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Desafios à memória democrática: análise do discurso do governo Bolsonaro

em relação à Ditadura Militar no Brasil

Challenges to democratic memory: analysis of the discourse of the Bolsonaro


government regarding the Military Dictatorship in Brazil
DOI: 10.55905/revconv.16n.10-088

Recebimento dos originais: 01/09/2023


Aceitação para publicação: 06/10/2023

Josué Pereira da Silva Santos


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Goiás (UFG)
Instituição: Universidade Federal de Goiás - Campus Samambaia
Endereço: Goiânia - GO, Brasil
E-mail: jjjosue.js@gmail.com

Andrea Pereira dos Santos


Pós-Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Instituição: Universidade Federal de Goiás - Campus Samambaia
Endereço: Goiânia - GO, Brasil
E-mail: andreabiblio@gmail.com

RESUMO
Apresenta conceitos de democracia, direitos humanos e ideologia. Identifica parcialmente
notícias de discursos e entrevistas que ferem os direitos humanos durante o período do governo
de Jair Bolsonaro. Aponta ameaças relacionadas à desconstrução dos direitos humanos quanto
prática social e democrática. Conclui que o governo da extrema-direita brasileira busca fragilizar
sua oposição por meio de distorções a respeito da conquista de direitos humanos fundamentais,
ora com uso de ataques e polêmicas, ora com desconstrução da barbárie vivenciada na história
do país, notadamente durante o período do governo militar.

Palavras-chave: direitos humanos, democracia, governo Bolsonaro, ideologia, ditadura militar.

ABSTRACT
Presents concepts of democracy, human rights, and ideology. Partially identifies news, speeches,
and interviews that violate human rights during Jair Bolsonaro's government period. Points out
threats related to the deconstruction of human rights in terms of social and democratic practice.
Concludes that the Brazilian far-right government seeks to weaken its opposition through
distortions regarding the achievement of fundamental human rights, sometimes through attacks
and controversies, sometimes through the deconstruction of the barbarism experienced in the
country's history, notably during the military government period.

Keywords: human rights, democracy, Bolsonaro government, ideology, military dictatorship.

Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.16, n.10, p. 20117-20137, 2023 20117
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca problematizar como o discurso adotado antes e durante o
mandato do ex-presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro (2019-2022), feriu princípios
basilares relativos aos direitos humanos. Assim, valendo -se de reportagens, redes sociais e
discursos políticos do referido ex-presidente, este estudo analisa como tais colocações
discursivas teve estrategicamente a intenção de promover a desconstrução histórica do período
da ditadura militar iniciada em 1964, ora minimizando os crimes cometidos pelo Estado
brasileiro no referido período, ou até mesmo enaltecendo torturadores e a prática de tortura e de
execução de opositores ao regime ditatorial.
No decorrer do ano de 2018 no país, houve grande divergência política, polêmicas e
propagação de notícias falsas por parte de candidatos à Presidência da República e de seus
seguidores, principalmente com o uso dos meios de comunicação para a desvalorização da
oposição política em diversos partidos políticos, criando um cenário de confronto entre esquerda
e direita política. O cenário político Brasileiro durante o regime do ex-presidente Jair Bolsonaro
(2019-2022) perpassou por situações delicadas de oposições políticas e disseminação de notícias
falsas, por muitas vezes produzidas com intenção de enganar e de criticar seus opositores. Neste
sentido, surgem algumas polêmicas que partem do ex-presidente eleito Jair Bolsonaro, dentre
elas, alguns de seus discursos que afetaram e afrontaram a democracia e os direitos humanos
fundamentais.
Militar da reserva, que se declara como alinhado ao espectro da extrema-direita,
Bolsonaro atinge em seus discursos as minorias sociais e, sobretudo, mira suas críticas na
oposição política da esquerda. Algumas de suas entrevistas a canais abertos de televisão,
disseminadas pelas redes sociais, se referem a negação e desconstrução histórica do período da
ditadura militar, até então ressaltado como um momento sombrio do século XX no Brasil. O
posicionamento do então ex-presidente da República torna -se preocupante por desfavorecer
aspectos constitucionais de garantia os direitos humanos fundamentais, ao suavizar
intencionalmente a violência enfrentada pelas famílias e pelas vítimas da ditadura militar. A
desconstrução mencionada mina o conhecimento histórico acerca do regime militar e os
fundamentos da democracia na contemporaneidade, o que suscitou desafios e críticas
contundentes por parte das organizações internacionais de direitos humanos e suas alianças,
atacando o cumprimento de leis conquistadas no sentido de promover garantias de direitos,

