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Volume2
TEMAS EM EDUCAÇÃO
Olhares Interdisciplinares, Reflexões e Saberes – Vol. 2
AVALIAÇÃO, PARECER E REVISÃO POR PARES
Os textos que compõem esta obra foram avaliados por pares e indicados para publicação.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária responsável: Maria Alice Benevidez CRB-1/5889

E26 Temas em educação: olhares interdisciplinares, reflexões e


saberes – Vol. 2 [recurso eletrônico] / [org.] Cleber Bianchessi.
– 1.ed. – Curitiba-PR, Editora Bagai, 2023.

Recurso digital.

Formato: e-book

Acesso em www.editorabagai.com.br

ISBN: 978-65-5368-186-6

1. Educação. 2. Interdisciplinaridade. 3. Aprendizagem.


I. Bianchessi, Cleber.
CDD 370.7
10-2023/19 CDU 37.01

Índice para catálogo sistemático:


1. Educação: Aprendizagem e Interdisciplinaridade

https://doi.org/10.37008/978-65-5368-186-6.01.02.23
R

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Este livro foi composto pela Editora Bagai.

www.editorabagai.com.br /editorabagai
/editorabagai contato@editorabagai.com.br
Cleber Bianchessi
Organizador

TEMAS EM EDUCAÇÃO
Olhares Interdisciplinares, Reflexões e Saberes – Vol. 2
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Bagai.

O conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) respectivo(s) autor(es). As normas ortográficas, questões
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Editor-Chefe Cleber Bianchessi


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Dr. Ronaldo Ferreira Maganhotto – UNICENTRO
Dra. Rozane Zaionz - SME/SEED
Dra. Sueli da Silva Aquino - FIPAR
Dr. Tiago Tendai Chingore - UNILICUNGO – MOÇAMBIQUE
Dr. Thiago Perez Bernardes de Moraes – UNIANDRADE/UK-ARGENTINA
Dr. Tomás Raúl Gómez Hernández – UCLV e CUM – CUBA
Dra. Vanessa Freitag de Araújo - UEM
Dr. Willian Douglas Guilherme – UFT
Dr. Yoisell López Bestard- SEDUCRS
APRESENTAÇÃO

A presente obra reúne e abarca capítulos que abordam diversos temas edu-
cacionais e interdisciplinares com as diversas áreas do conhecimento e níveis de
escolaridade. Deste modo, integram os conhecimentos que contribuem esclarecer e
orientar, de modo aprofundado, os recursos de aperfeiçoamento tão necessários para
auxiliar no processo de ensino e aprendizagem tanto para os profissionais evolvidos
ou interessados em Educação. Assim, entende-se que a interdisciplinaridade é um
instrumento fundamental para promover a atuação conjunta de diversos campos do
saber, especialmente frutífero quando são aplicados na vivência escolar ou fora dela para
a construção dos conhecimentos e na obtenção dos resultados educacionais esperados.
Destarte, o primeiro capítulo expressa reflexões necessárias para compreender o
contexto atual e usufruir dos benefícios oriundos dos avanços tecnológicos em prol do
ensino. Na sequência, o segundo capítulo reflete a importância da utilização do Diário
de Bordo enquanto ferramenta interativa e de aprendizagem disposta em tecnologia
digital. Por sua vez, o terceiro capítulo apresenta uma revisão de literatura a partir
de estudos que discorrem sobre o uso das tecnologias digitais no contexto do ensino
médico com ênfase no game Kahoot®. O quarto capítulo, na sequência, por meio de
uma revisão de literatura e de análise documental, contextualiza o processo de está-
gio resultante de um sistema globalizado, neoliberal e voltado à uma visão da gestão
empresarial. No que lhe concerne, o quinto capítulo analisa as práticas pedagógicas
no ensino remoto e no retorno ao ensino presencial sob olhar de uma professora e dos
alunos pelos aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos.
Em continuidade, o sexto capítulo apresenta uma revisão sistemática
das experiências de interlocução entre filosofia e literatura como abordagem
didática. Por sua parte, o sétimo capítulo demonstra os rastros de memória na
sociedade parisiense a partir da participação ativa de homens e mulheres nos luga-
res de recreação, estudos e debates. Em continuidade, o oitavo capítulo analisa a
formação pedagógica no ensino superior e o nono capítulo destaca as normativas
curriculares e uma visão histórico-cultural para pensar as necessidades atuais da
educação física escolar.
Em prosseguimento, o décimo capítulo apresenta algumas reflexões acerca
das competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos em relação à resolução
de problemas envolvendo a unidade temática “números” de acordo com a BNCC.
O décimo primeiro capítulo discorre sobre o uso das tecnologias no funcionamento
do Laboratório Morfofuncional no processo de ensino/aprendizagem para os
conteúdos de anatomia, histologia e patologia enquanto décimo segundo capítulo
identifica e analisa as influências de uma escritora na literatura e na política e como
essas representações influenciam na educação.
Isto posto, o décimo terceiro capítulo oportuniza refletir sobre as mudanças
de atitudes e comportamentos para inclusão de mulheres, negros e idosos diante do
estigma social em saúde mental. Já o décimo quarto capítulo expõe uma proposta
adventista para a promoção do estilo de vida e promoção da saúde e o décimo
quinto capítulo enfatiza a mediação da literatura indígena em sala de aula.
Em seguimento, o décimo sexto capítulo proporciona reflexões e perspecti-
vas dos adolescentes sobre o uso das redes sociais e suas implicações para a saúde
mental e o décimo sétimo capítulo destaca a educação psicomotora no processo
de aprendizagem infantil. Na sequência, o décimo oitavo capítulo apresenta uma
proposta de plano de aula com contos africanos e afro-brasileiros e o décimo nono
capítulo ressalta o atlas digital como ferramenta pedagógica.
Sendo assim, o vigésimo capítulo propõe algumas reflexões sobre o cinema novo.
Em prosseguimento, o vigésimo primeiro capítulo aponta aspectos sociais e culturais
refletidos nas denominações dos trabalhadores que se encontram em luta pela posse
de terras e o vigésimo segundo capítulo valoriza a formação de professores na edu-
cação a distância. O vigésimo terceiro capítulo, em síntese, ressalta o juiz boca da lei
- interpretação judicial do magistrado trabalhista após a lei 13.467/2017 e a tarifação
do dano moral, o vigésimo quarto capítulo oportuniza uma reflexão acerca da biogeo-
grafia e a metodologia de ensino de geografia, o vigésimo quinto capítulo averigua a
possibilidade das práticas integrativas e complementares sob a ótica da enfermagem
para ampliar o cuidado no SUS enquanto o vigésimo sexto capítulo expressa reflexões
sobre o impacto do isolamento social na saúde mental dos adolescentes.
Na sequência, vigésimo sétimo capítulo reflete os impactos da pandemia
com subjetividade na educação pela ótica dos trabalhadores uma fábrica e, por sua
vez, o vigésimo oitavo capítulo destaca o controle da qualidade têxtil com aspectos
subjetivos educacionais. Na sequência, o vigésimo nono capítulo salienta o uso de
textos líricos em sala de aula e o trigésimo capítulo descreve saberes educacionais
por meio prática pedagógica contextualizada.
Em continuidade, o trigésimo primeiro capítulo manifesta a importância
do uso de jogos didáticos digitais e físicos no ensino de ecologia. No que lhe con-
cerne, o trigésimo segundo capítulo destaca a importância da educação não sexista
e antirracista como mecanismos de enfretamento à violência contra meninas e
mulheres, o trigésimo terceiro capítulo analisa as cinco pedagogias de Paulo Freire
enquanto reflexões para esperançar a educação e, por fim, o trigésimo quarto capí-
tulo ressalta o perfil de docentes e os desafios na alfabetização e letramento digital.
Em face do exposto, esta obra tem como premissa um novo olhar sobre os
diversos temas em educação relacionadas com as diversas áreas do conhecimento.
Propõe uma mudança de atitude na construção do conhecimento, ou seja, esta-
belece uma aprendizagem integral e interdisciplinar rompendo com os limites
das disciplinas e fazendo com que os sujeitos compreendam a aplicabilidade dos
conteúdos em diferentes contextos da sociedade, estabelecendo um vínculo com a
realidade, ultrapassando uma abordagem puramente teórica e reducionista. Enfim,
a obra é um convite ao pensamento reflexivo, abrangente e contextual em torno
da necessidade real de análise dos diversos temas e aspectos educacionais.

Equipe editorial
SUMÁRIO

A TECNOLOGIA E O ENSINO NA ERA DIGITAL........................................................................ 9


Elisa Maria Pinheiro de Souza
TIPOS DE DISCURSO NO DIÁRIO DE BORDO DE UM AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM......................................................................................................................25
Francimary Macêdo Martins
O USO DA PLATAFORMA KAHOOT COMO MODELO DE GAMIFICAÇÃO NO ENSINO MÉDICO
ATUAL.......................................................................................................................................37
Leandro Silva de Britto | Tânia Gisela Biberg-Salum
DA GLOBALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO À POSSÍVEL PRECARIEDADE DO ESTÁGIO..................47
Gelson Chagas França| Guilherme Ribeiro Rostas | Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ATRAVESSAMENTOS E TRAVESSIAS
EM TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19...............................................................................61
Juliane Ilha Marafiga | Sueli Salva
A LITERATURA COMO RECUSO DIDÁTICO NO ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA......................................................................................................................................69
Lili Mirian Gums Costa | Ismael Laurindo Costa Junior
OS SALÕES LITERÁRIOS NA FRANÇA MODERNA: MEMÓRIA E CULTURA NA PARIS DO SÉC.
XVIII..........................................................................................................................................83
José Barroso de Oliveira Filho | Raimunda Celestina Mendes da Silva
FORMAÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO SUPERIOR: OBRIGATORIEDADE OU UMA
NECESSIDADE?.........................................................................................................................93
Luciene Lovatti Almeida Hemerly Elias | Tânia Gisela Biberg-Salum | Elizania Regina Maciel | Vivianne Rodrigues Português
ESTUDO DE NORMATIVAS CURRICULARES E UMA VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL PARA
PENSAR AS NECESSIDADES HODIERNAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR.......................101
Made Júnior Miranda
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS
PELOS ESTUDANTES DO QUINTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NA UNIDADE
TEMÁTICA “NÚMEROS”..........................................................................................................113
Maria Neuraildes Gomes Viana | Manoel dos Santos Costa | João Otávio Silva Ferreira
LABORATÓRIO MORFOFUNCIONAL DO CURSO DE MEDICINA: O USO DA TECNOLOGIA NA
PRÁTICA DOCENTE DIÁRIA..................................................................................................125
Márcia Maria Silva | Tânia Gisela Biberg-Salum
MARIA EUGÊNIA MACEIRA MONTENEGRO: MEMÓRIAS LITERÁRIAS E POLÍTICAS
(1962-1978)....................................................................................................................... 135
Vânia Karla Dantas Ricardo | Paulo Augusto Tamanini
MUDANÇAS DE ATITUDES E COMPORTAMENTOS PARA INCLUSÃO DE MULHERES, NEGROS
E IDOSOS DIANTE DO ESTIGMA SOCIAL EM SAÚDE MENTAL: RELATO DE ATUAÇÃO EM
PROJETO DE EXTENSÃO........................................................................................................143
Bruna Souza Ramos Larrubia da Silva | Jaqueline Rocha Borges dos Santos
CREATION HEALTH: UMA PROPOSTA ADVENTISTA PARA A PROMOÇÃO DO ESTILO DE VIDA
E PROMOÇÃO DA SAÚDE.......................................................................................................153
Narcisio Rios Oliveira | Keytiani Secundo Duarte Landim | Jussara Dias Queiroz Brito | D’angela Analdina da Silva Kotinscki |
Leidiany Souza Silva | Alessandro Leipnitz Domingues | Sabrina Daniela Lopes Viana |
Marcia Maria Hernandes de Abreu de Oliveira Salgueiro
MEDIAÇÃO DA LITERATURA INDÍGENA EM SALA DE AULA................................................161
Matheus Carvalho Lima | Raniere Nunes da Silva | Kayla Pachêco Nunes | Rute da Silva Santos
REFLEXÕES E PERSPECTIVAS DE ADOLESCENTES SOBRE O USO DAS REDES SOCIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE: UM QUESTIONAMENTO REFLEXIVO PARA A SAÚDE MENTAL.. 173
Aldeni Melo de Oliveira | Márcia de Nazaré França de Almeida | Ivone Jacarandá Braga Mendes | Ademar da Silva Mendes Júnior |
Suellen Cordeiro da Silva | Rosivaldo dos Santos Carvalho | Helton Ribeiro Gomes | Giovanne Tavares Ferreira
A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM INFANTIL................... 183
Nara Ferreira dos Santos
UMA PROPOSTA DE PLANO DE AULA COM CONTOS AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS:
“OLHOS D’ÁGUA” E “MUTOLA”................................................................................................191
Amanda Oliveira Menezes | Demétrio Alves Paz
ATLAS DIGITAL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA ESTUDANTES DE ENSINO
TÉCNICO INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO.........................................................................201
Reginaldo Marinho de Oliveira | Wanderson de Souza Silva | Rayanne Lopes dos Santos Silva | Well Max Maia da Cunha |
Leandro Barbosa Amaral Guimarães | Samuel Dias Ribeiro | Raissa Almeida Gomes | Jean Magalhães da Silva
JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE E O CINEMA NOVO............................................................209
Bárbara Monique Monteiro Albuquerque | Dirlenvalder do Nascimento Loyolla
ANÁLISE COMPARATIVA DAS DENOMINAÇÕES ATRIBUÍDAS AOS QUE DISPUTAM A POSSE
DE TERRA NO SUDESTE DO PARÁ.........................................................................................219
Batista Nascimento da Silva | Renato Rodrigues-Pereira
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: PERCORRENDO ESTE
CAMINHO...............................................................................................................................235
Carmem Lúcia de Souza Ribeiro | Ana Cláudia Ribeiro de Souza
O JUIZ BOCA DA LEI - INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DO MAGISTRADO TRABALHISTA APÓS A
LEI 13.467/2017 E A TARIFAÇÃO DO DANO MORAL.................................................................247
Amanda Carolina Buttendorff R.Beckers | Cíntia de Almeida Lazoni
A BIOGEOGRAFIA E A METODOLOGIA DE ENSINO DE GEOGRAFIA: ANALISANDO A
INTERSECÇÃO E A APLICABILIDADE NO CURRÍCULO PAULISTA (2020-2022).......................257
Gabriel Batista Mota
PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES, SOB A ÓTICA DA ENFERMAGEM:
AMPLIANDO O CUIDADO NO SUS.........................................................................................265
Eloir Marques da Silva
O IMPACTO DO ISOLAMENTO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL DOS ADOLESCENTES
CONSEQUÊNCIAS E DESAFIOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA.........................................275
Gleicimara Ribeiro de Lima | Jair Rosa dos Santos
IMPACTO DA PANDEMIA NO MERCADO DE PANIFICAÇÃO: PELA ÓTICA DE UMA FÁBRICA
TERESINENSE.........................................................................................................................285
Jhuliana Rebeca da Silva Sousa | Joélcio Braga de Sousa | Gesiel Rios Lopes | Ítalo Rodrigo Monte Soares |
Thiago Edirsandro Albuquerque Normando | Jandson Vieira Costa
CONTROLE DA QUALIDADE TÊXTIL: AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES FÍSICAS DE MALHAS
DE POLIÉSTER COM ELASTANO............................................................................................293
Fabia Regina Gomes Ribeiro | Tatiana Vitória Constantino | Flavio Avanci de Souza | Gilson dos Santos Croscato |
Raquel Rabelo Andrade | Marcelo Capre Dias | Márcia Cristina Alves
POESIA EM SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA NO PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA.305
Marcos Ledesma Marques | Demétrio Alves Paz
SABERES CONTEXTUALIZADOS ATRAVÉS DA ANÁLISE SENSORIAL DA FARINHA DO
CAROÇO DA MANGA PARA PANIFICAÇÃO: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA PELA PESQUISA.315
Aldeni Melo de Oliveira | Márcia de Nazaré França de Almeida | Ivone Jacarandá Braga Mendes | Ademar da Silva Mendes Júnior |
Suellen Cordeiro da Silva | Rosivaldo dos Santos Carvalho | Helton Ribeiro Gomes | Giovanne Tavares Ferreira
A IMPORTÂNCIA DO USO DE JOGOS DIDÁTICOS, DIGITAIS E FÍSICOS, NO ENSINO DE
ECOLOGIA, BIOMAS...............................................................................................................325
Rita de Cássia Frenedozo | Bruno Vicente Reis
EDUCAÇÃO NÃO SEXISTA E ANTIRRACISTA COMO MECANISMOS DE ENFRETAMENTO À
VIOLÊNCIA CONTRA MENINAS E MULHERES......................................................................335
Ana Paula Vicentini Boni | Zaira de Andrade Lopes | Vanessa Vieira
AS CINCO PEDAGOGIAS DE PAULO FREIRE – REFLEXÕES PARA ESPERANÇAR A EDUCAÇÃO.345
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
O PERFIL DE DOCENTES E OS DESAFIOS NA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DIGITAL.355
Cleonice Adriana Schmitz dos Santos | Telma Regina Miranda Anciutti | Valdecira Aparecida da Silva Moreira |
Mirlany da Silva Pena | Celia Maria Haas
SOBRE O ORGANIZADOR......................................................................................................367
ÍNDICE REMISSIVO................................................................................................................368
A TECNOLOGIA E O ENSINO NA ERA DIGITAL

Elisa Maria Pinheiro de Souza1

OS MEANDROS DO PERCURSO

Nos tempos atuais, é evidente o reconhecimento da rapidez e processamento


das informações, bem como da existência de uma sociedade cada vez mais tecno-
lógica, a qual requer inúmeras transformações em diversas áreas, em específico, no
âmbito da educação. Impossível não reconhecer que a “era digital” tem viabilizado,
com a oferta de recursos pedagógicos eficientes, o desenvolvimento de um processo
de ensino-aprendizagem mais dinâmico, no qual o aluno é protagonista de sua
aprendizagem. Para tal reconhecimento, basta apenas conceber as tecnologias de
informação como metodologias de ensino e não apenas como suporte.
As tecnologias de informação enquanto suporte educacional têm por foco
apoiar a relação entre o aluno e a escola; enquanto metodologias de ensino, tam-
bém denominadas de metodologias ativas, instituem o papel do professor como o
mediador da aprendizagem e centralizam o seu foco no aluno, buscando torná-lo
um sujeito ativo, em sua aprendizagem. Assim, torna-se necessário compreender
o contexto atual e usufruir dos benefícios oriundos dos avanços tecnológicos em
prol de um ensino diverso do modelo convencional utilizado tempos atrás.
A temática aqui abordada abrange o processo ensino-aprendizagem, que
reúne inúmeros elementos, cada um com papel determinado, com destaque para
o professor, o aluno, o ensino e a aprendizagem. Sua abrangência requereu uma
delimitação consolidada em reflexões sobre as mudanças ocorridas nos compor-
tamentos deles e nas rotinas dos espaços escolares, diante da situação contextual.
O professor, cujo papel, até pouco tempo atrás, era o de ser transmissor de
conhecimento, responsável por todos os acontecimentos relacionados ao ensino
e à aprendizagem dos alunos, atualmente foi ressignificado, passando a assumir a
posição de mediador do processo; a postura dos alunos também modificou, pois
se antes cabia a eles assimilar e memorizar os conteúdos repassados, hoje são os
protagonistas de suas aprendizagens, afinal desde muito cedo, eles vivenciam uma
realidade, na qual é predominante o uso da internet; o ensino de ontem era centrado
na transmissão de conhecimentos, no da atualidade a metodologia do trabalho
com os conteúdos, relegou a um segundo plano a postura expositiva, focalizando
a dinamicidade, a relação dos fatos, o confronto de pontos de vista, a consulta em

1
Doutorado em Educação (PUC-Rio). Professora Adjunta IV (UEPA). CV: http://lattes.cnpq.br/6566132028659762
9
variadas fontes e o uso recursos tecnológicos; o modo de aprender, com a inserção
das novas tecnologias no espaço escolar, foi modificado, tanto na forma de acesso
ao conhecimento, bem como a maneira de compartilhá-lo.
A sociedade atual exige uma abordagem diferente da educação, na qual o
componente tecnológico não pode ser ignorado, afinal o grande e intenso aumento
da veiculação das informações no âmbito educacional suscita a inclusão de recursos
de aprendizagem inovadores, que promovam desafios e novas oportunidades. Nessa
perspectiva, o fácil acesso à informação induz a ressignificação da organização do
trabalho escolar, tornando imprescindível a especialização dos saberes, a colabo-
ração transdisciplinar e interdisciplinar e a consideração do conhecimento como
um valor precioso, de grande utilidade na vida social.
Nesta perspectiva e face às novas tecnologias, é renovado o paradigma edu-
cacional, bem como as posturas do professor e do aluno, no âmbito da interação
social e da mediação da aprendizagem pelo professor, da criação de ambientes
de aprendizagem centrados na atividade dos alunos e no desenvolvimento de um
espírito de colaboração e de autonomia nos alunos.
No contexto atual, torna-se necessário superar o tradicionalismo que ainda
permeia o paradigma educacional, embora sejam reconhecidas as presenças mar-
cantes da tecnologia na educação. Tais presenças são ratificadas pela utilização
de meios tecnológicos nas metodologias de ensino, que s entrelaçados propiciam
a adoção de processos de aprendizagem mais dinâmicos e eficientes, viabilizados
pela “digitalização” da comunicação, informação e comportamentos dos atores do
processo. Assim, o trabalho realizado teve como objeto de estudo o processo de ensino,
objetivando um refletir sobre a renovação dele, no contexto das práxis pedagógicas
mediadas pelos recursos tecnológicos.
Mas, abordar uma temática que envolva professor, ensino e tecnologia requer,
primeiramente, o reconhecimento da importância da informação, além de um retroagir
no tempo, para buscar a compreensão dos sentidos dos termos, que, juntos, constituem
o foco temático para, assim evitar o pensamento de que o envolvimento do professor
com as tecnologias é marca inconteste e única da sociedade atual, sem considerar o
fato de que, tempos atrás, as inovações também existiram, tendo-se como exemplos
delas, a escrita e a imprensa.
Dados estruturados, organizados, processados e inseridos em um determinado
contexto, são denominados de informações, ou de forma mais ampla, conhecimentos
existentes sobre um assunto, relevantes e úteis para os interessados. Os dados são
representados por fatos e quantitativos relativos a seres e coisas existentes dentro
e fora do contexto social, os quais, ao serem entendidos configuram-se em conhe-
cimento, saber. Nesta perspectiva, informação significa dados processados sobre ​​
algo ou alguém, enquanto o conhecimento refere-se a informações úteis obtidas
10
via aprendizagem ou pelas experiências vivenciadas. A relação entre informação e
conhecimento encontra-se representada na figura a seguir:

FIGURA 01 – A RELAÇÃO NA COMUNICAÇÃO

Fonte: a autora

O termo tecnologia tem sua origem sediada no grego antigo, derivado da asso-
ciação de τέχνη (techné = arte, ofício e saber fazer) com λογία (logia = estudo), a qual
assume o significado de “o conjunto de técnicas, habilidades, métodos processos
usados na produção de bens ou serviços ou na realização de objetivos, tal como em
investigações científicas”. Nos “primeiros tempos” seu significado esteve envolvido
com a descoberta do fogo, a invenção da roda, a escrita, a prensa móvel, bem como
as invenções que possibilitaram a criação de armas e a expansão marítima.
Com o passar dos tempos, tal significado evoluiu e, atualmente, atrelado ao uso do
computador, da internet, ou de um outro conjunto de diversos dispositivos eletroeletrô-
nicos, passou a ser compreendido como conhecimento técnico e científico. Na verdade,
as tecnologias existiram no ontem e existem no hoje, pois representam o resultado
do desenvolvimento dos seres humanos, o qual tem seus efeitos repercutidos no
meio social, suscitando transformações na vida humana.
Nas sociedades antigas, as funções do ensinar e aprender já eram vivenciadas
por muitos, apesar de não existirem instituições escolares, tais como as conhecidas
atualmente. Havia pessoas responsáveis pelo ensinamento de habilidades especí-
ficas, sejam elas físicas ou intelectuais, àqueles que delas precisavam. Na época, a
oralidade, aliada a outros processos comunicacionais era predominante na trans-
missão de fatos importantes para as gerações vindouras. Nessa situação contextual,
emerge a figura do professor, assumindo o encargo e a responsabilidade de ensinar
e, consequentemente, contribuir para a formação do cidadão.
Tal contexto, motivou a realização de uma pesquisa bibliográfica, funda-
mentada nas ideias de autores como Garcia et al. (2011), Kubata et al. (2012),
Lapa e Pretto (2010), Mercado (1998), Rojo (2013) e Teles et al. (2018), os quais
discutem a inserção das tecnologia no espaço escolar, a formação e práxis docente
na era digital, o letramento e a educação a distância, considerando a pertinência
de investigar sobre a contribuição da tecnologia e da práxis pedagógica para o
processo de ensino-aprendizagem.
O capítulo foi estruturado em três tópicos. O primeiro sob o título de “os
meandros do percurso” apresenta, a temática e os objetivos traçados, como forma
11
de situar o leitor no contexto do estudo. O segundo, intitulado “a expansão do
percurso” é subdividido em três subtópicos que abordam as questões inerentes às
informações e as tecnologias, a práxis pedagógica e o processo ensino e aprendizagem
na era digital e o terceiro apresenta informes sobre o ensino e a interatividade.
Seguem a eles as conclusões e referências.

A EXPANSÃO DO PERCURSO

Com a intenção de concretizar o objetivo assentado na abordagem de


questões inerentes à tecnologia, ao professor e sua práxis pedagógica vinculadas
ao processo ensino aprendizagem esse tópico foi subdivido, para abordar questões
sobre as informações e a inserção das tecnologias no espaço escolar em termos
de contribuições para o processo ensino aprendizagem, o importante papel do
professor como o mediador da aprendizagem dos alunos, bem como, o ensino e
a interatividade.

A INFORMAÇÃO E AS TECNOLOGIAS

Uma distinção entre o ser humano e outros seres ocorre pelo fato do pri-
meiro ser dotado da capacidade de processar informações e transmiti-las para os
seus semelhantes, sendo válido ressaltar que a construção do conhecimento, seja
no âmbito do senso comum ou na área científica, tem por suporte as informações
existentes sobre pessoas, assuntos, fatos, acontecimentos, as quais, por serem res-
ponsáveis pela socialização dos conhecimentos, emoções e sentimentos, são de
importância vital para a sociedade, em seus diversos âmbitos.
Com os avanços da tecnologia, mais precisamente, no século XX, nos tem-
pos da pós-modernidade, surgiu o termo Sociedade da Informação, caracterizada
pela grande conexão com questões inerentes à informática e aos sistemas comu-
nicacionais. Como a sociedade da informação objetivava o alcance da agilidade e
eficiência dos processos de comunicação, a ela foram atribuídos o estabelecimento
de propósitos pertinentes à aquisição, o armazenamento, o processamento e a
disseminação das informações, bem como, a promoção de inovações tecnológicas.
Tudo em prol do desenvolvimento das instituições de ensino e os demais setores
da sociedade.
É impossível não reconhecer que no bojo do paradigma da sociedade da
informação encontrava-se sediada a possibilidade de avanços significativos na vida
de todos, seja no plano individual ou coletivo, se forem considerados a geração e
uso de conhecimentos, que viabilizam a liberdade de expressão, a diversidade, a
comunicação e muitos outros benefícios no âmbito cultural, social, econômico.

12
Na década de 1970, com a expansão das telecomunicações e informática,
houve um grande progresso no referente às melhorias no processamento de infor-
mação. Então, surge na década de 1990, a “sociedade do conhecimento” termo na
época definido como uma “sociedade baseada na capacidade de pesquisar, inovar
e produzir informação”, diferenciada da sociedade da informação, haja vista, que
informação apenas subsidia a construção do conhecimento, não sendo sinônimo
de conhecimento já estabelecido.
Nesse contexto, a internet é conceituada como a rede mundial de com-
putadores interligados, responsável, atualmente, pela conexão entre as pessoas,
sendo impossível não reconhecer a democratização da informação pela internet,
haja vista, que ela viabiliza a todos o acesso e compartilhamento das informações,
contribuindo assim para o desenvolvimento de cada um e, consequentemente, da
sociedade.
Tecnologias da informação e comunicação (TIC), conhecidas como o con-
junto de recursos tecnológicos constituem-se como presença constante no cotidiano
dos seres humanos. São recursos utilizados de forma integrada, em vários setores
da sociedade, com o objetivo de atender às necessidades das pessoas na busca dos
conhecimentos, tanto que, a interação entre elas mudou de forma significativa,
desde o surgimento e popularização desses recursos, em específico, das tecnologias
digitais da comunicação. Afinal, muita coisa mudou...
Graças a tecnologia, várias ferramentas foram e são disponibilizadas pela
internet revolucionando assim, as formas de comunicação, a execução de tarefas no
ambiente de trabalho, a otimização das estratégias produtivas, as relações sociais e
as formas de ensinar e aprender. Dentre elas destacam-se: as redes sociais, e-mail,
chat, inteligência artificial, fóruns, agenda de grupo online, comunidades virtuais,
webcam, além do desenvolvimento de hardwares e softwares.
São inúmeros os benefícios alcançados com a inserção da tecnologia na
educação. Os recursos tecnológicos podem ser grandes aliados dos professores,
em termos da otimização das aulas, tornando-as mais dinâmicas e atraentes, com
o uso de materiais visuais e de plataformas para a instrumentalização de conteú-
dos escolares. Para os alunos, tais recursos viabilizam a flexibilidade de tempo de
estudo e um aprender via dispositivos próprios, o acesso aos conteúdos de forma
mais rápida.
Assim, no meio educacional, a tecnologia assume grande importância, afinal,
os alunos da atualidade são nativos digitais, imersos em redes sociais, na internet
e no fluxo de informações, sendo então, responsabilidade da escola oferecer um
ensino adequado à era da informação. Afinal, vai longe o tempo em que a compo-
sição dos livros teve como suportes a gravação das letras do alfabeto em placas de
argila, cascas de árvore, pedra, madeira, barro, folhas de palmeiras, considerados
13
na época como inovações técnicas. Após surgiu a impressão dos textos, realizada
no papiro (planta resistente), em pergaminhos (pele de animal), códices (madeira),
folhas de papel, até alcançar a era digital dos livros eletrônicos.
Um novo ensino requer o formato de aulas online, a substituição dos livros
e materiais impressos por formatos digitais, a utilização de ambientes virtuais, o
uso de tablets, celulares, e-readers2, plataformas online, computadores e projetores,
tudo em prol de um desempenho satisfatório de seus estudantes.

A PRÁXIS PEDAGÓGICA

Em épocas passadas a figura do professor esteve atrelada à disseminação


das informações, situação que continuou ao ser partícipe importante no pro-
cesso evolutivo da informação na sociedade. Antes, o ato de ensinar consistia
no repasse de conteúdos aos alunos de conhecimentos e o professor era con-
siderado como dinamizador das informações, pois a ele cabia a responsabili-
dade pela escolha daquelas que seriam repassadas aos alunos; atualmente, ele
assume um novo papel, o de mediador da aprendizagem dos alunos, o que requer
dedicação não tão somente aos seus alunos, mas aos seus estudos, à pesquisa, ao
seu desenvolvimento profissional.
Assumindo esse novo papel, passa a ser detentor de senso crítico, conhecedor
do campo do saber pertinente à sua atuação, com a capacidade de produzir novos
conhecimentos, por meio da realidade que o cerca, participando ativamente do
processo de aprender do aluno, na busca por novos saberes. No entanto, nesse
contexto de mudanças é válido sublinhar que, apesar dos inúmeros e variados
discursos, o cenário político ainda não priorizou como deveria a educação, no que
tange a oferta de condições que promovam a formação contínua do profissional
da educação e o reconhecimento de sua missão.
A inserção da tecnologia no espaço escolar suscitou o surgimento de um novo
paradigma educacional, o qual requereu e continua a requerer que os docentes focalizem
o processo ensino e aprendizagem com um novo olhar, haja vista, que a tecnologia,
não tão somente agora, mas no decorrer da história, segundo Garcia et al. (2011), tem
sido determinante na transformação do comportamento das pessoas, fato que pode
implicar no distanciamento entre o professor e o aluno e, consequentemente, provocar
um repensar sobre questões inerentes ao processo educativo.
É impossível não reconhecer que as mudanças ocorridas na sociedade têm
permeado a vida das pessoas, trazendo novas exigências aos cidadãos que necessitam
de autonomia, criatividade, senso crítico e desenvoltura para alcançar informa-

2
E-reader ou leitor de livro digital – dispositivo eletrônico destinado para a leitura de livros, revistas e quadrinhos. Dife-
rencia-se de um tablet ou outro aparelho eletrônico pela tecnologia de tela - e-Ink, a qual permite a simulação do papel.
14
ções e construir conhecimentos. Os docentes, nesse contexto, não se encontram
ilesos, tanto que têm enfrentados inúmeros desafios, no tocante a implementação
de práticas inovadoras no espaço escolar, valendo ressaltar que tais práticas não
apenas se referem à inclusão de ferramentas tecnológicas nos processos de ensi-
no-aprendizagem, mas também e, principalmente, à necessidade de mudanças na
metodologia utilizada.
É inegável o fato de que dentre as competências dos docentes, ainda são
precárias as inerentes ao uso das tecnologias, situação corroborada pelo enunciado
de Lapa e Pretto:
..... essa instabilidade torna-se um momento potencial para a reflexão
sobre a educação, com a possibilidade de ressignificação do papel de
docente, proporcionando a transformação. (2010, p. 82)

Antunes (2002, p. 108) ratifica com a ideia ao afirmar que “não há mais
espaço para professores que trabalham apenas conteúdo específicos, pois esses
valores e sua fixação são responsabilidade de todos”. Nessa perspectiva, no con-
texto atual, é requerido do professor conhecimentos que ultrapassem os limites do
desenvolvimento do conteúdo a ser instrumentalizado e seu comprometimento
com a aprendizagem do aluno, de tal maneira que ao mesmo é proposto um olhar
mais acurado para o uso das tecnologias da informação.
O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC’s no espaço
escolar demanda que os docentes sejam dotados de competências que viabilizem
a incorporação da tecnologia nas estratégias de ensino e nas experiências de
aprendizagem dos alunos, bem como, subsidiem a seleção e criação de recursos
tecnológicos que possam dinamizar o processo ensino-aprendizagem.
É notória a importância das competências para o profissional da educação,
no exercício de suas funções, tanto que para Rojo (2013) um ensino eficiente deve
ser consoante a cultura inovadora, vivenciada nos tempos atuais, a qual exige do
profissional habilidades que possam subsidiar a aprendizagem dos discentes em
prol da atuação na nova sociedade; para Garcia et al. (2011), as competências,
sejam elas, concentradas no âmbito pedagógico ou profissional, são elementos
imprescindíveis para a integração da tecnologia no processo educativo e para
Kubata et al. (2012), os discentes da contemporaneidade, por serem bem ativos e
imersos no mundo digital, precisam da mediação do professor.
Professor, aluno, e as TIC’s, autores desse novo panorama da educação,
precisam ser “um todo integrado” e para tal o primeiro deve sempre buscar a
atualização de sua formação, tal como afirma Mercado:
A formação de professores sinaliza para uma organização curricular
inovadora que, ao ultrapassar a forma tradicional de organização
15
curricular, estabelece novas relações entre a teoria e a prática. Oferece
condições para a emergência do trabalho coletivo e interdisciplinar
e possibilite a aquisição de uma competência técnica e política que
permita ao educador se situar criticamente no novo espaço tecnoló-
gico. (1998, p. 04)

Para o autor é de extrema importância que haja reflexões sobre a adequa-


ção das competências do professor à utilização dos recursos tecnológicos em sala
de aula, pois a formação do docente versus o cenário tecnológico atual, não têm
sido consideradas pelas políticas públicas inerentes ao âmbito educacional, nem
tampouco pelas instituições formadoras e/ou incumbidas pela capacitação dos
profissionais. No mesmo tom do discurso, Garcia et al. (2011, p. 80) enuncia que
urge um repensar sobre “as estratégias de ação, as práticas pedagógicas, a maneira
como se abordam os conteúdos e as interações entre professor e o objeto de estudo”.
Tais “vozes” incidem no fato de que, o docente enquanto mediador do processo de
ensino-aprendizagem jamais pode desconhecer as competências inerentes à sua
atividade e deve sempre refletir sobre suas práticas educativas, inovando assim o
seu currículo e usufruir do prazer do saber.
Os alunos da contemporaneidade, na visão de Pivato e Oliveira (2014), por
serem nativos digitais, caracterizam-se por demonstrar não ter apreço pelo ensino tra-
dicionalista, cujo cerne incidia na recepção de conhecimentos repassados pelo professor,
via recursos nem sempre adequados. Tal forma de ensino, se aplicada hoje em dia, não
gera conhecimento, nem atrai a atenção e a motivação deles. Na verdade, segundo
as autoras, agora, os alunos gravitam em torno do acesso do mundo virtual e do
manuseio dos recursos disponibilizados pela internet, o que provoca o surgimento
de uma situação contrária da realidade dos tempos passados.
Os tempos mudaram com a explosão das TIC’s não tão somente no espaço
escolar, mas também, na sociedade como um todo. Tal situação implica na neces-
sidade da ressignificação do ambiente escolar com vistas a adequação à nova rea-
lidade, bem como, da práxis pedagógica em termos de metodologias mais eficazes
e eficientes, ou seja, que consigam atingir os objetivos traçados em prol do êxito
do processo ensino aprendizagem.
Diante de tantas mudanças, o alunado, estando, frequentemente, em contato
com o mundo virtual, tem se tornado mais consciente da autoria do seu próprio
conhecimento, fato que impulsiona o docente a repensar a sua prática, pois a
sua função de detentor do conhecimento foi renovada, ou seja, possui agora a
responsabilidade de ser mediador da construção do conhecimento de um aluno,
que apresenta no bojo de seu perfil sua integração à internet, o que oportuniza o
desenvolvimento de capacidades e, consequentemente, o uso dos recursos tecno-
lógicos de forma consciente e responsável.
16
Na verdade, grande parte da sociedade, na atualidade, vivencia as experiências
com mundo virtual, entretanto, nem todos os profissionais atuantes nos espaços
escolares aceitam, plenamente, por motivos vários, a inserção das tecnologias no
espaço escolar, principalmente, no referente ao uso de tecnologias móveis, como
celulares e tablets, nas salas de aula, embora sejam inúmeras as indicações, na lite-
ratura circulante, sobre a contribuição desses recursos nas salas de aula, enquanto
ferramenta pedagógica do processo de ensino e aprendizagem.
Embora as experiências com o virtual aconteçam no meio social, na escola a
resistência ainda se faz prevalecer, como por exemplo, a proibição do manuseio de
celular em sala de aula. Pivato e Oliveira (2014), considerando o papel do educador
como ator principal na equipe pedagógica, afirmam que isso não deveria acontecer,
que o professor, ao invés de reprimir tal uso, deveria buscar auxílio nessa ferramenta
para fomentar, de forma motivada e interessante, o ensino e aprendizagem.
Mas, enquanto isso não acontecia, essa resistência e/ou “aversão” ao uso
da tecnologia como recurso didático tornou-se um grande desafio para muitos,
principalmente, quando ela se voltava para o uso de tecnologias móveis a serviço
da educação nas salas de aula. Tal ocorrência suscitou o interesse da comunidade
internacional, tanto que, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura – UNESCO publicou um guia contendo significativas reco-
mendações políticas que visam auxiliar os governos na efetivação desses recursos
nas salas de aula, enumerando motivos que demonstram vantagens de tal uso
para a educação.

O PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM NA ERA DIGITAL

Na atualidade, o contexto social é marcado pela expansão midiática, de


forma célere, a qual trouxe consigo mudanças radicais, nos mais diversos campos
do conhecimento. Tal panorama tem provocado mudanças no perfil do professor,
as quais têm ocorrido, em específico, em termos de novas competências a serem
desenvolvidas, as quais, se acatadas, o torna preparado para ressignificar a sua prática
pedagógica principalmente, em relação ao uso de procedimentos metodológicos
que contemplem a presença da tecnologia, contribuindo assim, para a inserção da
interatividade intermediada pelas tecnologias da informação e comunicação, em
específico, de ferramenta móveis.
Considerando a maneira rápida e interativa com que as informações são
difundidas via textos digitais, Rojo e Moura (2012) vinculam a inserção da escola
no contexto tecnológico da sociedade contemporânea, ao uso dos recursos tec-
nológicos e de materiais didáticos digitais em sala de aula. Mas, tal vinculação
esbarra na grande dificuldade em romper com séculos de ensino voltado para uma
17
educação vertical, no topo da qual, estava presente o professor, com a autoridade
de criar um ambiente ideal para a aprendizagem. Essa dificuldade aumenta em
virtude das fragilidades/lacunas existentes na formação desse profissional, as
quais clamam por uma capacitação adequada aos novos tempos como também,
pelo fato de os alunos estarem imersos no vivenciar do mundo digital.
Na verdade, é imperiosa a necessidade do espaço escolar ser redesenhado,
que tenha uma nova configuração, principalmente, no que tange à formação
dos professores e, consequentemente, à práxis pedagógica, afinal, diante do atual
contexto situacional, não é possível admitir a continuidade de um “fazer” de décadas
atrás, é preciso olhar de forma mais acurada para o fato de que as novas tecnolo-
gias geram impactos no interior da escola, bem como, fora dela. O professor de
ontem - o detentor do conhecimento -, deve assumir a função de mediador
da aprendizagem, oportunizando assim, a formação dos alunos permeada de
habilidades cognitivas e não cognitivas.
Enunciados de Freire (1997) como “ensinar não é apenas transmitir
conhecimento” e “ensinar exige pesquisa, método, criticidade e diálogocom os
estudantes” são pertinentes às questões atuais, pois induzem reflexões sobre
as práticas de transmissão, a inserção da pesquisa e da criticidade epistemo-
lógica no ensino como atividade de busca e ampliação do conhecimento, o
que viabiliza a aprendizagem tanto do aluno como do professor, ratificando
mais um enunciado do autor “toda prática educativa demanda a existência de
sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo ensina” (1997, p. 77).
Para o autor, é no espaço social da relação entre professor e alunos que
acontece a educação escolar. Reconhece assim a existência de uma relação entre
“quase iguais” na qual, o aluno é o aprendiz e o adulto é o professor, o conhecedor
do conteúdo a ser trabalhado; segundo ele, tal relação, embora assimétrica, não se
apresenta de forma cristalizada, sendo flexível e sujeita a desequilíbrios durante
o processo de aprendizagem.
A prática pedagógica, diante dos recursos tecnológicos, requer muitas
“atitudes” do professor, dentre elas, o reconhecimento da realidade social dos seus
alunos, o aprendizado em conjunto, a inserção de inovações constantes, a fim de
que a formação desenvolvida não seja apenas de conteúdos, mas que a ela sejam
agregadas habilidades não cognitivas, como o protagonismo, a sociabilidade e a
estabilidade emocional.
A situação pandêmica trazida pela Covid-19, motivou o desenvolvimento
dos modelos de ensino híbrido, nos quais as práticas de transmissão foram modi-
ficadas, haja vista que tais modelos de ensino requereram do docente, uma prática
direcionada para a tutoria de aprendizado, a capacidade de identificar problemas,
o desenvolvimento de ações focalizadas na individualização e personalização

18
do ensino, como também, na promoção da informação em conhecimento e no
desenvolvimento de habilidades não cognitivas, como a criticidade e acolaboração.
No meio educacional, atualmente, muito é discutido o aspecto da persona-
lização do ensino3, o qual não está, necessariamente, atrelado ao uso dos recursos
tecnológicos, haja vista que os professores, há muito tempo utilizam a tecnologia,
não as existentes no momento atual, mas as ferramentas mais simples, como o
livro. A personalização é norteada pela compreensão de que cada aluno possui
forma e ritmo de aprendizagem próprios, permeada pelo estímulo à autono-
mia do alunado e acata metodologias e abordagens diversas, ultrapassando os
limites do trabalho focado no desenvolvimento de habilidades com o apoio
de ferramentas variadas que possam auxiliar a aprendizagem do alunado, sem
esquecer que a internet, sendo a grande inovação tecnológica dos tempos
atuais, possibilita o acesso às informações e, consequentemente, viabiliza a
construção do conhecimento.
É inegável o fato de que mudanças educacionais, em muito, dependem dos
professores, em específico, de sua formação e da prática pedagógica que insere no
contexto escolar. A primeira deve ter continuidade e ser adequada aos novos tem-
pos do processo ensino e aprendizagem e a segunda pode ser ressignificada com
o acesso às tecnologias digitais, considerando o vivenciar de uma época permeada
de ferramentas digitais simples, mas também, de dispositivos e softwares cada vez
mais interativos e funcionais.
No contexto situacional, a principal habilidade requerida do professor é
a capacidade de inovar, utilizando a tecnologia de forma coerente, bem como,
metodologias adequadas às realidades dos espaços escolares, ou seja, ter um
novo olhar sobre como se aprende e se ensina. Desta forma, a tecnologia torna-se
uma aliada do processo ensino e aprendizagem, assumindo um papel importante
quando viabiliza formas de facilitar o aprendizado.
Em geral, os espaços escolares acatam turmas bastante numerosas, o que
dificulta o trabalho docente, pela diversidade apresentada no perfil do alunado.
Ao lado de alunos proficientes que apresentam autonomia nos estudos existem
alguns alunos com defasagem/lacunas nos estudos, precisando de atenção espe-
cial; outros apresentando dificuldades no âmbito de um caminho autônomo
de aprendizagem. O professor, por ser o mediador entre as informações e o
aluno, deve auxiliar os estudantes na superação das dificuldades, compartilhando
com eles as diferentes formas de obtenção das informações.

3
A personalização do ensino tem como principal objetivo o aprimoramento e estímulo das habilidades cognitivas de
cada estudante por meio do aprofundamento de conteúdos específicos, incluindo as competências socioemocionais.
19
ENSINO E A INTERATIVIDADE

Para discorrer sobre a relação ensino e interatividade é preciso destacar o


vivenciar de uma época de inflexão do físico para o digital pela sociedade atual,
tanto que, a mesma por referir-se ao conjunto de utilizadores ligados e depen-
dentes das tecnologias da comunicação e informação, tem sido denominada de
“sociedade digital”. Os dispositivos digitais são parte integrante e indissociável
da rotina diária dos consumidores que utilizam tais ferramentas viabilizadoras
de distribuição de conteúdo gratuito, para efetivar a comunicação, realização de
tarefas, resolução de problemas.
É importante esclarecer alguns conceitos antes de trabalhar a relação entre
ensino e aprendizagem, haja vista que tais definições podem contribuir para a
percepção e esclarecimento sobre os desafios que estão enfrentando professores e
outros profissionais da educação.
No sentido estrutural, a palavra tecnologia tem origem no grego “tekhne” que
significa “técnica, arte, ofício” agregada ao sufixo “logia” que significa “estudo”; o
conceito do termo, ao longo dos anos, tem variado bastante, tanto que, é possível
encontrar, em cada época, um conceito distinto dos demais. Em geral, o termo
tecnologia é tratado como sinônimo de técnica, ou seja, ferramenta ou artefato
tecnológico, muito embora ambos tenham conceitos diferentes, pois a primeira “é
um produto da ciência e da engenharia que envolve um conjunto de instrumentos,
métodos e técnicas que visam a resolução de problemas, sendo uma aplicação
prática do conhecimento científico em diversas áreas de pesquisa” e a segunda
refere-se ao “conjunto de processos norteadores de uma arte”.
Na área educacional, a tecnologia não pode ser concebida apenas como fer-
ramenta, pois pode envolver o risco da manutenção da prática pedagógica, além
do que se refere ao conhecimento que está por trás do artefato. Para Veraszto et
al. (2008) é forma de conhecimento, produção criada pelo homem ao longo da
história, conjunto de saberes que se referem à concepção e desenvolvimento de
instrumentos criados pelo homem para satisfazer suas necessidades tanto coletivas
como individuais.
Os recursos digitais são considerados no contexto social como os respon-
sáveis pela grande revolução, tecnológica e, também cultural, pois a transição
do analógico para o digital, de acordo com Silva (2001), permitiu a criação e
organização de elementos de informação, o estabelecimento de novas formas de
comunicação, assim como as simulações e as estruturações evolutivas nos ambientes
online de aprendizagem. A vida digital no pensar de Negroponte (2002, p. 24),
“cria o potencial para que um novo conteúdo venha a ter origem a partir de uma
combinação inteiramente nova de fontes”.
20
A tecnologia digital, segundo Amaral (2008) reporta-se à convergência digital
do vídeo, textos e gráficos, significando dessa forma, uma nova materialidade das
imagens, textos e sons, armazenados na memória do computador. Para o autor,
a existência de possibilidades de desenvolvimento e produção, por professores e
alunos, de meios para a emissão e análise de suas próprias mensagens, motiva o
surgimento da linguagem digital interativa no contexto educativo.
Os recursos digitais são elementos informatizados, que possibilitam a abor-
dagem dos conteúdos via materiais digitais diversos, tais como imagens, vídeos,
hipertextos, animações, simulações, páginas web, jogos educativos, dentre outros.
Tais materiais, no âmbito educacional, são ferramentas que viabilizam o surgi-
mento de novas práticas pedagógicas, bem como, promovem a interatividade entre
o aluno e atividades que objetivam o aprender dos discentes. Torrezzan e Behar
(2009) enunciam que a inserção deles na práxis pedagógica se constitui como
grande desafio dos professores na atualidade.
Vale ressaltar que interação não é sinônimo de interatividade. Segundo Bar-
ros (2008) a interação ocorre diretamente entre duas ou mais pessoas, enquanto a
interatividade é necessariamente intermediada por um meio eletrônico. Para Silva
(2001) o conceito de interatividade emerge do âmbito comunicacional e não da
área da informática, pois reporta-se ao “diálogo entre pessoas” viabilizado pelas
máquinas e programas.
Segundo Silva (2001), a ocorrência da interatividade implica em assegurar
a disposição dialógica entre os polos da comunicação, bem como, a intervenção
do usuário no conteúdo ou programa manipulado por ele. Ao final da análise de
definições existentes de interatividade, buscando uma melhor compreensão do
papel das TIC no contexto educativo, Veraszto et al. (2009), apontaram que os
principais indicadores de tecnologia interativa envolvem:
• O intercâmbio entre as máquinas.
• O intercâmbio entre os usuários e o software.
• As oportunidades de aprendizagem, entretenimento, aquisição de infor-
mação, comunicação em tempo real, comunicação remota.
• Sistema dinâmico e poder de decisão.
• Feedbacks.
• Animações, vídeos, música, hipertexto e jogos.
• Simulações holográficas.
• Similaridade com o real.
• Imersão passiva ou ativa, individual ou coletiva.
• Transformações do entorno virtual.
21
Segundo Delaunay (2008), a interatividade, dependendo dos contextos, assume
funções diferenciadas. No contexto educacional, ela torna-se importante, quando é uma
interação significante, ou seja, quando ultrapassa o âmbito mecânico para dar sentido
à ação humana. No caso da aprendizagem, a interação é intencional pois o sujeito
reconhece o porquê do uso de determinado programa e das capacidades interativas
da máquina que possibilitam interações humanas significativas.
Para Lemos (1997) a interatividade digital é um tipo de relação tecno-so-
cial, ou seja, uma nova relação dialógica entre homem e máquina, na qual ocorre
a interação dos sujeitos com a ferramenta e com a informação. Freire (2005), ao
abordar a dialogicidade do ato educativo, pontuava a existência de uma interação
ativa, marcada pela ação do homem. Com tais perspectivas, é possível afirmar
que tecnologia digital interativa é uma produção humana permeada pela comu-
nicação interativa, a qual viabiliza a intervenção dos sujeitos, seja no conteúdo ou
programa com os quais interagem e, tem como mediadora do processo dialógico,
a ferramenta tecnológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível observar a relevância do entendimento dos conceitos trabalhados


neste capítulo, pois eles são inerentes à sociedade contemporânea, como também,
do fato de que os jovens e as crianças de hoje já nasceram/nascem num mundo
marcado pelas tecnologias digitais, com as quais interagem, ainda que nem todas
usufruam em alto grau dos avanços tecnológicos.
O professor continua sendo importante no processo de ensino aprendizagem,
no entanto, este profissional deixou de ser o detentor do saber e tornou-se em um
mediador entre o ensino e o educando. Assim, fechar os olhos para a necessidade edu-
cacional, em termos de uma formação inicial ou continuada de professores, permeada
por novas competências que possam viabilizar, de forma produtiva, o trabalho com as
tecnologias digitais interativas significa inviabilizar e, até mesmo, impedir a formação
integral desses profissionais que não saberão agir com a criticidade e competência
necessárias na própria sociedade tecnológica da qual fazem parte.
Vivencia-se um novo contexto educacional, no qual, diante da expansão
tecnológica, o docente mesmo assumindo um novo papel no processo ensino e
aprendizagem em virtude da exigência de ser detentor de novas competências,
devido ao adentrar das TIC’s em sala de aula, continua sendo o ator principal
na educação, cabendo a ele a responsabilidade pela própria adaptação ao mundo
virtual e, também, pela integração dos alunos a esse “novo” mundo, em termos de
instruí-los sobre o uso adequado das ferramentas digitais, considerando a interação
dos mesmos com a tecnologia.
22
Os alunos, embora, em sua grande maioria, sejam nativos digitais, em relação
à aprendizagem ainda demonstram imaturidade no uso adequado das ferramentas
digitais, considerando o fato de que, tanto o ensino como a aprendizagem são/serão
ressignificados não tão somente pela inserção das TIC’s no contexto educacional,
mas pelo uso delas, de forma crítica e consciente, a favor dos atos de ensinar e
aprender. A forma como esses estudantes utilizam a tecnologia em favor da
aprendizagem é uma habilidade que só se concretizará com novas práticas de
ensino, bem como, com a presença de professores inovadores, estimulando
um espírito crítico em seus alunos perante toda informaçãodisponível na rede.
É impossível negar a importância das novas tecnologias para o processo de
ensino e aprendizagem diante das atuais vivências nos espaços escolares, nos quais
os alunos são nativos digitais enquanto os professores vivenciam um aprendizado
de adaptação ao uso das ferramentas tecnológicas; a incorporação dos recursos
tecnológicos nas práticas educativas; a inserção de novas práticas de ensino; o
volume de informações disponibilizadas nos ambientes digitais e o estímulo
dado pelos professores aos alunos ao desenvolvimento do espírito crítico deles perante
as informações acessadas nas mídias disponíveis.
A realização do processo de ensino-aprendizagem nesta nova conjuntura
educacional requer o afastamento das formas como as tarefas eram efetivadas no
passado e a conquista dos frutos da modernidade, para que o espaço escolar seja
transformado em um ambiente atrativo e motivador para alunos e professores,
em prol do incentivo da aprendizagem exitosa.
Sem esquecer do fator de inclusão social que as TIC’s trazem em seu bojo, é
relevante relembrar que “todos” na atualidade e/ou num passado próximo, passam/
passaram por uma sala de aula e devem carregar consigo registros na memória da
figura de um professor e de seu perfil no tocante ao repasse/mediação dos conheci-
mentos, mas também, daquela pessoa mais próxima a quem os alunos buscam/
buscavam auxílio quando necessário. É preciso salvaguardar essa característica
essencial do processo, ou seja, a relação professor e aluno, afinal, eles são os atores
centrais de um “palco”, no qual se desenrola o educar, “papel” principal da escola.
É reconhecido o fato que as transformações existem em “todo canto e
lugar”, suscitando nova significação a algo ou alguém, como também que elas
não ocorrem de um dia para o outro. Em termos do desenvolvimento eficiente
e produtivo do ensino e aprendizagem, não existem receitas ou fórmulas prontas
para a concretização de tal objetivo, mas a incorporação do uso das tecnologias
nas práticas educativas apresenta a possibilidade de ressignificar os espaços
escolares, em termos de, como suporte ao ensino, criar ambientes favoráveis à
aprendizagem, congregando docentes motivados e alunos participativos.

23
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24
TIPOS DE DISCURSO NO DIÁRIO DE BORDO DE UM
AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

Francimary Macêdo Martins4

INTRODUÇÃO

A comunicação mediada pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação


(TICs) transformou e ampliou consideravelmente as possibilidades das práticas
discursivas, o que instigou a academia a estudar e pesquisar os gêneros discursivos
que emergem dos ambientes digitais. Esses gêneros, denominados como digitais por
Marcuschi (2004), carecem de que os estudiosos se dediquem a compreendê-los,
sobretudo com o intuito de perceber como eles alteram as relações sociointerati-
vas e as habilidades tecnológicas de se lidar com a escrita em ambientes virtuais
possibilitados pelas TICs.
Essas TICs se convertem em tecnologias educativas na medida em que são
utilizadas como estratégias de ensino-aprendizagem, e não como meros recursos
de demonstração. Portanto, esses meios não são, a priori, tecnologias educativas,
mas podem vir a ser qualificadas para tais funções.
Ler, escrever e divulgar informações, com o uso das tecnologias digitais,
transformou-se sobremaneira, pois possibilitou a introdução de novos/diferentes
gêneros textuais, como novas práticas discursivas: gerou um novo paradigma nas
ciências da linguagem (VIEIRA, 2005). O uso das novas tecnologias é mais do
que simplesmente inovações no campo da Ciência e Tecnologia, tornou-se um
“emblema salvador da modernidade em crise” (MORAES, 2000, p. 13).
Este capítulo tem como objetivo verificar os tipos de discurso presentes
no Diário de Bordo, uma ferramenta interativa e de aprendizagem disposta em
uma tecnologia digital. O corpus desta análise é composto pelos enunciados de
uma aluna que interagiu no AVA de um curso de graduação de Administração
na modalidade de Educação a Distância. O recorte do corpus é de um período
de 7 meses com 69 dias de registro. A análise dos tipos de discursos presentes no
corpus terá como base teórica a categorização de Bronckart (2007) além de outros
teóricos dispostos no texto embasando os outros assuntos.

4
Doutora em Linguística (UFC). Professora (UFMA). CV: http://lattes.cnpq.br/9131343248468105
25
TRATO TEÓRICO

O AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA)


E O DIÁRIO DE BORDO

Tipicamente o AVA é um sistema de gestão de aprendizagem que possibilita


formas diversas de produzir cursos e atividades didáticas, disponibilizar outros
recursos hipermidiáticos, bem como acompanhar a participação do estudante
podendo avaliar todo o seu percurso de estudo.
É então um espaço fecundo de significação, onde seres humanos e objetos
técnicos interagem potencializando a construção de conhecimentos, e isso gera
aprendizagem (SANTOS, 2003).
O processo de aprendizagem em um ambiente virtual envolve uma mudança
atitudinal em relação à utilização dos recursos didáticos disponíveis em um ambiente
educacional. A possibilidade de hiperinteração gerada pela interatividade propõe
uma releitura dessas ações, quando a “interatividade está na disposição ou pre-
disposição para mais interação, para uma hiperinteração, para bidirecionalidade
- fusão emissão-recepção - para participação e intervenção” (SILVA, 1998, s.p.).
Um ambiente virtual de aprendizagem exprime o perfil de uma sala de
aula engendrada pela co-autoria do professor e dos estudantes na construção da
aprendizagem e da própria comunicação.
O Diário faz parte da estrutura funcional do AVA, e encontra-se em todos
os módulos, em todas as disciplinas: tem um espaço único no ambiente. É com-
partilhado somente entre o aluno, os professores, tutores e os administradores do
AVA: essa configuração depende da proposta do curso e da funcionalidade do
Diário nas atividades de ensino e aprendizagem. O Diário pode assumir várias
denominações, isso vai depender da customização dada no AVA pelos adminis-
tradores do ambiente: diário de curso, diário de bordo, diário, dentre outras.
O Diário é considerado um gênero digital, pois se configura no domínio da
mídia virtual, por ser um novo modo discursivo denominado “discurso eletrônico”
(MARCUSCHI, 2004).
Ora, se entendermos gênero como um texto situado histórico e socialmente,
recorrente, que serve de instrumento comunicativo com propósitos específicos e
como forma de ação social, será perceptível a todos que com o uso de um novo
meio tecnológico que interferir nessas condições, interferirá também na natureza
do gênero produzido (MARCUSCHI, 2004).
O gênero diário pode ser considerado em três aspectos, como:
a. ferramenta pedagógica: para verificação e acompanhamento da aprendi-
zagem, quando o aprendiz utiliza-o como organizador de suas atividades
de estudo, consultando-o sempre que necessário;
26
b. evento de interação entre professor e aluno: aspecto bastante importante,
pois busca suprir em alguns momentos a necessidade da interação face
a face. Configura-se um espaço formal e ao mesmo tempo informal de
contato com o professor, pois só eles se “veem” e se “falam”, em um local
definido que o aprendiz sabe que vai ser “ouvido” e lido;
c. texto: com características comunicacionais e interativas, o discurso do
diário é um texto que contém também registro de atividades teórico-
-pedagógicas, sem contudo estender-se no aspecto teórico-discursivo.

O Diário pode ser um instrumento que permite recolher comportamentos de


agentes que atuam no seu contexto natural de estudo, revelando comportamentos
autênticos. Pode ser útil também para interpretar dados recolhidos por meio de
uma observação sistemática - o texto deste gênero se caracteriza por ser do tipo
descritivo e reflexivo.
É, sobretudo, um espaço reservado para os aprendizes registrarem suas expe-
riências, sucessos e dificuldades durante o percurso do curso, intentando desencadear
um processo reflexivo da aprendizagem: parte da descrição para a reflexão. Nele o
aluno destaca estratégias de estudo, atividades realizadas, participação, interesse,
angústias, aprendizados, dificuldades, dilemas. Aproveita também para analisar,
rever encaminhamentos, documentando assim seu percurso e reorganizando sua
aprendizagem (SANTOS, 2006).
Em geral, o Diário no AVA não é considerado no processo de avaliação
da disciplina e ou curso, o que permite ao aluno maior liberdade de expressão e
pensamento: mas é um instrumento autoavaliativo.
Na Educação a Distância, por diversos momentos, os alunos sentem-se
isolados, distantes do convívio presencial com colegas e professores. O Diário,
de alguma forma, se configura então em um espaço de desabafo do aluno, que
pretende ser “ouvido”, lido e atendido. Também é um espaço de autointerlocução,
pois em alguns momentos o aprendiz não fala para os outros, fala somente para
si com intenção de ser “ouvido”.
Em qualquer atividade, seja presencial ou a distância, é importante que o
aluno possa desenvolver sua autoavaliação e registrá-la. Essas ações podem se
constituir de motivação para sua aprendizagem, porque são provindos do próprio
aluno: “ninguém melhor que ele próprio e ninguém melhor do que ele saberá onde
mexer para corrigir ou para deslanchar” (MASSETO, 2000, p. 167).
No caso de nosso objeto de observação, foi denominado de Diário de Bordo
(DB) por fazer analogia ao diário de bordo, originalmente, da navegação marítima,
que intenciona registrar os acontecimentos mais importantes de uma viagem e
serve também como uma excelente recordação de uma viagem quando bem escrito.
27
Para se reconhecer os tipos de discursos presentes no Diário de Bordo de
um AVA, pretensão deste capítulo, o corpus de análise é composto pelos enun-
ciados de uma aluna que interagiu no ambiente de um curso de graduação em
Administração na modalidade de Educação a Distância. O recorte do corpus é de
um período de 7 meses com 69 dias de registro.
O critério de seleção desse corpus se deu a partir do reconhecimento de um
discurso bastante rico e ao mesmo tempo complexo da aluna do curso, que ao
mesmo tempo em que registrava suas impressões pedagógicas também interpunha
monólogos com inserção de textos em outra língua: o italiano (a aluna é estudante
de italiano), e também porque a referida aluna estava dentre os alunos do curso
que mais utilizava essa ferramenta do AVA (com mais frequência), e o volume
textual do Diário era bastante significativo perante os outros.

TIPOS DE DISCURSO

A acelerada evolução do campo das tecnologias digitais tem provocado


alterações críticas nos modos de escrever e de ler, pois o uso de tecnologias implica
novos modos de relação entre sujeitos cognoscentes e os objetos do conhecimento,
abrangendo os textos e leituras, ambos necessariamente plurais (BARRETO, 2001).
Além da concepção de que o texto tem sentidos múltiplos, a Linguística
Textual passa a definir o texto como um evento comunicativo, de constituição e
de interação de sujeitos sociais, em que convergem ações linguísticas, cognitivas
e sociais (BEAUNGRANDE, 1997 apud KOCH, 2006); é, pois um constructo,
complexo e multifacetado.
Portanto, texto não pode ser considerado apenas como meio de representação
de conhecimento, nem apenas como repositório linguístico de conceitos, estrutu-
ras e processos cognitivos, ou meramente uma simples sequência de enunciados.
Sendo assim, e visto numa concepção interacional (dialógica) da língua, o texto
passa a ser considerado o próprio lugar da interação, e os interlocutores, como
sujeitos ativos (KOCH, 2006).
Texto numa acepção geral é toda e qualquer produção de “linguagem situada”
(BRONCKART, 2007, p. 71) oral ou escrita, como exemplo um diálogo familiar,
uma exposição pedagógica, um artigo informal, um romance etc.
A noção de texto utilizado pelo Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)
está assemelhada à noção baktiniana de enunciado/texto/discurso. Como afirma
Bronckart (2006, p. 139) ao dizer que o texto é “o correspondente empírico/lin-
guístico de uma determinada ação de linguagem”: é uma unidade comunicativa,
pois tende a veicular uma mensagem linguisticamente organizada, produzindo
um efeito de coerência em seu destinatário.

28
Há na sociedade uma quantidade infinita de atividades e ações de linguagem
realizadas por intermédio de um número considerável de gêneros textuais, sendo
que todos eles têm certa regularidade em sua construção, passíveis de serem sis-
tematizadas. Estas regularidades são características de alguns discursos, que por
ter configurações particulares de unidades e de estruturas linguísticas, em número
limitado, podem entrar na composição de todo texto. São os denominados tipos
de discurso (BRONCKART, 2007).
Considerado como uma contribuição original do ISD para o estudo dos
textos, os tipos de discurso consistem em
formas linguísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem
a criação de mundos discursivos específicos, sendo estes tipos articu-
lados entre si por mecanismos de textualização e por mecanismos de
enunciação que conferem ao todo textual sua coerência sequencial e
configuracional (BRONCKART, 2007, p. 149).
Quando se trata do nível global do texto pertencente a um gênero, este pode
ter um só tipo de discurso, mas também pode ser constituído de vários tipos de
discursos intercalados. Ao se constituir em um todo, o texto pode ser identificado
por um tipo de discurso dominante, em que se destacam uma maior regularidade
em seus aspectos estruturantes.
Esses discursos estão organizados em dois eixos conforme Brockart (2007):
• Ordem do EXPOR: mundo discursivo do expor explicado e expor
autônomo – modo conjunto.
• Ordem do NARRAR: mundo discursivo do narrar implícito e narrar
autônomo – modo disjuntivo.
Apresentando quatro tipos de discurso, Bronckart (2007) divide-os em:
discurso interativo e discurso teórico (ordem do EXPOR); relato interativo e a
narração (ordem do NARRAR).
O discurso interativo se caracteriza pela presença de unidades que remetem
à própria interação verbal das formas dialogadas marcadas pelos turnos de fala,
tanto nos diálogos quanto nos monólogos, e pela presença de: numerosas frases
não declarativas; uso de tempos verbais (essencialmente pelo presente e pelo
pretérito perfeito do indicativo); dêiticos espaciais e temporais; nomes próprios,
verbos, pronomes e adjetivos; de pronomes indefinidos; de auxiliares de modo
(poder, querer, dever, ser preciso). Sua maior característica é a densidade verbal.
O discurso teórico é monologado e com ausência de frases não declara-
tivas. Também explora o mesmo subconjunto de tempos dos verbos do discurso
interativo (predominância das formas no presente). Há a ausência de dêiticos
espaciais e temporais, e de nomes próprios, pronomes e adjetivos. Há a presença
de: organizadores com valor lógico-argumentativo e do auxiliar do modo “poder”;
29
numerosas frases passivas, dentre outras. Caracteriza-se por uma densidade verbal
muito fraca, mas com uma densidade sintagmática elevada.
O relato interativo é caracterizado por ser a princípio, também, monolo-
gado, mas constituído de um mundo discursivo disjunto ao da interação, marcado
pela presença de: tempos verbais (pretérito perfeito e o imperfeito do indicativo,
às vezes ao mais-que-perfeito ou o futuro simples); de organizadores temporais
(advérbios, sintagmas prepositivos, coordenativos e subordinativos), presença de
anáforas pronominais, dentre outras. O relato interativo tem uma densidade verbal
similar à do discurso interativo.
A narração comporta apenas frases declarativas e se constitui também em um
mundo disjuntivo, pois explora os tempos da história ou tempos narrativos (pretérito
simples e o imperfeito para relatos de retroação, auxiliar do imperfeito + infinitivo para
relatos de projeção). Os organizadores temporais, como no relativo interativo, também
estão presentes. Há ausência de pronomes e adjetivos de 1ª e 2ª pessoas do singular e
plural. A narração tem uma densidade verbal que se situa entre a do discurso interativo
e a do discurso teórico, e sua densidade sintagmática também é média.
Relacionado ao eixo EXPOR, ainda é possível admitir um tipo de discurso
intermediário: é quando não conseguimos fazer uma diferenciação clara entre
discurso interativo e discurso teórico, o que Bronckart (2007, p. 192) denominou
de misto interativo-teórico, quando os dois tipos de discurso se fundem em um só.
O estudo deste teórico sobre tipos de discurso tem como base a língua fran-
cesa, mas também sua categorização e sistematização foram aplicadas em outras
línguas como forma de se constatar a equivalência de suas análises. No que se
refere às formas temporais é onde se encontram as maiores diferenças.
A partir de toda essa contribuição teórica de Bronckart (2007) sobre os
tipos de discurso, e considerando-se os objetivos deste trabalho, observaremos no
corpus em análise os tipos de discurso presentes e as possíveis articulações entre si.
Notando-se a complexidade de análise que o tema requer, observar-se-á
nesse caso, primariamente, a presença dos tipos de discurso no Diário de Bordo
sem, contudo se realizar uma exploração mais aprofundada do corpus que reque-
reria uma pesquisa mais ampla: analisar toda a arquitetura textual proposta por
Bronckart é bastante complexo.

CLASSIFICAÇÃO DO DIÁRIO DE BORDO QUANTO AOS TIPOS


DE DISCURSO: REFERÊNCIAS TEXTUAIS

A tipologia de discurso utilizada para a análise do Diário de Bordo, como


já explicitado, segue o modelo adotado por Bronckart (2007). A regularidade de
unidades linguísticas específicas em cada tipo possibilita o reconhecimento e a
diferenciação nos textos/enunciados.
30
O interesse em fazer esse reconhecimento e essa diferenciação de discursos
em um gênero digital, no caso o Diário de Bordo, tomou corpo por conta de estes
textos estarem situados em um plano menos explicito, no AVA, e com pouca
interação com outros, mas de uma riqueza discursiva interativa muito grande, e
especialmente para se reconhecer a riqueza de discursos presentes em um mesmo
gênero, mesmo com uma análise simples.
A intenção é reconhecer e confirmar no gênero Diário de Bordo a carac-
terização sistematizada dos tipos de discursos. Sobretudo por esse gênero estar
em um ambiente virtual de aprendizagem e por se configurar em um espaço de
interação mediado ou não, de forma monologada e autocrítica, e autoavalitiva.
A seguir, pontuamos algumas marcas discursivas encontradas no Diário da
aluna. Convém informar que todas as referências textuais destacadas do Diário,
aqui no trabalho, respeitam a escrita original da aluna.

MARCAS DO DISCURSO INTERATIVO

- o texto apresenta-se de forma monologada, marcado por numerosas frases


não declarativas:
Pior que ler todos aqueles tópicos é saber que você deve encher lin-
guiça e isso eu não gosto de fazer. E pior, parece que as pessoas não
perceberam que a coisa toda se deu de maneira diversa em cada pólo.
Pode ser que eu esteja apenas um pouco mal-humorada e isso esteja
me afetando. Mas que droga!!! Saber que os teus defeitinhos genéticos
fazem a tua vida estar sempre por um fio não é fácil, não é?
E aquela meia hora que passo no msn, então... Mais uma vez vou
ter que abrir mão das coisas que me dão prazer... só que dessa vez é
por mim mesma, pra estudar, pra realizar outro sonho. Mas por que
devemos sempre abrir mão de coisas que nos são caras???
Como é que eu vou fazer se trabalho 8 horas no PC e depois passo
2, 3 horas na net, estudando, pesquisando???
Quem suporta? “Me ne vado” que não posso escrever muito. Quer saber?
Maior tempão sem passar por aqui mas...quem tem tempo pra escrever
diário com tantos textos para ler e artigo pra redigir?
Estou morrendo de dor e tenho sono. Que faço? Que vontade de
chorar e... Sei lá.

- presença de frases exclamativas, mas como a aluna estuda italiano, prati-


camente todas elas são enunciadas em italiano: algumas são palavrões (crê-se que
o texto da aluna produzido em outra língua representa uma espécie de reclusão,
espaço intimista que primeiramente os que acessam o diário não entendem o que
ela enuncia). A tradução é feita por ela mesma:
31
Cazzo! Com’è possibile che abbiano tutti la mente così stretta???
(Foda-se! Como todos nós podemos ter uma mente tão estreita?)
Che bella vita che ho!!! (Que bela vida eu tenho)
Che serata!!!! (Que noite)
Que sono!!!
Vorrei... ah come vorrei! (gostaria... ah como gostaria)

- presença de tempos verbais (presente e pretérito perfeito do indicativo):


Não vejo a hora de ter um tempo livre. Em janeiro - depois do
seminário e se não ficar de recuperação - planejo ler “O Príncipe”,
ma queria encontrá-lo em italiano.
Ontem consegui fazer a atividade IV de Sociologia e participei de 2
fóruns. Também estudei o último capítulo de CP, mas não consegui
ler os textos para responder a atividade IV
Só ontem à tardinha soube a nota do seminário. Ficar sem computa-
dor é uma droga. Atrasa tudo, inclusive minhas tarefas. (grifo nosso)

- dêiticos espaciais e temporais:


Há dias que tentava escrever qualquer coisa aqui, mas a janelinha
insistia em não abrir. Por fim, me zanguei e desisti.
E nem pude aproveitar o tempo pra estudar já que tinha ali um
retardado falando de religião e... nem precisa dizer mais nada, não é?
Agora recomeço a estudar. Quem sabe consigo. Afinal, embora a minha
vontade seja de dormir muito, estou precisando estudar.
Eu, se Deus quiser, estarei lá, embora saiba que é preciso conhecimento
e, mais ainda, habilidade para participar de um chat.

Tentei enviar uma mensagem pra professora de EAD, mas não con-
segui. Amanhã, envio. (grifo nosso)

- presença de verbos, pronomes e adjetivos que remetem ao autor:


Ontem decidi não escrever nada aqui. Estava muito irritada e achei
melhor dar um tempo.
Recebi uma mensagem de uma colega sobre o que eu postei no fórum,
mas não consegui responder.
Mas que droga!!! Saber que os teus defeitinhos genéticos fazem a tua
vida estar sempre por um fio não é fácil, não é?
Eu mesma acho que a divisão por turma é necessária, mas estava um
pouco chateada por não poder visualizar e responder nem mesmo nos
espaços considerados “de todos”. (grifo nosso)

- auxiliares de modo (poder, querer, dever, ser preciso):


32
É claro que devemos estar abertos às mudanças, sim.
De qualquer forma, não poderia mais me manter sentada ou digitando.
Hoje devo ler a unidade 6 e o texto e, se possível, preparar logo a atividade 5.
Quero tentar fazer o máximo que der hoje e entregar, se possível, antes da
data. Não quero terminar o ano devendo tarefas.
Finalmente mandei a atividade. Processo Decisório... Acabo de decidir que
preciso dormir. Fuiiii.

MARCAS DO DISCURSO TEÓRICO

Apesar de conter algumas características da composição de um discurso


teórico, na análise do corpus não se identificou marcas fortes de um discurso dessa
natureza. A aluna cita alguns nomes próprios de teóricos e alguma teoria, mas não
se detém a explorar o conteúdo teórico, como encontrados nas marcas do relato
interativo a seguir. Entende-se claramente por isso o objetivo do Diário da aluna.

MARCAS DO RELATO INTERATIVO

- apresenta monólogo:
Estudar... não estudei. Também não aconteceu nada de excepcional.
O que ontem parecia uma coisa importante, hoje já não é assim.
Infelizmente. Mas a vida continua. E o curso de ADM também.
Relatório revisado pela n-ésima vez. Apresentação quase terminada,
faltando ajustes. Pôster lindo. Agora só falta apresentar o tal trabalho.
Tou apavorada!!!!!!!!!

- presença de tempos verbais (marcadamente de pretérito perfeito e o


imperfeito):
Adorei ler tantos textos sobre Marx (não sobre a vida pessoal, isso eu
pulei porque não dava tempo) e também sobre Durkhein.
Tá certo que não precisava falar nele ou em Rousseau, mas falei
assim mesmo.
Consegui mandar minha atividade de Ciência Política à 1h57min.
Uffi... nem enxergava mais. Que sono!!! (grifo nosso)

- organizadores temporais:
Só agora estou conseguindo começar a escrever. Estudar, por assim
dizer, foi uma coisa impossível nestes dias.

33
Ontem mandei a atividade III. O relógio do AVA está adiantado
alguns minutos e apareceu como se eu tivesse mandado a atividade
com atraso de 2 minutos
Não sei quando terminarei o trabalho de sociologia e os fóruns (ainda
faltam 3). Não vejo a hora de ter um tempo livre.
Ontem, isto é, hoje, mandei a atividade 2 de PD. O fórum 1 havia
postado ontem de manhã. Ou seria de tarde? (grifo nosso)

- presença de anáforas pronominais


E minha filha queria companhia, estava nervosa pelo vestibular. Queria
que eu estudasse Artes com ela.
Recebi uma mensagem de uma colega sobre o que eu postei no fórum,
mas não consegui responder. Aliás, não consegui nem mesmo postar
uma mensagem para ela.
E ontem, tentando recomeçar a estudar, me deparei mais uma vez
com aquele baba-ovo, sempre querendo ser mais e melhores do que
os outros.
Acho que só eu ainda escrevo esse diário. (grifo nosso)

MARCAS DA NARRAÇÃO

- predominância de frases declarativas


Não tive a mínima condição de estudar ou de fazer o trabalho. Lá
pelas 10 decidi postar no fórum 6.
Estudar... não estudei. Também não aconteceu nada de excepcional.
O que ontem parecia uma coisa importante, hoje já não é assim.
Fomos a 5ª equipe a se apresentar, com todos já cansados, inclusive a
banca que já não prestava atenção e queria só que se corresse mais e
mais. Também exigiram coisas que não estavam no programa: como
um objetivo ou resumo no pôster e uma conclusão.

- presença de tempos verbais (pretérito simples e o imperfeito - para relatos


de retroação, auxiliar do imperfeito + infinitivo – para relatos de projeção)
Aliás, eles próprios precisam perceber que isso não é necessário e
tentar ler com mais atenção aquilo que foi proposto já que algumas
respostas demonstravam que não o tinham lido adequadamente.
Estava esperando uma prova subjetiva, mas não do tipo “em X linhas”
e escrever e reescrever (já que não podia ser a lápis) foi terrível.
Agora vou tentar terminar o trabalho de Metodologia Científica.
Bem que ele podia dar um prazo até 31, não é?
34
Mas estou preocupada com uma coisa: se os encontros presenciais
forem feitos em locais pouco apropriados, não sei se consigo ir até o
final do curso. (grifo nosso)

- presença de anáforas pronominais e nominais


Meu Deus!!! A bichinha que gosta de aparecer. E sempre querendo
ser melhor do que os outros... Será que ela não se emenda???
A grande dificuldade está na Fundamentação Teórica. Que coisinha
complicada. Por mais simples que deva ser essa fundamentação pra
mim está sendo bastante complicada.
Engraçada a vida. Eu, aos 44 anos recomeçando a estudar. Meu filho,
aos 22, começando uma pós em gestão. Estou orgulhosa de nós dois!
Respirei aliviada quando recebi o e-mail do LL com o nosso trabalho.
Uffi... é difícil depender dos outros especialmente quando se trata de
estudo.(grifo nosso)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O levantamento e análise – mesmo que primária – dos dados do corpus


levou-nos a considerar que os tipos de discurso presentes no Diário de Bordo
revelam uma proeminência marcante do discurso interativo (ordem do EXPOR)
e relato interativo e narração (ordem do NARRAR). Não houve dificuldades
em encontrar as características próprias de cada um desses tipos de discurso, em
algumas situações há até uma riqueza grande de exemplos que marcam cada tipo
de discurso, sobretudo quanto aos marcadores verbais.
Mas isso não foi possível ao se tentar identificar no corpus o discurso teórico.
Apesar de algumas características desse discurso estar presentes no texto, estas não
se configuraram como marcantes em relação ao discurso teórico. Este discurso tem
marcadamente uma atitude de expor e de argumentar, com intenção discursiva de
instruir. Intenciona organizar as informações relativas a um objeto, a um acon-
tecimento ou a uma situação, com sequências, na maioria das vezes, descritivas.
O Diário de Bordo tem a característica de ser um espaço em que o aluno
destaca suas estratégias de estudo, as atividades realizadas, sua participação, suas
angústias, aprendizados, dificuldades e dilemas. Por conta disso, demonstra ter um
caráter notadamente monológico, autoavaliativo, e, sobretudo expositivo, confir-
mando a caracterização de tipos de discurso defendido por Bronckart (2007). Ao
se expor, a aluna utiliza várias formas de realizar isso, gerando sempre uma ação
interativa, como o ato de narrar as situações ocorrentes no Ccurso, mesmo que
utilizando um discurso indireto. Por vezes, utiliza o marcador do discurso direto,
mesmo que não ocorra o diálogo.
35
Característica proeminente em todos os tipos de discurso, o uso dos verbos
demonstrou ser uma constante. A riqueza e variedade do seu uso, nos tempos
específicos e marcadores de discurso, como é perceptível tanto no discurso inte-
rativo, no relato interativo e na narração a sua densidade verbal.
O discurso interativo e o relato interativo, em suas exemplificações neste
capítulo, demonstram a intenção do Diário de Bordo: de ser um espaço interativo,
marcado, sobretudo por uso dos verbos e por ser monologada.
Por fim, ao encerrar a análise do corpus e caracterizá-lo de acordo com os
tipos de discurso presentes, percebe-se o quão é importante a identificação e
caracterização enunciativa de um determinado gênero, observando-se os textos/
enunciados que pertencem a ele, sobretudo para entender se este dá maior liber-
dade ao produtor.
Se assim for, é possível reafirmar que sempre nos comunicamos com base
em um gênero e que este deve servir como norteador das ações de linguagem e
para a aquisição do conhecimento pelo aprendiz.

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36
O USO DA PLATAFORMA KAHOOT COMO MODELO
DE GAMIFICAÇÃO NO ENSINO MÉDICO ATUAL

Leandro Silva de Britto5


Tânia Gisela Biberg-Salum6

INTRODUÇÃO

Entende-se como “Revolução” uma mudança radical no âmbito de uma


sociedade, que ocorre nas dimensões política, econômica, cultural e social, ao
ser estabelecida uma nova ordem pelas forças políticas e sociais vencedoras.
(FERNANDES, 2022). Dentre as várias transformações, a Revolução Industrial
se constitui num dos capítulos mais importantes da nossa história (COTRIM,
2005), estando dividida em quatro fases, sobre as quais discorreremos no texto a
seguir, com o propósito de ilustrar e contextualizar o momento de transformações
digitais que hoje vivenciamos.
A primeira revolução industrial durou, aproximadamente, de 1760 a 1840
e teve como particularidades a introdução da ferrovia e a invenção da máquina a
vapor, as quais modificaram substancialmente, tanto as comunicações, quanto a
produção (AROCENA; SANSONE, 2020). Esses mesmos autores descrevem
que a segunda revolução industrial, entre os anos finais do século XIX e o início
do século XX, teve na produção em massa, no advento da eletricidade e na linha
de montagem, os seus maiores expoentes.
Por volta de meados do século XX, em torno de 1960, teve início a terceira
revolução industrial, também conhecida como revolução digital, pois se baseou na
globalização e no desenvolvimento das novas tecnologias, como microcomputadores,
engenharia genética e a telemática, que é o uso combinado dos computadores, robó-
tica e meios de telecomunicações (fax, televisão, celular, internet etc.). Tendo-se em
pauta a internet, vale acrescentar que, nessa época foram introduzidos os conceitos
de indexação e associação de dados, sugerindo uma estrutura navegável através
de links e, por conseguinte, o desenvolvimento das atividades virtuais (virtualismo)
e das redes sociais, as quais encontram-se soberanamente difundidas atualmente.
Vale destacar que uma das características mais marcantes deste período,
que ocorreu ao final do século XX, esteve relacionada ao ensino e à ciência, com

5
Mestrando Ensino de Ciências e Matemática (Universidade Anhanguera-Uniderp).
CV: http://lattes.cnpq.br/1203981250820148
6
Doutorado em Ciências (USP). Docente do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática (Universidade
Anhanguera-Uniderp). CV: https://lattes.cnpq.br/1863038815709816
37
o surgimento dos chamados “tecnopólos”. Estes, configuravam as regiões ao
redor do mundo onde centros de tecnologia se aliaram, por meio de associações
com universidades e centros de pesquisa, para avançar nos campos da robótica,
biotecnologia, bioprocessos e outras áreas que ganharam cada vez mais espaço e
poder econômico (COTRIM, 2005).
E, assim, chegamos ao momento da Quarta Revolução Industrial. O conceito
desta, também conhecida como Indústria 4.0, foi dado em 2016 por Klaus Schwab, fun-
dador do Fórum Econômico Mundial, em uma obra homônima. Schwab (2016) situa
o aparecimento da quarta revolução com o início do século XXI, caracterizando-a por
três individualidades, quais sejam, velocidade, escala e impacto.
Esse mesmo autor afirmou que, a partir dos anos 2000, a velocidade de
adaptação, difusão e desenvolvimento da tecnologia aumentaria exponencial-
mente e não linearmente, com efeitos drásticos em períodos cada vez mais cur-
tos. Enquanto comparativo com a primeira revolução industrial, esta demandou,
aproximadamente, 120 anos para difundir-se para fora da Europa, ao passo que
a internet permeou o mundo inteiro em menos de uma década, tornando prati-
camente impossível saber como será a sociedade em 50 anos. Dessa forma, tendo
um crescimento exponencial, as mudanças são mais amplas e profundas do que
as das revoluções anteriores e, para Schwab (2016), “nunca houve um momento
tão potencialmente promissor ou perigoso”.
A prova disso é que, nos últimos anos, as tecnologias digitais tiveram um
impacto considerável, tanto no mundo dos negócios, quanto na vida cotidiana. Para
exemplificar, conforme dados publicados na revistagq.com, o iPhone foi lançado
em 2007 e, no final de 2016, já existiam 900 milhões desses smartphones na posse
de pessoas de todo o mundo.
Em março de 2015, o estrategista de mídia Tom Goodwin escreveu um
artigo para o TechCrunch, onde afirmou que, para a atualidade existem várias
corporações que exemplificam que estar representado virtualmente hoje em dia
tem mais valor do que estar presente fisicamente. Ou seja, hoje a mais valia está
em conectar as pessoas para, somente depois, estabelecer o contato físico que foi
proposto. Entenda-se:
O Uber, a maior empresa de táxis do mundo, não possui sequer um
veículo. O Facebook, o proprietário de mídia popular do mundo, não
cria nenhum conteúdo. Alibaba, o varejista mais valioso, não possui
estoques. E o Airbnb, o maior provedor de hospedagem do mundo,
não possui sequer um imóvel (SCHWAB, 2016, p. 31).

Mas, qual a relação da quarta revolução industrial (Indústria 4.0) com a


educação?
38
Na trilha de uma Indústria 4.0 espera-se, também, inovações em outros
tantos setores, tais como o Trabalho 4.0, expresso pelo aumento do trabalho
prestado com auxílio das plataformas eletrônicas e aplicativos, como na empresa
Uber; o Cidade 4.0, composto pelo conceito de cidades inteligentes ou smart cities,
providas de eficiência energética, mobilidade verde, economia circular do lixo, etc.;
a Saúde Pública 4.0, representada pela expansão do conceito de e-Saúde para
incluir consumidores digitais, abrangendo smart-devices e equipamentos conec-
tados a internet, com o uso sustentável, seguro e ético da tecnologia nas políticas
de saúde pública); e, naturalmente, a Educação 4.0 (DRATH; HORCH, 2014).
Visando melhor compreender o que se pretende com o termo Educação 4.0,
vale citar alguns elementos da Indústria 4.0 descritas por Tanriogen, a saber: siste-
mas cyber-físicos; Internet das coisas; Big data e inteligência analítica; integração
vertical e horizontal; computação em nuvem; cibersegurança, robôs autônomos
e a Realidade Aumentada. Dentre estas oito características, o citado autor parti-
cularizou que apenas a Realidade Aumentada, o armazenamento em nuvem e o
Big Data têm sido objeto de pesquisas recentes em Educação, na tentativa desta
transposição alcançar a Educação 4.0 (TANRIOGEN, 2018).
Com o propósito de viabilizar a Educação 4.0, Hussin (2018) enfatiza que é
necessário adotar metodologias que estimulem o aprender fazendo, a curiosidade, o
trabalho em equipe, primando pelo desenvolvimento de competências valorizadas
no modelo de sociedade atual. Portanto, há a necessidade de cursos de formação
superior estarem atentos a modificar também os currículos voltados à formação
inicial de professores, sobretudo em relação as metodologias de ensino que serão
utilizadas por estes.
Outro autor, Peter Fisk (2017), aponta também para a necessidade de mudan-
ças na grade curricular a fim de adquirir um modelo mais flexível, capaz de propiciar
a aplicação de habilidades em situações variadas, com conhecimento humano e
interatividade, aumentando a possibilidade de aprender fazendo e, dessa forma,
exercitando a criatividade e a capacidade dos alunos em solucionar problemas,
estando todas estas características contextualizadas em um conceito de andragogia
mais tecnológica e com necessidade de novas formas de avaliação da aprendizagem.
Portanto, é preciso pensar que estas mudanças na Educação exigirão dife-
rentes maneiras de avaliar o aprendizado dos alunos e o processo de ensinagem
aplicado pelos professores, de modo que, apenas decorar determinado conteúdo
para apresentá-lo em aulas ou reproduzi-lo em provas, já não será mais suficiente.
Corroborando este contexto de inovações, em 2014 foram implementadas
as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina no Brasil,
tornando-se necessário pensar em métodos de ensino-aprendizagem que fossem
capazes de fomentar a formação de um profissional com habilidades gerais, prático,
39
tecnológico, crítico, reflexivo, ético, com maior aptidão em lidar com os problemas
da sociedade brasileira e pronto para atuar em todos os níveis de atenção em saúde
(BRASIL, 2014).
Seguindo as tendências inovadoras que se destacam na “nova” Educação
4.0, teve-se a inclusão das recém propagadas tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDICs). Dentre as TDICs que conquistaram os diferentes níveis
da progressão educacional, estão as plataformas que promovem atividades intera-
tivas, conhecidas pelo termo gamificação, como as plataformas Kahoot®, Quizziz®,
Quizle® e outras. Essas plataformas se assentam na definição de que a gamificação
se dá pelo uso de elementos de design de jogos em um contexto não relacionado
a jogos (BRIGHAM, 2015).
Assim, o presente capítulo tem o intuito de apresentar uma revisão de lite-
ratura, a partir de estudos que discorrem sobre o uso das tecnologias digitais no
contexto do ensino médico atual, com ênfase na gamificação. Dentre as platafor-
mas de gamificação existentes, esta revisão prioriza a aplicabilidade, importância,
vantagens e desvantagens do Kahoot®.

DESENVOLVIMENTO

O estudo que compõe a fundamentação deste texto foi conduzido sob uma
vertente de caráter qualitativo alçado por meio de revisão bibliográfica e sustentada
pela característica narrativa.
Pensando-se na coleta dos textos e ideias e sem deixar de lançar mão das
tecnologias informacionais, bancos de dados foram selecionados para a devida
investigação, quais sejam as plataformas PubMed®; BIREME®/ BVS®; MEDLINE®;
LILACS® e SciELO®. Sabe-se que “Banco de dados” é um sistema capaz de
coletar, armazenar e prover informações de consulta de dados. Optou-se por esta
forma de busca uma vez que na era da transformação digital e com a ascensão da
Indústria 4.0, a tendência é que haja, cada vez mais, uma grande automação de
processos, com um maior volume de informações e um aumento da importância
dos bancos de dados. Eles são como um alicerce para o mundo das tecnologias
digitais! A verdade é, que o mundo digital só está de pé porque nos bastidores da
internet há inúmeros bancos de dados conectados e capazes de processar e prover
informações a todo momento.
Para a busca dos textos nas plataformas acima citadas foram utilizados os
chamados “descritores”, entendidos como termos padronizados ou palavras-chave
determinadas a partir de critérios e com a finalidade de identificar temas de artigos
científicos. Nesta busca, optou-se pela caracterização de dois grupos diferentes
de descritores. No primeiro, foram agrupados termos mais abrangentes a fim de
40
contextualizar revisões com a temática educação e gamificação: gamification and
“systematic review” and education. Já, para o segundo grupo, os descritores con-
textualizaram especificamente a plataforma Kahoot® e o ensino médico: Kahoot;
kahoot and “medical education”.
Tendo sido definido que as publicações deveriam ser dos últimos 5 (cinco)
anos, dentro do intervalo temporal de junho de 2017 a junho de 2022, foram iden-
tificadas 51 publicações, sendo que 33 delas derivaram das buscas com o primeiro
grupo de descritores e 18 publicações atendiam ao segundo grupo.
Após procedimento de análise do material apurado, quando da leitura por-
menorizada do título e resumo destes artigos, foram selecionados 3 (três) trabalhos
para o primeiro grupo de descritores (principalmente porque dois já contemplavam
o modelo de revisão sistemática) e 13 (treze) trabalhos para o segundo grupo, os
quais foram capazes de atender a temática segundo os critérios estabelecidos como
de inclusão e pertinentes à reflexão do tema em questão.
Após, realizou-se a leitura na íntegra, os devidos apontamentos destes mate-
riais e os fichamentos das leituras dos textos selecionados. A análise e reflexão das
leituras foram conduzidas em prol da síntese que será a seguir discutida, norteadas
pelos objetivos de definir gamificação, contextualizar o papel da gamificação no
ensino médico, enfatizar a plataforma Kahoot® como modelo de gamificação para
este contexto e descrever as vantagens e os desafios deste modelo de gamificação
no ensino médico à luz das evidências científicas da atualidade.
Da análise e reflexões a partir do material compilado apurou-se que, com o
advento da quarta revolução industrial e da educação 4.0, houve a necessidade de
reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina, a fim
de propiciar a formação de profissionais mais práticos, com uma visão histórico-so-
cial e humanística e lançando mão do uso de metodologias ativas (BRASIL, 2014).
Atendendo a estas premissas, tem-se na gamificação uma das estratégias de ensino
baseada neste tipo de metodologia centrada no aluno. Vale reiterar aqui a definição
de gamificação apresentada anteriormente, no intuito de desvelar as características
que a envolvem no contexto do protagonismo do estudante, uma vez que ela lança
mão de elementos de design de jogos, tão atraentes aos jovens da atualidade, mas que
não são compõe, propriamente, jogos. Diferentemente dos videogames tradicionais e
dos chamados “serious game”, quando ocorre uma mistura das principais plataformas
de videogames, tecnologias ou jogos reais vinculados a uma indústria, as chamadas
plataformas gamificadas precisam ter uma finalidade específica como, por exemplo, o
caráter educacional (WESTENHAVER et al, 2021).
Embora o termo “gamificação” tenha sido utilizado pela primeira vez em
2002, somente na última década acabou sendo incorporado como um complemento
41
às estratégias tradicionais de ensino no campo da educação médica. Esta “jovia-
lidade” do tema é agravada por um maior direcionamento nas áreas das ciências
sociais ou das engenharias e computação, refletindo em um número limitado de
artigos sobre o uso de gamificação em plataformas educacionais na área médica.
Ainda assim, esta revisão encontrou 16 artigos bem delineados e vincula-
dos a educação para médicos(as). Os resultados mostraram que faltam pesquisas
sobre o tema em outros idiomas. Dos 16 artigos revisados na íntegra, 15 estavam
publicados em inglês e somente 1 na língua portuguesa. A análise de conteúdo
mostrou que a motivação, a aprendizagem e o engajamento são os conceitos mais
importantes estudados em artigos na área de educação gamificada (NADI-RA-
VANDI; BATOOLI, 2022).
De acordo com Kalogiannakis et al. (2021) que realizaram uma revisão
sistemática de artigos relacionados à gamificação no ensino de ciências, o Kahoot®
apresentou-se como a plataforma de gamificação de aprendizagem mais utilizada
no mundo. Inclusive, a mais recente meta-análise sobre gamificação na educação,
apontou a revisão de Kalogiannakis et al como a de maior impacto de citação de
acordo com a metodologia Field Weighted Citation Impact - FWCI (NADI-RA-
VANDI; BATOOLI, 2022).
No que diz respeito a evolução histórica do Kahoot®, nenhum dos artigos
avaliados nesta revisão apresentou dados sobre a sua origem, mas conforme
informações obtidas do Wikipédia, o Kahoot!® foi fundado a partir de um projeto
conjunto entre Johan Brand, Jamie Brooker e Morten Versvik com a Universidade
Norueguesa de Ciência e Tecnologia em 2012. No ano seguinte, foi lançado com a
finalidade de ser um recurso didático escolar, no intuito de revisar o conhecimento
dos alunos, quer seja para avaliação formativa ou como uma pausa das atividades
tradicionais da sala de aula. Em setembro de 2017, o Kahoot® chegou aos domi-
cílios, lançando um aplicativo móvel para trabalhos de casa.
A partir de 2020, o impacto da pandemia de Covid-19 trouxe novos desa-
fios para os estudantes em geral, pela inserção no seu cotidiano da necessária
aprendizagem digital.
Para acomodar as regras de distanciamento social, novas adaptações para o
ensino digital ocorreram, como o aumento do uso de softwares e em especial do
Kahoot® (TORDA, 2020). Durante o pico da pandemia de Covid-19, quando as
aulas presenciais foram restritas, o Kahoot!® relatou um aumento de cinco vezes
no uso do mesmo para aprendizagem assíncrona remota e um aumento de três
vezes em jogadores cumulativos globalmente, gerando um crescimento de 220% na
42
receita em relação a 2020. Desde o seu lançamento em 2013, o Kahoot!® expandiu
em todo o mundo e foi jogado por mais de dois bilhões de jogadores em mais de
200 países, tornando- se, atualmente, uma das principais plataformas de gamifi-
cação em ensino no mundo (DONKIN; RASMUSSEN, 2021).
Quanto a jogabilidade, a plataforma do Kahoot!® é considerada simples e
intuitiva, permitindo que os professores criem quatro tipos diferentes de jogos
baseados em questionários, pesquisas, misturas e discussões em que os participantes
competem uns contra os outros. Os maiores pontuadores para cada questão são
revelados, e os vencedores são exibidos em um placar, no final da sessão (CUGEL-
MAN, 2013). Para participar da avaliação formativa basta o aluno baixar o apli-
cativo Kahoot!®, que está disponível, gratuitamente, na Play Store, para o sistema
operacional Android da Google® e na App Store, para o sistema operacional iOS
da Apple® (ISMAI et al, 2019).
Atendendo a outro tópico de análise da revisão, as principais teorias educacio-
nais identificadas para o uso do Kahoot!® foram a aprendizagem com metodologia
ativa, seguida pela teoria da aprendizagem social e a construtivista.
Em relação às informações sintetizadas quanto as vantagens do uso do
Kahoot!®, a maioria dos artigos revisados pontuaram resultados positivos na
percepção dos estudantes, incluindo a diminuição da ansiedade, uma melhor
aprendizagem colaborativa, melhor conhecimento do conteúdo, na assiduidade,
atitude e participação. No entanto, também existe uma parcela, ainda que menor,
de estudos que referem que a utilização do Kahoot!® teve pouca ou nenhuma
vantagem no desenvolver das atividades estudantis. (DONKIN; RASMUSSEN,
2021, WANG; TAHIR, 2020).
Para balizar as reflexões, verificou-se que os principais desafios menciona-
dos nos estudos, pelos alunos, incluíram problemas técnicos, como conexões de
internet, ditas não confiáveis, perguntas e respostas difíceis de ler em uma tela
projetada, não ser capaz de mudar a resposta após o envio, falta de tempo para
responder e medo de perder.
Sob a ótica dos professores, as dificuldades estavam em acertar o nível de
profundidade das perguntas, problemas relacionados à conectividade de rede,
pontuação com base na rapidez e não na reflexão com que os alunos respondiam,
o aumento do tempo de trabalho e maiores distrações devido ao uso de aparelhos
celulares. (DONKIN; RASMUSSEN, 2021, WANG; TAHIR, 2020).
Por fim, em analogia com outras plataformas, três publicações apresentaram
uma extensa comparação quanto ao layout das perguntas, nas características do
modo individual ou de grupo, feedbacks e requisitos técnicos (WANG; TAHIR,
43
2020, GOKSUN; GURSOY, 2019, KUCUK et al, 2020). As conclusões destes
estudos apontaram para a existência de uma diferença entre os resultados aca-
dêmicos pré-teste e pós-teste para todos os grupos de plataformas (Quizziz,
Kahoot!® e outras), o que seria de se esperar, na maioria dos estudos experimentais.
No entanto, a diferença mais significativa foi observada no grupo experimental
de Kahoot!® e tais dados corroboram a importância do Kahoot!® no contexto da
gamificação para a educação médica atual.

