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INTRODUÇÃO
Este texto visa cumprir dois objetivos. O primeiro é produzir um trabalho para finalizar
a disciplina obrigatória do segundo semestre de 2023: Da língua ao discurso: teorias e práticas
analíticas realizada no PPGLetras PUC Minas. E para cumprir o primeiro objetivo,
apresentamos o segundo: estabelecer um paralelo entre os conceitos de enunciado e enunciação
para Benveniste e para Volóchinov. Autores de escolas de estudos do campo da linguística que
fundamentam seus trabalhos com princípios diferentes quanto a teoria e ao método de pesquisa.
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Mais adiante veremos a crítica que Valentin Volóchinov faz ao termo individual.
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ou seja, compreender quais são as marcas desse locutor para entendê-lo pelo estudo e análise
da linguagem.
Visto isso, as abordagens de investigação da enunciação pelo autor se dão por três vias.
A saber: 1) como realização vocal da língua, 2) como semântica e 3) como a definição do quadro
formal da enunciação. Dado o objetivo da disciplina cursada, e também a partir de uma
observação do autor no texto, não nos ateremos a primeira abordagem pois se trata de um outro
campo de estudos.
Sendo assim, a respeito da segunda abordagem de investigação da enunciação
Benveniste afirma que “É a semantização da língua que está no centro deste aspecto da
enunciação, e ela conduz à teoria do signo e da análise da significância.” (BENVENISTE, 1989,
p. 83). O que indicou, a época, um caminho a ser percorrido pelos estudos de semiologia e
semiótica que se destinarão a compreender não o signo, mas a semântica imbuída ao signo,
ideia que vai ao encontro das proposições saussurianas a respeito de signo e significação
(FARACO, FLORES e GOMES, 2021). E, também por afinidade de campo de estudos, da
Análise do Discurso que, além das marcas, observa e analisa os modos e meios de produção do
discurso.
Mas é na terceira abordagem que chegamos ao esboço do quadro formal da enunciação.
E a qual queremos nos ater para poder traçar um paralelo com a mesma ideia sendo
desenvolvida por Volóchinov (2017).
No desenho do quadro formal da enunciação, Benveniste (1989, p. 83) indica que “Na
enunciação consideraremos, sucessivamente, o próprio ato, as situações em que ele se realiza,
os instrumentos de sua realização”. Ou seja, no quadro da enunciação são considerados para o
desenvolvimento do método de pesquisa: o próprio ato, as condições sócio-discursivas nas
quais é realizada e quais são os operadores textuais envolvidos. Para Flores (2013, p.166) os
linguistas devem proceder assim: “[...] partir do ato, examinar a situação em que se dá esse ato
e, finalmente, descrever os recursos linguísticos (os instrumentos) que tornaram possível o ato”.
Assim percebemos que o contorno metodológico benvenistiano parte do princípio de que o ato
da enunciação é um fenômeno individual e, portanto, pode ser estudado como um ato isolado
de um indivíduo desde que sejam consideradas as condições sócio-discursivas de
realização. Neste ponto sempre nos levanta a dúvida se Benveniste se referiu às condições
exclusivas da integridade psicofisiológica do sujeito ou da história desse sujeito individual no
tecido social haja vista a presença notável do componente individual em seus escritos.
Para Benveniste (1989, p.83) o ato de usar a língua individualmente “[...] introduz em
primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação”. Logo, é
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pelo locutor que emana, de acordo com o autor, a instância do discurso que é a “[...] forma
sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra enunciação de retorno.” (BENVENISTE,
1989, p. 84) já que “Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução, ela postula
um alocutário.” (BENVENISTE, 1989, p. 84). Isso posto podemos inferir que se trata de um
processo no qual o outro esteja implicado e seja, por consequência, um processo dialógico.
