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FORMAÇÃO DOCENTE
Ana Altina Cambuí Pereirai
Edileide Maria Antonino da Silvaii
Sara Menezes Reisiii
RESUMO:
RESUMEN:
Por meio dos muitos diálogos surgidos durante o componente curricular Bases
Filosóficas da Contemporaneidade, oferecido pelo Mestrado em Educação e
Contemporaneidade, por meio Programa de Pós- Graduação em Educação e
Contemporaneidade (PPGEduc), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)], as
pesquisadoras articularam-se em suas temáticas e objetos específicos para um eixo comum: a
escuta como um ponto de partida para conhecer e valorizar as trajetórias de vida-formação de
professores.
Percebe-se que é preciso escutar, pois o educador que escuta é capaz de transformar o
meio em que está inserido e, assim, contribuir de forma eficiente e eficaz no processo de
construção crítica do conhecimento entre os seus educandos.
Consideramos importante salientar que a diferença entre ouvir e escutar é sutil, mas
de intensa relevância. Escutar o outro está para além da compreensão da palavra dita, o que
caracteriza a escuta psicanalítica que aqui trazemos como instrumento relevante para o
processo educacional. Defendemos aqui a necessidade de se ampliar a escuta aos profissionais
de educação, considerando que para a promoção do bem-estar na escola é de fundamental
importância que se possa escutar os atores que compõem a cena escolar, espaço em que se
constata um reflexo da crise de autoridade que se percebe na pós-modernidade. De certa
forma, esta pesquisa propõe um novo estilov de escuta para a educação, uma vez que traz
como fundante o enlaçamento destes três tipos acolhimento à escola: a escuta sensível, a
escuta psicanalítica e a escuta autônoma, tentando de alguma forma (re)inventar um novo elo
para este desenho: a escuta pedagógica.
Será por meio de uma escuta minuciosa e pela acolhida da demanda “através de um
olhar que possa contemplar e alcançar a singularidade das existências”vi que pretendemos
alcançar o docente em sua subjetividade; nesta perspectiva, o ato de escutar conceberá a
subjetividade de cada um na relação com o outro e ainda com Outros, enfatizando os
componentes internos e intrapsíquicos.
Lacan faz um retorno ao sentido de Freud, parte do Édipo para a Função Paterna. Seus
conceitos fundantes se deram no sentido da investigação da relação do sujeito com o seu
sintoma. Ele também utilizou a escuta para acessar os significantes do sujeito (S) (que ele
nomeou Falasservii). Sua visão estruturalista permite interpelar que, enquanto o sujeito fala,
ele é Sujeito e, se há alguém que fala há necessidade de alguém que escute, pois a fala de um
sujeito é sempre direcionada a alguém que o remete, partindo de uma dinâmica inconsciente à
relação primeva vivida com as figuras parentais.
O Sujeito é, antes de tudo, desejante, marcado pela falta, pela incompletude. Segundo
Ornellasviii, é essa identificação com o outro ser faltante que constitui o sujeito, cada um no
seu estilo, que é dito pela mesma autora como “marca singular de um sujeito,[...] é seu
manejo em falar, escrever, escutar, etc; é o seu jeito de enfrentar sua falta-a-ser (o sujeito que
demanda serix)”. A escuta vem, neste contexto, mostrar-se instrumento de junção das duas
faces que encaminham e direcionam a construção subjetiva do sujeito: a educação e a
psicanálise.
As falas dos professores desvelarão as histórias e leituras dos próprios mundos, como
também as de outros tantos, favorecendo a compreensão do processo construtivo do ser
sujeito/professor, ao vivenciar histórias cotidianas, sejam das suas trajetórias pessoais ou
resultantes da profissão. A partir dessas garantias aos tempos/espaços da escuta de
professores, é possível a descrição de passagens repletas de significados e sentidos das nossas
vidas, dores e sabores da docência que, de uma ou outra forma, descrevem um pouco do que
somos, enquanto pessoas e profissionais.
[...] Nadar contra a corrente significa correr riscos e assumir riscos. Significa,
também, esperar constantemente por uma punição. Sempre digo que os que
nadam contra a corrente são os primeiros a ser punidos pela corrente e não
podem esperar ganhar de presente fins de semana em praias tropicais.
(FREIRE; SHOR, 1986, p.29).
Por essa via de pensamento, cabe-nos dizer que hoje mais do que nunca, é de extrema
necessidade uma transformação na forma de escutar os docentes, já que vivemos numa era de
supercomplexidade, extremamente efêmera e líquida (BAUMAN, 2009).