CONSIDERAÇÕES

A partir do início do século XXI, a iminência da quarta revolução indus-


trial e as novas Diretrizes Curriculares, tornou-se necessário pensar em métodos
de ensino e aprendizagem capazes de estimular práticas inovadoras durante a
formação de profissionais médicos mais ativos, críticos e humanistas. No bojo
destas metodologias ativas, a gamificação vem sendo, cada vez mais, utilizada nos
cursos de medicina.
Desde 2015, a gamificação tem sido divulgada na literatura de educação
médica, ainda que, geralmente, na língua inglesa, para incluir simulações, atividades
em ambientes virtuais e jogos de realidade alternativa.
Esta revisão propôs-se a apresentar o protagonismo do Kahoot® frente a
outras plataformas de gamificação, por ser capaz, a partir de nossas reflexões, de
levar a uma melhor aprendizagem colaborativa, melhor conhecimento do conteúdo,
assiduidade, atitude e participação.
No entanto, assim como tantas, esta metodologia não está isenta de críticas,
uma vez que alguns trabalhos apresentaram desafios relacionados a problemas
técnicos, receio em jogar e perder, aumento do tempo de trabalho e maiores dis-
trações devido ao uso de aparelhos celulares.
De qualquer forma, esta revisão reforça o protagonismo das TDCIs, em
especial da gamificação, no cenário do ensino médico atual, sendo necessárias
novas pesquisas sobre estruturas de aprendizagem, sobretudo em idiomas variados
e estudos com grupos “controle”, a fim de avaliar o definitivo papel desta estratégia
de ensino na educação médica.

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Nota: parte do texto foi publicado em: 250 ENCONTRO DE ATIVIDADES CIENTÍFICAS, 2022,
Londrina. Anais do 250 Encontro de Atividades científicas. LONDRINA: UNOPAR, 2022. v. 3. p. 00-00.
ISSN 2447-6455.

46
DA GLOBALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO À POSSÍVEL
PRECARIEDADE DO ESTÁGIO

Gelson Chagas França7


Guilherme Ribeiro Rostas8
Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas9

INTRODUÇÃO

O objetivo da pesquisa, descrita neste capítulo, é contextualizar, por meio de


uma revisão de literatura e de análise documental (documentos legais), o processo
de estágio resultante de um sistema globalizado, neoliberal, voltado à uma visão
empresarial de gestão, na qual o conceito de formação, previsto na legislação sobre
o estágio, confunde-se com o de formação para o mercado de trabalho. Nesse
caminho, a Constituição Federal, em seu Art. 205, aponta a educação como um
“[...] direito de todos e dever do Estado e da família [...] visando o pleno desen-
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Orientado às demandas e necessidades de interesses corporativos, mediante
pressões diversas, o estágio se transforma em um espaço, não pedagógico, de
precarização do trabalho. O direito constitucional de formação (ato pedagógico
do estágio) fica cada vez mais sujeito às regras de concorrência de livre mercado,
servindo de mão de obra barata em substituição ao trabalho formal.
Este capítulo divulga argumentos construídos para fundamentar uma pesquisa,
ainda em andamento, e está estruturado, além desta introdução, em quatro seções.
Na seção intitulada “O contexto global”, contextualiza o mundo em que vivemos
e as consequências e mudanças geradas por meio do processo de globalização que
nele vêm ocorrendo. Na seção seguinte, destaca os efeitos e as mudanças na área
da educação, em decorrência da globalização. Na sequência, trata da questão da
precarização do trabalho e a interferência no processo educativo do estágio, mesmo
sendo orientado, normatizado e protegido por legislação específica.
Nas considerações finais, a título de síntese, verifica-se que, caso o processo
de estágio não seja devidamente acompanhado e fiscalizado, pode vir a tornar-se

7
Mestrando em Educação e Tecnologia (MPET). CV: http://lattes.cnpq.br/8176054753009139
8
Doutorado em Política Social (UCPEL). Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação (MPET).
CV: http://lattes.cnpq.br/3514196639632121
9
Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa (UNESP). Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação
(MPET). CV: http://lattes.cnpq.br/0038767974020696
47
mais um instrumento de precarização do trabalho com desvio da finalidade prin-
cipal, prevista na legislação.

O CONTEXTO GLOBAL

No mundo atual, por razão das necessidades (locais) materiais e de comu-


nicação, há a influência de políticas econômicas que interferem, de forma não
homogênea, em todo o planeta, afetando significativamente suas relações. Tal
processo é traduzido como
[...] globalização [que] é um conceito útil para expressar uma condição
do mundo na modernidade em que nos encontramos e que consiste
em que as partes do mesmo – sejam países, grupos sociais, culturas
e atividades das mais diversas – participem de uma grande rede que
condiciona cada peça do todo: suas economias, as políticas que possam
adotar, as culturas que ficam deslocadas e expostas ao “contágio” das
demais, a informação que circula, etc. [...] (SACRISTÁN, 2007, p.
15, grifo do autor).

Entretanto, a realidade é a de que nem tudo faz parte do todo. O mundo


globalizado sofre influência do neoliberalismo, por meio das diferentes culturas
e dos acordos econômicos que reproduzem a perspectiva do colonizador, que se
caracteriza por ser
[...] neoliberal de mercados mundiais sem controle [e], ao não distribuir
riqueza, não aproxima ou integra; mas provoca migrações, destruição
de redes comunitárias, aumento das desigualdades, exclusão de países
inteiros. [...] (SACRISTÁN, 2007, p. 20).

Tal como os colonizadores antigos, aos poucos, sua influência na economia,


na cultura e nas formas de educação dos povos também vai tomando corpo nesse
mundo globalizado. Seus benefícios ou não, são, no mínimo, questionáveis. Nesse
sentido, como antigamente, não há uma preocupação em se ter uma cultura global,
mas em dominar o globo.
A representação do mundo como unidade globalizada, da economia
ou da cultura, é uma visão que podemos ou não gostar, ao apreciar os
efeitos que produz e o ideal que representa, de certo modo constitui-se
em uma ideologia [...] (SACRISTÁN, 2007, p. 26).

Essa globalização, através do avanço das políticas globais materializadas


no neoliberalismo e do maior acesso às Tecnologias Digitais da Informação e
Comunicação (TDIC’s), vem interligando, cada vez mais, questões como: comu-
nicações, economia, mundo do trabalho, comercio, educação, etc. Dessa forma,
48
com o pretexto de uma “era da comunicação universal” e do discurso do “bem da
cultura”, proferidos para se buscar algum tipo de dominação entre os sujeitos, vem
causando mudanças, que acabam por ocorrer em nome da educação.
Como a educação se constitui em um traço da realidade da economia,
da sociedade e da cultura, podemos imaginar que inevitavelmente será
afetada pelas mudanças que suscitam os processos de globalização
[...] de imediato, são denunciados porque seus objetivos e suas prá-
ticas não são funcionais para a nova situação (mais do que já eram).
Servem tanto para a ideologia e dinâmica globalizante quanto para
a resistência a ela (SACRISTÁN, 2007, p. 30).

Dessa maneira, também se rompem, cada vez mais, as fronteiras e os terri-


tórios, e o mapa econômico do mundo começa a alterar-se,
[...] em primeiro lugar na área da economia. A desregulamentação
e a descompartimentação dos mercados financeiros, aceleradas pelo
progresso da informática, depressa transmitiram a ideia de que tais
mercados deixavam de ser compartimentos estanques, no meio de um
vasto mercado mundial de capitais, dominado por algumas grandes
praças financeiras. Todas as economias se tornaram, então, depen-
dentes dos movimentos de um conjunto mais ou menos importante
de capitais [...] (DELORS, 2003, p. 37).

Como efeito, nessa passagem para a nova modernidade, observa-se um pro-


cesso em que o sujeito é induzido, pelo discurso neoliberal, a um distanciamento
de sua subjetividade, de sua cultura e de seu trabalho, ou seja, do próprio Estado e
da sociedade, tornando-se alienado e, ao mesmo tempo, instrumento de alienação,
uma mera peça em um grande tabuleiro. Diante disso,
[a]judar a transformar a interdependência real em solidariedade dese-
jada, corresponde a uma das tarefas essenciais da educação. Deve, para
isso, preparar cada indivíduo para se compreender a si mesmo e ao
outro, através de um melhor conhecimento do mundo [...] (DELORS,
2003, p. 47).

Entretanto, é no contexto de mundo globalizado, estruturado e condicio-


nante, que a educação também está inserida, condicionada, de várias formas, e
que, dessa maneira, sofre a sua influência junto com toda a sociedade que dela
necessita/depende.

49
A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

A educação, nesse mundo globalizado, é percebida como uma oferta de


serviço, preferencialmente privado, em razão de sua responsabilização no interior
desse mercado/mundo (CHARLOT, 2005). A questão econômica se faz presente
dentro de todo o processo educativo, adotando um discurso do “conhecimento
como forma de riqueza” ou ascensão social e, nesse sentido, assume uma postura
(currículo/educação) supostamente diferenciada, com focos diferentes, de acordo
com o mercado e a possibilidade de acesso de cada “usuário”.
Com efeito, a educação proposta pela “sociedade” cada vez mais “globali-
zada” e seus organismos internacionais (AKKARI, 2011) contraria o conceito de
educação como ensino público, democrático e direito alienável de todos, presente
na Constituição Federal do Brasil, como sendo um “[...] direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie-
dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
De forma global, é reivindicada de acordo com o princípio de base, firmado
pelo Fórum Mundial de Educação (FME), sendo a conclusão da
[...] carta redigida durante o Fórum: “a educação pública para todos
como direito social inalienável, educação garantida e financiada pelo
estado, jamais reduzida à condição de serviço, na perspectiva de uma
sociedade solidária, democrática, igualitária e justa”. Esse princípio
se opões à lógica instaurada pela globalização neoliberal e, mais espe-
cificamente, pelo Fundo Monetário Internacional, pela organização
Mundial do Comercio e, sobretudo, pelo Banco Mundial cuja visão
tornou-se predominante nas políticas internacionais sobre educação
ao longo dos anos 1980 (CHARLOT, 2005, p. 142, grifos do autor).

O direito à educação pública, como igualitário a todos, deve ser motivo de


luta e resistência social, repensada e transformada quanto as suas práticas peda-
gógicas, e não simplesmente defendida para não se tornar um meio de exclusão
de minorias, mas sim, um meio de acesso democrático para quem dela necessita.
Tal direito só pode ser conquistado por meio de lutas, e essas lutas
só podem obter resultados se fizerem parte de um movimento maior
de lutas por uma sociedade e por um mundo solidários, igualitários,
justos, livres de processos de dominação e de exclusão. As lutas pela
educação devem se unir às grandes correntes de luta social (represen-
tadas no fórum social Mundial), e estas devem se voltar ainda mais
para a questão da educação [...] (CHARLOT, 2005, p. 150).

50
Ao existir esse direito, o discurso neoliberal na educação e sua lógica mer-
cantilista possui, e se utiliza, de lobby10 sempre presente e se reinventando conforme
os interesses. Provoca uma formação alienada, por meio de currículos e atividades,
voltados às demandas de mercado, da produção, para formar trabalhadores empre-
gáveis, flexíveis, adaptáveis e competitivos, similar às premissas do modelo Toyotista
de produção, aparentemente mais atraente aos olhos de quem precisa. Assim, o
[...] neoliberalismo olha para a educação a partir de sua concepção de
sociedade baseada em um livre mercado cuja própria lógica produz
o avanço social com qualidade, depurando a ineficiência através da
concorrência. [...] os cidadãos estão igualmente inseridos nessa lógica e
seu esforço (mérito) define sua posição social. (FREITAS, 2018, p. 31).

Como exemplo de lobby permanente ou busca de um consentimento ativo,


Shiroma (2014, 2011) verifica sua presença nas reformas do Estado, nos slogans
adotados no campo da educação e no discurso do movimento “Todos pela Edu-
cação”, que se apresenta
[...] como expressão do pacto social que tem na educação a principal
estratégia de produzir uma mudança cultural na relação Estado-socie-
dade civil e como síntese do pensamento hegemônico do empresariado
sobre como deve ser organizada a vida social.[...] Agora, a educação
tem como finalidade manter os sujeitos incluídos socialmente, servindo
de estratégia social contra o esgarçamento do tecido social, uma vez
que a passagem pelos bancos escolares, segundo o discurso contido no
documento estudado, não guarda nenhuma relação com possibilidades
de mobilidade social, mas é apresentada como uma forma de inclusão
social (SHIROMA; GARCIA; CAMPOS, 2011, p. 244-245).

Esse movimento, com seu caráter prescritivo e doutrinador, influencia a


adesão voluntária aos seus ideais e discursos reinventados nas “novas” políticas
públicas e na consequente mercantilização da educação. Ainda sobre as reformas
e o lobby existentes, percebe-se que,
[a]o ser a educação espaço de disputa em diferentes projetos socie-
tários e de confrontos ideológicos, a produção da hegemonia con-
figura objetivo evidente, de modo que a busca do consentimento
ativo implica uma estratégia política fundamental. A reflexão crítica
sobre a função social da escola, pautada na historicidade das atuais
políticas educacionais e contradições que os slogans tentam ocultar,

10
O lobby seria “[...] a prática de buscar acesso aos agentes políticos e fazer com que eles saibam das demandas de
determinados segmentos da sociedade, usando pessoas (lobistas) e seus canais de contato junto aos órgãos de governos”
(GONÇALVES, 2012, p. 13).
51
confere-nos a importante tarefa de produzir elementos que promovam
a contra-hegemonia (SHIROMA; SANTOS, 2014, p. 42).

A construção de um pacto pela educação, proposto pelo documento, não


chega a ser novidade em relação às antigas propostas apresentadas anteriormente.
A novidade agora são os esforços concentrados nos discursos pela aceitação e
incorporação de novos sistemas de responsabilização, através de mecanismos de
avaliação educacional e índices. Estes funcionam como reguladores em um suposto
“mercado da educação”, com a “aprovação e fiscalização” da sociedade como um
todo, desse não mais direito, mas serviço oferecido.
Assim sendo, a educação, seja qual for a forma como é oferecida, tende a ser
focada sobre a lógica de mercado, e como tal ou tal qual uma empresa, tratada como
um serviço sujeito a todas às demandas e regras presentes no mundo do trabalho.
A ideologia liberal acompanha, fortalece e legitima formas diversas
de desregulação cuja característica geral é abrir cada vez mais espaço
dentro da escola aos interesses particulares e aos financiamentos pri-
vados, tanto de empresas como de indivíduos. Apesar das negativas
oficiais, a modernização liberal da escola depende de um apagamento
progressivo dos limites entre o domínio público e os interesses privados
[...] (LAVAL, 2019, p. 127).

Nessa perspectiva, a mercadorização da educação a torna uma opção lucrativa,


visto ser cada vez mais considerada, além de necessária, uma porta de entrada para
o mercado de trabalho11, para quem necessita, e uma opção lucrativa e competitiva
de oferta de uma cadeia de serviços, para quem nela se dispõe a investir como
fornecedor privado. Com a globalização, ampliou-se a tendência de competição
de mercado e, com isso, a educação não ficou de fora, impulsionada, também, pela
evolução das tecnologias de informação e comunicação e intercâmbios que vêm
ocorrendo em todo mundo. Nesse caminho, em
[...] 1994, a organização Mundial do Comercio (OMC), incluiu em
sua agenda a liberalização do intercâmbio de serviços no âmbito do
Acordo Geral sobre o Comercio de Serviços [...] Segundo esse acordo,
os serviços educacionais devem ser considerados produtos iguais aos
outros, caso não sejam fornecidos exclusivamente pelo Estado como
prerrogativa pública.[...] Os serviços educacionais abrangidos podem
ser de naturezas variadas, desde cursos no exterior até a instalação
de empresas com fins educacionais em diferentes países, passando, é
claro, pelos cursos à distância (LAVAL, 2019, p. 135-136, grifo nosso).

11
Utilizado no sentido de oferta e procura entre pessoas que buscam oportunidades de vagas/trabalho, e as que oferecem,
assim como as mercadorias.
52
Os limites entre o sistema público e o privado tendem a ser cada vez mais
indefinidos com a possibilidade da intervenção do setor privado na educação, das
mais variadas formas, visto a visão empresarial e gerencialista de que aquela é um
grande negócio (edu-business).
Para além do clássico financiamento público do ensino privado, outros
mecanismos mais sutis são observados: a compra pela rede pública
de material pedagógico produzido pela rede privada (apostilas, por
exemplo), bem como professores que acumulam cargos nas duas redes.
Trata-se, portanto, de analisar, de um lado, em benefício de quem
ocorre a indefinição dessas fronteiras; e, de outro, mostrar como ela se
constitui no principal mecanismo de manutenção das desigualdades
educacionais no Brasil (AKKARI, 2011, p. 70).

A educação, vista agora como um grande e possível negócio, com forte


tendência privatista e, consequentemente, de precarização, torna-se tão vulnerável
como qualquer outro serviço fornecido, sujeita à lógica de mercado, onde tende
a se estabelecer quem melhor conseguir maximizar lucros e reduzir custos para
entregar um produto (aluno) que atenda às demandas de mercado.
O edu-business global é de progressão rápida e mutável, ansioso por
abrir novos espaços para a expansão – para mercantilizar cada vez
mais o social – enquanto concomitantemente, estados pós-crise, com
problemas de liquidez em todos os lugares constroem burocracias
“mais enxutas”, implementam programas de austeridade financeira,
enquanto buscam novas maneiras de melhoraras qualificações e fle-
xibilizar o seu capital humano (BALL, 2020, p. 215, grifo do autor).

Na tentativa de moldar-se aos novos conceitos de mercado e sobreviver,


muitas instituições de ensino vêm se adaptando a essa crescente “concorrência”,
visando oferecer educação, agora, vista como “serviço” e não como direito. Tudo
isso, de uma forma mais “mercantil”, enxuta quanto a gastos e com o máximo
aproveitamento de mão de obra disponível, provocando a precarização.

DAS CONSEQUÊNCIAS NA ÁREA E A PRECARIZAÇÃO

Somam-se ao contexto de mudanças os avanços proporcionados pelas novas


tecnologias, como o home office e o e-learning, entre outras possibilidades, que
acabam por contribuir ainda mais para essa indefinição de papéis. Dessa forma,
potencializam a precarização da educação e, consequentemente, do profissional
dessa área, seja pela deficiência curricular que impõe ou reduz conteúdos, cada vez
mais voltados ao mercado de trabalho, seja pela facilidade de acesso a serviços que
proporcionam a retirada do aluno da sala de aula, mas que sobrecarrega o profis-
53
sional. Seja, ainda, pelos cortes de recursos realizados nas diversas esferas públicas,
que estimulam a concorrência e a migração de alunos, pela falta de valorização,
contratação de pessoal ou excesso de trabalho, tanto na esfera pública como na
privada, cada vez mais sendo substituídos por serviços online ou terceirizados, pre-
carizados, bem como, estagiários, para corte de custos e manter serviços mínimos.
Assim, em publicações realizadas por pesquisadores brasileiros e argentinos,
que se ocupam sobre a temática do trabalho docente e sua consequente precari-
zação, observou-se que,
[...] entre os textos analisados [,] encontram-se aspectos recorrentes
de alguns estudiosos da temática do trabalho docente [que] têm
apontado como tendências registradas em experiências não só no
Brasil a na Argentina, como em outros países da América Latina, no
Canadá, Comunidade Europeia, como a intensificação e precariza-
ção do trabalho; a exigência do trabalho coletivo [...] (OLIVEIRA;
DUARTE 2011, p. 179).

Corroborando com a afirmação dos autores, entende-se que a precarização


começa a partir da flexibilização das relações de trabalho, que se fundamenta na
intensificação do trabalho e na remoção ou revogação dos direitos trabalhistas,
de modo que, conforme Antunes (1999, p. 56), “reinaugura um novo patamar de
intensificação do trabalho, combinando fortemente as formas relativa e absoluta
de extração de mais valia”.
Ainda sobre a precarização, verifica-se que,
[...] a mundialização do capital sob a hegemonia do capital financeiro
e as políticas neoliberais retroalimentaram-se, tornando a precari-
zação um fenômeno central que se “generaliza por toda parte” [...]
(ANTUNES, 2013, p. 56, grifo do autor).

Por esse viés, assim como em outras áreas, a precarização se apresenta,


também, cada vez mais, na reutilização/adaptação da força de trabalho já exis-
tente, sob a forma de flexibilização/intensificação de suas atividades ou através da
contratação de trabalhadores externos, das mais variadas formas permitidas por
lei. Assim, torna-se, em virtude de todo o contexto de mercado de trabalho, uma
possibilidade mais atraente que a contratação formal, bem menos onerosa e mais
atrativa para o empregador.
Conforme Antunes (2008), forma-se, como resultado das formas de flexibi-
lização/precarização, uma massa de trabalhadores no que ele considera estar na (e
denomina de “periferia” da) força de trabalho. Esta subdivide-se em dois grupos, o
primeiro composto por empregados em tempo integral, com habilidades facilmente
encontradas no mercado de trabalho, e o segundo formado por
54
[…] empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal
com contrato por tempo determinado, temporários, subcontratação
e treinados com subsídio público, tendo ainda menos segurança de
emprego do que o primeiro grupo periférico (ANTUNES, 2008, p.
74-75, grifo nosso).

A partir dos novos modelos de contratação, a precarização se apresenta sob


a forma de trabalhadores terceirizados, contratações temporárias, contratações
de serviços, pejotização12 e, até mesmo, com o amparo da legislação vigente, de
estagiários para desempenhar atividades, muitas vezes, similares ou iguais às de
uma relação empregatícia formal.
Quanto ao estágio propriamente dito,
[...] o processo de reestruturação produtiva, na prática, não só inten-
sificou a escassez de vagas de estágio supervisionado, bem como
aumentou a probabilidade de a atividade de estágio supervisionado
ser pervertida em atividade produtiva para a empresa, assumindo a
forma de contratação precária de força de trabalho minimamente
qualificada a baixo custo [...] (SOUZA, 2018, p. 136).

No caso específico do estágio, regido por legislação própria, a partir de


2008, a Lei Federal nº 11.788 (BRASIL, 2008), denominada “Lei do Estágio”,
regulamenta e subsidia a política e a sua oferta em âmbito nacional. Em seus pri-
meiros artigos, a legislação conceitua e consagra definitivamente o estágio como
ato pedagógico antes de ser considerado simplesmente um “trabalho”, bem como,
no restante do texto legal, estabelece todas as regras principais, os procedimentos
e as responsabilidades cabíveis a todos os envolvidos no processo de sua oferta.
Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvol-
vido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho
produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular
em instituições de educação superior, de educação profissional, de
ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fun-
damental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos
(BRASIL, 2008).

Entretanto, apesar da legislação tentar proteger o processo de estágio, vários


estudos têm apontado que existem “brechas” de interpretação que possibilitam
a desvirtualização de sua função principal (pedagógica) e, junto com a falta de
acompanhamento e supervisão, a precarização do processo, pois apesar de,

12
“Ao lado das demais formas de flexibilização, o fenômeno da pejotização tem sido discutido com bastante frequência
nos últimos anos. Trata-se de modalidade onde uma empresa, ou pessoa jurídica (PJ) é constituída para a prestação de
serviços, com contornos e características de relação de emprego” (REMEDIO; DONÁ, 2018, p. 70, grifo dos autores).
55
[...] definir o estágio como um “ato educativo escolar supervisionado”
e que, por isso, deve fazer “parte do projeto pedagógico do curso” de
maneira a permitir o “[...] aprendizado de competências próprias da
atividade profissional”, contraditoriamente, a mesma normativa indica
que o estágio deve preparar o estudante “para o trabalho produtivo.”
(BRASIL, 2008). Neste sentido, a lei mesma objetiva explicitamente
o ingresso do estudante no mercado de trabalho (HILLESHEIM,
2016, p. 164, grifos do autor).

Dessa forma, ao regulamentar o estágio, a legislação também o define com


regras que muito se aproximam de uma relação empregatícia. Mesmo que o autor
destaque, em seu texto, ser um momento de aprendizado para o aluno, também
afirma estar preparando-o para o mundo do trabalho (para a vida cidadã e para
o trabalho).
Na prática o que se observa é que esta distinção não é tão essencial e a
norma tem contribuído, sim, para a precarização do trabalho. Alguns
dos direitos constantes nos dispositivos da chamada “lei do estágio” são
típicos dos que se inserem em relações de emprego. Em sendo assim,
tem-se concretamente a constituição de um contingente de trabalha-
dores que passam a se identificar como empregados especiais, caso
preencham os requisitos impostos pela norma [...] (HILLESHEIM,
2016, p. 164, grifo do autor).

Ainda, segundo Valeriano, em decorrência da legislação,


[...] a questão central da precariedade do trabalho do estagiário é a
legislação evasiva que determina seu caráter. Cada vez mais os esta-
giários têm passado a ter todos os deveres comuns ao do profissional
contratado, porém sem compartilhar de seus direitos (VALERIANO,
2009, p. 3).

A legislação permite, por conseguinte, para a concedente13, uma certa vanta-


gem fiscal, ao se oferecer uma vaga de estágio em seu quadro, tornando-se, muitas
vezes, mais vantajoso que qualquer outro tipo de contratação que viesse a realizar
para o seu quadro de funcionários, uma vez que,
[...] reiteradamente são reafirmadas as vantagens econômicas dessa
contratação, haja vista que as partes concedentes dispõem de uma
mão de obra cuja capacidade se assemelha aos trabalhadores que, em
geral, são celetistas – no âmbito da iniciativa privada – ou concur-
13
Conforme a legislação, em seu Art. 9o, entende-se concedente por [...] “pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos
da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos
conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio” [...] (BRASIL, 2008).
56
sados – no âmbito do setor público –, com um custo muito menor.
Assim, a preponderância dos interesses do mercado se mantém, ao
passo que a dimensão pedagógica do estágio se torna mero acessório
(HILLESHEIM, 2016, p. 167-168).

A contratação do estagiário se faz de acordo com um Termo de Compro-


misso de Estágio (TCE), previsto na lei, assinado por todas as partes envolvidas
no processo. Entretanto, aquele não assegura nenhum vínculo empregatício ou
assistência previdenciária ao estudante, permitindo a contratação de mão de obra
barata, descaracterizando, assim, a função pedagógica do estágio, que deveria ser
a principal.
Por conseguinte, o estágio
[...] é uma forma de trabalho excepcional em que não são garantidos
direitos trabalhistas e previdenciários. O estagiário é um trabalhador.
Geralmente ele executa um trabalho formativo primordialmente,
porém, de um valor estimável economicamente, e de forma indireta
sua atividade pode concorrer para obtenção de lucro do concedente
pois a empresa não cria uma necessidade de serviço fictícia para
cometer atribuições ao estagiário (REIS, 2012, p. 49).

O estágio, nessas condições, torna-se uma opção relativamente barata em


qualquer âmbito, por se tratar de uma mão de obra que entra facilmente e pode
ser demitida sem custos, como acontece no fim do período contratado, pois, como
não há “relação trabalhista”, não existem os custos de rescisão. Da mesma forma,
a lei define o estágio como sendo um ato supervisionado (BRASIL, 2008), o que
implica em acompanhamento, por tratar-se ainda de um momento de aprendizado.
É durante o estágio que o aluno vivencia toda a prática da profissão escolhida
por ele, os problemas pertinentes e as soluções encontradas, aliando e aplicando,
mediante a devida orientação e supervisão, a teoria aprendida na sala de aula com
a prática, para complementar sua formação profissional.
Para Schön (2000), ancorando seu trabalho nas teorias Dewey (1974),
adquire-se a prática, que não pode ser ensinada, fazendo. É através de uma ativi-
dade reflexiva sobre suas ações e o acompanhamento constante, que se instrui o
estudante ao fazê-la, pois
[a]o estudante, não se pode ensinar o que ele precisa saber, mas se
pode instruir. Ele tem que enxergar, por si próprio e à sua maneira,
as relações entre meios e métodos empregados e resultados atingi-
dos. Ninguém mais pode ver por ele, e ele não poderá ver apenas
´falando-se´ a ele, mesmo que o falar correto possa guiar seu olhar e

57
ajudá-lo a ver o que ele precisa ver (DEWEY, 1974 apud SCHÖN,
2000, p. 25, grifos do autor).

Nesse momento é que o acompanhamento correto do estágio se torna


importante para a sua função pedagógica, pois, se simplesmente for tratado como
“mais um funcionário temporário executando uma função” pelo concedente e “mais
um estagiário a se controlar administrativamente o processo” pelos responsáveis
(fiscalização, orientação, supervisão, etc.), a função pedagógica se desvirtua, a
situação desse aluno se torna mais precária e o estágio perde a sua função principal.
A flexibilidade serve ao capital, não a educação, pois os estagiários
fazem um pouco de tudo sem se aprofundar em nada, são conheci-
mentos superficiais que não acrescentarão nada a sua formação técnica
(SANTOS, 2013, p. 94).

Se não for corretamente fiscalizado, conforme as legislações e normas


existentes para regulamentar o ato, pode vir a ser mais um instrumento utilizado
como forma de flexibilização, exploração e precarização, uma vez que permite a
força de trabalho obtida “legalmente”, de uma forma bem menos onerosa e mais
branda, em relação à legislação trabalhista vigente, quanto a direitos trabalhistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema educacional vem sofrendo constantes mudanças, seja por pressões


lobistas, cortes diversos, seja por aparelhamento político, etc. Nesse sentido, como em
todo o resto, a tendência de precarização, tanto no setor público como no privado,
tende a ser igual, e as soluções encontradas não diferem muito de outros setores.
Dessa forma, entende-se que o estágio pode estar se constituindo como
mais uma das formas precárias de trabalho instituídas, se não a mais nova, na
esfera pública e na privada. Ainda que exista uma legislação principal e uma série
de outras legislações e normas secundárias competentes para regulamentar o ato,
dependendo do local que o processo se estabelece, sem a correta fiscalização por
parte de quem compete, o que pode e tende a ocorrer é a priorização de outros
interesses por parte de quem oferta a vaga (concedente), em vez do priorizar o
caráter educacional do ato (pedagógico).
Assim, o estágio, apesar do caráter pedagógico previsto em legislação e, além
disso, ser extremamente importante para a formação do estudante, infelizmente,
quando não bem acompanhado, diante da própria configuração de mundo de
trabalho que se apresenta no momento, torna-se apenas uma das opções viáveis
de aquisição de força de trabalho para o mercado, menos onerosa para a empresa,
sob várias formas e sem vínculo.
58
Para o estudante, nessa mesma configuração de mundo do trabalho, às vezes,
é a única opção que se apresenta para ingresso no mercado, para o seu sucesso. No
entanto, no âmbito pedagógico como no profissional, as condições dependerão de
todos os atores envolvidos no processo de estágio e das suas intenções.

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60
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: ATRAVESSAMENTOS E TRAVESSIAS EM
TEMPOS DE PANDEMIA DE COVID-19

Juliane Ilha Marafiga14


Sueli Salva15

INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta e problematiza as práticas pedagógicas desenvolvidas


pela turma do Pré A Laranja da Escola Municipal de Educação Infantil Professora
Ida Fiori Druck, durante a pandemia de Covid-19, em dois períodos do ano de 2021.
O objetivo geral é analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas durante
os meses de março/abril no ensino remoto e no retorno à escola nos meses de
setembro/outubro de 2021, pelo olhar da professora e das crianças da turma do Pré
A Laranja da EMEI Professora Ida Fiori Druck considerando aspectos teóricos,
metodológicos e epistemológicos.
O estudo possui abordagem qualitativa, através da pesquisa narrativa (CLAN-
DININ; CONNELLY, 2015). Como dados e modos de produção utiliza os
planejamentos da professora da turma dos meses de março/abril e setembro/
outubro de 2021; as devolutivas das famílias das produções das crianças enviadas
durante o ensino remoto e, posteriormente, realizadas presencialmente; diário de
campo e conversas com as professoras e crianças. Importa salientar que uma das
autoras faz parte do grupo de educadores da instituição e, portanto, vivenciou
todo o processo descrito.
Utiliza como aporte teórico a Constituição Federal (1988), as Diretrizes Curri-
culares Nacionais para a Educação Infantil (2010), a Base Nacional Comum Curricular
(2017), Clandinin e Connelly (2015), Minayo (2008), Barbosa (2007; 2014), Corsino
(2012), Horn (2004; 2017), Rinaldi (2017), Kramer (2005), entre outros/as.
Esta pesquisa suscitou reflexões sobre o trabalho desenvolvido com e para
as crianças com o auxílio das famílias em uma situação de excepcionalidade como
a pandemia de Covid-19. Ao analisar as práticas pedagógicas e os aspectos que as
envolvem, percebe-se que mesmo diante dos desafios enfrentados, há o intuito de
consolidar e avançar na busca por práticas pedagógicas que estejam de acordo com
as concepções de criança adotadas na escola, como sujeito potente e imaginativo
que constrói o conhecimento através das relações que estabelece com o mundo e
com os outros, que aprende e ensina.

14
Mestranda em Educação (UFSM). Professora (RMESM). CV: http://lattes.cnpq.br/7914443450548754
15
Doutorado em Educação (UFSM). Professora (UFSM). CV: http://lattes.cnpq.br/8144640957398714
61
CAMINHO PERCORRIDO

A pesquisa foi desenvolvida na EMEI Professora Ida Fiori Druck, com um


olhar sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas durante a pandemia de Covid-19
em uma turma de pré-escola, composta por 20 crianças, 10 meninas e 10 meninos.
A escola está situada na região norte da cidade de Santa Maria, Rio Grande
do Sul, na Rua André da Rocha, s/n e possui cento e dez crianças matriculadas,
sendo que nas turmas de maternal I e II anteriormente à pandemia o atendimento
às crianças ocorria no turno integral. A escola atende também, duas turmas de
pré-escola (Pré B), no turno da manhã e duas durante o turno da tarde, (Pré A).
A instituição teve sua fundação em 31 de março de 1982. Foi construída
pela iniciativa privada e posteriormente o prédio foi doado à prefeitura municipal
de Santa Maria. Por ter sido construída em uma época em que não havia padrões
a ser seguidos, a estrutura física é limitada, com salas em tamanhos que não são
considerados ideais para o atendimento ao número de crianças, o que faz com
que o pátio seja um espaço bastante explorado, mas não apenas por isso, também
porque a escola, considera que as crianças precisam estar em espaços mais livres e
próprios à exploração, à movimentação e ao contato com a natureza.
De acordo com os Parâmetros Básicos de infraestrutura para instituições de
Educação Infantil (BRASIL, 2006), as salas amplas podem possibilitar a criação de
“nichos” para as diferentes atividades, caracterizando o espaço por seus múltiplos
ambientes. Como alternativa encontrada para se ter mais espaço na sala foi dimi-
nuir o número de mesas e utilizar a área externa que possibilitou que as crianças
brincassem e se movimentassem em um espaço amplo. A escola vem passando
por transformações importantes nos últimos anos, tanto na sua estrutura física
como nas práticas pedagógicas adotadas.
Destacamos como mudança importante a construção de uma área coberta
para que as crianças possam brincar na área externa da escola em dias de sol e
de chuva. A organização de espaços que atendam às necessidades das crianças
de movimentar e de brincar livremente em um ambiente seguro, faz parte do
esforço coletivo do desenvolvimento de práticas pedagógicas que respeitem suas
especificidades e essa perspectiva é uma das premissas que mobiliza e engaja a
comunidade escolar.
A comunidade escolar é composta por famílias que residem nos bairros
do entorno da escola, em sua maioria são famílias de baixo nível econômico. O
cenário de pandemia contribuiu para que as famílias enfrentassem situações de
desemprego e de trabalho informal.
Sabemos também, que a vida na periferia é difícil por conta do pouco
investimento do poder público. A comunidade conta com um posto de saúde
que funciona somente durante cinco dias da semana, sendo necessário buscar por
atendimento médico em outras regiões nos finais de semana. O posto da Polícia
Militar foi desativado e o policiamento é realizado por viaturas que não têm base
de apoio no bairro. A comunidade carece de investimentos em espaços de lazer,
62
pois o único ginásio público que se destinava à prática de atividades físicas, o
Complexo Guarani Atlântico, está desativado desde outubro de 2015, quando foi
destelhado por um vendaval e até a atualidade não possui condições de utiliza-
ção de seu interior. Quando sua estrutura física possuía condições, as escolas do
entorno o utilizavam como espaço para que as crianças brincassem e realizassem
atividades. Deste modo, é possível inferir que vida na periferia tem sido sinônimo
de precariedade para a maioria das pessoas que nela vivem.
Não pretendemos apontar soluções milagrosas, porém, parece-nos evidente
que as questões advindas da desigualdade social e econômica que assolam a maioria
da população brasileira, têm como pontos nevrálgicos a falta de acesso: à educa-
ção, a ações que garantam a permanência das crianças e jovens nas instituições de
ensino e à oferta de emprego e renda dignos. Também, salientamos a necessidade
de condições de trabalho aos profissionais que atuam nessas instituições como
forma de assegurar uma educação de qualidade para todos.
A escola representa para nós a própria ideia de abrigo e de gestar, por ser
um espaço de nascimento de muitos aprendizados, de compartilhamento de
experiências com adultos e crianças. Local de acolhimento, aconchego e desafios
contínuos de todas as pessoas que por ela passam, de valorização das infâncias e
das experiências vividas, local de chegada, despedida e retorno.
Com os impactos provocados pela pandemia de Covid-19 tivemos que inventar
um modo de fazer escola mesmo distante das crianças. Esse processo nos impactou
sobremaneira, pois vínhamos, enquanto escola, aperfeiçoando as práticas pedagógicas
de forma a estarem mais alinhadas com as DCNEI (2010) e repentinamente tivemos
que fazer de outra forma, sem a presença constante das crianças no ambiente físico
da escola. Neste sentido, foi necessário refletir sobre o cenário da pandemia e os
novos desafios por ela impostos acerca das práticas pedagógicas desenvolvidas pelas
professoras. Através de reuniões on-line, diálogos e, posteriormente, reuniões presen-
ciais na escola, foram fomentadas alternativas para que as propostas de experiências
fossem oportunizadas com a mediação das famílias, tendo como eixo as interações e
as brincadeiras em consonância com as DCNEI (2010) e a BNCC (2018), através
dos campos de experiência e direitos de aprendizagem.
Inicialmente foram criados grupos das turmas no aplicativo WhatssApp para
possibilitar a comunicação e a manutenção de vínculo entre a escola, as famílias
e as crianças. Posteriormente esses grupos foram utilizados como meio de envio
e recebimento das devolutivas das propostas de experiências planejadas pelas
professoras e enviadas semanalmente. Para o desenvolvimento das propostas foi
priorizada a utilização de objetos que fizessem parte do cotidiano das crianças, pois
a maioria das famílias estava enfrentando uma situação financeira difícil e muitas
contavam com apenas um aparelho celular para todos os membros de uma mesma
família. Percebemos que mesmo com dificuldades de acesso à internet e a recursos
tecnológicos houve engajamento e comprometimento das famílias em possibilitar
o desenvolvimento das propostas por parte das crianças. Contudo, com o passar do
63
tempo as dificuldades como a falta de tempo e a luta pela sobrevivência, levaram as
participações a perderem fôlego, gerando preocupação e reflexão sobre as práticas
desenvolvidas para um momento tão delicado e angustiante nunca antes vivido
por nós. Corroborando com a nossa percepção de que as famílias enfrentaram
situações difíceis no âmbito financeiro e social, Macedo (2020) salienta que uma
das implicações da crise sanitária no país foi o aumento das desigualdades, da
pobreza e o agravamento das más condições de oferta de trabalho.
O trabalho desenvolvido pelas professoras foi atravessado pelas lembranças
das práticas pedagógicas vivenciadas no âmbito da escola em momentos anteriores
à pandemia de Covid-19. Compreendemos que o confinamento foi um momento
muito delicado para todas as pessoas, ainda mais para as crianças que de uma hora
para outra viram-se obrigadas a ficar em casa, muitas vezes convivendo somente
com adultos. Para Nunes e Corsino (2012, p. 13), a instituição de educação infantil
é: “Lugar público de convivência, de trocas simbólicas, de imersão cultural, de
afetos e desafetos, de constituição de identidades e de subjetividades”.
Ao refletirmos sobre a participação das crianças no desenvolvimento das
propostas, compreendemos que o envolvimento ocorreu da maneira que foi pos-
sível para cada uma de suas famílias, nosso esforço se dava no sentido de com-
preendermos as dificuldades enfrentadas e continuar desenvolvendo um trabalho
acolhedor frente às famílias e crianças, pautado pela escuta sensível, estimulando
as interações no grupo de WhatsApp da turma. A família atuou na mediação e
auxílio para que as crianças desenvolvessem as propostas, desempenhando um papel
relevante no processo de construção do conhecimento através das experiências e
desafios lançados ao grupo.
Neste sentido, Horn (2004), aponta que a criança, ao contrário dos animais,
necessita da mediação de outras pessoas para se apropriar dos modos de agir no
mundo. Esta construção social tem como base a família e a escola, contextos em que as
mediações acontecem com maior riqueza, colaborando para a apropriação de sentidos
por parte da criança em relação ao meio que a cerca. A articulação entre as famílias e a
escola tornou-se a única forma possível para a realização das propostas de experiências
pelas crianças. Sabemos que as famílias não possuíam formação para atuarem como
professoras e, portanto, não era esse o objetivo a ser alcançado.
No mês de julho de 2021, as crianças retornaram de forma presencial à escola
de maneira escalonada, seguindo os protocolos sanitários vigentes. A escola foi
adaptada para a nova realidade e as famílias foram orientadas sobre os cuidados
que necessitavam ser tomados em relação às crianças. Para tanto, foi realizada uma
entrevista com cada uma das famílias.
Ao acolhermos as crianças na escola constatamos a importância do papel
da instituição para o desenvolvimento de práticas permeadas pelas interações e
brincadeiras, pois mesmo diante de uma nova realidade, era visível a necessidade
64
de convívio com seus pares. Uma prática pedagógica atravessada pela concepção
de criança, infância, tempos, espaços no contexto da escola e pela intencionalidade
das professoras. Os fios que conectam essa trama são as crianças e as professoras
que constroem conhecimento e criam sentidos a partir das relações que estabe-
lecem entre si e com o mundo. Nesse sentido, o aprender se dá em uma via de
mão dupla, onde todos os envolvidos contribuem e aprendem uns com os outros:
É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos,
nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma
a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as
duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam,
não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 2011, p. 25).
O conhecimento é construído através de um movimento contínuo que
envolve a todos os que se aventuram por um caminho de compartilhamento de
experiências singulares que, ao tocarem o outro se tornam plurais. A presença
das crianças na escola, mesmo que de maneira escalonada em forma de rodízio
possibilitou que elas tivessem tempos e espaços planejados e organizados para
acolher suas especificidades e necessidades.
Em meio a todo esse desafio a mantenedora também foi cobrada a desen-
volver mecanismos que possibilitassem regulamentação das atividades escolares.
Para isso acontecer a Instrução Normativa (IN) nº 05 (SANTA MARIA, 2021),
definiu que partir de 1º de setembro de 2021, as escolas deveriam utilizar a pla-
taforma Google Classroom como ambiente virtual oficial da RME para o envio
das atividades e devolutivas das crianças. Essa normativa exigiu a migração da
postagem das devolutivas das crianças do grupo de WhatsApp da turma para a
plataforma Google Classroom. Esse foi mais um desafio a ser enfrentado com as
famílias, pois muitas já tinham dificuldade de acesso através do WhatsApp que é
um dos aplicativos mais democráticos em relação aos meios de utilização, o acesso
ao Gooogle Classroom gerou outras dificuldades.
A participação na realização das propostas de experiências a esta altura já
havia sofrido uma queda por força da situação precária provocada pela pandemia.
Apesar de as famílias terem sido informadas pela professora da necessidade de
participação no ambiente virtual, mesmo que as crianças estivessem frequentando
a escola, pois pareciam não estar mais engajadas no auxílio às crianças como ante-
riormente. Os motivos dessa falta de engajamento eram os mais diversos, iam da
falta de tempo à falta de conexão e carência de acesso de internet de qualidade
que permitisse o carregamento e postagem das devolutivas.
Seguimos norteadas pela intencionalidade de práticas pedagógicas basea-
das no acolhimento às crianças, pois como já mencionado anteriormente, com o
afastamento físico prolongado das crianças em relação a esse espaço de convívio
65
social, se fazia necessário o estreitamento dos laços afetivos através de propostas
que envolvessem as interações e as brincadeiras, como preconiza as DCNEI (2010).
Sabemos que agir com respeito e cuidado fez diferença para que as crianças
se sentissem acolhidas e durante o ano, foi preciso transitar entre o possível e o
necessário e nessa perspectiva, as crianças estiveram no centro do processo edu-
cativo. As atividades desenvolvidas presencialmente estavam ligadas à exploração
dos espaços internos e principalmente externos, com a organização de zonas cir-
cunscritas, possibilitando a intervenção das crianças, através de sua imaginação,
criatividade e desejo.
Para Rossetti-Ferreira (2007, p. 151) “a característica principal das zonas
circunscritas é seu fechamento em pelo menos três lados, seja qual for o material
colocado pelo educador ou que as próprias crianças levam para brincar”. Os espa-
ços ou “cantinhos” organizados na sala são delimitados geralmente pelos próprios
brinquedos que as crianças utilizam, dando mais privacidade e segurança nos
momentos em que brincam.
Outra reflexão a ser realizada é como a perspectiva adultocêntrica que
limita as experiências das crianças e privilegia a visão dos adultos em detrimento
dos seus interesses, torna as experiências empobrecidas, desconsiderando o pro-
tagonismo infantil. Para Barbosa e Horn (2001) a organização do cotidiano das
crianças resulta das percepções que temos do grupo de crianças, considerando
como elemento principal as suas necessidades. As autoras apontam a necessidade
de se observar o modo como as crianças brincam e como são desenvolvidas as
brincadeiras. Como as preferências em relação às brincadeiras e aos espaços uti-
lizados para brincar são indispensáveis para a estruturação de um espaço-tempo
significativo para as crianças.

CONSIDERAÇÕES

Esta pesquisa suscitou reflexões que podem levar-nos a compreender o tra-


balho desenvolvido com e para as crianças, tendo como suporte o auxílio de suas
famílias em uma situação de excepcionalidade como a provocada pela pandemia
de Covid-19, que causou várias mudanças na sociedade. Parti com o objetivo de
analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas durante os meses de março/abril no
ensino remoto e no retorno à escola nos meses de setembro/outubro de 2021, pelo
olhar da professora e das crianças da turma do Pré A Laranja da EMEI Professora
Ida Fiori Druck considerando aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos.
Em relação aos aportes teóricos podemos explicitar que a nossa caminhada de
estudos enquanto grupo da escola e as mudanças que fizemos em nossas práticas
nos últimos anos, nos deu segurança, enquanto grupo, na proposição de atividades
pedagógicas, ainda que o momento exigisse a construção de um caminho novo,
em decorrência da excepcionalidade do momento vivido em consequência da
66
pandemia de Covid19, pandemia que impacta de modo sem precedente a vida
escolar no Brasil. Ainda que não seja a primeira pandemia que afeta a vida dos
brasileiros e brasileiras, em outros períodos não tínhamos a escola como uma
instituição democrática e de acesso público e gratuito a todas as crianças e jovens
dos quatro (4) aos dezessete (17) anos, a partir da Emenda Constitucional nº 59,
de 11 de novembro de 2009. (BRASIL, 2009).
Quanto aos aspectos metodológicos que permearam as práticas pedagógicas
no período analisado, percebemos que em alguns momentos nos vimos diante
de propostas planejadas cuja intencionalidade, pensávamos ser oposta às práticas
reprodutivistas, mas que ainda assim, havia uma linha tênue entre uma perspec-
tiva impregnada de práticas consideradas tradicionais com as quais buscamos o
rompimento. Nos últimos anos, algumas das professoras da instituição analisada
desafiaram-se a participar de cursos de formação para o trabalho com a Educação
Infantil, os quais, tendo como sujeitos de pesquisa a própria instituição provocaram
transformações e nos mostraram que as práticas tradicionais não são coerentes
com o projeto de escola que acreditamos e trabalhamos para alcançar.
No que concerne ao aspecto epistemológico, as concepções de criança ado-
tadas a partir das mudanças que vêm ocorrendo na escola, que a concebe como
produtora de cultura, centro da prática pedagógica, que atua sobre o mundo que a
cerca e com quem nós adultos, também aprendemos. Considerando o conhecimento
construído nesse espaço (construtivismo) e o conhecimento construído a partir das
interações com o outro (socioconstrutivismo) e podemos inferir que é necessário
estudo e reflexão constantes a fim de não cairmos na armadilha perigosa presente
no discurso descolado da prática. Houve muitos avanços em relação às práticas
pedagógicas construídas na escola, mas há muito ainda a ser feito para continuar
avançando e para consolidar o que foi conquistado através do nosso trabalho.
Talvez, possam ter ocorrido alguns retrocessos ao longo do caminho, pois
em tempos de tantas preocupações e angústias, possivelmente algumas lacunas
deixaram de ser preenchidas e acreditamos que esta pesquisa tenha relevância por
provocar o resgate e a reflexão acerca das práticas pedagógicas desenvolvidas no
ano de 2021. Não nos cabe desconsiderar o que foi realizado em parceria com as
famílias, mas perceber as fragilidades, as potências do que nos foi possível para
aquele momento de extrema singularidade, nunca antes vivido por nós. Ainda
estamos em processo de construção da identidade institucional e docente uma
vez que em nenhum contexto existe unanimidade de concepções, mas posso sim
afirmar que uma tentativa constante de diálogo e com isso, ressignificamos as
práticas pedagógicas desenvolvidas na escola. Compreendemos que este é um
processo contínuo que demanda tempo e estudo para fazê-lo. De algum modo
nos fortalecemos nas adversidades, porém foi e será preciso retomar as discussões
e estudos para que o movimento transformador que se iniciou fomentado pela
participação das professoras em contextos formativos continue nos impulsionando
67
na busca para a superação das limitações que tenham nos impedido de enxergar
e escutar além do que conseguimos.
Depois de ter avançado na organização da escola como um espaço que
realmente considera a criança, percebemos que a pandemia evidenciou algumas
fragilidades a serem superadas para seguirmos nossa caminhada acreditando em
um trabalho pautado na escuta, no acolhimento às famílias, no diálogo com toda
a equipe que atua na escola e nos saberes que as crianças produzem através das
suas experiências. Assim, nos constituímos professoras, não apenas ensinando,
mas aprendendo coletivamente.

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basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf > Acesso em: 10 nov. 2021.
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Florianópolis, v. 22, n. Especial, pp. 1404-1419, dez/dez., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina. Dis-
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NUNES, M.F.R.; CORSINO, P. A institucionalização da infância: antigas questões e novos desafios. In:
CORSINO, P. Educação infantil cotidiano e políticas. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
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ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres na Educação Infantil. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
SANTA MARIA. Instrução Normativa 05, de junho de 2021. Secretaria de Município de Educação de
Santa Maria - RS, 2021.

68
A LITERATURA COMO RECUSO DIDÁTICO NO
ENSINO DE FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Lili Mirian Gums Costa16


Ismael Laurindo Costa Junior17

INTRODUÇÃO

A humanização e a tomada de consciência crítica da realidade são expres-


sões da manifestação do “ser” em um mundo complexo e dinâmico. Diante disso,
as apropriações da literatura e da filosofia são algumas das possibilidades que os
sujeitos têm ao alcance como subsídio à reflexão e aquisição de saberes que lhe
permitam compreender e relacionar-se com esta realidade.
Não obstante, a Educação Formal, cuja premissa é a formação dos indivíduos
tendo em vista as bagagens sócio-históricas, culturais e científicas, deve propor-
cionar condições para que o aluno tenha acesso a instrumentos de humanização
e reflexão, aqui destacados como pressupostos que estão contidos na filosofia e
literatura. Nessa direção, para Silva e Pinho (2020), as obras filosóficas e literá-
rias são recursos para essa humanização, uma vez que, congregam e apontam “a
superação do caos por meio das artes e não o inverso”.
Ao vislumbrar-se as contribuições da arte literária e da filosofia na humani-
zação e desenvolvimento dos sujeitos, pode-se inferir que ambas são de relevância
na formação escolar. Contudo, sabe-se que na contemporaneidade o ensino da
filosofia configura-se como desafios para os educadores visto que essa disciplina
não se figura como uma das mais atrativas para grande parte dos educandos
(MATOS, 2017).
Com a obrigatoriedade da filosofia no currículo do Ensino Médio enquanto
disciplina, advinda da implementação da Lei Federal 11.648 de 2008, várias
indagações sobre a prática educativa e metodológica passaram a ser feitas, no
sentido do que se ensinar e como promoverem-se as situações de aprendizagem.
Diante disso, diversas iniciativas têm sido manifestadas no sentido de aproximar
o conhecimento filosófico de outras disciplinas de forma multi e transdisciplinar
e também por meio da proposição de estratégias metodológicas de mediação dos
conceitos filosóficos por aproximação com as artes visuais, musical e literária.

16
Especialista em Literatura Contemporânea. Professora (SEEDPR). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9204-3758
17
Doutorado em Química. Professor do Magistério Superior (UTFPR). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6295-1619
69
O estudo da filosofia na Educação Básica contribui para o desenvolvimento
de competências e habilidades relacionadas ao pensar e a dialogicidade entre
conhecimento, reflexão, análise e discernimento nas dimensões pessoal (do ser) e
social (ALENCAR et al., 2017). Por outro ângulo, a literatura propicia situações
de ampliação da visão crítico-reflexiva mediante a abordagens metafóricas nos
mais variados períodos históricos e culturais, que permitem a associação das obras
e produções com correntes e pensamentos filosóficos. Portanto, há de se intuir que
a aproximação entre ambas se coloca como estratégia profícua para a formação
dos estudantes.
Assim, propõem-se neste capítulo uma revisão sistemática objetivando-se
a exploração de experiências de interlocução entre filosofia e literatura como
abordagem didática no Ensino Médio.

A FILOSOFIA E A LITERATURA NO ENSINO MÉDIO

Apesar da notável relevância e contribuição da filosofia tanto no desenvol-


vimento da humanidade e sua evolução, ela nem sempre esteve presente nos cur-
rículos escolares brasileiros. Um breve resgate histórico em torno dos dispositivos
de regulamentação educacional aponta que em certos momentos foi disciplina
obrigatória (Lei 4024/1961) e em outros foi suprimida das matrizes curriculares
vigentes (Lei 5692/1971). Os primeiros passos para sua reinserção ocorreram
pela instituição da Lei 9394/1991 que indicava a necessidade de conhecimentos
em filosofia e sociologia para o pleno exercício da cidadania, contudo, o efetivo
status de disciplina deu-se apenas por meio da Lei 11648/2008 (SILVA, 2001).
Para Pin (2019, p. 12)
O pensar filosófico é essencial para a formação de cidadãos críticos e
responsáveis, autônomos e capazes de mudar os rumos da sociedade. A
motivação da Filosofia é a descoberta de um problema, ao contrário das
outras ciências que procuram resolver os problemas. Por esse motivo,
ela pode ser compreendida como abstrata, só acessível a intelectuais,
a estudiosos e profissionais dedicados somente ao estudo. [...] A
Filosofia contribui para que se mantenha aberta e sempre presente a
pergunta pelo sentido de como vivemos e do que fazemos. Por isso,
a importância da Filosofia reside na sua potencialidade em construir
conceitos, entendendo os conceitos como necessidades que brotam
da experiência humana.

Nessa direção, para Chauí (2000) “podemos dizer que a filosofia é o mais
útil de todos os saberes humanos”. O ensino de filosofia deve abarcar concepções
pedagógicas fundamentadas na construção de saberes que subsidiem aos educandos

70
condições de reconhecer e confrontar de forma crítica e consciente a sua realidade
(DIMENSTEIN, STRECKER e GIANSANTI, 2008).
Segundo Luz e Santo (2012, p. 315),
Enquanto disciplina obrigatória a filosofia enfrenta consideráveis
desafios no seu fazer educacional. Todavia, o primeiro desses enfrenta-
mentos seria responder a comunidade educacional o que seria filosofia?
E qual a sua utilidade na contemporaneidade? [...] a filosofia não
só na contemporaneidade, mais em toda a História da humanidade
afirma-se como saber útil e necessário para estabelecer reflexões
sérias e sistemáticas sobre toda e qualquer área do conhecimento
nos seus mais diversos graus de complexidade. [...] Assim, a filosofia
surge como perspectiva de contribuição acadêmica nas mais diversas
instituições de ensino médio para a formação crítica dos educandos,
preenchendo um hiato educacional, ético, estético, crítico, assim como,
para a compreensão da interrelação das áreas do saber enquanto
instrumento pedagógico de interação.

A inserção da filosofia é inter, trans e multidisciplinar pois perpassa não


apenas a área de ciências humanas e aplicadas, mas também as ciências exatas de
da natureza pela articulação de conhecimentos filosóficos, conteúdos e modos
discursivos nas ciências naturais, nas humanidades, nas artes e produções cultu-
rais (BRASIL, 2002). Com isso, atua sobre a produção crítica, socioeducacional,
profissional, científica e tecnológica.
Na contemporaneidade, a implementação da Base Nacional Comum Cur-
ricular (BNCC) insere outras dimensões no que tange o ensino de filosofia. A
estrutura curricular instituída se baseia em dez competências a serem desenvolvidas
nos sujeitos com a premissa de assegurar a formação humana integral mediante ao
aprendizado e desenvolvimento ativo dos indivíduos como agentes de construção
da sociedade (BRASIL, 2017). A BNCC organiza o currículo em cinco áreas do
conhecimento e traz a filosofia como integrante da área de Ciências Humanas
e Sociais Aplicadas e deixa em suspenso a obrigatoriedade da mesma enquanto
disciplina (COSTA e FREIRE, 2020).
Para Lyra (2015, p. 1), é
[...] implícito da proposta do ensino de Filosofia na BNCC, [...] que,
resguardadas as transições entre etapas, e observado o conjunto de
objetivos que as caracteriza, os elaboradores dos currículos podem
propor novos sequenciamentos dos objetivos de aprendizagem. Isso
significa liberdade de combinações ao longo dos três anos, bem enten-
dido, desde que garantida ao aluno, desde o início do primeiro ano,
uma aproximação à singularidade do pensar filosófico, e observada,
71
ao final do terceiro, a necessidade e o entrelaçamento dos objetivos
propostos.

Conforme Costa e Freire (2020), os conhecimentos em filosofia perpassam


todas as dez competências estabelecidas na BNCC . Nessa linha, Brito (2019, p.
18) destaca que o telos filosófico que sustenta o ideal de emancipação educativa
pode ser vislumbrado nessas dez competências e aponta que
[...] ela garantiu as condições formais do ensino de filosofia, ainda que
sustentada a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Neste sentido,
o próprio ensinar orientado ao desenvolvimento de determinadas
competências e à aquisição de determinadas habilidades pressupõe
que a educação básica, como um todo, está orientada por linhas filo-
sóficas específicas capazes de garantir a autonomia de pensamento.

Conceição (2020, p. 1) destaca possibilidade de ações interdisciplinares envol-


vendo conhecimentos de Língua Portuguesa e Filosofia a partir da BNCC. Tais
ações podem ser subsidiadas “por temas como ética e epistemologia, instrumentos
como análise e composição de argumentos, até alguns aspectos socioafetivos”. Não
obstante, Para Silva e Pinho (2020, p. 539)
[...] tanto a literatura quanto a filosofia estão em um mesmo nível
enquanto instrumentos de humanização. O que não significa, na prá-
tica, utilizarmos livros de literatura para falar de filosofia ou vice-versa,
mas sim, sermos cônscios de que ambas podem caminhar juntas, em
consonância, e se complementarem. Ressaltando principalmente
a importância destes saberes para a formação humana, existencial
e cidadã, para assim, favorecer uma maior compreensão crítica da
realidade complexa na qual o ser humano de hoje está inserido e
compelido a se adaptar.

Para Colomer (2007) o primeiro objetivo da educação literária é contribuir


na formação dos sujeitos de forma integrada a construção da sociabilidade por
meio de textos que confrontam e explicitam a atividade humana em diferentes
épocas, através da linguagem.
A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem,
tampouco mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da
história dos homens. Se tomada como uma maneira particular de
compor o conhecimento, é necessário reconhecer que sua relação com
o real é indireta. Ou seja, o plano da realidade pode ser apropriado e
transgredido pelo plano do imaginário como uma instância concre-
tamente formulada pela mediação dos signos verbais (ou mesmo não
verbais conforme algumas manifestações da poesia contemporânea).
72
Pensar sobre a literatura a partir dessa autonomia relativa ante o real
implica dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo regido
por jogos de aproximações e afastamentos, em que as invenções de
linguagem, a expressão das subjetividades, o trânsito das sensações,
os mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos
racionalizantes, referências indiciais, citações do cotidiano do mundo
dos homens (BRASIL, 1997, p. 29).

No que tange o ensino de literatura no Ensino médio os documentos nor-


mativos, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em1997 e os Parâmetros
Curriculares Nacionais+ (PCN+), no ano 2000, a literatura “[...] foi incluída sob
uma perspectiva redutora e restritiva, assenhoreando a gramática e a produção de
texto, encapsulada na linguagem, entendida como um espaço dialógico, onde os
locutores apenas se comunicam” (PEREIRA, 2020, p. 72).
A retificação parcial deste quadro foi sinalizada pela publicação das Orienta-
ções Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) onde houve um direcionamento
para a abordagem significativa das artes, em particular a literatura e que estas
fossem inseridas para ampliar o sentido e a funcionalidade no meio educacional
mediante a sensibilização, aquisição de conhecimentos, fruição estética e huma-
nização (BRASIL, 2006).
Para Fortes e Oliveira (2015) as aulas de literatura se constituem espaços de
socialização da leitura e troca de experiências desde que mediadas pelo professor
e com base na leitura literária. Além disso, conforme a OCEM, devem ser esti-
muladas a criticidade do aluno leitor e a formação do gosto pela leitura literária
em rompimento com as leituras facilitadoras em demonstração da existência de
linguagem mais complexas e valor estético das obras literárias.
Com a implementação da BNCC a partir de 2018 e a inserção de perspec-
tivas de ensino aprendizagem baseadas em competências e habilidades, Ipiranga
(2019, p. 108) destaca
Em relação à literatura, a área em que está inserida – Linguagens e
suas Tecnologias – contempla Arte, Educação Física, Língua Inglesa e
Língua Portuguesa, ou seja, ela não vem configurada especificamente
e sim como um campo da segmentação do componente Língua
Portuguesa. A disciplina de Língua Portuguesa, por sua vez, vem
articulada aos campos de atuação social, nova linha demarcada pela
Base: campo da vida pessoal, campo artístico-literário, campo das
práticas de estudo e pesquisa, campo jornalístico-midiático e campo
de atuação na vida pública. São esses campos os geradores das ações
subsequentes, o que marca uma inovação na concepção e no fluxo
das diretrizes educacionais.
73
Como prática no campo artístico-literário a BNCC destaca “Leitura, escuta,
produção de textos (orais, escritos, multissemióticos) e análise linguística/semió-
tica” (BRASIL, 2017) e destaca nove habilidades a serem exploradas que, segundo
Ipiranga (2019, p. 109-110) em síntese pontuam
• Ampliação de repertório e incentivo à capacidade de o aluno eleger seu
próprio corpus de leitura.
• Compreensão intertextual das obras, por meio do acionamento de dis-
positivos de atualização de sentidos.
• Horizontalização das leituras, com seu compartilhamento em redes sociais.
• Valorização da historicidade dos textos e inserção na cadeia de leitura.
• Incentivo às práticas de escrita dos alunos.
• Ampliação da tradição literária: literatura africana, afro-brasileira, indí-
gena e contemporânea.
• Ênfase na leitura dos clássicos brasileiros e portugueses para percepção
dos agudos e complexos processos de elaboração literária.
Assim, o panorama atual aponta para um perfil generalista do campo artís-
tico-literário, indicando que a literatura é uma arte entre as demais e, portanto,
deve dialogar com as práticas de linguagem e compreendida como extensão do
discurso social moderno que se baseia na democratização da leitura livre de diretri-
zes formativas e que equaliza o texto literário às demais tipologias (COLEMER,
2007; IPIRANGA, 2019).
Diante do exposto, observa-se a tangência da filosofia e a conotação artís-
tica dada à literatura no panorama curricular da atualidade com a implantação da
BNCC. Tal constatação pressupõem a necessidade de abordagens que permitam o
entrelace da filosofia e literatura como estratégia de ensino orientada na direção de
se construir as competências e habilidades destacadas nesse novo modelo proposto.

EXPERIÊNCIAS DE APROXIMAÇÃO DA FILOSOFIA E


LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Quanto ao aporte metodológico, esta pesquisa se classificou como uma


abordagem qualitativa exploratória com emprego de levantamento bibliográfico
como procedimento técnico (GIL, 2002). O foco da pesquisa bibliográfica foi
a localização e análise de artigos publicados entre 2008 e 2022, visando colher
informações sobre a temática literatura como recurso para o ensino de filosofia no
Ensino Médio, com escopo em trabalhos brasileiros nas bases Scientific Eletronic
Library Online (ScieLO) e Google Acadêmico. A delimitação temporal leva em

74
consideração a promulgação da Lei Federal 11.648 de 2008 que tornou obri-
gatório a filosofia enquanto disciplina no Ensino Médio.
Para tanto, na busca utilizaram-se os descritores “literatura”, “filosofia”,
“ensino de filosofia” e “estratégias de ensino” como parâmetros de pesquisa nos
títulos e palavras-chaves. Os artigos delimitados foram classificados por meio da
Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) com a intencionalidade de compreender
e descrever a totalidade das informações obtidas.
Após leitura atenta das produções, realizou-se a desconstrução dos textos e a
estruturação de unidades de significados que consistiram em enunciados destacados
como frases, parágrafos ou partes maiores dos textos, seguindo a intencionalidade
de compreender as escolhas teóricas e metodológicas que orientaram a abordagem
da literatura como estratégia ou aproximação no ensino de filosofia.
Uma vez explicitadas a importância da Educação em literatura e filosofia, bem
como as formas de diálogo que ambas propiciam no campo educacional buscou-se
as publicações que retratam iniciativas e experiências escolares de aproximação
literato-filosóficas como estratégia de ensino (Quadro 1)

Quadro 1 – Produções nacionais sobre a experiências de aproximação da filosofia e literatura na


sala de aula
Título Etapa de Gênero e Tex- Tema Referência
Ensino to literário Filosófico
explorado
A A literatura como recurso pedagógi- 1ª e 2ª Série do
Novela: Ética e relações AMARAL
co para o ensino de filosofia e socio- Ensino Médio O estrangeiro Humanas e ADAMS
logia: relato de uma experiência (Albert Ca- (2019)
mus)
A revolução
dos bichos
(George
Orwell)
B Filosofia e literatura em uma aborda- 1ª Série do 17 contos Principais filósofos e SILVA (2016)
gem interdisciplinar Ensino Médio variados e 3 seus conceitos mais
obras importantes
C A Importância da Interdisciplina- 3ª Série Ensino Poemas: Repensar sobre as LIMA, DA-
ridade no Ensino no Nível Médio Médio Integra- Luxo /Lixo ações como sujeitos MASCENO
Técnico: a Integração das Disciplinas do a Educação (Augusto ativos no mundo e LIMA
Filosofia, Literatura e Tecnolo- Profissional Campos); (2016)
gia da Confecção Industrial para O Bicho (Ma-
Construção de um Conhecimento nuel Bandeira)
Significativo
D Hilda Hilst - Decifra-me ou te 3ª Série do Conto: A ética e a análise FEITOSA
devoro: literatura e filosofia no ensi- Ensino Médio Vicioso Kadek. de si e JESUS
no médio. (Hilda Hilst) (2020)
E PROJETO MAIS LEITURA: Uma Ensino Médio Cordel: Ideias de Aristóteles SILVA e
proposta de aula interdisciplinar O Pequeno LIMA (2020)
por meio do livro O Pequeno Prínci- Príncipe em
pe em Cordel Cordel ( Josué
Limeira)
continua

75
Título Etapa de Gênero e Tex- Tema Referência
Ensino to literário Filosófico
explorado
F A poesia como instrumento didático Ensino Médio Poesia: Conhecimento e SOUSA,
de reflexão no ensino de filosofia: O Mito da Alienação PRAXEDES
diálogo possível Caverna–Em e LIMA
cordel (Medeiros NETO
Braga) (2015)
G Memórias de uma prática de ensino Ensino Médio Romance: Justiça, MACHADO
filosófico Memórias do Vingança e ressenti- (2020)
subsolo (Fiódor mento
Dostoiévski)
H Filosofia para crianças: proposta de 2º Ano Ensino Bacon, o gato Identidade: Quem PEIXOTO,
uma Sequência didática literária Fundamental filósofo e o sou eu? RODRI-
sentido da vida GUES e
(Verusca Reis) LUQUETTI
(2021)
Fonte: Autoria própria (2023)

Ao realizar-se a busca de produções que contemplassem o escopo da pesquisa


verificou-se que há predomínio de trabalhos que unem filosofia e literatura sob
a perspectiva da análise literato-filosóficas de romance, poemas, contos e demais
gêneros buscando uma interpretação das obras sob o crivo de uma ideia filosófica
ou as concepções de filósofos renomados. Assim, tratam em sua maioria de análises
teóricas que são de interesse para o professor em formação inicial e continuada
a fim de oferecer uma aproximação e mais amplitude filosófica tomando textos
literários como suporte ao filosofar.
Ressalvadas essas considerações, foram selecionados oito trabalhos (Quadro
1) que, na visão dos autores, se aproximam da proposta de uso da literatura como
recurso didático ou metodológico para o ensino de filosofia na Educação Básica.
A produção A (Quadro 1) é uma experiência de trabalho realizada por
Amaral e Adams (2019), que consiste no uso de texto literário para abordagem
de conceitos de filosofia e sociologia. Os autores apresentam detalhadamente a
proposta realizada junto a quatro turmas de alunos da 1ª e 2ª série do Ensino
médio utilizando as obras O estrangeiro (Albert Camus) e A revolução dos bichos
(George Orwell) enquadradas na literatura como pertencentes ao gênero novela
como aproximação do tema filosófico ética e as relações humanas.
Os autores puderam concluir que
Nas quatro turmas houve uma boa compreensão dos livros e uma boa
apropriação dos conteúdos abordados em aula. [...] os alunos puderam
compreender melhor conceitos fundamentais de Filosofia e Sociologia
e utilizá-los para analisar as situações relatadas nas obras. Esse tipo
de proposta também possibilita a aquisição de capital cultural, pois
os estudantes não só conheceram obras clássicas de literatura como
também puderam aperfeiçoar suas habilidades de leitura e escrita.
76
Com isso, colaboramos para que a escola cumpra sua função enquanto
instituição social (AMARAL e ADAMS, 2019, p. 79)

O artigo B (Quadro 1) elaborado por Silva (2016) trouxe uma perspectiva


de interdisciplinaridade propondo intersecção entre filosofia e literatura pela uti-
lização de textos literários na abordagem de conceitos filosóficos na 1ª série do
Ensino Médio. Foram selecionados pelo autor dezessete contos e três obras clássicas
nacionais e internacionais, considerando a disponibilidade na biblioteca escolar
e internet, com vistas a associação de ideias dos principais filósofos (Karl Marx,
René Descartes, Friedrich Nietzsche, Platão, dentre outros). O encaminhamento
metodológico utilizado foi a proposição de seminários que abarcassem a síntese
da obra, o problema filosófico e as considerações finais dos alunos divididos em
duplas de trabalho com entrega de relato escrito e apresentação.
A respeito dos resultados vislumbrados após a realização da proposta, Silva
(2016. p. 184) destaca que
É importante retomar aqui que, além do relatório escrito, era necessária
uma apresentação oral desta pesquisa, o que sem sombra de dúvida,
exigia do aluno uma disposição à leitura e apresentação oral, o que
logo de início assustou a maior parte da turma, tendo em vista que
essa prática não era muito comum naquele contexto escolar. [...].
Estabelecer uma relação entre o conto e o conceito filosófico sugerido,
certamente foi um desafio, que superado, gerou uma grande satisfação
nos alunos. Naturalmente, alguns apresentaram maior dificuldade em
realizar essa etapa do trabalho. Contudo, foi percebido um grande
empenho por parte dos mesmos, em realizar o trabalho de maneira
satisfatória.

Lima, Damasceno e Lima (2016, p. 98) também apresentaram no artigo C


(Quadro 1) uma proposta interdisciplinar para a filosofia e literatura com o dife-
rencial de incluir a disciplina profissionalizante tecnologia da confecção industrial
na 3ª série de um curso técnico integrado em Vestuário. Os autores detalham os
encaminhamentos realizados e destacam que a temática de entrelace foi reciclagem
do lixo eletrônico sob o viés literato-filosófico do repensar sobre as ações como
sujeitos ativos no mundo. “A disciplina de Filosofia encarregou-se de apresentar
as ideologias por trás do consumismo exacerbado da sociedade atual” e a literatura
proporcionou aproximações críticas com emprego dos Poemas Luxo /Lixo (Augusto
Campos) e O Bicho (Manuel Bandeira), “[...] propondo discussões que se voltam
para a questão da literatura engajada, traçando caminhos para a reflexão crítica
que aciona o discente como sujeito ativo no mundo, estimulando-o a compor suas
interpretações e críticas sobre o entorno de sua vida social”.

77
Desta feita, as discussões na seara filosófica referentes ao lixo produ-
zido pela tecnologia propiciaram aos alunos um repensar sobre suas
ações como sujeitos ativos no mundo, visto que muitos dos discentes
se mostraram capazes de reconhecer os malefícios que o e-lixo pode
causar à humanidade, o que de certo modo os faz repensar também
sobre qual seria seu papel nas mudanças necessárias para a melhoria
de sua qualidade de vida e de toda a comunidade da qual faça parte.
[...] além de uma análise na esfera linguística, a perspectiva literária
coloca o indivíduo na condição de sujeito-reflexivo, uma vez que a
subjetividade e a verossimilhança, dentre outros elementos literá-
rios, os conduzem a refletir sobre sua atuação no mundo (LIMA,
DAMASCENO e LIMA, 2016, p. 106).

A ética e a análise de si foi o tema filosófico estudado por Feitosa e Jesus


(2020) no artigo D (Quadro 1) mediante a leitura literária do conto Vicioso Kadek.
(Hilda Hilst) com reminiscências ao filosofo Sócrates envolvendo alunos da 3ª
Série do Ensino Médio. A abordagem proposta compreendeu etapas que abarca-
ram leitura dramática com divisão de vozes internas do texto, análise coletiva do
enredo considerando o complexo textual de difícil digestão, retomada de Platão,
Sócrates e Sartre.
Após a análise das atividades propostas, segundo Feitosa e Jesus (2020, p. 278)
Se por um lado nossa proposta de leitura do texto hilstiano em sala
de aula, de início, visava um exercício de filosofar com e através da
literatura e de suas possibilidades; por outro, o que foi experienciado
junto a esses jovens ultrapassa nossas expectativas iniciais justamente
por transbordar dela algo inesperado. Um inesperado que não era o
engajamento dos jovens, nem o vir à tona de suas demandas, ou as
implicações de suas leituras; também não era a potência do texto
lido ou suas possibilidades filosóficas, literárias, existenciais; também
não era a potência do espaço, a sala de aula como um locus libertário
excelência; tudo isso são quase obviedades, justamente porque já
foram discutidas, afirmadas e reafirmados por inúmeros pensadores
da educação, da literatura e da filosofia.

O Artigo E (Quadro 1) apresentado por Silva e Lima (2020, p. 3) propõe


a exploração dos ideais de Aristóteles usando como mediadora a obra O Pequeno
Príncipe em Cordel ( Josué Limeira). “[...] o cordel pode ser usado como uma
ferramenta didática lúdica e atraente no ensino interdisciplinar de Filosofia e
Geografia. Esta forma inusitada de se trabalhar a literatura cordelista na sala de
aula é intitulada pelo Cordelista Manoel Monteiro como: “O novo Cordel””. O
desenvolvimento da proposta toma por base “[...] uma leitura reflexiva, onde o
78
seu conteúdo sirva para relacionar a literatura [...], com os conteúdos filosóficos e
geográficos estudados em sala de aula e com a realidade fora dos muros escolares”.
Dentre os gêneros literários a poesia conta com elementos estéticos especí-
ficos que incitam sensibilidade. Sousa, Praxedes e Lima Neto (2015, p. 8) propu-
seram na produção F (Quadro 1) a poesia como instrumento didático no ensino
de filosofia para a “reflexão crítica sobre sua realidade social, através do texto”.
Foi aplicada em aula a poesia O Mito da Caverna–Em cordel (Medeiros Braga),
com a intencionalidade de estudar o tema filosófico conhecimento e alienação. A
proposta foi estruturada nas etapas: “1) exposição do assunto na temática sobre
“Conhecimento e Alienação” fazendo referência ao Mito da Caverna; 2) leitura e
análise do cordel 3) interpretação e discussão”. O foco avaliativo foi a análise e o
desenvolvimento das competências de leitura, interpretação e reflexão dos alunos.
Na opinião dos autores
[...] a sugestão do trabalho com a poesia na aula de filosofia se mostra
ser eficiente por ser um meio pelo qual se pode aproximar o aluno do
texto, através da contextualização do conteúdo de maneira poética,
e neste caso, através do cordel que também trata do mesmo assunto,
porém com o uso estético da linguagem, a arte literária. Trata-se
portanto, de uma proposta curricular escolar que serve como auxílio
para uma aplicação didática dos conteúdos aos alunos, não só na
filosofia como também se abre para diversas áreas do conhecimento,
cabe ao professor o saber como utilizá-la (SOUSA, PRAXEDES e
LIMA NETO, 2015, p. 8).

O romance Memórias do subsolo (Fiódor Dostoiévski) foi inserido na pro-


posta de sequência didática filosófica apresentada no artigo G (Quadro 1) por
Machado (2020, p. 37) como recuso para o tema justiça, vingança e ressentimento.
Também foram inseridos os gêneros história em quadrinhos V de vingança (Allan
More e David Lloyd) e a pintura A parábola do filho pródigo (Frans Francken II),
fragmentos filosóficos selecionados da obra Genealogia da moral de Nietzsche,
além da técnica de júri simulado. Após a análise filosófica proposta “os estudantes
materializaram as suas reflexões na produção de poemas, contos e textos disserta-
tivo-argumentativos. Nestas produções foram expressas as vivências dos discentes
com essa prática de ensino filosófico”.
O último artigo selecionado (H, Quadro 1), apesar de não figurar como
aproximação da filosofia pela literatura no Ensino Médio, aguçou a reflexão dos
autores ao propor uma inserção de contexto filosófico no 2º ano do Ensino Fun-
damental. Trata-se de uma proposta de sequência de ensino literato-filosófica
elaborada por Peixoto, Rodrigues e Luquetti (2021) voltada às crianças buscando
79
a reflexão em torno da identidade e do eu, por meio do livro infantil Bacon, o gato
filósofo e o sentido da vida (Verusca Reis).
Os autores enfatizam que dentre as análises feitas a partir da aplicação da
proposta pode-se destacar que
[...] esta proposta reforça a defesa de uma educação que estimule o
questionamento, a reflexão, a criatividade, a criticidade, entre outros
conhecimentos necessários para o desenvolvimento cognitivo e
humano, não detendo tais questões a uma perspectiva disciplinar ou
a um momento específico da vida escolar. Sendo definida como filósofa
por natureza, a criança deve ser encaminhada em ambientes que desde
cedo a ajudem a pensar bem, favorecendo a reflexão a respeito de si
mesmas e sobre questões da realidade (PEIXOTO, RODRIGUES
e LUQUETTI, 2021, p. 1270)

Em linhas gerais as produções destacadas no Quadro 1 corroboram para o


estreitamento da teoria e prática e torna a aprendizagem dos alunos mais eficiente,
trazendo inúmeros benefícios para assimilação dos conteúdos principalmente em
disciplinas de natureza dialógica, como é o caso da Filosofia e Literatura. Verifica-
-se ainda que nas experiências de aproximação da filosofia e literatura destacadas
acima são utilizadas metodologias diversificadas que tornam pautáveis os aportes
teóricos como subsídio ao enlace entre elementos literários e filosóficos, sem que
o aluno confunda e/ou trate como iguais ambas as disciplinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de estabelecidas as aproximações entre literatura e filosofia como


estratégia de ensino, evidenciou-se que além do contexto histórico comum, a
interdisciplinaridade é outro elo importante e que suscita uma forma de produção
do conhecimento que implica em uma troca de teorias e metodologias, cabendo a
filosofia no tratamento de seus conceitos, teorias e reflexões trazer à tona a com-
preensão de que mesmo o conhecimento específico da filosofia se faz no processo
relacional-dialético com outros saberes.
Nessa vertente, imbuir textos literários de olhares e reflexões filosóficas são
estratégias de grande relevância no ensino tanto de filosofia quanto de literatura.
Por fim, a aproximação entre ambas não limita o rigor literato-filosófico, pelo
contrário, fortalece o diálogo e reforça a formação humanista dos sujeitos ao
promover a formação do leitor literário e o filosofar.

80
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82
OS SALÕES LITERÁRIOS NA FRANÇA MODERNA:
MEMÓRIA E CULTURA NA PARIS DO SÉC. XVIII

José Barroso de Oliveira Filho18


Raimunda Celestina Mendes da Silva19

INTRODUÇÃO

A memória desempenha um papel fundamental na construção da subje-


tividade e se configura como um campo propício à conservação das lembranças
mais impactantes, individuais e/ou coletiva, como foi a história da sociedade
parisiense do século XVIII sob a tutela do antigo regime. Para BOSI (2003, p.
53), “A memória é, sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido,
conotado pela cultura e pelo indivíduo.” Nesse sentido, o presente estudo objetiva
demonstrar os rastros de memória na sociedade parisiense a partir da participação
ativa de homens e mulheres nos lugares de recreação, estudos e debates.
Os salões literários desse período contribuíram para suscitar nos convi-
dados e frequentadores desses espaços debates que giravam em torno da grande
insatisfação advindas das injustiças sociais do poder monárquico. Evocando esses
espaços de sociabilidade e debates que carregam memórias da cidade de Paris,
leva-se à confirmação de Assmann (2011, p. 317-318), que aponta as palavras de
Cícero20, ao relacionar os locais, e seu potencial de memória:
Grande é a força da memória que reside no interior dos locais – a
frase de Cícero pode servir de impulso para quem se questiona a
respeito de uma força específica da memória e do poder dos locais. O
grande teórico da mnemotécnica romana tinha uma noção clara do
significado dos locais para a construção da memória. [...] O próprio
Cícero cumpriu a passagem dos lugares da memória para os locais
de recordação, segundo sua própria experiência, que as impressões
captadas em um cenário histórico “são mais vivas e atenciosas” que
outras assimiladas por ouvir falar [...].

18
Mestrando em Letras (UESPI). CV: http://lattes.cnpq.br/3544256948816153
19
Doutora em Letras (PUCRS). Professora da graduação e do PPGL (UESPI).
CV: http://lattes.cnpq.br/3328981487813298
20
Estadista, orador e filósofo romano, Marco Túlio Cícero nasceu no ano 106 a.C. em Arpino, Itália, e morreu em 43 a.C.
em Formia, Itália. Cícero é considerado o primeiro romano que chegou aos principais postos do governo com base na
sua eloquência e no mérito que obteve nas suas funções de magistrado civil. É um dos maiores oradores e pensadores
políticos romanos.
83
Toma-se aqui os salões parisienses como “locais” de memórias, tais espaços
correspondem a uma invenção italiana do século XVI, que floresceu na França ao
longo dos séculos XVII e XVIII. A palavra “salão” apareceu pela primeira vez na
França em 1664, derivada da palavra italiana salone, ela, própria de sala, o grande
salão de recepção das mansões italianas. O primeiro salão de renome na França foi
o Hôtel de Rambouillet, não muito longe do Palais du Louvre, em Paris, adminis-
trado por sua anfitriã, a romana Catherine de Vivonne, marquesa de Rambouillet
(1588-1665), de 1607 até sua morte.
No primeiro e renomado salão, Catherine de Vivone estabeleceu regras de
etiqueta que se assemelhavam aos códigos anteriores da cavalaria italiana. Regras
que se replicaram nos salões parisienses, fazendo valer as práticas culturais de “refi-
namento francês”, que, mesmo sofrendo alterações, são mantidas até os dias atuais.
Cafés, restaurantes e, principalmente, os salões literários eram frequentados
essencialmente pela elite burguesa e pelos intelectuais da época para conversar,
estreitar laços, jogar, discutir política, fumar, jantar, ler jornais e recitar poemas.
Esses eventos ocorriam em ambientes reservados, em casas privadas, que na con-
cepção memorialística Bachelareana ser
algo fechado [que] deve guardar as lembranças, conservando-lhe seus
valores de imagens. [...] abriga o devaneio [...] protege o sonhador
[...] permite sonhar em paz, configurando-se como uma das maio-
res (forças) de integração para os pensamentos, as lembranças e os
sonhos do homem. [...] é graças à casa que um grande número de
nossas lembranças está guardado (BACHELARD, 1993, p. 25-27).

Assim, considerando o pensamento de Bachelard, vê-se que nesses espaços


de vivências e de sentido, há um elemento a mais no recôndito desses ambientes
privados, a ser lembrado pelos ocupantes da casa, a grande sala, ou salão, especial-
mente ornamentado para esses encontros de estudos e debates.
É importante lembrar, no entanto, que, segundo Antoine Lilti, 2005, nos
séculos XVII e XVIII, a palavra salão “não nomeava as reuniões, mas designava
somente a peça da casa – a grande sala, para os convidados, a qual se impunha
progressivamente nas casas urbanas desse período”, onde a arte da conversação e
sociabilidade atribuída aos franceses progredira nos salões do século XVIII.
A partir do estudo teórico mencionado, pode-se observar que os salões lite-
rários de Paris podem ser compreendidos como um momento que gerou registros
do comportamento, pensamento e produção intelectual que caracterizou a iden-
tidade de grupos sociais que movimentavam a antiga Paris durante o séc. XVIII.
Logo, esses salões hoje trazem uma representação memorialística que narra um
determinado período de efervescência cultural na Paris do séc. XVIII.
84
OS SALÕES LITERÁRIOS DE PARIS: lugares de memória

Nas vivências dos salões literários parisienses, era bastante necessário e


imprescindível, haver, além dos assuntos, da programação, a presença de um
anfitrião que recebesse os convidados e que de alguma forma os selecionava para
estarem ali presentes ‘fisicamente’, um tipo de “cicerone”, ou seja, um mediador,
pessoa que conduzia os visitantes.
A prática de receber bem nesses encontros era levada a sério e, com efeito,
evidenciava-se não somente a opulência e glamour nesses espaços literários, como
a mobília, a decoração exuberante, etiqueta, bons modos, como também assentia
sentido especial à presença dos participantes, geralmente intelectuais, pessoas de
classe social alta, como se vê nos salões da França no século XVII, prática que
perpassou séculos, alcançando os séculos XVIII, XIX e até os dias atuais.
Nessas residências particulares, ambientes repletos de significados e com
aura própria, damas inspiradoras, donas de salão conduziam e propiciavam aos
visitantes, convidados e frequentadores, espontânea atividade criadora do espírito,
gerando momentos de rica fruição, reflexão e de argumentação. Ali, se formava
a opinião pública e se iniciava a contestação ao poder monárquico e eclesiástico,
sobretudo com relação à vida na urbe francesa. Nesse contexto, essas casas apre-
sentam-se como um espaço de memória, pois trazem marcas do passado. Como
apresentado antes o pensamento de Bachelard (1993, p. 26), a casa tem em seu
espaço o devaneio, assumindo também a função de proteger o sonhador em seu
momento utópico.
Sentimentos de acolhimento e subjetividades são apresentados por Marcel
Prust (2018), quando o príncipe Luís Napoleão, incansável
[...] expressava pela centésima vez diante de alguns íntimos, no salão
da rua de Berri, seu desejo de ingressar no exército, sua tia, a princesa
Mathilde, desolada com essa vocação que lhe roubaria o mais amado
dos seus sobrinhos, exclamou, dirigindo-se aos presentes: - Vejam só
que obstinação! – Mas, infeliz, só porque tiveste um militar na família,
isso não é motivo!... Ter um militar na família! Reconhecemos ser
difícil lembrar com menos ênfase seu parentesco com Napoleão I.
(PROUST, 2018, p. 25)

Sobre isso, Ecléa Bosi (2003) destaca que as memórias pertencentes aos
seres humanos privilegiam os questionamentos, sonhos e desejos que permeiam
o seu íntimo, refletem os aspectos subjetivos e estão em constante diálogo com as
ações desse indivíduo na sociedade. Para a estudiosa,

85
pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes,
misturando com as percepções imediatas, como também empurra,
“decola” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A
memória aparece como força subjetiva, ao mesmo tempo profunda
e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora (BOSI, 2003, p. 36).

Percebe-se que, na condução e vivências no espaço dos salões parisienses


alocados em residências particulares, existem marcas de um lugar de memória que
causam ressonâncias subjetivas surpreendentes do passado, triste ou agradável. Se
agradável, adoçam a vida e deseja-se segurá-la pelo braço.
Proust (2018, 2018, p. 30) faz a seguinte apresentação acerca do salão da
princesa Mathilde:
Quando se pensa que esse salão [...] foi um dos centros literários da
segunda metade do século XIX; que Mérimée, Flaubert, Goncourt,
Sainte-Beuve vieram ali todos os dias, com verdadeira intimidade,
com uma familiaridade tão completa que a princesa chegava a convi-
dá-los a almoçar de improviso; que eles não tinham segredos literários
para com ela e ela não tinha reservas principescas para com eles; que
ela lhes prestou favores até o fim – não somente favores cotidianos
(Sainte-Beuve dizia: “Sua casa é uma espécie de ministérios das
graças”), mas favores de grande repercussão, daqueles que põe fim a
perseguições, dissipam preconceitos, facilitam o trabalho, auxiliam no
sucesso, adoçam a vida, mudam um destino. (PROUST, 2018, p. 30).

As expressões, “vieram ali todos os dias, com verdadeira intimidade” e “Sua


casa é uma espécie de ministérios das graças”, confirmam o que diz Halbwachs
(2006) sobre a importância do espaço familiar, o primeiro que se tem contato, de
modo que os membros da família acabam fazendo parte da memória dos indiví-
duos que ali residem, onde ensinamentos são transmitidos, caracterizando aquilo
que o autor denominou de memória coletiva.
Evidencia-se, também, seguindo o pensamento de Halbwachs (2006, p. 30), o
valor da memória coletiva ao afirmar que “nossas lembranças permanecem coletivas
e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente
nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque
jamais estamos sós”. Compreende-se que Halbwachs (2006) não desconsidera a
existência da memória individual, mas declara que em interação com o social, a
memória do indivíduo está atrelada a diferentes contextos e a vários participantes.
Quando os acontecimentos são partilhados pelo grupo, a memória deixa de ser
individual para tornar-se uma memória coletiva. Assim, a memória do indivíduo é
constituída pelas memórias dos diversos grupos de que ele participa e é influenciado.
86
Portanto, os salões literários de Paris podem ser compreendidos como um
momento que gerou registros do comportamento, pensamento e produção intelectual
que caracterizou a identidade de grupos sociais que movimentavam a antiga Paris
durante o séc. XVIII. Logo, compreende-se que os salões literários parisienses
canonizaram mansões que apresentavam desde glamurosas organizações internas
até o impecável comportamento da alta classe durante os encontros nesses espaços.
Hoje, esses casarões, não existem mais com a função de moradia de seus
primeiros donos, mas como lugar de memória, ecoam rastros históricos e remi-
niscentes que narram um período da antiga Paris durante um período em que as
mulheres passaram a emergir na sociedade impondo sua voz ao lado de pensadores
do sexo masculino, seus cônjuges e intelectuais.

A SOCIABILIDADE FEMININA NOS SALÕES DE PARIS NO


SEC. XVIII

Segundo Rivière (2004), na década de 1990, consolidou-se na França a defi-


nição de sociabilidade como o conjunto das relações dos indivíduos na sociedade,
considerando tanto as particularidades do sujeito e do contexto no qual ele se
encontra, quanto as estruturas que ajudam a moldá-lo como ser social. Percebe-
-se que “A partir de relações concretas entre os indivíduos, [...] a análise da rede
oferece os meios para pensar a sociabilidade por ela mesma, conferindo-lhe um
valor explicativo para um conjunto variado de comportamentos sociais” (RIVIÈRE,
2004, p. 229). Pode-se afirmar que a sociabilidade é resultado do convívio entre
os sujeitos que pretendem estabelecer vínculos e estreitar laços.
Nesse contexto, vê-se o esforço das mulheres parisienses para a construção
desses laços, colocando-se na sociedade. Observa-se esse engajamento em Arendt
(1994) na narrativa biográfica de Rahel Varnhagen, na qual ela constrói-se a si
mesma num movimento seguido por outras mulheres ao longo do século XVIII,
tão ou mais famosas do que ela.
Refiro-me à sociabilidade dos salões e à importância das relações
de amizade para os homens, mas especialmente para as mulheres
que desejavam mais do que o enaltecimento da maternidade e a
condescendência das convenções sociais. [...] foi no seu salão que as
relações de amizade se consolidaram e novas foram estabelecidas.
Através das amizades Rahel conseguiu criar um lugar para si não no
sentido burguês e intimista, mas no sentido iluminista de um indivíduo
social, dotado de personalidade, charme, “espírito” e conhecimento.
[...] manejava bem os requisitos necessários para a vida social, sendo
capaz de agregar com sua inteligência e personalidade, pessoas bas-
87
tante diferentes ao seu redor; de estabelecer um espaço de conversação
franca, de atualização, de trocas culturais e também do prazer de estar
juntos. (ARENDT, 1994, p. 25).

No viés aqui considerado, a sociabilidade feminina nos salões de Paris,


salienta-se que tais atividades eram compreendidos como momentos fundamen-
tais para a vida literária dos séculos XVII e XVIII, organizados por mulheres
proeminentes, que passaram a ser o centro da vida no salão e como reguladoras
poderiam selecionar seus convidados e decidir os assuntos dessas reuniões sociais.
Dentre outros salões do século XVIII que também atraiam pessoas para
trocas culturais, aponta-se neste estudo quatro renomados salões e suas respec-
tivas salonnières, que geravam admiração e atraiam personalidades: 1. Madame
Geoffrin (1699‒1777) – Marie Thérèse Rodet Geoffrin, seu salão era frequentado
por grandes filósofos e enciclopedistas de seu tempo, tendo sua representatividade
votada para a sociedade iluminista. 2. Madame Necker (1737‒1794) – Suzanne
Curchod, Franco-Suíça, era conhecida como Madame Necker, tida como res-
ponsável pelo salão mais frequentado no Ancien Régime. 3. Madame de Staël
(1766‒1817) – Anne Louise Germaine, importante mulher no iluminismo francês.
Escritora e romancista, influenciou politicamente seu zeitgeist. 4.Contessa Maffei
(1814‒1886) – Clara Maffei, exerceu papel importante de mecenas e seu salão
recebeu grandes personalidades, como seu amigo pessoal, Balzac.
Esses encontros de pessoas letradas eram comumente chamados de círculos,
sociedades ou academias (quando se tratava de uma), sendo que o termo “salão”
tomou o sentido que hoje se utiliza somente no início do século XIX. Porém, é
importante deixar bem clara a diferença que havia entre os salões e as academias,
uma vez que as mulheres não eram aceitas nas academias.
Os encontros de homens e mulheres letrados que hoje chamamos de salões
literários tinham o objetivo de proporcionar a leitura coletiva de textos literários,
científicos ou filosóficos e a conversação amigável sobre os temas que essas leitu-
ras suscitavam. Normalmente eles tinham um dia fixo da semana para acontecer,
como, por exemplo, aos sábados, na residência de Madeleine de Scudéry, e às
quartas-feiras, na mansão de Madame de Sablé.
Disseminados depois da experiência famosa e bem sucedida de Catherine
de Vivonne-Savelli, a Marquesa de Rambouillet, os salões foram espaços que
colocaram em evidência as mulheres sábias, onde elas puderam romper barreiras
ao seu crescimento intelectual e desenvolver a sua capacidade crítica, formular
opiniões e debater os temas do conhecimento de igual para igual com os homens.
Os temas diversos desses encontros giravam em torno de tópicos sociais,
políticos e literários. Compartilhavam-se pontos de vista e opiniões sobre o que
essas leituras tratavam. Nessas discussões, igualmente interrogavam-se e colocavam
88
em xeque a cultura parisiense institucionalizada do antigo regime. O pensamento
crítico advindo dessa cultura cristalizada prejudicava a participação das mulheres
no cenário cultural em diferentes instâncias sociais, nas práticas culturais e repre-
sentações coletivas. Nesse sentido, Dena Goodmann (1989, p. 333) aponta que ao
criarem os salões, havia nas salonnières a compreensão de que “o objetivo inicial
e principal por trás dos salões era o de satisfazer as necessidades educacionais
autodeterminadas das mulheres que os iniciaram”. Para essas mulheres, o salão era
um substituto socialmente aceitável para a educação formal que lhes era negada,
porquanto reduzia a marginalização das mulheres nesse quesito.
As limitações para as mulheres no acesso à educação, eram consideráveis na
sociedade, pois “a distância entre a leitura e a escrita era ainda maior do que para os
homens, porque segundo os padrões culturais vigentes escrever poderia significar
um aprendizado inútil para elas, além de perigoso” (ZECHLINSKI, 2012, p. 32).
Em relação a estas questões de disparidade cultural, no caso das mulheres,
as diferenças em relação aos homens no acesso à educação e aos bens culturais
levaram Peter Burke (1999) a concluir que as mulheres nobres formavam um
grupo intermediário entre a elite, à qual pertenciam socialmente, e a não-elite, à
qual pertenciam culturalmente. A opinião de Burke (1999) converge com a de
Anne E. Duggan (2005, p. 288)
Por toda parte um vão estava se formando, que separava aqueles que
possuíam capital financeiro e cultural daqueles que não possuíam.
Mulheres da classe alta se encontravam nos dois lados do vão. Finan-
ceiramente separadas das mulheres e homens das outras “classes”,
elas, no entanto, se encontravam às vezes do outro lado dos trilhos no
que se referia ao capital cultural, para não mencionar direitos legais.

“Os trilhos”, the tracks na expressão utilizada em inglês, é uma referência a


um delimitador social, pois moram do outro lado dos trilhos dos trens as pessoas
de condição social mais baixa, evidenciando divisão de classes e forte conotação
de caráter econômico.
As mulheres das classes mais privilegiadas, para alcançarem um nível cultural
mais alto, tornando-se leitoras, possuidoras de livros e, mais ainda, para serem escri-
toras, deveriam somar à sua superioridade de classe outras vantagens pessoais, como
ter, por exemplo, um pai humanista e preocupado com a sua educação. O estudo
de Sara Gwyneth Ross sobre a República Veneziana mostra como era importante
para uma mulher ser apoiada por uma figura masculina que acreditasse em seu
potencial intelectual, para que ela pudesse entrar nos círculos de conhecimento.
Madeleine de Scudéry foi a primeira mulher a receber uma pensão real
como escritora e muito de seu sucesso deveu-se justamente à sua habilidade em
89
fazer amizades com homens influentes, como Valentin Conrart, um dos funda-
dores da Academia Francesa que prestavam serviços ao poder real e depois disso
se tornavam conhecidos pelo público. Assim os homens de letras, para obterem
sucesso, dependiam não só do seu talento, mas também de uma rede de relações
pessoais que compunham a orquestra da república das letras. Dessa forma, as
instituições da vida literária, como as academias e os salões literários, passaram a
ter uma importância fundamental no panorama do mundo da crítica e da palavra
escrita na sociedade francesa do Antigo Regime.
Estudos sobre os salões literário na Paris do séc. XVIII apontam um certo
esforço empreendido pelas mulheres parisienses do século das luzes, para coloca-
rem-se na sociedade e poder mostrar o quanto são capazes. Elas buscavam algo
que ia além do enaltecimento da maternidade, condescendência das convenções
sociais, de boas esposas e boas donas de casa. As mulheres parisienses também
questionaram seu lugar social, de elaborar e expressar suas próprias ideias e de
serem filósofas, escritoras, atrizes de teatro, artistas. Elas tinham como objetivo
conseguir visibilidade, criar um lugar para si na vida social, sendo capazes de
agregar com sua inteligência e personalidade, pessoas e estabelecer espaço de
conversação e de leitura.
Logo, a presença da figura feminina nos salões literários foi de suma impor-
tância não apenas por serem elas as responsáveis pela organização e recepção dos
encontros. Mas também por terem mostrado ao universo masculino que elas também
tinham a mesma ou superior capacidade de pensar criticamente acerca da literatura
que refletiam assuntos da sociedade da época. As mulheres parisienses viram nos
salões literários a oportunidade de se mostrarem enquanto sujeitos que também
tinham muito a contribuir com a formação do pensamento crítico da época.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo demonstrar os rastros históricos de memó-


ria na sociedade parisiense a partir da participação ativa de homens e mulheres
nesses lugares de recreação, estudos e debates. Por meio de um estudo de cunho
bibliográfico, considerou-se a contribuição teórica de Maurice Halbwachs (2003),
Aleida Assmann (2011), Ecléa Bosi (2003), Bachelard (1993), dentre outros
teóricos que discutem a teoria da memória como representação coletiva de um
determinado grupo social.
Pôde-se compreender o pensamento de Halbwachs (2003) acerca do conceito
de memória coletiva, apontando para uma concepção que reflete sobre eventos
em que somente nós estivemos envolvidos, bem como envolvendo objetos mate-
rializados que somente nós fomos capazes de ver (HALBWACHS, 2006). O
90
pensamento do teórico supracitado leva a compreender que o sujeito nunca está
só, uma vez que ele é acompanhado sempre por suas lembranças.
A contribuição de Bachelard (1993) acerca dos estudos das imagens poéticas
do espaço, fez compreender que as grandes mansões de Paris que sediavam os
salões literários trazem uma representatividade desses espaços por meio de suas
memórias, pois “é graças à casa que um grande número de nossas lembranças está
guardado” (BACHELARD, 1993, p. 27).
Bosi (2003), estudiosa da memória social, destaca que as memórias perten-
centes aos seres humanos prospectam pontos da subjetividade do sujeito e estão
intimamente relacionadas com as ações desse para com a sociedade. Logo, “a
memória aparece como força subjetiva, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente
e penetrante, oculta e invasora (BOSI, 2003, p. 36). Considerando o pensamento
de Bosi (2003), os salões literários podem ser compreendidos como uma atividade
social e cultural que refletem as memórias daqueles que pensavam fazer de Paris
um lugar diferente daquilo que estava imposto pelo antigo império.
Os salões literários de Paris correspondem a um momento que gerou regis-
tros do comportamento, pensamento e produção intelectual que caracterizou a
identidade de grupos sociais que movimentavam a antiga capital francesa durante
o séc. XVIII. Logo, esses salões hoje trazem uma representação memorialística
que narra o fim de um período de efervescência cultural na Paris do séc. XVIII.
Ademais, a participação das mulheres nos salões, embora alguns julgarem
ações de frivolidades, outros defendem, visto que, nesses eventos, as mulheres orga-
nizavam a agenda, os debates e estabeleciam contatos com pessoas que poderiam
ajudar seu escritor protegido, indicar a obra dele e facilitar o encontro com indi-
víduos influentes. As mulheres não apenas intermediavam reflexões e publicações,
mas também escreviam livros. Porém, ao contrário dos homens, elas não possuíam
apoio para a publicação de livros e, quando dispunham de uma produção própria,
enfrentavam desafios maiores para se tornarem parte do meio intelectual.
Naturalmente, a maneira sensível, autônoma e inteligente que as mulheres
ricas do século XVIII encontraram para ver seus anseios realizados, deu-se, abrindo
suas casas, e como dito por Bachelard, (1993, p. 26) a casa “abriga o devaneio
[...] protege o sonhador [...] permite sonhar em paz”. Sonho conquistado pelas
salonnières parisienses por meio de espaços de sociabilidades, os salões literários
por elas abertos em suas residências.
Este estudo, em momento algum propôs-se em esgotar a temática aqui
abordada. Outras pesquisas serão bem-vindas ao apesentar contextos socioculturais
que deram início as manifestações de insatisfações que passaram a ser assuntos
nos salões literários. Trabalhar a participação de grandes nomes da intelectuali-
91
dade parisiense do séc. XVIII que contribuíram para o acontecimento dos salões
literários também se faz de grande valia para os estudos acadêmicos.