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liberdade, igualdade e até mesmo a dignidade da vida humana, ferindo também o exercício da
democracia.
O objetivo geral desta pesquisa, pauta-se em apresentar e analisar os discursos políticos
do governo Bolsonaro nas principais entrevistas e colocações discursivas com teor polêmico,
negacionista e/ou reducionista sobre a ditadura militar, a partir de uma reflexão das ameaças que
estes discursos oferecem as bases da democracia e como os direitos humanos podem ser alvos de
ataques e segregação de sentidos a partir da desconstrução histórica da ditadura militar como um
período violento e de grandes massacres de interesses políticos. Para isto, delimita-se quatro
objetivos específicos: a) apresentar conceitos de direitos humanos, democracia e ideologia; b)
contextualizar os discursos e colocações políticas do ex-presidente do Brasil, Jair Messias
Bolsonaro que pautem opiniões sobre a ditadura militar; c) Refletir os desafios enfrentados para
a sustentação dos direitos humanos como valor democrático durante o período da
governabilidade bolsonarista; d) Identificar a importância dos direitos humanos como princípio
fundamental da democracia. e) Contrapor a desconstrução histórica com enfoque em conceitos e
documentos que comprovem a atrocidade vivida durante o período militar no Brasil.
A pesquisa em foco afirma previamente que durante o governo do ex-presidente Jair
Messias Bolsonaro, houve uma tendência de subestimar a importância dos direitos humanos,
frequentemente associando-os predominantemente aos partidos de esquerda. Os direitos
humanos no referido governo de extrema-direita foram percebidos por alguns como sendo
lenientes com relação a questões de irregularidades penais, levando a uma percepção de apoio a
indivíduos caracterizados como "marginais"1. Além disso, observa-se um aparente desinteresse
por parte do governo em preservar a memória histórica das atrocidades ocorridas durante o
período ditatorial no Brasil.
A realização deste estudo mostra-se relevante no âmbito da reflexão política e social,
especialmente no contexto dos direitos humanos e da comunicação. A pesquisa visa aprofundar
a compreensão da utilização do poder por meio do discurso do ex-presidente do Brasil, com o
objetivo de avaliar como esse discurso foi empregado para minimizar, ocultar ou manipular os
interesses do governo e para legitimar ideologias partidárias. Essa análise é crucial, uma vez que
essas práticas tiveram impactos significativamente negativos na promoção de uma visão social

1
Indivíduos a margem da sociedade, termo comumente utilizado de modo pejorativo em discursos extremistas para
referir-se a indivíduos em confronto com a Lei, bem como o termo “bandido” com significado equivalente.

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não partidária dos direitos humanos. Nesse sentido, o estudo busca contribuir para o
desenvolvimento de conceitos que fomentem a compreensão da democracia e dos direitos
humanos, ao mesmo tempo em que lança luz sobre as ameaças governamentais que poderiam
comprometer esses direitos conquistados.
Neste sentido, a presente pesquisa se estrutura a partir de conceitos teóricos atinentes à
democracia, ideologia, direitos humanos e ditadura militar, com o fito de promover uma análise
crítica do discurso acerca dos posicionamentos do ex-presidente sobre a ditadura militar e a
violação de direitos humanos.

2 IDEOLOGIA, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS: CONCEITOS E


ABORDAGENS
Neste artigo, para se compreender com maior clareza os interesses e ideologias do
referido governo, considerado de extrema-direita, conceitua-se como direita, a posição ideológica
de poder no campo político que está “vinculado aos interesses de dominação, opressão,
apropriação privada da riqueza social e, portanto, à reprodução da ordem do capital.” (Silva;
Brites; Oliveira e Borri, 2014, p. 413). Em contraponto, tais autores também conceituam a
esquerda como um campo político associado aos interesses da classe que depende do trabalho e
à urgente necessidade de superar as estruturas sociais baseadas no capital.
Nesta perspectiva, a extrema-direita, de acordo com Silva, Brites, Oliveira e Borri (2014),
mantém fortes conexões com as trágicas experiências do nazifascismo e ainda preserva muitas
das características originais do contexto em que surgiu. Estas incluem o irracionalismo, o
nacionalismo, a defesa de valores e instituições tradicionais, a intolerância em relação à
diversidade cultural, étnica e sexual, o anticomunismo, o machismo e o uso da violência em nome
da supremacia de uma determinada comunidade ou raça. Embora compartilhe de ideologias
ligadas à dominação, opressão e apropriação privada da riqueza social, a extrema-direita se
diferencia da direita tradicional pela sua intolerância e pelas ações violentas, embora muitas
vezes negue essas práticas quando organizada em partidos ou associações públicas (Silva; Brites;
Oliveira e Borri, 2014).
Adentrando os aspectos contextuais desta análise crítica do discurso, inicia-se o percurso
considerando o discurso utilizado pelo ex-presidente durante o processo de impeachment da ex-
presidenta Dilma Rousseff, ainda no cargo de deputado federal, Jair Bolsonaro faz homenagem

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ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que se notabilizou durante o regime ditatorial
(1964/85) como chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-CODI) do II Exército (1970 a 1974) um dos órgãos mais expressivos de
repressão política naquele período. O coronel Ustra foi o primeiro condenado em ação
declaratória por sequestro e tortura no ano de 2008.

Em setembro de 2006, foi aceita no Brasil uma ação inédita de responsabilização de um


torturador do período ditatorial. O juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de
São Paulo, acolheu Ação Declaratória impetrada em 2005 pela família Almeida Teles
contra Carlos Alberto Brilhante Ustra – comandante do DOI-CODI/SP entre 1970 e 19
74 – por entender que a ofensa aos direitos humanos não está sujeita à prescrição
(Dossiê Ditadura, 2010, p. 46).

