Você está na página 1de 107

Página de Rosto

Corioh-Mho

2022
Antes de tudo...
Rishibe Kohan é uma sátira ao personagem Kishibe
Rohan, de Hirohiko Araki, criado por mim (Keyson Correia)
para ser meu personagem jogável na campanha de RPG
narrada pelo meu amigo Weverton “CHUI” Godoi, que
originou a história contada nesse livro.
Dedico esta obra aos meus amigos:
Weverton “CHUI” Godoi, o Mestre. Sem ele nada disso
existiria!
Leonardo Caxilé, Jogador do personagem “Raymond
Franklin”.
Rhavier Braz, Jogador do personagem “Joseph Jones”.
Daniel Alves, Jogador do personagem “Kayn Argent”.
Lucas Fernandes, Jogador do personagem “Gordon T.
Vicentino “.
Alisson Cavalcante, Jogador do personagem “Hatrick
Galloway”.
e Duelist4, Jogador do personagem “Luke Rexhold”.
Dedico também a minha futura esposa, Cely
Baracho. Que me apoiou a escrever desde o início.
Aos meus pais que sempre me apoiaram em tudo o
que fiz e faço.
E a todos os meus amigos próximos

— Keyson Correia
2 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

Capítulo I

Uma viagem
clandestina.
Eu precisava de mais inspirações para minhas
obras e fazia meses que não saia de Corioh-Mho.
Então decidi que buscaria alguma no exterior como
de costume.
Era dia 9 de novembro de 2020, eu estava
ansioso para rabiscar e fazer mais um mangá. No dia
passado eu já havia terminado os 6 manuscritos do
meu mangá principal, mas nem por isso eu me sentia
saciado. Eu preciso mostrar mais e mais minhas
obras ao mundo.

— Senhor Kohan! Os garotos me disseram que


você irá viajar neste final de semana.

Heaven’s Door 1
Kirose Hoichi, um garoto de 16 anos, estudante
do Colégio Gudobaoka e um grande fã meu, diga-se
de passagem... Dizia isto enquanto puxava uma
cadeira ao lado de minha mesa no café onde estava.
— Ah, Olá Hoichi! Sim, provavelmente partirei
depois de amanhã. Irei atravessar o Pacífico em
direção a América. Será a experiência perfeita para
minha próxima obra!
— Atravessar o Pacífico? Já comprou as
passagens? Tazamada me disse que essa época do
ano está impossível de viajar sem falir, todas as
passagens no aeroporto estão custando uma
fortuna...
— Quem disse que irei de avião?!
Falei enquanto sorria, com uma expressão de
deboche.

— Minha inspiração está em entrar


clandestinamente nos Estados Unidos. Irei de barco
com um rapaz simpático que conheci na minha última
viagem.
O rapaz não era tão simpático assim, afinal ele
já havia sido preso por cruzamento clandestino de
migrantes, mas tentei amenizar o impacto que aquela
informação causaria a Hoichi.

2 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

Que espantado com o que acabei de falar, quase


cuspiu o café recém-entregue pelo garçom da
cafeteria.
— Co-Como é que é?! O senhor está dizendo
que vai com um Coiote para os Estados Unidos...
Espera! Não seria aquele mesmo que foi solto há duas
semanas né?! O senhor está louco?!
Não adiantou tanto tentar suavizar a
informação como eu achei que fosse...
— Calma Hoichi. Até parece que você esqueceu
daquilo...
— Aquele, que o senhor mesmo disse não ter
conseguido usar a algum tempo e que só desperta
quando quer? Claro que não!
Disse Hoichi com uma cara de indignação.
— Tome cuidado com essa viagem, se você
quiser eu posso ir com você...
Disse ele com uma cara de entusiasmo. Jurando que
eu permitiria que um adolescente de 16 anos se
envolvesse em tal coisa.
Tenho certeza de que ele teria ajudado bastante
naquela prisão, mas nem por isso...
— Hoichi! Desista já dessa ideia! Nunca que
seus pais, e nem eu, permitiriam que você viajasse
clandestinamente em um barco pesqueiro... Nem
tente insistir mocinho!

Heaven’s Door 3
— Mas... Eu posso ser útil! Meu Echoes pode
detectar perigos a distância e até nos camuflar, criar
distraç... PERA AI!! UM BARCO PESQUEIRO?!!
— NÃO! Eu já disse... Irei sozinho, Hoichi. Já
estou decidido!
— Então quer dizer que o senhor realmente
viajará sozinho num barco pesqueiro, sem nem
mesmo consegui utilizar aquilo?
Hoshikazu Tazamada, outro aluno do Colégio
Gudobaoka e amigo de Hoichi, com um ano de
diferença e quase terminando o ensino médio, tão fã
de minhas obras quanto ele.
— D-De onde você veio Tazamada, E como sabe
que é um barco pesqueiro?
— Ah eu estava passando, ouvi Hoichi gritando
e resolvi me juntar a mesa. Garçom, um café expresso
por favor! Aliás sobre o barco, foi o Rosuke que disse
ter visto você conversando com um pescador estranho
próximo ao porto alguns dias atrás.
— Tazamada, me ajude a convencer o senhor
Kohan a nos levar! Tenho certeza de que seremos
úteis nessa viagem...
— NÃO HOICHI! Eu já disse! Ninguém irá
comigo, não posso fazer vocês correrem perigo por
minha causa e além do mais, eu sou maior de idade

4 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

e vocês não! Se nos pegassem, eu seria provavelmente


preso por migração ilegal e por tráfico de menores ou
coisa do tipo.
Ah... Eu e minha boca santa...
— Hoichi, eu nem mesmo tenho uma
habilidade tão útil assim. Um boneco de madeira que
precisa de um toque para que eu possa copiar quem
o tocou... no que isso iria ajudar o senhor Kohan? Ah,
obrigado!
Disse Tazamada, enquanto recebia seu café expresso.
Ah... No que você poderia ajudar, Tazamada?
Talvez em evitar metade das coisas que estavam por
me acontecer. Admito que realmente eu deveria ter os
levado comigo naquela viagem...
— Bem meninos, eu vou indo. Preciso arrumar
as minhas malas e terminar meus preparativos para
essa viagem, afinal tenho certeza de que será uma
experiência única. Quero estar ao menos
minimamente preparado.

Após aquela conversa que tive com meus


pequenos amigos, fui para casa arrumar minhas
malas e terminar um manuscrito de uma obra que eu
já vinha preparando a um tempo. Seu título seria “O
menino invisível” e falaria sobre um pequeno garoto
que só era visível quando tocava em folhas de papel.
Qual seria seu nome? Por que ele era invisível? E

Heaven’s Door 5
mesmo invisível, ele teria uma aparência? Bem...
Acho que talvez um dia eu ainda publique essa obra,
eu planejava transformá-la em uma possível
animação num futuro próximo naquela época, mas
acho que não será tão fácil agora já que... Enfim!
Vamos por partes né?!

Depois de uma boa noite de sono e já com


minhas malas prontas, no dia 10 de novembro de
2020, às 16:35 da tarde, tomei meu café forte
acompanhado de torradas caramelizadas e uma fatia
de bolo de baunilha. Peguei minhas malas, chamei
um táxi e pedi que me levasse ao porto de Corioh-
Mho. No caminho até o porto lembrei das palavras de
Hoichi sobre aquilo... Eu realmente não conseguia
usá-lo tão bem quanto antes, parece que algo havia
enfraquecido meu laço com ele, como se algo tivesse
acontecido àquela flecha, ou a sei lá o que a
alimentava... Fato é que se em algum momento eu
realmente precisasse dele para me safar de algo,
estaria à mercê do acaso e de sua boa vontade.

Ao chegar no porto, me dirigi ao único barco


pesqueiro nas docas.
— Senhor Rishibe Kohan?
Indagou Ceasar Thompson. O Coiote de que Hoichi
havia comentado, mas que também já havia me

6 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

ajudado a sair de uma boa enrascada em minha


última viagem.
— Olá Ceasar! Como vai?
— Bem! Muito bem, aliás! Vejo que trouxe
bastante coisa, não tem problema se elas ficarem com
um mau cheiro depois da viagem né?
Bem-humorado e sorridente, disse Ceasar.
— Lamento ter que dizer isso, mas é impossível
sair deste barco com o mesmo cheiro que entrou. Nem
mesmo o melhor dos desodorantes pode lhe ajudar
com isso! Falo com propriedade.
Disse ele, gargalhando.
— Não se preocupe Ceasar, aproveitarei tudo
dessa viagem, cada mínimo detalhe fará diferença
para minha próxima obra! Até mesmo o fato de ficar
malcheiroso.
O respondi com um leve sorriso no rosto.
— Mas diga-me, quantos irão nessa viagem?
— Não muitos. Pelo menos não tanto quanto
minha última ida aos Estados unidos. Partiremos em
pouco tempo. Serão você e mais 6 outras pessoas. As
que partem daqui já estão abordo. Só estava
esperando o senhor chegar para que partíssemos.