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92
FORMAÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO SUPERIOR:
OBRIGATORIEDADE OU UMA NECESSIDADE?

Luciene Lovatti Almeida Hemerly Elias21


Tânia Gisela Biberg-Salum22
Elizania Regina Maciel23
Vivianne Rodrigues Português24

INTRODUÇÃO

Considerando o movimento expansionista para os cursos de graduação em


medicina, em 2018, durante o governo do presidente Michel Temer foi instituída
portaria que impedia a abertura de novas escolas de medicina no País, visando
o controle da implantação de cursos de baixa qualidade na formação acadêmica.
Porém, em 03 de janeiro de 2023 foi publicada, no Diário Oficial da União (DOU),
a revogação da portaria que definia as regras para a abertura de novos cursos no
país e que fora publicada pelo, então presidente, Jair Bolsonaro.
A existência de uma política de abertura de escolas médicas no Brasil que
negligencie o crescimento indiscriminado destas, acarreta, em múltiplas instâncias,
certo desgaste, tanto para o meio profissional médico como, também, para o meio
acadêmico. Em assim sendo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) posicionou-se
contra a revogação da portaria outrora existente, preocupados com o processo de
ensino e aprendizagem da medicina no país e encontramos, em Dutra de Oli-
veira, Carillo e De Almeida (2003), que já se posicionavam, desde então, contra
a abertura indiscriminada de novos cursos, porém a favor da abertura de escolas
com propostas bem fundamentadas e atuais aos padrões mundiais, assim como
aprovavam o fechamento e revogação de escolas com comprovada incapacidade
de formação médica de qualidade profissional.
Além disto, a atividade docente no ensino superior tem tido seu valor e
seu significado levados em consideração, com maior frequência e consistência, a
partir do final do século XX, em virtude do início de um processo de autocrítica

21
Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática (Universidade Anhanguera-Uniderp). Médica. Especialista em
Ginecologia e Obstetrícia. Docente do curso de medicina (Universidade Anhanguera-Uniderp).
CV: http://lattes.cnpq.br/4161971576212723
22
Doutorado em Oftalmologia (USP). Docente do curso de medicina e orientadora do curso de mestrado em Ciências
e Matemática (Universidade Anhanguera-Uniderp). Médica, Especialista em Oftalmologia.
CV: http://lattes.cnpq.br/1863038815709816
23
Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática (Universidade Anhanguera-Uniderp). Bióloga. Docente de ensino
superior (FAIS-UNIC). CV: http://lattes.cnpq.br/2331979196768593
24
Acadêmica do curso de medicina (Universidade Anhanguera-Uniderp). CV: http://lattes.cnpq.br/2582884454172857
93
por parte de diferentes membros integrantes das universidades sobre a prática de
docência propriamente dita.
Ainda que tenha havido um determinado despertar por parte educadores,
ainda assim, hoje existe uma certa ausência de compressão por parte de professores
e instituições educacionais com relação a necessidade de uma preparação especí-
fica para exercer a docência. Portanto, mesmo que exista a ciência de uma função
formativa, um número considerável de professores de instituições educacionais
de ensino superior não considera como necessário uma preparação pedagógica
para a arte de lecionar, deixando a cargo do exercício profissional, o endosso para
o bom desempenho docente (MASSETO, 2009).
Por conseguinte, segundo José Libâneo - educador brasileiro com formação
em filosofia, mestre na filosofia da educação e doutor em filosofia e história da
educação – (2011), o professor deve ter, antes de tudo, a formação na matéria que
leciona, além de uma formação didático-pedagógica em que se concretize uma
ligação entre as relações do ensino-aprendizagem e seus problemas específicos no
ensino de determinada matéria. Assim, uma vez que o ensino é o principal meio
e fator da educação, deve destacar-se como campo principal da instrução e edu-
cação, sendo centrado neste tópico o trabalho docente, assegurando a afetividade
da tarefa de ensinar e ocupar-se da didática.
Com efeito, o atual cenário do ensino superior tem sido vítima de uma “natu-
ralização” na docência, visto que tornou-se comum a dispensa de uma qualificação
pedagógica especializada e legitimadora, tendo havido o menosprezo do compo-
nente docente perante outras funções que caracterizam a atuação profissional em
nível do ensino superior ou, ainda, uma convicção generalizada de que o exercício
profissional é capaz de assegurar, sozinho, o processo de ensino-aprendizagem,
referenciando o processo da docência para a esfera das capacidades e inclinações
particulares e subjetivas de cada graduando (ALMEIDA, 2018).
Assim, ao problematizar a docência no ensino superior, enquanto prática
desprovida de uma preparação especializada na esfera pedagógica, torna-se inevitável
o levantamento de questões passíveis de estudos e pesquisa, a fim de buscar-se a
equiparação da formação pedagógica no ensino superior.
Para Zabalza (2017), diferentemente do ensino básico e médio no Brasil,
os docentes que lecionam no ensino superior, em sua grande maioria, possuem
o perfil de serem profissionais liberais com formação técnica por excelência, mas
desprovidos de formação pedagógica, de fato. Assim, esse tipo de aprendizado
possui a desvantagem de não possuir os princípios e quadros teóricos, proporcio-
nando em tese um acesso a um conhecimento superficial, assistemático e vago,
visto que o mesmo acaba por possuir maior determinação por crenças pessoais
do docente de determinada matéria do que por princípios teóricos consistentes.
94
Ademais disso, historicamente tem-se observado o progressivo aumento
da participação feminina em todos os setores, no intuito de diminuir o abismo e
as discrepâncias entre gêneros, o que é uma realidade também na área da saúde.
Segundo dados constantes na Demografia Médica no Brasil (2020) verifica-se
que, desde 1970, vem ocorrendo um aumento progressivo e constante do número
de mulheres graduadas em medicina, principalmente entre as mais jovens, que
representam 58,5% entre a população de médicos de até 29 anos.
Considerando-se as diferentes competências para o exercício da Medicina,
Baptista et al (2021) denotam que mulheres na docência são mais sociáveis,
aumentando a sua capacidade de compreender o estudante, por ser empática.
Gradativamente as mulheres foram vencendo barreiras para conseguir entrar
nas escolas médicas e na profissão, mesmo assim, Scheffer e Cassenote (2013),
afirmam que a necessidade de realizar o trabalho em tempo parcial para atender a
família perpetua o modelo que favorece aos homens, que não tem o compromisso
com os cuidados e afazeres do lar.
E, a partir dessas considerações, entendendo a diversidade e complexidade de
nuances que permeiam o universo da docência nos cursos superiores de graduação,
de forma mais destacada naqueles que não se destinam à licenciatura, partimos, para
desenvolver a escrita deste texto, com o objetivo de conhecer o perfil acadêmico
dos docentes de um curso de medicina de uma instituição privada, localizado na
região Centro-Oeste do País.

DESENVOLVIMENTO

Para fundamentarmos a discussão aqui apresentada, consolidamos os dados


interpretativos e apurados por meio de um estudo de abordagem quantitativa e
transversal, ainda que o contexto a ser pesquisado avance para além das fronteiras
numéricas, circunstancialmente binárias.
Esta pesquisa ocorreu no mês de agosto do ano de 2021, sendo composta por
dados secundários, os quais foram compilados a partir de informações documentais
do Curso de Medicina em questão. Cabe ressalvar que, para o levantamento dos
dados procedeu-se a elaboração de uma planilha, realizada pelas próprias pes-
quisadoras, a qual atendeu a uma solicitação da própria Coordenação do Curso,
que visava compilar informações sobre o professorado que se encontrava, naquela
ocasião, com contrato vigente, no intuito de apurar o perfil sociodemográfico
da comunidade docente. A partir do preenchimento da planilha do programa
Microsoft Office ExcelR os dados foram processados e analisados de forma mais
ágil, possibilitando a leitura a partir do cruzamento dos dados.

95
Para o levantamento dessa prevalência, realizamos uma abordagem quan-
titativa, ao consultar dois documentos. O primeiro foi a planilha dos docentes
realizada pelas próprias pesquisadoras e, os segundos dados levantados partiram
das informações de Demografia Médica no Brasil 2020 que consta nos bancos
de dados do Conselho Federal de Medicina do Brasil (CFM).
A fim de contextualizar o ambiente de atuação dos professores da IES cola-
boradora, salientamos que a essa instituição de ensino atua no sentido de caminhar
ao encontro das diretrizes estabelecidas para uma formação profissional esperada,
a qual visa prover, ao egresso, uma sólida formação geral, com pleno domínio da
ciência médica e sua aplicabilidade, competente ao exercício profissional ético,
capaz de trabalhar com visão abrangente da atuação profissional integrada ao
processo saúde-doença, de modo a contribuir para resolutividade dos problemas
sociais. Ademais, tem o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina caracterizado
por pressupostos baseados nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Medicina (DCNs), datada de 2014, o qual contém as políticas
acadêmicas institucionais com a função de delinear a funcionalidade da univer-
sidade em seus polos de atuação.
A exploração desses documentos se deu, a partir do relatado por Le Goff
(1996), que entende ser o documento como algo oficial, que pode ser examinado,
consultado e que pode servir como prova e por Cellard (2008), que corrobora
afirmando que um documento é toda fonte de evidência que possa ser verificada,
além disso. Baseadas em Richardson (1989), justificamos a abordagem quantitativa,
como sendo tudo o que pode ser mensurado, passível de uma análise estatística,
objetivando uma análise. Em tempos de desenfreado expansionismo digital, rei-
teramos que estes procedimentos seguiram os devidos trâmites éticos, orientados
pela Lei Geral de Proteção de Dados (2019), a qual se refere ao tratamento dos
dados pessoais disponibilizados em meio físico ou digital a fim de proteger os
direitos e privacidade dos cidadãos.
Depois de uma colheita exitosa, quando os olhares foram direcionados para
os resultados apurados observou-se que, diante de uma população total de 169
professores, ao considerar-se sua formação acadêmica, aproximadamente 62%
compunham o grupo de especialistas, 16% o de mestrado, 17% o do doutorado e,
tão somente, 1,6% estavam no grupo de pós-doutorado.
Vale assinalar que os dados encontrados para esta Escola de Medicina
apresentam-se em contraste com os dados dos docentes em exercício no Brasil,
de 2019, que demonstram que vem ocorrendo uma melhoria na qualificação dos
professores da graduação, ao encontrar-se que 45,9% possuem doutorado, 37,5%
possuem mestrado e 16,6% apresentam formação até especialização (BRASIL,
2019).
96
Uma vez que os dados encontrados neste estudo confrontam aqueles nacionais,
fica evidenciada a necessidade de investir na melhoria da formação de docentes,
anseio sustentado, não só pelos resultados encontrados, mas, também, pela meta
13 do Plano Nacional de Educação – PNE, que estipula
Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de
mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto
do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo,
35% de doutores. (BRASIL, 2001)

Cunha e Zanchet (2010) defendem que é preciso investir na carreira ini-


cial dos docentes, pois vai além do campo da pedagogia e adentra ao campo das
políticas públicas, quando suas ações impactam nos alunos, futuros profissionais
no mercado de trabalho.
É de conhecimento de todos que cabe ao professor propulsionar a curva
de aprendizagem do aluno, direcionando o seu caminho, estimulando o conheci-
mento prévio, suas capacidades e habilidades intrínsecas e, a cada etapa, analisar
e possibilitar as correções que se fizerem necessárias e em tempo. Hadji (2001,
p.15) postula que ensinar é ajudar os alunos a construir os saberes e competên-
cias tendo, a avaliação da aprendizagem, o objetivo de contribuir para o êxito do
ensino, ou seja, a função do professor é auxiliar na modulação da aquisição do
conhecimento e, para tanto, acolhemos o conceito de competência referido nas
Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014:
É a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes,
com utilização dos recursos disponíveis; é também a capacidade de ter
iniciativas e ações que traduzam desempenhos capazes de solucionar,
com pertinência, oportunidade e sucesso, os desafios que se apresentem
à prática profissional em diferentes contextos do trabalho em saúde,
traduzindo a excelência dá prática médica. (BRASIL, 2014).

Ademais, como vamos alcançar a excelência da prática médica, se falta ao


professor de medicina de cursos superiores a excelência pedagógica, ou seja, não
possuem um mínimo desta formação para pôr em prática metodologias de ensino
e atividades pedagógicas que levem o aluno a desenvolver-se em todas as suas
capacidades?
Ainda além disso, os resultados registram que, diante de um total de 169
docentes, 110 se autodeclararam mulheres* e 59 homens, perfazendo uma pre-
valência do corpo docente feminino de 65% e, sabendo-se que este é composto
multiprofissionalmente, ressalta-se que 78 delas são graduadas em medicina,
resultando em uma prevalência de 46% de docentes médicas.

97
Comparativamente aos dados expressos por Demografia Médica no Brasil
(2020, p. 41), que aponta que a prevalência de médicas registradas no Conselho
Federal de Medicina, atualmente, é de 46,6%, observa-se que os dados estão coe-
rentemente alinhados e vem aumentando progressivamente ao longo da última
década, consolidando a tendência de feminilização da Medicina no Brasil.
Entretanto, em se tratando de dados específicos de mulheres no campo da
docência nos cursos de medicina, há limitação de produções na literatura vigente e
espaços a partir dos quais se poderias ampliar as informações que pudessem aumen-
tar o escopo de construção do perfil e do contexto de atuação dessas profissionais.

CONSIDERAÇÕES

Desde os tempos de Flexner, que em 1910 advogou a reforma das escolas


médicas nos Estados Unidos e que, apesar de não ser médico, tinha ideias de
melhoria do ensino da área daquela época. Flexner foi um ferrenho crítico à aber-
tura de novas faculdades de medicina, sem que houvesse um currículo uniforme
a todas elas, adequada qualidade das estruturas, padrão suficiente dos egressos, os
quais, muitas vezes tinham, como principal preocupação, maiores ganhos futuros.
Enfatizou a necessidade de profissionalização da carreira científica e a melhoria
nos salários, incentivando a valorização profissional (KEMP e ADLER, 2004)
Muitas mudanças ocorreram desde Flexner até a publicação das atuais
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Medicina do Brasil (2014). Estas insti-
tuíram, como obrigatoriedade, a adoção de metodologias ativas em todo território
nacional, destacando o papel do professor enquanto tutor, facilitador. No entanto,
o professor, oriundo de escolas tradicionais, necessitará ser treinado ou capacitado
para que possa ter um desempenho adequado em tais metodologias. Além disso, se
um bom professor é modelado ao longo do tempo de docência, aprendendo com
os seus pares e a própria experiência, como conseguir tantos bons professores que
venham a contribuir com uma boa base para a formação do egresso de medicina,
diante da abertura de tantas novas escolas de medicina no País?
Todavia, como em grande parte dos cursos de graduação não há formação
específica para os professores, estes podem encontrar-se à margem de outros cor-
pos docentes estruturados, uma vez que desconhece cientificamente os elementos
constitutivos da própria ação docente, tais como o planejamento e estruturação
da aula, as metodologias e estratégias para sedimentação do conteúdo ofertado,
além da avaliação e as peculiaridades da interação aluno-professor.
Faz-se necessário que haja um quadro de processos formativos para a cate-
gorização e preparação da aula, por meio do desenvolvimento de conhecimentos
teóricos e instrumentais, além da atividade de pesquisa e da produção de conheci-
98
mento, em detrimento no único foco de formação de profissionais que se ajustem
às demandas do mercado (ALMEIDA; PIMENTA, 2009).
Assim, a formação adequada do corpo docente, com a utilização de uma
didática pedagógica pertinente, pautará o processo educativo pela construção da
cidadania e da consciência crítica, por meio da criação de mecanismos que possam
graduar a formação pedagógica, sobretudo, para o educador que possua pouca ou
nenhuma experiência em lecionar.
Ademais, conhecer e compreender os aspectos da esfera feminina profis-
sional, quando se pensa que as mulheres tomam suas decisões de forma diferente
da dos homens, como na decisão quanto a jornada de trabalho e forma de atuar,
tendo como referência o potencial protetor e cuidador de uma família, direcionará
medidas que auxiliarão nas decisões, por parte das IES, que reforçará a qualidade
da atuação delas.
Se levado em consideração, segundo Borsoi e Pereira (2011), que mulheres
em atividade na docência apresentam características peculiares quanto a atuação
profissional, um elemento a ser levado em conta, é a maior propensão das mulheres
a serem mais detalhistas na realização das atividades pedagógicas, sendo esta uma
característica historicamente desenvolvida e correlacionada com seu processo de
socialização. E desse modo, o gênero feminino está presente em maior número
nas ciências aplicadas, diretamente voltadas para as atividades de cunho social e
realidade envolvida (BORSOI, 2011).
Por fim, diante dos argumentos discutidos ao longo deste capítulo, a formação
pedagógica é, sem dúvida, o caminho a ser seguido para subsidiar os acadêmicos
da graduação com os saberes necessários para uma formação efetiva, no sentido
de que a didática dos processos de ensino-aprendizagem deverá dar-se de forma
alicerçada em referências teóricos, sob orientação pedagógica menos centrada
no professor e apenas no seu exercício profissional e mais focada no aluno e seu
aprendizado propriamente dito.

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99
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sional. Madrid: Narcea, 2007).

Nota: parte desse capítulo foi apresentado no 23° EAC 2021, em forma de resumo expandido, pelas pró-
prias autoras.
100
ESTUDO DE NORMATIVAS CURRICULARES
E UMA VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL PARA PENSAR
AS NECESSIDADES HODIERNAS DA EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR

Made Júnior Miranda25

INTRODUÇÃO

Este estudo buscou contribuir para discussão das finalidades e dos moldes
históricos da educação física escolar. O seu problema foi investigar como as legisla-
ções oficiais demarcaram o fazer da educação física nas escolas públicas no contexto
educacional. A relevância está no fato de que a educação física se inseriu inicialmente
no contexto das escolas numa condição de pouca sistematização de seus métodos e
de condições limitadas de desenvolvimento, para além da pouca consistência dos seus
objetivos formativos com os objetivos dos programas curriculares da educação escolar
mais ampla. Portanto, a discussão aqui se dá no sentido de ajudar na integração da
educação física nos processos formativos e humanos dos estudantes nas escolas.
Neste aspecto, o objetivo geral partiu do estudo de documentos oficiais
que regularam a educação física escolar no Brasil. Mais especificamente fizemos
pesquisas bibliográfica e documental com levantamentos, estudos e análises de
documentos oficiais e normativos reguladores da educação física, além do aporte
de pesquisas científicas acadêmicas que discutem a educação física escolar e as
suas normativas que orientaram o seu desenvolvimento nas escolas.
Para as análises utilizamos o método dialético, que na sua essência pretende
compreender a realidade distinguindo-a do objeto e do que é da ordem do pensa-
mento. Deste modo, a perspectiva dialética confronta os dados reais obtidos com
os dados concretos para poder pensar e elaborar construções teóricas a respeito do
objeto de estudo (DINIZ; SILVA, 2008). O aporte teórico de base para se pensar
os conceitos, reflexões e análises interpretativas de educação, educação física escolar
e processos de ensino-aprendizagem foram os pressupostos teóricos histórico-cul-
tural de Lev S. Vigotsky e dos seus seguidores da psicologia da educação russa.
O desenvolvimento do texto faz um recorte histórico das normativas da
educação física brasileira e na sequência discorre uma ideia de educação física
hodierna nas escolas numa visão histórico-cultural vigotsquiana.

25
Doutor em Educação (PUC-GO). Professor PPGE (UEG e PUC-GO). CV: http://lattes.cnpq.br/6833748026466876
101
RECORTE HISTÓRICO DAS NORMATIVAS DA EDUCAÇÃO
FÍSICA BRASILEIRA

Do ponto de vista histórico a educação física está integrada no contexto das


disciplinas escolares desde meados do século XIX, quando o presidente da província
do Rio de Janeiro, o doutor Luiz Pedreira do Couto Ferraz publicou o Decreto
nº 1331 de 17 fevereiro de 1854. O documento conhecido como reforma Couto
Ferraz definiu no seu artigo 80 que: “[...] Farão os alumnos exercicios gymnasticos,
debaixo da direcção de hum mestre especial” (BRASIL, 1854). Está referência
tornava obrigatória a disciplina ginástica no primário e a dança no secundário nas
escolas do município da Corte.
A partir da constituição de 1937 a Educação Física foi instituída como
uma disciplina escolar obrigatória em âmbito federal (CASTELLANI FILHO,
2000), onde o Art 131 do documento determinava que “A educação física, o ensino
cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias,
normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser
autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência” (BRASIL, 1937).
Em 1961, ainda na quinta república, foi determinada a obrigatoriedade da
Educação Física para o ensino primário e médio pelo artigo 22 da primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro
(BRASIL, 1961). Esta lei incentivou muito o movimento de esportivização nas
escolas (CASTELLANI FILHO, 1998). Contudo, em 25 de julho de 1969 no
período de governo militar, o Decreto-lei nº 705 alterou a redação do artigo 22
da lei de 1961 e acrescentou que: Art. 1º – Será obrigatória a prática da Educação
Física em todos os níveis e ramos de escolarização, com predominância desportiva
no ensino superior (BRASIL, 1969).
Durante os anos de 1965 a 1985 (Governos Militares) o principal docu-
mento que ordenou legalmente a educação física brasileira foi a Lei nº 5.692,
de 1971. Esta legislação definiu no seu Art. 7º que “Será obrigatória a inclusão
de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas
de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969”
(BRASIL, 1971).
Pós governos militares e com a Constituição Federal de 1988, foi promul-
gada a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 20 de dezembro de 1996. Quanto a
educação física esta lei procurou atribuir uma nova configuração para sua oferta
nas escolas. No seu Art. 26, § 3º que, após alguns vetos e inclusões de novos
decretos e leis datados de 2003, estabeleceu: “A educação física, integrada à pro-
posta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação
básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:”. Assim, dava a possibilidade de não
participar das aulas de educação física nas escolas ao aluno que comprovasse que
102
cumpria jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; era maior de trinta
anos de idade; que estivesse prestando serviço militar inicial ou que, em situação
similar, estiver obrigado à prática da educação física; ao aluno que dispusesse de
tratamento excepcional por portar alguma afecção; e para aquele que tivesse prole
(BRASIL, 1996). Entre outras coisas, a LDB propôs que a educação física fosse
ser exercida em toda a escolaridade de primeira a oitava séries, não somente de
quinta a oitava séries, como era anteriormente.
A LDB/96 foi concebida dentro dos preceitos da Constituição da República
Federativa do Brasil (CF) de 1988. Isso lhe conferiu algumas garantias constitu-
cionais muito significativas para o fazer educativo, como nos artigos abaixo:
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho;

Art 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Art. 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante


a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos porta-
dores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV
- atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade.

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas, podendo


ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas,
definidas em lei, que: I – comprovem finalidade não lucrativa e apli-
quem seus excedentes financeiros em educação (BRASIL, 1988)
Neste contexto a LDB/96 orienta a elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN), que são atos administrativos normativos para serem efetivados
nos currículos escolares. Estes atos são discutidos, concebidos e fixados pelo Con-
selho Nacional de Educação (CNE). Portanto, o CNE representa uma instância
democrática que deve contemplar a participação da sociedade nas iniciativas de
qualificação da educação do país, conforme prevê a CF (BRASIL, 1996).
Como desdobramentos da LDB/96 foram construídos dois documentos
responsáveis pelo detalhamento e funcionamento da educação brasileira. Ou
seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC).
Os PCNs foram organizados em 1997 logo após a criação da LDB/96. Eles
foram produzidos pelo governo federal como diretrizes para as disciplinas esco-
lares. Contudo, não tinham o caráter de obrigatoriedade e se prestavam ao apoio
e subsídio para a renovação e reelaboração da proposta curricular da escola. Isso,
enquanto não se tinha uma definição das diretrizes curriculares (BRASIL, 1997).
103
Hoje, diferentemente dos PCNs, temos a BNCC que se refere a um cons-
tructo cujos argumentos de sua elaboração estão atribuídos aos PCNs e as DCNs.
Portanto, o Ministério da Educação, depois de um longo período de gestação no
CNE, homologa em 2017 a BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Funda-
mental e em 2018 para o Ensino Médio. A BNCC tem perspectiva obrigatória
de inserção curricular em todas as redes de ensino do país, quer sejam públicas
ou particulares (BRASIL, 2017-2018).
Nestas duas circunstâncias, que incluiu a proposta dos PCNs e a vigência da
BNCC, a educação física escolar tem experimentado situações de desenvolvimento
diferentes. Observamos que o Conselho Nacional de Educação enfocou os PCNs
ou Abordagem Cidadã como sendo mais uma proposta curricular possível e sig-
nificativa para ser desenvolvida nas escolas. Isto, pelo fato da não obrigatoriedade
dos PCNs dentre várias opções de propostas curriculares disponíveis para serem
adotadas pelos estados e municípios (BRASIL, 1997). No caso da BNCC, o seu
caráter obrigatório de implantação de uma nova Base não extingue os documentos
orientadores anteriores, mas apresenta os conhecimentos essenciais que os alunos
de todas as escolas do país devem aprender em cada ano escolar da Educação
Básica (BRASIL, 2017).
Deste modo, tanto os PCNs quanto a recente BNCC têm sido objeto de
estudo de pesquisadores de diferentes bases epistemológicas que analisam as suas
possibilidades formativas enquanto propostas curriculares institucionais. Para
Taffarel (1997) os PCNs ressuscitaram o aparelho ideológico do estado e espe-
cialmente a educação física com uma proposta ingênua, superficial e com base no
conhecimento do senso comum. Há críticas que atribuíram um caráter utilitarista
e tecnicista aos temas transversais que acompanham os PCNs bem como uma
associação entre a escolarização e o mercado de trabalho (SOUZA, 1998).
A implantação da BNCC no sistema educacional já vem sendo objeto de
análises e críticas de pesquisadores da educação quanto as suas concepções de origem.
Na educação física Neira (2018) diz que a BNCC apresenta retrocessos políticos
e pedagógicos quando assume na sua forma os antigos princípios, taxonomias e
tipologias de cunho neoliberal. Para ilustrar apenas uma questão emblemática, a
Base incompatibiliza a sua proposta com os seus objetivos quando propõe a inte-
gração de duas tendências divergentes no ensino de Educação Física, ou seja, uma
cultural que assume o movimento humano no contexto da cultura com a riqueza e
abrangência das dimensões das práticas corporais. E outra de base construtivista,
que admite a necessidade do aprofundamento nas questões culturais e ao mesmo
tempo objetiva o trabalho com as competências e habilidades específicas, típicas
de uma abordagem desenvolvimentista e positivista.
Assim, este recorte histórico que apresentamos até aqui sobre a educação
física escolar e seu amparo por meio dos instrumentos legais dos governos, nos
104
evidencia alguns aspectos relevantes a destacar: a) tem sido atribuído a educação
física escolar desde a reforma Couto Ferraz de 1854 um lócus dentro do processo
de organização e desenvolvimento do currículo escolar; b) a oferta da educação
física escolar pública tem sido destinada a comtemplar aspectos da formação
humana integral; c) na trajetória de seu desenvolvimento a educação física esco-
lar teve um ganho de notoriedade que foi evidenciado pela inserção dos esportes
em seu contexto de prática; d) a educação física escolar, destarte os seus ajustes
normativos temporais, escreveu uma história de assunção dos governos com a sua
oferta nos currículos escolares.
Mello (2009) estudou em sua tese a necessidade histórica da educação física
na escola. Em uma de suas análises a autora escreveu que “[...] é fundamental
compreender que a educação física não é um fenômeno social isolado, mas faz
parte da totalidade social através da qual a história dos homens se realiza (p. 12).
Com isso entendemos que a educação física escolar foi como foi ou está como está
porque ela faz parte de uma construção humana que se caracteriza pelo trabalho,
pela capacidade transformadora da sociedade e pela permissibilidade que nós
conferimos aos agentes públicos.
Desta forma, o cenário atual da educação e educação física requer de seus
sujeitos envolvidos uma leitura atenta no sentido da compreensão das mudanças
conjunturais e de suas reais fundamentações, sob pena de poder haver perdas para
os estudantes das escolas públicas decorrentes da falta de uma maior participação
da sociedade como prevê o artigo 205 da Constituição Federal de 1988.
Numa breve reflexão hodierna percebemos que tem havido mudanças impac-
tantes nos moldes de desenvolvimento da educação física escolar. Entre outras coisas,
outrora as aulas eram no contra turno dos alunos; havia uma maior carga horária de
atividades; um número maior de professores dentro das escolas; os professores de
educação física não participavam das reuniões dos colegiados; havia mais fortemente
o “esporte na escola” em detrimento do “esporte da escola” (SANTIN, 2007). Hoje,
sabemos que a escola tem problemas de espaço, estrutura, instalações, equipamentos
e materiais para satisfazer as possibilidades de atuação desta área do conhecimento
nas escolas. A tudo isso se soma os problemas metodológicos da organização e da
prática pedagógica que ao nosso ver, por si só, justificaria plenamente este estudo sobre
o contexto de desenvolvimento da educação física escolar.

UMA IDEIA DE EDUCAÇÃO FÍSICA HODIERNA NAS ESCOLAS

Há um consenso de vários autores de que o contexto educacional contempo-


râneo tem estreita ligação com as iniciativas da sociedade globalizada e mercantili-
zada (FRIGOTTO, KUENZER E GENTILLI, 1998; APPLE, 2015; YOUNG,
2016; LIBÂNEO E FREITAS, 2018; PERONI E CAETANO, 2019). Assim,
105
podemos observar uma consistente subordinação do sistema educacional às leis do
mercado que pode ser caracterizada pelo pragmatismo da educação quando essa
assume um papel de desenvolvimento de habilidades para se alinhar as exigências
imediatas do mercado. Como destaca Ramos (2006, p. 278), observa-se que há
uma “[...] integração econômica fundada no emprego e na crença da relação linear
entre escolaridade-formação-emprego.
Depreendemos de Libâneo e Freitas (2018) que o contexto neoliberal vem
contribuindo para a constituição de uma pedagogia racional-tecnológica direta-
mente associada aos aspectos econômicos da educação e orientada para a formação
de cidadãos para o sistema produtivo. Neste prospecto, há uma tendência de união
dos conceitos de educação e empregabilidade, sendo esta concepção bastante
submissa aos ditames do modo de produção da desenvolvido na sociedade sob os
auspícios da lógica de mercado.
Essa tendência de pensamento institucional tem penetrado e influenciado
o campo pedagógico como uma conduta pronta e certa. Desse modo, todos ficam
envolvidos, pois como está escrito em Veiga Neto (2007),
Não existe sujeito pedagógico fora do discurso pedagógico, nem fora
dos processos que definem suas posições nos significados. A existência
de um sujeito pedagógico não está ligada a vontades de suas práticas. O
sujeito pedagógico está constituído, é formado e regulado no discurso
pedagógico, pela ordem, pelas posições e diferenças que esse discurso
estabelece. O sujeito pedagógico é uma função do discurso no interior da
escola e, contemporaneamente, no interior das agências de controle (p. 92).

Sacristán (2005), ao dizer que “[...] esse modo de ser penetra em nossas
vidas, dá sentido ao modo de entendermos e de nos representarmos no mundo
cotidiano, isto é, dá conteúdo a nosso senso comum” (p. 11), nos chama a atenção
para o fato da naturalização do que nos rodeia, com o que nos cerca, como se a
familiaridade com algo significasse o inevitável de ser aceito, ou seja, a institucio-
nalização do institucional. Por esta senda, fica notória a existência de um conjunto
de fatores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, condicionando as
atitudes dos indivíduos e que muitas vezes escapam à percepção das pessoas, mas
que realmente orienta as diretrizes dos sistemas de ensino para as instituições
formativas, constituindo uma determinada cultura escolar ou instituindo uma
nova cultura para a escola, compatível com os interesses das elites dominantes.
Nessa discussão, pensar um caminho que oriente doravante o fazer pedagógico
da educação física escolar sugere que devemos assumir o seu papel fundamental
e formativo a partir da escola e consequentemente contribuindo para a formação
de conceitos e uma maior conscientização dos estudantes sobre as condições às
quais tem proporcionado a sua inserção nas escolas. Portanto, a nossa visão neste
106
estudo propõe pensarmos os conceitos de ensino e aprendizagem a partir dos
pressupostos da teoria histórico-cultural que Lev S. Vigotski inicialmente orga-
nizou. Nesta proposta, a educação escolar e o ensino são as formas universais da
promoção e apropriação do conhecimento humano, sendo que isto se dá por meio
da apropriação dos conhecimentos produzidos histórica e socialmente no campo
da ciência, da cultura e da arte (VYGOTSKY, 2007).
Para o pensamento histórico-cultural, a atividade de aprendizagem não é
espontânea, ou seja, antes envolve intencionalidade, em uma práxis pedagógica
que, por um lado é particular, individual, mas que é, ao mesmo tempo, social,
pois ocorre em contexto histórico-social que condiciona a prática individual
(DAVYDOV, 1986), logo,
A educação é uma prática social, materializada numa atuação efetiva
na formação e desenvolvimento de seres humanos, em condições
socioculturais e institucionais concretas, implicando práticas e proce-
dimentos peculiares, visando mudanças qualitativas na aprendizagem
e na personalidade dos alunos. Em minha opinião, este é o requisito
de legitimidade epistemológica de qualquer das chamadas “ciências
da educação”. (LIBÂNEO, 2009, p. 16)

Por este conceito, os processos de aprendizagem em educação física ou em


qualquer disciplina escolar, implicam na atuação pedagógico-didática de educadores
e o ensino se refere a uma orientação intencional visando mediar a relação do aluno
com o objeto de conhecimento da qual resultam mudanças qualitativas a nível de
desenvolvimento mental. Logo, como disse Libâneo fazendo alusão a Vygotsky:
[...] pode-se dizer que a atividade pedagógica somente é pedagógica se
ela mobiliza as ações mentais dos sujeitos, visando a ampliação de suas
capacidades cognitivas e de sua personalidade global. Escola e ensino
existem para promover e ampliar o desenvolvimento mental e a formação
da personalidade (LIBÂNEO, 2011, p. 176).

Nesse sentido, o que se espera do papel das escolas, dos currículos escolares e da
atuação dos professores é que sejam capazes de viabilizar atividades na prática de ensino
que mobilizem melhor as competências intelectivas dos seus alunos, promovendo e
ampliando as formas mais eficazes de se desenvolver o pensamento, contribuindo para
o desenvolvimento da personalidade dos mesmos, por meio dos conteúdos científicos,
seja em qualquer área do conhecimento, a exemplo da educação física.
Nesta perspectiva, a educação física escolar no paradigma da teoria histórico-
-cultural precisa considerar como seu objetivo educacional a apropriação pelos alunos
dos conhecimentos e saberes socialmente e historicamente construídos e acumulados
pela humanidade. Para isso, faz-se necessário considerar as características sociais,
econômicas e culturais dos estudantes. Portanto, o professor(a) deve dominar muito
107
bem a matéria que ensina, bem como saber indicar e explorar os conhecimentos mais
significativos, abordando suas gêneses e suas lógicas. Mas, além disso, este professor(a)
precisa identificar no aluno as possibilidades de interação existentes na relação recíproca
de ensino-aprendizagem, diante das culturas que ele traz consigo. Espera-se com esta
didática poder ajudá-lo a apropriar-se de novos conhecimentos e contribuir, sobretudo,
na potencialização de sua capacidade de abstrair, compreender, comparar, diferenciar,
memória lógica e atenção deliberada (VYGOTSKY, 2007).
Bento (1987), ao se apoiar em referenciais de autores da teoria históri-
co-cultural como Rubinstein (1959), Wigotski (1964), Leontjew (1979), nos
levou a compreensão que a essência da aprendizagem constitui um processo
inscrito na esfera da socialização, ao contrário da maturação biológica. Contudo,
o desenvolvimento e a formação das habilidades motoras é um processo derivado
substancialmente do processo fundamental do desenvolvimento de cada ser, desde
o início até ao fim da sua vida, devendo ser, portanto, um processo organizado
e dirigido socialmente e influenciado diretamente pelo sistema educativo, pelo
modelo de homem e pelas condições gerais onde ocorre a atividade de ensino.
Assim, a atividade a ser desenvolvida para a aprendizagem do sujeito será tanto
mais transformadora quanto maior for o nível de confronto ativo e consciente,
encarnado na formação e resolução de contradições. Em síntese, neste contexto
podemos dizer que toda aprendizagem tem início na ação.
Destaca Rubinstein (1957) que a criança quando aprende a contar pelos
dedos, logo faz uma ligação entre as aprendizagens da leitura e da escrita. Mais
tarde, ela pelo pensamento e pela descoberta vai transformar estas ações em ope-
rações autônomas, interiorizadas, mas, ainda apoiadas na ação prática. Somente
num momento posterior a criança poderá apresentar como resultado destas
ações práticas uma atividade teórica peculiar. Isto, quando analisado no contexto
das metodologias de ensino de educação física escolar, cria de certa forma, uma
situação paradoxal quando percebemos que no âmago do desenvolvimento das
atividades de ensino há uma certa ênfase das aprendizagens verbal e intelectual
em detrimento da aprendizagem baseada na própria ação.
É possível que a justificativa deste fato notório se dê em função de
que no campo da educação física escolar e do Desporto não esteja
ainda bem consolidado o princípio da unidade de conhecimento e
ação, de consciência e atividade. Como enfatiza Bento:
Na opinião pública (de que os alunos e demais praticantes fazem parte!)
a aprendizagem é identificada com a aprendizagem intelectual. A Edu-
cação Física (tal como outras disciplinas estruturalmente idênticas) não
desempenha qualquer função neste processo; a sua preocupação seria até
a de desligar ou eliminar, com ajuda da automatização e robotização, a
função da consciência. Tudo isto revela claramente que a Educação Física
108
(o ensino e prática do desporto, em geral) é vista apenas como uma acção
composta de meros movimentos, como mero accionismo e praticismo
(BENTO, 1987, p. 71).

Numa perspectiva pautada no materialismo histórico-dialético e na proposta


histórico-cultural da atividade consideramos que a aprendizagem motora, mesmo
com suas condicionantes biológicas do desenvolvimento de seus conteúdos da
educação física escolar, se insere no contexto que envolve a psicologia e a peda-
gogia no processo de aprendizagem. Para Cecchini (2005) a aprendizagem se dá
a partir da motivação criada pelos valores que fundamentam esta aprendizagem e
diz que é inseparável a relação entre escola e a sociedade, o trabalho intelectual e o
trabalho manual, pois na escola socialista esta separação irá refletir na ineficiência
do circuito formação-produtividade. Cita o autor:
Em outras palavras, se é verdade – como afirmam todos os psicólogos
soviéticos da educação – que o processo educativo é um método formativo,
no sentido literal da palavra, então a “redescoberta” e a interiorização
dos valores por cada estudante adquirem um valor decisivo, não menos
importante do que o da aprendizagem conceitual (p. 9).

Para Leontiev (2005) a atividade fundamental dos homens é mais precisa-


mente o seu trabalho, ou seja, a sua atividade produtiva que expressa a acumulação
de sua experiência histórica-social (filogenética). Cita Leontiev:
A primeira análise científica desta atividade foi feita por Karl Marx. A atividade
humana (tanto mental como material), tal como se manifesta no processo de
produção, está cristalizada no produto; o que num extremo se manifesta como
ação, movimento, no outro extremo, o do produto, transforma-se numa proprie-
dade estavelmente definida. A mesma transformação é um processo no qual se
produz uma objetivação das capacidades humanas: as conquistas histórico-sociais
da espécie. Qualquer objeto criado pelo homem – desde o mais simples utensílio
à moderníssima máquina calculadora eletrônica – realiza tanto a experiência
histórica do gênero humano como as capacidades intelectuais formadas nesta
experiência. O mesmo pode comprovar-se com maior clareza na linguagem, na
ciência, nas obras de arte (LEONTIEV, 2005, p. 92).

Desta forma o mundo humanizado cheio de experiência filogenética acu-


mulada representa o terreno fértil que favorecerá a criança no seu desenvolvimento
mental. Isto se dará mais necessariamente pela apropriação que ela fará dos objetos
humanos e dos fenômenos que a circulam. Para Leontiev (2005) este processo de
apropriação é um fenômeno ativo que requer atividades adequadas aos conteúdos
do objeto e que reproduz no indivíduo as qualidades, capacidades e as caracterís-
ticas humanas desenvolvidas historicamente e socialmente.
[...] os processos mais importantes que caracterizam o desenvolvimento
da criança são os processos específicos mediante os quais assimila e se
apropria das conquistas das gerações humanas anteriores, que, ao con-
109
trário das conquistas do desenvolvimento filogenético dos animais, não
estão morfologicamente fixadas e não se transmitem hereditariamente
(LEONTIEV, 2005, p. 94).

Para a compreensão de como se formam os processos cognoscitivos e inte-


lectuais que levam as crianças a aprenderem as noções e os conceitos das tarefas
Leontiev (2005) diz que devemos inicialmente rejeitar duas hipóteses equivocadas.
A primeira seria aceitar que a criança possui funções e operações cognoscitivas
mentais desde o nascimento e que só bastaria ativá-los por meio de ações e fenô-
menos externos. A outra seria simplesmente achar que os estímulos e repetições
para formar novas conexões durante o processo de aprendizagem, pela experiência
pessoal e individual da criança, bastariam para formar as operações de pensamento.
Para o autor a criança ao assimilar uma experiência ela generaliza compreendendo
o fato da forma mais superficial que ela consegue. Exemplifica o autor:
Pode determinar associações como três mais quatro igual a sete, ou
cinco menos dois igual a três etc., mas isto não significa que a criança
assimile as correspondentes operações aritméticas e os conceitos
numéricos. O ensino da aritmética não deve começar, portanto, com
a generalização, mas com a formação ativa na criança de ações com
objetos externos e, paralelamente, com o movimento e o inventário
destes. Posteriormente, estas ações externas transformam-se em
linguagem (“contar em voz alta”), abreviam-se e adquirem por fim o
caráter de ações internas (“contar mentalmente”), que se automati-
zam na forma de simples atos associativos. Todavia, por detrás destes
ocultam-se agora as ações completas sobre objetos, ações anterior-
mente organizadas por nós. Por isso estas ações podem sempre ser
manifestadas de novo exteriormente (LEONTIEV, 2005, p. 102).

Assim, para a boa aprendizagem dos conceitos, das generalizações e para a


ampliação do nível de conhecimentos da criança acerca de determinado objeto de
estudo deveremos organizar as tarefas educativas de tal forma que as crianças formem
as ações mentais adequadas, ou seja, que elas consigam transformar as ações externas
dos adultos em ações mentais internas na “cabeça” delas (LEONTIEV, 2005).

CONSIDERAÇÕES

Observamos que o processo de construção histórica da educação física no


âmbito escolar foi influenciado por diferentes interesses representados especial-
mente pelos anseios políticos e sociais. No seu desenvolvimento histórico e dialético
podemos entender que é natural as mudanças e ajustes temporais no que tange aos
seus objetivos dentro das escolas e na participação no desenvolvimento humano
por meio de intervenções propositivas. Nestes termos é razoável que diante das
contingências da contemporaneidade os moldes antigos sejam repensados a partir
110
da identificação das necessidades atuais. Este movimento que inclui pensar sobre
o concreto e o real deve privilegiar os educandos enquanto formação cidadã e
preparação para os novos desafios.

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112
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: COMPETÊNCIAS E
HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS PELOS
ESTUDANTES DO QUINTO ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL NA UNIDADE TEMÁTICA “NÚMEROS”

Maria Neuraildes Gomes Viana26


Manoel dos Santos Costa27
João Otávio Silva Ferreira28

INTRODUÇÃO

O ensino de Matemática constitui-se como um dos desafios que mais se


destaca entre alunos e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por
ser considerada uma das disciplinas mais difíceis de ser aprendida. Pesquisas
(PIRES, 2012) e nossas experiências práticas em sala de aula têm constatado que
a maioria dos alunos desse nível de ensino apresenta dificuldades no aprendi-
zado dos conteúdos (objetos de conhecimento) de Matemática. Isso pode estar
ligado ao fato de que, não raramente, o ensino deixa “marcas” negativas na vida
dos alunos ao ser desenvolvido mediante metodologias que dificultam o processo
de aprendizagem de conceitos e procedimentos matemáticos, principalmente
os que se referem aos números e suas operações. Marcas que podem despertar a
baixa autoestima e sentimento de fracasso por parte dos estudantes para aprender
Matemática (COSTA; ERICEIRA; MOURA, 2020).
Por isso, ensinar Matemática não pode se restringir apenas a ensinar aos
alunos a “decorar” métodos e aplicar fórmulas de forma mecânica, é necessário
ir além, motivando-os a serem agentes ativos de seu processo de aprendizagem.
A ordem é questionar, não aceitar as soluções prontas aos problemas, sem uma
análise crítica, contribuindo, assim, para abrir horizontes, novos caminhos e outras
soluções (VIANA, et al., 2021).
Nessa mesma linha de pensamento, Nunes, Costa e Talher, (2019) relatam
que no processo de resolução de problemas matemáticos, o aluno precisa usar sua
criatividade, porém não de forma mecânica, mas utilizando seus conhecimentos
prévios e desenvolvendo habilidades durante a elaboração de estratégias e intera-
tividades que possibilitem que a aprendizagem aconteça de forma eficaz.
26
Mestranda em Educação: Gestão de Ensino da Educação Básica (UFMA). Professora (SME - Bacabeira / MA).
CV: http://lattes.cnpq.br/9836445154282047
27
Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (UNICSUL). Professor e pesquisador (IEMA e UFMA).
CV: http://lattes.cnpq.br/0292894699114273
28
Mestrando em Educação: Gestão de Ensino da Educação Básica (UFMA). Técnico Administrativo (UFMA).
CV: http://lattes.cnpq.br/0377275903941241
113
A Educação Matemática vem passando por mudanças que tentam acom-
panhar as diferentes visões sobre o porquê de ensinar Matemática, relacionando
os conteúdos29 com o dia a dia e as necessidades reais do aluno na resolução de
problemas do cotidiano.
Essa expectativa vem ao encontro do que sugere a Base Nacional Comum
Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) em que o aluno precisa desenvolver habili-
dades para solucionar as diversas situações a ele apresentadas. Para o quinto ano,
os conteúdos referentes aos “números” abrangem situações-problemas com mais
complexidade, envolvendo, por exemplo, as operações que costumam se apresentar
de forma mais elaboradas para os estudantes, que por sua vez demonstram dificul-
dades em reconhecer os procedimentos aritméticos corretos, gerando desânimo
para eles (COSTA; ALLEVATO; NUNES, 2017).
Diante do exposto, pretende-se, no presente capítulo, fazer algumas reflexões
acerca das competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos do quinto
ano do Ensino Fundamental em relação à resolução de problemas, envolvendo a
unidade temática “números” de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018).
O presente trabalho encontra-se organizado em quatro seções principais.
Iniciamos com os fundamentos teóricos que tratam do ensino de Matemática
nos anos iniciais do ensino fundamental. Em seguida, apresentamos as diferen-
tes abordagens da resolução de problemas no ensino de Matemática; na terceira
seção, é feita uma breve explanação da metodologia utilizada na pesquisa. Na
quarta seção, intitulada “a resolução de problemas e os números: competências e
habilidades a serem desenvolvidas no quinto ano”, descrevemos e analisamos os
dados. Finalizamos com nossas considerações finais e as referências.

O ENSINO DE MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL

Os primeiros anos de escolaridade são de grande valia para o desenvolvi-


mento do estudante, principalmente quando se trata do ensino de Matemática,
pois é nesse nível de ensino que se forma a base para os anos de escolaridade
subsequentes, tanto para a compreensão dos conteúdos quanto para o desenvol-
vimento do pensamento crítico e criativo sobre os conceitos e procedimentos em
construção (ERICEIRA et al., 2021). Sendo assim, a Matemática desenvolvida
nos anos iniciais do Ensino Fundamental é de vital importância para a evolução
dos estudantes, pois ela ajuda a construir o pensamento lógico que é essencial para
a apropriação da aprendizagem.

29
A partir de agora, quando nos referirmos a conteúdos, estaremos abordando, de maneira equivalente, objetos de
conhecimento.
114
No entender de Scolari, Bernardi e Cordenonsi (2007, p. 2), o pensamento
lógico contribui para que o aluno possa “pensar de forma mais crítica no que diz
respeito a opiniões, inferências e argumentos, dando sentido ao pensamento”.
Portanto, o ensino de Matemática nos anos iniciais não deve acontecer de forma
mecânica, mas com significado para os estudantes.
Para Nacarato, Mengali e Passos, (2009, p. 34) “a aprendizagem da Mate-
mática não ocorre por repetições e mecanizações, mas de uma prática social que
requer envolvimento do aluno em atividades significativas”. Ainda de acordo
com as autoras, os professores dos anos iniciais precisam priorizar no ensino da
Matemática dos anos iniciais, a contextualização dos conteúdos, levando em con-
sideração as experiências e os conhecimentos prévios que os estudantes trazem
para a sala de aula.
O antigo documento de referência curricular brasileiro, os Parâmetros Cur-
riculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997), chamava-nos a atenção sobre sua
importância do papel da Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
De acordo com o documento:
É importante, que a Matemática desempenhe, equilibrada e indis-
sociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais,
na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo
do aluno, na sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e
atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhe-
cimentos em outras áreas curriculares. (BRASIL, 1997, p. 29).

Sendo assim, a prática docente nos primeiros anos de escolaridade precisa


oportunizar aos estudantes situações de aprendizagem capazes de contextualizar os
conteúdos matemáticos, com temáticas que estejam presentes no seu cotidiano, para
que a assimilação dos saberes abordado não ocorra de forma superficial, possibilitando
ao aluno um incentivo maior para que tenha uma participação ativa na construção de
sua aprendizagem (ITACARAMBI, 2010). Contudo, ainda é possível percebermos em
sala de aula o ensino de Matemática sendo realizado da forma dita como “tradicional”,
ou seja, de forma mecânica, por isso vem sendo questionado.
Para alguns pesquisadores (FIORENTINI, 2001), essa forma de se conceber
o ensino é entendido como uso de técnicas operatórias e da simples memorização
que se fazem “com” e a “partir” de escritas mecânicas e sem sentido para o aluno.
Nessa abordagem, o ambiente é de repetição e reprodução, o que não garante a
construção da aprendizagem pelo estudante (ITACARAMBI, 2010).
De acordo com documentos oficiais (MARANHÃO, 2000, BRASIL, 2018),
a Matemática a ser desenvolvida em sala de aula deve proporcionar aos alunos
descobertas, tendo o professor como mediador dos questionamentos, fazendo
115
com que esses estudantes se interessem pela descoberta ao resolver determinado
problema, percebendo, dessa forma, a influência que a Matemática tem no seu
dia a dia, passando a vê-la como necessária para a vida.
Nesse contexto, é possível reconhecer que a Matemática permite ao aluno
resolver problemas do dia a dia, além de fazer conexões e aplicações com o mundo
do trabalho, reconhecendo, assim, sua funcionalidade como instrumento essencial
para a construção da aprendizagem em outras áreas do conhecimento. Portanto,
o aluno precisa ser envolvido em atividades matemáticas que permitam a cons-
trução de sua aprendizagem, mediada pelo professor que precisa estar aberto às
mudanças e para fazer uso de novas metodologias de ensino e o uso de diferentes
recursos pedagógicos no desenvolvimento dos conteúdos matemáticos em sala de
aula (COSTA, ALLEVATO, NUNES, 2017).

AS DIFERENTES ABORDAGENS DA RESOLUÇÃO DE


PROBLEMAS NO ENSINO DE MATEMÁTICA

Educadores matemáticos do Brasil (ALLEVATO; ONUCHIC, 2021;


COSTA, 2021) e do Mundo (SCHROEDER; LESTER, 1989; VAN DE WALLE,
2009; CAI; HWANG, 2020) e documentos oficiais (NCTM, 2000; BRASL, 2018)
têm demonstrado preocupação em adequar o trabalho escolar a novas tendências
metodológicas que levem à melhores formas de ensinar e aprender os conteúdos.
Para Schroeder e Lester (1989) e Allevato e Onuchic (2021), uma alterna-
tiva seria fortalecer e aprimorar o trabalho com resolução de problemas em sala
de aula, conferindo-lhe sua principal função que é a de desenvolver a compreen-
são matemática dos alunos, sempre considerando que a compreensão ou não de
determinadas ideias aparece quando se resolve um problema.
Os autores (SCHROEDER; LESTER, 1989; ALLEVATO; ONUCHIC,
2021) destacam três formas de se abordar a resolução de problemas em sala de
aula, que configuraram o trabalho do professor; que podem ajudá-lo a entender
e a refletir sobre as diferentes abordagens que se fazem presentes, com maior ou
menor intensidade, no contexto do ensino de Matemática: ensinar sobre resolu-
ção de problemas, ou seja, teorizar acerca da resolução de problemas, o professor
explica estratégias e métodos para se chegar à solução; ensinar para a resolução
de problemas, o professor apresenta o conteúdo formal para depois oferecer aos
alunos, problemas como aplicação dessa Matemática. Essa é a prática mais usual em
sala de aula, fortemente impregnada da ideia de utilizar a resolução de problemas
para fixar determinado conteúdo e ensinar Matemática através da resolução de
problemas, o professor utiliza o problema como ponto de partida para a construção
de novos conteúdos, conceitos ou procedimentos. Nessa concepção os alunos são
116
co-construtores de seu próprio conhecimento e os professores responsáveis por
conduzir o processo.
Entretanto, apesar das alternativas para um trabalho diferenciado, ainda
há professores que ensinam Matemática considerando que os alunos aprendem
unicamente pela repetição e memorização de ideias matemáticas. Para Allevato e
Onuchic (2021), um bom caminho para o trabalho em sala de aula seria o uso da
terceira concepção, ou seja, ensinar Matemática partindo da resolução de problemas.
Isso vai ao encontro com o que propõe os documentos oficiais (MARANHÃO,
2000; BRASIL, 2018) que indicam o desenvolvimento da capacidade de propor
e resolver problemas, explorá-los e generalizá-los como finalidades do ensino de
Matemática. Ou seja, os documentos indicam a resolução de problemas o ponto
de partida das atividades matemáticas.
Desenvolver as atividades matemáticas em sala de aula nessa concepção exige
do professor e dos alunos novas posturas e atitudes com relação às aulas. O professor
precisa escolher ou preparar problemas apropriados ao conteúdo ou ao conceito
que pretende construir e de acordo com o ano/série do estudante. Precisa deixar
de ser o centro das atividades, passando para os alunos a maior responsabilidade
pela aprendizagem que pretendem atingir. Os alunos, por sua vez, devem entender
e assumir essa responsabilidade. Esse ato exige de ambos, mudanças de atitude e
postura, o que nem sempre é fácil conseguir (ALLEVATO; ONUCHIC, 2021).
De acordo com Wan de Walle (2009) e Allevato e Onuchic (2021) há boas
razões para se fazer esse esforço, pois a resolução de problemas desenvolve poder
matemático nos alunos, ou seja, a capacidade de pensar matematicamente, utilizar
diferentes e convenientes estratégias em diferentes problemas, permitindo aumen-
tar a compreensão de conteúdos e conceitos matemáticos. Além disso, quando os
professores ensinam Matemática dessa maneira se empolgam e não querem voltar
a ensinar de forma tradicional. Sentem-se gratificados com a constatação de que
os alunos desenvolvem a compreensão por seus próprios raciocínios.

METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente estudo surgiu a partir de nossas inquietações acerca das competências e


habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos do quinto ano do Ensino Fundamental,
em relação à unidade temática “números”, envolvendo a resolução de problemas, de
acordo com a BNCC (BRASIL, 2018). Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa,
com arcabouço bibliográfico que retrata a análise documental, ou seja, aquela que se
propõe a realizar análises em documentos oficiais escritos, dentre eles os da educação
(HELDER, 2006; FIORENTINI; LORENZATO, 2012).

117
Assim, no presente capítulo, cujo foco é a Matemática dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, buscamos compreendermos como a resolução de problemas
se apresenta no referido documento em relação às competências e habilidades a
serem desenvolvidas nos objetos de conhecimento envolvendo a unidade temática
“números” de acordo com a BNCC e alguns estudos desenvolvidos por pesquisa-
dores da área, conforme será apresentado na próxima seção.

A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E OS NÚMEROS:


COMPETÊNCIAS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS
PELOS ALUNOS NO QUINTO ANO

Nas últimas décadas o Brasil tem passado por um imenso movimento de


reformas curriculares, inclusive para o ensino de Matemática e, a partir dessas
reformas, a resolução de problemas tem sido uma das linhas de investigação que
muito se tem discutido na Educação Matemática, isso se deve à sua importância
nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática (ITACARAMBI, 2010).
No entanto, foi somente a partir dos anos de 1980 que começou de fato a se
discutir a resolução de problemas, tanto no Brasil como em outros países, como
sendo uma tendência metodológica renovadora que, por sua vez, constitui uma
das bases para o ensino da Matemática (MALDANER, 2011).
A partir daí, a maioria dos currículos nos Estados brasileiros foram elabo-
rados no sentido de atender as necessidades do país (NACARATO, MENGALI;
PASSSOS, 2009). Segundo as autoras, os currículos dessa época já traziam consigo
alguns pressupostos que eram considerados inéditos para o ensino de Matemática
da época, dos quais destacamos: a alfabetização matemática e a valorização da
resolução de problemas.
Essa tendência, ainda hoje, vem sendo apontada pelos documentos oficiais
(BRASIL, 2018), segundo os quais, o ponto de partida de uma atividade mate-
mática não deve ser a definição dos conteúdos, mas a resolução de problemas que
possa levar à construção desse conteúdo. Assim, aparece, na Educação Matemática,
uma metodologia de ensino que aponta para uma aprendizagem mais significa-
tiva pelo aluno, assinalando para a necessidade de se percorrer pelo caminho da
problematização (COSTA; 2021).
A BNCC (BRASIL, 2018), documento de referência curricular que subs-
tituiu os PCN (BRASIL, 1997) e que serve de orientação para a formulação dos
currículos dos sistemas e das redes de ensinos e das propostas pedagógicas das
instituições escolares no Brasil, indica como um de seus pressupostos a ideia de que
todos podem aprender Matemática. Para isso, propõe que, ao longo da Educação
Básica (Ensinos Fundamental e Médio), as aprendizagens essenciais ocorram de
118
forma que assegurem ao estudante o desenvolvimento de competências ligadas
ao raciocínio, à representação, à comunicação e à argumentação matemática, que
se concretizam, no âmbito pedagógico, em benefício do letramento matemático.
A resolução de problemas e o desenvolvimento da capacidade de argumentar e
justificar raciocínios, são de acordo com a BNCC, aspectos diretamente relacionados
ao letramento matemático. Assim, o documento sugere que os alunos resolvam
problemas, argumentem, aprendam a ler, escrever e falar matematicamente, por
isso a aula deve estar pautada por atividades desafiadoras, problematizadoras e
que favoreçam o trabalho em grupo, a articulação de pontos de vista e também
ações de leitura e representação de pensamentos e conclusões. Em outras palavras,
a Matemática a ser ensinada nos anos iniciais do Ensino fundamental deve ser
significativa, de modo que os estudantes consigam agir com autonomia em suas
situações cotidianas, conseguindo por meio dela superar demandas próprias de
sua realidade, em que se exija conhecimento matemático.
Na BNCC, a unidade temática “números” para os anos iniciais tem por
finalidade desenvolver o pensamento numérico. Isso implica o conhecimento em
maneiras de quantificar atributos de objetos e de julgar e interpretar argumentos
baseados em quantidades. Nesse processo de construção dos números, os alunos
precisam desenvolver, entre outras, as ideias de aproximação, proporcionalidade,
equivalência e ordem, noções fundamentais da Matemática. Para essa construção,
é importante propor, por meio de situações-problemas, sucessivas ampliações dos
campos numéricos, enfatizando registros, usos, significados e operações.
Outra expectativa em relação aos números é que os alunos possam resolver
problemas compreendendo os naturais e racionais cuja representação decimal
é finita, envolvendo os diferentes significados, argumentando e justificando os
procedimentos utilizados no processo de resolução, além de avaliar os resultados
encontrados. No tocante aos cálculos, espera-se que os estudantes desenvolvam
diferentes estratégias para a obtenção dos resultados, sobretudo por estimativa
e cálculo mental, além de algoritmos e o uso de calculadoras (BRASIL, 2018).
Espera-se, nessa fase, que os alunos também desenvolvam habilidades refe-
rentes à leitura, escrita e ordenação de números naturais e racionais por meio da
identificação e das características do sistema de numeração decimal, sobretudo
o valor posicional dos algarismos, na perspectiva de que os alunos aprofundem
a noção de número. É importante colocá-los diante de situações que envolvem
as medições, nas quais os números naturais não são suficientes para resolvê-las,
indicando a necessidade dos números racionais tanto na representação decimal
quanto na fracionária.
Cada habilidade é apresentada na BNCC (BRASIL, 2018) por meio de um
código alfanumérico (EF04MA10), em que o primeiro par de letras (EF) indica
119
a etapa - Ensino Fundamental; o primeiro par de números (04) indica o ano (01
a 09) a que se refere à habilidade, conforme definição dos currículos; a segunda
sequência de letras (MA) indica a área Matemática e o último par de números
(10) indica a posição da habilidade na numeração sequencial do ano ou do bloco
de anos.
Vale destacar que o uso de numeração sequencial para identificar as habili-
dades não representa uma ordem ou hierarquia esperada das aprendizagens. Cabe
aos sistemas e escolas definirem a progressão das aprendizagens em função de seus
contextos locais. Assim, na BNCC, competência “é definida como a mobilização
de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas
e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL,
2018, p. 8).
A Matemática apresentada na BNCC tem suas peculiaridades, pois é simul-
taneamente área de conhecimento e disciplina. Assim, há um conjunto de compe-
tências que se espera que os alunos desenvolvam ao longo de sua trajetória escolar,
bem como a descrição das habilidades previstas de acordo com o eixo temático e
os objetos de conhecimento. Considerando esses pressupostos, e em articulação
com as competências gerais da Educação Básica para o componente curricular de
Matemática, o desenvolvimento de 8 (oito) competências específicas essenciais
para a compreensão significativa do conteúdo pelos estudantes do Ensino Funda-
mental, dentre as quais, a sexta competência refere-se à resolução de problemas,
conforme segue no Quadro 1.

Quadro 1 – Resolução de Problemas no Ensino Fundamental


COMPETÊNCIA ESPECÍFICA
Enfrentar situações-problema em múltiplos contextos, incluindo-se situações imaginadas, não diretamente relacionadas
com o aspecto prático-utilitário, expressar suas respostas e sintetizar conclusões, utilizando diferentes registros e
linguagens (gráficos, tabelas, esquemas, além de texto escrito na língua materna e outras linguagens para descrever
algoritmos, como fluxogramas, e dados).
Fonte: BNCC (BRASIL, 2018, p. 267)

A ideia central do desenvolvimento das competências indicadas pela BNCC


(BRASIL, 2018) é contextualizar os conteúdos dados em salas de aula de forma
que os alunos apliquem os conhecimentos adquiridos fora da escola. No caso da
resolução de problemas, faz-se necessário um trabalho coerente e conciso com a
utilização de situações do cotidiano do aluno direcionadas pedagogicamente em
sala de aula para estimular os alunos à construção do pensamento lógico. Além
disso, nessa competência, a resolução de problemas aparece em múltiplos contex-
tos, e também, em situações que são imaginadas e que não necessariamente estão
120
ligadas ao caráter utilitário, além da proposição de diferentes registros e linguagens,
especialmente a menção a textos escritos em língua materna e fluxogramas para
descrever algoritmos.
O Ensino Fundamental deve ter o compromisso com o desenvolvimento
do letramento matemático que a BNCC define como competências e habilidades
de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a
favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de proble-
mas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e
ferramentas matemáticas, com intuito de assegurar aos alunos o reconhecimento
de que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e
a atuação no mundo, além de perceberem o caráter intelectual da matemática,
como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, que
estimula a investigação de forma prazerosa (BRASIL, 2018).
Além das competências específicas da Matemática, podem-se ressaltar no
interior do componente curricular: as unidades temáticas, os objetos de conheci-
mento e as habilidades. A associação feita pelo documento de tais elementos com
as competências específicas seria para:
[...] garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada
componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas
habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento –
aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos –, que, por sua
vez, são organizados em unidades temáticas (BRASIL, 2018, p. 28).

Em relação à unidade temática “números”, para o quinto ano do Ensino


Fundamental, a BNCC indica 8 (oito) objetos de conhecimento que devem ser
desenvolvidos em sala de aula na construção da aprendizagem dos estudantes e
9 (nove) habilidades, das quais, 3 (três) são referentes a habilidade de resolver e
elaborar problemas, conforme segue.

Quadro 2: Resolução de Problemas no eixo temático números no quinto ano


OBJETOS DE CONHECIMENTO
Sistema de numeração decimal: leitura, escrita e ordenação de números naturais (de até seis ordens).
Números racionais expressos na forma decimal e sua representação na reta numérica.
Representação fracionária dos números racionais: reconhecimento, significados, leitura e representação na reta
numérica.
Comparação e ordenação de números racionais na representação decimal e na fracionária utilizando a noção de
equivalência.
Cálculo de porcentagens e representação fracionária.
Problemas: adição e subtração de números naturais e números racionais cuja representação decimal é finita.
Problemas: multiplicação e divisão de números racionais cuja representação decimal é finita por números naturais.
Problemas de contagem do tipo: “Se cada objeto de uma coleção A for combinado com todos os elementos de uma
coleção B, quantos agrupamentos desse tipo podem ser formados?”.
continua 121
HABILIDADES
Resolver e elaborar problemas de adição e subtração com números naturais e com números racionais,
EF05MA07 cuja representação decimal seja finita, utilizando estratégias diversas, como cálculo por estimativa,
cálculo mental e algoritmos.
Resolver e elaborar problemas de multiplicação e divisão com números naturais e com números
EF05MA08 racionais cuja representação decimal é finita (com multiplicador natural e divisor natural e diferente
de zero), utilizando estratégias diversas, como cálculo por estimativa, cálculo mental e algoritmos.
Resolver e elaborar problemas simples de contagem envolvendo o princípio multiplicativo, como a
EF05MA09 determinação do número de agrupamentos possíveis ao se combinar cada elemento de uma coleção
com todos os elementos de outra coleção, por meio de diagramas de árvore ou por tabelas.
Fonte: BNCC (BRASIL, 2018)

É possível perceber no Quadro 2 que as habilidades envolvendo a resolução


e elaboração de problemas aparece por mais de uma vez, para diferentes objetos de
conhecimento. Isso demonstra uma preocupação da BNCC que os alunos sejam
co-construtores de sua própria aprendizagem desde os anos iniciais. Vale destacar,
conforme aponta a BNCC, que a delimitação dos objetos de conhecimento e das
habilidades a serem desenvolvidas, considera que os conteúdos serão retomados,
ampliados e aprofundados a cada ano.
No entanto, é fundamental considerar que a apropriação dessas habilidades
não seja feita de maneira fragmentada, é preciso compreender o papel que cada uma
representa no conjunto das aprendizagens, buscando entender como ela se conecta
com as habilidades desenvolvidas em anos anteriores e o que leva à identificação das
aprendizagens já consolidadas, e em que medida o trabalho para o desenvolvimento
de uma nova habilidade serve como base para futuras aprendizagens.
Para a BNCC, o desenvolvimento dessas habilidades está intrinsecamente
relacionado a algumas formas de organização da aprendizagem matemática com
apoio na análise de situações da vida cotidiana, de outras áreas do conhecimento
e da própria Matemática. Nesse sentido, o processo matemático da resolução
de problemas se constitui em uma forma privilegiada da atividade matemática,
motivo pelo qual deve ser “ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendi-
zagem ao longo do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2018, p. 266). Esse processo
é potencialmente rico para o desenvolvimento de competências, fundamentais (o
raciocínio, a representação, a comunicação e a argumentação) para o letramento
matemático que auxilia no desenvolvimento do pensamento matemático.
Na Matemática escolar, o processo de aprender em um contexto, abstrair e
depois aplicá-la em outro contexto envolve a capacidades de formular, empregar,
interpretar e avaliar e não somente apresentar enunciados típicos que, na maioria
das vezes, são meros exercícios, que apenas simulam alguma aprendizagem. Assim,
é possível perceber que dentre as habilidades algumas começam por “resolver e
elaborar problemas”. Dessa forma está implícita que, o que se pretende não é apenas
a resolução do problema, mas também que os alunos reflitam e questionem sobre
o que ocorreria se algum dado do problema fosse alterado ou se alguma condição
122
fosse acrescentada ou retirada. Nessa perspectiva, pretende-se que os alunos tam-
bém possam elaborar/formular problemas em outros contextos (BRASIL, 2018;
POSSAMAI; ALLEVATO, 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito das competências propostas para a formação integral e crítica


dos alunos, a BNCC apresenta que a Matemática é “uma ciência humana, fruto
das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos
históricos” e ainda acrescenta que também é “uma ciência viva, que contribui
para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas
e construções” (BRASIL, 2018, p. 267), sendo considerada uma ferramenta para
ler, entender e transformar a realidade. Sendo assim, os estudantes devem ser
vistos como intelectuais e co-construtores de seus próprios conhecimentos e,
principalmente, capazes de dialogar de maneira crítica e posicional diante das
forças adversas da sociedade.
Dessa forma, as competências indicadas pela BNCC para o ensino de
Matemática regem o processo de construção da aprendizagem, uma vez que, ao
desenvolver habilidades em determinados objetos de conhecimento, os alunos se
tornam competentes. E ao aperfeiçoar sua aprendizagem por meio da resolução
de problemas, por exemplo, amplia as habilidades do saber-fazer. Além disso, o
documento estabelece que, no Ensino Fundamental, a escola precisa preparar o
estudante para entender como a Matemática é aplicada em diferentes situações,
dentro e fora da escola.
Em sala de aula, o contexto pode ser puramente matemático, mas não é
necessário que o problema apresentado seja referente a um fato do cotidiano. O
importante é que os procedimentos sejam inseridos em uma rede de significados
mais amplos, no qual o foco não seja o cálculo em si, mas as relações que ele per-
mite estabelecer entre os diversos conhecimentos que o aluno já tem.

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124
LABORATÓRIO MORFOFUNCIONAL DO CURSO DE
MEDICINA: O USO DA TECNOLOGIA NA PRÁTICA
DOCENTE DIÁRIA

Márcia Maria Silva30


Tânia Gisela Biberg-Salum31

Em um curso de medicina lotado em uma Universidade do Centro-Oeste


brasileiro, criado em 1999 sob a metodologia da Aprendizagem Baseada em
Problemas (PBL), foi instalado o espaço físico denominado Laboratório Morfo-
funcional (LMF) para auxiliar os alunos no seu estudo autodirigido dos conteúdos
das Ciências Morfológicas.
Cabe aqui esclarecer que a palavra Morfologia é originária do grego morphé,
que quer dizer forma e, para a área biológica o conceito de Morfologia surgiu nos
idos de 1790, pelo escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe, sendo confir-
mado, uma década depois, pelo anatomista e fisiologista alemão Karl Friedrich
Burdach (Paiva e cols, 2020).
Entende-se, atualmente, que o contexto das Ciências Morfológicas abrange o
estudo de três áreas específicas, quais sejam a Anatomia, Histologia e Embriologia.
Para o contexto deste curso de medicina em foco, o Laboratório Morfofuncional
enfatiza o estudo da Anatomia, Histologia e Patologia, sendo esta última disciplina
destaque na atuação docente da autora deste capítulo, e entendida, no sentido da
aplicação do conhecimento, como uma especialidade médica responsável pelo
estudo e análise de tecidos, órgãos e fluidos corporais, com propósito de realizar
o diagnóstico das doenças (Mehanna; Garbelini, 2021).
Desde o entardecer do século XX, o homem tem sido visto, no campo de
estudo das ciências médicas, a partir de um modelo biopsicossocial, o qual interpreta
os processos de saúde e doença considerando aspectos biológicos, psicológicos e
sociais. Nessa seara, intui-se que a explicação dos fenômenos patológicos tornou-se
ainda mais complexa. Assim, “...exige-se agora pessoas dotadas de espírito crítico
e visão sistêmica capazes de iniciativas inovadoras para gerar soluções eficientes
para problemas multidimensionais” (Mamede, 2001, p. 16).
Ao encontro das novas tendências surgem trabalhos diversos nas áreas da
memória, do pensamento e da aprendizagem que permitem o vislumbrar de novos
olhares para o processo de ensino aprendizagem.
30
Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática (Universidade Anhanguera). Docente dos cursos de Medicina (UNI-
DERP e UEMS). CV: https://lattes.cnpq.br/2622624784501593
31
Doutorado em Ciências (USP). Docente do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática (ANHAN-
GUERA-UNIDERP). CV: https://lattes.cnpq.br/1863038815709816
125
Neste contexto internacional de ensino surgiu a metodologia Aprendiza-
gem Baseada em Problemas (PBL) como resposta às necessidades de uma nova
formação, inclusive para os profissionais de saúde. Este modelo teve, como berço,
nos anos 60, a escola médica da Universidade de McMaster, no Canadá, sendo
seguida por outras instituições de ensino, como Harvard e New México nos EUA,
Newcastle na Austrália e Maastricht na Holanda.
O PBL é um método que tem por base a aprendizagem significativa, a qual
se propõe a gerar uma transformação, do estado de ignorância para o do saber,
e tem, como pilares bastante bem definidos, que o conhecimento não pode ser
transferido, que o estudante deve participar ativamente da construção do conhe-
cimento, que o conhecimento prévio tem sua ativação por pistas no contexto no
qual a informação está sendo estudada, que o conhecimento deve ser estruturado,
que a elaboração do material didático aumenta e/ou aprimora significativamente
o armazenamento das informações, que as pistas contextuais ativam a capacidade
de recuperar o conhecimento na memória de longo termo e, por fim, que estar
motivado para aprender aumenta a quantidade de estudo e consequentemente,
melhora o alcance dos objetivos.
Assentados na compreensão dessas premissas e, considerando os anos de
vivência das práticas docentes, durante os últimos 20 anos o Laboratório Mor-
fofuncional desenvolveu-se e ampliou muito sua abrangência, inclusive quanto
à estrutura física. Ainda que tenhamos o reconhecimento, também, do evidente
progresso no âmbito do processo didático pedagógico, ansiamos ainda por um
caminho longo a trilhar na busca da excelência, pela adaptação às novas propostas
e aplicação das mesmas, incorporando-se, também, o uso de tecnologias digitais
para um novo impulso neste processo de expansionismo dos saberes.
Assim, este capítulo tem o objetivo de discorrer a respeito da análise do uso
das tecnologias no funcionamento do Laboratório Morfofuncional e as possíveis
contribuições no processo de ensino/aprendizagem para os conteúdos de anato-
mia, histologia e patologia dos acadêmicos de um curso de Medicina que utiliza
o modelo pedagógico PBL, dentre outras propostas de metodologias ativas.

DESENVOLVIMENTO

Para a condução desta discussão, partiu-se de uma revisão bibliográfica e


argumentativa acerca da correlação do método de aprendizagem baseada em pro-
blemas, com suas bases filosóficas, aspectos relevantes da psicologia educacional e
pilares pedagógicos, com o ensino das ciências morfológicas. Para tanto, introdu-
ziu-se, no bojo dessas reflexões, o papel da utilização das tecnologias educacionais
digitais utilizadas na prática docente neste cenário de aprendizagem.
126
Nesse contexto, para fundamentar a formulação desses conceitos, fez-se
necessária uma retomada do âmbito histórico da criação do curso do Laboratório
Morfofuncional em questão, bem como do acervo de material didático de suporte
nele estabelecido.

O CURSO DE MEDICINA, A METODOLOGIA PBL E O


LABORATÓRIO MORFOFUNCIONAL

O Brasil sai dos anos 90 com um quadro sanitário que onde persistem
grandes diferenças na distribuição dos fatores determinantes das
condições de saúde, no acesso e na qualidade dos serviços prestados
à população (Projeto Pedagógico– Medicina, 2000, p. 17).

O referido Curso de Medicina, inaugurado no florescer dos anos 2000, sobre


o qual apoiamos este estudo, foi criado com um modelo de ensino e aprendizagem
inovador, naquele momento, com um elenco de características especificadas no seu
projeto pedagógico, quais sejam a educação centrada no estudante; educação inte-
grada e integradora; aprendizagem baseada em problemas; relevância de problemas
prioritários em diversidade de cenários; avaliação formativa e somativa; equilíbrio
entre conhecimentos, habilidades e atitudes; desenvolvimento da capacidade de
análise e avaliação crítica; fortalecimento de relações entre docentes e estudantes.
Os conteúdos curriculares foram inseridos a partir da composição de módu-
los temáticos de cerca de 06 (seis) semanas de duração, seguindo os pressupostos
curriculares para a formação geral do médico, o ciclo vital e a ecologia humana,
assim distribuídos nas quatro séries iniciais do curso.
Os módulos temáticos têm seu desenvolvimento sustentado pela Aprendi-
zagem Baseada em Problemas (ABP), como metodologia principal no processo
de ensino e aprendizagem. A operacionalização desses conteúdos, tanto na forma
de módulos transversais como longitudinais, foram organizados com atividades
teórico-práticas, nos cenários de Habilidades Gerais e Médicas, bem como nos de
grupos tutoriais, conferências, estudo autodirigido e nos Laboratórios de Práticas
Integradas e o Laboratório Morfofuncional, os quais oferecem suporte para os
módulos temáticos, sendo este último citado nosso cenário de atuação.
A apropriação do conhecimento trabalhado no Laboratório Morfofuncional,
a partir dos conteúdos de morfofisiologia, tem uma importância indubitável para
a formação do médico, generalista. Essa base fundamenta e fomenta a capacidade
de resolução de problemas, desenvolvendo as bases racionais para o diagnóstico,
tratamento e prognóstico, fundamentando a Clínica e possibilitando a correta
interpretação e valorização de sinais e sintomas, para a consolidação do profissional
que pretendemos colocar no mercado.
127
Este espaço de saber, o Laboratório Morfofuncional, foi criado como um
cenáriio para contemplar o estudo de Anatomia, Histologia e Patologia, com o
objetivo de integrar as disciplinas entre si e as disciplinas contidas no ciclo básico
com os demais segmentos do curso. Isto se baseia no fato de que o conhecimento
do conteúdo dessas disciplinas, em verdade, permeia todas as atividades do curso,
desde as habilidades médicas até o ciclo final do curso, inclusive o internato e
seguindo para a vida profissional do indivíduo, com enfoque e utilidades diferentes
em tempos diferentes. Ou seja, as competências adquiridas a partir dos conteúdos
de morfofisiologia devem estar integradas e contextualizadas às competências
atitudinais e psicomotoras. Isto é ressaltado no art. 6º, parágrafo I das Diretrizes
Curriculares para a Graduação nos Cursos de Medicina:
...conhecimento das bases moleculares e celulares dos processos nor-
mais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas
e aparelhos, aplicados aos problemas de sua prática e na forma como
o médico o utiliza.

Exemplificando nossa realidade...Quando um “problema” é lançado a um


grupo pequeno de alunos por meio de um encontro tutorial e, após o resgate do
conhecimento prévio e debate de ideias, o aluno vai em busca do conhecimento,
a partir do estudo autodirigido dos objetivos de aprendizagem estabelecidos na
tutoria, selecionando conteúdos que ele julga necessários para o atingimento dos
objetivos e a resolução daquele problema.
Nesse percurso, encontra-se à disposição do aluno, em local especialmente
estruturado para este fim, no chamado Laboratório Morfofuncional, o material
didático relacionado aos conteúdos de morfofisiologia (modelos, peças anatômi-
cas, lâminas histopatológicas etc), bem como os docentes das áreas básicas para
atender às consultorias que se fizerem necessárias.
Para ilustrar esse cenário, destacamos que o mesmo se encontra assentado
em um espaço físico de 700 m2, munido de climatização adequada, sendo algumas
salas com instalações hidráulicas. É composto por mesas de estudos coletivas e
individuais, microscópios binoculares (em número de 125) para utilização dos
alunos, microscópios específicos, em número de 3, para utilização do professor,
trio-oculares acoplados a câmera, computador e datashow para a projeção da ima-
gem, além de computadores ligados a Internet, sendo 20 disponíveis aos alunos,
1 para professores e 1 para a secretaria do laboratório. Por fim, ainda compõe o
equipamento do laboratório, uma mesa digital TV AOC TOUCH SCREEN 50”,
mesa operacional de 64 bits, processador com base x64 utilizada nas atividades
práticas para a visualização de atlas virtuais de anatomia e histologia além de
pesquisa do acervo da biblioteca.
128
Quanto ao alicerce do conhecimento, o material didático, este encontra-se
apoiado em cerca de 200 peças, entre moldes anatômicos, placas e pôsteres. São
cerca de 2000 lâminas histológicas e histopatológicas, além de livros (300), que são
distribuídos em diversas áreas disciplinares, como a anatomia, fisiologia, biologia,
histologia e patologia, imunologia, parasitologia e bioquímica.

O FUNCIONAMENTO ATUAL DO LABORATÓRIO E A


UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DE ENSINO

A rigor, não é possível negar a presença das tecnologias em nossas


realidades educacionais, elas são parte constitutiva do agir pedagógico
e dos processos de construção da cidadania nos contextos contempo-
râneos, exercendo um efeito semelhante ao do poder da comunicação,
que pode ser dialógico ou não (HABOWSKI, 2019, p. 10).

No decorrer dos últimos anos foi inevitável e, inclusive desejável, a oferta de


apoio didático a partir das novas propostas de tecnologias digitais, as quais acabaram
por ser incorporadas no mundo do ensino. O aluno passou a ter disponível, no
Núcleo de Educação a Distância (NEAD), materiais didáticos elaborados pelos
professores, com um portfólio de imagens macro e microscópicas, com o objetivo
de orientar e direcionar o estudo autodirigido dos conteúdos a serem estudados.
As atividades teóricas transcorrem fundamentadas em exposições dialogadas,
para serem complementadas por atividades práticas, a partir do manuseio de peças
anatômicas e observação de lâminas histopatológicas. Ao passo que os alunos
observam as lâminas nos microscópios, o professor, utilizando-se de microscópio
próprio, projeta a imagem da mesma lâmina demostrando assim, aos alunos, os
detalhes das células e tecidos dos quais quer chamar a atenção.
Ainda, na inegável incorporação de todas as vertentes das tecnologias digitais,
alguns alunos lançam mão de seus suportes, fotografando as lâminas com as câmeras
de celulares e as utilizam ao retornarem para as discussões tutoriais em pequenos
grupos. Além desta ferramenta, nos aparelhos de iPad, tablets da AppleR que são
considerados híbridos de smartphones e notebooks, editam as imagens adicionando
legendas, símbolos, setas e outras anotações.
Os alunos, jovens adolescentes e incorporados às novas tendências, demons-
tram grande habilidade com os fundamentos e suportes das tecnologias digitais.
Este procedimento, no nosso entender, tem otimizado o tempo das atividades
práticas, para além de motivar o aluno a produzir o material, uma vez que o pro-
fessor poderá, a título de estímulo, escolher algumas dessas fotos para que sejam
utilizas, porventura, em avaliações posteriores. Por fim, não podemos deixar de
incluir a informação sobre o uso da plataforma WhatsAppR, um aplicativo mul-
129
tiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones, de
propriedade da Meta Platforms, uma companhia americana, por meio do qual se
dá intensa veiculação da comunicação, tanto verbal quanto imagética, inclusive pelo
compartilhamento do material produzido nas aulas, a partir da própria plataforma.

EXISTEM POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO DO USO


DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NAS ATIVIDADES DO
LABORATÓRIO MORFOFUNCIONAL?

Acreditamos que sim!


A tecnologia não é uma solução mágica para os problemas da edu-
cação, mas, quando aliada à prática social e à interação humana,
pode contribuir para a (re)construção coletiva de conhecimentos
(HABOWSKI, 2019, p. 15)

Nesse cenário de ensino, as atividades práticas têm sido, paulatinamente,


incrementadas pelo uso das tecnologias digitais, quer seja pelo uso do microscópio
projetor ou, pela própria iniciativa dos alunos no manuseio do material didático,
pela utilização de suas ferramentas digitais de comunicação.
Porém, é cabível elucubrar que tais atividades poderiam ser bastante amplia-
das. Nos tempos atuais, na nossa cultura digital, o ato de fotografar pode abranger
vários aspectos didáticos, que vão além da simples habilidade manual para aquelas
de transmissão de conhecimento, incorporação de comportamentos, rotinas, inte-
ração social e de conhecimento, etc.
Por meio da prática pedagógica pudemos observar algumas contri-
buições, em que destacamos: i) associação do conhecimento científico
com o conhecimento escolar: aquilo que era de distante assimilação
passa a ter significado a partir de uma realidade concreta e investigativa
em que o estudante é protagonista por meio do registro da fotografia
digital; ii) a complexidade dos conteúdos do ensino médio podem
ganhar leveza a partir da contextualização e cotidiano dos estudantes,
minimizando a abstração de conteúdo a ser estudado; a inter-relação
das áreas do conhecimento prevista no ensino médio corroborando o
conhecimento de uma com a outra a partir de um tema, minimizando
o isolamento das disciplinas; iii) o uso das TIC no ambiente escolar
com intencionalidade dos professores e protagonismo investigativo
dos estudantes; iv) apropriação de equipamentos eletrônicos na sala
de aula, que integram o cotidiano dos jovens, mas aliada à produção
de conhecimentos. (ALMEIDA, 2022, p. 246)

130
A interação por meio dos chamados grupos de WhatsAppR, poderia alcan-
çar um nível de fórum de discussão e esclarecimento de dúvidas e não apenas
um repositório de fotos. Os alunos poderiam ser estimulados nessa atividade e
poderiam, inclusive, produzir um “caderno do morfo”, com o registro digital de
seu estudo autodirigido ou, até mesmo, a produção de um atlas fotográfico digital
de histologia, útil para todos os alunos. Para tanto, reitera-se que há uma neces-
sidade de planejamento estratégico por parte dos professores, pois, aquilo que se
iniciou de forma natural e intuitiva nas atividades didáticas, agora, pode e deve ser
incorporado na rotina, de forma pensada e sistematizada. Assim, entende-se que
...o uso linear, administrativo, inexpressivo e acrítico das tecnolo-
gias pode representar a dependência e a falta de uma manifestação
pedagógica crítico-argumentativa, em função da mera informação,
repercutindo em apropriações unívocas e vazias de sentido na esfera
educativa. (HABOWSKI, 2019, p. 5)

A utilização de vídeo aulas teóricas, de forma síncrona, poderia ser uma


solução para o crescente número de alunos para otimizar, assim, o tempo dedi-
cado às atividades práticas presenciais, desenhando o que viria a ser um sistema
híbrido. Sabemos da importância do referencial teórico na dinâmica das ativi-
dades práticas, porém, o tempo da aula e o número de alunos interfere para uma
aprimorada execução dessas atividades. É por nós percebido que, quando o aluno
vem para a atividade prática fundamentado em conhecimento teórico prévio, a
leitura das lâminas histológicas e a observação das peças anatômicas acontecem
com maior facilidade.
É possível, portanto, encontrar diferentes definições para ensino
híbrido na literatura. Todas elas apresentam, de forma geral, a con-
vergência de dois modelos de aprendizagem: o modelo presencial, em
que o processo ocorre em sala de aula, como vem sendo realizado há
tempos, e o modelo on-line, que utiliza as tecnologias digitais para
promover o ensino. Podemos considerar que esses dois ambientes de
aprendizagem, a sala de aula tradicional e o espaço virtual, tornam-se
gradativamente complementares. Isso ocorre porque, além do uso
de variadas tecnologias digitais, o indivíduo interage com o grupo,
intensificando a troca de experiências que ocorre em um ambiente
físico, a escola. (BACICH, p. 50)

Ainda sobre as vídeo aulas, estas podem ser nas modalidades síncrona ou
assíncrona que, em linhas gerais, referem-se a modelos de comunicação, sendo a
primeira aquela que se dá de forma simultânea e rápida, como os telefonemas e
calls e, a segunda, é mais lenta, sendo que o emissor não interage imediatamente
131
com o receptor. De qualquer forma, essa ferramenta de comunicação deve se
caracterizar não só pela fluência digital do professor ou pelos recursos visuais do
material didático mas, também, pela versatilidade e capacidade de atrair a atenção
do aluno.
Assim como no ensino presencial, na EaD as relações/vínculos criados
entre professores e alunos fazem a diferença quando permeadas por
relações afetivas. Este fator se potencializa pelo fato desta modalidade
ser mediada pelas tecnologias, pela internet e ter uma característica
comunicacional, com interações síncronas e assíncronas, mediadas
pelo tutor, fazendo-se necessário, ainda mais, o desenvolvimento das
competências socioafetivas. Assim, motivação, apoio, encorajamento,
fortalecimento e superação, tornam-se palavras de ordem (CARVA-
LHO, 2015, p. 197).

Assim, o uso de aplicativos educacionais poderia ser um fator estimulante


para o processo de ensino e aprendizagem do Laboratório Morfofuncional, pois
facilita a comunicação, a interação e a conexão entre professores e alunos e por se
dar por meio de uma linguagem já sustentadamente difundida entre os jovens, a
qual pode ser acessada via celular, tablet ou computador. Ainda na seara da moti-
vação para os alunos, essas ferramentas poderiam ser utilizadas para avaliações
continuadas, ao longo do processo, pela aplicação de pequenas questões ou desafios
diários. Ainda que se percebem e almejem essas oportunidades, há que se ter a
atenção para o bom uso e gestão da ferramenta, pois um possível uso excessivo
pode promover algum confundimento e/ou dispersão quanto à atenção dos alunos.
Entende-se, em síntese, que a utilização de todas essas tecnologias digitais
enriquecem o processo de ensino e aprendizagem, otimizam o tempo e motivam o
aluno, desde que tais atividades sejam planejadas, a partir de objetivos educacionais
bem descritos, que estejam integrados aos demais objetivos educacionais desen-
volvidos nas discussões tutoriais, afim de que componham a proposta integrada
do currículo formal. Portanto,
A maioria das tecnologias é utilizada como auxiliar no processo
educativo. Não são nem o objeto, nem a sua substância, nem a fina-
lidade. Elas estão presentes em todos os momentos do processo
pedagógico, desde o planejamento das disciplinas, a elaboração da
proposta curricular até a certificação dos alunos que concluíram um
curso. (KENSKI, 2007, p. 44)

Vale, ainda lembrar, que a demanda para o tempo de planejamento, para o


letramento digital e a disponibilidade do professor às mudanças e inovações na

132
sua prática docente diária são fatores definitivos para o sucesso dessa empreita,
que devem ser, sem sombra de dúvidas, considerados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao partir destas reflexões e do perfil histórico do Laboratório Morfofuncional,


que foi criado para este Curso de Medicina em questão, como um recurso didático
para auxiliar o aluno no estudo autodirigido no desenvolvimento dos conteúdos de
morfofisiologia, apurou-se a percepção de que o mesmo tem funcionado como uma
biblioteca viva e que contribui, de forma robusta, para o processo de aprendizagem.
Além disso, este é um cenário que, a partir do entendimento da concepção
sob o qual está fundamentado, é percebido que o mesmo permite explor a utilização
de variadas ferramentas didáticas e que o uso das tecnologias digitais traz consi-
deráveis benefícios para o processo de ensino e aprendizagem nele desenvolvido,
tais como a otimização do tempo dos professores e discentes, a possibilidade de
atingir um maior número de alunos simultaneamente, a acessibilidade a discen-
tes com necessidades físicas especiais, visando promover a inclusão social e, o
elemento que se configura como destaque, para nós, que é a motivação do aluno,
por permitir a abertura de um canal de comunicação entre discentes e docentes
em uma linguagem mais próxima à do jovem estudante.
Na união de todos estes elementos e aspectos, encontra-se a conclusão das
reflexões promovidas, que caminha sinalizando para o melhor desempenho dos
alunos, e este, indubitavelmente, transparece nosso principal objetivo, o objetivo
mais importante para a nossa docência.

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Universidade Federal da Paraíba: morfologia, educação e arte. Saúde em Foco: Temas Contemporâneos -
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UNIDERP-PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA – UNIDERP 1999, última
atualização 2020.

134
MARIA EUGÊNIA MACEIRA MONTENEGRO:
MEMÓRIAS LITERÁRIAS E POLÍTICAS (1962-1978)

Vânia Karla Dantas Ricardo32


Paulo Augusto Tamanini33

INTRODUÇÃO

Gena, como carinhosamente era chamada Maria Eugênia, nasceu em 1915


no município de Lavras, interior de Minas Gerais. Filha de Bernardino Maceira e
Ricardina Amaral Maceira, se formou para professora primária em 1933 e só veio
para o estado do Rio Grande do Norte após o matrimônio com Nelson Borges
Montenegro, que estudava engenharia agrícola em Minas. Esta, por sua vez, morou
na cidade de Ipanguaçu entre 1939 a 1958 e posteriormente foi morar na cidade
de Assú/RN, onde viveu até 2006.
De acordo com Santos et al. (2011) Maria Eugênia inicia suas atividades
políticas no município de Ipanguaçu logo após seu marido ser empossado como
prefeito da cidade. Dentre essas atividades, destacamos os diferentes trabalhos
sociais, incluindo a presidência da Legião Brasileira de Assistência34 (LBA) quando
foi a primeira dama do município.
Outro aspecto a destacar é que no ano de 1972, ano que Gena vence as
eleições no município de Ipanguaçu, ela também integra-se à Academia Norte-
-Rio-Grandense de Letras (ANRL), profere em seu discurso a participação femi-
nina, referenciando algumas mulheres que serviram de inspiração para sua vida,
como Nísia Floresta: “[...] a imortal Nísia descortinou a mulher brasileira com as
centelhas vivas de sua inteligência e coragem, um horizonte novo, rompendo elos
que acorrentavam às arcaicas [...] (Apud, Santos et al. - 2016, p. 194).
Representar a figura social e política de Maria Eugênia Montenegro já havia
sido pensada desde o início da graduação em História pela Universidade Estadual
do Rio Grande do Norte – UERN. Impulsionada pela curiosidade, e feitorias
de Maria Eugênia na educação e na política, aos poucos foi sendo desenvolvida
uma pesquisa a respeito do tema na Especialização em Cultura Política, História
e Historiografia (FACESA - Assú).
32
Mestrado em Ensino (UERN-UFERSA-IFRN). CV: lattes.cnpq.br/1201629460815869
33
Pós-doutor em História (UFPR). Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UERN-UFERSA-IFRN).
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6963-2952
34
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi um órgão assistencial público brasileiro, fundado em 28 de agosto de 1942,
pela então primeira-dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra
Mundial, contando com o apoio da Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional da Indústria.
135
Diante das indagações e curiosidades sobre a vida de Maria Eugênia, surgiram
vários questionamentos que levaram a pesquisar os principais marcos da vida da
biografada como mulher, educadora e política. Questões essas que corroboraram
para inicializar o desenvolvimento deste trabalho, entre tais hesitações, destaca-
mos: quais inspirações literárias e políticas influenciam suas ações na educação
no município de Ipanguaçu/RN?
Apesar de se destacar na literatura, a vida política de Maria Eugênia contou
com a influência de seu sogro, Manoel Montenegro, homem bastante influente na
política da região; amparado pelo título de major, Montenegro comandava vários
setores da sociedade como justiça e latifúndio controlando a população daquela
região, conjuntura que envolveu também a eleição de Maria Eugenia como prefeita.
Desse modo, a pesquisa deve destacar a vida de Maria Eugênia na literatura e na
política e, como essas representações influenciaram na educação e no seu lugar de
fala como intelectual, de pertencer a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras
(ANRL) e principalmente como sua escrita influencia sua atuação política, espe-
cificamente na educação.
A metodologia da pesquisa é uma investigação das representações culturais
e políticas de Maria Eugênia e como essas ações refletem na educação no muni-
cípio de Ipanguaçu-RN. Para identificar e analisar estas influências da escritora
e política iniciamos com a leitura bibliográfica, pela abordagem qualitativa posta
por Bogdan e Biklen (1994) como uma investigação que reúne várias estratégias
e características no decorrer da observação.
Assim, adotaremos a pesquisa documental e a bibliográfica, destacando as
contribuições de ambas na pesquisa. A bibliográfica se utiliza das contribuições de
autores e a documental refere-se à produção escrita por Maria Eugênia, registrados
ou publicados, possibilitando uma investigação dos objetos analisados. A pesquisa
bibliográfica é considerada uma fonte de coleta de dados, referente às contribuições
culturais ou científicas sobre a temática da pesquisa, questionamentos que possam
ser estudados e pesquisados na atualidade.
O estudo procedido por meio da pesquisa qualitativa, através das investiga-
ções bibliográficas e de análises documentais. Já a leitura de Lakatos e Marconi
(2001, p.183) observa: “[...] o pesquisador em contato direto com tudo o que foi
escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências segui-
das de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas,
quer gravadas”. Assim, tal análise permite ao pesquisador ter uma diversidade de
dados e comparar tais fontes históricas, indo desde a fonte escrita à fonte oral a
fim de investigar as ações culturais e políticas de Gena que refletem na educação
no município de Ipanguaçu-RN.
Referenciando Olsen (2015) sobre os processos do desenvolvimento da pes-
quisa incluímos no decorrer do trabalho: o mapeamento participativo, os grupos
136
de foco (incluindo as memórias coletivas, como o legado e atuação da escritora
refletida na educação no município de Ipanguaçu), os grupos de discussão e facili-
tadores por meio de entrevistas (aos familiares, aos professores e a comunidade com
memórias sobre a temática). Nesse contexto, o estudo segue essa linha de análise:
questionamentos sobre o objeto de pesquisa, análise bibliográfica e documental,
aplicação de questionários, entrevistas, desenvolvimento da escrita da pesquisa
analisando todos os dados coletados

REFERENCIAL TEÓRICO

Esta pesquisa traz uma análise sobre a história de Maria Eugênia Montenegro
que chegou a Região Vale do Açu nos idos de 1938 acompanhada de seu marido
Nelson Borges Montenegro filho do então Major Manoel Montenegro (figura
política bastante renomada na região). Natural de Lavras – Minas Gerais, Maria
Eugênia morou no município de Ipanguaçu no sítio Picada, onde posteriormente
iniciaria a vida política. Filiada ao partido Aliança Renovadora Nacional - ARENA.
Maria Eugênia se candidatou a prefeita do município em 1972 e nesse mesmo
ano foi empossada na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
A conjuntura histórica destacada ambienta-se num campo de cunho polí-
tico-social configurada por indícios do coronelismo local, abrindo uma discussão
sobre o pioneirismo dessa mulher que atuou como política e membro da Academia
Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL) e, principalmente literata no século
XX, atravessando as intempéries da cultura patriarcal e machista no interior do
Rio Grande do Norte.
Enfim, a abordagem da pesquisa possibilitará discutir sobre a atuação de Maria
Eugênia na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL) e na política. Como
suas representações influenciaram aspectos da educação no município de Ipanguaçu/
RN? Desse modo, quais são as representações imbuídas nas ações poéticas e políticas
em torno da figura de Maria Eugênia? Como essas influências políticas e literárias de
Gena refletiram no processo da educação no município de Ipanguaçu?
Maria Eugênia nasceu em 7 de outubro de 1915 no município de Lavras
- Minas Gerais, local onde se formou para professora primária. Sua família é
composta de seis irmãos, seu pai Bernardino Maceira é natural de Portugal. Foi
engenheiro, desenhista, fotógrafo, agrimensor, jardineiro, matemático, hortelã e
sua mãe, Ricardina Amaral Maceira, responsável pela educação da família.
A história de Maria Eugênia Montenegro é destaque na literatura por meio
da escrita de nove livros de sua autoria, alguns lançados pela editora Fundação
José Augusto, pela Imprensa Universitária, pela Universidade Federal de Lavras,
pela Editora Cern e outros editados pela própria autora. Destacamos os livros:
‘Saudade, teu nome é menina: memórias de uma menina feia; Azul solitário, Alfar,
137
a que está só; Lavras, terra de lembranças: memória de mocidade; Andorinha
sagrada de Vila Flor; Lembranças e tradições do Açu; Porque Américo ficou lelé
da cuca; Lourenço, o sertanejo e Todas as Marias’.
Um dos destaques de suas obras é “Lembranças e Tradições do Vale do Açu”,
livro em que a escritora descreve figuras e acontecimentos relacionados ao folclore
do Assú, enfatizando as atividades dos homens do campo no qual foi testemunha
e, ainda descreve histórias de vaqueiros ou caboclos como bem menciona Franklin
Jorge na capa do livro da escritora.
Destacamos a produção literária de Gena iniciada em 1962 com “Saudade
teu nome é menina: memórias de uma menina feia”, no qual a autora relata suas
memórias da infância até a adolescência. Outro livro relevante na pesquisa é
“Lembranças e tradições do Açu” que apresenta a vivência com o povo do Vale
do Assú, observando uma série de tradições e costumes do povo da região.
Em uma das pesquisas de Castro e Morais (2001, p. 5) as autoras abordam
uma entrevista de Gena na qual a escritora e política relata suas memórias: “cons-
truímos escolas, fizemos um teatro naquele fim de mundo. O teatro se tornou o
cartão postal da cidade, os grupos teatrais de Natal se apresentavam lá. Foi fan-
tástico”. Desse modo, quais são as representações imbuídas nas ações poéticas e
políticas em torno da figura de Maria Eugênia? Como essas influências políticas e
literárias de Gena refletiram no processo da educação no município de Ipanguaçu?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escrita de Gena destaca-se nos discursos das cantigas infantis, memórias


sobre a infância e ainda nas memórias e tradições do Vale do Açu. Reminiscências
que chegam aos leitores por meio da arte cênica, das poesias que efetivamente
politizam os cenários ornatos, incluindo o teatro de Ipanguaçu que efetivou algu-
mas de suas obras.
No livro Lembranças e Tradições do Vale do Açu (1978) Maria Eugênia
descreve as características do Vale do Açu expressadas de forma poética e política;
detalha diversos cenários da exuberância do verde; a seca natural sem menosprezar
as características, mas mostrando uma realidade existente, o período de estiagem,
o cotidiano do vale do Açu expressadas por meio da poesia. Ainda sobre o con-
texto literário, Santos et al. (2016, p. 195) evidencia que Maria Eugênia chegou
a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL) por meio: “do contato
com a terra, ou seja, ela escreve sobre a terra, o solo, o chão de Assú como terreno
propício para o alvorecer das predisposições intelectuais e poéticas [...] a ideia de
fertilidade do solo assuense [...] ‘Atenas Norte-Rio-Grandense35”.
35
O termo Atenas Norte-Rio-Grandense é uma comparação entre Assú e a capital da Grécia, Atenas (local de grandes
pensadores e artistas). Discussão abordada por Santos e Ferreira no trabalho: Espaço da poesia: a construção da “Atenas
Norte-Rio-Grandense. In: Faces da História, Assis-SP, v.3, nº 1, p. 182-204, jan –jun, 2016.
138
Nas discussões literárias, a autora Maria Eugênia desponta na arte e chega
aos leitores com características políticas e literárias com resquícios de saudosismo
e teatrais. Cascudo descreve no prefácio do livro da autora “Saudade, teu nome é
menina” (1962) destacando também o tradicionalismo, sobre a autora, que sem
pensar e talvez sem perceber chega a potencializar com sua escrita os seus leitores
a participarem dos encantos dos cenários ornatos, numa relação sem vícios das
roceiras mineiras, das quais as flores se vertem para o Nordeste, reconstituindo e
conservando a imponência dos lares felizes.
O escritor Franklin Jorge relembra sua convivência com Gena numa maté-
ria do jornal Tribuna do Norte (2020) ressaltando a relação com Maria Eugênia
especificamente vinculada aos livros e a biblioteca pessoal de Gena, a autora
escrevia seus textos a mão ou numa máquina de escrever, Gena possuía em seu
estabelecimento uma grande estante com vários livros de autores contemporâneos,
que foram lidos e relidos pela a autora.
As representações literárias e educacionais de Maria Eugênia estiveram rela-
cionadas com os livros, com a escrita e, este contexto associado à sua participação
na política, ações que estão representadas nos espaços educacionais e culturais
existentes no município de Ipanguaçu, como o “Teatro Maria Eugênia Maceira
Montenegro”, um dos espaços culturais que ambienta memórias da ex-prefeita
e escritora. Uma de suas peças foi vivenciada no teatro, uma homenagem que
escreveu contando a história do soldado Luiz Gonzaga36.
Outro aspecto a destacar é a educação no qual construiu escolas, uma destas
foi a Escola Municipal Antônio Tavares na Comunidade de Pedrinhas-Ipanguaçu/
RN. Sobre as memórias referentes a escola Maria Joaquina37 relembra com altivez
quando o assunto é a figura de Maria Eugênia. Uma das primeiras memórias da
entrevistada sobre a gestão de Gena envolve laços afetivos e educacionais: “[...] a
escola que meus filhos estudaram e meus netos foi construída por ela. Ela lembrou
da gente!”. Concordando com Bosi (1994) que a memória coletiva se prospera a
partir de laços afetivos incluindo familiares, escolares e profissionais. A memória
de Maria Joaquina, que destaca a escola que seus filhos e netos estudaram, repre-
senta significados dos vestígios acondicionados pela testemunha. Bosi (1994, p.
454) ainda afirma que:
A memória dos acontecimentos políticos suscita uma palavra presa
à situação concreta do sujeito. O primeiro passo para abordá-la,
parece, portanto, ser aquele que leve em conta a localização de classes
e a profissão de quem está lembrando para compreender melhor a
formação do seu ponto de vista.

