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GNOSTICISMO E CRISTIANISMO PRIMITIVO: EM RELAÇÃO

AS DOUTRINAS FUNDAMENTAIS DO CRISTIANISMO DOS


SÉCULOS I II

FRANCISCO ILTAMAR ALVES DA SILVA

Resumo

O presente artigo pretende analisar o “Gnosticismo e Cristianismo Primitivo em


Relação as doutrinas Fundamentais do Cristianismo dos Séculos I e II,” no sentido de
compreender as doutrinas do gnosticismo e cristianismo, por meio dos grupos ou escolas
gnósticas, levando-se em considerações os diversos grupos envolvidos neste processo de
assimilação e ruptura dos heterodoxos e ortodoxos. O objetivo é buscar e compreender os
conceitos de gnosticismo como fundamento e integração das crenças gnósticas, e na
compreensão de seus principais ensinamentos, utiliza-se o método bibliográfico baseado em
autores especializados em gnosticismo e cristianismo. Acreditamos que a estratégia
educacional gnóstica possibilitou a divisão do cristianismo em ortodoxos e heterodoxos.

PALAVRAS – CHAVES: Gnosticismo; Cristianismo; Heterodoxo, Ortodoxo.

Introdução

A presente pesquisa se justifica no cenário social, filosófico e religioso ou teológico do


mundo greco-romano e mesopotâmico, e na importância da história do gnosticismo e
cristianismo, considerando que o gnosticismo se insere dentro deste contexto histórico e
cultural, sendo impactado e impactando os grupos cristãos, os indivíduos e escolas gnósticas.
Este artigo cientifico tem por finalidade ponderar o Gnosticismo e Cristianismo
Primitivo em Relação as Doutrinas Fundamentais do Cristianismo dos Séculos I e II, tendo
como contexto a leitura histórica, filosófica, religiosa ou teológica dos séculos I e II, que


Graduando/a (Francisco Iltamar Alves da Silva) em Teologia pela Faculdade de Teologia da Universidade
Metodista de São Paulo, Polo Santo Amaro SP. Matrícula. 319067 Trabalho de Conclusão de Curso com vistas
à obtenção de grau de Bacharel em Teologia, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Soares dos Santos.
baliza o mundo do gnosticismo, cristianismo gnóstico e cristianismo ortodoxo, e suas
transformações filosóficas e teológicas como os grupos gnósticos, as doutrinas fundamentais
do cristianismo, as conquistas do gnosticismo no encontro com o cristianismo ortodoxo, e o
princípio do gnosticismo cristão. É dentro deste tecido que costuraremos os fatos para
compreendermos o Gnosticismo e Cristianismo Primitivo em Relação as Doutrinas
Fundamentais do Cristianismo dos Séculos I e II, portanto, precisamos responder a seguinte
questão: por que há pontos em comum entre o movimento gnóstico e o cristianismo?
O objetivo deste artigo cientifico é buscar compreender os conceitos de Gnosticismo e
Cristianismo gnóstico e Cristianismo ortodoxo como fundamento e integração em relação as
doutrinas fundamentais do cristianismo dos séculos I e II, e na compreensão de suas principais
crenças: o conhecimento, a soteriologia, cristologia, bibliologia, cosmogonia, e verificar de
qual forma o pensamento gnóstico gerou impacto no cristianismo ortodoxo, e identificar os
métodos filosóficos que os gnósticos e ortodoxos utilizaram no processo em relação as
doutrinas fundamentais do cristianismo primitivo dos séculos I e II. Parte-se da hipótese de
que o conhecimento para os gnósticos era a salvação baseados nos documentos herméticos do
gnosticismo.
Assim, para viabilizar o teste da hipótese realiza-se uma pesquisa bibliográfica
(revisão de literatura), por meio de livros impressos, documentos oficiais, revistas e artigos
científicos disponíveis em sites confiáveis. Nesse sentido, esta pesquisa bibliográfica,
encontra-se fundamentada teoricamente a partir das contribuições de autores ou pesquisadores
renomados na área da História, Teologia e Filosofia que abordam o tema Gnosticismo e
Cristianismo;
O método utilizado para a pesquisa será dissertativo, uma vez que, com este método,
podemos entender o relacionamento do gnosticismo e cristianismo e o grupo heterodoxo e
como estes se relacionaram com o cristianismo ortodoxo. A coleta de informações será
utilizada a leitura sobre o assunto, Gnosticismo e Cristianismo;
A primeira seção refere-se ao contexto histórico do princípio embrionário do
Gnosticismo no cenário histórico do orfismo na cosmovisão de Orfeu, Platão e Pitágoras, a
teodiceia do bem e do mal, alma, conhecimento e gnosticismo cristão, que assinalou a origem
dos grupos gnósticos como a escola de Valentino, escola de Tomé, escola de Basílides, escola
Setianos, escola barbeloítas, escola nicolaítas, escola ofitas.
Na segunda seção contém as informações referentes aos grupos gnósticos, e a
historiografia dos principais representantes destes grupos gnósticos e suas principais
doutrinas, e referimos as dimensões doutrinal que ajudaram o desenvolvimento da produção
histórica dos grupos gnósticos.
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A terceira seção apresenta um levantamento da Influência do Gnosticismo nas
Doutrinas do Cristianismo e as Rupturas com a Ortodoxia, na parte do cristianismo ortodoxo
levantamos o tripé e a pedra angular da teologia empregada pelo grupo ortodoxo, no item
soteriológico cristológico e ético, arrolamos a importância da produção da ética para a
ortodoxia, e demonstramos as estruturas do ensinamento na parte ética, soteriológica e
cristológica do gnosticismo, as quais, tiveram um papel fundamental para compreendermos a
discrepância ética entre os heterodoxos e ortodoxos, também, faz-se um levantamento da
influência e interação e diferenciação das doutrinas heterodoxas e ortodoxas do cristianismo,
ao mesmo modo faz-se um arrolamento das rupturas entre gnósticos cristãos e cristãos
ortodoxos, sendo assim, cada grupo gnóstico e ortodoxo tem uma experiência existencial de
pensar e sentir em relação as doutrinas fundamentais do cristianismo.
Ao final conclui-se que os objetivos são atingidos e a investigação resta respondida
com a afirmação da hipótese, indicando que se faz necessário novas pesquisas para
equacionar o problema Gnosticismo e Cristianismo.

