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GEOGRAFIA

ECONÔMICA

Mait Bertollo
Geografias econômica
e industrial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever as principais teorias da geografia econômica.


 Reconhecer os principais conceitos da geografia industrial.
 Relacionar a geografia econômica e a geografia industrial.

Introdução
As teorias da geografia econômica e da geografia industrial ajudam a
compreender como o espaço geográfico se transforma de acordo com
o tipo de produção realizado por determinados tipos de indústrias. A
maneira como ocorrem os fluxos de mercadorias ou como se comportam
o mercado de trabalho e os consumidores são exemplos de como o
espaço geográfico pode ser alterado. A geografia econômica, portanto,
estuda o espaço geográfico, como ele é transformado e como transforma
a economia. Além disso, dedica-se a entender como o pensamento e
as ideias da geografia se transformaram ao longo do tempo, condicio-
nados pelas conjunturas políticas e socioeconômicas de cada período.
Desse modo, a geografia econômica e a geografia industrial derivam
da geografia, que é a ciência que analisa e compreende o espaço como
instância social, isto é, a relação entre o ser humano e o espaço.
Neste capítulo, você vai estudar as teorias fundamentais da geografia
econômica e da geografia industrial e relacioná-las, conhecendo os ele-
mentos de produção e comercialização associados a indústria, consumo,
fluxo de capitais, bens e localização, que resultam em vários tipos de
arranjos espaciais das atividades econômicas em escala local, regional
e global.
2 Geografias econômica e industrial

Principais teorias da geografia econômica


A geografia econômica é uma subdivisão dos estudos da geografia humana.
Esse ramo se dedica à compreensão dos fenômenos relacionados à economia
e que tratam da localização de unidades produtivas e de agentes produtivos
ou consumidores — distribuição e fluxos de mercadorias e trabalhadores,
por exemplo — e dos fixos, como indústrias e infraestrutura. Dessa forma,
é possível compreender como se estabelecem os arranjos das atividades eco-
nômicas tendo o espaço como instância social. A análise se faz observando
o espaço: onde ocorrem os fenômenos, quais são os agentes influenciados e
que influenciam a diversidade de condições econômicas sobre as escalas local,
regional, nacional e global.
As atividades econômicas de uma determinada região podem inclusive
ser influenciadas por condições climáticas ou geológicas, determinadas por
fenômenos naturais. Nessas situações, as consequências podem ser a disponi-
bilidade ou não de recursos naturais, que impactam nas condições de trabalho
e produtividade, custo de transporte e condições de uso do solo. Também há
atuação de fatores políticos, sociais e culturais afetando decisões e resultados
na economia, como geração de emprego e níveis de consumo e produção.
A geografia econômica tem ainda como abordagem critérios de espaço e
movimento, como a distância que determinada mercadoria deve percorrer até
chegar ao seu destino, os locais de prospecção e transformação de matérias-
-primas, os acessos a rodovias e portos marítimos para escoar a produção e
as variáveis espaciais que afetam as condições econômicas do lugar que está
sendo estudado. Dessa forma, a geografia econômica trata da distribuição e da
estruturação de atividades econômicas e produtivas no espaço cuja abordagem
está ligada à história da estruturação econômica e à análise das relações envol-
vidas da escala micro à escala macro, relacionando o local à dinâmica global.
O espaço geográfico é resultado do desenvolvimento das forças produ-
tivas, das relações de produção e das necessidades de circulação e distribui-
ção (SANTOS, 1996). As regiões e os lugares devem ser funcionais para o
desenvolvimento econômico e social do país. A urbanização, por exemplo,
é resultado dos processos históricos determinados como a localização de
empresas, indústrias, infraestruturas e mão de obra.
A urbanização, a industrialização e os processos sociais, elementos cor-
respondentes aos processos econômicos, aliados aos progressos tecnológicos,
moldam o espaço de acordo com os sistemas técnicos incorporados. A cada
período, esses sistemas dão lugar a outros que produzirão uma nova organização
do espaço. Esse processo é reconstruído constantemente. Os sistemas de fluxo
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também são elementos que desempenham importante papel na organização


espacial em relação à economia. Os fluxos perpassam as redes geográficas,
que podem ser entendidas por um sistema interconectado de pontos e ligações
entre as diferentes partes de uma cidade, de um país ou do planeta. As redes
geográficas também permitem a circulação de elementos econômicos, como
capitais por meio de sites e aplicativos bancários e informações, como é o
caso da internet e de pessoas, em eventos de migração.
Os fluxos econômicos ocorrem quando há deslocamento de capitais, cor-
porações, mercadorias, bens e investimentos. No caso dos capitais, há uma
grande quantidade de dinheiro que circula em todo o mundo na forma de bits em
computadores e smartphones todos os dias de forma ininterrupta, sendo que a
maior parte de todo esse capital não está mais na forma de dinheiro impresso.
Muitos autores consideram o período atual a era da sociedade informacional,
destacando Milton Santos, Manuel Castells e David Harvey. A expansão dos
meios de comunicação e as possibilidades produzidas em um planeta interligado
permitem a difusão de ideias, discursos e culturas por meio de fluxos de infor-
mações pela televisão e principalmente pela internet. Esses sistemas técnicos
geram um grande acúmulo de dados e informações sobre inúmeros elementos,
acontecimentos, agentes e pessoas. Cabe ressaltar também o crescimento do
fluxo de pessoas em níveis nacional e internacional, por meio do turismo e da
migração. Esse último tipo de fluxo se intensifica por razões humanitárias,
políticas, sociais, econômicas e por causa de guerras. Os fluxos são uma
forma de estruturação do espaço e da sociedade em razão de redes globais
que permitem interações informacionais, culturais, econômicas e políticas.
Os fluxos, principalmente os financeiros quando abordada a economia,
podem ser interpretados por meio dos chamados circuito inferior e circuito
superior da economia (SANTOS, 1979). Os fluxos inerentes ao circuito su-
perior são constituídos pelos negócios bancários, pelas trocas comerciais e
pela indústria de exportação, bem como pela indústria urbana moderna. O
ramo dos serviços mais sofisticados como comércio atacadista e transporte
também fazem parte desse circuito. Já no circuito inferior, as formas de fa-
bricação não fazem uso intensivo de capital; é composto por serviços menos
modernos, abastecidos pelo comércio em pequena escala. Ambos os sistemas
são considerados no estudo da organização da economia para compreendê-la
em âmbito espacial.
Tanto as atividades do circuito inferior quanto as do superior organizam o
espaço e coexistem. Nesse contexto, o Estado promove ou não tais atividades
econômicas, sendo um intermediário entre os agentes e as realidades nacionais.
4 Geografias econômica e industrial

Além disso, todos os agentes são condicionados pelas conjunturas históricas


e políticas de cada período.
Para uma análise espacial dos aspectos econômicos, é importante co-
nhecer a história da geografia econômica moderna. Seu desenvolvimento
é caracterizado pela organização de informações sobre distintas regiões do
globo a partir de 1950, considerando debates sobre o método e categorias da
geografia, conjuntamente com outras ciências e ponderando sobre a realidade
socioeconômica. Há inúmeras contribuições de geógrafos brasileiros que
trataram aspectos gerais e elaboraram estudos no campo, como Milton Santos,
Armando Corrêa da Silva, Silva Selingardi Sampaio, Miguel Angelo Campos
Ribeiro, além de textos e artigos publicados no Brasil por Paul Claval, geógrafo
francês também reconhecido no campo da geografia econômica.
A estruturação da geografia econômica ocorreu no fim do século XIX.
As origens da geografia econômica moderna têm como expoente Karl Sapper
(1866–1945), geógrafo econômico alemão cujo principal trabalho, “Economic
Geography”, foi publicado na Encyclopaedia of the social sciences em 1967, é
considerado uma referência. O geógrafo brasileiro Armando Corrêa da Silva
traduziu e publicou no Brasil A geografia econômica segundo Karl Sapper
(SILVA, 1970).
Sapper ressaltou que a geografia econômica surgiu no século XIX com a
necessidade de comerciantes e produtores que, ao carecer de conhecimento
sobre as potencialidades econômicas de outros países, colaboraram na prepa-
ração de vários relatórios comerciais para a criação da geografia econômica.
Em virtude da demanda da indústria de obter matérias-primas e conseguir
novos mercados para seus produtos, houve uma movimentação de conselhos
econômicos e câmaras de comércio para investigar aspectos econômicos além
da fronteira nacional. Anteriormente a discussões teóricas sobre geografia
econômica e abordagens de produção, comércio e consumo, ocorreram obser-
vações do âmbito econômico em todas as regiões do globo, causando interesse
pelas potencialidades econômicas. Os relatórios sobre essas potencialidades
tornaram-se os primeiros trabalhos de geografia econômica.
O geógrafo Wilhelm Götz publicou, em 1882, um planejamento para or-
ganizar campos de geografia econômica, quando o termo foi empregado pela
primeira vez, e se preocupava com a natureza das regiões e sua influência
sobre a produção e movimento dos bens. Havia, assim, uma relação entre a
geografia física e geografia econômica, a influência do homem sobre o meio.
Silva (1970) afirmava que a geografia econômica moderna relacionava a
atividade econômica humana a uma área com os recursos naturais.
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Para Alfred Hettner (1859–1941), a geografia econômica é um ramo da


geografia que se relaciona com as potencialidades econômicas e com as relações
entre os vários países e lugares. O geógrafo Alfred Rühl (1882–1935) desenvol-
veu a ideia de que essa é uma disciplina que se localiza entre a geografia e as
ciências econômicas com a distribuição geográfica do trabalho e as diferenças
na qualidade e na quantidade da produção, do comércio e do consumo de
vários territórios.
A geografia econômica se consolidou no início do século XX pelo acúmulo
de informações do âmbito econômico entre países, suas condições físicas e
recursos naturais, objetivando a ampliação de mercados. Também cresceram
as pesquisas sobre agricultura, relatórios comerciais produzidos em casas de
negócios e pelas influências dos fundamentos da geografia humana. Para esse
desenvolvimento, foram utilizados aspectos da economia, como a concepção
do homem como ser econômico e a influência homem-meio. A origem da
geografia econômica foi marcada pelos trabalhos de Karl Sapper promovendo
sub-ramos, como a geografia da indústria/industrial.
Em consequência de profundas transformações políticas, econômicas e
sociais após 1920, a ciência geográfica adotou um caráter mais aplicado para
analisar e interpretar questões de fundo econômico. Entre as décadas de 1940
e 1960, a renovação da geografia se baseou na chamada perspectiva teorética-
quantitativa, com uma abordagem sistêmica, e na teoria da localização de
atividades econômicas, concretizando a questão da indústria e, por conseguinte,
a geografia da indústria/industrial. Depois da década de 1960, despontou a
abordagem marxista.
Essa abordagem é constituída por um conjunto de ideias da filosofia,
economia, políticas e sociais elaborada por Karl Marx (1818–1883) — filó-
sofo, sociólogo, historiador, economista e jornalista — e Friedrich Engels
(1820–1895) — empresário industrial e filósofo. Teve origem em 1848 e, até
hoje, influenciam todas as áreas do saber. Basicamente, aborda o trabalho como
conceito fundamental da sociedade; toda a história da humanidade sucederia
pela relação entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores
que realizam a tarefa de produzir os bens. Logo, na teoria marxista, a luta
das classes sociais é o que impulsiona as transformações na história, e a pro-
dução de bens materiais condiciona a vida social, intelectual e política. Além
disso, também foram estudadas as relações e instituições que moderavam as
sociedades, como o governo e a propriedade privada.
Mais recentemente, os estudos econômicos passaram a focar as transfor-
mações contemporâneas relacionadas a inovações tecnológicas da indústria
(como o sistema de produção flexível); o advento da economia da informação,
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da comunicação e do conhecimento (ramos que consideram a informação como


mercadoria necessária às atividades econômicas no sistema capitalista); e a
consolidação da globalização (CLAVAL, 2012).

A geografia teorético-quantitativa, que predominou durante as décadas de 1960


e 1970, baseou-se na formulação matemática dos raciocínios e métodos ligados ao
espaço. O espaço era considerado fixo, hierarquizado e funcional. Nesse ponto de
vista, a natureza estaria em uma lógica sistêmica, funcionando de forma homogênea.
O entendimento de sua organização é dado por padrões matemáticos, estatísticos
e geométricos, aplicando probabilidades. O emprego dessas ideias era subordinado
a uma lógica desenvolvimentista, isto é, o desenvolvimento era tratado como uma
necessidade para o equilíbrio espacial. O espaço era tido como uma forma homogê-
nea, principalmente no âmbito econômicos. Dessa forma, as contradições sociais e
econômicas eram desprezadas para a defesa de um desenvolvimento geral.

Posteriormente ao predomínio da geografia teorético-quantitativa, a geo-


grafia econômica desenvolveu como fundamento a ideia de ciência crítica
da escola de sociologia de Frankfurt. Essa vertente se baseava em estudos
sobre a dominação dada pela indústria cultural, cujos estudos analisavam a
massificação do conhecimento, da arte e da cultura e considerava a ciência e
a técnica como portadores de ideologia.
Em seguida, foram elaboradas as chamadas perspectivas alternativas, com
abordagem economicista. Nesse caso, partia-se do pressuposto de que as con-
dições econômicas são essenciais e decisivas para a vida individual e social,
fundamentais para explicar todos os acontecimentos da vida humana e social.
Além disso, tinham como base também a economia política marxista, que
tratava de três problemas: qual é o modo de construir os conceitos a serem
utilizados; como estabelecer relações entre eles; e qual a relação entre essa
construção conceitual e a realidade objetiva e como explicá-la. As ideias foram
baseadas em O capital: uma crítica da economia política, de Karl Marx.. Nessa
obra, Karl Marx faz uma análise da acumulação de mercadorias, da teoria do
valor-trabalho, em que o valor de uma mercadoria se dá pelo tempo de trabalho
socialmente necessário nela investido. Marx também desenvolveu teorias sobre o
chamado valor de uso, baseado na utilidade das mercadorias e no valor de troca,
que é equivalente ao seu preço de mercado e tempo de trabalho (MARX, 2011).
Geografias econômica e industrial 7

No fim do século XX e início do século XXI, as pesquisas nesse âmbito


tratavam dos fenômenos econômicos ligados às tecnologias da informação
e comunicação, dos circuitos espaciais produtivos e do regime flexível re-
lativo à globalização, que é o modo de produção cuja fabricação de bens
ocorre segundo a demanda, para que não haja acumulação desnecessária de
produtos e matérias-primas (CASTILLO, 2010). Dessa maneira, as pesquisas
em geografia econômica abordavam temas dos variados tipos de indústria,
dos serviços, das aglomerações ou dispersões produtivas, de perspectivas de
competição e cooperação, além das influências do consumo na vida econômica
e mudanças culturais contemporâneas dadas pela intensificação do processo
de globalização. Essas mudanças culturais ocorreram pela influência global
padronizante nas culturas locais, relacionadas ao tipo de alimentação, vestuário,
músicas, idiomas, filmes. Esse tipo de influência se mesclou à cultura que já
existia anteriormente.

Principais conceitos da geografia industrial


Com as implicações da crise de 1929, houve uma demanda por entender os
problemas objetivos enfrentados pela sociedade. Nesse contexto, houve um mo-
vimento de renovação na geografia, que originou uma abordagem econômico-
social nas décadas de 1930 e 1940, com enfoque na utilização e na ocupação
do território para fins mercadológicos. A interpretação do desempenho dos
mercados, de eventos políticos e das crises econômicas resultou em discussões
sobre subdesenvolvimento, problemas econômicos, sociedades industriais e
gêneros de vida. Quando essas discussões começaram a ampliar, desenvolveu-se
também a ideia de indivíduo como produtor-consumidor (BARROS, 1993).
A partir da década de 1930, os Estados começaram a intervir com mais ên-
fase nos contextos econômicos. A geografia seguiu na direção do fortalecimento
da presença do Estado, que precisou de estratégias para a organização do espaço
e da população. Esses, inclusive, passaram a ser temas relevantes no âmbito
das políticas nacionais. Ao oferecer conhecimento necessário para utilização
dos recursos, essa nova orientação foi denominada geografia aplicada, e
houve a necessidade de organização racional do mundo. Os geógrafos, assim,
elaboraram trabalhos de planejamento em diversos países (SANTOS, 1959).
O ramo que trata da localização industrial, da distribuição espacial das
atividades econômicas, do planejamento regional e de áreas industriais é a
geografia industrial. Após a década de 1950, o fator localização abarcou a
renovação da disciplina. Foram realizadas pesquisas sobre teoria, métodos
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e técnicas de mensuração da atividade industrial, pois é um fenômeno que


transforma o espaço terrestre, especialmente o urbano. Enquanto a geografia
econômica aborda o estudo da localização das atividades econômicas com-
binada à produção e ao consumo de bens e serviços, a geografia industrial
investiga a indústria de transformação e processamento de materiais em
produtos que servirão a novos fins e diferentes necessidades. A finalidade da
geografia industrial é a interpretação de diferentes padrões de distribuição,
da escala local à global, e a análise dos processos de implementação desses
padrões, bem como a instalação da estrutura técnica e financeira das indústrias
e suas relações com o meio ambiente.
A localização ideal da indústrias se dá sob duas diretrizes econômicas: o
custo mínimo para se instalar e se manter em um determinado lugar com o
menor gasto possível e a área de mercado, que pode facilitar, por exemplo, o
recebimento de matérias-primas e escoar a produção mais facilmente se estiver
localizada próximo de um porto ou rodovia. Para qualquer atividade, busca-
-se delimitar a melhor localização para seus fluxos perto de infraestruturas,
os fixos, para facilitar o fluxo de produção. São também aplicados modelos
econômicos para questões de localização industrial e métodos quantitativos.
Para medir magnitude e intensidade da atividade industrial são utilizados
critérios de número de estabelecimentos, número de empregos e valor acres-
centado pela transformação industrial.
Os trabalhos de geografia da indústria no Brasil abordam as estruturas
industriais e seu impacto na modificação da paisagem, influenciados pelos
trabalhos dos geógrafos franceses. Até a década de 1970, as pesquisas não
tinham influências da economia e da estatística, com exceção dos trabalhos
de Pedro Geiger, em 1963, e de Beatriz M. S. Pontes, já em 1974. Isso ocorria
porque os dados eram insuficientes por ainda não existir um tipo organização
censitária mais eficiente. Além disso, havia a necessidade de pesquisar dire-
tamente nas indústrias para obter fontes quantitativas atualizadas e entender
o processo e os fluxos industriais. Os trabalhos comumente abordavam uma
única cidade ou um bairro industrial.
Com o desenvolvimento das pesquisas, a atividade industrial começou a
ser tratada como um setor moderno e fundamental em qualquer economia,
além de promover transformações na paisagem e estruturar o espaço na escala
local e global, influenciando toda a população.
Outro fenômeno importante pesquisado no começo da década de 1950, pelo
geógrafo Torsten Hägerstrand, foi a concentração industrial e a implementação
de distritos industriais, um dos instrumentos para desenvolver o setor e
organizar o espaço. Os primeiros distritos industriais surgiram na Inglaterra
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na década de 1930, para solucionar a depressão econômica em certas áreas,


industrializando e atraindo investidores. Nos países desenvolvidos, os distritos
industriais descentralizavam as indústrias concentradas em grandes cidades e
áreas metropolitanas. Nos países subdesenvolvidos, surgiram como impulso
para a industrialização. O termo distrito industrial era usado para designar
formas de aglomeração industrial planejada. Especificamente no Brasil, o
termo industrial é usado para cidade, centro e distrito, para caracterizar áreas
reservadas ao uso industrial. Na Figura 1, é possível observar a distribuição
das indústrias no Brasil que se aglomeram principalmente nas áreas urbanas
promovendo transformações espaciais, econômicas, sociais e políticas, ana-
lisada sob a ótica da geografia econômica e industrial.

Figura 1. Distribuição espacial da indústria e as transformações espaciais promovidas.


Fonte: IBGE (2016, documento on-line).
10 Geografias econômica e industrial

Na década de 1970, as metrópoles já tinham custos de vida e de mão de obra mais


altos. Além disso, havia problemas ligados ao escoamento das mercadorias em virtude
do trânsito e da falta de infraestruturas, por exemplo. O custo mais elevado para fazer
instalações também foi um motivo da queda nos novos investimentos nas metrópoles
nesse ramo industrial. Isso acarretou a transferência das unidades para áreas mais
convenientes, como os distritos industriais, e também para cidades nas adjacências
da metrópole com custos mais vantajosos para as indústrias.

A primeira abordagem de distrito industrial procedeu do trabalho de Alfred


Weber, que tratava da localização industrial pelo ponto de vista da empresa,
considerando gastos mínimos de transporte, mão de obra e de aglomeração.
August Lösch produziu uma teoria de localização considerando a demanda
como principal variável, referente às áreas de mercado. Melvin Greenhut buscou
transpor o modelo de áreas de mercado mobilizando a teoria locacional para
um raciocínio probabilístico. Outro pesquisador importante foi Walter Isard,
que, ao abordar a teoria dos custos mínimos, pesquisava a organização das
variáveis que atuam sobre o fator aglomeração.
Os geógrafos que pesquisavam a geografia das indústrias estudavam meios
e métodos empregados pelas formas dos diversos tamanhos e localizações de
acordo com as trocas externas e internas a seu meio ambiente. Além disso,
esses meios e métodos eram identificados por conflitos de interesses, conhe-
cimento e controle de seu meio ambiente e comportamento (CARVALHO;
VELOSO FILHO, 2017).
Os temas industriais urbanos na literatura geográfica brasileira estão
sob vários enfoques e escalas, partindo de estudos no âmbito regional, como
localização, fluxos de mercadorias e áreas de influência. Em uma escala de
cidades e regiões metropolitanas, há estudos referentes a padrões de localização
e fluxos de matérias-primas e mercados. Há trabalhos importantes de E. Faissol,
M. V. Galvão, M. Santos e P. Geiger, que avançaram em estudos urbano e
regionais, bem como em atividade industrial relacionada a migrações.
Geografias econômica e industrial 11

Relações entre geografia econômica e geografia


industrial
De acordo com Claval (2005), de 1930 a 1970, a atividade de descrição di-
minuiu, e a geografia se tornou uma disciplina aplicável, utilizando modelos
explicativos. Nos anos 1950 e 1960, a chamada nova geografia começou a
utilizar a teoria da localização derivada da teoria dos lugares centrais,
que interpretava a hierarquia das cidades e a formação de regiões polariza-
das (CHRISTALLER, 1966). Os geógrafos analisavam o desenvolvimento
econômico considerando a relevância da informação na vida econômica e a
natureza da economia das cidades e sua função nas relações sociais e espaciais.
Na década de 1960, as pesquisas realizadas dentro da linha da geografia
econômica abordavam a localização das atividades agrícolas e industriais.
Assim, surgiu a divisão dos espaços urbanos para funções produtivas e resi-
denciais, fomentando a teoria das migrações humanas. A geografia econômica
passou a tratar das problemáticas habitacionais, segregações urbanas e também
das atividades ligadas ao turismo.
A partir de 1970, um novo contexto econômico possibilitou novas discussões
teóricas na economia utilizando noções do papel do consumo e dimensões
culturais. Nesse período, a vida econômica se transformou em virtude dos novos
sistemas de transportes rápidos e do desenvolvimento das telecomunicações,
que transformou também o espaço mundial. A intensificação dessas transfor-
mações deu início ao termo globalização. A contemporaneidade foi marcada
pela rapidez nos fluxos de transferências de informação e capitais e, no contexto
intelectual, as ciências sociais assumiram um caráter mais crítico.
Entre as décadas de 1970 e 1980, foi desenvolvida na geografia econômica
uma nova teoria sobre as relações econômicas, incluindo espaço e lugares com
propriedades diferenciadas, não mais homogêneas, representadas pelas ideias
de Paul Krugman. Desse modo, o espaço econômico e os lugares passaram a
ter uma análise mais complexa.
O marxismo assumiu outro enfoque, tendo em vista que economistas e
geógrafos buscaram reintroduzir o espaço na teoria marxista. Os primeiros
estudos foram realizados por David Harvey no livro The limits to capital (Os
limites do capital, no Brasil), de 1982, e pelo economista francês Maurice
Aglietta, que trata da transição entre o modo de produção fordista e pós-fordista.
Geógrafos, como Allen Scott, e economistas, como Robert Boyer, utilizaram
os trabalhos sobre a economia das empresas.
Quando comparamos o modo de produção fordista ao mundo atual, os
custos de transferência e o fluxo das informações por meio dos mercados
12 Geografias econômica e industrial

eram altos e menos fluidos. As grandes empresas sempre tiveram vantagens


sobre as empresas pequenas e médias, pois podiam arcar com os altos custos
para assegurar a transferência à longa distância das informações. Por meio
das novas tecnologias de transporte e de telecomunicações, a transferência
de informações pelos mercados se tornou mais econômica. Surgiu, então, a
fase da flexibilidade, do regime de acumulação flexível. Nessa fase, surgiu
no Japão um modelo de produção de mercadorias, o Toyotismo, para uma
maior flexibilização na fabricação de produtos, adequando-se à demanda,
com menor estoque. Além disso, as indústrias começaram a diversificar os
tipos de produtos fabricados com a facilitação da automatização de fases da
produção, o que exigiu uma força de trabalho mais qualificada e que exercesse
mais de uma função.
As pesquisas ligadas à geografia econômica na sociedade de consumo, a
concepção dos bens e os modos de consumi-los tiveram um papel central na
dinâmica econômica. Nesse contexto, os trabalhos com abordagem cultural
se desenvolveram, e o papel do consumo contemporâneo originou a geografia
econômica cultural. Esse ramo estuda a influência da cultura na esfera do
consumo, além de analisar os circuitos econômicos ligados à cultura e à
metropolização.
No fim do século XX, as pesquisas geográficas englobaram questões de
mobilidade, ligadas à migração e globalização, desenvolvimento do comércio
global e dos oligopólios, de empresas multinacionais principalmente. As
relações entre a geografia econômica e industrial ocorreram nesses pontos,
além de questões de metropolização, hierarquias urbanas e o papel das grandes
cidades e dos lugares, em uma relação interescalar.
A geografia econômica atual se estruturou por meio de várias abordagens,
considerando a economia da informação e da comunicação, a economia do
conhecimento e dos distritos industriais, que são exemplos dessa convergência
entre geografia econômica e industrial. A origem da geografia econômica
e seu desenvolvimento teórico-metodológico foram marcados por vários
contextos econômico-sociais que determinaram mudanças e reestruturações
e impulsionaram a geografia como ciência, a entender a realidade por meio
de uma ótica espacial. A partir de 1950, transformações dadas por situações
internas à disciplina, conjunturas externas políticas e econômicas e relações
com outras disciplinas, principalmente com a economia, conectaram-se à
realidade socioeconômica da época, motivando assim debates e revisões
metodológicas.
A geografia econômica se consolidou no começo do século XX pela acu-
mulação de informações econômicas de países e cidades, com mais dados
Geografias econômica e industrial 13

sobre aspectos físicos, pelo desenvolvimento de pesquisas sobre agricultura,


por meio de relatórios comerciais e pelos fundamentos da geografia humana.
A geografia econômica foi fundamentada, então, nos aspectos da economia,
na concepção do ser humano como ser econômico e na influência do espaço
geográfico na vida do indivíduo e no coletivo.
Por isso, ao tratar do período atual sob a ótica da geografia econômica
e industrial, é importante considerar a globalização como expansão da
informação com as técnicas financeiras, possibilitando que os operadores
financeiros possam funcionar todo o tempo e em todos os lugares. Esses
agentes demandam um estudo, pois têm à sua disposição, no presente, um
meio geográfico eficiente para a transmissão de informações, bens e ativos
financeiros simultaneamente e ininterruptamente, como mostra a Figura 2,
com toneladas de materiais e produtos circulando pelo mundo em navios,
pelos mares, ilustrando o comércio globalizado.

Figura 2. Mapa interativo do comércio global por navios, 2016.


Fonte: [Shipmap] (2012, documento on-line).

O aumento do poder dos atores financeiros pode ser identificado em função


de outros elementos centrais da economia contemporânea. As grandes em-
presas têm seus próprios setores financeiros, mesmo que sua atividade-fim
não seja financeira, como aquelas ligadas ao agronegócio, às indústrias, às
empresas de comércio e serviços. Dessa forma, por meio dessas novas bases
técnicas e políticas que ofereceram novos suportes à circulação do dinheiro
(SANTOS, 1996), ocorreu também uma ampla e profunda monetarização da
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vida cotidiana e houve um acirramento da concentração de riqueza. Além


disso, os elementos produtivos mais modernos foram concentrados em pontos
específicos do planeta, com aumento da desigualdade do poder econômico e
político das nações. Tais questões podem ser debatidas, conhecidas e pesqui-
sadas por meio da geografia e suas subdivisões, como a geografia econômica
e a geografia industrial.

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Geografias econômica e industrial 15

SANTOS, M. Geografia e desenvolvimento econômico. Conferência pronunciada no


Curso de Desenvolvimento Econômico, da Faculdade de Ciências Econômicas da
Universidade da Bahia. Salvador: UFBA, 1959.
SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países sub-
desenvolvidos. São Paulo: Edusp, 1979.
[SHIPMAP]. [S. l.: s. n.], 2012. Disponível em: https://www.shipmap.org/. Acesso em: 3
nov. 2019.
SILVA, A. C. da. A geografia econômica segundo Karl Sapper. São Paulo: Instituto de
Geografia, 1970.

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GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Mait Bertollo
Processos históricos da
geografia econômica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a história da geografia econômica.


 Analisar a evolução da economia mundial no século XX.
 Relacionar a economia com a (re)produção do espaço geográfico.

Introdução
O espaço geográfico sofre transformações decorrentes das relações
econômicas. Da mesma forma, as atividades econômicas também são
modificadas por fatores relacionados ao espaço geográfico. A geografia
econômica é o campo da geografia humana que tem como objetivo
o estudo dessa influência mútua, além da produção e da distribuição
de atividades ligadas à economia. Para estudar o desenvolvimento de
conceitos desse campo de estudo, portanto, é fundamental entender
a história das transformações econômicas e o seu impacto no espaço
geográfico.
Neste capítulo, você vai ler sobre a história da geografia econômica
nos âmbitos internacional e nacional, passando também pela evolução da
economia mundial no século XX. Além disso, vai estudar alguns conceitos
elaborados por geógrafos para explicar a conjuntura política e econômica
por meio do espaço geográfico.

História da geografia econômica


O conceito de espaço é central na abordagem da economia e da política.
Pensadores como Karl Marx, Jean Paul Sartre, Milton Santos, David Harvey
e Paul Claval oferecem análises e fundamentos sobre o espaço organizado
socialmente. As formas e funções desse espaço se transformam a cada período
2 Processos históricos da geografia econômica

histórico, pois é a esfera de permanência do ser humano e o lugar de vida que


está sendo continuamente reorganizado. Para Karl Marx e Jean Paul Sartre,
espaço e ser humano se combinam, enquanto o geógrafo Milton Santos esta-
belece que o ser humano é central na transformação do espaço.
Na geografia francesa, o tema da economia e das finanças apareceu ao
longo da própria evolução da geografia no contexto de sua sistematização.
Jean Dresch (1946) propôs o estudo de uma variável financeira para entender
o colonialismo por meio dos investimentos internacionais. Com isso, o autor
questionou como seria possível compreender as transformações dos países e a
vida humana dos países dependentes, coloniais ou neocoloniais sem analisar
as condições e as formas dessa mesma dependência. Jean Gottmann (1957)
estudou a formação dos principais mercados mundiais de matérias-primas. Os
locais que tinham recursos cultivados ou extraídos da natureza e que, poste-
riormente, eram consumidos ou transformados em mercadorias se tornaram
também importantes praças financeiras. Isso revela que a atividade comercial
internacional é uma das maiores requerentes de dinheiro, crédito e de outras
variáveis financeiras correspondentes.
No estudo da economia de uma perspectiva espacial, os geógrafos Jean
Labasse, Michel Rochefort e Pierre Monbeig foram muito importantes. Jean
Labasse (1955), no livro Os capitais e a região: estudos geográficos, estudou
a função econômica e financeira dos bancos em suas relações com o espaço
das cidades e das regiões. Para o autor, a ação dos bancos tem relação direta
com os gêneros de vida, isto é, os bancos entendem os costumes locais para
conquistar a confiança de seu público. Labasse também analisou os fluxos
de capitais e como sua circulação se relaciona com as redes e infraestruturas
no espaço geográfico.
Já Pierre Monbeig (1957) sistematizou a economia e as finanças no artigo
“Capital e geografia”. Para estudar a organização econômica e financeira das
regiões, Monbeig propôs o conceito de região bancária, sugerindo que os
bancos mantêm relações com lugares e atores financiados, animando a vida
da região. Além disso, para o autor, tanto o dinheiro quanto o fluxo de trans-
portes, de matérias-primas, de bens e pessoas têm uma lógica de circulação,
que pode definir e individualizar uma região com características próprias.
Michel Rochefort (1960), por sua vez, sistematizou a geografia urbana
e propôs o conceito de rede urbana para estudar economia. Rochefort de-
senvolveu também a ideia de vida de relações das cidades, “[…] que são os
conjuntos de fluxos (de pessoas, de bens, de serviços e informações) que cada
aglomeração exige para seu funcionamento” (CONTEL, 2016, documento
on-line). Nesse contexto, houve também o estudo das redes bancárias e das
Processos históricos da geografia econômica 3

atividades de comércio, serviços e de administração que elas propiciam para


seu entorno. Bancos, comércio e serviços, além da população nas cidades e
a presença de atividades industriais, começaram a ser os principais fatores
para definir os contornos das redes urbanas regionais e para interpretar o
funcionamento das cidades e regiões sob um aspecto espacial da economia.
Em relação ao território brasileiro, os geógrafos Helena Kohn Cordeiro,
Roberto Lobato Corrêa, Milton Santos e Leila Dias escreveram os primeiros
trabalhos para entender a espacialidade das variáveis econômicas. Tradicio-
nalmente, a história da geografia econômica no Brasil tratou da agricultura,
das cidades e suas funções, dos transportes, da indústria e do comércio. A
espacialização da economia e das finanças foi objeto de estudo de diversos
autores, como Oswaldo Benjamim de Azevedo (1962), que estudou as funções
urbanas e regionais do comércio da cidade do Rio de Janeiro, tratando da rede
bancária e de como se desenvolveram as funções da cidade. O autor observou
como a Cidade tinha uma grande concentração da rede bancária, de consu-
midores e de comércio. Ainda na década de 1960, o geógrafo Uyvão Antonio
Pegaia pesquisou a rede bancária da cidade de São Paulo, com enfoque na
geografia econômica (PEGAIA, 1965), descrevendo a localização das sedes
dos bancos e as atividades que giravam em torno desses agentes na São Paulo
do século XIX até́ as primeiras décadas do século XX.
Helena Kohn Cordeiro, Roberto Lobato Corrêa, Milton Santos e Leila
Christina Dias também realizaram pesquisas mais sistemáticas sobre a relação
da geografia com a economia e com as finanças, tratando de fenômenos mais
recentes, do fim dos séculos XX e XXI. Esses geógrafos, bem como Carlos
Augusto Franco da Silva, trazem questões de caráter nacional e internacional
dos estudos, com o uso de pressupostos da economia políticas e temas sobre
o monopólio de corporações e a centralização dos capitais, combinados aos
estudos sobre a dinâmica da rede urbana e da metropolização. Há também
um enfoque maior sobre o sistema bancário comercial, instituições do sistema
financeiro, como o próprio Estado e o Banco Central do Brasil, com suas leis
sobre a atividade financeira.
Além disso, foram incorporados aos estudos da geografia econômica as
chamadas técnicas da informação, isto é, as telecomunicações, a informática
e os centros de processamento de dados, por exemplo. Isso consolidou a
informação como uma categoria central para esse tipo de estudo. Um dos
conceitos que refletem essa nova categoria é o de meio técnico-científico-
informacional, proposto por Santos (1994; 1996).
4 Processos históricos da geografia econômica

Meio técnico-científico-informacional é um conceito que interpreta o desen-


volvimento dos processos de transformação do espaço geográfico. Milton Santos
considerou essas transformações desde o meio natural, sucedendo para o meio técnico,
até chegar ao período atual, com maior uso das ciências e influência das informações
sobre as formas espaciais. Todas essas mudanças no espaço são condicionadas pelas
atividades humanas.
O meio natural é o período em que as técnicas eram dependentes da natureza,
em que o ser humano ainda não produzia grandes transformações com interferências
locais sobre o meio e ainda predominava a preservação da natureza. Como exemplo
havia as técnicas de rotação de culturas na agriculta, em que o uso do solo era feito
para estabelecer um equilíbrio entre uso e preservação da natureza.
O meio técnico concebeu o espaço mecanizado, com o ingresso de objetos e
sistemas tecnológicos no meio produtivo. Um exemplo é a Primeira Revolução Industrial,
ainda que já houvesse algumas técnicas obsoletas sobre o meio geográfico. Começou
nesse período uma sobreposição dos vários tipos de objetos técnicos de forma desigual
em diferentes regiões e territórios. A Divisão Internacional do Trabalho e a dependência
das atividades humanas sobre o uso de maquinários e instrumentos se intensificaram.
O meio técnico-científico-informacional representa a etapa em que se encontra
o sistema capitalista de produção e as transformações do espaço geográfico. Esse
período se relaciona com a Terceira Revolução Industrial, conhecida também como
Revolução Científica Informacional, que se desenvolveu de forma mais intensa a partir
dos anos 1970. Ocorreu, então, a união entre as técnicas e a ciência, conduzidas pelas
lógicas de mercado, que, pelos avanços tecnológicos, se expandiu e se consolidou
no processo de globalização. Exemplos dessas transformações são o uso de internet
de modo simultâneo, com trocas de grandes fluxos de informação, uso dos drones
em ações militares e telecirurgia a distância.
Os objetos técnicos também têm informação e funcionam a partir dela, o que valida
o nome do atual período de transformações do espaço geográfico. O processo de
globalização, portanto, também se explica devido aos avanços possibilitados pelo
meio técnico-científico-informacional.

A geógrafa Helena Kohn Cordeiro realizou estudos pioneiros na década


de 1980 e 1990 sobre economia e finanças no Brasil. Suas análises ocorreram
por meio da manifestação econômica no conjunto da rede urbana do território
nacional, com trabalhos sobre a economia metropolitana, os centros financeiros
e a relação dominação-dependência na situação da Divisão Internacional do
Trabalho contemporânea.
Roberto Lobato Corrêa produziu muitos trabalhos a partir dos anos 1980
considerando a distribuição dos pontos de controle de agentes econômicos e do
Processos históricos da geografia econômica 5

setor financeiro no Brasil, principalmente ligados à rede urbana em processo


de transformação. Como exemplo, podemos citar o aumento da centralidade de
São Paulo como o epicentro das atividades financeiras do território brasileiro,
a diminuição de bancos médios e pequenos instalados fora das metrópoles, o
aumento do número e da diversificação de empresas financeiras como com-
panhias de seguros, as corretoras de valores, os bancos de investimento e as
sociedades de crédito imobiliário. Também foram identificadas nas metrópoles
as áreas que atraem empresas de controle transacional da economia.
Roberto Lobato Corrêa é autor dos artigos “Concentração bancária e os
centros de gestão do território” e “Dinâmica do espaço financeiro brasileiro”,
em que sugere importantes definições sobre a relação entre o espaço geográfico,
a economia e as finanças. Desenvolveu o conceito espaço financeiro, que é
o conjunto de lugares onde há circulação de capital relativo aos depósitos,
empréstimos, descontos, cobranças, juros, lucros e rendas, bem como salá-
rios, investimentos e serviços, que envolve pelo menos uma unidade do setor
financeiro, até mesmo uma única agência (CORRÊA, 1993; 2006).
Além disso, nesse período, outras contribuições do geógrafo Milton Santos
foram significativas para o tema da geografia econômica, desde a publicação de
sua obra A natureza do espaço em 1996. O livro O Brasil: território e sociedade
no início do século XXI possibilitou uma nova interpretação do fenômeno da
economia e das finanças sob a lente espacial (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Compreendeu-se, então, que a globalização possui duas variáveis impres-
cindíveis: as finanças e a informação, com a “tirania do dinheiro”, derivada da
forca econômica e política de grandes corporações financeiras (bancos globais,
organismos financeiros multilaterais, fundos de pensão, bolsas de valores,
investidores institucionais etc.) e da disponibilização de leis e regulações que
promovem e legalizam a ação hegemônica dessas corporações. Os organismos
multilaterais internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, o
Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial agem para tornar mais
veloz, simultânea e onipresente a circulação do capital financeiro, para que os
mercados nacionais dos países se adequem às lógicas de corporações globais
(SANTOS, 1996).
A globalização, portanto, se dá pela união das técnicas da informação
com as técnicas financeiras, permitindo que os operadores financeiros pos-
sam funcionar a todo o tempo e em todos os lugares, dispondo de um meio
geográfico eficiente para transmitir informações e capitais, o chamado meio
técnico-científico-informacional. Santos (1994; 1996; 1999; 2000; 2001) des-
taca a ampla e profunda monetarização da vida cotidiana e o acirramento da
concentração da riqueza e dos elementos produtivos mais modernos em pontos
6 Processos históricos da geografia econômica

específicos do planeta, com ampliação da desigualdade do poder econômico


e político das nações.
As contribuições dos geógrafos mencionados permitiram o desenvolvimento
da ciência geográfica e dos estudos da geografia econômica para a explicação
espacial dos fenômenos econômicos e financeiros de cada período histórico.
Os estudos da geografia sobre a dinâmica histórica do capitalismo avançaram
e ainda avançam para desenvolver conceitos necessários para entender o
espaço geográfico e suas mudanças. Tais conceitos servem para ampliar de
forma analítica a interpretação das relações entre fatores econômicos, sociais,
políticos e culturais no contexto de cada país.

Evolução da economia mundial no século XX


Para tratar a evolução da economia mundial no século XX, teremos como
pressupostos o sistema capitalista e a organização do trabalho, realizando
uma síntese histórica do século XIX. Dessa forma, será possível compreender
as bases que estabelecem as características da economia do século XX.

Breve resgate histórico da economia do século XIX


Partiremos da Segunda Revolução Industrial, com início na segunda metade
do século XIX, que correspondeu a um novo momento de modernização
de técnicas, permitindo ganhos de produtividade. Os novos conhecimentos
científicos, a partir do século XIX, possibilitaram importantes inovações,
como o uso da energia elétrica em máquinas industriais e o uso do petróleo
em motores de explosão, destacando as inovações na indústria do aço, na
energia e nos transportes.
O motor de explosão e a eletricidade fizeram com que as indústrias não
precisassem mais obrigatoriamente se localizar junto a rios e jazidas minerais,
transformando assim a organização espacial. Os veículos que utilizam motor
de explosão, como automóveis e bondes, propiciaram mais mobilidade, e as
cidades começaram a ser amoldadas a esses novos meios e sistemas de trans-
porte. Os centros urbanos na Europa, já no fim do século XIX, expandiram-se
até onde esses transportes podiam chegar. As cidades, então, conseguiram
ampliar seu espaço de acordo com a possibilidade de deslocamento das pessoas.
Essas inovações contribuíram para a transformação do espaço geográfico. As
novas tecnologias suscitaram o desenvolvimento da indústria pesada, como a
siderurgia, a metalurgia e a de máquinas e equipamentos industriais. Os motores
Processos históricos da geografia econômica 7

de explosão impulsionaram a fabricação de automóveis e, consequentemente,


incentivaram a indústria petrolífera. A introdução da energia elétrica fez surgir
o motor dessa fonte, tornando mais rápida a produção industrial, e ainda foram
produzidos os primeiros eletrodomésticos, que mudaram radicalmente a vida
cotidiana das famílias. Nas fábricas, as máquinas se tornaram motorizadas.
Para que isso acontecesse, algumas indústrias se associaram para ampliar a
capacidade produtiva e competitiva, e os bancos passaram a compartilhar dos
lucros das atividades industriais. Nesse período, ocorre uma extraordinária
concentração de capital em um pequeno número de empresas, que formaram
grandes monopólios e oligopólios. À medida que elas ampliavam seus lucros,
aumentavam seu poder industrial. Muitas indústrias acabaram desaparecendo
por não ter a mesma capacidade competitiva.

No monopólio, uma única empresa detém um segmento do mercado consumidor


com seus produtos e/ou serviços. Dessa forma, não há concorrência. No oligopólio,
um pequeno grupo de empresas monopoliza um setor da economia, dominando
a oferta de vários produtos e serviços, estabelecendo e determinando seus preços.
Nesse caso, há entre elas mais acordos do que competição.

As mudanças em virtude da Segunda Revolução Industrial, a partir da


segunda metade do século XIX, intensificaram o processo de urbanização,
pelas novas técnicas desenvolvidas no período e pela transformação dos es-
paços dos centros, sobretudo nos Estados Unidos e em países centrais da
Europa. Nasceram núcleos comerciais, hospitais, delegacias, cartórios, escolas
e empresas que seguiram essa concentração da população no espaço. Isso
também propiciou o surgimento de novos meios de transporte, como bondes,
para favorecer o trânsito crescente de pessoas e mercadorias.
Portanto, quando o capitalismo monopolista se constituiu, por volta de
1950, ocorreu uma divisão entre potências industriais e países periféricos, de
economia agrária e mineradora. Inglaterra, Alemanha e França, por exemplo,
eram os mais industrializados, além dos Estados Unidos, que estavam em
acentuado crescimento. Os países da América Central e do Sul, como o Brasil,
e muitos do continente africano eram os fornecedores de matérias-primas e
consumidores dos produtos industrializados. A relação entre os países foi
8 Processos históricos da geografia econômica

beneficiada pelo desenvolvimento na comunicação, com a telegrafia, e nos


meios de transporte, com as ferrovias e a navegação.

A economia na transição do século XIX ao século XX


No começo do século XX, assistiu-se a uma crise de grandes proporções
no desenvolvimento capitalista. As fábricas, incapazes de vender os bens
que produziram, paralisaram suas atividades. O mesmo aconteceu com a
produção agrícola, que não possuía compradores. Trabalhadores perderam os
empregos, reduzindo ainda mais o número de consumidores, e as ações das
empresas nas bolsas de valores desvalorizaram, com prejuízos consideráveis
(CORRÊA, 1993).
O processo industrial até então era fundamentado no modelo fordista,
com busca incessante de mercados para aumentar a produção. No entanto, a
produção em massa ocasionou um excesso de produção de bens, que não foi
absorvido pelo mercado consumidor da época, incluindo o mercado europeu.
Esse foi um dos principais elementos que desencadearam a crise de 1929,
conhecida como quebra da Bolsa de Nova Iorque.
Para superar a crise, o governo dos Estados Unidos estabeleceu um conjunto
de medidas conhecido como New Deal. Dessa forma, o Estado teve papel
mais ativo na economia, com ações para proteção das empresas nacionais e
investimentos em infraestrutura e programas sociais. Apenas após a Segunda
Guerra Mundial o descompasso entre a produção e a demanda de consumo
foi superado. Com a recuperação do crescimento das indústrias, as cidades
industrializadas continuaram a se desenvolver (SANTOS, 1999).
A consolidação do sistema fordista teve como base transformações técnicas,
organizacionais e sociais. Esse modelo inseriu transformações na organização
industrial e do trabalho, desencadeando também profundas alterações no
modo de vida das pessoas. O criador desse modelo de produção, Henry Ford,
instalou a primeira linha de produção de automóveis de forma automatizada,
em 1914. Esse foi o modelo de gestão de produção até a Segunda Revolução
Industrial e chegou a durar até a década de 1980, ainda que, na década de 1970,
já tivesse iniciado o processo da Terceira Revolução Industrial. O fordismo
teve como fundamento um sistema de produção em massa, a linha de pro-
dução. Tecnicamente, era formado por linhas de montagem semiautomáticas,
permitidas por altos investimentos para desenvolver máquinas e instalações
das indústrias (SANTOS, 1994; 1999).
Processos históricos da geografia econômica 9

A Terceira Revolução Industrial começou nos Estados Unidos e em países centrais da


Europa, como França e Alemanha, quando os desenvolvimentos científicos se uniram
fortemente com a produção. Um exemplo é utilização da energia nuclear do átomo.
Iniciou-se por volta de 1970 com a evolução do uso da robótica em linhas de montagem
de automóveis e consolidou-se nos anos 1990 com o uso do computador pessoal e
da internet. A Terceira Revolução Industrial se destacou pelos avanços tecnológicos
e científicos na indústria e progressos técnicos na agricultura, pecuária, comércio e
prestação de serviços. Todos os setores da economia foram influenciados por novas
técnicas científicas e informacionais. A globalização foi um evento importante para
produção e relações comerciais entre diversos países do mundo, possibilitando a
massificação dos produtos, principalmente na área da tecnologia da informação e
comunicação (SANTOS, 2000).

Na economia mundial do século XX, além da expansão industrial e tec-


nológica, destaca-se também a participação dos Estados Unidos nas duas
guerras mundiais. Durante a Segunda Guerra Mundial, os poderes econô-
mico e militar do País se intensificaram. Quando a guerra acabou, em 1945,
sua supremacia e influência política sobre vários países subdesenvolvidos se
firmaram. Isso fez com que tivesse forte impacto no capitalismo. Fornecia
auxílio financeiro para que as nações europeias pudessem se recuperar, o que
ficou conhecido como Plano Marshall, reafirmando seu poder também na
Europa (SANTOS, 2000). O dólar passou a ser a moeda de troca utilizada em
todo o comércio internacional, e o País espalhou sua hegemonia, sua domina-
ção cultural, militar, econômica e política pelo planeta, sobretudo nos países
subdesenvolvidos. Assim, os Estados Unidos se tornaram o país capitalista
mais desenvolvido, além de a maior potência industrial e agrícola do planeta,
possuidor de volumosos recursos financeiros e o principal comprador das
reservas de ouro do mundo (LABASSE, 1955).
Outra importante mudança no aspecto econômico e geopolítico após o fim
da Segunda Guerra Mundial ocorreu na relação de forças que se instituiu entre
os países mais fortes do planeta, a Guerra Fria, instituída com a Doutrina
Trumann (1947–1991). Os países da Europa que participaram da Segunda
Guerra estavam desestruturados por causa do conflito, com cidades e campos
arrasados, produção e indústrias desarranjadas e muitas dívidas, além das
decorrências de mortos e feridos. Os Estados Unidos, a potência vitoriosa no
conflito, tornou-se o país mais poderoso do mundo capitalista. Porém surgiu
10 Processos históricos da geografia econômica

uma nova potência, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),


que também venceu a guerra, consumando o socialismo que já era um sistema
vigente desde 1917. Diferente do capitalismo, o socialismo é um sistema social
e econômico que, sinteticamente, tem uma organização econômica em que
administração e propriedade são públicas ou coletivas, assim como os meios
de produção e distribuição de bens, propondo uma sociedade marcada pela
igualdade (CORRÊA, 1993). O planeta passou a ser comandado por dois
blocos: o socialista e o capitalista, representados pela URSS e pelos Estados
Unidos, respectivamente, que disputavam a liderança sobre as outras nações.
O antagonismo entre esses dois blocos promoveu a Guerra Fria. Ainda que
ambos os Países tivessem um requintado arsenal destrutivo, como aviões caças,
mísseis nucleares, submarinos e navios de guerra, não houve enfrentamento
em um campo de batalha. O confronto foi no campo diplomático econômico,
com corrida armamentista e expansão de áreas de influência por meio de apoio
político, financeiro e militar a conflitos que aconteciam em outros continentes,
como as guerras da Coreia, do Vietnã e do Afeganistão (PEGAIA, 1965).
A disputa pela ampliação do poder alavancou as indústrias bélicas des-
ses Países, que produziam e comercializavam armas para outras guerras.
O desenvolvimento tecnológico promovido pela indústria bélica permitiu a
transformação da economia, da política e do espaço mundial do século XX.
As tecnologias como telefones sem fio, protótipos de smartphones, satélites,
cabos de fibra óptica, computadores e rede de internet foram concebidos nesse
período para fins militares e hoje são essenciais nas indústrias, nos serviços,
nas telecomunicações e na vida cotidiana. O controle remoto dos televisores
é um exemplo, pois utiliza a tecnologia desenvolvida originalmente para pro-
duzir mísseis teleguiados. A concorrência entre os Estados Unidos e a URSS
visava manter e conquistar territórios, disputando recursos naturais, mercados
consumidores, controle de rotas, energia e tecnologia (SANTOS, 2000).
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o comércio internacional cresceu
intensamente com as evoluções técnicas nos transportes, nas telecomunica-
ções, na informática, na relação entre indústrias e entre países. Quando nos
remetemos ao processo de grande dinamismo econômico na Ásia no presente,
a China, é o país que possui a maior parte das trocas comerciais, com números
importantes nas importações e exportações de mercadorias. A integração da
China no comércio global contribuiu para o processo de globalização. Em
escala menor, países do Sudeste asiático, como Filipinas, Malásia, Tailândia,
Indonésia e dos países pertencentes ao grupo dos chamados Tigres Asiáticos,
como Taiwan e Coreia do Sul, também abriram seus mercados para a partici-
pação no competitivo comércio internacional. Essas ações tiveram início após
Processos históricos da geografia econômica 11

o fim da Guerra Fria, com a fragmentação da União Soviética e da divisão do


planeta entre os países influenciados pelo capitalismo e outros influenciados
pelo socialismo. Com a conjuntura predominada pelo sistema capitalista, houve
o acirramento da competição econômica e tecnológica mundial. Formaram-
-se, então, vários polos econômicos, e a Ásia se consumou como uma nova
fronteira do capitalismo, atraindo vários países que começaram a investir
no mercado asiático, importando produtos e também vendendo mercadorias
(CORRÊA, 2006).
Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, cresceu a implantação de
filiais em diferentes países. Os Estados Unidos criaram filiais em países
europeus, principalmente subdesenvolvidos, evitando crises de produção e
ampliando seus domínios de mercado. Empresas da Alemanha, da França, da
Inglaterra e do Japão também criaram filiais em diferentes partes do planeta.
Dessa forma, a política de relação internacional passa a ser determinada de
forma mais coesa pelos países desenvolvidos (SANTOS, 2000).
A chegada de filiais de grandes empresas internacionais ao Brasil aconteceu
a partir da década de 1950, quando muitas delas, dos Estados Unidos e da
Europa, instalaram-se em vários países da América Latina. O polo industrial
do ABCD Paulista, por exemplo, foi formado por indústrias automobilísticas.
O ABCD Paulista faz parte da região metropolitana de São Paulo, represen-
tada por Santo André (A), São Bernardo do Campo (B), São Caetano do Sul
(C) e Diadema (D). Junto ao crescimento industrial do ABCD, houve um
desenvolvimento da organização sindical na região para a consolidação do
movimento sindical brasileiro (CORRÊA, 1993).
A vinda das indústrias exigia a ampliação da mão de obra na região, que
foi suprida pela intensificação do êxodo rural em vários Estados brasileiros,
como ocorreu na região do semiárido nordestino, principalmente por causa
das secas e da pobreza. Essa migração também se deu pela modernização do
processo de trabalho no campo e pela concentração de terras, para atender ao
consumo urbano crescente.
Nas metrópoles, a falta de investimento em serviços sociais (saúde, educação
e transporte, principalmente) e a especulação imobiliária geraram numerosos
problemas urbanos, até hoje vivenciados, com a periferização das grandes
cidades. Com a chegada das indústrias e a ampliação da oferta de empregos,
muitos trabalhadores foram atraídos para os centros urbanos, causando o
crescimento rápido e intenso das cidades, o que, sem planejamento, trouxe
consequências negativas para a população (SANTOS; SILVEIRA, 2001).
12 Processos históricos da geografia econômica

Economia e transformações do espaço


geográfico
A partir dos anos 1970, a economia e a política passaram por velozes e profundas
mudanças, que cooperaram para o processo de globalização e para as transfor-
mações espaciais. Houve uma integração intensa dos mercados e das relações
internacionais, propiciadas pelos meios de comunicação e transportes em
virtude dos avanços tecnológicos da segunda metade do século XX em diante.
Segundo Santos (2000), a globalização pode ser compreendida por vários
aspectos, entre eles o econômico, e trouxe consequências importantes para a
organização e a estruturação do espaço. As principais características são as
mudanças tecnológicas e a distribuição desigual dos sistemas técnicos pelo
planeta. Os processos modernos de produção nas indústrias, o grande aumento
na exportação e na importação de mercadorias e o intenso fluxo de produtos e
capitais pelo mundo estabeleceram condições para que as mudanças ocorressem.
O espaço geográfico é uma funcionalização da globalização e é produzido
para permitir fluir suas necessidades. Assim, é o espaço geográfico que viabiliza
a globalização, pois nele se materializam três de seus pressupostos: “[…] a unici-
dade técnica, a convergência dos momentos e a unicidade do motor” (SANTOS,
1994, p. 49). A unicidade técnica é a capacidade de instalar qualquer tecnologia
produtiva em qualquer parte do mundo. Já a convergência dos momentos é pro-
porcionada pela unificação técnica, que significa os vários sistemas complexos
que têm a capacidade de produzir a comunicação em tempo real, como é o caso
da internet. A unicidade do motor pode ser entendida como a direção centra-
lizada e unificada, como a direção do mundo econômico e das finanças pelos
executivos e gestores que atendem aos interesses dos proprietários de empresas
transnacionais e do sistema financeiro internacional. Logo, existe nesse período
um mercado hierarquizado e articulado pelas firmas hegemônicas, nacionais e
estrangeiras que comandam o território com apoio do Estado (SANTOS, 2000).
Como a globalização é caracterizada também pela união entre ciência e
técnica a serviço das grandes empresas, é enorme a produção de importantes
inovações, como as telecomunicações, com desenvolvimento de satélites e fibras
óticas, a informática, novas fontes de energia, como a solar, a engenharia gené-
tica, os avanços na química e na engenharia de materiais. Esses avanços estão
em todos os setores da economia, com mais ou menos intensidade e impacto
crescente no cotidiano de todos, reestruturando a materialidade do espaço, o
tamanho das indústrias e o tipo de mão de obra utilizada (SANTOS; SILVEIRA,
2001). A internet, por exemplo, modificou sobremaneira a forma de trocar
informações, promovendo as interações pessoais, profissionais, comerciais e
Processos históricos da geografia econômica 13

culturais. No entanto, esse fenômeno não ocorreu de maneira generalizada em


todos os países, o que acabou gerando desigualdade. Considerando isso, assim
como a educação e a saúde pública, o acesso à internet tem sido utilizado como
um dos indicadores de desigualdade. Isso pode ser observado na Figura 1, que
demonstra o percentual de pessoas sem acesso à internet no mundo.