36
Luiz Gonzaga de Souza, natural de Ipanguaçu, que morreu no movimento contra os comunistas em Natal, em 1935.
Disponível em: http://oestepotiguarnoticias-ipanguacu.blogspot.com/2009/12/ex-prefeitos-de-ipanguassu.html.
37
Entrevista concedida por Maria Joaquina de Araújo no dia 12.02.2020.
139
A memória de Maria Joaquina tem marcas de saudosismo político: “ela lem-
brou da gente e mais ninguém, [...] alguns deram só promessa e não fizeram nada
[...] de prefeito que fez mesmo, para mim só foi ela”. Nesse contexto, a memória
da entrevistada é um grito de revolta, e também lembrar de seu pertencimento
de uma classe social desfavorecida ou ainda atrelada a um patrimônio material, a
antiga Escola Municipal Antônio Tavares que é um dos símbolos de resistência da
comunidade Pedrinhas, com memórias de um tempo que o processo de educação
do Ensino Fundamental era ofertado na própria comunidade. Ainda seguindo
a ideia de Bosi (1994, p. 441) acerca dos objetos, em destaque a antiga escola da
Comunidade de Pedrinhas (Ipanguaçu/RN), que faz parte da memória de Maria
Joaquina e dos moradores da comunidade: “se mobilidade e a contingência acom-
panham nosso viver e nossas interações, há algo que desejamos que permanece
imóvel, ao mesmo na velhice: o conjunto dos objetos que nos rodeiam”.
De certo, essas memórias não fluem sem reticências, sem silêncios e sem
esquecimentos. Há muitas memórias que são resguardadas ou contadas em parte.
Enfim, prefere-se a renegação e ao esquecimento. São memórias dolorosas para
muitos deles, em que pesa também uma defesa, um ponto de vista. Como usual-
mente encontramos nos discursos veiculados pela imprensa, há os momentos
inglórios que se pretende esquecer.
Os espaços arquitetônicos marcam as memórias dos Ipanguaçuenses acerca
da memória de Maria Eugênia, representado no teatro criado por ela e ainda conti-
nua em ativa no município, no qual foi encenado algumas peças dos livros escritos
por ela. As memórias são fontes significativas para a pesquisa como também as
fotografias, documentos escritos e os objetos possibilitam compreender em parte
como foi a vida de Maria Eugênia na política e na literatura. Como bem menciona
Bosi (1994, 453) que na memória política há inocorrência dos julgamentos: “O
sujeito não se contenta em narrar como testemunha histórica ‘neutra’. Ele quer
também julgar, marcando bem o lado em que estava naquela altura da história,
e reafirmando sua posição ou matizando-a”. Descrever tal cenário é também
contextualizar um cenário histórico que envolve questões de gênero, identidade
e também as marcas das influências coronelistas.
Posicionamentos também compartilhados por Louro (1997, p. 89) ao pon-
tuar que as construções culturais e sociais são refletidas por questões de gênero.
Portanto, é possível argumentar que, ainda que os agentes do ensino
possam ser mulheres, elas ocupam de um universo marcadamente
masculino - não apenas porque as diferentes disciplinas escolares se
construíram pela ótica dos homens, mas porque a seleção, a produção
e a transmissão dos conhecimentos (os programas, os livros, as estatís-
ticas, os mapas; as questões, as hipóteses e os métodos de investigação
140
“científicos” e válidos; a linguagem e a forma de apresentação dos
saberes) são masculinos.

A partir da biografia realizada por Câmara Cascudo relatado no blog de


Fernando Caldas (2008), nos aproximamos de uma mulher atuante não somente
na política, mas suas marcas em memórias é destaque na literatura e na educação,
sendo lembrada em recortes de jornais, blogs e temáticas de monografia e arti-
gos, além da população de Ipanguaçu que tem espaços arquitetônicos e escolares
influenciados por Gena.
Pretendemos ao longo desta pesquisa, observar pontos relevantes e já pro-
duzidos por outros autores sobre a história de Maria Eugênia, destacando as
representações literárias e educacionais. Temática esta que desperta curiosidade
e discussões, incluindo literatura, política por meio de um discurso relacionado a
gênero e resquícios de conservadorismo.
Podemos considerar que esta pesquisa pretende uma contextualização vol-
tada para a educação percorrendo pelas ações políticas e culturais acerca de uma
mulher que tantas vezes foi vista como uma política que saiu vitoriosa nas eleições
de 1972 e, neste mesmo ano é empossada na Academia Norte-rio-grandense de
Letras. Enfim, uma eleição que envolveu também intervenções oligárquicas, uma
gestão que ainda faz parte das memórias dos Ipanguaçuenses. As representações
de Gena estiveram voltadas para uma reafirmação enquanto mulher, escritora e
características políticas fundamentadas por sentimentos patrióticos, progressão
feminina e ainda pelo viés intelectual, teatral, poético e berço cultural do Estado,
como menciona Santos et al. (2011)
Ao pesquisar sobre questões de gênero incluímos também a política e a
literatura, discutimos questionamentos relacionados a diversas áreas do conheci-
mento, indo desde contextos políticos, literatura e a educação.

REFERÊNCIAS
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blogdofernandocaldas.blogspot.com/2007/10/maria-eugnia-imortal.html. Acesso em: 02 abr. 2020.

141
Entrevista concedida por Maria Joaquina de Araújo no dia 12.02.2020.
Entrevista concedida por Antônio Ricardo Neto no dia 01.05.2020.
FREIRE, Aluizia do Nascimento. A inserção das mulheres na Câmara Municipal de Natal (1988-2004). Dis-
sertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social, área de concentração:
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do Norte. Orientadora: Drª Rita de Lourdes de Lima. Natal, 2008.
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dosreis.blogspot.com/2007/11/franklin-jorge-reencontra-o-tempo.html. Acesso em: 14 mar. 2020.
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JORNAL O MOSSOROENSSE. Ano 2019 (s/ nº). Mossoró (R.G. Norte), 11 de setembro de 2019.
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ma-dantas/. Acesso em: 22 fev. 2020.

142
MUDANÇAS DE ATITUDES E COMPORTAMENTOS
PARA INCLUSÃO DE MULHERES, NEGROS E IDOSOS
DIANTE DO ESTIGMA SOCIAL EM SAÚDE MENTAL:
RELATO DE ATUAÇÃO EM PROJETO DE EXTENSÃO

Bruna Souza Ramos Larrubia da Silva38


Jaqueline Rocha Borges dos Santos39

INTRODUÇÃO

O estigma social infelizmente nos cerca desde a antiguidade. Os gregos,


que exibiam conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para
se referirem aos sinais corporais com os quais se procurava evidenciar algo de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais
eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que a pessoa era um escravo,
um criminoso ou traidor; uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser
evitada, especialmente em lugares públicos (GOFFMAN, 2008).
Em síntese, atualmente, estes estigmas são perpassados de maneiras distintas,
todavia, com o mesmo objetivo central, de invalidar os que não se encaixam em um
“padrão” idealizado. Pode-se mencionar, por exemplo, as culturas, crenças, caracte-
rísticas físicas e mentais que fogem dessa padronização, sendo alvo de preconceitos
e marginalização. Ademais, apesar de os direitos fundamentais serem garantidos
pelo Estado, conseguimos observar as populações vulneráveis que foram e ainda
são alvos desta problemática.
Destarte, fazendo um paralelo entre a perspectiva social e da saúde mental
dessas populações, pode-se perceber que, seus direitos fundamentais foram violados
e atrasados por questões políticas, patriarcais e hegemônicas. Ao estudar um pouco
a trajetória dessas populações, nota-se que, as conquistas foram alcançadas através
de muita luta e otimismo. No que diz respeito às mulheres, somente em 1827, as
meninas puderam frequentar à escola. Por conseguinte, apesar de tardio, outros
objetivos foram alcançados, como: o direito ao voto, o ingresso na Universidade,
a lei do divórcio, a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM),
a lei Maria Da Penha, a lei do feminicídio, entre outros direitos que são assegura-
dos à mulher. Porém, não são plenamente eficientes ao combate à discriminação
sofrida pelas mulheres.

38
Graduanda de Farmácia (UFRRJ). CV: http://lattes.cnpq.br/7110702111005459
39
Doutora em Farmacologia (USP). Professora Adjunta (UFRRJ). CV: http://lattes.cnpq.br/6033928296087157
143
De modo complementar, os negros, ainda apresentam as “marcas” propor-
cionadas pelo silenciamento e negligência de direitos humanos, os quais foram
privados de liberdade, saúde e educação. A escravidão foi um processo lucrativo e
atribuiu ao corpo negro a objetificação e desumanização, além da relação de que
as características físicas e psíquicas dos mesmos, levariam a uma predestinação de
certos indivíduos à criminalidade e, a transmissão de doenças. Embora este processo
esteja no pretérito, essa prática ainda exerce influência em nossa sociedade, com
o racismo e as desigualdades até hoje sofridas por este povo. Isto se afirma em:
Após a abolição o negro continuou sendo tão discriminado quanto
antes. Para fazer face às revoltas e para poderem continuar explorando
os negros, os brancos, por meio de suas elites intelectuais, forjaram
uma explicação para resguardar sua supremacia racial, inventou-se a
hierarquia biológica das raças e esta substituiu a hierarquia de sangue
da nobreza. (CORDEIRO, 2006, p. 82)

Assim como as mulheres e os negros, os idosos também são expostos à


estigmatização. Em uma sociedade “descartável” como a que vivemos, o culto pela
juventude e a valorização da estética, torna o processo de envelhecimento cada vez
mais minimizado e segregado. A população idosa carrega o fardo da “invisibilidade”
sendo alvo de abondo por suas condições biológicas não condizerem mais com os
padrões esperados, visto que, é fisiologicamente possível que eventualidades como,
complicações físicas e psíquicas apareçam nesta etapa da vida. Por outro lado, há a
categorização de “nulidade” imposta pela sociedade, e até mesmo por familiares, o
qual a opinião do idoso (a) não é mais levada em consideração, pautada na ideia de
fragilidade e declínio, tendo sua autonomia reprimida e, portanto, seu afastamento
das questões coletivas.
No que tange à saúde mental, as questões de estigma não se distanciam,
tampouco se diferem dos exemplos mencionados anteriormente, muito pelo
contrário, quando populações vulneráveis são acometidas por algum transtorno
psíquico, o preconceito e a marginalização destes indivíduos se intensificam. O
período que antecede a reforma psiquiátrica, exemplifica diretamente como estas
populações foram atingidas pelo sistema cruel e desumano dos manicômios,
acometidas ou não por transtornos mentais, porém, com o “fardo” de estarem
inclusos fora do padrão desejado, sendo assim, aprisionadas dentro desse sistema
“hospitalar”. Em contrapartida, após as mudanças assistenciais juntamente com a
reforma psiquiátrica, surge o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), entendida
como estrutura chave de uma rede de atendimento com diferentes intervenções
e estratégias de acolhimento.
Diante do exposto, é notório que apesar dos progressos obtidos, ainda cons-
tatamos uma sociedade retrógrada repleta de desigualdades e displicências. Por
144
fim, o projeto intitulado: “Mudanças de atitudes e comportamentos para inclusão
de mulheres, negros e idosos diante do estigma social em saúde mental”, objetiva
propagar conhecimentos sobre as proposições discutidas, com destaque às popu-
lações vulneráveis, de modo que, sejamos capazes de modificar comportamentos e
atitudes que perpetuam a reprodução dos estigmas em saúde mental e interferem
na inclusão de mulheres, negros (as) e idosos (as) no cenário social.

DESENVOLVIMENTO

O projeto iniciou o terceiro ano em setembro de 2021, diante da renovação


do último edital de Direitos Humanos pela Pró-Reitoria de Extensão (Proext) da
UFRRJ. Isto posto, durante o primeiro mês, foram realizadas reuniões internas
a fim de organizar a construção dos materiais educativos para nossas redes, além
do planejamento para a execução do “I Simpósio de Direitos Humanos e Saúde
Mental e IV Simpósio Sobre Uso Racional de Medicamentos”. Ademais, foram
intensificadas nas plataformas sociais, a divulgação sobre as inscrições, oficinas,
sorteios e, palestrantes do Simpósio.
Adiante, no mês de outubro, iniciaram-se as palestras referentes ao “I Sim-
pósio de Direitos Humanos e Saúde Mental e IV Simpósio Sobre Uso Racional de
Medicamentos”, tendo como temas: “Humanização da Saúde: Relação Profissional
da Saúde-População”; “Direitos Humanos e População Carcerária”; “A Importância
da Laicidade no Tratamento em Saúde Mental”; “Cuidado Farmacêutico para
Pacientes em Uso Abusivo de Psicofármacos”; “Vacina versus Desinformação:
Necessidade de Prevenção e Educação”; “Abordagem terapêutica para Cannabis:
Passado, Presente e Futuro”; “ A importância da Interdisciplinaridade na Pesquisa
sobre HIV”; “Resistência Microbiana: Neisseria Gonorrhoeae e o Impacto na Saúde
Pública”; “A Importância da Extensão na Universidade”; “Direitos Humanos e
Garantias Essenciais: Relatos e Experiências”; “Direitos Humanos e População
em Situação de Rua: Panorama Geral”. As palestras e mesas-redondas foram
transmitidas ao vivo, gravadas e disponibilizadas em canal do projeto no YouTube.
No transcorrer do evento, nossas publicações alcançaram aproximadamente 6.230
pessoas, de acordo com as ferramentas de coleta e análise de dados das nossas
redes. Além disso, as palestras realizadas pelo canal do Youtube, como mencionado
anteriormente, totalizaram 3.445 visualizações. Somado a isso, foram elaborados
materiais educativos sobre o “Dia Mundial de Saúde Mental”, visto que, é de
suma importância propor esta conscientização, alertando sobre os estigmas acerca
do tema e o déficit de assistência que é fruto do subfinanciamento na promoção
da saúde mental, além de ser um dos assuntos foco do projeto. Por conseguinte,
também foram divulgados conteúdos sobre a campanha do “Outubro Rosa” que
discute a influência do autoexame no diagnóstico e, principalmente, a prevenção
145
e tratamento do câncer de mama, dado que, é a neoplasia mais comum entre as
mulheres do Brasil e do mundo, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer
(INCA). Atrelado a esta problemática, há as alterações na saúde mental do paciente
oncológico, representados por sintomas depressivos, ansiosos, entre outros.
No mês de novembro, os materiais educativos estiveram voltados para a
representação e curiosidades da campanha do “Novembro Azul”. Além da relevân-
cia de abordar a campanha, devido à conscientização no que concerne ao câncer
de próstata, referenciando também o “Dia Mundial de Combate ao Câncer de
Próstata”, se fez necessário, a preparação de conteúdos alertando a menor busca aos
serviços de saúde pela população masculina. Culturalmente, o perfil estereotipado
do modelo masculino apresenta os homens como ativos, fortes, capazes do trabalho
físico árduo, produtivos, competitivos e orientados ao mundo externo. Admitir
a necessidade de atendimento médico e procurar por ele vai de encontro ao seu
papel social e à sua consciência do “ser homem” (LEMOS, 2017). Subsequente-
mente, também publicamos em nossas mídias, conteúdos que possibilitassem a
reflexão acerca da consciência negra, os estigmas e o racismo ainda existentes em
nossa sociedade, através de indicação de filmes que explanassem de forma objetiva
esta temática. O intuito desse material, foi propor ao receptor um momento de
aprendizado, mas também de entretenimento. Ademais, no ‘Dia da Consciência
Negra” foi elaborado um material que reforçou a necessidade do respeito e do
fim do racismo, o qual alcançou 3.919 pessoas. Ainda no mês de dezembro, foi
discutido o “Impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental de crianças,
adolescentes e jovens”.
No mês de dezembro, outros materiais com questões sociais fundamentais
foram desenvolvidos e divulgados. A campanha do “Dezembro Vermelho” que
nos traz à Luta de combate à síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA em
português ou AIDS em inglês), promove mais visibilidade sobre a precaução e
terapêutica desta patologia e, a estigmatização sofrida pelos indivíduos acometidos.
A AIDS é ocasionada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Observa-
-se que além dos desafios vivenciados pelos pacientes acometidos pelo vírus, os
mesmos, ainda carregam o fardo da discriminação e isolamento social. A doença
ficou conhecida temporariamente pelo termo “Doença dos 5H” - Homossexuais,
Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos (usuários de heroína injetável), Hookers
(profissionais do sexo em inglês), perpetuando o preconceito e a agressividade com
esses grupos. Ainda convém lembrar que, por muito tempo, a AIDS foi deno-
minada de “peste gay”, o qual imbuiu diretamente para violência e extermínio da
população LGBTQIAP+. Ademais, também foi discutido como o racismo afeta
a saúde da população negra. Werneck (2016) aponta que a população negra está
mais propensa a adquirir doenças como, depressão, ansiedade, hipertensão, entre
146
outros agravos. Nesse contexto, o racismo e o sexismo estão incluídos como fato-
res estruturais produtores da hierarquização social associada às vulnerabilidades
em saúde. Outrossim, também disponibilizamos em nossas redes, conteúdos a
respeito da estigmatização e desterritorialização sofrida por pessoas em situação
de rua, exemplificando de acordo com uma tabela de dados, os Estados e as prin-
cipais violências físicas ocorridas por regiões e, também, discutimos os riscos da
medicalização excessiva e automedicação, na saúde mental. Concomitantemente,
elaboramos um material sobre o “Dia Internacional dos Direitos Humanos”,
memorando a relevância da luta pela dignidade humana e defesa dos direitos
humanos. Por fim, as atividades no mês de dezembro, foram encerradas com o
conteúdo de agradecimento e felicitação pela premiação do Conselho Regional
de Farmácia de São Paulo, por melhor trabalho na área de educação farmacêutica,
intitulado “Educação em Saúde Mental para Adolescentes, a partir da Construção
Interprofissional”.
Em janeiro de 2022, todos os materiais desenvolvidos e divulgados estiveram
voltados para o “Janeiro Branco” e a “Visibilidade Trans”, assuntos que permeiam
a discriminação e marginalização pela sociedade. A campanha do janeiro branco
possui um papel importante às reflexões para acesso e promoção do cuidado em
saúde mental. Por outro lado, propor a discussão da visibilidade trans, nos per-
mite relatar a história do movimento contra a transfobia e a luta dessa população
por direitos, visto que, os estigmas promovem dificuldades no acesso à saúde, em
ambientes educacionais e na inserção no mercado de trabalho. Lamentavelmente,
a violência física, psicológica e moral também faz parte da vivência desta comu-
nidade. Ademais, durante o mês em questão, vicenciamos a criação de uma nova
rede social ao projeto, o Tiktok, o qual totalizou um alcance de 4.525 pessoas.
Consecutivamente, inaugurou-se fevereiro com a questão de como os estigmas
estão presentes no consumo crônico de álcool, já que, nem sempre esta condição é
vista como uma patologia. O alcoolismo se faz presente em diversos grupos etários,
e é caracterizado pela dependência de consumo de bebidas alcoólicas; essa depen-
dência pode levar aos danos irreversíveis no organismo, bem como transtornos
mentais (depressão, ansiedade), comportamentais, perdas sociais e econômicas. Por
ser uma droga de abuso acessível e, também estimulada culturalmente em nossa
sociedade, como forma de “socializar”, o alcoolismo, segundo a Organização Pan-
-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), foi 100%
responsável por cerca de 85 mil mortes anuais durante o período de 2013 a 2015
nas Américas, o qual, as principais causas da morte foram por doença hepática
(63,9%) e distúrbios neuropsiquiátricos (27,4%). Assim, pesquisas nessa área são
necessárias para uma melhor formulação do acolhimento e acompanhamentos destes
usuários (FRANKLIN et al., 2021). O preconceito acerca da doença, relaciona-se
147
ao medo das pessoas ao conviver ou estarem perto de indivíduos acometidos pelo
alcoolismo, gerando um isolamento social. Em seguida, as próximas postagens
contaram com a elaboração de conteúdos sobre a relação da saúde mental com
a atividade física e, também, a construção de uma nota de repúdio sobre o caso
de Moiise Kabagambe, que foi espancado e morto na cidade do Rio de Janeiro,
em que constatou-se que, a morte teria sido motivada por racismo. Diante dessa
atrocidade, e em prol do que o projeto defende e retrata, divulgamos este material.
Em abordagens seguintes, foi sugerido pela estudante bolsista a preparação
de um TBT40 histórico, resumido, porém detalhado, sobre a Nise Magalhães da
Silveira, visto que, a mesma nasceu no mês de fevereiro, como forma de home-
nagear e relembrar a sua importância à saúde mental. Nise teve papel direto na
revolução da história da psiquiatria no Brasil e no mundo, em que ficou conhe-
cida por humanizar o tratamento psiquiátrico e ser contrária às formas agressivas
usadas em sua época, como o eletrochoque. Em meados de 1940, ela foi pioneira
na terapia ocupacional, método que utiliza atividades recreativas no tratamento
de distúrbios psíquicos (BRASIL DE FATO, 2018).
O mês de março foi estabelecido por conteúdos voltados à visibilidade da
mulher, enfatizando a trajetória da luta feminina e o memorável “Dia Internacional
da Mulher”. A consagração do direito de manifestação pública das mulheres veio
com apoio internacional (BLAY, 2001). Em 1975, foi oficializado pela Organização
das Nações Unidas (ONU), o 8 de março como o “Dia Internacional da Mulher”.
Em reuniões internas do grupo que compôs o projeto, ficou definida uma
sequência de debates, em que o primeiro tema proposto foi “Drogas de Abuso – a
legalização de drogas ilícitas é uma estratégia pra diminuir o uso das mesmas”.
No que concerne aos materiais educativos em nossas mídias, foram realizadas
publicações sobre a Discriminação Racial e o Transtorno Bipolar, em virtude de
ambas as asserções terem seus “dias mundiais” celebrados no mês em questão.
Concomitantemente, retornando ao contexto de saúde pública, elaborou-se um
vídeo educativo sobre o “Dia do Orgulho SUS”, discutindo a representatividade
e o papel que ele ocupa em nosso país. A partir da criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), os serviços de saúde deixaram de ser restritos para serem universais,
ou seja, acessível para todos. Por conseguinte, o SUS realiza um trabalho de mul-
tiplicidade de serviços de saúde, ou seja, mesmo que uma pessoa não seja usuária
“direta” do SUS, outros processos mediados por ele são utilizados por todos nós,
por exemplo, ações da Vigilância Sanitária, Assistência Farmacêutica, Sangue e
hemoderivados, Campanhas de Vacinação, entre outros.
Em abril, iniciamos o mês dando continuidade as reuniões internas em
formato de debate, seguindo o mesmo tema central, porém, com uma nova pro-
40
Esse termo utilizado em redes sociais vem das palavras em inglês: “throwback Thursday”, que significa “de volta à
quinta-feira”. O termo é usado para recordar de algo que passou e aconteceu.
148
posição a ser debatida, tendo como tópico “Drogas de Abuso – adoção de uma
política de redução de danos diminui o uso e abuso de drogas”. As reuniões tive-
ram um papel ímpar no projeto, pois, durante esse período, amplificamos nosso
conhecimento projetado aos Direitos Humanos, à Saúde Mental e às questões
de saúde pública em geral, além de aprimorar nossa capacidade de expressão. De
modo complementar, foi divulgado no canal de comunicação no Instagram um
pouco da trajetória do projeto durante esses 3 anos de atuação. No transcorrer do
mês, definiu-se abordagem para “Doença de Parkinson”. De acordo com a OMS,
cerca de quatro milhões de pessoas em todo o mundo sofrem com a Doença de
Parkinson. Dito isto, por ser uma doença que afeta a qualidade de vida, a pessoa
acometida está sujeita às situações de constrangimentos e estigmas.
Após, foram elaborados materiais educativos relativos aos desafios da popu-
lação LGBTQIAP+ em acessar serviços de saúde e, também, sobre o “Movimento
Ballrom” e seu impacto na desconstrução do estigma social diante da diversidade
de gênero, sexualidade e etnia. Também foi exposta a relação do trabalho com a
saúde, sendo discutido no “Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho”, o
qual é comemorado no dia 28 de abril. Outrossim, mais um material dinâmico e
curioso foi divulgado em nossos canais de comunicação, prosseguindo com a ideia
de unir aprendizado com lazer. Para tanto, foi proposta uma associação entre o
filme infantil “Divertidamente” e a saúde mental. Apesar de a obra cinematográfica
ser voltada para o público infanto-juvenil, ela retrata de forma clara as transições
emocionais e como isto afeta as relações intra e interpessoais.
No mês de maio, houve o prosseguimento da construção de materiais educativos
em saúde mental. Dentre eles, a história da sigla LGBTQIAP+, as relações abusivas
no âmbito familiar e suas interferências na saúde mental, além da pauta “Depressão
não é mimimi”. A depressão é um transtorno global, há uma estimativa, segundo a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que mais de 300 milhões de pes-
soas, de todas as faixas etárias, sofram com esse transtorno. As questões sociais e/ou
de saúde taxadas como “mimimi”41, geram um enorme impacto na qualidade de vida
dos indivíduos acometidos, podendo até levar ao suicídio.
Em continuidade, no mês de junho foram elaborados conteúdos relativos ao
“Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)” e “Transtorno Explosivo Intermitente
(TEI)”, em que foram considerados os aspectos genéticos, sociais e neurológicos.
Em seguida, os materiais desenvolvidos em nossas mídias sociais, tiveram o mês do
orgulho como norte, trazendo a “Autoaceitação × Saúde Mental” e o “Dia Inter-
nacional do Orgulho LGBTQIAP+”, como temas principais, para a reflexão de
como o estigma social gera impactos diante da autoaceitação, e os danos que esta

41
É uma expressão usada na comunicação informal para descrever ou imitar uma pessoa que reclama. A expressão exibe
uma conotação pejorativa, pois é empregada para satirizar uma pessoa que reclama com frequência.
149
problemática ocasiona à saúde mental desta população. Para além disso, houve a
divulgação da pesquisa sobre “Saúde Mental e a Violência Sofrida pela População
LGBTQIAP+”, realizada pelo projeto parceiro intitulado: “Saúde mental e popu-
lações minoritárias: combate ao estigma social na população LGBTQIAP+ e o
reflexo no acesso à saúde pública no Brasil.” Embora o mês do orgulho represente
uma maior visibilidade em relação à comunidade LGBTQIAP+, é de extrema
significância discutir esta questão de modo recorrente, dado que, a vulnerabilidade
e os índices de violência contra esta população ainda são alarmantes.
O mês de julho inaugurou com recomendações de filmes que abordavam
o estigma social em populações vulneráveis, a saúde mental e as questões sociais
que perpassam o preconceito e intensificam estas vulnerabilidades. Em sua peda-
gogia, o cinema nos ensina maneiras de interpretar e compreender a sociedade,
influenciando nossas escolhas e hábitos (SILVA, 2019). Por isso, proporcionamos
esse tipo de conteúdo em nossas redes, para que o conhecimento alcançasse um
número ampliado de pessoas, representado por momento de lazer que favorece
o bem-estar.
Paralelamente, foi desenvolvido uma grande sequência informativa sobre
os diversos transtornos existentes na saúde mental, sendo estes: o “Transtorno
do Espectro do Autismo (TEA)”; “Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera-
tividade (TDAH)”; “Transtorno de Personalidade Borderline” e o “Transtorno
Alimentar”. Essa construção provém da necessidade avaliada de expor a definição
e sintomatologia dos mesmos e, principalmente, desmistificar os estereótipos
existentes, a estigmatização e minimizar a exclusão social. Por outra perspectiva,
apontamos os desafios da “somatização”, uma vez que, muitas vezes este quadro é
descartado no diagnóstico, por suas causas nem sempre serem identificadas através
de exames laboratoriais.
Em suma, para a finalização dos materiais de julho, foram elaborados cards
contextualizando “quem foi” e “qual é a importância” de Marsha P. Johnson; além
de como as práticas integrativas e complementares se relacionam com a saúde
mental. Por fim, divulgamos material educativo sobre “esquizofrenia”, em virtude
de a estigmatização circundante deste transtorno agir como uma barreira, cau-
sando um atraso na procura de auxílio, na progressão do tratamento e fomentar
o isolamento e a exclusão social.
Para finalizar mais um ano do projeto, em agosto de 2022, continuou-se
com a divulgação de materiais educativos em saúde mental em todos os canais
de comunicação do projeto. Através do conteúdo sobre “Síndrome do Pânico e
Pandemia” recordamos as consequências que o novo coronavírus acarretou na
sociedade, em relação ao convívio social, ao medo pelo risco de adoecimento e
morte. Adiante, houve o planejamento de conteúdos acerca de duas campanhas
150
essenciais, uma celebrada no próprio mês em questão e, a outra elaborada para o
próximo mês, estas sendo, “Agosto Lilás” e “Setembro Amarelo”, respectivamente.
O “Agosto Lilás” é a campanha de conscientização pelo fim da violência
contra a mulher. Tal campanha foi criada após a sanção da Lei Maria da Penha
(Lei Federal n° 11.340/2006) assinada em 7 de agosto de 2006, que considera
crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, definido como “qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL SAÚDE AÇÃO
- BRASA). A campanha também objetivou divulgar os canais de denúncia, os
quais estão disponíveis no material divulgado em nossos canais de comunicação.
Por fim, preparou-se para o mês seguinte, a explanação sobre o “Setembro
Amarelo” no panorama da saúde mental, emocional. A campanha é marcada pela
conscientização sobre a prevenção ao suicídio. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde, cerca de 700 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano e é
quarta causa de mortalidade de jovens na população brasileira. O suicídio pode
afetar qualquer pessoa, no entanto, as populações mais vulneráveis: mulheres,
negros(as) e idosos (as) estão mais suscetíveis a esta problemática, diante dos
obstáculos e preconceitos sofridos frequentemente. Portanto, é mister o debate,
não só durante o mês da campanha, mas de forma periódica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que no decorrer deste terceiro ano de projeto, obteve-se favo-


rável interatividade do público. Destaca-se o alcance de 84.414 pessoas, a partir
dos conteúdos publicados, bem como o simpósio organizado. A permanência do
compartilhamento de informações de modo claro e objetivo, através de materiais
referenciados e aliados às demais atividades propostas pelo projeto, foram fun-
damentais para que o conhecimento diante da saúde mental e do estigma social
experenciado por populações vulneráveis atingisse a sociedade, promovendo
aprendizagem e mudanças para um corpo social mais empático, com vistas à
redução do estigma social.

REFERÊNCIAS
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607, 2001. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200016>.
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151
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www.paho.org/pt/noticias/12-4-2021-cerca-85-mil-mortes-cada-ano-sao-100-atribuidas-ao-consumo-al-
cool-nas-americas. Acesso em: 20. set. 2022.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Uma em cada 100 mortes ocorre por
suicídio, revelam estatísticas da OMS. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2021-uma-
-em-cada-100-mortes-ocorre-por-suicidio-revelam-estatisticas-da-oms. Acesso em: 22. set. 2022.
SILVA, D.S.F. O uso do cinema na escola: a construção de aprendizagens a partir de filmes. 2019. Disponível
em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/15149/1/DSFS16072019.pdf. Acesso em: 23.
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WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade [online]. v. 25, n. 3,
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152
CREATION HEALTH: UMA PROPOSTA ADVENTISTA
PARA A PROMOÇÃO DO ESTILO DE VIDA E
PROMOÇÃO DA SAÚDE

Narcisio Rios Oliveira42


Keytiani Secundo Duarte Landim43
Jussara Dias Queiroz Brito44
D’angela Analdina da Silva Kotinscki45
Leidiany Souza Silva46
Alessandro Leipnitz Domingues47
Sabrina Daniela Lopes Viana48
Marcia Maria Hernandes de Abreu de Oliveira Salgueiro49

INTRODUÇÃO

Estudos têm demonstrado influência positiva dos hábitos de estilo de vida, no


tocante à promoção da saúde, controle de doenças cardiovasculares (KAMINSKY
et al., 2022; LI et al., 2020; KRIS-ETHERTON et al., 2021), e redução da taxa
de mortalidade (OLIVEIRA et al., 2016).
Segundo Fuckner (2012, p. 160), a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD)
é conhecida por possuir como marca característica de seus membros “os cuidados
com o corpo por meio de uma dieta alimentar natural e vegetariana e a preocu-
pação com o uso do tempo na preservação do sábado como um dia de descanso
e adoração”. Tais cuidados quanto a saúde, segundo o Manual da IASD, é um
dever tido pela denominação como parte indissociável de sua crença e ensinos
(IASD, 2016).
Os adventistas do sétimo dia (ASD) têm despertado o interesse na comu-
nidade científica no que diz respeito ao estado de saúde de seus membros, o que
42
Mestre em Promoção da Saúde (UNASP). Nutricionista. Diretor na Associação Paulista de Nutrição-APAN (Gestão
2020-2023). CV: http://lattes.cnpq.br/4002478486272444
43
Mestra em Promoção da Saúde (UNASP). Enfermeira e Pedagoga. Docente de Enfermagem (CPS – ETEC Barue-
ri-SP). CV: http://lattes.cnpq.br/3088605403565201
44
Enfermeira. Mestra em Promoção da Saúde (UNASP). Docente de Enfermagem (CEULP/ULBRA).
CV: http://lattes.cnpq.br/6300870175594524
45
Mestra em Promoção da Saúde (UNASP). Enfermeira. Diretora Geral (ETSUS – RR).
CV: http://lattes.cnpq.br/6289643908054644
46
Mestra em Promoção da Saúde (UNASP). Enfermeira. Professora (UNIRG). CV: http://lattes.cnpq.br/1908517700214366
47
Mestre em Promoção da Saúde (UNASP). Médico. Médico (Hospital Estadual Ruth Quitéria – RR).
CV: http://lattes.cnpq.br/3631200643014395
48
Mestra em Saúde Pública (USP). Nutricionista. Coordenadora da Pós-graduação em Vegetarianismo e Estilo de Vida
(UNASP). CV: http://lattes.cnpq.br/2661224357363512
49
Doutora e Mestre em Saúde Pública (USP). Nutricionista. Docente do Mestrado em Promoção da Saúde (UNASP).
CV: http://lattes.cnpq.br/7744715686879616
153
leva a crer que parte disso se dá em razão do estabelecimento de hábitos de estilo
de vida saudáveis preconizados pela denominação, em especial no que diz respeito
à abstinência do fumo e álcool, à escolha de uma alimentação balanceada, prefe-
rencialmente vegetariana e à expressão de sua religiosidade e práticas religiosas
(FERREIRA et al., 2011; SILVA et al., 2012).
Para os ASD, o corpo é templo do Espírito Santo, e por esse motivo, prezam
pelo cuidado com a saúde, incentivando seus membros e a sociedade em geral para
o cuidado integral à saúde, física, mental e espiritual (IASD, 2016), procurando
estabelecer um estilo de vida saudável, alicerçado em oito princípios fundamentais,
também conhecidos como os oito remédios naturais, a saber: “ar puro, luz solar,
abstinência, repouso, exercício, regime conveniente, uso de água e confiança no
poder divino”, considerados pela escritora norte americana e uma das principais
figuras da denominação, Ellen G. White, como sendo estes os verdadeiros remé-
dios (WHITE, 2004. p. 127).
Hábitos do estilo de vida estão intimamente ligados ao estado de saúde
(ANS, 2009), de forma que hábitos saudáveis como abstinência ao álcool, tabaco,
controle dos níveis de estresse, hábitos alimentares saudáveis e prática de atividades
físicas estão relacionados a prevenção e tratamento de doenças (AUDI et al., 2016;
OLIVEIRA et al., 2017), especialmente as doenças crônicas não-transmissíveis
(DCNT), caracterizadas em sua maioria pelo longo período de latência, longa
evolução e etiologia parcialmente elucidada, a exemplo das doenças cardiovascu-
lares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas (ANS, 2009).
Nesse contexto, o AdventHealth System, elaborou um modelo de bem-es-
tar conhecido como CREATION, a fim de promover o estilo de vida saudável,
baseados em oito princípios universais da saúde (ANDERSON et al., 2020; TAO
et al., 2022).

DESENVOLVIMENTO

O CREATION é um acróstico em inglês de um modelo de intervenção


do estilo de vida, cujo significado consiste em: C = Choice (ESCOLHAS), este é
considerado o primeiro passo, pois a partir dele as pessoas demonstram controle
sobre suas próprias vidas; R = Rest (DESCANSO), onde é enfatizada a impor-
tância do descanso, do sono e tempo para relaxar, afim de promover melhoras
nos níveis de estresse e controle da pressão arterial; E = Environment (MEIO
AMBIENTE), enfatizando a influência do meio externo sobre a saúde; A = Activity
(ATIVIDADE), incentivo ao bom condicionamento físico e mental; T = Trust
(CONFIANÇA), enfatiza a relação entre a espiritualidade, cura e bem-estar; I
= Interpersonal Relationships (RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS),
154
procura incentivar o estabelecimento e fortalecimento das relações sociais; O =
Outlook (PERSPECTIVA), abordando os aspectos relacionados a influência da
mente sobre o corpo, as atitudes e a saúde; N = Nutrition (NUTRIÇÃO), procura
promover pequenas melhorias e substituições estratégicas afim de impulsionar
e promover resultados significativos a saúde (CREATION HEALTH, 2019;
ANDERSON et al., 2020; ADVENT HEALTH UNIVERSITY, 2022; TAO
et al., 2022).

Imagem retirada de: https://www.rmcsda.org/wp-content/uploads/2019/02/CREATION_


Health_Banner.png

A promoção do estilo de vida baseado nos oito princípios de saúde pro-


movidos pela IASD (DSA, 2014), pode ser claramente evidenciado através da
proposta do CREATION e cientificamente embasada (ANDERSON et al., 2020),
como podemos conferir a seguir:

C = Choice (ESCOLHAS)
Souza et al. (2014), apresenta a necessidade do fortalecimento e ampliação
das discussões e ações em torno de estratégias de empoderamento do indivíduo
voltadas à promoção da saúde, corroborando com Carvalho (2004), que sugere
a combinação entre escolhas pessoais e a responsabilidade social como ações
que visam a criação de hábitos futuros mais saudável, destacando a necessidade
da incorporação de ações voltadas a escolhas e empoderamento dos indivíduos,
produzindo assim, sujeitos autônomos e socialmente responsáveis.

R = Rest (DESCANSO)
Coelho e colaboradores (2010), realizaram um estudo a fim de verificar
a relação entre a qualidade de sono, depressão e ansiedade em universitários de
cursos da saúde, chegando à conclusão de que para esses indivíduos quanto pior
o sono, maiores são os níveis de depressão, bem como, a relação existente entre os
níveis de ansiedade e depressão, trazendo, portanto, a necessidade do cuidado e
atenção em relação ao sono. Corroborando, Lancel, Van Veen e Verbeek (2020),
155
destacam a importância do sono para a saúde psíquica no âmbito preventivo e
terapêutico, graças a influência desse fator em processos como processamento
de informações, cognição, emoções e comportamentos, além da influência em
aspectos fisiológicos como crescimento e desenvolvimento, equilíbrio energético
e sistema imunológico, contribuindo ainda para uma boa saúde cardiometabólica.

E = Environment (MEIO AMBIENTE)


Para o professor Nelson Gouveia do Departamento de Medicina Preventiva
da Universidade de São Paulo (GOUVEIA, 1999. p. 58), a “condição ambiental
precária é fator contribuinte principal para a queda do estado geral de saúde”,
apresentando ainda, a necessidade e importância da integração entre as questões
do meio ambiente nas políticas de saúde.
Essa ideia é também reforçada por Fajarsztajn, Veras e Saldiva (2016), ao
afirmarem que os setores de saúde e do meio ambiente devem fazer parte dos pro-
cessos de tomada de decisão relacionados à mobilidade, levando à conscientização
e mobilização quanto à importância ambiental em especial no que diz respeito
aos impactos ocasionados pelos meios de transporte à saúde física e mental, além
da redução de poluentes para a melhoria da saúde geral da população.

A = Activity (ATIVIDADE)
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), a prática de
atividade física regular favorece a saúde do coração, corpo e mente, contribuindo
na prevenção e controle de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer, além da
redução de sintomas da ansiedade e depressão, colaborando para a melhora do
bem-estar geral, podendo essa atividade ser realizada das mais diversas formas,
como parte do trabalho, esporte, lazer e/ou tarefas diárias e domésticas.
Corroborando, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2021), destaca a importân-
cia da prática de atividade física em diversos os momentos ao longo do dia e em
todas as fases da vida, contribuindo para a redução do comportamento sedentário
e melhoria da qualidade de vida e saúde.

T = Trust (CONFIANÇA)
Em estudo realizado por Cres et al. (2015, p. 248), constatou-se que há
associação entre religiosidade e estilo de vida, destacando ainda, a “importância
de ações educativas relacionando dimensões da religiosidade com o estilo de vida
para a promoção da saúde em uma perspectiva de integralidade”, a religiosidade/
espiritualidade exercem papel de influência sobre o estilo e qualidade de vida dos
indivíduos, podendo a partir dessa influência contribuir para potencializar estados
156
emocionais positivos e consequentemente refletir no bem-estar e saúde (OMAIS,
S.; SANTOS, M. A., 2022), sendo também apontadas como ferramentas alia-
das ao enfrentamento de doenças, gerando ressignificação e efeitos positivos ao
paciente, implicando na melhor qualidade de vida e enfrentamento das dificul-
dades, cabendo destacar que estas não substituem a prática médica (CARMO;
VIDAL; JACINTO, 2022).

I = Inter personal Relationships (RELACIONAMENTOS


INTERPESSOAIS)
Resende et al. (2006), destaca a importância das relações sociais para a saúde,
principalmente devido a sua influência direta no que diz respeito à autoconfiança,
satisfação com a vida, enfrentamento de problemas, autoestima e vontade de viver,
fatores esses associados à redução dos efeitos negativos provocados pelo estresse,
promovendo assim a proteção e fortalecimento da saúde mental. Cabendo, destacar
a importância das relações sociais significativas e seu papel mediador na sobrevi-
vência, suporte instrumental, emocional, e papel promotor de saúde, contribuindo
para o bem-estar, saúde física e mental dos indivíduos (AZEVÊDO; SILVA;
REIS, 2019; SOARES et al., 2021).

O = Outlook (PERSPECTIVA)
Hoffmann e colaboradores (2005), chamam a atenção para a necessidade e
importância do cuidado integral à saúde, sem dissociação entre a mente e o corpo,
afirmação essa é reforçada por Cruz e Pereira Junior (2011, p. 63), ao destacar o
consenso acerca da “relação entre os aspectos cognitivos, emocionais e manifes-
tações somáticas, excluindo a possibilidade de uma completa separação funcional
entre mente e corpo”, destacando ainda a ligação entre processos emocionais e
alterações fisiológicas.
Rodrigues, Oliveira e Araujo (2022) vem apontar a necessidade da aceitação
das emoções e sentimentos, buscando propiciar soluções para ministra-las e dar
valia as necessidades internas procurando minimizar aspectos negativos a saúde
mental e contribuindo para o autoconhecimento e promoção da saúde.

N = Nutrition (NUTRIÇÃO)
A maior ingestão de alimentos de origem vegetal em detrimento aos ali-
mentos refinados, embutidos e industrializados, especialmente aqueles ricos em
gorduras, açucares e sódio são exemplos de mudanças comportamentais favoráveis
à promoção da saúde e incentivadas pelo novo Guia Alimentar para a População
Brasileira (BRASIL, 2014).
157
Ao realizar análise do inquérito de saúde do Munícipio de São Paulo, Ferrari
et al. (2017), constatou que em todas as faixas etárias estudadas (adolescentes,
adultos e idosos), o domínio consumo alimentar foi o principal responsável pelo
estilo de vida não saudável, destacando ainda a importância de manutenção e
desenvolvimento de estratégias voltadas ao controlo de estilo de vida saudável
onde a promoção da alimentação saudável seja apresentada como ponto central
de tais estratégias.
Corroborando, Susan e colaboradores (2021), ao destacarem a necessidade
e importância do cuidado com a boa nutrição como fator preponderante para o
envelhecimento saudável, longevidade e promoção de um estilo de vida saudável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta do CREATION de promoção do bem-estar, apresenta-se como


abordagem inovadora no âmbito das ações de promoção da saúde e estilo de vida,
demonstrando íntima ligação com a Política Nacional de Promoção da Saúde,
cujo objetivo está na promoção da equidade e melhoria de condições e modos de
viver, com ampliação das potencialidades da saúde individual e coletiva, além da
redução de vulnerabilidades e riscos à saúde (BRASIL, 2018).
Por ser uma proposta baseada em princípios universais de estilo de vida, a
aplicabilidade do CREATION pode ocorrer nos mais diferentes meios e das mais
variadas formas, promovendo maior atenção e cuidado aos hábitos de vida nas
comunidades de fé, escolas, trabalho e de maneira especial nos serviços de saúde.
Por fim, cabe destacar a importância do incentivo e propagação da mensagem
de saúde e estilo de vida pelos ASD, de forma a despertar o interesse e atenção
quanto à importância e necessidade do estabelecimento de hábitos saudáveis de
estilo de vida, tanto para seus membros quanto a comunidade em geral, por meio
da utilização de propostas simples e eficazes, a fim de atingir diferentes públicos
de acordo com suas características.

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160
MEDIAÇÃO DA LITERATURA INDÍGENA EM
SALA DE AULA

Matheus Carvalho Lima50


Raniere Nunes da Silva51
Kayla Pachêco Nunes52
Rute da Silva Santos53

INTRODUÇÃO

No cenário literário nacional, a produção e a circulação de literaturas tidas


como não canônicas têm sido intensificadas nas últimas décadas, e entre elas está a
literatura indígena/nativa. Em linhas gerais, a literatura indígena consiste de obras
escritas por nativos de variadas etnias, com temáticas que abordam a relação dos
povos originários com a natureza, assim como aduzem questões concernentes aos
saberes antigos, à memória coletiva e à ancestralidade (THIÉL, 2012). A mediação
da literatura indígena, no âmbito escolar, tem encontrado ainda muitas barreiras,
tais como o pouco e/ou não acesso aos livros de autoria dos povos originários, e à
formação adequada de professores para trabalhá-los. Assim, os educadores podem
encontrar dificuldades para abordagem desse tipo de literatura na escola.
Ao reconhecer a relevância desta temática na Educação Básica, foi sancionada
a Lei 11.645/2008, que tornou obrigatória o ensino da história e cultura dos povos
indígenas na rede de ensino pública e privada (Ensino Fundamental e Médio).
Diante disso, de um lado, há a tentativa de reparação histórica por séculos de
marginalização da produção artística e cultural feita por indígenas; e, do outro, a
possibilidade de educar para o melhoramento das relações étnico-raciais na socie-
dade e, também, na escola. Nos últimos anos, autores como Daniel Munduruku,
Jeguaká Mirim, Tupã Mirin, Graça Graúna, Aline Pachamama têm-se destacado
no cenário literário indígena e nacional com publicações de obra literárias que,
para além da fruição estética, oportunizam acesso às culturas e saberes ancestrais
dos povos indígenas.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar três obras literárias e
seus respectivos autores, a saber: Contos dos Curumins Guaranis, de Jeguaká Mirim
e Tupã Mirin; Taynôh: o menino que tinha cem anos, de Aline Pachamama; e Flor da

50
Graduando em Letras Língua Portuguesa (UEMASUL). Pesquisador PIBIC.
CV: http://lattes.cnpq.br/5981954571662437
51
Doutorando em Linguística e Literatura (UFNT). Bibliotecário. CV: http://lattes.cnpq.br/0393496205563360
52
Doutoranda em Linguística e Literatura (UFNT). Pedagoga. CV: http://lattes.cnpq.br/2670075062259458
53
Doutorando em Lingística e Literatura (UFNT). CV: http://lattes.cnpq.br/1445429014306551
161
Mata, de Graça Graúna. Ademais, propõem-se roteiros de estudo direcionados à
mediação da literatura indígena em sala de aula, podendo ser aplicados em variadas
disciplinas e séries da Educação Básica, haja vista a interdisciplinaridade dos temas
a serem explorados e os objetivos a serem alcançados. Ressalta-se, ainda, o alinha-
mento desta proposta à Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL,
2017), a qual orienta o trabalho pedagógico de modo a contemplar a produção
cultural e artística dos povos originários, numa perspectiva interdisciplinar. Este
trabalho se justifica por ele poder contribuir na desconstrução da hegemonia dos
currículos escolares, de forma a garantir uma formação mais ampla e culturalmente
sensível à diversidade étnica, racial e cultural brasileira.
Convém ressaltar que, ao se considerar a chegada de outros sujeitos (de
vivências e culturas distintas outras) à escola, deve-se fomentar, também, outras
pedagogias. As pedagogias outras têm de ir, pois, ao encontro das subjetividades
desses aprendizes outros, de modo que se sintam mais compreendidos e valorizados
no contexto escolar (ARROYO, 2014).
Nesta proposta, cumpre dizer, ainda, que focalizamos dois paradigmas do
ensino da literatura, baseados em Cosson (2020), a saber: o paradigma da formação
do leitor e o paradigma social-identitário. O primeiro, o paradigma da formação
do leitor, no sentido de mediar a literatura no processo educacional, com vistas
a motivar, principalmente, o prazer de ler literatura. O segundo, o paradigma
social-identitário, visto que os leitores, a partir do contato com obras e autores de
variadas etnias e vivências, consigam formular suas próprias concepções tanto sociais
como identitárias a partir dos textos literários que podem ser mediados na escola.
Pelo viés do paradigma social-identitário, trabalham-se, por exemplo, as ques-
tões voltadas a identidade(s), sejam individuais e coletivas, e a representatividade; e
quanto ao paradigma da formação do leitor, no sentido de oportunizar o encontro
com variados textos literários e fortalecer a consciência estética. Dessa forma, ao
adotar-se tais concepções do ensino da literatura, o aluno tornar-se-á capaz de
ler e construir sentidos, praticar a leitura de fruição, além de poder compreender
seu espaço na sociedade e refletir sobre escritas plurais.
Pretende-se, pelo exposto, apresentar aos professores, mais especialmente
aos que já atuam no Ensino Fundamental, estratégias de mediação da literatura
indígena em sala de aula, seguidas de sequências didáticas com base nas abras
literárias aqui apresentadas.

METODOLOGIA

A metodologia empregada neste estudo é qualitativa, uma vez que se discute


a literatura indígena no contexto educacional a partir de uma precisa revisão biblio-
162
gráfica acerca da temática em questão. Para tanto, este trabalho está fundamentado
em autores como Arroyo (2014), Thiél (2012), Graúna (2013), Cosson (2020),
e na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), sendo este o
documento oficial de referência para a elaboração de currículos para a Educação
Básica brasileira, tanto da rede pública como privada.
Em seguida, são apresentadas as obras literárias voltadas para o público
infantil e juvenil, a começar pelo livro Contos dos Curumins Guaranis, de Jeguaká
Mirim e Tupã Mirin; seguido da obra Flor da Mata, de Graça Graúna; e encer-
ra-se com a abordagem do conto Taynôh: o menino que tinha cem anos, da escritora
Aline Pachamama. Cada obra conta com um roteiro de estudo, incluindo a breve
apresentação do autor(a) e de seu livro, acompanhada de uma sequência didática,
podendo, ainda, ser acionadas as competências dispostas na BNCC.

COMPETÊNCIAS GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA SEGUNDO A


BNCC

As competências elencadas pela BNCC contemplam as três etapas da Edu-


cação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Assim,
totalizam dez competências, de modo a apresentar caminhos para um processo
educacional comum e que respeite às diversidades existentes em nossa sociedade.
A competência um versa sobre o conhecimento existente e como ele é
utilizado dentro dos movimentos da nossa sociedade. Dessa forma, o professor
de linguagens pode traçar metodologias para que o aluno, por meio da escrita,
oralidade, conhecimentos implícitos adquiridos, estudo dos signos, imagem, filme,
música, consiga ler/enxergar o mundo a partir desses registros informacionais,
com criticidade.
A competência dois estimula, por meio da ciência, a interdisciplinaridade e o
uso de abordagens variadas, o estudo de objetos educacionais distintos. Assim, visa
“exercitar a curiosidade intelectual” (BRASIL, 2017, p. 9), como um dos caminhos
para “formular e resolver problemas e criar soluções” (BRASIL, 2017, p. 10), a partir de
múltiplos conhecimentos. Para se fazer uma análise sociolinguística de determinando
grupo social, por exemplo, necessário se faz levar em consideração questões culturais,
sociológicas, antropológicas. Logo, o conhecimento torna-se interdisciplinar.
Valorizar as produções artísticas, mais especialmente expressa na compe-
tência três, aduz caminhos para se trabalhar a interdisciplinaridade, envolvendo
disciplinas como a Língua Portuguesa, Inglesa e Literaturas. Com isso, visa levar à
compreensão de aspectos culturais de diferentes regiões e épocas no fazer artístico,
além de poder propiciar, a partir disso, dialogismos quanto a aproximações e/ou
nuances entre as diversas formas de manifestação artística.
163
O perfil do aluno nos dias atuais coaduna, também, com as convergências
sociais e tecnológicas existentes. Dito isso, a linguagem passa por variadas trans-
formações, seja nos espaços formais ou informais de conhecimento. Partindo
disso, a competência quatro considera o uso da linguagem verbal e não verbal,
inclusive as formas de comunicação que podem auxiliam discentes e docentes a
construírem experiências artísticas e científicas, visando ao desenvolvimento de
habilidades para lidar com realidades distintas.
A quinta competência relaciona-se com a maneira como as informações
veiculadas nos meios digitais podem contribuir no sentido de formar a pesquisa
em sala de aula. Na área de Linguagens, por exemplo, pode-se refletir acerca das
fontes de informação úteis, confiáveis, com criação de programas de letramen-
tos digitais e informacionais, que podem ser executados em sala de aula. Essa
é, portanto, uma alternativa que visa fomentar práticas de letramento digital e
informacional na escola.
A sociedade também é permeada pela diversidade de saberes, culturas, gêneros,
entre outras. Assim, o professor pode usar, como meio para promover discussões a
respeito das representações sociais e identitárias, as literaturas. Isso porque, a partir
do texto literário, podem ser visualizadas questões relativas a diferentes formas
com que as pessoas se percebem no mundo, assim como se enxergam nele, com
base na competência seis.
As competências sétima, oitava, nona e décima tratam dos direitos humanos;
do estímulo à saúde física e metal; e da compressão e importância da empatia e
diálogo, bem como sua capacidade de ser flexível, ético e democrático. Pelo exposto,
são competências que precisam desenvolvida de modo a garantir a formação do
aluno, levando em consideração, entre outras coisas, a relevância das questões
socioemocionais nos processos de ensino-aprendizagem, a cultura digital e os
letramentos emergentes desse contexto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Jeguaká Mirim e Tupã Mirin são de etnia guarani e vivem na aldeia Krukutu,
localizada na região de Parelheiros – Zona Sul da cidade de São Paulo. Os irmãos
escritores, desde cedo, tiveram contato com as histórias antigas e os saberes ances-
trais, na aldeia. Além do mais, foram influenciados pelo pai (o escritor indígena
Olívio Jakupé), e a mãe Maria (contadora de histórias na aldeia). É, pois, nesse
contexto que os infantes foram iniciados na literatura nativa. Cumpre mencionar,
também, que Jeguaká Mirim, além de escritor, tem se destacado no cenário musical
brasileiro, mais especialmente, no gênero rap.

164
A obra Contos dos Curumins Guaranis, de autoria dos indígenas Jeguaká
Mirim e Tupã Mirin, trata-se uma série de contos54 produzida por eles ainda na
infância, quando tinham 9 e 10 anos, respectivamente. O livro tem como públi-
co-alvo crianças, quer pela idade dos escritores, que vai ao encontro dessa faixa
etária, quer pela linguagem simples e com ilustrações coloridas que acompanham
os nove contos. Os autores, desde o nascimento imersos na cultura guarani e em
contato direto com as histórias antigas, (re)contam esses mitos subsidiados no
imaginário infantil e versam sobre o dia a dia na aldeia, a espiritualidade guarani
e a relação dos povos indígenas com natureza, entre outros temas que podem ser
explorados pelo mediador da leitura.
Nesse sentido, a leitura dos contos proporciona aos indígenas e não indígenas
narrativas que, embora ficcionais, em virtude do gênero ao qual estão configura-
das, também integram o arcabouço de histórias e saberes antigos que transitam
entre os guaranis e é repassado de geração em geração, especialmente por meio
da tradição oral. Em O menino sonhador, por exemplo, narra-se a história de um
menino que sonhava voar pelo céu, uma vez que os pássaros despertavam nele o
desejo de alçar voo tal qual as aves. Na narrativa, embora o menino cultive o sonho
de voar, este é cerceado em decorrência diálogo estabelecido entre os pássaros e
o menino. Na conversa, aconselham as aves que o indigenazinho deve voltar para
casa, haja vista que cada ser desempenha funções distintas na natureza, e a dos
pássaros é a de voar pelo céu.
Acerca do conto em foco, pode-se mencionar a junção entre conto e fábula,
em relação à estrutura do texto. Isso dá pelo fato de que, além da interação humano
e aves, vê-se que os pássaros assumem comportamentos humanos, quando orientam
o menino, verá, tal qual ocorre no gênero textual fábula, no sentido de que há um
conselho/lição a ser apreendido.
No texto Guarani: Nossa Língua Materna, os autores abordam a educação na
ideia, mais especificamente a questão linguística, ao afirmarem que o português
não é primeira língua do povo guarani. Para eles, a língua guarani é a primeira a
ser adquirida, ainda na infância, e somente depois aprendem a língua portuguesa.
Na escola, por sua vez, as duas são ensinadas. É importante ressaltar, neste texto,
um pequeno índice de palavras em guarani seguidas da tradução em português, a
exemplo de uru avá (galo), tekoa (aldeia), jaguá (cachorro) etc.
De modo geral, a obra Contos dos Curumins Guaranis, como bem prefaciou
Heloisa Prieto, por ocasião da publicação do livro, pode ser considerada um portal
para a cultura guarani, haja vista a licença que os autores indigenazinhos dão a

54
A obra Contos dos Curumins Guaranis reúne nove contos escritos pelos indigenazinhos guaranis. No entanto, neste
trabalho, deu-se preferência a três, a saber: A transformação do Menino, O Menino Sonhador e Guarani: Nossa Lín-
gua Materna.
165
seus interlocutores de adentrarem a aldeia, em suas práticas diversas e saberes
ancestrais eternizados na memória dos guaranis. Sugere-se, pois, que os contos
de Jeguaká Mirim e Tupã Mirin sejam trabalhados com educandos entre 6 e 14
anos de idade55.

Sequência didática

Nome da instituição de ensino


Data: ___/___/______ Turma:
Professor(a):
Discente:
Disciplina:
Fonte: Elaborado pelos autores

1. Em O Menino Sonhador, Verá cultivava um grande desejo de voar como


os pássaros. Se você tivesse a oportunidade de reescrever o final desse
conto, qual desfecho daria à narrativa?

2. Com base na leitura do conto A transformação do Menino, o que a Opy


significa para os indígenas guaranis?

3. Nos contos de Jeguaká Mirim e Tupã Mirin, os indígenas mantêm uma


relação muito particular com a natureza, à ancestralidade e a língua
materna (guarani), sendo estas características comuns à literatura indí-
gena. Diante disso, selecione apenas um dos textos da obra Contos dos
Curumins Guaranis e aponte de que maneira o conto contempla uma
ou mais dessas características apresentadas.

4. No Brasil, existem indígenas de variadas etnias e culturas. Em vista


disso, faça um levantamento dessas comunidades no seu estado e, com
base nos locais em que há a presença dos povos originários vivendo
em comunidade, aponte: a qual/quais etnia(s) pertencem e onde estão
localizados ao longo do território maranhense.

5. Embora falemos o português como língua oficial e materna no Brasil,


também coexistem variadas línguas que são faladas pelos povos indígenas
e são, para eles, sua língua materna. No conto Guarani, Nossa Língua
Materna, vemos que: primeiro se aprende a língua guarani e, depois, a
língua portuguesa. Nesse sentido, faça uma pesquisa sobre o conceito de
55
escola
Embora se faça bilíngue,
a sugestão dando
do público-alvo das prioridade a essa aqui
obras literárias indígenas prática em comunidades
apresentadas, o mediador da leituraindí-
é livre
para selecionar em qual série trabalhar esses textos, com outros critérios e objetivos, inclusive.
166
genas. Em seguida, produza um texto em resposta à seguinte indagação:
qual a importância de se fortalecer a educação bilíngue em comunidades
indígenas, uma vez que, no dia a dia da aldeia, fala-se tanto em língua
materna como em português.

Graça Graúna é indígena potiguara, também é professora, escritora e pes-


quisadora. Sua formação é em Letras, pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), na mesma instituição deu continuidade na pós-graduação, sendo que,
no mestrado, pesquisou sobre mitos indígenas na literatura infantil e no dou-
torado, sobre literatura indígena contemporânea no Brasil. Além do mais, fez
pós-doutorado em Literatura, Educação e Direitos Indígenas pela Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP). Nas palavras da autora, “ao escrever, dou conta
da ancestralidade, do caminho de volta, do meu lugar no mundo”. Essa máxima,
de certa forma, sintetiza bem os anseios da indígena potiguara como escritora.
Configurado ao gênero haicai, que se caracteriza pela estrutura fixa de três
versos e com ilustrações, Flor da Mata versa sobre o cotidiano da aldeia, com ênfase
na relação dos povos originários com a natureza, contemplada e conhecida em
suas muitas facetas. Também é a mata que, pelos seus sinais, indicam as estações
do tempo e se deixa conhecer e ser habitada; é Mãe Natureza, que anima os povos
indígenas diante dos pesares da vida, ao fazer referência, inclusive, à resistência e
luta dos povos indígenas.
A obra também aborda questões de memórias, identidades e culturas, na
medida que o eu lírico feminino – podendo este estar associado à autora e suas
vivências pessoais como indígena – alude experiências da vida na floresta (espaço
de habitação do nativo, da coletividade e do pertencimento), em oposição à reali-
dade dos grandes centros urbanos (onde se erguem construções, as quais, embora
extensas, são habitadas por uma parcela ínfima da população e, por essa razão,
(re)produzem abandono, são estes também espaços de submissão dos homens ao
sistema capitalista e da corrida frenética pela ascensão social, resultante, pois, das
individualidades e distanciamento dos povos). A obra também tangencia identi-
dades e culturas, haja vista as diferentes populações étnicas que constituem o povo
brasileiro. Assim sendo, pode-se falar em Brasil, Brazil e brasis.
Cumpre observar, também, as ilustrações, as quais, junto aos versos, auxiliam
na produção de sentido, a exemplo da imagem de uma mulher indígena a escrever:
“Dias de sol/ distendo as velhas asas/ num haicai latino” (GRAÚNA, 2014, p. 13).
Essa representação possibilita ao leitor depreender que se trata, de fato, da própria
autora, Graça Graúna, a qual é escritora e encontra na literatura os caminhos de
volta ao seu lugar no mundo, tendo como ponto de partida e de chegada a aldeia,
seu locus de pertencimento.
167
Sequência didática

Nome da Instituição de ensino


Data: ___/___/______ Turma:
Professor(a):
Discente:
Disciplina:
Fonte: elaborado pelos autores

1. Nos primeiros versos da obra Flor da Mata, o eu lírico expressa: “De


alma lavada, percorro os caminhos, a minha aldeia resiste”. Junto ao
texto acrescenta-se a ilustração (típicas do gênero haicai) de indígenas
organizados em fila a caminhar em direção à frente. Em vista disso, quais
efeitos de sentido se pode inferir com base nos textos verbal e não verbal?

2. Para os povos indígenas, a natureza, os saberes ancestrais e a coletividade


são características basilares na organização da vida na aldeia. Nessa pers-
pectiva, de que maneira o eu lírico expressa essas questões no decorrer
da obra? Cite alguns exemplos.

3. Nos versos “Frêmito de asas / e a poesia se alastrando / na minha aldeia


é assim”, e “Bem-te-vi não vê / o arranha-céu espelhado: / estilhaços
voam”. Diante do exposto, é possível depreender a contradição expressa
pelo eu lírico entre os cenários: aldeia versus cidade. Em que consiste
essa diferenciação? Comente.

4. Assim como Graça Graúna, outras(os) autoras(es) indígenas também


se têm destacado na produção de literatura nativa no Brasil. Em grupos
de quatro integrantes, faça uma pesquisa sobre outras(os) escritores
indígenas brasileiros, bem como selecione, para cada grupo, uma obra
literária a partir das buscas, seja na internet ou na biblioteca da escola
(se houver). Posteriormente, apresente um seminário de modo a abordar
a biografia e o livro da autora(or) escolhida(o) para a atividade.

A indígena Aline Rochedo Pachamama pertence ao povo Puri. É historia-


dora, escritora e ilustradora, com mestrado em História Social (UFF) e doutorado
em História Cultural (UFRRJ). Além do mais, idealizou o empreendimento
Pachamama Editora (editora constituída somente por mulheres nativas), inclu-
sive o livro Taynôh: o menino que tinha cem anos foi publicado pela mesma editora.
168
Cabe salientar que suas contribuições, ao lado dos demais escritores indígenas já
apresentados, são relevantes para a expansão e divulgação da literatura indígena.
O livro Taynôh: o menino que tinha cem anos se configura ao gênero literário
conto, visto que se trata de uma narrativa curta, cujo número de personagens é
bastante reduzido, bem como com tempo e espaço muito restritos. A referida obra
destina-se ao público infantil e juvenil, em virtude das ilustrações coloridas que
permeiam toda a história, as quais, junto à linguagem simples e de fácil compreen-
são, chamam a atenção por representar os ambientes em que a narrativa se passa,
assim como os personagens, a floresta e os animais, de maneira que a recepção do
livro é mais favorável por reunir diferentes semioses.
Na narrativa, conta-se a trajetória de Taynôh, um menino indígena que
mantém uma relação muito estreita com a floresta. O protagonista do conto, não
obstante tenha um século de vida, é representado como uma criança ávida para
aprender, como se pode observar no excerto: “[...] falava com anciões, sabia as
histórias antigas. As ervas de cura, as cantigas (PACHAMAMA, 2019, p. 9). No
entanto, à medida que crescia, teve de lidar com o confronto entre a aldeia e a
cidade, sendo este o ponto alto da obra, visto que a autora representa os conflitos
de Taynôh diante da propaganda de civilização, até o momento em que o menino
indígena [...] “decidiu, quando ouviu o som de um carro ‘propagandeiro’. Civili-
zar-se é a certeza do sucesso.” (PACHAMAMA, 2019, p. 11).
Por se tratar de uma obra literária que aborda o conflito entre culturas,
ele pode auxiliar na promoção da valorização da diversidade cultural e étnica no
contexto escolar e, consequentemente, para além do chão da escola, de maneira
que as crianças, ao se defrontarem com a narrativa em foco, poderão ter um olhar
mais sensível às diferenças étnicas e culturais que constituem o povo brasileiro.
Sugere-se, pois, que a referida obra seja trabalhada com educandos a partir dos
6 anos de idade; sua leitura pode ser apreciada, também, nos anos posteriores, ou
mesmo trabalhada na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Sequência didática
Nome da instituição de ensino
Data: ___/___/______ Turma:
Professor(a):
Discente:
Disciplina:
Fonte: elaborado pelos autores

169
1. Além de contemplar a da natureza e muito aprender com ela, Taynôh
também se coloca em posição de escuta, representando uma premissa
básica da educação indígena: a aprendizagem indígena se dá primeira-
mente pelo ouvir, para somente depois realizar as atividades. No tempo
da escuta, quais/como esses conhecimentos são transmitidos ao menino?

2. O confronto entre aldeia versus cidade também é abordado na obra, ao


demonstrar o processo de aculturamento dos povos indígenas em virtude
da propaganda do progresso, da necessidade de se modernizar, de ser
civilizado. Com efeito, a cultura dominante, ao pressionar as minorias,
como se deu por séculos e continua pressionar os povos indígenas,
refrata seus saberes e culturas tradicionais e, muitas vezes, ocasiona o
abandono da floresta, não apenas da floresta enquanto espaço físico,
mas a que há no coração do indígena, que é parte constitutiva do seu
próprio ser. Com base na leitura da obra literária em foco, como se deu
essa questão na narrativa?

3. Passando a morar na cidade, Taynôh deixou de ser criança. Deixar de ser


criança significa deixar de aprender. Ao desejar ser moderno, rendeu-
-se aos hábitos da cidade, tornou-se, pois, adulto e independente; seu
caminhar nas ruas sem árvores o fez solitário, de modo que se fechou
em si mesmo, nos poucos metros quadrados de sua casa com poucas
janelas, acompanhado de aparelhos eletrônicos. Diante disso, embora
estivesse envolto de aparelhos eletrônicos, o menino sentia-se solitário.
Considerando a trajetória de Taynôh e o contexto atual da sociedade,
produza um texto em torno da temática “os efeitos da tecnologia em
face das relações interpessoais”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, as obras literárias aqui apresentadas são de grande


relevância para a formação leitora, visto que podem contribuir no sentido de opor-
tunizar ao educando o contato com narrativas de autores e temática indígenas e
dar a ele o acesso a saberes outros, não vinculados aos padrões eurocêntricos de
conhecimento. Do mesmo modo, corrobora com o desenvolvimento da empatia e
colaboração, uma vez que, à medida que o leitor de um texto indígena estabelece
diálogo com realidades e culturas diferentes da sua, exercita a alteridade, podendo
desenvolver um olhar mais sensível às diferentes identidades e subjetividades (re)
xistentes. Além do mais, é certo dizer que o trabalho pedagógico com a literatura
indígena em sala de aula também pode auxiliar no sentido de dar visibilidade às
170
obras e autores em foco, bem como fomentar a educação para o melhoramento
das relações étnico-raciais.
A primeira obra literária, Contos dos Curumins Guaranis aborda histórias
antigas e a relação dos indígenas com a floresta, na perspectiva infantil e também
direcionada ao mesmo grupo etário, pode ser trabalhada nos anos iniciais e pos-
teriores do Ensino Fundamental da Educação Básica. A segunda obra, Taynôh: o
menino que tinha cem anos, entre outras questões, aduz de maneira crítica os conflitos
entre a cultura dominante e a indígena, tangenciando questões relativas ao acultu-
ramento dos povos originários, sob a propaganda da civilização e da modernidade,
podendo ser abordada tanto nos anos inicias quanto nos anos finais do ensino
fundamental. Por fim, a obra Flor da Mata, envereda-se pela representação da
resistência dos povos originários, bem como das nuances entre a aldeia e a cidade
grande, quer na perspectiva dos cenários, quer nas vivências e culturas distintas.
Ao contrário das demais, orienta-se que esta seja trabalhada preferencialmente
nos anos finais do Ensino Fundamental.
Diante disso, as obras literárias nativas são indicadas para o trabalho peda-
gógico a que se propõem, inclusivamente, em consonância com a BNCC (2017),
visto que contemplam culturas e saberes produzidos pelos povos originários. Além
do mais, é importante ressaltar que a mediação da literatura indígena (ou não)
deve transpor os limites da decodificação, quando se pode ampliar as discussões
e integrar questões de relevância nacional, como a resistência e luta dos povos
indígenas por demarcação de terras, por exemplo. Dessa forma, eleva-se a impor-
tância do trabalho pedagógico com textos que tratam da diversidade cultural e
étnica brasileira, a fim de que a escola cumpra seu papel social, formar cidadãos
sensíveis às diferenças étnicas e culturais existentes, uma vez que a diversidade de
raças e etnias é ingrediente constituinte do povo brasileiro.

REFERÊNCIAS
ARROYO, M.G. Outros sujeitos, outras pedagogias. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília:
Secretaria da Educação Fundamental, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ―História
e Cultura Afro-Brasileira e Indígena‖. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 2008.
COSSON, R. Paradigmas do ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 2020.
GRAÚNA, G. Flor da Mata. Belo Horizonte: Penninha Edições, 2014.
MIRIM, J.; MIRIN, T. Contos dos Curumins Guaranis. São Paulo: FTD, 2014.
171
THIÉL, J. Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indígena em destaque. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
PACHAMAMA, A. R. Taynôh: o menino que tinha cem anos. Rio de Janeiro: Pachamama, 2019.

172
REFLEXÕES E PERSPECTIVAS DE ADOLESCENTES
SOBRE O USO DAS REDES SOCIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE: UM QUESTIONAMENTO
REFLEXIVO PARA A SAÚDE MENTAL

Aldeni Melo de Oliveira56


Márcia de Nazaré França de Almeida57
Ivone Jacarandá Braga Mendes58
Ademar da Silva Mendes Júnior59
Suellen Cordeiro da Silva60
Rosivaldo dos Santos Carvalho61
Helton Ribeiro Gomes62
Giovanne Tavares Ferreira63

INTRODUÇÃO

Este estudo buscou investigar as percepções de estudantes de uma escola


pública, concluintes da II etapa do Ensino Fundamental II, e suas possíveis rela-
ções com as redes sociais e se seu uso possui implicações para a saúde mental, por
compreender que por elas estamos cercados. Convivemos em uma época dinâmica,
onde não é mais admissível conviver sem um dispositivo conectado à internet ou
deixar de ter um computador em casa. Alguns ainda não possuem, de fato, mas a
tendência é que todos, em algum momento, incluam tais aparelhos em suas vidas.
O crescimento informacional vem crescendo a cada dia, não há como negar. Vive-
-se em uma contemporaneidade cercada por inúmeras e maneiras dinâmicas de
informações, que a cada dia cresce e se propaga em uma velocidade cada vez maior.
E se são inúmeras as informações, os dispositivos que “espalham as informações”
também são múltiplos. Claramente, estamos na era da informação.
Por exemplo, com o passar dos anos, o uso dos smartphones associados à internet
se tornou essencial na vida dos cidadãos, principalmente após o surgimento das
principais redes sociais virtuais (Orkut, Facebook, Twitter, Instagram). Uma pesquisa

56
Doutor em Ensino (UNIVATES). CV: http://lattes.cnpq.br/0850235689773120
57
Especialista em Docência do Ensino Superior (UNINTER). CV: http://lattes.cnpq.br/8789638189091234
58
Mestranda em Ensino (UNIVATES). CV: http://lattes.cnpq.br/5588742033873111
59
Especialista em Administração Educacional. Professor (SEMED). CV: http://lattes.cnpq.br/1174947284582130
60
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e Educação Inclusiva (FAVENI).
CV: http://lattes.cnpq.br/8758994526468573
61
Especialista em Coordenação Pedagógica (IESAP). Professor. CV: http://lattes.cnpq.br/8201994470053686
62
Especialização em Gestão, Supervisão e Orientação Educacional (FATECH). Professor.
CV: http://lattes.cnpq.br/0641379492183029
63
Acadêmico Licenciatura em Letras (UEAP). CV: http://lattes.cnpq.br/0208805025903622
173
feita pela Agência Emarketer, divulgada pela revista Forbes em 2017, revelou que
o Brasil é o país da América Latina com mais usuários que usam os smartphones
para se conectar as redes sociais, sendo um total de 97,8 milhões.
Baseado nesses dados, esta pesquisa norteou a seguinte questão: como os
jovens concluintes da II etapa do Ensino Fundamental se relacionam com as redes
sociais e se tal uso tem implicações para a sua saúde mental? Por compreender que
de acordo com Who (2016) o Brasil, segundo o relatório global da Organização
Mundial de Saúde, as estatísticas confirmam que a depressão atinge 5,8% de sua
população. De acordo com o mesmo relatório, nas complicações mais graves, a
depressão pode levar ao suicídio e cerca de 800 mil pessoas morrem a cada ano
sendo a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade de 15 a 29
anos, abrangendo grande parte dos adolescentes (WHO, 2016).
Para Miranda et al. (2014), a adolescência é o período de transição para a
idade adulta, repleta de alterações morfológicas e psicossociais. Cronologicamente,
esta fase corresponde ao período dos 11 aos 19 anos de idade.
A referida pesquisa envolve um contexto significativo por entender que
diante deste cenário, alguns fatores de riscos sobre as redes sociais são apresenta-
dos pela literatura, que podem potencializar ou são protetores para os sintomas
relacionados a saúdem mental e a dependência ao acesso à internet com uso de
meios eletrônicos, que afetam a integridade social dos adolescentes (BOTINO
et al., 2015).
O crescente uso das redes sociais (facebook, whatzap, Instagram entre outras)
cresceu e vem crescendo nos últimos anos. O padrão hegemônico de beleza bem
como a superficialidade das relações sociais tem modificado o modo de se rela-
cionar e corroborado para emplacar estimas e padrões socialmente estabelecidos.
Nos resta saber: como os jovens concluintes da II etapa do Ensino Funda-
mental se relacionam com as redes sociais e se tal uso tem implicações para a sua
saúde mental? Para responder este questionamento, objetivou-se compreender como
os (as) estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental da Escola Estadual de
Ensino Fundamental Irmã Santina Rioli se relacionam com as redes sociais, suas
percepções, implicações e modos de agir.

REFERENCIAL TEÓRICO
Contemporaneidade e a exposição pessoal nas redes sociais

As regras sociais atribuídas pela sociedade referentes aos comportamentos


tendem a limitar expressões de personalidade fora do espaço virtual. Já nestes,
tais regras sociais, por vezes, deixam de ser seguidas, questão essa que “estimula a
auto expressão livre, que, por sua vez, pode favorecer ao desenvolvimento de uma
174
nova identidade ou facilitar a expressão de comportamentos, além de favorecer ao
autoconhecimento e vínculos com outras pessoas” (DORNELLES, 2003, p. 56).
Entretanto, o uso das redes sociais além disso tende a beneficiar alguns
comportamentos compulsivos, como as postagens excessivas de atualizações de
fotos, além de comportamentos mais cautelosos, onde o indivíduo priva as suas
redes sociais, e escolhe quem vê e o que deseja que seja visto. Ambos os compor-
tamentos, por conseguinte acendem uma aprovação através das curtidas e dos
comentários, alimentando o ego e incitando a autoestima do autor da postagem
(TOMAÉL; MARTELETO, 2006).

Redes sociais – o Instagram, percepções e subjetividades e afetos

De acordo com Piza (2012), o aparecimento do Instagram aconteceu em 6 de


outubro de 2010. Os responsáveis por seu desenvolvimento foram os engenheiros de
programação Kelvin Systrom e Mike Keneger. A rede social harmoniza ter amigos
ou seguir e ser seguido por pessoas com finalidade de acompanhar as atualizações dos
demais. Até mesmo seus desenvolvedores ficaram impressionados com a repercussão
do aplicativo em pouco tempo. Eles acreditam que o aplicativo trouxe a oportunidade
para o mundo de mostrar transparência e conexões mais próximas.
Aragão et al. (2016) corrobora com Piza (2012) ao afirmarem que no apli-
cativo podem ser criados perfis pessoais e organizacionais, tendo em vista que,
no Instagram, o grau de interação é significantemente mais amplo que nas redes
sociais Facebook e Twitter, o que beneficia suas propriedades empresariais.
O perfil do usuário nas redes sociais virtuais permite a exibição de várias infor-
mações da vida do indivíduo, como por exemplo o local de trabalho, de estudo, onde
mora, cabendo ao usuário deixar exposto ou não. Além disso, consente a postagem
de fotos, vídeos, envios de mensagens, curtidas e compartilhamentos, dentre outros
recursos oferecidos. Este leque de opções tende a desencadear um comportamento de
publicar acontecimentos pertinentes a sua vida (SANTOS, 2013).

METODOLOGIA

Para os procedimentos metodológicos, este tópico aborda os materiais e


métodos que contribuíram durante as intervenções desta investigação. Desta
forma, os procedimentos foram: o público-alvo, o tipo de pesquisa, a delimitação
da área de pesquisa e os instrumentos de coleta de dados; correspondendo, assim,
com os objetivos e o objeto elucidado dentro da pesquisa.

175
Público-Alvo

A pesquisa foi desenvolvida na escola estadual Irmã Santina Rioli, localizada


na cidade de Macapá-AP. Tal escola compõe a rede estadual de Ensino público ao
qual atende estudantes do segundo segmento do Ensino Fundamental. As inter-
venções foram realizadas por duas estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental
II, as quais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE
e o Termo de Consentimento para imagens e/ou gravações.
O objeto de coleta de dados para a investigação foi estudantes do 9º Ano
da Instituição. Tal escolha se deu pelo fato de os mesmos serem de maior faixa
etária de idade, logo em sua totalidade possuem maior engajamento nas redes
sociais. Tal escolha não exclui o fato de que em próximas etapas haja extensão do
público alvo para outros anos, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE permitindo percepções em relação ao uso das redes sociais
ao responderem o questionário, os quais participaram de maneira voluntária e
com autorização das suas respectivas respostas para esta pesquisa ter avanços no
ano de 2022.

Tipo de pesquisa

Esta pesquisa seguiu metodologias do tipo quali-quantitativa, permitindo


caráter exploratório descritivo, pois familiarizou os sujeitos da pesquisa e percep-
ções em relação ao uso das redes sociais como forma de percepções, implicações
e modos de agir a partir da sua utilização.
Uma pesquisa quali-quantitativa, por considerar a necessidade de superação
da falsa polarização entre quantidade e qualidade na pesquisa social (GAMBOA,
1995). Buscou-se uma abordagem metodológica “que possibilite mais elementos
para descortinar as múltiplas facetas do fenômeno investigado, atendendo os
anseios da pesquisa. Caracteriza-se como um movimento científico, que se opõe a
histórica dicotomia quantitativa-qualitativa” (SOUZA & KERBAUY, 2017, p. 40).
Nesta perspectiva teórica, tem-se a precisão da limitação de um campo
social despido dos conceitos sociais da elite econômica e política. Isso se coaduna
com uma prática social e política, buscando assim, intervenções com as quais se
relacionam os elementos anteriores mencionados.

Delimitação da área de pesquisa

Como primeira etapa da investigação, realizaram-se estudos de formação


científica com as estudantes, tais como o estudo de conceitos chaves como objetivos,
metodologias e problemática. Como fase subsequente, foi realizada uma revisão
176
da literatura com a finalidade de verificar a produção e o registro a respeito do
tema e do objeto de estudo da pesquisa.
Deste modo, a delimitação da área da pesquisa considerou as interrelações
com o objeto analisado, e mesmo a relação das partes entre si, pois compreende-se
que a investigação permitiu melhores resultados para as discussões.
Desta forma, a pesquisa permitiu investigar o objeto de estudo. As observa-
ções e os registros das percepções dos estudantes que responderam o questionário
permitiram contribuições reflexivas e científicas que se mostraram condizentes
com os objetivos e a justificativa desta pesquisa.

Instrumento de Coleta de Dados

A escola estadual Irmã Santina Rioli na cidade de Macapá/AP possui 8


turmas de 9º Ano, 4 pelo turno da manhã e 4 pelo turno da tarde. Afirmando
isso, o questionário foi aplicado com uma amostragem de 2 turmas pela manhã e
2 pelo turno da tarde, as escolhas foram de formas aleatórias, nos meses de agosto
e setembro de 2022. Harmonizando informações, percepções e importantes dis-
cussões para o bom emprego utilitário das respostas, encaminhado à solução de
problemas específicos desta investigação. Registra-se ainda que nesta pesquisa,
aplica-se também o diário de bordo pelas alunas pesquisadoras, as quais acrescen-
taram datas, horários, assinaturas, reflexões, desenhos e mapas conceituais durante
toda pesquisa, a fim de considerar as verificações sobre as primeiras ideias sobre o
tema, auxiliando nas interpretações e habituando a construção das competências
com capacidade de averiguar ideias que forem surgindo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Neste tópico são expostos os resultados e discussões determinados por


meios das intervenções realizadas durante a pesquisa, por meio da aplicação e
recolhimento de questionários com uma amostragem de estudantes do 9º ano de
uma escola da rede pública na cidade de Macapá/AP.

Aplicação de questionário com uma amostragem de estudantes

Participaram 121 indivíduos com idade entre 13 e 16 anos, registrando-se


50 respondentes do sexo masculino, 46 do sexo feminino e 1 respondente que
afirmou ser N.B64. No mês de agosto de 2022, observou-se que a instituição de
ensino onde realizou-se a pesquisa possui 8 turmas de 9º Ano, 4 pelo turno da
64
N.B - O termo não-binário refere-se às pessoas que não se percebem como pertencentes a um gênero exclusivamente.
Sua identidade e expressão de gênero não são limitadas ao masculino e feminino.
177
manhã e 4 pelo turno da tarde. O questionário foi aplicado com uma amostragem
de 2 turmas pela manhã e 2 pelo turno da tarde, de maneira aleatória.
Após a aplicação do questionário, dos 121 respondentes, 97contribuíram
com autorização e aos 24 participantes que, por questões pessoais, não autorizaram
o uso das suas respostas dentro desta pesquisa, permitindo, assim, a aquisição de
registros e esclarecimentos vivenciados pelos sujeitos da pesquisa. Desta forma,
os resultados aqui expostos foram baseados nas respostas dos 97 respondentes
que deram autorização para uso de suas respostas. Assim, para o primeiro ques-
tionamento: Marque a(s) rede(s) social(is) que você usa ou já usou. Obteve-se
diversos dados, registrados no gráfico da figura 1:

Figura 1 – Dados referente a(s) rede(s) social(is) que usa ou já usou

Fonte: Os autores, 2022.

Desta forma, a figura 1 registra WhatsApp (94 afirmativas) e o Instagram


(91afirmativas) como as redes sociais mais acessadas pelos respondentes. O ques-
tionário, para os resultados desta pesquisa, foi o apoio para as discussões, visto
que de acordo com o aporte teórico de Hair et al. (2014), o mesmo afirma que
o questionário precisa ser observado a dinâmica sistêmica de uma intervenção
para sua eficácia nas análises. Os autores corroboram ainda assegurando que os
pesquisadores, ao organizarem o questionário, já precisam presumir deliberações
sobre como os dados serão coletados e analisados.
Quando perguntados: O que você mais usa ou acessa em suas redes sociais?
Para a pergunta: Os estudantes, na maioria das respostas, disseram que fazem o
uso destas ferramentas digitais para postar fotos, acompanhar figuras públicas e
celebridades favoritas, conversar e adicionar pessoas de diferentes lugares e culturas
178
no mundo, e ver vídeos sobre assuntos que os interessam. Alguns especificaram
fazer o uso de aplicativos de mensagens instantâneas como o whatsapp e telegram
com parentes e amigos apenas, pois acham que ambos os aplicativos são mais par-
ticulares e privados. Outros disseram usar o twitter para compartilhar sentimentos
e revoltas com seus seguidores.
Para o terceiro questionamento: Marque quantas vezes, em média você
acessa as redes sociais por dia. Obteve-se diversos resposta, para este questio-
namento, o respondente poderia marcar apenas uma opção, as respostas foram
registradas no gráfico da figura 2:

Figura 2 – Quantas vezes, em média acessa as redes sociais por dia

Fonte: Os autores, 2022.

De acordo com a figura 2, 55% dos respondentes afirmaram acessar 11


ou mais vezes por dia. Para a pergunta: Você já ajudou alguém ou precisou de
ajuda dentro das redes sociais? Caso sim, poderia relatar? A maior parte dos
respondentes respondeu apenas não. A minoria relatou que respondeu sim, rela-
tou casos como: ajudou um amigo a enfrentar a depressão através de posts com
mensagens positivas e fortalecedoras; alertou e impediu uma amiga que estava
prestes a trocar fotos íntimas com um usuário de internet que se passava por uma
pessoa com menos idade; ensinou seu tio a criar um perfil no instagram e postar
fotos lá; compartilhou um post informativo sobre um projeto de pesquisa. Apenas
um estudante não respondeu à pergunta.
Ao serem questionados: Para você, quais são os benefícios que as redes
sociais no trazem? Obteve-se diversas respostas como: entretenimento, informa-
ção, comunicação à longa e curta distância, e novas amizades. Houve também um
179
relato de que algumas pessoas dependem das redes sociais para divulgarem seus
negócios, e com isso, um retorno financeiro que auxilia nas despesas e, em alguns
casos, pessoas que ficam milionárias com o engajamento que possuem na web.
Apenas um estudante disse não haver benefício algum a partir do uso de redes
sociais. Não houve respostas em branco.
Ao questionados: Para você, quais são os malefícios que as redes sociais
nos trazem? Houve uma diversidade de respostas como: problemas de vista,
por comumente os usuários fazerem o uso de seus aparelhos eletrônicos muito
perto de seus olhos; diminuição da interação física entre pessoas ao redor, por
estarem focadas apenas nas publicações online de quem elas acompanham nas
redes; adoecimento de pessoas (depressão, ansiedade e outros) ocasionados por
conteúdos tóxicos postados; propagação das famigeradas fake news; presença de
criminosos que fingem ser outras pessoas ou estabelecimentos para aplicar golpes
ou até mesmo sequestrar alguém; deixar as pessoas totalmente dependentes do
uso exagerado dessas ferramentas digitais. Apenas um estudante relatou não saber
malefícios causados pelas redes sociais.
Para a última pergunta: Você poderia deixar uma frase reflexiva sore as
redes sociais? Obteve-se respostas como: “usem para deixar o seu conhecimento
mais amplo”, “ajudarmos o próximo para que possamos ser ajudados”, “a internet
deveria ser usada como fonte de estudo”, “use com moderação”, “não se rebaixar
para coisas ou comentários negativos”, “a internet, apesar de nos ajudar com as
pessoas e coisas do mundo, é um lugar tóxico que traz vários problemas para a
saúde”, “as redes sociais trazem informações necessárias e desnecessárias”, “tenha
cuidado com o que faz na internet, ela pode se tornar uma faca de dois cumes”,
“são ótimas quando não usadas em excesso”, “não use as redes sociais”, “mais vale
um pássaro na mão, do que dois voando”, “é um lugar de valores invertidos”, “não
se compare com qualquer pessoa que você ver nas redes sociais”, dentre outras.
Alguns dos estudantes disseram não poder deixar uma frase reflexiva sobre as
redes sociais.
Desta forma, fazer referência sobre o questionário como um instrumento
investigativo para Gil (2012) permite compreender dados dos sujeitos a eles subme-
tidos e pode ser composto por diferentes perguntas sobre conteúdos e desempenhos
que o pesquisador necessita de previamente delinear. Dessa forma, as perguntas
que compuseram o questionário foram claras e objetivas. Assim, documentando
a preocupação com a saúde mental dos sujeitos da pesquisa.
Preocupa-se com a depressão que pode ser caracterizada por transtorno de
humor grave com prejuízo da função mental e com distorção da forma como a
pessoa vivencia e entende a realidade. Ocorre em todas as faixas etárias, acome-
tendo principalmente adolescentes e idosos (MIRANDA, 2013).
180
CONSIDERAÇÕES

O estudo procurou mostrar análises de uma amostragem de estudantes que


de acordo com nossos aportes teóricos, são a faixa etária que mais acessa as redes
sociais, permitindo assim, esta de pesquisa realizar reflexões e aspectos relaciona-
dos ao advento de novas tecnologias. Sem dúvidas proporcionou transformações
positivas nos cotidianos da convivência social. Foram avanços aos quais devemos
e precisamos nos apropriar para então melhor intervir socialmente.
Porém, especialistas tem alertado para o uso abusivo das redes sociais. Doen-
ças da mente emergem com certas frequências, bem como relatos do ambiente
escolar colocam estudantes e educadores em alerta. Logo a necessidade de melhor
analisar este fenômeno ao qual estamos imersos.
Ademais, a investigação foi uma estratégia empregada nesta prática por
compreender a importância de olhares e reflexões interdisciplinares na Educação
Básica como recurso para explorar as necessidades e preocupações sobre o excesso
de acesso as redes sociais, pois, foi uma metodologia adequada como colaboradora
nos meios de pesquisa que envolve a Educação e a sua função com o bem-estar de
seus envolvidos. Por fim, espera-se que esta pesquisa possa contribuir de maneira
reflexiva nos bancos das escolas, corroborando assim, com a temática discutida.

REFERÊNCIAS
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181
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(Graduação) – Departamento de Sociologia, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília/
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WHO, World Health Organization. Preventing suicide: A resource for media professionals. Geneva: World
Health Organization, 2016. (Em Inglês).

182
A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NO PROCESSO DE
APRENDIZAGEM INFANTIL

Nara Ferreira dos Santos65

A Psicomotricidade define-se como a ciência que estuda o homem por meio


do seu movimento, integrando funções motoras e psíquicas na relação entre o mundo
externo e interno. Esse capítulo irá apresentar a importância da Psicomotricidade,
no desenvolvimento de crianças na educação infantil, bem como nas atividades
que estimulam o desenvolvimento integral do aluno. A psicomotricidade é citada
na literatura como uma ferramenta fundamental na prevenção de dificuldades
junto ao processo de aprendizagem, pois auxilia no desenvolvimento motor e no
desenvolvimento cognitivo e afetivo das crianças.
A Psicomotricidade é sustentada por três conhecimentos básicos: o movi-
mento, o intelecto e o afeto, ciência que tem como objeto de estudo o homem
através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo,
relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições
cognitivas, afetivas e orgânicas. “É uma concepção de movimento organizado e
integrado, em função das experiências vividas pelo indivíduo, cuja ação é resultante
de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização”. (Associação Brasileira
de Psicomotricidade).
O desenvolvimento psicomotor é o processo de mudança no comportamento,
relacionado com a idade, tanto na postura quanto no movimento da criança. É
um processo de alterações complexas e interligadas das quais participam todos os
aspectos de crescimento e maturação dos aparelhos e sistemas do organismo. O
desenvolvimento motor não depende apenas da maturação do sistema nervoso,
mas também da biologia, do comportamento e do ambiente.
A criança tem seu padrão característico de desenvolvimento motor, sendo
que as características inerentes sofrem a influência constante de uma cadeia de
transações que se passam entre ela e o ambiente que a circunda. Sendo assim, exis-
tem características particulares que permitem uma avaliação grosseira do nível e da
qualidade do desempenho infantil. É necessário realizar um acompanhamento do
desenvolvimento motor da criança, principalmente na primeira infância, de forma
que seja possível realizar o diagnóstico de defasagem motor em estágios iniciais.
Podendo facilitar o tratamento, para um bom desenvolvimento psicomotor na vida
futura da criança nos aspectos sociais, intelectuais e culturais (FONSECA 2004).

65
Maestría en Ciencias de la Educación (Universidad Autónoma de Asunción – PY). Coordenadora Pedagógica (SME
- Careiro Castanho/AM). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4099-9600
183
De acordo com Fonseca (2004, p. 12):
A psicomotricidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo
e da motricidade humana. Seu objeto é o sujeito humano total e suas
relações com o corpo, sejam elas integradoras, emocionais, simbólicas
ou cognitivas, propondo-se desenvolver faculdades expressivas do
sujeito, nas quais, por esse contexto, assume uma dimensão educacional
e terapêutica original, com objetivos e meios próprios que se destacam
de outras abordagens.

A Psicomotricidade em por objetivo maior fazer do indivíduo um ser de


comunicação, um ser de criação e um ser de pensamento operativo, ou seja, a Psi-
comotricidade leva em conta o aspecto comunicativo do ser humano, do corpo e
da gestualidade.
Estudos recentes abordam que um bom desenvolvimento motor repercute
na vida futura das crianças nos aspectos sociais, intelectuais e culturais. O termo
desenvolvimento motor diz respeito à interação existente entre o pensamento
consciente e inconsciente e os movimentos efetuados pelos músculos, com o
auxílio do sistema nervoso.
O desenvolvimento motor está relacionado às áreas cognitiva e afetiva
do comportamento humano, sendo influenciado por muitos fatores.
Dentre eles destacam os aspectos ambientais, biológicos, familiar,
entre outros. Esse desenvolvimento é a contínua alteração da motri-
cidade, ao longo do ciclo da vida, proporcionada pela interação entre
as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do
ambiente. (GALLAHUE, 2005, p. 03).

De Fontaine (Apud OLIVEIRA, 2000, p. 35) declara que só poderemos


entender a Psicomotricidade através de uma triangulação corpo, espaço e tempo.
A Psicomotricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer e de poder
fazer, e que o homem não é exclusivamente um ser motor ou vir a ser, o homem
não é exclusivamente um ser psíquico ou um querer fazer. O homem é psicomotor,
é a articulação do ter, do ser, do querer, do poder ser e fazer.
A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação
de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados
pré-escolares; leva a criança a tomar consciência do seu corpo, da
lateralidade, a situar-se no espaço, há dominar o tempo, a adquirir
habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação
psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida
com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir
quando já estruturadas. (LE BOULCH, 1984, p. 235)
184
A psicomotricidade possibilita a criança a livre expressão de sentimentos,
pensamentos, conceitos, ideologias, além do trabalho corporal realizado pela Psi-
comotricidade que auxilia nos processos de aprendizagem. Ela procura superar
os obstáculos e prevenir possíveis inadaptações dos alunos.
Toda a ação torna-se possível porque houve uma ação coordenada
que ligou os movimentos em função de um objetivo, ou seja, o gesto
mecânico produz uma ação com objetivo, e só é possível porque houve
a coordenação, que nada mais é que o saber corporal. A essa ligação
entre o saber e a ação denomina-se psicomotricidade (FREIRE,
1989, p. 122).