As posições de partidários alinhados à extrema-direita no Brasil buscam enaltecer os atos


praticados no período ditatorial e desconsiderar o caráter de barbárie, o que resulta em apoio a
tais atos por parte de seus seguidores que repudiam as conquistas democráticas e a visão do papel
prioritário dos direitos humanos como base de conquista de igualdade e na construção da justiça
social. Neste contexto, os grupos extremistas associam os direitos humanos à ameaça percebida
por aqueles que se autodenominam “cidadãos de bem”, ligando-os à proteção e defesa daqueles
que eles categorizam como “bandidos”.
Para compreender como a posição e ideologia política, sobretudo do governo de Jair
Bolsonaro, interferiu e, por conseguinte, feriu diretamente os direitos humanos, é necessário
conceituar ideologia, democracia, poder e direitos humanos. Marx (1976) explora a ideia de
ideologia como um conjunto complexo de ideias enraizadas em um contexto social específico.
Ele vê como algo que não é deliberadamente criado, mas sim uma condição que é tanto subjetiva
quanto objetiva. Marx (1976) relaciona a ideologia ao funcionamento da sociedade capitalista,
argumentando que ela desempenha um papel na dominação social e na alienação dos indivíduos.
Na sociedade capitalista, os indivíduos são vistos como desiguais por natureza, mas ao mesmo
tempo são incentivados a participar do sistema de trabalho, o que os torna quase como
mercadorias e os mantém alheios às verdadeiras relações de trabalho. Uma ideologia, nesse
contexto, oculta as desigualdades sociais, promovendo uma narrativa da meritocracia e, assim,
alimenta o sistema capitalista.
Neste sentido, percebe-se que a ideologia é intrínseca a um contexto social constitutivo
do indivíduo, contudo, pode ser usado como objeto de dominação e alienação em favor de

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interesses estratégicos, mesmo no âmbito de um regime democrático. Sob conceito do
materialismo histórico e dialético a ideologia não pode ser compreendida ou desvinculada ao
entendimento das lutas de classes, pois a ideologia é uma forma de dominação nas lutas de
classes, uma ferramenta para a dominação usada pela classe dominante e despercebida pela classe
dominada. Quanto maior e mais eficaz se torna a ideologia, maior a sua capacidade de ocultar as
relações entre as lutas de classes e maior sua capacidade de dominação (Chaui, 1984).
No entanto, para Foucault (1982) o conceito de ideologia deve ser utilizado com
prudência e contrapõe alguns aspectos de sua integralidade com as relações de classes para Marx
(1976) pois expande-se da ideologia como forma de alienação em que determina as relações de
propriedade materiais pela classe dominante e a classe dominada. A ideologia é vista como
formas de poder e não apenas representações e que podem ser diluídas em micropoderes.
Ainda para Foucault (1982) a ideologia pode ser discutida enquanto sua usabilidade
social, tendo em vista três aspectos essenciais: o primeiro é que está sempre em oposição a uma
verdade concebida, sendo que neste caso o problema se dá em identificar a verdade como um
objeto imparcial, principalmente na análise discursiva. Em segundo lugar, a ideologia
necessariamente, está ligada à gênese do sujeito. E, por fim, a ideologia está relacionada a algo
antecedente que baseie seus conceitos em diversos aspectos estruturais e relacionais, sejam
crenças, determinações econômicas, culturais, aspectos sociais, materiais etc.
De acordo com Machado (2010) a luta contra a ideologia implica, necessariamente, uma
mudança na estrutura da sociedade que permite existir. Foucault, por outro lado, argumenta que
é impossível separar completamente a ordem social da ordem discursiva. Ele sugere que o
discurso é, na verdade, um mecanismo social que efetivamente executa os processos de restrição
e produção típica das relações de poder.
Percebe-se, pois, que a ideologia conta com mecanismos influenciáveis e que suas
intencionalidades podem acarretar a alienação do indivíduo em relação ao processo, assim como,
utilizar deste campo simbólico para a dominação de classes, tornando indivíduos alienados e que
favorecem os interesses de poder, almejando uma solução ilusória para ascensão de classe, sem
perceber as relações de desigualdade que desfavorecem a classe trabalhadora e, em contrapartida,
favorecem a lógica capitalista em sua integralidade intencional da classe dominante, até mesmo
legitimando um governo ditatorial.

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O Brasil se apresenta como um país democrático e, como tal, é importante compreender
até que ponto pode-se ferir um Estado Democrático e sua aplicabilidade legislativa em
contraponto a outros regimes ou à retomada de discursos que favoreçam a Ditadura Militar,
relatada como barbárie por diversos veículos de informação e exaltada pela extrema-direita em
outros. Neste sentido, torna-se relevante a discussão sobre a legitimidade e conceitos de
democracia. Segundo Goyard-Fabre (2003), a etimologia da palavra “democracia” refere-se a
uma forma de governo em que o povo exerce diretamente o poder. A democracia pode assumir
várias formas, sendo ela representativa, na qualidade do povo por meio de representantes eleitos;
governada, em que o povo é soberano, mas limita seus próprios poderes; ou governante, em que
o papel dos partidos políticos é crucial. Além disso, a democracia pode ser contemporânea como
socialista, pluralista ou liberal. Portanto, é evidente que o povo desempenha um papel central nos
princípios democráticos, e a ideologia, como um mecanismo de dominação, pode influenciar
significativamente a natureza da democracia.
De acordo com Silva (2007) a democracia tem importância na garantia de direitos
fundamentais do ser humano, pois embasa dois princípios:

[...] o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder (o poder
emana do povo); 46 b) a participação do povo no poder, para que este seja efetiva
expressão da vontade popular. Nos casos em que essa participação é indireta, surge um
princípio secundário: o da representação (Silva, 2007, p. 46-47).