Figura 1. Percentual de indivíduos que não utilizam a internet.


Fonte: Adaptada de International Telecommunication Union (2016, documento on-line).

Outro aspecto importante da globalização é a crescente competição e a


consequente necessidade de redução de custos para que as empresas possam
ampliar sua atuação em diferentes lugares do planeta. Essa ampliação ocorre
principalmente em direção aos países subdesenvolvidos, que proporcionam
mais facilidades para instalação, com isenção fiscal e baixo custo da mão de
obra. Essas empresas também investem em inovação e tecnologia, em centros
de pesquisa nos países desenvolvidos, com laboratórios e universidades, e são
os que mais aplicam em educação. Esse avanço possibilita às empresas maior
concentração de riquezas. Além disso, as grandes corporações controlam a
venda de produtos de alta tecnologia, como smartphones, computadores,
equipamentos de telecomunicação, satélites, aviões, remédios e vacinas, do-
minando os mercados, as patentes e a inovação.
Nesse contexto, configura-se espacialmente a posição de cada tipo de
país. Os subdesenvolvidos dependem das grandes corporações para receber
investimentos e importar produtos e serviços. Países desenvolvidos exportam
matéria-prima de países subdesenvolvidos por um custo baixo. No entanto,
14 Processos históricos da geografia econômica

para países subdesenvolvidos, importar tem um custo alto, já que o produto


ou serviço final tem maior valor agregado. Dessa forma, há uma submissão da
economia dos países subdesenvolvidos aos países ricos. Esse tipo de comércio
tem como base a lógica política e econômica do neoliberalismo. Isso signi-
fica que o poder público participa minimamente na economia e implementa
uma restrição fiscal, em que gastos com serviços públicos, como educação e
saúde, são diminuídos, causando o sucateamento desses serviços. Assim, as
empresas privadas têm maior liberdade para atuar, inclusive nesses segmentos,
reestruturando os serviços e mudando a noção de direitos ao cidadão para
direitos ao consumidor, ou seja, somente aquele indivíduo que pode pagar pelo
serviço conseguirá acessá-lo. Além disso, na política neoliberal, a privatização
de empresas estatais passa o controle a empresas privadas. O patrimônio que
era público passa a ser utilizado pelas empresas para a aquisição de lucros
crescentes. Um exemplo é a privatização das empresas de telefonia no Brasil,
que atuaram no desenvolvimento tecnológico das redes de telecomunicação
mundial e na ampliação do acesso à telefonia, mas aumentou o custo e diminuiu
a qualidade da prestação de serviços (SANTOS, 2000).
A economia transformada pelos processos de globalização ampliou a movi-
mentação de pessoas entre países e continentes. A emigração de brasileiros para
os países desenvolvidos é um exemplo. Em momentos em que o Brasil passa
por intensas crises financeiras, os brasileiros podem ser barrados na entrada de
vários países. Durante o crescimento dos Estados Unidos, do Japão e de nações
da Europa, a partir da segunda metade do século XX, trabalhadores de países
subdesenvolvidos eram aceitos nesses lugares, pois sua mão de obra barata era
explorada como saída para diminuir custos a construção de infraestruturas e
serviços, por exemplo (CORRÊA, 1993). Porém com as crises financeiras tam-
bém ocorrendo em países desenvolvidos, esses imigrantes já não são admitidos,
pois são vistos pela população dos países desenvolvidos como concorrentes
no mercado de trabalho. As políticas de imigração ficaram mais rígidas, e o
ataque a estrangeiros tornou-se mais comum nesses países (SANTOS, 2000).
A história da geografia econômica, portanto, pode ser interpretada em
escala maior, a internacional, e em escala menor, a nacional. Para interpretar
como a economia impacta nas transformações espaciais, muitos geógrafos
organizaram conceitos para entender a conjuntura política e econômica por
meio do espaço geográfico. Os principais aspectos da economia mundial do
século XX motivaram as mudanças do espaço por eventos tanto globais quanto
nacionais, o que fez as teorias da geografia econômica serem desenvolvidas e
também mudarem, de acordo com as transformações econômicas e o impacto
espacial em cada período histórico.
Processos históricos da geografia econômica 15

AZEVEDO, O. B. Visão panorâmica da conjuntura mundial e nacional. Revista de filosofia,


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16 Processos históricos da geografia econômica

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cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
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sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Mait Bertollo
Sistemas de produção
industrial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Caracterizar os sistemas de produção industrial.


 Descrever o sistema de produção toyotista e sua influência.
 Analisar a estruturação produtiva decorrente das inovações
tecnológicas.

Introdução
Quando pensamos nas atividades industriais, pressupomos que nesse
processo há transformação de determinados produtos. A matéria-prima,
como o aço, transforma-se em algum bem de produção ou de consumo,
como o automóvel. Com o desenvolvimento da indústria, o ser humano
passou a desenvolver e a dominar diversas técnicas de criação e transfor-
mação de materiais com a finalidade de aperfeiçoar seu modo de vida e
a qualidade dos produtos.
Sistemas de produção industrial, como taylorismo, fordismo, toyo-
tismo ou produção flexível e volvismo, têm impacto social, econômico
e espacial, já que afetam o modo de produção dentro da indústria, a
maneira como o trabalhador cumpre as tarefas, o tipo de bem e o fluxo
de mercadorias, desde o tipo de fabricação até o consumo. O toyotismo,
por exemplo, passou a diversificar mais as mercadorias em virtude da
automatização de etapas da produção na indústria e é um procedimento
usado até hoje.
Neste capítulo, você vai estudar os sistemas de produção industrial,
principalmente o toyotismo e sua influência. Também vai ler sobre as
consequências da estruturação produtiva com as inovações tecnológicas
e a emergência da financeirização, proporcionada por essas transforma-
ções no espaço.
2 Sistemas de produção industrial

Sistemas de produção industrial


Antes da Primeira Revolução industrial (século XVIII), já existiam algumas
técnicas de transformação de materiais, que iniciaram na pré-história (há
150 mil anos atrás). Como exemplo, podemos citar o amoldamento e o uso de
minerais ou rochas, como ferramentas, além do desenvolvimento do artesanato
ao longo da Idade Antiga (entre 4000 a.C. e 476 d.C) e da Idade Média (476 d.C
a 1492). Contudo, foi durante a Primeira Revolução Industrial, na segunda
metade do século XVIII, que a transformação de materiais e do espaço se
acentuou na dinâmica das sociedades (CHESNAIS, 2005).
A primeira etapa do processo de transformação de elementos naturais se
deu pelo artesanato, sobre o qual um artesão detinha quase a totalidade do
controle e do conhecimento das técnicas de produção. Na sequência desse
primeiro período, dada a demanda de ampliação da produtividade, sucedeu a
produção manufatureira. Havia a participação de mais pessoas, e o processo
se estendeu da Antiguidade até a Primeira Revolução Industrial.
O processo de industrialização foi intensificado com a invenção da má-
quina a vapor, na Inglaterra, por James Watt, entre 1765 e 1775. Assim, foi
iniciado o desenvolvimento da maquinofatura (CHESNAIS, 2005). Após
algumas décadas, o desenvolvimento das máquinas proporcionou que as fábri-
cas passassem a usar com mais intensidade e em maior número as máquinas,
substituindo a força animal, como cavalos, e a humana, que agia como o motor
das máquinas mais antigas.
No começo do século XIX, o emprego do petróleo como fonte de energia
e a descoberta da eletricidade incentivaram a Segunda Revolução Industrial
na segunda metade do século XX até o fim da Segunda Guerra Mundial
(1939–1945), caracterizada pelo desenvolvimento da indústria automobilística,
sobressaindo os Estados Unidos como principal país expoente dessa fase
industrial (SCHUMPETER, 1964).
Na segunda metade do século XX, as técnicas da telemática, que envolvem
as telecomunicações e a informática, foram responsáveis por impulsionar a
Terceira Revolução Industrial, a partir da década de 1950 até a atualidade,
possibilitando aos Estados Unidos, Japão e Alemanha um crescimento eco-
nômico expressivo, além da polarização da economia mundial, entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos.
O desenvolvimento industrial não ocorreu de forma homogênea em todo
o planeta, pois cada país e cada lugar adaptou esse sistema aos elementos, às
técnicas e aos tipos de sociedades vigentes nesse período. Ao longo do tempo,
as indústrias decidiram a localização de suas unidades considerando diversos
Sistemas de produção industrial 3

fatores. Tais fatores são influenciados pela quantidade de matéria-prima


necessária e de onde elas procedem, qualidade de mão de obra, distância do
mercado consumidor e infraestrutura, como energia, rede de telecomunicações
e rede de transportes, além de lugares onde as leis ambientais sejam mais
brandas e os sindicatos sejam menos organizados.

Sistemas de produção
Após a Segunda Revolução Industrial, as indústrias procuraram aumentar
a produtividade e a lucratividade de suas atividades, aumentando também
o acesso ao mercado consumidor. Para sanar essas importantes demandas,
foram desenvolvidos diversos sistemas de produção. Cada um apresentava o
aperfeiçoamento dos processos e o consequente desenvolvimento técnico da
indústria, estabelecendo-se dentro de um contexto histórico e de possibilidades
específicas. Dentre esses sistemas, pode-se destacar o taylorismo, o fordismo,
o toyotismo e, o mais recente, volvismo.

Taylorismo

Foi desenvolvido pelo engenheiro mecânico Frederick Winslow Taylor, na


primeira década do século XX nos Estados Unidos, visando o aumento da
eficiência do trabalho (IANNI, 1995). O taylorismo resultou na criação de
uma série de normas, como a exigência da máxima eficiência do trabalhador,
fornecendo a eles ferramentas específicas e treinamentos para a eficácia da
produção, bem como gratificação pelo aumento da produtividade segundo
o número de peças produzidas. Esse conjunto de ideias e procedimentos
demandava um modelo de automação rígido e intenso do trabalho e exigia
muito esforço do trabalhador. Logo, o princípio era, sobretudo, alcançar o
máximo de eficiência na dinâmica do sistema capitalista. O controle sobre o
tempo de produção e sobre as ações do trabalhador eram igualmente rígidos,
já que o trabalhador era também uma peça importante da produção (Figura 1).
4 Sistemas de produção industrial

Figura 1. Sistema de produção taylorista.


Fonte: Curado (2019a, documento on-line).

Fordismo

Desenvolvido pelo engenheiro mecânico Henry Ford, também no começo do


século XX nos Estados Unidos e teve como base um parque automobilístico,
com a finalidade de produção em série de um determinado produto (SCHUM-
PETER, 1964). Esse sistema também consistia no controle dos processos de
produção do início ao fim. Na linha de produção, ou linha de montagem, cada
operário desenvolvia um serviço, ficando especializado em uma única tarefa.
O objetivo do fordismo era a produção em larga escala, barateando os custos
da produção e também o preço final do produto, para que os trabalhadores
pudessem comprar o produto que fabricavam. No sistema fordista, ocorreu
um aumento importante da divisão do trabalho e o uso intenso da mão de
obra pouco qualificada. No desenvolvimento desse sistema de produção, que
explorava a mão de obra, houve uma modificação importante da estrutura
social pelo desenvolvimento da indústria, além do desenvolvimento das co-
municações e do surgimento de novas profissões. Havia uma preocupação
com o tempo livre e o consumo do trabalhador. Este deveria ter tempo livre
Sistemas de produção industrial 5

para poder consumir e inclusive ganhar mais para isso. Era a gênese de novos
direitos trabalhistas, com oito horas diárias e fim de semana livre (Figura 2).

Figura 2. Sistema de produção fordista.


Fonte: Teoria do modelo de produção fordista (2016, documento on-line).

Para saber mais sobre o fordismo, assista ao filme Tempos modernos, de Charles
Chaplin. Veja o trailer no link a seguir.

https://qrgo.page.link/GKVrG

Toyotismo ou produção flexível

Nasceu na década de 1950, pós-Segunda Guerra Mundial (1939–1945). Foi


marcado, no Japão, por uma pressão sobre o mercado consumidor local, que
era menor do que o europeu e o estadunidense, e por dificuldades de adaptação
ao modelo fordista. O toyotismo foi desenvolvido pelo industrial japonês Eiji
Toyoda e se disseminou pelo mundo na década de 1970 (IANNI, 1995), tor-
nando a Toyota uma das maiores fábricas do planeta. O modelo toyotista tem
6 Sistemas de produção industrial

como principal característica a flexibilização da produção, com divisão das


linhas de montagem em células, isto é, em menores unidades, e a utilização
de baixo estoque de peças, tornando mais eficiente todo o parque industrial.
Portanto, a produção fica adequada à demanda de consumo. Um aspecto que
marca o toyotismo é o processo denominado just in time, que significa na hora
certa ou no tempo pedido. Há, assim, uma concatenação entre o fornecimento
de peças, a produção e a venda. Dessa maneira, não são criados grandes
estoques, diminuindo bastante o setor de almoxarifado, ocorrendo economia
de tempo e dinheiro no estoque de peças, proporcionando uma produção mais
fluida e veloz. O trabalhador desenvolve várias atividades, conhecendo todo o
processo de fabricação dos produtos. O modelo de células envolve uma planta
central e, ao seu redor, vários fornecedores, em um processo de terceirização
dos serviços. O abastecimento de peças se dá de acordo com a necessidade da
planta principal. Nesse processo, é possível a realização do chamado recall,
a correção dos defeitos de determinada peça, já que, na linha de montagem,
há o controle das peças que entram e saem, pois o fornecimento é imediato
e por lotes (Figura 3).

Figura 3. Sistema de produção toyotista ou flexível.


Fonte: Petrin (2019, documento on-line).
Sistemas de produção industrial 7

Volvismo

Surgiu na Suécia como estratégia para aliar a participação dos trabalhadores.


Na Suécia, os sindicatos exerciam bastante influência sobre os trabalhadores,
que exigiam a valorização do seu trabalho. Esse sistema, então, conciliava
aspectos humanos e tecnológicos no sistema de produção, agrupando mão
de obra qualificada e automação. Havia maior participação e flexibilidade do
trabalhador no processo de produção, com planejamento de recursos humanos,
investimentos na formação profissional e investimentos sociais na região onde
as fábricas se localizam. Os produtos podiam ser utilizados em escala global,
porém com adaptações às características regionais. Com a crise economia, no
entanto, foi necessário cortar custos e investimentos (Figura 4).

Figura 4. Sistema de produção volvista.


Fonte: Curado (2019b, documento on-line).

Sistema de produção toyotista e sua influência


O toyotismo é uma forma de organizar a produção de mercadorias em etapas
para fabricação. Foi criado após a Segunda Guerra Mundial, pelos engenheiros
japoneses Taiichi Ohno (1912–1990), Shigeo Shingo (1909–1990) e Eiji Toyoda
8 Sistemas de produção industrial

(1913–2013), nas fábricas da montadora de automóveis japonesa Toyota. Foi


disseminado a partir da década de 1960 por várias regiões do globo e é utilizado
até hoje em muitas indústrias (IANNI, 1995).
Este sistema substituiu o fordismo como modelo industrial a partir da
década de 1970. Foi organizado para recuperar as indústrias japonesas no
período pós Segunda Guerra Mundial. Com o país destruído pelos ataques dos
Estados Unidos no fim da Segunda Guerra, o mercado consumidor era muito
pequeno e, além disso, havia muitas dificuldades em importar matéria-prima.
Dessa forma, o Japão precisava fabricar produtos com o menor custo possível.
Assim, Taiichi Ohno notou que era mais seguro receber, primeiramente, as
encomendas para iniciar a produção de automóveis para economizar nos
aluguéis de depósitos. Quando houve uma economia com os espaços na esto-
cagem de matérias-primas e produtos, as indústrias começaram a aumentar sua
produtividade ao diminuir custos, tempo de produção e evitar superprodução,
gargalos de transporte e problemas logísticos. Com esse tipo de método, a
Toyota conseguiu se tornar uma grande montadora do globo.
Uma das características mais acentuadas do toyotismo é a requisição de
mão de obra qualificada e multifuncional, isto é, que desempenha diversos
papéis. Os trabalhadores recebem treinamento para conhecer todos os processos
de produção e, assim, podem operar em vários campos do sistema produtivo da
indústria. As normas da produção e do trabalho sobre o operário têm como base
o chamado método 5S, ligando a primeira letra de cinco palavras japonesas:
seiri (classificação), seiton (ordem), seiso (limpeza), seiketsu (padronização),
shitsuke (disciplina).
É também conhecido como sistema flexível de mecanização — utilização
de máquinas substituindo trabalho humano —, cuja finalidade é produzir
exclusivamente o necessário, evitando o excedente de matéria-prima ou pro-
dução em excesso. Dessa forma, a produção deve ser adequada à demanda do
mercado consumidor. Para evitar desperdícios, além da utilização de máqui-
nas, em todas as etapas de produção há um controle rígido feito por gerentes
ou funcionários que têm a função de comando e padronização. Há também
normatização e implantação de sistemas de qualidade em todas as etapas, para
garantir a qualidade e evitar o desperdício de matérias-primas e tempo. Além
disso, são utilizados o método just in time, para que seja produzido somente
o indispensável no tempo necessário e pesquisas de mercado para adaptar os
produtos e sua fabricação às exigências do mercado consumidor.
Somam-se a esses procedimentos os avanços tecnológicos nos meios de
transporte e na comunicação. Isso proporcionou fluidez, concatenação e pon-
tualidade para o fluxo de mercadorias dessa produção flexibilizada, havendo
Sistemas de produção industrial 9

então uma sincronia entre o fornecimento de matérias-primas, de produção e de


venda para o mercado consumidor. As mudanças tecnológicas e os métodos de-
senvolvidos possibilitaram uma organização espacial da produção e do consumo,
que ocasionaram uma produção apropriada à demanda, reduzindo os estoques.
A partir da década de 1970, quando ocorreram as consecutivas crises do
petróleo que abalaram o sistema capitalista, o modelo toyotista se difundiu
globalmente, marcando a Terceira Revolução Industrial e a globalização
posterior. As principais diferenças entre os sistemas fordista e toyotista estão
sintetizadas no Quadro 1.

Diferenças entre o sistema fordista e o sistema toyotista

Fordismo Toyotismo

Sistema de produção Produção em série, Flexível e variável


centralizada e com
maior rigidez

Estrutura Hierarquizada Fundamentada na


inovação, gestão do
trabalho e sistema
de controle interno
das indústrias

Divisão do trabalho Tarefas especializadas Um trabalhador


controla e opera várias
máquinas, assim há
redução do número
de trabalhadores

Produtos Produção em grande Diversificação na


quantidade de um produção, seguindo
mesmo produto as exigências do
mercado consumidor

Salários Salários altos, com Prêmios pela maior


a finalidade de os produtividade
trabalhadores se
tornarem consumidores
do que produzem

Estoques Existência constante de A estocagem dos


produtos estocados produtos se dá de
acordo com a demanda

Fonte: Adaptado de Ianni (1995).


10 Sistemas de produção industrial

Indústrias de vários lugares acabaram por utilizar de forma massiva o


sistema toyotista, e muitas delas cresceram tornando-se globais. A maioria
dessas empresas globais se concentra em poucos países do mundo, cujas nações
comandam as direções da economia global. Portanto, países como Estados
Unidos, Alemanha, Japão e China definem as regras do mercado, muitas vezes
definindo preços de commodities com o intuito de favorecer suas indústrias.
As indústrias nos países desenvolvidos têm como pressuposto o avanço da
tecnologia, dos transportes, da infraestrutura e das telecomunicações. Isso
favoreceu que esses países tivessem uma política de desenvolvimento de seu
parque industrial, em especial, a indústria de ponta, que requer mão de obra
altamente especializada e fabricação de produtos de alto valor agregado.

Commodity significa bem ou produto de origem primária, ou matéria-prima, que


é comercializado em bolsas de valores de todo o planeta. Por ser base de todos os
tipos de produção, possui um grande valor comercial e estratégico. Esses bens são
recursos minerais e vegetais, como gás natural, petróleo, carvão mineral, soja, cana-
-de-açúcar, milho, café.
Esses bens induzem o comportamento de alguns setores econômicos e, de forma
geral, a economia em sua totalidade. As variações de seus preços influenciam atividades
industriais e os serviços, como o comércio, pois demandam matérias-primas que podem
ser mais caras ou mais baratas para produção e negociação de suas mercadorias.
Quando alguma matéria-prima ou algum produto são considerados commodities, seu
preço é regulado não pelo valor estabelecido na produção, mas por sua cotação no
mercado nas bolsas de valores. Se o preço da soja, por exemplo, tem uma elevação
no mercado externo por alguma escassez na produção global, o mercado interno
também vai ser afetado, ainda que produza muito, pois o produto terá alta como um
todo e terá dificuldades na exportação.
Assim, a maioria dos produtores vai preferir exportar, provocando uma alta nos
preços internos no país, pois haverá menor oferta desse produto. Logo, os produtos
derivados da soja vão aumentar, cujo motivo é motivado por um tipo de dinâmica eco-
nômica globalizada. As economias de países subdesenvolvidos têm uma dependência
importante da cotação elevada nas commodities, já que centralizam seus negócios
na exportação desses produtos. Quando há uma crise e oscilações de preços, esses
países sentem os abalos em suas economias, pois as exportações diminuem e afetam
a economia local. Países como o Brasil necessitam comercializá-los para aprovisionar
as atividades industrial e comercial e também exportar para sustentar o setor primário.
Sistemas de produção industrial 11

Estruturação produtiva decorrente das


inovações tecnológicas
A estruturação produtiva está fortemente associada à introdução de inovações
nas indústrias, juntamente com a atuação das instituições públicas de pes-
quisa, como universidades, e privadas, como bancos. As inovações ocorrem
principalmente pela incorporação de novos processos produtivos e produção
de novos e modernos bens. Não há uma separação clara entre as inovações
nos produtos e nos processos, pois ambos englobam mudanças técnicas e
institucionais e aspectos do trabalho.
Segundo estudos do economista Joseph Schumpeter (1964), as inovações
tecnológicas são propulsoras do processo de acumulação de capital. Assim,
as oportunidades de investimentos induzem inovações, desenvolvendo os
sistemas produtivos. Para que as inovações ocorram, é imprescindível haver
condições de crédito, infra-estrutura, base científica, técnica e empresarial, bem
como recursos humanos qualificados, e uma organização produtiva capaz de
aprender sucessivamente. Tais fatores são importantes para a competitividade
global entre os países.
Atualmente, a concentração econômica mundial nos Estados Unidos, na
União Européia e no Japão pode expandir suas redes econômico-financeiras
globais, que estão sediadas nesses países desenvolvidos, viabilizadas por
tecnologias de transporte e comunicação. As ações associadas à estruturação
produtiva decorrente das inovações tecnológicas em países que têm poderio
econômico estão interligadas a políticas estratégicas nacionais para a indústria,
o comércio e a tecnologia. Por exemplo, o orçamento nacional dos Estados
Unidos para políticas tecnológicas e industriais gera efeitos multiplicadores no
complexo industrial-militar, que compreende sistemas modernos de produção.
As inovações tecnológicas decorrentes são posteriormente introduzidas no
campo civil e comercial. Logo, o Estado, por meio do gasto público planejado,
contribui para a geração de riqueza nacional e competitividade no cenário
global. Outro exemplo de inovação tecnológica da estruturação produtiva
é a adoção do sistema just in time japonês das décadas de 1950 e 1960, que
conseguiu evitar elevados custos de manutenção de estoques por meio da
produção flexível em pequenos lotes e com maior giro, além de ter influenciado
mudanças em todos os processos produtivos das organizações que o assumiram.
No atual período de globalização, a eficiência na produtividade é relevante
no contexto da economia global, o que demanda acumular competências
tecnológicas e transformá-las em resultados econômicos. Outro importante
elemento é a chamada indústria 4.0, conceito desenvolvido na Alemanha, em
12 Sistemas de produção industrial

2011, que trata da conexão de máquinas, sistemas e ativos para que empresas
criem redes inteligentes em sua cadeia de produção. Essas empresas podem,
então, tornarem-se autônomas, realizando manutenções, previsões de falhas
e adaptação aos requisitos do mercado consumidor, que poderão ser feitos de
forma automática. Dessa maneira, poderão ser realizadas operações em tempo
real e orientação a serviços, que são alguns dos princípios da indústria 4.0,
cujo pilar é a internet das coisas (IoT, do inglês internet of things), a análise
de big data e a segurança. A realidade mista é um dos tipos de aplicação
que a indústria 4.0 possibilita, como o uso de óculos de realidade virtual e
aumentada para obter informações sobre uma série de processos em tempo
real. Outro exemplo é o chamado gêmeo digital, que é um modelo virtual do
chão de fábrica, onde há uma cópia digital de tudo o que está acontecendo,
como produtos e peças produzidos. No setor de petróleo, pode ser realizada a
inspeção de plataformas petrolíferas sem pessoas, apenas por robôs e drones,
que conseguem estar em lugares de risco para os seres humanos e com mais
rapidez.

IoT significa rede de objetos distintos como smartphones, veículos, computadores,


televisões, geladeiras e inclusive edifícios inteiros que são aptos a coletar, armazenar e
transmitir informações, realizando a conexão online, via internet, a outras redes, data-
centers (ambientes com vários computadores/servidores e outros componentes com
sistemas de armazenamento de dados) ou outros objetos (BARRETO, 2019).
IoT é um termo que engloba tecnologias comercialmente utilizadas há uma década,
como o rastreamento de veículos de uma frota e o uso digital e de informação de siste-
mas econômicos, como bancos e finanças, energia e saúde. A IoT se refere a conexões
entre máquinas para coletar informação e alimentar seu próprio sistema, agindo de
forma autônoma, para produzir resultados e atender às necessidades da sociedade.
No caso da produção, a IoT está presente em vários setores, como linhas de mon-
tagem de equipamentos eletrônicos, produção agrícola, logística de mercadorias
e segurança particular ou pública. Mediante a IoT associada a serviços de GPS (Sistema
de Posicionamento Global, sistema de radionavegação por satélite), pode-se monitorar,
em tempo real, todo percurso de uma frota de veículos, o que controla com mais
eficiência o transporte de insumos e bens.

A emergência de uma nova configuração das estruturas produtivas decor-


rentes das inovações tecnológicas também teve como consequência, a partir dos
Sistemas de produção industrial 13

anos 1970 no capitalismo mundial, a ascensão de um regime de acumulação


de capital com dominância das atividades financeiras (CHESNAIS, 2005). A
consolidação deste processo pode ser chamada financeirização, que junto à
globalização e ao neoliberalismo, abrangem um amplo processo de transfor-
mação econômica, de caráter produtivo e cultural. Assim, a financeirização
não constitui um mercado de produção ou consumo, mas um mercado de
especulação financeira, ou ainda, um circuito de auto reprodução do capital.

Neoliberalismo é a ideia de liberdade de mercado irrestrita às corporações e uma


restrição à intervenção do Estado sobre a economia.

A especulação financeira é a compra de ativos, isto é, capitais e bens com a


finalidade de vendê-los para buscar o lucro e não para utilizá-los diretamente.
A financeirização torna o sistema financeiro dos bancos e das corporações
uma esfera autônoma de acumulação que reestrutura e impacta na economia
global em benefício de agentes hegemônicos dos mercados financeiros, que
são aqueles que possuem capital em grande volume para especular e lucrar
em escala global. Tal feito se aplica aos países centrais, pois os periféricos
têm um papel secundário, geralmente como mercado consumidor dos bens
com maior densidade tecnológica.
A difusão de novas tecnologias na área de comunicação, como satélites
e redes de fibra ótica que interligam pessoas por meio de smartphones e
computadores, permitiu também acelerar a circulação de informações e de
fluxos financeiros, aumentando o poder e a presença de empresas globais
em vários países (SANTOS, 2007). Dessa forma, neste capítulo, foi possível
conhecer como os sistemas de produção industrial em vários períodos recentes
da história do capitalismo, como o taylorismo, o fordismo, o toyotismo ou
produção flexível e o volvismo influenciam o sistema vigente e como atuam
na economia de vários países. Esses sistemas agem na maneira como se dão
os fluxos de capitais e mercadorias, desde a lógica do tipo de produção até
o tipo de consumo. Além disso, o toyotismo, sistema desenvolvido nos anos
1940, possibilitou mais diversidade e possibilidades de as mercadorias serem
comercializadas em todo o globo, juntamente com a estruturação produtiva
14 Sistemas de produção industrial

proporcionada pelas inovações tecnológicas com o apoio da financeirização da


economia atual, que traz novas configurações espaciais em diversas escalas.

CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configurações e


consequências. São Paulo: Boitempo, 2005.
CURADO, A. Taylorismo: o que foi, história, conceitos principais, caraterísticas. 2019a. Dis-
ponível em: https://conhecimentocientifico.r7.com/taylorismo/. Acesso em: 28 nov. 2019.
CURADO, A. Volvismo: história, características, tecnologia e decadência. 2019b. Disponível
em: https://conhecimentocientifico.r7.com/volvismo-historia-caracteristicas-tecnologia-
-e-decadencia/. Acesso em: 28 nov. 2019.
IANNI, O. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
PETRIN, N. Toyotismo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/geografia/
toyotismo. Acesso em: 28 nov. 2019.
SANTOS, M. O dinheiro e o território. In: SANTOS, M. et al. Território, territórios: ensaios
sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2007.
SCHUMPETER, J. História da análise econômica. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
TEORIA do modelo de produção fordista: as práticas do fordismo no mundo con-
temporâneo. 2016. Disponível em: https://admevolution.wordpress.com/2016/11/03/
teoria-do-modelo-de-producao-fordista/. Acesso em: 28 nov. 2019.

Leituras recomendadas
BARRETO, N. M. M. O impacto do Big Data e Internet of Things. 2019. Dissertação (Mestrado
em Economia e Administração) - Universidade de Lisboa, Lisboa, 2019. Disponível em:
https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/18116/1/DM-NMMB-2019.pdf. Acesso
em: 28 nov. 2019.
TEMPOS modernos: trailer. 1936. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Natelablog.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4OmEi_AIjZc&t=16s. Acesso
em: 28 nov. 2019.
Sistemas de produção industrial 15

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Jhonatan dos Santos Dantas


Estruturação produtiva
na primeira Revolução
Industrial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer os processos de flexibilização do trabalho em cadeias


produtivas.
 Caracterizar a estruturação produtiva ocorrida na Primeira Revolução
Industrial.
 Descrever o papel do neoliberalismo nessa estruturação.

Introdução
A evolução do capitalismo impôs novas formas de produzir e impulsionou
a globalização econômica, especialmente a partir do século XX. Isso
resultou em muitas mudanças no mundo do trabalho. O surgimento de
novas cadeias produtivas fez com que o trabalhador se tivesse que se
adaptar às demandas e exigências de um mercado dinâmico e articulado
globalmente.
Neste capítulo, você vai estudar os processos de flexibilização do
trabalho em cadeias produtivas e as atuais metamorfoses no cenário do
trabalho e da produção. Para isso, vai ler sobre a estruturação produtiva
na Primeira Revolução Industrial, que deu base para o avanço do sistema
capitalista. Por fim, você vai conhecer o papel do neoliberalismo na
estruturação dos processos produtivos e das novas dinâmicas financeiras
e informacionais, que acabaram integrando mercados e acentuando
desigualdades espaciais globais.
2 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

Flexibilização do trabalho em cadeias


produtivas
A estruturação do sistema capitalista de produção reorganizou o trabalho
humano no século XVIII. A elevação da produtividade de bens e mercadorias
e a divisão social do trabalho fabril foram as primeiras marcas do capitalismo
industrial. Antes desse período, a divisão social do trabalho (DIT) era baseada
em funções específicas de cada classe social, como os servos, camponeses
e nobres. Com o capitalismo fabril e industrial, a DIT foi marcada por uma
separação setorial da produção e passou lentamente a incorporar eficiência e
agilidade nas atividades produtivas.
Esse processo moldou um novo tipo de trabalhador, ao mesmo tempo em
que criou um novo tipo de homem que passou a ver, conceber e analisar o
mundo e as coisas de modo diferente, a partir da racionalidade produtiva que
o trabalho lhe trouxe (SAVIANI, 1986). A organização do trabalho promovida
durante o capitalismo industrial e estendida até hoje estruturou a sociedade
em classes sociais bastante diferenciadas. Marx (1867) entendia essa diferença
como uma grande e injusta desigualdade, concebida a partir de uma luta de
interesses distintos entre os trabalhadores e os capitalistas, donos dos meios
de produção. Para ele, a acumulação da riqueza se dá pela exploração do
trabalhador, que irá produzir riqueza com o valor do seu trabalho.
A organização no modo do trabalho, porém, passou por grandes alterações
a partir da Revolução Industrial, que inicia na Inglaterra no século XVIII e
avança para França, Alemanha, Estados Unidos e outros países. O trabalho
mecânico industrial passou por fases distintas. A primeira foi a evolução do
trabalho realizado artesanalmente para a produção de produtos manufaturados,
o que marcou a primeira fase da Revolução Industrial. Assim, a DIT, instalada
com a produção de manufaturados e posteriormente com a implementação de
máquinas no processo produtivo, reorganizou as formas de trabalho humano
(MOREIRA, 2016).
Durante todo século XIX, houve um crescimento substancial na produ-
ção de mercadorias industrializadas, além de uma série de transformações
na própria indústria e nas formas de organização e divisão do trabalho. A
implementação do taylorismo no início do século XX marcou o início do
processo de gerência científica na administração das empresas. Desse modo,
a organização produtiva passou por um processo acentuado de racionalidade
e eficiência, que garantiu elevação da produção (FLEURY, 1980).
Atrelado a isso, o fordismo ganhou amplo destaque nas formas de produzir.
A implementação da esteira rolante e a diminuição do tempo de produção
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 3

fizeram com que o trabalho humano sofresse uma série de adaptações (RI-
BEIRO, 2015).
A divisão setorial do trabalho dentro das fábricas, a produtividade em larga
escala e a diminuição do tempo produtivo levaram às empresas a produzirem
quantidades enormes de produtos, gerando estoques e abastecendo expres-
sivamente o mercado consumidor. O resultado disso foi também a queda no
preço das mercadorias e a elevação dos níveis de consumo.
Essas estratégias de aumento de produtividade visavam ampliar o capital
com a produção (e a venda) em larga escala. Contudo, o mercado consumidor
restrito foi um impedimento à vazão de produtos no mercado. Além disso,
a grande massa de trabalhadores não tinha renda suficiente para ingressar
no modo consumista devido aos baixos salários e à carga horária exaustiva
de trabalho. A construção do capitalismo moderno-industrial estruturou um
padrão de acumulação e riquezas, principalmente à classe burguesa e aos
Estados industrializados, devido aos elevados índices de produtividade de
mercadorias. Ao mesmo tempo, acabou por criar um nítido divisor de função
social no sistema capitalista, em que os operários passaram a exercer centrali-
dade produtiva e ser componente fundamental para expansão do capital, mas
ficaram excluídos do sistema acumulativo.
Essa organização do sistema produtivo mecânico industrial, começou a
sofrer alterações com a crise de 1929, gerada, dentre outros motivos, pelo
estoque produtivo e a falta de vazão dos produtos nos mercados consumidores,
essencialmente a Europa depois da Primeira Guerra. A crise de 1929, foi uma
das maiores recessões econômicas da história capitalista. Países como Estados
Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá entre outros, sofreram
redução do produto interno bruto (PIB), elevação do desemprego e aumento
da pobreza. Esse processo também demonstrou a crise do sistema taylorista
e obrigou as empresas a pensarem em novas formas de produção de riquezas
que reduzissem o desperdício e considerassem a demanda de consumo. Dessa
forma, a metade do século XX foi marcada por uma nova organização do
sistema capitalista-produtivo, que gerou efeitos diretos nos modos de trabalho.
4 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

Depois de 1930, várias políticas de bem-estar social foram implementadas com a


intenção de diminuir o desemprego, recuperar a economia e melhorar a qualidade
de vida da população. Dentre elas, podemos citar os elevados investimentos dos
Estados em obras para gerar renda e emprego e em setores sociais, como educação
e saúde, além da intervenção direta em setores econômicos. Essas políticas foram
fundamentais para reerguer a economia de diversos países, como os Estados Unidos.

O processo de flexibilização do trabalho teve origem no toyotismo, sistema


produtivo baseado na produção flexível, ou produção por demanda. Esse sis-
tema, criado no Japão, difundiu-se no mundo na segunda metade do século XX,
objetivando eliminar desperdícios, estoques e maximizar os lucros por meio de
uma produção empurrada pelo mercado. Ao mesmo tempo, a implementação
do sistema toyotista de produção levou as fábricas e empresas a adotarem o
padrão de qualidade total, buscando uma organização extremamente complexa
e rigorosa. Além disso, os selos e certificações foram adotados como padrão
de qualidade, inclusive para atingir outros mercados com esses procedimentos
de padronização. A exemplo disso, o ISO 9001 foi uma certificação criada
para empresas que buscavam adotar com rigor a qualidade total nos processos
gerenciais e organizacionais. Várias empresas procuraram adotar também
o padrão de qualidade ambiental e sustentabilidade, adotando uma série de
procedimentos institucionais e legais para poluir menos o meio ambiente e
eram certificadas pelo selo ISO 14001 (RIBEIRO, 2015).
Na esfera do trabalho, o toyotismo representou mudanças importantes,
pois permitiu ao trabalhador uma nova forma de se relacionar com o ambiente
de trabalho. Diferente do taylorismo e do fordismo, no sistema toyotista, o
trabalhador tem o conhecimento de todo processo produtivo e pode servir
em qualquer setor. Assim, as empresas passaram a investir em qualificação
técnica para preparar esse trabalhador a desempenhar funções multivariadas
e se adaptar às demandas da empresa (RIBEIRO, 2015).
Não apenas as fábricas adotaram esse sistema, mas também outras em-
presas vinculadas ao setor de comércio e serviços também implementaram
o toyotismo como base administrativa-gerencial, em virtude da eficácia na
redução de custos e aumento da produtividade, vendas e o consequente lucro.
O sistema de metas e o sistema 5S também foram importantes elementos que
marcaram o toyotismo. Buscando melhorar desempenho, organização, lim-
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 5

peza, padronização e disciplina foram as marcas do sistema 5S, que muitas


empresas adotaram visando melhorar a qualidade.
O toyotismo rapidamente se difundiu pelo mundo e passou a ser incorpo-
rado pelas empresas de vários ramos e segmentos. Esse processo resultou em
drásticas mudanças na organização do trabalho, pois o trabalhador passou
a se adaptar às demandas do segmento econômico em que a empresa atua
e às exigências do mercado, além de seguir estritamente o regime de metas
lucrativas e bom desempenho no mercado atuante (RIBEIRO, 2015).
Dessa forma, especializações mais técnicas adentraram o mundo do tra-
balho, a exemplo do aperfeiçoamento em línguas estrangeiras, como o inglês,
idioma que passou a ser universal com o avanço da globalização capitalista e a
hegemonia dos Estados Unidos em vários ramos da economia. Além disso, o
progresso tecnológico, a evolução dos meios de comunicação e o surgimento
da internet, fez com que o trabalhador se especializasse para atuar em vários
segmentos, seja como operador de maquinários que passaram a ser controlados
por softwares modernos, seja no ramo de vendas e negociações.
Assim, houve especializações mais técnicas, vinculadas ao novo modelo
de trabalho fabril, como operadores de máquinas, mecânicos e outros, além de
especializações de caráter mais abrangente, como formação de administradores,
economistas, analistas, dentre outras profissões que ganharam expressão no
capitalismo contemporâneo. No ramo tecnológico, os programadores e desen-
volvedores de sistemas desempenharam um papel fundamental. Além disso,
essa série de inovações no mundo do trabalho veio acompanhada de grandes
mudanças nas próprias cadeias produtivas, que impuseram especializações
mais ou menos tecnificadas e ajudaram na flexibilização do trabalho.
A cadeia produtiva pode ser definida como um conjunto de etapas nas
quais determinados insumos passam para transformar e confeccionar um
produto final. A Figura 1 ilustra o esquema de uma cadeia produtiva. Todo
produto passa por um conjunto de etapas produtivas, desde a transformação
das matérias-primas, até a fabricação do produto final. Esse conjunto de etapas
procedimentais é denominado cadeia produtiva.
6 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

Figura 1. Cadeia produtiva do vidro.


Fonte: Mercado vidreiro em números (2019, p. 4).

Há uma grande diferença entre os tipos de trabalho realizados ao se tratar


de cadeias produtivas diferenciadas. A cadeia produtiva do automóvel, por
exemplo, é extremamente complexa, pois envolve um conjunto de outras
cadeias produtivas, como a fabricação de ferro, fibra, borracha, entre outros.
Já as cadeias produtivas agroalimentares detêm um nível de complexidade
menor, com menor valor agregado. A da soja, por exemplo, segue uma produção
baseada na incorporação de insumos e sementes industrializados, plantio,
implementação de defensivos agrícolas, colheita com maquinários, transporte
e posteriormente indústria de transformação, em que a soja será utilizada
em determinados tipos de alimentos para posteriormente ser distribuída nos
mercados consumidores.
Cada cadeia produtiva tem especificidades, o que, consequentemente, exige
perfis profissionais diferenciados. Por isso, a flexibilização do trabalho nas
cadeias produtivas exige que o indivíduo se adapte ao tipo de demanda que
o segmento econômico impõe demanda uma qualificação técnica da mão de
obra, que será utilizada para fins específicos dentro da cadeia de produção.
O grande problema desse processo, é que a flexibilização do trabalho
também leva à flexibilização de direitos. Desse modo, muitos profissionais
acabam trabalhando por períodos temporários, sem as devidas regulamen-
tações. Além disso, profissionais liberais atuam sem vínculos trabalhistas,
como é o caso de prestadores de serviços (ROSSO, 2017).
Portanto, as formas de trabalho e flexibilização no capitalismo contem-
porâneo são extremamente complexas, pois a acumulação de capital e as
novas configurações de trabalho que surgiram após 1990 vêm modificando
o mercado e o cenário do trabalho a nível mundial. Um exemplo disso são as
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 7

profissões vinculadas ao setor de tecnologia informacional, que são recentes


e extremamente importantes na atualidade.

Estruturação produtiva da primeira Revolução


Industrial
A Revolução Industrial foi um marco na história da humanidade por ter alterado
aspectos da cultura, da política e da economia. Ao mesmo tempo, marcou a
mudança do capitalismo comercial para o capitalismo industrial, estruturando
as bases do capitalismo moderno. Também promoveu uma mudança na DIT
e deu papel central ao colonialismo dependente e posteriormente à periferia
capitalista (MOREIRA, 2016).

Com a DIT, atividades e serviços são divididos entre os países. Países em desenvolvi-
mento, por exemplo, exportam matéria-prima e mão de obra a um custo baixo aos
países industrializados e com uma economia mais forte, além de oferecerem benefícios
e incentivos para facilitar a instalação de indústrias, como isenção de impostos e leis
ambientais flexíveis.

As formas de produção, consumo e organização social foram modificadas


com a expansão da indústria, primeiramente na Europa e nos Estados Unidos
e, posteriormente, em outros locais do mundo.
A Revolução Industrial se estruturou na primeira metade do século XVIII,
acentuando-se na segunda metade do mesmo século e durante todo século
XIX. A principal característica da primeira fase da Revolução Industrial foi a
fabricação de produtos manufaturados, tendo o carvão como fonte de energia.
A Inglaterra foi pioneira na estruturação produtiva industrial e o principal
país da economia Europeia. A mudança do trabalho artesanal para a indústria
marcou o início de uma grande mudança no País. Até então, os artesãos eram
responsáveis pela fabricação da maior parte dos bens de consumo. Entretanto,
a formação da classe burguesa levou essa classe a transformar as grandes
oficinas em que os artesãos desempenhavam suas tarefas nas primeiras fá-
bricas. O fato de a Inglaterra possuir uma classe burguesa consistente e obter
8 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

ampla influência no comércio da Europa facilitou o processo da Revolução


Industrial. Assim, os donos das fábricas passaram a pagar salários fixos aos
trabalhadores, como os artesãos, que passaram a desempenhar funções para
o dono da fábrica em troca de uma remuneração.
A ausência de leis trabalhistas e regulamentação jurídica fez os burgueses
explorarem ao máximo a mão de obra, levando os trabalhadores a exercerem
longas jornadas de trabalho, ultrapassando 14 horas por dia. Crianças e mu-
lheres também participavam, inclusive em minas de carvão, em condições
sub-humanas. Além disso, os salários depreciados contribuíram para formação
de uma ampla desigualdade social internamente a expansão do capital industrial
burguês na Inglaterra.
O governo inglês, vendo a ampliação da produtividade de bens e merca-
dorias, motivou o êxodo rural, desapropriando terras e forçando a migração
rural-urbana, acelerando a industrialização. A industrialização, portanto,
ocorreu simultaneamente ao êxodo rural, e a expansão das cidades ocasio-
nou graves problemas de moradia e saneamento, ocasionando doenças em
consequência da poluição.
Externamente, a indústria inglesa, e posteriormente toda a indústria eu-
ropeia, foi sustentada com base na exportação de matérias-primas advindas
de outros locais, acompanhadas da exploração de outros territórios (e nações)
fora do eixo moderno-industrial. Esse processo também teve a contribuição do
trabalho forçado, escravo e semiescravo desenvolvidos em países do hemisfério
sul, em que a exportação de produtos tropicais e insumos para a indústria
europeia era o principal foco (PORTO-GONÇALVES, 2017).
Portanto, internamente os países de economia industrial — no caso da
primeira Revolução Industrial, a Inglaterra — apresentavam uma elevada
desigualdade social. No espaço global, essa desigualdade se ampliava mais
ainda, na medida em se definia o papel dos países na economia mundial.
O incremento de máquinas na produção foi outra característica que marcou
a Primeira Revolução Industrial. A máquina a vapor se tornou o símbolo da
indústria e modificou a forma de produzir bens e mercadorias (Figura 2). O
motor a vapor deu origem às máquinas de produzir tecido e elevou a produção.
O aperfeiçoamento do motor a vapor fez surgir às primeiras locomotivas,
substituindo os cavalos e, ideologicamente, representando o progresso humano
com o desenvolvimento industrial.
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 9

Figura 2. Máquina a vapor.


Fonte: Moreira (2017).

Resumidamente, a Primeira Revolução Industrial trouxe mudanças ao


mundo do trabalho e à estruturação de uma sociedade que emergiu a partir
de então. Com isso, a globalização se acentuou, pois as cadeias produtivas
formadas por territórios fornecedores-produtores-consumidores passaram a
se integrar espacialmente. Intensificou-se, assim, a globalização econômica-
-capitalista, que passou da fase comercial, inaugurada a com as grandes
navegações, para a fase moderna-industrial. Nessa fase, a produção em larga
escala demandou mais insumos e matérias-primas, além de um mercado
consumidor apto aos novos produtos fabricados pelos países industrializados.
Entre esses países, o precursor foi a Inglaterra, que detinha maior quantidade
de colônias e influência nos mercados da época, inclusive na América do Sul.

Papel do neoliberalismo na estruturação


produtiva
A crise de 1929 interrompeu um ciclo de avanço da produção de capital que
caminhava desde a Revolução Industrial. A crise de superprodução instabi-
lizou economicamente vários países, quebrando indústrias e levando a crises
estruturais de desemprego e diminuição da riqueza. A saída encontrada passou
pela atuação direta dos Estados nacionais (MARQUES; NAKATANI, 2009).
10 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

Como informado nas seções anteriores, a implementação do estado de


bem-estar social, com elevados investimentos dos Estados nacionais em obras
públicas, empréstimos, regulação de preços, intervenção em setores econô-
micos, redução dos estoques agrícolas, investimentos em setores sociais,
como saúde, educação e infraestrutura, motivou a recuperação econômica e
as melhorias nos indicadores sociais de vários países, como Estados Unidos,
Alemanha, países nórdicos, entre outros.
Essa recuperação deu fôlego ao processo de acumulação capitalista, fina-
lizando um dos maiores períodos de recessão da história. Contudo, o endivi-
damento do Estado e a elevação da inflação fizeram com que, gradualmente,
os Estados começassem a repensar seu papel como agentes econômicos. As
teorias neoliberais surgiram como resposta à diminuição dos gastos públicos e
procuravam valorizar a atuação do setor privado no suprimento de demandas
de bens e mercadorias, delegando ao Estado o papel mínimo na atuação da
vida econômica.
Assim, o neoliberalismo passou a marcar a ideologia política dos partidos
políticos em diferentes países do mundo. Após 1980, o projeto neoliberal a
nível mundial tomou expressão, e vários países passaram a implementar os
modelos neoliberais posteriormente. Além disso, políticas econômicas foram
estabelecidas por grandes organizações, como o Fundo Monetário Interna-
cional e o Banco Mundial, que passaram a subsidiar e conceder empréstimos
aos países (PORTO-GONÇALVES, 2017). Na década de 1990, por exemplo,
países da América Latina, inclusive o Brasil, implementaram diversas políticas
neoliberais, resultado também de organismos internacionais como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial, que forneceram empréstimos
a esses países em troca de acordos de abertura econômica, em muitos casos
prejudiciais ao país que necessita.
Entre essas políticas, estava a redução dos gastos públicos, que dá início a
uma série de privatizações de empresas estatais, conhecidas como desesta-
tizações da indústria nacional. O neoliberalismo passou a desempenhar um
papel fundamental no rompimento de fronteiras comerciais. Com isso, empresas
multinacionais e transnacionais operavam em escala global e fragmentavam
a produção nas cadeias produtivas (MOREIRA, 2016).
Além disso, a competitividade entre os lugares para atração de investi-
mentos e capitais fez com que as grandes empresas atuassem de forma mais
dinâmica e flexível. A diminuição do papel do Estado nos setores econômicos
também veio acompanhada da redução de direitos trabalhistas, flexibilização
de legislações ambientais e elevação da carga tributária, essencialmente em
países periféricos.
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 11

Nos países de economia central, o avanço do neoliberalismo gerou impactos


menos drásticos, pois nesses países havia uma indústria privada nacional já
fortalecida, além de amplos investimentos do Estado em segmentos sociais e
conquistas de direitos trabalhistas fundamentais. Na Europa, a implementação
do neoliberalismo reduziu a carga tributária. No Brasil e em outros países
que estavam com endividamento elevado, aumentou tributos. Nos países
periféricos, os Estados nacionais mostraram-se impotentes, o que piorou as
crises econômicas, elevando a dívida externa e ampliando o desemprego, que
passou a ser estrutural. Nos países periféricos também houve uma elevada
dependência dos mercados externos e uma balança comercial desfavorecida,
o que obrigou esses países a investirem em produtos de exportação em larga
escala, como commodities, em detrimento de um projeto de industrialização
de bens duráveis com maior valor agregado.
O neoliberalismo contribuiu para a reestruturação no papel produtivo, a
começar pela Nova Divisão Internacional da Produção, em que um conjunto de
países passou a se industrializar e diversificar as bases econômicas. Enquanto
isso, países historicamente industrializados passaram por um esvaziamento
da indústria e atuavam mais expressivamente no terceiro setor da economia.
Ocorreu também uma ampla transferência de investimentos do setor produtivo
para o mercado de ações, contribuindo para a expansão do capital rentista em
detrimento do capital produtivo (MOREIRA, 2016).
Os bancos e o setor financeiro passaram a desempenhar funções essenciais
na organização do capitalismo, contribuindo para gerar um sistema complexo
de investidores, que atuam em vários setores e segmentos simultaneamente.
A articulação global de negócio em diferentes ramos promoveu uma inte-
gração de mercados a nível global, comandada por grandes conglomerados
financeiros/econômicos. No entanto, as desigualdades do sistema capitalista
seguem internamente nos países centrais, pela ampla divisão de classes, e
estruturalmente nos países de economia periférica, cuja pobreza parece irre-
versível, legitimada pelo discurso neoliberal de que com emprego e renda é
possível a superação de ditames historicamente construídos pelas condições
socioterritoriais impostas.
Percebe-se, então, que a própria dinâmica da globalização econômica e
financeira contribuiu para reorganizar as atividades produtivas contemporâ-
neas. No entanto, essa dinâmica também gera incertezas ao futuro da produção
capitalista, haja vista que grande parte dos investimentos estão sendo revertidos
em capital fictício, favorecendo a acumulação rentista e diminuindo os ativos
produtivos. A flexibilização do trabalho e a perda de direitos básicos são
temas preocupantes em um cenário com grandes conglomerados econômicos
12 Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial

atuando de forma transnacional. Além disso, os Estados nacionais demonstram


dificuldade em construir políticas econômicas eficazes na sustentabilidade da
economia e na distribuição de riquezas entre as classes sociais.

Para ler mais sobre a globalização, leia o artigo disponível neste link:

https://qrgo.page.link/SyTqV

FLEURY, A. C. C. Produtividade e organização do trabalho na indústria. RAE – Revista


de Administração de Empresas, v. 20, n. 3, p. 19-28, jul./set. 1980. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/rae/v20n3/v20n3a02.pdf. Acesso em: 08 dez. 2019.
MARQUES, R. M.; NAKATANI, P. O que é capital fictício e sua crise. São Paulo: Brasiliense, 2009.
MARX, K. O capital: v. I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1867. (Coleção Os Economistas).
MERCADO vidreiro em números: 2019 – panorama Abravidro. O Vidroplano [Revista],
n. 557, maio 2019. Supl. esp. Disponível em: https://pdf.magtab.com/leitor/136/edi-
cao/20190. Acesso em: 08 dez. 2019.
MOREIRA, A. C. Máquina a vapor. 2017. 1 fotografia. Disponível em: https://olhares.sapo.
pt/maquina-a-vapor-foto9021439.html. Acesso em: 08 dez. 2019.
MOREIRA, R. A geografia do espaço-mundo: conflitos e superações no espaço do capital.
Rio de Janeiro: Consequência, 2016.
PORTO-GONÇALVES, C. W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
RIBEIRO, A. F. Taylorismo, fordismo e toyotismo. Lutas Sociais, v. 19, n. 35, p. 65-79, jul./
dez. 2015. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/ls/article/viewFile/26678/pdf. Acesso
em: 08 dez. 2019.
ROSSO, N. R. A. R. As relações de trabalho e sua flexibilização. Revista Eletrônica Direito e
Política, v. 12, n. 2, p. 601-619, 2017. Disponível em: https://www6.univali.br/seer/index.
php/rdp/article/download/11012/6212. Acesso em: 08 dez. 2019.
SAVIANI, D. O nó do ensino de 2. grau. Revista Bimestre, n. 1, out. 1986.
Estruturação produtiva na primeira Revolução Industrial 13

Leitura recomendada
ORTIZ, R. Globalização: notas sobre um debate. Sociedade e Estado, v. 24, n. 1, p. 231-
254, jan./abr. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v24n1/a10v24n1.pdf.
Acesso em: 08 dez. 2019.

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Jhonatan dos Santos Dantas


Organização econômica
mundial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar os modos de desenvolvimento econômico no espaço


geográfico.
 Descrever os elementos da micro e da macroeconomia.
 Identificar os modos de organização do trabalho em escala
internacional.