O estímulo motor é tão importante que quando ocorrem falhas nesse estí-
mulo podem acarretar falhas no aprendizado, essas falhas podem ser dificuldades
de leitura e compreensão, que pode acarretar problemas graves no processo de
alfabetização da criança.
O desenvolvimento motor é um processo de mudança no comportamento
motor, o qual está relacionado com a idade, tanto na postura quanto no movimento
da criança. Como também observamos que o desenvolvimento motor apresenta
características fundamentais sendo elas, as possibilidades de nosso corpo agir e
expressar-se de forma adequada, a partir da interação de componentes externos,
que é o próprio movimento, e através de elementos internos, que são todos os
processos neurológicos e orgânicos que executamos para agir.
De acordo com a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP, 1980):
Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o homem
através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno
e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é
a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada
por três conhecimentos básicos, o movimento, o intelecto e o afeto.
Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concep-
ção de movimento organizado e integrado, em função de experiências
vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua
linguagem e sua socialização.

O temo empregado para a concepção de Psicomotricidade é utilizado como


um movimento que resulta na linguagem, individualidade e socialização, sendo um
movimento baseado em experiências vividas pelas pessoas, sendo um movimento
organizado e integrado a educação.
A escola apresenta um papel fundamental nesse processo do desenvolvimento
psicomotor da criança. Os professores e especialistas devem utilizar atividades
para que as crianças desenvolvam seus movimentos, sendo por meio de jogos,
185
atividades lúdicas, brincadeiras, etc. Dentre os profissionais envolvidos nesse
processo o psicopedagogo, atua em prol do desenvolvimento global da criança
juntamente aos demais especialistas das áreas de Educação Física, Psicologia,
Pedagogia, Psiquiatras, Fonoudiologos e os professores entre outros, cuja funçãoé
a de promover a construção de novas práticas para uma melhor aprendizagem,
visando o processo formativo global da criança.
A psicomotricidade trabalhada nas escolas influencia no aprendizado da
criança, sendo fundamental para a aprendizagem e responsável por todos os
movimentos realizados pelo aluno, inclusive movimentos essenciais para a escrita,
como por exemplo, a coordenação motora fina, e a discriminação visual e auditiva
(COLEVATI; PINHO; SORROCHE, 2009).).
Nesse cenário um psicomotricista na escola tem a função de avaliar, prevenir
e pesquisar como a criança se movimenta perante o outro, o meio que explora e,
a partir daí estimulá-la para obter um bom processo de desenvolvimento motor,
afetivo e cognitivo.
De acordo com Oliveira (apud COSTA, 2011, p. 27):
A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de
base na pré-escola. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares;
leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a
situação no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilidades de
coordenação de seus gestos e movimentos.

No contexto escolar, as atividades psicomotoras poderão dar suporte no


processo de aprendizagem, já que atualmente, o avanço nos estudos sobre as
dificuldades de aprendizagem em escolares vem revelando a relação destas com o
desenvolvimento de elementos psicomotores. Todo processo educativo requer o
envolvimento da ineratividade humana, isso representa para a criança um grande
trabalho com a afetividade. Tanto o professor quanto a criança da educção infantile
precisam ser envolvidos em situações de companheirismo, respeito, partilha, ami-
zade, atividades que ofertam à criança escolar o direito de expresser e manifestar
suas sensações, vontades e desejos pelo que é ensinado.
A psicomotricidade deve ser política de ensino, haja vista a correlação entre
ensino-aprendizagem à qual esta está intrinsecamente configurada. Fontana (2012)
comenta ainda o papel da escola como ambiente necessário para o trabalho com
as habilidades psicomotoras dos alunos.
Sendo assim, o papel da escola no desenvolvimento da criança, a interação
pedagógica pretendem que cada criança atinja mais cedo e em melhores condições
aquilo que naturalmente seria de esperar no seu desenvolvimento, do que deixá-la
livre aos seus próprios investimentos e envolvimento. A escola, dessa forma pro-
186
porcionará meio, através de atividades diferenciadas, que exigirá novas experiências,
tarefas a nível cognitivo, onde a criança deverá transferir algo interiorizado através
de gestos mecânicos, até produzir a escrita (FONTANA, 2012, p. 25).
O professor, como profissional responsável pela promoção e elevação dos níveis
de aprendizagem dos alunos, também deve ser alvo do processo de psicomotricidade,
pois é este que orientará os alunos pelos melhores caminhos da aprendizagem.
Destaque para o trabalho multidisciplinar em sala, como um facilitador
através da psicomotricidade, que irá prestar atendimento diferenciado a criança
que necessita se comunicar em seu tempo. Para Fonseca (1988), a psicomotricidade
constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e da motricidade humana.
Então, será de suma responsabilidade a interação dos profissionais envolvidos
com o atendimento, dando aos educandos estimulação dentro de suas capacidades
junto com a psicomotricidade, proporcionando uma melhoria na aprendizagem e
melhor desenvolvimento cognitivo e corporal.
A Educação Psicomotora, incluída em um projeto mais amplo de educação
considera o conhecimento em relação à vida que proporciona tanto a descoberta do
mundo exterior, das coisas, do mundo objetivo, quanto a descoberta do mundo
interior, do autoconhecimento, da auto organização.
Em sala de aula toda atitude da criança, relacionada ao corpo, deve ser estimu-
lada, respeitando-se a individualidade de cada um como ser único, diferenciado e
especial, permitindo a autonomia de forma tal que respeite as diferenças individuais
e possibilite a esta criança alcançar a autonomia. E é pela ação que a criança vai
descobrindo suas preferências e adquirindo a consciência dos esquemas corporais,
e para que isso ocorra de fato é importante que ela vivencie experiências diversas
no processo do seu desenvolvimento.
Cabe aos professores preocuparem-se com o desenvolvimento da psicomotri-
cidade, pois se a criança possuir um bom controle motor, poderá explorar o mundo
exterior, fazer experiências concretas, adquirir várias noções básicas para o próprio
desenvolvimento da mente, o que permitirá também tomar conhecimento de si
mesmo e do mundo que a rodeia. Emocionalmente, a criança conseguirá todas as
possibilidades para movimentar-se e descobrir o mundo, tornar-se feliz, adaptada,
livre, socialmente independente. É bom destacar que a criança percebe-se e percebe
o mundo exterior através do corpo e por ele se relaciona com os objetos e fatos.
O seu comportamento liga-se à ação corporal que abrange três noções, a do
corpo, a dos objetos e a dos demais corpos. Sendo assim é necessário trabalhar
o corpo. A psicomotricidade pode contribuir para o desenvolvimento integral
da criança e o professor tem um papel muito importante ao trabalhar com seus
alunos na Educação Infantil, oferecendo oportunidades para que sejam alunos
autônomos, tendo assim um melhor aprendizado.
187
A escola sabe da necessidade do emprego de condutas motoras na educação
infantil. A criança chega á escola e a função do educador é trabalhar o máximo
com esse aluno, utilizar tudo que for necessário para que esse aluno construa a
sua própria identidade (TAVARES, 2007).
É importante que alem de utilizarem aquilo que é necessário, o professor
tenha acima de tudo paciência e, para a utilização dos materiais, é necessário que o
mesmo seja criativo, assim a criança irá desenvolver-se melhor. Através da brinca-
deira, o professor consegue analisar todos os movimentos realizados pela criança,
onde descobre todas as suas potencialidades e dificuldades, sendo importantes
toda essa visão sobre as crianças durante a educação infantil.
A escola é o ambiente onde a criança passa maior parte da sua vida, portanto
é de grande importância que a escola proporcione aos seus alunos, interação, e
formas de aprendizagem, para que os alunos sintam-se bem no ambiente e tenham
prazer em aprender (MENDONÇA, 2003).
Para que as crianças tenham um bom desempenho escolar, é necessário um
trabalho que seja contínuo e que seja bem aplicado. É fundamental que a criança
conheça o seu corpo e valorize-o; que conheça também o corpo do seu colega,
isso facilita o desenvolvimento global da criança. Todo o trabalho realizado cui-
dadosamente irá prevenir as dificuldades que podem surgir.
A função da psicomotricidade na educação infantil deve ocupar um lugar
de destaque na dinâmica das práticas pedagógicas. A educação psicomotora busca
através de atividades pedagógicas e lúdicas fomentar o desenvolvimento global
da criança viabilizando maior autonomia no processo de ensino-aprendizagem e
potencializando a formação de habilidades motoras, cognitivas, afetivas e relacionais.
Nesse sentido a psicomotricidade agregada às práticas pedagógicas na
educação infantil maiores possibilidades de desenvolvimento, tanto no curso da
maturação neurológica, quanto no processo ensino aprendizagem.
A educação infantil tem papel fundamental no processo ensino-aprendizagem.
É nesse âmbito de ensino que a criança recebe os principais estímulos para que
diversas habilidades sejam solidificadas, como o equilíbrio, coordenação motora e
raciocínio lógico organizado. As experiências corporais modificam positivamente,
o intelecto, as emoções e as ações motoras das crianças. Torna-se imprescindível
que as escolas estimulem o movimento através da psicomotricidade, proporcionado
uma vivência corporal ampla e o desenvolvimento integral da criança.
Destaca-se a importância de mais estudos sobre a psicomotricidade na
educação infantil, como forma de promover uma ressignificação nas práticas
pedagógicas e potencialização na aquisição dos saberes por parte dos alunos.

188
Cabe algumas reflexões que possibilitem outros olhares para a importância
da educação psicomotora da criança na educação infantil. Como apresentado
nesse capítulo, a psicomotricidade, se trabalhada no contexto escolar, auxilia no
processo de aprendizagem das crianças e, para que isso aconteça, é importante
que os professores sejam bem qualificados acompanhem passo a passo as etapas
corporais, afetivas e cognitivas do seu aluno de forma individual.
Também as atividades de psicomotricidade podem ser desenvolvidas com os
alunos e devem seguir uma ordem, uma sequência e uma sucessão de movimentos,
sendo planejadas e aplicadas de acordo com a evolução individualizada. Por meio
das atividades psicomotoras os alunos expressam suas emoções e, os alunos têm
a oportunidade de criar, interagir e experimentar as diferentes funções que seu
corpo realiza.
Os professores que se dedicam à psicomotricidade na escola podem assumir
como estratégia a escuta, como forma didática à aprendizagem e desenvolvimento
das crianças, conforme à disposição corporal que se ajusta à criança como forma
de interação e intervenção em atividades lúdicas. Isso qualifica o processo
de acompanhamento sistemático da evolução do aluno, no sentido de minimizar
ou sanar os possíveis conflitos que a criança possa apresentar por meio de ativi-
dades lúdicas.
Conclui-se que a psicomotricidade contribui de maneira significativa às
práticas pedagógicas, como metodologia, oferece teoria e prática à compreensão
das capacidades e habilidades dos fundamentos do movimento e suas relações
com diálogo tônico e a comunicação não verbal, ela é capaz de estimular o desen-
volvimento através de mecanismos de investimento e estratégias em vivências
psicomotoras que irão explorar os potencias simbólicos visando compreensão,
consciência e controle do próprio corpo.
Assim como, a relação entre a motricidade, mente e afetividade desem-
penham, em conjunto e através do diálogo tônico que são questões favoráveis ao
desenvolvimento de maneira integral e significativa para o aluno.
Por fim, foi possível concluir que as atividades psicomotoras para as
crianças na Educação Infantil, auxiliam o desenvolvimento global, sendo físico,
emocional e social da criança e também no seu processo de alfabetização.
Também a necessidade através da pesquisa que esse tema seja investigado.
Há ainda carência de referencial bibliográfico nessa área. Então, esse capítulo não
se esgota aqui, há um vasto campo de pesquisa que carece ser desbravado.
Pode-se finalizando, destacar que as referencias sobre psicomotricidade
corroboram com a importância da educação psicomotora no processo de apren-
dizagem das crianças na educação infantil.
189
Fica a disposição de continuidade, afinal, esse é um tema que não acaba
nessas linhas.

REFERÊNCIAS
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01 dez. 2020.
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COLEVATI, Claudioni; PINHO, Ednaldo; SORROBOCHE, Eduardo. O corpo em movimento: uma relação
entre a psicomotricidade e a aprendizagem da escrita. Lins – SP/ 2009. Disponível em: Acesso em: 16 jan. 2014.
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FONSECA, V. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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GALLAHUE, David L; OZMUN John C. Compreendendo o desenvolvimento motor de bebês, crianças,
adolescentes e adultos. 2. Ed. São Paulo: Forte, 2005.
LE BOULCH, Jean. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento até 6 anos. Trad. por Ana Guardiola
Brizolara. Porto Alegre: Artes Médicas, 3ª. Ed., 1982.
MENDONÇA, Raquel. A importância da psicomotricidade na educação infantil. Rio de Janeiro – RJ/ 2003.
Disponível em: Acesso em: 28 jan. 2014.
OLIVEIRA, G. C. Psicomotricidade: Um estudo em escolas com dificuldade em leitura e escrita. Tese de
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OLIVEIRA, Andreza; SOUZA, José. A importância da psicomotricidade no processo de aprendizagem
infantil. Revista Fiar: Revista do Núcleo de Pesquisa e Extensão Ariquemes / 2013. Disponível em: . Acesso
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TAVARES, Micheline. A psicomotricidade no processo de aprendizagem. Rio de Janeiro – RJ/ 2007. Dispo-
nível em: . Acesso em: 19 set. 2013.
TAVARES, Helenice; MACHADO, Fernando. Psicomotricidade: da prática funcional á vivenciada. Uber-
lândia – MG/ 2010. Disponível em: Acesso em : 01 ago. 2013.

Nota: o presente capítulo é parte da tese de mestrado em Ciências da Educação intitulado A psicomotricidade
como ferramenta facilitadora no processo de ensino aprendizagem na educação infantil tem por objetivo
analisar de que forma a psicomotricidade pode auxiliar o desenvolvimento emocional, cognitivo e motor
das crianças do Ensino Infantil.

190
UMA PROPOSTA DE PLANO DE AULA COM CONTOS
AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS: “OLHOS
D’ÁGUA” E “MUTOLA”

Amanda Oliveira Menezes66


Demétrio Alves Paz67

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, relatamos uma proposta de plano de aula com base metodo-
lógica na obra Letramento Literário: teoria e prática, de Rildo Cosson (2021), além
de trazermos à tona outros teóricos, que deram subsídio para o desenvolvimento do
plano em questão. Vale ressaltarmos que ele foi desenvolvido no mês de novembro
de 2021 e teve relação com o “Dia da Consciência Negra” (20 de novembro), pois
apresentamos como temática principal a representatividade feminina em dois
contos de autoria feminina afro-brasileira e africana.
Os contos selecionados para o plano foram “Olhos d’água”, de Conceição
Evaristo, e “Mutola”, de Paulina Chiziane. Através das escritas dessas duas autoras
contemporâneas, podemos identificar um olhar afetuoso e delicado para descrever
asvivências de suas personagens. Olhares e escritas que se misturam ao contarem
histórias de mulheres que passam por suas dificuldades particulares, mas que não
sedeixam levar pelo sofrimento, continuando na busca de uma vida melhor e na
realização de seus sonhos. Consideramos que o trabalho com o gênero literário
contoé “[...] a porta de entrada para conquistar novos leitores e introduzi-los ao
estudo e leitura da literatura” (ECKERLEBEN; PAZ, 2016, p. 210).
Apesar de os dois contos não apresentarem como temática principal o preconceito
racial,é possível notar que estamos lendo sobre a história de duas personagens negras,
pois tanto em “Olhos d’água” (2016) quanto em “Mutola” (2019) percebemos as
origens africanas. No primeiro conto, a própria narradora-personagem diz: “eu
entoava cantos de louvor a todas as nossas ancestrais, que desde a África vinham
arando a terra da vida com as suas próprias mãos...” (EVARISTO, 2016, p. 18).
No segundo, há palavras que demonstram a origem moçambicana, tais como:
“Mutola”, “Chivambo” e “Zambeze”, por exemplo (CHIZIANE, 2019, p. 125).
Logo, selecionamos contos que se cruzam tanto por suas origens quanto pelos
temas sociais retratados por vozes de mulheres negras.

66
Graduanda em Letras (UFFS). CV: http://lattes.cnpq.br/6944005956636508
67
Doutor em Letras (PUCRS). Docente no Curso de Letras (UFFS). CV: https://lattes.cnpq.br/2272620373111968
191
DESENVOLVIMENTO

O plano de aula teve como tema a representatividade feminina através dos


doiscontos já mencionados e apresenta como objetivos específicos: I) ler e analisar
os contos “Olhos d’água”, de Conceição Evaristo, e “Mutola”, de Paulina Chiziane,
percebendo a escrita das autoras, explorando a representatividade feminina e
reconhecendo os problemas sociais e preconceitos enfrentados pelas personagens;
II) promover a reflexão, sensibilidade e empatia dos alunos, propondo atividades
de entrevistas com as mulheres de sua família e relacionando-as com os sujeitos
femininos do conto; III) explorar a capacidade textual e oral dos alunos nas pesquisas,
entrevistas e apresentações, desenvolvendo essas habilidades de maneira constru-
tiva e crítica; e IV) discutir sobre a história das mulheres apresentadas nos contos,
relacionando com a realidade da sociedade atual, a fim de identificar os avanços
da sociedade, bem como perceber a permanência e a resistência do preconceito
de gênero e dos problemas sociais conservados na atualidade.
Para a realização do plano, combinamos momentos da sequência básica e da
sequência expandida de Rildo Cosson (2021), o que resultou em seis passos, sendo
eles: a motivação, a introdução, a leitura, a primeira interpretação, a contextualização
e a segunda interpretação, desenvolvidos para cada um dos contos, no intuito de
trabalharmos os textos em sua integralidade. A Base Curricular Nacional Comum
(BRASIL, 2018, p. 488) reconhece a importância de “[...] possibilitar uma reflexão
sobreas condições que cercam a vida contemporânea [...] sobre temas e questões
que afetam os jovens”. Ela também evidencia que “[...] as vivências, experiências,
análisescríticas e aprendizagens” (BRASIL, 2018, p. 488) propostas no campo da
vida pessoal “[...] podem se constituir como suporte para os processos de cons-
trução de identidade” (BRASIL, 2018, p. 488), como também, “[...] possibilitam
uma ampliação de referências e experiências culturais diversas e do conhecimento
sobre si” (BRASIL, 2018, p. 488).
Entendemos, assim como Cosson (2021, p. 47), que a aprendizagem da
literatura deve ser levada como o centro no que se refere às atividades literárias
na escola. Por isso, a leitura do texto é tão importante quanto as respostas que são
construídas para ela. Com efeito, o plano de aula proposto priorizou a leitura dos
contos, mas também contemplou o processo de letramento literário, com o intuito
de ultrapassar a simples leitura de textos e criar possibilidades para o aluno com-
preendercriticamente os discursos e as práticas que constituem os textos literários.
Primeiramente, selecionamos o trabalho com o conto “Olhos d’água”, pois
acreditamos que a sua leitura e toda a proposta pensada mobilizará a sensibilização
dos alunos diante da história de vida da personagem. Do mesmo modo, os discentes
poderão lembrar momentos ou pessoas de sua vida e, se for o caso, enxergar-se na
192
personagem, dado que é “pela leitura sensível da literatura, que o sujeito leitor se
constrói e constrói sua humanidade” (ROUXEL, 2013, p. 32).
Em nossa primeira aula para o 3º ano do Ensino Médio, começamos com
a parte inicial da sequência de Cosson (2021), intitulada “motivação”. Esse pri-
meiro passo “[...] consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto”
(COSSON, 2021, p. 54). Uma boa motivação é essencial, dado que, “[...] o sucesso
inicial do encontro do leitor com a obra depende disso” (COSSON, 2021, p. 54).
Logo, fizemos oralmente algumas perguntas norteadoras, sobre a infância dos
alunos, para instigar um debate em sala de aula. As perguntas foram: como foi a
sua infância? Você tem ou teve pai e mãe presentes durante a sua infância? Você tem
saudades da infância que teve?. Entendemos que as perguntas mobilizam os alunos
a responderem diretamente, pois, assim como no conto, tratamos de motivá-los
através de questões simples, mas que, ao mesmo tempo, tendem a gerar discussões
e estabelecer um laço estreito com o conto que será lido.
Em seguida, demos início ao próximo passo, que consiste em introduzir
propriamente o conto. De acordo com Cosson (2021, p. 57), a introdução diz
respeito“[...] à apresentação do autor e da obra”. Nesse momento, questionamos aos
alunos se já conheciam a autora Conceição Evaristo ou se já ouviram falar dela, a
fim de que, logo após, ocorra a apresentação breve da escritora e de suas obras,
através de slides. Ademais, complementamos a introdução com a reprodução
de um vídeo curto, no qual a escritora é entrevistada e conta um pouco de sua
história. Apresentamos o livro Olhos d’água (2016) em versão física para que os
alunos pudessem conhecer a obra. Dessa maneira, nossa intenção introdutória
corresponde à função de permitir que “[...] o aluno receba a obra de uma maneira
positiva” (COSSON, 2021, p. 61).
No próximo encontro, iniciamos com a primeira leitura do conto “Olhos
d’água” de Conceição Evaristo. Para isso, foi entregue aos alunos uma cópia
impressa do conto, a fim de que acompanhem a leitura. Compreendemos que “[...]
a leitura em voz alta é o melhor caminho para criar leitores” (GIARDINELLI,
2010, p. 115) e, conforme a situação, são “[...] os mediadores que devem tomar a
decisão de quando, o que, como e onde ler em voz alta” (GIARDINELLI, 2010,
p. 114). Vale enfatizarmos o papel dos professores na formação dos alunos, já que
são eles que devem ser os primeiros leitores a estimularem o desejo pela leitura
(GIARDINELLI, 2010, p. 119).
Assim, seguimos com a estratégia de pós-leitura, denominada por Cos-
son (2021, p. 83), em sua sequência expandida, de primeira interpretação,
que “[...]destina-se a uma apreensão global da obra”. Para a atividade da
primeirainterpretação, foi proposto uma breve escrita dos alunos em forma de
depoimento.Isso ocorreu seguido da leitura, pois o objetivo principal dessa ati-
193
vidade é abrir umespaço para os discentes apontarem a sua impressão da história
do conto e o impactoque ela teve sobre eles, de modo que não seja interferido pela
opinião dos colegas oudo professor. Logo depois dessa tarefa, realizamos uma roda
de conversa com a turma, para que expressem e troquem suas impressões de modo
oral. Salientamos a necessidade da primeira interpretação ser realizada em sala
de aula, pois é o momento em que “o leitor sente a necessidade de dizer algo a
respeito do que leu, de expressar o que sentiu em relação às personagens e àquele
mundo feito de papel” (COSSON, 2021, p. 84).
Em um segundo momento, entregamos aos estudantes um material impresso
com atividades interpretativas, para que respondam em seus cadernos, individual-
mente. As atividades, intituladas como “compartilhando saberes”, fizeram parte de
um movimento em que eles tiveram, muitas vezes, que voltar no conto, relerem e
desenvolverem uma compreensão mais intensa e crítica. Assim, elaboramos cinco
questões, com suas respectivas continuidades (a, b e c), visando convidar os alunos
a uma “aventura interpretativa”, que os encorajassem à leitura subjetiva do conto,
mas que também exigisse argumentos convincentes, pois cabe aos professores
ensiná-los a perceberem e, consequentemente, evitarem um “delírio interpretativo”
(ROUXEL, 2013, p. 22).
Destinamos as perguntas realizadas para o contexto interpretativo, uma vez
que “[...] não faz sentido, uma questão no ensino médio que peça que o estudante
identifique o autor, o período [...] a menos que tal informação esteja articulada as
outras que maximizem a potência textual” (DALVI, 2013, p. 89). Dessa maneira,
elaboramos perguntas que obrigassem, de certa forma, os discentes a prestarem
mais atenção e a voltarem no texto para refletirem sobre suas respostas.
Buscamos evidenciar trechos do conto para provocar nos alunos o reconhe-
cimento dos problemas sociais vivenciados pela personagem. Do mesmo modo,
mesclamos as atividades em perguntas mais objetivas e perguntas que exigisseem
maiores complexidades no desenvolvimento das respostas, como também requi-
sitammos os conhecimentos de mundo dos alunos. Conforme Dalvi (2013, p.
89), é “[...] desejávelque haja uma mescla, especialmente em atividades avaliativas
pontuais, de textos debaixa, média e alta complexidade e também de questões mais
diretas e objetivas a questões de maior complexidade”.
Dando seguimento ao plano de aula, avançamos para o próximo passo meto-
dológico: a contextualização, que consiste em compreender “[...] o aprofundamento
da leitura por meio dos contextos que a obra traz consigo” (COSSON, 2021, p.
86). Nessa etapa, propomos aos alunos a realização de uma pesquisa de campo, na
qual eles entrevistaram uma mulher com mais de sessenta anos de idade. Entrega-
mos um roteiro de entrevista para a turma, contendo onze perguntas norteadoras
a serem levadas na entrevista, e um espaço para o próprio aluno produzir o seu
194
questionamento e apontar as suas observações. Logo, esclarecemos aos alunos a
proposta dessa atividade, já que temos em vista um trabalho de comparação da
entrevistada com a personagem principal do conto.
Concluídas as entrevistas, relembramos sobre a atividade realizada e entrega-
mos um novo material impresso, a fim de que descrevessem no quadro comparativo
as semelhanças e as diferenças que identificaram entre a personagem do conto
“Olhos d’água” e a mulher entrevistada.
Com efeito, desenvolvemos uma contextualização presentificadora, que
“[...]busca a correspondência da obra com o presente da leitura [...] o aluno é
convidadoa encontrar no seu mundo social elementos de identidade com a obra
lida, mostrandoassim a atualidade do texto” (COSSON, 2021, p. 89). Acreditamos
que a proposta contextualizadora foi muito significativa para os discentes, uma vez
que relacionaram mulheres próximas a eles. Destarte, é importante a atenção do
professor diante de seus alunos no momento reservado às trocas e aos debates dessa
atividade, posto que “[...] é interessante que o professor promova a apresentação da
contextualização para que toda a turma compartilhe os resultados das pesquisas”
(COSSON, 2021, p. 92).
Na próxima aula, iniciamos com a segunda interpretação, etapa em que
solicitamos aos alunos uma produção textual conclusiva, com objetivo de com-
preendermos o que foi relevante para eles, o que perceberam, desenvolveram e
construíram até o momento, mas não como um registro final. A ideia foi integrar
a contextualização e a segunda interpretação, gerando harmonia e coerência nes-
sas duas etapas (COSSON, 2021, p. 93). Assim, a intenção da linguagem escrita
solicitada, cumprirá o papel de:
[...] transformar a pessoa em leitor consciente na medida em que ele
exerce a atividade de ler de maneira produtiva (produzindo conheci-
mento adquirido)e reveladora (revelando informações culturais, sociais,
políticas etc. então desconhecidas); na medida em que, mais que a
obra, ele “lê”, por meio dela,o(s) mundo(s) do autor e dele próprio,
leitor. (TINOCO, 2013, p. 140).

No encontro seguinte, iniciamos uma nova motivação, voltada para o segundo


conto a ser trabalhado com a turma, “Mutola” de Paulina Chiziane (2019). Res-
saltamos a importância de que os dois contos sejam trabalhados integralmente.
Além disso, a proposta de plano aborda uma sequência de leitura e atividades que
dão seguimento ao desenvolvimento e objetivos que gostaríamos de instigar nos
alunos. Como motivação, utilizamos slides com algumas perguntas norteadoras
acerca das mulheres nos esportes, com o objetivo de descobrir o que os alunos têm
a dizer sobre isso. Após essas perguntas, explanamos uma tabela, informando que
os homens foram a maioria nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020 (COSTA,
195
2018). A partir de dados recentes, conduzimos um debate reflexivo em sala de aula,
uma vez que “[...] a construção de uma situação em que os alunos devem responder
a uma questão ou posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais de
construção da motivação (COSSON, 2021, p. 55).
Dando sequência à metodologia de Cosson (2021), seguimos com a intro-
dução. Adotamos o mesmo método utilizado no conto anterior, apresentando
brevemente a escritora Paulina Chiziane, por meio de slides, os quais propor-
cionaram um maior vislumbre de suas obras, a localização de Moçambique e a
reprodução de uma entrevista realizada com a autora. Ademais, foi proveitoso a
disposição de um mapa mundi na escola, para que os alunos observassem melhor
o continente africano. Nesse momento, apontamos os países africanos que tem
a Língua Portuguesa como oficial, conforme a necessidade da turma, mas tam-
bém destacamos que dentre esses países são utilizadas diversas línguas africanas.
Aproveitamos a situação, para repassar o livro físico “As andorinhas” (que contém
o conto selecionado) aos alunos, a fim de que manuseassem a obra. Assim, justi-
ficamos, ainda, nossa escolha.
Na aula subsequente, entregamos em uma folha impressa o conto “Mutola”,
para que os alunos acompanhassem a leitura do docente. Logo após, introduzi-
mos a primeira interpretação do conto, solicitando uma breve pesquisa da vida
de Maria de Lurdes Mutola. Com o intuito de realizar essa pesquisa na escola,
utilizamos a sala de informática. Logo, chamamos a atenção para os meios em
que a escola dispõe, sendo possível propor a efetuação da atividade em casa ou
optar pela realização em dupla, facilitando e contemplando a execução da pro-
posta. Concomitantemente, os alunos selecionaram informações confiáveis, que
contemplam e sustentam a pesquisa proposta, conforme exposto nas habilidades68
dos campos de atuação social, estudo e pesquisa da BNCC (2018, p. 508-517).
A seguir, houve um momento de socialização, em que foram levantadas
algumas perguntas para iniciar a roda de conversa. Essa etapa teve o propósito de
induzir os alunos a compartilharem dados das pesquisas, como também comen-
tar seeles já tinham noção da realidade do conto e o que chamou a atenção deles.
Desse modo, estimular o jovem a falar sobre o texto, explicitar seu ponto de vista
e dialogar com a turma contemplam “[...] teorias desenvolvidas ao longo do século
XX, tais como a busca de uma pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e a mudança
do foco da leitura literária para a contribuição do leitor, empreendida pela estética
da recepção” (ALVES, 2013, p. 45, grifos do autor).
Numa próxima aula, entregamos um material impresso contendo nove
atividades interpretativas, intituladas como “(des)fazendo saberes”, para serem
respondidas no caderno, de forma individual. Elaboramos perguntas com o intuito
68
Códigos: EM13LP12; EM13LP30.
196
depossibilitar aos alunos uma maior reflexão sobre a leitura realizada. Para tanto,
produzimos questões em que o discente teve de analisar a repetição de verbos
presentes em um trecho do conto e assimilar seu uso constante com o contexto
em que se insere.
Para a sétima atividade interpretativa, apresentamos um infográfico que
convida o discente a analisar e relacionar os dados estabelecidos com o conto
“Mutola”. A pesquisa recente trata da realidade de meninas que apresentam a mesma
faixa etária dos alunos. Logo, esse pequeno recorte não só possibilita a identifi-
caçãodas alunas com os dados como também expõe “[...] as diferenças entre os
gêneros na vida das meninas” (PLAN INTERNATIONAL, 2021, p. 12-13). O
espaço escolar deve ser um dos locais para as reflexões acerca das desigualdades
de gênero, pois, tal como Louro (2014, p. 125) salienta:
As desigualdades só poderão ser percebidas – e desestabilizadas e
subvertidas – na medida em que estivermos atentas/os para suas
formas de produção e reprodução. Isso implica operar com base nas
próprias experiências pessoais e coletivas, mas também necessaria-
mente, operar com apoio nas análises e construções teóricas que estão
sendo realizadas.

Como finalização das atividades interpretativas “(des)fazendo saberes”,


solicitamos, na última questão, uma releitura do conto “Olhos d’água”, para que
os alunos apontassem relações entre as duas obras. Mais uma vez, os discentes
foram provocados a realizarem atividades de graus mais simples aos mais com-
plexos, exigindo deles um maior envolvimento com a leitura. Por conseguinte, as
atividades foram concluídas em casa a fim de que, no próximo encontro, sejam
socializadas com a turma.
O próximo passo do plano de aula consistiu na contextualização presentifi-
cadora. Nessa aula, submetemos uma nova pesquisa, chamada “quebrando tabus”, a
qual envolveu a coleta de informações pessoais de cada aluno sobre os brinquedos
que ganharam durante a sua infância. Para seguir com a atividade, evidenciamos
que eles deviam classificar os brinquedos em “femininos”e “masculinos”, conforme
um pensamento mais conservador. Salientamos o objetivo dessa proposta como
uma provocação, pois aqui eles tiveram de refletir sobre as influências existentes
na sociedade que estão inseridos.
No intuito de aprofundarmos a proposta, solicitamos uma atividade em grupo.
Preferencialmente, os grupos deveriam ser formados com a mesma quantidade
de meninos e meninas, cabendo ao professor perceber a quantidade de alunos pre-
sentesna turma, uma vez que temos consciência que é improvável ter uma turma
formada pela mesma quantidade de meninos e meninas. Dessa maneira, para a
nova atividade, entregamos uma tabela impressa, solicitando ao grupo uma análise
197
comparativa dos brinquedos descritos na atividade anterior. A comparação sedeu
através dos brinquedos que as meninas ganhavam em relação aos brinquedos que
os meninos ganhavam, categorizados em: (1) brinquedos atrelados ao desenvol-
vimento de habilidades relacionadas a ação e independência; e (2) brinquedos
relacionados aos afazeres domésticos e cuidados com os filhos.
Em vista disso, deixamos claro que as atividades “quebrando tabus” têm
como finalidade a apresentação das comparações do grupo à turma. Por essa razão,
os alunos levaram em consideração o gênero predominante do grupo, para que o
compartilhamento de seus resultados e considerações seja o mais fiel possível. Para
a construção dessa proposta de plano de aula, em especial a seção apresentada,
acreditamos que a escola “[...] também fabrica sujeitos, produz identidades étni-
cas, de gênero, de classe [...] certamente, encontramos justificativas não apenas
para observar, mas, especialmente para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades” (LOURO, 2014, p. 89-90).
A utilização de uma contextualização presentificadora é contemplada pela
reflexão sobre os “papéis de gêneros” absurdos que estamos inseridos desde a infân-
cia, tal como aponta Adichie (2017, p. 27): “[...] pais e mães inconscientemente
começam muito cedo a ensinar às meninas como devem ser, que elas têm mais regras
e menos espaço, e os meninos têm mais espaço e menos regras”.
Logo após, solicitamos para a segunda interpretação, uma atividade escrita,
individualmente. Ela envolve poucas perguntas sobre a atividade anterior, no intuito
de os alunos desenvolverem suas reflexões de maneira escrita, pois entendemos
que “[...] interpretar equivale, portanto, a vincular a coerência da obra à coerên-
cia das representações que existem fora da obra” ( JOUVE, 2012, p. 155). Desse
modo, trabalhamos a contextualização e a segunda interpretação de “maneira
direta” (COSSON, 2021, p. 92), pois integramos as duas etapas sem que se tenha
estabelecido uma quebra entre elas. Aprofundamos a leitura em um dos aspectos,
com o objetivo de romper, assim como a personagem “Mutola”, os tabus impostos
para o gênero feminino.
Destarte, finalizamos esse plano, com a proposta de expandir o que foi tra-
balhado e construído com os alunos até o momento dessa sequência. Como última
atividade, a turma do terceiro ano formou grupos e selecionou, no mínimo, uma
mulher afro-brasileira que fez ou faz história no Brasil, como também puderam
selecionar mulheres afro-brasileiras de suas próprias famílias, para serem expostas
em um mural da escola. Destacamos que a mediação do professor é fundamental
para que não ocorra a repetição das mulheres afro-brasileiras. Em suma, nos dete-
mos em elaborar atividades que fossem contextualizadas, para que o sentido e as
propostas ficassem bem explicitadas para os alunos (DALVI, 2013, p. 90). Nesse
momento, ainda, unimos os dois contos trabalhados, porque tanto em “Olhos
d’água” quanto em “Mutola” temos a representação de uma mãe que batalha para
198
criar as suas filhas e de uma mulher que insiste na realização dos seus sonhos. Ambas
representam as lutas diárias femininas.
Por fim, destacamos que o plano de aula descrito apresenta suas limitações, pois
sabemos que a sua aplicação depende da realidade de cada sala de aula, da escola e,
consequentemente, dos discentes e docentes. Sendo assim, finalizamos este capítulo
expondo a nossa proposta de avaliação. Durante as atividades que serão desenvolvidas,
consideramos a participação do aluno, o comprometimento com a realização das ativi-
dades interpretativas e com as pesquisas propostas. Entendemos a avaliação como um
processo, dado que o nosso objetivo maior no letramento literário é engajar o aluno na
leitura literária. No decorrer das atividades interpretativas, buscamos pela interpretação
e pelos argumentos que o aluno utilizou para responder, pois, como Cosson (2021, p.
113) salienta: [...] a leitura do aluno deve ser discutida, questionada, e analisada,
devendo apresentar coerência com o texto e a experiência de leitura da turma”, para
que, assim, se fortaleça o processo de letramento literário.
A sequências de discussões e explanações de resultados foram tomados como
essenciais no processo de avaliação, pois consideramos esses momentos relevantes
para a reflexão de diferentes argumentos e construções de conhecimento. Assim,
as etapas que envolverão a escrita dessas reflexões, como a segunda interpretação,
serão exigidas uma maior elaboração, coerência, concatenação e eficácia do uso
da linguagem por parte do aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso interesse com a realização do presente trabalho esteve na elaboração


de um plano de aula que buscasse a representatividade de mulheres negras. Para
tanto, voltamo-nos à elaboração de um planejamento que oportunizasse uma
educação literária transformadora, através da leitura dos contos “Olhos d’água”
e “Mutola”, assim como do desenvolvimento de atividades que envolvessem os
alunos em reflexões sobre o tema.
Nesse viés, procuramos proporcionar leituras que desacomodassem os dis-
centes. No conto “Mutola”, a personagem principal é vítima de discursos machistas,
por buscar a realização dos seus sonhos no esporte. Já a narradora de “Olhos d’água”
relembra as atitudes de sua mãe diante das situações de vulnerabilidade, impactando
os problemas sociais existentes na vida dessas mulheres.
O plano de aula relatado neste capítulo contribuiu para o cumprimento da
Lei 10.639/2003, que estabelece o ensino da Cultura Afro-Brasileira e Africana na
Educação Básica. Nesse sentido, construímos um plano que desencadeasse expe-
riências na vida dos discentes, proporcionando e criando condições de desenvol-
vimento de suas emoções, seu caráter, sua empatia e seu processo de humanização.
Acreditamos que cabe ao professor refletir sobre o planejamento de sua prática:
objetivos, etapas e materiais produzidos.
199
Em linhas gerais, consideramos fundamental o ato de buscar desenvolver
planos de aulas que promovam o letramento literário. Dessa forma, planejamos
aplicações que apreciem uma leitura crítica e participativa, visto que é através da
educação que podemos proporcionar o crescimento dos alunos e formar cidadãos
mais conscientes sobre as diversas realidades.

REFERÊNCIAS
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panhia das Letras, 2017.
ALVES, José Hélder Pinheiro. O que ler? Por quê? A literatura e seu ensino. In: DALVI, Maria Amélia.;
REZENDE, Neide Luzia.; JOVER-FALEIROS, Rita. (Orgs.).Leitura de literatura na escola. São Paulo:
Parábola, 2013. p. 35-49.
BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, paraincluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília,10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_sit e.pdf. Acesso em: 20 Jun. 2022.
CHIZIANE, Paulina. As Andorinhas. 3. ed. Belo Horizonte: Nandyala, 2019.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2021.
COSTA, Guilherme. Apesar do avanço, oito modalidades terão mais homens que mulheres em Tóquio
2020. GE, 2018. Disponível em: https://ge.globo.com/blogs/brasil-em-toquio/noticia/apesar-do-avanco-
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DALVI, Maria Amélia. Literatura na escola: propostas didático-metodológicas. In: DALVI, Maria Amélia.;
REZENDE, Neide Luzia.; JOVER-FALEIROS, Rita. (Orgs).Leitura de literatura na escola. São Paulo:
Parábola, 2013. p. 67-97.
ECKERLEBEN, Bruna Carolina; PAZ, Demétrio Alves. Violento e perigoso: Rubem Fonseca em sala
de aula. Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNEXT). v.3 Ed.Especial- XII EIE- Encontro sobre
Investigação na Escola, p. 209-214, 2016.
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Fundação BibliotecaNacional, 2016.
GIARDINELLI, Mempo. Voltar a ler: propostas para construir uma nação de leitores.São Paulo: Nacional, 2010.
JOUVE, Vicent. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012.
LOURO, Guaraci Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós- estruturalista. 16. ed.
Petrópolis: Vozes, 2014.
PLAN INTERNATIONAL. Por ser menina: resumo executivo. Disponível em: https://plan.org.br/estudos/
resumo-executivo-pesquisa-por-ser-menina-no-brasil/.Acesso em: 05 Jul. 2022.
ROUXEL, Annie. Aspectos metodológicos do ensino da literatura. In: DALVI, MariaAmélia.; REZENDE,
Neide Luzia.; JOVER-FALEIROS, Rita. (Orgs). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola,
2013. p. 17-33.
TINOCO, Robson Coelho. Percepção do mundo na sala de aula: leitura e literatura. In: DALVI, Maria
Amélia.; REZENDE, Neide Luzia.; JOVER-FALEIROS, Rita. (Orgs).Leitura de literatura na escola. São
Paulo: Parábola, 2013. p. 135-151.

200
ATLAS DIGITAL COMO FERRAMENTA
PEDAGÓGICA PARA ESTUDANTES DE ENSINO
TÉCNICO INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO

Reginaldo Marinho de Oliveira69


Wanderson de Souza Silva70
Rayanne Lopes dos Santos Silva71
Well Max Maia da Cunha72
Leandro Barbosa Amaral Guimarães73
Samuel Dias Ribeiro74
Raissa Almeida Gomes75
Jean Magalhães da Silva76

INTRODUÇÃO

O ambiente escolar hoje, tem se mostrado cada vez mais atrativo nas suas
variadas formas. A introdução de rodas de conversa, o lúdico, aulas práticas,
computadores, maquetes, vídeos, mapas cartográficos e aulas de campo são alguns
exemplos de recursos que podem e devem ser utilizados pelos docentes.
Por exemplo, para o ensino de Geografia, Biologia ou disciplinas afins, os
mapas apresentam-se como recursos importantes para o processo de ensino e
aprendizagem, pois possuem um caráter didático no que se refere aos estudos de
determinadas populações, cidades, uso e ocupação do solo, distribuição de recur-
sos ambientais. Também, podem auxiliar no entendimento das divisões espaciais
de cidades, setores agroindustriais, e áreas de preservação ambiental. O uso de
geotecnologias e os seus mais diversos métodos de análise permitem uma vasta
aplicação nos ramos das ciências, sendo uma ferramenta muito útil no Ensino
de Geografia (AGUIAR, 2013). Ferramentas eficazes de acesso à informação
são fundamentais para conhecer o ambiente em que vivemos e exercemos nossas
atividades, em especial para o processo de formação dos discentes, para isto, o uso
de geotecnologias atreladas ao ambiente da web pode ser uma alternativa viável.

69
Especialização em Gestão Pública (FISIG). CV: http://lattes.cnpq.br/9734159547910365
70
Especialização em Metodologia do Ensino de Matemática e Física (UCAM).
CV: http://lattes.cnpq.br/2154963369346094
71
Mestranda em Ensino para a Educação Básica (IF Goiano). CV: http://lattes.cnpq.br/8709197082878907
72
Especialização em Informatica Educacional (UECE). CV: http://lattes.cnpq.br/6070362675354996
73
Mestrado em Matemática (SBM). CV: http://lattes.cnpq.br/7593172888646930
74
Mestrado em Master of Arts (M.A.) in General Management (SIBE - Alemanha).
CV: http://lattes.cnpq.br/5475699854920210
75
Mestranda em Ensino para Educação Básica (IF Goiano). CV: http://lattes.cnpq.br/9938914455857218
76
Mestrando em Ensino para a Educação Básica (IF Goiano). CV: http://lattes.cnpq.br/3668734531170718
201
O Atlas é um mapeamento completo e atualizado, alicerçado em tecnologia
de sistemas de informações geográficas, que permite grande avanço na transferên-
cia de conhecimentos por meio da internet. Segundo Delazari (2004), um Atlas
Digital possui interface mais fácil, porque o objetivo é a simples visualização
da informação, sem nenhum tipo de processamento ou ações mais complexas.
Nesse sentido o enfoque normalmente aplicado na área de ensino-aprendizagem
é a teoria de organização do desenvolvimento intelectual (PIAGET, 1967, apud
SANTOS, 2010).
A confecção do Atlas está atrelada a utilização de técnicas de Geoprocessa-
mento que irão possibilitar a espacialização das informações por meio de mapas.
De acordo com Câmara e Davis (2000) Geoprocessamento, é um conjunto de
técnicas de coleta, exibição, tratamento de informações espacializadas, utilizando
para tal a sua ferramenta, os denominados Sistemas de Informação Geográfica
(SIG), cujos módulos permitem coletar, manipular, analisar e apresentar a infor-
mação geográfica.
Com o presente capítulo objetivou-se apresentar os fundamentos teóricos
das teorias de aprendizagem que embasam a utilização do atlas como processo
alternativo pelos docentes em suas aulas com ênfase nas temáticas ambientais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada por meio de diversas bases de dados, dentre elas
SCIELO, BDENF e LILACS, por cruzamento dos seguintes descritores: atlas
digital, atlas geográfico digital, ferramentas pedagógicas, ensino técnico integrado
ao ensino médio e tecnologias da informação. Dentre os arquivos retornados, foram
selecionados trabalhos e publicações que possuíam embasamento nas teorias de
aprendizagem de Piaget e Vygotsky.
A coleta de dados foi realizada entre os dias 01 e 12 de julho do ano de
2021. Não houve delimitação de data para as publicações objetivando abranger
um maior número de publicações até então publicadas.
Após revisão de diversos periódicos, trabalho de conclusão de cursos (TCC),
dissertações, teses e livros. Foram selecionados 12 trabalhos, sendo feita a leitura
destes e os dados obtidos foram organizados por meio de fichamento, os quais
foram suficientes para a construção da revisão.

FUNDAMENTAÇÕES DO ENSINO APRENDIZADO

Ao se pensar em aprendizagem, em cognição e desenvolvimento sensório


motor, tem-se como principal referência Piaget (1974). Para ele a criança ao se
202
desenvolver vai tomando posse do local em que habita. Processo este que ocorre
vagarosamente a partir do entendimento do próprio corpo até o domínio do
meio mais próximo. Este processo é progressivo na criança e constitui-se desde
o nascimento até a adolescência, momento em que ela passa a ter controle sobre
seu esquema corporal, devido à maturidade do sistema nervoso. Não se limitando
apenas ao amadurecimento biológico, a criança também é influenciada pelo meio
em que vive, o que se reflete na vida adulta, (MELO E MENEZES, 2005).
Nesse contexto, diante destas questões, como a da influência do meio e a
interpretação que a criança faz do mundo, pode-se fazer relações entre a evolução
do educando e o domínio da fala, da escrita e até das Ferramentas do Computador.
Porque o encanto que esta máquina tem sobre as pessoas é o mesmo que o lápis, o
papel e as tintas coloridas. As crianças, os jovens e também os adultos têm atração
pela grafia e pelas novas tecnologias, (MELO E MENEZES, 2005).
Mesmo considerando que o desenvolvimento de assimilação de informa-
ções e conhecimentos ocorrem de forma singular para cada pessoa, Piaget (1967)
restringe a assimilação de novos conceitos em quatro fases, com as quais narra a
viabilidade de obtenção e melhoramento das funções da mente. Essas fases ocorrem
de forma contínua e respectiva de maneira que não se inicia uma fase sem que
não tenha adquirido todas as informações inerentes à fase anterior, podendo ser
melhor representado no quadro abaixo (PIAGET, 1967, apud SANTOS, 2010).

Descrição dos estágios do desenvolvimento cognitivo


ESTÁGIO FAIXA CARACTERÍSTICA
ETÁRIA
Sensório-motor 0 - 2 anos Evolução da percepção e motricidade
Pré-operatório Simbólico 2 - 4 anos Interiorização dos esquemas de ação, surgimento da linguagem
Intuitivo 4 - 7 anos do simbolismo e da imitação deferida.
Construção e descentração cognitiva; compreensão da
Operatório Concreto 7 - 11 anos reversibilidade sem coordenação da mesma; classificação, seriação
e compensação simples.
Desenvolvimento das operações lógicas
Acima de 11
Operatório Formal matemáticas e infralógicas, da compensação complexa (razão) e
anos
da probabilidade (indução de leis)
Fonte: (Piaget, 1967)

Segundo esta teoria, Wadsworth (1995), resume cada estágio da seguinte


forma:
a. O estágio da inteligência sensório-motora (0 a 2 anos). Durante
este estágio, o comportamento é basicamente motor. A criança ainda
não representa eventos internamente e não pensa conceitualmente,
apesar disso o desenvolvimento cognitivo é constatado à medida que
os esquemas são construídos.
203
b. O estágio do pensamento pré-operacional (2 a 7 anos). Este estágio
é caracterizado pelo desenvolvimento da linguagem e outras formas de
representação e pelo rápido desenvolvimento conceitual. O raciocínio,
neste estágio, é pré-lógico ou semilógico.

c. O estágio das operações concretas (7 a 11/12 anos). Durante estes


anos, a criança desenvolve a habilidade de aplicar o pensamento lógico
a problemas concretos.

d. O estágio das operações formais (11/12 a 15 anos ou mais). Neste


estágio, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais
elevado de desenvolvimento.

Nesse sentido Santos, 2010, afirma que em um Atlas Educativo é primordial


entender as fases do processo cognitivo da criança, assim como a capacidade básica
para a interpretação de mapas. A partir desse conhecimento é possível se aplicar
atividades através de um projeto cartográfico, a fim de que as crianças consigam
lê e interpretar as “representações cartográficas e as convenções internacionais
utilizadas em mapas” (SANTOS, 2010).

FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS

Os recursos de multimídia podem ser classificados em dois tipos: a interativa


e a não interativa. Na multimídia interativa os dados apresentados seguem uma
sequência pré-determinada, os quais estão como se estivessem interligados por
elos, em que o usuário tem a opção apenas de continuar e voltar. Já a multimídia
não interativa, as informações são apresentadas simultaneamente, proporcionando
ao usuário liberdade de navegação, (PETERSON, 1995, apud SANTOS 2010).
Para Almeida, at. al., (20-?), com o aparecimento da hipermídia, programa que
une textos não-lineares com a tecnologia multimídia, as ferramentas pedagógicas
tornaram-se mais interativas, possibilitando ao docente usar de meios como: áudio,
vídeo e textos, permitindo que seja explorado os diversos estilos cognitivos. Com
este programa o usuário pode manipular os objetos de estudo, tornando assim a
aprendizagem estimulante, prazerosa e divertida.
No entanto, apesar de todo esse avanço tecnológico em todos os setores da
sociedade, Santana (2020) afirma, baseado em um estudo realizado em 2016 pelo
Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação
(Cetic.br), que os recursos computacionais ainda são pouco utilizados na educação,
em que o referido estudo demonstra que “laboratórios de informática fazem parte
de 81% das escolas públicas brasileiras, contudo apenas 59% delas tem um labora-

204
tório em pleno funcionamento, e só 31% dos professores usam computadores para
desenvolver atividades com os alunos (Época, 2017)”, (ALMEIDA, at. al., 20-?).
Este resultado demonstra que as escolas e os docentes possuem um enorme
potencial para aplicar metodologias mais intuitivas produzindo aulas que possam
instigar os educandos a uma melhor interação com estes recursos tecnológicos e
consequentemente um melhor aprendizado.
Para Santana (2020), nas aulas com a ajuda do atlas digital e de qualquer
outra ferramenta pedagógica o docente deve funcionar como orientador e auxiliar
o discente a encontrar e manipular os dados necessários para realização das ativi-
dades de maneira mais adequada. No entanto, o autor ressalta que nem sempre os
recursos tecnológicos serão apropriados para aplicação de determinado conteúdo.
Sendo assim, é necessário que os professores analisem os pontos positivos e nega-
tivos de cada ferramenta pedagógica ao desejar usá-las nas suas atividades. Dessa
forma, poderá usar de forma mais apropriada um recurso tecnológico específico
para determinada atividade.
Nesse sentido o docente na função de orientador vai atuar na zona de desen-
volvimento proximal do discente e Vygotsky (1977) apud Moreira (1999), define
que zona de desenvolvimento proximal é o local onde ocorre o desenvolvimento
cognitivo, ponto definido em que o aprendiz se encontra, o qual dista da Zona de
desenvolvimento real, situação em que o indivíduo já é detentor de determinados
conhecimentos e é capaz resolver situações sozinho, e da Zona de desenvolvimento
potencial, nesta o aluno é capaz de assimilar determinado conhecimento, no entanto
necessita do auxílio de outra pessoa (MOREIRA, 1999, p. 116).

ATLAS DIGITAL

Considera-se que a primeira produção de um atlas na história foi realizada


na Grécia Antiga na obra “Geographia” do geógrafo grego Claudio Ptlomeu, a obra
apresentava-se em um kit de oito volumes dividida em três partes. No entanto, o
termo atlas foi utilizado pela primeira vez na Bélgica, no período do século XVI,
quando o cartógrafo Gerard Mercator, o qual criou a famosa projeção de Mer-
cator, o qual utilizou esse termo para nomear uma coleção de cartas geográficas
produzidas por sua autoria, (SANTOS, 2010, apud SANTANA, 2020).
Segundo Melo e Menezes (2005), o ser humano agrupa mapas e organiza
atlas desde o segundo século, no entanto, foi apenas a partir da segunda metade do
século XX que os mapas eletrônicos se desenvolveram juntamente com o avanço
tecnológico dos computadores em todo o mundo.
Assim, os atlas, por sua vez, também acompanharam esses avanços e nos
dias atuais procuram apresentar melhor seus mapas por meio de Hipermapas,
205
Hiperdocumentos e Multimeios. Nos Hipermapas é possível uma melhor interação
com o usuário, tendo em vista suportar uma alta resolução e poder ser acessado
em um curto espaço de tempo. No campo da interatividade permite o aprendiz
manipular os dados e preparar seus próprios mapas. Com essa rapidez e prati-
cidade no manuseio desta ferramenta pode ser útil à educação e principalmente
ao processo de ensino e aprendizagem de geografia e disciplinas afins, (MELO
e MENESES, 2005).
Segundo Aguiar (1997, apud ALMEIDA, at. al., [20-?]), os atlas são pre-
sentes nas instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, para ajudar nas
aulas de Geografia, tendo em vista que eles foram produzidos com o objetivo de
unir em um único documento um agrupamento complexo de fenômenos, fatos
e eventos, apresentados no contexto físico, social, político, cultural e econômico
que, tipicamente são reproduzidos por meio de mapas e textos.
Os projetos produzidos por meio de atlas em geral e especificamente os atlas
digitais, devem se fundamentar em propostas construtivistas dispondo o aprendiz
frente a situações concretas, (ALMEIDA, at. al., 20-?).

ENSINO TÉCNICO INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO

A modalidade de Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio só pôde ser


ofertado a partir da promulgação do decreto nº 5.154/2004, (ARTIAGA, 2015).
Segundo Artiaga (2015), o Ensino Médio Integrado ao Ensino Profissio-
nalizante surgiu com o objetivo de atender às necessidades de muitos jovens que
necessitam ingressar no mercado de trabalho, seja para sustento da família ou para
sustento próprio, antes mesmo de completar 18 anos.
Artiaga (2015) conclui que o Ensino Médio Integrado nos Institutos Fede-
rais tem se tornado atraente para os estudantes que tem o objetivo de ingressar no
Ensino Superior, pois além de oferecer uma boa qualidade no ensino, ainda podem
participar da cota de 50% das vagas destinadas a estudantes de escolas públicas
pelo Artigo 2º do Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Há de se considerar que o atlas digital pode ser utilizado como um meio


alternativo no processo de ensino aprendizagem, pois Piaget (1977) apud Moreira
(1999), afirma que o insucesso de alguns alunos em determinadas matérias e êxito
em outras, pode estar associado à forma de ensino que lhes é apresentado, pois a
dificuldade de aprender de “maus alunos” em determinada matéria, no entanto um
bom desempenho em outras, estes alunos estão perfeitamente aptos a dominar todos
206
os assuntos que lhes parecem aparentemente incompreensíveis, bastando apenas
que lhes sejam aplicados de outras maneiras, pois são os métodos que lhes são
apresentados de forma “inteligíveis” e não as matérias (MOREIRA, 1999, p. 105).
O atlas digital é uma ferramenta pedagógica que está sendo aproveitada no
processo de evolução da tecnologia da informação, podendo atender ao orienta
Vygotsky (1977) apud Moreira (1999), o ensino para ser eficiente deve constante-
mente está adiantado ao “desenvolvimento cognitivo”. (MOREIRA, 1999, p. 120).
Segundo Almeida, at. al., (20-?), para se aplicar determinado conteúdo
é necessário que o professor consiga diagnosticar o nível de conhecimento dos
seus discentes para a partir daí decidir qual metodologia deverá aplicar para cada
conteúdo específico, considerando a especificidade de cada público.
Segundo Wolfgram, 1994, apud Anjos, 2013, os alunos devem estar sempre
instigados a fazer pesquisas que leve a aprendizagens significativas, porque “as pes-
soas lembram-se apenas de 15% do que escutam, 25% do que vêem, porém mais
de 60% do que com o que elas interagem” (ANJOS, 2013). Assim, o atlas digital
se adequa perfeitamente, tendo em vista ser uma ferramenta em que o educando
interage, manipulando e organizando os dados à sua disposição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise dos trabalhos que embasaram este capítulo, percebeu-se


que a ferramenta atlas digital encontra-se amparada pelas teorias piagentianas e
vygostkyanas. Devendo assim, os docentes diagnosticarem o nível de conheci-
mento dos seus educandos para uma melhor aplicação desta ferramenta ou de qual
produto educacional melhor se aplicar à determinada necessidade e qual prática
educativa deve ser desenvolvida visando o máximo nos resultados positivos no
processo de ensino aprendizagem.
O ser humano é influenciado da mesma forma que influencia o meio em que
vive e este produto educativo pode contribuir para que o aluno possa influenciar
no meio social e ambiental no qual está inserido.

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AGUIAR, P. F. Geotecnologias como metodologias aplicadas ao ensino de Geografia: uma tentativa de
integração. Geosaberes, Fortaleza, v. 4, n. 8, p. 54-66, jul./dez. 2013.
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2005, São Paulo. Anais [...] São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 9104- 9116, Mar. 2005. Disponível
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de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, 2010, 106p. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/pos/
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WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São Paulo: Pioneira, 1995.

208
JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE E O CINEMA NOVO

Bárbara Monique Monteiro Albuquerque77


Dirlenvalder do Nascimento Loyolla78

INTRODUÇÃO

A relação entre o Brasil e o cinema data do final do século XIX, no contexto


das primeiras exibições vinculadas ao cinematógrafo79. De acordo com Kreutz
(2019), foi entre 1907 e 1910 que se deu a estruturação de um mercado exibidor
no país, sendo que, naquela época, a falta de eletricidade dificultava a implantação
de salas de cinema. A autora ainda afirma que a maior parte dos filmes exibidos
em solo nacional era importada de países da Europa, já que os primeiros filmes
gravados aqui foram o curta-metragem Os Estranguladores (1908), de Francisco
Marzullo e Antônio Leal (primeira película brasileira de ficção) e o longa O Crime
dos Banhados (1914), de Francisco Santos.
No fim da década de 1920 e início de 1930 o país se depara com a chegada
do cinema sonoro nas salas de cinema de São Paulo e do Rio de Janeiro, especifica-
mente com a produção nacional Acabaram-se os otários (1929), de Luís de Barros. A
obra, pioneira e inovadora por sincronizar fitas com diálogos já gravados e imagens,
atraiu um considerável número de espectadores que buscavam a novidade do som
no filme e o entretenimento da comédia, gênero da obra (FREIRE, 2003). Outro
importante acontecimento na mesma década foi a criação da Cinédia, primeiro
grande estúdio do país (KREUTZ, 2019) que revezava suas produções entre
comédias musicais, antecessoras das chanchadas e dramas populares. É valioso
destacar a relevância do estúdio no país, visto que era a primeira vez que se tentava
organizar uma indústria cinematográfica no Brasil e que, para tanto, buscou-se
fora os mais modernos equipamentos de cinema do período (CINÉDIA, 2021).
A Cinédia destaca-se também por levar astros da rádio para o cinema, como a
cantora e atriz Carmem Miranda (1909-1955). O diretor mineiro Humberto
Mauro (1897-1983) é outra importante figura da companhia que produziu no
estúdio obras singulares do cinema nacional como Ganga Bruta (1933).
Outras duas companhias cinematográficas essenciais para entendermos a
história do cinema do nosso país são: a companhia Atlântida cinematográfica,
nascida em 1941, e a companhia Vera Cruz, fundada em 1949. A primeira foi

77
Mestranda em Letras (UNIFESSPA). CV: http://lattes.cnpq.br/5413007248177063
78
Doutorado em Letras (UnB). Professor Adjunto C (UNIFESSPA). CV: http://lattes.cnpq.br/4386390848991888
79
Dispositivo capaz de obter e visualizar impressões cronofotográficas.
209
a companhia que mais desfrutou de reconhecimento nacional por meio de uma
receita de sucesso que transformava qualquer enredo em carnaval: as famosas
chanchadas eram o carro-chefe da Atlândida. Com tramas fáceis, de registro
popular, maniqueístas e superapelativas (DESBOIS, 2016), as chanchadas não
demandavam uma complexa estrutura de produção e eram consumidas facilmente
em todos os lugares em que estreavam. Dispondo ainda de dois grandes ícones da
época, Oscarito (1906-1970) e Grande Otelo (1915-1993), a companhia lançou
diversas comédias estreladas pela dupla que levou milhares de espectadores às
salas de cinema. Os dois personificavam de maneira única, na personalidade e na
cor, dois Brasis, um branco e outro negro (DESBOIS, 2016), em uma parceria
que dava ares de casamento perfeito. A longevidade da companhia é outro marco
importante na indústria cinematográfica no Brasil; ao todo, foram 21 anos de ati-
vidades que só cessaram em 1962 devido ao esgotamento gerado no público pela
mesma formula imutável das chanchadas que já não condiziam com as mudanças
sofridas pelo país nos últimos anos.
A companhia Vera Cruz apareceu no cenário paulista com o ideal de fazer
filmes inspirados na qualidade e tecnologia das películas europeias da época. Para
tanto, dispôs de uma equipe de técnicos e diretores, em sua maioria, estrangeiros,
que conflitavam com a sistemática de produção e consumo cinematográfico no
Brasil. Todavia, a companhia foi a primeira a lançar filmes nacionais que desfru-
tariam de reconhecimento internacional vencendo os mais importantes festivais
mundo a fora. O filme O Cangaceiro, de 1953 (vencedor da categoria Melhor filme
de aventura, do Festival de Cannes), de Lima Barreto, é um bom exemplo do
potencial da companhia porquanto ele trouxe, pela primeira vez, grande prestígio
internacional para uma obra realizada em território brasileiro. Caiçara (1950), de
Adolfo Celi, Tom Payne e John Waterhouse, anterior ao filme de Lima Barreto,
conquistou em 1951 o prêmio de Melhor filme sul-americano no Festival de
Punta del Este, no Uruguai. No Brasil, no entanto, o filme não foi bem recebido
tanto pelo público quanto pela crítica que alegou haver um excesso de “folclore”
na obra (DESBOIS, 2016).
Em seus cinco anos de existência, breves como quase toda empreitada no
cinema brasileiro, a Vera Cruz produziu dezoito longas-metragens que, no geral,
conseguiram redefinir as técnicas e o modo de fazer filmes no país removendo
a etiqueta de artesanal e barato dos filmes brasileiros no cenário internacional.
Entretanto, os altos investimentos da companhia nas produções desencadearam
uma crise interna e financeira na empresa levando-a à falência em 1954.
Apesar de todos os esforços das companhias nacionais no sentido de esta-
belecerem uma indústria cinematográfica de qualidade e de sucesso no Brasil, os
filmes estrangeiros, em especial os norte-americanos, impuseram primazia nas
210
salas de cinema do país desde o fim da Primeira Guerra Mundial. O pioneirismo
dos equipamentos, as técnicas mais avançadas, a narrativa linear de fácil acesso
e os altos investimentos da indústria americana na propagação de suas obras
fizeram com que as películas estrangeiras, legendadas ou dubladas, encontrassem
nas salas de projeção brasileiras terreno fértil para criarem raízes significativas até
hoje aqui encontradas. Entretanto, em determinados momentos da nossa história
cinematográfica, alguns movimentos contestaram e se opuseram à importação de
uma estética pré-moldada, como é o caso do Cinema Novo.
O Cinema Novo surge no fim da década de 1950 em um Brasil que, cine-
matograficamente, importava e promovia superproduções norte-americanas meta-
morfoseando cinema estrangeiro em comédia musical a exemplo das chanchadas
das décadas de 1940 a 1950. O Brasil desse período se inspirava culturalmente no
modo de ser e consumir dos Estados Unidos construindo no circuito internacional
a imagem de um país sem identidade nas produções cinematográficas. Para Pedro
Simonard (2003), podemos dizer que:
O Brasil era visto como um país colonizado culturalmente e esta
característica era muito marcante com relação ao cinema. A ideia
de uma cultura colonizada está intimamente subordinada às ideias
desenvolvimentistas, então em voga. Em nome do desenvolvimento
brasileiro, era preciso mudar uma atitude resignada para com a reali-
dade do país. Esta conjuntura não poderia ser transformada enquanto
não se alterasse a atitude das pessoas frente ao american way of life,
que moldaria o imaginário da burguesia e das camadas médias da
população brasileira e tinha no cinema americano um de seus mais
importantes instrumentos de difusão (SIMONARD, 2003, n.p.).

Desta forma, o Cinema Novo buscava, a princípio, se distanciar da coloni-


zação cultural norte americana e da estética das chanchadas, promovendo uma
crítica às produções das companhias cinematográficas aqui consolidadas como
a Vera Cruz e a Atlântica cinematográfica. Ele se inspira, até certo ponto, nas
vanguardas europeias do pós-guerra como o Neorrealismo italiano e a Nouvelle
vague da França, para levar a cabo o projeto de construir um cinema autoral e
desprendido das amarras do mercado. Para tanto, os diretores do Cinema Novo
recorreram a um fazer-cinema fora dos grandes estúdios da época, experimentando
um baixo orçamento nas suas produções e, até certo ponto, um certo amadorismo
nas implicações técnicas.
Não obstante, é a partir do Cinema Novo que o cinema brasileiro ganha
relevância no cenário internacional com filmes como Vidas Secas (1963), de Nelson
Pereira dos Santos, indicado em 1964 à Palme d’Or no festival de Cannes, Terra
em transe (1967), de Glauber Rocha, ganhador do prêmio de melhor filme em
211
1967 no Festival de Havana, e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade,
que, em 1970, levou o prêmio de melhor filme no Festival Internacional de Mar
del Plata; tais filmes desvelaram ao mundo o potencial criativo e realizador do
cinema brasileiro.
Tal movimento foi tão importante que, entre os anos de 1960 e 1972, o
cinema novo ganhou 45 prêmios internacionais (CINEMA NOVO, 2020) e
aproveitou sua visibilidade global para denunciar as mazelas enfrentadas por um
país com profundas desigualdades sociais, onde fome, pobreza e analfabetismo
imperavam, sobretudo, no sertão profundo do território nacional. Assim, em 1965,
surgiu o manifesto Uma estética da fome, de Glauber Rocha, o mais importante
libelo até então divulgado sobre o Cinema Novo e suas concepções estéticas. O
texto foi apresentado em Gênova, na Itália, durante o Seminário Terceiro Mundo
e Comunidade Social da V Resenha do Cinema Latino-Americano. Para o cine-
manovista, é relevante entender que:
A fome latina [...], não é somente um sintoma alarmante: é o nervo
de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema
Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e
nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreen-
dida (ROCHA, 1965, n.p.).

Essa preocupação com a miséria existencial da população mais pobre e a miséria


moral da burguesia aparece constantemente nas narrativas e na estética das produ-
ções do movimento. Notamos facilmente a busca dos diretores pela denúncia da vida
pobre de seus personagens ou a escassez da existência traduzida em cenários pouco
ou nada decorados, além da simplicidade da mise-en-scène, sobretudo dos filmes que
se consagraram no início do movimento buscando retratar de forma fiel a realidade
brasileira. Foi também buscando descentralizar as produções, a visibilidade do eixo
Rio-São Paulo, que alguns diretores do movimento usaram como cenário o interior
brasileiro, ganhado destaque nas filmagens o interior do Nordeste, como os sertões
de Alagoas e da Bahia, e cidades do interior de Minas Gerais.
Muitas dessas filmagens quebraram o vínculo do cinema nacional com a
lógica do cinema de estúdio, bem decupados e cheios de componentes técnicos
tradicionais do fazer cinema. A preocupação em expor o real, descortinando a
situação da sociedade brasileira fez com que os diretores optassem por atores não
profissionais ou mesmo sujeitos reais de determinadas locações de filmagens para
conseguirem o efeito desejado de veracidade. Salvo essas especificidades, poucas
coisas dão unidade aos filmes do movimento uma vez que o pressuposto de
autoria nos filmes empregava uma liberdade de expressão nas formas e conteúdo
individualizando cada diretor.
212
Ainda assim, um ponto notável nas narrativas do Cinema Novo é a tentativa
de conscientizar seus espectadores sobre a situação de subdesenvolvimento encenada
na vida real pelos mesmos, para que, assim, através de uma tomada de consciên-
cia, pudessem reagir à opressão imposta pela burguesia dominante. Entretanto,
o diálogo entre o movimento e as massas nunca gerou muitos efeitos práticos, já
que havia uma dificuldade por parte dos diretores de se fazerem entendidos pelo
público. Jean-Claude Bernardet (2009), a propósito dessa questão, aponta que:
O público sempre foi preocupação do Cinema Novo, mas o desin-
teresse do público pelo Cinema Novo e a consequência econômica
desse desinteresse fizeram evoluir o tema a ponto de transformar o
público numa palavra vazia de sentido ou num mito indefinido em
nome do qual se aprova e desaprova qualquer coisa (BERNARDET,
2009, p. 219).

Por vezes os diretores do movimento esqueciam ou não se atentavam ao perfil


dos seus espectadores. Estes, tradicionalmente consumidores de filmes musicais
e carnavalescos como as chanchadas, gênero oposto aos filmes “intelectuais” do
Cinema Novo, não entendiam a lógica artística utilizada para retratar a realidade.
Além disso, as dificuldades de distribuição das produções no mercado nacional
associadas à má vontade das empresas quanto à divulgação/distribuição de filmes
tidos como pouco comerciais para a época, contribuíam para o desinteresse da
população pelas produções do movimento. Se não havia interesse em distribuir os
filmes, logo, tal produção ficava cada vez mais inacessível à população, em geral.
Os conflitos de comunicação entre autor e espectador, tão comuns nas pro-
duções artísticas, não foram diferentes no Cinema Novo, provocando, ao lado de
outras causas, o fim precoce do movimento; contudo, seu legado de resistência e
inovação foi firmemente transmitido às produções posteriores. Glauber Rocha,
ainda em Uma estética da fome, reflete sobre um possível “germe” que teria sido
deixado pelo movimento:
Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer proce-
dência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas
importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. A
definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza
da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a
mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do
Cinema Novo depende da liberdade da América Latina (ROCHA,
1965, n.p.).

Alguns nomes se destacaram como expoentes de tal produção cinema-


tográfica no país. Seja por sua participação na formação do movimento, ou por
213
sua estética inovadora, certos cineastas, como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de
Andrade, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, Carlos Diegues e David Neves
assinaram seus nomes na história do Cinema Novo. Cada um, à sua maneira,
buscou imprimir nas suas produções o lema uma câmera na mão e uma ideia na
cabeça, o qual era defendido inicialmente por Glauber Rocha e, posteriormente,
tornou-se fala comum a todos.
Um cineasta, em específico, acha-se no centro de interesse da presente
pesquisa porquanto suas produções exerçam um diálogo significativo com outro
campo artístico de nosso interesse: a literatura. Seu nome é Joaquim Pedro de
Andrade (1932-1988). Fluminense e físico por formação, Joaquim Pedro escolhe
ainda na faculdade a linguagem cinematográfica para se expressar. Sua aproximação
com o cinema começa nos cineclubes e na escrita crítica sobre cinema no jornal
da faculdade (BENTES, 1996).
Em 1957 trabalha pela primeira vez com cinema de forma profissional
sendo escolhido como assistente de produção do filme Rebelião em Vila Rica,
de Renato Santos Pereira e Geraldo Santos Pereira. Já em 1959 se lança como
diretor com dois curtas-metragens: O Poeta do Castelo e O mestre de Apipucos. Em
seguida, participa com o seu curta Couro de Gato (1962) do projeto Cinco Vezes
Favela do CPC – Centro Popular Cultural no Rio de Janeiro. Seu primeiro lon-
ga-metragem viria ainda no mesmo ano com o documentário Garrincha, Alegria
do Povo – filme que levou o famoso jogador botafoguense, astro entre as massas,
para as telas.
Em 1965, já com alguma experiência em montagem, o diretor filma no inte-
rior de Minas Gerais seu primeiro longa-metragem de ficção: O Padre e a Moça,
adaptação do célebre poema de Carlos Drummond de Andrade “O Padre, a Moça”,
de 1962. Poesia literária traduzida em poesia cinematográfica, o filme estabelece
na filmografia do diretor uma relação ainda mais enraizada com a literatura.
O Documentário Cinema Novo – Improvisiert und Zielbewusst [Improvisado
e Engajado], de 1967, mostrava aos céticos as proporções do movimento e o quão
longe ele havia chegado. Já, Brasília, Contradições de uma Cidade Nova, do mesmo
ano, configura-se uma espécie de documentário-encomenda solicitado pela empresa
de origem italiana Olivetti do Brasil. Convidado para dirigir o documentário em
plena ditadura militar, Joaquim Pedro se envereda no caminho do documentário
social e desvela por meio de suas lentes as contradições do progresso. Mas é em
1969, que o diretor estreia seu filme mais aclamado pelo público e pela crítica:
Macunaíma. Adaptando o “herói sem nenhum caráter” do modernista Mário de
Andrade, o cineasta faz mais que a transposição de uma obra literária para as telas,
pois atualiza (de forma engajada) o romance de 1928 ao fazê-lo dialogar com o
Brasil de 1969.
214
Nos anos seguintes, Joaquim Pedro filma A linguagem da Persuasão (1970), Os
Inconfidentes (1972), Guerra Conjugal (1975), Vereda Tropical (1977), O Aleijadinho
(1978) e O Homem do Pau Brasil (1981), documentários, curtas e longas-metragens
pós-Cinema Novo (Cinema Novo enquanto movimento), mas nutridos pelas
significativas transformações que o movimento produziu no cinema brasileiro.

O CINEMA DE JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE

Joaquim Pedro de Andrade ajudou a desenhar de forma muito pessoal os


contornos que formaram o Cinema Novo. Seu cinema poético, mutante, multi-
facetado, construiu e descontruiu a imagem do indivíduo brasileiro por diversas
vezes, em diversas narrativas. Do sociólogo burguês ao poeta solitário, do jogador
estrela ao padre angustiado, do herói sem caráter ao herói inconfidente, Joaquim
Pedro capturou, através de suas lentes, os significados de existir enquanto brasileiro;
ao afirmar “Só sei fazer cinema no Brasil, só sei falar de Brasil, só me interessa o
Brasil” (apud PARANAGUÁ, 2014, p. 120) o cineasta deixou expresso seu com-
promisso em retratar as numerosas representações encarnadas em um único país.
Para trazer às telas os diversos Brasis, recorreu o diretor, muitas vezes, à
apropriação da literatura enquanto fonte de suas obras empregando profusas
interpretações aos textos literários. No exercício de conciliar linguagem literária
com linguagem cinematográfica, o cineasta percorreu o caminho da desconstrução
de significados e renovação de sentidos em um trabalho de reelaboração crítica
a exemplo de Macunaíma, seu filme mais famoso. Ao compararmos as obras de
Mário de Andrade e a de Joaquim Pedro, notamos um destoamento alegórico
em relação à antropofagia modernista que permeia ambas as narrativas. Segundo
Ivan Marques (2019), para Joaquim Pedro, o agente da antropofagia não é mais
o nativo (o brasileiro), mas o capitalismo internacional, representado no filme
pelo empresário Venceslau Pietro Pietra. O cineasta atualiza o mito e vai além,
desconstruindo o já descontruído personagem romanesco:
É preciso ter “calma e munheca rija”, diria Mário, para entender
tantas metamorfoses e variações interpretativas. Pois não se trata
aqui de uma simples adaptação, passagem da literatura ao cinema.
Do modernismo ao Cinema Novo, muita coisa mudou. Houve uma
mudança de eixo, apontada por Heloisa Buarque de Hollanda no
seu livro Macunaíma: da literatura ao cinema. Se a questão moder-
nista era a independência cultural, diz Heloísa, o Cinema Novo, ou
melhor, o contexto histórico dos anos 60 acrescentaria o social e o
econômico como questões decisivas para um pensamento sobre o
Brasil (BENTES, 1996, p. 65).

215
Entre todos os cinemanovistas, Joaquim Pedro foi quem mais se relacionou
com a literatura sobretudo com as obras modernistas admitindo sua aproximação
com o movimento da semana de 22. Filho de Rodrigo Mello Franco de Andrade,
que foi amigo próximo de várias figuras do movimento modernista e fundador do
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN),
Joaquim não renegou seus laços de berço com o movimento e a partir dele produziu
seis de suas treze produções. Entre transposições, documentários e referências, suas
obras relacionam-se com Manuel Bandeira (aliás, padrinho do diretor), Gilberto
Freyre, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Pedro Nava e Oswald
de Andrade no viés da construção de sentido da identidade brasileira ou melhor,
das identidades, assim como idealizou o movimento da década de 1920.
Mas Joaquim Pedro não caminha na via da simples transposição, passagem
de uma mídia a outra. Seu trabalho intelectual na construção de sentido entre uma
obra literária e uma obra cinematográfica revela seu complexo procedimento estético
e crítico à medida em que seus filmes vão tomando forma com montagens atonais
e intelectuais, planos abertos e fechados, enquadramentos que beiram o poético e
narrativas delineadas a partir de movimentos sutis entre câmera objetiva e subjetiva.
Tudo é intencional no cinema do diretor, até filmar o “infilmável”, adaptar o
inadaptável, como apontou Airton Paschoa (2004), já que suas escolhas literárias
fogem dos romances mais propensos à narrativa na tela. Joaquim “problematiza
textos em si já altamente problemáticos a qualquer empresa cinematográfica”
(PASCHOA, 2004, p. 147), como um poema ou um livro com a complexidade
de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, por exemplo.
Desse exercício de “quase impossibilidade”, o diretor fez surgir, em 1981, O
homem do Pau-Brasil, filme hermético, junção de biografia com obra do escritor
modernista Oswald de Andrade e fruto de muita pesquisa e revisão bibliográfica
sobre o ícone modernista. O filme destoa de qualquer obra já produzida até então
no cinema brasileiro a começar pelo emprego de dois atores, Flávio Galvão e Ítala
Nandi, no papel do protagonista, neste caso, Oswald.
Importante ressaltar que, para levar a ideia a cabo, Joaquim arriscou e perdeu
um de seus produtores, que abandonou o projeto levando cerca de trinta por cento
do investimento da produção, além de ganhar uma enxurrada de críticas parti-
lhadas entre conservadores e liberais, amantes e críticos do escritor que tiveram
dificuldades em apreender as dimensões do projeto do cineasta. Seja como for, de
certo modo, Joaquim não ajudou muito na elaboração da construção de sentido
do filme se levarmos em conta a eleição de uma montagem descontínua na obra,
de cenas soltas e de uma narrativa irregular. O filme era oswaldiano em excesso e
não salvou Oswald da incompreensão uma vez mais.
Outra propensão significativa do cinema de Joaquim Pedro constitui-se a
tentativa de apreensão da identidade nacional por meio de documentários. Nes-
216
tes, figuras complexas do nosso imaginário foram interpretadas e ressignificadas
através das lentes do diretor por meio de trabalhos estéticos singulares. O Mestre
dos Apipucos, de 1959, aponta um certo senso irônico do cinemanovista ao filmar
o “cotidiano” do sociólogo Gilberto Freyre em sua casa-grande em Apipucos. O
Freyre de Joaquim Pedro desfruta enquanto sujeito-personagem, dos privilégios de
uma sociedade patriarcal e burguesa, de uma mulher serva e de serviçais prestativos.
Entretanto, tudo no sociólogo soa dissimulado, mecânico, tudo muito próprio de
uma classe favorecida e também rasa, revelando uma certa comicidade na obra.
Já em O Poeta do Castelo, do mesmo ano, Manuel Bandeira é quem permite
ter seu cotidiano filmado pelo diretor. Com uma narrativa muito mais poética,
Joaquim Pedro intercala cenas do modesto dia a dia do escritor com trechos de
seus poemas, compondo na tela uma obra onde literatura e cinema se fundem
gerando uma linguagem ímpar no ecrã.
Outro documentário relevante na cinematografia do diretor é Garrincha,
Alegria do povo, de 1962, no qual o jogador botafoguense Mané Garrincha figura
como o herói da narrativa. Para documentar a vida do jogador, Joaquim empregou
certas técnicas do cinema direto mesclando imagens de arquivo sobre a atuação de
Garrincha nos campos e cenas de seu ordinário cotidiano enquanto pai de família
e morador do Rio de Janeiro.
Vale ressaltar que foi esse o primeiro documentário sobre um jogador no
país, impactando vigorosamente o espectador brasileiro da época. Joaquim Pedro
fez, no entanto, um trabalho muito mais profundo com a figura do jogador do que
simplesmente mostrar sua genialidade com os dribles; o Garrincha que aparece
nas telas é humano, tem ao lado das filhas e dos amigos uma existência comum.
O herói brasileiro era do povo, era o próprio povo. Outro ponto importante do
documentário é a elaboração da ideia de paixão do brasileiro pelo futebol; Joa-
quim argumenta por meio de imagens dos torcedores nos estádios a concepção
do futebol como símbolo cultural. Em síntese, não é o futebol o objeto de análise
do filme e sim o efeito dele sobre o povo.
Brasília, contradições de uma cidade nova (1967) é mais um documentário que
testifica o olhar social do diretor através de uma performance sensível por trás
das câmeras, marca estética de Joaquim Pedro de Andrade. Brasília aparece no
documentário, então com pouco mais de um ano de inauguração, precocemente
dividida e igualando-se às demais capitais do país. O sonho de modernidade, de
superação dos empecilhos socioeconômicos que perseguiam as atrasadas metrópo-
les, mostrou-se utópico em meio aos traçados arquitetônicos de Oscar Niemeyer.
A apresentação da cidade se dá através da narração do poeta Ferreira Gullar,
há entrevistas com imigrantes, imagens do Palácio do Planalto e casas de madeira
construídas na zona periférica, Maria Bethânia cantando a canção “Viramundo”,
217
de Gilberto Gil e Capinan – isto é: várias perspectivas que ajudam a formar a
concepção de contradição da qual o diretor tanto gostava. Brasília, por Joaquim
Pedro, era a cidade nova que já nasceu nos moldes das velhas, apesar dos esforços.
Por meio de curtas e longas, documentários e muito trabalho bibliográfico,
Joaquim Pedro de Andrade foi uma das mentes criadoras e definidoras do Cinema
Novo e do Brasil enquanto “projeto estético-literário-cinematográfico-existen-
cial” (BENTES, 1996, p. 130) que impulsionou toda uma geração. Entretanto, ao
explanar sobre as produções do diretor, percebemos que o mesmo não estagnou
na prerrogativa de cinema “instrumento” do movimento de 1960. Podemos afir-
mar enfim, que, Joaquim Pedro se permitiu experimentar (nas últimas produções,
sobretudo) o cinema enquanto “objetivo”, desprendido de tudo e de todos. O
desprendimento, por certo, pode ser visto como uma das marcas principais do
diretor enquanto artista.

REFERÊNCIAS
BENTES, Ivana. Joaquim Pedro de Andrade: a revolução intimista. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: Proposta para uma história. 2. ed São Paulo: Companhia
das Letras, 2009.
CINEMA NOVO. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2020.
Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo14333/cinema-novo. Acesso em: 05 de maio
de 2022. Verbete da Enciclopédia.
CINÉDIA. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Dis-
ponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao637286/cinedia. Acesso em: 24 jun. 2022.
Verbete da Enciclopédia.
DEBOIS, Laurent. A odisséia do cinema brasileiro. Da Atlântida à Cidade de Deus. São Paulo: Companhia
das letras, 2016.
FREIRE, Rafael de Luna. Acabaram-se os otários: compreendendo o primeiro longa-metragem sonoro
brasileiro. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. v.2, n. 3, 2003, p. 104-128.
KREUTZ, Katia. A história do Cinema Brasileiro. Academia Internacional de Cinema. 26 fev. 2019. Disponível
em: https://www.aicinema.com.br/a-historia-do-cinema-brasileiro/. Acesso em: 13 jun. 2022.
MARQUES, Ivan Francisco. Joaquim Pedro de Andrade e o modernismo. INTINERÁRIOS – Revista de
literatura, Araraquara, n. 49, jul/dez. 2019, p. 115-133.
PARANAGUÁ, P. A. A invenção do cinema brasileiro: Modernismo em três tempos. Rio de Janeiro: Casa
da Palavra, 2014.
PASCHOA, Airton. A estreia de Joaquim Pedro: gigante adormecido e bandeira popular. Revista USP, n.
63, 2004, p. 144-156.
ROCHA, Glauber. Uma estética da fome. Revista Civilização Brasileira, v. 3, 1965, p. 165-170.
SIMONARD, Pedro. Origens do Cinema Novo: A Cultura Política dos anos 50 até 1964. Revista de Ciência
Política Achegas.net. n. 9, julho de 2003. Disponível em: http://www.achegas.net/numero/nove/pedro_simo-
nard_09.htm. Acesso em: 18 maio 2022.

218
ANÁLISE COMPARATIVA DAS DENOMINAÇÕES
ATRIBUÍDAS AOS QUE DISPUTAM A POSSE DE
TERRA NO SUDESTE DO PARÁ

Batista Nascimento da Silva80


Renato Rodrigues-Pereira81

INTRODUÇÃO

O Estado do Pará, no delinear do seu contexto histórico, apresenta uma


situação de disputas permanentes por territorialidades. Nesse cenário, várias são as
denominações que recebem as pessoas envolvidas, de maneira que grupos sociais
passam a ser identificados por meio de denominações que refletem suas caracte-
rísticas sociais, linguísticas e culturais, evidenciando suas intenções comunicativas,
seus anseios e costumes – suas práxis. Por isso, ao estudarmos o vocabulário de uma
língua usado para nomear determinadas situações, coisas ou pessoas, conhecemos
seu povo e suas necessidades circundantes.
Ao nomear seres e objetos, o homem os classifica simultaneamente, utilizando
unidades léxicas (UL) da língua possuidoras de importante carga significativa
e que possibilitam ao estudioso da linguagem investigar aspectos linguísticos e
extralinguísticos. Ao utilizar lexias do acervo lexical de uma língua para nomear,
o homem manifesta sua cultura, seu comportamento, a história de seu povo, ou
seja, pela língua, pode-se descobrir muito sobre determinado grupo social, uma
vez que ela resulta do reflexo das características sociais, linguísticas e culturais de
uma sociedade82.
Nesse contexto, ao orientamo-nos por trabalhos que versam sobre o léxico
e sua representação social, linguística e cultura, analisamos UL pertencentes ao
campo léxico83 aforamento, quais sejam: foreiro, posseiro, camponês, trabalhador
rural, sem-terra, acampado, assentado e agricultor familiar, com vistas a identi-
ficar aspectos sociais e culturais refletidos nas denominações dos sujeitos sociais
(trabalhadores e trabalhadoras rurais), situados ao longo de um contexto histórico
de luta pela posse da terra na região sudeste do Pará, identificada como O Polí-
gono dos Castanhais3. Com esse propósito, estabelecemos os seguintes objetivos
específicos: i) comparar as definições apresentadas em três dicionários da língua
80
Mestrando em Estudos de Linguagens (UFMS). CV: http://lattes.cnpq.br/9627496613491801
81
Doutorado em Linguistica e Lingua Portuguesa (UNESP). Docente (UFMS). CV: http://lattes.cnpq.br/4384951472789863
82
A esse respeito, sugerimos a leitura de Sapir (1969), Dick (1998), Biderman (1998).
83
Para um breve entendimento sobre o conceito de campos léxicos, ver seção 3 deste texto.
3 Definição atribuída à região de grande concentração da árvore da castanheira-do-pará.
219
portuguesa (Aulete, 2011; Borba, 2011; Houaiss (2011), como forma de verificar
se há diferenças conceituais para as denominações supracitadas; ii) identificar se
tais denominações mantêm relação social e cultural dado o contexto histórico de
disputa pela posse de terras.

O LÉXICO E SUA REPRESENTAÇÃO NA SOCIEDADE

O léxico de uma língua carrega em si todos os conceitos que são desenvolvidos


em decorrência dos diferentes contatos humanos. Desse modo, pelo léxico e com
ele temos a oportunidade de conhecer um povo, assim como transmitir, de uma
geração à outra, todos os aspectos que o conformam. A esse respeito, Biderman
(2001, p. 969) esclarece:
O léxico da língua constitui um tesouro de signos linguísticos que,
em forma de código semiótico, registra o conhecimento que a comu-
nidade lingüística tem do mundo através das palavras. Mas não é só
isso. As palavras dão testemunha da cultura de que fazem parte. Mais
ainda: o léxico tem papel fundamental na estrutura e funcionamento
da língua porque refere os conceitos lingüísticos e extralingüísticos
da cultura e da sociedade.

Nessa perspectiva, nota-se que os elementos linguísticos e extralinguísticos


se estruturam em consonância com o seu próprio funcionamento e composição a
partir das práticas linguísticas em sociedade, na relação do homem com sua cultura.
O léxico, assim, promove o arquivamento do saber de um grupo social, pois,
como já ressaltava Vilela (1995, p. 6), “o léxico é a parte da língua que primeira-
mente configura a realidade extralinguística e arquiva o saber linguístico duma
comunidade”. Desse modo, o léxico caracteriza-se como patrimônio cultural que
configura o caráter fundamental de domínio de uma comunidade linguística em
relação ao exercício pleno da linguagem.
Decerto, o léxico de uma língua, com toda sua estruturação e funcionamento,
constitui-se na identidade de um grupo de falantes, de acordo com as características
do ambiente social que esses sujeitos se situam. Em relação ao caráter emblemático
que o léxico possui, temos em Sapir (1969, p. 45) que:
O léxico da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico
e social dos falantes. O léxico completo de uma língua pode se con-
siderar, na verdade, como o complexo inventário de todas as idéias,
interesses e ocupações que açambarcam a atenção da comunidade.

Diante do contexto que concebe essa observação, é permissível a compreensão


do léxico relacionado com o que pode se conceituar como não-linguístico. Ainda,
220
seguindo a observação, é de compreender que a língua é algo, inteiramente, indis-
sociável do homem e sua cultura porque:
Toda língua tem uma sede. O povo que a fala, (...) isto é, a um grupo
de homens que se destaca de outros por características físicas. Por
outro lado, a língua não existe isolada de uma cultura, isto é, de um
conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam
a trama das nossas vidas (SAPIR, 1971, p. 205).

A cultura, como integrante do ato de comunicação linguística que resulta


da partilha dialógica dos sujeitos a partir de suas interações mediante as ‘teorias
de cultura”, delineiam a linguagem e a própria cultura numa convergência nítida
do que condicionam o fazer das práxis linguísticas, como infere Seabra (2015, p.
67): “se deve entender a linguagem como uma prática cultural”.
Ao conceber o léxico e a cultura como elementos que se completam em
uma comunidade linguística, posto que um reflete no outro suas características
formativas, podemos compreender o conceito de cultura também como um ato
de comunicação. Como um sistema de signos que visa a transmitir informações
com suas relações simbólicas entre os indivíduos:
Dizer que cultura é comunicação significa entendê-la por um sistema
de signos. (...) Deste ponto de vista, os produtos culturais de um povo,
por exemplo, os mitos, os rituais, as classificações do mundo natural
e social, também podem ser vistos como exemplos de apropriação da
natureza pelo ser humano por meio de sua capacidade de estabelecer
relações simbólicas entre indivíduos, grupos e espécies. Acreditar que
cultura é comunicação significa que para uma comunidade comunicar
sua teoria do mundo para vivê-la (DURANTI, 2000, p. 60).

Nessa perspectiva, resulta salutar compreender a cultura como ato comu-


nicativo mediatizado através de símbolos que emergem da necessidade acerca de
entender o próprio conceito fundamental de cultura, por meio de seus símbolos.
Desta forma, compreende-se que um conjunto de símbolos de naturaza linguística
e extralinguística possa constituir o contexto cultual e social de uma comunidade
linguística, a prática coletiva dos sujeitos sociais como atores culturais.
Como se percebe, o “[...] léxico de uma lígua natural contitui uma forma
de registrar e armazenar o conhecimento do universo” (BIDERMAN, 2002, p.
85). Por isso, “ [...] em decorrência desse caráter emblemático, por meio do léxico
transmitimos conhecimentos diversos a respeitos de todos os aspectos sociais, lin-
guísticos e culturais de uma comunidade linguística, nos mais diversos contextos”
(RODRIGUES-PEREIRA; ZACARIAS; NADIN, 2019, p. 6).

221
Nesse processo de transmissão de conhecimentos diversos, é comum iden-
tificarmos conceitos para determinadas situações e/ou grupos de pessoas que são,
muitas vezes, a forma como a sociedade, ou parte dela, os vê. Tais conceitos, no
âmbito da língua, são representados de forma especial pelo léxico, um verdadeiro
representante de aspectos inerentes à sociedade de que pertence.
Nesse enquadre epistemológico, Isquerdo (2003, p. 165) esclarece que:
Concebendo-se o léxico como o nível da língua que melhor docu-
menta o modo como um povo vê e representa a realidade em que vive,
podemos entender que o vocabulário de um grupo social atesta seus
valores, suas crenças e também a forma como nomeia os referentes
do mundo físico e do universo cultural em diferentes épocas da sua
história. Em vista disso, o repertório lexical de uma comunidade
lingüística renova-se, tranforma-se à medida que atuam sobre fatores
históricos, geográficos e culturais.

É importante considerar, no que concerne às particularidades constituinte


de uma língua, que o léxico é a representatividade que assegura a cultura intrínseca
ao fazer prático social da vida de um grupo de sujeitos em interação por meio
da linguagem, de forma que o léxico e a cultura atribuem identidade peculiar à
comunidade linguística a partir da linguagem como ação comunicativa.
Silva; Sousa (2020, p. 1), ressaltam que “o léxico de determinado grupo
de falantes traz em seu bojo os reflexos da cultura e da identidade linguística do
sujeito falante e da região à qual o usuário da língua habita e se manifesta através
da linguagem”. Nota-se, pois, que a língua, manifestada pelo léxico e pela cultura,
organiza de forma delimitada as características do grupo social na condição de
regional, atestando, desse modo, “[...] a imagem de mundo que individualiza um
determinado grupo social, tornando-se, em vista disso, uma espécie de documento
vivo da prórpia história desse grupo, assim como de todas as normas sociais que
o regem (ISQUERDO, 1996, p. 178).
Nesse contexto, nota-se que as UL acabam que se agrupam em campos que
de alguma maneira possuem relações de sentido. Em Germain (1986), que traz-nos
importante reflexão teórica sobre a hipótese de J. Trier (dos nos anos 30 do século
XX), temos a explicação de que os vínculos entre as palavras existem de forma
paralela aos vínculos entre os conceitos, de forma que a todo campo conceitual
corresponde um campo léxico, de modo que toda mudança nos limites dos conceitos
implica necessariamente modificações no nível das palavras (GERMAIN, 1986).
Abbade (2009, p. 38), por sua vez, explica que:
O léxico representa uma estrutura, um todo articulado, onde há
uma relação de coordenação e hierarquia articuladas entre as pala-
222
vras que são organizadas à maneira de um mosaico: o campo léxico.
Nesse sentido, as palavras que ocupam determinado campo estão
individualmente determinando seus significados pelo número e pela
situação, as palavras estão organizadas em um campo com mútua
dependência, ou seja, elas adquirem uma determinação conceitual a
partir da estrutura do todo.

Pode-se perceber que as articulações semânticas que se estabelecem entre as UL


de uma língua acontecem de diferentes formas. No caso específico deste trabalho, como
demonstramos por meio das análises apresentadas na sequência, as relações resultam
do reflexo de aspectos sociais da comunidade linguística. Por isso, na próxima seção,
procuramos demonstrar o caráter emblemático do léxico, posto que ele nos permite,
a depender de nossas intenções, diferentes olhares investigativos.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

De acordo com os objetivos estabelecidos para este trabalho, nesta seção,


apresetamos as análises que realizamos sobre algumas UL do campo léxico afo-
ramento, demonstradas a partir da Figura 1 a seguir.

Figura 1: Unidades léxicas do campo léxico aforamento

Fonte: elaboração própria.

223
Salientamos que as UL selecionadas para esta análise se entrecruzam no
processo de nomeação dos sujeitos inseridos diretamente na disputa pela posse da
terra, configurando o sentido de pertencimento ao domínio do jurídico agrário,
o que confirma o já explicado por Biderman (2001, p. 13):
O léxico se relaciona com o processo de nomeação e com a cognição
da realidade[...] O léxico de uma língua natural constitui uma forma
de registrar o conhecimento do universo. Ao dar nome aos seres e
objetos, o homem os classifica simultaneamente. Assim, a nomeação
da realidade pode ser considerada como a etapa primeira no per-
curso científico do espírito humano de conhecimento do universo
(BIDERMAN, 2001, p. 13).

Para tanto, estruturamos nossas análises da seguinte forma: i) apresentação


das definições registradas em três diconários de língua, quais sejam: Aulete (2011),
Borba (2011), Houaiss (2011), como forma de verificar se há diferenças concei-
tuais para as denominações supracidadas; ii) discussão das diferenças conceituais
com vistas a verificar se tais denominações mantêm relação social e cultural em
decorrência do contexto histórico de disputa pela posse de terras.
Para a UL aforamento, identificamos o seguinte:

Quadro 1: Definições para a unidade léxica aforamento


Dicionário Verbete
aforamento (a-for-ra-men-to) Jur. s.m. 1 ação ou resultado de levar (caso, causa) a foro, a
Aulete (2011) julgamento 2 Direito (transferível a herdeiros) de utilizar um imóvel mediante um pagamento
anual, chamado foro; ENFITEUTICADO 3 O documento que confirma esse direito [F.:
aforar + -mento.]
AFORAMENTO a.fo.ra.men.to Sm 1 cessão de bens para uso mediante pagamento de uma
Borba (2011) quantia anual: fizeram aforamento de várias fazendas aos sem-terra. 2 essa quantia: Ele tem sua
terra, não paga aforamento nem trabalha um dia de graça.
a.fo.ra.men.to s.m. direito de gozo perpétuo de imóvel mediante a obrigação de não
Houaiss (2011) deteriorá-lo e de pagar um foro anual, certo e invariável; enfiteuse [ETIM.: aforar + -mento].
Fonte: elaboração própria

Os conceitos contidos nos dicionários consultados demonstram que a UL,


para além de pertencer ao campo jurídico, como registrado em Aulete (2011), pos-
sui, em termos gerais, um sentido que denomina uma ação de conceder mediante
o pagamento de um foro anual [taxa fixa] o domínio útil de um imóvel.
No contexto desta pesquisa, o uso de terras se dá por meio de domínio útil
de áreas de terras devolutas do Estado para a exploração da castanha-do-pará
na região do sudeste do Pará. Essas extensões de terras aforadas apresentam o
angariamento de terras, concentrando sobre seu domínio muito além do firmado
no aforamento, emergindo, assim, os conflitos pela posse de terra na região. Nesse
cenário, entra em cena os sujeitos que compõem esse conjunto social de interesses
224
antagônicos que através do processo evolutivo da busca pela posse permanente
da terra delineia os conceitos e consequentes denominações, como nos casos de
foreiro e posseiro, que são discutidos na sequência.
Em Luz (2019), um dicionário de termos jurídicos, temos a definição de
aforamento que, se comparada com aquelas registradas nos dicionários Aulete
(2011), Borba (2011) e Houaiss (2011), demonstra que estes últimos possuem
definições adequadas ao contexto de uso da UL em questão, a saber:
Aforamento emprazamento. Indica o contrato de enfiteuse, pelo qual
o proprietário cede a outrem o domínio útil de seu imóvel mediante
pagamento de uma pensão ou foro anual. Em que pese extinta pelo
CC/2002, a enfiteuse permanece em uso para os terrenos da União,
conforme dispõe a Lei n. 9.636, de 15.05.1998 (v. Aforamento de
imóveis da União) (LUZ, 2019, p. 46).

Quando à análise das denominações foreiro e posseiro, verificamos a relação


léxica, em termos de sentidos, ocorrida em decorrência do contexto de uso da UL
e da atuação dos atores envolvidos no processo de disputa pela posse de terras.