Se o outro está presente no discurso, logo, há uma referência a si mesmo co-referida do
próprio locutor. E por isso “A referência é parte integrante da enunciação.” (BENVENISTE,
1989, p. 84). Este outro presente não é mencionado como um outro do tecido social ou um outro
ideológico. Percebe-se que a esfera de que trata Benveniste é social sem se aprofundar nos
encadeamentos conflituosos e políticos. É um outro sujeito que possui condições tão individuais
quanto o seu princípio norteador do ato da enunciação tido como ato individual. Nessas
condições “O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. Este
é um dado constitutivo da enunciação.” (BENVENISTE, 1989, p. 84).
A partir disso temos a noção de um sujeito que se inscreve no papel, ou seja, uma
instância na qual está projetada, como uma representação cartográfica de algo real em um papel,
o locutor (CALAME, 1986, p.10). E Benveniste chama essa classe de projeções de “indivíduos
linguísticos”.
Os indivíduos linguísticos são esses loci textuais que “[...] são engendrados de novo
cada vez que uma enunciação é proferida, e cada vez eles designam algo novo.”
(BENVENISTE, 1989, p. 85) já que a enunciação por mais que se repita, dada a sua constituição
única e individual, não será a mesma.
A partir dos indivíduos linguísticos, que são os elementos dêiticos, depreende-se da
enunciação, também, a noção de tempo verbal. Sendo que o tempo do presente é coincidente
com o tempo do momento da enunciação (BENVENISTE, 1989, p. 85.). Desse modo, marcado
o tempo presente como uma referência interna da enunciação, demarca-se o que está antes e o
que está depois. E assim são configurados os tempos do passado e do futuro. E estes delimitam
os elementos espaço-temporais da enunciação e do enunciado.
Para Benveniste (1989, p.90) “Cada enunciação é um ato que serve de propósito direto
de unir o ouvinte ao locutor por algum laço de sentimento, social ou de outro tipo. Uma vez
mais, a linguagem, nesta função, manifesta-se-nos, não como um instrumento de reflexão mas
como um modo de ação”. Sendo assim, podemos entender que a enunciação configura uma
ação que visa a transformação de estados. Sejam os estados verbais, sejam os estados sociais.
Se um sujeito age pela palavra, seja a palavra falada ou escrita, então há uma busca pela
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Sei que não tem a ver diretamente com o assunto estudado, mas tal afirmação sempre me lembra a pergunta
cretina “se um processo de análise é um bem individual ou social”. E em se tratando de um apanhado de
modificações pela palavra haverá sempre uma transformação. Lembrando que a transformação pode não cumprir
as expectativas esperadas no caso da análise.
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linguística é importante não como um sinal constante e invariável, mas como um signo sempre
mutável e flexível. Esse é o ponto de vista do falante.” E percebamos que enquanto Benveniste
usa o termo ação individual para definir a enunciação, Volóchinov usa o termo falante em
condições, à priori, supostamente individuais, para produzir um enunciado. A enunciação é
pouco discutida enquanto conceito como no quadro formal esboçado por Benveniste.
Sobre essa concepção do signo ter um aspecto sempre mutável e flexível podemos
perceber a ressonância no pensamento em torno do estudo da língua que Benveniste também
assume. Ambos vindos de um princípio sausseriano de acontecimento da significação já que o
cerne dos estudos dos linguistas não é o signo em si, ou seja, a exclusividade da palavra pura,
mas a significação. A significação, ou melhor, o modo com o qual ocorre a significação; uma
apreensão do fenômeno não visível e quase etéreo no qual a significação se liga ao grafema.
Mas há uma mudança de tom metodológico em relação a Benveniste quando se entende
o falante e suas relações exteriores a língua pela língua:
Dessa maneira, há uma implicação metodológica clara que não é compartilhada por
Benveniste. De acordo com o russo, “A língua no processo de sua realização prática não pode
ser separada do seu conteúdo ideológico ou cotidiano.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 181). Para
ele a ruptura da língua e seu conteúdo ideológico é um erro grave (VOLÓCHINOV, 2017, p.
182). Nessas condições o erro fatal dá-se porque “Todo enunciado, mesmo que seja escrito e
finalizado, responde a algo e orienta-se para uma resposta. Ele é apenas um elo na cadeia
ininterrupta de discursos verbais.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 184). E observemos que ainda
não foi posta a noção dialógica do processo, mas ela está contida na explicação dada a
orientação não só da continuidade do processo como também da necessidade que de esteja
presente um par de agentes.