Gnosticismo

Existem várias abordagens e disputas filosóficas e teológicas que dizem respeito da


problemática da definição do movimento gnóstico, normalmente, esta problemática implica
em pesquisas acadêmicas devido as inúmeras definições do termo gnosticismo (PAGELS,
2006, p. 23), neste artigo cientifico pretendemos explicar a medida do possível o movimento
do gnosticismo dos séculos I e II, neste primeiro momento abordaremos as argumentações
filosóficas do complexo pensamento do gnosticismo, e dos seus principais fundamentos, pois
como disse o filósofo Platão “Quem é capaz de ver o todo é filósofo; quem não, não”
(REALE, 2003, p. 1), conforme, a definição de Ceccato, o gnosticismo é um tema difícil de
analisar devido ao fato de existir uma imensidão de pensamentos de filosofias gnósticas,
especialmente nos séculos antes de Cristo com o desenvolvimento do movimento gnóstico
filosófico, e depois de Cristo com a junção do gnosticismo filosófico, e as crenças do
cristianismo e judaísmo, segundo, Ceccato para compreendermos com mais facilidade a
definição do termo gnosticismo é necessário partirmos da indução do conceito gnosticismo,
isto é, ao examinarmos um tecido gnóstico privado temos condição de conhecer o tipo de
gnosticismo que está deparado ali (CECCATO, 2019, p. 5 ), entretanto, a única certeza habite
no fato de que nenhum abalroamento gnóstico, por mais que seja inovador e criativo possa ter
a pretensão de dar conta de todos os ângulos do gnosticismo, mas, buscaremos a compreensão
dos fundamentos do movimento do gnosticismo a partir do todo para o particular, para isto é

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preciso analisarmos o estreio dos pensamentos do orfismo no contexto da cosmogonia, da
antropológia e soteriologia, o orfismo provém do rapsodo Orfeu, segundo alguns historiadores
da filosofia, Orfeu pode ter sido o fundador da religião órfica, porém estes fatos de fundador
da religião dos mistérios órficos são obscuros, sendo que alguns historiadores da filosofia
argumentam que Orfeu é somente uma narrativa mitológica, o que é mito? o mito é uma
narrativa que esclarece as questões de apelo divino, cosmo e valores, o qual faz parte de uma
tradição cultural que transmiti segurança para um povo, principalmente nas sociedades
ruralistas da antiguidade, para que o mito transmitisse segurança e verdade era contado por
um sacerdote ou poeta consagrado aos deuses, sendo assim, era um ungido que tinha
autoridade para narrar os mitos.

O orfismo é uma religião de mistério com crenças na imortalidade da alma, culpa


originária, dualismo e metempsicose, metempsicose é um “termo de origem grega
significando literalmente passagem da alma de um corpo para outro” (JAPIASSÚ,
MARCONDES, 2008), esta doutrina era proclamada por Pitágoras e Platão, também faz parte
das crenças do hinduísmo e budismo, alguns pesquisadores aludem que o budismo
entusiasmou o gnosticismo (PAGELS, 2006, p, 17), todavia, analisaremos a religião órfica
como base da pirâmide do gnosticismo, segundo o pensamento antropológico do orfismo
existe no homem uma centelha de deus, um éon chamado de alma ou demônio, demônio aqui
não tem o mesmo sentido que o Cristianismo dá para as entidades espirituais da demonologia,
Segundo Neto, os demônios não são entidades relacionadas ao mau, mas seres capazes de
assessorar o homem a resolver-se em seus destinos, Hesíodo narra em seus escritos que os
demônios não são criação do deus Zeus, porém, criação dos homens (NETO, 2019, p. 76).

A alma é a centelha de deus no homem, a qual sofreu a queda originária, e tem o


corpo como sua sepultura ou como um vestido, a alma caída vive no mundo da ignorância,
logo, para a alma alcançar a libertação é preciso passar pelo processo da metempsicose até
obter a salvação do ciclo da reencarnação, enquanto a alma não alcançar a libertação precisa
enfrentar essa culpa no mundo sensível e mau, somente as almas dos iniciados são salvos do
mundo sensível, os mesmos tornam-se deuses, nas lápides de alguns seguidores do orfismo foi
encontrado os seguintes dizeres segundo o historiador da filosofia Giovanni Reale:

Alegra-te, tu que sofreste a paixão: antes, não a havias sofrido, De homem nasceste
Deus; Feliz e bem aventurado, serás Deus ao invés de mortal; De homem nascerás
Deus, pois derivas do divino. Isso significa que o destino último do homem é o de
voltar a estar junto aos deuses. (REALE, 2003, p. 9)

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No mundo grego existiam dois tipos de religiões, a pública e a de mistérios, a pública
é diferente da religião de mistérios no sentido antropológico e semelhante no sentido da
teogonia, na acepção antropológica a religião pública naturaliza os homens e os deuses, já a
religião de mistério tem uma hermenêutica diferente para os homens e os deuses, pois pregam
que os dois entes são imortais (REALE, 2003, p. 8).

