefícios da vacinação, é de máxima importância a promoção do acesso equitativo à


vacinação, integrando os M/R nos programas de vacinação dos países de acolhimento.

Casos Particulares de DDO


Tal como foi referido anteriormente, não há uma associação direta entre os movimentos
migratórios e a importação de doenças infeciosas.
Os M/R são, na sua maioria, oriundos de zonas de guerra, de conflito ou em crise económica,
efetuando viagens longas e árduas que aumentam o seu risco de desenvolver patologias,
nomeadamente de caráter infecioso. As DDO estão, sim, primariamente associadas à pobreza.
Na Europa, existe um longo percurso no que diz respeito à declaração obrigatória de doenças
como a tuberculose (TB), infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH), hepatites
víricas, sarampo, rubéola, entre outras.
A este processo, associou-se um investimento na melhoria das condições higienossanitárias, a
implementação de planos de vacinação e o acesso a cuidados de saúde e a fármacos
antimicrobianos, o que contribuiu para diminuir o peso económico-social que estas patologias
representavam para os sistemas de saúde.
Ainda assim, as DDO não se encontram erradicadas.
O risco de importação de agentes contagiosos exóticos e raros como Ébola, Marburg ou
Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV), é extremamente baixo. A experiência
tem mostrado que, quando a importação ocorre, envolve geralmente viajantes regulares,
turistas ou profissionais de saúde, ao invés de M/R.

1. Tuberculose
O risco de um M/R desenvolver TB depende da taxa de incidência TB no seu país de origem,
condições em que efetuou viagem (o risco transmissão é mais alto em espaços sobrepovoados,
pobremente ventilados), condições de vida e de trabalho no país de destino, acesso a serviços
de saúde e proteção social.
A transmissão de TB à restante população tem-se demonstrado baixa, sendo que dois fatores
que poderão contribuir para tal são: o facto de os doentes com formas graves e de elevada
contagiosidade geralmente não apresentarem condições de saúde para viajar e existência de
um contacto limitado entre os M/R e a população residente.

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Doenças Infeciosas 2017

Os países de acolhimento devem assegurar cuidados de saúde aos M/R, incluindo um


diagnóstico precoce da TB e um acompanhamento apertado durante toda a duração da
terapêutica, não só por razões humanitárias mas também para assegurar o controlo de
disseminação desta patologia.

2. Infecção por VIH e hepatites víricas


O risco de infeção dos M/R por VIH e vírus de hepatites é influenciado por fatores sociais,
económicos e até mesmo políticos, nos seus países de origem e nos países de destino. Estes
incluem a pobreza, a separação do cônjuge, normas sociais e culturais, as barreiras linguísticas,
as condições de vida e de trabalho, inclusivamente a exposição a violência sexual.
Este risco é agravado pela falta de acesso destes grupos a campanhas de prevenção e aos
cuidados de saúde, nomeadamente no que diz respeito a diagnóstico, manutenção de
seguimento clínico e acesso a terapêutica adequada.
Tendo em consideração que a prevalência da infeção por VIH é relativamente baixa nos países
do Médio Oriente e do Norte de África, o número total de importação de novos casos tem-se
verificado pouco significante.
Apesar de tudo, tomando a Europa como exemplo, mesmo observando-se uma tendência
decrescente na última década, cerca de 35% dos novos casos de infeção por VIH são indivíduos
M/R. O que se verifica, no entanto, é uma evidência crescente de que a infeção possa ter sido
adquirida no país de acolhimento.
No que diz respeito às hepatites víricas, uma vez que muitos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento apresentam um elevado número de casos, o fluxo crescente de M/R dos
países de alta prevalência tem tido impacto significativo nos sistemas de saúde dos países de
destino.
A OMS e o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) defendem que todos os
M/R devem ter acesso a testes de rastreio destas patologias, sem temer descriminação, bem
como a prestação de serviços de saúde no campo da prevenção e terapêutica.
Alguns países receiam que a entrada massiva de doentes infetados por VIH e hepatites víricas
constituam uma ameaça para a saúde pública e uma sobrecarga económica e para o bom
funcionamento dos sistemas de saúde.

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Doenças Infeciosas 2017

Tais preocupações não têm qualquer base factual e são insustentáveis em termos morais,
legais e de saúde.

3. Influenza e outras infeções respiratórias comuns


Os M/R não constituem uma ameaça no que diz respeito a disseminação de infeções
respiratórias, como a gripe, infeção por vírus sincicial respiratório, por adenovírus, entre
outros.
Contudo, as más condições higienossanitárias às quais são muitas vezes submetidos podem ser
fatores de risco para o desenvolvimento de formas graves, por exemplo nas grávidas, crianças
menores de 5 anos, doentes com patologias crónicas e idosos.
A OMS apoia políticas de vacinação com a vacina da gripe sazonal nestes grupos, independente
do seu estatuto.

4. Síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV)


Desde setembro 2012, foram confirmados 15 casos de infeção por MERS-CoV em 8 países da
região europeia, aos quais corresponderam 7 óbitos. A maioria destes casos foram importados
e não ocorreu posterior transmissão da infeção.
No entanto, embora o risco de importar esta infeção seja pequeno, o surto recente ocorrido
na República da Coreia demonstra que esta possibilidade não pode ser excluída.
Os países de acolhimento e aqueles por onde transitem os M/R durante o seu percurso devem
ter a capacidade de reconhecer os sintomas, implementar as adequadas medidas de controlo
de infeção, efetuar o diagnóstico laboratorial e proporcionar tratamento.

5. Doenças transmitidas por vetores


O risco de reintrodução de doenças transmitidas por vetores, como a malária e leishmaniose,
pode aumentar sempre que se verifique um influxo considerável de M/R, do qual é exemplo o
ressurgimento recente de malária na Grécia com relação direta com o influxo de migrantes
paquistaneses.
Esta experiência destaca a necessidade de contínua vigilância para assegurar que qualquer
ressurgimento possa ser contido de imediato.

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Doenças Infeciosas 2017

No momento atual, dois países estão identificados pela OMS como sendo de elevado risco de
reintrodução de malária: a Turquia e o Tajiquistão, por importação da Síria e do Afeganistão,
respetivamente.
A experiência na Turquia mostra que um sistema de saúde bem preparado pode prevenir a
reintrodução de doenças transmitidas por vetores. Desde 2012, o sistema de saúde turco
demonstrou robustez e grande flexibilidade na adaptação às crescentes necessidades. Até ao
momento, tem conseguido prevenir a reintrodução da malária e da leishmaniose.

6. Resistência antimicrobiana
A resistência antimicrobiana tem sido alvo de crescente preocupação a nível global. Não só
pelo nível de resistências atingido em determinadas estirpes, como também pela rapidez da
sua disseminação e pela ausência de armas terapêuticas.
A contínua mobilidade das populações, associada a condições higienossanitárias precárias,
facilita a transmissão de agentes infeciosos multirresistentes, de região para região, bem como
a ocorrência de surtos.
O conhecimento dos padrões de resistência antimicrobiana dos países de origem e de destino
é importante para a implementação atempada de medidas de controlo de infeção, bem como
para a prescrição de terapêuticas fundamentadas e individualizadas.

7. Patologias relacionadas com o consumo de alimentos e de água


A larga maioria dos M/R, pelas condições em que viajam e em que ficam alojados, não têm ao
seu alcance alimentos seguros e água potável.
Não infrequentemente, serviços como o fornecimento de água, eletricidade e transportes são
inexistentes, aumentando a probabilidade de consumo de água e alimentos contaminados; a
falta de condições de higiene impossibilita, por exemplo, o simples mas importantíssimo lavar
das mãos com água e sabão; a sobrelotação de espaços facilita a disseminação; o depósito e
acumulação de resíduos representa uma ameaça adicional para a saúde, criando as condições
ideais para proliferação de artrópodes e roedores.
Consequentemente, estes grupos encontram-se em constante perigo de exposição a
patologias como salmonelose, shigelose, e infeções por Campylobacter, hepatite A, cólera,
entre outras, estando particularmente suscetíveis os lactentes, crianças, mulheres grávidas,

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Doenças Infeciosas 2017

idosos e pessoas com sistema imunológico debilitado (por exemplo, doentes infetados por
VIH).
Assim, é importante controlar a distribuição e acondicionamento de alimentos e água,
particularmente nos campos de acolhimento onde a doença pode facilmente assumir
proporções epidémicas. Às autoridades locais compete vigiar a qualidade microbiológica da
água.
É também fundamental a divulgação de informações sobre o manuseio seguro de alimentos
pelos M/R, mas também pelos responsáveis pelo abastecimento alimentar.
O acesso a instalações sanitárias (incluindo a lavagem das mãos), bem como a conceção de
saneamento, fixo ou móvel, é mandatória.
Perto das instalações sanitárias deverá sempre haver sabão em quantidade suficiente para
lavagem das mãos.
Por fim, é crucial o acesso rápido a cuidados de saúde, instituição de terapêutica adequada e a
imediata implementação de medidas de controlo de surtos.

BIBLIOGRAFIA
1. EquiHealth – Fostering health provision for migrants, the Roma and other vulnerable
groups. Acedido a 01 de setembro de 2017 em http://equi-
health.eea.iom.int/index.php/migrant-health.
2. Global Trends Forced Displacement in 2016. The UN Refugee Agency. Junho 2017
3. International Organization for Migration – The UN Migration Agency. Acedido a 01 de
setembro de 2017 em https://www.iom.int/.
4. World Health Organization. Migración Internacional, Salud e Derechos Humanos. Serie
de publicaciones sobre salud y derechos humanos 2003 Dezembro.
5. Project SH-CAPAC Co-funded by the Health Programme of the European Union. Acedido
a 01 de setembro de 2017 em http://www.sh-capac.org/.
6. The UN Refugee Agency. Acedido a 01 de setembro de 2017 em http://www.unhcr.org.

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