Quadro 2: Definições para a unidade léxica foreiro


Dicionário Verbete
foreiro (fo-rei-ro) a. 1 Jur: Que diz respeito ao foro 2 jur: que paga foro: Construiu a casa
Aulete (2011) numa num terreno foreiro à Marinhado Brasil. [...] Sm 7 Jur: O que tem domínio útil de
algum prédio rustico ou urbano por contrato de enfiteuse: “Compete igualmente ao foreiro
o direito de preferência no caso de querer o senhorio vender o domínio direto ou dá-lo em
pagamento” (Código Civil Brasileiro).
FOREIRO (fo.rei.ro) Adj ( Jur) 1 Que está sujeito a encargos correspondentes a enfiteuse:
Borba (2011) Quando um imóvel foreiro é negociado, deve ser recolhida à União a taxa denominada laudêmio.
Sm 2 Pessoa que cultiva terras, pagando foro ou taxa ao senhorio direto: Os foreiros
geralmente são agricultores. ( Jur) 3 Pessoa que, por meio de contrato, adquire o direito ao
uso de um imóvel; enfiteuta.
Houaiss (2011) fo.rei.ro adj. s.m. (o) que é sujeito a pagamento de foro (‘imposto’)[terreno f.][ETIM: foro +
-eiro].
Fonte: elaboração própria

Pelas definições registradas nos dicionários, nota-se que a UL foreiro é àquele


que tem o foro, ou seja, que recebeu do Estado o domínio útil da área a partir
de pagamento de foro. Posseiro, por sua vez, como demonstrado no Quadro 3, é
aquele que tem a posse a partir de ocupação de terra desocupadas ou abandonadas.

225
Quadro 3: Definições para a unidade léxica posseiro
Dicionário Verbete
posseiro (pos-sei-ro) a. 1 Jur. Que tem a posse legítima, legal, de alguma coisa s.m 2 Jur.
Aulete (2011) Aquele que tem essa posse 3 Bras. Indivíduo que ocupa terra devoluta ou abandonada para
cultivá-la.
POSSEIRO (pos-sei-ro). Sm pessoa que por ato individual toma posse de alguma
Borba (2011) propriedade: A expulsão dos posseiros foi cercada de cuidados para evitar mal-estar.
Houaiss (2011) pos.sei.ro adj. s.m. 1 que(m) tem a posse legal de (algo). s.m 2 aquele que ocupa terras
desocupadas ou abandonadas, a fim de cultivá-las [ETIM. Posse + -eiro].

Fonte: elaboração própria.


As UL foreiro e posseiro, de Aulete (2011), são do domínio jurídico. Perten-
centes ao contexto agrário, por meio de seu estudo, nota-se aspectos da cultura dos
sujeitos sociais ativos das circunstâncias existenciais relacionadas à posse de terras,
como no caso das ocorridas na região sudeste paraense. Como se depreende, “A
história da formação do léxico não corresponde a um processo linear e continuado,
ela decorre de vários estados da produção de saber linguístico e das transformações
que eles sofreram ao longo dos processos históricos” (AGUIAR; SIQUEIRA,
2011, p. 386).
Nos outros dois dicionários, em Borba (2011), foreiro é classificada como de
uso jurídico; já em Houaiss (2011), não há a classificação de uso jurídico. Quanto
a posseiro, nos dois dicionários não são evidenciadas de forma explicita como de
uso jurídico, mas no bojo da exemplificação de suas definições, verifica-se que são
substantivos que têm como referente aquele que tem a posse mediante ocupação,
sobretudo de terras devolutas.
Quanto a camponês e trabalhador rural, como não identificamos para este
último a locução, apresentamos no Quadro 4 as definições para trabalhador, para
que possamos realizar nossas análises em conformidade com nossos objetivos.

Quadro 4: Definições para a unidade léxica camponês


Dicionário Verbete
camponês (cam-po-nês) sm. 1 Pessoa que mora e/ou trabalha no campo; CAMPÔNIO 2
Aulete (2011) Indivíduo pertencente a classe ou grupo social formados por trabalhadores rurais de baixa
renda, pequenos proprietários rurais etc. a. 3 Do ou próprio do campo; CAMPESTRE 4
Próprio de camponês (1 e 2) ou ref. Aos camponeses como classe social [...].
CAMPONÊS cam.po.nês Sm 1 quem vive ou trabalha no campo Adj 2 do campo;
Borba (2011) campestre: Comemos uma salada camponesa de tomates, cebolas, pepinos e azeitonas. 3 dos
camponeses: Aos poucos fui assimilando os hábitos camponeses.
cam.po.nês adj. s.m. 1 que(m) vive e trabalha no campo. adj. 2 relativo ao campo; agrário
Houaiss (2011) [...].
Fonte: Elaboração própria

As definições apresentadas para camponês demonstram uma referência ao


sujeito que vive e trabalha no campo, não fazendo menção à questão da posse de
terras, como em foreiro e posseiro. Nota-se que no estágio de ocupação da região
226
denominada Polígono dos Castanhais, manteve-se os sentidos de outras regiões do
país, como os registrados nas obras. Isso se dá, ao que tudo indica, pela consideração
da grande massa de trabalhadores do campo, camponeses, no universo pesquisado,
incluindo, pois, os camponeses em situação de aforamento.

Quadro 5: Definições para a unidade léxica trabalhador rural


Dicionário Verbete
trabalhador (tra.ba.lha.dor) [ô] a. 1 Que trabalha (indivíduo trabalhador); ATIVO;
Aulete (2011) LABORIOSO [Ant.: mandrião, preguicçoso.] 2 Que se dedica com esmero, afinco etc.
à execução de tarefa(s) 3 RS Que é usado para cobrir éguas (diz-se de jumento) sm. 4
Aquele que trabalha; EMPREGADO; OPERÁRIO [Fem. Trabalhadeira, trabalhadora.]
[F: trabalhar + -dor] ■ ~ autônomo Aquele que exerce atividade remunerada sem vínculo
empregatício e em caráter não permanente.
TRABALHADOR tra.ba.lha.dor Adj. 1 que trabalha bastante; laborioso: um homem
Borba (2011) honesto e trabalhador Sm 2 empregado; operário: O trabalhador ganha mal. 3 pessoa que
trabalha numa determinada profissão; profissional: um trabalhador metalúrgico. ● (i) Ant para
1 preguiçoso (ii) Fem para 1 trabalhadeira.
tra.ba.lha.dor \ô\ adj.s.m. 1 que(m) trabalha 2 que(m) gosta de trabalhar Ant malandro ■
Houaiss (2011) s.m. 3 empregado, operário [ETIM: rad. do part. Trabalhado (v. trabalhar) + -or].
Fonte: elaboração própria

Como se percebe pelo exposto no Quadro 5, não há uma entrada nos dicio-
nários como trabalhador rural, mas sim, trabalhador. Assim como em camponês,
depreende-se pelas acepções que trabalhador rural resulta do entendimento de sua
fundamentação com base ao contexto regional para se referir às pessoas que vivem
e trabalham no campo, sobretudo como empregados nas grandes fazendas. Nos
três dicionários consultados, verifica-se que para a UL camponês são registrados
praticamente os mesmos sentidos, com algumas variações textuais, com a diferença
de que no dicionário Aulete há também o sentido de trabalhador rural.

Quadro 6: Definições para a unidade léxica sem-terra


Dicionário Verbete
sem-terra (sem.ter-ra) a2g2n 1 Bras. Que não possui terra (diz-se de trabalhador rural)
Aulete (2011) s2g2n 2 Bras. Trabalhador rural que não possui terra [F.: sem + terra.]
SEM-TERRA sem.ter-ra Adj 1. diz-se do camponês que não tem posse legal da terra
Borba (2011) em que vive ou trabalha S 2 esse camponês: Os sem-terra exigem um pedaço de chão. ● É
invariável.
sem-ter.ra adj.2g.2n.s.2g.2n. (trabalhador rural) sem a posse legal da terra em que vive ou
Houaiss (2011) trabalha.
Fonte: Elaboração própria

As definições contidas nos dicionários acerca da UL sem-terra referem-se


à condição social daquele sujeito trabalhador do campo que não possui a posse
da terra que trabalha. Essa designação infere que essa condição social registrada
nos dicionários demonstra o sentido que se cristalizou na língua em decorrência
da necessidade de designar a identidade coletiva de um povo. A esse respeito,
227
destacamos as palavras de Caldart (2004, p. 19) que, ao explicar sobre a grafia da
UL, também ressalta a condição dos sujeitos envolvidos nesse contexto:
Faço também aqui alguns esclarecimentos sobre a grafia do nome
Sem Terra [...] a condição (individual) de sem (a) terra, ou seja, a
de trabalhador ou trabalhadora do campo que não possui sua terra
de trabalho, é tão antiga quanto a existência da apropriação privada
deste bem natural. No Brasil, a luta pela terra e, mais recentemente,
a atuação do MST acabaram criando na língua portuguesa o vocá-
bulo sem-terra, com hífen, e com o uso do s na flexão de número (os
“sem-terras”), indicando uma designação social para esta condição de
ausência de propriedade ou de posse da terra de trabalho, [...] uma
identidade coletiva, (CALDART, 2004, p. 19).

Ainda sobre a grafia do nome, a autora esclarece:


O MST nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem s, o que his-
toricamente acabou produzindo um nome próprio, Sem Terra, que é
também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso
social do nome já alterou a norma referente à flexão de número, sendo
hoje já consagrada a expressão os sem-terra (CALDART, 2004, p. 20).

Na sequência, Quadros 7 e 8, apresentamos os dados lexicográficos referentes


às UL acampado e assentado, seguidas de nossas análises.

Quadro 7: Definições para a unidade léxica acampado


Dicionário Verbete
Aulete (2011) acampado (a.cam.pa.do) a. 1 Que (se) acampou, que está alojado em
acampamento: um grupo acampado na praia. 2 Que está alojado provisoriamente,
e em condições precárias, em algum lugar: Tivemos de ficar acampados na casa da
minha tia. 3 P. ext. Pop. Que está ou fica postado num lugar durante muito tempo:
manifestantes acampados há dias diante do ministério. [F.: Part. De acampar. ]
Borba (2011) ACAMPADO a.cam.pa.do Adj. alojado em acampamento; aquartelado: soldados
acampados no campo de futebol.
Houaiss (2011) ---
Fonte: Elaboração própria

Quanto ao lema acampado nos dicionários Aulete (2011) e Borba (2011),


verifica-se semelhança circunstancial de sentido, referindo-se a aquele ‘que (se)
acampou’ ou que está ‘alojado em acampamento’; um grupo de sujeitos que está
alojado [acampado] temporariamente em condições precárias. Nota-se, pois, em
comparação ao contexto de luta por terras, uma analogia com a realidade vivida
por um acampado que decide como opção ou única alternativa de sonhar com uma
vida melhor que é acampar em moradia como barracos cobertos de lonas pretas e
228
que almeja a conquista da terra. Sobre essa realidade, recuperamos a contribuição
de Pereira (2013, p. 2014), que ao discorrer sobre a identificação dessa realidade e
a mudança de nomenclatura, explica que “a identificação é outra. Mudou o nome”,
pois mudaram as estratégias e táticas de luta pela terra. Segundo o autor, “[...] agora
a lona preta dentro do latifúndio é mais recente, foi o MST que trouxe [...]. Hoje
você ouve falar em sem-terras ligados ao MST, sem terras ligados a FETAGRI e
sem-terras ligados aos sindicatos”.

Quadro 8: Definições para a unidade léxica assentado


Dicionário Verbete
Aulete (2011) assentado (as.sen.ta.do) a. 1 Que se assentou, que se sentou ou está sentado 2
Que se assentou, que se depositou ou pousou sobre algo 3 Firme, solidamente
fixado sore uma base 4 Que foi combinado ou decidido (questão assentada) 5
Que é membro do assentamento (3) 6 Circunspecto, discreto, prudente (pessoa
assentada; juízo assentado) sm. 7 Indivíduo que é membro de um assentamento
8 BA Extensão de terreno plano em alto de serra ou morro; ASSENTADA [F.:
Part. de assentar.]
Borba (2011) ASSENTADO as.sen.ta.do Adj 1 disposto no lugar: Usa muita goma, mesmo
assim o cabelo não fica assentado. Ela tem uma pele belíssima e assentada. 2 combinado;
resolvido; decidido: Não adianta discutir mais porque minha candidatura já está
assentada. 3 ajuizado: Augusto é um rapaz assentado, discreto. 4 diz-se do trabalhador
rural que recebeu do Governo a posse da terra onde vive: Mais de duzentas famílias
já estavam assentadas. 5 ajustado: A porteira caiu porque estava mal assentada. 6
cravado engastado: uma capelinha assentada no topo da colina. 7 estabelecido;
sediado; localizado: tropas assentadas em acampamentos ao pé da serra. 8 edificado;
fundado; apoiado: um casarão assentado sobre grandes blocos de pedra. 9 sentado: O
capataz continuou assentado num canto da mesa. 10 pousado: um tiziu assentado num
ramo balançante de arroz. 11 fundamentado; baseado: um projeto coletivo assentado
em parcerias; Na verdade, suas críticas ao meu artigo estão assentadas em uma concepção
ultrapassada sobre direito comercial. 12 sedimentado; firmado: Aquelas ideias já
estavam bem assentadas em minha mente. Sm 13 terreno plano no alto de um morro
ou de uma serra: Lá longe, no assentado, plantaram um cruzeiro bem visível. 14
trabalhador rural que recebeu do Governo a posse da terra onde vive: Distribuíram
100 hectares de terra para cada assentado. O banco recusou empréstimo aos assentados
porque eles não tinham avalistas.
Houaiss (2011) ---
Fonte: Elaboração própria

Os lemas acampado e assentado, pelo exposto alhures, não estão registrados


no dicionário Houaiss (2011). As duas UL, como se percebe pelas acepções 5 e
7, no dicionário Aulete (2011) e pelas acepções 4 e 14 em Borba (2011), parte da
definição do sem-terra, uma vez que o acampado é aquele que não tem a posse da
terra e, mas que se insere no contexto de busca para tê-la. O assentado é o sem-
-terra que mediante sua busca persistente adquire a posse da terra, como ressalta
Pereira (2013, p. 215):
Por outro lado, assim como o posseiro, para muitos sem terras ou
ex sem-terras, agora assentado da reforma agrária, a sua primeira
229
preocupação parece não ser o título de seu lote, mas o seu trabalho
na terra e, muitas vezes, a garantia que seu nome esteja na Relação
de Beneficiário (RB) da reforma agrária, do INCRA.

A definição para a UL assentado, como registrado em Borba (2011), “14


trabalhador rural que recebeu do governo a posse da terra onde vive”, refere-se a um
sujeito que após o estágio de acampado do governo recebeu a posse da terra,
consolidando uma nova condição: possuidor da terra para trabalhar no campo
e assim produzir suas formas de permanência no meio rural. Conclui-se, assim,
que as UL acampado e assentado são também trabalhadores rurais, uma referência
mantida no nome de um dos principais movimentos de maior inserção política e
social na luta pela posse da terra, a exemplo do que acontece na região sudeste do
Pará: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Esses sujeitos,
que mediante o desenrolar do contexto histórico de lutas pela posse da terra nas
últimas quatros décadas e que foram denominados de diferentes formas, chegam
à fase em que recebem a designação agricultor familiar, sobre a qual discorremos
a partir do Quadro 9.

Quadro 9: Definições para a unidade léxica agricultor familiar


Dicionário Verbete
Aulete (2011) agricultor (a.gri.cul.tor) [ô] a. 1 Que agriculta, que cultiva a terra 2 Que se
dedica à agricultura sm. 3 Quem cultiva a terra; LAVRADOR; AGRÍCOLA
4 Indivíduo, ger. proprietário de terras, que se dedica à agricultura [F.: Do lat.
agricultor, oris.]
Borba (2011) AGRICULTOR a.gri.cul.tor) Sm 1 quem cultiva ou lavra a terra. 2 proprietário
de terra cultivada.
Houaiss (2011) a.gri.cul.tor \ô\ adj.2g.s.m. que(m) se dedica à agricultura; cultivador; lavrador
[ETIM: lat.agricultor, oris ‘agricultor, lavrador’]
Fonte: Elaboração própria

A UL agricultor familiar, como se percebe pelos registros no Quadro 9, não


é registrada nos dicionários. Há, como se percebe, o lema agricultor, cujas acepções
possuem semelhanças intrínsecas ao conceito referente ao sujeito que cultiva a
terra, o agricultor que cultiva, lavra, desenvolve a agricultura.
Considerando o processo de mudança e cristalização lexical que acontece
com o passar dos tempos, de acordo com os usos que a comunidade faz de uma
determinada UL, é possível que futuramente os dicionários a serem elaborados
ou reelaborados passem a registrar um lema ou, pelo menos, uma locução dentro
de um verbete para fazer referência ao sentido de agricultor familiar. Este, por
sua vez, é possível que receba uma definição que enalteça a participação de entes
familiares nas atividades de cultivar, lavrar a terra, desenvolvendo agricultura, ou

230
seja, um sujeito que cultiva a terra com o auxílio da família. Picolotto (2015, p.
69), sobre os agricultores familiares, explica:
[...] seriam certa camada de agricultores capazes de se adaptar às
modernas exigências do mercado, que se diferenciam dos demais
pequenos produtores incapazes de assimilar tais modificações. A ideia
central é a de que o agricultor familiar é um ator social da agricultura
moderna e, de certa forma, [...] que apostou nas explorações fami-
liares, seja por interferências na estrutura agrária, seja na definição
de políticas de preços e nos níveis de renda agrícola e no processo
de inovação técnica.

Pelo exposto, nota-se que o conhecimento dos sentidos que uma UL possui
nos proporciona o entendimento mais adequado do contexto social que determinada
lexia é mais utilizada. Por isso, como explica Rodrigues-Pereira (2020, p. 137), “o
conhecimento de diferentes aspectos de uma unidade léxica [em especial os seus
sentidos] torna-se essencial em diversas situações de comunicação, porquanto o
desconhecimento de uma ou de outra particularidade da léxica em questão pode
dificultar” o usuário da língua em sua atividade de comunicação.
Ainda em relação às consultas realizadas para agricultor e familiar, identifica-se
que a base de suas definições é tomada do sentido geral de agricultor familiar, pois
faz referência a um ator social que desenvolve a agricultura tendo como base de
seu desenvolvimento a família. Dessa forma, verifica-se que a base semântica do
léxico e da cultura do grupo social de agricultores sociais situa-se em convergência
com as demais unidades léxicas analisadas. Nota-se um processo ascendente no
contexto de mudança de sentido, evidenciado, portanto, pela mudança de nomes
para esses grupos de agricultores familiares, como se presencia, em especial, na
região sudeste do Pará.
Ademais, é possível compreender a expansão da linguagem em uso, nesse
processo evolutivo, em cenários de trabalhadores que no seu contexto de formação
predomina uma união de sujeitos de diversos espaços geográficos e com domínio
linguístico e culturais diversos. Essa constatação fica evidente quando:
O conjunto de vocábulos que integra o universo lexical de uma língua,
por reproduzir a visão de mundo, o patrimônio cultural dos falantes e
por testemunhar a vida, a história e a cultura de um grupo em dife-
rentes fases de sua história, fornece marcas da identidade desse grupo.
A forma de usar a língua, particularmente a de escolher as palavras,
revela aspectos da maneira de pensar e de agir de um indivíduo/grupo,
além de fornecer índices da origem geográfica e da classe social do
falante (ISQUERDO, 2003, p. 178).

231
As palavras da autora corroboram os resultados deste estudo, posto que as
análises evidenciam o reflexo de aspectos sociais e culturais dos sujeitos trabalha-
dores do Polígono dos Castanhais no léxico da língua portuguesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os objetivos estabelecidos para este texto, buscamos identificar


aspectos sociais e culturais refletidos nas denominações dos trabalhadores rurais que
se encontram em um contexto histório de luta pela posse de terras, com foco para
a região dudeste do Pará, especificamente a denominada O Polígono dos Castanhais.
Por meio das análises das definições apresentadas nos três dicionários da
língua portuguesa - Aulete, 2011; Borba, 2011; Houaiss (2011), assim como a
partir da literatura visitada, foi possível compreender que léxico e cultura possuem
estreita relação, posto que no léxico são refletidas as diferente manifestações e
atuações dos intengrantes de uma sociedade.
Com base no estudo realizado a partir das análises das unidades léxicas pos-
seiro, camponês, trabalhador rural, sem-terra, acampado, assentado, agricultor familiar,
do campo léxico do aforamento, termo este do domínio agrário, verificamos um
processo de mudança de sentidos, de valores em relação a esse povo batalhador,
que busca um espaço para viver e produzir, evidenciando, como explica Isquerdo
(2003, p. 166), o fato de que “examinar um léxico regional significa necessariamente
considerar o eixo do espaço e o eixo do tempo”.
Nesse cenário, para finalizar este texto, buscamos nas palavras de Pereira
(2013, p. 214), que elucida-nos: “[...]mudou-se a categoria do trabalhador que
luta pela terra, porque mudou a forma de fazer a luta. Posseiros não acampam. A
identificação é outra. Mudou a nomenclatura, porque mudou as estratégias e as
táticas de luta pela terra [...]”.

REFERÊNCIAS

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o livro de cozinha da Infanta D. Maria. Salvador: Quarteto, 2009.

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VILELA, Mario. Léxico e gramática. Coimbra: Almedina, 1995.

234
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA: PERCORRENDO ESTE CAMINHO

Carmem Lúcia de Souza Ribeiro84


Ana Cláudia Ribeiro de Souza85

INTRODUÇÃO

A Educação a Distância (EaD) configura-se como uma modalidade de


ensino que, desde as últimas décadas, conta com um longo processo de evolução.
Com isso, evidencia-se que o momento atual se fundamenta na transformação e
nas quebras de paradigmas. Destarte, nota-se que tais paradigmas hodiernos sociais
não são capazes de suportar as relações e os desafios exigidos pela sociedade. Sendo
assim, faz-se premente a necessidade de acompanhar as mudanças ocorridas diante
de tal cenário, assim como a investigação das modificações e dos elementos que
foram alterados e, sobretudo, como ocorreram tais alterações (BEHAR, 2013)
De acordo com o Censo da Educação Superior, realizado anualmente
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), de 2019, o número de matrículas em cursos na modalidade a distância,
no território nacional, aumentou 17,5%, entre 2016 e 2017, destacando-se uma
maior demanda de estudantes por cursos nessa modalidade. Segundo o INEP, o
número de cursos no país, também aumentou: passou de 1.662 para 2.108, o que
representa um aumento de 26,8% - maior crescimento desde 2009, quando o país
saiu de 647 registrados até 2008 para 844 cursos. Portanto, nota-se que a EaD é
a modalidade educacional de maior crescimento na oferta, aumento acarretado
pelas Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs), como a
internet. Logo, mostra-se indispensável que o docente que atua nessa modalidade
esteja preparado para atuar com eficiência e comprometimento.
A discussão sobre a formação de professores na EaD, percorrendo um
caminho, utiliza uma abordagem teórica a respeito da formação do professor sob
o olhar de diversos autores, entre eles Garcia (1999) que apresenta a necessidade
da discussão sobre a formação de professores, e Santos (2014) fornece uma análise
sobre as políticas e práticas da formação continuada. Sob esse viés, a discussão
sobre esse tema mostra-se relevante, uma vez que verifica-se que a prática docente
precisa estar fundamentada em uma teoria, logo, o professor precisa saber e conhe-
cer as teorias para que sua prática não se torne uma prática vazia. Além disso, este
capítulo aborda a importância da formação do professor para atuar na EaD, o que
é muito pertinente para a estruturação de sua práxis.

84
Mestrado em Ensino Tecnológico (IFAM). Coordenadora de ProduçãoTécnico Científica (CEPAN).
CV: http://lattes.cnpq.br/1946736308703939
85
Doutorado em História (PUCSP). Professora (IFAM). CV: http://lattes.cnpq.br/7472602272780097
235
Em sua metodologia este estudo utilizou um levantamento bibliográfico
de caráter qualitativo no qual percebeu-se que este novo contexto em que a EaD
se encontra requer de professores em formação o desenvolvimento de novas
competências, competências essas que irão fortalecê-los e capacitá-los a utilizar
a EaD de forma a contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, em vista
de novos e crescentes desafios.

PERCORRENDO O CAMINHO DA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES NA EaD

Abordar a temática da formação de professores implica descrever a vertente


do conhecimento formada pela teoria e prática que são conexas com as vivências,
aprendizados e experiências dos docentes no decurso de sua trajetória profissio-
nal (GARCÍA, 1999; HAVIARAS, 2020). Dessa maneira, podemos dizer que
a formação de professores não abarca apenas os conhecimentos adquiridos pelo
profissional da educação ao longo da sua trajetória de formação, mas também
por suas experiências, por sua história de vida, por sua maneira de conduzir os
processos de ensino e aprendizagem, bem como pela forma com a qual as suas
práticas educativas são executadas (ZABALA, 1998). É esse conjunto de elementos
teóricos e práticos atinentes a sua atuação enquanto professor que lhe conferem o
que Kosik (2002) denomina como práxis, a qual está relacionada com a realidade
vivenciada pelo docente, durante o exercício de sua profissão.
A ideia de que a figura do professor se limitava apenas a de transmitir
conhecimentos, cujo ideário remete aos estudos de Freire (1987; 1996), o qual
sempre questionou de forma pertinente o modelo conhecido como “educação
bancária” não é mais cabível no contexto atual. A imagem do docente que se
limita apenas a explanar os seus materiais de aula, tendo os alunos a sua signifi-
cância minorada ao papel de ouvintes é uma característica emblemática do ensino
tradicional (SAVIANI, 2009). As mudanças que fizeram a sociedade hodierna
ser reconhecida pela velocidade com a qual as informações são compartilhadas
fizeram com que a formação de professores e, por conseguinte, o seu processo de
formação também passasse por uma evolução. Além dos saberes necessários para
o exercício de seu trabalho, compete a esta vertente do conhecimento propiciar
aos professores experiências relativas, não somente ao campo pedagógico, mas
também cultural, científico e social (IMBERNÓN, 2010).
Nessa perspectiva, a formação de professores pautada apenas em elementos
pedagógicos passa a dar lugar a uma visão mais pluralista e conexa com a comple-
xidade e com a magnitude que é característica ao ato de ensinar (ZABALA, 1998).
Desse modo, elementos de cunho científico, cultural e social são agregados aos
saberes pedagógicos, com vistas a tornar a formação de professores mais contextua-
lizada. Isso faz com que esse processo de formação de professores congruente com
as atuais demandas da sociedade necessite ter como eixo estruturante o trabalho
em equipe, sob a égide da diversidade (IMBERNÓN, 2010);
236
Destarte, podemos dizer que o processo de formação de professores para
lograr o devido êxito deve ser embasado na coletividade, na partilha de vivências
e na colegialidade, o que auxilia no estabelecimento de uma cultura de formação
voltada para a cooperação. É oportuno esclarecer que quando falamos em formação
de professores, não estamos nos limitando a fazer referência apenas ao período em
que o licenciado cumpre com as obrigações de sua Graduação ou Licenciatura. Já
Nóvoa (2012), nos apresenta a prática profissional do professor, mais especifica-
mente os primeiros anos de atuação na docência são determinantes para que esse
profissional consiga estabelecer o diálogo necessário com seus pares, em especial
os alunos, com vistas ao aprimoramento constante do trabalho docente.
Falar sobre formação de professores representa compreender as peculia-
ridades entre o que esses profissionais aprendem durante o seu período como
discente, em sua trajetória escolar e a sua prática docente. Com vistas a explanar
de forma mais completa os meandros deste processo, Tardif (2014) propõe em
seu estudo a seguinte tipificação no que se refere aos conhecimentos que são cor-
relatos a formação de professores: a) saberes profissionais: que dizem respeito a
todo o conjunto de saberes, técnicas e métodos aprendidos pelo docente durante
o tempo em que passou nas instituições acadêmicas; b) saberes disciplinares: que
são aqueles conexos a área de docência do professor; c) saberes curriculares: esses
são os conhecimentos conexos a capacidade de estruturar currículos, planos de
aula e demais documentos necessários para a organização do trabalho docente,
e; d) saberes experienciais: que é o conhecimento que se dá a partir de sua práxis
profissional em seu cotidiano docente.
Para Santos (2014, p. 19), “[...] nos últimos anos a formação continuada teve seu
raio de alcance, no contexto, ampliado, superando as experiências isoladas e assumindo
o caráter de políticas[...]”. Essa afirmativa é evidenciada na LDB 9394 (BRASIL,
1996), na qual é tomada como componente da valorização do Magistério e direito do
profissional da educação, uma vez que não era levado em consideração.
Esse direito está presente no §1º do art. 62 da LDB (BRASIL, 1996), o qual
define que “a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime
de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação
dos profissionais de magistério”. Essa conquista foi de grande relevância para que
os professores tivessem a sua formação garantida por meio da LDB e reiterada no
PNE (BRASIL, 2014) na meta 1486. Outro ponto relevante que contribuiu para o
reconhecimento da importância da formação continuada, foi o fato da qualidade
do ensino ser considerada melhor, quando seus professores possuem as formações
necessárias para o exercício da profissão, visto que a escola pública chegou a ser
muito questionada pelos resultados das avaliações externas, o que recaiu sobre os
profissionais e pareceu estar relacionado à “falta” ou “insuficiente” formação que
possibilitasse um bom desempenho em sala de aula.

86
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu , de modo a atingir a titulação
anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.
237
No que concerne ao campo das políticas para a formação, Santos (2014, p.
19) identifica quatro premissas que servem de sustentação para as políticas e prá-
ticas que envolvem a formação continuada de professores. São elas: (i) a primeira
premissa diz respeito aos discursos produzidos sobre a melhoria da qualidade do
ensino, tendo o professor como protagonista dos projetos educativos - essa premissa
reitera a necessidade de desenvolvimento de políticas de formação continuada; (ii)
a segunda tem relação com a lógica pautada na defesa da qualificação profissional
como caminho para o professor adequar-se às transformações científicas e tecno-
lógicas requisitadas pela sociedade do conhecimento; (iii) a terceira relaciona-se
à dimensão epistemológica que define uma perspectiva de formação continuada
assentada na reflexão sobre a prática pedagógica - nessa premissa, vale destacar que
a reflexão é o caminho para reinvenção da prática docente e somente por meio da
formação o docente poderá chegar a essa consciência - nessa premissa as críticas
ao paradigma da racionalidade técnica, a qual tem propiciado um novo modelo
teórico, o qual possibilita pensar em uma nova formação para o professor que pro-
porcione ao professor ser mais reflexivo em sua prática; e a (iv) a quarta premissa
refere-se à formação continuada articulada a um forte discurso de valorização do
Magistério. Nesse sentido, percebe-se um discurso contraditório, uma vez que
apresenta-se a formação como algo que vai melhorar as práticas dos profissionais
e o professor, a partir dela, passará a ser protagonista no processo. No entanto, este
profissional não parece receber uma formação que atenda às suas necessidades, o
que tende a enfraquecer sua carreira.
A percepção da autora denota que essas quatro premissas destacam a impor-
tância de se formular os pressupostos de que “[...] as concepções e práticas de
formação continuada são estruturadas, organizadas e produzidas considerando-se
uma perspectiva de formação docente que enseja a reflexão sobre a prática peda-
gógica” (SANTOS, 2014, p. 23).
Nesse contexto de formação continuada de professores, vale destacar que a
formação de professores não é algo recente, apesar de seu reconhecimento como
política pública ter ocorrido há pouco mais de uma década no Brasil. A formação
continuada vem sendo discutida desde muitos anos em vários países; no contexto
educacional, devemos levar em consideração que a docência é uma profissão e,
como tal, o profissional que atua nessa profissão deve estar bem preparado e ter
as competências necessárias para o exercício do seu ofício.
De acordo com García (1999, p. 21): “[...] a formação apresenta-se como um
fenômeno complexo e diverso, sobre o qual existem apenas escassas conceptualiza-
ções e ainda menos acordo em relação às dimensões e teorias mais relevantes para
a sua análise”. Percebe-se com essa afirmação a necessidade de discutir a respeito
das formações de professores e sobre os processos formativos nas universidades.
Esse mesmo autor afirma que na formação de professores
[...] é necessário adaptar uma perspectiva que saliente a importância da
indagação e o desenvolvimento do conhecimento, a partir do trabalho
e reflexão dos próprios professores. Isso implica que os docentes sejam
238
entendidos não como consumidores de conhecimento, mas como
sujeitos capazes de gerar conhecimentos e de valorizar o conhecimento
desenvolvido por outro (GARCIA, 1999, p. 30).
Dessa forma, percebe-se o quanto é necessário a ação significativa, na forma-
ção do professor, de indagar o desenvolvimento do conhecimento ou gerar novos
conhecimentos, apesar de muitas vezes correr o risco de apenas mecanizar a prática
do professor e torná-los meros repetidores de teorias, sem conhecimentos reais
da prática docente e, assim, há o reforço, que em alguns programas de formação
desenvolvem, de forma muito tradicional, que é não estimular o professor para a
experimentação (FREIRE, 2011, p. 35).
Nesse aspecto, percebe-se a importância de uma boa formação e da for-
mação continuada para os professores, uma vez que na atualidade a produção do
conhecimento e as mudanças de forma geral ocorrem muito rápido, o acesso à
informação, o avanço tecnológico e a virtualização da sociedade, tudo isso incide
no fazer do professor, o qual tem como responsabilidade principal, propiciar o
desenvolvimento humano, cultural e científico e tecnológico de seus alunos. Dessa
forma, questiona-se sobre como fazer isso sem a formação adequada ou estando
o professor “mergulhado” no pensamento e prática tradicional?
Além do mais, é na formação continuada que o professor percebe a relação
existente entre teoria e prática, que “são “dois lados da mesma moeda”, que a
teoria o ajuda a compreender melhor a sua prática e a lhe dar sentido e, conse-
quentemente, que a prática proporciona melhor entendimento da teoria ou, ainda,
revela a necessidade de nela fundamentar-se. (FURTADO, 2020). Entende-se
com isso que o professor tem necessidade de fundamentar sua prática docente
para que não seja uma prática vazia.
Para Nóvoa (2012, p. 26), a formação de professores é
[...] provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso
no sector educativo: aqui não se formam apenas profissionais; aqui
produz-se uma profissão. Ao longo da sua história, a formação de
professores tem oscilado entre modelos acadêmicos, centrados nas
instituições e em conhecimentos “fundamentais”, e modelos práticos,
centrados nas escolas e em métodos “aplicados”. É preciso ultrapassar
esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência, adoptando
modelos professorais, baseados em soluções de partenaria entre as
instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos
espaços de tutoria e de alternância.
Dessa forma, ressalta a dicotomia existente entre as universidades e os siste-
mas de ensino e a importância que tem uma formação voltada para a realidade. A
unificação deve existir para que se formem professores que conheçam a realidade
das escolas onde atuarão, para que se formem professores comprometidos com a
sociedade e conscientes do papel que exercem nela.
Santos (2014, p. 64) destaca que a formação é um instrumento para o
desenvolvimento profissional, nesse sentido, ele afirma que
239
[...] a formação continuada é o espaço de confrontação de conheci-
mentos, crenças e valores adquiridos e construídos na formação inicial
e as experiências pessoais e profissionais. É o espaço impulsionador da
dúvida, da curiosidade epistemológica e da ampliação e aquisição de novos
conhecimentos que possam ajudar o professor a conduzir seu trabalho [...].
Nota-se que a formação é a mola propulsora da docência e tem como fina-
lidade desenvolver profissionalmente e pessoalmente o professor. Não deve ser
confundida como uma simples atividade de atualização, reciclagem, treinamento ou
um momento de encher o professor de conteúdo, mas sim de instruir este sujeito
com os conhecimentos que possam suprir as necessidades da profissão.
Corroborando sobre a importância da formação, Santos (2014, p. 65) des-
taca que
[ ] a formação continuada emerge como uma necessidade do trabalho
docente, por isso ela é concebida como processo permanente, contínuo,
que ocorre durante toda a carreira profissional, desde a formação ini-
cial (habilitação para o exercício docente) até a formação continuada
(desenvolvimento profissional).

Entendemos então que a formação é um processo histórico e inacabado que


faz parte de todo o processo de desenvolvimento humano, e que somente por meio
dela, o professor irá adquirir os conhecimentos de natureza teórico-prática. Em
cada momento da formação abre-se espaço para novos caminhos, novos recomeços,
onde o professor se reinventa, se ressignifica na sua vida pessoal e profissional,
fortalecendo sua prática e tornando-a inovadora e autônoma.
Feitas todas estas considerações, é conveniente esclarecer que a qualidade do
processo de formação dos professores não depende, exclusivamente, do empenho
do docente em buscar fazer o melhor no exercício de sua profissão. Esse é um
ponto cuja magnitude é indubitável, mas não pode ser visto como o único fator
preponderante para a qualidade deste processo.
A reflexão constante a respeito das práticas docentes se torna mais favorável
quando a escola consegue prover uma organização que permita ao professor a
feitura desta autoavaliação. A cooperação e a cultura colaborativa proposta aqui
no que tange a formação de professores se mostra mais proficiente mediante um
plano de carreiras e salários e demais condições de trabalho (NÓVOA, 2012).
Essas melhores condições de trabalho para o professor não parte somente
das escolas em que atua, mas também da esfera governamental. A realização de
investimentos consistentes na formação de professores representa um dos caminhos
necessários para que os objetivos de aprendizagem pretendidos, em cada fase da
trajetória escolar dos alunos, tenham sua possibilidade de consecução elevada. Tratar
a questão da formação docente como prioritária representa um dos sustentáculos
240
principais para que a educação no Brasil seja percebida como sendo de qualidade
pela sociedade (CELEDONIO; ALVES; SILVA, 2020).

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA ATUAR NA EDUCAÇÃO A


DISTÂNCIA

A EaD é uma modalidade que possui várias especificidades, que exige dos
profissionais formação específica e que envolve os processos necessários de pre-
paração para atuar na docência. Durante as formações pedagógicas para atuar na
EaD, um dos principais elementos que requerem atenção especial é em relação
ao planejamento e à seleção de conteúdos os quais precisam ser transpostos da
prática pedagógica do presencial para a EaD, além da linguagem dialógica ade-
quada e dos conhecimentos tecnológicos básicos para o uso das ferramentas das
plataformas (FILATRO, 2018).
Nesse sentido, a formação de professores para a EaD não pode ser baseada
apenas nas relações instrumentalizadas, mas deve considerar também as vivências
que são afetas a esses profissionais de educação, no ambiente escolar (GIOLO,
2008). Nessa perspectiva, a tecnologia não representa o elemento mais impor-
tante no processo educacional, mas sim o recurso que possibilita a interação entre
docente e alunos, esta sim é primordial para a qualidade do processo de ensino e
aprendizagem (BORGES, 2019).
Dentre os aspectos que corroboram diretamente para a qualidade da forma-
ção de professores para atuar na EaD, é conveniente destacar também a necessi-
dade de preparação adequada de que forma esses docentes para o trabalho nessa
vertente educacional. Tão importante quanto se preocupar com o processo de
aprimoramento da prática professoral no âmbito da EaD é o da verificação do
nível de preparação dos profissionais que formam esses docentes. Podemos dizer
que esse é um ponto crucial, não somente com relação a essa modalidade, mas a
educação numa visão geral. Ainda que esteja atuando num ambiente virtual, esse
professor terá como responsabilidade explanar os conteúdos necessários para que
o desenvolvimento de seus alunos possa ser obtido no decurso dos processos de
ensino e aprendizagem (BORGES, 2019).
Nota-se que a formação para atuar como docente nessa modalidade é
considerada imprescindível, e Silva (2012, p. 12) afirma sobre os conhecimentos
prévios necessários e das práticas que os professores trazem do ensino presencial
para a EaD:
Os professores aceitam lecionar em “cursos virtuais” sem ter garantida
sua inclusão digital, primeiro degrau da formação necessária para se
operar com a dinâmica das interfaces da web. Há uma enorme carên-
cia de cursos voltados para a didática online. Consequentemente, os
241
professores trazem para o cenário sociotécnico da cibercultura velhas
práticas de mediação da aprendizagem muitas vezes obsoletas até
mesmo na sala de aula presencial infopobre.
Assim, demonstra-se que um fator muito importante que precisa ser bem
explorado nas formações dos professores, antes de começarem a atuar na EaD,
é a usabilidade das tecnologias nos cursos. Saber usar de forma pedagógica esses
recursos tecnológicos faz toda a diferença na hora de planejar uma aula para EaD.
Silva (2015, p. 99) critica treinamentos que não promovem uma efetiva formação
aos professores e não contribuem para melhoria de suas práticas. No que se refere
ao uso das tecnologias, ele destaca que:
O uso das tecnologias sem uma visão crítica de seus resultados tem
exercido influência reducionista na educação, logo também na ação
docente. Mas há outro fator que traz alterações à ação: as tecnologias
digitais viabilizam novos caminhos para aprendizagem.
A utilização dos recursos tecnológicos propicia que a amplitude da EaD seja
expandida. Entretanto, para que os propósitos educacionais da EaD sejam cum-
pridos de forma plena, faz-se necessário não somente a infraestrutura tecnológica
e a existência de recursos eficientes que possam subsidiar a prática docente, mas
também é preciso que profissionais preparados para operacionalizar esses recursos
sejam devidamente formados para cumprir com as responsabilidades atinentes ao
seu trabalho como professor (COSTA, 2020).
Nesse cenário, que requer habilidade para saber usar de forma pedagógica as
tecnologias, e que o caminho para desenvolver essa prática é a formação docente,
Behar (2013, p. 153) apresenta uma proposta de inserção nos currículos escolares
afirmando que
As formações continuadas dos docentes vêm ao encontro das mudan-
ças tecnológicas que mostram a necessidade de se introduzir nos
currículos escolares considerações sobre EaD. Os professores devem
ter em mente que tais saberes são caminhos reais e possíveis para se
instaurar uma educação de qualidade, sintonizada com a realidade.
Sendo assim, destacamos que urge a preparação do professor para essas
mudanças de paradigma, onde não é necessário apenas dominar os conteúdos,
mas saber lidar com as necessidades emergentes, principalmente, em relação ao
uso pedagógico das tecnologias. Essa quebra de paradigma envolve as universi-
dades, as quais precisam contemplar em seus currículos formações que atendam
às necessidades dos professores e estejam em harmonia com as possibilidades que
EaD promove.
A falta de habilidade pedagógica com a tecnologia torna-se muito nítida
na EaD, por meio da postura de alguns docentes que não conseguem utilizar em
242
suas aulas toda a potencialidade disponível nas plataformas. Este é um problema
que pode decorrer devido ao fato destes docentes não possuírem a formação ade-
quada para tal, além de incluir formação digital ou letramento digital, bem como
conhecimento da usabilidade das ferramentas do Moodle. Com a ocorrência desse
problema, as tecnologias agregadas nos processos educacionais acabam não surtindo
os efeitos esperados, dentre eles: a) estímulo à interação e à relação dialógica entre
docente e alunos; b) fomento à autonomia e ao sentido de coletividade; c) despertar
da criatividade. Com isso, todo o potencial de formação que a EaD possui acaba
não sendo aproveitado na sua plenitude (LOPES, 2018).
Behar apud Benetti e colaboradores (2008) afirmam que o professor para ter
uma boa atuação na EaD precisa, além de conhecimentos tecnológicos, dominar
as técnicas no contato com os alunos, bem como o conteúdo que irá ministrar. O
domínio dessas temáticas é necessário para que, por meio do seu trabalho docente,
os professores consigam auxiliar os estudantes no cumprimento dos propósitos
da EaD, posto que o potencial de formação dessa vertente educacional é elevado
(LOPES, 2018). Em outras palavras, o professor precisa além de boa formação,
domínio do conteúdo e do uso pedagógico das ferramentas tecnológicas, além de
ser acessível, motivar seus alunos, instigá-los a pesquisar para que consigam sua
autonomia na aprendizagem.
A formação pedagógica deve orientar o professor a conhecer suas compe-
tências necessárias à docência em EaD, estimulando-o a desempenhar o papel de
mediador da aprendizagem, oferecendo uma prática orientadora, incentivadora da
pesquisa e da proatividade. No que concerne ao pedagógico, esse professor deve
ouvir o estudante, mostrar-se acessível para que ele não se sinta sozinho, nem des-
motivado para trazer suas dúvidas. Nos dizeres de Zabala (1998), a capacidade de
atendimento do docente aos seus alunos, sendo solícito e esclarecendo pontos que,
porventura, não tenham sido compreendidos, em sua totalidade, pelos estudantes,
é um dos pilares da atuação dos professores. Desse modo, se evidencia que esses
profissionais precisam ter consciência que a sua responsabilidade com a formação
dos alunos vai além da disponibilização de conteúdos, mas que se concretiza com
a aprendizagem efetiva e significativa dos estudantes (AUSUBEL; NOVAK;
HANESIAN, 1980).
A relevância do professor para o sucesso do processo de ensino e aprendi-
zagem se dá tanto na modalidade presencial como na EaD. Ainda que não haja
o contato físico do docente com seu respectivo alunado, há todo um trabalho que
abarca a programação das atividades a serem entregues nos AVAs, bem como no
que se refere ao contato com os estudantes por meio das ferramentas comuni-
cacionais, como os fóruns interativos. Além disso, com o advento da expansão
da EaD no Brasil, diversos profissionais, como: designers, redatores de material
didático e professores surgiram para suprir as demandas educacionais pertinentes
243
a esta modalidade. Todos os envolvidos no processo educacional, principalmente,
os professores, carecem de uma formação adequada, que lhes permita realizar, com
elevado grau de assertividade, suas atividades (ABREU; NOVAES; ZARRO, 2020).
Alves (2009, p. 48), destaca a importância do papel do professor na EaD e
a forma de atuação dele no ambiente, para ele
[...] o papel do professor enquanto dinamizador de um espaço de
aprendizagem, seja numa plataforma Moodle, seja num outro espaço
destinado a esse efeito, é fundamentalmente diferente do desempe-
nhado na sala de aula presencial. Nos espaços online, terá que poten-
cializar os processos de construção de significados em detrimento
dos processos de transmissão de conteúdos, assumindo um papel de
moderador e promovendo a criação de conhecimento por todos os
elementos do grupo.

A afirmativa assevera o nível da responsabilidade do professor, pois dele é


esperado que desempenhe um papel ativo na dmização e organização das atividades
dentro do ambiente virtual, é dele a responsabilidade da mediação e promoção do
envolvimento dos estudantes com os conteúdos estudados.
Entretanto, para ter esse desempenho, o professor pode ter algumas difi-
culdades se não estiver devidamente preparado e não tiver uma boa formação.
Quanto a essa formação, Carrara (2016, p. 29) faz uma crítica sobre a formação
inicial e seus reflexos na atuação docente em EaD, para ela, [...] “a formação do
professor nessa modalidade segue um currículo baseado numa formação presen-
cial, o que gera professores formados na modalidade a distância que não estão
habilitados para atuar nessa modalidade”. Essa falta de hábito vai influenciar no
seu desempenho, no seu planejamento e até mesmo na sua forma de lidar com os
estudantes devido ao fato de não compreender com clareza os meandros e nuances
pertinentes a EaD.
Uma das problemáticas pertinentes a formação de professores para atuação
no campo da EaD diz respeito ao local em que estas iniciativas acontecem. Quando
estas formações de são em instituições particulares, a depender da forma como
elas são desenvolvidas, o conhecimento gerado ainda não é suficiente para que o
professor se sinta preparado para atuar nesta vertente educacional (CARRARA,
2016). Dependendo da forma como ocorrem essas formações, pode não ser sufi-
ciente para preparar o professor, e isso tudo reflete na prática docente, apresentando
sérias consequências, que podem ir desde a falta de um bom planejamento até o
comprometimento da aprendizagem dos alunos.

244
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de formação continuada dos professores, é algo que, mesmo


estando previsto na Lei de Diretrizes da Educação Nacional - LDB e no Plano
Nacional de Educação - PNE, para ser efetivo precisa ser visto como Políticas
Públicas, devendo o Estado colocar em prática e fomentar cada vez mais essa ação,
com a finalidade de que todos os professores tenham acesso a uma formação de
qualidade e acessível.
No tocante à formação dos professores para atuar na Educação a Distância,
urge primeiramente que os mesmos apropriem-se das concepções e dos funda-
mentos dessa modalidade, para posteriormente compreenderem as inovações
tecnológicas a fim de utilizá-las em prol de suas aulas nos Ambientes Virtuais,
de forma pedagógica e não apenas tecnológica. O caminho mais viável para que
isso aconteça, é através da formação continuada, uma formação consistente que
os prepare de forma completa para lidar com os desafios instrumentais e meto-
dológicos requeridos para tal.
Portanto, diante do exposto, depreende-se que, o ideal é uma formação
de qualidade condizente com as necessidades dos professores e que os ajude a
desenvolver uma identidade profissional sólida, com foco no objetivo que nos foi
proposto, o de educar. “E educar, ajuda a integrar todas as dimensões da vida, nosso
caminho intelectual, emocional, profissional, que nos realize e que contribua para
modificar a sociedade que temos” (MORAN, 2002, p. 11).

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formação de professores. In: EDITORA POISSON (Org.). Série Educar Matemática, v.17, 2020, p. 21–26.

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246
O JUIZ BOCA DA LEI - INTERPRETAÇÃO JUDICIAL
DO MAGISTRADO TRABALHISTA APÓS A LEI
13.467/2017 E A TARIFAÇÃO DO DANO MORAL

Amanda Carolina Buttendorff R.Beckers87


Cíntia de Almeida Lazoni88

INTRODUÇÃO

Desde os conflitos entre jusnaturalistas e juspositivistas que não há con-


senso sobre a função do magistrado. Dizer o direito e ser somente ‘boca da lei’,
ou atuar como verdadeiro intérprete e ao fazer a subsunção do fato à norma com
adequação ao caso concreto, às modificações sociais e realidade fática. O magis-
trado trabalhista brasileiro vinha diuturnamente fazendo valer o entendimento
de jurisprudência enquanto fonte do direito e aplicando a Consolidação das Leis
do Trabalho – CLT, elaborada em uma Era Getulista, com inspiração na Carta
de Lavoro e necessitando de adequações materiais, ser aplicada de acordo com a
realidade social. Viu-se entretanto, em incômoda situação com a surpreendente e
açodada Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro de 2017.
A Lei 13.467/17, famigerada e temida Reforma Trabalhista, mudança
legislativa das mais comentadas da década, trouxe diversas modificações à Conso-
lidação das Leis do Trabalho – CLT, nos mais diversos temas, de direito material e
direito processual. Promovendo verdadeira revolução no cotidiano dos operadores
do direito do trabalho, que acostumados a lidar com as fontes alternativas deste
ramo do direito, viu-se viu assustada com o teor do §2º do artigo 8º.
O citado dispositivo já se mostrava bastante assustador frente a um judi-
ciário trabalhista marcadamente ativista, que vinha ao longo dos mais de 70
anos da Consolidação das Leis do Trabalho interpretando o direito do trabalho
e fazendo verdadeira construção jurisprudencial através de súmulas, orientações
jurisprudenciais e enunciados. Se analisado conjuntamente com as demais alte-
rações, mormente com os parágrafos do artigo 233-G que trouxe o tabelamento
do dano extrapatrimonial – também figura nova no códex; faz a figura do juiz ser
verdadeiro ‘boca da lei’, ao não poder quantificar livremente as indenizações por
dano extrapatrimonial.
87
Doutora em Direito Econômico (PUC-PR). Professora Universitária. Advogada. Membro relator da Comissão de
Direitos Humanos da OABPR. Membro da Comissão do Pacto Global da ONU da OABPR.
CV: http://lattes.cnpq.br/1244275248377705
88
Doutoranda em Direito Econômico (PUC-PR). Professora (FAE Centro Universitário). Advogada. Membro do Núcleo
de Estudos Avançados em Direito Internacional e Sustentabilidade - NEADI.
CV: http://lattes.cnpq.br/2344238544233515
247
A CONSTRUÇÃO DO DIREITO – A FUNÇÃO INTERPRETATIVA
DO MAGISTRADO E A JURISPRUDÊNCIA ENQUANTO FONTE
DO DIREITO

A palavra ‘direito’ é polissêmica, ou seja, pode ter mais de um sentido.


Trata-se de um vocábulo com origem latina, formado pelo termo directus (guiar,
conduzir, dirigir). Também significa o conjunto de normas escritas e vigentes em
um determinado Estado, chamadas de normas positivas.
Os vários sentidos da palavra direito conduzem para alguns questiona-
mentos. Será que a ideia de direito estaria restrita às normas editadas pelo Poder
Legislativo? Qual é o parâmetro utilizado para se criar as leis? Seriam todas as leis
escritas pelos parlamentares justas e adequadas para regular as relações humanas?
Neste sentido, uma vez criada a lei, e superados os questionamentos realizados em
sede do Poder Legislativo, resta a reflexão sobre a questão da interpretação do direito,
quando a letra da lei salta dos códigos para ser aplicada à vida dos cidadãos através
da atuação do Poder Judiciário, que ao se deparar com situações diversas, necessita
realizar a subsunção do fato social à norma jurídica, dando respostas à sociedade do
que se espera da aplicação da lei, o que faz, através da interpretação jurídica.
Para Dworkin, os direitos e deveres legais são todos criados por um único
autor: a comunidade personificada. Sua tese sobre o fundamento do direito decorre
do fato deste ser amparado em decisões políticas anteriores. A avaliação de uma
proposição jurídica depende, assim, dos princípios de justiça, equidade e processo
que uma comunidade adote como prática jurídica. O direito como integridade
exige do juiz, portanto, novos exames interpretativos da doutrina jurídica. Não
oferece uma interpretação, é propriamente interpretativo, seja produto da prática
jurídica, seja sua fonte de inspiração.
Não é possível afastar os reflexos da ordem social, os costumes e sua influência
da produção normativa, até porque tanto os julgadores como os legisladores sofrem
a influência de suas convicções na construção ou na aplicação da lei.
Para além da questão da interpretação do magistrado, é importante refletir
sobre o nascer do direito, suas fontes e a função do magistrado não somente na
interpretação, mas na criação do direito.
A legislação é sem dúvida importante fonte formal do Direito, que posi-
tivada informa expressamente aos indivíduos a prescrição de comportamentos
a serem seguidos e a previsão de sanções em caso de não cumprimento de suas
determinações. A norma, transmutada em lei, prescreve condutas a serem seguidas
ou evitadas, sob pena de, em caso de descumprimento, aplicação de uma sanção
correspondente. Trata-se de fonte que emana da autoridade exercida pelo Poder
Legislativo, que se impõe aos indivíduos revestida de legalidade.

248
É inegavelmente um instrumento base para a busca de soluções dos pro-
blemas jurídicos. Por jurisprudência “(stricto sensu) devemos entender a forma de
revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude
de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais”. (REALE, 2002, p. 167).
No caso do tema do presente estudo, a CLT é a lei a ser seguida pelo magis-
trado trabalhista, que em seu exercício de interpretação acaba por criar, através
de reiteradas decisões semelhantes, o que se denomina jurisprudência, “conjunto
uniforme de decisões judiciais sobre determinada indagação jurídica”. (NADER,
2017, p. 139).
A jurisprudência será mais ou menos influente em um ordenamento jurídico,
de acordo com seu sistema adotado, de Civil Law ou de Common Law. Em países
em que os costumes são fontes principais e, por conseguinte, os precedentes têm
grande importância na interpretação das normas e na aplicação diária do Direito, a
jurisprudência passa a ser uma das principais fontes jurídicas. No sistema jurídico
norte-americano, no qual as decisões da Suprema Corte se equiparam às leis e
à própria Constituição, os chamados precedentes judiciais são as mais estudadas
fontes do Direito.
Já nos sistemas jurídicos codificados, de Civil Law, a jurisprudência se
mostra menos icônica, sendo que alguns doutrinadores como Tércio Sampaio
Ferraz e Orlando Gomes não admitem a jurisprudência como fonte do Direito
nos sistemas de Civil Law.
Há que se ponderar, contudo, o disposto no artigo 4º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, que prevê expressamente a possibilidade de o
magistrado valer-se da jurisprudência em caso de anomia jurídica. Por tal razão,
importante parcela da doutrina reconhece a jurisprudência como fonte do direito,
a qual se filiam André Franco Montoro, Maria Helena Diniz e outros.
Assim, para os doutrinadores que compreendem a jurisprudência como
fonte do Direito, parte deles a considera como uma fonte informal do Direito, vez
que sua função inicial não seria a de gerar normas jurídicas, mas de interpretação
das normas já existentes, momento no qual acaba por gerar novas compreensões
jurídicas, transformando-se em fonte do Direito.
A jurisprudência pode ser secundum legem, praeter legem e contra legem. A
chamada jurisprudência secundum legem (de acordo com a lei) é aquela que corro-
bora as regras definidas nas leis, encorpando com o entendimento esposado pelos
juízes o que está no ordenamento jurídico. A jurisprudência praeter legem (além
da lei) é aquela que vem para suprir uma lacuna legal. Trata-se de um mecanismo
para superar uma omissão legislativa. E a denominada jurisprudência contra
legem (contra a lei) é aquela que vem de encontro à lei, quando esta é considerada
inconstitucional, por exemplo, ou pela evolução social ganha novos contornos e
passa a ser interpretada como ultrapassada. Trata-se de uma interpretação judicial
249
de acordo com o compromisso do juiz com a justiça e não necessariamente com
o positivado na lei escrita.
Veja-se que o §2º do artigo 8º da CLT preconiza que “§ 2o Súmulas e outros
enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos
Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente pre-
vistos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”. Trazendo inúmeras
dificuldades ao exercício interpretativo do juiz, seja seu entendimento praeter legem
ou contra legem. Em verdade, o dispositivo somente autoriza a jurisprudência
secundum legem, engessando a atuação do Poder Judiciário por determinação do
Poder Executivo, em verdadeira afronta ao pacto federativa.
O que é fonte do Direito é a jurisprudência, ou seja, um coletivo reiterado
de interpretações, e não decisões judiciais esposadas individualmente. Para que se
torne jurisprudência, como o conceito diz, é necessário que várias decisões judiciais,
formem um ‘conjunto uniforme de decisões’, a que se dá o nome de jurisprudência.
Importante ponderar o papel das súmulas neste processo. As súmulas são a
uniformização expressa da jurisprudência dominante em determinado tribunal.
Com o fito de evitar repetida manifestação dos tribunais superiores sobre
assuntos já enfrentados, o Novo Código, que preconiza que os enunciados sumu-
lados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, e os enunciados
sumulados pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional,
passaram a ser de observância obrigatória pelos juízes de primeiro e segundo grau.
A Justiça do Trabalho de igual forma permeia seu dia a dia pelas súmu-
las sejam do Tribunal Superior do Trabalho, sejam dos Tribunais Regionais do
Trabalho, seja pelas Orientações Jurisprudenciais, que ao interpretar a legislação
modificaram sobremaneira a leitura da letra fria da CLT. Sendo o direito fruto de
lutas sociais, e nascendo quando deve nascer, na lição de Norberto Bobbio, sem-
pre haverá um delay entre o fato social e a norma jurídica, para o qual o julgador
não pode fechar os olhos, seguindo cegamente a letra da lei, mas deve, sobretudo,
interpretar a norma.
Não se pode crer que o Poder Judiciário entenda a norma estritamente,
analisando somente a validade e eficácia da norma e cumprindo positivamente
a letra da lei, sem refletir e interpretar seu conteúdo, sob pena de ser acusado de
perpetrar injustiças legalizadas.
Tal pecha já foi lançada aos positivitas do período da Segunda Guerra Mun-
dial. Sobre o tema Gustav Radbruch já enfrentava o que chamou de problema da
validade da lei injusta, defendida em seu artigo A Injusta Legal e o Direito Suprale-
gal, um estudo de caso do período nazista, no qual questiona como se deve julgar,
resultando na até hoje estudada Fórmula de Radbruch, a ser aplicada quando há
conflito entre justiça e certeza do direito.

250
A TARIFACAÇÃO DO DANO MORAL APÓS A LEI 13.467/17 E
A LIMITAÇÃO DO PODER DE DECIDIR DO MAGISTRADO
TRABALHISTA

O artigo 233-G, inovação trazida pela reforma trabalhista, incluiu além de


uma série de elementos a serem observados pelo magistrado ao apreciar o pedido de
dano extrapatrimonial, e ainda, rol de tarifação dos valores a serem pagos em caso
de procedência do pedido, em uma digressão bastante questionável pela doutrina.
De início o dispositivo legal preconiza que ao apreciar o pedido o juiz
observará os seguintes critérios:
a natureza do bem jurídico tutelado: embora se trate de inovação legisla-
tiva trazida pela reforma trabalhista, referido inciso já vinha sendo aplicado pelo
magistrado do trabalho, que ao apreciar o pedido de reparação por dano extrapa-
trimonial, já fazia um cotejo informal entre o bem jurídico ofendido e o resultado
econômico da indenização a ser arbitrada.
(ii) a intensidade do sofrimento ou da humilhação: dente os vários requisitos
trazidos pela reforma, este é um dos mais controversos. Inicialmente porque não
se pode vislumbrar que um indivíduo alheio à situação (no caso, o magistrado, ou
mesmo um perito médico, por mais imparcial, aplicado e sensível que seja) possa
aferir a intensidade do sofrimento de outrem. A dor extrapatrimonial, é sentida
das mais diversas formas e nos mais diversos níveis, sendo se não impossível, de
um trabalho praticamente sobre-humano. Caberá ao magistrado adentrar no
estudo dos hard cases e se vestir com as vestes do lendário juiz Hércules da obra
de Ronald Dworkin para tentar compreender a intensidade do sofrimento do
ofendido no caso concreto.
(iii) a possibilidade de superação física ou psicológica: o dispositivo trata
da possibilidade de superação. Possibilidade não corresponde a efetiva superação.
Se durante o curso do processo ainda não houver sido superada a dor causada,
como se poderá verificar se um dia poderá ser superada referida mazela? Nem ao
magistrado, nem ao perito e nem mesmo ao ofendido é possível delegar tal resposta.
Bastante controverso este critério trazido pela reforma trabalhista.
(iv) os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão: analisar os reflexos
sociais que o dano teve na vida do ofensor traz uma questão problemática no que
tange à prova. Além de testemunhas colegas de trabalho, que tenham presenciado
o dano em si, o referido texto legal abre espaço para a oitiva de informantes (fami-
liares, amigos e pessoas do círculo social) do ofendido, eis que lhe será necessário
comprovar os reflexos extra-laborais que a ofensa lhe causou. Ao se tomar por
base a já reiterada política da Justiça do Trabalho ao indeferimento de oitiva de
informantes, não se pode esperar que tal prova seja facilmente permitida às partes,
e em não sendo, poderá afetar diretamente o pleito.
251
(v) a extensão e a duração dos efeitos da ofensa: o termo ‘extensão dos
efeitos da ofensa’ causa certa dubiedade. Esta extensão deverá ser aferida pelo
magistrado? Em um caso de dano moral ou existencial, deverá este encaminhar
o ofendido a profissional psicólogo ou psiquiatra para com base em laudo técnico
medir a extensão do dano? Em caso de dano estético, a quem cabe medir referida
extensão – ao magistrado, ao homem médio, ao cirurgião plástico que trabalha
buscando a perfeição? Não há parâmetro objetivo para que o juiz do trabalho
possa verificar a extensão do dano sofrido, muito menos há unanimidade em se
saber se que modo poderá se descobrir a duração dos efeitos da ofensa, podendo
esta durar dias, semanas, meses, anos...
(vi) as condições em que ocorreu a ofensa ou prejuízo moral: embora de
extrema importância, e já anteriormente à reforma, aplicado subjetiva e informal-
mente pelo judiciário, a verificação deste item é de imensa dificuldade. Se fazer
a prova de um dano extrapatrimonial já tem sido tarefa hercúlea aos operadores
do direito do trabalho, comprovar, além do fato, as circunstâncias e condições
antecedentes que ensejaram o fato, será ainda mais complexo, e poderá trazer
prejuízo ao ofendido, caso este não logre êxito em comprovar as citadas condições
da ofensa, mas somente fizer prova do dano sofrido.
(vii) o grau de dolo ou culpa: certamente, ao verificar os fatos que enseja-
ram o pleito, haverá o magistrado de aferir o grau de dolo ou culpa dos agentes
envolvidos – em não se tratando de responsabilidade objetiva do empregador, eis
que elementos da responsabilidade civil subjetiva.
(ix) o esforço efetivo para minimiar a ofensa: como aferir o que é um esforço
efetivo? Caso se trate, por exemplo, de um dano estético, o pagamento de cirurgia
plástica reparadora em caso de um acidente de trabalho com cicatrizes, é obrigação
do empregador – que ao causar dano tem o dever repará-lo; ou poderá doravante
ser compreendido como retratação espontânea.
(ix) o perdão, tácito ou expresso: é fato que a máxima ‘errar é humano per-
doar é divino’ há décadas permeia o ideário popular, resta refletir de que forma
o magistrado trabalhista, ao analisar os fatos, determinar a indenização irá com-
preender o ato de pedir perdão, e o ato de perdoar entre as partes. Como aferir se
o pedido de escusa foi de fato franco e com animus de arrependimento? Como
conferir certeza que o pedido de perdão aceito tenha diminuído a dor moral, por
exemplo? Como sopesar um pedido de desculpas realizado após a notificação de
um processo judicial? São inúmeros os questionamentos que podem ser levanta-
dos sobre este novo parâmetro de balizamento, e que certamente trará inúmeras
discussões doutrinarias e jurisprudenciais.
(xi) a situação social e econômica das partes envolvidas: a situação econô-
mica deve de fato ser observada a fim de evitar o enriquecimento ilícito e efetivar
o caráter pedagógico da indenização, com o fito de evitar a repetição da conduta.
252
Mais adiante, no parágrafo segundo do mesmo artigo, a reforma trabalhista traz
a tarifação do dano extrapatrimonial, o critério que leva em conta somente a
capacidade econômica do ofendido e não do ofensor, sendo claro o conflito entre
os citados dispositivos.
(xii) o grau de publicidade da ofensa: referido critério embora possa fazer
elevar a indenização, fazendo caracterizá-la como grave ou gravíssima diante a
publicidade do ato, pode em contra partida incutir na empresa a ideia de que o
dano pode ser cometido, desde que não seja cometido publicamente, incentivando
políticas de dano e assédio.
Não bastassem as controversas inovações trazidas, há que se ponderar aquelas
que ficaram de fora do texto legal, mas teriam sido muito bem vindas no cotejo
dos requisitos para fixação do dano extrapatrimonial, como o caráter preventivo
e inibitório de novas condutas lesivas. Muito ao contrário, ao trazer ‘atenuantes’
como pedido de desculpas, superação do fato, não reincidência e outros itens já
vistos, ao que se vislumbra, o legislador retirou por completo o caráter pedagógico
das indenizações por dano extrapatrimonial.
Os incisos do artigo, e as ideias de fora dele ficaram, já trazem inúmeras
dúvidas aos operadores do direito. Mas o que se segue no título do dano extrapa-
trimonial, trazido com a reforma não é menos controverso.
A maior inovação trazida pela reforma foi à tarifação do dano moral preco-
nizada no § 1º do artigo 233-G do qual se depreende que ao julgar procedente o
pedido, o juiz fixará a indenização para cada um dos ofendidos, obedecendo aos
seguintes parâmetros: (i) até três vezes o último salário contratual do ofendido, em
caso de ofensa leve; (ii) até cinco vezes o último salário contratual do ofendido em
caso de ofensa média; (iii) até vinte vezes o último salário contratual do ofendido,
em caso de ofensa grave; (iv) até cinquenta vezes o último salário contratual do
ofendido em caso de ofensa de natureza gravíssima.
A tarifação do dano moral por tabela legislativa inserida no texto legal, é ver-
dadeiro desvio de competência entre os três poderes. Não pode o Poder Legislativo
através do novo texto da CLT tolher a função do Poder Judiciário, que, na figura
do magistrado do trabalho é o responsável por fazer a subsunção do fato à norma.
Enquadra o caso concreto em uma moldura da norma jurídica, na lição de
Dworking, é aplicar o direito aos fatos sociais, submeter às prescrições da lei à vida
real, nas palavras de Karl Engish, ‘o direito se ocupa da vida’. Para quem a aplicação
do direito, se dá através dos tribunais e das autoridades administrativas, sob a forma
de decisões jurisdicionais e actos de administração”. (ENGISH, 1983, p. 75).
Quem instrui o processo, colhe as provas, compreende os fatos e, ato contínuo,
efetiva a subsunção do fato à norma é o magistrado do trabalho, única figura que
tem condições de, diante do fato jurídico, compreender a real extensão do dano
extrapatrimonial causado ao sujeito.
253
Delegar ao juiz do trabalho somente o enquadramento de uma situação
em níveis de gravidade é reduzir a função e a sensibilidade do Poder Judiciário
a mero preenchedor de formulários, como em uma prova objetiva em que só se
pode optar pelas respostas já delimitadas pelo Legislador.
O dano moral, em sua natureza jurídica é diverso, sendo pouco verossímil – e
mesmo uma afronta à dignidade da pessoa humana, que se possa quantificar dor
moral, estética, existencial ou qualquer outra de cunho extrapatrimonial tomando
por medida a remuneração do ofendido. Acaso a dor moral do servente de pedreiro
cuja hora trabalhada é remunerada por R$ 6,00 (seis reais) vale menos que a dor
moral do mestre de obras, cuja remuneração hora trabalhada é remunerada por
R$ 16,35 (dezesseis reais e trinta e cinco centavos)?
A Justiça do Trabalho tem sido bastante módica no que tange às indenizações
por danos morais se comparada à Justiça Cível. O Superior Tribunal de Justiça
embora tenha critérios de balizamento para quantificar o dano – critérios estes
fixados pelo próprio Tribunal, não se vincula e ainda, leva em conta fatores como
gravidade do fato, dolo ou culta, tamanho do abalo entre outros.
A justiça cível já se manifestou diversas vezes sobre a impossibilidade fixação
da indenização baseada exclusivamente na capacidade econômica do ofendido, e
ainda na impossibilidade de tarifação do dano moral, mas somente da criação de
parâmetros flexíveis e analisáveis de acordo com o caso concreto.
O § 2º do artigo 233-G de igual forma não possibilita justiça às partes. Ao
determinar fixação do valor a ser arbitrado, em caso de ofensa à pessoa jurídica, com
base no salário do ofensor, evidentemente poderá perpetrar injustiças, eis que a depen-
der do porte da empregadora ofendida, de sua imagem no mercado e mesmo de seu
faturamento, se o ofensor for colaborador com baixo salário, a condenação arbitrada
não terá caráter indenizatório para a empresa, mas somente desestimulador à repetição
do ato pelo ofensor, sem contudo, reparar o dano sofrido pelo ofendido.
Em seu § 3o o artigo 233-G aponta que em caso de reincidência entre partes
idênticas, poderá o juiz elevar a indenização, dobrando seu valor. Apesar de enca-
rada como muitos com um avanço, eis que possibilita a multiplicação dos valores
estipulados, há que se ponderar que a possibilidade de aumento da indenização
somente em caso de reincidência pode levar a uma conduta de evitar não o dano
inicial, mas somente uma provável reincidência.
Não obstante tantos requisitos elencados no referido artigo, e ainda, em
todos os outros ‘rols taxativos’ trazidos pela CLT, é sabido que, no dizer de Nor-
berto Bobbio, os diretos não nascem todos de uma vez, e nem de uma vez por
todas, mas surgem quando devem nascer diante de uma reivindicação moral.
Logo, obviamente, haverá situações novas, novos fatos sociais e demorarão até se
transmutarem em fatos jurídicos, e durante este processo natural de verdadeira
construção do direito, caberá ao Poder Judiciário interpretar referidas situações, até
254
que sejam então enfrentadas pelo Poder Legislativo. Assim, não há como tolher
do magistrado trabalhista esta função primordial, sob pena de relegar o cidadão
a ficar ser respostas adequadas a suas querelas judiciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Reforma Trabalhista abalou as bases jurídicas do país. Em uma aprovação


açodada, com redação que não foi objeto de ampla discussão entre empregadores,
empregados, sindicatos e Judiciário, todos saíram perdendo com a pressa com que
foi implementada, e a falta de estudo com a qual tem sido por vezes aplicada.
Necessária em diversos pontos, eis que a CLT já contava com mais de setenta
anos e fora elaborada em uma época em que a figura do trabalho era bastante
diversa, e tendo clara inspiração na Carta de Lavoro Italiana, estava de fato bra-
dando por modificações necessárias.
Entretanto, esperada reforma não foi como se esperava, não abordou tudo
que precisava e não agradou integralmente nem a classe trabalhadora, nem a classe
patronal, e nem ao Poder Judiciário que se viu tolhido em suas funções precípuas.
Retirar do juiz do trabalho a possibilidade interpretativa de compreender a letra
da lei de acordo com a realidade social, e não em sua literalidade; retirar a possi-
bilidade de construção de jurisprudência contra legem e preter legem; e impedir o
magistrado de fixar com liberdade as indenizações por danos morais.
Não se pode admitir tal retrocesso legislativo, que além de ferir a competência
do Poder Judiciário, retirando do magistrado sua função interpretativa, e relegando-o
somente a ‘dizer o direito’, em quantum a ser fixado com base em tabelamento elabo-
rado pelo Poder Legislativo. Se analisado conjuntamente com as demais alterações,
mormente com os parágrafos do artigo 233-G que trouxe o tabelamento do dano
extrapatrimonial – também figura nova no códex; faz a figura do juiz ser verdadeiro ‘boca
da lei’, ao não poder quantificar livremente as indenizações por dano extrapatrimonial.

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pdf> Acesso em: 20 jul. 2022.

256
A BIOGEOGRAFIA E A METODOLOGIA DE ENSINO
DE GEOGRAFIA: ANALISANDO A INTERSECÇÃO E A
APLICABILIDADE NO CURRÍCULO PAULISTA (2020-2022)

Gabriel Batista Mota89

INTRODUÇÃO

A Geografia é uma subárea das Ciências Humanas que, por sua capacidade
multidisciplinar, é capaz de oferecer recursos e ferramentas de grande importância
didática ao ensino e debate tanto dentro, quanto fora da sala de aula. Isto acontece
porque esta ciência trabalha especificamente na construção espacial do humano
enquanto um ser social (CARNEIRO, 1993), já que, como lembra Saviani, o
homem é um componente ativo da sociedade que pode tanto aceitá-la quando
rejeitá-la em suas perspectivas naturais e culturais (SAVIANI, 1980).
No bojo da escola tradicional, as disciplinas que compõem as grades cur-
riculares, independentemente de sua estrutura ou de suas reformulações, em
tese, têm como função a construção de saberes sócio-científicos aos estudantes
(ALMEIDA; MARTINS; BORTOLOTI, 2016) e, no caso da ciência tratada
nos últimos parágrafos deste trabalho, a escola a recebe com a intenção de que
ela fomente a percepção humanística e espacial, alémda compreensão acerca do
território, do lugar, da região, da natureza, da paisagem e, também, da sociedade
(PABIS, 2012).
[...] a educação geográfica contribui para a formação do con-
ceito de identidade, expresso de diferentes formas: na compreensão
perceptiva da paisagem, que ganha significado à medida que, ao
observá-la, nota-se a vivência dos indivíduos e da coletividade; nas
relações com os lugares vividos; nos costumes que resgatam a nossa
memória social; na identidade cultural; e na consciência de que somos
sujeitos da história, distintos uns dos outros e, por isso, convictos
das nossas diferenças (BRASIL, 2018, p. 359).

Estudar estes conceitos na instituição de ensino contemporânea é impor-


tante porque contribui para que o adolescente construa, em si, uma inter-relação
com o meio/realidade que o cerca, entendendo as nuances do mundo em que vive

89
Mestrando em Educação (UNESP). Jornalista. Geógrafo. CV: http://lattes.cnpq.br/1058264641736979
257
e as várias formas de vida e identidadeexpressas por meio da liberdade e com as
contribuições e ponderações do professoradoespecialista (PABIS, 2012).
O professor que ensina História ou Geografia tem a função de res-
significar a educação, entendendo-a num contexto social em movi-
mento. Com base nessa nova ação, o professor se torna um mediador,
um facilitador, que motiva, estimula, problematiza e ajuda os alunos
a interpretarem as informações, relacioná-las e contextualizá-las,
oferecendo uma orientação intelectual e pedagógica (MOREIRA,
COELHO, SANTOS, 2014, p. 151).

Entender esta necessidade que a educação e a vida social têm da Geografia


vai além demeramente decorar estes vocábulos, trabalhados anteriormente, que
Lisboa (2007), assim como outros(as) grandes pensadores(as) da área, pontua não
apenas termos, mas como categorias de análise. Esta absorção é necessária em
razão da urgência em decifrar o mundo com todas as suas complexidades huma-
nas, biológicas, sociais e espaciais existentes, começando com a conceituação dos
problemas ou elementos, característica da qual a disciplina de estudo da relação
homem-espaço é especialista.

Conceituar significa a ação de formular uma ideia que permita, por


meio de palavras, estabelecer uma definição, uma caracterização do
objeto a ser conceituado.Tal condição implica reconhecer que um con-
ceito não é real em si, e sim uma representação desse real, construída
por meio do intelecto humano (PARÂMETROSCURRICULARES
NACIONAIS, 1999).

Entretanto, como uma área de estudo viva, multidisciplinar e em constante


atualização,estas definições conteudísticas não servem como estacas norteadoras
de um ponto final, pelo contrário, são ferramentas que têm como utilidade a flexi-
bilidade à utilidade de novas formas de pensar e de usar esses campos de análises
(LISBOA, 2007).
Tendo em vista esta vivacidade da Geografia, uma de suas subáreas que mais
se destaca por essa característica é a Biogeografia. Gillung (2011, p. 1) a define
como “[...] a ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos no espaço
através do tempo, como objetivo de entender os padrões de organização espacial
dos organismos e os processos que resultaram em tais padrões”.

258
Estes estudos sobre os padrões de dispersão teriam surgido, segundo Nelson
e Platnick(1981), a partir da tentativa da entender os padrões de dispersão
de espécies animais evegetais e a relação delas com as áreas e as localizações
geográficas nas quais residiam, principalmente durante os séculos XVIII e XIX.
Por se tratar se uma vertente complexa, a Biogeografia integra saberes tanto geo-
gráficos quanto biológicos, ecológicos e geológicos, além de ser dividida em dois
principais momentos.
Podemos dividir a história da Biogeografia em dois períodos muito
distintos: 1) o período pré-evolutivo, no qual se acreditava no fixismo
das espécies, na constância eestabilidade da Terra, e em um centro de
origem e dispersão; e 2) o período evolutivo, que incorpora as ideias de
mudança tanto da biota (evolução) quanto da própria Terra às expli-
cações biogeográficas, resultando no paradigma vicariante que serviu
de base para a biogeografia histórica (NELSON; PLATNICK, 1981).

A Biogeografia, assim como todos os outros campos de estudos da Geografia,


érepleta de conceitos e particularidades, sendo os dois principais a dispersão e a
vicariância. Gillung (2011) explica que o primeiro enfatiza que uma data popula-
ção ancestral, tanto animal quanto vegetal, que ocupava apenas um local avança
e ocupava dois ambientes,ultrapassando barreiras pré-existentes, fazendo, assim,
com que estes dois grupos se diferenciem e apresentem características distintas. Já
o segundo conceito afirma que uma dadacoletividade só se dividiu, e demonstrou
aspectos diferentes uma da outra, após o surgimento de algum obstáculo, natural
ou não (DANSEREAU, 1949).
Outro pensamento biogeográfico era sobre a dispersão das espécies – fauna
e flora – sobre a Terra, mas para isso existiam duas teorias: a escola dispersalista e
a Deriva Continental (GALLO; FIGUEIREDO; ABSOLON, 2021).
Em síntese, a primeira tinha forte influência religiosa e, por isso, acreditava
que todas as formas de vida que existiam e que existirão foram criadas no início da
humanidade, tal qualconsta no livro Gênesis da Bíblia cristã e que, com o passar o
tempo, apenas foram se espalhando pelo globo e/ou de extinguindo (PAPAVERO
et al., 1997). Já a segunda linha de idealização pensava que todos os continentes,
em um momento remoto do planeta, já estiveram unidos em um só e que, por
isso, há semelhanças entre todos (SOUZA; MEDEIROS, 2020).

259
JUSTIFICATIVA

Como visto até o momento, a Biogeografia objetiva estudar a distribuição


das espéciesde plantas e animais no planeta (DANSEREAU, 1949) e isto, em
teoria, poderia ser aprofundado tanto nas disciplinas de Geografia quanto em
Ciências ou Biologia na escola tradicional brasileira, mas não é o que acontece.
Esta subárea ainda é renegada, se comparada ao urbanismo, migração e
comércio exterior e, por esta razão o presente trabalho foi criado, já que acredita
que a presença e frequência do estudo da Biogeografia na escola básica é importante
porque oferece aosestudantes o contato com um campo que é capaz de realizar
a intersecção entre as áreas já mencionadas, da mesma forma que pode ofertar
habilidades práticas essenciais à vida contemporânea, como o reconhecimento do
espaço natural, das formas de vida presentes nestas localidades e como as modifi-
cações antrópicas podem causar danos ou mutações nestesseres.
Por isso, a partir dos levantamentos descritos na nos tópicos seguintes, esta
pesquisa conclui ser importante, geograficamente, na medida em que se propos
a compreender como é trabalhada, no ensino público de um dos maiores estados
da federação, uma das vertentes da Geografia, além de fomentar o pensamento
acerca desta subárea e de sua aplicabilidade não apenas teórica, mas também prática.

FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS

Método e seleção de dados

Para a realização deste trabalho foi necessário consultar as habilidades elen-


cadas pelo Currículo Paulista no site da Escola de Formação e Aperfeiçoamento
dos Profissionais da Educação “Paulo Renato Costa Souza” (EFAPE)90 e anali-
sar todas as habilidades disponibilizadas para as disciplinas de Ciências (para o
ensino fundamental II), Geografia (para o ensino fundamental II e ensino médio)
e Biologia (para o ensino médio) desde janeiro de 2020 até dezembro de 2022.

Análise dos dados recolhidos

Após uma cautelosa análise em mais de 200 habilidades neste período de


03 anos foi possível constatar que a Biogeografia, diferente das outras áreas da
Geografia, das Ciências e da Biologia, não possui um setor, campo ou momento

90
Estas habilidades podem ser consultadas no site: https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/
educacao-infantil-e-ensino-fundamental/materiais-deapoio-2/.
260
único para si. Esta vertente está fragmentada em tópicos principalmente nos 6ºs
e 7ºs anos do ensino fundamental II de 2021 e no 1º ano do ensino médio de
2020 e 2022.
No que se refere às suas alocações, seus conteúdos são dispersados principal-
mente entre as disciplinas de Ciências e Biologia, sobrando pouco à Geografia. Já
sobre a forma de redação, os conceitos desta área são trabalhados, discretamente,
sob as perspectivas das seguintes temáticas: os biomas, os ecossistemas, a biodi-
versidade, as transformações antrópicas no meio ambiente e nas sociedades, as
dinâmicas da natureza e suas mudanças antrópicas.

PROPOSTA DE ATIVIDADE

Com as recentes mudanças nas grades disciplinares do ensino médio estadual


público, a principal demanda é o protagonismo do estudado aliado às metodologias
ativas (PINTO; CARNEIRO, 2019). Tendo isto em mente, uma ferramenta útil
para estes momentos são os jogos eletrônicos (OLIVEIRA; LOPES, 2019) e, por
este motivo, o presente escrito propõe a realização de games on-line em formatos
de quizz para instigar os jovens a participar ativamente das aulas, assim como a
criarem produtos próprios para cada disciplina ou cada conteúdo.
Como exemplo, foi usado Fyrebox91, uma ferramenta gratuita que exige
apenas um cadastro simples que, após isto, permite a criação de jogos de perguntas
e respostas divertidos e de fácil edição do professor.
Estes jogos podem ter quantas perguntas o docente desejar, além de apre-
sentar as alternativas em ordem aleatória, o que impede a cola, e no fim do jogo
apresenta, apenas ao criador, a pontuação dos jogadores. Os games criados neste
site não possuem data para expirar, isto é, duram por meses.
Por fim, após a confecção da brincadeira educativa, o próximo passo é o
compartilhamento com os alunos. Isto pode ser feito por meio do link no grupo
do WhatsApp da turma, por e-mail ou exibido através do trabalhor multimídia.
Uma outra forma, ainda mais simples, é converter o link em um QR Code92.
Os estudantes podem fazer download de um leitor de QR Code gratuito, em casa ou
na escola, no celular e depois apontá-lo para o trabalhor, como se fosse fotografar
a imagem (Figura 1), que o aplicativo automaticamente fornecerá o link no qual
o estudante deverá clicar e será guiado ao game criado pelo professor.

91
www.fyrebox.com.
92
Para fazer esta conversão, há a opção de usar gratuitamente o seguinte site: br.qr-code-generator.com.
261
Figura 01 – QR Code usado pelo pesquisador em um jogo criado como exemplo.

Fonte: Gabriel Batista Mota, 2023.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Geografia é uma ciência viva e, como tal, está em constante crescimento,


evolução, mudança e aperfeiçoamento. Uma destas mudanças é a forma com a
qual é vista no decorrer das décadas.
Como lembra Yves Lacoste (1998), inicialmente a Geografia foi pensada -
ou utilizada - principalmente para fins bélicos, mas com isso, provocou inúmeras
mudanças globais e sociais, vistas na antiguidade e na contemporaneidade.
Atualmente, no sistema educacional brasileiro, esta disciplina foca especifi-
camente - ou quase exclusivamente - nas temáticas de Urbanização, Migração e no
Comércio Exterior, que, por suas essências, são de extrema importância às ciências
humanas e sociais, entretanto, é necessário ressaltar que o pensar geográfico vai
muito além destas três áreas que abrange algumas vertentes capazes de promover
intersecções com as ciências naturais. É o caso da Biogeografia.
A Biogeografia, como visto neste breve levantamento, ainda é incipiente no
Currículo Paulista de 2020 a 2022 e, com isso, este documento deixa de oferecer
uma áreas das ciênciass humanas que tem a habilidade de pensar a evolução da
vida animal e vegetal a partir das modificações e alterações que o meio geográfico
impõe e/ou por meio das alterações humanas que são feitas nestes locais.
Refletir sobre este tópico é necessário porque fomentaria aos estudantes o
pensamento social e cidadão ao passo que oferecia a estes jovens a oportunidade
de repensarem como a raça humana vem destruindo o planeta no qual habita e,
consequentemente, quais as alternativas para sairmos destes cenários de destruição
nos quais nos encontramos.
Portanto, este breve estudo geográfico conclui que a inserção da Biogeogra-
fia nas habilidades oferecidas pelo Currículo Paulista é inferior ao recomendado,
262
além do fato de que esta ciência está fragmentada entre a Biologia/Ciências e a
Geografia, dificultando a sua assimilação e percepção e, por isso, é necessário que
este documento oferecido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
e o Ministério da Educação (MEC) desenvolvam novas habilidades pedagógicas
para a disciplina de Geografia especialmente para inserir a Biogeografia de forma
mais clara, objetiva, dinâmica e direta aos estudantes brasileiros.

REFERÊNCIAS
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geografia. Rio de Janeiro. 1ª Edição. Editora: Estácio, 2016.
BRASIL. Base nacional comum curricular (BNCC). Brasília: MEC 2018. Disponível em: http://basena-
cionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 10 jan. 2021.
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125. Disponível em:https://www.scielo.br/j/er/a/QWvNXZNL6snC9VmmmrXWrPq/?lang=pt. Acesso
em: 16 jan. 2023.
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LACOSTE, Y. A Geografia - Isso Serve, Em Primeiro Lugar, Para Fazer A Guerra. Campinas: Papirus, 1988.
LISBOA, S. S. A importância dos conceitos da geografia para a aprendizagem de conteúdos geográficos
escolares. Revista Ponto de Vista, v. 4, n. 1, 2007, p. 23-35. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/RPV/
article/view/9746. Acesso em: 20 dez. 2022.
MOREIRA, G. E.; COELHO, H. F.; SANTOS, C. R. dos. O ensino de história e geografia naeducação
infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental: desafios permanentes. Ensino de Geografia, Uber-
lândia, v. 5, p. 150-166, jun. 2014. Disponível em:http://repositorio.unifap.br/bitstream/123456789/552/1/
Artigo_EnsinoHistoriaGeografia.pdf. Acesso em: 15 jan. 2023.
NELSON, G.; PLATNICK, N. Systematics and Biogeography, cladistics and vicariance.New York:
Columbia University Pressy, 1981.
OLIVEIRA, T. P. de; LOPES, C. S. O uso de jogos por professores de Geografia na EducaçãoBásica. Revista
Ateliê Geográfico, v. 13, n. 3, dez., 2019, p. 66-83.
PABIS, N. A. O ensino de história e geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental.Paraná: Uni-
centro, 2012.
PAPAVERO, N. et al. História da Biogeografia no período Pré-evolutivo. São Paulo: Pleiade/fapesp, 1997.
PARÂMETRO CURRICULARES NACIONAIS. Introdução aos ParâmetrosCurriculares Nacionais.
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1999.
PINTO, R. F; CARNEIRO, R. N. O ensino de geografia no século XXI: práticas e desafiosdo/no ensino
médio. Revista GeoInterações, v. 3, n. 2, jul./dez., 2019, p. 3-22.

263
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Associados, 1980.
SOUZA, L. G. R; MEDEIROS, H. B. de. Biogeografia Histórica. Simpósio Brasileiro d e Biogeo-
grafia, 2020, p. 192-206.

264
PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES,
SOB A ÓTICA DA ENFERMAGEM: AMPLIANDO O
CUIDADO NO SUS

Eloir Marques da Silva93

INTRODUÇÃO

Prática integrativas e complementares, sob a ótica da enfermagem: ampliando


o cuidado demostra as práticas integrativas e complementares frente aos profis-
sionais de enfermagem, assim a medicina integrativa é o tratamento de pacientes
através de meios espirituais, emocionais, mentais e ambientais, além dos meios
físicos. O princípio geral é que todos os aspectos do paciente sejam considera-
dos no tratamento da doença, incluindo alternativas naturais e menos invasivas
quando possível. O paciente e o profissional de saúde formam uma parceria que
permite uma abordagem holística que inclui crenças, bem-estar geral e a cura da
mente e do corpo.
Ao abordar as práticas integrativas no panorama da medicina no Brasil
pode-se observar que o país tem progredido em direção a uma abordagem mais
holística e individualizada da cura. Parte desse progresso tem sido a integração
entre as formas de medicina ocidental e alternativa, um conceito que foi descrito
como medicina integrativa. Dessa forma pode ser observado que prática de enfer-
magem, foi construída sobre uma estrutura holística e tem um longo legado de
oferecer soluções integrativas/holísticas de cuidados aos pacientes e familiares, a
fim de promover a saúde e a cura, prevenir e tratar doenças e aliviar os sintomas.
Pode-se dizer que o tema é de fundamental importância para sociedade
acadêmica, pois nos últimos anos os profissionais de enfermagem têm usado
estratégias terapêuticas que apoiam a cura biopsicossocial há anos. Pode assim
dizer que os enfermeiros estão entre os primeiros clínicos de atenção primária a
oferecer o que hoje é conhecido como cuidado integrativo e continuam a ter um
interesse vital em sua investigação clínica, acessibilidade e entrega segura ao público.

93
Graduação em Ciências Contábeis (UNAES). Graduanda em Enfermagem (UNOPAR).
CV: https://lattes.cnpq.br/0065313945739803
265
A RELEVÂNCIA DAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS NA
ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

A saúde integrativa é um termo de tendência que tem sido usado no ambiente


médico nas últimas duas décadas. Também conhecida como saúde integral, a saúde
integrativa é uma abordagem da medicina e da saúde geral que mantém o paciente
no centro de todos os processos e opções de cuidado. Ao invés de um modelo de
atendimento prático, a saúde integrativa combina cuidados alternativos, medicina
ocidental, medicina oriental e medicina complementar para alcançar os melhores
resultados possíveis ao paciente (TESSER; SOUSA; NASCIMENTO, 2018).
Medicamentos alternativos e complementares são definidos pela OMS como
a soma de conhecimentos, habilidades e práticas não pertencentes às tradições
do país e aos quais as diferentes populações recorrem, para prevenir e manter a
saúde física e mental. A indicação de tratamento complementar no SUS ocorre
principalmente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), mas também na Unidade
de Atendimento Especializado, nas Unidades Hospitalares e Centros Especiali-
zados (MOTTA; MARCHIORI, 2013).
O uso de abordagens integrativas de bem-estar e saúde tem crescido em
ambientes de cuidados no Brasil. Atualmente muitos profissionais da saúde estão
explorando os benefícios potenciais da saúde integrativa em uma variedade de
situações, incluindo controle de dor em pacientes e sobreviventes de câncer e
programas para promover comportamentos saudáveis (FAQUETI, 2014).
A medicina integrativa e medicina complementar e alternativa incluem abor-
dagens e terapias que historicamente nunca fizeram parte da medicina tradicional
ocidental. A medicina complementar e alternativa é frequentemente considerada
uma medicina que não se baseia nos princípios da medicina tradicional ocidental.
No entanto, esta caracterização não é estritamente precisa (NASCIMENTO;
OLIVEIRA, 2016).
Uma diferença fundamental entre a medicina complementar e alternativa e
a medicina tradicional é a força das evidências que apoiam as melhores práticas.
A medicina tradicional visa, sempre que possível, basear suas práticas apenas nas
evidências científicas mais conclusivas. Em contraste, a medicina complementar
e alternativa baseia suas práticas em evidências, que se baseiam nas melhores
evidências disponíveis, mesmo quando essas evidências não atendem aos critérios
mais rigorosos de eficácia e segurança. No entanto, algumas práticas de medicina
complementar e alternativa, incluindo o uso de suplementos alimentares, foram
validadas por critérios científicos tradicionais (MOEBUS; NUNES, 2015).
A saúde integrativa pode ser definida como um estado de bem-estar no corpo,
mente e espírito que reflete o indivíduo, a comunidade e a população. Existem
266
inúmeros estudos de pesquisa publicados para apoiar a teoria de que quando todo
ser é tratado, os resultados do paciente e a satisfação no atendimento melhoram.
Em um modelo integrativo, os profissionais de saúde trabalham juntos para abordar
todos os aspectos do plano de atendimento que está sendo prestado (TESSER;
SOUSA; NASCIMENTO, 2018).
Essa prática reúne abordagens convencionais e complementares de forma
coordenada. A saúde integrativa também enfatiza as intervenções multimodais, que
são duas ou mais intervenções, como abordagens convencionais de saúde (como
medicação, reabilitação física, psicoterapia) e abordagens de saúde complemen-
tares (como acupuntura, ioga e probióticos) em várias combinações, com ênfase
em tratar a pessoa como uma totalidade em vez de, por exemplo, um sistema de
órgãos. A saúde integrativa visa um cuidado bem coordenado entre diferentes
provedores e instituições, reunindo abordagens convencionais e complementares
(FAQUETI, 2014).
A OMS (Organização Mundial da Saúde) através do documento Estratégia
de Medicina Tradicional 2014-2023 aborda a Medicina Integrativa como um
termo que engloba o uso de terapias medicamentosas (ervas medicinais, partes
de animais e minerais) e terapias não medicamentosas (acupuntura, manual e
espiritual), que pode ser utilizado como complemento da medicina alopática no
tratamento de diversas enfermidades (OMS, 2013).
Conforme Brasil (2006), historicamente, surgiram diversas nomenclaturas,
como a substituição da palavra “Medicina” por “Prática” ou “Terapia” e ainda
“alternativa” por “complementar” ou “integrada”, em decorrência desses termos
do Despacho n.º 971, de maio de 2006, o Ministério da Saúde aprovou, em nível
nacional, a Política de Práticas Integradas e Complementares:
Considerando que a OMS (Organização Mundial da Saúde) vem
estimulando o uso da Medicina Tradicional/Medicina Complementar/
Alternativa nos sistemas de saúde de forma integrada às técnicas da
medicina ocidental modernas e que em seu documento “Estratégia da
OMS sobre Medicina Tradicional 2002-2005” preconiza o desenvol-
vimento de políticas observando os requisitos de segurança, eficácia,
qualidade, uso racional e acesso (BRASIL, 2006. p. 6).

Essas práticas preconizam uma visão holística para o cuidado do indivíduo,


com atenção especial à saúde voltada para os aspectos psicobiológicos-sociais-e-
mocionais e espirituais, favorecendo a qualidade de vida do usuário do sistema de
saúde brasileiro (CONTATORE et al., 2015).
Refere-se à integração na trajetória assistencial de um paciente de práticas da
medicina tradicional e da medicina complementar (que são objeto de avaliação científica
267
de sua segurança e eficácia). A medicina integrativa tem como foco a pessoa em sua
totalidade (corpo, mente, espiritualidade) e desenvolve uma abordagem personalizada
combinando as práticas de ambas as abordagens, levando em consideração a impor-
tância da relação terapêutica. (MOTTA; MARCHIORI, 2013).
A integração dessas práticas na prática de enfermagem visa sempre melhorar
a qualidade de vida do paciente e manter sua autonomia na medida de suas pos-
sibilidades. A integração das práticas complementares aos cuidados de enferma-
gem promove a evolução para uma medicina integrativa, garantindo uma melhor
qualidade de cuidados, pois considera a capacidade de adaptação dos profissionais
à peculiaridade de cada situação (OMS, 2013).
Assim enfermagem integrativa é uma abordagem de cuidado de pessoa
inteira, um todo, um sistema que honra um legado que começou com Florence
Nightingale, que escreveu que o papel da enfermagem era colocar o paciente na
melhor condição possível para que a natureza pudesse agir e a cura ocorrer. A
enfermagem integrativa pode ser praticada com todas as populações de pacientes
e em todos os ambientes clínicos. Tem o potencial de fortalecer e revigorar a
profissão (FAQUETI, 2014).
Já que os enfermeiros são profissionais de saúde cuja profissão é complexa,
consistindo em parte na administração do cuidado, na maioria das vezes téc-
nica, mas também em parte no trabalho em torno da relação que está presente
durante o tratamento, mas constitui também uma técnica de acompanhamento
por direito próprio, da pessoa no seu processo terapêutico (TESSER; SOUSA;
NASCIMENTO, 2018).
Conforme muitos estudos analisados atualmente a utilização de práticas
integrativas vem aumentando significativamente no tratamento de diversas doenças.
Estudos mostram resultados positivos na redução da ansiedade, sintomas depressi-
vos, estresse, dor e alimentação compulsiva. Dessa forma, consequentemente, está
havendo também um maior interesse de profissionais da enfermagem buscando
conhecimento acerca de práticas integrativas. Assim, dentro da enfermagem há
diversas teorias amplas baseadas em conceitos como cuidar, seres unitários, adap-
tação, autocuidado, tornar-se humano, e saúde como consciência em expansão
(CONTATORE et al., 2015).
Consequentemente nos últimos anos, muitos enfermeiros enriqueceram a
sua prática profissional com práticas mente-corpo como, relaxamento, técnicas de
respiração, massagens, ioga entre outros. Além do interesse clínico apreciado pelas
pessoas atendidas, essa abertura das práticas de enfermagem para novos saberes,
reforçada pela recente compreensão científica de muitos efeitos, representa um
campo considerável de evolução para a qualidade do cuidado em campos tão diver-

268
sos quanto o manejo da dor, ansiedade, manutenção da autonomia, redescoberta
do prazer no movimento, etc. (OMS, 2013).
Contudo o desenvolvimento desta medicina integrativa é feito no centro
de tratamento da dor, considerando a pessoa em sua totalidade e desenvolvendo
uma abordagem personalizada, combinando as práticas das duas abordagens, tendo
em conta a importância da relação terapêutica e o empoderamento dos pacientes,
promovendo a criação de ferramentas com intervenção diária na vida do paciente.