Uma última observação sobre o orfismo é que suas doutrinas são ferramentas
indispensáveis para compreendermos o desenvolvimento do gnosticismo, tanto no sentido
filosófico, quanto no sentido teológico, depois de observarmos e analisarmos a importância
das doutrinas da religião órfica como ponto principal do desenvolvimentos das doutrinas
gnósticas, é preciso e necessário, examinarmos as questões filosóficas do pensamento
platônico para que fique mais esclarecido sobre a doutrina do dualismo do bem e do mal na
filosofia gnóstica, sendo assim, analisaremos os ensinamentos filosóficos de Platão para
compreendermos com mais profundidade os princípios das doutrinas gnósticas, Platão
pesquisou as principais doutrinas do orfismo com ênfase na concepção do homem, do mundo
sensível e inteligível, e a cosmogonia do demiurgo e a salvação da alma por meio do
conhecimento, todos estes conceitos como deus, alma, mundo, salvação, são analisados por
Platão no campo do conhecimento filosófico, somente no século I, da nossa era que os
Cristianismos tomam emprestados estes termos para aplicar como princípios de suas crenças,
lembremos que Platão foi muito popular entre os judeus eruditos de Alexandria nos anos 30
a.C e 45 d.C, sendo que neste momento histórico o mundo era influenciado pela cultura
helênica; Na cosmogonia de Platão o demiurgo é um deus, ou seja, é um princípio
organizador do cosmo, o qual, plasmou o mundo sensível do mundo das ideias e “dotou
também de alma e inteligência” (REALE, 2003, p. 144), outro princípio da abordagem de
Platão é o conhecimento, o mesmo explica esse conceito de forma mística, pois aborda a
questão dizendo que a alma é imortal e sofre o processo da metempsicose em várias
existências, seja em um corpo humano ou no corpo de um animal, sendo assim, resolve o
assunto a respeito do conhecimento dizendo que a gnose está na alma, ou seja, o
conhecimento é uma recordação de tudo que está na alma.

Gnoses significa conhecimento cósmico, ou seja, místico, a gnose tem como base os
conhecimentos da ciência, filosofia, religião e arte, porém é preciso fazer a diferença do
conhecimento da ciência, filosofia, arte, e mística, o conhecimento da arte é uma manifestação
da cultura, música, escultura, o conhecimento da ciência é a manifestação dos fenômenos, o
conhecimento da filosofia é a manifestação da problemática da existência e suas perguntas

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básicas, de onde viemos para onde vamos, o que é a vida, o conhecimento místico ou religioso
é a manifestação transcendente ou metafisico.

O conhecimento é um princípio purificador, segundo as doutrinas do orfismo,


pitagorismo e platonismo, conforme os gnósticos cristãos o conhecimento hermético é
libertador, pois esse tipo de gnose provém da tribulação dos sonhos e visões e êxtase que os
iniciados recebiam, então transmitiam aos seus discípulos o conhecimento secreto, logo este
conhecimento esotérico acendia as centelhas divinas que existem em cada discípulo.
(ALMEIDA, 2021, p. 126), porém, para os cristãos ortodoxos o conhecimento é pela fé, assim
como diz o texto sagrado “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (BÍBLIA, 2009),
nesta lida os pais da igreja Irineu e Tertuliano, acusavam os gnósticos de que suas ideias de
conhecimento era mais filosófica que teológica, Fiorillo fala que Tertuliano foi um adversário
ferrenho do conhecimento gnóstico, assim disse Tertuliano que o gnosticismo é um
conhecimento de “combinações de ideias, permutações de sistemas, mesclas, tantas sentenças
quantas forem as cabeças” (FIORILLO, 2008, p. 119), ou seja, cada grupo gnóstico
ensinavam um tipo de conhecimento, formando uma diversidade de crenças antropológicas,
soteriológicas, cristológicas e cosmológicas, as quais faziam parte da essência do gnosticismo
cristão dos primeiros séculos da igreja.

Para os gnósticos o termo gnosticismo provêm do grego gnosis que significa


conhecimento, os gnósticos identificam-se como uma elite de iniciados ou conhecedores de
nível especial que anseiam por um conhecimento soteriológico, este tipo de conhecimento
superior não é atingível a qualquer pessoa (CABRAL, 2015, p. 13), por isso os grupos
gnósticos cristãos denominavam-se superiores aos grupos de cristãos ortodoxos, porque
aqueles recebiam revelações especiais de caráter salvífico e esotérico, logo, os quais tem a
gnosis, ou seja, o conhecimento fundamental de deus.

Conhecimento gnóstico não é um conhecimento racional, ao falamos de racional nesta


premissa queremos exprimir que o conhecimento gnóstico não é laboratorial ou científico,
também diferencia do conhecimento empírico que tem como base a experiência sensorial,
entretanto, o conhecimento gnóstico é uma consciência religiosa e mítica que tem como
fundamento uma força superior divina e inteligente, Segundo o filósofo Pascal “o coração tem
razões que a razão desconhece, isto é, existem outras possibilidades de conhecimento das
quais a razão não participa” (COTRIM, 2000, p. 44). Funari também afirma que a gnose em
essência é um tipo de conhecimento intuitivo:

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A palavra gnosis é traduzida, em geral, por conhecimento, mas a Gnose não é, na
essência, um conhecimento racional; a língua grega distingue entre conhecimento
cientifico e reflexivo, ou seja, a verdadeira gnose é a percepção direta daquilo que é,
percepção interior, um processo intuitivo de conhecer-se a si mesmo (FUNARI,
2020, p. 22).

A respeito do termo conhecimento expressado por Funari e suas diversas definições é


preciso entendermos em qual sentido está empregado o termo conhecimento, se no contexto
epistemológico, gnosiológico, filosófico ou gnóstico, no sentido epistemológico o
conhecimento é racional, pois é ciência, na acepção gnosiológica estamos tratando da origem
do conhecimento, na definição filosófica é uma reflexão, na abordagem gnóstica o
conhecimento tem característica intuitiva não no sentido psicológico, mas mística.

A definição de conhecimento abordado por Jonas tem essa característica mística que
adentra no cerne do gnosticismo, ou seja, na profundidade da questão do conhecimento
gnóstico, a ponto de Jonas definir o conhecimento gnóstico como sobrenatural:

No contexto gnóstico, entretanto, “conhecimento” tem um significado


marcadamente religioso ou sobrenatural e faz referência a objetos que em nossos
dias chamaríamos, mais que objetos de razão, objetos de fé. (...) Gnosis significava
fundamentalmente conhecimento de Deus, e do que dissemos sobre a transcendência
radical da deidade se deduz que o “conhecimento de Deus” é o conhecimento de
algo por natureza incognoscível e, portanto, trata-se de uma condição que não é
natural. Seus objetos incluem tudo dos mundos superiores e o que se deriva deste: a
salvação do homem. (...) O objeto último da gnose é Deus: seu efeito na alma
transforma o próprio conhecedor, fazendo-o compartilhar a existência divina (o que
implica algo mais que sua assimilação na essência divina) (CABRAL, 2015, p. 14,
JONAS apud p. 68).

