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Psico-USF, Bragança Paulista, v. 18, n. 2, p.

333-336, maio/agosto 2013 333

Personalidade patológica

Mayra Silva de Souza – Universidade Federal Fluminense, Niteroi/RJ, Brasil

Caixeta, M., Chaves, M. & Caixeta, L. (2013). Personalidade patológica. São Paulo: Memnon.

Como o próprio nome sugere, o livro depressivos e obsessivos ficando ansiosos). Nesse
Personalidade Patológica aborda várias temáticas que caso, o problema não é a personalidade, ela apenas
envolvem os transtornos de personalidade, com contribuiu para o desenvolvimento da entidade
posicionamento crítico-reflexivo, ilustrando os medida. Ressalta-se a atenção dos profissionais de
temas abordados com casos clínicos. O livro tem 23 saúde mental para os marcadores anatômicos,
capítulos, divididos em 5 grandes partes, quais eletrofisiológicos e neuroquímicos, com o cuidado
sejam: 1) Distúrbios de personalidade: conceito, de não confundir problemas médicos e morais,
diagnóstico e crítica; 2) Os distúrbios impulsivo- trazendo consequências deletérias tanto para o
condutopáticos da personalidade; 3) As sistema médico, como para o judiciário.
personalidades depressivo-ansiosas, 4) Os Ainda são abordados temas como a confusão
transtornos “psicóticos” da personalidade; e 5) A entre doença e caráter, nessa mesma linha de
personalidade em outras condições patológicas. raciocínio, que problemas de ordem moral estariam
Para introduzir os problemas conceituais dos ligados ao caráter; os problemas diagnósticos dos
distúrbios de personalidade, os autores partem de distúrbios de personalidade apresentando a
uma definição de Jaspers, concedendo a esses abordagem dimensional e a abordagem estrutural-
distúrbios um caráter fixo e não fásico, com os categorial, os critérios prototípicos e ideais (aqueles
sintomas fazendo parte do indivíduo. A capazes de captar todos os sinais e sintomas
personalidade é definida como sendo a concepção nucleares de um dado distúrbio) e os critérios
que temos resultante da observação do politéticos (aqueles em cuja soma de determinados
comportamento de um indivíduo, envolvendo seu critérios, quando atingida, obtêm-se o diagnóstico).
desempenho afetivo, volitivo, cognitivo, etc. Assim São apresentados também aspectos críticos dos
justifica-se porque muitos autores criticam a divisão conceitos psicanalíticos aplicados aos distúrbios de
do DSM-IV em eixo I (distúrbios mentais) e II personalidade, tanto do ponto de vista conceitual
(desordem de personalidade e do desenvolvimento), (restrição aos contingentes relacionais, conflito
pois dessa forma, todas as doenças mentais entre as instâncias psíquicas, dentre outros) quanto
promovem alterações na personalidade. da prática (pelo fato de os conceitos não serem
Discute-se também o que diferencia os validados empiricamente e pela incerteza de que o
distúrbios de personalidade em relação aos outros trabalho psicanalítico possa modificar instâncias
transtornos mentais e sugere-se a inclusão de um estruturais da personalidade, como o
critério, dentre muitos discutidos e considerados temperamento). Essas críticas são ilustradas com
insuficientes, como uma delimitação crítica da um caso clínico. Finalizando a parte 1 do livro,
concepção de Schneider, na qual o indivíduo com apresenta-se um capítulo sobre temperamento,
transtorno de personalidade é aquele que faz sofrer caráter e distúrbios de personalidade trazendo
a si e à sociedade. Esse critério seria de que quem contribuições dos trabalhos de Cloninger e sua
tem um distúrbio de personalidade tem um padrão equipe do Centro de Estudos da Personalidade do
permanente de comportamento autolesivo. Mais Departamento de Psiquiatria da Universidade de
adiante esse critério também é questionado e Saint Louis, que buscam correlacionar
considerado inadequado, e uma das falhas temperamento, caráter e personalidade.
apontadas é que esse padrão de comportamento é A partir da segunda parte do livro, as temáticas
considerado uma disfuncionalidade social, não vão ficando mais específicas e as discussões e
conseguindo caracterizar um padrão permanente do reflexões sobre a delimitação teórica dos
comportamento autolesivo. transtornos de personalidade, são abordadas pela
Um ponto crítico apontado pelos autores é particularidade de cada transtorno. Dessa forma, a
que os traços de personalidade (indivíduos parte 2 fala do distúrbio de personalidade antissocial
narcisistas, passivo-agressivos, paranoides) e distúrbio de personalidade sádica, enfocando
frequentemente predispõem ao desenvolvimento de problemas conceituais, a personalidade sádica, um
desordens psiquiátricas (narcisistas tornando-se caso clínico real pautado num laudo psiquiátrico
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para fins penais, seguido de um estudo O próximo capítulo trabalha questões