Heaven’s Door 7
— Então, vamos! Aliás, quando liguei para você
a uns dias atrás, você disse que primeiro iriamos ao
México, certo? Lá vão embarcar mais pessoas?
— Sim, mais 2 pessoas vão partir de lá conosco.
— Vejo que realmente essa será uma
experiência única. Mal posso esperar para começar a
esboçar e rascunhar.

Então partimos naquela tarde. No barco havia


6 pessoas contando comigo e Ceasar. Os outros 4
migrantes eram:
Tsumoto Korima. Uma jovem de 26 anos,
cabelos longos e esverdeados, olhos castanhos claro,
aproximadamente 1,60 metros de altura, e pela
aparência, chuto dizer que pesava entre 56 e 63 kg.
Pele clara e sedosa. Havia uma pequena pinta em seu
nariz que particularmente me incomodava. Mas
acabamos nos dando bem durante a viagem.
Matsuno Makoto. Um jovem rapaz de 24 anos,
cabelo curto com um estranho topete poligonal, olhos
verdes claro, tinha entre 1,70 e 1,75 metros de altura.
Comia feito um leão e era disposto a ajudar com o que
fosse preciso, pescou quase todas as nossas jantas e
ainda como se não bastasse as cozinhou quase como
Tonio... inclusive eu deveria ter passado no Trattoria
Trussardi para experimentar uma das diversas
delícias italianas preparadas por ele e seu Pearl Jam.

8 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

Sadow Kobo. Um homem de 36 anos, careca


parcial, com cabelos apenas na lateral e atrás da
cabeça, olhos azuis, media aparentemente 1,80
metros e arisco dizer que pesava uns 95 kg. Tinha
uma grande cicatriz no rosto e uma na mão. Durante
a viagem até o México, ele me disse que as cicatrizes
eram resultado da tentativa de segurar um arpão
disparado contra ele por um colega de pesca durante
uma de suas jornadas. Felizmente o indivíduo que o
atacou está preso.
Komatsu Daniera. Uma jovem de 19 anos, 1,65
metros de altura, cabelo Chanel preto com as pontas
loiras e uma franja que cobria boa parte de sua testa,
tatuagens de plantas pelos braços e uma de borboleta
na parte traseira da canela esquerda. Durante a
viagem, Daniera e seu Ukulele nos fizeram ótimos
momentos de descontração. Apesar da aparência
japonesa, ela me contou que era apenas descendente,
e que era brasileira. Sinceramente, um dia farei
questão de visitá-la no Brasil.

Após alguns dias de viagem, finalmente


México! Atracamos em um porto na cidade de Punta
de Mita. Passamos o dia lá, e para não deixar a
oportunidade passar, fiquei o dia todo rascunhando o
manuscrito da minha próxima obra e esboçando os
prédios e pessoas dali. Aquele era um momento de
descanso para aqueles que já estavam enjoados do
balançar do barco com as grandes e fortes ondas do
Oceano Pacífico.

Heaven’s Door 9
— Senhor Rishibe, ficaremos aqui por algum
tempo até que os outros 2 companheiros cheguem.
Não se preocupe, eu cuidarei de nossas hospedagens.
Disse Ceasar, nos guiando até o hotel Manson de
Mita.
— Sem nenhum problema e sem pressa
também.
O respondi com um sorriso no rosto, apesar de me
sentir estranho com a forma que ele citou os outros 2
migrantes que faltavam embarcar.
No dia seguinte encontrei com Ceasar no lobby
do hotel e aproveitei para perguntar...
— Ceasar, você saberia me dizer onde nessa
cidade eu poderia comprar um novo caderno para
continuar meu manuscrito?
— Infelizmente não, senhor Rishibe... Se quiser
procurar recomendo que vá ao centro da cidade, mas
volte logo! Acho que partiremos ainda essa noite.
Indo ao centro daquela cidade, achei uma bela
lojinha de materiais escolares onde comprei um
grande caderno em que pudesse alojar todo o
manuscrito daquela obra. Já me era útil, mas eu
queria procurar mais. Passei boas horas rodando por
ali e comprei algumas lembrancinhas de lá. Um
chaveiro escrito “Nada nos puede parar!” ... seria
aquilo um presságio?

10 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

Na volta ao hotel, avistei Ceasar conversando


com 2 homens altos e fortes. Poderia ser um equívoco,
mas achei a aparência de ambos um tanto quanto
hostil. Escorei-me no muro do hotel e me concentrei
um pouco para ouvi-los.
— Okay, Marco e Orlin. Dito isso, vocês já
sabem as regras. Se as seguirem direitinho todos nós
nos beneficiaremos, certo?
— Sim senhor!
— Entendido!
— Não podemos deixar nenhum rastro, não
quero ter problemas de novo.
Eles, então, entraram no hotel. Esperei um
tempinho por ali, para não levantar suspeitas e em
seguida também entrei. Subi para o meu quarto e
continuei a rascunhar. Algum tempo depois, Ceasar
bateu em minha porta.
— Olá! Senhor Rishibe? O senhor está ai!?
— Só um instante...
Guardei meu manuscrito, agora já copiado em
meu novo caderno, de volta em minha mala e
caminhei até a porta para abri-la.
— Ah, olá! Os outros já chegaram. Estamos nos
preparando para partir. Só queria pedir um pouco de

Heaven’s Door 11
paciência com os rapazes que iram conosco a partir
daqui. Digamos que eles são um pouco rudes.
— Como assim um pouco rudes?
— Eles são contrabandistas e geralmente não
gostam de serem perturbados durante a viagem.
— Entendo, negócios né?
— Não meus, mas sim. Só espero não ter
problemas.
Assim fomos conversando até o barco.

Ao zarparmos em direção aos Estados Unidos


foi quando as coisas começaram a ficar estranhas.
Primeiramente, todos os migrantes ficaram mais
calados. Ninguém conversava ou se quer trocavam
olhares. Era como se tivessem sido ordenados a
permanecerem calados, o que me deixou muito
desconfortável e intrigado.
Resolvi, então, passear pelo barco e observar o
comportamento de todos. Foi quando ouvi algo como
um ruido. Parecia ser um rádio mal sintonizado ou
um walkie-talkie velho. Ao me aproximar do ruido e
vasculhar dentre as redes de pesca, lá estava! Um
pequeno walkie-talkie ligado. Não parecia ser potente
e ao olhar ao redor não dava para ver quase nada, por
conta do denso nevoeiro e da noite escura, a não ser

12 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

a imensidão do pacífico e de suas ondas majestosas


abaixo do barco. Em um relance pensei ter visto um
vulto escondendo-se em algumas caixas logo de onde
eu havia vindo. Ele me percebeu e esgueirou-se em
direção a entrada do barco.
— Ei você! Parado!
Gritei, mas foi inútil. Em um piscar de olhos ele
já havia entrado para a parte inferior do barco.
Corri em sua direção, desci as escadas e fui
para a pequena sala de estar que havia lá. Para minha
surpresa todos estavam lá, sentados a mesa como se
nada houvesse ocorrido.
— Quem de vocês acabou de descer e se juntar
a mesa?
— Como assim “quem de nós acabou de se
juntar a mesa” ora! Você é claro!
Disse Sadow, com uma expressão de confuso
— Antes de mim, Velho!
— Ei amigo, vamos com calma. O que está
acontecendo?
Perguntou um dos 2 rapazes que embarcaram
em Punta de Mita, com uma cara de confuso também.
— Alguém estava lá fora, escondido em meio as
redes e com walkie-talkie. Não consegui vê-lo. Apenas

Heaven’s Door 13
sei que ele desceu e se juntou a mesa antes de mim...
a menos que...
Pensei que o tal vulto poderia ter se escondido
em um dos quartos ou até mesmo descido para a sala
de máquinas do barco. Sai às pressas abrindo cada
porta de cada quarto. Procurando nos armários e
debaixo das camas. Logo em seguida fui a sala do
motor do barco, mas não havia ninguém em lugar
algum. Retornei à sala e refiz a pergunta.
— De novo, quem de vocês acabou de descer e
se juntar a mesa, logo antes de min?
— O que diabos você está querendo afinal,
magrelo? Sente-se e coma o jantar como todos os
outros. E pare de perturbar nosso silêncio!
Disse o outro rapaz forte.
— Acho que você não me entendeu claramente,
parede rochosa. Estou dizendo que alguém aqui
estava usando um rádio para se comunicar com
alguém de fora.
— Em outras palavras, ele disse que há um
informante entre nós!
Exclamou Daniera, assustada e cuspindo parte da
comida que estava em sua boca.
— Isso mesmo! Se todos ficarem calados não
vamos saber quem foi e o traidor pode acabar nos