A definição de gnose de Jonas é mais compatível com o gnosticismo cristão do que a


definição de Funari que está mais voltado para o psicologismo do que para o misticismo,
portanto, parece que Funari a ponta para o eu, e Jonas a ponta para o incognoscível, ou seja,
para o conhecimento hermético que tem deus como alvo, e o eu absolvido no mundo de sofia.
Ao analisarmos as argumentações sobre o gnosticismo e o conhecimento gnóstico,
nesta primeira parte da proposta, concluímos, que estamos aptos para adentrarmos na questão
do gnosticismo cristão, a partir desde instante trataremos nesta outra parte da seção do
movimento do gnosticismo cristão dos séculos I e II.
Antes de adentrarmos no conceito de gnosticismo cristão propriamente dito é
interessante falarmos que o gnosticismo era um fenômeno de várias facetas, e devido estas
múltiplas manifestações do gnosticismo, alguns grupos ofereciam oportunidades de comando
as mulheres, estas adquiriram o poder de conduzir grupos gnósticos cristãos, o poder de
liderança desempenhado por parte de uma mulher era porque alguns grupos gnósticos

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acreditavam que a gnosis é um tipo de conhecimento que se manifestava independente do
sexo (SILVA, 2019, p. 198).
Gnosticismo cristão é uma questão, ou assunto recente, pois só a partir das descobertas
dos manuscritos coptas da cidade de Nag Hammadi no Egito que os estudiosos começaram a
produzir trabalhos acadêmicos a respeito da problemática dos cristianismos, principalmente o
cristianismo gnóstico, até pouco tempo tínhamos conhecimento do gnosticismo devido os
tratados dos filósofos e dos heresiólogos, os heresiólogos combateram incansavelmente as
doutrinas do gnosticismo cristão como herética (FUNARI, 2019, p. 27).
Com as descobertas dos manuscritos surgiram novas luzes a respeito do gnosticismo
cristão, sobre seus pensamentos, crenças e doutrinas de cunho soteriológico, hamartiológico,
teísta e bibliológico, aqui percebemos que o desejo do gnosticismo cristão era remodelar as
doutrinas do evangelho, para isto utilizavam de um sábio que possuía a gnose ou o
conhecimento místico, ou seja, este guru descia as profundezas do conhecimento secreto
revelado por um deus e traziam novas revelações no sentido doutrinal, essas doutrinas
gnósticas se identificavam até certo sentido com as doutrinas ortodoxas, por isso os gnósticos
cristãos estavam sempre rodeando a igreja (SHELLEY, 2018, p. 67).
Os elementos comuns do gnosticismo cristão e o cristianismo ortodoxo são
semelhantes e são diferentes ao mesmo tempo, por exemplo, os gnósticos cristãos creem em
um dualismo do bem e do mal, no criador, alma e salvação, o cristianismo cristão ortodoxo
creem nestas mesmas doutrinas, porém com uma cosmovisão distinta em seus conceitos
teológicos, as semelhanças e as diferenças da ortodoxia e heterodoxia serão tratadas nos
próximos tecidos do artigo cientifico; Ortodoxia significa “obediência de um ensinamento, de
uma concepção de uma doutrina religiosa oficial, e heterodoxia significa toda doutrina
contrária a um saber oficial”
(JAPIASSÚ e MARCONDES, 208, 209, p. 131).
Alguns estudiosos do gnosticismo falam que não existe este conceito de gnosticismo
cristão, porque os pensamentos de ambos, ou seja, gnosticismo cristão e cristianismo ortodoxo
são supressores, exemplo desta exclusão está relacionada a matéria e o espirito, enquanto, o
gnosticismo cristão fala que a matéria é má, o cristianismo ortodoxo ver a matéria como um
bem criado por deus, nesta questão de bem e mal o cristianismo ortodoxo olha para o
gnosticismo cristão como um movimento perigoso que permeou a igreja nos seus primeiros
séculos de forma avassaladora, no primeiro e segundo séculos da igreja muitos teólogos
ortodoxos contestaram as doutrinas gnósticas que ameaçavam os ensinamentos do
cristianismo ortodoxo, principalmente os escritos de João que refutava o conceito cristológico
do gnosticismo cristão, o apóstolo argumenta especialmente contra a heresia dos nicolaítas.
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O gnosticismo cristão foi um tipo de cristianismo intelectualizado que desejava
racionalizar a salvação, por meio do conhecimento hermético que somente a elite aristocrática
do movimento filosófico gnóstico tinha acesso (CAIRNS, 2008, p. 59), porém, a salvação
segundo a ortodoxia cristã não pode fazer parte somente de um grupo privilegiado, a premissa
que a salvação é adquirida pelo conhecimento hermético é contraditória ao pensamento da
ortodoxia cristã, pois as crenças dogmáticas do cristianismo ortodoxo crê que a salvação é por
meio da graça de Cristo estendida a toda humanidade.
O escol da sociedade gnóstica cristã dos séculos I e II, defendiam a superioridade
sobre os cristão comuns, devido a riquíssima bagagem de conhecimento ocultista presenteado
pelo deus da totalidade, pois esta nata do gnosticismo cristão influenciou de tal forma os
primeiros séculos do cristianismo que se tivesse dominado as crenças ortodoxas o
cristianismo seria mais uma filosofia do que um sistema religioso.
Sendo que essa elite aristocrática do gnosticismo cristão influenciaram vários grupos
que se dividiram em múltiplas células dissidentes, estas células espalharam de forma
sorrateira nas igrejas cristãs com novas ideias, aqui podemos citar os grupos do gnosticismo
cristão como a escola de Valentino, escola de Tomé, escola de Basílides, escola Setianos,
escola barbeloítas, escola nicolaítas, escola ofitas (LAYTON, 2002, p. 317), portanto,
analisamos nesta primeira seção sobre o movimento do gnosticismo, conhecimento, e
gnosticismo cristão, dentro deste caldo cultural filosófico mesopotâmico e greco-romano,
sendo assim, compreendemos que o gnosticismo é um movimento filosófico e teológico que
tem como base fundamental o conhecimento hermético, o qual influenciou as crenças cristãs,
e devido o sincretismo religioso e filosófico do gnosticismo surgiram vários grupos cristãos
denominados gnósticos.
Grupo Gnósticos