psicopatológico do caso, trazendo à luz discussões relacionadas ao distúrbio de personalidade
teóricas separando-se subtópicos por obsessivo-compulsivo, trazendo brevemente os
distúrbios/sintomas envolvidos no caso, a saber, critérios do DSM-IV, e discutindo o distúrbio
distúrbio de personalidade antissocial, paranoia e baseado numa perspectiva sociobiológico-evolutiva,
depressão. partindo do pressuposto que essa pode ser apenas
Ainda são abordados os distúrbios de uma forma extrema de variação do comportamento
personalidade borderline, com apresentação de um humano, já que vários autores postulam uma
caso clínico e a personalidade narcisista, abordagem dimensional aos distúrbios de
classificando brevemente subtipos clínico- personalidade; há ilustração de dois casos clínicos.
psicopatológicos de narcisismo como reativo, Em seguida é exposta uma discussão sobre a
variante psicopática menor, realista, induzido e possível transição entre o distúrbio de
defensivo. Em seguida, os autores debatem os personalidade obsessiva (DPOC) e o distúrbio
distúrbios de personalidade histriônica (histérica), obsessivo-compulsivo (DOC), na qual se fala o
cujo capítulo apresenta seu conceito e patogenia, estudo de um caso prototípico com uma amostra de
um caso clínico e a sedução (entendida como um 8 sujeitos de transição entre DPOC e DOC, mas
componente psicológico importante da apenas 1 caso desses 8 é apresentado, por ser
personalidade histriônica, mas depois essa sedução é considerado representativo. Entram em pauta
apresentada associada ao distúrbio narcisista, ao alguns subtópicos, como o distúrbio de
distúrbio histriônico e ao distúrbio limítrofe). No personalidade obsessiva e alguns transtornos
subtópico distúrbios somatoformes e personalidade sexuais, homossexualismo e personalidade
histriônica apresenta-se um caso clínico obsessiva, associação entre distúrbio erétil e
justificando-se a associação do transtorno de distúrbio de personalidade compulsiva, com relato
personalidade histriônica com sintomas somáticos. de 2 casos prototípicos. Questiona-se se a adição
Um próximo capítulo aborda a psicopatologia sexual pode ser considerada da psicologia ou da
comparada dos distúrbios de personalidade do tipo psicopatologia, corroborando com a discussão
borderline, histriônica, antissocial, narcisista e enfatizada em todo o livro sobre o conceito de
anancástica. O seguinte trata das relações distúrbios de personalidade (doença ou caráter?),
psicopatológicas entre os distúrbios de enriquecendo a temática com um caso clínico.
personalidade impulsivos, com subtópicos Os chamados transtornos “psicóticos” da
abordando distúrbio de personalidade borderline e a personalidade, pelos autores, são citados na parte 4,
personalidade dependente (incluindo o distúrbio de maneira que primeiramente é apresentada a
borderline e a perturbação de dependência da personalidade esquizoide, com ilustração de caso
personalidade), seguido da apresentação de um caso clínico, e depois o distúrbio de personalidade
clínico, discutido depois em termos de esquizotípica. Seguindo, vêm os distúrbios de
psicopatologia, discussão clínico-nosográfica e nota personalidade paranoide, com relato de 7 casos e
terapêutica. Após, os autores apresentam uma alguns comentários sobre estes. Um tópico
intercorrelação entre os distúrbios de personalidade discutido nesse capítulo é a dificuldade diagnóstica
borderline, antissocial, narcísica e histriônica e entre transtorno delirante e transtorno de
problemas nas interações precoces. personalidade, com apresentação de caso clínico. O
A parte 3 traz os critérios e conceituações das último capítulo dessa parte fala da personalidade
personalidades depressivo-ansiosas, começando fanática, com apresentação de caso clínico.
pela masoquista (autofrustrante), dividindo-a em A última parte do livro aborda a personalidade
tipos (narcísico, dependente, paranoide, sexual, em outras condições patológicas, começando pela
altruístico, autoagressivo e factício). Logo se fala da personalidade nos transtornos alimentares,
personalidade depressiva, partindo-se de incluindo a anorexia nervosa tipo restritivo,
concepções históricas como as de Hipócrates e anorexia nervosa tipo bulímico, bulimia nervosa, o
Kraepelin, e depois de aspectos conceituais, e um comer compulsivo e o comer em excesso. São
subtópico sobre terapêutica é apresentado. A apresentados alguns estudos de caso e, depois,
personalidade negativista (passivo-agressiva) é a estudos empíricos na relação pais-filhos nos
seguinte e depois o distúrbio de personalidade distúrbios alimentares e estudo empírico da
ansiosa é discutido, com ilustração de 2 casos personalidade dos pais, que são relatos de pesquisas
clínicos. realizadas com as famílias das pessoas com esses
distúrbios. Outro capítulo fala da cleptomania,
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 18, n. 2, p. 333-336, maio/agosto 2013
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trazendo estudo de caso clínico e considerações distúrbio de personalidade evitativo, dependente,