14 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

entregando a guarda costeira quando nos


aproximarmos.
Um arrepio tomou conta do meu corpo. Era um
calafrio intenso, como se um fantasma tivesse me
atravessado. Arregalei meus olhos e sussurrei para
mim mesmo.
— Droga...
Mais uma vez sai às pressas da sala, voltando
pelo mesmo caminho que havia feito do convés até lá.
E ao chegar no convés não consegui mais ouvir o
ruido do walkie-talkie e nem mesmo ver a sua fraca
luz azul. Voltei correndo para a sala e...
— Calminho amigo. Fique parado e ninguém se
machuca.
Ora, se um dos grandalhões não estava
armado... Eu deveria ter tentado usar aquilo em
qualquer um ali. Bastava eu ver quem havia chegado
antes de mim para impedir que algo assim ocorresse.
— Meu deus, meu deus, meu deus, meu deus...
Cochichava Ceasar, rendido pelo brutamonte de
cabelos grisalhos.
— O que diabos você quer?
Perguntei em tom alto ao troglodita que segurava
Ceasar.
— Nada amigo, apenas o barco. Sendo sincero
eu só preciso levá-los até a guarda costeira e entregá-

Heaven’s Door 15
los junto a carga de cocaína que alojamos no motor
do barco. Recebemos por “entregá-los” e vamos
embora. Simples!
Exclamou aquele verme musculoso.
— Droga... Então é isso... Bem, irei para o meu
quarto para escrever se não se importarem.
— Haha! Nada disso amigo!
Mal pude perceber e o outro brutamonte já
estava atrás de mim. Ele segurou meus braços... Foi
aí que eu tentei, pela primeira vez naquela viagem e
em muito tempo, usar novamente aquilo. Por um
milésimo de segundo tudo escureceu. E naquele
momento eu me via projetado no ar, como em uma
projeção astral. Onde a alma se desprende do corpo e
pode vagar livremente. Sei que para todos naquela
sala o tempo correu como de costume. Mas para mim
e para aquele troglodita enorme foram como horas
parados em uma imensidão escura e fria. Durante
esse tempo, todo o corpo do brutamonte se desfazia
em páginas. Era como se cada músculo dele fosse um
livro. E ele, uma grande estante em um formato
humanoide, por mais grotesco que isso pareça.
Eu pude pesquisar nessa estante exatamente o
que eu queria, mas sentia que meu tempo nessa
projeção era muito menos que o suficiente. Apressei-
me e tentei ao máximo achar algo que me ajudasse a
nos tirar daquela situação horrenda em que
estávamos, mas infelizmente a única coisa que eu

16 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

descobri foram os nomes deles e que eram residentes


da cidade de Bakersfield nos Estados Unidos.
Após a fria e imensa escuridão se dissipar. Nós
voltamos aos nossos respectivos corpos. Eu comecei
a me sentir estranho. Era como se meus olhos não
parassem de lacrimejar e eu não pudesse fazer nada
até porque aquele brutamonte estava me segurando,
além de uma súbita crise existencial e pensamentos
negativos que começaram a me afligir.
Ele sentou-me numa cadeira e me amarrou...
Nessa hora eu me arrependi de não ter levado Hoichi
e Tazamada comigo.
Seguimos toda a viagem amarrados,
amordaçados e vendados. Era um grande pesadelo.
Nunca pensei que algo assim me aconteceria. Mas lá
estava eu preso em um barco pesqueiro, do outro lado
do pacífico e fedendo a peixe morto...

Aos poucos eu fui começando a ouvir uma


sirene ao longe. Nesse ponto ninguém mais tinha
esperanças de salvação. Eu podia ouvir quase todos
naquela sala resmungando e choramingando,
amordaçados e amarrados em suas cadeiras. O
ranger e o bater dos pés das cadeiras no chão eram
entristecedores.

Heaven’s Door 17
A sirene foi se aproximando. E então um
barulho de pancada vindo de cima, na parte exterior
do barco. Era como se algum tipo de prancha tivesse
sido posta para dar acesso de um barco ao outro.
— Aqui estão eles senhor. E como previsto
achamos direitinho o nosso amigo Ceasar.
Ouvi um dos brutamontes falar, e uma outra voz o
respondeu.
— É assim que se faz rapazes..., mas e a droga?
— Está no motor do barco. O imbecil do Ceasar
nem suspeitou sobre a quantia que estávamos
trazendo.
Disse o outro troglodita.
— E temos bastante gente aqui também, isso
vai gerar uma recompensa gorda né senhor
Stanford!?
— Calma rapazes! Tudo no seu tempo. Primeiro
levamos o palerma do Ceasar em cana por migração
clandestina e deportamos todos os outros...
— Todos não! Tem um cara aí estranho... ele me
assusta um pouco, tive sonhos estranhos com ele e
vocês sabem como funcionam meus sonhos, eles
sempre acontecem... E sinceramente, a cara de
psicopata dele... prende aquele louco dos desenhos lá.
O de cabelos ciano.

18 Rishibe Kohan
Capítulo I – Uma viagem clandestina.

Eu sabia que ele acharia que foi um pesadelo.


Só não achei que ele falaria para o filho da puta do
guarda costeiro me prender... Poxa até parece que eu
invadi a privacidade dele ou algo do tipo. Né?!
— Tá okay, eu vou ver o que posso fazer... Direi
que ele é cúmplice do Ceasar. Isso deve bastar.

E foi assim que eu, Rishibe Kohan, fui preso


injustamente por tráfico de drogas e migração ilegal.
E como se deu...

Heaven’s Door 19
Capítulo II

O real início do
pesadelo.
Fomos levados, eu e Ceasar, em um camburão
por quase 10 horas sendo jogados de um lado para o
outro, aqueles malditos policiais pareciam estar
levando gado, até chegarmos na prisão de “altíssima
segurança” de Ivanovich Hill.
Incrível como a corrupção nesse país é. Não tive
direito a absolutamente nada. Nenhum recurso foi me
dado e ainda precisei passar quase 13 dias em uma
cela com outros 4 indivíduos repugnantes.

— E aí amiguinho novato, o que te trouxe aqui?


Disse um dos meus “queridos colegas de cela”, de
nome Igor.
— Fui incriminado como cúmplice de tráfico de
drogas e migração clandestina. O cara responsável
está em uma cela da outra ala... O problema é que eu

20 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

não fiz nada, a não ser embarcar e viajar com ele. A


guarda costeira armou pra gente!
— É, eu acredito. Todos aqui não fizeram nada.
Disse ele, sorrindo, com uma expressão de deboche.
— Veja, aquele cara escorado na parede é Carl.
Ele foi acusado de homicídio qualificado e
esquartejamento, mas ele só poupou a sua esposa de
uma grande dor após a acidental primeira facada. E
depois a enterrou... Em vários lugares. Claramente
armaram pra ele também, né?!
— O-O que? O que está dizendo?
— Estou dizendo que, caso queira um dia sair
vivo daqui, é melhor você não se fazer de coitadinho.
E é bom que nos respeite e nos obedeça!
Falou enquanto me agarrava pela gola da camisa.
Essa é uma das coisas que mais odeio que façam.
— Você entendeu, japonês?! Aqui somos nós
que mandamos!
Disse ele, franzindo as sobrancelhas.
— Tá okay americano! Agora, me larga!
Disse a ele, segurando em seus pulsos enquanto
tentava usar aquilo..., mas ele não agiu!

Eu fiquei desnorteado ao tentar usar aquilo e

Heaven’s Door 21
ele me deixar na mão. Me deixei levar pelo sentimento
de desentendimento e por uma fração de segundos fiz
uma cara de espanto. Eu não devia ter tentado aquilo
sabendo que não me correspondia tanto quanto
antes.

Igor me jogou no chão e disse.


— Se você tentar alguma gracinha. Seus dias
estarão contados japonês!
— Era só o que me faltava...

Alguns dias se passaram e as coisas estavam


indo bem. Apesar de que semanalmente havia brigas
nas alas e quase sempre alguém era levado para uma
solitária. Não lembro bem o dia, mas algum tempo
depois outros dois caras foram presos e rumores
diziam que os mesmos reclamavam de terem sido
presos injustamente. Aquilo me gerou uma grande
curiosidade. Eu quis saber mais sobre esses tais
caras, embora estivesse sem meu caderno para
registrar sobre tudo o que estava vivenciando. Foi aí
que algo muito estranho aconteceu.
Naquele dia eu estava em minha cela. Olhando
para o teto e pensando sobre o que eu poderia fazer
para me tirar dali. Eu não podia contar com aquilo
para mover os palitos e sair como se nada tivesse

22 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

acontecido. Então precisava criar uma situação em


que de alguma maneira eu obtivesse acesso a parte
do pátio. Onde talvez eu pudesse escapar de alguma
forma. Ainda assim, o que me esperava era bem mais
grandioso.
Uma discussão foi iniciada pelos meus colegas
de cela, eles queriam resolver assuntos pessoais da
maneira amistosa deles. Eu me virei para assistir ao
espetáculo e então Igor veio até mim, me puxou pelo
colarinho de cima da minha cama e disse...