Todas as informações e investigações descritas anteriormente seguirá o mesmo


caminho a respeito do movimento do gnosticismo, será aplicada na compreensão e
entendimento do pensamento místico dos grupos de maior expressividade, pois é nesse
movimento filosófico e teológico do gnosticismo, que a maioria dos pesquisadores continuam
enxergando a diversidade dos cristianismos dos séculos I e II, vale lembrar aqui que alguns
grupos dessa pluralidade gnóstica do século I, como, por exemplo, o grupo dos docetas que
expressavam a espiritualidade em práticas ascéticas ou em libertinagem, o principal
fundamento da doutrina do docetismo era que a matéria é má, logo este pensamento rejeitava
a questão cristológica da encarnação e humanidade de Cristo, também rejeitavam a ceia
porque os elementos estavam ligados a matéria (CAIRNS, 2008, p. 84).

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O Simonianismo é um sistema de doutrinas organizadas por Simão Mago, tendo como
fundamento a magia, a tradição da igreja cristã e as argumentações de Irineu no seu livro
Contra Heresias associa a origem do gnosticismo a Simão, porém, não são todos historiadores
que defendem esta ideia que Simão é o pai do gnosticismo do século primeiro da igreja
primitiva, pois muitos pesquisadores afirmam que essa denominação de mago e herege é
devido ao fato de haver possibilidade de Simão ser natural de Samaria, Samaria era rejeitada
pelos judeus desde a cisão dos reinos do norte e do sul, e as proliferações de estrangeiros
desenvolveram o misticismo religioso na cidade de Samaria, causando um conflito étnico
religioso entre judeus e samaritanos, então todo esse contexto histórico pode ter sido
fundamental para a rejeição de Simão (LIMA, 2018, p. 98, 99), mas, Irineu em sua refutação
as doutrinas gnósticas relacionou a transmigração, e a origem dos cosmos arroladas aos anjos,
e outras práticas relacionadas ao gnosticismo, como heréticas, logo estas doutrinas heréticas
eram praticadas e vivenciadas por Simão o Mago, que segundo a visão de Irineu era um
gnóstico herético (IRINEU, 1988, p. 58).

O Simão de Irineu foi o fundador de todas as heresias, por exemplo, Simão comprou
uma prostituta por nome Helena, a qual era a deusa do pensamento, criadora dos anjos, ou
seja, a mãe de todas as coisas, o próprio Simão considerava-se uma encarnação de deus
(LIMA, 2018, p. 105), Segundo, Marshall, conta em seu comentário que Simão Mago em uma
disputa contra Pedro foi derrotado, porém Simão, não satisfeito com a derrota, propõe o
último desafio da sua vida, finaliza sua vida com a seguinte proposta, “Simão disse que se
fosse enterrado vivo, ressuscitaria no terceiro dia. Mandando cavar uma sepultura, ordenou
que seus discípulos empilhassem terra sobre ele, mas ele permanece ali até hoje”
(MARSHALL, 2014, p. 150).

Os fatos históricos escritos por Justino, Irineu, Hipólito, entre outros pais da igreja, até
mesmo dos livros apócrifos como Atos de Pedro, dá-nos a veracidade da existência de Simão
não só como herege, mais, também como mago, pois os tais historiadores relatam que Simão
queria aperfeiçoar seus encantamentos e magias por meio do poder do espirito santo.

Desde os primórdios da história da igreja o grupo cristão hegemônico ou conhecido


como ortodoxo labutou contra o gnosticismo simoniano por identificar que os ensinamentos
gnósticos de Simão alanceavam as doutrinas fundamentais do cristianismo, pois desde o
princípio o grupo cristã ortodoxo aceitava que deus fora o criador da matéria, e não
concordava com o ensinamento da criação por um demiurgo, acreditam na ressurreição dos
corpos, e abominavam a transmigração das almas, seja em corpos humanos ou animais.
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Um outro grupo de relevância gnóstica que assustou o grupo cristão ortodoxo, ou seja,
as doutrinas defendidas pelos cristãos ortodoxos, foram os marcionitas, este grupo tem como
patriarca Marcião que era filho de um bispo, logo nasceu em um lar que pregava o kerigma do
evangelho, porém, Marcião conheceu um mestre gnóstico chamado de Cerdo, o qual
influenciou Marcião nos ensinamentos gnósticos; Marcião era de Sinope, mas, foi para Roma
onde quase tornou-se bispo, era um homem riquíssimo, proprietário de grandes frotas de
navios, o qual, poderia ajudar a igreja financeiramente de forma substancial, entretanto foi
excomungado da igreja devido seus pensamentos gnósticos, os ensinamentos gnósticos de
Marcião rejeitava o deus do Primeiro Testamento e a recusa do cânon dos judeus, defendia
como Escritura somente o evangelho de Lucas, as epistolas de Paulo, exceto as epistolas
pastorais (CAIRNS, 2018, p. 84), Segundo Shelley, depois da expulsão do gnóstico Marcião
do cristianismo ortodoxo, o mesmo fundou uma igreja no seguinte modelo:

Surgiram igrejas marcionitas, moldadas segundo congregações ortodoxas e que


tinham seus próprios pastores e rituais – por exemplo, o vinho não era utilizado na
comunhão em decorrência da ênfase ascética de seu ensinamento. Algumas crenças
marcionitas influenciaram diversas seitas gnósticas, os próprios marcionitas eram
afetados pelas concepções gnósticas (SHELEY, 2018, p. 83).