Introdução
Os processos de produção, distribuição e consumo de mercadorias são
inerentes à vida humana e às sociedades. Entender como esses processos
ocorrem no espaço geográfico é fundamental para compreender as
inúmeras formas de apropriação desse espaço e as formações territoriais.
O território é a base do objeto de análise da geografia para compreender
os processos econômicos espaciais.
Neste capítulo, você vai conhecer os diversos modos de desenvol-
vimento econômico no espaço geográfico e os elementos da micro e
da macroeconomia, entendendo as distinções teórico-conceituais entre
essas duas categorias, a fim de compreender como esses elementos
interferem no espaço geográfico. Por fim, você vai estudar os modos de
organização do trabalho em escala internacional, descobrindo como a
Divisão Internacional do Trabalho, o processo de fragmentação produtiva
e a globalização modificaram as relações de trabalho e impuseram novas
formas de consumo e produção em escala internacional.
2 Organização do trabalho e das instituições I

Desenvolvimento econômico no espaço


geográfico
Espaço geográfico é o local do qual os seres humanos se apropriam para (re)
produzir suas vivências, culturas e seus costumes. É o lócus das relações
sociais, políticas e culturais e palco de ações de indivíduos e coletivos étnicos
que estabelecem múltiplas relações e dinâmicas com o ambiente que chama-
mos de espaço geográfico (MORAES, 2007; SPOSITO, 2004). Na geografia,
a organização social, política, econômica e cultural do espaço geográfico é
denominada território. O território, conforme define Haesbaert (2004; 2015),
pode ser compreendido pelas dinâmicas econômicas, culturais e políticas, cujas
relações se entrelaçam e definem territorialidades, poderes e institucionalidades
jurídicas, burocráticas e políticas de gestão e organização territorial. O espaço
geográfico, portanto, é fundamental para manutenção, organização e produção
da vida social e, ao mesmo tempo, é o conteúdo histórico das relações sociais,
manifestando na paisagem, nos lugares e no território as dinâmicas sociais,
políticas e econômicas.
Por ser no espaço geográfico que as manifestações e relações humanas
se desdobram, ele passa a ser um reflexo do conteúdo social, pois manifesta,
igualmente, as desigualdades e assimetrias existentes social e historicamente.
Esse campo de relações é organizado a partir de territórios em escalas dife-
renciadas e é essencial para compreender a organização do trabalho e das
instituições. É no espaço geográfico que encontramos as fontes necessárias
para a sobrevivência humana, os recursos essenciais para geração de bens e
mercadorias. Esse espaço apropriado pelas sociedades humanas, com maior
ou menor nível de dominação/exploração, é também foco de disputa social
e política por áreas estratégias que detêm mais ou menos riquezas naturais,
que possibilitam geração de riquezas econômicas e transformação em bens
de consumo.
Deve-se levar em conta as forças que organizam tecnicamente o espaço
geográfico, disputam poder e controle estratégico pela base físico-territorial
e comandam as relações político-econômicas da sociedade (SANTOS, 1996).
O território é sempre um campo de disputas, por deter recursos e valor e ser
utilizado como meio de produção de bens e riqueza, além de ser uma forma
de controle social. Desse modo, todo desenvolvimento econômico é resultante
de transformações que o território adquire, motivadas pelas forças que atuam
na produção de riquezas e apropriação do espaço.
Existem alguns agentes econômicos que geram essa produção de riquezas
e acabam desenvolvendo economicamente o espaço geográfico. Agentes
Organização do trabalho e das instituições I 3

econômicos são instituições que produzem riquezas, geram valor e realizam


operações econômicas e/ou comerciais. Essas instituições podem ser o Estado,
uma empresa e até uma família. Esses agentes atuam e operam de modo
diferenciado no espaço geográfico, com maior ou menor grau de influência e
comando nas decisões econômicas e políticas e na capacidade produtiva. Por
isso, no campo econômico, há sempre uma disputa em jogo para produzir e am-
pliar riquezas, que envolve processos produtivos, distribuição de mercadorias,
formas de acúmulo de riquezas e de organização político-econômico-territorial,
que vai adquirindo a geografia global dos negócios (MOREIRA, 2011).
O agente econômico com maior poder e capacidade de gerar desenvolvi-
mento é o Estado, que detém o controle administrativo de dado território e
consequentemente de recursos naturais. É também o agente responsável pela
institucionalização de leis, que permite agir juridicamente e politicamente na
definição de rumos e estratégias econômicas que serão adotadas. O Estado
tem capacidade e autonomia para direcionar ações estratégicas e motivar o de-
senvolvimento econômico de setores específicos da economia, impulsionando
a geração de emprego, renda, produção, entre outros. Além disso, o Estado é
um dos principais agentes na definição das políticas macroeconômicas que
irá promover o desenvolvimento econômico da população. A grande questão
é que existe uma ampla desigualdade entre os países, o que leva a capaci-
dades distintas de financiamento e comprometimento do desenvolvimento
econômico, de possibilidade de investimentos em setores produtivos e acaba
impossibilitando um desenvolvimento econômico igualitário em escala global
e mesmo internamente no território.
A Figura 1 demonstra a relação do produto interno bruto com a distribui-
ção da riqueza para a população. No mapa, é possível observar que poucos
países conseguem distribuir de forma mais igualitária a riqueza produzida
internamente. Ao mesmo tempo, alguns países apresentam uma capacidade
produtiva interna bastante baixa devido ao próprio processo histórico de
exclusão/exploração do capitalismo imperialista. O desenvolvimento eco-
nômico ocorre de modo distinto. Muitos países que aderiram ao processo
de industrialização como via do desenvolvimento econômico não lograram
a mesma sorte dos Estados Unidos e dos países da Europa, precursores do
modelo produtivo-industrial em escala. Isso porque esses países passaram a
adotar baixos salários e flexibilidade nas legislações trabalhistas para atrair
investimentos externos e promoverem o processo de industrialização, o que
resultou em dependência do mercado externo e nítida desigualdade do desen-
volvimento econômico global.
4 Organização do trabalho e das instituições I

Figura 1. Mapa da riqueza com PIB distribuído à população.


Fonte: Paes (2015, documento on-line).

Algumas abordagens teóricas passaram a contestar o modelo industrialista-


-desenvolvimentista como única forma de alçar o desenvolvimento econômico
e experimentaram experiências alternativas. Entre as principais estão as
abordagens da Escola Americana. Neil Smith é um dos principais teóricos que
começou a tratar o desenvolvimento como fator resultante do subdesenvolvi-
mento, afirmando que a existência da prosperidade econômica dependia da
exploração de outros locais. Abordagens decoloniais ganharam protagonismo
na África e na América Latina. No Brasil, Carlos Walter Porto Gonçalves é um
dos principais teóricos críticos ao desenvolvimento progressista. Articulações
sociais e políticas em escalas regionais/locais tornaram-se expressivas em
alguns contextos, permitindo diversificação dos modos de geração de riquezas
e transformando as relações de trabalho.
A perspectiva do desenvolvimento regional/local, a exemplo de experiências
como o turismo local, aproveitamento do potencial da natureza, da culinária,
da cultura e das tradições, fez com que várias regiões apostassem em um
modelo de renda alternativa que promovesse o desenvolvimento econômico.
Organização do trabalho e das instituições I 5

São exemplos regiões que promovem o desenvolvimento regional endógeno, como


Gramado e Canela, no Rio Grande do Sul, além da região de Crissiumal, no mesmo
Estado. Outros exemplos são as várias colônias de migrantes europeus no Sul do Brasil
que adotam um modelo de desenvolvimento endógeno pautado em atividades
turísticas.

Dentre as várias concepções acerca do desenvolvimento econômico, algu-


mas tornaram-se mais expressivas, como as listadas a seguir.

 Desenvolvimento econômico industrialista: primeira concepção do


desenvolvimento, que se originou da ideia de progresso industrial,
fundamental para o desenvolvimento industrial dos países da Europa e
dos Estados Unidos. A produção em larga escala de mercadorias primou
essa forma de desenvolvimento capitalista e orientou vários países a
aderirem a mesma política. Alguns, no entanto, adotaram baixos salários
e diminuição da carga tributária para atrair empresas estrangeiras,
o que resultou na ampliação da desigualdade socioeconômica e em
indicadores sociais ruins.
 Desenvolvimento econômico regional: concepção que leva em consi-
deração as vocações econômicas regionais, como atividade produtiva
local, cultura, culinária, demandas locais, potencial ecológico, entre
outros. Basicamente, esse modelo orientou várias regiões a criarem
experiências alternativas e pensarem no desenvolvimento em âmbito
regional, de modo a suprir demandas locais e permitir ampliação da
riqueza local.
 Desenvolvimento sustentável: corrente de pensamento que deriva do
debate ambiental e de organismos internacionais como a Organização
das Nações Unidas (ONU). Essa concepção pode ser adotada em ma-
croescala ou também dentro do contexto regional/local. Prima por uma
ampliação de riquezas que não agrida o meio ambiente e preserve os
recursos naturais para gerações futuras. Esse viés permitiu experiências
alternativas e adoção de medidas e políticas que reduzissem a degrada-
ção ambiental e promovessem novas formas de gerar bens de consumo
e riquezas produtivas.
6 Organização do trabalho e das instituições I

O desenvolvimento econômico ocorre de modo distinto no espaço geo-


gráfico, em virtude da forma como a sociedade se organiza para produzir
riquezas, para exercer o trabalho e a (re)produção da vida social. Ademais, o
desenvolvimento econômico do espaço geográfico global apresenta enormes
desigualdades em consequência da má distribuição de riquezas e da con-
centração econômica que alguns países e regiões detêm. Esse processo de
desenvolvimento econômico capitalista gera subdesenvolvimento ou aumento
da pobreza e da desigualdade social em outros territórios (HIRT, 2016).
Para entender como o Estado, sendo um agente econômico, age na pro-
moção do desenvolvimento, é necessário compreender alguns conceitos eco-
nômicos básicos, como macroeconomia e microeconomia. Tais conceitos e
seus conteúdos permitem uma análise mais cirúrgica sobre os processos que
levam às desigualdades econômicas no espaço geográfico global e como
os diferentes modos de organização do trabalho na escala internacional se
inserem neste contexto.

Economia solidária é um conjunto de atividades que envolvem produção, consumo e


distribuição de bens e mercadorias realizadas pelas pessoas, cujo modelo está pautado
em autogestão, solidariedade, cooperação dos processos decisórios e distribuição
dos lucros. Recomenda-se a leitura das obras de Paul Singer, referência no assunto.

Elementos da micro e da macroeconomia


Economia é um ramo da ciência que estuda os processos de produção, distri-
buição e consumo de bens e serviços. Compreender a economia é fundamental
para entender a sociedade e suas dinâmicas. Com o advento e o avanço do
capitalismo, uma série de questões como produto, demanda, circulação, distri-
buição, renda, investimento e emprego entram em jogo (RIZZIERI, 2011). O
período de globalização informacional em que vivemos amplia a importância e
a complexidade dos temas econômicos, pois as técnicas informacionais interli-
gadas globalmente permitiram um deslocamento de capitais instantâneo, capaz
de modificar o cenário econômico em questão de segundos (SANTOS, 2000).
Organização do trabalho e das instituições I 7

Microeconomia e macroeconomia são ramos essenciais para o estudo


da economia. A microeconomia estuda as relações de produção, demanda e
consumo dos indivíduos, das empresas, de instituições familiares. Por meio de
sua abordagem, pode-se compreender questões como preços de mercadorias,
valor do trabalho, comércio local e outras (VASCONCELOS, 2011).

A microeconomia analisa a lei da oferta e da procura, modelo que permite compreender


a formação dos preços no mercado. A regra básica é que o preço da mercadoria
aumenta quando faltam produtos para demanda e cai quando ocorre excedente de
produção comparado à demanda.

Já os estudos macroeconômicos percebem questões em macroescala, como


a renda dos Estados, nível de preços, taxa de juros, inflação, moeda nacional,
cambio, impostos e tributos, investimentos do governo, entre outros (VAS-
CONCELOS, 2011). Os estudos de macroeconomia permitem compreender
as políticas adotadas pelos Estados para gerenciar e administrar recursos
financeiros dos países. Tratam também dos processos de captação de recur-
sos e investimentos, do desenvolvimento econômico do espaço geográfico e
da atuação de organismos internacionais como a Organização Mundial do
Comércio e a ONU.

Veja alguns conceitos importantes da macroeconomia a seguir.


 Commodities: produtos produzidos em larga escala, que funcionam como matéria-
-prima, cujo preço é comandado pelo mercado internacional — petróleo, açúcar,
soja e outros.
 Holding: empresa que detém majoritariamente ações de outras empresas e cen-
traliza o controle sobre elas.
 Monopólio: controle de certo segmento econômico por apenas uma empresa.
 Oligopólio: controle de certo segmento econômico por poucas empresas.
8 Organização do trabalho e das instituições I

O Quadro 1 demonstra as diferenças entre microeconomia e macroeconomia


no que diz respeito a seus objetos de análise.

Quadro 1. Diferenças de análise entre microeconomia e macroeconomia

Macroeconomia Microeconomia
Perspectiva geral Perspectiva individual
Países Consumidores
Análise do PIB nacional Análise da produção individual
Estuda economia como um todo Atividade do consumidor em
mercados específicos

Os estudos macroeconômicos fazem uma análise geral da economia, da


riqueza produzida pelos Estados e do comportamento dos mercados. Já a mi-
croeconomia se ocupa dos processos econômicos individuais, como demanda
por produtos, consumo e produção individual.
As políticas econômicas adotadas pelos países, os setores produtivos, a
oferta e a demanda por bens e serviços, além do consumo dos indivíduos
refletem diretamente no espaço geográfico em sentido global. Isso porque
fluxos econômicos e comerciais, processos produtivos e distributivos e matéria-
-prima são fixados e dependentes das estruturas territoriais. Dessa forma, o
território confere a base para manutenção, reprodução e alteração dos sistemas
produtivos, dos processos de distribuição de mercadorias e do fornecimento
de matérias-primas para a população.

Diferentes modos de organização do trabalho


em escala internacional
Trabalho pode ser definido como um conjunto de atividades realizadas por
indivíduos com diferentes objetivos. Historicamente, o homem trabalha com
intuito de sobreviver, se alimentar, morar e reproduzir os diversos modos
de vida. Trabalhos como agricultura, pesca e artesanato são tradicionais
para suprir demandas básicas, como vestimentas e alimentação. Contudo, o
avanço das técnicas e do capitalismo permitiu uma alteração significativa nas
relações de trabalho.
Organização do trabalho e das instituições I 9

O capitalismo é um sistema político, econômico e cultural que, de certo


modo, comanda as relações sociais e acaba impondo a acumulação de riquezas
por sua própria dinâmica. Consequentemente, essa riqueza é produzida social-
mente. Para que haja produção de riqueza, é necessário o trabalho humano, que
deve permitir uma ampliação gradativa da produção para que a acumulação
ocorra e se reproduza. Desse modo, a própria dinâmica do trabalho e do
trabalhador frente aos processos produtivos se transformam drasticamente no
decorrer da história com o avanço do capitalismo como sistema econômico-
-político-cultural (MOREIRA, 2016).
A Revolução Industrial é um marco histórico para as mudanças nas relações
de trabalho. A partir dela, o trabalho do artesão, do comerciante e do agricultor
passou a dar lugar a um trabalho mecanicista, que primava pela produção de
mercadorias em larga escala. Além disso, o avanço desse sistema acabou por
dividir as funções produtivas, de modo que os trabalhadores passaram a se
organizar em setores de produção para que a produtividade de escala ampliasse
(MOREIRA, 2016).
A ampliação da produtividade de mercadorias era sinônimo de acumulação
de riquezas, porque quanto mais produtos chegassem aos mercados maiores
seriam os lucros. Essa relação impôs ao trabalhador uma dinâmica de trabalho
organizado por setores, por horários e funções específicas. A carga horária
exaustiva, as más condições do ambiente e os salários baixos resultaram em
enorme desigualdade social e uma relação dialética em que o aumento de
riquezas ficou concentrado na mão dos industriais e burgueses, enquanto os
trabalhadores viviam péssimas condições econômicas em consequência do
baixo nível de qualificação e do excesso de mão de obra provocado pelo êxodo
rural. No XIX, na Europa e nos Estados Unidos, isso deu início à formação de
sindicatos e movimentos trabalhistas que lutavam pelas melhores condições
de trabalho. Esses movimentos foram fundamentais para consolidação de leis
trabalhistas e melhoria nas condições de trabalho.
10 Organização do trabalho e das instituições I

Os sistemas de produção criados no período da Revolução Industrial são fundamentais


para compreender o contexto do trabalho. O taylorismo, o fordismo e o toyotismo
representaram grandes mudanças no contexto da organização produtiva e marcaram a
forma de acumulação capitalista. O taylorismo foi um sistema criado para permitir uma
produção mais rápida em larga escala. Já o fordismo foi pensado para revolucionar a
organização produtiva por meio da esteira rolante, ampliando a produção em grande
escala e controlando o tempo de trabalho do operário. O fordismo também esteve
vinculado ao aumento de salários e permitiu um grande salto ao capitalismo industrial.
Após a crise de 1929, desempenhada pelo excesso de produção e estoque, a fábrica da
Toyota implementou um sistema produtivo flexível, baseado na demanda — chamado
de toyotismo. Esse sistema buscou eficiência gerencial e trouxe para o trabalhador o
conhecimento de todas as etapas produtivas, levando o funcionário a ser multifuncional.
O toyotismo também passou a implementar o padrão de qualidade e representou
grande mudança no processo produtivo e organizacional.

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos havia luta por melhores condições
de trabalho, movimento dirigido principalmente por sindicatos trabalhistas e
organizações de trabalhadores fabris, nos países latino-americanos, e mesmo
em outros continentes, havia ainda uma grande subordinação do trabalho
às demandas da indústria. A Europa e os Estados Unidos passavam por um
avanço técnico dos meios de produção industrial, e os países de economia não
industrializada forneciam matérias-primas para transformação. Essa relação
ficou caracterizada como segunda Divisão Internacional do Trabalho (DIT),
ou Divisão Internacional da Produção (POCHMANN, [201-?]).
A DIT iniciou com o período conhecido como capitalismo comercial, em
que as colônias de exploração enviavam matérias-primas, especiarias e metais
preciosos aos países colonizadores. Essa divisão marcou também o início do
imperialismo e, consequentemente, do colonialismo. A relação de domínio dos
países europeus sobre os países explorados marcou o modo de desenvolvimento
econômico, já que os colonizados permitiram o enriquecimento dos europeus
durante séculos, por meio dos recursos que forneciam. Além disso, aos países
colonizados era dada uma condição subalterna, que marcou profundamente
a história dos seus povos tradicionais.
A primeira DIT foi fundamental para que a industrialização ocorresse, já
que, a partir desse acúmulo de riquezas e da política imperialista europeia,
a industrialização teve êxito. A segunda DIT não alterou a dependência dos
Organização do trabalho e das instituições I 11

países que foram colonizados e perpetuou na maioria deles a condição de


exportador de matérias-primas. Isso resultou no tipo de trabalho exercido pela
população e nas diferentes especificidades de cada trabalho em diferentes
lugares do mundo.
A segunda DIT dividiu o planeta em países industrializados e fornecedores
de matérias-primas, o que levou a um desenvolvimento econômico desigual no
planeta. Alguns países passaram a concentrar a renda e as riquezas produzidas
e a comandar o sistema capitalista global. Embora esse processo tenha resultado
em uma divisão econômica desigual que ainda permanece, atualmente novas
formas de acumular riqueza ganharam protagonismo, além de novas formas
de trabalho, novas formas de circulação de produtos, mercadorias e novas
maneiras de integração de mercados. A globalização transforma o sistema
capitalista, apesar de não mudar sua essência, nem romper com as fronteiras
da desigualdade (POCHMANN, [201-?]).

Globalização e novas formas de organização do


trabalho
Com o avanço das técnicas de comunicação, o mundo se viu diante de um tipo
de integração até então inédita. A integração de vários espaços no mundo por
meio das redes informacionais permitiu que um conjunto de sistemas econô-
micos pudessem se integrar. Isso levou a necessidade de uma nova geografia
econômica, que pensasse no papel das redes informacionais, na redefinição
dos atores globais que comandam os mercados, nos setores produtivos e na
emergência de novas formas de trabalho (MOREIRA, 2016).
Ao longo do século XX, várias técnicas foram criadas permitindo o avanço
cada vez mais veloz da informação; a última e mais revolucionária é a in-
ternet. Com ela, fluxos e dados informacionais circulam globalmente de
modo instantâneo. Notícias e entretenimento passaram a circular por meio de
redes informacionais tão rápido quanto transferências financeiras. A instan-
taneidade permitiu o surgimento de novas configurações empresariais e, por
consequência, de novas formas de trabalho. Empresas ligadas aos setores de
tecnologia informacional e ao sistema financeiro são alguns ramos que foram
difundidos graças aos avanços técnicos. No entanto, esses formatos resultaram
em novas maneiras de acumulação de riquezas. As grandes transferências,
os investimentos em títulos e mercado de ações fizeram com que parte do
capital produtivo fosse revertido em capital especulativo ou financeiro. Esse
processo recente fez com que o setor industrial perdesse expressividade na
dinâmica capitalista do século XXI.
12 Organização do trabalho e das instituições I

Hoje, a DIT é caracterizada por países que produzem tecnologia avançada,


que comandam as redes informacionais e que detêm empresas multinacionais
capazes de operar globalmente. Enquanto isso, vários países vêm investindo
no processo de industrialização por meio da atração de empresas estrangeiras,
elevação da produção interna e diversificação econômica nos setores produti-
vos. Esses países são denominados emergentes, pois apresentam economias
em crescimento graças principalmente à industrialização recente.
Apesar de a DIT ter se tornado complexa, ela continua existindo. Sua
existência pressupõe a permanência da desigualdade econômica global, pois os
países centrais na economia capitalista desempenham um papel fundamental
na produção de tecnologia e produtos de elevado valor agregado, enquanto os
países de economia periférica têm desvantagens competitivas, desempenhando
papéis que vão desde produção de commodities e produtos para exportação
até bens de consumo não duráveis.
As novas formas de organização do trabalho aconteciam ao mesmo tempo
que as crises do sistema capitalista e da ampliação do desemprego em vários
locais do mundo. Conforme já mencionado, o setor produtivo industrial perdeu
capital de investimento para o setor financeiro, e parte do setor produtivo
industrial passou a automatizar a fabricação de mercadorias, o que demandou
trabalhos mais especializados e menor mão de obra (HARVEY, 2010).
Como consequência, a maior parte da população de vários países do mundo
foi realocada do segundo para o terceiro setor da economia, inclusive no Brasil
após a década de 1990. Profissões especializadas nos três setores da economia
emergiram para atender as exigências da modernização do campo, que grande
parte dos países do mundo experimentaram, para atender as exigências da
indústria e dos setores de automação e para lidar com as novas formas de fazer
negócios e investimentos. Porém, parte da população não especializada ocupou
cargos de baixos salários, independentemente do setor econômico atuante.
Em países centrais, o terceiro setor incorporou parte dessa mão de obra. Já os
países emergentes em vias de industrialização incorporaram parte da mão de
obra barata com baixos salários e condições ruins de trabalho. Nesses países,
legislações trabalhistas e organização de operários seguiam enfraquecidas
e, em países periféricos de economia primária, os trabalhos vinculados ao
campo permaneciam com índices de pobreza e baixa renda.
Mesmo no século XXI, com o avanço da tecnologia, das especializações no
mundo do trabalho e a emergência de novas funções criativas, essencialmente
aquelas vinculadas aos meios digitais, a precarização do trabalho em vários
territórios, os baixos salários e o desemprego continuam assolando países e
regiões no mundo todo. Por outro lado, legislações trabalhistas se tornaram
Organização do trabalho e das instituições I 13

mais flexíveis em alguns países para atrair investimentos de empresas e in-


dústrias. Os movimentos operários perderam força em vários locais, pois o
desemprego passou a ser temido em tempos de (re)organização produtiva e
fragmentação territorial dos processos econômicos.
A dispersão de empresas pelo mundo levou os países a uma disputa por
investimentos e resultou em fragilidade de leis ambientais e trabalhistas para
atrair empresas multinacionais. Levou também à fragmentação da produção.
Assim, mercadorias de bens duráveis, por exemplo, passaram a ser fabricadas
com peças e assessórios de vários lugares do mundo.

A Organização Internacional do Trabalho é uma organização multilateral vinculada à


ONU. Tem como objetivo fiscalizar e primar pelas condições adequadas de trabalho
no mundo, evitando trabalho escravo em suas várias dimensões. Por atuar e operar
em todos os continentes, essa organização é fundamental para garantir os direitos
humanos e o direito internacional.

A geografia econômica do mundo globalizado, além de complexa, exige uma


ampla visão sobre os processos que ocorrem em macroescala. Por exemplo, so-
bre as decisões políticas do governo dos Estados nacionais e sobre os processos
econômicos de produção e circulação de mercadorias. A monopolização dos
setores produtivos e a atuação de grandes conglomerados empresariais fazem
com que seja cada vez mais difícil explicar o desenvolvimento econômico do
espaço geográfico.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritoriali-


dade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
HAESBAERT, R. Territórios alternativos. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2015.
HARVEY, D. Para entender o capital. Rio de Janeiro. Boitempo, 2010. v. 1.
14 Organização do trabalho e das instituições I

HIRT, C. O lugar e o papel do BNDES no desenvolvimento brasileiro. Tese (Doutorado) —


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: http://
objdig.ufrj.br/42/teses/859255.pdf. Acesso em: 3 nov. 2019.
MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. 20. ed. São Paulo: Annablume, 2007.
MOREIRA, R. A geografia do espaço-mundo: conflitos e superações no espaço do capital.
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MOREIRA, R. Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica.
São Paulo: Contexto, 2011.
PAES, N. Geografia. In: SLIDESHARE. [S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: https://slideplayer.
com.br/slide/3078475/11/images/6/Mapa+da+riqueza+com+o+PIB+distribu%C3%A
Ddo+%C3%A0+popula%C3%A7%C3%A3o.jpg. Acesso em: 3 nov. 2019.
POCHMANN. M. Economia global e a nova divisão internacional do trabalho. [S. l.: s. n.,
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em: 3 nov. 2019.
RIZZIERI, J. Introdução à economia. In: PINHO, D.; VASCONCELOS, M.; TONETO, R. (org.).
Manual de economia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp,
1996.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
4. ed. São Paulo: Record, 2000.
SPOSITO, E. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico.
São Paulo: Unesp, 2004.
VASCONCELOS, M. Introdução à microeconomia. In: PINHO, D.; VASCONCELOS, M.;
TONETO, R. (org.). Manual de economia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Leituras recomendadas
BENKO, G. A recomposição dos espaços. Interações: Revista Internacional de Desen-
volvimento Local, Campo Grande, v. 1, n. 2, p. 7-12, mar. 2001.
BENKO, G. Os recursos de territórios e os territórios de recursos. Geosul, Florianópolis,
v. 16, n. 32, p. 31-50, jul./dez. 2001.
BENKO, G. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec,
1996.
Organização do trabalho e das instituições I 15

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GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Jhonatan dos Santos Dantas


Trabalho e organização
produtiva
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Caracterizar as relações trabalhistas no contexto econômico.


 Discutir a organização do trabalho e suas consequências.
 Analisar os modos de organização do trabalho no Brasil.

Introdução
O trabalho garante a sobrevivência e a prosperidade da sociedade, e as
funções atreladas a ele moldam a hierarquia social. Por isso, conhecer as
consequências da organização do trabalho é fundamental para entender
a própria dinâmica da sociedade.
Após a Revolução Industrial, no século XVIII, novas formas de orga-
nização no contexto trabalhista emergiram para responder aos anseios
econômicos da época. Incluem-se mudanças tanto organizacionais
quanto produtivas. Os trabalhadores tiveram que aprender um novo jeito
de lidar com o tempo. Além disso, novas profissões e novos mercados
surgiram. O artesanato, o comércio e a agricultura, por exemplo, foram
substituídos por trabalhos mais mecânicos em virtude da consequente
necessidade de produção em larga escala. Esses processos chegaram ao
Brasil e modificaram as relações sociais e territoriais, impondo às regiões
uma nova organização socioprodutiva.
Neste capítulo, você vai estudar as relações trabalhistas no contexto
econômico. Para isso, também vai ler sobre a organização do trabalho,
conhecendo suas consequências e seu funcionamento em âmbito na-
cional e internacional.
2 Organização do trabalho e das instituições II

Relações trabalhistas no contexto econômico


O trabalho estrutura as bases da existência e a produção da vida social. Au-
tores como Karl Marx (1867) e, mais recentemente, Dermeval Saviani (1986)
e Paulo Tumolo (2005) afirmam que trabalho é a atuação humana sobre a
natureza e sobre a própria realidade, de modo que essa atuação acaba por
suprir as necessidades humanas. Por meio do trabalho, ao longo do tempo,
as sociedades criaram técnicas essenciais à sobrevivência, que contribuiriam
para a estruturação econômica da vida social posteriormente. A evolução das
técnicas e do meio técnico criado pela sociedade, portanto, favoreceu a evolução
de um sistema econômico que consolidou o capitalismo. Esse sistema passou
a comandar as relações sociais por meio de uma cultura de acumulação de
riquezas, que vai ter nas relações de trabalho um papel central.
Antes mesmo da estruturação do sistema capitalista, o trabalho já era
um elemento fundamental para a sociedade e já sofria de certo modo grande
exploração e precarização. A divisão do trabalho humano sempre foi baseada
em hierarquia, que dividia a sociedade em nobreza, servos, camponeses e
escravos. O tipo de trabalho e a função exercida na sociedade definia o grupo a
que o sujeito iria pertencer. Portanto, desde a antiguidade havia uma hierarquia
social pautada por, entre outras coisas, o trabalho. No entanto, foi depois da
consolidação do sistema capitalista, nos séculos XVIII e XIX, e da Revolução
Industrial, que o trabalho ganhou uma dimensão diferente, essencial para
acumulação de riquezas e funcionamento do capitalismo.
O trabalho é fundamental para compreender o sistema capitalista, pois é
ele que determina o valor das coisas. É o que chamamos de teoria do valor.
Uma mercadoria é feita por meio do trabalho, então o valor dessa mercadoria
é influenciado pelo trabalho, isto é, pelas condições em que foi feita a merca-
doria, pela habilidade do operário, pela técnica e pelo tempo necessário, entre
outras variáveis. No entanto, o trabalhador não receberá esse valor em sua
totalidade. Isso acontece para que os donos dos meios de produção, ou classe
burguesa, acumulem riqueza. Marx denominou mais-valia esse excedente
cumulativo que a mercadoria adquire. É, portanto, extraída do trabalhador
a mais-valia produtiva. Ele troca sua mão de obra por um salário menor que
sua produção material.
Dessa forma, surge a exploração do trabalho, já que o valor pago ao
trabalhador é bem menor que o valor do seu trabalho. O autor argumenta que
isso é possível porque a organização produtiva retira do trabalhador o senso de
exploração, o que ele chamou de alienação. Dessa relação entre trabalhadores e
classe burguesa surge a luta de classes, também entendida como hierarquização
Organização do trabalho e das instituições II 3

da sociedade em estratificações socioeconômicas, que irá pautar as relações


sociais no mundo capitalista (MARX, 1983; MARQUES; NAKATANI, 2009).

O trabalho tem papel central na estrutura capitalista. Ao mesmo tempo, o trabalhador


passou a ser um componente fundamental da infraestrutura. Marx denominou infra-
estrutura a base material das relações humanas, que envolve o modo de produção e
as forças produtivas. Infraestrutura e superestrutura são componentes essenciais
que ditam todas as relações sociais de acordo com o materialismo histórico. O primeiro
trata do modo de produção material das coisas, que supre as demandas humanas.
O segundo trata das ideologias, política, filosofia, cultura e arte; está no campo das
ideias. Ambos interferem um no outro e ditam as relações sociais.

O avanço do capitalismo e a necessidade de consumo para manutenção e


reprodução do sistema reformularam as formas de trabalho-tempo existentes.
A integração de certos mercados nessa configuração e a diminuição da carga
horária de trabalho foi um fator fundamental, pois o trabalhador passou a utili-
zar o tempo não produtivo para consumir mercadorias e, além disso, passou a
ter um salário mais alto. Esse processo fez emergirem ideais de prosperidade,
mesmo sob as classes operárias e trabalhadoras.
Novas formas de organização do sistema produtivo resultaram também
em diferentes modos de trabalho, novas funções, tipologias e demandas, o
que acabou alterando a organização das empresas e, sobretudo, as relações e
a divisão do trabalho.

Organização do trabalho e suas consequências


Apesar de o trabalho sempre ter sido fator de divisão social, foi na Revolução
Industrial que as especializações no modo de trabalho ganharam maior ênfase
e deram início às teorias de organização produtiva e organização do trabalho.
Antes, o artesão, o agricultor e os comerciantes desempenhavam funções
essenciais para a economia. No período pós-Revolução Industrial, surgiram
novas funções e um novo processo de organização produtiva e trabalhista.
As fábricas passaram a adotar um modelo de produção com novas formas de
trabalho e novos ambientes organizacionais na esfera produtiva.
4 Organização do trabalho e das instituições II

De acordo com Davis (1966 apud FLEURY, 1980 p. 19), a organização do


trabalho é “[…] a especificação do conteúdo, métodos e inter-relações entre
os cargos, de modo a satisfazer os requisitos organizacionais e tecnológicos,
assim como os requisitos sociais e individuais do ocupante do cargo”. A orga-
nização do trabalho, assim, estaria associada a dimensões técnicas e sociais.
Com relação à organização do trabalho industrial, Fleury (1980) aponta
que o objetivo é aplicar a racionalidade técnica produtiva, com intuito de ma-
ximizar a produção e, consequentemente, o lucro. A primeira grande ruptura
com o modo produtivo industrial clássico foi a incorporação do sistema de
gerência científica, conhecido como taylorismo, estabelecido por Frederick
Winslow Taylor. Essa teoria organizacional revolucionou o trabalho fabril e
condicionou a expansão cumulativa de capital industrial. Propôs a ampliação
produtiva com diminuição e controle de tempo e esforço e ganhou amplo
espaço na organização fabril. No entanto, foi com Henry Ford, no século XX,
que o modelo de produção em massa ganhou maior ênfase. O fordismo é uma
teoria da administração que prega a racionalização dos processos e a linha de
produção ou setorização de funções no trabalho.
De acordo com Ribeiro (2015), a esteira rolante inovou as técnicas e a
organização do sistema produtivo fabril. Com ela, o trabalhador ficou fixado
em um ponto de trabalho, o que aumentou significativamente a produção.
Apesar da forte resistência dos trabalhadores, a Ford expandiu os salários e
minimizou a rotatividade de funcionários, combinando eficiência gerencial,
produção em massa e salários elevados. Esse processo também veio acompa-
nhado de carga horária máxima de oito horas por dia, direito a férias e folgas
nos fins de semana. Isso passou a incentivar o consumo no “tempo livre” e
diminuir as pressões por melhores condições de trabalho. Além disso, o autor
afirma que o fordismo delineou parte das reivindicações sindicais, que até
hoje preocupam-se com a elevação de salários.
Tanto o taylorismo quanto o fordismo, portanto, objetivavam controlar
o trabalho. O primeiro iniciou o processo, e o segundo o intensificou. Esses
sistemas de eficiência gerencial administrativa foram responsáveis pela orga-
nização industrial produtiva e influenciaram diretamente a Segunda Revolução
Industrial. Porém, não ficaram restritos apenas às indústrias. Várias empresas
do terceiro setor viram a necessidade de incorporar processos organizacionais
para melhorar a eficiência administrativa e comercial. As empresas passaram
a aderir à especialização em funções específicas, à divisão dos cargos e ao ge-
renciamento dos processos, buscando mais competitividade e aumento de lucro.
O século XX foi marcado por grandes mudanças nas formas e na divisão do
trabalho. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos os movimentos trabalhistas
Organização do trabalho e das instituições II 5

ganharam força e reivindicaram melhores condições, a globalização econômica se


acentuou permitindo um processo de fragmentação produtiva. A fragmentação
produtiva é um processo de dispersão espacial-global, em que alguns segmentos
econômicos passam a operar em escalas diferentes e organizadas, integradas por
meio de uma ampla rede produtiva. Na fabricação de aviões e automóveis, por
exemplo, a matéria-prima é extraída de determinados países, enquanto a fabricação
de peças internas, externas e motores é realizada em países diferentes e, além
disso, a montagem do avião ou do automóvel ocorre em outro país. A dispersão
e a fragmentação da produção têm um processo de industrialização distinto,
mais ou menos especializado dependendo o ramo. Também permitiram uma
integração global de certos segmentos econômicos, que gerou dependência de
regiões à dinâmica da econômica global, fortalecida pela globalização econômica.
Outros segmentos, como o setor de vestuário, também sofreram um processo
de reestruturação produtiva, fragmentando o processo de extração de matéria-
-prima, costura, etiqueta e distribuição da mercadoria. Essa articulação levou
a acumulação capitalista ao máximo, pois a mão de obra barata, a diminuição
de custos na produção e as estratégias locacionais para diminuir divisas fez
com que as empresas multinacionais atuassem em escala global.
Dessa forma, várias empresas europeias e estadunidenses começaram a
operar em outros países. Países de economia periférica passaram por um pro-
cesso de industrialização e diversificação da base econômica. Apesar disso, a
divisão social do trabalho permaneceu e instalou-se uma divisão internacional
do trabalho produtivo. Com isso, a sede das grandes empresas globais se
concentrou nos países de economia central, e as atividades menos especiali-
zadas tecnicamente passaram a ser desempenhadas em países de economia
periférica e emergente. O resultado desse fenômeno foi uma reorganização
produtivo-trabalhista em escala internacional. Países historicamente periféricos
na economia global passaram por um amplo processo de industrialização e
incorporação de mão de obra barata, adotando um padrão de baixos salá-
rios e alto rendimento produtivo. Enquanto isso, os países centrais passaram
a investir em automação e tecnologia produtiva, o que também modificou
drasticamente as relações de trabalho. O trabalhador fabril passou a precisar
de especialização técnica para operar maquinários sofisticados. Além disso,
foram criadas profissões ligadas ao setor de ciência e tecnologia e foram
desenvolvidos sistemas computacionais modernos. Nos países periféricos, o
trabalho precarizado se alastrou do setor primário da economia para o setor
secundário industrial. As vantagens oferecidas para as empresas globais
fizeram com que legislações trabalhistas e ambientais fossem fragilizadas
para absorver o capital estrangeiro.
6 Organização do trabalho e das instituições II

Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu um novo sistema produtivo: o


toyotismo. Criado pelo japonês Taiichi Ohno, foi implementado na fábrica
da Toyota e, devido à sua eficiência, espalhou-se pelo mundo após 1960.
Esse sistema promoveu uma revolução no processo de produção, no modo de
trabalho e de organização empresarial. Baseado na produção por demanda, a
empresa eliminou a produção excedente e diminuiu perdas produtivas. Além
disso, implementou um processo rigoroso de controle e gestão operacional
em todos os setores e passou a dar treinamento e investir na qualificação do
trabalhador (BATISTA, 2008; RIBEIRO, 2015).

Os sistemas de qualidade total são marcas do toyotismo. O sistema 5S foi criado para
implementar qualidade total nos processos gerenciais e organizacionais. Utilização,
padronização, limpeza, disciplina e organização são seus pressupostos norteadores,
que visam ao máximo de eficiência e qualidade. Foram também criados os selos
de qualidade: o ISO 9001, na metade do século XX, para certificar a qualidade dos
processos organizacionais e gerir a qualidade e o ISO 14001, uma certificação para
qualidade ambiental implementada por indústrias e empresas que incorporaram o
padrão de qualidade e o respeito ambiental na sua gestão. O sistema toyotista de
produção buscou implementar uma série de normas e regras gerenciais no intuito
de possibilitar qualidade e eficiência organizacional.

O trabalhador multifuncional adaptou-se para atender às necessidades da


empresa. Compreendia todo processo produtivo, qualificou-se para exercer
qualquer função na empresa ou na fábrica e teve seu horário de trabalho
flexibilizado. Esse processo promoveu ganhos de produção e rentabilidade,
diminuindo excedentes e despesas. As empresas que aderiram a esse sistema
começaram a fazer análises de mercado e a direcionar a produção voltada à
demanda, gerando flexibilização produtiva e eficiência lucrativa.
O toyotismo elevou o nível da organização administrativa das empresas,
atenuando crises de excedente oriundas do fordismo, melhorando a eficiência
dos processos organizacionais internos, ampliando os lucros e reconfigurando
o modo de produção.
Na Figura 1, é possível verificar que a produção empurrada, base do
sistema fordista, é estruturada em um modelo de produção em massa, em que
os produtos chegam ao mercado, e o consumidor o adquire. Esse modelo de
Organização do trabalho e das instituições II 7

produção é baseado na geração de estoque, e a produção é “empurrada” para


o mercado consumidor. Já o modelo toyotista extinguiu a geração de estoque.
Então, primeiro ocorre uma demanda pelo produto e, a partir dessa demanda, o
fornecedor irá produzir. Essa é a produção puxada pelo mercado, extinguindo
desperdícios e mantendo os preços relativos saudáveis.

Figura 1. Produção empurrada e produção puxada.


Fonte: Adaptada de Bezerra (2019)

Dessa forma, a divisão de trabalho era baseada também na renda, pois


trabalhadores especializados e qualificados passaram a ter salários mais
elevados e conquistar espaços hierárquicos superiores nas empresas. Con-
sequentemente, o trabalhador com baixa qualificação tinha o salário menor.
Indústrias automobilísticas e tecnológicas absorviam uma mão de obra mais
qualificada e pagavam salários melhores, ao passo que indústrias de bens não
duráveis — como alimentícia, têxtil e outras que permaneceram com o modelo
fordista e baixo nível de tecnificação — absorviam mão de obra barata. Houve
ainda a substituição do trabalhador por maquinários modernos, diminuindo
a mão de obra e exigindo maior capacitação do funcionário operador. Porém,
as indústrias que seguiram com baixo nível de tecnificação demandaram um
número maior de funcionários, geralmente com baixos salários.
Entre os funcionários, havia o trabalhador migrante, aquele que pas-
sou a se deslocar para outras regiões e até outros países. A globalização e a
atuação das grandes multinacionais em vários países levaram funcionários
especializados a migrar por conta das atividades desenvolvidas. As fábricas
que se instalaram em países periféricos também contribuíram para o número
elevado de migrações internas por pessoas que buscavam melhores condições
de vida. No Brasil, temos o exemplo dos nordestinos que se dirigiam rumo
8 Organização do trabalho e das instituições II

ao Sudeste durante o século XX em virtude da industrialização na região e


da oferta de empregos.

O termo fuga de cérebros, ou fuga de capital humano, é um importante conceito


para compreender as novas relações de trabalho. Esse termo é aplicado à emigração
de indivíduos que têm elevado grau de capacitação técnica para exercer um tipo de
função e que, em decorrência da falta de oportunidades no país de origem, acabam
emigrando em busca de melhores condições. Geralmente os países mais desenvolvidos
acabam absorvendo essa mão de obra especializada.

Com essas alterações no modo de trabalho, muitas pessoas optaram por


exercer várias funções de forma simultânea, principalmente relacionadas ao
terceiro setor. A instabilidade gerada pela fuga de empresas e a competitividade
dos lugares pela atração de capital e investimentos resultaram em incertezas.
Desse modo, muitas pessoas tinham dois ou até três empregos fixos, tra-
balhando em turnos diferenciados para complementar a renda, ou exerciam
outras funções aos finais de semana. O trabalhador, nesse contexto, passou a
trabalhar também em casa, seja na prestação de serviços diversos seja na criação
de produtos e marcas, além de ter a possibilidade de atuar por meio de sites.

Os trabalhadores temporários são aqueles contratados em época especial para


uma determinada atividade. Por exemplo, trabalhadores rurais são recrutados para
colheita em certo período do ano. Algumas empresas no Brasil também contratam
trabalhadores temporários de outras regiões. Esse processo vem acompanhado de
uma migração temporária, ou sazonal, pois ocorre em um período específico do ano
e, geralmente, quando finaliza, esses trabalhadores retornam para seu local de origem.

O trabalho, então, redefiniu o próprio significado das regiões e dos lugares


na economia. Isso porque a configuração e o modelo da economia regional
acabam orientando o contingente populacional, sendo um local atrativo ou
Organização do trabalho e das instituições II 9

repulsivo dependendo o perfil da atividade produtiva, ao mesmo tempo em que


direciona a população a morar no campo ou na cidade e a atuar no primeiro, no
segundo ou no terceiro setor da economia. Podemos perceber esses processos
no contexto brasileiro analisando os diferentes modos de organização do
trabalho que o País sofreu, principalmente ao longo do século XX.

Diferentes modos de organização do trabalho


no Brasil
O Brasil colonial apresentou um perfil agrário exportador. Foi mero produtor
de matérias-primas, primeiramente exportando o pau-brasil, depois os metais
preciosos, até exportar especiarias e açúcar. O trabalho era pautado por uma
relação escravista, em que o trabalhador era explorado e não detinha direitos
legais garantidos.
Os africanos transportados para o País entre os séculos XVI e XIX e os
indígenas desempenharam papel fundamental na extração de matérias-primas
e na fabricação do açúcar, principalmente no Nordeste. A escravidão no Brasil,
porém, ainda hoje apresenta suas sequelas, como a grande divisão étnico-racial,
a contínua exploração do trabalho e a grande demora para consolidação de leis
trabalhistas. O sistema escravocrata moldou, de certo modo, todas as relações
sociais vividas no País e deixou como legado uma escravidão simbólica vivida
pelas classes mais baixas da população (SOUZA, 2017).

Leia mais sobre a imigração dos africanos no Brasil no link a seguir.

https://qrgo.page.link/8tRKi

A primeira lei trabalhista que regulamentou e consolidou os direitos e


deveres dos funcionários e do patronato foi sancionada em maio de 1943 pelo
então presidente Getúlio Vargas. A lei definiu salários mínimos e implementou
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), comumente conhecida como
carteira de trabalho, definindo o direito ao registro empregatício, à jornada
de trabalho e ao salário regulamentado (LEOPOLDI, 2000). Porém, esse
10 Organização do trabalho e das instituições II

processo só ganhou corpo devido ao projeto desenvolvimentista que iniciou


no Brasil após 1930. O desenvolvimentismo é fundamental para compreensão
da organização do trabalho, pois até então o País tinha um perfil econômico
agrário, com forte dependência do mercado externo, tendo o café e o açúcar
como principais produtos nacionais exportados.
A industrialização do Brasil, que iniciou com Vargas, alterou a base
econômica nacional e acentuou a concentração econômica no Sudeste bra-
sileiro. As cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro contavam com amplos
investimentos e expandiam consideravelmente (TAVARES, 2012). Após 1950,
o êxodo rural no País cresceu significativamente e, em 1970, o perfil rural
mudou para urbano, o que marcou uma das urbanizações mais rápidas da
história mundial. Como a maior parte da população que vivia no campo não
era proprietária de terras, a mudança para a cidade representava uma alter-
nativa por melhores condições de vida. A modernização do campo também
contribuiu para a emigração da população, já que os trabalhadores do campo
foram substituídos por maquinários agrícolas.
Além disso, esse período foi marcado por uma migração regional, princi-
palmente, como exemplificado anteriormente, de nordestinos que se dirigiram
para o Sudeste buscando melhores condições de emprego e renda. A atração
populacional do Sudeste, especialmente dos grandes centros urbanos, deve-se
a dois fatores principais: os grandes investimentos que o Estado nacional fez
na região, privilegiando esse eixo territorial em detrimento de outras áreas,
e a industrialização acentuada após 1930 (OLIVEIRA; CORIOLANO, 2014;
TAVARES, 2012). No entanto, a industrialização e o êxodo rural deixaram
marcas nas relações trabalhistas do Brasil, como os baixos salários. Mesmo
após a implementação da CLT, os salários deprimidos formaram uma popu-
lação urbana pobre, que passou habitar áreas precárias e sem infraestrutura.

A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), criada em 1948


pelo conselho econômico e social da Organização das Nações Unidas, teve ampla
influência na industrialização do Brasil e de outros países latino-americanos. Pregava
a ideia de que o subdesenvolvimento estava atrelado ao processo de industrialização
lento e que a disparidade econômica advinha da Divisão Internacional do Trabalho.
Por isso, várias políticas públicas que incentivaram a industrialização nacional tiveram
influência direta da CEPAL, que tinha como um dos principais expoentes Celso Furtado.
Organização do trabalho e das instituições II 11

Os sindicatos no Brasil se formaram logo após a implementação da CLT, mas


perderam força após 1964 em consequência da drástica repressão do governo
militar. Apenas após 1970 os movimentos sindicais voltaram a ganhar força,
com a organização de trabalhadores industriais somada a novos movimentos
sociais que emergiam para conquistar legalmente direitos sociais. O sindica-
lismo foi essencial para a conquista dos direitos trabalhistas e desempenha
papel fundamental para manter progressivamente a elevação dos salários e
requerer melhores condições de trabalho.
Após sua industrialização, o Brasil estava diante de novas formas de traba-
lho. O setor terciário, por exemplo, passou a ter uma participação importante
no produto interno bruto (PIB) nacional e nos modos de trabalho, em virtude
do crescimento das cidades e da onda migratória durante o século XX. Depois
de 1950, a indústria automobilística e as empresas estrangeiras começaram a
operar no País, implementando um trabalho técnico mais especializado, em
comparação com as indústrias têxteis e alimentícias iniciais. A Confederação
Nacional da Indústria também desempenhava um papel importante para a
formação de capital humano necessário às novas exigências do setor secun-
dário. Assim, a base econômica nacional diversificada permitiu o surgimento
de mão de obra técnica para alguns segmentos, mas ainda contava com mão
de obra menos técnica para grande parte das funções (LEOPOLDI, 2000;
OLIVEIRA; CORIOLANO, 2014; TAVARES, 2012).
O desenvolvimentismo do século XX passou muitas fases. Grandes crises
econômicas externas somadas a grandes investimentos em infraestrutura e
setores econômicos agravaram o endividamento do Estado e provocaram
aumento drástico da inflação, principalmente na década de 1980. Além disso,
a remuneração ao trabalhador continuou baixa, permitindo a formação de
uma elevada desigualdade social no País, que continua até hoje. Após 1990, o
Brasil abriu a economia nacional, implementou o projeto neoliberal e mudou
a moeda, implementando o Plano Real, que acabou por estabilizar a inflação.
A grande desvantagem é que a abertura da economia promoveu o declínio
da indústria nacional e a desestatização de várias empresas, provocando
instabilidade ao trabalhador de vários segmentos econômicos anteriormente
ligados ao Estado (TAVARES, 2012). No fim da década de 1990, o desemprego
cresceu, conforme pode ser observado na Figura 2.
12 Organização do trabalho e das instituições II

16
Fonte: IBGE - PME - PEA - % de desocupados

12,0 12,2 12,3


12 11,1
*2002 - mudança de metodologia 12,0 12,1 11,5
10,2 10,0

8,3 8,4 9,5 9,8 8,1


9,3
8 7,2 8,3
7,9 6,0
6,8 5,4
5,2 5,2 5,0
4,2 5,0 5,5
4 4,7 4,6 4,8
3,5

0
1984 1985 1986 19871988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Figura 2. Evolução do desemprego no Brasil entre 1984 e 2014.


Fonte: Costa (2010, documento on-line)

Após os anos 2000, observa-se que as taxas de desemprego caíram. Além


disso, nessa época, ocorre a elevação de salários, que pode ser vista na Figura
3. Investiu-se em formação de capital humano, com políticas de educação no
nível superior, o que acabou modificando as relações de trabalho, já que parte
da população se especializou em funções específicas para atender a demandas
internas. Nota-se, ainda, que diminuiu a participação da indústria no PIB
nacional, o que voltou a alocar a população em outros setores da economia.

R$ 1.000,00
R$ 900,00
R$ 800,00
R$ 700,00
R$ 600,00
R$ 500,00
R$ 400,00
R$ 300,00
R$ 200,00
R$ 100,00
R$ 0,00
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016

Figura 3. Evolução nominal do salário mínimo.


Fonte: Previdência Social (c2019, documento on-line)
Organização do trabalho e das instituições II 13

A Figura 4 mostra a ocupação da população brasileira nos setores da eco-


nomia. Percebe-se que os setores de serviços e comércio empregam mais de
70% da população brasileira atual, enquanto indústria e agropecuária juntas
somam cerca de 20% dos vínculos empregatícios.

3,1%
5,4%

Serviços

16,4% Comércio

55,4% Indústria

19,7% Const. civil

Agropecuária

Figura 4. Empregos formais por setor da economia no Brasil em 2015.


Fonte: Pacheco (c2019, documento on-line).

O Brasil, portanto, passou por grandes mudanças em relação ao seu perfil


produtivo e empregatício. Historicamente, a exportação de produtos primá-
rios e o suprimento de demandas internas, principalmente a produção de
alimentos, marcaram o trabalho no País, além da relação escravista que foi
estabelecida. No século XX, a industrialização mudou significativamente as
formas de organização do trabalho, implementando e garantindo legalmente
direitos aos trabalhadores. A indústria também permitiu uma nova organização
no trabalho, baseada em tarefas diferenciadas e especializações técnicas,
principalmente após a chegada de indústrias mecânicas e automotivas. A
formação de capital humano técnico para desempenhar novas funções na
indústria também permitiu grande avanço desse setor durante o século XX.
Após a década de 1990, com a abertura econômica, inicia-se um período de
grande desemprego, mas estabiliza-se a inflação gerada na década de 1980.
No século XXI, novas funções emergem atreladas à capacitação do capital
humano no ensino superior, que o mercado passa a incorporar, principalmente
vinculadas ao setor de prestação de serviços.
14 Organização do trabalho e das instituições II

Desse modo, podemos perceber que a população brasileira atual é em-


pregada, em grande maioria, no terceiro setor da economia. Porém, um país
predominantemente urbano como o Brasil, com grande nível de modernização
do campo, necessita ainda hoje de grandes investimentos em setores produtivos
vinculados à tecnologia, além da ampliação de salários e melhores condições
de emprego.

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Leitura recomendada
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www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/migracoes/migr11.htm. Acesso em:
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GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Ananda Muller Postay de Lima


Fontes de energia no
mundo e no Brasil
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Caracterizar as principais matrizes energéticas na atualidade.


 Identificar as consequências econômicas e socioambientais dessas
fontes energéticas.
 Explicar o debate em torno da questão climática.

Introdução
Diversas fontes de matrizes energéticas estão disponíveis no mundo. Essas
fontes fazem parte do cotidiano da sociedade e impactam a vivência so-
cial, econômica e ambiental. Desde o século XVII a exploração de energia
de elementos fósseis vem sendo aperfeiçoada, principalmente depois da
Revolução Industrial, no século XX, que aumentou o consumo de energia.
Essas transformações acabaram causando muitos impactos ambientais.
Com isso, começaram a ser debatidas as causas e as consequências da
produção e do consumo das fontes energéticas.
Nesse capítulo, você vai conhecer as principais matrizes energéticas
— fósseis e renováveis — de geração de energia para combustíveis
e eletricidade. Vai estudar as fontes energéticas no setor de energia e
transportes no Brasil e no mundo, que acabam impactando a economia,
o meio ambiente e toda a sociedade. Por fim, você vai ler sobre o debate
relacionado à rentabilidade das matrizes energéticas para a sociedade
e para a natureza.

Matrizes energéticas
A exploração de energia dos elementos fósseis ocorre desde o século XVII e
desenvolveu-se no século XVIII com a Revolução Industrial. A cada século,
2 Fontes de energia no mundo e no Brasil

a tecnologia era aprimorada, tornando a sociedade cada vez mais dependente


e exploradora de mais fontes de energia fóssil. Esse ciclo de geração e explo-
ração da energia pelo consumo foi se intensificando e ocasionou impactos na
natureza, como todas as interações antrópicas praticadas no espaço. Esses
impactos são denominados atualmente mudanças climáticas antropogênicas.

Antropogênico é toda e qualquer ação/interação praticada pelo ser humano que


altera, desequilibra ou transforma os componentes físicos do planeta Terra.

O poder do capital, em todas as relações socioeconômicas, influencia a


desigualdade entre os países economicamente dominadores e os dependen-
tes. Aplica-se, então, a questão do sistema de produção energética, que está
diretamente ligada ao domínio pelo capital.

O desenvolvimento desigual é uma característica fundamental do modo de


produção capitalista, que se manifesta de uma maneira particularmente aguda
quando ele se torna dominante ao nível internacional. No seio da economia
mundial, as diferenças econômicas ‘nacionais’ são ligadas por relações de
subordinação-dominação. As leis que asseguram a reprodução ampliada do
capital em escala mundial asseguram ao mesmo tempo uma forma determinada
de dominação-subordinação das diferentes formações sociais, a reprodução
do sistema das posições correspondentes a essas relações de dominação-
-subordinação, os ritmos desiguais de desenvolvimento que resultam dessas
posições e as condições de troca que delas resultam (SILVA, 1981, p. 26).

Neste âmbito, não são consideradas as condições físicas características


de exploração de recursos energéticos fósseis ou sustentáveis. O sistema
econômico capitalista e suas relações de dominação do poder econômico entre
os países é julgado pelo poder histórico consolidado de capital estratégico
e geopolítico. Isso porque há países com extensos potenciais de recursos
energéticos, como petróleo, já conhecidos que são intensamente explorados
por outros países dominadores. Configura-se a relação que a constituição
histórica do capital faz sobre as nações e as relações estratégicas dominadoras
que são realizadas, comparando-se ao período de exploração e dominação
das colônias e impérios.
Fontes de energia no mundo e no Brasil 3

Conforme Martin (1992), o setor energético é composto por fontes primárias


e secundárias de formação, pois é gerado naturalmente pelas forças físicas da
natureza, assim como pela força de outros elementos químicos geradores de
calor que resultam em matrizes energéticas.

Fontes de energia primária são as que vem da natureza, como o movimento das
águas, a lenha, o petróleo e o gás natural. Fontes de energia secundária são modifi-
cadas pelo ser humano, como a energia elétrica, gerada, por exemplo, pelo movimento
das águas (fonte primária), e transportada para o local onde será consumida (transmissão
de energia) (CZAPSKI, 2008a).

A relação entre desperdício e conservação de energia é pertinente para


compreender a produção e a distribuição das fontes energéticas no Brasil e no
mundo. O desperdício está vinculado à perda de energia durante a transmissão
de energia elétrica entre a usina, a fonte geradora e os usuários, como moradias,
prédios, iluminação pública e demais construções das cidades recebedoras de
energia elétrica. Já a conservação de energia, “[…] consiste num conjunto de
procedimentos e técnicas para reduzir o desperdício e promove o uso mais
eficiente de energia em todas as atividades realizadas pelos seres humanos”,
segundo Czapski (2008a, p. 5).
Dessa forma, as reflexões evidenciam o grau de importância que se estabe-
lece aos agentes sociais, administradores públicos. Na maioria das situações,
esses agentes sociais se isentam da responsabilidade e do dever de efetivar
planejamentos, análises e avaliações nas tomadas de decisão para escolher a
melhor tecnologia geradora de energia elétrica. A escolha deveria levar em
conta como distribuir energia à população de forma não prejudicial ao meio
ambiente, nem vulnerável a fenômenos que inviabilizem sua distribuição, além
de ser economicamente viável aos consumidores. Além disso, deveriam ser
criadas políticas educacionais para conscientizar a conservação de energia,
tanto pelos usuários civis quanto pelos administradores políticos.
A seguir vão ser discutidas as tecnologias de geração de energia existentes.
4 Fontes de energia no mundo e no Brasil

Fontes de energia fóssil


Compreendem elementos formados na litosfera, por meio de acumulação,
deposição, compressão e aprisionamento de compostos orgânicos abundantes
em carbono, animais e vegetais. Isso acontece no decorrer de milhões de anos,
formando substâncias geradoras de calor. Podem ser encontradas nos subsolos
rochosos, em continentes e solos oceânicos.
O petróleo e seus derivados, carvão mineral e gás natural são as principais
fontes de energia no mundo e também as maiores causadoras do aquecimento
global. São fontes com reservas de recursos finitos, altamente poluentes e
prejudiciais para o equilíbrio climático do planeta. Isso porque sua queima
injeta novamente na atmosfera elementos químicos, como o carbono, formado
há milhões de anos, que alteram e desequilibram os elementos regulatórios
para o funcionamento do ecossistema global. Veja na Figura 1 a representação
dessa fonte de energia.