É crucial entender a democracia como uma manifestação dos desejos populares, podendo
assumir uma forma de soberania popular ou representação dos anseios da sociedade. Contudo,
como apontado por Kelsen (2000), a democracia é uma técnica de governança que se apoia nos
princípios de divisão de trabalho, liberdade política e confiança no sistema de normas sociais.
Nesse contexto, a democracia se fundamenta nos princípios da liberdade, igualdade e soberania
popular, com foco na organização das leis que regulam a sociedade com base na representação
popular e nas aspirações do povo.
As relações de poder interferem nas relações de classes, favorecem a lógica capitalista da
classe dominante e são baseadas em ideologias, pois o poder pode se estabelecer desde
macropoderes ou poderes estatais a micropoderes, ou relações de poder entre indivíduos no
cotidiano (Foucault, 1982). No entanto, o poder político se torna legítimo com a soberania
popular, pois este poder na sua essência tende a unificar a vontade geral do povo (Rousseau,
2006).

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Rousseau (2006) garante que a soberania popular é inalienável e que se destaca no bem
comum social, no entanto na lógica de Marx do processo de alienação, refletimos uma ocultação
intencional do indivíduo pela classe dominante, sendo que este, mesmo fazendo parte da
soberania popular para legitimação de um governo, vive sob ocultação das diferenças sociais, na
falsa ideia de liberdade de escolha, acaba alimentando a lógica capitalista, os interesses e riquezas
da classe dominante, na vontade de ascensão de classe através da meritocracia.
Para uma compreensão mais abrangente desses aspectos da democracia, é fundamental
destacar a importância da conceituação dos direitos humanos em um contexto democrático.
Cranston (1973) argumenta que os direitos humanos são fundamentos morais universais que
devem transcender toda a sociedade, aplicando-se a todos os seres humanos, independentemente
de qualquer distinção. Qualquer privação desses direitos representa uma injustiça. Nesse sentido,
uma democracia que se baseia em princípios de igualdade, liberdade e soberania popular deveria,
por princípio, promover a proteção dos direitos humanos fundamentais. É, portanto,
responsabilidade do Estado criar mecanismos eficazes para garantir a preservação desses direitos.
Contudo, ressalta-se que os termos direitos humanos e direitos fundamentais trazem
discussões para alguns pensadores, nesta abordagem utiliza-se do esclarecimento de Sarlet
(2010) para se contextualizar os termos que são:

[...] comumente utilizados como sinônimos [...] a distinção é de que o termo “direitos
fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados
na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a
expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direitos
internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser
humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e
tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (Sarlet, 2010, p.
29).

Reflete-se, portanto, que a aplicação do termo caracteriza sua viabilidade, nesta discussão
ao ferir os direitos humanos, transcende-se a uma vinculação do indivíduo a um Estado
Constitucional, mas atinge o ser humano de modo internacional e universal.
Em consonância com esta discussão, Bobbio (2004) ressalta que a busca pela paz e a
confiança só pode ser alcançada por meio da democratização progressiva do sistema
internacional, o que implica a promoção da democracia não apenas dentro dos Estados, mas
também em nível global. Bobbio (2004, p. 223) argumenta que:

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O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições
democráticas, e, ao mesmo tempo, a paz é o pressuposto necessário para a proteção
efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Vale sempre
o velho ditado – e recentemente tivemos uma nova experiência – que diz inter arma
silent leges. Hoje, estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua
só pode ser perseguido através de uma democratização progressiva do sistema
internacional e que essa democratização não pode estar separada da gradual e cada vez
mais efetiva proteção dos direitos do homem acima de cada um dos Estados. (Bobbio,
2004, p. 223).

É importante destacar que Bobbio (2004) afirma que a proteção dos direitos humanos não
deve ser limitada pelas fronteiras nacionais e que a paz perpétua só pode ser alcançada quando
os direitos humanos são protegidos de maneira eficaz em todos os Estados e no âmbito
internacional.
No entanto, Canotilho (1995) reflete a distinção entre direitos do homem e os direitos
fundamentais ressaltando que os direitos do homem são válidos de forma universal e os direitos
fundamentais seria legislação que correspondam a aplicabilidade e garantia dos direitos do
homem em uma determinada sociedade. Braun (2001) discute que tanto os direitos humanos
quanto os direitos fundamentais, não são excludentes, mas relacionais e interativos, dando-se
amplitude ao termo direitos humanos fundamentais, partindo do pressuposto de direito inviolável
da dignidade humana universal e estatal.
É importante ressaltar que a evolução e a consolidação dos direitos humanos
fundamentais ao longo da história se estendem por séculos, influenciando diferentes pensamentos
e sociedades. Contudo, apenas após a Segunda Guerra Mundial é que esse princípio começou a
ser seriamente considerado e implementado no âmbito internacional. No contexto brasileiro, a
proteção e garantia dos direitos humanos passaram a ser contempladas em tratados internacionais
somente a partir de 1985, após o fim do regime militar. Esse período foi marcado por atos brutais,
torturas, perseguições políticas e evidentes de direitos humanos contra opositores do regime,
muitas vezes encobertos e minimizados por interesses militares e alianças internacionais.
Piovesan (1999) indica que o Estado Brasileiro começou a ratificar tratados internacionais
de direitos humanos somente após o início do processo de democratização do país em 1985. Isso
sugere que durante o período anterior, marcado pelo regime militar, o Brasil não estava
comprometido com a adesão a esses acordos internacionais que visam proteger e promover os
direitos humanos. A democratização, nesse contexto, representa uma mudança significativa na
política nacional, marcando o compromisso do país em seguir os padrões internacionais de

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direitos humanos e se alinhar com as normas estabelecidas pelos tratados internacionais nessa
área.
No contexto da evolução dos direitos humanos no Brasil, é fundamental explorar mais
profundamente o período do regime militar, que representou um marco crítico na história do país.
O regime militar suscitou intensas discussões na sociedade brasileira, abordando questões
relativas à repressão política, à censura, às violações de direitos humanos e à memória coletiva
desse período. Nesse sentido, o próximo tópico, examinará os eventos e as controvérsias
associadas a esse período, bem como o impacto contínuo que ele tem na sociedade brasileira
contemporânea.