Apesar de alguns historiadores da igreja cristã não reconhecer Marcião como gnóstico,
todavia, outros pesquisadores da história da igreja identifica como um herege no campo da
bibliólogia, e também, como um gnóstico, podemos observar que Marcião estudou aos pés do
gnóstico Cerdo, pode até ser que Marcião não era gnóstico no sentido radical do termo, mas,
não podemos negar a influência dos pensamentos gnósticos em seus escritos, e no estilo de
vida estabelecido por Marcião, portanto, foi um período complicado para o cristianismo
ortodoxo em relação ao marcionismo, ao mesmo tempo a complexidade de várias doutrinas
levantadas por inúmeros grupos denominados de gnósticos, alguns grupos gnósticos estão
sendo mencionados aqui neste tecido, por serem de imersa importância para compreendermos
o embate entre cristianismo ortodoxo e cristianismo gnóstico, a partir deste momento nas
linhas abaixo mencionaremos o grupo sethianos, o qual nos fornecerá um vasto
desenvolvimento na arena do gnosticismo.

Em estudos recentes os sethianos são cognominados de gnósticos cristãos, porém, este


grupo já era conhecido desde o século II a.C, eram denominados de sethianos porque
acreditavam que constituíam da raça pura de Set, segundo alguns teólogos gnósticos existem
dois tipos de pessoas, os gnósticos e não gnósticos, os gnósticos são descendentes de Set,
estes são os filhos da luz, chamados de igreja gnóstica, até o ano de 1945, tínhamos
conhecimento deste grupo gnóstico somente pelos escritos dos heresiólogos como Tertuliano,
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Irineu, Hipólito, mas em 1945, os achados dos fragmentos de papiros relacionados as
escrituras gnósticas alvoreceu uma nova forma de olhar o cristianismo gnóstico, a descoberta
destes papiros trouxeram a luz o conhecimento do papiro do Apócrifo de João, o qual é a
escritura fundamental dos sethianos, os mesmos tem também uma paixão pela hermenêutica
alegórica da Torah, principalmente do livro dos gênesis que narra a criação do cosmo, a gnose
dos sethianos é um sistema complexo no sentido filosófico, pois o grupo dos sethianos
seguem os pensamentos de Platão, Aristóteles e Estoicos (ALMEIDA, 2020, p. 148, 174).
Sendo assim, houve uma assimilação das doutrinas cristã e o gnosticismo sethianos, ambos
possuem em seus sistemas características comuns, que serão analisadas na terceira parte do
artigo. Quanto a literatura gnóstica dos valentinianos outro grupo considerado herético cristão
dos primeiros séculos, será tratada agora como uma das principais fontes de informações
sobre o gnosticismo.

No texto valentinianos encontraremos as diversas perguntas relacionadas ao


gnosticismo cristão e o cristianismo ortodoxo, por exemplo, segundo Fiorillo (2008), narra em
sua obra, os valentinianos tem uma posição que foi a igreja, ou seja, os chamados ortodoxos
que corromperam a mensagem autêntica do Cristianismo, entretanto, os apologistas ortodoxos
expõe que as maiores heresias surgiram dos ensinamentos dos gnósticos.

Valentino é um dos maiores gnóstico cristão que a história do cristianismo já narrou


em seus anais, Valentino é egípcio, nasceu no século I d. C, foi formado no maior centro
intelectual, cultural de Alexandria, esta cidade é aquela fundada por Alexandre o grande, o
Imperador grego, a qual fica localizada no Egito, na época de Valentino a cidade de
Alexandria já estava repleta de cristãos, provavelmente Basílides foi um filósofo cristão que
habitava nesta cidade de Alexandria, Basílides era um dos principais influenciadores cristão
da época; Valentino deve ter estudado filosofia grega, e hermenêutica da Bíblia, e deve ter
sido instruindo por Basílides (LAYTON, 2002, p. 259).

Porém, os discípulos de Valentino expuseram que o mesmo, recebeu instrução de


Teúdas, este fora aluno do Apóstolo Paulo, entretanto qual é o momento que Valentino
aprende sobre o gnosticismo? É provável que Alexandria já estava repleto de gnósticos, pois a
cidade era um celeiro de todos os conhecimentos, inclusivo o complexo sistema de
pensamentos gnósticos em junção com as filosofias presentes dos séculos I e II, ou em Roma,
pois Valentino partiu para Roma, o maior centro religioso do Cristianismo, e lá desempenhou
seu papel de mestre da igreja, segundo Layton (2002), Valentino encontrava-se “com seus

12
alunos em particular” isto significa que este mestre do gnosticismo ensinava a seus alunos a
hermenêutica alegórica da Escritura e o mito gnóstico.

Até mesmo os seus opositores reconheciam a eficácia de sua oratória, o bem falar de
seu discurso, pois era um homem criativo, imagético, inovador, a importância de seus escritos
propagou entre seus seguidores de tal forma que Valentino tornou-se um mestre gnóstico de
grande prestigio.

Segundo Matias, realmente Valentino era um poeta gnóstico que ameaçava o chamado
grupo ortodoxo do século II d.C., pois é nesse tempo que aparece Irineu de Lion, com suas
ideias da obra contra as heresias para refutar os pensamentos gnósticos dos valentinianos,
essas ideias valentiniana era sobre batismo, criação do mundo, unção e eucaristia (MATIAS,
2011, p. 2481).

A escolha de tecer sobre a origem do gnosticismo, conhecimento e grupos gnósticos é


de suma importância para compreendermos e entendermos a exposição do Gnosticismo e
Cristianismo Primitivo em relação as doutrinas fundamentais do Cristianismo dos Séculos I e
II, pois, por meio desta apresentação que foi exibida se faz pertinente esclarecer a trajetória e
influência do gnosticismo nas doutrinas do Cristianismo nos campos soteriológico,
cristológico, bibliológico e as rupturas com o Cristianismo ortodoxo.