Figura 1. Exploração de combustíveis fósseis.


Fonte: Nicholson (2014).

Em 2016, as fontes de energia fóssil eram utilizadas em 86% do consumo


global de energia, incluindo carvão mineral (27,1%), petróleo e derivados
(31,9%), gás natural (22,1%) e nuclear (4,9%) para os setores de transportes,
elétrica, indústria e comércio e no consumo domiciliar. Já 75,5% da geração
de energia elétrica no mundo é oriunda das fontes fósseis: carvão mineral
(38,3%), petróleo e derivados (3,7%), gás natural (23,1%) e nuclear (10,4%).
Fontes de energia no mundo e no Brasil 5

No Brasil, em 2016, os combustíveis de origem fóssil compunham 56,5% do


consumo energético e, em 2017, 19,7% da geração de eletricidade. Além disso,
atualmente, 70% dos investimentos no setor de energia estão voltados para
as fontes fósseis (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE, [2017]).

Petróleo

Petróleo “[…] é uma mistura de hidrocarbonetos que tem origem na decom-


posição de matéria orgânica, principalmente o plâncton (plantas e animais
microscópicos em suspensão nas águas), causada pela ação de bactérias em
meios com baixo teor de oxigênio” (CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO
DE ENERGIA ELÉTRICA – CCEE, 2019, documento on-line).
É a principal fonte de energia no mundo, encontrada em bacias sedimentares
de continentes e oceanos: 64% são destinados para o setor de transportes, 8%
para a indústria e 4,4% para a eletricidade. É o elemento base para a geração
de gasolina, querosene, diesel e outros inúmeros produtos (AGÊNCIA NA-
CIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP,
2015; INTERNATIONAL ENERGY AGENCY – IEA, 2015). O Brasil possui
a 15º maior reserva comprovada de petróleo, com 95% no mar, o pré-sal, e
é o 13º maior produtor de petróleo no mundo. O petróleo passa por etapas no
decorrer da sua exploração: refino, transporte e produção (MARTIN, 1992).

Carvão mineral

O carvão mineral também é formado por um composto complexo de substâncias


orgânicas fossilizadas de carbono que alteram sua qualidade em consequência
da quantidade de conteúdo carbonífero e da localização da extração na super-
fície terrestre. Quanto mais profundo na rocha, maior a qualidade da matriz
energética (CCEE, 2019).
O carvão mineral tem a maior oferta e é o mais poluente. Apresenta 11,5%
explorados para o consumo de energia no mundo e 46% das emissões globais
de poluentes. No Brasil, é utilizado em usinas termoelétricas, sendo extraído
em reservas localizadas nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul
(IEA, 2015; EPE, [2017]). É uma fonte de exploração que, apesar de utilizada,
provavelmente se tornará obsoleta.
6 Fontes de energia no mundo e no Brasil

Gás natural

Gás natural “[…] é uma mistura de hidrocarbonetos gasosos, originados da


decomposição de matéria orgânica fossilizada ao longo dos milhões de anos”
(CCEE, 2019, documento on-line). Encontra-se o gás natural próximo das
reservas de petróleo, entre as rochas da litosfera sobre os continentes e solos
oceânicos. É muito utilizado nas indústrias como fonte de energia.
Em 2013, o gás natural apresentava 22% de consumo para geração de ele-
tricidade no mundo e, em 2014, 13% para a geração de eletricidade no Brasil
(EPE, 2012; EPE, [2017]; IEA, 2015; ROSA, 2006). Dentre os mais explorados,
é o menos poluente, pois libera metade do CO2 quando comparado ao carvão
para produzir a mesma quantidade de energia. O fraturamento hidráulico é
uma outra forma de se extrair o gás natural.

Fontes de energia renováveis


As energias oriundas de fontes renováveis são aquelas caracterizadas pela
captação da força dos elementos da natureza, como a radiação solar, os ventos,
a água, a biomassa. Veja um exemplo na Figura 2. A tecnologia para captação
e transformação energética com essa matriz começou a ser utilizada na metade
final do século XX, mas na década de 1970 começou a ser difundida pelos
países, como o Brasil, que iniciou as obras da hidrelétrica de Itaipu (fonte
hídrica).
Apesar de ser utilizada há séculos com o mesmo propósito, mas por outras
formas e instrumentos tecnológicos limitados pelo tempo histórico, agora pode
ser aplicada para larga escala. Em 2016, essas fontes correspondiam a 14% da
demanda energética mundial (hídrica, biomassa, solar, eólica e geotérmica) e
43,5% no Brasil (hídrica, biomassa, solar e eólica), sendo que 65,2% da geração
de energia elétrica provém de fontes renováveis (EPE, [2017]).
Fontes de energia no mundo e no Brasil 7

Figura 2. Fontes renováveis de energia.


Fonte: Produtor (2019, documento on-line).

Hídrica

O Brasil é o segundo maior gerador de energia hidrelétrica no mundo, ficando


apenas atrás da China. A fonte hídrica de energia tem a água como elemento
desencadeante de energia elétrica. Em usinas hidrelétricas, a água dos corpos
hídricos, geralmente rios, é captada e utilizada na movimentação de turbinas
que transformam a força da água em energia elétrica.
Esse procedimento tecnológico é um meio de evitar o uso de combustíveis
fósseis para a geração de energia elétrica, como, no passado, foi utilizada a
energia termelétrica do carvão mineral no Brasil. As hidrelétricas têm capaci-
dade de gerar energia elétrica em maior quantidade e de forma mais eficiente
nos países que possuem características físicas com vários e potentes corpos
hídricos como o Brasil.

Solar

A radiação solar tem capacidade de gerar eletricidade por usinas fotovoltaicas


e usinas de energia solar concentrada. A fotovoltaica é aplicável em grandes
extensões, como usinas de energia solar, e em pequenos espaços, como mo-
radias rurais e urbanas, terraço de prédios e equipamentos instalados na rua.
A maior usina solar do Brasil fica em Tubarão no estado de Santa Ca-
tarina. Espera-se a condução de leilões públicos nos próximos anos para a
8 Fontes de energia no mundo e no Brasil

construção de usinas. A energia elétrica oriunda da radiação solar captada


por instrumentos fotovoltaicos impacta positivamente nos gastos com energia
elétrica, ocasionando economia. Tendo em vista a geração eficiente e produtiva
da energia solar fotovoltaica, desde 2012 o Brasil utiliza incentivos fiscais e
políticas públicas de autogeração de energia elétrica para a população e os
empresários que usam esse meio energético. Essas ações foram autorizadas
pela Agência Nacional de Energia Elétrica e pelo Conselho Nacional de Po-
lítica Fazendária, conforme o Relatório de Revolução Energética de 2016
(GREENPEACE BRASIL, 2016).

Eólica

A energia eólica é criada pela força dos ventos (energia cinética), que movi-
menta aerogeradores desenvolvidos para produzir energia elétrica pela força
constante da circulação dos ventos. Esse meio de geração de energia é um
dos mais rudimentares, utilizado antes do carvão mineral e das fontes fósseis.
Atualmente, os parques eólicos são empregados para captação dos ventos
pelas usinas de produção de energia elétrica sobrepostas em localidades com
características físicas propícias a condições atmosféricas com circulação
intensa de ar.
De todas as energias renováveis é a que mais aumentou nas últimas décadas
no mundo. Em 2004, eram gerados 48GW ao ano e, em 2014, 370GW ao ano
(REN21, 2015). O país com maior capacidade instalada é a China e, em seguida,
Estados Unidos e Alemanha. O Brasil ocupa o 10º lugar no ranking mundial de
geração de energia eólica: em 2014, gerou 2% da produção energética do País,
e a tendência para as próximas décadas é de investimentos na construção de
parques eólicos para aumento da produção energética renovável em território
nacional (EPE, [2017]).

Biomassa

É a energia gerada por meio de matéria orgânica, animal e principalmente


vegetal, como madeira, cana-de-açúcar, soja, sebo bovino, lenha, carvão
vegetal e demais insumos. A criação de energia é realizada pela queima
dessas plantas e seus materiais resultantes. Geralmente, aplica-se para o
fornecimento de combustível no setor de transportes, para uso na agricultura
e alguns componentes domésticos.
O biogás compreende o suporte energético de biomassa. É oriundo da de-
composição da matéria orgânica, extraído principalmente de aterros sanitários
Fontes de energia no mundo e no Brasil 9

e utilizado para o próprio funcionamento dos aterros, para energia elétrica e


para combustível dos veículos de transporte, além de levar energia elétrica
para pequenas comunidades próximas.
Esse tipo de energia é constituído por 8,4% da geração de eletricidade no
Brasil. A indústria depende de 39% para o consumo energético, e os trans-
portes dependem de 17,5%, sendo os biocombustíveis representantes desse
consumo (EPE, [2017]).

Outras fontes
A seguir são apresentadas outras fontes de energia.

Oceânica

A fonte oceânica ainda não é muito explorada, mas acredita-se que tenha
muito potencial para a geração de energia. Os principais meios são a energia
das marés e a energia das ondas. Embora não haja emissão de CO2, nem de
resíduos sólidos na atmosfera, pode haver alteração no clima marítimo da
região. Além disso, atualmente, o custo é muito alto.

Geotérmica

É adquirida por meio do calor da terra. Origina-se da atividade vulcânica do


planeta, como vapores e gêiseres da litosfera. Dessa forma, é uma fonte de
energia restrita apenas às regiões com atividades vulcânicas ativas.

Hidrogênio

É uma matriz energética que possui elementos de fontes renováveis e de fontes


fósseis e restringe-se pela técnica aplicada para sua geração. É um método
ainda recente e pouco aplicado mundialmente. Seu processo consiste em:

[…] reações eletroquímicas entre gás natural, etanol ou metanol e o oxigênio


do ar, ele gera energia em células combustíveis. Nessas células, o único resíduo
é a água, mas não se deve esquecer que o processo de produção de hidrogênio
gera CO2. As células combustíveis ainda estão em desenvolvimento, promo-
vendo ser mais baratas e eficientes (CZAPSKI, 2008a, p. 8).
10 Fontes de energia no mundo e no Brasil

Energia nuclear

O urânio enriquecido é um elemento químico radioativo utilizado para a gera-


ção de energia. Todo o processo de manuseio em usinas nucleares é complexo,
altamente perigoso e letal para a vida dos seres vivos. Por isso, torna-se caro,
já que necessita de processos rigorosos de segurança. É uma fonte de energia
geralmente aplicada em países com limitações físicas de geração energética,
mas os riscos a que são expostos são demasiadamente expressivos.
Há exemplos de acidentes nucleares que conduziram alguns países a esti-
pular medidas para deixar de utilizar a energia nuclear no decorrer de alguns
anos e implementar outras fontes energéticas. Tendo em vista os riscos e,
principalmente, as consequências dos acidentes nucleares nos países. Apesar
de não se incluir como uma fonte de energia fóssil, os elementos nucleares
têm um tempo de vida muito extenso e seu descarte é complexo.

Consequências econômicas e socioambientais


das fontes energéticas
A técnica é a condição que o ser humano encontrou para desenvolver suas
atividades exploratórias e sobreviver. Em relação à exploração e ao uso das
fontes de energia, a técnica foi a maneira de conquistar o domínio, a eficiência
e o avanço das práticas que utilizam elementos da natureza para o progresso
da sociedade.
Antes da Revolução Industrial, a energia mecânica era o principal meio de
realizar atividades que necessitavam de energia, tanto para a agricultura quanto
para o transporte. Utilizava-se, então o carvão mineral, explorado a partir do
século XVII, como principal matriz energética. A Revolução Industrial fez a
técnica evoluir, e passou-se a utilizar o petróleo, explorado a partir do século
XIX, como a nova fonte principal do sistema econômico e, posteriormente,
a energia elétrica.
Todas as descobertas e aplicações dos combustíveis fósseis e das demais
fontes energéticas constituem-se como bens do aperfeiçoamento das técnicas do
ser humano, que utiliza objetos e desenvolve ações sobre o espaço geográfico,
transformando a natureza e a própria sociedade. O progresso científico e a
inovação tecnológica são fatores que se apresentam no contexto das fontes
de energia. Sejam fósseis sejam renováveis, elas são os objetos criados ou
aperfeiçoados por meio do espaço-tempo pela técnica, pela ciência e pela
informação.
Fontes de energia no mundo e no Brasil 11

Conforme (MARTIN, 1992), a dominação do petróleo no mercado ener-


gético mundial ocorreu em virtude das sucessivas transformações estruturais
de exploração e investimento dos principais países produtores da matriz
energética petroleira. Proporcionou-se, então, um produto mais acessível e
barato para consumo mundial e não mais local ou nacional.
A necessidade de aumento do consumo de energia mundial após a Re-
volução Industrial, principalmente durante e após os períodos das grandes
guerras mundiais, desencadeou profunda demanda por produção de energia,
transformando os sistemas econômicos dos países. Consequentemente, houve
impacto no domínio do sistema capitalista. Os acontecimentos históricos,
portanto, estão diretamente relacionados à evolução da exploração de fontes
energéticas consumidas e comercializadas pelo sistema econômico mundial.
O autor afirma:

De local, e depois nacional, a economia da energia tornou-se mundial. Através


de seus investimentos e de suas tecnologias, as grandes firmas da indústria
petrolífera e da construção elétrica criaram mercados mundiais articulados
entre si. Os preços que são formados sobre o petróleo bruto influenciaram
todos os outros e, através deles, as escolhas energéticas nacionais (MARTIN,
1992, p. 128).

Diante da conjuntura histórica e socioeconômica sobre a temática energé-


tica, destacam-se elementos e efeitos socioambientais oriundos de conflitos
e degradações ambientais que interferiram e ainda interferem na sociedade.
A Guerra do Golfo é um dos principais exemplos de conflitos geopolíticos
do final do século XX causados pela exploração das reservas de petróleo entre
os países ocidentais — Estados Unidos — e o Oriente Médio. São conflitos
que, atualmente, caracterizam-se pelos mesmos interesses e ambições de
exploração e dominação da matriz energética fóssil. Como exemplos temos
as discussões entre Venezuela e Estados Unidos, que refletem diretamente
na sociedade do país inferior economicamente, além de crises mais antigas
entre os países do Oriente Médio, que possuem inúmeros campos de reservas
de petróleo.
Em relação ao aquecimento global, a poluição atmosférica vem sendo
a cada década um problema para a sociedade. Originada principalmente de
uma variedade de elementos e reações químicas que alteram os componentes
climáticos da atmosfera, acaba causando prejuízos para a saúde e o bem-estar
dos seres vivos, para a biodiversidade. Além disso, a poluição atmosférica
resulta em reações econômicas, já que sua concentração de poluentes no ar
manifesta-se geralmente nas regiões urbanas, impedindo, em certos casos
12 Fontes de energia no mundo e no Brasil

extremos, o fluxo de veículos terrestres, causando fechamento de escolas,


órgãos públicos e comércios.
Conforme (CZAPSKI, 2008b, p. 10), um dos impactos ambientais oriundos
da poluição do ar é a chuva ácida, que “[…] resulta da reação química do
dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de nitrogênio (NOx), lançados no ar por
fábricas e veículos que usam combustíveis fósseis e carvão vegetal. Em contato
com a água da chuva, eles produzem ácidos”. O impacto para a sociedade é o
surgimento de doenças, principalmente pulmonares. Os elementos químicos
que geram esse fenômeno são lançados no ar e incidem sobre os espaços
habitados pelos seres humanos. Assim, o sistema respiratório desenvolve
patologias respiratórias.
Além disso, diversas regiões do planeta sofreram com a desertificação, que
é “[…] a degradação ambiental e socioambiental, particularmente nas zonas
áridas, semiáridas e sub-úmidas secas, resultantes de vários fatores e vetores,
incluindo as variações climáticas e as atividades humanas” (BRASIL, 2019,
documento on-line). Dessa forma, regiões que inicialmente apresentavam
clima árido e semiárido sofreram intensas alterações nas suas variabilidades
climáticas regionais, associadas a outros fatores prejudiciais, como desma-
tamento e uso inadequado do solo. Esse processo pode ser desencadeado
pelas partículas emitidas das ações antrópicas de geração de energia do setor
elétrico, industrial e de transportes.
Os fatores enunciados e problematizados representam alguns dos com-
plexos problemas socioambientais que impactam intensamente a sociedade e
o ecossistema no mundo e no Brasil com desastres ambientais. Como exem-
plos, há deslizamentos de encostas nas cidades urbanas; estiagens intensas
e recorrentes, que impactam no abastecimento de água da população e da
agricultura; falta de alimentos; enchentes, que provocam doenças e deixam
milhares de desabrigados. Esses fatores não só aumentam e aprofundam
crises que já existiam, mas também desencadeiam novas problemáticas no
espaço geográfico.

Impactos diretos das fontes energéticas


Todas as atividades geradoras de energia, elétrica ou combustíveis, irão impac-
tar no ecossistema do planeta. Algumas influenciam de forma mais intensiva e
deteriorante, como as fontes energéticas fósseis, e outras, de forma mais sutil,
como as fontes renováveis. A seguir, apresenta-se brevemente os principais
impactos diretos das fontes de energias analisadas nesse capítulo.
Fontes de energia no mundo e no Brasil 13

Petróleo e gás natural

O petróleo bruto desencadeia efeitos catastróficos no meio ambiente quando


ocorrem vazamentos ou explosões nas suas fontes de captação ou no transporte.
Geralmente, os acidentes que se espalham por grandes extensões ocorrem
em alto mar, prejudicando ecossistemas marinhos e toda a cadeia alimentar
animal, impactando também a vida humana.
Quando ocorrem acidentes dessas fontes ou conflitos nos principais países
produtores e exportadores, os valores atribuídos à comercialização sofrem
alterações negativas que impactam na economia mundial. A queima do pe-
tróleo e do gás natural atua diretamente na poluição atmosférica. O petróleo
e seus derivados são mais poluentes do que as aplicabilidades do gás natural.
As duas fontes energéticas encontram-se reunidas, pois são as mais aplicadas
ao setor de transportes, que aumentou a emissão de CO2 no setor de energia.
Comparando-se aos demais tipos de emissões, índices e percentuais, o setor de
transportes foi o que mais emitiu poluentes, de 13,5% para 30,8% (SISTEMA
DE ESTIMATIVAS DE EMISSÕES E REMOÇÃO DE GASES DE EFEITO
ESTUFA – SEEG, c2019).

Carvão mineral

O carvão mineral é um imponente e degradante componente poluidor do ar


atmosférico, impactando na qualidade do ar e causando doenças para os seres
humanos. Também está relacionado a acidentes nas minas de exploração, tanto
nas subterrâneas quanto nas minas a céu aberto. Sua exploração malconduzida
pode levar ao desmoronamento das passagens ou cavernas artificiais, atingindo
a vida humana e a fauna, destruindo o ecossistema próximo às áreas exploradas.

Hídrica

A geração de energia elétrica pela água manifesta consequências modificadoras


nos elementos da natureza conforme a localização em que é implicada, como
o tamanho da usina hidrelétrica construída. Utilizam-se os efeitos oriundos
das grandes usinas hidrelétricas. A construção de barragens altera o curso dos
rios e causa alagamentos, “[…] fazendo submergir mata ciliares e florestas com
toda sua biodiversidade, áreas agrícolas, sítios arqueológicos — se houver — e,
às vezes, deslocando cidades inteiras”. Além disso:
14 Fontes de energia no mundo e no Brasil

Após a formação do reservatório, a decomposição da vegetação submersa


pode provocar a eutrofização das águas (aumento de nutrientes e redução de
oxigênio), que gera a emissão de (CO2) e metano (CH4) na atmosfera, dois
gases estufa. E há a tendência ao assoreamento (depósito de sedimentos) de
rios represados. Depois, a transmissão de energia gera perdas dessa energia,
como em todos os casos de produção muito distante do local de consumo
(CZAPSKI, 2008b, p. 9).

Solar

A energia da radiação solar é uma das mais sustentáveis e menos impactantes


comparada às demais fontes renováveis. Segundo Czapski (2008a), o silício,
elemento químico utilizado nas células fotovoltaicas é atribuído como o po-
luente relacionado à geração desse tipo de energia.

Eólica

Para implementação da energia eólica, são necessários o planejamento intenso


e a análise da localização para execução de parques eólicos. Isso porque
os impactos socioambientais podem ser prejudiciais para a saúde e o bem-
-estar das populações nos arredores e dos ecossistemas e habitats. Conforme
(CZAPSKI, 2008a, p. 8), ocorrem os possíveis efeitos: “Impacto visual, já
que a instalação de muitas torres para a geração desse tipo de energia altera
a paisagem; o impacto sonoro, devido ao ruído constante das hélices dos
geradores; e o impacto para as aves, que podem se chocar com as pás dessas
hélices em movimento”.

Biomassa

Apesar de emitir CO2, o replantio proporcional às emissões torna-se um meio


de atenuar os impactos para o equilíbrio energético. Já o biogás pode acabar
criando outros elementos químicos prejudiciais ao meio ambiente.

O debate acerca das mudanças climáticas


Na década de 1970, a Organização das Nações Unidas (ONU) abriu debates
sobre as causas, os impactos e as consequências resultantes do estilo de pro-
dução e consumo das fontes energéticas utilizadas até aquele período, que
eram, em sua maioria, derivados dos combustíveis fósseis. A partir daquele
Fontes de energia no mundo e no Brasil 15

momento, medidas inéditas começaram a ser debatidas, elaboradas e aplicadas.


Além disso, passou-se a divulgar informações orientando a população para a
conscientização socioambiental.
Nas últimas décadas do século XX, a ONU incorporou o tema da crise
climática para seus órgãos e instituições como um meio de proporcionar os
primeiros debates. Isso ocorreu com a exposição de pesquisas, opiniões, ques-
tionamentos e compreensões sobre o assunto, que atualmente está consolidado
em encontros internacionais.
Como resgate histórico, destaca-se a Organização Meteorológica Mundial
(OMM), o Programa para Meio Ambiente da ONU (PNUMA) e o Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) como meios instru-
mentais e legais atuantes entre as nações signatárias que objetivam reunir
conhecimento, conduzir pesquisas e divulgar informações para as nações de
que existem evidências e fatos comprovantes das mudanças climáticas. Por-
tanto, é importante reunir informações sobre os elementos desencadeadores
dos impactos, compreendendo as consequências dos hipotéticos impactos
extremos. É, sobretudo, necessário considerar as medidas e ações possíveis
por meio de acordos e protocolos para que os efeitos futuros não ocorram e
não desequilibrem o planeta.

Tratados internacionais são acordos assinados entre países que visam resolver
problemas. Nesses acordos, estão especificadas as obrigações e as condutas que
devem ser seguidas pelas partes. As responsabilidades são as mesmas, mas as ações
são específicas para cada país, a fim de respeitar as diferentes culturas e capacidades.
Os protocolos de Kyoto e Montreal e a Agenda 21 são exemplos desses tratados
(CZAPSKI, 2008c).

O debate referente às mudanças climáticas na sociedade se ramifica de


acordo com os grupos e agentes sociais da sociedade. A mídia mundial expõe os
diferentes posicionamentos e opiniões da sociedade. A cada década, o assunto
torna-se mais recorrente e, às vezes, conforme algum fato latente, estampa as
manchetes dos principais veículos de comunicação mundial.
Muitos estudos vêm sendo conduzidos para relacionar o sistema de explo-
ração de recursos e geração das matrizes energéticas fósseis com as mudanças
climáticas antropogênicas. No entanto, alguns agentes sociais ainda contestam
16 Fontes de energia no mundo e no Brasil

essa problemática. Isso ocorre geralmente por motivos políticos e econômicos,


já que poderão sofrer efeitos negativos financeiros pelas mudanças de con-
sumo, hábito e atuações do sistema socioeconômico capitalista caso ocorra o
que os ambientalistas sugerem: o fim da dependência das fontes energéticas
originadas dos combustíveis fósseis.
Ao analisar os agentes sociais e seus posicionamentos políticos, científicos,
ideológicos, econômicos e sociais, contata-se que os debates e discussões
são polêmicos, pois, dentro de cada um desses grupos, existem concepções e
definições diferentes. Consequentemente, irrompem-se conflitos, pois suas
atividades e técnicas movem o sistema econômico mundial capitalista e de-
sencadeiam alterações climáticas no planeta.
A crise climática ambiental surgiu na sociedade de forma mais evidente e
complexa no final do século XX. A concentração em excesso de dióxido de
carbono (CO2), principal elemento químico poluidor, além dos gases metano
(CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), hidrofluorcarbo-
nos (HFCs) e perfluorcarbonos (PFCs) intensificaram o processo natural de
aquecimento do planeta, denominado aquecimento global, provocador das
mudanças climáticas antropogênicas (CZAPSKI, 2008c).
A emissão dos gases poluentes pelo setor energético ocorre por usinas ter-
melétricas, queima de combustíveis, sistemas de transportes e setor industrial.
Vale ressaltar que, além do setor energético, outro fator atua também para esse
contexto: o desmatamento causado pelas queimadas.
Portanto, as atividades socioeconômicas praticadas pela sociedade exigem
diversos recursos naturais para seu sustento. As principais fontes de energia
utilizadas são as fósseis — petróleo, gás natural e carvão mineral —, que
quando extraídos, processados e queimados são emitidos na atmosfera e
desencadeiam a poluição do ecossistema global.
Esse panorama só foi constatado com intensas pesquisas científicas con-
duzidas por diversas instituições, com pesquisadores que buscavam por evi-
dências que confirmassem os indícios presentes nos fenômenos climáticos
extremos. Eram necessários estudos que mostrassem as mudanças climáticas
antropogênicas não mais como hipóteses, mas como fatos evidentes e atuantes
em todo o planeta Terra. Uma realidade que não estaria limitada a um fator
de escala restrita, mas representaria o sistema climático global. Entretanto,
as evidências das mudanças climáticas nem sempre foram aceitas. Embora o
efeito estufa seja um processo natural do planeta, o grande questionamento
crítico por parte de especialistas e pesquisadores é a sua aceleração, que
vem ocorrendo desde a Revolução Industrial e, atualmente, é um fenômeno
extremamente expressivo.
Fontes de energia no mundo e no Brasil 17

A projeção para o comportamento dos elementos da natureza prevê vários


cenários, desenvolvidos por pesquisas internacionais. Todos esses cenários
possuem um fator em comum: se os sistemas de produção de energia, de
bens de consumo, de alimentação, de construção civil e de outros produtos
exploratórios do ecossistema permanecerem os mesmos, os recursos do planeta
e o equilíbrio climático entrarão em colapso, e impactos extremos ocorrerão
para toda a biodiversidade global, inclusive para a sociedade.
Além disso, outros elementos desencadeiam as mudanças climáticas, como
as queimadas, que atuam também na intensificação do efeito estufa. O es-
tudo das mudanças climáticas abrange a influência natural de modificação
do planeta. No entanto, as evidentes e agravantes interações antrópicas que
impactam a biosfera devem ser compreendidas.
Os dois agentes citados, político e econômico, são os principais influen-
ciadores capazes de liderar ações e medidas para transformar o modo de
consumo mundial do espaço geográfico. O fato justifica-se pelas origens que
fundamentam o sistema capitalista, que influencia diretamente o sistema po-
lítico das grandes nações (as mais poluidoras) e o sistema econômico mundial
com as grandes multinacionais (principais exploradoras e dependentes dos
combustíveis fósseis).
Os agentes sociais que refutam as mudanças climáticas antropogênicas
defendem o contrário do que se busca conquistar com consumo e hábito
sustentáveis. Articulam manobras políticas e econômicas para explorar mais
campos de reservas de petróleo ainda não utilizados, além de abrirem linhas
de investimento milionárias para sondar novos campos não descobertos.
O mercado internacional do petróleo é um elemento econômico que in-
fluencia diretamente as operações monetárias das moedas mundiais, como o
dólar. Qualquer acontecimento que cause um desequilíbrio na produção ou na
distribuição gera repercussão negativa no mercado monetário e nas economias
das nações. Dessa forma, um argumento que defensores das energias renováveis
também alegam é que os combustíveis fósseis, além de ocasionarem efeitos
negativos e degradantes na natureza, também são controladores da economia,
deixando os países vulneráveis e dependentes economicamente de conflitos
geopolíticos, de condições exploradoras do capital especulativo e dominados
por companhias de monopólio internacional da exploração petroleira. Segundo
especialistas que defendem as fontes renováveis, a transformação da economia
ocorrerá com o fim da exploração dos combustíveis fósseis. Com a energia
renovável, o produto interno bruto (PIB) poderia aumentar.
A principal premissa que a comunidade científica alega e argumenta com
os representantes políticos das nações é o efeito estufa intensificado pela ação
18 Fontes de energia no mundo e no Brasil

antrópica como um fato latente e evidente, consensual entre pesquisadores e


especialistas da ciência envolvida com o tema.
O desafio que será enfrentado no decorrer do século XXI é de que os
acordos, protocolos e convenções elaborados para atuação das nações em
tentar impedir o avanço das mudanças climáticas seja realmente cumprido, e
suas medidas, efetivadas. Conforme Martin (1992, p. 128):

A degradação do meio ambiente local, regional e planetário exige uma utiliza-


ção racional, limpa e segura de todos os recursos energéticos. O fundamento
dessa racionalidade não deve ser o preço, que é acarretado pelas condições a
curto prazo pelo mercado. Deveria ser o que implica o desenvolvimento das
novas técnicas de utilização e de produção da energia, capazes de satisfazer
o crescimento das necessidades a longo prazo, respeitando os equilíbrios
ambientais.

Ideias inovadoras são proporcionadas pela avaliação e pelo planejamento de


ações associadas a políticas públicas aplicáveis para cada localidade conforme
as condições ambientais, sociais e econômicas. Essas ideias podem recuperar
ou atenuar conflitos associados aos impactos do desequilíbrio climático.
Dessa forma, constata-se que as fontes de energias disponíveis atualmente
são exploradas pela sociedade de formas diferenciadas e também desequi-
libradas. A tecnologia à disposição proporciona e garante meios eficazes e
eficientes de explorar recursos energéticos ambientais de forma consciente
e segura para toda a sociedade. Entretanto, existem barreiras comerciais,
políticas e sociais que dificultam a implementação e a propagação de meios
alternativos ao que já está consolidado na conjuntura socioeconômica de
geração energética mundial.
De acordo com os estudos apresentados e os fenômenos observados nas
últimas décadas, estão ocorrendo mudanças ambientais extremas, originadas
das ações dos seres humanos. Observa-se que os debates, associados a acordos e
medidas internacionais, conduziram os setores do mercado de fontes de energia
a repensarem o meio de obter e gerar energia. Isso ocasionou divergências
que estão associadas a embates econômicos, principalmente entre países
ricos e pobres, multinacionais e grandes indústrias. Porém, de acordo com os
encontros internacionais em conferências realizadas pela ONU, espera-se que,
à medida que a tecnologia evolua, novas técnicas surjam. Além disso, conta-se
com a mudança de hábitos e atitudes, objetivando um equilíbrio ambiental e
economicamente correto entre todas as nações e os setores socioeconômicos.
Fontes de energia no mundo e no Brasil 19

O acordo de Paris, na 21º conferência do clima, além de ser um documento que


objetiva medidas, ações e metas para limitar o aumento da temperatura e as mudanças
climáticas, é uma forma de diminuir as desigualdades sociais e promover os direitos
humanos.

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP (BRA-


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REN21. Renewables Global Status Report 2015. 2015. Disponível em: https://www.ren21.
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ROSA, L. P. (coord.). Emissões de dióxido de carbono e de metano pelos reservatórios hidrelé-
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GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Mait Bertollo
Geografia econômica
e espaço urbano

Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Caracterizar as relações econômicas e seu efeito no espaço urbano.


 Relacionar a organização interna e a economia das cidades.
 Identificar a interdependência da indústria nas cidades.

Introdução
Na história da humanidade, o ser humano desenvolveu diversos tipos de
técnicas buscando aplicar seus saberes ao utilizar os objetos produzidos
e expandir o avanço da sociedade com as comodidades proporcionadas.
Alguns exemplos de técnicas são as aplicadas à agricultura, para o cultivo
de vários tipos de alimentos e a domesticação de animais.
Por meio de conhecimentos aparentemente simples é que o ser
humano pôde desenvolver modos de vida nas cidades. Somente foi
possível viver nas cidades de forma coletiva, em um grande número de
habitantes, quando a produção do campo conseguiu gerar excedentes
suficientes para que se pudesse também trabalhar em outras atividades,
como artesanato e comércio.
A Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, foi um período de
ascensão do desenvolvimento urbano. No entanto, as estruturas das
cidades atingiram o auge a partir de meados do século XX, quando
muitos países do mundo iniciaram seu processo de industrialização
(SANTOS; SILVEIRA, 2001).
Neste capítulo, você vai conhecer alguns conceitos e dados impor-
tantes para compreender como o espaço urbano tem relação com o
desenvolvimento das técnicas, da industrialização e com o sistema
econômico. As dinâmicas que essas atividades promovem juntamente
com o desenvolvimento da economia, isto é, da produção e da comer-
2 Geografia econômica e espaço urbano

cialização de bens, concentram-se nas cidades, que abrigam também o


mercado de trabalho e o mercado. Você vai estudar também como essas
dinâmicas modificam o espaço urbano e como as cidades se relacionam
economicamente com indivíduos e empresas, gerando uma mudança
nas relações e na infraestrutura urbana.

Relações econômicas e seu efeito no espaço


urbano
As primeiras cidades surgiram na Mesopotâmia, atual região onde se situa o Ira-
que, no ano 3.500 a.C. Nasceram entre os rios Tigre e Eufrates, que ofereceram
solos férteis e planos, água e subsídios indispensáveis para o estabelecimento
de cidades e para o início de atividades econômicas que transformaram o
espaço, como o comércio dentro das cidades, entre elas e entre regiões. Outros
exemplos são as primeiras cidades dos vales do rio Nilo, no Egito e as cidades
nascidas nas margens do rio Huang-Ho (Amarelo) e Yang-Tsé-Kiang (Azul),
na China. Nessas condições foram desenvolvidos núcleos urbanos e, à medida
que se diversificavam e aumentavam a produção de alimentos e outros bens,
as cidades se desenvolviam. Portanto, as cidades e as relações econômicas
são fatos antigos na história da humanidade (SANTOS, 2004).
No período feudal, entre os séculos V e XV, a maioria da população habi-
tava os feudos, que eram espaços com predominância de produção agrícola.
A propriedade era cedida aos indivíduos, chamados vassalos, que ali viviam,
por um membro da alta nobreza, chamado de suserano, em troca de fidelidade
e apoio na proteção do feudo. Quando esse modelo de produção medieval
declinou, as cidades se destacaram como lugares para negociação de produtos
e estratégias políticas, onde ocorria o encontro de pessoas provenientes de
várias regiões.
Para qualificar um espaço de urbano, considera-se número de habitantes;
densidade demográfica, isto é, distribuição da população em uma determinada
área; estrutura de moradias; redes de comunicação; rede de tratamento de
esgoto; rede de distribuição de água; rede de energia; vias e redes de transporte;
além da diversificação do comércio e de estruturas como indústrias, hospitais,
bancos e escolas, por exemplo. Dada a complexidade de agentes, classes so-
ciais, estruturas e políticas implementadas, é nas cidades onde encontramos
grandes disparidades, porque a distribuição dos serviços básicos é desigual,
e nem toda a população tem acesso.
Geografia econômica e espaço urbano 3

Por meio das características mencionadas, notamos que o sistema econômico


nas cidades é intenso, já que nelas se concentra o mercado de trabalho, a
mão de obra e as várias atividades que influenciam as regiões ao redor. Essa
dinâmica urbana provoca mudanças espaciais por meio da construção da
infraestrutura, como casas, prédios, ruas, avenidas, calçadas, fábricas e lojas,
e da configuração de como vive a população que habita esses espaços.
O desenvolvimento do comércio e o crescimento das cidades estão ligados
a um período importante do sistema capitalista, que é a Primeira Revolução
Industrial, ocorrida no século XVIII na Inglaterra. As cidades passam a abrigar
indústrias responsáveis por transformar matérias-primas em produtos acabados,
em um sistema mecanizado com diversificação de bens e com produção em
uma velocidade maior. O objetivo era vender para todas as regiões do planeta,
inclusive para as colônias do continente americano.
O capitalismo industrial, que modificou as relações econômicas até a
configuração que observamos atualmente, teve sua origem na Inglaterra na
segunda metade do século XVIII. Isso ocorreu em virtude do desenvolvi-
mento de tecnologias de produção e da política, pois a Inglaterra era o país
que mais possuía colônias e relações econômicas com outros países. Assim,
o País fornecia bens e potencializava seus lucros, disseminando para outros
países europeus, que começaram a disputar o domínio dos mercados forne-
cedores de matéria-prima e dos mercados consumidores dos seus produtos
industrializados.
Durante o capitalismo industrial, começou a crescer a diferença entre
campo e cidade. Nesse contexto, a urbanização apresentou fortes vínculos
com a indústria e com as relações econômicas motivadas por esse novo tipo
de produção. Essas atividades transformam o espaço, tornando-o mais urba-
nizado, pois fomentou as atividades do chamado setor terciário da econo-
mia, associado ao comércio e à prestação de serviços. Tais dinâmicas geram
um circuito espacial produtivo que impacta em todas as escalas do espaço
geográfico (SANTOS, 2004).
Atualmente, as indústrias se localizam não só em torno das grandes me-
trópoles, mas também nas cidades médias, tanto nos países desenvolvidos
quanto nos países subdesenvolvidos. A finalidade é de acessar mão de obra
mais barata e incentivos fiscais do Estado, além de buscar lugares onde as
leis ambientais sejam menos rígidas ou inexistentes.
4 Geografia econômica e espaço urbano

Metrópole é uma cidade que possui grande dinamismo social e econômico, com
uma vultuosa infraestrutura urbana.

Metrópoles como Nova York e São Paulo são consideradas hoje cidades
com predominância de prestação de serviço. São chamadas de cidades do
terciário, já que a maioria das fábricas se deslocou para outras regiões, regiões
metropolitanas ou cidades médias, mas os setores administrativo, financeiro,
de informações e de desenvolvimento científico permaneceram no local de
origem. Essas cidades se tornaram, dessa forma, cada vez mais especializadas
no setor terciário.

Circuito espacial produtivo é um conceito utilizado para compreender os fluxos mais


velozes de bens, informações e capital, além das consequências da mundialização da
produção, do consumo e dos serviços, elemento que constitui a globalização (SANTOS,
1986; SANTOS; SILVEIRA, 2001). O circuito espacial produtivo trata da já conhecida
cadeia produtiva (de abordagem econômica), sob a ótica espacial. Considera as
novas divisões territoriais do trabalho e a especialização dos lugares, com sistema de
produção e movimentos de mercadorias, informação e capital em rede.
O principal agente para o funcionamento desse circuito são as corporações, que têm
poder político e econômico para articular lugares e unir as diversas etapas da produção,
que podem estar geograficamente segmentadas (CASTILLO; FREDERICO, 2010). Um
exemplo é a logística, que dá fluidez, velocidade e racionalidade aos circuitos espaciais
produtivos. O avião Airbus A380 transporta até 854 passageiros e é constituído por
peças provenientes de vários países, como Japão, Alemanha, Inglaterra e Espanha. As
peças são transportadas por meios terrestres, navios e aviões, demandando por volta
de 1.500 fornecedores. O processo de montagem finaliza na França, onde é fabricado
o computador de bordo.

Até meados do século XX, o Brasil era considerado um país rural, pois
a maioria da população vivia no campo. A partir da década de 1930, com as
políticas de industrialização promovidas pelo presidente Getúlio Vargas, as
Geografia econômica e espaço urbano 5

cidades receberam um fluxo grande de pessoas provenientes das áreas rurais.


Na década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, o processo de
urbanização acelerou com a abertura da economia para o capital estrangeiro
e a instalação de indústrias de bens duráveis no território nacional (SANTOS;
SILVEIRA, 2001).
A indústria atraía mão de obra rural e potencializava o rápido processo de
urbanização, juntamente com a revolução médico-sanitária nesse período,
resultando na diminuição gradativa de doenças infecto contagiosas e da mor-
talidade infantil. Tais medidas proporcionaram transformações importantes na
organização das cidades e das populações, como a queda da taxa de natalidade
a partir da década de 1950. As migrações da cidade para o campo, com falta de
políticas públicas de habitação, transporte e outras associadas à infraestrutura
urbana tiveram como consequência o aumento da desigualdade social na cidade
e a concentração de terras no campo. Isso aconteceu porque as terras dessas
famílias foram apropriadas por latifundiários, e elas passaram a viver, em sua
maioria, em condições precárias nas favelas da periferia.

Organização da economia das cidades


O desenvolvimento das técnicas de transportes e das telecomunicações no
fim do século XX e primeiras décadas do século XXI afetou diretamente a
dinâmica das cidades. Elas passaram a se interligar, gerando vínculos econô-
micos, políticos e sociais, influenciando-se reciprocamente em escala local,
regional e até global (SANTOS, 2004). Assim, há uma profunda relação entre
as cidades e o período atual da globalização, pois as cidades se urbanizaram
e se transformaram significativamente por causa das redes técnicas imple-
mentadas em seus espaços. Entre essas mudanças, existem as cidades que se
transformaram em megacidades e/ou cidades globais.
As cidades globais têm como principal propriedade a capacidade de in-
fluência sobre várias regiões do planeta, principalmente aquelas que possuem
atividades ligadas ao setor financeiro, de serviços e cultural. As primeiras
cidades classificadas como globais foram Nova York, Londres e Tóquio. Com
o passar do tempo, foram incluídas nessa qualificação cidades globais em
diferentes níveis de influência. A maioria das cidades globais está nos países
desenvolvidos, como é o caso de Paris, na França, Frankfurt, na Alemanha,
Zurique, na Suíça, Los Angeles e Chicago, nos Estados Unidos. Metrópoles
como Cidade do Cabo, na África do Sul, São Paulo e Cidade do México, por
exemplo, também têm capacidade de influência em relação a outras regiões e
6 Geografia econômica e espaço urbano

possuem ilhas de globalização, como os centros financeiros sofisticados nas


cidades. No entanto, isso ocorre com menos força quando se comparam às
cidades de países desenvolvidos.
No território brasileiro, as transformações recentes provocadas pela glo-
balização implicaram em uma nova organização e em novas relações entre as
condições socioeconômicas, o consumo e as atividades econômicas. Passam
a ser abrangidas todas as classes sociais em diferentes níveis e qualidades de
consumo, como a promoção de crédito a juros altos para que pessoas de baixa
renda tenham acesso a produtos.
De acordo com Santos (1986), a economia urbana dos países subdesenvol-
vidos pode ser entendida com base na formação de dois circuitos de produção
e consumo. Eles se diferenciam pelos graus de tecnologia que usam, pelo
capital que empregam e pela organização que proporcionam no espaço urbano.
Quando a tecnologia e o capital utilizados por essas atividades são altos,
qualificamos essas atividades como sendo do circuito superior da economia
urbana, incluindo também a porção marginal desse circuito, chamada de
circuito superior marginal. Quando as tecnologias e o capital utilizados
são baixos, isto é, com menor grau de investimentos e com uso limitado de
técnicas modernas, trata-se do denominado circuito inferior da economia
urbana. Os exemplos são os vendedores que trabalham nas ruas, conhecidos
como camelôs, que vendem uma variedade grande de produtos, desde roupas
e produtos eletrônicos até comida.
No circuito superior da economia é mais intenso o uso de tecnologia e
capitais. Dessa forma, concentra a renda e a riqueza financeira produzida nas
grandes cidades, como é o caso das grandes corporações bancárias, varejistas
e de mídia. Esse funcionamento está relacionado às transformações de origem
nacional ou global, causando mudanças nos tipos de consumo e na produção.
A esfera da economia e das finanças, como os bancos, é que se vincula ao
circuito inferior da economia, isto é, da economia popular, de vendedores de
mercadorias nas ruas, por exemplo. O circuito inferior está atrelado às grandes
redes financeiras, varejistas e de serviços do circuito superior globalizado
(MONTENEGRO; CONTEL, 2017).
Para que essa vinculação ocorra, é importante compreender a organização
da economia das cidades pelo processo chamado de financeirização do
território brasileiro (SANTOS; SILVEIRA, 2001), que ocorre com muita
intensidade nas cidades, principalmente nas metrópoles, transformando os
comportamentos, a produção, o consumo e o espaço. A partir dos anos 1980,
ocorreu o avanço da urbanização e a expansão do consumo em vários países
subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. O processo de urbanização no
Geografia econômica e espaço urbano 7

País avançou de forma veloz. A população urbana passou de 55,92% do seu


total de habitantes em 1970 para 84% em 2015 (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2016).
A maior parte das pessoas de baixa renda está nas metrópoles brasileiras,
onde o custo de vida é mais elevado e, ainda assim, a população empobrecida
está cada vez mais inserida nas práticas de um tipo de consumo contemporâneo
de novos produtos e tecnologias. Isso está relacionado às novas lógicas finan-
ceiras que ditam muitas dinâmicas do período atual da globalização, como o
acesso ao crédito, seja por meio de cartões de crédito seja com empréstimo de
empresas financeiras a juros muito altos. A expansão recente do consumo entre
os estratos de baixa renda nas cidades tem relação com as políticas públicas
federais de transferência de renda, a redução do tamanho das famílias com
queda de natalidade, a crescente participação das mulheres no mercado de
trabalho e a maior oferta de crédito.
A economia das cidades foi fortemente afetada pela expansão da aquisi-
ção de bens de consumo duráveis nos domicílios do País a partir dos anos
2000, como eletrodomésticos e computadores, que eram até então exclusivos
das camadas de maior renda. O smartphone também teve uma expansão do
consumo na última década: em 1999, havia 15 milhões de linhas ativas no
País e, em 2019, 270 milhões, das quais 196 milhões funcionam no sistema de
pagamento pré-pago, adotado principalmente pela população de baixa renda
(TELECO, [2019]).
Cresceu também a presença de instituições bancárias, que promoveram
um aumento importante nas relações econômicas e mudanças espaciais com
agências bancárias, caixas eletrônicos e novos canais digitais, como aplicativos
em smartphones, que garantiram a expansão do crédito e do consumo. Essas
estruturas impulsionaram as compras de vários bens em virtude da demanda
reprimida, que ocorre quando um consumidor deseja ou precisa adquirir
um produto, mas por falta de dinheiro não consegue. Entra em jogo, então,
o empréstimo concedido por instituições bancárias, que cobram altos juros.
Tal organização tem como consequência a diversificação de vários tipos de
crédito e de consumo pelas empresas, com o objetivo de inserir a a população
de baixa renda como seu mercado consumidor. Dessa maneira, há nas cidades
o desenvolvimento de uma complexa organização do circuito superior da eco-
nomia urbana, ordenada pelas instituições financeiras bancárias e de crédito
pessoal, bem como as grandes redes de varejo e de serviços (MONTENEGRO;
CONTEL, 2017).
O aumento das formas de crédito também fez avançar o endividamento
e a inadimplência, pelo acesso facilitado ao crédito e a dificuldade em arcar
8 Geografia econômica e espaço urbano

com os custos dos juros exorbitantes. Quando relacionadas às dinâmicas das


metrópoles, as agências financeiras e as grandes redes de comércio e serviços
do circuito superior se inseriram em locais até então considerados menos
importantes. A organização da economia das cidades, nesse contexto, tem
como consequência a crescente presença de agências bancárias, instituições
financeiras de crédito pessoal, shopping centers, hipermercados e filiais de
grandes redes de varejo e serviços tanto nos centros urbanos quanto nos bairros
periféricos. Portanto, vê-se a concentração econômica e financeira cada vez
mais fortalecida, promovendo um movimento de oligopolização do mercado
do consumo e da economia urbana.

Para saber mais sobre a conjuntura nacional e internacional, as dinâmicas econômicas


e seu impacto na sociedade, nas cidades e no espaço, acesse o link a seguir (PEDA-
GOGIA..., 2018).

https://qrgo.page.link/3SKcY

O movimento da cidade se modifica. É o caso dos moradores da periferia,


que passam a frequentar mais os hipermercados e shoppings em suas proxi-
midades em vez de ir ao centro da cidade. Dessa forma, a oferta de produtos e
serviços por parte do circuito superior se direciona a uma demanda que antes
era somente do circuito inferior da economia. Pequenos negócios enfrentam
uma concorrência fortemente capitalizada. Mesmo assim, comércios de bairro,
como mercados, açougues, quitandas e salões de cabeleireiro, seguem cap-
tando parte do mercado consumidor na periferia, especialmente para compras
menores. A proximidade e a possibilidade de crédito informal, o conhecido
fiado, têm poder de influência nas pequenas compras diárias de artigos básicos,
baseando-se na importância da solidariedade entre a população de baixa renda
nas periferias (SANTOS, 2004).
A organização da economia, a formação da renda e a gestão do orçamento
entre as camadas de baixa renda utilizam diferentes estratégias para fazer o
dinheiro render. Há, portanto, o desenvolvimento de pequenas atividades para
a realização de seus consumos diários, como os chamados bicos: instalação de
Geografia econômica e espaço urbano 9

vendas na própria residência, fabricação de produtos caseiros e diversificação


das tarefas no pequeno negócio familiar (MONTENEGRO, 2014).
O dinamismo da economia nas cidades, principalmente nas metrópoles,
é cada vez mais complexo e sobreposto, com a expansão do consumo e da
financeirização entre as camadas de baixa renda, gerando mais concentração
de renda e pobreza (SANTOS, 2004).

Interdependência das relações produtivas nas


cidades
O desenvolvimento das atividades industriais, principalmente depois da
Primeira Revolução Industrial, teve impacto direto na urbanização. Isso
ocorreu, e ainda ocorre, porque a indústria, desde seu advento, demanda mais
matéria-prima, mão de obra e mercado consumidor. As áreas de atividades
agrícolas também tiveram que obedecer a esse ritmo e passaram a ser cada vez
mais mecanizadas, com o objetivo de aumentar a produtividade. A população
que vivia no campo tinha cada vez menos espaço para um tipo de produção
de subsistência com técnicas menos modernas. Assim, esses indivíduos pas-
saram a ser mão de obra barata para as fábricas, consolidando o movimento
de êxodo rural.
O processo de industrialização induz o crescimento de outros ramos
econômicos, como comércio e transportes ligados a logística — rede ferro-
viária, rodoviária e portos — influenciando fortemente o crescimento urbano.
Dessa forma, muitos empregos são gerados em vários setores, o que contribui
para a expansão da urbanização. Até os dias atuais as atividades industriais
são os mais fortes indutores para aumentar a população urbana, como ocorre
intensamente na China, na Índia e em muitos países subdesenvolvidos, como
o Brasil.
10 Geografia econômica e espaço urbano

Os conceitos a seguir são importantes para entender a interdependência das relações


produtivas nas cidades.
 Urbanização: transformação do espaço rural em espaço urbano. Considera-se o
crescimento da população e da extensão territorial.
 Metropolização: estabelecimento de metrópoles. Para que haja metropolização,
leva-se em conta critérios populacionais, além da disponibilização de serviços
modernos e diversificados para os habitantes. Esses serviços geram renda e de-
mandam uma infraestrutura grande e complexa, como a viária, composta de
viadutos, rodovias e pontes.
 Conurbação: crescimento geográfico contínuo e integrado de duas ou mais cidades.
 Rede urbana: conjunto de cidades integradas contendo muitas cidades pequenas,
algumas cidades médias e poucas metrópoles.
 Êxodo rural: migração da população do campo para as cidades, buscando emprego
e melhores condições de vida.

Há uma rede urbana que interliga as cidades para possibilitar um maior


fluxo de pessoas, informações, bens e serviços. Assim, quanto maior a taxa
de urbanização e de industrialização de um país ou região, mais complexa
é a rede urbana. Essa interação entre as cidades gera a chamada hierarquia
urbana, relacionada à influência de algumas cidades sobre outras no quesito
oferta de bens e serviços. As pequenas cidades podem se subordinar às maiores,
principalmente em relação ao poder econômico. Quanto mais diversificada a
economia de uma cidade, maior é a sua influência. Os centros urbanos maiores,
em geral, possuem diversos serviços e são referências na política, na economia
e na cultura, assumindo o posto mais alto da hierarquia.
Na urbanização de países subdesenvolvidos, houve muitas transformações
espaciais em curto espaço de tempo, em especial a partir da década de 1950.
O chamado inchaço urbano, provocado pelo êxodo rural, levou a população
proveniente do campo a se estabelecer nas áreas periféricas, em locais insa-
lubres e de risco, muitas vezes no entorno das indústrias. Enquanto isso, as
classes com maior poder aquisitivo se estabeleciam nas áreas centrais das
cidades. Nas últimas décadas, parte da população migrou para os chamados
condomínios fechados, protegidos e guardados por seguranças, o que acentua
a exclusão social e reduz os espaços urbanos públicos.
Geografia econômica e espaço urbano 11

Rede urbana brasileira


Rede urbana significa um conjunto de cidades que se articulam territorial-
mente. Elas estabelecem diferentes relações entre si, formando uma rede de
cidades de diferentes tamanhos e níveis de desenvolvimento. Interligam-se
pelo fluxo de pessoas, bens, informações e serviços. A rede urbana pode ser
entendida como uma malha de cidades interconectadas, organizadas conforme
uma hierarquia urbana ou heterarquia urbana. A Figura 1 ilustra a rede urbana
brasileira.

Figura 1. Rede urbana brasileira.


Fonte: Blog do Professor Marciano Dantas (2012, documento on-line).

Após a década de 1950, com o desenvolvimento da industrialização, do


avanço dos sistemas de transporte, dos meios de comunicação e das obras de
engenharia, ocorreu uma maior integração espacial do território brasileiro.
Isso contribuiu para a formação de uma rede urbana em escala nacional. O
eixo urbano mais conhecido se estabeleceu entre as cidades de São Paulo
e Rio de Janeiro, referências no processo de industrialização do País. Esse
12 Geografia econômica e espaço urbano

eixo se tornou polo de atração de investimentos e pessoas, passando a ser


o centro principal da economia. O intenso processo de urbanização com a
incorporação das técnicas de telecomunicações, com o uso da fibra ótica, por
exemplo, proporcionou a essa e outras porções do país um elevado grau de
integração e comunicação.
No Brasil, geralmente, as cidades menores são influenciadas por cidades
médias próximas e por grandes metrópoles situadas no estado ou na região. Essa
hierarquia urbana pode ser considerada tradicional, pois há certa linearidade
entre as cidades e sua área de influência. Contudo, nas últimas décadas, com
o avanço dos meios de comunicação, em especial da internet e dos meios de
transporte, foi possível que as áreas de influência entre as diversas cidades
de um estado ou país se tornassem mais flexíveis.
Há um conceito novo para se denominar esse tipo de dinâmica, a hete-
rarquia urbana. Ela não está em oposição à hierarquia da rede urbana, mas
a complementa, dada a importância das cidades na rede urbana quanto aos
fluxos informacionais e ao acesso à internet. A heterarquia urbana permite
entender as novas dinâmicas que estruturam a rede urbana atual no contexto do
uso da informação, principalmente ligada às forças econômicas, hegemônicas
e a serviço do Estado (DREIFUSS, 1996). Veja na Figura 2 como se dão as
relações entre as cidades em uma rede urbana.

Figura 2. Relações entre as cidades em uma rede urbana.


Fonte: Adaptada de Geo (2015).

A rede urbana está relacionada à divisão espacial do trabalho, que é a divisão


entre funções que as diferentes cidades dessa rede cumprem em uma região.
Portanto, aquelas cidades com mais poder de influência e em posições mais
Geografia econômica e espaço urbano 13

importantes na hierarquia urbana geralmente têm a função de serem polos


de tecnologia e pesquisa e/ou centros financeiros preponderantes. Aquelas
cidades que desempenham atividades mais básicas, como comércio local,
agricultura ou pecuária, com menor densidade de população, estão em uma
posição mais secundária nessa rede.
Essa configuração em rede resulta de um processo histórico de construção
e consolidação de cada cidade, cuja configuração está ligada a aspectos eco-
nômicos, sociais, políticos e produtivos ao longo de sua formação. Assim, a
noção de divisão espacial do trabalho ilustra como as atividades econômicas
estão difundidas no espaço.

Rede urbana nos países desenvolvidos


Os países desenvolvidos apresentam, de forma geral, uma rede urbana densa
e articulada, em virtude do elevado nível de urbanização. A economia é di-
nâmica, há expressivo consumo interno e rede de transportes e comunicação
desenvolvidas, além de melhor distribuição de renda e acessos aos serviços
básicos por toda a população. Nesses países, as cidades se interligam pelo fluxo
de pessoas, bens, informações e serviços de forma mais fluida e facilitada.
As redes urbanas tendem a se adensar em regiões onde se situam grandes
aglomerações urbanas conectadas pelas redes de transporte e de telecomunica-
ção. Essas redes de metrópoles conectadas são denominadas de megalópoles,
como a porção central da Europa, o sudeste do Japão, na Ilha de Honshu, e a
costa nordeste dos Estados Unidos. Atualmente, a internet vem contribuindo
com a criação de redes globais, que auxiliam a conexão entre pessoas e luga-
res, além de facilitar o acesso a serviços, informações e mercadorias. Se no
passado uma cidade pequena dependia diretamente da cidade maior e mais
próxima, atualmente essa dependência, em alguns setores da economia, já
não se aplica. A compra pela internet é um exemplo, já que a ligação entre os
lugares se dá de forma virtual e instantânea.
Em suma, nota-se que o espaço urbano tem uma relação forte com o desen-
volvimento das técnicas, com a industrialização e com o sistema econômico,
concentrando nas cidades o mercado de trabalho e o mercado consumidor.
Todas essas dinâmicas modificam o espaço urbano em movimento cons-
tante. As cidades têm a capacidade de abrigar diferentes formas econômicas,
como aquelas que promovem crédito, além das corporações que, atualmente,
absorvem como mercado consumidor uma parcela da população de baixa
renda, promovendo mudanças nas relações econômicas e na materialidade
do espaço urbano.
14 Geografia econômica e espaço urbano

A industrialização se desenvolveu com mais força desde a Primeira


Revolução Industrial, no século XVIII, impactando diretamente a urbani-
zação. Isso se explica pelo aumento na demanda de matéria-prima, mão de
obra, mercado consumidor, infraestruturas de transporte, redes de energia
e telecomunicações. A urbanização, além disso, condicionou os fluxos de
pessoas, bens e capitais.