2.1 O REGIME MILITAR: DISCUSSÕES DE UMA ÉPOCA PRESENTE


A história política do Brasil revela um padrão marcante de ciclos autoritários entremeados
por breves interlúdios democráticos. A ditadura de 1964, embora notória, não é a única
experiência de autoritarismo do País. Desde os primórdios de sua história, o Brasil traz em seu
DNA político características de poder autoritário, marcadas pela escravidão, pelo patriarcado,
pela desigualdade e pela opressão. O autoritarismo no Brasil pode ser rastreado até os tempos
coloniais, quando a exploração brutal dos povos indígenas e a instituição da escravidão africana
estabeleceram um precedente de posição e dominação. Essas raízes históricas ecoaram ao longo
dos séculos, moldando a estrutura de poder e contribuindo para a oscilação entre regimes
autoritários e democráticos.
O regime militar no Brasil foi instaurado em 1964 com o golpe ao governo de João
Goulart2, que tinha sido eleito democraticamente, e instaurou-se com a repressão e comandos do
exército mais de vinte anos, rompendo-se em 1985. Algumas foram as Constituições do Brasil
neste processo ou que influenciaram ou antecederam o regime, porém, destaca-se para esta
discussão, a Constituição de 1967 que foi aprovada pelo Congresso Nacional através de políticos
influentes do exército, e que constavam em sua redação, algumas garantias e direitos
fundamentais, no entanto Caldeira e Arruda (1986) afirmam que ouve interesses próprios dos
constituintes que firmaram tal documento:

2
João Goulart foi vice-presidente em 1961 e, em seguida, assumiu a presidência após a renúncia do presidente Jânio
Quadros no mesmo ano. Portanto, João Goulart foi presidente do Brasil de 1961 a 1964, sendo deposto pelo golpe
militar em 1964.

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Os autores da Constituição de 1967 são os golpistas, que usurparam o poder do Estado.
Eles são militares e civis de diferentes colorações conservadoras e antipopulares. No
cenário do poder econômico, a força dominante é o grande capital nacional e
transnacional. A influência dos Estados Unidos, através do Embaixador Lincoln
Gordon, de agentes da CIA e de empresas norte-americanas na preparação e realização
do golpe militar dá destaque aos interesses desse país no novo regime. Os setores
populares estão praticamente marginalizados e excluídos da nova Constituição. Ela é
elaborada contra os seus interesses (Caldeira; Arruda, 1986, p. 35).

Segundo os autores, a constituição não cumpria nem mesmo seu papel regulador em que
excluía menores setores e marginalizava setores populares, sendo assim o documento tornava-se
um viés ideológico do estado para esconder as relações de desigualdade e opressão. Contudo,
destaca-se o artigo 150 da constituição de 1967 em seu texto que “assegura aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade” e ainda ramifica os seguintes direitos: “§ 1º - Todos são iguais perante
a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito
de raça será punido pela lei”.
Neste texto da constituição de 1967 estabelece na teoria, princípios de igualdade,
segurança e direito à vida. Contudo, de forma contraditória e de impasses na Emenda
Constitucional de 1969 houve ainda negativamente a expansão do Inciso 11 do art. 150 da
Constituição de 1967, determinando então que:

Art. 150 - § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou


confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou
subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento
de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício
de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1967).

Nesse contexto, a facilidade da pena de morte, da prisão perpétua, do confisco de bens ou


do banimento de militares em "situações de guerra psicológica adversária, revolucionária ou
subversiva" ampliou as atrocidades que se desenrolaram durante aquele período, especialmente
quando direcionadas à oposição política. Essas medidas não apenas violaram de maneira
flagrante os direitos humanos fundamentais, mas também forneceram uma justificativa legal para
a perpetração dessas claramente reveladas.
Durante o ano de 1968 o Ato Institucional Cinco (AI-5), fortaleceu a proibição política e
estabeleceu formalmente a ditadura favorecendo medidas punitivas para práticas políticas, dentre
a mais usada eram as torturas. Ressalta-se que logo após o Golpe de 1964 no Brasil, as práticas

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de tortura eram repudiadas mesmo por militares e chefes, no entanto, com o AI – 5, estes
mecanismos de punição se fortaleceram (Moreira, 2010). Contudo houveram reclamações e
críticas constantes de familiares e vítimas das torturas, mas sua prática não cessara e a partir do
AI – 5 instaurado pelo regime militar, tornaram-se cada vez mais intensas as violações da
dignidade humana e as violações dos direitos humanos (Silva, 2010).
As práticas de tortura eram diversificadas, mas até hoje são negadas por militares da
época, no entanto, muitas denúncias surgiram e medidas foram tomadas século depois da
redemocratização:

Em 5 de maio, foi retirado da cela e conduzido à sala de torturas, onde permaneceu por
mais de seis horas. Na volta, os companheiros de cela de Olavo ouviram dele o relato
das torturas sofridas: obrigado a despir-se, sofreu queimaduras com cigarros e charutos,
palmatória nos pés e nas mãos, espancamentos, pau-de-arara, afogamentos e choques
elétricos, agora aplicados por um aparelho mais sofisticado e conhecido como pianola
Boilsen (Dossiê Ditadura, 2010, p. 193).