— E você japonês, está de qual lado, hein?!


Eu não fazia ideia do que ele estava falando.
— Não sei, eu acabei de me virar pra ver sobre
o que vocês estavam discutindo...
— Sem essa magrelo! Decida-se! Você está do
meu lado ou do lado do Carl! DIGA!
Ele não parecia tão paciente.
— Do-Do seu! É-É claro!
Falei relutante, sem ao menos saber do que se
tratava.
— Está vendo seu idiota! Até mesmo o japonês
burro sabe quem está certo.
Disse Igor a Carl, apontando para mim e fazendo um
gesto com o punho.

Heaven’s Door 23
— Espera, “japonês burro”? Como assim,
“japonês burro”?!
— O que foi? Não gostou, foi?!
— Não! Não gostei!

Eu senti um formigamento. Parecia que algo


estava me pedindo para fazer aquilo naquele exato
momento. Foi aí então que eu dei um soco com toda
minha força, certeiro, no maxilar de Igor, e durante o
contato tudo escureceu. Novamente eu me via
projetado no ar, como em uma projeção astral. Onde
a alma se desprende do corpo e pode vagar
livremente. Eu podia me ver socando a cara de Igor,
cada detalhe, da pele se deformando e criando ondas
devido ao impacto da minha mão até as gotículas de
saliva expelidas da boca de Igor devido ao impacto.
Essa visão privilegiada era o que me possibilitava
desenhar tão detalhadamente as cenas dos meus
mangás.
Ali estava eu, novamente em posse de toda a
informação que quisesse. Dessa vez esse momento
magnífico durou como horas! Eu pude entender quem
era Igor. Um homem nascido na Califórnia, 27 anos
de idade, formando em direito. Tinha uma belíssima
namorada, de cabelos longos e dourados, olhos
verdes brilhantes, pele sedosa e macia a que Igor
havia se declarado com um buquê de rosas rubra. Ela
cursava medicina em uma das melhores faculdades

24 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

dali, e eles eram felizes morando em uma área


tranquila na cidade de Sacramento. Igor havia um
temor sobre si. Nas páginas em sua nuca, eu pude ler
que em um dia incomum durante sua adolescência,
Ele encontrou uma velha. Essa tal velha se
assemelhava muito com a que Kotaro havia me dito
sobre. Aquela velha disse a Igor...

— No dia que você for afetado e duvidar de seu


amor pela sua belíssima namorada. Será o dia em que
se dará início o seu fim e o fim dos tempos!

E o tal dia chegou. Igor havia saído para beber


com seus colegas de trabalho e um amigo lhe ligou.
Durante a conversa ele descobriu uma possível
traição. E então eu pude saber o motivo pela sua
prisão, estuprar e espancar a própria namorada em
um ataque de raiva... causado por um espírito
maligno que havia tomado posse de seu corpo logo
que Igor foi informado sobre a traição. Claramente o
que estava escrito nas páginas da vida de Igor referia-
se a um poder tal qual como o meu ou até mesmo
como a maldição daquele pobre fiel que havia se
confessado a mim naquele confessionário, achando
que eu era o padre local, em minha viagem à França.
Infelizmente não tenho como saber qual das duas
hipóteses está correta, mas aparentemente existem
pessoas assim espalhadas por todo o mundo.

Heaven’s Door 25
A escuridão se dissipou. Voltamos aos nossos
corpos e por um breve período, acredito que ele
também, mas eu me senti fraco como se tivesse
corrido uma maratona e logo em seguida escalado um
prédio de 12 andares sem ao menos um descanso.
Segundos depois minha energia voltou subitamente e
eu me sentia em chamas, Literalmente! Eu estava me
enxergando sendo consumido por um fogo azul. Não
só eu, mas Igor, Carl e os outros dois também. Eu não
fazia ideia de como aquilo havia acontecido, mas em
um leve relance eu pude vê-lo. Era meu amigo de
longa data que pairava no ar próximo ao teto da sala.
Ele acenava com uma cara feliz e gesticulava me
passando a mensagem de que “Tudo está bem, eu
voltei!”, mas ele estava sendo consumido por chamas
douradas! Ao ver ele, o meu Heaven’s Door, naquele
estado eu enlouqueci. Era como se naquele momento
eu tivesse perdido tudo. Uma súbita tristeza surgiu
no âmago do meu coração e eu não consegui me
conter. Comecei a gritar e me joguei no chão tentando
apagar aquelas chamas. Todos na cela se afastaram
e então um guarda abriu a cela... essas são minhas
únicas memorias daquele momento.

Quando acordei pude notar que estava em


uma outra cela. Essa era bem menor que a anterior e
não havia gradeado. Apenas uma porta com uma
bandeja e uma fresta tampada pelo lado de fora e um
pequeno retângulo de vidro um pouco acima da altura
dos meus olhos. Então dei conta que estava em uma

26 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

solitária. Mas que droga! Aquilo me deixava


extremamente irritado. Porém, por outro lado, me
tranquilizava poder analisar a estrutura interior de
uma cela solitária e o fato de que eu poderia refletir
sobre o que havia ocorrido.
Vi que a minha pele estava normal, minhas
roupas estavam normais, meu cabelo e todo o resto
também. Além de que em cima da cama naquela cela
havia um caderninho e uma caneta gasta e com a
parte traseira mordida. No caderno havia um
desenho, exatamente como aquela cena horrível que
presenciei, e seu traço era exatamente como o meu.
Ao ver como eu havia desenhado o Heaven’s Door
percebi que aquilo havia sido apenas uma alucinação.
E então deduzi que minha ligação com ele estava
voltando aos poucos. Eu ainda me sentia meio
enjoado e não fazia ideia de porque eu estava tento
alucinações ao usá-lo e muito menos quantos dias
haviam se passado desde então.
Um grande barulho veio do lado de fora da
minha cela, parecia como uma explosão ou
desmoronamento. Olhei pelo pequeno retângulo de
vidro e pude ver vários detentos correndo, vários
guardas com cassetetes e bombas de efeito moral se
espalhando. Parecia um tipo de rebelião, mais uma
para variar, e quando eu menos espero uma granada
de gás lacrimogênio é lançada pela fresta por onde
possivelmente eram entregues as minhas refeições
ali. Rapidamente o gás tomou toda a cela, ainda sim

Heaven’s Door 27
tentei cobrir meu rosto com a fronha do travesseiro
em uma tentativa inútil de adiar o inevitável. Sem
jeito e lutando contra a falta de ar, sufoquei e
novamente desmaiei.

Não sei quantos dias se passaram. Mas


quando acordei minha cela não tinha mais porta e eu
estava deitado no chão frio e sujo e com minha camisa
rasgada. Saindo para o corredor, tudo estava revirado
e boa parte das celas estavam sem seus portões,
algumas com eles quebrados ou jogados de lado. “Um
verdadeiro cenário de filmes de terror. Magnifico!”
pensei por um instante. Logo estranhei que não havia
mais movimento. O silencio era ensurdecedor, sendo
rompido somente pelo barulho dos meus pés
enquanto andava. Fui caminhando pelos corredores
até o refeitório onde as grades próximas ao teto davam
passagem ao vento e seu som agora fazia companhia
aos dos meus passos. Atravessei todo o refeitório
olhando para os lados e vendo as mesas e cadeiras
reviradas. Quando de repente eu ouço um barulho.
Como se um gado estivesse mastigando capim. E
parando para ouvir melhor mais soava como um lobo
rasgando a carne de sua presa recém abatida.
Eu me aproximei do ruido cuidadosamente
para que, aquilo que o fazia, não me notasse. O som
vinha de trás do balcão da cozinha, então decidi
esgueirar para perto para tentar identificar o que era
aquilo. A primeira coisa que eu imaginei foi que
tivesse desmaiado profundamente e que havia tido

28 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

algum tipo de rebelião incontestável e que ocasionou


o abandono do local. Um calafrio percorreu pelo meu
corpo e então eu notei que tudo estava mais frio.
“Droga, devo estar alucinando de novo...” foi o que eu
pensei enquanto me escorava na parede próximo a
porta da cozinha. Nesse momento o barulho de
mastigação cessou. Seja lá o que fosse aquilo se
alimentando atrás do balcão, havia me notado de
alguma maneira. Então ouvi ao longe uma conversa e
passos vindo do corredor oposto ao que a porta da
cozinha se localizava. “Que se foda seja lá o que for
isso, preciso me esconder. De nada vai servir tanta
experiencia vivida se eu morrer antes de transferi-la
a minha próxima obra...” pensei enquanto caminhava
silenciosamente para uma cela pequena no mesmo
corredor. De repente eu ouço um cochicho no meu
ouvido.
— rhgth c’thali’c
Olhei para todos os lados assustado e não vi
ninguém, novamente um calafrio percorreu meu
corpo. Ignorei relutante aquele som achando ser uma
alucinação e segui para dentro da cela, me escorando
na parede de maneira que pudesse olhar para o
corredor sem ser notado. Avistei então 2 homens, um
vestido como policial e outro como presidiário.
Os passos foram se aproximando e não pude
mais ouvir o barulho de mastigação. Aparentemente,
seja lá o que for, havia tomado a mesma decisão que

Heaven’s Door 29
a minha. Quando os passos chegaram bem
próximos...