BLOG DO PROFESSOR MARCIANO DANTAS. Brasil: sistemas urbanos. 2012. 1 mapa,


color. Disponível em: http://professormarcianodantas.blogspot.com/2012/06/nova-
-dinamica-da-rede-urbana-brasileira.html. Acesso em: 8 dez. 2019.
CASTILLO, R.; FREDERICO, S. Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão
sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v.
22, n. 3, p. 461-474, dez. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sn/v22n3/04.
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DREIFUSS, R. A. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização:
novos desafios. Petrópolis: Vozes, 1996.
GEO, F. Urbanização no Brasil. 2015. 1 esquema. Disponível em: http://geofernandez.
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MONTENEGRO, M.; CONTEL, F. B. Financeirização do território e novos nexos entre
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MONTENEGRO, M. R. Contradições de Fortaleza: entre o turismo globalizado e a repro-
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PEDAGOGIA da economia: aula 01/14. [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo (11min09s). Disponível
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SANTOS, M. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In: SOUZA, M. A. A.;
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Geografia econômica e espaço urbano 15

SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana nos países sub-
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TELECO. Estatísticas de celulares no Brasil. Teleco, [s. l.], [2019]. Disponível em: https://
www.teleco.com.br/ncel.asp. Acesso em: 8 dez. 2019.

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cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Jhonatan dos Santos Dantas


Análise geográfica na
economia mundial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Discutir o papel dos blocos econômicos no mundo globalizado.


 Descrever as desigualdades territoriais no âmbito internacional.
 Identificar a função da divisão internacional do trabalho.

Introdução
O avanço da globalização permitiu uma ampla integração de mercados e
circulação de capitais, reorganizando a dinâmica econômica internacional
e produzindo novas territorialidades e institucionalidades econômicas no
planeta. Os territórios se tornaram dotados de ampla infraestrutura e grau
de tecnificação para dar suporte à difusão dos meios informacionais. Essa
difusão da informação mais dinâmica resultou em uma nova economia
que emergiu no período da globalização financeira-informacional em
que vivemos.
Esse avanço econômico, porém, se deu de modo extremamente
desigual no território internacional. Apesar da ampla evolução científica-
-tecnológica, pobreza, saneamento básico, entre outros problemas ainda
permanecem em vários países e regiões do mundo.
Compreender esses processos é fundamental para explicar o mundo
atual e a dinâmica econômica no espaço geográfico do mundo globali-
zado. Apesar das várias integrações propiciadas pela formação de blocos
econômicos e acordos de livre comércio, há ainda uma ampla divisão
internacional da produção e do trabalho, que acarreta em enormes
desigualdades sociais, territoriais e econômicas em pleno século XXI.
Neste capítulo, você vai estudar a importância dos blocos econômi-
cos no mundo globalizado. Vai ler sobre as desigualdades territoriais na
esfera internacional, além de conhecer a função da divisão internacional
do trabalho.
2 Análise geográfica na economia mundial

Papel dos blocos econômicos no mundo


globalizado
Toda dinâmica econômica necessita de uma rede de infraestrutura organizada
e criada sob o espaço geográfico para que os fluxos econômicos circulem, isto
é, vendas, trocas comerciais, transações financeiras, produção e distribuição
de mercadorias. Dessa forma, a dinâmica econômica precisa de um suporte
territorial organizado para os fluxos econômicos e de uma base territorial
física para transformação das matérias-primas, instalação dos equipamentos
industriais, comerciais ou para produção agropecuária e extrativista.
A dinâmica econômica está interligada à base territorial, seja ao território
físico e material seja ao território imaterial, em que as relações de poder e
uso do espaço despontam. Todos os fluxos e relações ocorrem por meio de
fixos, como edifícios, bancos, portos, aeroportos, infraestrutura. Instalados
ao território, essas relações o organizam politicamente, economicamente e
materialmente (CASTILLO; FREDERICO, 2017). Desse modo, é possível
perceber que o espaço econômico, em que as relações econômicas ocorrem,
está interligado diretamente ao espaço geográfico. Há, então, uma ligação
necessária entre os dois, pois o espaço geográfico se molda pelas atividades
econômicas desenvolvidas, e a existência da dinâmica econômica ocorre
paralelamente ao uso e à apropriação do território.
Com o avanço da globalização e a conexão dinâmica entre lugares diferentes
do mundo, ocorreu uma grande alteração no funcionamento da economia mun-
dial, e os territórios passaram a conferir mudanças drásticas, que são reflexo
da dinamicidade econômica no período do capitalismo atual (BENKO, 2001;
SANTOS, 2001). Isso ocorreu em virtude da circulação rápida de mercadorias,
negociações e transferências de capitais, além de uma infraestrutura avançada,
que permitiu maior dinamismo nas trocas comerciais. Houve também formação
de blocos econômicos, acordos de comércio, expansão de multinacionais pelo
globo, entre outros. A globalização, portanto, tem um papel fundamental na
reorganização da economia mundial, pois com o avanço dos meios de tele-
comunicação, das redes informacionais e da infraestrutura criada para dar
suporte à difusão da informação, uma nova geografia foi construída sob a égide
do sistema informacional (BENKO, 2001; CASTILLO; FREDERICO, 2017).
A evolução da ciência, atrelada à construção de um sistema de objetos técni-
cos/informacionais, deu início à era da globalização informacional (SANTOS,
1996). O uso do espaço geográfico se tornou mais intensivo e interligado, já
que esse conjunto de objetos técnicos/informacionais (meios de comunicação
digital, cibernética, torres de comunicação, satélites e outros) permitiram uma
Análise geográfica na economia mundial 3

circulação instantânea de notícias, informações e armazenamento de banco


de dados. O acesso integrativo de pessoas às informações por meio das redes
de comunicação fez do espaço geográfico um suporte e, ao mesmo tempo, um
sistema dinâmico que passou a ficar interligado globalmente, intensificando
o processo de globalização (CASTILLO; FREDERICO, 2017).
A globalização pode ser definida como um processo de integração entre
pessoas, sociedades, culturas e economia de diferentes nações, territórios e
lugares. Esse processo é resultado de um conjunto de fatos e acontecimentos
históricos, não sendo possível definir com precisão o início. Alguns autores
como Porto-Gonçalves (2017) mencionam o fato de as grandes navegações
terem sido o marco da primeira fase da globalização. Esse processo de inte-
gração entre nações, economia e território se deu no decorrer da história do
próprio sistema capitalista.
Apesar de a globalização ter permitido amplas trocas entre culturas, ela
se deu sob o avanço do imperialismo no mundo, em que países europeus
passaram a exercer ampla dominação étnica, econômica, cultural e territo-
rial sobre outras civilizações. Essa dominação foi construída a partir de um
sistema colonialista, ao qual as nações, civilizações e territórios controla-
dos pelos países imperialistas ficaram submetidos (PORTO-GONÇALVES,
2017). O colonialismo deixou marcas históricas, especialmente nos países
latino-americanos, africanos e asiáticos, onde a dominação europeia foi mais
intensa (PORTO-GONÇALVES, 2017). Esse processo resultou em uma in-
tensa desigualdade territorial no mundo todo, além da divisão internacional
do trabalho e da produção.
O processo histórico da globalização econômica se deu sob a égide de um
sistema imperialista, marcado por profundas desigualdades dentro do sistema
capitalista, o que resultou na consolidação da distribuição desigual de riquezas
e de produção material a nível global. Entretanto, a integração de mercados e o
avanço do comércio mundial, principalmente após a Revolução Industrial, deu
um salto no percurso da globalização. A produção em larga escala, iniciada
na Primeira Revolução Industrial (século XVIII) e intensificada na Segunda
Revolução Industrial (século XIX), demandou uma expansão do comércio a
nível global. No século XX, a globalização se intensificou com a revolução
tecnológica, interdependência de mercados, formação de blocos econômicos
e acordos comerciais, que ocorreram em virtude:

 do avanço dos meios de telecomunicação durante todo século XX;


 da criação de Organizações Internacionais, como a Organização das
Nações Unidas (ONU), após a Segunda Guerra Mundial;
4 Análise geográfica na economia mundial

 do crescimento de empresas multinacionais que passaram a operar em


escala global.

Esses fatores promoveram maior proximidade entre as nações e um avanço


de negócios econômicos a nível global, levando o processo globalizante da
economia para um patamar jamais visto anteriormente (BENKO, 2001; MO-
REIRA, 2016; PORTO-GONÇALVES, 2017; SANTOS, 2001). No entanto,
algumas barreiras surgiram como empecilho ao projeto globalizante, como
as legislações diferenciadas de cada Estado/Nação, que impediam o livre
comércio global. As fronteiras passaram a ser uma barreira (parcial) ao avanço
total da globalização. Diante disso, organizações internacionais passaram a
desempenhar um papel fundamental para quebrar essas barreiras, facilitando
a negociação entre países. Houve também um processo de transnacionalização
de empresas pelo mundo, que ampliou a globalização econômica. Entretanto,
foi com a formação dos blocos econômicos que essas barreiras realmente
ficaram fragilizadas, e a globalização econômica avançou rapidamente (GON-
ÇALVES, 2002).

A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995, substituiu o Acordo


Geral de Tarifas e Comércio (GATT), criado em 1947. Tem o objetivo de supervisionar e
liberalizar acordos de comércio entre os países membros e é responsável por fornecer
uma estrutura para negócios, resolvendo conflitos e mediando acordos entre os
Estados membros. Seus princípios são a não discriminação entre os países membros,
o acesso aos mercados em condições iguais, a reciprocidade e a concorrência leal.
Outras organizações internacionais também são importantes e atuam direto na
economia mundial, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que
fornecem empréstimos e atuam ativamente nas políticas econômicas dos países,
propondo acordos e promovendo uma cooperação monetária internacional.

A formação dos blocos econômicos marcou uma abertura fronteiriça no


comércio entre países, permitindo acordos e negociações, com intuito de abrir
vantagens competitivas internacionais e fortalecer o comércio dos países do
bloco. Foram criadas barreiras protecionistas na formação desses blocos, o
que levou ao movimento contrário da globalização. Na teoria, a formação dos
blocos econômicos poderia representar o avanço para negociações maiores
Análise geográfica na economia mundial 5

que permitissem a livre circulação de pessoas e mercadorias. Contudo, os


blocos econômicos apresentam características bastante heterogêneas, alguns
com maior nível de integração, outros menos.
Podemos classificar os blocos econômicos em quatro formatos distintos:
áreas de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica e
monetária. As áreas de livre comércio são caracterizadas pela livre circulação
de mercadorias sem a necessidade de taxas burocráticas. Já os acordos de
união aduaneira são um conjunto de normas estabelecidas dentro dos países
membros, que estabelecem regras para o comércio com outros países não
membros. O mercado comum envolve a livre circulação de pessoas, merca-
dorias e capital entre os membros envolvidos. Por fim, a união econômica e
monetária representa um estágio mais avançado da integração entre os países,
sendo definido pela livre circulação de capitais, bens e mercadorias, além da
definição da mesma moeda entre os membros envolvidos.
Diante dessas quatro tipologias de integração após a década de 1990, o
mundo se viu diante da formação de diversos blocos econômicos. A Figura 1
mostra os blocos econômicos existentes.

Figura 1. Blocos econômicos.


Fonte: Adaptado de Pena (2019).

Dos mais de 30 blocos econômicos criados a partir dos anos de 1990, o


mais integrado é a União Europeia, que representa uma articulação de quase
30 Estados. Esse bloco permite a livre circulação de pessoas e mercadorias,
além de adotar a mesma moeda, o euro. Foi a aliança político-econômica mais
bem-sucedida comparada a outros blocos. Formada, em 1957, por seis países,
era um bloco bastante diferente de hoje. A Comunidade Europeia do Carvão
6 Análise geográfica na economia mundial

e Aço (CECA) e a Comunidade Econômica Europeia (CEE) deu início ao que


é hoje a União Europeia (UE), que incorporou dezenas de países membros ao
bloco, principalmente após 1990.
O Brasil integra o Mercado Comum do Sul (Mercosul), composto também
por Argentina, Uruguai e Paraguai. O bloco foi criado no ano de 1991 e tem
como proposta uma integração econômica/comercial com a adoção de uma
tarifa externa comum, facilitando a circulação de bens e mercadorias. Outro ob-
jetivo é a coordenação de políticas bilaterais de acordo com interesses dos países
membros, fortalecendo os Estados na economia e na política internacional.
O Mercosul é uma união aduaneira e favorece a importação e a exportação
de produtos e mercadorias entre os países envolvidos. O bloco também mantém
boas relações com outros países vizinhos, como o caso da Bolívia, Chile,
Equador e outros (MERCOSUL, 2019). Veja na Figura 2 o mapa do Mercosul.

Figura 2. Países do Mercosul.


Fonte: Adaptado de Mercosur map (2019).
Análise geográfica na economia mundial 7

BRICS é um agrupamento de países de economia emergente composto por Brasil,


Rússia, Índia, China e África do Sul. Não se trata de um bloco econômico, mas realiza
acordos de comércio e reuniões para manter a influência geopolítica e discutir assuntos
bilaterais.

As dezenas de outros blocos econômicos citados anteriormente na Figura 1


tem o intuito principal de reduzir taxas alfandegárias, melhorar a competitivi-
dade comercial e adotar políticas bilaterais que favoreçam os países envolvidos,
fortalecendo os membros no cenário internacional. Dessa forma, há diversas
tipologias de blocos existentes, ao mesmo tempo em que há interesses distintos
por parte dos países integrantes. Os países de economia central no capitalismo
global acabam se favorecendo dessa unificação em acordos comerciais por
deter vantagens comparativas no comércio e na balança comercial.
A integração nos blocos é uma tentativa dos países periféricos de se man-
terem relativamente saudáveis na economia capitalista e saírem do isolamento
produtivo-comercial. Essas alianças e articulações, porém, nem sempre be-
neficiam igualmente todos os membros. Isso faz com que alguns países dos
blocos saiam, outros entrem, além de haver a formação de novos blocos e novas
alianças econômicas e comerciais. Em muitos casos, além disso, países do
mesmo bloco exportam produtos similares, disputando os mesmos mercados.

Desigualdades territoriais no âmbito


internacional
As grandes navegações representam um marco para a compreensão histórica e
geográfica da desigualdade territorial em âmbito internacional. É a partir das
grandes navegações que inicia o imperialismo europeu, que, por sua vez, dá
início ao surgimento do capitalismo mercantil. Nesse sistema, a acumulação
de riquezas baseada na exploração do trabalho, do meio ambiente e do homem
se tornou fundamento político das nações europeias no decorrer do tempo
(PORTO-GONÇALVES, 2017).
Os legados das grandes navegações são diversos, como o estabelecimento
da divisão internacional do trabalho, o avanço do imperialismo, o fortale-
8 Análise geográfica na economia mundial

cimento do capitalismo mercantil e o colonialismo, movimento dialético


resultante do imperialismo. A disputa econômica entre os países europeus que
se estendeu entre os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX levou o mundo a uma
ampla divisão produtiva e social. O período escravagista e o tráfico negreiro
marcaram a exploração de povos e a acumulação de capital pelo trabalho sub-
-humano (PORTO-GONÇALVES, 2017). O genocídio dos povos tradicionais
na conquista dos territórios promovido pelos ingleses, franceses, espanhóis,
portugueses, belgas e holandeses foi outra marca brutal desse período. A
retirada de matérias-primas para sustentar a acumulação de metais preciosos
e especiarias e para servir para produção de mercadorias industriais resultou
no esgotamento de diversos recursos em várias regiões do mundo. Além disso,
foi efetuada uma verdadeira transferência de riquezas, imensuráveis de todos
os continentes para a Europa.
O século XX, no entanto, foi marcado pelo rompimento desse processo/
projeto imperialista europeu, para o ingresso de uma nova ordem mundial. As
duas grandes guerras foram, entre outras coisas, o resultado final do projeto e
da disputa imperialista dos europeus, que culminou em verdadeiro fracasso.
Teve como escopo os ideais iluministas da racionalidade científica, que jus-
tificou, a grosso modo, as invasões territoriais e a imposição do pensamento
eurocêntrico sobre outros territórios (TOMAZETTE, 2011).
O fim da segunda guerra mundial marcou o início de um mundo bipolar. A
contestação do modo de vida capitalista era a bandeira erguida pelos soviéticos,
e o desenvolvimento de um mundo capitalista baseado no bem-estar social era
a bandeira estadunidense. Uma nova divisão do mundo, então, se instala, pela
influência hegemônica dessas duas potências, que passam décadas disputando
o poder global (TOMAZETTE, 2011).
O planeta fica dividido e categorizado em países de primeiro, segundo e
terceiro mundo, como pode ser visto na Figura 3. Os países de primeiro mundo
eram os capitalistas industrializados; os países de segundo mundo era caracte-
rizados pelo regime socialista; e os países de terceiro mundo eram aqueles que
apresentavam elevada pobreza, dependência econômica/produtiva, forneciam
insumos básicos e matérias-primas, além de deter graves problemas sociais,
como miséria, índices de educação e expectativa de vida baixos, entre outros.
Análise geográfica na economia mundial 9

Figura 3. Países de primeiro, segundo e terceiro mundo.


Fonte: Mluck28 (2015, documento on-line).

O avanço da influência dos Estados Unidos no comércio mundial, atrelado


ao avanço da própria globalização, propiciou a atuação intensa de empresas
multinacionais em várias regiões do mundo. O marketing criado entorno das
grandes marcas de empresas globais, a indústria do entretenimento e da moda
e o padrão de consumo imposto pelo capitalismo no final do século XX fez
dos Estados Unidos o grande vencedor da guerra fria. A abertura econômica
dos países de regime socialista também reorganizou a dinâmica da produção
internacional.
Os países asiáticos passaram a desenvolver uma industrialização intensiva
no final do século XX. Coréia do Sul, Vietnã, Malásia, Indonésia, Taiwan,
Tailândia, Cingapura e a própria China se tornaram protagonistas na produção
de bens e mercadorias, concentrando grande parte da indústria mundial.
Houve novas centralidades econômicas que se despontaram ao final do
século. A Alemanha reerguida do pós-guerra, firmou-se como país mais rico
da Europa. O Japão também passou a deter grande centralidade econômica/
industrial. A China conseguiu abalar o mundo do final do século XX até a
atualidade se tornando a segunda maior potência econômica mundial. Além,
é claro, de outros que permaneceram na centralidade econômica global, como
Estados Unidos, Inglaterra e França (ALMEIDA, 2001).
Houve também a emergência de países que passaram a ganhar ampla
relevância econômica/produtiva, ingressando tardiamente no capitalismo,
mas apresentando atualmente peso considerável na economia global: é o caso
dos países emergentes. Esses países, apesar de não deterem a centralidade
10 Análise geográfica na economia mundial

das grandes potências, atuam com elevado produto interno bruto (PIB) e são
grandes exportadores de commodities e bens de consumo, como é o caso do
Brasil, da Índia, da África do Sul, da Rússia e do México. O Quadro 1 mostra
o ranking das maiores economias do mundo medido pelo PIB de cada país.

Quadro 1. Ranking do PIB dos países em 2019.

Ranking País US$ Bilhões Part. %

1º Estados Unidos 21,344.7 24.5%

2º China 14,216.5 16.3%

3º Japão 5,176.2 5.9%

4º Alemanha 3,963.9 4.5%

5º Índia 2,972.0 3.4%

6º Reino Unido 2,829.2 3.2%

7º França 2,761.6 3.2%

8º Itália 2,025.9 2.3%

9º Brasil 1,960.2 2.2%

10º Canadá 1,739.1 2.0%

Total 10 maiores 58,989.2 67.6%

Total mundo 87,265.2 –

Fonte: Adaptado de: Nunes e Hessel (2019).

O ingresso tardio no sistema capitalista também resultou em um modelo


de desenvolvimento perverso. Parte dos países que representaram elevado
crescimento econômico não conseguiram conciliar elevação da qualidade de
vida, como Índia, Brasil, Indonésia, China, entre outros. Apesar do elevado
nível de produtividade, seja no setor primário da economia, como o caso do
Brasil, seja no setor secundário, como o caso da China, os baixos salários e
a desigualdade social se instalaram, concentrando a riqueza e ampliando a
disparidade existente entre os mais ricos e os mais pobres.
Além disso, o desenvolvimento desigual segue em outras escalas, como pode
ser visto na Figura 4 e na Figura 5. É possível notar a distribuição desigual de
alimento no planeta, o consumo médio de eletricidade e o nível de desigualdade
Análise geográfica na economia mundial 11

social de cada país. Os mapas demonstram um elevado nível de disparidade


no desenvolvimento entre os países, reflexo de políticas internas e externas
ligadas ao modelo de desenvolvimento adotado e à divisão internacional do
trabalho estabelecida no período atual.

Figura 4. Consumo médio de eletricidade no mundo.


Fonte: Lista de países por consumo de eletricidade (2019, documento on-line).

Figura 5. Desigualdade social no mundo medida pelo índice de Gini.


Fonte: Desigualdade social (2019, documento on-line).

Países da África e algumas regiões da Ásia e da América Latina apresen-


tam baixo nível de consumo de eletricidade, elevado índice de fome, além de
12 Análise geográfica na economia mundial

apresentar ampla desigualdade social. A Índia, por exemplo, é um dos países


que mais apresentam elevação do PIB/anual, porém, é um dos que apresentam
maior nível de desigualdade social e pobreza. O Brasil também figura entre os
países com maior nível de desigualdade social do mundo, junto com a China
e outros países da América Latina e da África.
Os mapas demonstram a diferença na qualidade de vida média de cada
país no mundo, resultado de uma enorme desigualdade territorial em termos
de acesso a bens fundamentais para qualidade de vida e da má distribuição de
renda no planeta. Mesmo após séculos percorridos no caminho da acumulação,
muitas regiões, territórios e nações encontram-se à margem da dignidade
humana. Apesar de toda integração entre mercados e países para promover a
circulação de bens e mercadorias, uma grande parcela da população mundial
não tem acesso ao mínimo de serviços para qualidade de vida.
Veja na Figura 6 a diferença do índice de desenvolvimento humano
(IDH) na escala global. Evidencia-se a ampla disparidade entre os países
no que se refere ao acesso à saúde, à educação e à renda, o que demonstra o
desenvolvimento desigual combinado ao sistema capitalista, em que o padrão
de consumo se dá completamente distinto entre as nações.

Figura 6. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).


Fonte: Lista de países por índice de desenvolvimento humano (2019, documento on-line).

Um dos principais motivos da desigualdade apresentada no mapa é a


divisão internacional do trabalho, que acaba por impor enormes desafios
aos países que não detêm centralidade na economia capitalista global. Esses
países têm enormes desvantagens na balança comercial e nos acordos de livre
comércio. A divisão internacional do trabalho do mundo atual é complexa
Análise geográfica na economia mundial 13

e permite explicar as origens e o resultado do desenvolvimento desigual no


âmbito internacional.

Divisão internacional do trabalho


A divisão internacional do trabalho (DIT) pode ser caracterizada pela
especialização produtiva de determinada região ou país. Essa especialização
produtiva gera, em âmbito internacional, uma divisão de funções produtivas. A
DIT, também pode ser chamada de divisão internacional da produção, em que
o trabalho realizado é especializado de acordo com a prática produtiva daquele
determinado território/lugar (FIRKOWSKI, 1990). A DIT é um resultado da
globalização econômica. As fases da globalização econômica determinaram
as fases da DIT.
A primeira DIT surgiu nas grandes navegações e foi caracterizada pela
metrópole (país dominador) e pela colônia (país dominado). A metrópole
realizava o comércio e explorava economicamente a colônia, buscando metais
preciosos, especiarias e extração de produtos para comercialização, além de
fornecer para as colônias mercadorias manufaturadas (FIRKOWSKI, 1990). A
primeira DIT marcou também a primeira fase do capitalismo mercantil, com o
início do imperialismo e do colonialismo. A submissão de povos e civilizações
ao eurocentrismo é uma marca dessa fase, que se estendeu durante os séculos
XV, XVI e XVII (PORTO-GONÇALVES, 2017).

Eurocentrismo é a forma de ver e conceber o mundo a partir da Europa, colocando


o continente e a cultura europeia como central no mundo.

A segunda fase da DIT é inaugurada na Revolução industrial. Com o


advento da indústria, uma nova forma de acumulação de riquezas é criada,
modificando as bases do sistema capitalista e, consequentemente, implicando
em novas formas de trabalho e produção. Os países industrializados passaram
a fornecer grande quantidade de mercadorias para os demais países e tinham
uma grande demanda de matérias-primas.
14 Análise geográfica na economia mundial

Os países europeus, pioneiros na Revolução Industrial, passaram a exercer


a influência que detinham sobre outras nações e territórios (colônias e ex-
-colônias) para impor um outro tipo de dominação: a econômica. Os países que
eram colônias e se tornaram independentes politicamente permaneceram na
condição de dependência econômica, exportando matérias-primas e insumos
básicos para os países europeus industrializados. O reflexo disso foi uma
acumulação extremamente desigual de capital, pois os países industrializados
conseguiram expandir mercados, negócios e ditar os rumos do capitalismo
global.
A expansão da indústria pela Europa e, posteriormente, para os Estados
Unidos elevou a demanda por novos mercados e recursos. Esse processo de
expansão começou a sofrer crises no início do século XX. A superprodução
e o acúmulo de estoque despencaram os preços das mercadorias, causando
mudanças no sistema capitalista, como novas formas de produzir que reduziram
os custos e o desperdício. Além disso, novas estratégias foram criadas para
dar continuidade à expansão de capital, principalmente dos países potência.
A criação de um sistema financeiro complexo, a expansão do capital fictício,
as políticas de juros elevados e o investimento no setor rentista passam a
modificar o capitalismo e mudar as formas de trabalho e consumo.
Uma nova DIT foi então instalada no final do século XX, resultado das
alterações que o capitalismo sofreu durante todo o século (FIRKOWSKI,
1990). A nova DIT foi marcada por países que produzem tecnologia de ponta,
especializam-se em automação, robótica e tecnologia informacional. Ao mesmo
tempo, tem um importante setor financeiro, rede de bancos e sede de empresas
multinacionais. Os países industrializados emergentes detêm amplos parques
industriais, geralmente indústrias de bens de capital e de bens não duráveis.
A fragmentação produtiva também impôs a esses países a incorporação da
indústria poluidora, como a indústria química, siderúrgicas, entre outras.

Leia mais sobre a DIT no link a seguir.

https://qrgo.page.link/5bw5P
Análise geográfica na economia mundial 15

Os países emergentes também apresentam grande dependência de exporta-


ção e são desfavorecidos na balança comercial em consequência da exportação
de produtos relativamente baratos. Isso impõe a esses países ano a ano um
crescimento expressivo do PIB, para não acarretar em crises econômicas e
elevação do custo de vida da população. Os países pobres não industrializados,
interligados à economia capitalista, são em geral produtores de matérias-primas,
essencialmente produtos agropecuários e minerais.
Países como Canadá, Austrália e Estados Unidos mantêm uma ampla
diversificação da base econômica, produzindo desde insumos e produtos agro-
pecuários até produtos mais tecnológicos. No entanto, a DIT é caracterizada
pela grande dependência gerada no bojo do sistema capitalista de nações e
territórios submetidos aos domínios econômicos de outras nações e povos. A
grande diferença é que, atualmente, há um conjunto de grandes corporações
que conseguem ordenar e ditar as regras do jogo da economia global, muito
mais facilmente que no passado. Dessa forma, a territorialidade em rede e
o jogo de poder concentrado na mão de pequenos grupos impõem sempre
a necessidade de uma leitura crítica sobre a existência da DIT no auge da
globalização financeira e informacional (BENKO, 2001).
É possível, portanto, verificar como a DIT modifica a geografia econômica
e impõe novas formas de acordos comerciais, o que resulta em modificações
significativas no campo da economia internacional. A geografia tem um papel
fundamental nessa análise. As transformações econômicas na escala mundial
acabam por modificar drasticamente a base do território e organizam as regiões
e os lugares para ingressarem na produção de capital, que atualmente necessita
de várias redes técnicas para interligar o local ao global.

ALMEIDA, P. R. A economia internacional no século XX: um ensaio de síntese. Revista


Brasileira de Política Internacional, v. 44, n.1, jan./jun. 2001. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/rbpi/v44n1/a08v44n1.pdf. Acesso em: 10 dez. 2019.
BENKO, G. A recomposição dos espaços. INTERAÇÕES - Revista Internacional de Desen-
volvimento Local, v. 1, n. 2, p. 7-12, mar. 2001.
CASTILLO, R.; FREDERICO, S. Espaço Geográfico, produção e movimento: uma reflexão
sobre o conceito de circuito espacial produtivo. In: CATAIA, M. A.; ARROYO, M. M.; SILVA,
16 Análise geográfica na economia mundial

A. A. D. Dos circuitos da economia urbana aos circuitos espaciais de produção. Natal: Sebo
Vermelho, 2017.
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GONÇALVES, R. Globalização econômica. In: GONÇALVES, R. O nó econômico. Rio de
Janeiro: Record, 2002. (Coleção Os porquês da desordem mundial).
FIRKOWSKI, O. L. C. F. A nova divisão internacional do trabalho e o surgimento dos
NIC's. Geografia (Londrina), v. 6, p. 101-107, 1990. Disponível em: http://www.uel.br/
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PORTO-GONÇALVES, C. W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio
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SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp,
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4. ed. São Paulo: Record, 2001.
TOMAZETTE, M. Os desafios impostos pela globalização econômica. Revista de Infor-
mação Legislativa, v. 48, n. 189, jan./mar. 2011. Disponível em: https://www12.senado.
Análise geográfica na economia mundial 17

leg.br/ril/edicoes/48/189/ril_v48_n189_p157.pdf. Acesso em: 10 dez. 2019.Leituras


recomendadas

Leitura recomendada
ALBUQUERQUE, M. C. C. Divisão internacional do trabalho. Lua Nova – Revista de Cultura
e Política, v. 11, n. 13, p. 95-103, set. 1987. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/
n13/a11n13.pdf. Acesso em: 10 dez. 2019.

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GEOGRAFIA
ECONÔMICA

Cristina Marin Ribeiro Gonçalves


Análise geográfica na
economia brasileira
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Justificar a opção da agropecuária brasileira pelo mercado externo.


 Apontar atributos econômicos regionais brasileiros.
 Descrever exportações e importações brasileiras.

Introdução
Cada país possui características específicas. Em relação à economia,
as propriedades essenciais dizem respeito aos tipos de produção, ao
comportamento no mercado internacional, à intervenção do governo,
entre outras. No caso do Brasil, desde o período colonial, o produto
interno bruto (PIB) é baseado, sobretudo, na agroexportação. Ao longo
da história do País, o PIB foi definido em diversos ciclos econômicos,
com destaques para diferentes produtos, de acordo com a demanda
de exportação do período.
Neste capítulo, você vai estudar a geografia econômica brasileira,
conhecendo as características da economia regional, as exportações e
importações do País. Além disso, você vai ler sobre os motivos que levam
o mercado externo a optar pela agropecuária do Brasil.

A opção da agropecuária brasileira pelo


mercado externo
No período colonial do Brasil (1500–1822), houve a exploração do pau-brasil
— meramente extrativista —, a produção e a exportação da cana-de-açúcar e o
auge da exploração do ouro. Já o período imperial (1822–1889) se caracterizava
pela economia nacional, que era praticamente toda baseada na exportação
2 Análise geográfica na economia brasileira

de matérias-primas, como borracha, café e algodão, que foi alavancada pela


Revolução Industrial até a República Velha (1889–1930).
Durante esses períodos, a economia brasileira foi dependente quase uni-
camente do bom desempenho de suas exportações, incluindo, a borracha e
o café. Isso porque o Brasil tinha interesses de produção visando o mercado
internacional e suas necessidades, que se restringiu por todo esse período a
algumas commodities agrícolas (GREMAUD, 2017).
O Brasil, portanto, caracterizou-se como uma economia agroexportadora
desde sua constituição. Em alguns períodos, alguns produtos específicos se
destacaram, caracterizados pelos ciclos econômicos, de acordo com a demanda
do mercado internacional.

De acordo com Glossário de termos econômicos da Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo (PUC-SP), commodities são “[…] produtos primários em estado bruto com
elevada importância comercial tanto no mercado interno como no mercado externo
(minérios, café, cereais, algodão etc.)” (COMIN, [200–?], documento on-line).

Com esses produtos, definiram-se os chamados ciclos da economia brasi-


leira (Ciclo do pau-brasil, do açúcar, do ouro, do café, do algodão, da borracha).
Cada um foi denominado a um período de tempo marcado por um artigo em
destaque que dava dinâmica ao balanço de exportações. Em comparação aos
demais ciclos econômicos e períodos destacados no Brasil, a República Velha
pode ser considerada o período áureo desse tipo de economia com a produção
de café no Sudeste brasileiro.
O setor exportador, por sua vez, é muito dinâmico e possui lucro elevado.
Isso acarreta uma alta concentração dos recursos naturais e de capital no
setor, que explica a desigualdade na distribuição da renda desse modelo de
desenvolvimento econômico. Isso porque, no caso brasileiro, os problemas
de distribuição de renda e propriedade são históricos. Pode-se associá-los à
estrutura fundiária concentrada desde o início da colonização, à escravidão
durante 300 anos e às condições do mercado de trabalho após a abolição, pela
dificuldade de incorporar essa mão de obra ao mercado, além da substituição
pelos imigrantes, excesso de oferta no mercado de trabalho e falta de quali-
Análise geográfica na economia brasileira 3

ficação da mão de obra (GREMAUD, 2017). Veja no Quadro 1 as principais


características entre países agroexportadores e centrais.

Quadro 1. Principais características entre países agroexportadores e países centrais

Países agroexportadores
(América Latina) Países Centrais

A exportação é variável, quase Mesmo com as exportações


exclusiva na determinação sendo uma variável importante
da renda nacional e sua única na determinação da renda, existe,
fonte de dinamismo. além dela, o investimento — com o
progresso tecnológico associado —
como importante variável a explicar
a renda nacional e suas variações.

A pauta de exportações possui Pauta de exportação não é


base estreita, isto é, ela é radicalmente diferente da estrutura
fortemente concentrada em de consumo. Não há grandes
poucos produtos primários. diferenças entre o que é produzido
e o que é exportado. Existe também
a presença importante de produtos
manufaturados nas exportações.

As importações constituem uma As importações atendem


fonte flexível de suprimento apenas à demanda interna.
de bens para atender a boa
parte da demanda interna.

A pauta de importações inclui A pauta de importações é semelhante


não apenas produtos e matérias- à de países da América Latina.
primas de origem natural não
disponível no País, mas também
bens de consumo e de capital.

Existe grande diferença entre a base Proximidade entre base produtiva


produtiva (produtos para exportação) e estrutura de consumo.
e a estrutura de demanda que precisa
ser atendida pelas importações.

Fonte: Adaptado de Gremaud (2017).

De acordo com Lacerda et al. (2013), na década de 1930 a Grande Depressão


atingiu a economia mundial, consolidando a produção industrial brasileira e
latino-americana. A industrialização no Brasil começou no final do século
XIX, mas foi na década de 1930 que a indústria se tornou essencial para a
4 Análise geográfica na economia brasileira

economia do País. Depois da crise na economia, o café não era mais o produto
principal. No entanto, até 1956, a produção agrícola continuou superior à
produção industrial e, apenas em 1970, a exportação cresceu.
Essa crise dos anos 1930 foi extremamente importante, pois caracteri-
zou uma ruptura no desenvolvimento na economia do Brasil. A fragilização
do modelo agroexportador alavancou a consciência sobre a necessidade da
industrialização como forma de superar o subdesenvolvimento. Esse fato
marcou o momento em que a industrialização passou a ser meta prioritária
da política econômica. Além disso, destaca-se a Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe (CEPAL) ([200–?]), que, desde 1948, contribui
para o debate da economia e da sociedade latino-americana e caribenha,
apresentando alertas, ideias e propostas de políticas públicas. Essa comissão
tem o objetivo de contribuir com o desenvolvimento econômico da América
Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações
econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo, entendendo
que a industrialização poderia levar à diminuição da pobreza.
De acordo com Gremaud (2017), a urbanização e a industrialização do
País tiveram parte de sua origem na irradiação do setor cafeeiro, no início do
século XX. Isso ocorreu especialmente depois da transição para o trabalho
assalariado, que é um processo produtivo com efeito multiplicador maior que
a economia escrava, pois atinge um maior número de pessoas e possibilita
a liberdade em forma de lei. Esses outros setores, porém, possuíam menor
nível de produtividade e eram incapazes de conferir dinamismo à economia
brasileira, pelo menos até as primeiras décadas do século XX.
Os responsáveis pelas políticas econômicas no Brasil, após o movimento
militar de 1964, criaram um novo sistema para a política agrícola brasileira,
que objetivava desenvolver um amplo processo de modernização promovendo o
crescimento da produtividade do setor. Porém, entre 1968 e 1973, os governos
de Costa e Silva e Médici, além do Ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto,
caracterizou-se pelas maiores taxas de crescimento do produto brasileiro na
história recente, com relativa estabilidade de preços.
O período que abrange o pós-guerra e meados dos anos 1970 é conhecido
como os trinta anos gloriosos da economia capitalista. Isso porque, nos anos
1950, iniciaram os milagres econômicos na Alemanha e no Japão. Já nos anos
1960, foi a vez de Espanha e Formosa, entre outros, onde houve a manutenção
de altas taxas de crescimento por vários anos, o que refletia o grande cresci-
mento apresentado por toda a economia mundial nesse período. Esse processo
acarretou elevado crescimento dos fluxos mundiais de comércio e de capitais
financeiros, que possibilitou um salto industrial, inclusive em alguns países
Análise geográfica na economia brasileira 5

subdesenvolvidos. O Brasil se incluiria de forma mais acentuada na segunda


metade dos anos 1960, a partir da recuperação do crescimento econômico no
final de 1967, que já anunciava o milagre brasileiro de 1968 a 1973.
A década de 1970 foi um período bastante conturbado economicamente. No
início, aconteceu um choque do petróleo, com relevante aumento dos preços,
rompendo o acordo internacional firmado ainda durante a Segunda Guerra
Mundial que visava estabilizar as taxas de câmbio internacional. Grande parte
das economias mundiais reagiu de maneira recessiva a esse quadro. A reação
brasileira foi configurada pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento, que
acabou dando nome ao período que vai de 1974, depois do chamado milagre
econômico, até o final da década. As consequências dessa opção e das novas
alterações no cenário internacional no final da década (novo choque do petró-
leo, alteração substancial da política econômica norte-americana, moratória
mexicana) marcaram o início da década seguinte, período de recessão na
economia brasileira em função da reação à chamada crise da dívida externa
(GREMAUD, 2017).
Na década de 1980, o Brasil passou sua mais grave recessão. Em 1982, as
autoridades econômicas precisaram evocar o Fundo Monetário Internacional
(FMI), em virtude da moratória da dívida externa mexicana. O PIB do País caía,
e a inflação aumentava, chegando, no final de 1989, em uma hiperinflação.
Os investimentos e o PIB diminuíram, o deficit público aumentou, as dívidas
externa e interna e a inflação aumentaram. Esse período ficou conhecido como
década perdida (LACERDA et al., 2013).
Segundo Metzner e Matias (apud GREMAUD, 2017), em 1991, a política
econômica ficou restrita ao controle do fluxo de caixa, com redução de des-
pesas, principalmente nos gastos com funcionários (subcorreção dos salários),
investimento e política de juros. Houve retração da carga tributária daquele ano,
porém o superavit primário foi mantido, e o deficit operacional foi reduzido.
No final do ano, foi enviada ao congresso uma proposta de reforma fiscal, mas
apenas foi aprovada a indexação dos impostos. Houve o lançamento de um
programa anti-inflacionário para restringir o crédito, recuperação das finanças
públicas e manutenção da taxa de câmbio real. O impacto foi uma recessão,
em 1992, sem reduzir a inflação. O desempenho fiscal foi comprometido pela
baixa arrecadação (muitos processos visavam à recuperação de impostos pagos
em excesso em 1990), pelas elevadas taxas de juros e pelo quadro político
desfavorável, devido ao impeachment do presidente Fernando Collor de Melo.
O governo introduziu a nova moeda, o real (R$), em julho de 1994. Di-
ferentemente de planos anteriores, não se recorreu a qualquer tipo de conge-
lamento ou transformação de valores pela média. Juntamente com o plano
6 Análise geográfica na economia brasileira

(metas de expansão monetária restritivas), limitou as operações de crédito e


impôs depósito compulsório de 100% sobre as captações adicionais do sistema
financeiro (a chamada “âncora monetária” do Plano Real). O Plano Real teve
grande sucesso em relação ao combate à inflação, alavancando a eleição de
Fernando Henrique Cardoso, que era Ministro da Fazenda, para Presidente
da República, ainda no primeiro turno.
Atualmente, um dos desafios da agropecuária brasileria é reduzir as barrei-
ras protecionistas nos mercados ao redor do mundo, que vão de cotas e tarifas,
passando por barreiras sanitárias e fitossanitárias, até proibições absolutas.
Além disso, há o denominado custo Brasil da produção agropecuária, que
inclui a tributação excessiva e distorcida, com a cumulatividade de impostos
como PIS e COFINS. Por outro lado, ele inclui também problemas de logística,
pela precariedade do sistema de transportes, destacando-se o voltado para os
produtos perecíveis. Como exemplo temos a falta de melhores e mais abran-
gentes vias de escoamento, sistemas de refrigeração e de acondicionamento,
sistemas de informação e de comunicação, ações de marketing e criação de
aparatos que garantam os exportadores contra riscos não comerciais. Para
Girardi (2008, documento on-line):

Os dados macroeconômicos do Brasil e de sua balança comercial o carac-


terizam como um País urbano-industrial que tem como apoio o capitalismo
mundial a exportação de alimentos. O Brasil é o 23º importador e o 27º expor-
tador mundial em valor das mercadorias totais (dados de 2006). Quando nos
referimos às sementes os produtos agropecuários, o País é o 5º maior exporta-
dor, ficando atrás somente de Estados Unidos, França, Holanda e Alemanha.

Em relação à importação de produtos do ramo agropecuário, o Brasil surge


apenas em 36º lugar, enquanto Estados Unidos, França, Holanda e Alemanha
estão entre os seis primeiros. Em 2006, a agropecuária correspondia a 5,2%
do PIB nacional, porém foi responsável por 92% do superavit total da balança
comercial brasileira. Já no ano 2006, o Brasil exportou US$ 137 bilhões, sendo
o setor agropecuário responsável por US$ 49 bilhões. O superavit total da
balança comercial brasileira foi de US$ 46 bilhões, dos quais US$ 42 bilhões
referentes ao setor agropecuário, já que os outros setores, apesar de exporta-
rem, são grandes importadores. Segundo Girardi (2008, documento on-line):
Análise geográfica na economia brasileira 7

Do valor total das exportações agropecuárias brasileiras, cerca de 80% são


relativos a apenas nove produtos/complexos, os quais são responsáveis por
73,4% de toda área plantada e por 84,7% do superávit da balança comercial
dos produtos agropecuários.
Esse saldo positivo da balança comercial agropecuária em 2006 estava dis-
tyribuído nos seguintes produtos: soja 21,7%, carnes 20%, sulcroalcooleiro
18,2%, café 7,9%, couro 7,6%, fumo 4%, sucos de frutas (destacando-se a
laranja) 3,7%, produtos florestais 1,5% e algodão 0,7. Consideramos que
esses produtos/complexos mais o milho constituem o agronegócio brasileiro.

Atributos econômicos regionais brasileiros


No Brasil, há grande desigualdade regional e local da agricultura, como mostra
a Figura 1. A quantidade produzida e o valor da produção da agropecuária
estão concentrados principalmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
O Sul e o estado de São Paulo se dedicam mais à agropecuária, enquanto o
Centro-Oeste se destaca pela produção de culturas temporárias do agronegócio
e pela criação de gado bovino.
Girardi (2008, documento on-line), afirma que, no estado de São Paulo,
concentra-se distribuição da terra, tecnologia e mão de obra empregada:

[…] configurando um caso específico; ele constitui a transição entre a agri-


cultura predominantemente camponesa e altamente produtiva do Sul e a
agricultura intensamente capitalizada do Centro-Oeste. No Norte a extração
vegetal é predominante e o rebanho bovino é crescente na frente pioneira da
fronteira agropecuária. O Nordeste, por ser uma região de ocupação antiga
com grande contingente populacional e grandes taxas de ruralizarão, apresenta
contribuições nas diversas produções de forma territorialmente dispersa e com
picos locais de especialização. De modo geral, a região é caracterizada por
baixos índices de produtividade e predominância das culturas alimentares.
8 Análise geográfica na economia brasileira

Figura 1. Valor da produção agropecuária no Brasil (2006).


Fonte: Girardi (2008, documento on-line).

Em 2016, as lavouras temporárias correspondiam a 57,9 milhões de hectares


e 16,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários. De 1996 a 2006, um
milhão de hectares foi reduzido das áreas de lavouras temporárias. Culturas
do agronegócio, feijão, arroz, mandioca e trigo ocupam maior área.
Análise geográfica na economia brasileira 9

Na Amazônia, o extrativismo de madeira e o extrativismo dos povos da floresta que


vivem da exploração desses produtos entram em conflito. A exploração madeireira,
nativa da Amazônia, está associada à abertura de novas áreas para a especulação
fundiária e futura territorialização do agronegócio, sendo então a primeira etapa do
latifúndio, beneficiando os grandes produtores. Com exceção da madeira, todos os
produtos do extrativismo vegetal selecionados são extraídos principalmente nos
pequenos estabelecimentos, indicando que essa população pratica o extrativismo
na floresta.

De acordo com Girardi (2008), a silvicultura é uma atividade comum


dos grandes empreendimentos, pois o cultivo de árvores necessita de grande
tempo para que haja um retorno dos investimentos e a mobilização da terra. O
cultivo de árvores para a produção de celulose e papel se destaca como sendo
um dos setores do agronegócio com maior crescimento, concentrando-se
no Sul e no Sudeste do Brasil. Já a produção de carvão vegetal, de árvores
plantadas, tem mais expressividade em Minas Gerais. Enquanto a produção
de lenha, pelo cultivo de árvores plantadas (que difere da extração vegetal),
está concentrada na Região Sul.
A pecuária de animais de grande porte ocorre de forma extensiva, já que
a há grande disponibilidade de terras, o que contribui para a subutilização da
terra. Observe a seguir como a atividade se distribui no País.

 Rebanhos: médias e grandes instalações concentram o bovino e o bu-


balino, este último mais expressivo na Região Norte.
 Equinos e muares: utilizados para lidar com o gado e servem de força
motriz para estabelecimentos onde não há trator.
 Asininos e caprinos: estabelecem-se melhor no clima do Nordeste.
 Ovinos: comuns no Nordeste e no Sul do Rio Grande do Sul, para
produzir de lã.
 Aves e suínos: comuns no Sul, no Sudeste e em Goiás, criados por
agricultores familiares para comercializar com grandes empresas pro-
dutoras de carnes.
10 Análise geográfica na economia brasileira

Na indústria, observam-se estes indicadores:

 participação do valor adicionado;


 taxa de ocupação da indústria de transformação, frente ao PIB e à força
de trabalho, respectivamente;
 relação Valor da Transformação Industrial/Valor Bruto da Produção
Industrial por região (VTI/VBPI regional), visando observar indicado-
res que melhor caracterizem as diferenças nos movimentos regionais
(MONTEIRO, LIMA, 2017).

De acordo com a Figura 2, podemos observar que a diminuição do VA


da indústria é evidente, como percentual do PIB, a partir da segunda metade
da década de 80. Monteiro e Lima (2017, documento on-line), afirmam que:

A recente valorização cambial aparentemente tem contribuído no encolhimento


da participação do subsetor indústria de transformação que em 2012, atingiu
menor valor da série histórica apresentada, 13,25% desfazendo a ‘reversão
parcial’ de uma possível desindustrialização.

Figura 2. Participação da indústria de transformação no PIB (%) no Brasil.


Fonte: Monteiro e Lima (2017, documento on-line).

A Figura 3 mostra que a distribuição do VA nacional aumentou sob a ótica


regional (1985 e 2000). O Sudeste diminuiu seus pontos de participação em
2,7 em relação ao total nacional, e o Nordeste, 0,99 (1985 a 1994). As outras
regiões aumentaram ligeiramente. De acordo com Monteiro e Lima (2017,
Análise geográfica na economia brasileira 11

documento on-line), “[…] apesar da tendência a desconcentração regional


do produto, o Sudeste ainda responde por mais da metade do valor adicional
nacional, sendo, em 2010, responsável por 54,43% do total”.

Figura 3. Participação (%) regional no valor adicionado bruto nacional a preço básico
(1985 e 2000).
Fonte: Monteiro e Lima (2017, documento on-line).

Além da análise dos setores agropecuário e industrial do Brasil, existe o


setor terciário, que engloba todas as atividades do comércio e da prestação
de serviços. Nos serviços, incluem-se atividade bancária, administrações
públicas e privadas, professores, advogados, entre outros. O comércio é uma
das mais importantes atividades, um dos cernes principais da economia atual,
manifestando-se em nível mundial. Envolve desde pequenas trocas até comple-
xas transações entre multinacionais. Com os avanços tecnológicos propiciados
pelas sucessivas revoluções industriais, esse setor intensificou-se em todas as
escalas e em todo o mundo. Relaciona-se o desenvolvimento econômico aos
setores de atividades econômicas: quanto mais desenvolvido é o país, mais
determinante em termos de PIB é o setor terciário; quanto mais subdesenvolvido
é o país, mais determinante é o setor primário.
12 Análise geográfica na economia brasileira

As tipologias predominantes ocorrem quando um setor da economia tem o PIB


municipal maior do que todos os outros somados. A tipologia maior refere-se ao setor
com maior percentual do PIB municipal. A tipologia predominante equilibrada ocorre
quando a diferença entre o setor predominante e o segundo é maior que 10%. Confira
no link a seguir um mapa sobre o PIB e a tipologia do valor adicionado.

https://qrgo.page.link/QDxwJ

Exportações e importações brasileiras


A Figura 4 retrata o bom desempenho das exportações agrícolas brasileiras
nos anos 2000. Além disso, o País se destaca no comercio mundial de minérios
e de manufaturas com tecnologias incorporadas de média intensidade. A
participação das commodities agrícolas em 28% no valor total das exporta-
ções pode até não parecer tanto assim, mas situa-se em nível bem superior
à média internacional do peso do comércio agrícola no comércio mundial
considerando-se todos os itens.
De fato, a agricultura vem ocupando montantes abaixo de 7,5% das tran-
sações mercantis mundiais, com tendência decrescente de participação. Não
significa que o mercado agrícola esteja se contraindo neste século, pelo con-
trário, o volume de comércio agrícola vem crescendo, exceto no ano de 2009,
por conta da crise mundial. Então, não se trata de um segmento tão importante
em participação, embora seja estratégico por se tratar de bens essenciais à
sobrevivência humana.
Análise geográfica na economia brasileira 13

Figura 4. Exportações agrícolas brasileiras.


Fonte: Feijó (2011, p. 205).

As vendas do agronegócio brasileiro ao exterior estão fortemente pautadas


na soja e na carne, com mais da metade dessas exportações. Em seguida,
surgem as exportações do complexo sucroalcooleiro. Em menor importância,
temos as vendas externas de café́ , tabaco, do complexo de cereais e de frutas.
De menor importância, mas em destaque ainda, seguem o comércio de fibras
e lã̃ e de outros produtos de origem vegetal, conforme Figura 5.
14 Análise geográfica na economia brasileira

Figura 5. Participação (%) dos principais setores agrícolas nacionais no valor das exportações
agrícolas brasileiras (2002–2008).
Fonte: Feijó (2011, p. 206).

Em relação aos principais clientes da produção agropecuária do Brasil,


Feijó (2011) afirma que o bloco europeu ocupa a primeira colocação. São 27
países considerados como um só cliente, sendo que Alemanha e Países Baixos
são os mais importantes. Entretanto, a participação europeia na carteira de
clientes vem decaindo no século XXI. Os europeus abarcavam 40% das vendas
externas do agronegócio em 2002, mas em 2008 perfaziam pouco mais de
30% do valor total das transações comerciais. Pode-se averiguar um cresci-
mento das vendas agrícolas para China, Ásia (com as exclusões), continente
africano e Rússia. Por outro lado, o valor das exportações agrícolas para Japão
e Estados Unidos vem diminuindo. Observe a Figura 6, que mostra o valor
das compras agrícolas efetuadas por seis principais clientes das exportações
brasileiras (FEIJÓ 2011, p. 208).
Análise geográfica na economia brasileira 15

Figura 6. Participação em valor (%) dos principais países (blocos) no destino das exportações
agrícolas brasileiras (2002–2008).
Fonte: Feijó (2011, p. 207).

Um dos aspectos que possibilitaram a maior liberdade comercial dos últimos


anos foi o fato de nesse período ter aumentado expressivamente o fluxo de
capitais privados em direção ao Brasil. Esse fluxo, que se havia reduzido ao
longo da crise da dívida externa, cresceu em função das próprias modificações
no sistema financeiro internacional, da abertura financeira que também se
processou na economia brasileira e da política econômica interna, com suas
elevadas taxas de juros. Essa abertura financeira teve como contrapartida
uma valorização da taxa real de câmbio, justamente no período em que os
efeitos da redução de tarifa se faziam sentir de maneira mais explícita, entre
1992 e 1995. A valorização cambial magnificou as consequências esperadas
da abertura, causando assim problemas mais fortes do ponto de vista social e
industrial (dificuldades no processo de reconversão das empresas), apesar de
ter sido extremamente benéfica no processo de estabilização.
A falta de competitividade da indústria brasileira tornou-se evidente com
a abertura comercial e atenuou-se com a valorização da taxa de câmbio após
o Plano Real. A consequência foi o fechamento de um grande número de
empresas e a retração do emprego em diversos setores. Alguns setores foram
mais fortemente afetados nesse processo. Destacam-se o setor têxtil, o setor
calçadista, o setor de bens de capital e a indústria de autopeças, entre outros
(GREMAUD, 2017).
As dificuldades desses setores podem ser percebidas pela importância
crescente dos importados no mercado nacional, como revela o Quadro 2.
Destaca-se o setor de bens de capital: os importados correspondiam a 11%
16 Análise geográfica na economia brasileira

da produção nacional em 1989 e passaram para 61% em 1996. Essa mudança


denota também uma forte pressão sobre os demais setores, que começaram a
proceder a uma ampla reestruturação produtiva, amostra deste último indicador.

Quadro 2. Coeficientes de penetração: importação/produção (%)

Categorias de uso 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Bens de consumo 2,80 3,40 4,50 2,80 3,90 4,90 7,30 7,10
não duráveis

Bens de consumo 7,20 8,90 12,30 8,40 11,20 11,10 14,80 16,50
duráveis

Bens 4,50 5,70 7,40 6,10 8,70 10,20 13,80 14,80


intermediários
elaborados

Bens 1,40 2,60 3,20 2,10 1,70 3,30 5,90 6,20


intermediários

Bens de capital 11,10 19,80 33,30 21,60 25,90 32,60 47,70 61,50

Média da indústria 4,30 6,00 8,10 6,10 8,30 10,20 14,60 15,60

Fonte: Adaptado de Gremaud (2017).

Gremaud (2017) destaca que o Plano Real se valeu dessa abertura, assim
como da valorização cambial. Durante seus primeiros anos, pode-se notar,
conforme Figura 7, a deterioração da balança comercial, com o crescimento
das importações superando o das exportações. Entre 1997 e o final do século
XX, assistimos a um período de instabilidade, com problemas tanto internos,
com a consequente diminuição do impulso importador, quanto externos, com
dificuldades na demanda externa e no financiamento das exportações.
Análise geográfica na economia brasileira 17

Figura 7. Balança comercial do Brasil (1986 –2014).


Fonte: Gremaud (2017, p. 544).

Apesar disso, na primeira década do século XXI, percebe-se uma reversão


da balança comercial, em função do crescimento das exportações e sem que
as importações tenham se deteriorado.
Além disso, podemos destacar uma mudança bastante importante que
atingiu as relações comerciais brasileiras com alguns dos seus países vizinhos:
a criação do MERCOSUL, que dinamizou as relações comerciais do Brasil
com os países do sul do continente americano, especialmente com a Argentina.
Essa dinamização das relações entre os países do MERCOSUL, nas relações
econômicas, sociais e até mesmo políticas, ocorreu nos anos 1990, chegando
a representar cerca de 20% do total das exportações brasileiras, conforme
Quadro 3, para estabilizar-se em torno de 10% a partir de 2000.
18

Quadro 3. Destino das exportações brasileiras por blocos econômicos (%)


Análise geográfica na economia brasileira

1990 1993 1997 2001 2003 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

MERCOSUL (*) 4,1 13,9 17,4 10,9 7,8 10,2 10,8 11,0 10,3 11,2 10,8 9,4 10,2 9,1

União Europeia 30,9 25,9 28,9 25,5 24,8 22,1 25,3 23,5 22,3 21,5 20,8 20,2 19,7 18,7

Nafta 27,9 24,5 22,4 28,9 28,2 22,8 19,9 17,1 13,2 12,6 12,9 14,0 13,1 14,7

Outros países 37,1 35,7 31,3 34,7 39,3 44,9 44,0 59,4 54,4 54,7 55,5 56,4 57,0 57,5

*Excluindo a Venezuela, que entrou no MERCOSUL em julho de 2012.