Na razão de ser da eterna continuidade do sistema da língua, os métodos de estudá-la
pressupõem na mesma proporção sua compreensão continuada. É por isso que:
grau. O ato da enunciação para Benveniste (1989, p. 90) é uma ação com o propósito de reunir
o ouvinte ao locutor, mas seu produto é o enunciado. Volóchinov nessa passagem dá a entender
que ato discursivo e enunciado estão no mesmo patamar e não possuem diferenciação
conceitual neste excerto do texto.
Mas logo adiante o autor explica com maior precisão que “De fato, o ato discursivo, ou
mais precisamente o seu produto — o enunciado — de modo algum pode ser reconhecido como
um fenômeno individual no sentido exato dessa palavra, e tampouco pode ser explicado a partir
das condições psicoindividuais e psíquicas ou psicofisiológicas do indivíduo falante. O
enunciado é de natureza social. (VOLÓCHINOV, 2017, p. 200, grifos do autor).
Sobre esse extrato, o debate entre instâncias sociais e subjetivas retoma em forte conflito
para o pesquisador mais atento. Um não existe sem o outro. E dizer que se trata de dialética é
um modo bem simples de dar uma solução para a questão. Sem seres humanos e suas condições
psicofisiólogicas em pleno funcionamento não há tecido social algum. E sem a tecitura do
enlaçamento social pelo contrato entre os indivíduos não há como dizer da história humana. É
mero acontecimento sucessivo da vida animal e sem registro, como ocorreu durante alguns
milhões de anos enquanto estivemos nos aprimorando e adquirindo habilidades cerebrais,
funcionais e relacionais. O enunciado é de natureza social, também. Mas para o fim de chegar
em um pensamento da filosofia da linguagem marxista basta-se que seja de natureza social.
Assim entre o subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato, o autor faz uma
diferenciação entre o enunciado para ambas as correntes. E diz que: “Efetivamente, o enunciado
se forma entre dois indivíduos socialmente organizados, e, na ausência, de um interlocutor real,
ele é ocupado, por assim dizer, pela imagem do representante médio daquele grupo social ao
qual o falante pertente.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 204). Desse jeito, os sujeitos participantes
dessa interação discursiva são sujeitos ideológicos que perguntam e respondem continuamente
com verdades ou mentiras baseados em uma imagem, a cópia criada pelas projeções dos
pertencimentos e paixões, dos grupos aos quais o falante pertence. Logo, a organização social
ainda assim depende de condições subjetivas de participação na natureza social.
Diferente do sujeito de papel, para o indivíduo falante há a esfera do auditório social,
que é o grau médio para quem se fala como interlocutor edificado pelas suas vivências interiores
a partir das práticas sócio culturais. Para isso Volóchinov (2017, p. 206) define que “A situação
social mais próxima e o ambiente social mais amplo determinam completamente e, por assim
dizer, de dentro, a estrutura do enunciado.”. Como pesquisadora entendo como um problema
determinístico a afirmação de que a situação social mais próxima e o ambiente social mais
amplo determinam completamente. Entendemos que possa vir a determinar. Determinar
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O que ocorre semelhantemente às criticas que são feitas a epistemologia da psicanálise. Como exemplo podemos
citar o retorno ao Complexo de Édipo como aparato de razão suficiente para responder quase todas às questões
sem respostas convincentes dentro da teoria.
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Para o autor “Todo enunciado, por mais significativo e acabado que seja, é apenas um
momento da comunicação discursiva ininterrupta (cotidiana, literária, científica, política.)
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 219) e não deve ser considerado como a palavra final. É parte de
um processo contínuo que se tece continuamente e está sendo atravessado por outros discursos
a todo instante.