O SUS E AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS

Foi definido pela constituição Federal de 1988 como um serviço público


de saúde o Sistema Único de Saúde (SUS) baseado nos princípios de descentra-
lização (artigo 196), universalidade, igualdade e integridade. Existe uma rede de
atenção à saúde que oferece atenção de nível baixo, alto e médio, incluindo atenção
primária, cuidado de emergência atenção psicossocial Atendimento ambulatorial
e hospitalar dedicado (MS, 2020).
Dessa forma, a enfermagem integrativa no SUS é uma estrutura que fornece
cuidados completos à pessoa, centrado baseado no relacionamento, e se concentra
na melhoria da saúde e do bem-estar dos cuidadores, bem como daqueles a quem
eles atendem. Os princípios da enfermagem integrativa oferecem orientações claras
e específicas que podem moldar e impactar o cuidado ao paciente em todos os
ambientes clínicos (AGUIAR; KANAN; MASIERO, 2020).
Os enfermeiros integrativos veem cada pessoa como um sistema completo,
corpo, mente e espírito, cuja saúde e bem-estar são influenciados pelo ambiente.
Sabe-se pelo campo da ciência da complexidade que tudo está conectado por meio
de redes de relacionamentos (RUELA et al., 2019).
Ao desenvolver um plano de cuidados os enfermeiros integrativos come-
çam com a intervenção menos intensiva para minimizar os efeitos colaterais e
perturbações no corpo, mente e espírito da pessoa. As intervenções mudam para
tratamentos mais intensivos conforme necessário. A saúde está mudando de um
modelo centrado na doença para um modelo de cuidado preventivo e bem-estar,
que vê o indivíduo no contexto de seus relacionamentos, ambiente e senso de si
mesmo (RUELA et al., 2019).
Os Centros de Controle de Doenças e a Organização Mundial da Saúde
reconhecem os múltiplos determinantes da saúde incluindo fatores sociais, psi-
cológicos, econômicos, ambientais e físicos. O corpo tem capacidades curativas
e restauradoras em muitos níveis (TESSER; SOUSA; NASCIMENTO, 2018).
Quando a integridade da pele é danificada por um corte, arranhão ou ferida
mais profunda, o corpo automaticamente entra em um processo de inflamação,
269
proliferação celular e, finalmente, reparo celular. Enquanto os neurônios não se
dividem e não são capazes de mitose após a lesão, as células nervosas sobreviventes
se reorganizam e estabelecem novas conexões neurais (DALMOLIN; HEIDE-
MANN; FREITAG, 2020).
A mente tem a capacidade de ajudar a curar. O cérebro tem uma proprie-
dade chamada neuroplasticidade e é capaz de mudanças na estrutura e função. As
mudanças podem ocorrer como resultado de experiências, bem como atividade
mental puramente interna, os pensamentos. Emoções positivas inundam o cérebro
com dopamina e serotonina, melhoram o funcionamento do sistema imunológico,
diminuem a resposta inflamatória ao estresse e alteram o escopo e os limites do
cérebro (BARROS et al., 2020).
As pessoas têm a capacidade de curar traumas psicológicos, emocionais e
espirituais profundos e a dor, perda, raiva, tristeza e desespero que os acompanham.
Bondade, compaixão, carinho e amor são processos humanos que podem apoiar a
cura quando são oferecidos por outros e quando cuidamos de nós mesmos dessa
maneira (FERREIRA et al., 2020).
A enfermagem integrativa também envolve enfermeiros que desejam pra-
ticar de maneira alinhada com seus valores pessoais e a paixão que despertou
seu chamado para a carreira de enfermagem. Pode ser uma estratégia eficaz para
amortecer o estresse e atenuar o impacto do esgotamento, que é caro e causa um
impacto significativo nos pacientes, familiares e cuidadores. A assistência à saúde
no SUS hoje é baseado em habilidades de enfermagem integrativa que estão bem
posicionados na prestação de cuidados de saúde integrados (ASSIS et al., 2018).
Os fatores que contribuem para o sucesso das práticas integrativas incluem
a visão e os princípios orientadores, o ambiente de cura ideal, o modelo de enfer-
magem holística, o conselho de prática holística, a entrega de terapias de artes
curativas selecionadas e serviços integrativos, como acupuntura e massagem
terapêutica certificada, e os esforços da liderança holística para emular o modelo
de saúde de cura (BARROS et al., 2020).
Resumidamente, é tudo sobre a cultura abrangente de curar pessoas, há res-
sonância com cada um dos princípios fundamentais para a prática integrativa de
enfermagem. Em particular, nos últimos anos o SUS fornece prática integrativas
complementares aos pacientes o modelo de saúde de cura tem um forte foco no
autocuidado (DALMOLIN; HEIDEMANN; FREITAG, 2020).
A medicina convencional e complementar é parte importante da atenção à
saúde, com demanda crescente em diversos países, para manutenção da saúde e
tratamento de enfermidades, principalmente as crônicas. Nesse sentido, a OMS
por meio do documento estratégia de Medicina Tradicional 2014-2023, incentiva
o uso de medicações tradicionais, complementares e integrativos nos sistemas
270
de saúde, visando à promoção do cuidado centrado na pessoa com segurança,
qualidade e regulamentação de produtos, práticas e profissionais (OMS. 2013).
No Brasil, pode-se observar muitos avanços e desafios com implantação das
práticas integrantes no SUS desde a publicação da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde em 2006. Junto Nesse caminho é possível
ressaltar um aumento na oferta dessas práticas, especialmente na atenção básica
à saúde com duas atualizações de políticas (MS, 2018).
Com o crescimento das práticas integrativas que passou a ser ofertada no
SUS em 2017 observou-se benefícios da terapia para a saúde, tais como o alívio
da dor, a redução do estresse e da ansiedade, melhor enfrentamento da doença
e processos terapêuticos, diminuição da pressão arterial, melhora dos sintomas
depressivos e problemas de sono (FERREIRA et al., 2020).
Dessa maneira, as práticas integrativas podem contribuir para o avanço do
conhecimento científico nas áreas de Enfermagem e Saúde, também podem con-
tribuir para o exercício de cuidado no SUS, pautadas em um modelo de atenção
humanizada, que privilegia a totalidade da pessoa, a visão ampliada do processo
(FERREIRA et al., 2020).
A saúde integrativa no SUS reúne abordagens convencionais e complemen-
tares de forma coordenada. A saúde integrativa também enfatiza as intervenções
multimodais, que são duas ou mais intervenções, como abordagens convencionais
de saúde (como medicação, reabilitação física, psicoterapia) e abordagens de saúde
complementares (como acupuntura, ioga e probióticos) em várias combinações, com
ênfase em tratar a pessoa em sua totalidade em vez de, por exemplo, um sistema
de órgãos. A saúde integrativa visa um cuidado bem coordenado entre diferentes
provedores e instituições reunindo abordagens convencionais e complementares
de cuidado (ASSIS et al., 2018).
A utilização de abordagens integrativas de bem-estar e saúde tem crescido
em ambientes de cuidados no Brasil. Atualmente, os pesquisadores estão explo-
rando os benefícios potenciais da saúde integrativa em uma variedade de situações
incluindo controle da dor, alívio de sintomas em pacientes e sobreviventes de câncer
e programas para promover comportamentos saudáveis (BARROS et al., 2020).
Contanto, apesar dos esforços do Ministério da Saúde do Brasil nos últimos
anos para implementar a Política Nacional de práticas integrativas e ampliar o
número de práticas terapêuticas nela incluídas, a população adulta brasileira não
tem feito uso dessas terapias (RUELA et al., 2019).
Portanto, recomenda-se que o Ministério da Saúde invista na capacitação
profissional, estruturando essas práticas em serviços. Além disso, é necessário o
incentivo a pesquisas baseadas em evidências e estudos sobre segurança de fito-
271
terápicos e práticas complementares em medicina, além de questões relacionadas
à conservação de plantas medicinais e direitos de propriedade intelectual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo pode ser observado que nas últimas décadas, as práticas
integrativas e complementares passaram por um processo de expansão no Brasil, inse-
rindo-se nos sistemas de saúde, atuando nas diferentes dimensões do cuidado, desde
a promoção da saúde e prevenção de doenças até o tratamento, reabilitação e cura.
As práticas integrativas são entendidas como práticas alternativas, com-
plementares às terapias presentes no atual modelo biomédico, que possuem uma
história e têm a capacidade de serem modificados pelos atores sociais, apresentando
continuidade teórica e prática entre passado e presente, isso os torna holísticos
em seu processo de ação/intervenção. As práticas integrativas como ação de
promoção da saúde contribuem para o cuidado integral, principalmente com o
aumento mundial das Doenças crônicas não transmissíveis. Embora as práticas
complementares enfatizem a promoção e o cuidado à saúde, as pesquisas nessa
área são dominadas pelos aspectos clínicos.
Os profissionais que os utilizam podem utilizá-los como um recurso de
saúde para aumentar o acesso da população a determinados serviços preventivos
integrados no sistema de saúde, mas torna-se relevante envolver uma colaboração
interprofissional no sentido de buscar quebrar os preconceitos e superar as dife-
renças na percepção de saúde e doença. A concepção de cuidado na perspectiva
integral considera tecnologias leves, empoderamento, corresponsabilização, acesso,
acolhimento, resolutividade, fatores fundamentais para garantir a humanização
das práticas de saúde.
No entanto, este é um longo caminho a percorrer, tendo em vista as barrei-
ras impostas pelo modelo biomédico, constituindo-se em um verdadeiro desafio
cotidiano para equipes, gestores e usuários, trabalhando na lógica da assistência
integral e universal. A integralidade sugere a ampliação e o desenvolvimento do
cuidado por diferentes profissionais de saúde, em uma perspectiva ampliada, con-
siderando o ser humano em sua multidimensionalidade, dotado de sentimentos,
desejos, aflições e racionalidades.

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274
O IMPACTO DO ISOLAMENTO SOCIAL NA SAÚDE
MENTAL DOS ADOLESCENTES CONSEQUÊNCIAS E
DESAFIOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Gleicimara Ribeiro de Lima94


Jair Rosa dos Santos95

INTRODUÇÃO

De acordo com uma publicação do Ministério da Saúde “A Covid-19 é uma


infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), potencial-
mente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global.” (BRASIL,
2021). Os primeiros indícios foram encontrados na China, por volta do final do
ano de 2019, onde foi descoberto o betacoronavírus em pacientes com sintomas
de pneumonia (BRASIL, 2021).
Desde o início do ano de 2020 o mundo foi assolado pela pandemia da
Covid-19, trazendo modificações dos mais diversos eixos, mas foi em 2019 que
as autoridades chinesas emitiram os primeiros alertas a respeito de uma suposta
pneumonia provocada por causas desconhecidas, após isto os próximos meses
foram permeados de incertezas e crises (FRANÇA e DINIZ, 2020).
Além de ter atingido diversos ramos como o da economia, política e principal-
mente na questão sanitária, a Covid-19 atingiu mais do que só a saúde física, atingiu
também a saúde mental de crianças até adultos de todas as idades e isso porque houve
uma brusca mudança de rotina que obrigatoriamente a sociedade precisou adotar pelo
motivo mais importante e óbvio, a sobrevivência (TAVARES, 2022).
Dentre as medidas adotadas para impedir um colapso nos serviços de saúde
destacaram-se o distanciamento social, o isolamento, uso de máscaras e o lockdown,
com a proibição de abertura do comércio e da realização de eventos, inclusive os
particulares, contudo, de todas essa medidas sanitárias a que se mostrou mais eficaz,
no que diz respeito a transmissão do vírus, foi o isolamento social, que notadamente
acarretou modificações no relacionamento individual e marcou significativamente
o cotidiano, principalmente dos adolescentes (MARIN et al., 2020).
Todavia, ainda falando sobre o vírus da Covid-19, é válido elencar, como
ele se comporta dentro do corpo humano, senão vejamos. O Sar-CoV-2, possui
RNA simples com proteínas estruturais típicas que são responsáveis pela infecti-
94
Discente Curso de Enfermagem (UEMS). CV: http://lattes.cnpq.br/7087367539700527
95
Mestre em Ensino em Saúde (UEMS). Docente do Curso de Enfermagem (UEMS).
CV: http://lattes.cnpq.br/5182592729020912
275
vidade viral, são elas: proteína E, M, N e S, também conhecidas como proteínas
de envelope, membrana, nucleocapsídeos e espícula (BRANDÃO et al., 2020).
A proteína S supracitada é responsável pode ligar-se aos receptores humanos
de modo que transferem seu material genético para dentro das células e começam
a se multiplicar, neste estágio as células do corpo humano começam a ser reconhe-
cidas pelo sistema imune que iniciam a produção de citocinas responsáveis pelo
processo inflamatório (TFN-α) desencadeando a febre e ampliando a atividade
macrofágica de destruição do patógeno (IFN-γ) (BRANDÃO et al., 2020).
A Covid-19 pode ser caracterizada por fases, mas pode ocorrer do paciente
não evoluir para a próxima fase, de forma geral a fase I é caracterizada pela febre,
tosse seca e fadiga, a fase II apresenta queda de saturação, dispneia, taquipneia,
entre outros sintomas, já na fase III, casos críticos podem apresentar choque anafi-
lático, falência respiratória e disfunção de múltiplos órgãos (VARELLA, 2021).
Além das questões físicas devem ser levadas em consideração a saúde mental
de todos os que vivenciaram os tempos de pandemia, de acordo com uma publi-
cação feita pela Biblioteca Virtual em Saúde, é possível dividir as consequências
da pandemia em quatro ondas, veja-se:
A primeira se refere à sobrecarga imediata sobre os sistemas de saúde
em todos os países que tiveram que se preparar às pressas para o cui-
dado dos pacientes graves infectados pela Covid-19; A segunda está
associada à diminuição de recursos na área de saúde para o cuidado
de outras condições clínicas agudas, devido a realocação de verba para
o enfrentamento da pandemia; A terceira tem relação com o impacto
da interrupção nos cuidados de saúde de várias doenças crônicas; A
quarta inclui o aumento de transtornos mentais e do trauma psicológico
provocados diretamente pela infecção ou por seus desdobramentos
secundários (BRASIL, 2021, p. 1).

O vírus tem ação direta no sistema nervoso central, o que de acordo com o
Ministério da Saúde, pode ser uma das causas do aumento dos sintomas psíquicos
e de transtornos mentais durante a pandemia, além disso, são responsáveis também
as experiências traumáticas como a perda dos entes queridos e a vivência da doença,
bem como o estresse causado pela brusca mudança de rotina, com o distanciamento
social e as consequências econômicas, pois muitas pessoas precisaram fechar as
portas, outras até perderam o emprego, enfim a rotina em geral foi alterada e os
padrões de comportamento da sociedade que é algo tão importante para a saúde
mental foram modificados (BRASIL, 2021).
Falando sobre o isolamento social, deve-se destacar alguns conceitos para
continuar com a pesquisa e o principal deles é que o isolamento social basicamente
276
é ficar dentro de casa tendo contato apenas com as pessoas que mora, trabalhando
em home office e buscando fora do domicílio apenas o que é extremamente neces-
sário. Dessa forma, as pessoas tiveram de se distanciar inclusive daquelas que
amam, familiares e amigos, o que acabou gerando depressão por estar longe de
quem amamos, desde a saudade de pessoas queridas, ansiedade e insegurança em
relação a tudo que poderia acontecer (PEREIRA et al., 2020).
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) realizou um estudo
com mais de 7,7 mil jovens e adolescentes em todo o Brasil, demonstrando que
grande parte deles teve a necessidade de buscar ajuda sobre saúde mental, porém
cerca de 40% deles não buscaram o mesmo apoio, sendo que esse tema continua
gerando preocupação no país (UNICEF, 2022).
No cenário atual, a que a sociedade acometida pela Covid-19 foi exposto,
muito se focou na saúde física e no combate ao vírus, sendo assim a obtenção de
cuidados com a saúde mental tornou-se ainda mais desafiadora, todavia, as reper-
cussões causadas na saúde mental não podem ser negligenciadas, já que o contexto
social que a pandemia trouxe e nos forçou a ser inseridos é terrenos fértil para o
sofrimento psíquico (SCHMIDT et al., 2020).
Vale dizer que uma pessoa pode ter sido exposta a diversos desses fatores
citados ao mesmo tempo, o que pode agravar um dano mental preexiste ou fazer
com que este passe a existir. Segundo pesquisa do instituto Ipsos cedida pela BBC
News Brasil 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou no
último ano, a pesquisa foi publicada em abril do ano passado e o ano de referência
da pesquisa é exatamente o primeiro ano da pandemia mundial (INSTITUTO
IPSOS, 2021).
Outros estudos como o publicado pela Fiocruz trazem dados preocupantes
a respeito da tristeza e da depressão, sendo que como resultado a pesquisa diz
que 40% da população adulta brasileira tem esses sentimentos frequentes e 50%
relatam ansiedade e nervosismo. Contudo, este não é um problema exclusivo do
Brasil, pois a média global demonstra que 45% dos entrevistados afirmam que
sua saúde mental piorou no último ano tendo em vista a vida sob a pandemia
(INSTITUTO IPSOS, 2021).
Após alguns meses do fim da pandemia diversos estudos apontaram o
aumento de depressão, estresse e ansiedade, bem como alteração no sono e o
aumento do uso de psicotrópicos, mas não só esses fatores são preocupantes, pois
quando o foco é levado para as consequências do isolamento social, principalmente
no que diz respeito aos adolescentes o destaque fica entre depressão e ansiedade,
por mais escassas que sejam as pesquisas voltadas a este grupo (FILGUEIRAS,
STULTS-KOLEHMAINEN, 2020).

277
De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) instituído
pela Lei 8.069 de 1.990, são considerados adolescentes quem tem entre 12 e 18
anos. Já de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) a adolescência
está entre os 10 e 19 anos de idade e a juventude, ou seja, adultos jovens, se estende
de 15 aos 24 anos (BRASIL, 2007, p. 7).
Conforme Van Hoof (2020), a Covid-19 colocou a capacidade humana a
prova, no sentido de sofrimento e desafia a sociedade encarar seus piores monstros,
bem como já foi descrito como o “maior experimento psicológico do mundo”,
tanto no Brasil como em todo o planeta houve uma certa confusão da vida mental.
Como objetivo geral a presente pesquisa visa entender, por meio de revisão
de literatura, a relação do isolamento social com a degradação da saúde mental
dos adolescentes, porém, também visa como objetivo mais específico salientar os
obstáculos que sucedem em relação ao retorno presencial.

DESENVOLVIMENTO

Trata-se de pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e abordagem


qualitativa com enfoque na saúde mental dos adolescentes diante dos contesto
da pandemia do Covid-19 e seus desdobramentos quanto ao isolamento social,
levando em consideração também os desafios encarados por estes jovens e as pos-
síveis atitudes de enfrentamento no retorno ao convívio social. Todos os métodos
de revisão existentes são úteis para cada situação em específico, isto porque são
capazes de oferecer ferramentas de abordagem para a literatura dos mais diversos
ganchos pertinentes ao tema tratado (MILIAUSKAS; FAUS, 2020).
Cabe salientar que a metodologia de pesquisa qualitativa é uma abordagem
de pesquisa que estuda aspectos subjetivos de fenômenos sociais e do compor-
tamento humano, aborda temas que não podem ser quantificados. Isso significa
que a pesquisa quantitativa busca resultados objetivos e palpáveis, baseados em
experimentos, e possíveis de serem quantificados (MARTINS, 2004).
Durante a pesquisa foram abordados dados já coletados por outros pesqui-
sadores em suas teses fazendo um apanhado de informações que direcionou o
presente artigo científico à conclusão sobre os enfrentamentos dos adolescentes
que passaram por um isolamento social durante a pandemia mundial da Covid-
19, levante em consideração principalmente a saúde mental destes (BRASIL,
2021, p. 1).
A pesquisa objetivou analisar os conceitos sobre a Covid-19 e seus impactos
na saúde mental dos adolescentes bem como descrever estes conceitos e depois
de estabelecer esta base inicia a busca pelas possibilidades de enfrentamento no
retorno ao convívio social presencial, agora não mais como antes, mas com todos
278
os resquícios deixados pelo isolamento que, conforme será demonstrado, traz uma
maneira diferente de enxergar a vida (BRASIL, 2021).
Durante a elaboração da presente pesquisa etapas foram superadas, tais
como identificação do tema e seleção de questões a serem pesquisadas desse modo
chegou-se ao tema proposto e a partir dele algumas perguntas surgiram, então
foi necessário trazem para o corpo da pesquisa conceitos como o da covid-19 e
da adolescência em si.
Critérios de inclusão e exclusão da literatura utilizada na produção do texto
a seguir, isto, pois, dentro do texto pesquisado nem tudo é aproveitado, somente
aquilo que realmente se encaixa na pesquisa, por fim, interpretação dos resultados
a partir das fontes pesquisadas e síntese do conhecimento adquirido na etapa das
discussões, ou seja, após trazer os conceitos necessários e identificar nas pesquisas
os dados que responderiam as questões propostas, foi elaborado o tópico resultados
e discussões.
Seja dos 12 aos 18 anos ou dos 10 aos 19 anos, período da vida denominado
pela adolescência, fase em que se busca maior independência e se questiona a
autoridade, uma fase conhecida pela rebeldia, uma fase recheada de descobertas,
“a adolescência é um período de transformação.” (BRASIL, 2007, p. 7) Este é o
momento de mudanças físicas, psicológicos, cognitivas e socioculturais, podendo
ainda ser considerado por alguns autores como período de crise (CARTER e
MCGOLDRICK, 2001).
De acordo com o médico, cientista e escritor brasileiro Antônio Drauzio
Varella (2022) durante a pandemia essa transformação se intensificou e os ado-
lescentes tiveram de lidar com três lutos: “a perda da condição de criança, a perda
da referência parental e, ainda, a perda coletiva, causada pela disseminação da
covid-19 no Brasil.”. Tudo isso ocorreu sem a escola que seria o espaço físico mais,
digamos, confortável e onde tudo isso costuma acontecer. Segundo relatório da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil
foi o país que mais teve escolas fechadas em razão da pandemia (MATOS, 2021).
Cada vez mais isolados os adolescentes foram perdendo a energia de socia-
lizar e como consequência vem a tristeza, a falta de ânimo e o tédio toma conta.
Uma meta-análise foi publicada pelo Jama Pediatrics (2021), que analisou pes-
quisas feitas ao redor do mundo com a média de 80 mil jovens, que participaram
de aproximadamente 29 pesquisas, a conclusão não é nada animadora, pois em
comparação com os tempos pré-pandemia houve uma crescente praticamente
100% de sintomas de depressão e ansiedade na juventude.
Fato é que ainda são escassos os estudos em relação ao isolamento social
durante a pandemia, principalmente com foco nos adolescentes, também por conta
de ser um fato muito recente, mas uma pesquisa feita pela equipe do Laboratório
279
de Saúde Mental e Clínica Social do Instituto de Psicologia da USP identificou
que os sentimentos mais despertados durante o isolamento social foram medo,
irritação, solidão, tristeza, entre outros, vejamos o gráfico abaixo:

Fonte: Sá, Rosa e Tardivo, 2020.

Sobre acesso a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico de acordo


com a pesquisa referente ao gráfico acima, respondida por 974 adolescentes de 16
estados da Federação Brasileira, com faixa etária de 11 a 18 anos:
A grande parte dos adolescentes da amostra nunca teve acesso ajuda
psicológica ou psiquiátrica (77,6%), mas, boa parte dos participantes
gostaria de receber tal ajuda (34,2%), enquanto 39,6% considerariam a
possibilidade de auxílio para lidar com seus sentimentos (SÁ; ROSA;
TARDIVO, 2020, p. 12).

Salienta-se que o isolamento social além de permeado por todos esses sen-
timentos acima relacionados também foi acompanhado do impacto econômico
em muitas famílias, o que por vezes pode aumentar o conflito dentro de casa e a
segurança emocional dos adolescentes ser ainda mais abalada, isto somado ao fato
de estares limitados ao núcleo familiar sem a possibilidade de relacionar-se com
seus pares, o que pode colaborar com a ausência de privacidade (MARQUES et
al., 2020).
Diante dos dados colhidos alguns dos fatores que ajudam a desencadear o
adoecimento nos adolescentes durante o isolamento social são: exposição exces-
siva a informação, ausência ou pelo menos diminuição da atividade física, (SÁ;
ROSA; TARDIVO, 2020) isso também decorre do fato de escolas e clubes estarem
fechados, alteração da dieta e no sono já que não tem mais aquele compromisso de
encontra-se com os amigos ou ir até o colégio, acabam com uma rotina desregulada,
280
juntos esses fatores podem estar relacionados intimamente com a vulnerabilidade
dos adolescentes ao quadro geral da pandemia (MARIN et al., 2020).
Com o retorno as atividades normais, isto é, após um longo tempo isolado,
já desacostumado com o convívio em grupo os adolescentes encontram alguns
desafios, nesse sentido, é importante que tanto a família quando a entidade esco-
lar se reúna a fim de montar uma frente com o objetivo de identificar e prevenir,
principalmente acolher e encaminhar os adolescentes com problemas relacionados
a saúde mental para tratamento especializado (TAVARES, 2022).
Não só a família deve estar atenta como os governos de forma geral pre-
cisam dar condições àqueles que não possuem acesso fácil a saúde, assim como
o excesso de informação pode ser prejudicial a ausência dela também é, logo é
importante normalizar o atendimento psicológico como necessário para todos e
não só algo para doentes mentais, isso seria a informação e dar condições para
que este atendimento aconteça é tarefa do SUS, ou seja, dos governos (CARTER
e MCGOLDRICK, 2001).
Outrossim, a introdução de novos mecanismos de aprendizagem nos mais
variados planos também pode auxiliar ao retorno mais leve dessa juventude a vida
após a pandemia, pois se durante a quarentena tiveram de ficar mais tempo em
casa, a inserção ao meio social precisa ser atrativa para que não caia na solidão.
(FRANÇA e DINIZ, 2020, p. 143) Incentivo à cultura, arte e esporte também
é uma forma de esporte e muitas vezes a maneira que o jovem melhor se comu-
nica, essas áreas do conhecimento tem o condão da proteção da saúde mental da
população como um todo, mas especialmente aos adolescentes.
Por fim, o retorno as atividades deve ser preferencialmente de forma grada-
tiva e acompanhando o adolescente em seus passos, cabe a família monitorá-los
e manter um diálogo aberto, cabe a escola e aos governos proporcionar atividades
legais em um ambiente agradável em que o adolescente se sinta confortável, pois
os conflitos virão independente da qualidade deste momento, mas se estiverem
acompanhados de pessoas aptas a auxilia-los não chegaram a doenças tão cruéis e
prejudicais a qualidade de vida como a ansiedade e a depressão supramencionadas
(DINIZ, 2020).

CONSIDERAÇÕES

Ante ao exposto, com a pesquisa, sobre os mais variados conceitos ligados


a Covid-19, ao desenrolar da pandemia que desencadeou o isolamento social e
tantas outras medidas de prevenção ao contágio do vírus, foi possível identificar
que ainda não existem muitos dados coletados por pesquisas neste quesito. Além
de que pelas poucas pesquisas existentes pode-se dizer a uma só voz que, não só
281
o isolamento social, mas a pandemia em si deixou marcas que não se pode apagar,
principalmente no que tange a saúde mental da sociedade como um todo.
Um dos grupos vulneráveis às consequências psicológicas da Covid-19 foi
o dos adolescentes pois, sofreram não só com as mazelas trazidas pela doença e a
perda de tantos entes queridos, mas também com o isolamento em si, a falta dos
ambientes que facilitavam seu crescimento e, principalmente, a falta dos amigos.
De modo geral o público adolescente sofreu com vários tipos de luto e tiveram que
se acostumar a viver dessa maneira, apenas com a companhia do mundo digital e
de seus familiares mais próximos.
Logo, tendem a desenvolver diversas patologias diante do cenário atual, o que
exige o acompanhamento da família e do grupo escolar para que tenham amparo
em casos do aparecimento de sintomas que levem a doenças como ansiedade e
depressão. Isto é, para que não se tornem casos ainda mais graves.
Para que tenham qualidade de vida e um retorno mais saudável as atividades
presenciais que, de preferência, devem ocorrer de maneira gradativa, tendo em
vista que tudo aconteceu de maneira muito repentina, o foco agora precisa ser
na saúde mental desses adolescentes, já que se trata de um grupo vulnerável que
sofreu e sofre consideravelmente com os efeitos da SARS-CoV-2.

REFERÊNCIAS
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-os-desafios-no-cuidado-de-jovens-e-adolescentes. Acesso em: 03 set. 2022.
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dir-ajuda-em-relacao-a-saude-mental-recentemente. Acesso em: 03 set. 2022.
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Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/psiquiatria/geracao-sem-perspectiva-os-efeitos-do-iso-
lamento-social-na-adolescencia/. Acesso em: 11 set. 2022.

284
IMPACTO DA PANDEMIA NO MERCADO DE
PANIFICAÇÃO: PELA ÓTICA DE UMA FÁBRICA
TERESINENSE

Jhuliana Rebeca da Silva Sousa96


Joélcio Braga de Sousa97
Gesiel Rios Lopes98
Ítalo Rodrigo Monte Soares99
Thiago Edirsandro Albuquerque Normando100
Jandson Vieira Costa101

INTRODUÇÃO

A crise pandêmica do novo coronavírus foi marcada pelas mudanças que


impactaram diretamente na economia do país. Diante das transformações sociais,
tecnológicas e políticas muitas empresas tiveram que se adaptar rapidamente ao
cenário de incertezas que o vírus trouxe (SHARMA et al., 2020). Com isso, coube
aos empresários traçar estratégias para minimizar os impactos da crise que atingiu
diversas atividades econômicas brasileira (WECKER et al., 2020).
A indústria da panificação é um segmento que opera em quase todas as
cidades do país, e assim como na maioria dos setores econômicos também sofreu
com os efeitos da pandemia do coronavírus. Segundo a Associação Brasileira da
Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP,2020) o segmento teve uma queda
no seu faturamento de R$ 95,08 bilhões, em 2019, para R$ 91,94 bi em 2020.
Os principais desafios enfrentados pelo setor foram Selic (PIGOU, 1941;
PATINKIN, 1965; LIBSEY, 1988) que afeta diretamente o mercado, seja reduzindo
a inflação ou deixando o acesso ao crédito mais caro, Dolár (BENTLEY, 2004;
MILLEr e COy, 2004; SCHULMEISTER, 2000; LEMOINE e KESENCI-

96
Especializanda em Lean Production (FACIMIG). CV: http://lattes.cnpq.br/0788081923767165
97
Mestre em Administração (FUCAPE-MA). Docente e Coordenador no Curso de Business (UNIFACID WYDEN).
CV: http://lattes.cnpq.br/7998649187922719
98
Doutorando em Ciências da Computação e Matemática Computacional (USP).
CV: http://lattes.cnpq.br/0044476898873363
99
Mestrado em Engenharia Elétrica (UFCG). Professor (FACID WYDEN, CEUPI e UNIFSA).
CV: http://lattes.cnpq.br/4062066109529222
100
Mestrando em Ciência Política (UFPI). Mestrando em Biotecnologia e Atenção a Saúde (UNIFACID). Coordenador
e professor (UniFacid). CV: http://lattes.cnpq.br/0594387774564957
101
Doutorado em Zootecnia Tropical (UFPI). Professor. CV: http://lattes.cnpq.br/4409632577231607
285
-ÜNAL, 2002) que impacta no preço das commodities ocasionando aumento ou
redução de seu preço no mercado externo e interno, Covid (PREISS et al., 2020;
GRALAK et al., 2020; SALAZAR et al., 2020) que está causando um colapso
na economia mundial nas mais diversas áreas, desde o setor alimentício, passando
pelo setor de serviços e industrias e o IPCA (BOGDANSKI, TOMBINI e WER-
LANG, 2000; LIMA, ARAÚJO e SILVA, 2011; BIS, 2001; ROSENGREN,
2011) índice oficial da inflação no Brasil que reflete a alta de preços em diversos
segmentos entre eles vestuário, alimentação e saúde. Ressalta-se que segundo o
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação nos produtos pani-
ficados em 2022 foi de 11,73% (Abip, 2022).
Todavia a Abip (2020) avaliou que o setor conseguiu com destreza e cria-
tividade se reinventar e no ano de 2021 as vendas de produtos panificados obti-
veram um aumento (sem descontar a inflação) de 15,13% refletindo diretamente
no faturamento das empresas. No ano de 2022, o setor da panificação obteve um
crescimento de R$ 5,79 bilhões no seu faturamento considerando a análise com-
parativa frente ao ano anterior. Sendo que, 61,65% corresponde aos produtos de
produção própria e 38,35% de revenda (ABIP, 2022). Isso mostra que este setor
tem se fortalecido ano após ano no Brasil e obtido resultados crescentes para a
economia brasileira.
Visando abordar a problemática sobre a falta de trabalhos que mensurem o
impacto da pandemia para o mercado de panificação, a justificativa prática desta
pesquisa partiu da necessidade de fornecer dados e informações dos problemas
relacionados a ela que atingiu o setor econômico estudado no presente trabalho.
Nesse sentido, o objetivo geral dessa pesquisa é demonstrar como a pan-
demia impactou nas vendas de produtos junto ao setor de panificação. De forma
mais específica, buscou-se identificar a variação de preço dos principais insumos
utilizados no segmento, mensurar a variação dos principais itens demandados pelas
panificadoras e analisar as principais variáveis durante a covid-19 que afetaram
a atividade econômica.

METODOLOGIA

O presente trabalho é caracterizado quanto aos objetivos, como um estudo


de caso pois trata da observação do comportamento de vendas de uma empresa
formalmente constituída. Goode e Hatt (1979, p. 421-422) definem o estudo
de caso como um método de olhar para a realidade social. “Não é uma técnica
específica, é um meio de organizar dados sociais preservando o caráter unitário
do objeto social estudado”.

286
Para alcançar os objetivos propostos e melhor apreciação deste trabalho,
foi utilizada uma abordagem quantitativa, pois utilizou-se meios estatísticos
para apresentar os resultados dos dados analisados. De acordo com (BEUREN
et al., 2022, p. 32), as pesquisas quantitativas podem ser caracterizadas “[...] pelo
emprego de instrumentos estatísticos, tanto na coleta quanto no tratamento dos
dados coletados”.
Para análise e interpretação dos dados realizou-se um corte transversal, tendo
como ponto de corte do segundo trimestre de 2020 até o terceiro trimestre de 2022.
O motivo do corte foi devido aos primeiros casos de COVID apesar de terem
sido relatados em março com base no DATA SUS (2020) ainda apresentava uma
amostra muito baixa e os dados internos da empresa em estudo são apresentados
somente de forma trimestral.
Por fim utilizou-se duas regressões, uma de forma a analisar o impacto das
commodities e casos por covid no faturamento da empresa e outra para analisar o
impacto das demais variáveis e casos por covid no faturamento da empresa. Para
análise dessa regressão inicialmente realizou-se um teste de Shapire-Wilker para
verificar a normalidade da variável dependente (DOMANSKI,1998; ROYS-
TON, 1983), em seguida eliminou-se as variáveis p-valor inferior a 0,5, por não
se mostrarem significantes, Cumming (2008) e por último o VIF que é realizado
para retirar as variáveis independentes com alta correlação entre si Chatterjee e
Hadi (2006). O software utilizado para rodar os dados foi o STATA versão 13.0.

DESENVENVOLVIMENTO

Nessa seção, apresentam-se os principais resultados do estudo de caso a res-


peito do impacto da pandemia para o mercado de panificação. O gráfico 1 mostra,
respectivamente, a evolução dos casos de covid-19 e os aumentos de preços dos
principais insumos utilizados para a fabricação dos produtos. Observou-se também
a evolução dos casos por covid, e o valor de venda dos produtos mais demandados
pelas panificadoras. Na tabela 1 é apresentado uma correlação das premissas que
foram levantadas para o estudo em relação aos casos por covid e mortes por covid.
A tabela 2 exemplifica os modelos de regressão linear utilizados para mostrar
como as premissas da tabela 1 analisadas impactaram no faturamento da empresa.

287
Tabela 1 - Matriz de Correlação das Variáveis do Estudo
Descrição Casos por covid Mortes por covid
Quantidade Vendida 0.56 0.49
Unitário Médio 0.87 0.89
Valor Da Venda 0.92 0.90
Lucratividade Valor 0.94 0.93
Mortes Por Covid 1.00 1.00
Casos Por Covid 1.00 1.00
Ipca -0.19 -0.18
Selic 0.80 0.78
Dólar -0.46 -0.45
Desemprego 0.49 0.49
Farinha De Trigo Ins 0.87 0.83
Ovos Ins 0.13 0.10
Açúcar Ins 0.93 0.94
Sal Ins 0.70 0.67
Fermento Ins -0.45 -0.48
Gordura/Óleo Ins 0.84 0.84
Fonte: Autores (2022).

O coeficiente de correlação linear de Pearson (r) é utilizado para medir se


duas variáveis independentes estão associadas uma com a outra, podendo oscilar
entre -1 (correlação linear negativa perfeita) e 1 (correlação linear positiva perfeita).
Correlação positiva é quando as variáveis apresentam uma relação diretamente
proporcional, ou seja, quando uma aumenta a outra também aumenta. Correlação
negativa apresenta uma relação inversamente proporcional, quando uma variável
aumenta a outra diminui (STEVENSON, 2001). Portanto, a escolha da variável
casos por covid se deu pela sua curva apresentar uma expressiva correlação entre
as demais amostras.

EVOLUÇÃO DOS PREÇOS E CASOS DE COVID

No gráfico 1 observou-se que a maior alta ocorreu no 4º trimestre de 2020,


quando os casos por covid ultrapassaram 100.000 infectados, no mesmo período,
o preço médio do oléo/gordura saltou de R$ 3,96 para R$ 7,19 kg, representando
um aumento de 82%. O preço do açúcar apresentou pequenas oscilações ao longo, e
considerando do início da pandemia para o terceiro trimestre de 2022 o insumo regis-
trou um aumento de 71%. A farinha de trigo por sua vez, foi o insumo que registrou
aumentos constantes ao longo do período analisado, passando de R$ 2,32 para R$
4,90 o aumento representa 111% no preço médio do kg, isso se deu devido ao cenário
econômico e pela alta demanda da commoditie no mercado internacional.

288
Gráfico 1- Evolução dos casos de covid-19 e os aumentos de preços dos insumos

Fonte: Autores (2022).

Dentre os insumos analisados na pesquisa, apenas o fermento apresentou um


expressivo aumento no preço médio do kg passando de R$ 27,80 para R$ 36,40 no
quarto trimestre de 2020 isso deu-se devido os altos custos de importação da commo-
ditie no mercado e no terceiro trimestre de 2022 o valor do kg é inferior ao do início
da pandemia. Os demais insumos obtiveram pequenas oscilações nos seus preços ao
longo do período, sendo um aumento de 3% para o ovo e 29% para o sal isso explica-se
pelo fato das commodities não terem grande participação no mercado.
Comparando o início da pandemia com o terceiro trimestre de 2022 obser-
vou-se que houve um percentual de crescimento de 71% no valor de venda dos
salgados e 52% para os produtos panificados. Esses dados mais a frente nos mos-
tram que a forte correlação entre casos de covid e aumento dos preços fez com
que tivesse um impacto muito significativo no faturamento.

MODELO DO IMPACTO DAS COMMODITIES NO FATURAMENTO

O modelo abaixo mostra o impacto que as commodities e os casos por


covid tiveram no faturamento da empresa em estudo. Como variável dependente
tivemos o faturamento (VLV) e como variáveis independentes o trigo (TRIG),
ovos (OVOS), sal (SAL), açúcar (AUC), fermento (FERM), gordura (GORD)
e casos por covid (CASC). Inicialmente fez-se um teste de Shapire-Wilker onde
evidenciou-se que a variável dependente tinha distribuição normal. Posteriormente
retirou-se as variáveis com p- valor inferior a 0,5 e com VIF superior a 10. VIF, é
uma medida de colinearidade que tenta identificar se alguma das variáveis inde-
pendentes possui um viés que irá atrapalhar os resultados. Após o tratamento de
dados pode-se constatar que as variáveis restantes contribuíram para que o modelo

289
tivesse um poder de explicação de 99%. Sendo assim a equação da regressão acima
foi a seguinte, VLV = βo + β1*TRIG + β2* SAL + β3*AUC+ Ɛ.

Tabela 2 - Modelo de Regressão Linear Múltipla Commodities e Casos por Covid

Fonte: Autores (2022).

MODELO DO IMPACTO DAS VARIÁVEIS ECONÔMICA NO


FATURAMENTO

Fazendo ajuste no modelo de regressão, temos o impacto que variáveis macro


e micro tiveram no faturamento da empresa em estudo. Como variável depen-
dente tivemos o faturamento (VLV) e como variáveis independentes, quantidade
de produtos vendidos (QTD), IPCA (IPCA), SELIC (SELIC), dólar (DDLR),
desemprego (DES), casos de covid (CASC). Inicialmente fez-se um teste de
shapire-wilker onde evidenciou-se que a variável dependente tinha distribuição
normal. Posteriormente retirou-se as variáveis com p- valor inferior a 0,5 e com vif
superior a 10. Vif, é uma medida de colinearidade que tenta identificar se alguma
das variáveis independentes possui um viés que irá atrapalhar os resultados. Após
o tratamento de dados pode-se constatar que as variáveis restantes contribuíram
290
para que o modelo tivesse um poder de explicação de 94%. Sendo assim a equação
da regressão acima foi a seguinte, VLV = BO + B1*CASC + B2* IPCA + Ɛ.

CONSIDERAÇÕES

A pesquisa desenvolvida observou os impactos da pandemia nas vendas de


uma fábrica de produtos panificados localizada em Teresina-PI. Sabe-se que a
atividade econômica enfrentou grandes desafios provocados pelo Coronavírus,
entretanto, vem apresentando constante processo de recuperação no mercado.
Com isso foi analisado as principais variáveis que influenciaram no desempenho
do faturamento da empresa ao longo do período.
Os objetivos do estudo foram alcançados, visto que foi possível mensurar
como a pandemia impactou nas vendas de produtos junto ao setor de panifica-
ção. Com isso, foi possível constatar que o estudo da pandemia e seus impactos
ampliam o conhecimento dos problemas atrelados a ela que atingiu diversos setores
econômicos do país, facilitando o entendimento dos mesmos.
A construção ocorreu após busca na literatura e fornecimento dos dados
por parte da empresa, no qual foi feita a análise das vendas de forma trimestral,
relacionando-as com os indicadores da pandemia. Nesse sentido, observou-se que
o aumento nos preços médio dos insumos se deu na medida em que o número
de infectados também cresceu, a maior alta foi observada no quarto trimestre de
2020. O teste de Shapire-Wilker utilizado no estudo identificou que as variáveis
contribuíram para que o modelo tivesse um poder de explicação de 99%. Poste-
riormente, o mesmo teste foi realizado para identificar os impactos das variáveis
micro e macro econômicas no faturamento da empresa, evidenciando um poder
de explicação de 94%.
Diante de tais considerações, recomenda-se para trabalhos futuros um maior
aprofundamento sobre a temática afim de ampliar a percepção das empresas quanto
as sequelas que o período pandêmico deixou na economia brasileira.

REFERÊNCIAS
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Nota: esse material já foi publicado na revista: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/39046

292
CONTROLE DA QUALIDADE TÊXTIL: AVALIAÇÃO
DAS PROPRIEDADES FÍSICAS DE MALHAS DE
POLIÉSTER COM ELASTANO

Fabia Regina Gomes Ribeiro102


Tatiana Vitória Constantino103
Flavio Avanci de Souza104
Gilson dos Santos Croscato105
Raquel Rabelo Andrade106
Marcelo Capre Dias107
Márcia Cristina Alves108

INTRODUÇÃO

A estrutura da cadeia produtiva de distribuição têxtil e confecção engloba


desde a produção das fibras têxteis até o produto acabado e confeccionado, incluindo
a distribuição e a comercialização. A indústria têxtil propriamente dita constitui
uma etapa dessa cadeia, compreendendo a fiação, a tecelagem, a malharia e o
beneficiamento (tinturaria, estamparia, lavanderia etc.) (BEZERRA, 2014).
As fibras sintéticas são obtidas a partir de matérias-primas sintetizadas pelo
homem, ou seja, é feito um tipo de produto a partir de um recurso natural e esse
é utilizado para produção de fios ou fibras. As mais conhecidas são as de poliés-
ter, poliamida e polipropileno que nada mais são do que polímeros (PEREIRA;
NOGUEIRA; BALDO, 2013).
A produção dos fios sintéticos é feita a partir de chips (pequenos pedaços de
polímero), que sofrem alguns processos nos quais são fundidos, passam por uma
espécie de peneira chamada fieira e depois são bobinados. Este tipo de processo
atribui um aspecto muito plástico ao fio, o que inicialmente prejudicava o uso
destes na produção de vestuário. Verificando este problema começaram a surgir
processos que visavam aproximar as características destes fios àqueles feitos de fibras
naturais, surgindo assim o processo de texturização (PEREIRA; NOGUEIRA;
BALDO, 2013).

102
Doutora em Engenharia Química (UEM). Docente (UTFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/4616131363496919
103
Engenharia Têxtil (UTFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/0077249353681951
104
Doutor em Engenharia Têxtil (Universidade do Minho - POR). Docente (UTFPR).
CV: http://lattes.cnpq.br/0779732996690523
105
Doutor em Engenharia Química (UEM). Professor (UEM). CV: http://lattes.cnpq.br/7812749216431524
106
Doutora em Design (UNESP). Docente (UTFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/4230970628482601
107
Doutor em Administração (USP). Professor (UTFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/1431152400360710
108
Doutora em Engenharia de Produção (UNIMEP). Professora (UTFPR). CV: http://lattes.cnpq.br/2925821696721475
293
O processo de obtenção da fibra de poliéster irá definir suas característi-
cas físicas, tais como tenacidade e elasticidade. Assim, os poliésteres podem ser
divididos em três categorias: fibras cortadas, filamentos de média tenacidade e
filamentos de alta tenacidade (GUERRA, 2016).
Elastano é uma fibra sintética e pertence à classificação genérica das fibras
elastoméricas sendo descrita em termos químicos como um poliuretano seg-
mentado. Suas propriedades de alongamento e recuperação valorizam os tecidos
adicionando novas dimensões de caimento, conforto e contorno das roupas. Pode
ser esticado quatro a sete vezes seu comprimento, retornando instantaneamente
ao seu comprimento original quando sua tensão é relaxada. Resiste ao sol e água
salgada, e retém sua característica flexível no uso e ao passar do tempo (VAS-
CONCELOS, 2012).
Guerra (2016) explica que o título é um parâmetro atribuído ao fio que
compõe o tecido e representa a relação entre seu comprimento e massa, equivalente
a densidade linear (g/m). Esse atributo auxilia na escolha de qual fio utilizar no
momento da confecção. São abordadas duas formas de calcular o título de um fio:
forma direta Tex, desenvolvida e divulgada pelo The Textile Institute (Manchester,
Inglaterra) em 1945 e forma indireta Ne, abreviação para Título Inglês em jardas,
desenvolvido com referência a medição direta Tex para proporcionar comparação
entre os atributos ligados à densidade linear do tecido.
As estruturas de Malha Jersey são importantes porque oferecem várias vanta-
gens. Fisicamente, eles apresentam propriedades de conforto como alta elasticidade,
conformidade com a forma do corpo, mais macio e melhor toque e sensação de
conforto e outros. A porosidade é uma das propriedades físicas importantes que
têm uma influência no conforto e no aspecto de uso (BENLTOUFA et al., 2007).
Catarino (1998), explica que a estrutura Jersey simples é à base de todos os
outros tipos de malha. Consiste em laçadas de ponto de malha, todas elas entre-
laçadas na mesma direção, ou seja, a repetição da laçada normal na direção das
colunas e das fileiras. A laçada normal é entrelaçada pela frente através da laçada
previamente formada. Como resultado, temos os dois lados do tecido de malha
diferentes definidos como direito e avesso técnicos. O direito técnico é o lado
em que as pernas da laçada da agulha são visíveis, formando colunas e tomando
o aspecto de um V invertido. O avesso técnico é o lado em que se observam os
semicírculos interligados que são as cabeças das laçadas das agulhas e as bases
das laçadas das platinas.
A Estabilidade Dimensional trata diretamente com o comportamento do
tecido de malha quando submetido ao procedimento de lavagem, característica
comum a todos os tecidos utilizados comercialmente, estando essa malha sujeita
a essa situação.
294
Portanto, a estabilidade dimensional reflete a capacidade de uma malha
flexível manter as suas dimensões quando submetidas ao processo de lavagem.
Estabilidade dimensional resulta na análise da capacidade do tecido de, após a
lavagem, conseguir manter as suas dimensões, cita Guerra (2016).
Este estudo, teve como objetivo realizar a análise dimensional de malhas de
poliéster com diferentes percentuais de elastano, com o propósito de verificar a
influência do título do elastano nas propriedades das malhas, entendendo melhor
seu comportamento para ser feito melhorias na indústria têxtil e confecção.

DESENVOLVIMENTO

O estudo teve como propósito identificar nos tecidos de poliéster com dife-
rentes percentuais de elastano sua estrutura, gramatura, densidade, propriedades e
tração, elasticidade e alongamento. Por meio do método experimental, analisando
como elastano influencia as propriedades e características do tecido de malha.
Para analisar a estrutura da malha, seguiu-se a metodologia da ABNT NBR
13460 - Tecido de malha por trama - Determinação da estrutura, essa norma tem
como objetivo determinar a estrutura de tecidos de malha por trama. As malhas
também foram classificadas de acordo com a ABNT NBR 13462 - Tecido de
malha por trama - Estruturas fundamentais, que define os termos para as estru-
turas fundamentais do tecido de malha por trama. Nesta norma foram preparadas
amostras, desmalhadas com intuito fazer uma análise das evoluções que formam a
estrutura do tecido de malha, sendo representado graficamente. E então de acordo
com suas estruturas fundamentais foram feitas as classificações das malhas.
Para os testes de gramatura foi utilizada a norma ABNT NBR 10591
Materiais têxteis - Determinação da gramatura de superfícies têxteis. O objetivo
da norma foi prescrever o método para determinar a gramatura de malhas e teci-
dos planos. Conforme a norma, preparou-se 5 amostras medindo 100 cm² cada.
Pesou-se cada amostra e com os valores obtidos, calculou-se a média aritmética
e a conversão de g/cm² para g/m².
Os testes de densidade, foram realizados conforme os procedimentos con-
tidos na NBR ABNT 12060 Materiais têxteis - Determinação do número de
carreiras/cursos e colunas em tecidos de malha. Teve como objetivo prescrever
o método utilizado para determinar o número de carreiras/cursos e colunas, por
unidade de comprimento em tecidos de malha. Para execução do ensaio, foram
retiradas amostras com 50 cm de comprimento do tecido e então feita a contagem
de carreiras e colunas obtendo-se a média aritmética dos valores, onde a densidade
é demonstrada em número de carreiras/cm e número de colunas/cm.

295
Para a caracterização da NBR ABNT 13934 Têxteis - Propriedades de tração
de tecidos - Parte 1: Determinação da força máxima e alongamento à força máxima
utilizando o método de tira. O objetivo foi à realização de um procedimento para
determinar à força máxima e alongamento a força máxima de tecidos utilizando o
método de tira. De acordo com a norma, foram cortados em tiras de pelo menos
1 metro de comprimento e largura total da malha, onde o tecido não estivesse
com defeitos. Então foram cortados dois conjuntos de corpo-de-prova, um na
direção do urdume e outro na direção da trama. Logo em seguida as amostras
foram testadas no dinamômetro e os dados obtidos pelo mesmo e foram analisados.
A determinação da elasticidade, foi determinada pela NBR ABNT 12960
Tecido de malha. O objetivo foi realizar métodos de ensaio para determinar o
alongamento e elasticidade em tecidos de malha. Após fazer o corte das amostras,
então dobrou-se de forma que a aresta da dobra ficasse alinhada com as colunas
da malha, determinando o corpo-de-prova com o gabarito de aço, com os lados
menores paralelamente com a direção das colunas. Então recortou-se e costurou-se
o corpo-de-prova duplo. Com o peso de 1100 g, a amostra foi fixada no suporte
do equipamento, com o corpo-de-prova e permaneceu por 120 segundos sofrendo
ação da carga, e mediu-se novamente o comprimento. Após este tempo, retirou-se
o peso e deixou-se a amostra descansar por 5 e 10 min. Em cada tempo anotou-se
a medida. Em seguida calculou-se o alongamento e a elasticidade da malha.
Para os testes de Lavagem em máquina doméstica automática foi conside-
rada a norma NBR ABNT 10320 Materiais têxteis - Determinação das alterações
dimensionais de tecidos planos e malhas. É um método utilizado para determinação
das alterações dimensionais de tecidos planos e malhas, quando são lavadas repeti-
das vezes, em máquinas domésticas. Para esse teste, preparou-se 3 corpo-de-prova
cortados no tamanho de 380x380 mm e então marcou-se três séries paralelas
ao comprimento de 250 mm e três séries paralelas a largura do corpo-de-prova,
sendo que cada série de marcas foram feitas distantes por 50 mm das bordas e
afastada aproximadamente 120 mm uma da outra. Então realizou-se lavagens em
máquina doméstica em qualquer ciclo (normal, leve ou delicado). A secagem foi
feita com o corpo-de-prova pendurado por dois cantos, com sentido longitudinal
na posição vertical, deixando secarem em temperatura ambiente. Logo após, nos
corpos-de-prova foram realizadas as medidas da distância entre cada marca com
uma precisão de 1 mm. Realizou-se mais quatro vezes o ciclo de lavagem e assim
avaliou-se a estabilidade dimensional, correlacionando as propriedades físicas com
a composição das malhas com percentuais de elastano diferentes.
A análise estatística será realizada de forma descritiva aferindo os dados
obtidos pela média, desvio padrão e o coeficiente de variação da amostragem.

296
Comparando-os e discutindo os resultados entre as amostras, realizando uma
análise técnica.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta a estrutura das malhas, bem como é possível visualizar


o elastano (fio branco) percorrendo junto com o fio de poliéster. Nota-se que a
laçada tem espaços maiores, na malha produzida com elastano de 20 Denier (Figura
1A), na malha de 40 Denier (Figura 1B) esse espaço diminui e, em seguida, em 70
Denier (Figura 1C) quase não se tem espaços na malha. Tal fato reflete no tecido
final, onde o Denier menor resulta em um tecido mais fino e leve. Para o Denier
maior, o tecido é mais grosso e pesado, e, com estrutura mais fechada.

Figura 1 – Estrutura das malhas

Fonte: Autoria Própria (2022)

Aproximando ainda mais a Figura 1C, é possível observar o momento em


que o fio de elastano é alimentado, juntamente com o fio poliéster, ocorrendo a
formação da laçada (Figura 2).

Figura 2 - Elastano

Fonte: Autoria Própria (2022)

Para determinação da gramatura, os testes foram realizados em triplicata


para cada uma das amostras com diferentes fios de elastano, totalizando-se 45
297
amostras. Primeiramente cortou-se as amostras com área de 100 cm2 e em seguida,
pesou-se em uma balança analítica. A gramatura das amostras está representada
graficamente na Figura 3, para cada uma das malhas.

Figura 3 - Gramatura

Fonte: Autoria Própria (2022)

Ao analisar os resultados da gramatura pode-se notar um aumento, conforme


aumenta o título do elastano (Figura 3). Pode-se correlacionar ao fato de o fio 20 Denier
ser mais fino e em consequência, mais leve, e ter uma estrutura mais aberta. Conforme
muda-se o título para 40 e 70 Denier, tem-se um aumento no peso da amostra. Quanto
maior o valor do título do fio em Denier, mais fechado é sua estrutura, mais grosso e
pesado será o tecido. Observa-se na amostra de 70 Denier uma estrutura fechada, ao
contrário de 20 Denier, que sua estrutura é bem aberta, com espaços vazios por conta
do tamanho da laçada, isso também contribui, para que a amostra com fio 20 Denier
possua uma gramatura menor do que a de 70 Denier.
Para o cálculo da densidade, com o apoio de um conta-fios, colocou-se a
amostra em uma superfície plana e então foi contado o número de carreiras e
colunas, que estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Densidade das malhas


Denier 20 Denier 40 Denier 70
Amostra Colunas Carreiras Colunas Carreiras Colunas Carreiras
1 12 17 10 20 9 28
2 12 18 11 21 9 29
3 11 18 10 20 8 28
Média 11,7 17,7 10,3 20,3 8,7 28,3
σ 0,577 0,577 0,577 0,577 0,577 0,577
CV% 4,9% 3,3% 5,6% 2,8% 6,7% 2,0%
Densidade (cm2) 206 210 246
Fonte: Autoria Própria (2022)

298
Ao medir a quantidade de carreiras e colunas por centímetro, verificou-se que
para cada uma das amostras de malhas investigadas, foi possível observar que os
resultados se apresentam inversamente proporcionais, ou seja, quanto mais grosso
o título do elastano, diminui a quantidade de colunas/cm, conforme se observa
na Figura 4. Isso se deve ao fato de que quanto mais grosso o elastano, maior é
o espaço ocupado pelo por ele, consequentemente diminuindo a quantidade de
colunas no mesmo espaço.

Figura 4 – Colunas/cm e Carreiras/cm

(A) (B)
Fonte: Autoria Própria (2022)

Quanto aos valores da carreira do tecido, observou-se o efeito inverso, isto


é, quanto mais grosso o título do fio de elastano, mais forte essa malha será. Com
isso, o entrelaçamento das cabeças e pés das malhas promovem uma tensão maior
entre elas, e esta tensão faz com que elas fiquem mais próximas, aumentando a
densidade neste sentido conforme Figura 4 (B). Porém ao calcular a densidade,
observa-se que com o aumento do título do elastano, aumenta-se a densidade de
pontos totais em uma mesma área de 1 cm2. Resultado devido ao aumento das
carreiras nesta mesma área.
Os ensaios de tração foram realizados em triplicata, no dinamômetro con-
forme apresentado nas Figuras 5. Cortou-se as amostras nas dimensões de 20 cm
x 4 cm, em seguida foram colcadas uma a uma nas garras para a realização dos
ensaios em cada amostra.
299
Figura 5 - Garras do dinamômetro

Fonte: Autoria Própria (2022)

A Tabela 2, apresenta os valores de força máxima de tração, e a Tabela 3 as


forças máximas de Alongamento, tanto para Carreiras quando para Colunas de
cada Denier.

Tabela 2 - Força máxima de Tração


Carreira Coluna
Amostra Denier 20 Denier 40 Denier 70 Denier 20 Denier 40 Denier 70
1 62,2 120,2 108,5 105,8 147,1 136,3
2 48,8 107,9 95,7 104,1 140,8 136,2
3 44,8 101,9 92,6 92,9 115,9 115
Média 51,9 110 98,9 100,9 134,6 129,2
σ 9,11 9,32 8,42 7,00 16,49 12,26
CV% 17,5% 8,5% 8,5% 6,9% 12,3% 9,5
Fonte: Autoria Própria (2022)

Tabela 3 - Força máxima de Alongamento


Carreira Coluna
Amostra Denier 20 Denier 40 Denier 70 Denier 20 Denier 40 Denier 70
1 80 220 218 70 227 207
2 71 219 224 71 225 207
3 74 218 224 96 208 211
Média 75 219 222 79 220 208,3
σ 4,58 1,00 3,46 14,73 10,44 2,31
CV% 6,1% 0,5% 1,6% 18,6% 4,7% 1,1%
Fonte: Autoria Própria (2022)

300
Analisando resultados foi possível observar que a força de tração aplicadas
no sentido das colunas é maior que a força aplicada na ruptura nos sentidos das
carreiras, para ambos os denier.
Para 20 Denier nota-se que a força de tração foi menor que 40 e 70 Denier,
conforme observado no sentido da coluna, sendo essa crescente, à medida que o
título engrossa, a mesma precisa de uma força maior para se romper. No sentido
da carreira conforme seu Denier aumenta, o mesmo também precisa de uma força
maior para sua ruptura.
Por conta das amostras de 20 Denier terem a menor densidade e serem mais
finas que 40 Denier e 70 Denier, essas com maior densidade e os fios serem mais
grossos, houve a necessidade de aplicação de uma maior força e maior alongamento
para as malhas atingirem o ponto de ruptura.
Com o intuito de observar a capacidade do tecido de alterar suas dimensões
sob a ação de uma carga e de recuperar suas dimensões ao formato original, o
teste de elasticidade e alongamento, sendo este, uma placa de madeira lisa, com
altura de 110 cm e largura de 42 cm, dois ganchos com a distância de 25 cm entre
eles, composto por uma haste de aço inox, cujo diâmetro é de 5 mm. A garra fica
afastada 2,5 do suporte. O peso utilizado é de 1100 g e tem formato de haltere.
Os cortes dos tecidos foram realizados com a ajuda do gabarito, feito de
material rígido com dimensões de 50,0 cm por 20,0 cm, e então costurados na
máquina reta. Cada amostra foi então testada no equipamento, ficando 120
segundos submetidos ao peso (Figura 13).

Figura 6 – Ensaio de elasticidade e alongamento

Fonte: Autoria Própria (2022)

301
As medidas das amostras foram feitas antes, durante e após o teste respeitando
o tempo de repouso de 5 minutos para relaxação. Os resultados são apresentados
na Figura 7.

Figura 7 - Gráfico Alongamento e Elasticidade

Fonte: Autoria Própria (2022)

Para os testes de alterações dimensionais, com a assistência de um gabarito


com dimensões de 380 mm x 380 mm, realizou-se as marcações necessárias.
Realizou-se a lavagem conforme a norma e a secagem foi feita em corrente de ar.
Assim que as amostras secaram, mediu-se o comprimento e a largura após
a primeira lavagem e após a quinta lavagem. Com os valores medidos, calculou-se
a alteração dimensional utilizando a Equação 1, sendo os resultados apresentados
na Figura 9).

(1)
Sendo: E = alteração dimensional; A = dimensão inicial; B = dimensão final
(após lavagem e secagem).
A Figura 8 apresenta o gráfico da Alteração Dimensional.

Figura 8 - Alteração Dimensional

Fonte: Autoria Própria (2022)

302
Logo, podemos observar uma alteração dimensional acima de 1% para os
três diferentes Denier. Na amostra de 70 Denier é possível ver uma alteração maior
que 2%. Comparando com os testes do dinamômetro e de peso, onde percebe-se
uma maior alteração no comprimento da amostra e uma diminuição no tama-
nho da largura, para esse teste em lavagem de máquina doméstica essa alteração
acontece em toda a dimensão da amostra, onde ocorre o esgarçamento do tecido.
A diferença do teste no dinamômetro para o teste do peso é que, no caso
do dinamômetro a amostra esticou até ocorrer à ruptura, mesmo sendo tirado do
equipamento o material não voltou a seu estado original, ficou com um formato
ampulheta. E no caso do teste com o peso, teve alteração, mas o material não se
rompeu nem mesmo na parte da costura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo realizar uma análise dimensional


de malhas de poliéster com diferentes percentuais de elastano. Realizando os
testes de gramatura, densidade e estrutura, determinou-se também a medição
elasticidade, alongamento, estabilidade dimensional e a influência do Título do
elastano em cada amostra.
Para a determinação da gramatura, pode-se concluir que para a amostra de
malha com o fio de elastano 20 Denier a gramatura foi menor do que no caso
da amostra de 40 Denier, a amostra de 70 Denier teve a maior densidade tendo
diferenças significativas nas amostras com elastano com diferentes Denier, ou seja,
conforme aumenta-se a titulagem do elastano (ficando mais grosso), este também
aumenta a gramatura da malha e a densidade, deixando-as mais pesadas.
Para os resultados da força de tração foi possível observar que a força apli-
cada no sentido das colunas é maior que a força aplicada na ruptura nos sentidos
das carreiras, para ambos os denier. Por conta das amostras de 20 Denier terem a
menor densidade e serem mais finas que 40 Denier e 70 Denier, essas com maior
densidade e os fios serem mais grossos, necessita de uma maior força e alonga-
mento até atingir seu ponto de ruptura.
Para o teste de elasticidade e alongamento, determinou-se a capacidade de
recuperação da malha após retirado a carga aplicada. Quando alongada estas amos-
tras se comportaram de maneira onde 20 Denier é mais maleável, maior Alteração
Dimensional, e 70 Denier menos maleável, logo menor alteração dimensional.
No teste de lavagem em máquina doméstica, houve uma leve alteração nas
dimensões, as amostras também enrolaram nas pontas. Os resultados obtidos para
a alteração dimensional do comprimento e da largura para 20 Denier foi menor
quando comparada à de 40 Denier e 70 Denier, ambos com alterações positivas
303
(alongamento/esgarçamento), sendo que nenhuma das amostras apresentaram
encolhimento.

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e Moda, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

304
POESIA EM SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA NO
PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

Marcos Ledesma Marques109


Demétrio Alves Paz110

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem como objetivo refletir sobre o uso de textos líricos
em sala de aula, a partir de atividades desenvolvidas na Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS), Campus Cerro Largo, durante nossa participação
no Programa Residência Pedagógica (PRP). O Programa busca aperfeiçoar as
atividades de docentes em formação de diversos cursos, dentre eles, o Curso de
Letras - Português e Espanhol. Desta forma, o PRP surge como uma oportunidade
aos graduandos que, já tendo completado a primeira metade do curso, queiram
expandir as possibilidades de experiências junto a escolas públicas participantes do
Programa. Seja como bolsistas ou como voluntários, os residentes vivem cotidiana
e intensamente a realidade da educação pública brasileira.
Foi nesse contexto de ensino/aprendizagem que se desenvolveram as ativida-
des práticas pedagógicas que aqui se pretende relatar. As experiências vivenciadas
ocorreram junto ao 8º ano de uma escola estadual de educação fundamental loca-
lizada na cidade de Cerro Largo, no estado do Rio Grande do Sul, a qual, à época
da execução das atividades, contava com aproximadamente 300 alunos, oriundos
tanto de bairros adjacentes quanto de comunidades do interior do município. É
importante ressaltar que os eventos tiveram como pano de fundo a pandemia de
COVID-19 e, por isso, não ficaram isentos das adaptações e adequações que se
fizeram necessárias à superação de tal período.
Ao total, o PRP teve uma duração de 18 meses, período no qual os residentes
atuaram, em sua maioria, em dupla, não apenas junto a turmas do ensino fundamen-
tal, mas também junto a turmas do ensino médio. Nas atividades em sala de aula, os
textos literários sempre tiveram papel de destaque e a teoria utilizada como norte
das atividades de planejamento, preparação e aplicação foi o letramento literário.
Dentro de uma variedade de gêneros trabalhados, as experiências definidas como
objeto de pesquisa para este capítulo são aquelas que tiveram como característica
principal a utilização de textos literários pertencentes ao gênero lírico, tanto em
atividades de leitura, quanto de interpretação e produção de textos.

109
Graduando em Letras (UFFS). CV: https://lattes.cnpq.br/1595684088594516
110
Doutor em Letras (PUCRS). Docente no Curso de Letras (UFFS). CV: https://lattes.cnpq.br/2272620373111968
305
Estruturalmente falando, além desta introdução, o capítulo está dividido
em mais duas partes: desenvolvimento e considerações finais. A teoria gira em
torno do letramento literário e, além das citações teóricas, são expostos os pontos
de vista dos autores. Na seção destinada ao relato das práticas, os comentários são
realizados sempre tentando relacionar os eventos observados com a teoria estudada.
Para finalizar, nas considerações finais, é feito um balanço entre as expectativas
geradas e os resultados obtidos.

DESENVOLVIMENTO

Em países latino-americanos como o Brasil, considerados subdesenvolvidos


economicamente em relação às grandes potências mundiais, a escola pública exerce
um importante papel social. Dentre as suas atribuições básicas, está, por exemplo, a
responsabilidade de garantir o acesso a conhecimentos e habilidades considerados
importantes para a formação dos futuros cidadãos. Nesse contexto, a leitura e a
escrita exercem papéis relevantes, fazendo com que, consequentemente, o ensino
de literatura seja objeto constante de debates e reflexões.
Embora esteja diretamente relacionado com a leitura e a escrita, o ensino
de literatura alcança resultados que vão muito além da aprendizagem de habili-
dades como ler e escrever. Ao analisar o assunto, especialmente falando sobre as
aprendizagens que a literatura pode proporcionar, Reyes (2012, p. 28) destaca que,
embora não tenha a condição de, por si só, mudar o mundo, ela pode contribuir
para torná-lo mais habitável, posto que permite ao leitor ver-se em perspectiva e
olhar para dentro de si mesmo. Ainda segundo a autora, tal capacidade abre novas
portas para a sensibilidade e para o entendimento de si próprio e dos outros.
Em um mundo cada vez mais corrido, numa realidade em que as pessoas se
encontram cada vez mais ocupadas e com menos tempo uns para os outros, a litera-
tura apresenta-se como uma oportunidade para que os alunos possam conhecer-se
melhor a si mesmos. Por essa razão, torna-se relevante pensar sobre a forma que os
textos literários estão sendo trabalhados e sobre os objetivos que se pretende alcançar
em tais atividades. Nesse sentido, da mesma maneira que, com o estudo de literatura,
não se pretende apenas desenvolver as habilidades de leitura e escrita, as atividades
propostas também não devem se limitar a fazer ler e escrever.
Para que sejam abertas as portas citadas por Reyes (2012, p. 28), o ensino
de literatura não deve se ater tampouco a questões de aprendizagem e repetições
de períodos históricos, dados biográficos ou ano de publicação de obras literá-
rias. Ainda que tais questões possam e, em determinados momentos, devam ser
abordadas, o foco principal deve estar em criar condições para que o aluno se
descubra como leitor e possa criar sua própria relação com a literatura. Ao desco-
brir-se como leitor, aumentarão as chances de que as práticas de leituras não sejam
abandonadas após a conclusão da etapa escolar. Resultado disso: uma sociedade
306
com mais leitores provavelmente será uma sociedade com menos violência, mais
compreensão e mais diálogo.
Para que o leitor possa desfrutar das benesses da prática literária, é importante
que a leitura ocorra de maneira efetiva, ou seja, que o leitor consiga apropriar-se
daquilo que está lendo. Um dos processos para que o leitor desenvolva a capacidade
de fazer estas apropriações é o letramento literário. Como todo processo, o letra-
mento literário exige tempo, não ocorre de uma hora para outra e caracteriza-se
principalmente por ser uma ação continuada.
O leitor nunca é dado como pronto, mas em constante evolução, expandindo,
cada vez mais, os seus horizontes e a capacidade de reflexão. Não há documento
que confira ao indivíduo o título de leitor. É um status que só pode ser conquistado
e mantido através do hábito da leitura. Assim como outras habilidades, a melhoria
vem com a prática.
A experiência, no entanto, não garante que sejam esgotadas as possibilidades
do que possa vir a ocorrer. Por mais vivido que seja, o leitor sempre poderá ser
surpreendido por um estilo de escrita, uma forma de expressar um pensamento ou,
até mesmo, pela capacidade que alguns autores têm de expressar, de uma maneira
inovadora ou criativa, algo que, várias vezes, já tenha sido dito. Ainda que a leitura
deva fazer parte da vida do indivíduo ao longo de toda sua história, o ambiente
escolar é o espaço mais adequado para que ele dê os primeiros passos.
O letramento literário (COSSON, 2009) efetiva-se, na escola, através do
contato dos alunos com as obras. Esse contato não deve ocorrer de forma aleatória,
devendo ser considerados os objetivos que se pretende alcançar através da leitura,
assim como as experiências anteriores do aluno com o mundo dos textos. Nesse
sentido, cresce em importância o papel do professor como mediador, pois é ele
o responsável por selecionar as obras, fornecer informações relevantes e, ainda,
proporcionar aos alunos a oportunidade de escrever os seus próprios textos.
Os benefícios que o ensino de literatura pode proporcionar só serão per-
cebidos se o acesso aos seus conteúdos for garantido ao maior número possível
de alunos. Dessa forma, Cecília Bajour (2012, p. 85) nos lembra de que “Não há
motivo para que a responsabilidade da escola de propiciar aos alunos experiências
culturais ricas e variadas seja concebida de forma apartada da responsabilidade de
ensinar, muito pelo contrário”. Cabe à escola garantir o acesso a conhecimentos
que são considerados importantes para serem transmitidos para as futuras gerações.
A escola é o ambiente mais adequado e democrático para que se desenvolva
o processo continuado de formação de leitores. Além disso, é nela que se encontra
o professor, que é o profissional mais adequado para fazer as indicações e interven-
ções necessárias para o desenvolvimento da sensibilidade e do gosto pela leitura.
Na perspectiva do letramento literário, o professor será o responsável por
conduzir o aluno pelo caminho da leitura. Durante a caminhada, criará as condi-
307
ções para que o leitor tire as suas próprias conclusões baseado na sua experiência
de vida, de leitura e ainda nas informações passadas pelo seu orientador. Com o
tempo e com a prática continuada desta atividade, o aluno irá reconhecer-se como
leitor e estabelecerá a sua própria relação com o mundo dos textos literários.
Além da prática da leitura, é importante que os alunos tenham a oportunidade
de escrever os seus próprios textos literários. Essas atividades de escrita não têm
por finalidade a formação ou descoberta de um grande escritor, mas aproximar
ainda mais o aluno do texto, tornando-os mais íntimos e desmistificando algumas
crenças em relação à escrita. Para Silvia Castrillón (2011. p. 97), “muitas vezes e
de modo até inconsciente, transfere-se à escrita o privilégio que, historicamente,
era dado à leitura, privilégio que reserva a poucos o monopólio da sabedoria”. A
falta de oportunidades para que se pratique a escrita contribui para que ela seja
entendida como uma espécie de dom natural, algo só permitido a quem nasceu
com talento para escrever.
Dentro das atividades escolares relacionadas ao estudo de textos literários, a
produção escrita é uma ferramenta muito útil tanto como uma forma de assimilação
das características dos gêneros quanto para a expressão de opiniões e sentimentos
por parte dos alunos. Ao propor a atividade, é importante que o professor deixe claro
aquilo que espera que os alunos realizem através da escrita. Da mesma maneira,
após a correção, deve ser oportunizada aos alunos a possibilidade da reescrita a
partir das observações realizadas pelo professor.
Em se tratando de produção escrita, até pela questão do pouco tempo des-
tinado ao ensino de literatura, não se pretende que os alunos sejam capazes de
escrever um romance. No entanto, há gêneros cujos textos não são muito extensos
e podem perfeitamente ser trabalhados em sala de aula, tanto na parte da leitura
quanto da escrita. O gênero lírico, por exemplo, possibilita ao escritor expressar-se
sem a necessidade de utilizar muitas palavras, exigindo uma maior seleção voca-
bular por parte de quem escreve.
O gênero lírico é possuidor de características como a rima e a musicalidade,
fazendo com que se torne possível, por exemplo, decorar um texto e recitá-lo em voz
alta e em público. De acordo com Vitor Manuel de Aguiar e Silva (2010, p. 208),
“os textos poéticos - e neles incluo muito dos textos fundacionais das mitologias e
das religiões, como é o caso da Bíblia - são os textos mais perduráveis, mais vivos e
mais fecundantes, de todas as culturas”. Realizar atividades envolvendo poemas é
uma excelente oportunidade para desenvolver a sensibilidade dos alunos e também
para estimulá-los a expressar suas opiniões em forma de versos.
A leitura de textos literários não se destina exclusivamente a preencher
momentos de ócio com prazer, tal como Michele Petit (2019, p. 61) afirma: “Ler
serve ainda para encontrar uma força e uma intensidade que acalmam, um ines-
perado que faz reviver a atividade psíquica, o pensamento, a narração interior”.
308
As atividades realizadas em sala de aula devem proporcionar aos alunos tanto a
possibilidade de realizar reflexões quanto a de expressar sentimentos e opiniões
sobre temas relevantes para o meio social no qual estiverem inseridos. Passaremos
agora ao relato de experiência.
A razão principal para a escolha das atividades a serem utilizadas como
objeto de pesquisa deveu-se especialmente a dois fatos: o primeiro é pelos desafios
encontrados ao trabalhar com o gênero lírico junto a alunos do ensino fundamental;
o segundo é por essas atividades terem ocorrido no momento em que, após muito
tempo de afastamento devido à pandemia de COVID-19, as aulas voltavam a ser
presenciais, fato que, naquele momento, foi muito significante. Por se tratar de
um gênero com características peculiares, trazendo às vezes elementos que não
são encontrados em outros gêneros textuais, foi desafiador desenvolver atividades
que despertassem o interesse de alunos do ensino fundamental.
A escolha passou pela pretensão de aproximar o aluno do gênero lírico,
apresentando-lhes alguns elementos característicos bem como algumas de suas
variabilidades. Para Paulino e Cosson (2009, p. 69): “É dessa forma que cada leitor
tem o seu universo literário ao mesmo tempo que participa da construção, manu-
tenção e transformação da literatura de sua comunidade”. Ao despertar o interesse
pelo gênero e desenvolver a capacidade de perceber as diferentes possibilidades
de interpretação que o texto pode ter, pretendeu-se expandir as experiências
dos alunos junto ao mundo da literatura e, consequentemente, contribuir para o
desenvolvimento daquela comunidade literária.
Conforme já mencionado na introdução, as atividades ocorreram em uma
escola estadual de educação fundamental do município de Cerro Largo. O contexto
temporal no qual se desenvolveram as atividades foi o segundo ano da pandemia
de Covid-19 (2021), mais precisamente no mês de julho, período em que os alunos
estavam iniciando o processo de retorno às aulas presenciais. Portanto, ainda sob
rígidas medidas de proteção à saúde pública como, por exemplo, o uso obrigatório
de máscara, o distanciamento entre as classes e a higienização constante das mãos
através do uso do álcool em gel. Havia ainda uma recomendação para que não
se tocasse no material dos alunos, uma vez que também poderia converter-se em
uma forma de transmissão do vírus.
Dentro desse contexto de pandemia, vale a pena ressaltar que as turmas de
um modo geral não se encontravam completas em sala de aula, estando divididas
em pelo menos três grupos. Havia o grupo dos alunos que assistiam às aulas pre-
sencialmente, o grupo dos alunos que assistiam às aulas em tempo real, porém via
internet, e ainda aqueles que, por não terem acesso à internet e não poderem vir
diariamente à escola, retiravam semanalmente os conteúdos impressos na secretaria
e faziam as leituras e atividades em suas residências. Essa falta de uniformidade

309
dentro das próprias turmas tornou o trabalho de planejamento e elaboração das
atividades ainda mais desafiadores.
Devido ao contexto, o trabalho não poderia limitar-se apenas a elaborar
um material que viabilizasse atingir o objetivo geral e os objetivos específicos das
atividades. O planejamento deveria ser de tal forma que os três grupos de alunos
tivessem condições de aprender de maneira satisfatória, e a mais nivelada possível,
aquilo que se pretendia ensinar. Era necessário minimizar as disparidades de acesso
aos conteúdos e, ainda, produzir materiais mais explicativos para os alunos que
não tinham acesso à internet nem assistiam presencialmente as aulas.
Dentro das circunstâncias citadas, no que diz respeito às atividades propria-
mente ditas, levando em consideração o que dizem as orientações dos Parâmetros
Curriculares de Língua Portuguesa (PCNs) e a Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), no sentido de que devem ser apresentadas ao estudante as diferentes
possibilidades de uso da linguagem oral e escrita, chegou-se à conclusão de que
seria trabalhado o gênero lírico. Para nortear o planejamento e execução das ati-
vidades, adotou-se a proposta do letramento literário, de modo que a leitura dos
textos se convertesse em um processo de construção e reconstrução de significados.
Tendo como objetivo geral propiciar o contato com o gênero lírico e, a
partir deste, desenvolver o aprendizado dos conceitos básicos de ritmo, estrutura,
sonoridade e cadência poética, foram estabelecidos como objetivos específicos
das atividades realizadas junto à turma: reconhecer o texto poético como uma
forma de manifestação artística com base na musicalidade; apresentar o gênero
lírico e suas características formais; compreender e identificar os elementos orga-
nizacionais e estruturais que compõem um poema; e, por fim, despertar o gosto
pela leitura poética, com o intuito de promover a aproximação da poesia e o seu
reconhecimento como forma de expressão da realidade.
Na aplicação prática em sala de aula, antes de iniciar com a motivação
propriamente dita, conversamos um pouco com os alunos sobre o conteúdo a
ser trabalhado naquela unidade e sobre a importância que teria para o resultado
final o interesse e a participação de todos, destacando o diálogo como a base para
realização de nossas atividades. Para Paulino e Cosson (2009, p. 69): “Antes de
mais nada, o letramento literário requer o contato direto e constante com o texto
literário. É, aliás, esse o sentido básico de letramento literário. Sem esse contato,
a vivência da literatura não tem como se efetivar”. Como ponto central da moti-
vação, elegemos o poema “Motivo”, da escritora brasileira Cecília Meireles, com
a finalidade de estabelecer um diálogo sobre a forma peculiar com que os poetas
costumam enxergar o mundo.
Como forma de estimular os alunos, assim como ter uma leitura como
referência, o primeiro texto foi lido em voz alta por um dos residentes. Nessa
leitura, buscou-se demonstrar as peculiaridades desse gênero literário, de modo
310
que pudessem compreender que o poema é possuidor de características especiais
e que não deve ser lido como um texto qualquer. Terminada a leitura, foram feitos
alguns questionamentos no sentido de instigar o diálogo e aprofundar os estudos
do poema. As perguntas iniciais foram bastante simples, tais como: vocês já leram
ou ouviram frases, contos ou poemas da escritora brasileira Cecília Meireles? Vocês
possuem alguma dúvida em relação ao sentido/significado de algum vocábulo do
poema? O que o título sugere ao leitor? Por que é um poema?
Após essa primeira leitura e série de perguntas e respostas, o plano de aula
foi dividido em dois momentos:

1º momento:
Fazendo-se uso de slides, foram abordadas as definições de verso, estrofe,
rima e ritmo. Do mesmo modo, foram abordadas e exemplificadas algumas figuras
de linguagem como anáfora ou repetição, antítese e metáfora.

2º momento:
Nessa etapa, voltamos ao poema “Motivo” para que os alunos pudessem
identificar a presença dos termos teóricos estudados anteriormente. Ainda nesse
sentido, foram trabalhados mais três poemas: “Ser Poeta”, da escritora portuguesa
Florbela Espanca; “O último poema”, de Manuel Bandeira; e, por último, “Os
poetas”, do escritor gaúcho Mario Quintana.
Após as leituras, os alunos foram instigados não apenas a identificar as
características estruturais e os recursos de linguagem empregados pelos autores na
escrita dos poemas. Foram realizadas diversas perguntas no sentido de pensar sobre
os efeitos que aqueles recursos traziam aos textos e ainda que mudança de sentido
acarretaria a respectiva supressão. No que diz respeito às interpretações, Paulino e
Cosson (2009, p. 67) consideram que “não há, assim, leituras iguais para o mesmo
texto, pois o significado depende tanto do que está dito quanto das condições e
dos interesses que movem essa apropriação”. Os alunos tiveram total autonomia
para buscarem sentidos nos textos, não receberam análises prontas, apenas foram
norteados e intermediados através de questionamentos, com a finalidade de que
pudessem refletir sobre os poemas e realizar a identificação dos versos, estrofes,
rimas e ritmo. Na sequência, foram lidos e debatidos poemas com diferentes estru-
turas entre si, principalmente com temáticas sociais, para que os alunos pudessem
perceber as diferentes manifestações e finalidades do gênero lírico.
Esgotados os trabalhos de leitura, reflexão, interpretação e identificação de
elementos característicos do gênero lírico, foi proposto aos alunos que escrevessem
um poema, atentando para as características do gênero e tendo como tema a pan-
demia do Covid-19. Os alunos tiveram a liberdade para escrever. Poderiam tanto
311
escrever sobre algo que havia mudado em suas vidas em virtude da pandemia, ou
o que em suas opiniões seria diferente após o término da situação ou ainda o que
gostariam que mudasse após superarmos o vírus.
A atividade de produção ficou como tarefa de casa. A primeira versão da
escrita foi entregue na aula seguinte em sala de aula. Os que acompanhavam a aula
de maneira remota entregaram suas produções via plataforma digital e aqueles que
não tinham acesso à internet entregaram as produções na escola. Após a correção
realizada pelos residentes, os alunos receberam suas produções com orientações e
sugestões de melhoria. Após reescrevê-las, foram realizadas as apresentações em
sala de aula por aqueles que lá estavam e via plataforma digital por aqueles que
assistiam à aula remotamente.
A experiência vivenciada foi de grande relevância no processo de formação
como futuro professor de Língua Portuguesa. A eleição do gênero por si só já se
mostrou muito desafiadora. Trabalhar com poesia com uma turma do 8º ano exigiu
um esforço no sentido de fazer com que o plano de aula não fosse algo massivo, algo
que tornasse as aulas enfadonhas ou que gerasse resistência por parte dos alunos.
Não há como não citar a influência que teve em todo o processo a situação
de estarmos em meio a uma pandemia mundial. O fato de nem todos os alunos
estarem nas mesmas condições certamente fez com que houvesse uma discre-
pância entre o nível de conhecimento adquirido entre os que estavam presentes
fisicamente em sala de aula e aqueles que a acompanhavam de forma remota ou
que apenas retiravam o material impresso na escola. Como já era esperado, o nível
de participação dos que estavam presentes em sala de aula foi bem superior aos
que assistiam on line.
Assistir à aula remotamente tem a desvantagem de estar o tempo todo
dependendo de uma boa conexão com o sinal de internet e as experiências viven-
ciadas demonstraram que isso nem sempre é possível. Às vezes percebíamos que
os alunos perdiam contato com a aula. Quanto aos alunos que apenas retiravam o
material na escola, ainda que durante o planejamento e preparação dos materiais
tentássemos compensar, deixando o material o mais explicativo possível, tiveram
uma grande desvantagem no sentido de não terem a interação com os professores
e com os próprios colegas.
Por outro lado, no período em que ocorreram essas aulas, já estávamos avançando
no combate ao Covid-19. Era o início do retorno às aulas presenciais após um longo
período em que ministrávamos as aulas apenas de maneira remota (vale destacar que
o PRP começou em plena pandemia). Voltar às escolas e poder interagir presencial-
mente com os alunos foi algo muito estimulante e demonstrou que, por mais que a
tecnologia avance, ainda são muito importantes as interações presenciais.
De um modo geral, os resultados foram muito positivos. Para chegar a esta
conclusão não levamos em consideração apenas as produções finais apresentadas
312
oralmente e entregues de maneira impressa pelos alunos. Analisando o todo, desde
a etapa inicial, que foi da eleição do conteúdo a ser trabalhado, passando pelas
orientações do coordenador, pelos encontros com a preceptora, pelo planejamento
e preparação do material a ser trabalhado para, finalmente, ser aplicado em sala
de aula, vimos que houve muitos ganhos ao longo desse processo.
Para trabalhar poesia de uma maneira que fosse assimilada com mais facili-
dade por alunos do 8º ano, foram essenciais as orientações recebidas do professor
orientador e da preceptora. O resultado positivo, verificado através dos poemas
elaborados pelos alunos, demonstra que os diversos gêneros podem ser trabalha-
dos na escola, mesmo aqueles que eventualmente possam ser considerados mais
difíceis ou que recebam certa resistência dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar poesia em sala de aula mostrou ser uma excelente oportunidade


para despertar o interesse dos alunos não apenas pelo gênero lírico, mas também
pela literatura de um modo geral. A participação e o interesse dos alunos pelas
atividades propostas também foram de fundamental importância para o êxito das
atividades. A seleção de textos variados, não se restringindo a uma única temática
ou estilo, serviu para que os alunos percebessem ou reforçassem a ideia de que,
ao contrário do que alguns poderiam pensar, os poemas não servem apenas para
expressar sentimentos ou para falar de questões de amor. Propositalmente foram
selecionados alguns textos que, através do gênero lírico, gerassem debates e se
propusessem a fazer críticas sociais. A aceitação por parte dos alunos e participação
nos debates foi algo positivo e contribuiu para o sucesso das atividades.
As atividades foram pensadas no sentido de que os alunos tivessem con-
dições de, ao final, produzirem os seus próprios poemas. O tema escolhido foi
a pandemia de Covid-19 e os alunos tiveram liberdade para escrever desde que
cumprissem com alguns requisitos, os quais eram principalmente de ordem estru-
tural. As produções realizadas pelos alunos demonstraram que é perfeitamente
possível trabalhar o gênero lírico com alunos do ensino fundamental. Como se
pode imaginar, as produções não estavam no mesmo nível, até mesmo pelo fato
de que os alunos tiveram acesso aos conteúdos por meios diferentes. Depois de
realizarem a reescrita, a qual fizeram levando em consideração as observações feitas
pelos residentes, os alunos foram encorajados a apresentarem as suas produções.
Essa atividade, além de permitir aos alunos a oportunidade de conhecerem as
apresentações uns dos outros, também serviu como incentivo e contribuiu para
que fosse contemplada uma das características principais do letramento literá-
rio, ou seja, a formação de uma comunidade de leitores. De um modo geral, as
produções expressaram otimismo tanto em relação ao fim da pandemia quanto à

313
esperança de que, após este período, as pessoas pudessem refletir e contribuir para
a construção de um mundo melhor.
Seguindo o conceito do letramento literário (COSSON, 2009), as atividades
que foram objeto de pesquisa do presente trabalho foram planejadas de maneira
que pudessem, dentro da realidade em que nos encontrávamos, de maneira siste-
matizada e contínua, contribuir para o desenvolvimento da competência literária e
para a formação de leitores. Para que fosse propiciado o contato direto dos alunos
com os textos literários, além dos poemas lidos e trabalhados em sala de aula,
foram disponibilizados outros textos, os quais poderiam ser lidos em sala de aula
ou levados para casa para que realizassem uma atividade complementar de leitura.
As atividades de escrita contribuíram para a desmistificação de que para
produzir textos é preciso ser possuidor de um dom natural. Todos os alunos foram
capazes de, através de suas produções, expressar seus sentimentos e opiniões em
relação a um período de muitas dificuldades e restrições. As leituras em voz alta, as
apresentações das produções, a troca de opiniões, as interpretações e as discussões
serviram para estimular o gosto pela leitura e para demonstrar o importante papel
que ela pode desempenhar em relação à crítica e à reflexão em torno de problemas
sociais. Resumidamente, criar condições para o desenvolvimento da competência
da leitura e para a formação de futuros leitores são as principais tarefas da escola,
do ponto de vista do letramento literário.

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SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. As humanidades, os estudos culturais, o ensino da literatura e a política
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314
SABERES CONTEXTUALIZADOS ATRAVÉS DA
ANÁLISE SENSORIAL DA FARINHA DO CAROÇO
DA MANGA PARA PANIFICAÇÃO: UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA PELA PESQUISA

Aldeni Melo de Oliveira111


Márcia de Nazaré França de Almeida112
Ivone Jacarandá Braga Mendes113
Ademar da Silva Mendes Júnior114
Suellen Cordeiro da Silva115
Rosivaldo dos Santos Carvalho116
Helton Ribeiro Gomes117
Giovanne Tavares Ferreira118

INTRODUÇÃO

A proposta da análise sensorial da farinha do caroço da manga para fins de


panificação consiste em uma estratégia de bolo enriquecido e com foco na sus-
tentabilidade. Em um primeiro momento, aparenta ter como objetivo principal
somente a produção de bolo. No entanto, há uma proposta de uma prática científica
desde a pesagem da manga até o produto alternativo usado na alimentação para
a dinâmica da investigação.
No Brasil, ainda predomina o consumo da manga na forma in natura, con-
tudo, a fruta é largamente empregada na culinária e na indústria alimentícia. Na
culinária, faz parte da preparação de diferentes pratos, como mousses, saladas, vita-
minas, bolos, tortas e molhos. Na indústria alimentícia, os derivados mais comuns
são: polpas, sucos, néctares e geleias (RAMOS; SOUZA; BENEVIDES, 2004).
De acordo com Cunha et al. (2002) após o processamento agroindustrial, 35
a 60% do peso total da fruta é descartado na forma de resíduos sólidos orgânicos,
que inclui cascas e caroços. Para o autor, a porcentagem de cascas e caroços da
fruta varia de 20 a 30% e de 10 a 30%, concomitantemente.
111
Doutor em Ensino (UNIVATES). CV: http://lattes.cnpq.br/0850235689773120
112
Especialista em Docência do Ensino Superior (UNINTER). CV: http://lattes.cnpq.br/8789638189091234
113
Mestranda em Ensino (UNIVATES). CV: http://lattes.cnpq.br/5588742033873111
114
Especialista em Administração Educacional. Professor (SEMED). CV: http://lattes.cnpq.br/1174947284582130
115
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e Educação Inclusiva (FAVENI).
CV: http://lattes.cnpq.br/8758994526468573
116
Especialista em Coordenação Pedagógica (IESAP). Professor. CV: http://lattes.cnpq.br/8201994470053686
117
Especialização em Gestão, Supervisão e Orientação Educacional (FATECH). Professor.
CV: http://lattes.cnpq.br/0641379492183029
118
Acadêmico Licenciatura em Letras (UEAP). CV: http://lattes.cnpq.br/0208805025903622
315
Azevêdo et al. (2008) classifica o fruto da manga em exocarpo (casca),
mesocarpo (polpa comestível) e endocarpo (caroço). Cada parte citada pode ser
aproveitada, porém a ênfase maior é direcionada para a polpa comestível cujo
emprego é bastante difundido. Tais componentes possuem grande importância
tanto econômica quanto nutricional, apresentando também propriedades medi-
cinais como laxativa diurética e revigorante na substituição de polpa por cascas.
A manga vem apresentando as maiores taxas de crescimento entre as frutas
exportadas pelo Brasil, e a perspectiva é de aumento dessa participação. A diversi-
ficação de variedades comerciais é de fundamental importância para proporcionar
maior sustentabilidade ao agronegócio da manga nacional (ARAÚJO, 2004).
A utilização da farinha do caroço da manga é uma possibilidade de alimento
enriquecido. Além disso, a proposta de panificação pode ser considerada uma
estratégia sensibilização do indivíduo dentro do cotidiano escolar e extra escolar.
Assim, constatou-se que as mangueiras, em muitos dos municípios da
Região Norte, produzem em algumas épocas do ano uma grande quantidade de
fruto, as quais se tornaram grande desperdício. Interroga-se: como aproveitar o
desperdício do caroço de manga que acumulam no espaço da escola estadual Irmã
Santina Rioli para produção de panificação de forma sustentável? Para responder
este questionamento, objetivou-se produzir bolo utilizando a farinha do caroço
da manga, agregando análise sensorial, visando um produto sustentável e estabe-
lecendo uma nova visão de cultura e alimentação saudável.

REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Silva e Correia (2004) a manga encontra-se dispersa por


todos os continentes, sendo cultivada na maioria dos países de clima tropical. No
Brasil foi introduzida pelos portugueses no período de colonização e sua explo-
ração foi feita em moldes extensivos, sendo comum o plantio em áreas esparsas
formando bosques subespontâneos, e utilizada para arborização pública.
A mangueira (Mangifera indica L.) é uma espécie pertencente à classe
Magnoliopsida, família Anacardiaceae e ao gênero Mangifera, encontrando no
Brasil um solo rico e excelentes condições climáticas para seu cultivo comercial
(LUNA et al., 2016).
Segundo Reetz (2015), a manga seria uma das frutas mais comercializadas
no mundo e a procura pelo produto tem aumentado bastante nos mercados interno
e externo, alcançando preços compensatórios. Sendo a principal fruta exportada
pelo Brasil, a níveis de receita gerada em 2014 correspondendo a US$ 163.727.732.
Com relação à classificação, o Brasil figura como o sétimo maior produtor
mundial de manga e o segundo maior exportador com um volume aproximado de
133,033 mil toneladas. A concentração de produção está centrada no Nordeste,
principalmente na Bahia, junto a São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais que são
responsáveis por 85,8% da safra de manga em 2014/15, ampliando o quantitativo
em 9,04%, ficando atrás do melão (REETZ et al., 2015).
316
Segundo a publicação do Anuário Brasileiro da Fruticultura 2015, o mundo
todo produz mais de 800 milhões de toneladas de frutas por ano. Sendo o Brasil o
terceiro colocado no ranking das principais nações produtoras, seguido da China
e da Índia. A fruticultura brasileira ocupa 2 milhões de hectares e gera mais de 5
milhões de empregos no campo. Conforme levantamento do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), a produção brasileira de frutas em 2013 (último
ano com dados oficiais disponíveis) somou 41,6 milhões de toneladas, 1,8% a mais
do que em 2012 (REETZ et al., 2015).
No país, ainda predominam variedades distintas e algumas consideradas
nacionais e regionais, frutos que apresentam características distintas demonstrando a
ocorrência de uma grande variabilidade de mangueiras, existindo, portanto, diversas
variedades, elas nem sempre apresentam plantio comercial (LUNA et al., 2016).
Na cidade de Macapá-AP, é possível encontrar mangueiras em várias vias
públicas, já que esta árvore é muito usada para arborização urbana, por ser um
fruto bastante apreciado pelo povo amapaense, em um levantamento recente
esta foi uma das espécies mais solicitadas para este fim (CASTRO; DIAS, 2013;
CASTRO et al., 2016).
Para Silva (2016), por ser a principal fruta exportada pelo Brasil (terceiro
maior produtor), acaba sendo consumida mundialmente in natura ou processada,
assim seu processamento gera quantidade significativa de resíduos sólidos que são
dispensados aleatoriamente.
Além da cor atrativa, (tanto da polpa, quanto da casca) e características
sensoriais agradáveis, os conteúdos de ácido ascórbico, carotenoides e substâncias
com potenciais antioxidantes são características inerentes da manga (ROBLES-
-SÁNCHEZ et al., 2009).
Desse modo, segundo Silva (2016) ao propor a incorporação da farinha
integral de caroço de manga em alimentos pode-se promover um acréscimo de
compostos bioativos, contribuindo, deste modo, para a prevenção de doenças
crônicas, assim como da diminuição da geração de resíduos orgânicos, além de
uma possível agregação de valor comercial ao resíduo.
Com a intenção de contribuir para a redução da matéria orgânica e minimi-
zar os problemas com o destino dos resíduos produzidos pelas árvores de manga
encontradas na área da escola, que não tem o seu destino definido, objetivou-se
com presente estudo formular bolos enriquecidos com resíduo proveniente do
caroço de manga como fonte de fibra bruta o que de acordo com Silva (2016)
esse caroço possui, posteriormente avaliação sensorial.
Para Jahurul et al. (2015) a manga é uma fruta rica, sendo uma fonte de ácido
palmítico (C16:0), esteárico (C18:0), oléico (C18:1) e ácido linoléico (C18:2),
sendo os ácidos esteárico e oléico os ácidos graxos predominantes. Porém, o
perfil de ácidos graxos varia consideravelmente conforme a variedade de manga
( JAHURUL et al., 2015).
317
METODOLOGIA
Público-Alvo

A pesquisa foi desenvolvida na escola estadual Irmã Santina Rioli, localizada


na cidade de Macapá-AP. O objeto da investigação foi uma amostra do corpo
docente e discente que assinaram o TCLE de duas escolas estaduais do Município
de Macapá, com idade entre 12 e 63 anos e cujos nomes foram preservados por
motivo de ética e sigilo. Para tanto, partiu-se primeiramente de uma apreciação
empírica a fim de tornar a pesquisa teórica decisiva para a fundamentação e emba-
samento do tema escolhido e posteriormente a análise sensorial dos envolvidos.
Desse modo, foi exposto o percurso metodológico estruturado para obtenção
dos dados que viabilizaram o alcance de respostas para as questões levantadas
durante a pesquisa.

Caráter da Pesquisa

Segundo Demo (2002), quanto à natureza, a pesquisa pode ser qualificada


como básica ou aplicada. A pesquisa básica objetiva suscitar conhecimentos novos,
favoráveis ao avanço da ciência, sem aplicação prática prevista e envolvendo ver-
dades e interesses universais.
A pesquisa apresenta uma abordagem quali-quantitativa por concordar no uso de
procedimentos quantitativos e qualitativos, um delineamento coeso com investigação,
uma vez que as duas abordagens possuem aspectos fortes que se completam no que
diz respeito a análise sensorial da aplicação da farinha do caroço da manga.
Com caráter exploratório119, visou-se percorrer um caminho a partir da pro-
blemática, das hipóteses e das atividades experimentais, gerando, assim, subsídios
ao objeto de estudo. Para delimitar um campo de estudo, foi feito mapa conceitual
antes, durante e após os resultados obtidos, a fim de se analisar a construção da
pesquisa. Portanto, foram consideradas as condições de manifestação desse objeto
para que se compreenda a pesquisa-ação sob o ponto de vista técnico-metodológico.

Instrumento de Coleta de Dados

O questionário estruturado foi aplicado com alunos do ensino fundamental e


funcionários da escola estadual Irmã Santina Rioli e Maria de Nazaré Vasconcelos,
durante a execução desta pesquisa e gerou conhecimentos para o aproveitamento
prático dirigido à solução de problemas específicos.
No diário de bordo, acrescentou-se também mapa conceitual durante toda
pesquisa, a fim de abordar as primeiras constatações sobre o tema, de forma a
facilitar o progresso de reconhecimento informacional a respeito do trabalho,
119
Com dinâmica do método científico.
318
ajudando nas interpretações intelectuais dos envolvidos e proporcionando as
competências com capacidade de reconstruir suas ideias.

Produção dos bolos – Receita base

Os bolos foram produzidos a partir de uma receita tradicional, onde foi acres-
centado o suco de manga e a farinha do caroço da manga em dois dos três bolos.
Ingredientes:
• 3 ovos
• 3 xícaras de trigo
• 1 xícara de margarina
• 2 xícaras de açúcar
• 1 colher de fermento
• ½ colher de essência de baunilha
Neste teste, cada voluntário provou um de cada tipo de bolo (0% de farinha
do caroço da manga, 10% de farinha do caroço da manga e 20% de farinha do
caroço da manga). Os bolos foram identificados somente pelas letras A, B e C.
Corresponderam respectivamente:
• Bolo tipo A = Grupo controle (0% de farinha do caroço da manga)
• Bolo tipo B = 10% de farinha do caroço da manga
• Bolo tipo C = 20% de farinha do caroço da manga.

Teste sensorial gustativo

Foram realizados 48 testes em duas escolas estaduais, com voluntários de


idades variadas, contemplando crianças, adolescentes e adultos. Ao provarem os três
tipos de bolo, cada voluntário respondeu um questionário indicando sua percepção
gustativa que pôde variar entre Gostei Extremamente e Desgostei Extremamente.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Bolos produzidos com farinha do caroço da manga

A partir da receita base mencionada anteriormente, foram elaborados os


testes com a farinha do caroço da manga. Foram produzidos bolos com 10% e
20% de farinha do caroço da manga, que foram denominados de grupos testes.
Para os grupos testes foram adicionados à receita os percentuais do suco
concentrado de manga e da farinha do caroço da manga conforme ingredientes
listados. O modo e preparo seguiu o mencionado na receita base descrito ante-
riormente. Figura 1 os bolos prontos para o teste sensorial.
319
Figura 1 – Bolos prontos para o teste sensorial.

Fonte: Os autores, 2019.

Foram utilizados caroços de mangas bem maduras para realçar o sabor, pois
nesta fase, de acordo com Oliveira et al. (2009), a quantidade de fibras, açúcares e
outros carboidratos estão presentes em maior quantidade nas frutas. As mangas
foram higienizadas com água corrente antes de serem descascadas.

BOLO TRADICIONAL – GRUPO CONTROLE – BOLO “A”: infor-


mações das avaliações gustativas do bolo sem a presença da farinha do caroço
da manga em sua composição. Do universo entrevistado, foi constatado pelo
questionário que vinte e quatro pessoas consideraram a amostra ótima, dezenove
considerou bom e cinco entrevistados afirmaram ser ruim.
BOLO COM 10% DE FARINHA DO CAROÇO DA MANGA –
GRUPO TESTE – BOLO “B”: foram registrados os dados das avaliações
gustativas do bolo com 10% de presença da farinha do caroço da manga em sua
composição. Registrou-se que trinta e nove pessoas consideraram a amostra ótima,
dezenove considerou bom e nenhum entrevistado afirmou ser ruim.