— Eu o vi entrando em uma dessas celas, tenho


certeza!
Exclamou um dos homens. Rapidamente me escondi
debaixo de uma cama que havia ali, quase sem fazer
barulho.
— Você tem certeza?
Indagou uma outra voz masculina.
— Sim, tenho certeza de que foi aqui.
Disse o prisioneiro. Logo a frente da cela em que eu
estava, porém, virado para a cela da frente.
— Irei olhar aqui, por precaução...
Disse o policial entrando na mesma cela que eu. E foi
aí que eu tive a brilhante ideia de tentar me agarrar
na grade da cama e ficar o mais próximo possível dela,
“Se ele olhar aqui embaixo é melhor que não me veja”
foi como eu pensei. De nada foi útil isso. Minha mão
acabou escorregando e eu bati de leve as costas no
chão da cela.
— QUEM ESTÁ AI! SAIA AGORA!
Exclamou o policial, mas eu o ignorei.

30 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

Ele se aproximou da cama, e lentamente foi


levantando o pano da coberta que me ocultava abaixo
da cama. Foi aí que, em um ato desesperado, ao ver
o rosto dele próximo a beirada da cama eu estendi
meu braço e o toquei levemente em sua face, olhando
olho no olho.
Tudo havia escurecido, e eu me via novamente
projetado no ar, como em uma projeção astral. Onde
a alma se desprende do corpo e pode vagar
livremente. Ah Joseph! Um policial birrento e
egocêntrico. Falando assim até parece que era um
cara detestável, mas vendo pelo lado dele... Bem
aquele era seu local de trabalho então ser ranzinza
era tolerável. Não pude ler tanto de sua biblioteca e o
que eu queria saber eu já havia lido. Não era nenhum
idiota e não havia feito mal a ninguém antes. Então
ignorei as outras milhares de páginas na sua estante
e regredi a escuridão fria. Logo a escuridão se
dissipou e nos retornamos aos nossos corpos.
— O que é isso?! Você está louco?
Eu sabia que Joseph havia sentido a escuridão
gélida também, e mais uma vez eu senti uma súbita
dor no meu peito. Uma enorme agonia agora surgia
no amago do meu coração.
— ESTÁ TUDO PERDIDO! ESTAMOS TODOS
PERDIDOS!
Gritei sem me conter e me joguei novamente para
baixo da cama, o mais escondido que pude. E lá fiquei

Heaven’s Door 31
repetindo essa frase diversas vezes cochichando pra
mim mesmo.
— Esse cara deve estar louco... Acho que é
melhor deixá-lo aí. Ele não me parece perigoso, sei lá.
— Você tem certeza? Ele pode saber de algo que
nos ajude a entender o que aconteceu aqui!
— ESTAMOS TODOS PERDIDOOOOOS!
— Acho que não. Ele parece ser só mais um dos
detentos que nos colocávamos em uma cela na ala de
solitárias por problemas psicológicos. Aparentemente
a falta de um psicólogo ativo nessa droga gerou isso
daí, olha! Esse lugar nunca foi bem gerenciado...
E olha que se chamava prisão de “altíssima
segurança” de Ivanovich Hill.
— F’thang Rh’jhvath
Novamente eu pude ouvir aquela voz estranha.
E meus olhos não podiam acreditar no que estavam
vendo. Era bizarro e eu nunca havia presenciado uma
visão tão angustiante.
— Vo-Vo-Você ouviu isso?!
Disse o prisioneiro.
— Isso o que?
— Essa voz?!

32 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— Você está ficando louco também agora? Era


só o que me faltava.
Uma criatura humanoide distorcida estava
atrás do policial. Falando em uma língua
desconhecida. Olhar para aquela criatura me dava
uma gigantesca e inexplicável vontade de cometer
suicídio. Era como se eu estivesse vendo com meus
próprios olhos um demônio deturpado. Peguei o
bloquinho de notas e a caneta gasta e em um piscar
de olhos rabisquei minha visão daquela cena
horrenda. Nada que fosse extraordinário poderia
deixar de ser registrado, cada experiência por mais
horrível e angustiante que fosse deveria ser parte da
minha obra.
— Eu não ouvi nada!
— E-eu não sei o que era, m-mas parecia uma
voz em uma língua estranha.
O prisioneiro mesmo estando frente a frente
com o policial, aparentava não ter visto aquela
criatura. E quando me dei conta ela já não estava
mais lá.
— Vamos! Deixa esse cara aí. A gente precisa ir
logo.
— Tá, tá bom!
Os dois então seguiram o corredor em direção
oposta ao refeitório. Bem aos poucos eu fui
retomando controle da minha sanidade. Parecia ter

Heaven’s Door 33
sido mais uma daquelas alucinações, mas o que não
fazia sentido era que o prisioneiro também havia
ouviu aquela voz. Decidi sair de baixo da cama e
seguir aqueles dois, bem devagar e mantendo uma
distância segura. Mesmo que eu já soubesse quem
era um deles, não fazia ideia de quem era o outro. E
por mais inofensivo que ele me aparentasse não me
parecia uma boa ideia ir tão perto.
Eles me notaram, mas seguiram em frente. Já
que não ligaram de eu segui-los eu continuei. Aquele
corredor me era familiar. Ao dobrar uma esquina a
direita nele eu percebi que se tratava do corredor de
acesso a parte exterior da prisão. Onde ficava a
recepção, copa, e escadas para alguns escritórios.
— É, a porta parece estar trancada.
— E você não tem a chave?
— Eu tenh... An? Cadê a minha chave de
acesso?
— Ah meu deus...
— Bem deixa eu ver se consigo abri-la pondo a
senha.
O policial estava tentando abrir a porta de saída da
prisão e não estava conseguindo.
— É, parece que só abre com a senha de
superior que é o sobrenome do diretor que é... Droga,
não lembro.

34 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— Vamos até a sala dele provavelmente deve ter


o nome dele escrito em algum lugar nela, não?
E então eu finalmente cheguei perto o suficiente para
falar.
— Você também ouviu não foi?
Perguntei ao prisioneiro
— F’theing Rh’ghsath, algo assim né?
— S-sim! Vo-você também ouviu aquilo?!
— Ah meu deus... dois loucos
E então eu mostrei o rabisco aos dois.
— Foi assim que eu os enxerguei.
— O que é isso?
Perguntou o policial.
— Algum ser sombrio. E sinceramente não
quero encontrá-lo frente a frente.
— F-Foi isso que falou essas palavras estranhas
que você disse.
Disse o prisioneiro, assustado.
— Acredito que sim.
— Meu deus... E você, Qual o seu nome?
Perguntou o policial novamente.

Heaven’s Door 35
— Kohan, Rishibe Kohan! E o seu?
Cumprimentei-o como um japonês faria. Por
um momento eu havia esquecido que estava na
América.
— Joseph. Joseph Jones.
O policial me respondeu com uma cara de confuso.
— E você?
Perguntei ao presidiário.
— Bem, eu me chamo Raymond.
Respondeu o presidiário com uma feição amistosa.
— O que houve por aqui? Quando eu acordei
minha cela estava sem porta e estava tudo destruído.
— Eu não faço ideia. Cochilei na minha sala por
um período e quando acordei tudo estava tranquilo.
Foi quando ouvi o nosso amigo aí gritando na sala
vizinha a minha, onde ocorrem os interrogatórios. Sei
que precisamos sair daqui pra saber o que está
acontecendo. Vamos a minha sala. Acho que tenho o
nome do diretor anotado. Daí voltamos a abrimos a
porta.
— Okay. Então vamos!