O AI -5 vigorou até 1978 e foi extinto por Ernesto Geisel, que instaurou o direito ao
habeas corpus, no entanto, práticas e resquícios destas violações de direitos fundamentais
humanos perpetuaram na história, cicatrizes físicas e emocionais em vítimas e familiares até
mesmo após o regime militar. Ressalta-se também, que outras barbaridades ocorreram durante o
período ditatorial, relevando aqueles(as) que desapareceram após prisões e interrogatórios sem
relatos até a atualidade.
Vale ressaltar que durante a ditadura militar no Brasil, a tortura como política de Estado
contra opositores políticos foi amplamente empregada, levando a Igreja Católica a assumir um
papel proeminente na defesa dos direitos humanos e na oposição à repressão. Isso se deveu a
mudanças nas diretrizes pastorais e teológicas da Igreja, que enfatizam a justiça social e a
proteção dos direitos dos cidadãos. Além disso, uma série de ordens políticas e sociais impostas/
pelos militares incentivou a Igreja a liderar esforços de documentação de evidências de direitos
humanos, exemplificada pelo movimento "Brasil Nunca Mais", contribuindo para a
conscientização pública e a pressão internacional contra o regime, e desempenhando um papel
crucial na transição para a democracia no Brasil.
A Constituição política de 1987 foi alterada apenas em 05 de outubro de 1988 após o
período ditatorial e ressurgimento da democracia no Brasil, abarcando novos princípios de
direitos a dignidade humana. Em seu artigo 5º da Constituição de 1988 já prevalece e reconhece

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os princípios dos direitos humanos e contrapõe poderes de estado sobre liberdades políticas, de
crenças ou pensamentos. O inciso 3 do art. 5 da Constituição de 1988 diz ainda que “III - ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Reposicionando em lei, a
importância dos direitos humanos enquanto garantia universal.
Após o fim do regime militar e a subsequente redemocratização no cenário político
brasileiro, a transição contemplou a concessão de anistia, conforme previsto na Lei nº 6.683, de
28 de agosto de 1979, embora posteriormente tenha sido objeto de controvérsias. Iniciou-se então
um processo de responsabilização criminal de agentes militares com o objetivo de reparar a
transparência dos direitos humanos que ocorreram durante esse período. Entretanto, somente em
2010 foram tomadas medidas mais rigorosas para punir aqueles envolvidos em tais publicamente,
através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF), uma ação
movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil perante o Supremo Tribunal
Federal. Essas medidas buscavam a reposição dos danos causados aos direitos humanos, bem
como o fortalecimento da integridade democrática (SILVA, 2012). Adicionalmente, em 2011,
foi estabelecida a Comissão Nacional da Verdade sob a Lei nº 12.528/2011, encarregada de
investigar a transparência dos direitos humanos ocorridos durante o período da ditadura militar
no Brasil.
Percebe-se que o período da ditadura militar feriu a os princípios de dignidade humana,
tornando-se uma barbárie sobretudo para as vítimas e familiares, mas também, deveria tornar-se
destaque de suas atrocidades a fim de que a democracia tal qual conhecemos seus princípios hoje,
não possa ser descontruída ou violada, partindo do pressuposto da Constituição vigente desde 05
de outubro de 1988.
Torna-se preocupante a incitação e negação de tal violência sofrida o referido período em
discursos proferidos pelo governo Bolsonaro, mesmo sendo um governo legitimado pelo
processo democrático, mas que utilizou de seus discursos e influência política para demonstrar
sinais de oposição à democracia e a direitos conquistados, dentre eles os direitos humanos que
ainda é pejorativamente reduzido por seguidores extremistas do antigo governo como uma
ideologia e/ou partido político. Neste sentido, tais discursos semelhantes do antigo governo ou
de políticos extremistas que buscam sustentar discursos ofensivos que ferem direitos humanos
começam a pôr em risco a sustentação da democracia, que se fragiliza a cada ascensão de um

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poder extremista, negacionista, neofascista ou totalitarista e é preciso maior atenção da sociedade
quanto aos sinais de alerta que conduzem para um retrocesso e repetição da barbárie.