patogênicas relacionadas à personalidade. Outras esquizoide (com caso clínico apresentado),
condições apresentadas são as personalidades esquizotípico, paranoide, obsessiva (anacástica,
associadas à dependência nicotínica (tabagismo), compulsiva), passivo-agressivo, sádica (com caso
com apresentação de suas formas clínicas. O clínico), masoquista e do tipo fanático. Segue-se
próximo tópico discutido é a hipocondria e suas com a apresentação de um caso clínico ilustrativo
relações com a personalidade, no qual se fala do do diagnóstico dos transtornos de personalidade, na
estado psicopatológico na hipocondria, as suas qual são expostas diversas hipóteses diagnósticas, e
configurações clínicas, o comportamento, a uma abordagem crítica das explicações para os
fenomenologia dos estados hipocondríacos, a transtornos de personalidade, adotando as
hipocondria ligada à esquizofrenia, a hipocondria abordagens: psicanalítica, teorias genético-
propriamente dita, apresentação de um caso clínico constitucionais, teorias da patologia mental e as
escoltado por debates sobre a psicopatologia e de teorias cognitivo-comportamentais como alvos de
discussões nosográfica, psicopatológica, patogênica questionamentos.
e terapêutica. O livro é em essência muito interessante,
Outro capítulo é destinado ao tratamento trazendo reflexões baseadas tanto nas concepções
farmacológico dos distúrbios de personalidade, teóricas, quanto nas práticas. As ilustrações com
seguido do capítulo final sobre personalidades casos clínicos aproximam o leitor do assunto e do
anormais na prática da psicologia médica. Nesse entendimento às críticas feitas às concepções
último é abordado o distúrbio de personalidade teóricas. O número grande de capítulos e
antissocial, com apresentação de um caso clínico; a subtópicos ajuda na dinamização da leitura, de
psicopatologia da psicopatia, o distúrbio de forma que ela não se torna cansativa. Para os
personalidade borderline com um caso clínico interessados em personalidade, em transtornos da
ilustrativo, o distúrbio de personalidade histriônica, personalidade e até mesmo em transtornos mentais
distúrbio de personalidade narcísica com caso no geral, o livro traz discussões interessantes. Vale a
clínico, a psicogenética do narcisismo, pena conferir!
personalidade imaginativa, abúlica e astênica,

Sobre a autora:

Mayra Silva de Souza é psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco e professora
adjunta da Universidade Federal Fluminense.

Contato com a autora:

E-mail: mayrass@id.uff.br
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 18, n. 2, p. 333-336, maio/agosto 2013

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