36 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

Nesse momento nós começamos a voltar pelo


corredor, já que a sala de Joseph ficava nos
escritórios internos, e nos deparamos com um outro
prisioneiro. Era um homem alto, forte e aparentava
ter uns 25 anos.
— Lu-Luke?!
— Raymond?! O que tá acontecendo, por que tá
tudo destruído e vazio?
— Eu não sei. É o que estamos tentando
descobrir.
— Quem é esse daí? Você o conhece?
— Sim Joseph. Esse é o cara que falei... da luta,
mas já está tudo bem.
— Humph. Então tá.
Seguimos em direção ao refeitório, discutindo
sobre o que eu e Raymond havíamos ouvido no
corredor.
— Ei! Acabo de lembrar de uma coisinha.
Lohan...
— É Kohan, senhor.
— Tá, tanto faz... Por que diabos você pegou no
meu rosto quando eu me aproximei da cama? E por
que começou a gritar feito louco dizendo que tudo

Heaven’s Door 37
estava acabado e que estávamos todos perdidos ou sei
lá o que?
— Ah! — Falei suspirando. Eu sabia que em
algum momento eu teria que explicar isso, mas estava
cansado demais para fazê-los entender como meu
Heaven’s Door funcionava... — Bem aquilo... Não foi
nada, esqueça!
— Hmm... Ainda não confio em você. Mantenha
distância!
— Certo.
Foi aí então, passando novamente pelo
refeitório que eu ouvi algo. Parecia como alguma coisa
respirando e logo menos...
— Olhem! Sangue!
Exclamei aos que estavam seguindo a minha frente.
Naquele momento Joseph já havia começado a subir
as escadas e por isso acho que ele não me ouviu.
— Tem sangue aqui no chão!
Disse a Luke, que ao me ouvir virou bruscamente seu
olhar para mim. E então me virei ao balcão.
— Eu já ouvi o barulho de algo se alimentando
aqui antes.
— Parece fresco... Será que é um lobo ou um
urso... ou coisa assim?

38 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— Não sei, não parecia ser um animal. Senti um


calafrio enquanto tentava me aproximar para ver o
que estava se alimentando. Mas aqueles dois
desceram as escadas fazendo barulho e acho que isso
assustou o que quer que seja.
— E de onde vinha o barulho? Especificamente
— Bem ali, de traz do balcão.
— Deixa eu dar uma olhada então.
Disse Luke se dirigindo ao balcão, mas eu o
interrompi rapidamente.
— ESPERE! A COISA PODE ESTAR AI AINDA,
NÃO SE APROXIME!
— Ok, mas como saberemos se há algo lá ou
não?
— Eu tive uma ideia, se tiver algo de tocaia nos
esperando e for um animal provavelmente ele irar
atacar a primeira coisa que entrar no seu campo de
visão por instinto.
Peguei uma bandeja que estava jogada no chão
em meio aquela bagunça, mirei cuidadosamente na
parte superior do balcão e a arremessei. Ela fez a
parábola perfeita quicando em cima do balcão e indo
para dentro da cozinha. Mas o que eu pensei estava
errado. Nada a atacou e muito menos houve outro
barulho se não o da própria bandeja caindo no chão
do outro lado.

Heaven’s Door 39
— Não entendi. Por que você jogou isso? Se tiver
algo por aqui com certeza ouviu isso e pode estar
vindo pra cá, você sabe né?
Disse Luke olhando para mim com uma cara de
confuso.
— Não tinha pensado nisso, acho melhor irmos
atrás dos outros então.
— É. Pelo menos se isso vier matar a gente,
morremos juntos hahaha!
Disse Luke, rindo, como se não acreditasse muito no
que eu o havia contado.
Seguimos então pelo corredor até as escadas
onde Joseph e Raymond haviam subido. Ao me
aproximar da escada senti outro calafrio, nesse ponto
eu já estava ficando de saco cheio daquilo, e no canto
da minha visão eu pude enxergar aquela figura
humanoide de antes, pouco antes de subir o primeiro
degrau, ela estava se esgueirando em uma das celas.
Eu ignorei aquilo mesmo sentindo que não devia e
pensei “Eu devo estar alucinando de novo. Já
aconteceu outras vezes, deve ser isso.” e segui
subindo até o segundo andar.
No fim da escada nos deparamos com um
corredor que levava a várias salas com portinhas de
escritório. A segunda porta a esquerda estava aberta
e alguns barulhos vinham de lá. Luke e eu seguimos
até ela e pouco antes de chegarmos...

40 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— Droga! Eu tenho certeza de que tinha o nome


do diretor escrito em algum documento carimbado.
Disse Joseph enquanto bufava saindo daquela sala,
que agora dava para entender que era seu escritório.
— Calma, será que na sala dele não tem? É a
sala dele né! Deve ter, não?
Indagou Raymond também saindo da sala.
— E vocês dois, onde estavam?
Perguntou Joseph, ignorando totalmente a indagação
de Raymond.
— Estávamos lá embaixo, encontramos uma
mancha de sangue no chão.
Respondeu Luke ao policial, que não estava com uma
cara tão alegre.
— Afinal, pra que vocês querem o nome do
diretor dessa merda de lugar? Provavelmente ele nem
estava aqui durante o que aconteceu.
— Porque não sei onde está minha chave. E a
única alternativa pra abrir o portão interno é utilizar
a senha. Que incrivelmente é o nome daquele merda.
Acreditem nem eu gosto daquele cara... Na verdade
eu não gosto de nada daqui, mas é meu emprego
então, sei lá!
Respondeu Joseph. Claramente desabafando sobre o
quanto amava trabalhar em Ivanovich Hill. E não

Heaven’s Door 41
dando a mínima sobre termos achado uma mancha
de sangue no refeitório.
— Eu acho melhor nos apressarmos, estou
sentindo calafrios e com um mal pressentimento.
— Sobre uma sombra que estava atras de mim?
Você só está ficando louco. Não fale besteiras.
— Mas Joseph, eu também ouvi aquela voz.
— Então você também deve estar ficando louco.
Eu não ouvi nem vi e nem senti nada naquela hora.
— Tá bom, vamos parar de perder tempo e
vamos logo à tal sala do diretor senhor fulano.
Falei enquanto seguia pelo corredor.

Joseph nos guiou pelos corredores. As salas


passavam um sentimento que estávamos ali após o
fim do mundo, era como se aquele lugar estivesse
abandonado a muito tempo. Algumas delas também
estavam sem portas assim como várias das celas no
andar de baixo. O frio de antes era agora
acompanhado por uma fina neblina rasteira.
Enquanto caminhávamos nos corredores, mais
uma vez eu senti um calafrio. E instintivamente eu
olhei para traz, o medo estava conseguindo me abalar
de alguma forma que eu nunca havia sentido. Mais
uma vez pude ver a forma humanoide turva que se
esgueirava pela neblina, quase que agachada, para

42 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

dentro de uma das salas que estavam abertas. Aquilo


me dava um sentimento que eu não entendia. Não era
como se eu estivesse sendo perseguido por um fã
maluco querendo autografo ou coisa do tipo. Aquele
sentimento era medo puro, medo de morrer. Eu sentia
que estava sendo seguido por um assassino como
Ghostface, que só apareceria quando soubesse que
não me haveria mais escapatória. Nunca havia me
sentido tão aflito assim.
Enfim chegamos a tal sala do diretor, uma das
poucas que restavam com porta, de uma madeira
muito bela e com talhados escuros que me
encantaram e até me aliviaram um pouco do medo de
que toda aquela situação vinha me acumulando. Ela
também tinha uma daquelas janelinhas de vidro
opaco, porém sem nome. E então...
— Ah! Era só o que faltava! Está trancada, a
maçaneta nem se mexe. Que beleza, hein?!
Disse Joseph, dando alguns passos para trás.
— Vou tentar abri-la a força.
Adicionou enquanto chutava-a com muita força, mas
a porta nem se quer rangeu.
— Ai! Droga!
— Deixa eu tentar.
Disse Raymond dando passos para trás e pegando
distância. Ele correu até a porta jogando todo peso do

Heaven’s Door 43
corpo contra ela, mas não a moveu um centímetro
sequer.
— Arrh! Essa porta tem Titanium por dentro é?!
Naquele momento me passou pela cabeça: “A
maçaneta não se mexe? Será que tem alguma coisa
segurando-a. OU ALGUÉM?!... Não, não. Não deve ser
isso. Não posso deixar o medo me vencer.”
— Tá, já que todo mundo vai tentar arrombar a
porta, eu também vou tentar!
Disse Luke se posicionando em frente a porta em uma
base de luta, por um instante me veio uma esperança
ao ver ele tão bem-disposto. Ele chutou a porta com
tanta força que ela estremeceu e fez um estrondo
gigantesco. Mas nada de abrir.
— Vocês já pensaram em tentar quebrar aquele
vidro, talvez dê pra abrir por dentro. Ou ao menos
tirar o que estiver barrando a maçaneta.
Todos me olharam com um olhar surpreso e
suspiraram.
— Como diabos eu não pensei nisso...
— Ninguém pensou né! Hahahaha!
Disseram Joseph e Raymond enquanto riam da
situação.
— Okay, então deixa comigo!

