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A FLORESTA NÃO DEIXA MAIS CAIR SUAS SEMENTES NA TERRA

NO RIO NÃO SE PESCA MAIS PEIXES

Silvio S. Barreto1

Ultimamente tenho participado muitos seminários em via online organizados de várias


universidades locais, nacionais e internacionais. As pessoas solicitam que eu fale de numa
perspectiva indígena diante da pandemia que estamos atravessando. A mim tem sido uma nova
experiência, ou melhor, abriu um novo perspectivismo pandêmica. A pandemia é uma doença
que afeta em todo planeta, desde a população do nascer do sol até pôr do sol, em lugares bem
distantes e desconhecidos. A pandemia não só nos afeta o nosso corpo, mas, também, o nosso
psicológico, outras sociedades que nos circundam em nosso redor.
A pandemia nos desestabiliza operatividade de nosso cotidiano para autossustento,
afetando, o modo de vida, o nosso modo de trabalho, sobretudo, envolvendo as relações com
gente da floresta, com outras sociedades vegetais, minerais, wa’î-masá/gente do rio, formigas,
insetos, manivas, etc., são pequenas sociedades pelo seu tamanho que cuidam e dispõem para
nosso lar. Essa covid-19 é um grande desafio para as estratégias indígenas. Diante deste cenário
de uma profunda tristeza, precisamos reconsiderar que a vida da gente é mais importante do
que papel e o poder de genocídio. Não tenho outras palavras folhadas de ouro. Cada vez mais
estamos sendo alimentado pela economia selvagem. As estratégias construídas não valem nada.
As estratégias são saberes da floresta que nos alimentam para perspectivismo de nossos
autossustentos para existir e para reexistir.
Essa pandemia até afeta a ciência da floresta, a biologia, vegetais, animais e gente da
floresta, wa’î-masá/gente do rio, a química da floresta que está sendo contaminada pela
monocultura de ódio. Na língua tukano se chama ou se diz: masá niîkarã niîwã/eles eram gentes
ou pessoas semelhantes quantos seres humanos. Porque tiveram uma mãe humana para seu
nascimento. Não se questiona o conceito usado pela categoria de especialistas: kumû/pajé,
bayá/mestre de ritual e basegí/semelhante kumû. Não pense que, acima elencados não tenha
ódio de nós. Tudo isso são sintomas de revidas, transtornos e sentimentos desequilibrados,
stress, cansaços, ditas como mudanças climáticas que nos fumegam na paisagem sociais.
Enquanto, a natureza, a floresta, os rios, montanhas, lagos e gente de todos tipos da
sociedade sentem ameaçados, encurralado no beco sem saída. Isso não é mais uma pandemia,
covid-19. Podemos entender que, o covid-19 é uma metáfora, uma cortina de morte. Outras
vezes tenho usado o termo pandemia crônico. Porque, nós indígenas sempre tivemos essa
pandemia folhada de ouro, em nossas terras, em nossos rios e nas nossas florestas, em nossas
aldeias e as comunidades de origens.
Os autossustentos estão ligados ao ecossistema, a bioma, flora e fauna, formigas, insetos
e manivas, gente da floresta, wa’î-masá/gente do mundo aquático, multiespécies vegetais,
multiespécies comestíveis da roça, yukí-diká/frutas da floresta, etc. tudo isso são “meios” que
nos sustentam para dá condições básicas para viver. Todas as sociedades existentes destes
patamares, destas casas e destes lugares se sentem ameaçados por essa pandemia da covid-19.
No Brasil temos 607 mil vidas ceifadas pelo por essa pandemia. Em nome do cosmo-
econômico, somos amante do dinheiro, bravamente insípidos. Acima de tudo e de todos, acima
da vida das pessoas para enterrar os corpos dos entes queridos.
Precisamos reconsiderar o modo da vida reorganizando com essa nova perspectiva
existencial para ter ótimo sentimental. A princípio somos sobreviventes, pessoas vivas
profundamente mortas por dentro e com uma sensação de uma profunda tristeza. Isso não é
pessimismo sentimental, o que estamos passando. Quando ouço os trovejos e vejo relampejos
em direção a Brasília, a vida, os saberes, as invenções culturais de meu parente estão sendo
plantada no ventre da terra. Tudo isso são sinônimos do valor e o poder operante de uma cultura
de ódio. O que prevalece é o mecanismo do poder de opressor e cruel para crescimento
econômico, uma econômica selvagem.
Viés turbinado vem por uma ideologia religiosa que mata, que contamina, que polui,
desmata e que queima nossas florestas e as nossas casas, que rega o nosso sangue na terra. O
Papa Francisco usa o termo “Casa Comum”, os povos indígenas do alto rio Negro afirmam que
é basá-wi’i/Casa de ritual. Uma sociedade doméstica, uma sociedade patrilinear e hierárquica.
De fora para dentro para funcionamento de toda estrutura social. Com muito medo utilizo na
