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Narcisismo evangélico

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A palavra “narcisismo” é derivada da Mitologia Grega. Narciso era um jovem e belo rapaz
que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado
de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água.

O narcisismo excessivo dificulta o indivíduo a ter uma vida satisfatória, é reconhecido


como um estado patológico e recebe o nome de Transtorno de Personalidade Narcisista.
Indivíduos com o transtorno julgam-se, dentre outros, grandiosos e absolutamente
especiais.

Posto isso, gostaria de falar um pouco da característica narcisista de parte da comunidade


evangélica, que tem seus primeiros sintomas ainda no início do século passado, mas que
encontra seu auge totalmente estabelecido no movimento neopentecostal dos anos 2000 (o
neopentecostalismo não surge nos anos 2000, mas alcança seu auge nesse período).

É incrível como o consenso entre cristãos que compõem esse movimento é de que somos de
uma grandiosidade extrema. Expressões como “Eu profetizo”, “Eu declaro”, “Eu decreto”,
“Eu ganho almas”, “Eu determino”, “minhas palavras (ou nossas palavras) tem poder”, e
coisas afins, passaram a fazer parte do “Canon” evangélico e são ditas com pompas de
autoridade absoluta.

O mais espantoso é que mesmo nas igrejas mais tradicionais e históricas encontramos traços
dessa patologia, pois é algo extremamente infectante. Passamos a acreditar de fato que
temos tanto poder e grandiosidade assim.

Nossas músicas cantam isso, nossos púlpitos anunciam isso e em nossas orações
esbravejamos palavras de ordem espirituais, como se pudéssemos de fato “trazer coisas a
existência”, ou exigir alguma coisa dos anjos ou mesmo de Deus.

A coisa fica ainda mais séria quando vemos líderes e irmãos anunciando maldições sobre a
vida de outros, declarando derrotas na vida daqueles que discordam de suas afirmações ou
que questionam seus ensinamentos, sob a suposição de que possuem tal poder. Pior ainda
por ser algo que se prolifera e, quando menos percebemos, também estamos ameaçando
com maldições espirituais aqueles que não se encaixam em nosso padrão de convivência.

Tudo fruto dessa síndrome narcisista que tem tomado conta de nossa vida, fazendo-nos
acreditar que somos poderosos ou que somos mais importantes do que outras pessoas,
especialmente mais importantes do que outras pessoas que não professam a nossa mesma
crença (não chamo aqui de fé, pois a fé cristã genuína nos faz servos, não senhores,
humildes, não altivos ou egocêntricos).

Além disso, o desejo hoje parece ser o inverso do ensinado por Cristo, quando diz:

“Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes
das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será
assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser
servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos”. (Marcos 10:41-44)
Em muitos lugares hoje ensinam o contrário, ensinam que somos especiais, que o líder deve
ser honrado até mesmo com suas finanças, que temos autoridade sobre a vida um do outro.
É a velha história, manda quem pode, obedece quem tem juízo. E todos querem obedecer,
não apenas porque são humildes, mas por desejarem um dia serem obedecidos igualmente,
por outros irmãos novatos no processo.

Tudo é um jogo de interesses e de alienação, todos querem ser servidos, todos se acham
excepcionais. Não se deseja mais ser o servo do irmão, mas o líder de sua vida. E a roda não
para de girar, o servo (escravo) de hoje se submete a isso para ser honrado com a liderança
de amanhã.

Essas coisas são muito estranhas para mim, pois não encontro nada disso no Evangelho. Por
esse motivo também não entendo a relutância em abandonar esse tipo de pensamento, em se
submeter à verdade bíblica, aos exemplos e palavras de Cristo.

Por hora gostaria apenas de declarar o seguinte: Nós não temos autoridade, nossas palavras
não têm poder e nós não precisamos, nem devemos, ser temidos.

Deus tem autoridade e faz o que quer, a quem quer. A palavra que tem poder é a de Deus,
jamais a nossa, salvo quando apenas declaramos aquela.

Precisamos urgentemente voltar a cantar canções que engrandeçam a Deus e não a nós
mesmos, pregar e ouvir o anúncio de palavras que valorizem Cristo e não o nosso ego.
Servir e não sermos servidos, tendo este princípio um peso e uma importância muito
maiores para aqueles que possuem funções de liderança dentro do corpo, dentro da igreja.

E que Deus tenha misericórdia de nós todas as vezes que desejarmos o contrário disso, nos
fazendo retornar à sanidade espiritual.

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