Fonte: Adaptado de Gremaud (2017).
Análise geográfica na economia brasileira 19

O desenvolvimento econômico brasileiro desde o período colonial é baseado


na exportação de matérias-primas, passou pela crise dos anos 1960, pelas
atuais e pela retomada do crescimento no início do século XXI. Durante todo
esse período, observamos o auge e o declínio da industrialização que ocorreu
por meio da substituição de importações. Os produtos que eram importados
começaram a ser produzidos no País, com favorecimentos e incentivos, restrição
externa e inflação. Atualmente, o Brasil se configura como um exportador
essencialmente de produtos agropecuários, sendo também importador de
produtos industrializados e tecnologia, bem como membro do MERCOSUL.

COMIN, A. Glossário de termos de economia industrial. São Paulo: PUCSP, [200–?]. Dis-
ponível em: https://www.pucsp.br/~acomin/economes/glosglob.html. Acesso em:
15 dez. 2019.
COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Sobre a CEPAL. Santiago
do Chile: [S. n.], [200–?]. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/cepal-0. Acesso
em: 15 dez. 2019.
FEIJÓ, R. L. Chaves economia agrícola e desenvolvimento rural. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
GIRARDI, E. P. Agropecuária. In: ATLAS da questão agrária brasileira. São Paulo: FAPESP,
2006. Disponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/agropecuaria.htm. Acesso
em: 15 dez. 2019.
GREMAUD, A. P. Economia brasileira contemporânea. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
LACERDA, A. C. et al. Economia brasileira. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MONTEIRO, F. D. S. C.; LIMA, J. P. R. Desindustrialização regional do Brasil. Nova econo-
mia, v. 27, n. 2, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/neco/v27n2/1980-5381-
neco-27-02-00247.pdf. Acesso em: 15 dez. 2019.

Leitura recomendada
IBGE. Atlas nacional digital do Brasil. Brasília: IBGE, 2019. Disponível em: https://www.
ibge.gov.br/apps/atlas_nacional/. Acesso em: 15 dez. 2019.
20 Análise geográfica na economia brasileira

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GEOGRAFIA
URBANA

Jhonatan dos Santos Dantas


A população urbana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar o crescimento demográfico.


 Descrever as relações entre a demografia e a economia urbana.
 Reconhecer as migrações internas.

Introdução
A população urbana apresentou grande crescimento no último século,
algo jamais visto em outro momento histórico. Compreender o cresci-
mento demográfico e as implicações da urbanização em escala planetária
é fundamental para entender o mundo contemporâneo. Além disso, é
fundamental estudar a mobilidade populacional, as aglomerações e
espaços densamente povoados, bem como entender as diversas for-
mas de sobrevivência da população para gerar um retrato adequado
da questão urbana atual.
Neste capítulo, você estudará diversos aspectos do crescimento de-
mográfico mundial, comparando a expansão da população urbana e
rural. Além disso, conhecerá as relações existentes entre a demografia e
a economia urbana, visto que todo processo de produção/consumo está
intimamente ligado à quantidade de pessoas que consomem, compram
e produzem mercadorias.

1 O crescimento demográfico
A demografia é o campo do conhecimento científico preocupado em estudar
as populações e sua distribuição, crescimento, faixa etária, taxa de natalidade,
taxa de mortalidade e outros temas ligados à quantificação populacional
(FONTANA et al., 2015).
2 A população urbana

Os estudos demográficos são fundamentais para que os governos e Estados


planejem ações e políticas públicas, além de direcionar investimento para os
segmentos da sociedade, levando em consideração a quantidade de pessoas,
a demanda e o perfil demográfico de determinada região ou território.
Foi no século XVIII, com Thomas Malthus, que a demografia começou a
ser discutida com maior ênfase. Malthus, considerado por muitos cientistas
como o pai dos estudos demográficos, foi um economista que se preocupava
com o ritmo acelerado do crescimento populacional no mundo. De acordo
com Malthus, o crescimento demográfico avançava em progressão geomé-
trica, enquanto a produção de alimentos crescia em progressão aritmética
(FONTANA et al., 2015).
Malthus se preocupava com a escassez de alimentos para população do
futuro, e, apesar de sua teoria não se concretizar mais recentemente, ele
foi um grande nome dentro dos estudos demográficos, vindo a influenciar
a corrente de pensamento neomalthusiana, cuja teoria, também preocu-
pada com o crescimento populacional, afirma que os recursos naturais
serão insuficientes para quantidade de pessoas do planeta, tanto devido ao
crescimento demográfico quanto ao nível de consumo atual (FONTANA
et al., 2015).

Você sabia que vários filmes foram inspirados na teoria malthusiana. Um deles foi
Os Vingadores — Ultimato, cujo vilão Thanos, preocupado com a sustentabilidade
universal, deseja eliminar metade da população de seres vivos do universo. A
matriz teórica do pensamento do vilão é inspirada na teoria neomalthusiana
e insere elementos da sustentabilidade dos recursos naturais na ficção que foi
sucesso da Marvel.

O crescimento da população mundial, passou a avançar de modo mais


significativo a partir do século XVIII e XIX, mas foi no século XX que ocorreu
o boom demográfico, cuja população passou a se multiplicar drasticamente,
provocando grande preocupação junto às nações, organizações internacionais
e outras instituições.
No gráfico exibido na Figura 1, é possível observar o crescimento da
população mundial desde o início do século XIX.
A população urbana 3

Figura 1. Crescimento da população mundial desde o início do século XIX. O eixo vertical
representa a quantidade de pessoas, em bilhões.
Fonte: Fontanailles (2013, documento on-line).

É possível constatar que, de 1800 até o início do século XX, a população


mundial dobrou, passando então a crescer em um ritmo bem mais acelerado.
De 1960 até 2010, a população cresceu em praticamente 4 bilhões de habitantes
no planeta, algo jamais visto na história mundial.
O gráfico exibido na Figura 2 ilustra os dados referentes à expansão de-
mográfica mundial, separando-os por nível primitivo de expansão, revolução
demográfica, explosão demográfica e evolução estimada. Os dados também
demonstram uma evolução surpreendente durante o século XX.

Figura 2. Expansão demográfica mundial dividida em etapas.


Fonte: Mäyjo (2015, documento on-line).
4 A população urbana

Além da expansão demográfica, outro fenômeno que acompanhou esse


processo foi à própria urbanização mundial. O aumento das aglomerações
urbanas e da metropolização de vários espaços no mundo configuraram ter-
ritórios densamente povoados, o que trouxe uma série de implicações.
Entre os resultados do fenômeno da urbanização mundial e da expansão
demográfica estão a ausência de infraestrutura adequada, equipamentos
públicos insuficientes, ausência de saneamento básico e de acesso a uma série
de bens e serviços (FERREIRA, 2000). Grandes aglomerações urbanas que se
formaram principalmente em países pobres de economia periférica levaram as
populações desses locais a viverem em locais inapropriados, com ausência de
serviços essenciais para dignidade humana (FONTANA et al., 2015).
A industrialização dos países periféricos e a dispersão produtiva, somada
ao fenômeno da globalização, permitiu um rápido deslocamento de pessoas
e mercadorias que passaram a se aglomerar em grandes centros urbanos
(GASPAR, 2011). A revolução verde, que possibilitou o suprimento da de-
manda por alimentos no mundo, ao mesmo tempo promoveu uma drástica
implementação tecnológica em vários espaços rurais, que passaram a adotar
um modelo de agricultura moderna e tecnológica. Isso promoveu o êxodo rural
em vários locais do mundo, ampliando ainda mais o fenômeno da urbanização
(OLIVEIRA, 2007).
O êxodo rural foi um dos responsáveis pela formação de grandes aglo-
merações urbanas, pois muitos trabalhadores rurais viram nas cidades uma
possibilidade de encontrar trabalho e ter acesso a educação, aperfeiçoamento
técnico, saúde, entre outros.
O avanço do capitalismo também contribuiu para que as cidades se tor-
nassem foco de uma série de investimentos — principalmente por incorporar
serviços ligados ao consumo de massa. Ao mesmo tempo, a propaganda do
urbano como espaço moderno e sofisticado que passou a ser propagada pelos
novos meios de comunicação no século XX despertou o sonho de uma vida
melhor em milhares de pessoas, que viam nas cidades uma oportunidade de
crescimento profissional e econômico.
Desse modo, apesar de extremamente complexa, a explicação para o cres-
cimento demográfico planetário e a urbanização mundial envolve um conjunto
de fatores, como busca de melhores condições de vida, ausência de emprego
no campo, investimentos do Estado centralizado nas cidades, avanço do ca-
pitalismo mundial e industrialização das áreas urbanas. Tudo isso promoveu
um forte e expressivo adensamento populacional em várias regiões do mundo
(FERREIRA, 2000; LISBOA, 2008).
A população urbana 5

Além disso, a facilidade dos deslocamentos populacionais, propiciada pelo


avanço dos meios logísticos e da própria globalização, também favoreceu a
migração de milhares de pessoas para grandes centros urbanos.
Até 1950, a única cidade do mundo que ultrapassava a marca dos 10 mi-
lhões de habitantes era Nova York, nos Estados Unidos. Em 1975, Tóquio,
Nova York, Xangai, Cidade do México e São Paulo já haviam ultrapassado
tal marca, e nos anos 2000 quase 20 cidades já haviam alcançado a marca
(NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2019). Enquanto essas cidades crescem
em ritmo acelerado e sofrem com graves problemas sociais, outros espaços
sofrem com ausência de investimentos e perda da população, que migra para
grandes centros em busca de oportunidades de emprego, estudo, etc.
O mesmo ocorre no campo: enquanto as grandes fronteiras agrícolas se
expandem, levando a monocultivos e produção em larga escala, as condições
de pequenos proprietários de terra ou trabalhadores rurais se complica diante
do avanço da desertificação em regiões da África, Ásia e outros locais. Além
disso, a ausência de políticas públicas para manutenção de pequenos proprie-
tários rurais no campo leva principalmente jovens a buscarem oportunidades
nas grandes cidades (OLIVEIRA, 2007).
O gráfico exibido na Figura 3 demonstra a evolução da população mundial
por continente. É possível verificar que a maior parte da população mundial
predomina na Ásia, seguida por África, América, Europa e Oceania.

Figura 3. Evolução da população mundial por continente.


Fonte: Adaptada de Tanta (2018, documento on-line).
6 A população urbana

Os países que apresentam a maior população mundial são respectivamente


China (1,3 bilhão), Índia (1,2 bilhão, Estados Unidos (320 milhões), Indonésia
(260 milhões) e Brasil (200 milhões), sendo que apenas China e Índia ultra-
passam a marca de 1 bilhão de habitantes (ÉPOCA, 2017).
Em 2010, a população urbana pela primeira vez se tornou maior que a
população rural. No gráfico da Figura 4, é possível observar esse fenômeno
inédito na história.

Figura 4. Evolução das populações urbana e rural.


Fonte: Adaptado de Lopes (2008).

É possível verificar que após os anos 2000, o campo sofreu um processo de


estagnação no crescimento populacional, enquanto as áreas urbanas seguiram
em ritmo elevado de crescimento. Esse fenômeno ocorreu no Brasil na segunda
metade do século XX, quando o êxodo rural se ampliou e o país sofreu um
processo de urbanização extremamente rápido. No gráfico exibido na Figura
5, é possível verificar o avanço da urbanização brasileira.
A população urbana 7

Figura 5. Avanço da urbanização no Brasil.


Fonte: Gil (2014, documento on-line).

Em relação ao resto do mundo, no Brasil esse fenômeno ocorre bem de-


pressa. Esse processo trouxe para o país consequências catastróficas, como
(ROLNIK, 2006):

 urbanização concentrada sobretudo no Sul, Sudeste;


 formação de favelas e ocupações irregulares;
 ampliação da desigualdade social;
 desemprego estrutural nas áreas urbanas;
 graves problemas urbanos, como mobilidade, segregação socioespacial,
poluição e outros.

No gráfico exibido na Figura 6, é possível verificar a quantidade de pessoas


vivendo em áreas urbanas no Brasil nos anos de 1991, 2000 e 2010.
8 A população urbana

Figura 6. Evolução das populações urbana e rural no Brasil.


Fonte: A urbanização... ([201-], documento on-line).

É possível verificar que o Brasil ultrapassou a marca dos 160 milhões


de habitantes vivendo em áreas urbanas no ano de 2010, cerca de 85% da
população total. Enquanto isso, é possível estimar que no planeta inteiro é há
atualmente cerca de 4 bilhões de habitantes vivendo em cidades.
Isso traz grandes desafios aos Estados e municípios e a seus gestores e pla-
nejadores urbanos. Pensar a mobilidade, o emprego, a renda, o acesso a serviços
básicos como saúde e educação, além da infraestrutura urbana necessária, como
saneamento básico, energia elétrica e segurança, é um grande desafio para essas
grandes aglomerações urbanas que crescem de tal forma que é difícil acompanhar
o ritmo exato da expansão demográfica desses locais (FERREIRA, 2000).
Ao mesmo tempo, é urgente pensar ainda hoje na pobreza, na desigualdade
e nos ambientes insalubres em que grande parte da população habita por falta
de terra urbanizada com preços acessíveis e inclusão social promovida pelo
Estado, principal agente regulador do espaço urbano (FERREIRA, 2000).

2 As relações entre a demografia


e a economia urbana
Os estudos demográficos são essenciais para a compreensão da economia
urbana. A quantidade de pessoas de determinada região ou território influencia
A população urbana 9

as demandas por investimentos nos mercados, nos setores produtivos e na


economia de forma geral.
A circulação econômica e os investimentos públicos tendem a ser mais
pujantes em locais com maiores níveis populacionais. A exemplo disso, se
tomarmos como referência as cidades mais populosas do Brasil, também são
as que apresentam o maior Produto Interno Bruto (BRASIL, [2020]).
Os locais mais densamente povoados também são foco de investimentos
públicos, pois o Estado passa a direcionar equipamentos públicos, infraes-
trutura e outros serviços para suprir a demanda populacional. Consequen-
temente, isso atrai investimentos privados, pois os níveis populacionais
elevados de certa região são locais propícios para expansão do comércio e
realização de negócios.
Ao mesmo tempo, regiões economicamente prósperas, com grande oferta
de empregos, geralmente apresentam elevado nível de atração populacional
e tendem a receber populações oriundas de outros locais. Outros fatores que
contribuem para a atração populacional são as ofertas de serviços educacionais,
serviços atrelados à saúde, entre outros (LISBOA, 2008).
O nível de industrialização também desempenha papel importante no
processo de urbanização. Geralmente, as indústrias são instaladas em parques
industriais específicos adjacentes à malha urbana, e a oferta de empregos atrai
milhares de pessoas que passam a residir na cidade.

Você sabia que no Plano Diretor Municipal é definida a Lei de Zoneamento. Essa lei é
fundamental para ordenamento do território e direciona, por meio de um instrumento
legal, aquilo que pode ou não ser construído em determinado bairro ou espaço dentro
do perímetro urbano. Os parques industriais são definidos na lei de zoneamento e geral-
mente são escolhidos em áreas de fácil escoamento de mercadorias e veículos pesados.

No contexto do Brasil, é possível notar ampla semelhança entre o mapa


de distribuição espacial da indústria e o mapa de densidade demográfica
(Figura 7). Essa semelhança se dá não apenas como fator relacional, mas a
própria indústria do Brasil se fixou nos locais cujo Estado historicamente
direcionou um conjunto de investimentos, contribuindo para atrair a po-
pulação que ficou concentrada no litoral, nas capitais e na região sudeste,
comparativamente às outras (LEOPOLDI, 2000).
10 A população urbana

Figura 7. Densidade nacional de (a) indústrias e (b) populacional.


Fonte: Pena ([20--], 2020, documento on-line).

O gráfico exibido na Figura 8 retrata os empregos formais por setores


econômicos no Brasil. É possível verificar que o setor terciário (comércio,
serviços e construção civil) emprega cerca de 80% da população brasileira,
sendo que a maior parte desse setor ocorre nas áreas urbanas, que concentram
mais de 80% da população brasileira.

Figura 8. Percentual de empregos formais por setor econômico


no Brasil.
Fonte: Pacheco (2020, documento on-line).
A população urbana 11

Se formos considerar o setor industrial, que em geral situa-se nos perímetros


urbanos, podemos constatar que mais de 90% dos empregos gerados no país
encontram-se nas áreas urbanas.
Apesar da existência de novas funções técnicas no ambiente rural, como
agrônomos, técnicos agropecuários, tratoristas, motoristas, etc., o número de
empregos na área rural caiu muito com a modernização da agricultura, pois
a mão-de-obra sem especialização foi substituída por maquinários modernos
em áreas de monocultivo e agricultura produzida em larga escala.
A urbanização também contribuiu para formação de novos mercados e
funções econômicas, formais e informais. Profissões vinculadas a construção
civil e tecnologia computacional, além de outras vinculadas à prestação de
serviços, possibilitaram uma nova dinâmica produtiva nas cidades, que pas-
saram a contar com profissionais liberais de diversos níveis e especializações.
Esse processo não ocorreu somente no Brasil; várias cidades do mundo
passaram a contar com novas profissões, novos mercados, novos tipos de
investimentos, desde aplicativos de fast food até desenvolvedores de sistemas
de câmeras para segurança pública e privada em áreas urbanas.
As transformações no ambiente urbano decorrentes das inovações tecnoló-
gicas, da globalização acentuada e da miscigenação cultural que esses grandes
aglomerados urbanos suscitam trouxeram dinâmicas e características novas
às cidades globais e aos grandes aglomerados populacionais (FERREIRA,
2000; SANTOS, 2000; GASPAR, 2011).
Se a oferta por emprego é um dos maiores motivos de atração populacional
e o mundo do trabalho passou e passa por grandes transformações e inovações,
as cidades também passam a se inventar e reinventar cotidianamente nas
esferas econômicas, sociais e culturais (LISBOA, 2008).
Ao passo em que as grandes metrópoles vivem rupturas e mutações, as
pequenas cidades enfrentam outros desafios, como a perda populacional
e a ausência de investimentos. As populações residentes em pequenas ci-
dades são dependentes de centros urbanos maiores que oferecem serviços
essenciais. A própria economia das pequenas cidades apresenta em muitos
casos grande decadência, o que leva a um processo em que o próprio poder
público municipal fica refém de verbas da União ou de outros entes fede-
rativos (ROLNIK, 2006).
Muitas cidades apresentam baixas ofertas de emprego e servem exclusiva-
mente como locais de moradia, obrigando a população residente a se deslocar
para municípios próximos para trabalhar. Esse processo motiva um processo
de migração interna para regiões já densamente povoadas, que sofre com o
superpovoamento e com inchaço urbano (ROLNIK, 2006; LISBOA, 2008).
12 A população urbana

No link a seguir, você encontrará um ótimo artigo para se aprofundar sobre esse tema,
intitulado “Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades
continuam tão precárias?”

https://qrgo.page.link/S8k2x

3 Migrações internas
As migrações permearam a história da humanidade, desde os povos nômades
na pré-história até os dias atuais. Vários são os fatores que impulsionam o
deslocamento de pessoas. A esse respeito, é preciso conceituar dois tipos de
migração: a espontânea e a forçada.
A migração espontânea ocorre quando um migrante resolve se deslocar de
um lugar para o outro em busca de aperfeiçoamento, estudo ou oportunidade
de emprego. Já a migração forçada ocorre por fatores extremos como: guerra
civil, perseguições religiosas, desastres naturais, etc., que forçam o sujeito a
migrar (GONÇALVES, 2001; CORIOLANO; FERNANDES, 2012).
Essas migrações podem ocorrer de um país para o outro ou mesmo inter-
namente a determinado território. Regiões que recebem populações oriundas
de vários outros lugares são regiões atrativas. Isso ocorre devido à oferta de
empregos, à qualidade de vida oferecida em determinado local, entre outros
motivos. Já as regiões ou lugares que sofrem com perda de população são
áreas repulsivas. Isso pode ocorrer devido a crises econômicas, guerras,
perseguições, ausência de serviços, empregos e oportunidades, violência,
entre outros (LISBOA, 2008).
Mesmo as migrações internas podem ter diversas características, como a
migração fixa indeterminada, migração temporária, migração sazonal, além
A população urbana 13

dos movimentos pendulares. As migrações fixas por tempo indeterminado são


aquelas em que o sujeito por algum motivo migra para outro local em busca
de (re)construir sua vida, seus laços ou em busca de oportunidades, visando
manter-se fixo naquele local. A migração temporária é aquela na qual o sujeito
migrante vai morar em outro local por um tempo determinado, buscando s
aperfeiçoar estudar ou para outros fins, mas com o objetivo de retornar após
um certo período (CORIOLANO; FERNANDES, 2012).
A migração sazonal ocorre em determinado período do ano, geralmente
envolvendo trabalhadores que saem de uma região para outra a fim de traba-
lharem nas colheitas em período de safras, ou trabalhadores que se deslocam
para o litoral em épocas de temporada para servir como mão-de-obra, ou
seja. Como o sujeito migra em determinada época do ano para realização de
alguma atividade e depois retorna, o período de deslocamento apresenta uma
sazonalidade (CORIOLANO; FERNANDES, 2012).
Por fim, o movimento pendular, ou deslocamento pendular, é aquele ca-
racterizado pela saída do sujeito de determinado município para trabalhar ou
estudar em um município vizinho ou próximo, retornando ao final do dia.
Ou seja, o sujeito se desloca dia a dia para exercer algum tipo de função e
retorna para o município no qual reside (PERPETUA, 2010). Isso é comum em
metrópoles, pois devido ao elevado custo de vida e ao encarecimento do solo
urbano, o que contribui para a elevação dos preços para moradia, aluguéis,
entre outros, muitas pessoas optam por morar em municípios metropolitanos
e se deslocam diariamente para o município vizinho para trabalhar ou estudar
(PERPETUA, 2010).
O mesmo ocorre em aglomerações industriais, em que muitas pessoas
residem em municípios próximos e se deslocam diariamente para esses eixos
industriais para trabalhar, retornando ao final do dia. Isso pode ser visto
também em cidades universitárias, às quais muitos habitantes de municípios
adjacentes vão e voltam todos os dias para estudar. O mapa exibido na Figura
9 representa o movimento pendular na macrometrópole paulista.
14 A população urbana

Figura 9. Mobilidade pendular da macrometrópole paulista. (RM — região metropolitana.)


Fonte: Adaptada de Johansen (2013, documento on-line).

O elevado f luxo de deslocamento de pessoas em áreas e eixos me-


tropolitanos cria um caos urbano e os inúmeros problemas relacionados
à mobilidade, como excesso de trânsito nas principais vias, modais de
transportes pouco diversificados e poluição atmosférica, trazendo desafios
complexos aos gestores. O planejamento urbano das metrópoles é incapaz
de responder aos enormes gargalos que essas aglomerações enfrentam.
Somado a isso, a demanda por espaço é tão grande que cria um enorme
ambiente especulativo, levando a população mais pobre a morar cada
vez mais longe das áreas com ofertas de trabalho, estudo e bons serviços
públicos — o que eleva a urbanização extensiva e o desafio da mobilidade
(ROLNIK, 2006).
Muitos municípios servem como cidades-dormitório, termo empregado para
aquelas cidades cuja população retorna apenas ao final do dia. Esses locais
detêm pouca função econômica e servem basicamente de moradia, sendo sua
malha urbana predominantemente residencial. Municípios que apresentam
elevado fluxo de deslocamento pendular diário perdem capacidade de inves-
timento e capacidade de injeção financeira no território, pois a população
que dia após dia sai para os centros urbanos mais próximos acaba efetuando
A população urbana 15

compras e contribuindo para movimentar a economia do município vizinho,


que atrai a população adjacente (PERPETUA, 2010).
No contexto brasileiro, também é possível verificar que as principais
aglomerações urbanas e populacionais se constituíram a partir do processo
de migração interna. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília
apresentam em grande parte população oriunda dos estados do Nordeste
e de outras regiões do país (GONÇALVES, 2001). Desse modo, apesar do
Brasil ter tido expressiva quantidade de imigrantes, o processo de migração
interna foi extremamente grande e contribuiu para configuração da população
na atualidade.
O mapa exibido na Figura 10 demonstra os principais fluxos da migração
interna do Brasil. É possível verificar que a região Sudeste historicamente
recebeu o maior contingente de pessoas oriundas do processo de migração
interna e que a região Nordeste sofreu com o processo de perda populacional
mais expressivo comparativamente às outras regiões (GONÇALVES, 2001).
Esse processo se dá pelos fatores já citados anteriormente, como oferta de
emprego, investimento do Estado, além de outros serviços específicos.

Figura 10. Principais fluxos recentes de migração interna no Brasil.


Fonte: Araújo ([201-], documento on-line).

Desse modo, o processo de deslocamento populacional influencia dire-


tamente na organização espacial das cidades e interfere diretamente em sua
dinâmica. Por isso, os fluxos populacionais acabam determinando direta-
mente os níveis de investimentos, os desafios de cada ambiente e a pujança
econômica local.
Locais com forte tendência atrativa apresentam foco de atenção, pois podem
estar se configurando como áreas prósperas que oferecem qualidade de vida
e dispõem de boa infraestrutura e equipamentos públicos, além de oferecer
16 A população urbana

empregos e serviços, ou podem estar se configurando como um aglomerado


urbano que sofrerá fortes desafios, por não comportar a demanda popula-
cional, apresentando problemas atrelados a saneamento básico, segregação
socioespacial, poluição e problemas de mobilidade. Em diferentes contextos,
às vezes esses locais podem apresentar ambas realidades.
O planeta passou por um crescimento demográfico acelerado a partir do
século XVIII, testemunhando uma grande explosão demográfica durante o
século XX. Atualmente, o planeta conta com mais de 7 bilhões de habitantes,
sendo que a maior parte deles vive nas áreas urbanas.
O crescimento populacional nas áreas urbanas foi algo sem precedentes no
último século. A urbanização mundial concentrou grande parte da população
em aglomerações com um elevado adensamento demográfico. Os desafios para
essas grandes aglomerações populacionais são inúmeros, desde questões como
saúde, saneamento básico e alimentação saudável até problemas essencialmente
urbanos, como mobilidade, infraestrutura, oferta de empregos, etc.
Compreender a questão populacional é fundamental para enfrentar a dinâmica
das cidades, pois a economia urbana, as políticas públicas e a própria dinâmica
da produção do espaço estão intimamente atrelados ao contingente populacional
e à demanda por serviços e condições de viver dignamente nas cidades.

A URBANIZAÇÃO do Brasil. [S. n.], [201-]. Disponível em: https://popbras.weebly.com/


urbanizaccedilatildeo.html. Acesso em: 17 jan. 2020.
ARAÚJO, M. No século XX, os movimentos populacionais internos do Brasil foram
intensificados. Vamos entender melhor este processo para a prova do Enem! Curso
Enem Gratuito, [201-]. Disponível em: https://cursoenemgratuito.com.br/migracoes-
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BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O que é PIB. [2020] Disponível em:
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CORIOLANO, L. N.; FERNANDES, L. M. M. Migração temporária e mobilidade sazonal no
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ROLNIK, R. A construção de uma política fundiária e de planejamento urbano para
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ensaio1_raquel12%20politica%20fundi%C3%A1ria.pdf. Acesso em: 17 jan. 2020.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
4. ed. São Paulo: Record, 2000.
TANTA, G. Evolução da população mundial 1950-2050 — O caso da Ásia — 2. Diário
Liberdade, 2018. Disponível em: https://gz.diarioliberdade.org/mundo/item/257705-evo-
lucao-da-populacao-mundial-1950-2050-o-caso-da-asia-2.html. Acesso em: 17 jan. 2020.

Leituras recomendadas
HARVEY, D. A condição pós-moderna. 17 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
MARICATO, E. Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos Avançados, v, 17, n. 48,
p. 151–167, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n48/v17n48a13.pdf.
Acesso em: 17 jan. 2020.

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cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
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GEOGRAFIA
URBANA

Aline Carneiro Silverol


Globalização, cultura
e cidades mundiais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as inter-relações entre cidade e globalização.


 Explicar a cultura urbana, o cotidiano e o modo de vida nas cidades.
 Descrever a importância e os diferentes tipos de metrópoles e regiões
metropolitanas.

Introdução
Ao mesmo tempo em que trouxe progresso e maior dinamismo para as
redes urbanas, além da ampliação do acesso das pessoas a uma série
de serviços e produtos, a globalização também promoveu a estagnação
dos centros que não se adaptaram à nova realidade. Além disso, a glo-
balização provocou ainda uma série de mudanças no modo de vida da
população urbana. Com o mundo globalizado, as pessoas passaram a ter
acesso a uma série de benefícios culturais, como músicas, livros, hábitos,
alimentação, entre outros. Ao mesmo tempo, lugares mais globalizados,
como as grandes metrópoles, perderam algumas características locais,
tornando-se tão globalizadas a ponto de serem “mais do mesmo”.
Neste capítulo, você verá como o processo de globalização foi um dos
responsáveis pela promoção de uma série de mudanças na organização
das cidades, nas suas relações hierárquicas e nos fluxos de bens, serviços,
capitais, produtos e pessoas, provocando impactos positivos e negativos
nos centros urbanos.

As cidades e a globalização
A globalização pode ser definida como um processo que visa a integração
dos mercados financeiro, bens e serviços, indústrias, comércios, tecnologias
2 Globalização, cultura e cidades mundiais

e culturas. A integração, de forma geral, pode trazer inúmeros benefícios,


mas também pode agravar diversas situações internas dos países, gerando
conflitos sociais, políticos e culturais.
O processo de globalização ocorreu graças ‘a evolução dos meios de co-
municação, especialmente por satélite, e também pelo crescimento e difusão
dos sistemas de informática, permitindo uma articulação mais ágil entre as
regiões e os territórios. Essa articulação permitiu uma maior disseminação de
informações, bem como dos valores e práticas culturais e sociais, demonstrando
que se trata de um processo que vai além da economia (CARLOS; SANTOS;
ALVAREZ, 2018).

O período da história em que a disseminação das tecnologias e das comunicações foi


mais evidente e determinante nas diversas transformações que ocorreram pelos territó-
rios foi chamado por Milton Santos (2008) de período técnico-científico-informacional.
Para o autor, esse período evidencia o momento em que a sociedade, por meio de
técnicas, consegue se impor diante da natureza, o meio natural.

O processo de globalização do Brasil se deu a partir do fim da década


de 1980, em decorrência da estagnação econômica e da falta de alternativas
para a realização de diversas reformas e investimentos em infraestrutura,
especialmente industrial. O fato do Brasil ter se industrializado de forma
tardia prejudicou seu ingresso de forma competitiva no mercado internacional,
transformando-o em um país periférico à economia global.
Para que a globalização ocorresse de forma satisfatória, era necessária uma
nova organização dos fluxos das cidades e dos centros que se encontravam
no topo da hierarquia urbana. Essa reorganização visava facilitar ainda mais
os fluxos de bens e serviços, para que fossem cada vez mais necessários,
aumentando as taxas de consumo. A globalização só faria sentido se todas
as pessoas tivessem acesso às mesmas coisas: produtos, serviços, cultura,
tendências, entre outros.
Esse conjunto de mudanças acabou redefinindo as relações que constituíam
as redes urbanas, mediante a ampliação das possibilidades de articulações entre
cidades de diferentes portes, ou seja, entre diferentes hierarquias, pertencen-
tes a redes urbanas que se consolidaram em diferentes contextos históricos.
Globalização, cultura e cidades mundiais 3

Assim, a globalização permitiu que as relações hierárquicas verticais entre as


cidades fossem transformadas em relações por grau de importância em uma
determinada atividade, no contexto da rede urbana.

Até a década de 1980, a hierarquia urbana era baseada em uma relação de subordinação
entre as cidades que estavam mais abaixo e aquelas que estavam no topo. Era uma
relação vertical, em que uma cidade só se relacionava com o imediatamente acima
ou abaixo na hierarquia urbana (CORRÊA, 1989).

Dessa forma, as novas relações entre cidades e redes urbanas existentes


antes da globalização, em que as redes e as articulação eram definidas pela
proximidade, passaram a ser definidas pela ampliação das redes de relações
que externaram seu caráter global. Ou seja, o território passou a ser organizar
e interagir de forma mundial, a partir dos polos e dos fluxos.

No Brasil, nessa nova relação entre os centros urbanos, a cidade de Vitória, no Espírito
Santo, pode se relacionar diretamente com a cidade de São Paulo. Isso significa que
podem ser estabelecidas relações entre cidades pequenas de uma rede urbana com
cidades de outros portes (pequeno, médio ou grande) e de outras redes urbanas, sem
que haja a intermediação das cidades que estão em situação hierárquica superior
(IBGE, 2008).

Além disso, as interações possíveis entre os centros urbanos em uma rede


urbana ou entre redes urbanas diferentes foram diversificadas, ocorrendo em
função de relações competitivas ou de relações de complementaridade. As
relações competitivas referem-se às disputas que podem ocorrer entre os centros
urbanos na oferta de bens e serviços ou de benefícios para que as corporações
possam se instalar ou operar naquele local. Já as relações de complementa-
ridade são desenvolvidas entre as cidades como forma de complementar um
4 Globalização, cultura e cidades mundiais

determinado fluxo de produtos ou serviços, em que uma pode oferecer algum


fluxo que complementa o fluxo da outra, ambas sendo beneficiadas.
É importante observar que não houve uma substituição de redes urbanas
hierárquicas por outros tipos de redes, e sim uma combinação complexa e
contraditória de fluxos que se estabelecem tanto no sentido hierárquico quanto
no sentido horizontal ou transversal. Isso ocorre porque uma mesma cidade
pode representar um espaço de ação e de decisão de diversos elementos, que
se relacionam em diferentes escalas e tempos. Na verdade, a globalização
promoveu uma sobreposição de redes organizadas por vetores de diferentes
naturezas e intensidades, gerando o que é chamado de “rede de redes” (SPO-
SITO, 2010).
Todas essas modificações nas articulações entre as redes urbanas e a
mudança na hierarquia das cidades provocaram diversos impactos, que re-
percutiram em diversos níveis nos centros urbanos.

Impactos da globalização nas cidades


As dinâmicas e as necessidades impostas pela globalização acabaram, portanto,
por alterar as redes hierárquicas, estabelecendo novos contextos espaciais, e os
fluxos existentes entre as redes urbanas passaram a não obedecer a hierarquia
urbana até então conhecida.
Com as mudanças na rede urbana e nas relações entre os centros urbanos,
outros núcleos urbanos que não apresentavam grande destaque ou importância
em escala regional conseguiram se colocar em evidência, permitindo identificar
novas funções metropolitanas e também a promoção de novos processos de
metropolização das médias e grandes cidades.
E é justamente o grau de importância, independente da hierarquia, que passa
a determinar os fluxos e as relações de poder que existem na rede urbana. A
fixação de determinados empreendimentos que interferem de forma direta e
indireta nos fluxos de bens, serviços, capitais e pessoas acabam conferindo
aos centros urbanos em que estão localizados o grau de relevância dentro de
uma rede urbana. Ao mesmo tempo, outros centros urbanos podem perder
seu status de importância, precisando se adaptar e criar novos fluxos ou então
sofrer processos de estagnação.
Globalização, cultura e cidades mundiais 5

A localização das matrizes das grandes corporações, dos centros de decisão dos
grandes bancos e das empresas industriais ou de serviços que funcionam em escala
mundial confere a um pequeno número de grandes cidades um papel fundamental
na nova organização dos territórios, já que tais locais são escolhidos de acordo com
uma série de atributos, que mudam de acordo com o contexto histórico.

Todo esse processo de organização das corporações também influencia na


distribuição das pequenas e médias empresas, pois de acordo com os fluxos
proporcionados pelas redes urbanas, sobretudo diante das novas configurações,
elas podem ser beneficiadas ou prejudicadas. Nesse contexto, as empresas
podem se deslocar para as novas metrópoles ou centros regionais de acordo
com os novos fluxos de mercado, especialmente o setor de serviços.
Muitos centros urbanos foram beneficiados pela mudança dos fluxos propor-
cionados pela globalização e pela alteração da hierarquia urbana, que conferiu
importância a novos locais. Esses centros menores se beneficiaram, em parte,
do progresso dos centros médios, pois passaram a ser locais preferenciais
para o fluxo de serviços que as metrópoles precisam, como as agências de
informação, os centros de pesquisa que respondem à sede de inovação das
indústrias, os escritórios especializados em análise dos mercados, recursos
humanos, agências de publicidade, entre outros.
A alteração dos fluxos e da hierarquia urbana também trouxe diversas
consequências negativas. A alteração dos fluxos diminuiu a importância
das vilas, tanto em áreas urbanas quando em áreas rurais. Com a redução
da relação hierárquica vertical, as áreas rurais sofreram um grande êxodo
rural, processo também observado nas pequenas cidades. Esses lugares, por
participarem de forma pouco significativa no fluxo de mercadorias e serviços
(produtos de origem primária e mão-de-obra com baixa qualificação) e por
não interessarem aos grandes fluxos de mercadorias e serviços, passaram a
apresentar pouca relevância para o contexto regional e global.
O impacto nas áreas rurais em decorrência da alteração dos fluxos e da
hierarquia urbana é outra consequência a ser considerada. Essas mudanças
provocaram a diminuição das oportunidades de trabalho que garantiam a
sobrevivência tanto em áreas rurais quanto nas pequenas cidades que estão
fora dos circuitos da globalização. Quando as redes urbanas hierárquicas eram
6 Globalização, cultura e cidades mundiais

verticais, os trabalhadores rurais habitavam pequenos e médios municípios,


nos quais as atividades agropecuárias representavam e seguem representando
o motor principal da economia. Após a década de 1990, as migrações sazonais
em busca de trabalho no campo se ampliaram devido à redução das ofertas
de emprego (ROCHEFORT, 2002).
Dessa forma, os papéis econômicos, políticos e sociais das cidades pequenas
são alterados, pois os fluxos são determinados por grandes atores, que são
os grandes proprietários rurais, as grandes corporações e conglomerados
industriais, financeiros e de serviços em geral. Como consequência, há uma
diminuição das ofertas de trabalho, aumento das disparidades sociais e das
áreas periféricas associadas aos grandes centros urbanos e metrópoles, com
baixa qualidade de vida e infraestrutura estatal deficiente.
Além de consequências econômicas, políticas e sociais, há também conse-
quências ligadas aos aspectos culturais, que atingem o cotidiano das pessoas
e afetam o modo de vida do cidadão urbano.

Globalização, identidade e cultura


Como já vimos até aqui, a globalização é um processo que visa a integra-
ção dos mercados de bens e serviços, financeiros, industriais, comerciais,
tecnológicos e culturais. Muitas vezes, quando pensamos nas implicações
relacionadas à globalização, o primeiro aspecto que nos chama a atenção é a
implicação econômica. Entretanto, esse processo não é responsável somente
pelos aspectos econômicos e seus impactos. A globalização é um processo
multifacetado, com dimensões econômicas, sociais, geopolíticas, demográficas,
culturais, psicológicas, científico-tecnológicas, religiosas e jurídicas, ligadas
entre si e de forma complexa, e apoiado nas novas tecnologias de informação
e de comunicação.
O próprio desenvolvimento e disseminação das tecnologias da informação
promoveram o rompimento e a superação das barreiras espaciais e das dis-
tâncias que antes limitavam o relacionamento entre dois centros urbanos (ou
regiões e territórios), assim como o tempo que os separavam. Dessa forma,
graças a velocidade com que as informações passaram a ser processadas
e disseminadas e a evolução dos meios de transporte, o tempo e o espaço
tornaram-se obstáculos pequenos.
Todo esse movimento relacionado à globalização e à diminuição das
distâncias físicas e informacionais entre redes e centros urbanos acabaram
influenciando nos padrões culturais dos indivíduos. Apesar da integração dos
Globalização, cultura e cidades mundiais 7

centros urbanos terem promovido uma disseminação de tradições e costumes


que estão relacionadas a um lugar, região ou território, a globalização também
interferiu nos padrões culturais de forma negativa, globalizando certos usos
e costumes que foram substituindo os hábitos regionais.

Muitos lugares no mundo eram caracterizados por um determinado conjunto de


tradições e por raízes históricas territorialmente solidificadas, que foram construídas
pelas relações locais que se processaram ao longo da história. Entretanto, alguns desses
lugares foram transformados em espaços para atender aos interesses econômicos
mundiais, perdendo algumas das suas características originais. Ou seja, lugares locais
foram transformados em lugares globais na nova concepção de território, originando
novas formas de organização e articulação dos fluxos.

Os efeitos da globalização sobre os territórios e sobre a cultura podem


ser diversos, especialmente por ser um processo que, ao mesmo tempo em
que busca homogeneizar sistemas econômicos, políticos e culturais, também
insere heterogeneidades, por meio das diferenças sociais impostas pelo capital.
A realidade moderna definida pela globalização atinge a diversidade cul-
tural dos lugares na medida em que busca igualar os diferentes processos
sociais que ocorrem nos territórios, a fim de que se insiram em um contexto
global. Os lugares, representados muitas vezes pelas cidades, representam
uma herança histórica de um determinado território e são transformados em
maior ou menor grau de intensidade e complexidade em lugares globais, pois
são redefinidos de acordo com as exigências do processo.
Entretanto, é importante salientar que a transformação de um lugar local
em um lugar global não elimina o espaço do local e nem as suas manifestações
culturais, ou seja, as heranças históricas ainda permanecem. Dessa maneira,
o que ocorre é a redefinição de um lugar local para um lugar global, mas em
constante interação global–local.
A cultura de um lugar, ao se inserir em um sistema globalizado, está
sujeita a modificações em decorrência da articulação entre outros elementos
culturais, modos de vida e fluxos de diversas escalas temporais (do passado
e do presente), com novas adaptações, mas sem a substituição do local pelo
global. Ou seja, os lugares recebem as influências globais e as reproduzem de
8 Globalização, cultura e cidades mundiais

forma particular, de acordo com a sua cultura local, conferindo características


únicas ao processo (Figura 1).

Figura 1. A globalização permitiu a disseminação e o contato com diversas características


culturais, que foram absorvidas em parte e passaram a compor a cultura globalizada dos
grandes centros urbanos.
Fonte: Likee68/Shutterstock.com.

A globalização também alterou a forma como as pessoas se identificam no


contexto da cidade e sua relação de pertencimento. Muitas vezes, as metró-
poles nacionais e regionais, por serem grandes centros urbanos globalizados,
perdem algumas das principais características que conferem àquele lugar uma
identidade facilmente identificável, diminuindo a sensação de pertencimento.
Além das mudanças na maneira como as cidades interagem, nas relações
econômicas e políticas entre as cidades pequenas, médias e áreas rurais e
também na manutenção dos valores culturais, a globalização também afeta
o modo de vida das pessoas, sobretudo dos habitantes das grandes cidades.
Nas primeiras décadas da globalização, o modo de vida da sociedade foi
sensivelmente alterado pela chamada “americanização” dos costumes. De-
vido à grande influência e dominância dos Estados Unidos na economia e na
globalização de forma geral, essa mesma influência também se estendia nos
assuntos relacionados à cultura, aos modos de vida e aos costumes.
Globalização, cultura e cidades mundiais 9

Existem muitas evidências da influência americana em nossos hábitos, inclusive em


muitos termos que utilizamos no dia a dia e que praticamente entraram para a língua
portuguesa, de tão comuns: delivery, drive-thru, like, Halloween, Black Friday, entre
outros.

O conceito de globalização sempre nos levou a pensar que o fato de estarmos


interligados em uma configuração global nos conduzia a uma cultura global,
como se fôssemos uma única nação. Entretanto, na atual fase do processo de
globalização, com a diminuição da influência americana e a maior interação
entre os diversos países, ao mesmo tempo em que esses buscam se proteger,
limitando, por exemplo, a entrada de imigrantes, ocorre indiretamente a
preservação da diversidade cultural.

Muitas vezes, parte-se do pressuposto de que o maior contato entre as nações levará
a uma cultura global. Entretanto, à medida que os países se uniram cada vez mais
em configurações rígidas, de nações competitivas, eles acabaram preservando e
desenvolvendo identidades culturais distintas. A cultura é um modelo integrado de
valores comuns a um determinado grupo, os quais, ao serem misturados com outros
elementos culturais, também serão únicos naquele contexto. Dessa forma, a ordem
global acaba também por gerar uma diversidade cultural, pois as determinações do
todo e as interações locais ocorrem de maneiras diferentes para cada lugar.

A globalização foi favorecida pelo desenvolvimento e pelo aprimoramento


das tecnologias da informação e da comunicação. Apesar dos grandes pro-
blemas e consequências econômicas, políticas e sociais que esse processo
promoveu e ainda fomenta em diversos países do mundo, especialmente nos
subdesenvolvidos ou periféricos, a disseminação das tecnologias contribuiu
muito para o avanço em muitas áreas do conhecimento.
Da mesma forma que a cultura foi sendo modificada devido às contribuições
externas, a facilidade de acesso às informações também trouxe a possibilidade
10 Globalização, cultura e cidades mundiais

de conhecer culturas, costumes e lugares diferentes. Além disso, permitiu


também uma comunicação extremamente rápida, tanto por áudio quanto por
vídeo, que nos dá a impressão de que a distância física não existe.
Podemos dizer que a facilidade de acesso a diversas culturas e informa-
ções transforma a globalização em um paradoxo, pois ao mesmo tempo em
que busca a homogeneidade dos mercados, acaba nos familiarizando com a
amplitude da diversidade e das culturas locais.

As metrópoles e as regiões metropolitanas


A globalização foi possível graças ao avanço das tecnologias da informação e
da comunicação, que permitiram a ampliação dos fluxos de pessoas, produtos,
serviços e capitais. À medida que esses fluxos tornaram-se mais intensos,
ignorando as relações hierárquicas entre os centros urbanos, as redes urbanas
precisaram se adaptar a essa nova ordem mundial.
A partir de então, a hierarquia anterior dos centros urbanos, baseada em uma
relação de subordinação vertical, em que as cidades só poderiam se relacionar
com a cidade do nível superior e/ou inferior mais próximo, foi substituída
por uma relação mais dinâmica entre as cidades. A nova hierarquia das redes
urbanas diminui a importância das relações entre as zonas mais próximas
definidas e estimula a visualização do território como uma rede mundial,
onde as relações se processam a partir de polos e de fluxos.
A análise desses polos resultantes de processos e fluxos favorecidos pela
globalização permitiu identificar os diversos elementos que promoveram
e estimularam o crescimento dos fluxos e do grau de relevância de vários
centros urbanos, além de novas funções metropolitanas e novos processos de
metropolização das grandes cidades.
A ciência geográfica, ao analisar as cidades, sempre considera as relações
regionais entre elas, sejam pequenas, médias ou grandes, para compreender a
organização dos fluxos e de que forma foram responsáveis pelos fenômenos que
ocorreram e que ocorrem nos centros urbanos. A cidade compõe um sistema
urbano complexo, que foi elaborado no decorrer de um período histórico,
sujeito às influencias dos fatos que aconteceram nesse período.
O avanço da divisão técnica e territorial do trabalho e as transformações
decorrentes das novas formas de comunicação ampliaram a organização em
redes e os fluxos de produção e distribuição, de prestação de serviços, de
gestão política e econômica, cujos pontos de encontro, os nós, são formados
pelas cidades. As cidades, de acordo com sua hierarquia, foram classificadas
Globalização, cultura e cidades mundiais 11

em cinco grandes níveis (IBGE, 2008): metrópoles, capitais regionais, centro


sub-regionais, centros de zona e centros locais.

A distribuição dos níveis hierárquicos no território brasileiro é desigual; enquanto


existem áreas com uma rede urbana estruturada, com os níveis hierárquicos encaixa-
dos e situados em intervalos regulares, há outras áreas do país em que alguns níveis
hierárquicos intermediários não existem.
O Centro-Sul do país apresenta uma rede urbana estruturada, com a presença de
metrópoles, capitais regionais e centros sub-regionais bem articulados entre si. Por
sua vez, as regiões Norte e Nordeste apresentam uma distribuição desequilibrada dos
centros urbanos, com ausência de alguns níveis hierárquicos.

Hierarquia urbana e fenômenos associados


A hierarquia urbana refere-se à forma como os centros urbanos se organizam,
de acordo com o nível de importância e o número de habitantes. Até a década
de 1980, a hierarquia era uma organização que impunha uma subordinação
vertical, em que as cidades se relacionavam somente com suas vizinhas hie-
rárquicas superiores e inferiores.
Com o advento da globalização e sua disseminação no meio urbano, as
relações hierárquicas passaram a ser regidas pela influência que um deter-
minado centro urbano apresenta em relação aos demais, e sua importância
perante aos demais está relacionada à intensidade do fluxo de pessoas, serviços,
produtos e capitais.
As metrópoles pode ser caracterizadas por apresentarem grande porte e
forte articulação entre os centros urbanos e as redes, além de possuírem uma
extensa área de influência direta. No Brasil, existem 12 centros urbanos que
são classificados como metrópoles. De acordo com a extensão territorial e a
intensidade das relações, as metrópoles pode ser subdividas em três níveis:

 grande metrópole nacional, representada pela capital do Estado de São


Paulo, que é considerada o maior conjunto urbano do país e alocada no
primeiro nível da gestão territorial;
12 Globalização, cultura e cidades mundiais

 metrópole nacional, representada pelos centros urbanos do Rio de


Janeiro, capital, e de Brasília; também se encontra no primeiro nível
da gestão territorial;
 metrópole propriamente dita, categoria em que estão alocados os centros
urbanos de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte,
Curitiba, Goiânia e Porto Alegre, compondo o segundo nível da gestão
territorial.

Já as capitais regionais, assim como as metrópoles, também se articulam


com os níveis superiores da hierarquia urbana. Elas apresentam uma área
de influência regional, e sua capacidade de gestão territorial encontra-se
um nível abaixo ao das metrópoles. Esse nível hierárquico é composto por
70 centros urbanos, e também é subdivido em três níveis, de acordo com o
número de habitantes:

 capital regional A, cujos centros urbanos apresentam cerca de 955 mil


habitantes;
 capital regional B, cujos centros urbanos apresentam cerca de 435 mil
habitantes;
 capital regional C, cujos centros urbanos apresentam cerca de 250 mil
habitantes.

Por sua vez, os centros sub-regionais são os centros urbanos que apresen-
tam atividades de gestão menos complexas e com área de influência mais
reduzida. Esse nível é composto por aproximadamente 169 centros urbanos,
subdivididos em dois níveis:

 centro sub-regional A, cujos centros urbanos apresentam uma média


populacional de 95 mil habitantes;
 centro sub-regional B, cujos centros urbanos apresentam uma média
populacional de 71 mil habitantes (Figura 2).
Globalização, cultura e cidades mundiais 13

Figura 2. A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, apresenta uma população, de acordo com
o censo do IBGE de 2010, de aproximadamente 71 mil habitantes, sendo então classificada
como um centro sub-regional B.
Fonte: Fred S. Pinheiro/Shutterstock.com.

Os centros de zona são centros urbanos de porte pequeno, com funções


básicas de gestão territorial, cuja atuação se restringe à sua área imediata, isto
é, outros centros urbanos mais próximos. Esse nível hierárquico é subdivido
em dois subníveis:

 centro de zona A, cujas cidades apresentam uma média de habitantes


de 45 mil habitantes;
 centro de zona B, cujas cidades apresentam uma média de habitantes
de 23 mil habitantes.

Por fim, os centros locais são os demais centros urbanos existentes no


Brasil, cujo grau de influência, centralidade e atuação não extrapolam os
limites do seu município, servindo apenas aos seus habitantes. Geralmente,
são cidades com população inferior a 10 mil habitantes.
14 Globalização, cultura e cidades mundiais

Para conhecer os números atualizados de habitantes e classificar os diversos centros


urbanos na hierarquia urbana, acesse o site do IBGE, disponível no link a seguir. Nele,
você encontrará diversas informações sobre a população, bem como outras estatísticas
relacionadas às cidades brasileiras.

https://cidades.ibge.gov.br/

As cidades são entidades muito dinâmicas e de acordo com os interesses


econômicos, sociais e políticos, podem ocorrer outras associações entre os
centros urbanos. Essas aproximações podem se dar entre os centros urbanos em
decorrência de interesses empresariais, especialmente de grandes corporações,
alterando a hierarquia das cidades envolvidas.
Por outro lado, as relações entre as cidades maiores também podem se
modificar em decorrência da alteração dos vetores da economia, como as
mudanças que ocorrem em decorrência da transferência de empresas de gran-
des cidades para cidades médias e pequenas, visando diminuir custos. Essa
situação promove o desenvolvimentos das cidades receptoras em detrimento
da desaceleração das grandes cidades. Assim, formam-se conglomerados de
centros urbanos nos mais diversos níveis, de acordo com sua complexidade,
podendo ser denominados de metrópoles, aglomerações urbanas ou conur-
bações urbanas.
O termo metrópole é usado desde a Grécia Antiga, e se referia à cidade-
-mãe, ou seja, uma área urbana de um ou mais municípios que exercia forte
influência sobre suas cercanias. Além disso, a cidade-mãe concentrava em si
uma complexidade funcional e dimensões físicas que a destacavam em uma
rede de cidades e no cenário regional. Já no significado latino, metrópole
se refere à capital ou à principal cidade de uma província, de um estado ou
de uma região. As metrópoles são originadas por meio de aglomerações e
conurbações urbanas.
As aglomerações urbanas são formadas quando duas ou mais cidades atuam
como um pequeno sistema urbano, mas em escala local. Entretanto, quando
uma das cidades que formam uma aglomeração urbana se desenvolve e passa
a apresentar mais relevância que as demais, além de influenciar outros centros
urbanos em caráter regional, ela passa a ser chamada de metrópole (Figura 3).
Globalização, cultura e cidades mundiais 15

Figura 3. Por meio das luzes das cidades, é possível observar as aglomerações urbanas nos
Estados Unidos e perceber as áreas mais concentradas.
Fonte: Jayjune69/Shutterstock.com.

O processo de metropolização acontece quando um centro urbano exerce


grande influência ao seu redor, além de apresentar uma grande estrutura
dimensional e populacional, com alta densidade demográfica e altas taxas de
urbanização. A metrópole passa a ser um núcleo, um polo de influência na
rede hierárquica dos centros urbanos.

A metropolização é um fenômeno relativamente recente na história da urbanização,


tendo sido iniciado a partir da Revolução Industrial, na Inglaterra, no século XIX. De-
vido ao rápido crescimento das cidades em função da industrialização, surgiu assim
um aglomerado de centros urbanos que posteriormente deram origem a regiões
metropolitanas.

Por sua vez, o processo de conurbação é responsável pela formação de uma


cidade, no sentido físico e geográfico, a partir da fusão das áreas urbanas de
vários municípios limítrofes, construindo uma mancha urbana única e contínua
com grandes dimensões, ultrapassando os limites político-administrativos de
cada uma das localidades integrantes.
16 Globalização, cultura e cidades mundiais

A combinação dos processos de urbanização, metropolização e conur-


bação originam as regiões metropolitanas. A região metropolitana ou área
metropolitana consiste em uma área formada por centro urbano densamente
povoado e centros urbanos vizinhos, menos povoados. Além disso, pode ser
definida como uma região estabelecida por legislação estadual e constituída por
agrupamentos de municípios limítrofes ou fronteiriços, com o objetivo integrar
funções públicas de interesse comum, como a organização, o planejamento e a
execução de obras e intervenções diversas de interesse das cidades envolvidas.
No Brasil, cada unidade federativa tem autonomia para criar as regiões
metropolitanas, de acordo com a densidade populacional e a conurbação dos
centros urbanos envolvidos. A criação de regiões metropolitanas tem por
objetivo a unificação de centros urbanos para a realização de políticas públicas
mútuas, destinadas à melhoria da qualidade dos serviços públicos.
Entretanto, o que se observa nas regiões metropolitanas brasileiras é que
nem sempre os problemas coletivos conseguem ser resolvidos de forma efi-
ciente. A formação das regiões metropolitanas, que deveriam trazer vantagens
aos moradores e usuários da rede, acumula problemas em relação à mobilidade
urbana, habitação, transporte público, entre outros.

CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S.; ALVAREZ, I. P. (Org.). Geografia urbana crítica: teoria e
método. São Paulo: Contexto, 2018.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Regiões de influência das cidades
2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
ROCHEFORT, M. Cidades e globalização. Mercartor — Revista de Geografia da UFC, v.1,
n.2, p. 7–11, 2002.
SANTOS, M. Manual de geografia urbana. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2008.
SPOSITO, M. E. B. Novas redes urbanas: cidades médias e pequenas no processo de
globalização. Geografia, v. 35, n. 1, p. 51–62, jan./abr. 2010.

Leituras recomendadas
LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
SANTOS, M. A urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: EDUSP, 2009.
Globalização, cultura e cidades mundiais 17

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GEOGRAFIA DO
BRASIL
Geografia econômica
do Brasil
Letícia Roberta Amaro Trombeta

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever o sistema econômico brasileiro.


>> Identificar as principais atividades econômicas regionais.
>> Explicar a produção de energia no Brasil.