A segunda forma de escutar será a escuta psicanalítica, que vai além da palavra dita
e da palavra não dita e que se estende pelo olhar ao sujeito completo, consciente e
inconsciente. Uma escuta de palavras e gestos que abrem acesso à significação. A grande
proposta é acessar esse sujeito pessoal que se enlaça ao profissional e tem suas angústias
misturadas e potencializadas, numa tentativa de revelar se é a ambiência da escola e o
exercício docente que leva o mal-estar ao sujeito ou se é o mal-estar que se instala na
contemporaneidade que adentra o espaço escolar. Torna-se relevante levar a escuta
psicanalítica para o espaço de labor do docente para que se possa desvelar a origem desse
sintoma, um possível canal de comunicação. Ornellas (2008) nos diz que:
No texto citado, a autora faz alusão à escuta não só ao professor, mas ao aluno e à
escola, de forma mais ampliada, como um processo fundante de onde pode emergir a criação.
“Ao escutar os ditos e os não-ditos, produz-se, amplia-se e repete-se o afeto prazeroso e
desprazeroso e, nesse processo de repetição, pode emergir a criação”, é o que afirma a
Lourdes Ornellas.
Para Goodson (2007, p. 69), “o ingrediente principal que vem faltando é a voz do
professor. [...]. Necessita-se agora de escutar acima de tudo a pessoa a quem se destina o
‘desenvolvimento’.” Como aspectos que se entrelaçam na dinamicidade de uma bricolagem
pedagógica, por seres individuais e coletivos ao mesmo tempo, a escuta sensível e a validação
do Ser Professor são premissas fundamentais para uma formação coerente, criativa,
competente e com possibilidades de esperanças num mundo cada vez melhor. Por fim,
“ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso
estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas”. (FREIRE, 2011, p.75).
Assim sendo, somente uma formação voltada para a emancipação e para a escuta
pode contribuir para que os sujeitos desenvolvam a capacidade de compreender, interpretar e
agir sobre/com o mundo e a realidade na qual estão inseridos. É necessário conceber um lugar
que propicie uma reflexão para além da constatação dos limites enfrentados no cotidiano. Um
momento que valorize suas histórias de vida e os valorize, enquanto profissionais e sujeitos
que são.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo:
Mestre Jou, 1982.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.Tradução: Plínio Dentzien. São Paulo: Editora
Zahar, 2001.
DUTRA, Elza. Considerations on the meanings of clinical psychology in our times. Estud.
psicol. (Natal)., Natal, v. 9, n. 2, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
294X2004000200021&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 18 maio 2007.
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986. Tradução de Adriana Lopez.
FREUD. S. Além do princípio do prazer. In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de
janeiro: Imago, 1996.
_________. Esboço de psicanálise. In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro:
Imago, 1996.
_________. O futuro de uma ilusão. In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro:
Imago, 1996.
GOODSON. Ivor F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional. IN.: NÓVOA, Antônio. (Org). Vidas de professores. Porto,
Portugal: Porto Editora, 2007. p. 63 – 78.
______. Seminário 20 - Mais Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
MARQUES, Mario Osório. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. 5ª ed. Ijuí, Ed.
Inijuí: 2006.
ORNELLAS, M.L.S. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2009.
______. Estilo: marca que obtura a falta do outro. Texto apresentado no II Colóquio
Estadual de Educação, UNEB. CD ROM.
iv
Alusão ao livro de Mário Osório Marques: Escrever é preciso: O princípio da pesquisa. 5ª ed. Ijuí, Ed. Inijuí:
2006.
v
Estrutura pautada pela verdade do desejo.
vi
DUTRA, E.(2004). Considerations on the meanings of clinical psychology in our times. Via web
Em seus seminários finais Lacan irá contrapor o conceito de Falasser ao conceito de sujeito. Esse sujeito Falasser
ao qual ele se refere encontra-se vinculado a uma vertente mais linguageira, fundamentada nos significantes
vinculados aos sentidos e às significações, com um direcionamento maior para o simbólico.
vi
Ornellas, M.L.S. (2009). Estilo: marca que obtura a falta do outro. Texto apresentado no II Colóquio Estadual
de Educação, UNEB.
vii
Em seus seminários finais Lacan irá contrapor o conceito de Falasser ao conceito de sujeito. Esse sujeito
Falasser ao qual ele se refere encontra-se vinculado a uma vertente mais linguageira, fundamentada nos
significantes vinculados aos sentidos e às significações, com um direcionamento maior para o simbólico.
vii
Ornellas, M.L.S. (2009). Estilo: marca que obtura a falta do outro. Texto apresentado no II Colóquio Estadual
de Educação, UNEB.
viii
Em seus seminários finais Lacan irá contrapor o conceito de Falasser ao conceito de sujeito. Esse sujeito
Falasser ao qual ele se refere encontra-se vinculado a uma vertente mais linguageira, fundamentada nos
significantes vinculados aos sentidos e às significações, com um direcionamento maior para o simbólico.
viii
Ornellas, M.L.S. (2009). Estilo: marca que obtura a falta do outro. Texto apresentado no II Colóquio
Estadual de Educação, UNEB.
ix
Nota da autora.
x
Texto apresentado por Ornellas na 31º Reunião anula da ANPED, intitulado Afetos: nos fios dos bastidores da
sala de aula.