Influência do Gnosticismo nas Doutrinas do Cristianismo e as Rupturas com o grupo


Ortodoxo

Nesta abordagem iremos privilegiar as perspectivas analíticas dos fenômenos de


influência e ruptura dos grupos gnósticos e ortodoxos, discutiremos as influências destes
grupos gnósticos sobre as doutrinas do grupo cristão ortodoxo dos séculos I e II, e a ruptura
das ideias gnósticas com o Cristianismo ortodoxo, percebe-se que os grupos gnósticos eram
frágeis por desprezar a questão administrativa e hierárquica, sendo assim, facilitavam a
formação de vários grupos com ideias pluralistas.

Mas, até o século II da era comum, os cristãos pertencente ao Cristianismo ortodoxo,


também vivenciavam uma fase turbulenta em suas doutrinas, causando rupturas na Eclésia,
apesar de sabermos que a comunidade cristã já estava espalhada por todo Domínio Romano,
entretanto, os pensamentos cristológicos, soteriológicos, eclesiológicos, bibliológicos eram
interpretados, conforme o grupo cristão ortodoxo com ousadia, porque preservavam a unidade

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administrativa e hierárquica dos bispos, percebe-se que quando o grupo estava sob a
autoridade do bispo a comunidade se organizava mais forte. (MATIAS, 2011).

Durante o tecido dissertado demonstramos que o gnosticismo além de ser filosófico é


também carregado de misticismo religioso, o movimento gnóstico tem princípio antes da era
comum, porém, é na era comum que percebemos a assimilação das doutrinas gnósticas e dos
ensinamentos cristãos ortodoxos, por exemplo, os gnósticos acreditavam que o mundo era
criação de um demiurgo, os gnósticos marcionitas foram ao extremo a confirmar que o
demiurgo era o deus do Antigo Testamento, para este grupo gnóstico o demiurgo era um deus
nocivo, porque criou a matéria má, logo toda criação material era má, sendo assim, esta
crença apresenta várias dificuldades com os ensinamentos do cristianismo ortodoxo, porque o
ensinamento ortodoxo dos cristãos do primeiro e segundo séculos, acreditavam que deus era
bom e criador de toda plenitude da terra e do universo, logo se deus tem a qualidade de bom
sua criação é boa, porém é exatamente nesta sentença da teodiceia do bem e do mal que
aparece os gnósticos filosofando, a respeito da inquirição clássica da origem do mal.

No curso da sentença do bem e do mal, percebemos a problemática doutrinal entre os


gnósticos cristãos e cristãos ortodoxos no campo da ética, pois, em todo percurso do
pensamento do gnosticismo cristão, quanto do pensamento cristão ortodoxo, percebemos a
diferença do conceito e da práxis da ética, por exemplo, o gnosticismo cristão no sentido de
certo ou errado eram relativistas, alguns grupos cristãos heterodoxos praticavam o
canibalismo, aborto, praticas homoafetivo, Silva (2019), relata que Epifânio descreveu várias
práticas abomináveis da seita dos barbelitas que fere a ética cristã do grupo ortodoxo em
relação ao sexo.

Segundo Epifânio, encerrado o ágape, a refeição comunitária que, no


paleocristianismo, possuía um forte senso litúrgico, os barbelitas convidavam suas
esposas a manter relação sexuais com os demais membros presentes. Após o coito,
homens e mulheres tomavam em suas mãos o sêmen e, num ato de reverencia,
ofereciam ao Pai da totalidade como se fosse o corpo de Cristo consagrado….
Epifânio acusa os barbelitas de serem praticantes de abortos (SILVA, 2019, p. 49,
50).

Porém, existiam outros grupos gnósticos cristãos que pregavam a abstinência do sexo,
como uma forma de ascetismo, mas, conforme Layton (2002), grupos como os arcônticos,
“fingem uma falsa abstinência e enganam o povo mais simples”, logo é observável a
discrepância ética entre os vários grupos cristãos gnósticos, entretanto, o grupo cristão
ortodoxo, aborda a ética do sexo basicamente em três sentidos, bom, poderoso e controlado,
bom, porque deus é bom, e criou tudo bom, poderoso porque o sexo tem o poder de

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multiplicar o ser humano, controlado, porque o sexo é um ato de prazer, este prazer
desenfreado pode causar crimes sexuais, por isso o casamento é o freio do descontrole sexual
(GEISLER, 2006, p. 168), entretanto, é importante alertamos que nem sempre o casamento é
um controle para práticas sexuais criminosa, pois, existem pessoas casadas que são psicopatas
que comentem crimes bárbaros como a pedofilia etc.

Outra doutrina bastante, argumentada entre os ortodoxos e os heterodoxos é a criação,


a interpretação gnóstica da criação tem como base o pensamento de Platão a respeito da
criação, com ajuste do capitulo da criação em gênesis, a narrativa do mito gnóstico cristão tem
semelhança e diferença com a doutrina da criação dos cristãos ortodoxos, por exemplo, os
gnósticos cristãos dizem que o universo material foi criado por um eon egoísta e ignorante
conhecido como demiurgo, também, criou Adão e Eva, e a posteriori a raça humana,
entretanto, acreditam que a matéria é má e que os homens estão presos em corpos maus, já os
ortodoxos dizem que o universo material foi criado por um deus bom, assim como a
humanidade, o corpo faz parte da essência do homem porque acreditam que o homem é um
ser integral (LAYTON, 2018, p.16, 18).

Esta percepção de semelhança e diferença entre o mito da criação gnóstica e a criação


bíblica é devido o fato da influência do pensamento gnóstico sobre o cristianismo, mas, é
importante lembrar que o cristianismo também inspirou os gnósticos em suas doutrinas e que
ambos foram influenciados pela filosofia. É hora de verificamos a doutrina do homem
conforme ambos pensamentos, sendo assim, podemos compreender a cristologia e a
soteriologia gnóstica por meio da antropologia gnóstica.