Introdução
A geografia econômica é uma vertente da geografia humana que estuda as trans-
formações geográficas provocadas pela localização, organização e distribuição das
atividades econômicas, além de como a economia afeta e modifica a natureza e a
sociedade. No Brasil, a dinâmica econômica é bastante diversa em seu território,
sobretudo por sua dimensão continental, o que torna as atividades econômicas
diferenciadas em cada estado ou região.
O sistema econômico brasileiro apresenta características importantes, que
refletem condições históricas da sua organização, sendo pautado na lógica dos
juros do sistema financeiro vigente no país. No âmbito da economia, além disso,
não podemos deixar de pensar na produção de energia do país, como é consumida
e quais são suas potencialidades e fragilidades de desenvolvimento, já que é base
para a produção de materiais e serviços.
Neste capítulo, você vai estudar como está estruturado o sistema econômico
brasileiro e a influência dos aspectos informacionais na atualidade, além de
conhecer as principais atividades econômicas regionais e a produção de energia
no Brasil.
2 Geografia econômica do Brasil

Sistema econômico brasileiro


Sistema é entendido como um conjunto de elementos articulados entre si, que
devem ser analisados de forma integrada. No sistema econômico, um elemento
essencial é o trabalho, utilizado pelo homem para melhorar seu padrão de
vida, objetivando o bem-estar como base na lógica do desenvolvimento. No
Brasil, o sistema econômico está centrado no sistema capitalista, que adota
os paradigmas de liberdade de produção, em oposição à participação do
Estado como agente econômico, e reforça a propriedade privada.
A economia brasileira teve diversas transformações ao longo do tempo,
desde a colonização, cuja formação econômica foi pautada na elevada con-
centração de terras, na monocultura da cana-de-açúcar e na utilização de mão
de obra escrava, principalmente de africanos. Mesmo com a independência
do Brasil de Portugal, o sistema colonial deixou fortes marcas na estrutura
econômica e na sociedade brasileira, ainda muito presentes nos tempos
atuais. Celso Furtado (2001, p. 39) explica que:

A exploração do Brasil […] foi uma empresa concebida nos mesmos termos do
Império das Índias: como um simples empreendimento comercial. As necessida-
des da colonização mudarão, entretanto, a fisionomia externa da nova empresa.
Essa mudança, porém, afetará apenas a roupagem exterior. O sentido de empresa
comercial se conservará bem marcado. Esse sentido, que será o da evolução
econômica da colônia, presidirá a formação da sociedade. A análise da economia
colonial é tão importante para a compreensão da economia brasileira quanto a da
formação histórica de Portugal para compreender-se a razão de ser das grandes
expedições e o sentido que tomou a empresa de colonização.

Posteriormente, com a expansão da produção cafeeira, houve a chegada


de imigrantes europeus para trabalharem nas fazendas, atraídos por opor-
tunidades de emprego e esperanças de terem suas próprias terras em um
futuro próximo. Nesse período, também ocorreu a abolição da escravatura no
Brasil, forçada pela própria estrutura que não mais estava satisfeita com esse
tipo de organização. Em seguida, houve a Proclamação da República, com a
intenção de transformar o país em uma grande república. Esses acontecimen-
tos fizeram com que o salário fosse introduzido nas relações de trabalho. O
trabalho remunerado fez com que o Brasil fosse inserido na ordem mundial
capitalista, ainda que tardiamente, já que por muitos anos a divisão se deu
pelos senhores (que concentravam a riqueza) e pelos escravos (forçados ao
trabalho sem remuneração).
Por muitos anos, a economia brasileira funcionava em torno do café, voltado
principalmente para a exportação, como o principal produto do Brasil. No en-
tanto, a partir de 1906, o mercado do café começou a sentir fortes impactos de
Geografia econômica do Brasil 3

acontecimentos externos, o que levou o governo a intervir nesse cenário, com a


compra do café excedente, proibindo a ampliação das plantações e facilitando
os empréstimos externos para compra do excedente produzido. Até que em
1929, o cenário se agravou com a queda da Bolsa de Nova York, que provocou
uma grande crise mundial. O café brasileiro passou a não ser mais comprado, e
os excedentes foram aumentando e sendo queimados pelo governo brasileiro.
A partir desse momento histórico, a participação do Brasil no mercado
internacional do café foi decrescendo. No início do século XX, o Brasil chegou
a deter 80% do total do mercado internacional do café. Já na década de 1990,
dominava apenas entre 25% e 30% do mercado, tendo permanecido desde os
anos 1960 com a exportação praticamente estagnada em cerca de 17 milhões
de sacas (SAES; FARINA, 1999).
Com esse cenário, os próprios cafeicultores começaram a investir no
processo de industrialização no Brasil, a fim de diversificar a produção e o
capital investido, motivados pela Grande Depressão que se expandia pelo
mundo. Furtado (1984, p. 198) destaca que:

[…] o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise, passa a ser, sem
nenhuma dúvida, o mercado interno. A produção industrial, que se destinava em
sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de
menos de dez por cento, e já em 1933 recupera o nível de 1929. […] Algumas das
indústrias de maior vulto instaladas no país, na depressão, o foram com equipa-
mentos provenientes de fábricas que haviam fechado suas portas em países mais
fundamente atingidos pela crise industrial.

A industrialização no Brasil foi fomentada pela substituição de impor-


tações, que consiste na indústria nacional passar a produzir os bens antes
importados de outros países. Com isso, haveria demanda para o produto
interno. Mais tarde, a entrada de empresas e montadoras automobilísticas
também incrementou o rol de indústrias no Brasil, atraídas pelo incentivo
governamental no desenvolvimento rodoviário.
O período de 1968 a 1973 ficou conhecido no Brasil como “milagre” eco-
nômico, em virtude do grande crescimento na economia do país após a in-
trodução do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG). Esse plano
introduziu a correção monetária na tentativa de corrigir a inflação, além de
novas regras cambiais, salariais e tributárias. No entanto, esse período se
findou em 1974, sobretudo pela piora dos cenários econômicos internos, com
a estrutura produtiva desorganizada, e externos, com a subida dos preços
de petróleo, o aumento da inflação e a instabilidade cambial, exigindo novos
ajustes econômicos.
4 Geografia econômica do Brasil

Para saber mais sobre esse período, leia o artigo “Crescimento,


desenvolvimento e desigualdade de renda: análise dos clássicos:
Furtado, Cardoso e o ‘milagre’ econômico”, de Ricardo H. Nahra Hammoud.

No final dos anos de 1970, as dificuldades advindas do cenário internacional


continuaram, e a recessão dos anos de 1980, decorrentes da diminuição dos
investimentos, fizeram com que a década no Brasil fosse designada como
década perdida. Nesse período, a produção estagnou, a inflação começou
a fugir do controle, os juros internacionais aumentaram, o crédito diminuiu
e a dívida externa sofreu baques profundos (BORGES; CHADAREVIAN, 2010).
Na tentativa de controlar a inflação que tomou conta do país, em 1986 foi
lançado o Plano Cruzado, substituindo a moeda cruzeiro pelo cruzado, além de
reajustes de salários, congelamento de preços, estabelecimento de uma taxa
cambial fixa e revisão de contratos de aluguel. Associado ao Plano Cruzado,
surgiu o Cruzadinho, caracterizado pela adoção de outras medidas, como o
empréstimo compulsório na compra de gasolina, automóveis e passagens
aéreas internacionais. Essas medidas fizeram com que o gasto público se
elevasse drasticamente, surgindo o Plano Cruzado II, que também fracassou.
Em 1987, o governo implementou o Plano Bresser, que propunha o con-
gelamento dos preços e dos salários por três meses, a desvalorização do
câmbio, a utilização da tablita (composição de índices que corrigiam valores
dos produtos decorrentes da inflação) nos contratos prefixados, aumen-
tando ainda mais o déficit público e chamando a atenção para uma etapa
de discussões em torno da necessidade de reduzir o peso do setor público
na economia (BORGES; CHADAREVIAN, 2010).
Com o intuito de mudar o cenário econômico, em 1988 foi desenvolvido o
Plano Verão, que mudou a moeda de cruzado para cruzado novo. Com esse
plano, ocorreram perdas nos salários, e a inflação aumentou ainda mais, além
do descontrole nas contas públicas e a elevação da taxa de juros. Até que
em 1990, já no governo de Fernando Collor, o cenário se agravou, sobretudo
impulsionado pela hiperinflação. Foi feito, então, um ajuste na economia,
com uma reforma monetária, administrativa e fiscal, seguida por um pro-
grama intenso de privatizações, chamado Plano Nacional de Desestatização,
principalmente de empresas dos setores de telecomunicação, ferroviário,
portuário, financeiro, elétrico e siderúrgico.
Rego e Marques (2003, p. 205-206) sintetizam o desempenho do governo
Collor na economia do país:
Geografia econômica do Brasil 5

Plano Collor I, de março de 1990, combinava confisco dos depósitos à vista e


aplicações financeiras com prefixação da correção dos preços e salários, câmbio
flutuante, tributação ampliada sobre as aplicações financeiras e a chamada “re-
forma administrativa”, que implicou o fechamento de inúmeros órgãos públicos e
demissão de grande quantidade de funcionários. […] Outro plano de estabilização,
o Plano Collor II, foi adotado em janeiro de 1991, em situação de desespero devido
à reaceleração da inflação. [...] A precariedade do Plano Collor II, aliada ao desgaste
do governo com os efeitos do confisco ocorrido no plano anterior, assim como às
crescentes denúncias de corrupção, acabaram por determinar o impeachment de
Collor em outubro de 1992.

Com o impeachment do presidente Fernando Collor, assumiu seu vice,


Itamar Franco, conduzindo o Plano de Estabilização Econômica, também
chamado de Plano Real, junto a Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da
Fazenda. Esse plano buscava a ampliação da receita tributária, o equaciona-
mento da dívida dos estados e dos municípios, a diminuição da participação
do Estado na economia, com o estímulo à privatização, e o estabelecimento
de um controle maior sobre bancos estaduais, inclusive com o fechamento
de alguns (BORGES; CHADAREVIAN, 2010).
Por alguns anos, a economia brasileira se manteve estável, com o cres-
cimento do PIB e controle da inflação, culminando na eleição de Fernando
Henrique Cardoso para presidente do Brasil em 1994 e sua reeleição em 1998.
Em 2002, houve a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, que
continuou o Plano de Estabilização Econômica no país, associado a uma reto-
mada da importância da participação do Estado na economia, que havia sido
colocada em segundo plano. O governo Lula foi marcado pela implementação
de políticas públicas voltadas aos brasileiros mais afetados pela desigualdade
social, como Bolsa Família, Bolsa Escola, programas de moradia, como o
Minha Casa Minha Vida, um amplo projeto de reforma agrária, entre outros.

Características do sistema econômico brasileiro atual


Como princípio de coordenação, o sistema econômico tem o mercado, que,
por meio do dinheiro, faz com que os produtores possam competir entre si,
alocando recursos e determinando a distribuição de renda. De acordo com
BRESSER-PEREIRA (2005, documento on-line):

No papel de alocador de recursos o mercado é um mecanismo maravilhoso, porém


cheio de falhas e dependente da ação regulatória do Estado para poder ser efetivo.
Como instrumento distribuidor de renda, é cedo e injusto. Por isso, a ação delibe-
rada da sociedade através do Estado está sempre presente na regulamentação
do mercado, e na tentativa de correção das suas falhas.
6 Geografia econômica do Brasil

Embora exista a ideia de que “o mercado se autorregula”, a história


nos mostra que, em determinados momentos de crise econômica, o papel
do Estado se torna mais evidente, tanto para auxiliar a recuperação de
instituições financeiras quanto para assistir a população mais pobre. Foi
o caso da crise financeira de 2008, com o colapso no setor imobiliário e
bancário, nos Estados Unidos, que afetou todo o mundo. O Estado precisou
agir fortemente na recuperação de bancos e empresas para que o cenário
não piorasse.
No Brasil, o sistema econômico vigente não obedece à lógica do bem-
-estar ou do desenvolvimento, mas à pautada nos juros, com o objetivo de
obter rendimentos satisfatórios para os rentistas e seus comissionados na
área financeira. Esses rendimentos são atrelados a uma taxa de juros básica
(Selic) alta, em torno de 10% ao ano ou 7% ao ano após o imposto de renda.
Já nos países desenvolvidos, essa taxa é de 2%, conforme BRESSER-PEREIRA
(2005). O autor explica a possível causa da alta taxa de juros no Brasil:

Foram provavelmente altas taxas de crescimento durante os anos de 1970 e a alta


inflação durante os anos de 1980 até 1994 que levaram os rentistas, especificamente
os credores internos e externos do Estado, a entender consensualmente que essa
taxa lhes é devida. E foi certamente a política frouxa, submissa dos diversos gover-
nos, que legitimou essa pretensão (BRESSER-PEREIRA, 2005, documento on-line).

Isso coloca o Brasil em um grande desafio na atualidade, visto que, em 2020,


a taxa Selic foi reduzida significativamente, chegando a 2%, e as projeções
do Banco Central para 2021 é que ela se mantenha nesse mesmo patamar.
Essa redução foi motivada para tentar alavancar o consumo de bens duráveis,
como financiamento de automóveis e imóveis, estimulando o crescimento
desses setores da economia.
No entanto, embora a lógica da política econômica do Brasil aponte para a
questão dos juros altos, o entendimento dos interessados e das autoridades
monetárias é que a lógica deveria estar na meta de inflação, a qual seria
condição para o desenvolvimento. Não seria necessário, para isso, manter a
taxa de juros básica em um nível sem qualquer relação com a classificação
de risco do país (BRESSER-PEREIRA, 2005).
A política fiscal no Brasil também está subordinada à taxa de juros satis-
fatória, evitando que o endividamento público cresça em relação ao produto
interno bruto (PIB).
Geografia econômica do Brasil 7

[…] é preciso que o devedor não fique endividado a ponto de tender a se tornar
insolvente, e assim arriscar os créditos dos rentistas. O superávit primário de 4,5%
foi calculado para que essa finalidade seja atingida. Se o objetivo fosse utilizar
a política fiscal para combater a inflação, a meta fiscal deveria variar de acordo
com o ciclo econômico, reduzindo o superávit quando a economia desaquece, e
aumentando-o quando a demanda agregada pressionasse os preços, mas esta
prática também está fora da agenda (BRESSER-PEREIRA, 2005, documento on-line).

Bresser-Pereira (2005) também apresenta a subordinação da taxa de


câmbio à lógica da taxa de juros, resultando em uma taxa muito alta, que atrai
capitais estrangeiros. Os fluxos de capital pressionam a taxa de câmbio para
baixo, apreciando-a até que se chegue ao equilíbrio de alta taxa de juros e
baixa taxa de câmbio, o que levou o Brasil à crise de 1998 e, em parte, também
em 2002. Diante disso, o governo brasileiro não pode neutralizar a pressão
sobre o câmbio comprando dólares e aumentando reservas, porque, para isso,
seria necessário emitir dívida em reais, e a taxa de juros extorsiva levaria o
custo para o Tesouro, que já é de 8% do PIB, para um nível ainda mais alto.

Economia informacional
A evolução da tecnologia e da informática permitiu também mudanças na
economia global, as quais refletiram na organização econômica do Brasil,
já que nosso país está inserido na ordem mundial capitalista. Para Castells
(1999, p. 210):

O surgimento da economia informacional global se caracteriza pelo desenvolvi-


mento de uma nova lógica organizacional que está relacionada com o processo
atual de transformação tecnológica, mas não depende dele. São a convergência e a
interação entre um novo paradigma tecnológico e uma nova lógica organizacional
que constituem o fundamento histórico da economia informacional. Contudo essa
lógica organizacional manifesta-se sob diferentes formas, em vários contextos
culturais e institucionais.

Em razão dessas transformações econômicas e tecnológicas, a empresa


precisou mudar seu modelo organizacional adaptando-se a essa realidade.
A principal mudança está relaciona à empresa horizontal, em detrimento da
empresa vertical, tendo essas as seguintes características (CASTELLS, 1999):

„„ organização em torno do processo, não da tarefa;


„„ hierarquia horizontal;
„„ gerenciamento em equipe;
8 Geografia econômica do Brasil

„„ medida do desempenho pela satisfação do cliente;


„„ recompensa com base no desempenho da equipe;
„„ maximização dos contatos com fornecedores e clientes;
„„ informação, treinamento e retreinamento de funcionários em todos
os níveis.

Há uma toada para transformação de empresas em redes, facilitada pela


informatização. O processo de internacionalização da atividade empresarial é
baseado, principalmente, em três estratégias, destacadas por Castells (1999).

1. Estratégia de múltiplos mercados domésticos para as empresas que


investem no exterior a partir das suas plataformas nacionais.
2. Estratégia que visa ao mercado global e organiza diferentes funções da
empresa em lugares diferentes integrados em uma estratégia global
articulada.
3. Estratégia que se baseia em redes internacionais, caracterizada por
um estágio econômico e tecnológico mais avançado.

A estrutura internacional permite que pequenas e médias empresas se


unam a empresas maiores, formando redes capazes de inovar e se adaptar
frequentemente a novos cenários e demandas, tanto regionais quanto locais.
Com isso:

A unidade operacional real torna-se o projeto empresarial, possibilitando por uma


rede, em vez de empresas individuais ou agrupamentos formais de empresas. Pro-
jetos empresariais são implementados em campos de atividades, tais como linhas
de produtos, tarefas organizacionais ou áreas territoriais. Informações adequadas
são cruciais para o desempenho das empresas. E as informações mais importantes
sob as novas condições econômicas são aquelas processadas entre as empresas,
com base na experiência recebida de cada campo. As informações circulam pelas
redes: redes entre empresas, redes dentro de empresas, redes pessoais e redes
de computadores. As novas tecnologias de informação são decisivas para que
esse modelo flexível e adaptável realmente funcione (CASTELLS, 1999, p. 222-223).

As redes acabam sendo facilitadoras e articuladoras do arranjo empresarial


estabelecido na era da informatização, uma vez que não precisam estar pró-
ximas fisicamente para conduzir um processo ou estabelecer comunicações,
tornando a troca de informações muito mais rápida e agilizando a tomada
de decisão.
Geografia econômica do Brasil 9

Outro elemento importante dessa transformação informacional e que tem


alterado as relações entre as empresas nos últimos anos é a virtualidade real,
conceito importante para compreensão das transformações que também
envolvem a cultura do sistema empresarial. A informação mudou de forma
profunda a comunicação. Agora, com a integração de textos, imagens e sons
em um mesmo sistema, é possível interagir de forma múltipla em uma rede
global, moldando a cultura, que é influenciada pela comunicação. Castells
(1999, p. 414) explica:

[…] nossas linguagens são nossos meios de comunicação. Nossos meios de co-
municação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa
cultura. Como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias
culturas, isto é, nossos sistemas de crença e códigos historicamente produzidos
são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o
serão ainda mais com o passar do tempo.

Esse sistema de comunicação está baseado em uma rede digitalizada,


construída a partir de múltiplos modos de comunicação, favorecendo e
abrangendo todas as expressões culturais. O que gera a virtualidade real é
um sistema em que a própria realidade é inteiramente captada, imersa em
uma composição de imagens virtuais no mundo do faz de conta, em que as
aparências não apenas se encontram na tela comunicada da experiência,
mas também se transformam na experiência. Todas as mensagens, dos mais
variados tipos, são incluídas no meio, porque este fica tão abrangente, di-
versificado e maleável, que absorve, no mesmo texto de multimídia, toda a
experiência humana, passado, presente e futuro (CASTELLS, 1999).

Atividades econômicas regionais


Como o Brasil tem dimensões continentais, suas atividades econômicas
também são diversas, sendo as características econômicas de cada estado
um dos critérios da regionalização em macrorregiões. O Brasil também foi
dividido em regiões geoeconômicas, por Pedro Pinchas Geiger em 1967, que
adotou critérios associados à dinâmica econômica e histórica do território
brasileiro em seu estudo, elaborando três regiões: Amazônia, Centro-Sul e
Nordeste.
A diferença da distribuição econômica no país pode ser analisada pela
distribuição da participação de cada região e estado no PIB do país, inclusive
analisando as atividades com maior predominância, como destaca a Figura 1.
10 Geografia econômica do Brasil

Figura 1. Distribuição do PIB do Brasil nos estados em 2015.


Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ([2015], documento on-line).

A economia da região Nordeste é pautada, principalmente, no setor


agropecuário, de serviços, turismo e industrial. O setor da agropecuária é
caracterizado pela concentração de terras e produção de monoculturas,
como cana-de-açúcar, fumo, cacau, algodão, cebola, vinha e arroz. Na área
do sertão, destaca-se a produção de caprinos (cabras). O turismo também
é uma atividade econômica muito importante para a região, especialmente
na área litorânea, baseado em praias e belezas naturais. A proximidade do
litoral nordestino com países europeus e os Estados Unidos faz com que
essa região receba muitos turistas estrangeiros. A dinâmica do turismo no
Nordeste gera milhões de empregos, movimentando restaurantes e hotéis.
O setor industrial, embora menor, se fortaleceu na região, principalmente,
a partir da década de 1980, quando houve a desconcentração industrial no
Sudeste aliada a incentivos fiscais, atraindo muitas indústrias para a região.
Em geral, são indústrias modernas e diversificadas do setor petroquímico,
têxtil, automobilístico, entre outros.
As atividades econômicas da região Norte estão relacionadas ao setor
primário, como a extração mineral e vegetal e a pesca. É uma área muito rica
em minérios, como alumínio, cobre, chumbo, ouro, estanho, ferro, manganês,
entre outros. O setor terciário (comércio e serviços) também tem expressivi-
dade, com atividades ligadas ao turismo amazônico e ao comércio, que fica
Geografia econômica do Brasil 11

mais focado nas capitais, como Manaus, Belém e Rio Branco. A atividade
industrial está concentrada na Zona Franca de Manaus (Amazonas), com a
produção de eletrodomésticos, e no Distrito Industrial de Belém (Tocantins),
com características de indústria tradicional, como moveleira, alimentícia, têxtil
e química. As indústrias em ambas as regiões foram atraídas por incentivos
fiscais na década de 1990.
Na região Sudeste, onde a maior parte do PIB brasileiro está concentrado,
destacam-se os setores industriais, de comércio e serviços e a agropecuá-
ria. Dessa região, não se pode deixar de salientar a importância das redes
de transporte no desenvolvimento das atividades econômicas (rodoviária,
ferroviária, aérea, portuária e hidroviária), que cumprem papel fundamental
no escoamento da produção, formando o dinamismo do desenvolvimento
econômico do Sudeste. A agropecuária tem uma produção moderna, com
tecnologias nos seus processos, principalmente nas culturas de cana-de-
-açúcar, café, laranja e batata. O comércio é outro setor de destaque, facilitado
pela infraestrutura da região e pela grande concentração de pessoas. Além
disso, a cidade de São Paulo, por exemplo, concentra as sedes de centenas de
multinacionais e a Bolsa de Valores brasileira, a mais importante da América
Latina, responsável pelas negociações do mercado financeiro.
Por conta da concentração dos principais portos brasileiros e de uma
rede de transportes com boa infraestrutura na região Sudeste, foi possível
impulsionar o desenvolvimento de várias indústrias e agroindustriais mo-
dernas e diversificadas. A concentração industrial ocorreu no Brasil a partir
de 1930 na região do ABC paulista (nas cidades de Santo André, São Bernardo
do Campo e São Caetano), com indústrias metalúrgicas e, posteriormente,
automobilísticas, surgindo a principal área de industrialização brasileira. Na
região do interior de São Paulo, também existe uma certa concentração indus-
trial, em razão dos fluxos de transporte, sobretudo rodoviário e ferroviário.
Também se destacam a região do Vale do Aço, na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, e o Quadrilátero Ferrífero, na região de Belo Horizonte/MG,
com siderúrgicas, metalúrgicas e mineradoras. A região de Vitória/ES também
concentra indústrias, principalmente de processamento de minérios. Além
disso, a região Sudeste tem grandes empresas e indústrias de tecnologia e
produção aeronáutica, como a Embraer.
Na região Sul existe uma predominância da agropecuária e uma parte
importante dos setores industrial, de comércio e serviços, sendo a região
que concentra o segundo maior PIB do Brasil. Além disso, abriga as principais
agroindústrias do país, como Sadia e Perdigão. A agropecuária é moderna, com
tecnologias, produção diversificada e destaque para soja, milho, trigo, arroz,
12 Geografia econômica do Brasil

suínos e aves. O turismo também é uma atividade bastante importante na


região Sul, uma vez que apresenta uma boa infraestrutura urbana, sobretudo
nas cidades de Gramado e Canela, além de um litoral bem-desenvolvido e as
belezas naturais dos parques nacionais, como as Cataratas de Foz do Iguaçu.
Embora a atividade agropecuária tenha bastante relevância na região, maior
parte da economia tem seu peso na atividade industrial. O arranjo industrial
está organizado, sobretudo, para o abastecimento do mercado interno, com
indústrias dos segmentos alimentício, têxtil, de calçados, de móveis, viníco-
las, etc., importantes para o desenvolvimento do comércio e dos serviços,
principalmente na região metropolitana de Curitiba, no Vale do Itajaí, na
região metropolitana de Porto Alegre, além de Londrina e Maringá, no Paraná.
A região Centro-Oeste está organizada economicamente nas ativida-
des agropecuárias, principalmente para exportação. A partir da década
de 1960, houve o avanço das fronteiras agrícolas com a exploração do
cerrado, trazendo uma característica da atividade na região de grandes
concentrações de terras, pecuária bovina e produção de soja oriunda do
agronegócio para a exportação. No entanto, o setor de serviços tem maior
representatividade na economia, com potencial no turismo, principalmente
em Brasília e no Pantanal. Os serviços públicos também têm destaque, em
especial no Distrito Federal. Já o comércio interno é bastante aquecido
para o atendimento da demanda local. A indústria na região foi estruturada
com incentivos fiscais, colaborando com a desconcentração industrial
do Sudeste, apresentando uma característica moderna e diversificada
para o setor, principalmente de produtos associados à madeira, indústria
automobilística, mineradoras, etc.

Produção de energia no Brasil


A produção de energia é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção
da economia, pois as mais variadas atividades econômicas utilizam energia
no processamento de matérias-primas, na produção e nos serviços. Somente
mão de obra barata e sistema viário já não atraem, por si só, as indústrias ou
qualquer outra atividade econômica que consuma energia.
Os padrões atuais mundiais de produção estão baseados nas fontes de
energias fósseis, sobretudo carvão natural, gás natural e petróleo, o que
gera emissões de poluentes na atmosfera e gases de efeito estufa, além
de colocar em risco a sua utilização a longo prazo no planeta. Por isso, o
desenvolvimento de energias renováveis é urgente.
Geografia econômica do Brasil 13

A partir da década de 1970, foi possível observar a evolução da matriz


energética brasileira. Em 2003 no Brasil, a energia primária renovável (41,3%) já
se aproximava da energia de fontes não renováveis (58,7%), apresentando uma
condição bem mais confortável na matriz energética renovável se comparada
ao restante do mundo. Veja no Quadro 1 os dados da energia primária no Brasil
e no mundo em 2003, total e parcelas, conforme a Agência Internacional de
Energia (AIE) (GOLDEMBERG; LUCON, 2007).

Quadro 1. Energia primária no Brasil e no mundo em 2003, total e parcelas (%)

Energia primária Brasil Mundo

Total, bilhões de tep (tonelada equivalente de petróleo) 0,193 10,7

Petróleo 43,6 35,3

Gás 6,6 20,9


Fósseis
natural
Não
renováveis Carvão 6,8 24,1

Nuclear 1,8 6,4

Subtotal 58,7 86,6

Participação Biomassa 19,0 9,4


Tradicionais
das fontes tradicional
(%)
Convencionais Hidráulica 15,3 2,1

Biomassa 6,9 1,2


moderna
Renováveis
Modernas,
Outras: < 0,1 1,7
“novas”
solar,
eólica,
etc.

Subtotal 41,3 14,4

Fonte: Adaptado de Goldemberg e Lucon (2007).

No Brasil, a oferta interna de energia (total de energia disponibilizada


no país) atingiu 288,4 Mtep em 2018, registrando um decréscimo de 1,7% em
relação a 2017. De acordo com Matos (2018), o incremento das fontes hídrica
e eólica na geração de energia elétrica e o recuo do consumo de energia nos
setores de alimentos e bebidas (−17,4%), não ferrosos e outros da metalurgia
14 Geografia econômica do Brasil

(−20,2) e rodoviário (−1,2%) puxaram para baixo as ofertas internas de gás


natural (−5,4%) e de petróleo e derivados no período (−6,5%).
Foi possível verificar um avanço na oferta interna de energia elétrica de
10,7 TWh (1,7%) em relação ao ano anterior. Devido às condições hidrológicas
favoráveis, houve aumento de 4,1% da energia hidráulica disponibilizada se
comparada a 2017 (MATOS, 2018).
O consumo final, energético e não energético, recuou 1,0% em relação
ao ano anterior. No setor industrial, a retração foi de 4,12 milhões de tep
em valores absolutos. Destaca-se a queda de −23,1% na produção de açúcar,
impactando o consumo energético do bagaço de cana em −23,4% em relação
a 2017. Outro setor que contribuiu para a redução do consumo na indústria foi
o de não Ferrosos e outros da metalurgia, que concentrou queda acentuada
nas produções de alumínio (−17,8%) e alumina (−25,0%), fazendo com que
a demanda energética desse segmento caísse −20,2% em relação ao ano
anterior (MATOS, 2018).
O setor de transporte também teve seu consumo reduzido em 0,69 milhões
de tep, por conta da redução do consumo de gasolina A de 13,1% (−3,3 milhões
de tep) e, consequentemente, do anidro, que registrou uma queda de 15,4%
(−1,0 milhões de tep), no mercado de veículos leves. Já o álcool hidratado
cresceu 38,6% (2,9 milhões de tep), mas não compensou o recuo do consumo
da gasolina C. No caso do transporte de carga, o biodiesel cresceu 25,7% (0,7
milhões de tep), compensando a redução do consumo de diesel fóssil de −1,4%
(−0,5 milhões de tep) (MATOS, 2018).
O consumo final de eletricidade no país em 2018 registrou um aumento
de 1,4%. Segundo Matos (2018), os setores que mais contribuíram para esse
aumento em valores absolutos foram os seguintes.

„„ Residencial: expandiu seu consumo em 1,8 TWh (+1,3%).


„„ Energético: cresceu 1,7 TWh (+5,4%).
„„ Industrial: cresceu 1,2 Twh (+0,6%).
„„ Agropecuário: cresceu 1,1 Twh (+3,9%).

Em 2018, a participação de renováveis na matriz energética brasileira subiu


ainda mais, impulsionada pelo incremento da geração hidráulica eólica, o
aumento da oferta de lixívia e o biodiesel, a redução da oferta de petróleo
e derivados e a redução da oferta de gás natural, como apontou o Balanço
Energético Nacional (BEN) de 2019 (MATOS, 2018), como pode ser observado
na Figura 2.
Geografia econômica do Brasil 15

Figura 2. Percentual de produção de energias renováveis e não renováveis no Brasil, no


mundo e na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Fonte: Matos (2018, documento on-line).

Diante desse cenário, a produção de energia renovável tem se destacado


nos últimos anos no Brasil, justamente pela diminuição na oferta de outras
fontes de energia não renováveis de origem fóssil, como petróleo, carvão na-
tural e gás natural. O destaque foi para a geração eólica, que atingiu 48,5 TWh,
com um crescimento de 14,4% entre 2017 e 2018. A potência eólica alcançou
14.390 MW, resultando numa expansão de 17,2% (MATOS, 2018).
Mais da metade da energia disponível no Brasil é utilizada na produção
industrial (31,7%) e no transporte de cargas e passageiros (32,7%). A soma
desses dois setores resulta em 64,4% do consumo de energia do país. O setor
energético é responsável pelo consumo de 11,2%; as residências, de 9,9%;
os serviços, de 4,9%; e a agropecuária, de 4,1% (MATOS, 2018). Para Scarlato
(2019, p. 333-334):

O desenvolvimento das tecnologias alternativas para obtenção de energia torna-se


uma experiência não só para colocar economias mundiais a salvo de futuras crises,
mas também para proteger o meio ambiente dos efeitos altamente prejudiciais
dos combustíveis fósseis, como o carvão, o gás natural e o petróleo, assim como
dos riscos da energia nuclear. Para tanto, se fazem necessários enormes esforços,
não somente no sentido de inventar novas técnicas mas também de torná-las
economicamente disponíveis para a sociedade. Esses esforços revelam-se cada vez
mais difíceis para os países subdesenvolvidos, dada a escassez de recursos finan-
ceiros e, para muitos, dado o comprometimento resultante das dívidas externas.

É fundamental desenvolver e empregar energias alternativas na pro-


dução em diversas atividades econômicas, inclusive para assegurar a sua
permanência. A energia renovável compreende processos de produção mais
16 Geografia econômica do Brasil

sustentáveis, principalmente a energia eólica, solar e da biomassa, sendo


uma importante matriz energética, que contribui, inclusive, com a segurança
energética, já que, a princípio, não tem esgotabilidade. Como as atividades
econômicas, em geral, são muito dependentes de energia, não é possível
pensar no crescimento da economia sem refletir sobre a agregação na de-
manda e se será possível supri-la. Por isso, garantir a segurança energética
para atrair novos investimentos no país é tão necessário.

Referências
BORGES, F. T. de M.; CHADAREVIAN, P. C. Economia brasileira. Brasília: CAPES/UAB, 2010.
BRESSER-PEREIRA, L. C. O sistema econômico brasileiro. Conjuntura Econômica, v. 59,
nº 4, p. 16–17, 2005. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/Works/SmallPa-
pers/5.SistemaEconomicoBrasileiro-ConjEc.p.pdf. Acesso em: 29 jan. 2021.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FURTADO, C. Economia colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII. São Paulo: Hucitec/
ABPHE, 2001.
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 19. ed. São Paulo: Nacional, 1984.
GOLDEMBERG, J.; LUCON, O. Energia e meio ambiente no Brasil. Estudos Avança-
dos, v. 21, nº 59, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-40142007000100003&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 29 jan. 2021.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produto interno bruto. [2015].
Disponível em: https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_brasil/brasil_pro-
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MATOS, R. A. D. S. Balanço energético nacional 2019: relatório síntese/ano base 2018.
Rio de Janeiro: EPE, 2018. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publica-
coes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-377/topico-470/
Relat%C3%B3rio%20S%C3%ADntese%20BEN%202019%20Ano%20Base%202018.pdf.
Acesso em: 29 jan. 2021.
REGO, J. M.; MARQUES, R. M. (org.). Economia brasileira. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
SAES, M. S. M.; FARINA, E. M. M. Q. O agribusiness do café no Brasil. São Paulo: Milkbizz,
1999.
SCARLATO, F. C. O espaço industrial brasileiro. In: ROSS, J. L. S. (org.). Geografia do
Brasil. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2019.

Leitura recomendada
HAMMOUD, R. H. N. Crescimento, desenvolvimento e desigualdade de renda: análise
dos clássicos: Furtado, Cardoso e o “milagre” econômico. 2012. Disponível em: http://
www.economiaetecnologia.ufpr.br/arquivos_servidor/XI_ANPEC-Sul/artigos_pdf/a1/
ANPEC-Sul-A1-07-crescimento_desenvolvime.pdf. Acesso em: 29 jan. 2021.
Geografia econômica do Brasil 17

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GEOGRAFIA DA
MUNDIALIZAÇÃO
Corporações
e organismos
internacionais
Francielly Naves Fagundes

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os tipos de corporações internacionais e seus objetivos.


>> Descrever a estratégia tecnofinanceira das grandes corporações.
>> Reconhecer os tipos de investimentos feitos em países emergentes da Amé-
rica do Sul, África e Ásia.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a dinâmica econômica e financeira atual, com base
na atuação das grandes corporações, e a dinâmica social e produtiva, a partir das
ações dos organismos internacionais. Além disso, vai conhecer as características
da fase do capitalismo financeiro, o papel das corporações e exemplos das es-
tratégias de internacionalização, inovação, fusão e aquisição dessas empresas.
Também serão tratadas questões sobre investimentos e aplicações produtivas
e financeiras (desembolsos e empréstimos) feitos por organismos internacio-
nais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), nos países
subdesenvolvidos/em desenvolvimento e nos países emergentes. Por fim, você
vai ver as implicações e os desdobramentos sociais e econômicos dessas ações
nesses países.
2 Corporações e organismos internacionais

Contexto e categorização de empresas


e organismos internacionais
Hoje, mundialmente, se configura uma nova organização socioespacial nos
países, do ponto de vista organizacional e empresarial: o sistema econô-
mico capitalista. Após a Segunda Guerra Mundial, em razão dos problemas
decorrentes das guerras, os países, principalmente os da Europa e da Ásia,
demandaram auxílios e acordos cooperativos. Eles tinham o objetivo de
reestruturar e reconstruir seus territórios e sua população, devastados pelos
conflitos. Assim, emergiu a necessidade de criar organismos internacionais
que pudessem impulsionar acordos de paz e amparar economicamente os
países do mundo. Como exemplos, temos a Organização das Nações Unidas
(ONU) e o FMI, cada um com seus respectivos objetivos em relação à segurança
e à economia (CHESNAIS, 1996).
Em termos empresariais, hoje prevalecem as trocas econômicas-financeiras
a partir de transações bancárias virtuais. Isso acontece em razão da fase
do capitalismo que vivemos atualmente: o capitalismo financeiro. Segundo
Bezerra (2021), são características dessa fase:

„„ ampliação do crescimento econômico e da concorrência internacional


entre empresas;
„„ ampliação do mercado e dos produtos financeiros;
„„ controle da economia por parte dos bancos e das grandes empresas
(empréstimos, financiamentos bancários);
„„ surgimento de empresas transnacionais e multinacionais;
„„ negociações em bolsas de valores (ações e títulos de empresas).

As empresas buscaram alavancar seu capital a partir de mecanismos


disponibilizados por órgãos internacionais e da aquisição de empresas es-
tatais, o que, em países em desenvolvimento, também significa o advento
de intensas políticas de desestatização.
O surgimento de grandes empresas (corporações) com operações em siste-
mas de mercados de mais de um país, com atuação e expansão internacional,
é uma característica da globalização e da mundialização. As empresas se
organizam e atuam como mercados de oligopólio, em que poucas empresas
detêm o controle do mercado de um segmento produtivo, ou de monopólio,
em que esse controle é de apenas uma empresa. Essas corporações são
chamadas de empresas multinacionais, quando atuam em mercados no ex-
terior, fora dos limites territoriais de seu país de origem, e de transnacionais,
Corporações e organismos internacionais 3

quando têm sócios e donos de vários países, com destaque para os países
desenvolvidos e altamente industrializados (FRANCISCO, [202-?]).
As corporações, por meio de estratégias de marketing poderosas, atuam
na divulgação incessante de suas marcas, impulsionando a criação e a manu-
tenção de uma sociedade de consumo, ou seja, de um ambiente que demanda,
a todo momento, a aquisição de bens de consumo. É possível apontar nomes
e marcas de grandes empresas de vários tipos e segmentos setoriais; veja a
seguir alguns exemplos.

„„ Do ramo de tecnologia: Apple, Microsoft, Google, Amazon, Facebook,


Samsung.
„„ Do setor bancário: bancos privados da China e dos Estados Unidos (EUA).
„„ Do ramo automobilístico: Toyota, Hyundai, General Motors, Honda,
Volkswagen.
„„ Do setor alimentício: Coca-Cola, McDonald’s, Nestlé, Danone.
„„ Do ramo de vestuário: Nike, Adidas, GAP, Puma.
„„ Do setor de bens de consumo diversos e limpeza: Unilever.

No capitalismo financeiro, o bancário é um setor expoente, pois atua


em moldes rentistas. Isso significa que ele não se reproduz com a criação
de bens de consumo, como as empresas industriais, mas por rendimentos
financeiros e especulativos.
É importante ressaltar o papel do FMI e do Banco Mundial, organismos
internacionais vinculados ao rol de agências da ONU. Eles se voltam para o
desenvolvimento e o financiamento de países que se encontram em difi-
culdades financeiras, com o intuito de gerar um ambiente governamental
saudável para as negociações entre países.
Diferentemente dos bancos privados, que buscam o máximo de lucro
em seus empréstimos, o FMI e o Banco Mundial são considerados bancos
de desenvolvimento. Eles foram criados após a Segunda Guerra Mundial, na
década de 1940, com o objetivo, a princípio, de colaborar para a reconstrução
econômica dos países devastados pelas guerras. Isso, na realidade, não
aconteceu.
Segundo o The World Bank Group (2021), o Banco Mundial é como uma
cooperativa formada por 189 países membros. Esses países são acionistas
e, portanto, são os principais formuladores de políticas do banco, que tem
como objetivo elaborar soluções sustentáveis para reduzir a pobreza e criar
prosperidade compartilhada nos países em desenvolvimento.
4 Corporações e organismos internacionais

Nas próximas seções, veremos as movimentações financeiras (emprés-


timos) do FMI e do Banco Mundial a países como o Brasil e as implicações
decorrentes dessa ajuda financeira, que se torna uma dívida externa.

Estratégias tecnológicas e financeiras


das corporações
As corporações utilizam o desenvolvimento dos setores de comunicação e de
informação como forma de diminuir o tempo gasto em atividades financeiras
e de criar dinâmicas financeiras que propiciam maiores ganhos e lucros a
curto prazo. As trocas financeiras ganham maior agilidade em escala global,
permitindo que as corporações trabalhem em diversas localidades e com
diferentes formas de ação, de acordo com as especificidades territoriais e
socioeconômicas dos países e regiões.
Com a mundialização e a globalização, as corporações passaram a adotar
medidas cada vez mais competitivas, para atingir um patamar mais vantajoso
no mercado, nas trocas comerciais e nos negócios. Essa competitividade está
pautada na adequação das estratégias de empresas individuais ao padrão
de concorrência vigente (interação entre estruturas e condutas dominantes)
de um mercado específico (FERRAZ; HAGUENAUER; KUPFER, 1996). Sobre a
postura das corporações nesse novo cenário mundial, Ferraz, Haguenauer e
Kupfer (1996, p. 7) destacam que:

As empresas buscariam adotar, em cada instante, estratégias (gastos em aumen-


to da eficiência produtiva, qualidade, inovação, marketing, etc.) voltadas para
capacitá-los a concorrer em preço, esforço de venda e diferenciação de produtos
em consonância com o padrão de concorrência vigente no seu mercado.

As corporações, em razão da acirrada concorrência, optam pela estratégia


do desempenho competitivo, condicionado por fatores internos da empresa,
como inovação, recursos humanos e produção, fatores estruturais, como
mercado, setor e concorrência, e fatores sistêmicos, como macroeconomia,
políticos, instituições e questões regulatórias (COUTINHO; FERRAZ, 1993).
As corporações atuam em um jogo de ações e competições, priorizando
e planejando a inovação de produtos, a internacionalização de mercados e a
ampliação de poder por meio de fusões e aquisições com outras empresas.
Essas práticas têm como objetivo criar vantagens competitivas para as empresas
que, uma vez predominantes no mercado, buscam adquirir outras empresas já
existentes. Assim, ganham o mercado ou as fatias de mercado já constituídos.
Corporações e organismos internacionais 5

A conduta ligada à inovação surge como um dos meios desencadeadores


de estratégias competitivas de corporações. As empresas buscam novos
produtos para o seu mercado de atuação por meio de combinações mais
eficientes dos fatores de produção ou pela aplicação prática de alguma
invenção ou inovação tecnológica (SCHUMPETER, 1997). Em decorrência da
velocidade do desenvolvimento tecnológico, rapidamente os produtos tornam-
-se ultrapassados, exigindo que as empresas inovem.
A estratégia das corporações em relação à prática das fusões e aquisições
(F&A) é frequente na atualidade. A aquisição (compra) visa a ganhar mercado
e a diminuir sua concorrência (por exemplo, com fornecedores). A fusão (li-
gamento) com outra empresa ou grupo tem como objetivo aumentar a fatia
de mercado disponível, com possibilidade de ganhos em escala e melhor
aproveitamento de mão de obra. As F&A alteram a concorrência, pois redu-
zem — ou anulam — a oportunidade de expansão das pequenas empresas
e indústrias e aumentam a taxa de crescimento e o poder de atuação das
grandes empresas que se juntaram. Em alguns casos, isso gera anomalias que
afetam a concorrência no mercado como um todo (COUTINHO; FERRAZ, 1993).
No Brasil, as F&A são regulamentadas pelo Conselho Administrativo de
Defesa (CADE), uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça.
O CADE analisa e autoriza essas práticas e é responsável por investigar,
decidir, fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência (BRASIL, 2021).

Para saber mais sobre as F&A, assista à entrevista “Fusões, Aquisições


e Avaliações das Empresas”, no canal Fipe, no YouTube. No vídeo, o
Prof. Dr. Eduardo Luzio fala sobre os objetivos que impulsionam essas estratégias
de mercado e dá exemplos de empresas e marcas que foram vendidas e fundidas.

A estratégia da internacionalização dos mercados, a princípio, é vista


como positiva, pois apenas a entrada de empresas de capital multinacional
e transnacional nos países gera empregos e impulsiona rendas e a circula-
ção da economia de uma localidade. No entanto, é importante entender as
desvantagens da internacionalização, afinal, os lucros voltam ao país de
origem (i.e., à matriz), e existe muita exploração de mão de obra, recursos e
terras. Assim, de um lado, há a geração de empregos, mas, de outro, há uma
descapitalização dos países-sede em razão da fuga de capitais (mão de obra
e recursos), o que costuma empobrecer o país.
É válido ressaltar a importância das empresas brasileiras que se interna-
cionalizaram, como a Petrobras, a Embraer, a Vale do Rio Doce, entre outras.
6 Corporações e organismos internacionais

Por meio das exportações, essas empresas atuam em mercados de outros


países, possibilitando a geração de riquezas que retornam ao território e à
sociedade brasileira.
Como visto, as estratégias tecnofinanceira das grandes corporações de-
sencadeiam uma corrida desenfreada por retorno financeiro e pelo lucro,
dois agentes que ditam as relações de poder.

Aplicações nos países emergentes


Os países emergentes são aqueles classificados como subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento, mas que apresentam um relativo desenvolvimento
econômico e social em comparação aos países mais pobres do mundo. Essa
comparação é feita em relação a patamares médios de Índice de Desenvol-
vimento Humano (IDH), industrialização recente e crescimento da economia
(PENA, [202-?]b).
Conforme destaca Pena ([202-?]b), o desenvolvimento industrial nos países
subdesenvolvidos/em desenvolvimento e emergentes se deu pela massiva
entrada de empresas estrangeiras com matriz em países desenvolvidos. Essas
corporações são atraídas a esses países em razão das vantagens locacionais,
decorrentes da matéria-prima, da mão de obra, das condições de transporte
e do mercado consumidor. As grandes empresas transnacionais ampliaram
sua participação nesses locais por meio da implantação de empresas filiais
e investimentos produtivos (infraestrutura).
Esse movimento de expansão corporativa está associado, sobretudo, à
ação financeira de organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial,
que atuam no fornecimento de desembolsos e empréstimos. Contudo, esses
empréstimos, que servem para impulsionar a instalação de empresas e so-
lucionar crises financeiras nos países, desencadeiam a formação de dívidas
exorbitantes, em razão dos juros excessivos. Além disso, os incontáveis
benefícios concedidos às empresas, como isenções fiscais e de impostos, não
retornam como deveriam, ou seja, na forma de benefícios aos trabalhadores
e aos países. Pelo contrário, a sociedade “paga” para ter esses supostos
investimentos.
Segundo Santos (2020), a dívida externa dos países é decorrente dos
empréstimos e financiamentos contraídos no exterior pelos governos dos
países e por empresas estatais ou privadas. Eles advêm de recursos de or-
ganismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, mas também de
outros bancos e empresas privadas financeiras.
Corporações e organismos internacionais 7

No caso do Brasil, tendo como base a carta de intenção e os dados do


Banco Central, foram efetuados empréstimos com o intuito de impulsionar
a economia nacional. No entanto, apesar das transferências financeiras, não
foi possível solucionar os problemas econômicos, como a inflação da moeda
(SANTOS; SANTOS, 2019). Vale destacar quatro cartas de intenções feitas pelo
Brasil no cenário contemporâneo. Veremos mais sobre elas a seguir.
A primeira carta é do início do governo Fernando Henrique Cardoso, em
1998, com recursos de 18 bilhões de dólares. Ela seria a primeira stand-by,
nome dado a empréstimos com longo tempo de carência (no caso dessa, 36
meses). Na época, o Brasil passava por um momento de intenso déficit fiscal,
gerado por uma crise de endividamento público, que teve reflexo em toda
a América Latina. O país necessitava de ajuda internacional e recorreu ao
FMI, se comprometendo a assumir uma postura de responsabilidade fiscal,
diminuição de impostos e maior comprometimento com a diminuição dos
gastos públicos (SANTOS; SANTOS, 2019).
O segundo acordo, composto por duas cartas de intenção, foi no ano 2000.
As cartas, divididas em dois momentos, demonstravam o compromisso do
governo brasileiro na época com o controle inflacionário e a preocupação com
a retomada do PIB. O Brasil, em um primeiro momento, na carta do primeiro
trimestre de 2000, buscou afirmar seu compromisso com a manutenção dos
gastos públicos (controle fiscal), a diminuição dos juros (cenário para inves-
timentos) e a redução inflacionária (melhora industrial). Com essas metas,
na terceira carta (segunda do ano 2000), o Brasil apresentou uma melhora na
geração de empregos e na retomada do crescimento do PIB. Na quarta carta,
o Brasil demonstrou que, apesar de caminhar para uma retomada do PIB e
uma tentativa de controle da inflação, não conseguiu combater o baixo índice
de industrialização se comparado ao que se esperava com os empréstimos
e propostas anteriores (SANTOS; SANTOS, 2019).
Com base nessas cartas de intenção, podemos constatar que, apesar de
os empréstimos oriundos do FMI gerarem maior confiança no mercado, isso
não se refletiu, a longo prazo, em um aumento no nível de desenvolvimento
industrial e no controle inflacionário.
Voltando à atuação das corporações, é importante destacar os motivos que
favorecem a transnacionalidade das empresas e a sua instalação e expansão
em países subdesenvolvidos/em desenvolvimento e emergentes da América
do Sul, África e Ásia. Veja a seguir.

„„ Incentivos fiscais, como doação de terrenos para instalação de parques


industriais e fábricas.
8 Corporações e organismos internacionais

„„ Isenção de impostos por um recorte de tempo (alguns anos).


„„ Grande quantidade de mão de obra.
„„ Exploração de recursos naturais (minerais, hídricos e florestais) a
preços baixos.

Em relação à mão de obra, as corporações, por vezes, atuam de forma ilegal.


Em razão do elevado índice de desemprego, os trabalhadores se sujeitam a
condições de trabalho inadequadas, com baixos salários, insalubridade e
não garantia de direitos trabalhistas.
Veja a seguir exemplos de países emergentes com índices consideráveis
de industrialização (PENA, [202-?]b).

„„ Na América Latina: o Brasil, a Argentina e o México.


„„ Na Ásia: a Índia, os Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong
e Singapura) e os Novos Tigres (Tailândia e Indonésia).
„„ Na África: a África do Sul.

Segundo Pena ([202-?]a), na industrialização tardia baseada na substituição


de importações, as limitações econômicas e sociais dos países em desenvolvi-
mento existem, principalmente, por causa da dominação colonial — a maioria
desses países foram, por séculos, colônias de exploração de países europeus
—, da dependência econômica de investimentos e dos problemas sociais.
Os problemas sociais e econômicos estão se ampliando cada vez mais
no mundo, mesmo com o investimento econômico dos países desenvolvidos
nos países subdesenvolvidos/em desenvolvimento e emergentes ou com os
empréstimos de organismos internacionais. Os problemas da má distribuição
de renda, da ausência da garantia de qualidade de vida e bem-estar aos
trabalhadores e do baixo desenvolvimento humano não foram sanados,
apesar dos acordos colaborativos.
Portanto, existe uma reflexão socioeconômica sobre essa situação, em
que as corporações lucram de forma extraordinária sob a exploração de
trabalhadores e de recursos dos territórios. Os organismos internacionais,
que, a princípio, têm objetivos colaborativos em muitos países, não são
capazes de romper com as limitações econômicas, financeiras e estruturais
que ali existem.
Corporações e organismos internacionais 9

Referências
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todamateria.com.br/capitalismo-financeiro/. Acesso em: 14 fev. 2021.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Brasília: CADE, 2021. Disponível
em: http://antigo.cade.gov.br/acesso-a-informacao/institucional. Acesso em: 14 fev. 2021.
CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
COUTINHO, L. G.; FERRAZ, J. C. Apresentação. In: COUTINHO, L. G.; FERRAZ, J. C. Estudo da
competitividade da indústria brasileira. Brasília: IE/ UNICAMP- IEI/ UFRJ- FDC- FUNCEX,
1993. (Relatório Final) p. 2–12.
FERRAZ, J. C.; HAGUENAUER, L.; KUPFER, D. Competitividade, padrões de concorrência
e fatores determinantes. In: FERRAZ, J. C.; KUPFER, D.; HAGUENAUER, L. Made in Brazil:
desafios competitivos para a indústria. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 1–54.
FRANCISCO, W. C. Empresas transnacionais. Brasil Escola, [202-?]. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/empresas-transnacionais.htm. Acesso
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PENA, R. F. A. Industrialização em países subdesenvolvidos. Mundo Educação, [202-?]
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SANTOS, M. F. V.; SANTOS, L. M. M. O Brasil e o FMI: uma análise nas cartas de intenção
de 1998 a 2004 e o constante problema da inflação. PRACS: Revista Eletrônica de Hu-
manidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, v. 12, n. 3, p. 65–73, 2019. Disponível
em: https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs/article/viewFile/5089/milenev12n3.
pdf. Acesso em: 14 fev. 2021.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Nova Cultural,
1997. (Coleção Os Economistas).
THE WORLD BANK. Organization. Washignton: World Bank, 2021. Disponível em: https://
www.worldbank.org/en/about/leadership. Acesso em: 14 fev. 2021.

Leitura recomendada
GARRA, A. Global 2000: os maiores bancos do mundo em 2020. Forbes, 2020. Disponível
em: https://forbes.com.br/listas/2020/05/global-2000-os-maiores-bancos-do-mundo-
-em-2020/. Acesso em: 14 fev. 2021.
10 Corporações e organismos internacionais

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GEOGRAFIA DA
MUNDIALIZAÇÃO
A geografia dos
blocos econômicos
Aline Carneiro Silverol

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever a estruturação dos blocos econômicos a partir de 1991.


>> Analisar as relações de produção, capital e trabalho inerentes aos blocos.
>> Identificar a interdependência dos mercados físicos e financeiros.

Introdução
Os acordos comerciais celebrados ao longo de décadas, principalmente após a
Segunda Guerra Mundial, foram os precursores da formação dos blocos econômi-
cos. Os blocos econômicos ou blocos regionais visam à facilitação das transações
comerciais e da livre circulação de bens, produtos, serviços, pessoas e capitais
entre os países do bloco.
Com o avanço do capitalismo e do processo de globalização, a formação de
blocos econômicos tornou-se ainda mais intensa, especialmente para facilitar o
acesso das grandes corporações aos mercados emergentes, com destaque para os
países periféricos. Os blocos econômicos, portanto, apresentam aspectos positivos,
como a livre circulação de produtos, serviços e pessoas, mas também há aspectos
negativos, como a interdependência dos mercados. Ao mesmo tempo que essa
interdependência cria um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico,
também aumenta a vulnerabilidade dos membros às crises.
Neste capítulo, você vai estudar de que modo ocorreu a estruturação dos
blocos econômicos a partir de 1991, articulando as informações sobre os primeiros
movimentos para a implementação de acordos regionais, bem como suas conse-
2 A geografia dos blocos econômicos

quências nos dias atuais. Além disso, você vai ler sobre as relações de produção,
capital e trabalho inerentes aos blocos e sobre a forma como a condução dos blocos
regionais interfere nesses elementos, positiva e negativamente. Por fim, você vai
examinar a relação de interdependência dos mercados físicos e financeiros e os
impactos desse processo para os países-membros e o mercado de forma geral.

Estruturação dos blocos econômicos


A partir do final da Segunda Guerra Mundial, com a desestruturação de grande
parte da Europa e das nações envolvidas no conflito, os países buscaram es-
tabelecer acordos regionais com o objetivo de ampliar o campo de influência
e negociações, além da integração de estruturas produtivas e comerciais. Os
acordos regionais também permitiriam o compartilhamento de processos
de desenvolvimento e de questões estratégicas conjuntas de interesse à
segurança em nível regional e nacional.
Os primeiros movimentos para a implementação de acordos comerciais
iniciaram na década de 1950, mas a primeira onda de acordos regionais e
tentativas de integração se fortaleceu nas décadas de 1960 e 1970 (MESSIAS;
SANTOS, 2018; MACHADO; MATSUSHITA, 2019). Nesse primeiro momento, os
acordos visavam à formação de áreas de livre comércio ou de uniões adua-
neiras por meio da redução de tarifas do comércio de bens com o objetivo
de agregar um grande número de países, garantindo, assim, mercados mais
amplos. Todos esses acordos eram fundamentados pelo Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade — Gatt)
(MACHADO; MATSUSHITA, 2019).

O Gatt foi estabelecido em 1947 e tinha como objetivo promover ou


reduzir barreiras comerciais a partir de vantagens para todos os
envolvidos. Os fundadores desse acordo foram: África do Sul, Austrália, Bélgica,
Brasil, Canadá, Ceilão, Chile, China, Cuba, Checoslováquia, Estados Unidos,
França, Holanda, Índia, Líbano, Luxemburgo, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão,
Reino Unido, Rodésia do Sul e Síria. Esse acordo perdeu a sua validade em abril
de 1994, quando foi estabelecida a Organização Mundial do Comércio (OMC)
(MACHADO; MATSUSHITA, 2019).