44 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

Falou Luke já dando de cotovelo no vidro. Que se


partiu e estilhaçou.
O vidro era pequeno, mas suficiente para
passar o braço de Luke. Logo após quebrá-lo, Luke
passou o braço pela janela deixada e agarrou a
maçaneta.
— Pronto agora é só eu... Ué? Não tem nada
aqui segurando a... O QUE! P-PERA! AAH! EU NÃO
CONSIGO SOLTAR A MA... ÇA... NEEETAAA!!
— Como assim não consegue soltar a maçaneta
Luke?
— MINHA MÃO TA GRUDADA!! ELA COLOU!!
— Calma! Nós vamos te ajudar, fica frio!
Raymond agarrou o Luke pela cintura e
começou a puxá-lo, enquanto Joseph tentava girar a
maçaneta pelo lado de fora. Mas nada deu certo, até
que...
— AAAHH! SAIU! CARALHO CARA! A MINHA
MÃO!!!
A mão de Luke estava vermelha na palma e
esbranquiçada ao redor como se a tivesse grudado em
um bloco de gelo.
— O-O que diabos foi isso?
Perguntou Joseph, largando a maçaneta externa e
indo ajudar Luke.

Heaven’s Door 45
Ali eu tentei pela primeira vez girar a maçaneta
externa e então senti que ela realmente estava fria,
não aponto de conseguir grudar a mão de alguém e
causar uma queimadura de frio. Não havia frio saindo
pela janela da porta. Aquilo estava cada vez mais
estranho.
— Ai cara! Vai com calma! Não precisa apertar
tanto!
— Amigo isso foi uma queimadura de frio, é o
mínimo que eu tenho que fazer. Deixa-me enfaixar
direito isso daqui.
Disse Raymond ao Luke, enquanto enrolava a mão
queimada com um pedaço rasgado da calça dele.
— Isso... Isso não faz sentido!
Falou Joseph com um olhar assustado e mais pálido
do que o de costume.
— Deixa eu ver uma coisa...
Eu disse enquanto colocava a mão por dentro da
janela da porta, cuidadosamente para não esbarrar
em nenhum caco de vidro dali.
Ao aproximar minha mão da maçaneta interna.
Era como se algo estivesse puxando minha mão para
a maçaneta. Eu consegui sentir como se houvesse
alguém colocando a mão em cima da minha e a
apertando contra a maçaneta.

46 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— AH NÃO, DROGA!
Gritei e no impulso puxei minha mão com toda minha
força para fora. Acabei esbarrando em alguns cacos e
me cortando, mas a dor foi mínima em comparação
ao que passava pela minha cabeça.
— Tem alguma coisa lá dentro! Eu senti
puxando minha mão para a maçaneta. Algo não quer
nos deixar entrar aí. PRECISAMOS ABRIR ESSA
PORTA A QUALQUER CUSTO!
Falei enquanto encarava os outros rapazes.
— Eu vou pôr a mão por dentro e girar a
maçaneta interna e você põe toda força pra girar a
maçaneta de fora. Certo?
Disse Joseph já enfiando a mão pela janelinha e
agarrando a maçaneta.
— 3, 2, 1, VAI!!!
Nós dois colocamos toda nossa força. A porta rangeu
e a maçaneta destravou de uma vez, e começou a ficar
levemente mais quente do que antes. Seja lá o que
estava agindo sobre a porta, havia cansado.
— Nossa! Até que enfim... Que coisa difícil.
Disse Joseph ofegante.
— Vamos lá! Vamos achar o nome do diretor e
dar o fora daqui.
— Eu vou com você!

Heaven’s Door 47
Exclamou Luke, entrando logo após Joseph.
— Ei! Tem um corpo deitado de bruços aqui!
Exclamou Joseph olhando para trás, para min e para
Raymond.
Joseph então se aproximou do cadáver e ao
tentar virá-lo de frente não houve um segundo sequer
para pensar. O até então cadáver o agarrou com a
mão pelo braço. A porta bateu como se uma rajada de
vento houvesse a empurrado de dentro para fora da
sala. E novamente ela estava trancada.

Dentro da sala, Joseph começou a lutar contra


o cadáver que havia se reanimado. Enquanto Luke
tentava achar o nome do diretor. Do lado de fora, eu
e Raymond tentávamos abrir a porta como antes. Eu
colocando o braço por dentro para girar a maçaneta
interna e Raymond dando o seu melhor para girar a
externa, mas parecia que a porta estava mais emperra
do que antes. Até o momento em que uma figura com
roupas militares dobra no corredor, Raymond o avista
e diz.
— Kohan, vem vindo alguém! Parece ser um
militar, acho que ele pode nos ajudar... — Largou a
porta e saiu gritando em seguida — ...OU! AMIGO!
VOCÊ PODE AJUDAR A GENTE AQUI?!
— Espera Raymond! Ele pode não ser amigo!
Ah, mas que droga...

48 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

Mesmo assim Raymond deu alguns passos e


disse.
— Amigo! Precisamos de ajuda com... Ah...
E calou-se.
Raymond ficou imóvel enquanto o suposto
“Amigo” se aproximava lentamente caminhando com
passos pesados para perto dele. Quando ele chegou
mais perto, a uns 5 metros de Raymond, notei
detalhes nele que até então não tinha visto. Naquele
instante entendi o porquê Raymond estava imóvel. O
“Amigo” aparentava ter mais de 2 metros de altura.
Seus braços tinham a pele pálida levemente
esverdeada e com hematomas horríveis. Suas mãos
estavam ensanguentadas, mas o sangue parecia não
ser dele já que não aparentavam estar machucadas.
Suas unhas das mãos eram estranhamente pontudas
e um pouco grandes. Já seus pés estavam descalços
e, como nas mãos, suas unhas eram pontiagudas e
um pouco grandes. Ele usava um chapéu e roupas
militares, apesar de suas roupas estarem quase que
pela metade de tão rasgadas e sujas. E andava de
cabeça baixa, escondendo seu rosto até aquele
momento.
O militar levemente levantou sua cabeça.
Sua face era esguia e seus olhos, que transmitiam
uma sensação de dor e desespero, carregavam
profundas olheiras. A criatura então envergou-se a
frente de Raymond, ficando em uma posição

Heaven’s Door 49
semelhante à de uma gárgula de mármore, e em um
milésimo de segundo saltou em direção a Raymond.
— AAAAAAAHHHH!!!!!
Gritou Raymond inutilmente. Sendo agarrado e
derrubado ao chão pela criatura grotesca.
— CARALHO! RAYMOOOND!!!
Naquele instante senti a mão de alguém na
minha, Era Joseph. Sua mão estava cheia de sangue
e seu braço estava com uma caneta fincada. Ele
colocou toda sua força para a abrir a porta comigo.
Houve também um barulho de tiro dentro da sala. E
então conseguimos abrir a porta novamente.
— Rápido precisamos ajudar o Raymond!
Falei enquanto tirava minhas botas. Agarrei uma das
minhas meias e corri em direção aquela coisa.
— MAS O QUE É AQUILO?!... EI, ESPERA!
Disse Joseph, completamente pasmo ao ver Raymond
no chão com uma criatura grotesca em cima dele,
tentando lhe morder.
— SOCOOORROOOO!!
Não sei no que eu estava pensando naquele
momento. Sai em disparada com uma meia na mão
em direção ao troço. Ele ainda tentou me golpear com
as garras de sua mão direita, mas felizmente, ou

50 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

infelizmente, estava muito ocupado com Raymond o


empurrando para tentar sair daquela situação.
A criatura voltou sua atenção para Raymond.
Ela rosnava e grunhia. Com suas garras, rasgou a
camisa dele e o feriu no peito. Logo depois ela fincou
as garras de raspão nos braços dele para ter certeza
de que havia os imobilizado. Então o mordeu na parte
superior do seu ombro esquerdo e arrancou uma
parte de seu trapézio.
Raymond gritava de dor e pedia socorro.
Naquele meio tempo eu dei a volta na criatura e
montei em cima dela, como em um cavalo, e
segurando com uma mão em cada ponta da meia a
lancei na cara daquela aberração e puxei. “Se ela
quiser enxergar onde quer morder, vai ter que me
tirar daqui!” foi o que pensei.
Nos vendo lutar contra aquela criatura, Joseph
correu até nós e começou a tentar socá-la de todas as
maneiras possíveis. Mas seus socos sempre pegavam
de raspão. Aquela espécie de Ghoul toureava
tentando me tirar das costas e sacudia a cabeça
tentando bravamente se livrar da meia. E foi aí que
ela teve a brilhante ideia de soltar um dos braços de
Raymond para tentar me atacar em suas costas.
— AGORA JOSEPH! CHUTA O OUTRO BRAÇO
DELE!!
Gritei enquanto soltava a meia e agarrava o braço
direito do Ghoul.