3 MATERIAIS E MÉTODOS
Para delinear a metodologia desta pesquisa utiliza-se dos propósitos classificatórios de
Andrade (2017) quanto aos objetivos e define-se como pesquisa explicativa a fim de obter
análise, registro e interpretação dos fenômenos discursivos a respeito da ditadura militar que
ferem princípios dos direitos humanos e categoriza-se, segundo os propósitos de Gil (2017),
como pesquisa bibliográfica, utilizando fontes de informação e materiais bibliográficos para a
disposição dos conceitos e análise das informações, além de reportagens de meios de
comunicação digitais que apresentam informações sobre a posição governamental atuante em
contraponto às estratégias para a desconstrução histórica a respeito da atrocidade vivida na
ditadura militar, considerada como um período benevolente à sociedade.
Também se utiliza da Análise de Discurso Crítica (ADC) para o diálogo e reflexão,
considerando conforme conceitua Wodak (2001, p. 2) que a ADC se refere à: “abordagem da
linguística adotada por estudiosos que tomam o texto como unidade básica do discurso e da
comunicação e que se voltam para a análise das relações de luta e conflito social”. Neste sentido,
o artigo aponta elementos para análise discursiva que inferem e direcionam intenções de poder e
ataque aos Direitos Humanos e a Democracia. Fairclough (2001) também afirma que na ADC é
preciso considerar o poder em sua dialética, como local de poder e como afirmação de poder. É
devido a essa dialética que a ADC deve ser reflexiva em sua postura institucional pois como
afirma, a teoria é a própria prática deste método.
O presente estudo adota a ADC como uma ferramenta essencial para o diálogo e reflexão.
De acordo com a definição de Wodak (2001), a ADC se concentra na análise das relações de luta
e conflito social, considerando o texto como a unidade fundamental da comunicação. Nesse
contexto, este artigo identifica e destaca elementos que são passíveis de análise discursiva, os
quais permitem inferir e compreender os objetivos de exercício de poder e os ataques
direcionados aos Direitos Humanos e à Democracia. Fairclough (2001) também ressalta que, na
ADC, é imperativo considerar o poder em sua dimensão dialética, compreendendo-o como local
de poder e como expressão de poder. É exatamente essa dialética que confere à ADC uma postura
reflexiva em relação à sua posição institucional.

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Para realizar a coleta de dados desta pesquisa realizou-se um levantamento bibliográfico
em artigos, livros e por meio digital para encontrar notícias e entrevistas presidenciais que
abordavam as posições ideológicas sobre a ditadura militar em contraponto com outras análises
e pesquisas sobre o assunto, para validar a veracidade das colocações discursivas ou reafirmar as
informações, buscando avaliar, se o ex-presidente, de fato, desconstruiu a veracidade histórica à
respeito da ditadura militar e se feriu os direitos humanos fundamentais em tais discursos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Algumas das principais notícias relacionadas, em uma busca geral sobre posições
governamentais no período de 2018, quando o governo foi legitimado democraticamente,
recuperou-se alguns discursos e frases polêmicas do ex-presidente da República, apresentados
em entrevistas diversificadas sobre posicionamentos referente à ditadura militar e aos direitos
humanos fundamentais. Algumas destas posições afetam diretamente o princípio de igualdade
democrática. O antigo governo, além de se posicionar a favor da ditadura militar e desconsiderar
sua barbárie, discursa também com posições anti-humanistas de alusão à tortura, incentivo ao
armamento da população e redirecionava seu partido a assumir a Comissão de Mortos e
Desaparecidos do Ministério dos Direitos Humanos, após discurso polêmico sobre o
desaparecimento do pai do então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)3.
Em 1999, Bolsonaro já tinha o cargo de deputado federal e no mês de maio do referido
ano, em declarações difundidas pela TV Bandeirantes, o ex-presidente expõe a seguinte opinião:
"No período da ditadura, deviam ter fuzilado uns 30 mil corrutos, a começar pelo presidente
Fernando Henrique, o que seria um grande ganho para a Nação" (Exame, 2018, online), Três
destaques relevantes para analisar o discurso proferido pelo então deputado, em primeiro a
incitação a violência generalizada por parte dos militares que segundo Bolsonaro deveriam ter
“assassinado” políticos da época, em segundo a incitação ao crime de violência contra o Estado
Democrático na figura do então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e em
terceiro a desconsideração pelo sistema judiciário e penitenciário brasileiro, como figura pública
não deveria incitar a imaginação a crimes contra o Estado, contra o Regime Democrático e contra
a pessoa humana.

3
Fernando Santa Cruz Oliveira desapareceu após ter sido preso por agentes do regime militar no Rio de Janeiro em
fevereiro de 1974, era pai do então presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil Felipe Santa Cruz (2019-
2022)

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Em 2015, Jair Bolsonaro concede entrevista ao Programa da Rede TV, Mariana Godoy,
exibido em 03 de julho de 2015, em que opina sobre sua concepção acerca da ditadura militar no
Brasil. Ao ser indagado a respeito do desaparecimento, torturas e atrocidades cometidas por
militares durante o regime militar, Bolsonaro confirma, mas justifica a ameaça comunista como
a Luta Armada organizada pelos cidadãos contrários ao regime ditatorial imposto. Neste caso, é
perceptível a intencionalidade de sustentação do poder dentro do regime ditatorial, e a repressão
a opiniões contrárias já não resguardava uma democracia, mas imposições políticas e de poder
para com a população, sendo que neste caso, segregou-se o pilar da soberania popular e da própria
liberdade proposta pelo Art. 150 da Constituição de 1967. Em outro momento, a jornalista
Mariana Godoy indaga o deputado sobre a permanência do poder pelo exército por mais de 20
anos, no entanto, Jair Bolsonaro retruca que as eleições eram realizadas pelo Congresso Nacional
e, portanto, democráticas. Como já explicitado anteriormente, a composição do Congresso
Nacional era de chefes e representantes de militares, neste sentido, inviabilizava completamente
uma eleição popular com representatividade, apenas favorecendo os interesses dos governantes
da época.
Em junho de 2016, Jair Bolsonaro em entrevista à rádio Jovem Pan declarou: "o erro da
ditadura foi torturar e não matar". Essa declaração minimizou a gravidade da tortura e a
transparência dos direitos humanos, revelando um desrespeito pelos princípios democráticos e
pelo Estado de Direito. Além disso, esse tipo de discurso por uma figura de influência política,
contribui para a banalização da violência e fomenta a divisão e polarização na sociedade
brasileira. Essa postura refletiu uma visão insensível em relação aos direitos humanos, acerca da
dimensão danosa deste regime para o País.
No ano de 2018, Bolsonaro tornou-se cada vez mais popular, pela sua radicalidade e seus
discursos polêmicos e desrespeitosos com a oposição. Em entrevista realizada ao programa da
TV Cultura, chamado Roda Viva no dia 30 de julho de 2018, Bolsonaro nega a ditadura em seu
discurso: "Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma
maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um
probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo?”, nesta colocação, o ex-
presidente reitera que a ditadura militar teve contrapontos causais do regime, referindo-se as
torturas ocorridas como mero “probleminha”. Neste sentido, Bolsonaro consente que houve
torturas e violações de direitos, mas polemiza e diminui a gravidade do problema, reduzindo a