língua tukano uma expressão “masá wi’i/Casa de gente. Se és uma casa, todos nós somos
responsáveis. A ciência da floresta é para o bem-estar de todas pessoas que ali vivem nela.
Esta casa é uma moradia de umas pessoas educadas, responsáveis para manutenções e
das reformas, quando for necessário. Se deixarmos, Casa de gente, um matagal, deteriorando
as palhas de caranás e palhas brancas, somos insensíveis com a floresta. Enquanto, isso, a
floresta é sensível. Por essa falta de responsabilidade sentimos “calor insuportável”, chuva
soterrando nossas casas. Então, para o povo do noroeste amazônico, kumû/pajé, usa seu
xamanismo para proteção dos males do sol e do vento.
Batí/peneira é feita com as tiras de arumãs, com sua força emana colocando sob em
nossas cabeças para proteção do sol e da chuva, porém, a camada de ozônio, o nosso batí está
muito deteriorado. Neste sentido, nem floresta, nem rios e nenhuns dos lugares não servem para
nada. Agora, o espirito da floresta chora em lágrimas de sangue. Todas essas casas de gente da
floresta, dos rios pelo seu tamanho estão sendo demolidas. O lugar que era seguro se torna brado
retumbante para os dias melhores. O lugar de se sentir bem com seus familiares, com seus
parentes e com seus vizinhos, o ambiente se torna de tristeza.
Todas camadas, todos patamares e lugares são casas de gente da floresta. Estas casas
são espaços de convívios de gentes, gentes da floresta e, outros patamares. A volta ontológica
é uma construção contínua entre sociedade. Isso, a partir de um fluxo de pensamento, outra diz
que é uma linha pensamento para conexão de sua subjetividade. Nessas casas da floresta somos
moradores assíduos. No mundo moderno de correria ninguém tem tempo para sentar no banco
de cosmo-filosófico. Uma comunicação cósmica por meio elemento da natureza. Essa
comunicação transcende para cuidar dessas casas de uma sociedade de outros povos, outros
tipos de gentes. Essas gentes são pessoas no seu contexto que ali sempre estiveram presentes
como a gentes.
A floresta não deixa mais cair suas sementes na terra para florir. Desde gestação das
arvores, para o florescimento, os incêndios florestais deixam as sementes secas. Na floresta não
se planta mais árvores nem se colhem mais seus frutos, as multiespécies vegetais, multiespécies
comestíveis da roça, multiespécies da floresta, ao invés de reflorestarmos nossas próprias terras,
nossos próprios territórios cultivamos ódio, queimada, desmatamento e a exploração de minero
ilegal. Essas ações destruidoras desfiguram as nossas paisagens exuberantes. A floresta assim
aborta sua ciência vegetal para a humanidade.
N’águas dos rios não se banha mais nem se pega mais água boa para beber, quando se
banha é uma água misturada de barros e do mercúrio. No rio não se pesca mais peixe, no rio
não se pega mais água, nossas panelas carregam várias doenças e males sociais. A água da
chuva, água dos rios, dos igarapés, dos lagos e das nascentes dos rios são fontes de doenças
para saúde das pessoas.
O amanhecer é o nosso perspectivismo, o gorjear dos pássaros impulsa e renova nossas
energias, outras vezes, as estratégias reestabelecem, as cicatrizes desaparecem, feridas são
curadas e as pessoas reinventam os autocuidados da saúde. Nossas estratégias são veias
injetadas na terra para vida da humanidade. Ontem quase que morri de covid-19. Mas, para
cada brasileiro, para cada brasileira, todo dia é uma morte dessa pandemia estruturada. Temos
que imunizar sempre juntos e misturados. As sociedades de gente, gente da floresta, dos rios,
dos céus e das estrelas quebramos as indiferenças, as prepotências, o estranhes e quebramos os
cipós que nos amarram em nosso corpo e unamos nossas forças e façamos nosso
wayuri/trabalho coletivo, pusirõ/mutirão de trabalho em prol da saúde da humanidade, da
floresta, dos rios, gente da floresta, das formigas, das manivaras, dos insetos e dos micuins, etc.

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Silvio Sanches Barreto, Silvio Bará. Licenciado em filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco/Manaus/com
especialização em Gestão Escolar pela Faculdade Educacional da Lapa/Paraná. É mestre e doutorando em
Antropologia Social (PPGAS/UFAM). Pesquisador membro do Núcleo de Estudos da Amazonia Indígenas/NEAI
e Membro do Colegiado do PPGAS/UFAM. Possui interesse de pesquisa sobre a origem das doenças e males
sociais tukano. Colaborador do Projeto Pandemia na Amazonia e Bolsista da CAPES. O texto escrito no dia 28 de
outubro de 2021.

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