Segundo a antropologia gnóstica o homem é criação do demiurgo; De um modo geral


o demiurgo é um ser mau e egoísta, que não quer a libertação do homem, mas, manter
prisioneiro neste mundo rebaixado da perfeição, o homem é um ser composto de matéria e
alma, a alma é a parte espiritual que quer se liberta da prisão do corpo mau, portanto, para
livra-se deste mundo inferior o homem precisa da gnose, conhecimento, entretanto somente os
iniciados podem trazer luz para os homens, libertando do mundo da ignorância, para os
cristãos ortodoxos a antropologia gnóstica é absurda no sentido da criação do homem, da
salvação e no sentido de remidor, entretanto, existe uma falácia no pensamento ortodoxo na
questão antropológica, porque os gnósticos heterodoxos e cristãos ortodoxos concordam na
questão da constituição da natureza do homem, com uma observação, os gnósticos
consideravam a matéria como inerentemente má, mas, no campo soteriológico não aderem a
mesma definição, pois os ortodoxos acreditavam na ação da graça de Jesus para salvar o
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homem dos seus pecados, os heterodoxos afirmavam em suas doutrinas gnósticas que
existiam eons especiais que tem o conhecimento secreto para salvar o homem, outro problema
doutrinal é a ressurreição, pois os gnósticos asseveram que o corpo não ressuscitará, porém os
ortodoxos creem que o corpo e a alma do homem ressuscitarão (CURTIS, LANG,
PETERSEN, 2003, p. 26).

O gnosticismo transformou e influenciou o pensamento teológico dos séculos I e II,


de tal forma que alguns não viam diferenças na ortodoxia e heterodoxia, embora ,alguns
apologistas do grupo cristão ortodoxo do século II, defendessem que os pensamentos
gnósticos não estava de conformidade com os pressupostos doutrinais bíblicos, segundo estes
apologistas, isto pode ser observado nos primeiros escritos das epistolas de Paulo e João,
portanto, o tema analisado dentro destas duas portas de perspectivas analíticas da influência e
ruptura, trouxe-nos entendimento entre o cristianismo ortodoxo e o cristianismo gnóstico, o
conteúdo dissecado neste artigo é um exercício para atingirmos a compreensão que nos
primeiros séculos não havia um cristianismo, mas, cristianismos, entretanto, há ainda hoje
grupos denominados ortodoxos que refuta a mentalidade do gnosticismo cristão e suas
crenças, esses apologistas modernos dizem que as doutrinas gnósticas permanecem vivas com
novas roupagens em algumas instituições até os dias atuais, deste modo, fica esclarecido que
os gnósticos cristãos eram considerados inimigos que estavam tanto dentro da igreja, quanto
grupos e escolas fora da igreja, estudiosos conservadores modernos abalizados no campo da
teologia e filosofia gnóstica, continuam a pensar a questão com desprezo e labutam com
vigor contra essas doutrinas gnósticas, e segundo esses pesquisadores o ensinamento gnóstico
tem como principal objetivo aniquilar os fundamentos da teologia sistemática como a
salvação, a bíblia, pecado, e as bases cristológicas ortodoxas cristãs.

Considerações finais

Quando iniciou-se a pesquisa do artigo cientifico constatou-se que o Gnosticismo e


Cristianismo Primitivo em Relação as Doutrinas Fundamentais do Cristianismo dos Séculos I
e II, estava alocada no ambiente social, filosófico, religioso ou teológico do mundo greco-
romano e mesopotâmico, porém havia uma dúvida sobre a questão semântica do termo
gnosticismo, por isso era importante estuda os fundamentos históricos do gnosticismo
filosófico e do gnosticismo cristão.
Diante disso esta pesquisa tem como objetivo geral examinar o gnosticismo e
cristianismo primitivo em relação as doutrinas fundamentais do cristianismo dos séculos I e
II, e constatou que o objetivo geral foi atendido porque o trabalho conseguiu verificar que o
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embrião do gnosticismo tinha como raízes a religião de mistérios de Orfeu, Pitágoras e Platão,
e suas transformações culturais, e o encontro do cristianismo ortodoxo com o cristianismo
gnóstico.
O objetivo especifico inicial era conceituar as doutrinas gnósticas e seus conceitos
filosóficos, e esclarecer de qual forma o pensamento teológico e filosófico das doutrinas
gnósticas causou impacto nas doutrinas ortodoxas, e também, examinar de qual forma o
pensamento ortodoxo gerou impacto no gnosticismo cristão, e identificar os métodos
filosóficos e teológicos que os gnósticos e ortodoxos utilizaram no processo em relação as
doutrinas fundamentais do cristianismo primitivo dos séculos I e II.
A pesquisa partiu da hipótese de que o conhecimento para os gnósticos era a salvação,
pois foram baseados nos documentos do gnosticismo e adotaram várias medidas para educar
os cristãos comuns nos ensinamentos gnósticos e nas crenças iniciàticas, durante o trabalho
verificou-se que os documentos do gnosticismo tem fundamento na filosofia órfica, platônica
e pitagórica, e descobriu se que os documentos do gnosticismo são regras e práticas dos
alunos, mestres, e das escolas ou grupos gnósticos, então fez-se o teste da hipótese, a qual foi
confirmada porque buscou junto aos especialistas da área da História, Filosofia e Teologia os
fundamentos dos documentos das regras do gnosticismo.
O método utilizado para a pesquisa foi dissertativa, por meio de pesquisas
bibliográficas (revisão de literatura), de livros impressos, documentos oficiais, revistas e
artigos científicos disponíveis em sites confiáveis.
Diante da metodologia proposta percebe-se que o trabalho poderia ter sido realizado
com uma pesquisa bibliográfica mais ampla para analisar os aspectos do gnosticismo cristão e
cristianismo ortodoxo no decorre da história da igreja, poderia ter sido feito uma coleta de
dados com uma quantidade maior, já que neste trabalho diante da limitação de tempo, espaço
geográfico, recursos financeiros, só foi possível analisar com mais profundidade o
gnosticismo e cristianismo dos séculos I e II.
Sugerimos que futuros pesquisadores busquem uma bibliografia voltada para os
aspectos do gnosticismo cristão e cristianismo ortodoxo no decorre da história da igreja,
questionem arquivistas sobre documentos relacionados ao gnosticismo e cristianismo.

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