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violação aos direitos humanos como um mero “probleminha” e ainda nega a existência do regime
militar como ditadura, dizendo: “E onde você viu uma ditadura entregar pra oposição de forma
pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura.”
Nesse contexto, é importante destacar a postura de Jair Bolsonaro, que se contrapôs às
demandas da população e de entidades como a Igreja Católica, a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e movimentos como o “Brasil: nunca mais”, que buscavam a redemocratização. No
entanto, à medida que a sociedade percebeu a insustentabilidade do regime, ela começou a se
mobilizar através do movimento conhecido como "Diretas Já". Esse movimento, que se estendeu
até o início de 1984, buscou a realização de eleições presidenciais diretas para o próximo
governo, com previsão para o final de 1983.
Embora a votação pública direta não tenha sido aprovada, e o direito de voto direto não
tenha sido conquistado, naquele momento, grande parte da oposição optou por se candidatar às
eleições indiretas. O candidato da oposição, Tancredo Neves, foi eleito, marcando o fim do
período da ditadura militar. Esse episódio demonstra que o governo ditatorial não cedeu
facilmente ao processo eleitoral ou entregou o poder voluntariamente, mas sim que a transição
democrática foi conquistada com muita luta e mobilização social em oposição ao regime
autoritário.
Ainda em 2018, uma entrevista concedida à TV Bandeirantes no Jornal da Band em 30
de outubro de 2018, Bolsonaro se refere a data do golpe que instaurou a ditadura militar e diz:
"Devemos, sim, comemorar esta data. Afinal de contas, foi um novo 7 de setembro [...] O Brasil
merece os valores dos militares de 1964 a 1985." Ao comemorar a perca da democracia, tende-
se a sinalizar este regime como uma oposição. Nesta colocação, Bolsonaro retrata motivos
festivos, desconsiderando o regime como ditadura e fortalecendo seus seguidores a ignorarem
fatos históricos e relevarem supostos benefícios militares durante o período ditatorial. Neste
contexto, para o ex-presidente, os mais de 20 anos no poder, sem eleições populares foi a solução
encontrada para fugir de um suposto “regime comunista”. Neste sentido, Andrada (2018)
discorda com essa fuga da ameaça comunista e justifica:

A renúncia de Jânio Quadros em 1961, e a ascensão do seu vice João Goulart, odiado
pelo partido mais conservador da época, a UDN, de Carlos Lacerda, e por parte dos
militares, foi o ápice de uma cisão ideológica que perdurava havia quase 20 anos. De
agosto de 1961 a março de 1964, Jango foi alvo de uma guerra discursiva que o pintou
como corrupto e conspirador de uma ofensiva comunista. Era tudo fantasia. (Andrada,
2018, online).

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Os interesses políticos frequentemente sobressaem ou alienam os princípios da soberania
popular, a constituição e a democracia, levando ao uso de estratégias tendenciosas para legitimar
ou distorcer os fatos. Mesmo considerando o suposto contexto da ameaça comunista que levou
ao golpe de 1964, observa-se que, em períodos eleitorais recentes, discursos enganosos e
informações falsas foram empregados para disseminar o medo e a apreensão entre eleitores
indecisos. Essa estratégia manipulativa envolveu uma representação distorcida de uma suposta
ameaça comunista decorrente da possível eleição da oposição, demonstrando assim a variável
utilizada para a legitimação do poder. Esse comportamento político destaca a importância da
análise crítica das estratégias de legitimação e manipulação utilizadas no campo político.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo, baseado na análise do discurso crítico que abordam as posições do ex-
presidente do Brasil sobre os direitos humanos e a ditadura militar, revela que o governo de
extrema-direita em questão mina os princípios fundamentais dos direitos humanos e enfraquece
a democracia do país ao distorcer uma realidade histórica. Isso levanta questões sobre o futuro
da democracia no Brasil em governos semelhantes, pois com a ascensão de discursos que
descredibilizam a democracia, a história ou os direitos humanos há o risco de repetição de eventos
semelhantes ao golpe de 1964, como o evento ocorrido em 8 de Janeiro de 2023 onde terroristas
que se caracterizavam como nacionalistas, participaram de ato golpista por não aceitar a
legitimidade do governo de oposição que foi democraticamente eleito em 2022, invadiram e
destruíram o Congresso Nacional em busca de um novo golpe militar.
Apesar dos desafios em considerar os direitos humanos como princípio democrático em
um ambiente político que minimiza sua importância, é crucial manter viva a memória das
atrocidades do passado e promover em toda a sociedade para resgatar a história, defender os
princípios democráticos e evitar a desvalorização dos direitos humanos fundamentais.

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