Dito isso, é mais do que necessário argumentar sobre a condição interacional do
processo já que “A língua vive e se forma historicamente justo aqui, na comunicação discursiva
concreta, e não no sistema abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos
falantes.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 220, grifos do autor). Há uma parte do processo que está
intrinsecamente ligado ao psiquismo individual. E como só uma andorinha não faz verão, é pela
interação, a interação discursiva, que o sistema da língua é colocado para girar na engrenagem
da vida social e ideológica. É um sistema que se retroalimenta continuamente. Há um ponto de
partida, mas o de chegada pode não existir e se existe é arbitrário por conveniência
metodológica.
Por fim, sobre o enunciado, Volóchinov (2017, p. 221) nos diz que “O enunciado em
sua totalidade se realiza apenas no fluxo da comunicação discursiva.” Isso implica que o
enunciado é dependente da interação para ocorrer. Nós diríamos que, grosso modo, o enunciado
precisa de interações subjetivas regidas pelas ideologias para estar situado no jogo de poder.
E encerra assim suas observações sobre o enunciado: “A totalidade é determinada pelas
fronteiras que se encontram na linha de contato desse enunciado com o meio extraverbal e
verbal (isto é, com outros enunciados).” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 221). O que quer dizer que
na inexistência de um todo, suas fronteiras nos indicam até onde conseguem chegar pela sua
imersão no meio extraverbal e verbal. Não que as fronteiras os finalizem, mas indicam onde
possam estar os outros enunciados da cadeia.
Para sintetizar suas reflexões, Volóchinov nos deixa um quadro de formulações a
respeito do enunciado e suas interações discursivas a seguir:
4. “A criação da língua não coincide com a criação artística ou com qualquer outra criação
especificamente ideológica. No entanto, ao mesmo tempo, a criação linguística não pode ser
compreendida sem considerar os sentidos e os valores ideológicos que a constituem.”
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 224 e 225)
5. “A estrutura do enunciado é uma estrutura puramente social. O enunciado existe, como tal,
entre os falantes. O ato discursivo individual é um contradictio in adjecto.” (VOLÓCHINOV,
2017, p. 225)
Fonte: VOLÓCHINOV (2017)
prevalece o aspecto subjetivo do ato, para Volóchinov o enunciado possui um alcance maior
por carregar ideologias e as representar dentro do grupo social.
No que tange aos efeitos dos conceitos para o pesquisador podemos dizer de três pontos.
O primeiro: a escolha teórica de um ou outro autor será determinante para a perspectiva de
estudo do objeto dado que a expansão do objeto para outros campos talvez não seja possível
porque pode vir a constituir inconsistência metodológica. O segundo: o recorte do objeto se
torna circunscrito aos operadores conceituais e estará limitado a ser investigado por aquele
ângulo e, talvez, em um estudo comparativo, mas entendemos que dependendo do que será
examinado ocorre uma restrição da pesquisa dada a premissa do conceito. E o terceiro e último
é que: ao se considerar o objeto, o pesquisador deve ter em seu horizonte se o modo como ele
quer pesquisa-lo comporta os conceitos disponíveis já existentes. Não que o ineditismo seja um
problema, mas descobrir que a sua pesquisa será inédita no meio de um caminho com prazo
pode não ser uma surpresa agradável.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
CALAME, Claude. O sujeito da enunciação: breve introdução. In: Lé recit em Grèece ancienne. Énonciations et
représentations de poètes. Paris: Méridiens Klincksieck, 1986.
BENVENISTE, Émile. Da subjetividade da linguagem. In: Problemas de linguística geral I. São Paulo: Editora
Pontes, 1991. p. 284-293.
BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In: Problemas de linguística geral II. São Paulo:
Editora Pontes, 1989. p. 81-90.
FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013. p.
161-177.
FLORES, V. do N., FARACO, C. A., & GOMES, F. A. (2021). As particularidades da palavra, o privilégio da
língua: especificidades e primazia do linguístico, em Volóchinov e Benveniste. In: Bakhtiniana. Revista De
Estudos Do Discurso, 17(1), Port. 16–38 / Eng. 15.
https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/53484. Acesso em 02 de feveireiro de 2024.