BOLO COM 20% DE FARINHA DO CAROÇO DA MANGA –


GRUPO TESTE – BOLO “C”: obteve registro das avaliações gustativas do
bolo com 20% de presença da farinha do caroço da manga em sua composição.
Registrou-se que vinte e nove pessoas consideraram a amostra ótima, dezessete
considerou bom e dois entrevistados afirmaram ser ruim.
Dessa forma, avaliou-se que a amostra B foi a preferência dos entrevistados
por apresentar uma melhor aceitação, Resultado converge com Dutcosky (2011)
que afirma que a avaliação sensorial proporciona apoio técnico para pesquisa,
industrialização, marketing e controle de qualidade.
320
Contribuindo com a temática, Minim (2010) reforça que a característica de
um alimento implica, entre outras coisas, a satisfação do consumidor, e por este
motivo, o estudo do comportamento do consumidor de alimentos tem grande
crescimento.
Quanto aos dados das avaliações gustativas do bolo com 0% de presença
da farinha do caroço da manga em sua composição, constatou-se que 40% dos
entrevistados gostaram muito, 25% Gostaram moderadamente, 22% gostaram
pouco, 5% indiferente, 5% desgostaram extremamente, 3% desgostaram pouco e
não obteve registro de entrevistados que desgostaram moderadamente ou des-
gostaram muito.
Foi registrado através dos dados das avaliações gustativas do bolo com 10%
de presença da farinha do caroço da manga em sua composição. Averiguou-se
que 52% dos entrevistados gostaram muito, 30% Gostaram moderadamente, 18%
gostaram pouco, não obteve registros das demais opções.
Foram analisados os dados das avaliações gustativas do bolo com 20% de
presença da farinha do caroço da manga em sua composição. Verificou-se que
41% dos entrevistados gostaram muito, 41% Gostaram moderadamente, 12%
gostaram pouco, 3% indiferente, 3% desgostaram extremamente não obteve
registro de entrevistados que desgostaram moderadamente ou desgostaram muito
e desgostaram pouco.
Após a comparação entre todos os resultados da avaliação sensorial gustativa,
foi possível perceber que os bolos produzidos com 10, 20% de farinha do caroço
da manga foram mais aceitos que o bolo do grupo controle produzida com 0%
de farinha do caroço da manga.
De acordo com a média entre os resultados alcançados, é possível verificar
que o bolo com 0% de farinha do caroço da manga alcançou a média de 87% de
excelência, o bolo com 10% de farinha do caroço da manga alcançou 100% de
excelência e o bolo com 20% de farinha do caroço da manga o índice de excelência
foi de 94%, o que mostra que a produção de bolo com farinha do caroço de manga
é viável do ponto de vista sensorial.

Mapa Conceitual

Para Moreira (2010) as proposições são unidades fundamentais de conhe-


cimento nos mapas conceituais. Diferentes mapeadores podem objetar a mesma
interrogação focal realizando diferentes conexões e relacionando os conceitos de
formas diferentes para representar o conhecimento.
A proposta da construção deste mapa conceitual consiste em analisar o
estudo da construção da alfabetização científica dos envolvidos. O que para Chassot
321
(2014) a alfabetização científica é um conjunto de conhecimento que facilitariam
aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem. Amplia mais
a importância ou as requisições de uma alfabetização científica. Assim como se
exige que os alfabetizados em língua materna sejam cidadãs e cidadãos críticos,
em aversão, políticos, se faz necessário que os alfabetizados cientificamente não
apenas tivessem facilitada a leitura do mundo em que vivem, mas entendessem as
necessidades de transformá-lo, e transformá-lo para melhor. Desta forma, objetivou
a construção do mapa conceitual pelos alunos em três momentos da pesquisa.
O mapa conceitual contribuiu para abordar as primeiras constatações sobre
o tema, facilitou o progresso de reconhecimento informacional a respeito do
caroço da manga. Também há que se considerar a comparação de crescimento
de resultados obtidos. Resultados relevantes na investigação e na concretização
deste trabalho. Figura 2 apresenta a organização do mapa conceitual através do
programa CMap Tools.

Figura 2 – Organizado o mapa conceitual com o apoio do programa CMap Tools.

Fonte: Os autores, 2019.

Acrescentaram-se no mapa conceitual novas investigações direcionando a


pesquisa e seus resultados, e logo, registrados no diário de bordo. Os resultados
apontam para a necessidade não só de sensibilizar, mas também do valor da sus-
tentabilidade como prática vital para uma sociedade que busca deixar um mundo
melhor do que estamos recebendo.

322
CONSIDERAÇÕES

Tendo em vista que a alimentação do ser humano moderno carece de ele-


mentos nutricionais importantes ao seu organismo e que estes são muitas vezes
encontrados em frutas, a presente pesquisa, referente a análise sensorial da farinha
do caroço da manga para panificação teve como questão norteadora o aproveita-
mento e aplicabilidade deste material que em geral é descartado no lixo.
A farinha do caroço da manga mostrou-se um produto apropriado ao rea-
proveitamento alimentício na fabricação de bolo, pois apresenta componentes
nutricionais importantes e não é tóxico. Ademais, a inclusão deste resíduo como
ingrediente na preparação de produtos de panificação ocasionará benefícios para
a comunidade, além de apresentar baixo custo diminui os impactos ambientais
gerados nas áreas das mangueiras.
Dessa forma, desenvolver esta pesquisa foi apenas uma metodologia que
buscou o conhecimento existente na área de agrárias. Foram formulados proble-
mas e o modo de solucioná-los foi analisando os testes sensoriais dos voluntários.
Enfim, foi possível aprender a lidar com o desconhecido e a construir novos
conhecimentos voltados para essa área.
Cita-se a importância da alfabetização cientifica sobre a atividade experi-
mental que foi de grande valia na construção do conhecimento e reflexões dos
envolvidos, oferecendo uma face mais contrastada do que geralmente se supõe. A
alfabetização científica contribuiu a intervir na inquietação de nossa experiência
escolar e desta para o mundo que nos envolve.
Ademais, acreditamos que a pesquisa poderá somar às discussões científicas
sobre produzir bolo utilizando a farinha do caroço da manga, visando um produto
sustentável e estabelecendo uma nova visão de cultura e alimentação saudável. Por
fim, a investigação foi uma estratégia utilizada nesta prática como recurso meto-
dológico adequado ao ensino de Ciências. Acredita-se que a atividade é parte de
uma pesquisa que poderá suscitar novas descobertas e maneiras de tratar a temática.

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324
A IMPORTÂNCIA DO USO DE JOGOS DIDÁTICOS,
DIGITAIS E FÍSICOS, NO ENSINO DE ECOLOGIA,
BIOMAS

Rita de Cássia Frenedozo120


Bruno Vicente Reis121

INDRODUÇÃO

O Ensino de Ciência, dentro de toda a formação acadêmica dos estudantes,


e também no contexto da Educação Básica, é de extrema importância. Principal-
mente por levar o estudante a compreender, e consecutivamente a respeitar, os
diferentes grupos de seres vivos e como esses últimos se interagem com a ecologia
do meio ambiente em que se encontram (PRATA; ARAÚJO, 2019).
Um ramo da Ciência, que por muito tempo não foi muito valorizada, muitas
vezes pelo fato de estar muito interligada com outras disciplinas, é a ecologia. Pela
perspectiva histórica, podemos considerar uma ciência recente. A ecologia tem sua
origem quando, em 1866, o biólogo Haeckel formalizou o termo Ecologia (Maciel,
Teichimann, Güllich, 2018), o seu desenvolvimento se deu seguindo diferentes
estradas, em épocas e países diferentes, nas décadas do século XX (Martins, 2020,
p. 227 apud Martins,2020, p. 10). O objetivo, desse “novo” ramo da Ciência, era
favorecer a compreensão de diversos eventos naturais do nosso planeta, como a
interação entre organismos.
É fato que o termo Ecologia e amplamente utilizada pelos meios de comu-
nicação e questões como crise energética, poluição catástrofes causadas por fenô-
menos naturais, maus usos dos recursos naturais, são temas que podem englobar
está Ciência. (Maciel, 2018). Porém isso não é sinônimo que as pessoas realmente
compreendem a importância e o significado desse ramo da Ciência.
Ao se falar sobre o conteúdo de Ecologia no ensino, segundo Silva (2012,
p. 13 apud Maciel, 2018, p. 8), necessita o entendimento de que:
os estudos de Ecologia estão diretamente ligados às questões de
funcionamento do ecossistema, é de extrema importância que as
crianças e os jovens aprendam nas escolas seus princípios básicos
e suas fundamentações teóricas para que esse tema transversal seja
trabalhado de maneira correta.
120
Doutorado em Geociências e Meio Ambiente (UNESP). Professora (UNICSUL).
CV: http://lattes.cnpq.br/0959751445814390
121
Mestrando em Ensino em Ciências (UNICSUL). CV: http://lattes.cnpq.br/5043446267716726
325
E observando o que diz os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN- Brasil,
1998, p. 42):
São extremamente importantes à temática ambiental as informações e os
conceitos da Ecologia, que estuda as relações de interdependência entre
os organismos vivos e destes com os demais componentes do espaço
onde habitam. Tais relações são enfocadas nos estudos das cadeias e teias
alimentares, dos níveis tróficos (produção, consumo e decomposição),
do ciclo dos materiais e fluxo de energia, da dinâmica das populações,
do desenvolvimento e evolução dos ecossistemas. Em cada um desses
capítulos lança-se mão de conhecimentos da Química, da Física, da
Geologia, da Paleontologia, da Biologia e de outras ciências, o que faz
da Ecologia uma área de conhecimento interdisciplinar.
É nos apresentado que tanto a ecologia, quanto a biologia, não estão isoladas
em seu caminhar e para se ter uma boa alfabetização desses temas precisamos
compreender seus objetivos e conseguir que estudantes e professores, juntos sejam
os construtores desse conhecimento. Para isso existem quatro níveis para a alfa-
betização biológica e ecológica, que são: (I) Nominal, reconhecer os termos; (II)
Funcional, reconhecer as definições; (III) Estrutural, a partir do conhecimento
adquirido somado às experiências de vida, conseguir formular explicações para
os processos; (IV) Multidimensional, integras o conhecimento de outras áreas
ao conhecimento em biologia e ecologia e experiencia pessoais para com isso
solucionar problemas. (KRASILCHIK, 2004).
Podemos perceber que a problemática unicamente expositiva se intensifica
em áreas com maior complexidade ou com maior integração de outras áreas
(Pereira, 2021). E para Alves et al. (2015, apud Pereira, 2021) o ensino de biologia,
consecutivamente o de ecologia, na maioria das vezes ocorre de modo expositivo
unilateral, de modo a obter pouca ou nenhuma participação dos alunos. Diante
desse contexto, surge a necessidade de novas estratégias para complementar o
método expositivo, para com isso aumentar a interação do aluno com o tema em
questão, e por consequência aumentando o seu interesse e compreensão.
E um dos métodos que o professor pode abordar para uma melhor interação
dos seus alunos com a disciplina é a utilização de dinâmicas e jogos, tanto físicos
quanto digitais.

BREVE HISTÓRICO DO LÚDICO

Atualmente apenas as aulas expositivas e dialogadas não são mais uma fer-
ramenta que seja possível atingir todos os estudantes de uma forma efetiva. Por
isso, a utilização de métodos lúdicos, como jogos e dinâmicas, tem sido cada vez
mais necessário. Mas afinal, o que vem a ser o lúdico?
326
O termo “lúdico” vem do latim “ludus” que significa brincar. Para Gomes e
Sousa (2021), citando a pedagoga Tizuko Morchica Kishimoto (1999), explanam que
[...] tradicionalidade e universalidade dos jogos assentam-se no fato de
que povos distintos e antigos como os da Grécia e Oriente brincaram
de amarelinha, de empinar papagaios, jogar pedrinhas e até hoje as
crianças o fazem quase da mesma forma. Esses jogos foram transmi-
tidos de geração em geração através de conhecimentos empíricos e
permanecem na memória infantil. (KISHIMOTO, 1999, p. 15 apud
Gomes & Sousa, 2021)
Se observamos os acontecimentos na antiguidade, teremos o surgimento das
primeiras civilizações e com isso os conflitos por território. E a partir desse ponto
a necessidade de defesa, e devido a essa necessidade de defesa e ataque, gerou uma
ludicidade que formava o homem de guerra, ou seja, os jogos esportivos visavam
à preparação do corpo para o combate, sem contar as questões religiosa (como o
caso da origem das olimpíadas na Grécia antiga), padrão de beleza entre outros
fatores (Gomes e Sousa, 2021).
A filosofia antiga já indicava o brinquedo como algo inserido na educação,
podemos observar que a educação sensorial desse período orientou a utilização de
“jogos didáticos”, contudo somente na modernidade que esse método realmente
começou a ser utilizado na educação dos jovens e crianças (Gomes e Sousa, 2021).
Na idade média europeia o ensino lúdico opera no âmbito da repetição do
cotidiano dos adultos e a reprodução dos papéis dos sexos masculino e feminino,
onde as meninas brincavam de boneca, retratando o cuidado doméstico e a afeto
materno, e os meninos de espada, retratando o papel do homem guerreiro, protetor
da família ou da pessoa amada (Gomes e Sousa, 2021).
No período moderno, mas especificamente na colonização do Brasil, os
missionários católicos jesuítas, utilizavam jogos na educação e catequese, para
com isso atender as necessidades da colônia. Porém, em meados de 1758 quando
os jesuítas foram expulsos do Brasil pela coroa portuguesa, professores foram
enviados de Portugal e desempenharam um ensino positivista (SANT´ANA &
NASCIMENTO, 2011 apud Gomes e Sousa, 2021)
No Brasil republica com o avanço da revolução industrial, foi sendo necessário
o olhar de uma educação mais técnica e aos poucos um olhar mais especial para as
crianças e adolescentes. Nesse olhar o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente)
no artigo 53 diz que: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1990, art. 53 apud Gomes e Sousa, 2021).
Gomes e Sousa (2021) nos apontam outro documento importante sobre o
contexto do ensino lúdico da criança, a “Declaração Universal dos Direitos das
Crianças”, cujo qual em seu 7º artigo estabelece que:
327
[...] A criança deve ter a oportunidade de participar de jogos e brinca-
deiras, dirigidos, sempre que possível, para a sua educação. A sociedade
e as autoridades devem se esforçar para promover o exercício deste
direito (UNICEF, 1959, VII)
Com isso podemos compreender que as brincadeiras, jogos, dinâmicas sempre
foram essenciais, dentro de seu contexto de época, para a educação e aprendizados
de crianças e jovens em toda a história da humanidade.

JOGOS EDUCACIONAIS EM ECOLOGIA

Como os jogos digitais os alunos aprendem a conquistar o que tem como


meta, utilizando estratégia, limites e dinâmica (Silva; Lima & Pimentel, 2020). A
partir desse ponto criam estratégias para buscar informações necessárias e criam
meios de comunicação com outros estudantes em situação semelhantes para a
construção de seu conhecimento. O jogo pode ser um caminho no processo de
ensino pois conduz os alunos ao conteúdo planejado, além de possibilitar o desen-
volvimento de competências e habilidade (SANTOS, 2017).
Egenfeldt-Nielsen (2010 apud Silva; Lima e Pimentel, 2021) indica que
existem três tipos diferentes de uso para os jogos no aprendizado: I) aprender
através de jogos; II) aprender com jogos; III) aprender fazendo jogos.
O primeiro tipo “aprender através de jogos”, não apresenta como foco
principal a diversão, mesmo sendo essencial esse elemento estar presente, mas
sim proporcionar vivencias de situações da vida real, onde o estudante terá que
tomar decisões e formular estratégias. Esse tipo de jogo recebe o termo de jogos
educativos (ou jogos sérios) (Silva; Lima e Pimentel, 2021).
O segundo tipo “aprender com jogos”, utiliza jogos que não foram feitos
com o intuído de educação, mas podem ser utilizados com essa finalidade, com
uma ressalva, necessita que o professor conheça o jogo e explore todo o seu poten-
cial, além de planejar usas aulas sabendo quais objetivos pretende alcançar com a
experiencia de seus alunos. Esse tipo de jogo recebe o nome de jogos comerciais
ou jogos de prateleira (Silva; Lima e Pimentel, 2021).
O terceiro tipo “aprender fazendo jogos”, desenvolver um jogo não é algo que
se faça no individual, é uma construção coletiva onde o professor pode aproveitar
as características individuais e criativa de cada estudante que trabalha nesse pro-
jeto. O aprendizado é desenvolvido durante o processo de produção, e o professor
tem a principal função de mediar conflitos que naturalmente ao de surgir, além
de orientar a busca de informações e motivar os alunos em sua jornada (Silva;
Lima e Pimentel, 2021).
Esse método educacional apresenta muitas vantagens pois conecta vários
pontos do processo educacional como à busca por informações sobre o conteúdo
328
com os conhecimentos curriculares, à leitura, à atenção, à observação, sem contar
o aprender a programar (Silva; Lima e Pimentel, 2021).
As seguir veremos 3 jogos criados com a finalidade do aluno poder com-
preender melhor o conteúdo trabalhado em salda de aula.

JOGO “YUME: JORNADA ENTRE BIOMAS”

Esse jogo digital desenvolvido por Silva; Lima e Pimentel (2021) tem como
objetivo o estudo de dois biomas: Caatinga e Mata Atlânticas. O tem seu início
com um aluno desanimado por ter que realizar as provas da “Semana de Prova”
e ao ir dormir é “transportado”, em sonho, para um mundo cheio de desafios e
aprendizados, com a apresentação da fauna e flora das regiões visitadas.
No decorrer do jogo, o jogador irá contar com a ajuda de um “Mago” e de
um “Livro Magico”. Neste “Livro”, segundo os criadores do jogo, existe um resumo
criado a partir da pesquisa realizada por eles nos biomas em questão.
Após cumprir todos os desafios e etapas do jogo, o personagem acorda e vai
para a escola, onde realiza uma avaliação que contem dez questões de múltipla
escolha, ao termino da avaliação é apresentado sua pontuação.

DISTRITO & BIOMAS: SEMIÁRIDO NORDESTINO

Neto (2021) pensando na dinâmica de ambiental brasileira, em especial


nos biomas do norte e nordeste, trabalha esse tema utilizando os livros de J. R. R.
Tolkien, O Senhor dos Anéis utilizando como elementos chave: O Pertencimento,
O Despertamento e A Resistência.
O Pertencimento, caracterizado pela Identificação, Preservação e Isolamento,
se demonstra, principalmente, pela relação dos elfos com Lothlórien, onde pode-
mos realizar um paralelo muito forte com os moradores do interior do nordeste,
que mesmo com as fortes secas, persistem na terra que lhes pertencem (SILVA,
2016 apud Neto, 2021).
O Despertamento, muito forte em Barbárvore, na história, contém sub-
categorias que podem e são bem exploradas pelo autor no artigo, uma dessas
subcategoria é “A Problemática Ambiental em Fangorn”, que pode ser lida, no
mundo real, como as Demarcações de Territórios Indígenas e dois projetos de
Lei que estão em discussão pelo poder legislativo brasileiro que traz uma ameaça
ainda maior, uma vez que, de forma legal, poderá ocasionar na extinção de povos
e culturas (Neto, 2021).
A Resistência é bem trabalhada, segundo Neto (2021), no Expurgo do Condado,
assim como em outros capítulos, mostrando aqui um ato de resistência quando se há
um domínio iminente, o confisco da liberdade e o extermínio de um povo.
329
Após detalhar bem a obra de Tolkien e realizar o paralelo com a realidade
de nossos biomas, Neto (2021) organiza um jogo de RPG (role-playing game)
denominado “Distrito & Biomas: Semiárido Nordestino”. Cujo qual o objetivo é
realizar uma atividade para delinear noções da relação humano-mundo natural,
tanto no professor, em sua formação inicial e continuada, quanto nos estudantes
do ensino médio.

MINECRAFT EDUCATION

O Minecraft, criado em 2009, é um jogo em bloco que permite o jogador


explorar o ambiente virtual para construir, destruir e reconstruir o mundo virtual
em questão (DECHAMPS, 2021).
Entre várias versões, existe a versão educacional denominada Minecraft
Education, que está disponível para PC, Ipad e Chromebook. Nessa versão, que
apresenta ferramentas exclusivas para o ensino de biologia, física, geografia, mate-
mática e química, pode ser até trinta jogadores (MICROSOFT, 14 2019 apud
DECHAMPS, 2021).
SOUZA e CRUZ (2013) descrevem que no Minecraft se destacam algumas
vantagens como:
[...] desenvolver a criatividade com ludicidade, favorecer a colaboração
e o trabalho em grupo, instigar a resolução de problemas, favorecer a
contextualização da aprendizagem, possibilitar a interdisciplinaridade,
desenvolver a atenção, possibilitar maior autonomia e contribui para
mudar a visão que o aluno tem da escola (SOUZA e CRUZ, 2013)

O que estimula estudantes pesquisadores, os quais são movidos pela curiosi-


dade e interesse, que vai além do jogo, como também pelo conteúdo apresentado.
(DECHAMPS, 2021)
Dentro de vários temas proposto DECHAMPS (2021) relata que uma das
etapas foi destinada à educação ambiental: conhecendo os Biomas; conservação
das abelhas; e construção de uma cidade sustentável.

CONSIDERAÇÕES

AMORIM (2021) relata que embora ainda exista muito preconceito e críticas
em relação aos jogos, em especial ao jogo digital, a discussão sobre a aprendizagem
baseada em jogos digitais tem ganhado força nas universidades.
O RPG, por exemplo, nos orienta a um outro olhar no aprendizado do mesmo
conteúdo, com o objetivo de despertar a curiosidade sobre o tema, trabalhado em
sala de aula, no aluno (Rocha, 2016 apud AMORIM, 2021).
330
Os jogos, sendo eles digitais ou não, são instrumentos que, quando utiliza-
dos na metodologia de aprendizagem, auxiliam no refinamento das habilidades
cognitiva dos estudantes. Este fato ocorre pelas singularidades da repetição de
ações, que refletem na análise e tomadas de decisões, elaboração de estratégias, na
retenção de informações para atingir uma meta, entre outros fatores cognitivos
(BARBOSA, 2021)
Essas “metas” abordada por Barbosa (2021) são bem observadas nos relatos
dos jogos estudados para o desenvolvimento desse artigo a começar pelo:
Jogo “Yume: jornada entre biomas”, que foi desenvolvido pelos alunos com
supervisão dos professores, que seu desenvolvimento passou por várias etapas como
levantar os elementos que deveriam estar presentes em um jogo digital, assistir a
tutoriais que explicavam as ferramentas do programa escolhido para criação do
jogo digita, momento que, segundo o autor, mostrou que alguns alunos conseguiam
desenvolver o programa e outros apresentavam mais dificuldades (Silva; Lima e
Pimentel, 2021).
Porém antes que houvesse um desânimo da parte dos estudantes, o profes-
sor propôs a leitura do artigo “Ensinando e aprendendo a fazer jogos quando os
alunos são os protagonistas” (LEITE et al., 2017 apud Silva; Lima e Pimentel,
2021), que mostrou para os alunos que cada um presenta sua própria habilidade
para o desenvolvimento do jogo, o que levou os estudantes, por conta própria a
procurarem novos programas para o desenvolvimento do jogo.
Silva; Lima e Pimentel (2021) também relatam que para poder criar o jogo, os
alunos precisaram de várias pesquisas sobre os biomas Caatingas e Mata Atlântica,
sempre verificando a fonte pesquisada, além de palestras sobre o assunto abordado.
Outro ponto importante relatado pelos autores foi que além dos alunos
compreenderem melhor a relação da fauna e flora dos biomas estudados, estes
se apropriaram de diferentes áreas do conhecimento, tanto do aspecto biológico
quanto tecnológicos, além de aprimorar habilidades de colaboração, iniciação à
pesquisa, soluções de problema, trabalho de equipe, entre outras.
Já em relação a Neto (2021) criador do jogo RPG “Distrito & Biomas: Semiárido
Nordestino”, diz que a Literatura Fantástica traz um novo horizonte, como um
operador cognitivo, para o pensar e discutir ciência. A trama presente no livro e
que foi, de certo modo transferido para o jogo, nos levanta a discussão na nossa
relação Humano-Mundo Natural.
Levanta o debate sobre como estamos tratando a natureza, nossos bio-
mas, fauna e flora apenas para satisfazer nosso ego em consumirmos mais que
o necessário. Também levanta a questão do respeitar a cultura pré-existente nas
tradições, como por exemplo, nas tradições indígenas. Por fim, é possível por em
331
discussão e reflexão, em sala de aula, os danos ambientais causados no Brasil e
como podemos reverte-los.
O jogo também nos recorda que não devemos esquecer da importância da
fragmentação das ciências, pois foi necessária para o desenvolver de forma mais
profunda cada uma delas. O estudo da ecologia, química, biologia entre outras
trouxeram importantes conhecimentos, como em um desenrolar de uma partida
de RPG, porém apenas quando juntamos todas as peças é que conseguimos com-
preender, um pouco melhor, o mundo natural (Neto, 2021)
Agora observando o terceiro jogo MINECRAFT EDUCATION, segundo
os dados observado pelo autor, o jogo tem um impacto maior nos alunos do
fundamental II do que nos estudantes do Ensino Médio (DECHAMPS, 2021).
Principalmente no desencadear da pandemia do Corona Vírus, onde saídas
de campo não eram possíveis, o desenrolar do jogo permite que os estudantes pos-
sam assimilar de forma dinâmica o conteúdo, em especial de biomas e educação
ambiental, trabalhado em sala de aula.
No ensino de ciências, passando por todas as subdivisões, biologia, ecologia,
química, física entre outras, os softwares podem ser utilizados na facilitação do
entendimento do conteúdo em mídias digitais, como simulações e jogos diádicos
(QUEIROZ, 2020).
De fato, as aulas expositivas e dialogas como eram apresentadas nas décadas
anteriores não causam mais os efeitos de aprendizagem que tínhamos no passado,
isso porque a tecnologia já está tão enraizada, principalmente na nova geração,
que se torna um empecilho não a utilizar.
Por isso, a utilização de jogos no ensino, não apenas de ecologia, mas em
todos os âmbitos, sendo de exatas ou humanas, sendo ele digital ou físico, vem ao
encontro dessa nova geração para facilitar o aprendizado além de possibilitar o
entrosamento social tão necessário nesses novos tempos.
E como escreveu uma vez William Feather:
Educação não é o que se guarda na memória, ou mesmo o quanto
se sabe. É ser capaz de distinguir entre o que se sabe e o que não se
sabe. É saber aonde ir para encontrar o que se precisa saber; é, enfim,
saber como usar a informação obtida.

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www.bdta.ufra.edu.br/jspui/handle/123456789/187 Acesso em: 22 abr. 2022.

334
EDUCAÇÃO NÃO SEXISTA E ANTIRRACISTA COMO
MECANISMOS DE ENFRETAMENTO À VIOLÊNCIA
CONTRA MENINAS E MULHERES

Ana Paula Vicentini Boni122


Zaira de Andrade Lopes123
Vanessa Vieira124

INTRODUÇÃO

O silêncio secular do patriarcado, traduzida em desigualdade de gênero,


foi o que governou as mulheres e as confinou à subalternidade da esfera privada,
impedindo-as de ocupar espaços públicos, como escolas, bancos de universidades,
mercado de trabalho, política e entre outros.
Neste estudo compreende-se gênero como uma categoria de análise; uma
forma primária de constituição de relações sociais de poder e de dominação, que
se faz a partir das diferenças percebidas entre os sexos. (SCOTT, 1995). Nessa
mesma epistemologia, segue Xavier (2016, p. 88) “[…] é uma condição ligada à
constituição social, que determina, nas relações sociais, culturais e históricas, as
masculinidades e feminilidades […]”.
É certo que a ordem patriarcal de gênero – um tipo hierárquico de rela-
ção de dominação e opressão das mulheres pelos homens que está presente em
todos os espaços sociais e que é uma relação civil e não privada tem um impacto
significativo na relutância do sistema educacional em discutir questões ligadas às
recentes conquistas dos direitos das mulheres, à violência de gênero em variados
contextos e às masculinidades hegemônicas e à diversidade (SAFFIOTI, 2004).
A Norma Técnica “Infância, Gênero e Orçamento Público no Brasil” (2020)
apontou que questões como o machismo e a falta de verbas e políticas públicas de
gênero influenciam que adolescentes e mulheres tenham uma evasão escolar 29
vezes maior que os homens no país para cuidar da casa ou de alguém. Este estudo
apontou que em 2018, a evasão escolar motivada pela responsabilidade com os
afazeres domésticos e cuidado de pessoas alcançou 31,7% das jovens da região
nordeste e 19,7% na região Sudeste, ao passo que o maior percentual de jovens do
sexo masculino na região Norte que deixam de estudar por motivos relacionados
ao cuidado não passa de 1,3%.
122
Mestranda em Psicologia (UFMS). CV: http://lattes.cnpq.br/5273714705611254
123
Doutora em Psicologia (USP). Docente (UFMS). CV: http://lattes.cnpq.br/7872582724663795
124
Mestranda em Psicologia (UFMS). CV: http://lattes.cnpq.br/6131031550855506
335
O presente capítulo visa investigar o contexto escolar como uma importante
ferramenta no enfrentamento do combate às práticas sexistas em instituições
escolares. Tendo por objetivos, analisar os impactos causados pelo machismo no
ambiente educacional a partir da perspectiva histórica do sexismo, patriarcado e
desigualdade de gênero e compreender de que forma a educação sexista interfere
no desenvolvimento educacional do gênero feminino.
Diante disso, os objetivos supracitados auxiliam na busca pela resposta para
o seguinte questionamento: De que maneira o sistema educacional auxilia no
processo de construção de uma educação não-sexista?
A metodologia de estudo fará uso da abordagem qualitativa. Pois, segundo
Minayo (2016), análise qualitativa não é uma simples junção de opiniões dos
sujeitos, é a exploração dos significados sociais a partir das linguagens, símbolos e
observações. A procura do entendimento e da análise da teoria, contribui de uma
forma singular e contextualizada. Sendo esse texto de procedimento bibliográfico,
utilizou como critério autoras que estudam gênero e como base teórica para a
discussão, os estudos de gênero.
Assim, o referido trabalho trata sobre a educação feminina diante de uma
perspectiva da psicologia social, visando discutir a implicação das escolas como
moderador no processo de construção de uma educação não-sexista nas escolas.

SEXISMO E PATRIARCADO: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

O sexismo (re)produzido pela sociedade patriarcal é um sistema social em


que homens detêm o poder primário e predominam em funções de liderança e
autoridade moral e cujas interpretações valorativas do feminino e do masculino
são definidas de acordo com o sexo biológico.
A desconstrução de paradigmas perpetuados pelo sexismo está agregado à
luta histórica pela emancipação feminina, que exigiu um duro e prolongado debate
de ideias no interior da sociedade para conseguir a transformação necessária, isto
é, não basta mudar a estrutura social, precisa-se intervir na educação e nas con-
cepções equivocadas em que ela se solidificou.
A escritora Mary Wollstonecraf ainda em 1782, afirmou que o que tornavam
as mulheres inferiores e as levava a agir de tal forma, era sua situação e não sua
natureza, sustentando a concepção de que a cultura era um espaço de expressão
e negociação das relações sociais de poder. Ressalta-se que autora naquela época
já negava o determinismo biológico e reconhecia que o papel das mulheres era
construído socialmente.
Para tornar o gênero humano mais virtuoso e, portanto, mais feliz,
ambos os sexos devem atuar a partir dos mesmos princípios [...] deve-se
336
permitir que as mulheres fundamentem sua virtude no conhecimento
[…] (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 219).

A partir da Revolução Francesa, que permitiu o acesso das mulheres à edu-


cação formal, as pensadoras feministas têm papel relevante ao dizer que o que
tornavam as mulheres inferiores e as levava a agir de tal forma, era sua situação
e não sua natureza, sustentando a concepção de que a cultura era um espaço de
expressão e negociação das relações sociais de poder.
Ao longo dos séculos, edificou-se um entendimento, resultado da reflexão de
pensadoras e pensadores, quanto à aos espaços desatinados à mulher e suas fun-
ções para atender os interesses do sistema patriarcal. No que se refere à educação,
questionava-se que não bastava as mulheres adentarem nas escolas e universidades,
era necessário igualar os conteúdos oferecido a ambos os sexos.
De acordo com Xavier (2016), a educação diferenciada do que se espera
socialmente dos indivíduos de acordo com seu sexo biológico, conhecida como
educação sexista é uma pedagogia de gênero que demarca corpos e condutas de
menina e meninos. Esse modelo tradicionalmente ensinado, geração após geração,
estrutura a desigualdade de gênero e impacta diretamente o desenvolvimento de
meninas e mulheres, que no Brasil, somam 28,4% entre 15 e 29 anos que não
trabalham, nem estudavam ou se qualificavam (PNAD, 2018).
Neste sentido, pode-se afirmar que as mulheres e as meninas são as maiores
vítimas desse sistema de opressão histórica sustentado pelo sexismo cujas histó-
rias são atravessadas pela morte nos sentidos concreto e simbólico. Dito de outra
maneira, as meninas e mulheres têm anuladas suas potencialidades como sujeitos
de direitos, negam-lhe seus desejos e aspirações, o que afeta diretamente o pleno
desenvolvimento de sua cidadania.
No intuito de enfrentar os efeitos perversos da desigualdade de gênero e do
sexismo na sociedade, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Resolução
34/180 (1979), ratificada pelo Brasil em fevereiro de 1984, cobra do Estado as
“mesmas condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção
de diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias”. A Resolução
propõe também a “ eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis
masculino e feminino em todos os níveis”. (ONU, 1979, p. 1).
Neste contexto, a Rede de Educação Popular entre Mulheres da América
Latina e do Caribe (Repem) criou em 1991 o Dia da Educação Não Sexista com
o objetivo de promover o enfrentamento ao sexismo e assegurar um ambiente
escolar mais justo e igualitário. Ainda a ONU (2018), por meio da Agenda 2030
colocou a questão da igualdade de gênero e da educação não sexista como Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável por meio dos ODS 4 (Educação de Qualidade)
e ODS 5 (Igualdade de Gênero).
337
A meta até 2030 é alcançar a igualdade de gênero e empoderamento femi-
nino, ao passo que o outro, tem como uma das metas, eliminar as disparidades de
gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e
formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiên-
cia, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade” (ONU, 2018).
Embora o presente artigo aborde o tema da desigualdade de gênero e do
sexismo, oportuno esclarecer que não devemos considerar somente as desigualda-
des existentes entre homens e mulheres, e a consequente dominação deste sobre
aquela, mas também questões relacionadas à população LGBTQIA+.

DESIGUALDADE DE GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO ESPAÇO


ESCOLAR

O conceito de desigualdade de gênero não se resume a uma categoria de


análise, mas também a uma categoria histórica que não é natural, ao contrário, é
imposta pela tradição cultural pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos
nas relações sociais. Para a autora, a categoria “gênero, a raça/etnicidade e as classes
constituem eixos estruturantes da sociedade”, portanto, não homogêneas, mas sim
interseccionais. (SAFFIOTI, 2015, p. 83)
Assim, na luta pela igualdade de gênero, é certo reconhecermos que além
da transversalidade do gênero, a educação precisou compreender e fazer a inter-
seccionalidade dessa categoria com a classe, raça e etnia, assim dizendo, buscou
apreender a complexidade das identidades e desigualdades sociais, marcadores
importantes na universalidade das mulheres.
Akotirene (2018) traz críticas importantes às perspectivas hegemônicas
sobre a teoria da interseccionalidade, defendendo ser necessário “[...] conceber a
existência duma matriz colonial moderna cujas relações de poder são imbricadas
em múltiplas estruturas dinâmicas, sendo todas merecedoras de atenção política.”
Ainda, aponta ainda três combinações, que devem ser observadas: “1. Instru-
mentalidade conceitual de raça, classe, raça e gênero; 2. A sensibilidade interpre-
tativa dos efeitos identitários e a atenção global para a matriz colonial moderna,
evitando desvio analítico para apenas um eixo de opressão.” (AKOTIRENE, 2018).
Nesta ótica, observa-se que as meninas negras além de insurgirem contra o
machismo, também lutam contra o racismo, ambos tão presentes na comunidade
escolar. Dito de outro modo, elas sofrem opressões que se sobrepõem (gênero
e raça), precisando arduamente superar sua “destinação” ao trabalho braçal, de
limpeza, do emprego doméstico que anulam suas potencialidades e negam sua
inteligência e capacidade a melhores oportunidades.

338
De igual forma, as meninas e mulheres indígenas, cuja história é invisibili-
zada pela cultura não indígena e pelo sistema estatal excludente que desconsidera
o idioma, o sistema de configuração interno de sua comunidade, o confinamento
geográfico. Para essas meninas e adolescentes o acesso à educação é um grande
desafio, sobretudo em sua língua materna.
Neste sentido, cabe citar que em 1996 foi elaborada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação - LDB nº 9.394/1996 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental – PCN, documentos que abordam a igualdade de
gênero e garantem, ainda que textualmente, a eliminação das desigualdades entre
meninas e meninos no contexto educacional.
Pontua-se que os PCN´s, são propostas de conteúdos que devem orientar
a estrutura curricular de todo o sistema educacional do país, que abarca temas
transversais como ética, pluralidade cultural, meio ambiente, sexualidade e saúde,
contudo não são obrigatórios (BRASIL,1998).
Com isso, trabalhar com a temática mencionada em uma perspectiva dos
direitos humanos, da igualdade de gênero e com o de raça/etnia no espaço escolar
requer qualificar, apoiar e inspirar professoras e professores para poderem abordá-la
sob uma perspectiva transversal e alinhada ao currículo pedagógico. De acordo
com Saviani (2013, p. 74) é necessário “articular um tipo de orientação pedagógica
que seja crítica sem ser reprodutivista”.
Entretanto, os ínfimos investimentos na formação profissional e a ausência
de prioridade na prevenção à desigualdade de gênero propiciam que a educação
continue reproduzindo imagens estereotipadas e de submissão das mulheres.
Nos livros didáticos, por exemplo, elas aparecem cuidando da casa, alimentando
as crianças, reforçando a ideia de que o espaço doméstico e a função de cuidar é
o que lhes cabe.
Ressalta-se que os estereótipos são entendidos como imagens preconcebidas,
sobre determinadas realidades que surgem do senso comum, de algo que ouviu
falar e não de uma análise mais profunda da realidade de estipulado indivíduos e
grupos — uma visão simplista que geralmente tem efeito de poder e de dominação.
Na construção desses estereótipos, importante citar Lauretis (1984) impor-
tante autora da terceira onda do feminismo que cunhou o termo tecnologias de
gênero para se referir a produtos culturais que não apenas representam/retratam
os valores, estereótipos e performances de gênero, mas os reafirmam e reificam.
Neste sentido as tecnologias de gênero possuem caráter ativo no sentido de
ensinar meninas a se silenciarem e meninos a performarem a partir de masculini-
dades tóxicas. Na nossa cultura, as principais tecnologias de gênero são músicas,
filmes, desenhos animados, propagandas, entre outros.
339
As(os) próprias(os) educadoras(es) ainda reproduzem comportamentos de
diferentes valorações para o feminino e para o masculino, uma diferenciação entre
os sexos. De acordo com Barbosa (2019) as relações estabelecidas na escola são
interações que revelam um padrão de comportamento distinto imposto às meninas
e aos meninos. A autora pontua ainda que para o corpo docente, a avaliação sobre
o desempenho escolar está diretamente ligada ao gênero, ou seja, as(os) professo-
ras(es) tendem a traçar o perfil da boa/bom aluna(o) como sendo o de meninas e
o de mal aluna(o), o de meninos.
Essa distinção entre gênero/sexo também se observa nos momentos de socia-
lização, como nas confraternizações de sala, onde a menina se encarrega por trazer
salgado e o menino a bebida, prática antiga, que reforça os estereótipos de gênero.
Assim, é de suma importância estimular práticas contra hegemônicas que
enfrentem a lógica do currículo oficial de produzir identidades pertencentes a um
certo tipo de pessoa – classe média/alta, branca, que performam na heteronormati-
vidade e detenham e dominem certos conhecimentos científicos, desconsiderando
o “outro”, as diferenças e as pluralidades de uma sala de aula.
Ribeiro e Silva (2018) enfatizam que compartilhar as narrativas e memórias
invisibilizadas pela monocultura com outras(os) educadoras(es) colabora com o
projeto de construção de uma educação inclusiva e crítica. Acrescentam que por
intermédio dessa “nova” educação, o racismo, o sexismo, a homofobia, os conflitos e
os preconceitos de classe, deixam de ser um discurso vazio, de negação às diferenças.
Neste contexto, professoras(es) comprometidos com uma agenda educacional
antirracista, não-sexista e alinhada aos direitos humanos constrói um processo
de aprendizado muito potente por abordar tais temas de forma interseccional e
transversal, qualificando o processo de aprendizagem.
Enfatiza-se a necessidade das(os) professoras(es) apreenderem que referidas
questões podem ser discutidas e trabalhadas na instituição educativa usando práti-
cas pedagógicas, dialógicas, éticas, respeitosas e acolhedoras que possibilitem (re)
significar a formação identitárias de meninas e adolescentes ao fomentar práticas
educacionais que abarquem diferentes narrativas e opressões, como as vivenciadas
por mulheres negras, indígenas, empobrecidas e periféricas, utilizando artefatos
culturais (livros, cartilhas e filmes, produção cinematográfica), importantes recursos
para impulsionar o diálogo sobre direito das meninas e adolescentes, o respeito e
(re)conhecimento das diferenças e diversidades (XAVIER FILHA, 2016).
A ausência de espaço de diálogo e de formação qualificada no ambiente
escolar contribui, entre outras, para a manutenção da intolerância, das desigual-
dades, em especial de gênero, que resultam em práticas de violências.
Pontua-se que trabalhar com a temática de gênero, suas relações e intersec-
cionalidades no ambiente escolar – aqui entendido como a comunidade, não se
340
resume a conhecimentos a serem transmitidos aos estudantes, mas também um
arcabouço teórico capaz de transformar o clima escolar, a redução de incidência
de violência motivada por gênero e raça na escola.
No tocante às relações de gênero, a violência contra meninas e mulheres, a
mais perversa manifestação do machismo, adentra os lares e impacta diretamente
na vida da população feminina. Entendida como violação dos direitos humanos,
traz grande preocupação frente aos números alarmantes que crescem vertigino-
samente no Brasil: uma menina ou mulher é estuprada a cada 10 minutos, três
mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia e 26 mulheres sofrem agressão
física por hora125.
Mencionada temática traz bastante inquietação e debates entre diversos
segmentos da sociedade, “sobretudo quando novos sujeitos entram na arena de
discussões apontando a violência como resultado de relações sociais sustentadas
pelas desigualdades de classe, gênero e étnico-raciais” (LIMA et tal., 2020, p. 3).
O autor afirma que o espaço educativo é o cenário onde acontecem vários tipos de
violências, como, a institucional, entretanto, os relatos de meninas e adolescentes
vítimas de assédios por parte de professores, agressões ainda no namoro e violência
na internet, como a Revenge Porn126 estão cada vez mais frequentes.
O espaço escolar, a princípio apenas de aprendizagem, também se constitui,
na prática, uma porta de entrada para denúncia e espaço de acolhimento para
meninas e adolescentes vítimas (in)direta de violências praticadas na inviolabili-
dade do lar – lugar que há muito deixou ser de cuidado e cujos agressores, em sua
maioria são pessoas de seu convívio e confiança. A escola faz parte da Rede de
Proteção e atua como espaço de proteção, como constata-se a seguir:
A volta às aulas na rede municipal trouxe à tona denúncias, desabafos
e pedidos de ajuda que mostram o quanto escola é muito mais do que
ensinar conteúdo.[...] A Semed (Secretaria Municipal de Educação)
contabilizou do dia 26 de julho até o dia 5 de agosto, pelo menos, nove
denúncias de abuso (CAMPOGRANDENEWS/2021).

Marco na garantia dos direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha traz em
seu escopo medidas integradas de prevenção à violência contra as mulheres por
intermédio de campanhas educativas voltadas ao público escolar e à sociedade
em geral e a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos
de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero
e de raça ou etnia.

125
Violência contra as mulheres em dados. Agência Patrícia Galvão. https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/
violencia-em-dados/.
126
Revenge Porn ou pornografia de vingança é a expressão usada para denominar o ato de expor, na internet, fotos ou
vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos.
341
Ademais, prevê nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, con-
teúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e
ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
No enfrentamento à violência contra as mulheres foi sancionada a Lei
14.164/21, instituiu a inclusão nos currículos da educação básica a temática da
violência contra as mulheres e a Semana Escolar de Combate à Violência contra
a Mulher nas escolas públicas e privadas do Ensino Básico, que tem por objetivo,
entre outros, ampliar o conhecimento da Lei Maria da Penha e impulsionar a
reflexão crítica entre estudantes, profissionais da educação e comunidade escolar
sobre a prevenção e o combate à violência contra a mulher.
As citadas legislações ao preverem em seus preceitos a criação de espaços
para reflexão, no e além do chão da escola, possibilita a exposição de ideias, de troca
de informações e experiências sobre o tema, de desmistificação de estereótipos
de gênero, ações estas capazes de fomentar o conhecimento, de contribuir para
o empoderamento feminino, de alterar a concepção sobre o espaço das mulheres
na sociedade e, por conseguinte, reduzir gradativamente os índices de violência e
opressão contra meninas e mulheres em todos os ambientes (público e privado).
Ainda que muito motivada(o) para trabalhar com os temas relacionados às
temáticas do mundo contemporâneo, em especial dos direitos humanos, em uma
perspectiva transversalizada, as(os) docentes, de uma forma geral, não dispõem
de repertório em razão da formação, ainda academicista e muito distante do/para
além do chão da escola.
Não se pode deixar de mencionar, que a atual e perversa conjuntura política
(re)produz e naturaliza comportamentos misóginos, racistas, homofóbico, um
“continuum” de violências e retrocessos, dificultam — para não se dizer impedem,
debates sobre esses temas tão necessários.
Na política educacional, temos visto, a retirada sistemática da palavra gênero
de importantes documentos oficiais educacionais. Para Xavier (2016), a compreensão
do gênero para o atual governo está relacionada ao determinismo biológico, isto
é, reconhece apenas o sexo masculino e feminino. Ademais, concebe a heterosse-
xualidade como a única possibilidade aceitável.
A autora alerta que o conservadorismo atual afeta os estudos e práticas
pedagógicas, particularmente com as crianças, nos espaços escolares. Acrescenta
que “ideias equivocadas, reforçam ataques infundados às políticas públicas que
garantiram direitos às populações vulneráveis, como os de mulheres e os LGBT,
nos últimos anos” (XAVIER, 2016, p. 87).

342
CONSIDERAÇÕES

A dominação masculina sobre meninas e mulheres que, entre outras, resultam


em práticas de violência, reconhecida e naturalizada no imaginário social é fruto
de um duro e incessante trabalho de reprodução para o qual contribuem agentes
específicos e instituições, especialmente o Estado, a família, a igreja e a escola.
(Re)pensar o papel da escola como espaço de transformação e de enfrenta-
mento às desigualdades de gênero, bem como, as violências que delas resultam, é
primordial para desconstruir a educação sexista e racista, o discurso de intolerância
e de equivocadas “ideologias”.
É fundamental que o contexto escolar adote práticas pedagógicas que tra-
balhem no sentido de desenvolver ferramentas para a compreensão da realidade
com vistas a desnaturalização de práticas discriminatórias e violentas bem como
da imposição a homens e mulheres de expectativas sociais e sexuais de acordo
com seu sexo biológico.
Os currículos alinhados à proposta voltada para os letramentos e para o
exercício de uma pedagogia engajada, comprometida com o aprendizado integral
das(os) estudantes, centrada na educação para a cidadania, na educação em e para
os direitos humanos e para a diversidade é o desafio posto, não apenas as(aos)
docentes, mas também a todas(os) as(os) profissionais que atuam nesse espaço.
Assim, é necessário além de investimentos que as(os) docentes recebam
formação específica para pensar em construir repertórios teóricos-metodológicos
e legais para o trabalho com esses sérios e importantes assuntos e que contribuam
para uma cultura de paz e para a eliminação de todos os tipos de violências e
discriminações.

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WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Edição comentada do clássico
feminista. São Paulo. Boitempo, 2016.

344
AS CINCO PEDAGOGIAS DE PAULO FREIRE –
REFLEXÕES PARA ESPERANÇAR A EDUCAÇÃO

Eloiza da Silva Gomes de Oliveira127

INTRODUÇÃO

A palavra esperança é recorrente na obra de Paulo Freire, surgindo em varia-


dos momentos. Relacionada às categorias utopia, inédito viável ou sonho possível,
é distinguida de espera, sinônimo de passividade, conformação e possivelmente,
de alienação.
No clássico “Pedagogia do Oprimido” (1981) o autor já ressaltava a importân-
cia da esperança: “Movo-me na esperança enquanto luto e se luto com esperança,
espero” (FREIRE, 1981, p. 47).
Mais tarde, no livro “Pedagogia da autonomia” (1996) encontramos Freire
novamente às voltas com o tema:
A desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da
História, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou
à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É que, na
inteligência mecanicista portanto determinista da História, o futuro
já é sabido. A luta por um futuro assim “a priori” conhecido prescinde
da esperança. (FREIRE, 1996, p. 73).

Em “Pedagogia da Esperança” (2014), Freire retorna a falar de esperança:


É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar, porque
tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo
esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar
é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar
é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro
modo. (FREIRE, 1997, p. 110).

Depreendemos daí que as educadoras e educadores que se propõem pro-


gressistas não devem esperar por uma transformação da realidade brasileira que se
dê por uma espécie de mágica ou milagre e que faça da Educação uma trincheira
da luta pela democracia e pela igualdade de direitos. Precisam, talvez, conju-
gar a esperança com a impaciência de que fala José Saramago, fazendo brotar
“esperanças-impacientes”.
127
Doutorado em Educação (UFRJ). Professora titular (UERJ). CV: http://lattes.cnpq.br/7480155728027813
345
Saramago diz preferir a impaciência e que, se houvesse realmente razão
para passivamente esperarmos mais justiça e melhores condições de vida, “não
precisaríamos de andar todos os dias com a esperança ao colo, a embalá-la, ou
embalados nós ao colo dela” (SARAMAGO, 2008). Poderíamos, assim, praticar
a invenção desobediente de outras realidades.
No conceito de esperançar e nas “pedagogias freireanas está, em nosso ver, uma
parte do fundamento para que o Brasil volte a avançar em termos de crescimento
e saia desse quadro caótico do término do atual Governo Federal. Este quadro,
estarrecedor para o mundo, claramente visível nos âmbitos da Educação, da Saúde,
da Ciência e da Tecnologia, foi sintetizado pelo sociólogo italiano Domenico de
Masi, em entrevista ao portal brasileiro de notícias e análises política Brasil 247
(2022): “Neste momento, vocês estão nas mãos de um ditador”. “Esta ditadura
reduz a inteligência coletiva do Brasil (...)”. E aponta algumas soluções:
Manter a lucidez e a inteligência através da leitura de bons autores
e da escrita. Manter viva a sensibilidade pela conversa com pessoas
normais e pela boa música. Assistir a bons filmes para contrabalançar
a barbárie proposta pela vida diária e pelas redes sociais.

Enfim, mantermo-nos íntegros e fortes para a reconstrução futura


do país. Não podemos ser como eles. Não devemos imitá-los em sua
violência cega. Não podemos nos deixar contaminar por sua estupidez.
Eles passarão. E estaremos aqui, para recomeçar.

Entre a leitura de bons autores, sugerida por De Masi, não podemos omitir
Paulo Freire e a sua visão do país, muitas vezes profética. Caro leitor, veja se não
podemos identificar o Brasil no seu estado de penúria generalizada e destruição
que vemos hoje, nas palavras do autor, escritas há vinte e cinco anos atrás:
É que a “democratização” da sem vergonhice que vem tomando conta
do país, o desrespeito à coisa pública, a impunidade, se aprofundaram e
se generalizaram tanto que a nação começou a se pôr de pé, a protestar.

Por outro lado, sem sequer poder negar a desesperança como algo
concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais
que a explicam, não entendo a existência humana e a necessária
luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. A esperança é
necessidade ontológica; a desesperança, esperança que, perdendo o
endereço, se torna distorção da necessidade ontológica.

Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir


no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao
embate recriador do mundo. (FREIRE, 1997, p. 5).

346
Soma-se a isso o momento pós-pandêmico causado pelo coronavírus (SARS-
-CoV-2), descoberto em dezembro de 2019, e que trouxe consequências profundas
e ainda impossíveis de serem totalmente avaliadas.
A partir da declaração do surto da COVID-19 como pandemia,
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de
2020, a realidade foi estarrecedora: escolas e universidades fechadas
em cerca de 190 países em todo o mundo, com aproximadamente
1,5 bilhão de estudantes em casa, distantes da educação formal, por
razões de segurança.

Foram muitos os efeitos, do agravamento de uma forte crise econômica à


quantidade de mortes provocadas pela doença (mais de 690.000 no nosso país); das
sequelas física e emocionais que vivemos à realidade antes não experienciada no cenário
educacional: a aplicação da mediação através de tecnologias digitais de informação e
comunicação (TDIC), criticada e estigmatizada, tornou-se compulsória.
Gadotti (2007, p. 30-31) essencializa a tese de Paulo Freire sobre a esperança:
“Devemos construir nossa filosofia da igualdade e desnaturalizar a desigualdade,
pensando-a com o reconhecimento da diversidade, o que dá sentido à pedagogia
da esperança”.
Neste texto, tomamos por balizador a abordagem feita por Guerrero (2007),
que distingue cinco pedagogias na trajetória da vida e da obra freireana: do opri-
mido, da esperança, da autonomia, da indignação e da tolerância. Fomos buscar a
esperança em cada um desses momentos, tentando aplicar o conceito à realidade
educacional do Brasil.
Utilizando o princípio basilar da esperança, que perpassa a vasta obra de
Paulo Freire, vamos desenvolver este texto.

A ESPERANÇA DE ERRADICAR A EDUCAÇÃO OPRESSORA

Fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil


amar” (FREIRE, 1981, p. 284)

Começamos a busca pela categoria “esperança” na obra de Paulo Freire pela


“Pedagogia do Oprimido”, escrita em 1967, e que o tornou conhecido e cultuado
primeiro internacionalmente, e só mais tarde em seu próprio país, pois vivíamos
o início da longa ditadura militar implantada por meio do golpe de 1964. O autor
analisava as relações pedagógicas estabelecidas no cotidiano das práticas educativas.
Partiu das experiências metodológicas de alfabetização de adultos (“De pé no
chão também se aprende a ler” e “Círculos de Cultura”) para propor uma educação
libertadora, em contraposição à educação bancária, conservadora e domesticadora,
347
um processo político que visava a despertar os indivíduos da opressão e gerar ações
de transformação social.
Referimo-nos ao fato de que em 1963, em Angicos, cidade do interior do
Rio Grande do Norte, 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em apenas
40 horas, com a aplicação do método proposto por Paulo Freire. Era o projeto-
-piloto do que viria a ser o Programa Nacional de Alfabetização do governo de
João Goulart, presidente deposto em março de 1964. Em outubro desse mesmo
ano Freire deixou o Brasil para proteger a própria vida.
No livro Pedagogia do Oprimido, Freire destacava como fundamentais os
processos de consciência e de diálogo que conduzem ao rompimento da consciência
mágica e ao estabelecimento da consciência realista e crítica.
Tudo isso vem envolvido por um aporte filosófico fortemente humanista,
o que justifica o uso da palavra fé no texto em epígrafe, no início desta seção do
texto, com a proposta de uma pedagogia da humanização como práxis da união da
classe oprimida, mantida nessa condição pela Educação Bancária e pela negação
de uma Educação Libertadora, Emancipadora ou Problematizadora.
Esta última é uma educação que precisa caminhar junto com o amor e com
a esperança. Assim, o verbo esperançar é a materialização da procura da realiza-
ção dos sonhos, essenciais para a existência humana. Assim, “Só existe saber na
invenção, na reinvenção e na busca inquieta, impaciente, permanentemente, que
os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa
também” (FREIRE, 1981, p. 105).

POR UMA PEDAGOGIA DA ESPERANÇA

[... ] é um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não
há esperança. Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a
conivência, da radicalidade; uma crítica ao sectarismo, uma compreen-
são da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora,
neoliberal (FREIRE, 1997, p. 06).

Paulo Freire retornou do exílio em 1979, com a abertura democrática, tra-


zendo “sonhos rasgados, mas não desfeitos” (FREIRE, 1997, p. 06) e, em 1992,
revisita, faz uma reflexão sobre a Pedagogia do Oprimido, desenha uma Pedagogia
da Esperança, imerso em um contexto marcantemente “sem esperança”.
Nas “Primeiras Palavras”, introdução da obra, o autor relata que foi indagado
por um amigo, professor: “Mas como, Paulo, uma Pedagogia da Esperança no
bojo de uma tal sem-vergonhice como a que nos asfixia hoje, no Brasil?”. Freire
descreve a esperança como uma necessidade que nos protege da desesperança,
fatalista e imobilizadora, e afirma:
348
Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial
e histórico. Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atri-
buo à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim
convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados
concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha
esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta,
mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da herança crítica,
como o peixe necessita da água despoluída. (FREIRE, 1997, p. 5).
Traz preocupações com o contexto educacional do Brasil, a democratização
da escola pública, a reprodução da ideologia autoritária nessas escolas, dando
continuidade ao que ocorre nas famílias e na sociedade em geral. Faz críticas
à aprendizagem mecânica, ao cerceamento da liberdade dos alunos e ao uso da
dicotomia prêmio x castigo, chamando a educação popular e democrática para a
luta com os oprimidos.
Essa educação pode ser desenvolvida em cooperativas, em comunidades,
em atividades sindicais, superando o mero “treinamento técnico”, de interesse
dos opressores.

A ESPERANÇA NA AUTONOMIA DO EDUCADOR E DO


EDUCANDO

Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a


esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos
aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir
aos obstáculos à nossa alegria. (FREIRE, 1996, p. 72).
Pedagogia da Autonomia, escrito em 1996, foi a obra última publicada em
vida pelo autor. Muito dirigido aos educadores, trata da formação docente, asso-
ciada à reflexão sobre a prática educativa em favor da autonomia do educando,
como aspecto fundamental da Educação.
A formação e a prática dos educadores apresentam uma importante dimensão
social pela influência sobre a formação do ser humano. Freire afirma que cabe a
eles desenvolver uma postura de vigilância contra as práticas de desumanização.
Como a educação é um ato de intervenção no mundo, ela deve estar a serviço das
transformações sociais.
Propõe, para os educadores, qualidades como a perseverança, a sensibilidade,
a solidariedade e o amor à pesquisa como forma de construção do conhecimento.
O Capítulo 2, Ensinar não é transferir conhecimento, traz nove princípios
que Freire considera fundamentais para o ato de ensinar:
• Ensinar exige consciência do inacabamento.
349
• Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado.
• Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.
• Ensinar exige bom senso.
• Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos
educadores.
• Ensinar exige apreensão da realidade.
• Ensinar exige alegria e esperança.
• Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.
• Ensinar exige curiosidade.
Ao afirmar que “ensinar exige alegria e esperança”, Paulo Freire diz:
Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é
algo que a ela se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana.
Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento,
primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predis-
posto a participar de um movimento constante de busca e segundo,
se buscasse sem esperança. A desesperança é negação da esperança.
A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a
desesperança é o aborto deste ímpeto. A esperança é um condimento
indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria História,
mas puro determinismo. (FREIRE, 1996, p. 38).

Esses princípios do que é ensinar são complementados por mais nove, des-
critos no Capítulo 3, Ensinar é uma especificidade humana:
• Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade.
• Ensinar exige comprometimento.
• Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção
no mundo.
• Ensinar exige liberdade e autoridade.
• Ensinar exige tomada consciente de decisões.
• Ensinar exige saber escutar.
• Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.
• Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.
• Ensinar exige querer bem aos educandos.
A autonomia, tema central do livro, não pode prescindir da formação docente
de cunho progressista, em que o respeito à dignidade do aluno é eticamente
indispensável. Falamos de uma prática docente fundamentada na esperança, na
alegria, na liberdade, na dialogia.

350
INDIGNAÇÃO E ESPERANÇA, UM BINÔMIO POSSÍVEL

A desproblematização do futuro, numa compreensão mecanicista da


história, de direita e de esquerda, leva necessariamente à morte ou
à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É que, na
inteligência mecanicista, portanto determinista da história o futuro
é já sabido. A luta por um futuro já conhecido a priori prescinde de
esperança. A desproblematização do futuro, não importa em nome de
que, é uma ruptura com a natureza humana, social e historicamente
constituindo-se. O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na
luta para refazê-lo (FREIRE, 2000, p. 27).
Publicado em 2000, o livro é composto de duas partes. Na primeira estão três
Cartas Pedagógicas: Do espírito deste livro, escrito para pais e mães; Do direito e
do dever de mudar o mundo, em que conclama os excluídos e invisíveis às mani-
festações, com a seguinte consideração: “A marcha esperançosa dos que sabem que
mudar é possível” (FREIRE, 2000, p. 61); e Do assassinato de Galdino Jesus dos
Santos – índio Pataxó, referindo-se ao fato terrível ocorrido em Brasília, em 1997.
A segunda parte, Outros Escritos, é formada por textos produzidos por
Paulo Freire em 1996 e um de 1992, “Descobrimento da América”, no qual afirma
que “(...) o passado não se muda. Compreende-se, recusa-se, aceita-se, mas não se
muda” (p. 73) e fala do Descobrimento como a “malvadeza intrínseca a qualquer
forma de colonialismo, de invasão, de espoliação” (p. 74).
No prefácio do livro, Balduíno Andreola destacou a dimensão da esperança
contida nos textos, dizendo que, ao ler as “cartas pedagógicas” que compõem a primeira
parte da obra, se viu envolvido por “uma imensa onda cósmica de ânimo, de esperança
e do sentimento de que vale a pena persistir na luta” (ANDREOLA, 2020, p. 18).
Uma das cartas da segunda parte do livro é “Da Educação e Esperança”, na qual
trabalha com os conceitos de consciência, história e responsabilidade ética. Para Freire
a esperança está indissoluvelmente ligada à consciência: “Consciência do outro e de
si como um ser no mundo, com o mundo e com os outros, sem a qual seria apenas
um ser aí, um ser no suporte. Por isso, repita-se, mais do que um ser no mundo o ser
humano se tornou uma presença no mundo.” (FREIRE, 2000, p. 130)”.
Elenca alguns fatores que justificam que se pode ter esperança de que as
coisas possam mudar: o fato de sermos inacabados; o fato de a história ser uma
possibilidade; o fato de sermos presença na realidade, na história.
Complementamos a apresentação dessa “esperança indignada”, com as
palavras do próprio Freire:
( ) o que quero dizer é o seguinte: uma coisa é a ação educativa de
um educador desesperançado e outra é a prática educativa de um
351
educador que se funda na interdisciplinaridade. O primeiro nega a
essência de sua própria prática enquanto o segundo, explícita uma
certa opção metodológica e epistemológica (FREIRE, 2000, p. 50).

E conclui:
A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano:
o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma
agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o
ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa
busca. Este processo é a educação. (FREIRE, 2000, p. 52)

A QUINTA PEDAGOGIA: TOLERÂNCIA COM O DIFERENTE

(...) falo da tolerância como virtude de convivência humana. Falo, por


isso mesmo, da qualidade básica a ser forjada por nós e aprendida pela
assunção de sua significação ética – a qualidade de conviver com o
diferente. Com o diferente – não com o inferior (...). O que a tolerância
autêntica demanda de mim é que respeite o diferente, seus sonhos,
suas ideias, suas opções, seus gostos, que não o negue só porque é
diferente. O que a tolerância legítima termina por me ensinar é que,
na sua experiência, aprendo com o diferente” (FREIRE, 2004, p. 24).

Pedagogia da tolerância, obra publicada em 2004, é uma coletânea de textos


de Paulo Freire organizada por Ana Maria Araújo Freire. O livro é estruturado
em oito seções e fundamentado em conceitos estruturantes da tríade Pedagogia
do oprimido, Pedagogia da esperança e Pedagogia da autonomia: a dialogia como
método, o ato pedagógico como ato político, a coerência entre o discurso e a prática
docentes. Freire enuncia a esperança de uma “sociedade menos feia, uma sociedade
em que seja possível amar e ser amado” (FREIRE, 2004, p. 91).
Enuncia o conceito: “falo da tolerância como virtude da convivência humana.
Falo, por isso mesmo, da qualidade básica a ser forjada por nós e aprendida pela
assunção de sua significação ética – qualidade de conviver com o diferente. Com
o diferente, não com o inferior” (FREIRE, 2004, p. 24).
Tratando especificamente da Educação, Freire aponta três aspectos que
geram a dicotomia entre ensino e aprendizagem, fonte de intolerância: a maneira
mecanicista de pensar o aprender e o ensinar; a separação entre o aprender e o
ensinar; e a separação entre ensinar conhecimentos existentes e produzir novos
conhecimentos, inéditos e inovadores.
Aborda, ainda, a ilimitada esperança de Freire na relação de cumplicidade e
respeito entre educadores e educandos, sem nivelamento das diferenças de papeis
entre ambos.
352
Na atualidade brasileira a virtude da tolerância é fundamental. Segundo
Freire, não existe democracia com intolerância e respeitar as opiniões diferentes
da sua não significa a abstinência da luta e do diálogo, mas a defesa progressista
de um mundo possível e justo para todas as pessoas.
A Pedagogia da Tolerância implica, em resumo, enfrentar democraticamente
o radicalismo e o fundamentalismo na Educação, muito presentes no cenário atual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final desta breve viagem pelas cinco pedagogias de Paulo


Freire, tendo como fio condutor a inabalável esperança do autor na constituição
do homem como sujeito da e na história.
Destacamos o comprometimento do autor e sua ética, consolidada em
relação ao seu discurso e à sua prática, e a afirmação constante de uma Pedagogia
jamais neutra e da educação como ato político, que deve ser assumida como tal.
É fundamental a total esperança no poder da leitura de mundo como fer-
ramenta de emancipação, já que a linguagem é um dos meios mais potentes de
dominação e de libertação, já que por meio dela expomos a nossa teoria-prática.
Da Pedagogia da Esperança, livro construído “[...] com raiva, com amor, sem
o que não há esperança” (FREIRE, 1997, p. 12) à Pedagogia da Indignação, “(...)
o exercício da vontade, da decisão, da resistência, da escolha; o papel das emoções,
dos sentimentos, dos desejos, dos limites; a importância da consciência na história;
o sentido ético da presença humana no mundo, a compreensão da história como
possibilidade, jamais com determinação, é substantivamente esperançosa e, por
isso mesmo, provocadora da esperança” (FREIRE, 2000, p. 48), percebemos que
a absoluta fé no protagonismo da esperança está presente na obra de Paulo Freire
e nas Pedagogias que propõe.
O legado de luta e de esperança de Paulo Freire não pertence a uma
pessoa ou a uma instituição. Pertence a quem precisa dele. Recordo
o filme O Carteiro e o Poeta (de Michael Radford, 1994) no qual o
carteiro se apropriou de um poema de Pablo Neruda para seduzir sua
namorada. Pablo questionou o carteiro sobre a autoria do poema e
o carteiro respondeu: “a poesia não pertence àqueles que a escrevem,
mas a quem precisa dela”. (GADOTTI, 2007, p. 25).
Nessa prática pedagógica do diálogo os homens” em comunhão “aprendem
de forma reflexiva e crítica a encontrar formas de transformar a realidade, cons-
truindo uma” consciência transitiva crítica”, articulada com a práxis. As bases dessa
construção são, portanto, o a convivência, a fala, o diálogo crítico.
Na “Pedagogia do Oprimido”, Freire enuncia com clareza este conceito,
propondo o rompimento dos esquemas verticais da educação bancária, através da
353
mudança dos papéis de educador e educando, assim como da utilização do diálogo:
“Desta maneira, o educador não é o que apenas educa, é educado, em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa (...) Já agora ninguém educa
ninguém, como tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 1981, p. 39).
O legado de luta e de esperança de Paulo Freire não pertence a uma
pessoa ou a uma instituição. Pertence a quem precisa dele. Recordo
o filme O Carteiro e o Poeta (de Michael Radford, 1994) no qual o
carteiro se apropriou de um poema de Pablo Neruda para seduzir sua
namorada. Pablo questionou o carteiro sobre a autoria do poema e
o carteiro respondeu: “a poesia não pertence àqueles que a escrevem,
mas a quem precisa dela”. (GADOTTI, 2007, p. 25).

Escolhemos esta fala de Moacir Gadotti, na obra “A escola e o professor


: Paulo Freire e a paixão de ensinar”, para encerrar o nosso texto que constata a
atualidade, perenidade e, em certos momentos quase premonição do Patrono da
Educação brasileira em sua busca do “inédito viável”, da possibilidade da ação
ainda inédita, do futuro a ser construído, do projeto a ser realizado.

REFERÊNCIAS
ANDREOLA, Balduíno Antonio. Carta-prefácio a Paulo Freire. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia da indig-
nação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
DE MASI, Domenico. Entrevista ao Portal Brasil 247. 06 de maio de 20220. Disponível em: https://
controversia.com.br/2022/05/06/sociologo-italiano-domenico-de-masi-constata-o-rebaixamento-da-in-
teligencia-coletiva-brasileira/. Acesso em: 19 nov. 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora
UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: UNESP. 2004.
GADOTTI, Moacir. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar. São Paulo: Publisher
Brasil, 2007.
GUERRERO, Miguel Escobar. Las cuatro etapas de Paulo Freire en sus cinco pedagogías: del oprimido,
de la esperanza, de la autonomía, de la indignación y de la tolerancia. In EccoS – Revista Científica, São
Paulo, v. 9, n. 1, p. 199-219, jan./jun. 2007. Disponível em https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71590112.
Acesso em: 19 nov. 2022.
SARAMAGO, José. Esperanças e utopias. Outros cadernos do Saramago. 29 set. 2008. Disponível em
https://caderno.josesaramago.org/3855.html. Acesso em: 27 nov. 2022.

354
O PERFIL DE DOCENTES E OS DESAFIOS NA
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DIGITAL

Cleonice Adriana Schmitz dos Santos128


Telma Regina Miranda Anciutti129
Valdecira Aparecida da Silva Moreira130
Mirlany da Silva Pena131
Celia Maria Haas132

INTRODUÇÃO

Em período de isolamento social, decorrente da pandemia do Covid-19,


(período compreendido entre os anos de 2019 a 2021), educadores buscaram
alternativas para dar continuidade ao ensino dos alunos, “devido a políticas de
distanciamento das escolas, alunos e professores viram a necessidade da utiliza-
ção maciça de ferramentas digitais em substituição às aulas presenciais” (SILVA,
PETRY, UGGIONI , 2020, p. 21), essa substituição tornou-se algo difícil para
os docentes, mas necessário devido a pandemia do Covid-19.
Ao retornar às atividades presenciais, em outubro de 2021, as escolas públi-
cas do município de Colorado do Oeste-RO, realizaram avaliações diagnósticas
e detectou-se que os alunos que conseguiram maiores desempenho escolar foram
os que utilizaram da rede social WhatsApp, por meio de chamadas de vídeo e
também pelo uso das plataformas de ensino Classroom e Google Meet. Através do
acompanhamento da equipe gestora, dispensado aos educadores, houve avaliação
positiva quanto a inserção dos docentes e discentes no âmbito do letramento digital.
O presente capítulo emergiu dos debates no decorrer do curso de Especia-
lização em Educação Digital, aliado ao interesse das pesquisadoras no que tange
ao letramento digital, em um cenário de globalização, no qual a tecnologia faz
parte do cotidiano da sociedade como um todo e que objetiva conhecer como os
professores alfabetizadores vivenciam o processo de letramento digital, visando
compreender como esses educadores se veem no processo de inserção digital e
a forma como estão utilizando as tecnologias, de modo a facilitar a oferta e a
recepção do ensino no período de alfabetização.

128
Mestra em Ciências da Educação (UDS - PRY). CV: http://lattes.cnpq.br/1899635451956373
129
Pós-graduanda (UNIVESP). CV: http://lattes.cnpq.br/3788854845775515
130
Mestra em Ciências da Educação (UDS - PRY). CV: http://lattes.cnpq.br/7242052104982662
131
Pós-graduanda (UNIVESP). CV: http://lattes.cnpq.br/5284925550173200
132
Doutorado em Educação (PUC-SP). Orientador (a) da Pesquisa e docente do Curso de Especialização em Educação Digital
com ênfase na Ação gestora para uma atuação inovadora (UNIVESP). CV: http://lattes.cnpq.br/9653389289239837
355
A temática escolhida torna-se relevante, a partir da provocação de debates
entre os docentes sobre a importância dos cursos e formações continuadas, com
foco na cultura e letramento digital, grau de conectividade de internet e verifi-
cação de existência ou não de recursos tecnológicos em bom estado de uso e em
quantidade suficiente para atender a demanda local, bem como as opiniões dos
professores no que se refere a utilização das tecnologias.
Assim, a pesquisa dividiu-se em três fases. Na primeira buscou-se os refe-
renciais bibliográficos em diferentes fontes para exposição da temática, enfati-
zando o letramento digital e suas repercussões no âmbito escolar. A segunda fase
foi composta pela metodologia, descrevendo os participantes, a formulação do
instrumento utilizado, a coleta, tabulação e análise dos dados. Por fim, a terceira
fase traz os resultados obtidos.

LETRAMENTO DIGITAL

Soares (2002) ressalta que o letramento digital é usado para referir-se à


questão da prática de leitura e escrita possibilitada pelo computador e pela inter-
net. Segundo o autor o “letramento digital caracteriza certo estado ou condição
que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e realizam práticas
de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos
que exercem práticas de leitura e de escrita no meio impresso” (SOARES, 2002,
p. 24). Sendo assim, envolve várias habilidades, vai além de digitar textos, é uma
concepção de alfabetização, como meio de democratização da cultura.
Sobre a inclusão das tecnologias nas escolas, Castro Filho, Raabe, Heins-
feld, (2020, p. 2) apontam que “o debate sobre a incorporação das tecnologias na
educação, embora em grande destaque na contemporaneidade, não é uma preo-
cupação exclusiva do século XXI”. Os autores afirmam que, globalmente, desde
1920, fala-se sistematicamente sobre a incorporação de novas tecnologias aos
processos de ensino e de aprendizagem e suas potencialidades.
Salazar (2002) alerta para o fato de que a educação, como dimensão social,
volta a ocupar lugar de preferência na produção de conhecimento e valores culturais.
A globalização trouxe vasta gama de possibilidades e facilidades ao ser humano,
porém não se pode negar que apresenta desafios culturais e sociais, até então não
vivenciados. Segundo Thomas e Brown (2011) apud Gómez (2015)
A tecnologia já não pode mais ser considerada apenas uma maneira
de transportar a informação de um lugar para outro. A tecnologia da
informação se converteu em um meio de participação, provocando a
emergência de um ambiente que se modifica e se reconfigura cons-

356
tantemente em consequência da própria participação que nele ocorre.
(THOMAS E BROWN (2011), apud GÓMEZ, 2015, p.18).

O letramento digital representa o domínio de técnicas e habilidades para


acessar, interagir, processar e desenvolver multiplicidade de competências na leitura
das mais variadas mídias, logo é imprescindível a reflexão constante e escolha da
melhor metodologia a ser usada em sala de aula

LETRAMENTO DIGITAL E PRÁTICA DOCENTE

Castro Filho, Raabe, Heinsfeld, (2020, p. 8) relatam que “tecnologias devem


ser inseridas de forma intensiva no ambiente escolar.” Nesse mesmo sentido,
Ribeiro e Coscarelli defendem a necessidade da inclusão digital, para a efetivação
do letramento e disseminação da cultura digital nas escolas
Precisamos dominar a tecnologia da informação, estou me referindo
a computadores, softwares, Internet, correio eletrônico, serviços, etc.,
que vão muito além de aprender a digitar, conhecer o significado de
cada tecla do teclado ou usar um mouse. (RIBEIRO; COSCARELLI,
2007, p. 17).

Compreender a tecnologia da informação e elaborar mecanismo educacionais


passam por processos constantes e esse procedimento não acontece sem estudo,
ação e reflexão, ou seja, faz-se necessário a garantia de políticas e ações relacio-
nadas a formação docente em serviço que contemple teoria e prática. Segundo
Buckinghan (2010, p. 49), “o letramento digital ultrapassa o processo funcional
de manusear o computador e fazer pesquisas”, vai além de inclusão de máquinas
e equipamentos tecnológicos nas escolas, faz-se necessitando da garantia das
formações continuadas envolvendo teoria e práticas educacionais.
Melo e Tomaz (2020) trazem a reflexão no que se refere a educação digital
defendida por muitas escolas no período de pandemia do Covid-19, a qual segue
Quanto a educação digital ou ensino remoto defendido em muitas
escolas brasileiras verifica-se que: No caso do ensino remoto que
está sendo proposto, o que é possível verificar em meio à diversidade
de estratégias adotadas é que há uma busca por transpor a educação
presencial para a transmissão por meio de videoaulas ou videocha-
madas, inclusive ocupando o mesmo horário em que ocorreria a aula
presencial e com as mesmas estratégias pedagógicas, customizadas
pelas tecnologias disponíveis. (MELO; TOMAZ, 2020. p. 5).

357
A educação digital ocorreu como possibilidade de manter as práticas educa-
cionais no conturbado período de isolamento social. Sobre o uso das tecnologias,
Bonfim, Oliveira, Politowski, Rosa, Santos e Silva (2017) afirma
Com as potencialidades das tecnologias digitais, o professor
poderá desenvolver metodologias que favoreçam o processo de cons-
trução do conhecimento a partir do suporte dos recursos (BONFIM;
OLIVEIRA; POLITOWSKI; ROSA; SANTOS; SILVA, 2017, p. 3).

Os autores acima citados defendem que a contribuição didática para uma


pedagogia voltada para o sujeito requer assumir, entre outras coisas, o uso das
mídias e das tecnologias da educação, ou seja, o letramento digital nas práticas
pedagógicas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo se configura como uma pesquisa de campo de base mista, a


qual buscou conhecer e entrevistar as professoras alfabetizadoras dos anos ini-
ciais de uma escola da rede pública municipal, a fim de compreender como essas
profissionais vivenciam o processo de letramento digital a partir da chegada da
tecnologia de informação. O local de investigação foi uma escola da rede munici-
pal, no município de Colorado do Oeste, Rondônia, com população estimada em
15.213 pessoas (IBGE/2021). A referida escola possui 345 alunos distribuídos
em 18 turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, no ano de 2022 e atende
no período matutino, das 7h às 11h, e no período vespertino, das 13h às 17h. Os
alunos estudam por quatro horas relógio/dia, perfazendo um total de 20 horas
semanais.

PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa dez professoras atuantes nas turmas de alfabetização,


uma diretora e uma supervisora de uma escola da rede municipal de ensino. A opção
pela equipe gestora ocorreu devido ao fato das profissionais estarem ligadas aos
docentes em seu trabalho diariamente, tendo assim uma visão ampla do trabalho
pedagógico desenvolvido na escola. Todas as participantes da pesquisa são do sexo
feminino. Como critério de inclusão, as profissionais deveriam autorizar o uso de
suas informações e prestar serviços à escola escolhida. Como critério de exclusão,
seriam as profissionais que não fizessem parte da equipe ou não permitissem o
uso das informações coletadas, mas não houve recusa de nenhuma profissional.

358
INSTRUMENTO

O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário estrutu-


rado e com questões abertas, através da plataforma Google Drive. Devidamente
autorizada pela escola, houve a divulgação e envio dos questionários para cada
professora e integrantes da equipe gestora. As investigações foram realizadas por
meio do questionário dirigido, das observações in loco e posteriormente a realização
de entrevistas de modo presencial.

ANÁLISE DOS DADOS

Após a coleta dos dados, elaborou-se uma planilha, sendo dividida em qua-
tro categorias, definidas a posteriori e correlacionada aos conteúdos presentes nas
entrevistas. A primeira categoria consiste na identificação (contendo sexo, idade
e anos de docência dos sujeitos da pesquisa), a segunda categoria apresenta sobre
a formação (identificação os cursos realizados pelos professores alfabetizadores e
quais foram apontados como sendo de maior relevância para a atuação), a terceira
categoria é sobre recursos tecnológicos laborais (visando identificar a existência ou
não de recursos tecnológicos em bom estado de uso e em quantidade suficiente) e
a quarta e última categoria, foi responsável por verificar o nível de utilização das
tecnologias digitais. A análise de cada categoria ocorreu após tabulação dos dados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

CATEGORIA 1: IDENTIFICAÇÃO

A identificação da idade, sexo e quantidade de anos de docência permitiu


traçar o perfil das entrevistadas e relacioná-las aos demais dados coletados. No
sentido de preservar a identidade das docentes e equipe gestora que responderam
à pesquisa, optou-se por numerá-los de 1 a 10. Os dados mostram que a escola
conta com docentes de diferentes gerações, sendo as idades cronológicas entre 25
à 55 anos de idade, com grande heterogeneidade de tempo de trabalho, variando
entre 01 e 30 anos de docência.

CATEGORIA 2: FORMAÇÃO

Verificou-se heterogeneidade nas respostas das docentes em relação aos


cursos ofertados pelo poder público, com foco na formação de docentes atuantes
nas classes de alfabetização. No entanto, as respostas mostraram que, apesar de
serem cursos de formação para docentes, nem todas tiveram foco no letramento
e cultura digital. Ressaltou-se que os cursos citados de acordo com os relatórios
359
oficiais da escola em pesquisa, foram realizados no contra turno, ao período da
docência em sala de aula, porém contemplado no decorrer da carga horaria de
formação do professor, conforme legislação vigente.
As docentes nº 1 e 2 optaram pelo Programa de Apoio à Implementação
da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC. Verificou-se que são docentes
que tem entre um e cinco anos de experiência, com contrato temporário, conside-
radas jovens, portanto, não tiveram a oportunidade de realizar os demais cursos
citados pelas docentes com maior tempo de atuação profissional. De acordo com
os relatórios arquivos da escola em pesquisa, a formação ProBNCC, foi realizada
em todos os municípios de Rondônia no ano de 2021, sendo um grande desafio,
sendo o primeiro curso 100% online. Veja o depoimento de uma formadora do
ProBNCC
As formações ProBNCC realizadas no município [...] representam
valores, continuidade. As maneiras de colocar em prática esse ciclo
formativo produziram experiências, consolidaram práticas e, princi-
palmente, produziram histórias na educação de Rondônia (BASTOS,
ZAGO, CUNHA 2021, p. 93).

As entrevistadas nº 3 e 5 optaram pelo Pacto Nacional pela Alfabetização


na Idade Certa (PNAIC), tem entre 40 e 45 anos e declarando ter aproxima-
damente 19 anos de docência, o que demostra que tiveram a oportunidade de
realizar diversos cursos oferecidos aos docentes do Estado de Rondônia. Sobre a
formação do PNAIC veja:
A formação continuada de professores, proporcionada pelo PNAIC,
é apontada como uma das mais promissoras possibilidades de reverter
os índices elevados de analfabetismo, baixo desempenho escolar e dis-
torção idade-ano. No entanto, acredita-se que não é suficiente propor
políticas educacionais objetivando a redução da desigualdade social,
sem que as estruturas sociais, políticas e econômicas sejam reestru-
turadas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária
(ALFERES, MAINARDES 2019, p. 6).

A entrevistada nº 4 tem 42 anos de idade, é professora estatutária, com 18 anos de


docência, mencionando o PRALER como curso de maior impacto em sua formação,
ocorrido em 2007, no município de Colorado do Oeste, estado de Rondônia (segundo
os arquivos da escola em pesquisa). Sobre o programa citado veja:
O programa busca resgatar e valorizar as experiências e os saberes do
professor, assim como promover a reflexão sobre a ação educativa, de
forma que ele seja sujeito do processo educacional sob sua respon-
sabilidade. Sendo assim, os mate­riais e procedimentos colocados à
360
disposição não constituem um pacote inflexível e valorizam a auto-
nomia do professor. (BRASIL, 2006, p. 5)

A entrevistada nº 6, com 48 anos de idade e dezessete anos de docência,


optou pelo Programa de Apoio a Leitura e Escrita, o qual foi destinado aos pro-
fessores alfabetizadores. Sobre o programa citado observe:
O PRO-LETRAMENTO foi programado para funcionar na moda-
lidade semipresencial. Para isso, utilizou-se de material impresso e
em vídeo, também contou com atividades presenciais e a distância,
que foram acompanhados por professores orientadores, também
chamados de tutores. (BRASIL, 2012, p. 2).

As entrevistadas nº 7, 9 e 10 optaram pelo Programa Nacional de Tecnolo-


gia Educacional – PROINFO. As docentes em pesquisa têm entre 49 e 52 anos
de idade, declararam ter mais de 25 anos de docência, professoras estatutárias e
afirmaram que tiveram a oportunidade de concluir todos os cursos provenientes
de políticas públicas, ofertados aos docentes do Estado de Rondônia. De acordo
com Almeida (2000, p. 6), “o PROINFO contempla a formação de professores
em processo que integra domínio da tecnologia, teorias educacionais e prática
pedagógica com o uso dessa tecnologia”.
A entrevistada nº 8, optou pelo curso GESTAR- Gestão da Aprendizagem
Escolar, declarou ter 55 anos de idade e mais de 21 anos de docência. Sobre o
curso de formação GESTAR, Barrueco (2007, p. 185) diz que:
A realização deste estudo mostrou que o surgimento de programas
de formação continuada como o GESTAR, que mobiliza ações em
um sistema de assessoramento com propostas de apoio e estímulo
ao professor, cujos pressupostos teóricos articulam a teoria à prática,
podem levar à mudança de postura profissional. Entretanto, a formação
docente depende em grande parte de como o professor incorpora em
seu fazer pedagógico práticas condizentes às necessidades dos alunos.

No decorrer das entrevistas, as respostas das professoras alfabetizadoras,


apontaram que os cursos citados, objetivavam introduzir elementos de superação
as limitações ou mesmo a título de inovar a prática educativa no que diz respeito
a inserção da tecnologia no contexto educativo.
Sobre políticas públicas, Teixeira e Silva (2021, p. 5) afirmam que “é pos-
sível compreender que políticas públicas são estratégias e procedimentos
que apresentam orientações do Estado, para regular as ações de interesse público”.
Nas palavras de Teixeira e Silva (2021, p. 4) sobre a temática políticas públicas:

361
Se tomarmos como referência temporal o Brasil redemocratizado,
podemos afirmar que as políticas públicas voltadas à alfabetização e
a formação de professores alfabetizadores começaram a ser criadas
em nosso país e ganharam força a partir da Constituição Federal de
1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) e
do Plano Nacional de Educação (2001-2010)

CATEGORIA 3: RECURSOS TECNOLÓGICOS LABORAIS

Essa categoria teve a finalidade de analisar se as entrevistadas reconhecem


a existência ou não de conectividade de boa qualidade na escola e a participação
de cursos de formação com foco no letramento digital.
Verificou-se, por meio da entrevista, que as docentes em investigação, inde-
pendentemente da idade cronológica ou tempo de docência, participaram recen-
temente de curso de formação em tecnologia digital oferecidos pela Secretaria
Municipal de Educação.
Evidenciou que não há internet e nem computadores disponíveis para todos
os alunos na escola. Como fator positivo os resultados da pesquisa mostram o
reconhecimento de que há disponibilidade de internet para os funcionários e a
apropriação do conceito de letramento digital.

CATEGORIA 4: NÍVEL DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS

As professoras e a equipe gestora entrevistadas afirmaram que participaram


recentemente de cursos com foco na utilização dos recursos tecnológicos.
Ao analisar as respostas tabuladas, verificou-se que 100% das entrevistadas
participaram nas formações Google Classroom e Aplicativos para baixar vídeos.
Participação de 90% na formação promovida pelo MEC, denominada “É tempo
de aprender”; e 70% delas na formação voltada para edição de fotos e vídeos.
Quando indagadas quanto a existência de computadores e internet de boa
qualidade para todos os alunos nas escolas em pesquisa, a resposta das entrevis-
tadas foi 100% negativa. Em consonância com a realidade vivenciada na escola
em pesquisa o Guia de Conectividade na Educação, valida as informações, veja:
O Censo da Educação Básica 2020, elaborado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revela
que parcela significativa do total das escolas públicas em atividade
no Brasildeclararam não ter acesso à internet, sendo que, mesmo
dentre as conectadas, a internet segue restrita ao uso administrativo
e não disponibilizada nas salas de aula, prejudicando o impacto direto
362
na aprendizagem (Grupo Interinstitucional de Conectividade Na
Educação 2021, p. 5)

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 4,3


milhões de estudantes brasileiros entraram na pandemia sem internet – os dados
são de 2019. Evidenciando por meio de pesquisa de campo realizada em 2022
no município de Colorado do Oeste – RO o qual aponta desigualdades de acesso
a recursos digitais:
Quando observados os recursos tecnológicos por região, fica evidente
a disparidade entre o Norte e o restante do País. Em todos os dez
quesitos analisados, a região apresentou percentuais abaixo de 50%.
Destaca-se que apenas 31,4% das escolas de ensino fundamental da
região Norte possuem acesso à internet banda larga. No Nordeste,
os percentuais de internet (66,6%) e de internet banda larga (54,7%)
também são menores que no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A região
Sul é a que apresenta maior percentual (48,8%) de computador portátil
para os Alunos (Brasil, 2020, p. 57)

Ao verificar o número de habitantes do município de Colorado do Oeste


– RO, de acordo com o IBGE 2021 é de aproximadamente 15.213 habitantes,
verificando-se que o município é de pequeno porte, confirmando dados da pesquisa
bibliográfica, que aponta ter diferença entre cidades maiores e em relação a menos
populosas, no que tange ao acesso digital e ou conectividade nas escolas públicas
brasileiras, sendo as menores menos contempladas com o acesso as tecnologias.
Quanto ao questionamento: Você tem dificuldade na utilização dos recursos
tecnológicos como ferramenta pedagógica? Das dez entrevistadas, cinco respon-
deram que não, as entrevistadas estão na faixa etária entre 25 e 55 anos de idade,
com tempo de experiência também divergentes entre si, sendo entre 01 e 31 anos
de docência.
Ao tomar conhecimento das respostas das docentes, a gestora ressaltou que
há parceria e reciprocidade entre as professoras alfabetizadoras, resultando em
compartilhamento de aprendizagens entre o grupo.
Presencio todos os dias uma parceria entre os docentes que estão
motivados a utilizarem os recursos tecnológicos, o que vejo como dife-
rença é que os mais experientes se utilizam de anotações em cadernos
e fichários, enquanto os professores mais jovens não necessitam de
anotações, sempre que eles têm dúvidas recorrem a tutoriais diretos
na rede. (Diretora, 2022)

Quanto as professoras que declararam: sim tenho dificuldades para usar a tec-
nologia, explicando que as colegas e gestoras são solidárias em ajudá-las. Desse modo,
363
registra-se que em maior ou menor grau, todas estão inseridas no contexto do uso da
tecnologia educacional. Destacam que o planejamento compartilhado ajuda muito
no labor diário e que carga horária destinada ao planejamento, formação continuada
e docência contribui favoravelmente na realização das tarefas pedagógicas.
Ao serem questionadas sobre a crença que os professores mais jovens têm mais
facilidade com o uso dos recursos tecnológicos, as entrevistadas foram cautelosas, afir-
maram que é justo o público jovem ter mais facilidade no manuseio das tecnologias,
porém o planejamento em relação a canalizar o uso de forma favorável ao ensino é
atribuído aos veteranos, logo, são unânimes em afirmar que é preciso ter humildade
para ensinar e ousadia para aprender e que a segregação é prejudicial.
Na entrevista com a equipe gestora, obteve-se a afirmação de que as boas
relações no interior da escola resultaram em fortalecimento das aprendizagens.
Durante a pesquisa, por meio de observações, foi analisado se há conflitos
de geração, quando se trata do uso de recursos digitais na escola, pois o foco era
verificar se a idade cronológica dos docentes é empecilho na efetivação de práticas
eficientes e eficazes no cotidiano escolar. Constatou-se que não há segregação e
que agem de forma colaborativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho propiciou compreender melhor a forma como o letramento


digital está sendo vivenciado pelas profissionais de uma escola da rede pública
municipal, em Colorado do Oeste – RO.
Durante a pandemia percebemos que a tecnologia é essencial para a apren-
dizagem, necessitando de um novo olhar na interação desses processos digitais e
uma nova maneira de transmitir conhecimentos.
A investigação sobre letramento digital no processo de alfabetização, por
meio de pesquisa de bibliográfica e de campo, evidencia parte do processo pelos
quais os professores alfabetizadores vivenciam o processo de letramento digital
em um contexto de globalização.
A preocupação com o uso e inclusão das tecnologias na educação vem
sendo notada há muito tempo, mas ainda existem desafios culturais e sociais
para serem superados, sendo a falta de acesso aos meios digitais, equipamentos e
internet insuficientes empecilhos para os docentes desenvolverem os conteúdos
e implantarem tais mudanças.
Ao analisar as respostas obtidas por meio da pesquisa, que resultou no
presente artigo e separando-as em categorias, evidenciou-se como pontos for-
tes da escola a relação experiência x preparo dos docentes que é vasta, sendo a
maioria estatutária e com significativa experiência em sala de aula, a maioria das
364
profissionais tiveram capacitação em tecnologias, através de cursos ofertados pelo
Estado de Rondônia. Além disso, verifica-se, que a entidade não disponibiliza aos
discentes dispositivos tecnológicos e acesso a internet, mas em contra partida por
meio de cursos e capacitação os docentes demonstram domínio e conhecimento
em relação ao uso das tecnologias em sala de aula.
Metade dos docentes apresentam dificuldades com as tecnologias, mas
mesmo assim fazem uso dela em sala de aula. Entre os elementos apresentados
pelas docentes, durante a pesquisa, temos como fator de sucesso a parceria e
reciprocidade entre as professoras alfabetizadoras, aliados a motivação da gestora
no desenvolvimento das ações pedagógicas que envolve letramento digital. Os
cursos de formação continuada na escola também favorecem o desenvolvimento
das habilidades no labor diário envolvendo tecnologia, uma vez que este processo
se tornou necessário em virtude das mudanças educacionais nos últimos anos.
Portanto, ao final da pesquisa, podemos inferir que o letramento digital e
o uso de tecnologias têm seus benefícios e vantagens, no entanto o acesso a tais
ferramentas, o conteúdo e os diversos recursos que proporcionam, ainda são tarefas
desafiadoras. Persiste a dificuldade em garantir que as tecnologias voltadas para
a aprendizagem na alfabetização estão sendo utilizadas em grande escala ou não.
Sugere-se a continuidade de pesquisas, sobre a temática do letramento digital
no processo de alfabetização, devido a sua relevância para mudanças positivas na
sociedade como um todo.
O acesso à educação é direitos de todos e são as políticas pública que devem
garantir o ensino, e neste caso apresentado no artigo, a introdução das tecnologias
na aprendizagem. Desses esforços, através do letramento digital, nascerá uma
educação de qualidade, trazendo inúmeros benefícios para a educação e sociedade.
É inevitável considerar na alfabetização o letramento digital nas escolas, pois
é fundamental preparar os estudantes para o futuro, desenvolvendo juntamente
com a tecnologia, habilidades necessárias para viver, trabalhar e prosperar.

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Nota: pesquisa desenvolvida junto ao Curso de Especialização em Educação Digital com ênfase na Ação
gestora para uma atuação inovadora, da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), como
exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Digital.
366
SOBRE O ORGANIZADOR

CLEBER BIANCHESSI
Doutorando em Educação e Novas Tecnologias (UNINTER). Mestre em Edu-
cação e Novas Tecnologias (UNINTER). Especialização em Mídias Integradas
na Educação (UFPR); Especialização em Gestão Pública (UFPR); Especializa-
ção em Desenvolvimento Gerencial (FAE Business School); Especialização em
Interdisciplinaridade na Educação Básica (IBPEX); Especialização em Saúde para
Professores do Ensino Fundamental e Médio (UFPR). Graduação em Admi-
nistração de Empresas (UNICESUMAR). Graduação em Filosofia (PUC-PR),
Sociologia (PUC-PR) e História (PUC-PR).
E-mail: cleberbian@yahoo.com.br

367
ÍNDICE REMISSIVO

A ensino superior 5, 8, 93, 94, 99, 102, 173, N


AFRO-BRASILEIROS 6, 8, 191 206, 239, 315, 332, 333 NORMATIVAS CURRICULARES 5,
ambiente virtual de aprendizagem 8, 25, ENSINO TÉCNICO INTEGRADO 8, 8, 101
26, 31, 208 201, 202, 206
antirracista 6, 8, 335, 340 era digital 8, 9, 11, 12, 14, 17, 24, 366 P
análise comparativa 8, 197, 219, 286 esperançar a Educação 6, 8, 345 Paulo Freire 6, 8, 196, 345, 346, 347, 348,
análise sensorial 8, 315, 316, 318, 323, 324 estigma social 5, 8, 143, 145, 149, 150, 151 350, 351, 352, 353, 354
aprendizagem infantil 6, 8, 183, 190 estilo de vida 6, 8, 153, 154, 155, 156, 158, Pedagogia da autonomia 24, 68, 190, 246,
159 345, 349, 352, 354
atlas digital 6, 8, 201, 202, 205, 206, 207
Pedagogia da Esperança 345, 347, 348, 352,
F 353, 354
B Pedagogia do Oprimido 196, 246, 345, 347,
ferramenta pedagógica 6, 8, 17, 26, 201,
Biogeografia 6, 8, 257, 258, 259, 260, 262, 205, 207, 363 348, 352, 353, 354
263, 264 PERFIL DE DOCENTES 6, 8, 355
formação de professores 6, 8, 15, 59, 124,
biomas 8, 261, 325, 329, 330, 331, 332 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 244, 245, POSSE DE TERRA 8, 219, 224
246, 333, 361, 362, 366 processos cognitivos 28
C formação pedagógica 5, 8, 93, 94, 99, 243 promoção da saúde 6, 8, 145, 153, 155, 156,
Cinema Novo 6, 8, 209, 211, 212, 213, 214, FRANÇA MODERNA 8, 83 157, 158, 159, 160, 272, 273
215, 218 propriedades físicas 8, 293, 294, 296
Covid-19 8, 18, 42, 46, 61, 62, 63, 64, 66, G prática docente 8, 115, 125, 126, 133, 235,
146, 160, 275, 276, 277, 278, 279, 281, 282, 237, 238, 239, 242, 244, 350, 357
283, 286, 287, 289, 292, 305, 309, 311, 312, gamificação 8, 37, 40, 41, 42, 43, 44, 333
313, 333, 347, 355, 357 GLOBALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO práticas integrativas e complementares 6, 8,
8, 47 150, 265, 271, 272, 273, 274
CREATION HEALTH 8, 153, 155, 158,
160 práticas pedagógicas 5, 8, 16, 21, 50, 61, 62,
63, 64, 65, 66, 67, 82, 124, 133, 188, 189,
I 305, 340, 342, 343, 358, 365
D interatividade 12, 17, 20, 21, 22, 24, 26, 36,
DESAFIOS NA ALFABETIZAÇÃO 6, 39, 151, 206
R
8, 355 isolamento social 6, 8, 146, 148, 275, 276,
277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 284, 355, RECUSO DIDÁTICO 8, 69
desigualdade de gênero 335, 336, 337, 338,
339 358 redes sociais 6, 8, 13, 37, 74, 148, 159, 173,
174, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 346
Diário de Bordo 5, 8, 25, 26, 27, 28, 30, 31,
35, 36, 177, 318, 322 J RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA 8, 245,
305
jogos didáticos 6, 8, 325, 327
resolução de problemas 5, 8, 20, 113, 114,
E JUIZ BOCA DA LEI 6, 8, 247 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124,
educação a distância 6, 8, 11, 24, 25, 27, 28, 127, 330
129, 235, 241, 245, 246, 333 K
Educação Básica 8, 68, 69, 70, 72, 74, 76, Kahoot 5, 8, 37, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 S
81, 82, 102, 104, 113, 118, 120, 161, 162,
163, 171, 181, 199, 201, 246, 263, 325, 342, salões literários 8, 83, 84, 85, 87, 88, 90, 91, 92
362, 366, 367 L saúde mental 5, 6, 8, 143, 144, 145, 146, 147,
educação física escolar 5, 8, 101, 104, 105, 148, 149, 150, 151, 157, 159, 160, 173, 174,
Laboratório Morfofuncional 5, 8, 125, 126, 180, 275, 276, 277, 278, 280, 281, 282, 283
106, 107, 108, 109, 112 127, 128, 130, 132, 133
educação infantil 8, 61, 62, 64, 67, 68, 104, SUS 6, 8, 148, 159, 265, 266, 269, 270, 271,
LEI 13.467 247 273, 281, 287, 354
163, 183, 187, 188, 189, 190, 263, 366
letramento digital 6, 8, 132, 164, 243, 355,
educação não sexista 6, 8, 335, 337 356, 357, 358, 362, 364, 365
educação psicomotora 6, 8, 183, 184, 186, T
letramento literário 191, 192, 199, 200, 305,
187, 188, 189 306, 307, 310, 313, 314 tarifação do dano moral 6, 8, 247, 253, 254
ensino de ecologia 6, 8, 325, 333 literatura indígena 6, 8, 161, 162, 166, 167, tekhne 20
ensino de filosofia 8, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 169, 170, 171, 172 TRAVESSIAS 8, 61
76, 79, 81, 82 logia 11, 20
ensino de geografia 6, 8, 201, 207, 208, léxico 219, 220, 221, 222, 223, 224, 226, 231, V
257, 263 232, 233, 234
visão histórico-cultural 5, 8, 101
ensino médico 5, 8, 37, 40, 41, 44, 100
Ensino Médio 8, 24, 55, 69, 70, 71, 73, 74, M
75, 76, 77, 78, 79, 81, 82, 104, 130, 133, 163,
193, 194, 201, 202, 206, 208, 260, 261, 263, memória coletiva 86, 90, 92, 139, 161
305, 330, 332 MEMÓRIAS LITERÁRIAS 8, 135

368
ISBN 978-65-5368-186-6

9 786553 681866 >

Este livro foi composto pela Editora Bagai.

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