Os acordos e as integrações foram viabilizados após a Segunda Guerra


Mundial devido ao grande progresso das tecnologias de comunicação e de
transporte, que permitiram a redução das distâncias e do tempo de deslo-
A geografia dos blocos econômicos 3

camento e comunicação, além da aproximação de nações e culturas com o


objetivo de ajuda mútua.
Apesar dos elementos políticos que tornam as relações regionais dinâmi-
cas, a formação dos blocos econômicos, em um primeiro momento, obedeceu
a um certo regionalismo para a implantação de acordos comerciais. Nesse
sentido, o regionalismo consiste no envolvimento de setores de indústrias
específicos e de países com o mesmo nível de desenvolvimento econômico,
o que representou a base dos acordos econômicos e, décadas depois, o
estabelecimento dos blocos econômicos (MESSIAS; SANTOS, 2018).
A segunda onda iniciou no final da década de 1970 e seguiu até a primeira
metade da década de 1990, cujo protagonista foram os Estados Unidos.
Devido aos problemas de balança comercial, especialmente déficits com a
Europa e o Japão, os norte-americanos buscaram a implementação de trata-
tivas regionais de livre comércio e vantagens com alguns de seus parceiros
(MESSIAS; SANTOS, 2018).
Nessa segunda onda, o conceito de comércio já está ampliado, de forma
que temáticas de negociação como restrições quantitativas, antidumping
e defesa comercial (serviços, propriedade intelectual e investimentos,
compras governamentais, entre outros) passaram a ser amplamente dis-
cutidas. No caso de demandas em que não havia regras multilaterais, os
acordos regionais desenvolviam regras próprias, criando as barreiras
necessárias conforme as necessidades de ambos. Com o aumento do
interesse e da participação dos países na celebração de acordos regio-
nais, também foram firmados ambientes favoráveis a arranjos militares,
especialmente por parte dos Estados Unidos. Esses ambientes militares
tinham como objetivo a instalação de bases em áreas estratégicas, com
a prerrogativa de evitar conflitos da mesma ordem que a Segunda Guerra
Mundial (MESSIAS; SANTOS, 2018).
Já a terceira onda teve início no final dos anos 1990, com o impulso do início
da década seguinte e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), perdendo força em meados do século XXI. Essa fase é caracterizada
pela pulverização de acordos a partir da criação de regras e mecanismos de
integração que extrapolam a própria regulação presente no regime multila-
teral de comércio já existente. Além disso, os acordos comerciais envolveram
quase todos os setores e incluíram países com diferentes níveis de desen-
volvimento. Essas mudanças decorreram da necessidade de novos mercados
para as exportações, o que também promoveu maior integração dos países
(REIS; AZEVEDO; LELIS, 2014).
4 A geografia dos blocos econômicos

Origem dos blocos econômicos


O surgimento dos grandes acordos comerciais e megamercados não é recente.
Os megamercados eram resultantes do regionalismo identificado na segunda
onda, em que os países celebravam acordos comerciais em segmentos específicos
da indústria de acordo com seus interesses mercadológicos. Desde o final da
Segunda Guerra Mundial, observa-se a tendência de alguns países em firmar
acordos regionais, de forma a se organizarem em um único mercado, e sob a
liderança dos Estados Unidos, um país capitalista que saiu fortalecido do conflito.
Com o fim da URSS, em dezembro de 1991, os países capitalistas iniciaram
uma grande disputa pelo controle dos mercados consumidores socialistas
que se abriram a partir de então. Como a ação individualizada seria mais
difícil, os países se uniram em blocos econômicos inicialmente em escala
regional, com o objetivo de alcançar os mercados, além da ajuda mútua entre
os membros (MESSIAS; SANTOS, 2018). Veja a Figura 1.

Figura 1. A queda do Muro de Berlim, em 1989, representou o fim da era comunista e socialista
na Europa.
Fonte: Bensch (2019, documento on-line).

Os blocos econômicos consistem em um tipo de acordo intergovernamental


em que são criadas associações entre os países com a finalidade de estabe-
lecer relações econômicas e comerciais entre si e entre as demais nações,
mas de favorecimento mútuo e diferenciado com elas. Nesse sentido, essas
associações buscam o crescimento das relações mútuas economicamente e
a integração das relações de comércio por meio da redução ou eliminação
de barreiras (MACHADO; MATSUSHITA, 2019). Portanto, os blocos econômicos
A geografia dos blocos econômicos 5

resultam em mercados regionais entres os países para dinamizar e integrar a


economia de seus membros pela livre circulação de mercadorias, o que se dá
com o relaxamento de políticas tributárias e fiscais e outros incentivos que
facilitem a importação e a exportação de produtos, intercâmbio de serviços,
mão de obra e legislações.
De acordo com Machado e Matsushita (2019), o aparecimento dos blocos
econômicos foi favorecido devido aos seguintes fatores.

„„ Os países com políticas semelhantes já realizavam algumas alianças


comerciais de forma natural, movimentando o comércio multilateral
e a competitividade entre regiões.
„„ A adesão dos Estados Unidos às políticas de regionalismo.
„„ O desmonte do Bloco do Leste com o fim da URSS, cujos países puderam
celebrar acordos de livre comércio com qualquer nação.
„„ O próprio efeito em cascata provocado pelo regionalismo, que des-
pertou o desejo de outros países de celebrar acordos e/ou compor
blocos econômicos, protegendo as suas economias.

Os blocos econômicos são classificados conforme o acordo comercial,


como se vê a seguir (MESSIAS; SANTOS, 2018).

„„ Acordo preferencial de comércio: é definido pela redução ou eliminação


de tarifas e restrições quantitativas a determinado grupo de produtos
entre os países signatários do acordo.
„„ Áreas de livre comércio: são uma espécie de acordo em que há a isenção
de taxas e impostos na comercialização de produtos e serviços entre
os países que formam o bloco.
„„ União aduaneira: consiste na implementação de condutas e acordos
comerciais para ampliar a sua ação com países de dentro do seu bloco
econômico.
„„ Mercado comum: é um conjunto de acordos que visam à integração
da economia, possibilitando a passagem de mercadorias e pessoas
entre os países-membros.
„„ União econômica e monetária: refere-se aos acordos que possibilitam
a integração da economia e a criação de moeda única para os países
do bloco.
„„ Integração econômica total: consiste na unificação de políticas eco-
nômicas, como a moeda única e a elegibilidade de uma autoridade
supranacional para resolver questões que afetem o bloco.
6 A geografia dos blocos econômicos

Os blocos econômicos existentes e sua classificação estão reunidas no


Quadro 1.

Quadro 1. Exemplos de blocos econômicos

Classificação do bloco econômico Exemplos

Acordo preferencial de comércio Aladi, Mercosul-Índia, Aliança do Pacífico

Áreas de livre comércio Nafta

União aduaneira Mercosul, Associação de Nações do


Sudeste Asiático (Asean)

Mercado comum Comunidades europeias (antes da


formação da União Europeia)

União econômica e monetária União Europeia

Integração econômica total União Europeia

Fonte: Adaptado de Messias e Santos (2018).

Essa classificação também representa as etapas que os blocos costumam


percorrer até alcançarem a integração econômica. Esse é o caso da União
Europeia, que era denominada Mercado Comum Europeu até 1993, quando
houve a mudança para União Europeia com a celebração do acordo da criação
da moeda única, o euro, cuja circulação iniciou em 1999.
Ao mesmo tempo que o Ocidente, principalmente sob a liderança dos
Estados Unidos, se organizou na formação de blocos econômicos, os países
asiáticos também buscaram o estabelecimento de acordos para enfrentar a
hegemonia dos norte-americanos e dos europeus. A Cooperação Econômica
da Ásia e do Pacífico (em inglês Asia-Pacific Economic Cooperation — Apec)
foi criada em 1989 e transformada em uma zona de mercado comum em 1994.

Relações de produção, capital e trabalho


nos blocos econômicos
Os blocos econômicos são criados com o objetivo de promover as relações
comerciais entre os países-membros por meio de medidas que fomentem
as interações comerciais, como a redução ou isenção de impostos ou tarifas
alfandegárias e a solução dos problemas comerciais em comum (MACHADO;
MATSUSHITA, 2019).
A geografia dos blocos econômicos 7

A formação dos blocos econômicos e, consequentemente, a celebração


de acordos comerciais diversos, dentro ou fora do bloco, favorecem o cres-
cimento econômico dos países envolvidos, inclusive dentro do bloco, com
barreiras protecionistas, contribuindo para a evolução do mercado interno.
Ao mesmo tempo, os países que não participam de um bloco, por razões
comerciais, políticas, econômicas ou sociais, podem ser prejudicados caso
não possuam um produto de grande valor, como as commodities, ou não
detenham a propriedade intelectual de tecnologias e processos.
Os blocos econômicos surgiram para proteger a economia globalizada
com barreiras à nova ordem global, que está articulada em cinco elementos
descritos a seguir (PETRI; WEBER, 2006).

„„ Indivíduo: no sistema globalizado, é representado como um ser ino-


vador, consumidor e produtor, pois parte-se do princípio de que ele é
livre, de forma a buscar e interagir com elementos que maximizem a
sua utilidade individual, base da meritocracia.
„„ Mercado: no mundo globalizado, é representado pela afirmação do livre
mercado em detrimento às formas coletivas, comunitárias, gratuitas
e estatais: a sociedade de mercado.
„„ Equidade: refere-se ao princípio de que é o mercado que realiza a
verdadeira justiça social, não o Estado, uma vez que, se o mercado
estimula a concorrência e gera empregos, ele também estimula a com-
petitividade entre os indivíduos pelas melhores oportunidades e, com
isso, a busca incessante por formação e especialização. Dessa forma,
o mercado atribui ao indivíduo o sentido de autorresponsabilidade,
cujos méritos dependem dele, não do Estado.
„„ Empresa privada: no sistema globalizado, é a organização que, na
sociedade de mercado, garante a coordenação das transações na
concorrência em todas as escalas de mercado (regional e global),
transformando-se em grandes monopólios que atuam em diversas
frentes: financeiro, produtivo, comércio e serviços.
„„ Capital: é o parâmetro para todos os bens, serviços e indivíduos.

Esses elementos conduziram a desconstrução do elemento político e das


categorias do espaço geográfico, como a região, a nação, o continente e o
mundo, em que tudo foi remodelado para ajustar uma nova ordem global,
originando um novo mundo e uma nova sociedade, enquanto os processos
decorrentes da ação da globalização afetaram as relações de produção, de
capital e de trabalho no mundo. O avanço da globalização e a redução das
8 A geografia dos blocos econômicos

relações de fronteira entre as nações com os blocos econômicos reduziram


as relações antagonistas com o livre comércio, o mercado mundial, a unifor-
mização industrial e as condições de vida resultantes (PETRI; WEBER, 2006).

Relações de produção e os blocos econômicos


A partir da década de 1990, houve um aumento de acordos regionais comerciais
de natureza recíproca. Com a derrubada do socialismo, o capitalismo precisava
avançar por todas as nações e, assim, efetivar a globalização. Nesse contexto,
as empresas multinacionais e os blocos econômicos seriam essenciais para
a implantação de um mercado global, sem fronteiras, mas também seletivo,
uma vez que nem todos participariam.
Dessa forma, considerando a competitividade como o motor do capitalismo
após a década de 1990, para que ela se concretizasse era preciso fluidez, de
modo a garantir as condições necessárias para que a concorrência pudesse
ocorrer em qualquer escala, especialmente a internacional. Portanto, as
grandes corporações multinacionais precisavam fomentar ações que favo-
recessem a remoção dos entraves à livre circulação de capitais, produtos,
serviços e pessoas.
No caso da produção, entre as vantagens dos acordos entre blocos, como,
por exemplo, o acordo da Aliança do Pacífico com o Mercosul, estão melhores
condições de negociação e, assim, menor custo dos produtos. Logo, há maior
volume de produção, maior eficiência na produção e comercialização (uma vez
que os acordos favorecem a circulação de bens e serviços pelos territórios
das nações envolvidas) e maior competitividade, motivada pela eliminação
de tarifas sobre a importação e, consequentemente, pelo maior consumo de
mercadorias (MACHADO; MATSUSHITA, 2019).
Por outro lado, também há desvantagens nesse processo, como a oferta
de concessões por parte do bloco econômico. Os países-membros, apesar de
estarem em um mesmo bloco, não têm o mesmo nível de desenvolvimento e,
ao participarem dos acordos, podem ter prejuízos nos aspectos que envolvem
o capital, a produção e o trabalho em seu próprio território. E pelo fato de a
população não ter o poder aquisitivo necessário para a inclinação ao mercado
interno, faz-se necessária a exportação para outros países ou blocos.
Além disso, a ação do bloco traz a sensação de perda de soberania,
pois as decisões são coletivas, e também novas polarizações geopolíticas
em função de disputas de mercados entre blocos e outras modalidades de
acordos. Ao abolir a noção de fronteiras no âmbito dos blocos econômicos
e, por consequência, a noção de poder, a nação passa a ser vista como
A geografia dos blocos econômicos 9

um território permeável à passagem de produtos e ideias, o que altera o


sentimento de pertencimento a uma nacionalidade específica (MACHADO;
MATSUSHITA, 2019).

O capital e os blocos econômicos


A atuação das empresas transnacionais e dos oligopólios, que foi facilitada
pelos blocos econômicos, contribuiu para a criação de especulações finan-
ceiras promovidas pelo capital volátil transnacional, resultando em graves
crises das economias nacionais, como ocorreu no México em 1994, no Brasil
em 1999, e na Argentina em 2001. A especulação financeira pode ser definida
como a compra de ativos para uso futuro, por meio de venda, para a obtenção
de lucro em cenários de incerteza. As condições de incerteza, como crises
econômicas, políticas, cambiais e sociais, reduzem os preços dos ativos, que
são adquiridos para venda futura. Quando as condições se estabilizam, os
ativos voltam a valorizar e, assim, são vendidos.
As especulações promoveram a queda da credibilidade das moedas nacio-
nais, o que impactou não apenas a economia nacional, mas também toda a
área de influência. Esse cenário repercutiu nas áreas comerciais, atrapalhando
as relações de exportação e importação, prejudicando a questão financeira,
reduzindo o interesse pelos títulos do país, diminuindo a entrada de dinheiro
e provocando um efeito cascata nas bolsas de valores. Além disso, afetou
a questão cambial, com a desvalorização da moeda nacional em relação ao
dólar norte-americano, que é a moeda das transações.
Com a globalização e os blocos econômicos, a acumulação capitalista
passou a ser transposta para as regiões mais favoráveis ao capital, cuja
rentabilidade tornou-se mais atrativa. Essas operações alteraram o equilí-
brio aparente entre as nações capitalistas produtoras de matérias-primas
(tomadoras de capital e tecnologia) e as nações fornecedoras de capital e
tecnologia. Os países mais dependentes economicamente estão mais sujeitos
às oscilações de mercado e às suas consequências, que ocasionam crises e
desequilíbrios econômicos e fiscais, além da intensa desvalorização cambial.

As relações de trabalho e os blocos econômicos


A competitividade capitalista, facilitada e ampliada com o fortalecimento
dos blocos econômicos, fomentou a sobreposição do capital financeiro e
bancário em relação à produção, impactando as relações de trabalho e a sua
transformação ao longo das décadas.
10 A geografia dos blocos econômicos

Para aumentar a lucratividade das atividades econômicas, foi realizada


a flexibilização da produção, que consiste em uma estratégia do capital
que envolve uma reestruturação produtiva e tem como objetivo aumentar a
produtividade e a competitividade diante do mercado globalizado e das trans-
formações industriais. Essas transformações estão relacionadas às inovações
tecnológicas e organizacionais, que alteraram significativamente as relações
de trabalho e o próprio mercado de trabalho (OLTRAMARI; PICCININI, 2006).
A flexibilização da produção envolve novos mecanismos de organização
e gestão da produção, associadas ao modelo japonês ou toyotista. Além
disso, a flexibilização está ligada às exigências de organização da força de
trabalho no processo de produção. Ela engloba o conjunto de práticas que
possibilitem a convergência entre o progresso técnico, a produtividade e a
adaptabilidade da força de trabalho em face das incertezas da demanda e da
concorrência, em nível nacional e internacional (OLTRAMARI; PICCININI, 2006).
A reestruturação produtiva é um processo complexo e que geralmente
ocorre em grande escala, abrangendo toda a estrutura econômica, além das
entidades reguladoras, relacionadas à legislação e à regulamentação de
mercados. Sendo assim, uma reestruturação produtiva envolve os blocos
econômicos, os direitos trabalhistas, os direitos do consumidor, o papel do
Estado, o mercado financeiro, as mudanças internas na própria empresa e a
sua relação com outras empresas (OLTRAMARI; PICCININI, 2006).
Por conta da pressão do sistema na busca por lucratividade e produtivi-
dade, há a necessidade de reestruturação e alteração dos processos produ-
tivos, o que reduz ou gera empregos e impacta diretamente o mercado de
trabalho (OLTRAMARI; PICCININI, 2006). Esses impactos podem ser de ordem
técnica/educacional ou ligados ao regime de trabalho.
Os impactos de ordem técnica/educacional estão relacionados às mu-
danças e exigências constantes de conhecimento e atualização. A cada nova
reestruturação, novos conhecimentos são exigidos, mas obtê-los não garante
a estabilidade do trabalhador no emprego. No caso de dispensa ou subcon-
tratação, todo o investimento é subutilizado, além de tornar-se obsoleto com
o tempo, criando um eterno ciclo de busca de atualização.
Já os impactos nas relações de trabalho estão associados a processos
externos e internos às indústrias. Como processo externo, um dos mais
significativos é a terceirização, que consiste na transferência de parte das
atividades para outras empresas, permitindo que a empresa principal se
concentre em sua atividade-fim, ou seja, na produção de seu produto. As
formas de terceirização podem ser atividades-meio, atividades de apoio e
sublocação de mão de obra.
A geografia dos blocos econômicos 11

A terceirização de atividades-meio consiste na transferência de ati-


vidades essenciais para a empresa, mas que não estão relacionadas
ao produto final, como as atividades de limpeza, vigilância e alimentação, por
exemplo.
A terceirização de atividades de apoio também está associada a limpeza,
vigilância e administração predial, permitindo a redução de pessoal diretamente
contratado pela empresa principal, reduzindo seus custos.
Já a sublocação, ou subcontratação, de mão de obra ocorre quando a empresa
contrata uma agência que fornece trabalhadores para as atividades-fim da empresa
principal, mas cujo vínculo empregatício é com a empresa prestadora do serviço.

Com relação aos processos internos às indústrias, tem-se o banco de


horas e o trabalhador multifuncional. O banco de horas consiste no armaze-
namento de horas, permitindo que empregadores e empregados negociem
a compensação de horas no trabalho. Assim, o sistema funciona como um
banco: o trabalhador credita horas, por exemplo, chegando mais cedo e/
ou saindo mais tarde do trabalho, e também debita horas quando chega
atrasado e/ou sai mais cedo ou falta ao trabalho. Esse sistema possibilita ao
empregador gerir as horas trabalhadas, evitando ou reduzindo o pagamento
de horas extras por meio da compensação do excesso de horas em redução da
jornada, folgas ou extensão das férias, o que diminui seu custo operacional.
Os trabalhadores multifuncionais, ou multitarefa, são indivíduos capazes
de operar máquinas ao mesmo tempo que supervisionam o trabalho e geren-
ciam o processo produtivo. O incentivo e a preferência pelo comportamento
multitarefa objetiva aumentar a produtividade e fomentar o trabalho coletivo
e de equipes mais autônomas. Além disso, esses trabalhadores apresentam
capacidade de flexibilização, de forma a exercer funções variadas, como
manejar diferentes equipamentos e liderar e motivar equipes, por exemplo (OL-
TRAMARI; PICCININI, 2006). Os trabalhadores, enquanto desempenham as suas
funções, também fiscalizam o cumprimento de tarefas de outros indivíduos,
gerando um clima hostil entre os próprios colegas, limitando a ação coletiva
e, consequentemente, gerando reclamações sobre as relações de trabalho.

Interdependência dos mercados físicos


e financeiros
Os mercados físicos podem ser definidos como aqueles que envolvem pro-
dutos, mercadorias e tecnologias. Já os mercados financeiros envolvem os
investimentos, as especulações, os empréstimos, os juros e os lucros. As
12 A geografia dos blocos econômicos

interdependências física e financeira dos mercados foram ampliadas com a


expansão do capitalismo e a globalização, sendo o pilar da globalização, a
fim de aumentar a lucratividade, seja pela elevação da comercialização, pela
redução dos custos com matérias-primas e tecnologias, ou pela precarização
da força de trabalho. Dessa forma, os mercados envolvidos e interligados
podem sentir tanto os impactos positivos dessas relações (p. ex.: aumento
do lucro) como os impactos negativos (relacionados às crises). A dimensão
do impacto e os seus efeitos em cada país, dentro de um bloco, variam de
acordo com a sua condição macroeconômica no momento.
Portanto, a interdependência cria um mecanismo de impacto e de trans-
missão, ou seja, o impacto (positivo ou negativo) é transmitido aos demais
ligados a essa rede, como um contágio. Assim, as mudanças macroeconômicas
promovidas por um dos membros ou por todo o bloco geram um impacto
que se propaga pela interdependência de cada membro do bloco. O contágio
pode ser definido como o aumento da probabilidade de crise em determinado
país, condicional à ocorrência de crise em outro. Esse efeito é potencializado
devido ao aumento das inter-relações entre os países, que geram maior
interdependência, aumentando o risco de crise (VIDAL, 2011).
Nesse sentido, a interdependência afeta diretamente a economia dos
países, à medida que interfere no mercado de capitais dos países do bloco,
mesmo que apresentem diferenças entre si. Isso significa que há mercados
com mais ou com menos risco, mas todos passam a ser interdependentes
em função dos acordos comerciais. Portanto, quando há uma crise em um
dos membros, ocorre redução do aporte financeiro para este, mas todo o
conjunto é atingido.

Aspectos negativos da interdependência


dos mercados
Os aspectos positivos da interdependência dos mercados, como a facilitação
das relações comerciais e a livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias
e capitais, são mais perceptíveis, especialmente pela população. Entretanto,
os aspectos negativos da interdependência são responsáveis por provocar
os impactos mais profundos em economias menos fortalecidas, pois nem
todos os países-membros têm as mesmas características políticas e macro-
econômicas que assegurem menor turbulência.
As causas dos problemas relacionados à interdependência, no mercado
financeiro, estão associadas aos fundamentos macroeconômicos e ao com-
portamento dos investidores. Os fundamentos macroeconômicos referem-se
A geografia dos blocos econômicos 13

ao comportamento de elementos da economia, como a produção, a geração


de renda, o uso de recursos, a flutuação dos preços e o comércio exterior, que
possibilitam a avaliação de cenários relacionados ao crescimento da economia,
ao pleno emprego, à estabilidade de preços e ao controle inflacionário. Portanto,
os elementos que compõem a macroeconomia revelam o comportamento e as
tendências de uma economia regional ou nacional (CARVALHO; CHIANN, 2013).
Os elementos que compõem a macroeconomia, como as relações comer-
ciais e financeiras, são os responsáveis pela transmissão da crise entre os
países. Eles podem atuar em três frentes. A primeira é onde as crises podem
ser resultado de um fator comum, como as decisões de política econômica
tomadas por um país desenvolvido com efeitos macroeconômicos em merca-
dos emergentes. A segunda refere-se às crises em mercados emergentes, que
afetam os fundamentos macroeconômicos de outros mercados emergentes,
como a desvalorização cambial. E a terceira consiste no surgimento de uma
crise em determinado país e pode servir de gatilho para provocar uma crise
em outro país, sem qualquer relação com os fundamentos macroeconômicos
deste. Nesse caso, pode haver a influência do comportamento do investidor,
que muda a forma de avaliar as informações de acordo com a sua experiência
de mercado (CARVALHO; CHIANN, 2013).
Uma crise em determinado país ocasiona perdas financeiras aos inves-
tidores, que, para recompor seu prejuízo, vendem seus ativos em outros
países, provocando um aumento ainda maior da saída de capitais do país em
crise. Com isso, ele perde credibilidade junto ao mercado, dificultando a sua
recuperação, como ocorreu com o Brasil na década de 1990, quando houve
uma descapitalização, elevando o risco.

Entre 1995 e 1996, a pressão americana na cotação do dólar contra


a cotação da moeda japonesa yen reduziu as exportações do Japão.
Por meio do contágio (relações de interdependência de mercado com outros
países asiáticos), houve uma crise financeira para todos, em diferentes graus,
que também foi transmitida aos países latino-americanos (VIDAL, 2011).

As relações comerciais e financeiras entre os países também são res-


ponsáveis por choques locais, que afetam o comércio e o câmbio. Quando
a moeda de determinado país é desvalorizada por uma crise, aumenta a
competitividade dessa frente a um terceiro país, pressionando as moedas
de ambos os países. Um exemplo disso foi a crise de 1999, no Brasil, em que
o real foi seriamente ameaçado e desvalorizado (VIDAL, 2011).
14 A geografia dos blocos econômicos

O real, moeda brasileira criada em 1994, tinha um regime de câmbio fixo


para o controle da inflação. Os eventos externos, como a crise da Rússia e a
crise do leste asiático (efeito contágio nos mercados), associados aos pro-
blemas brasileiros como a falta de ajuste fiscal e o endividamento público,
geraram uma crise de desconfiança que promoveu a saída de capitais do Brasil.
As reservas de moeda (lastro) chegaram a um limite crítico e, mesmo com a
intervenção governamental, não foi possível estancar a saída e controlar o
câmbio, que passou a ser flutuante desde então (AVERBUG; GIAMBIAGI, 2000).
A interdependência dos mercados também interfere no comportamento
dos investidores, ou seja, no poder de decisão sobre onde seus recursos serão
alocados. Essa decisão é sujeita a incertezas, como: a valorização de seus
ativos; o desempenho dos fundamentos macroeconômicos de uma economia,
que está relacionado às políticas econômicas e às ações de cada país para os
ajustes; e o futuro de maneira geral (NOGUEIRA; LAMOUNIER, 2008).
Esses componentes são incorporados ao risco do negócio, uma vez que
podem comprometer a lucratividade de determinado investimento. Portanto,
o risco é uma medida dessa incerteza e, como os investidores são racionais,
eles buscam ativos que minimizem o risco para uma determinada taxa de
retorno esperada. Com base nos seus interesses, os investidores devem buscar
informações sobre o mercado que os auxiliem na elaboração da composição
de uma carteira para que a estratégia financeira atinja ao objetivo inicial
(NOGUEIRA; LAMOUNIER, 2008).
As informações transmitidas pelos investidores, que podem ser positivas
ou negativas para os mercados, como as mudanças econômicas e especula-
ções políticas, podem reagir por antecipação. Isso ocorre especialmente nos
casos de países em que não há muita informação disponível ou clareza nas
políticas econômicas, e os investidores desempenham papel fundamental na
divulgação das informações, que podem ser verídicas ou não, ocasionando
crises e pânico nos mercados (VIDAL, 2011). Portanto, o comportamento dos
investidores pode gerar um ambiente de incerteza e de especulação de acordo
com os fatos e a sua interpretação sobre eles, manipulando os mercados.
Dessa forma, os países que compõem blocos econômicos estão expostos aos
processos de contágio, pois todo tipo de especulação impacta o mercado
devido ao seu grau de interdependência.
Os blocos econômicos, no decorrer das décadas, sempre evidenciaram
a sua importância na facilitação da circulação de bens, mercadorias, capi-
tais e pessoas. Os acordos comerciais, base dos blocos econômicos, estão
intimamente associados ao processo de globalização, que pode apresentar
pontos positivos e negativos, como a ampliação geográfica e a crescente
A geografia dos blocos econômicos 15

interação do comércio internacional, a conexão global dos mercados finan-


ceiros e o crescimento do poder das companhias transnacionais. A interação
e a interdependência, facilitadas pela revolução dos meios de informação e
comunicação, trouxeram à tona questões importantes relacionadas à circu-
lação de capitais e de pessoas.
Com relação aos capitais, o mundo globalizado e as suas corporações
buscam sempre a otimização dos processos e o aumento do lucro, o que
leva a diferentes estados de especulação de mercados, sempre objetivando
a lucratividade. Já em relação aos indivíduos, a globalização e a formação de
blocos econômicos têm gerado diferentes conflitos com o passar dos anos,
muitos deles transnacionais. Esses conflitos estão associados às questões
relativas ao próprio processo de globalização, como o desemprego, as con-
dições cada vez mais precárias de vida e a preservação ambiental. E muitas
dessas questões têm despertado o nacionalismo, o anti-imigrante e a proteção
dos mercados como um pedido ao retorno de suas individualidades como
território e como nação, perdidas com a globalização e os blocos econômicos.

Referências
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BENSCH, F. Queda do Muro de Berlim faz 30 anos: veja relatos de quem esteve lá. Exame,
2019. Disponível em: https://exame.com/mundo/queda-do-muro-de-berlim-faz-30-
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CARVALHO, J. V. F.; CHIANN, C. Redes Bayesianas: um método para avaliação de in-
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MESSIAS, F. J.; SANTOS, O. S. Blocos econômicos regionais: premissas, impactos e
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NOGUEIRA, E. M.; LAMOUNIER, W. M. “Contágio” entre mercados de capitais emergentes
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OLTRAMARI, A. P.; PICCININI, V. C. Reestruturação produtiva e formas de flexibilização do
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16 A geografia dos blocos econômicos

PETRI, F. C.; WEBER, B. T. Os efeitos da globalização nos processos de integração dos


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REIS, M.; AZEVEDO, A. F. Z.; LELIS, M. T. C. Os efeitos do novo regionalismo sobre o
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Acesso em: 22 mar. 2021.
VIDAL, T. L. Crises financeiras: efeito contágio ou interdependência entre os países?
Evidências utilizando uma abordagem multivariada. 2011. Dissertação (Mestrado em
Administração) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: https://
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Leituras recomendadas
HAESBAERT, R. Blocos internacionais do poder. São Paulo: Contexto, 1990.
HAESBAERT, R. (org.). Globalização e fragmentação do mundo contemporâneo. Rio de
Janeiro: Eduff, 1998.

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GEOGRAFIA DA
MUNDIALIZAÇÃO
Os grupos industriais
como agentes ativos
da mundialização
financeira
Katia Maria Pires da Silva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Reconhecer a interdependência entre indústria, consumo e finanças.


>> Descrever o funcionamento do mercado de câmbio e a especulação de
moedas.
>> Identificar os grupos industriais e seu modo de operação.

Introdução
O capitalismo permanece como sistema econômico hegemônico e único em quase
todas as nações, desde sua estruturação no século XVIII, na fase do capitalismo
industrial. Esse sistema visa à acumulação de capital e ao lucro. O consumo é
incentivado para aumentar a produção e a fabricação de itens diversos.
No sistema capitalista de produção, há uma clara divisão de classe social
entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores, cada vez mais
segmentada pela desigualdade de distribuição de renda. Isso porque a remu-
neração do trabalhador é muito menor do que vale sua força de trabalho, e os
grandes proprietários dos meios de produção, por sua vez, lucram com essa força
de trabalho.
2 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

A atual fase desse sistema pode ser definida, de acordo com Chesnais (1996),
como mundialização do capital. Novas estratégias são utilizadas para sua ma-
nutenção, tendo como determinantes o mercado financeiro e os grandes grupos
industriais, constituídos por aglomerados de empresas. Neste capítulo, você vai
estudar esses grupos industriais, como atuam no mercado financeiro e como
utilizam a especulação financeira e a dinâmica cambial para promover ações
que os beneficiem.

Interdependência entre indústria, consumo


e finanças
Finanças é o “[…] conjunto dos recursos econômicos e financeiros de uma
entidade ou de um Estado” (FINANÇAS, c2021, documento on-line). As práticas
financeiras estão interligadas com instituições, mercados e instrumentos
envolvidos na transferência de fundos entre pessoas, empresas e governos.
Por exemplo, quando optamos por algum produto com base no preço, ou nos
matriculamos em cursos, parcelamos dívidas, negociamos salário, escolhemos
um fundo de aposentadoria mais adequado, como indivíduos ou como institui-
ção, de órgãos governamentais ou não, estamos administrando fundos e capital.
Para observar a ligação entre consumo e finanças, podemos citar o exemplo
da eficiência da gestão de finanças em um Estado ou indústria. Os números
de circulação de capital e a produção de bens de consumo são variantes
responsáveis pelo poder de compra do consumidor. O Estado pode conceder a
circulação eficiente de capital, investimentos e subsídios para indústrias que,
em troca, contribuem com impostos arrecadados para as receitas do Estado.
A produção de bens e serviços oriundos de atividades industriais ocorre
com sua instalação e seu funcionamento em dado território, gerando novos
meios de renda e trabalho para a população local. Acrescentam-se a isso
novos negócios e empresas que se alocam em áreas próximas para fornecer
material de produção para as indústrias ou serviços aos trabalhadores que
ali exercem suas atividades.

Nem sempre os produtos fabricados pela indústria são comerciali-


zados na mesma região ou país de sua produção, porque, às vezes,
a população local não tem poder de compra suficiente. Por exemplo, é muito
comum, em especial em países emergentes, como o Brasil, que carros sejam
produzidos em território nacional e exportados para outros países. No entanto,
a indústria lucra com a produção de veículos de outras maneiras, como pela
mão de obra mais barata frente a outros países e pela concessão de subsídios.
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 3

A produção industrial é avaliada e contabilizada para indicar valores


do produto interno bruto (PIB) de uma nação, um dos índices que definem
crescimento econômico. Atividades industriais de bens de produção ou de
bens de capital são importantes para gerar renda e postos de trabalhos,
além de contribuírem para a distribuição de finanças aos proprietários das
indústrias, aos trabalhadores e à sociedade em geral. Ao serem inseridas em
um território, as indústrias diversificam os fluxos de renda e as relações de
trabalho. As atividades industriais podem ser divididas em três segmentos,
conforme seguem.

„„ Indústria de bens de produção: movimenta boa parte da economia


brasileira, inclusive com exportações. É também chamada de indústria
de base ou pesada, responsável pela transformação de matérias-
-primas brutas em matérias-primas processadas, sendo a base para
outros ramos industriais. Exemplos: madeireiras e produção mineral.
„„ Indústria de bens de capital: auxilia outras indústrias e empresas a
cumprirem o seu papel por meio da produção de máquinas e equipa-
mentos. Exemplos: siderúrgicas e petroquímicas.
„„ Indústria de bens de consumo: transformam matérias-primas e recursos
em produto final, que é oferecido ao consumidor. Exemplos: bebidas,
alimentos, tecnologias e produtos têxteis.

O que move essa engrenagem é o consumo exacerbado de bens e ser-


viços, cada vez mais incentivado e propagado. O ato de consumir/adquirir
produtos e bens diversos tornou-se essencial para o sistema capitalista de
produção e, por conseguinte, para a vida cotidiana. Ao consumir, a sociedade
participa ativamente dessa lógica. Contudo, os incentivos, as propagandas e
o acesso a crédito podem estar nos fazendo consumir sem necessidade, o que
propicia a geração cada vez maior de produtos diversos. Para as atividades
industriais, isso é bastante positivo, mas, do ponto de vista ambiental, há
um grande impacto negativo, em razão da enorme quantidade de produtos
não recicláveis que demoram muitos anos para se decompor.
O reflexo dessa lógica de acumulação e consumo de bens e serviços é,
portanto, a enorme quantidade de produtos comercializados e oferecidos
à sociedade. Para isso, as indústrias podem se alocar próximo aos centros
consumidores ou aos principais centros de matéria-prima. Nem sempre o
local da indústria é o principal centro consumidor. Dependendo do tipo de
produto, ele muitas vezes é comercializado e adquirido em locais distintos.
4 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

Há também indústrias envolvidas na produção de bens, sejam duráveis,


sejam não duráveis, que se estabelecem em regiões onde seus produtos são
mais comercializados e consumidos, por questões logísticas e de maior ren-
tabilidade nos lucros. Além disso, essa ação oferece retorno de investimento
mais rapidamente e com menos energia. Veja a seguir alguns exemplos de
bens duráveis e não duráveis.

„„ Indústria de bens duráveis: produzem produtos não perecíveis, como


automobilística, eletrônica ou robótica.
„„ Indústria de bens não duráveis: produzem produtos perecíveis, de
primeira necessidade, como farmacêutica, têxtil, calçadista, alimentícia.

A procura e a oferta por produtos, como vimos, estão atreladas ao capita-


lismo, com ações que difundem o consumo e estimulam a produção industrial.
Além disso, há a tendência de se produzir para suprir as necessidades dos
consumidores. Atualmente, com a difusão de informações e o acesso à internet,
muitos indivíduos são influenciados a adquirir novos produtos. De acordo
com Lima (2012), isso estimula a acumulação de bens industriais e o consumo
em massa, movimentando mercados financeiros globais e influenciando os
índices econômicos do poder de compra de uma nação.
O reflexo desse consumo é notadamente percebido em períodos de de-
senvolvimento econômico positivo, porque as indústrias de produção, em
geral, são as mais beneficiadas com a acumulação e a geração de lucros. Com
o mercado financeiro eficiente, a produção e o consumo de mercadorias são
estimulados, e as empresas têm acesso a recursos mais baratos, podendo
investir mais na produção e, consequentemente, gerar mais lucros, que serão
reinvestidos. Dessa maneira, dá-se continuidade a um círculo vicioso, que
ocasiona mais riqueza para grandes indústrias.

O consumidor final não se beneficia do lucro gerado pelas indústrias.


Encargos financeiros são repassados ao consumidor em forma de
impostos, que serão arrecadados pelo Estado. Este, por sua vez, também arrecada
impostos e tarifas que foram necessárias para o estabelecimento e o funciona-
mento das indústrias, redirecionando-os para investimento em setores públicos,
como saúde e educação. Já a sociedade que conta com algum tipo de recurso
financeiro e tem acesso a crédito e financiamento é influenciada para adquirir
mais bens, aumentando, desse modo, o consumo. No entanto, a distribuição de
riqueza não alcança a todos os envolvidos, e nem toda a sociedade tem acesso
a recursos financeiros, como contas em bancos. Essa parcela da população fica
excluída da lógica do sistema capitalista.
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 5

O poder de compra dos consumidores é evidenciado em momentos de


estabilidade econômico-financeira. Já em períodos de crise econômica, quando
o desemprego aumenta e a renda dos consumidores diminui, baixam tam-
bém os índices de operações no mercado financeiro, além de haver menor
arrecadação tributária por parte dos Estados. Com menor poder de compra e
acesso a crédito, os consumidores têm menos acesso à poupança e a fundos
de financiamento. Diante disso, a compra de bens e o acesso a serviços são
reduzidos, e o bem-estar e o poder de compra diminuem.
Nesse cenário, é primordial a atuação do Estado para intervir diretamente
na economia, seja inserindo mais dinheiro em bancos e financiando empresas,
seja concedendo empréstimos e benefícios a pessoas físicas. Contudo, uma
atuação mais forte ou mais fraca dependerá da gestão de finanças. De acordo
com Chesnais (1998, p. 68),

[…] a dinâmica das finanças na fase de mundialização é tamanha, a ponto de o


capital financeiro vir demonstrando uma capacidade intrínseca de delinear um
movimento próprio de valorização — em relação à produção — de forma autôno-
ma e com características muito específicas, como em nenhum outro estágio de
desenvolvimento do capitalismo.

Apesar de ser notória a expansão das finanças e cada vez mais central a
posição ocupada pela fração financeira do capital na acumulação e na valo-
rização capitalistas na fase de mundialização, não há uma clivagem absoluta
entre as esferas produtiva/industrial e financeira; ao contrário, tais esferas
encontram-se imbricadas. De acordo com Chesnais (1998, p. 68),

[…] um sistema financeiro eficiente é aquele que tem capacidade de viabilizar a


realização de financiamentos de curto, médio e longo prazos, sob condições de
minimização de risco e atendendo aos desejos e necessidades dos agentes supe-
ravitários, que determinam a oferta de recursos, e dos agentes deficitários, que
materializam a demanda por recursos.

Podemos concluir que grandes grupos industriais e os fluxos de capital são


elementos financeiros que integram o circuito econômico. O consumo exacerbado
é altamente difundido para ampliar o comércio de bens diversos e expandir o
mercado consumidor das indústrias. Dessa forma, uma população com poder
de compra favorável a novos investimentos e financiamentos pode recorrer a
produtos e serviços, o que fomenta a produtividade industrial e a geração de
serviços. Com isso, movimentam-se cada vez mais os fluxos de finanças. Esse elo
é uma das principais engrenagens do sistema capitalista, que firma de maneira
contínua a interdependência entre indústria, consumo e finanças.
6 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

A luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e


salários foi objeto de embate no século XIX. As melhorias nessas
condições de trabalho só foram notadas ao decorrer da história (GIANNOTTI,
2007).

Funcionamento do mercado de câmbio


e especulação de moedas
A economia de uma nação, em grande parte, é definida pelo mercado de
câmbio, porque o valor das moedas nacionais frente ao valor das moedas
estrangeiras influencia o aumento de preço dos produtos nacionais e os índices
de inflação. Diversas empresas, cidadãos, especuladores e grandes grupos
financeiros trocam moedas, atuando como agentes econômicos no mercado
financeiro. Esses agentes realizam operações financeiras para vender ativos
(moedas) e elevar seus lucros.
A taxa de câmbio é o valor de uma moeda em relação a outra. O mercado
financeiro funciona apenas na forma eletrônica e, no Brasil, é regulado pelo
Banco Central. Nos Estados Unidos, por exemplo, é regulado pelo Federal
Reserve System. A bolsa de valores no Brasil, B3, funciona 24 horas por dia
durante os cinco dias úteis da semana. De acordo com o Dicionário Financeiro
(c2021), a taxa de câmbio pode ser apresentada das seguintes maneiras.

„„ Direta ou ao incerto: a taxa é apresentada em valores da moeda es-


trangeira para uma unidade da moeda nacional. Exemplo: 1,00 BRL =
0,25 USD.
„„ Indireta ou ao certo: a taxa é apresentada em valores da moeda nacional
para uma unidade da moeda estrangeira. Exemplo: 1,00 USD = 4,00 BRL.

A importância do mercado de câmbio para as empresas é fundamental,


pois muitas transações financeiras são realizadas nesse espaço. Em todo o
mundo, as políticas cambiais são integradas pelo Banco de Compensações
Internacionais (BIS) com a presença de 60 bancos centrais. Segundo o BIS,
em abril de 2016 a média diária de transações cambiais foi de US$ 5,1 trilhões
por dia (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2020).
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 7

A movimentação desse capital financeiro nem sempre é acompanhada de


perto pela sociedade, mas grande parte da inflação, que atinge uma parcela
significativa da população, provém das decisões e especulações realizadas
no mercado cambial. Um exemplo dessa situação é a venda das chamadas
commodities no mercado financeiro. Ao serem negociadas, seu valor pode
ser alterado, o que compromete a compra desses itens no mercado interno.
Segundo Sabadini (2008), o fato de o capital fictício ter, diferentemente do
capital portador de juros, certa autonomia em relação à esfera produtiva
não significa que ele não interfira na dinâmica da acumulação capitalista e,
portanto, no cotidiano da sociedade. Sendo assim, o capital financeiro tem
ação direta no aumento de preços de inúmeros itens que afetam o consumidor
final, ainda que não atue no mercado financeiro.
Uma crise nesse setor pode ser desencadeada pela desvalorização de
moedas nacionais. Países com grande relevância para a economia mundial
e com alta valorização de sua moeda presenciaram, ao longo da história
do funcionamento desses mercados, crises que repercutiram na economia
mundial. Uma delas foi a crise de 1929 nos Estados Unidos, desencadeada pela
alta especulação financeira do período, aliada à grande oferta de produtos no
mercado. Naquele período, o poder de compra dos consumidores era alto, e
havia alta concessão de crédito, levando à população a assumir compromissos
de financiamento junto aos bancos. Com mais dinheiro disponível, as pessoas
passaram a investir e comprar ações no mercado financeiro. Na década de
1920, a produção de carros e eletrodomésticos era imensa, mas os salários
eram baixos. Os lucros dessa próspera atividade industrial não refletiam
em maiores salários para os trabalhadores. Com isso, ainda que a atividade
industrial estivesse alta, não havia pessoas para comprar tantos produtos.
Como consequência, em 1929 uma grande crise econômica instaurou-se, pois
quem possuía ações na bolsa de valores passou a vendê-las para lucrar, mas
não havia compradores, e o valor dessas ações despencou (ROCHA, 2007).
Uma crise cambial acontece quando há uma queda muito forte no valor
da moeda, motivada pela desvalorização do valor desse ativo. Em crises eco-
nômicas, a moeda nacional fica desvalorizada quando comparada a moedas
de um outro país. De acordo com Aldrighi e Cardoso (2009), entre 1994 e 2002
ocorreram crises cambiais nas chamadas economias emergentes: México, em
1994–1995; Leste Asiático, em 1997–1998; Rússia, em 1998; Brasil, em 1999; e
Argentina, em 2001–2002.
8 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

O capitalismo reforça as práticas de especulação financeira. Agentes eco-


nômicos, como investidores, especuladores e instituições financeiras, utilizam
essas práticas para realizar transações com um dinheiro que não é visto
fisicamente nesses mercados. O fluxo de capital movido nesses ambientes é
um dinheiro eletrônico utilizado por inúmeras empresas e especuladores para
vender e comprar ações. De acordo com Sabadini (2008, p. 45, tradução nossa),

num dado momento histórico do capitalismo em que a especulação financeira teve


espaço predominante, mostramos também que a teoria do valor continua no centro
das interpretações, em que o trabalho, cada vez mais explorado e intensificado,
é a fonte central de geração de valor.

O movimento de especulação financeira representa, nesse atual perí-


odo de desenvolvimento do capitalismo, espaço predominante nas ações
de atuação desse sistema, ainda que aparentemente separado da esfera
produtiva. Isso porque os grupos industriais também são formados por
conglomerados de empresas, envolvendo, inclusive, os grandes bancos.
Esses grupos industriais/financeiros mantêm relações de independência e
complementariedade, resguardando a relação máxima do capitalismo, que
é a exploração da mão de obra.
Ainda que as formas de acumulação de capital tenham sido remodeladas
no atual período de mundialização, a exploração da força de trabalho con-
tinua. Com mão de obra mal remunerada e condições de trabalho, muitas
vezes, inadequadas, os grandes grupos industriais obtêm ainda mais lucros.

O capital fictício é funcional para a reprodução do capital, introduzindo a espe-


culação que é real. O fato é que a configuração histórica inicial do capitalismo,
onde o capital portador de juros atuava como dominante, deu lugar a um espaço
onde a esfera fictícia do capital assumiu uma posição relevante, quiçá central, ao
menos nas últimas décadas do século XX e início do século XXI (SABADINI, 2008,
p. 50, tradução nossa).

Essa conjuntura de mundialização do capital é potencializada com a uti-


lização de meios informacionais e acesso à informação. A magnitude da
especulação financeira como instrumento de maior relevância desse perí-
odo é o que a torna uma das características mais marcantes da história do
desenvolvimento do capital. As bolsas de valores movimentam volumes de
capital que, muitas vezes, não são registrados pela política cambial de alguns
países, resultando em práticas cambiais ilegais, mas efetivas do ponto de
vista do lucro para os grandes investidores e especuladores.
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 9

A política cambial de um país também é responsável por direcionar inves-


timentos e compra de moedas de outros países. No Brasil, a taxa de câmbio
utilizada pelo Banco Central é a flutuante, o que significa que a cotação
das moedas flutua livremente no mercado de ações, conforme a oferta e a
demanda do mercado. Um dos motivos de uso desse tipo de taxa é porque o
país é um grande exportador de matérias-primas, como borracha, soja e milho.
A variação de preços ao consumidor final e a oferta de determinados
produtos em mercados locais refletem as ações que acontecem no mercado
cambial. Países emergentes, como o Brasil, costumam ser atingidos pela
especulação financeira, pois o aumento do preço das commodities agrícolas,
como trigo, milho, cacau e café, afeta o consumidor final.
A negociação das commodities é feita por meio dos contratos futuros, que
são transações padronizadas entre produtores e fundos de investimentos
para controlar os riscos que envolvem a produção. Por isso, de acordo com
Sodré (2018), tanto o produtor quanto o comprador acordam um preço para
a produção em uma determinada data futura e, assim, eliminam riscos de
uma possível oscilação de preço no valor da produção.
Todavia, muitos especuladores e investidores que atuam no mercado
financeiro não estão interessados nos produtos em si. Isto é, não importa
se vão adquirir café ou soja; o importante é o valor da safra e o volume,
para poder comprar e valorizar a ação que estão comprando. Dessa forma,
assumem um compromisso da compra das commodities por um valor acer-
tado, sem nenhuma preocupação se esse item terá um valor mais alto para
o consumidor final ou se a quantidade não vai ser suficiente para atender a
população. Como consequência, os especuladores continuam a fazer suas
apostas intensas, as commodities agrícolas valorizam, e o preço mundial
dos alimentos é inflado. Se o valor do trigo aumenta, o preço do pão e o das
massas também aumentam. O consumidor final será o mais atingido, não
podendo, muitas vezes, comprar itens básicos de alimentação.
Portanto, as práticas de especulação financeira que ocorrem com a utili-
zação das commodities muitas vezes resultam na geração de pobreza e fome
a uma parcela significativa da população. Nos países onde a fome e a falta de
alimentos são constantes, a atuação desses especuladores prejudica a oferta
de alimentos para a população. Isso porque, com a especulação de ações de
commodities, as ações valorizam, e o preço dos alimentos aumenta. Com isso,
a sociedade tende a pagar mais para ter o produto na mesa.
10 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

No site do Banco Central do Brasil, é possível ver a cotação de dife-


rentes moedas estrangeiras e seu valor em relação ao real.

Modo de operação dos grupos industriais


Como afirma Chesnais (1996, p. 45), “[…] há certos momentos em que nume-
rosos fatores desembocam num novo conjunto de relações internacionais e
internas, que ‘formam um sistema’ e que modelam a vida social, não apenas
no plano econômico, mas em todas as dimensões”. Quando essa mudança
ocorre nos campos econômico, político e social, definem-se novos períodos
para a história. Com o capitalismo, permanece a mesma lógica. Suas práticas
comerciais foram alterando-se com o tempo até confluir no momento atual.
Sobre o contexto histórico que envolve esse tema, de acordo com Mon-
tenegro (2005, p. 3), podemos elencar:

[…] o período compreendido entre os anos de 1880 e 1913, o qual se convencionou


designar de capitalismo monopolista; o período que se inicia após a segunda grande
guerra e que teve seu crepúsculo entre os anos 1974–1979 — período conhecido
como os “trinta anos gloriosos”, no qual imperaram o fordismo e a regulação
keynesiana (Welfare State) — e, por fim, encontramos o período atual, emergido
com o ocaso dos “anos de ouro”, no final da década dos anos de 1970 e que aqui
se denomina de fase de mundialização do capital.

No terceiro período, destacam-se os grupos industriais que integram


essa nova configuração mundial do capitalismo e que envolvem diversas
mudanças nas relações de trabalho e de capital financeiro. Para Chesnais
(1996), o que qualifica a mundialização como a nova e mais recente fase de
desenvolvimento capitalista é o fato de que, apesar de persistirem aspectos
das fases anteriores, o sentido da acumulação de capital não é o mesmo. De
acordo com Haesbaert (2004, p. 30),

[…] o modo de produção capitalista irá tomar como fios condutores para sua re-
estruturação e manutenção de poder a “integração das economias mundiais”, que
se convencionou chamar de globalização, e a “reestruturação das componentes
de produção”, que vão incluir a força de trabalho e o processo produtivo. Ambos
passam a estar inseridos em uma informatização e automação crescentes.
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 11

O capital financeiro tem posição de centralidade nessa nova dinâmica


global. A especulação financeira é tão utilizada quanto antes na busca por
investimentos e ganhos no mercado cambial. Segundo Chesnais (1996), na
fase de mundialização, o estilo da acumulação é dado pelas novas formas
de centralização de gigantescos capitais financeiros. São os fundos (mútuos
e de pensão), cujo objetivo fundamental é reproduzir-se no interior da esfera
financeira. Já para Haesbaert (2004, p. 40), esse atual momento do capitalismo
é definido da seguinte maneira:

[…] a desterritorialização seria um processo vinculado notadamente a um setor


específico da economia globalizada, o setor financeiro, onde a tecnologia informa-
cional tomaria mais evidentes tanto a imaterialidade quanto a instantaneidade (e
a superação do entrave distância) nas transações, permitindo assim a circulação
de capital (puramente especulativo) em “tempo real”.

Para Haesbaert (2004), o mercado financeiro destoa das demais formas


de atuação do capitalismo, pois promove maior e mais rápida transação de
dinheiro entre diversos países, e o dinheiro pode ser movimentado sem nem
mesmo estar junto a instituições bancárias. O acesso à internet e a difusão
de aparelhos celulares com tecnologia capaz de realizar transações bancárias
permitem que o tráfego de operações financeiras seja instantâneo. Assim,
o dinheiro passa do campo puramente físico para um novo patamar, o do
dinheiro eletrônico, que circula mais rápido entre pessoas e empresas.

Esse atual momento da história do capitalismo foi definido e comen-


tado por vários autores e especialistas sobre o assunto, mas este
capítulo se baseia em Chesnais (1996) e Haesbaert (2004). O primeiro adota, para
o atual período, a expressão “mundialização do capital”, enquanto o segundo
utiliza “desterritorialização”.

Sobre a atuação primitiva dos grandes grupos industriais, podemos elencar


como exemplo a ação da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que podia
cobrar impostos, assinar acordos comerciais, prender criminosos e declarar
guerras. Foi criada no século XV por empresários com apoio do governo dos
Países Baixos para comercializar com a Ásia. Também foi a primeira corporação
transnacional, ou seja, que possuiu empresas e negócios estabelecidos em
outros países.
12 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

Atualmente, de acordo com Chesnais (1996), a companhia multinacional é


uma empresa (ou um grupo), em geral, de grande porte que, a partir de uma
base nacional, implantou filiais em vários países, seguindo uma estratégia
em escala mundial. Para Haesbaert (2004, p. 346), por sua vez,

[…] um dos aspectos fundamentais é justamente a sua base territorial: as empre-


sas do século XV foram as primeiras organizações parcialmente governamentais
e parcialmente empresariais, que se especializavam territorialmente excluindo
todas as outras organizações similares. As empresas multinacionais do século
XX, em contraste, são organizações estritamente comerciais, que se especializam
funcionalmente em linhas de produção e distribuição específicas, em múltiplos
territórios e jurisdições, em cooperação e em concorrência com outras organizações
similares. Assim, enquanto as companhias de comércio e navegação eram restritas
em número, pois tinham territórios de atuação exclusivos onde não toleravam
concorrência, as multinacionais admitem o princípio da “transterritorialidade”.

Os grupos industriais no período atual não contam com os excepcionais


privilégios da histórica Companhia Holandesa das Índias Orientais, mas sua
receita e seu valor na bolsa superam o PIB de dezenas de países. O capital
acumulado desses grandes grupos proporcionou a compra de inúmeras em-
presas nos mais diversos setores. No Quadro 1, veja exemplos de empresas
com seus valores comparados ao PIB de alguns países.

Quadro 1. Empresas, países e comparação com o PIB

Empresa Receita País PIB

Apple US$ 241,2 bilhões Vietnã US$ 245 bilhões

Amazon US$ 135, 8 bilhões Qatar US$ 191,2 bilhões

Google US$ 207,5 bilhões Marrocos US$ 117,9 bilhões

Microsoft US$ 162,9 bilhões Sri Lanka US$ 88,9 bilhões

Facebook US$ 70,3 bilhões Azerbaijão US$ 46,94 bilhões

Fonte: Adaptado de The World Bank (c2021).

Podemos observar que a receita de algumas empresas é superior ao PIB de


alguns países. Isso reflete o poder econômico não apenas da empresa, mas
também do país de sua origem. O capital financeiro dessas grandes empresas
circula quase sempre nos mercados cambiais do mundo, e sua valorização é
proporcional ao seu crescimento. No que se refere às formas assumidas pela
Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira 13

mundialização na esfera produtiva, primeiramente identificamos a empresa


multinacional, ou transnacional, como o suporte organizacional dos grandes
grupos industriais, formados por conglomerados de empresas. Muitas dessas
empresas são compostas por bancos em sua estrutura.
Atentemos agora para as formas assumidas pela mundialização na esfera
financeira. Segundo Chesnais (1996), a esfera financeira representa o posto mais
avançado do movimento de mundialização do capital, em que as operações atin-
gem o mais alto grau de mobilidade. Para o autor, a concentração e a aquisição/
fusão de capitais na fase de mundialização abrem discussão para a natureza da
concorrência e as formas de mercado que resultam da concentração de capitais.

A natureza da concorrência e as formas de mercado notadamente concernem à


expansão e às dimensões que esses grupos atingiram na fase de mundialização.
Foram estes processos que se configuraram como a principal forma e força motriz
da expansão dos grandes grupos multinacionais, tal como se verificou a partir da
década de 1980 (CHESNAIS, 1996, p. 90).

Segundo Chesnais et al. (2003), os conglomerados de empresas de pre-


dominância global e a mundialização financeira ajudaram a acentuar de
maneira qualitativa o caráter ativo desses centros financeiros. Podemos citar
como exemplo a Ambev, a Vale, a BRF e o Walmart. Esses conglomerados são
constituídos tanto por indústrias quanto por instituições financeiras. São
administrados comumente por uma holding e possuem negócios ou plantas
industriais em vários países.
A formação desses grandes grupos industriais, muitas vezes, iniciou com
uma simples indústria com alto poder aquisitivo que foi capaz de investir no
mercado de ações e lucrar com os investimentos. Com o passar do tempo,
ampliaram seus negócios com outros bens ou serviços e expandiram para
outros territórios. Dessa forma, essas indústrias passaram a acumular mais
capital, investir e atuar junto aos mercados financeiros.
O fato de os grupos industriais serem, mais do que nunca, elementos cons-
titutivos do capital financeiro, não significa que seu relacionamento com os
bancos seja fácil. Isso pode variar de um país para outro e vai depender do
espaço que o mercado financeiro ocupa atualmente em certos países ou do
papel do Estado no financiamento da indústria. Comumente, nações de cunho
de política liberal tendem a valorizar mais as instituições financeiras do que os
proprietários das grandes indústrias para a tomada de decisões das políticas
econômicas. Contudo, nesse período de mundialização do capital, esses grupos
estabelecem relações tão intrínsecas que, muitas vezes, práticas de monopólio
são identificadas, ainda que com fiscalização intensa por parte dos Estados.
14 Os grupos industriais como agentes ativos da mundialização financeira

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