Heaven’s Door 51
Joseph chutou sem piedade o braço esquerdo
da criatura de fora para dentro enquanto eu a puxava
pelo braço direito no sentido contrário. A criatura
rotacionou o corpo caindo por cima de mim, e eu de
costas no chão ensanguentado.
Naquele momento houve um clarão seguido de
um estrondo que fez as portas naquele corredor
balançarem como se fossem folhas de papel ao vento.
A criatura saltou em direção a escada e simplesmente
desapareceu em um piscar de olhos.
Eu me levantei com as pernas ainda meio
bambas. A cena que eu via ali era terrível. Raymond
estava desacordado no chão, Luke ajoelhado olhando
fixamente para um ponto no chão, Joseph
desesperado rasgando partes da roupa de Raymond e
as amarrando em volta do ombro dele na tentativa de
estancar o sangue no ferimento.
Passaram-se alguns minutos e nada do
Raymond acordar, mas seu pulso era estável. Luke,
no mesmo tempo, também desmaiou. E Joseph
estava quase sem esperanças ajoelhado ao lado de
Raymon. Quando finalmente um suspiro seguido de
uma tosse.
— Aiii! Tá doendo!
— GRAÇAS A DEUS! VOCÊ TA VIVO CARA!
— Não me sinto nada vivo, se quer saber.
— Olha Kohan! O Raymond acordou!

52 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

— Da próxima vez, pensa um pouco antes de


sair feito louco pedindo ajuda. Estamos numa prisão
totalmente destruída que mais parece um filme de
terror. O que diabos você tem na cabeça, hein?
— Calma aí! Ele acabou de retomar a
consciência. Pra que isso?
— Pra que isso? Sério? Aquilo quase matou ele
e os próximos alvos éramos nós. E você me pergunta,
pra que isso?
— Aquilo? Aquilo o que? E porque meu ombro
está formigan-AAAAIIIIII!! O QUE ACONTECEU
COMIGO?!
— Você quase morre pro seu “Amigo”, pff...
Joseph, o que havia na sala do diretor afinal de
contas?
— Um zumbi ou sei lá o que era aquilo. Era o
diretor e acho que ele ainda estava meio consciente.
Ele pegou uma caneta furou o próprio dedo e escreveu
na parede o nome dele. Sinceramente, eu não sei o
que está acontecendo, mas agora estou começando a
ficar com medo, Ele agarrou Luke, e uma fumaça saiu
da boca dele pra do coitado. Acho que ele foi
envenenado ou coisa do tipo. E agora está ali de
joelhos e apagado.
— Deixa eu ver se ele ainda tem pulso.
— Tá bom, mas mesmo se tiver não temos como
levar o Raymond e ele pra fora daqui.

Heaven’s Door 53
Luke ainda tinha pulso, mas bem fraco. Eu o
arrastei para uma das salas que estavam sem porta.
O escorei na parede e movi a mesa que havia ali para
cobri-lo e escondê-lo. Sai da sala tentando entulhar a
entrada para dificultar a entrada daquela coisa se ela
voltasse.
— Vamos indo, ele deve estar seguro ali.
— Tá bom. Consegue se levantar Ray?
— Unff! Eu acho que dá, Aii! É tá dando, só
preciso de um apoio pra não ter risco de cair.
— Vamos lá eu te ajudo. Kohan, o nome do
diretor é Ethan Armstrong. Vá na frente verificando o
caminho e abra a porta. Más se tentar fugir eu atiro!
— Fica frio aí, se eu quisesse fugir você nem
perceberia.
Finalmente tínhamos a senha, mas pelo preço
de abandonar um conhecido à mercê da sorte. Fui na
frente verificando as salas do corredor, a escada, as
celas, o refeitório e todas as possíveis brechas onde
aquela criatura pudesse estar se escondendo.
Pensando bem, de nada adiantaria se eu a
encontrasse. Provavelmente seriamos mortos ali
mesmo, pois não estávamos em condições de entrar
em outro combate.
Chegando na porta, digitei o nome do diretor
naquele terminal azul cintilante. A porta se abriu

54 Rishibe Kohan
Capítulo II – O real início do pesadelo.

dando vista a um caminho que ia da entrada da


prisão a um grande muro de reforço com outro portão.
— Esse abre com controle, mas acho que não
tem mais energia nele, olha!
Disse Joseph apontando para os fios cortados que
iam do poste ao lado até o portão.
— Bem então só precisamos empurrar.
Falei colocando toda minha força para deslocar
aquele monstruoso portão. Que aos poucos foi se
movendo.
Não consegui movê-lo muito, mas a abertura
era suficiente para que todos nós passássemos um a
um. Finalmente estávamos fora da prisão de
Ivanovich Hill, mas ainda em seu estacionamento.
Lembro que esse momento foi um dos mais
libertadores daquela viagem.

Heaven’s Door 55
Capítulo III

Da prisão à Loucura.
Para variar um pouco nossa situação. Saímos
da prisão para seu estacionamento. Onde o caos
continuava. Vários carros estavam destruídos e
abandonados. Várias manchas de sangue e marcas
de luta espalhadas por todos os lugares.
— Olhem, tem um outro prisioneiro ali.
Cochichou Joseph.
— O que é que ele tá fazendo?
Indagou Raymond.
O homem estava atrás de um carro. Ele colocou
as mãos dos lados da traseira do carro
vagarosamente. E repentinamente começou a
chacoalhar o carro de um lado para o outro. O carro
quase se retorcia com a força do brutamonte que o
balançava. Aquele homem tinha quase 3 metros de
altura e seus músculos eram como pedras talhadas.
A porta de passageiro da frente se abriu com o
chacoalhar, era o que aparentava. E dela saiu um

56 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

outro homem. Que caído no chão tentava se afastar o


máximo para a frente do veículo.
O brutamontes o notou, arrancou um pedaço
do para-choque traseiro do carro e foi caminhando
devagar até o homem que havia saído do carro.
— Precisamos fazer alguma coisa! Precisamos
ajudá-lo!
Disse Raymond.
— Eu tenho isso, mas daqui acho que não
consigo atingi-lo.
Falou Joseph, mostrando uma Glock G25
Calibre 0.38.
— Eu vou, me dê a arma. Eu consigo me
aproximar sem chamar atenção.
Falei a Joseph enquanto estendia a mão para
receber a arma.
— Okay, mas tome cuidado!
Aproximei-me esgueirando pelos carros até que
encontrasse um ponto em que conseguisse mirar bem
na cabeça daquele gigante. Mas sua coluna era
curvada para frente e seus músculos ressaltados
eram meu maior problema. A cabeça do gigante
estava quase escondida pelas suas costas.
Decidi então que precisava, de algum modo,
fazê-lo virar de lado para que eu pudesse acertá-lo em

Heaven’s Door 57
cheio. Não fazia ideia de quantas balas ainda
restavam no cartucho da Glock. Então peguei uma
pequena pedra que se soltava do calçamento dali e
arremessei em direção a um dos carros.
Para a minha surpresa aquilo funcionou
melhor do que o esperado. O brutamonte se virou e
gritou:
— QUEM ESTÁ Aí! APAREÇA AGORA SEU
MERDA! VOCÊ SERÁ O PRÓXIMO!
Mesmo assim, a cabeça dele ainda estava sendo
protegida pelo seu ombro direito no ponto de vista em
que eu mirava. A única forma de acertá-lo era frente
a frente.
O Brutamontes voltou a atenção ao coitado
caído e com o giro de seu corpo tentou acertá-lo com
o pedaço do para-choque que havia arrancado do
carro. O homem, que agora se tornava claramente um
outro prisioneiro, esquivou-se rapidamente rolando
para a direita e ficando cara a cara comigo. Eu havia
dado a volta no carro me aproximando dele e quando
ele me viu fiz um sinal de silêncio.
Durante tudo isso minha atenção era somente
para aquela briga, mal pude notar que Joseph e
Raymond se aproximavam por trás do gigante.
— Ei otário! É melhor ficar paradinho aí!

58 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Disse Joseph revelando sua posição, em uma pose


empoderada. Atrás de um carro azul-claro a poucos
metros dali.
Foi aí que me surgiu a ideia: “Vou paralisá-lo e
estudá-lo por completo com meu Heaven’s Door.
Então saberei todos os seus pontos fracos!”. Guardei
a arma, me aproximei silenciosamente do gigante e
pus a mão em seu ombro..., mas nada aconteceu. Eu
tremi levemente. Não consegui acreditar que logo
naquele momento ele me deixaria na mão.
Ao sentir o toque, o brutamonte me cotovelou,
tirando-me o fôlego e me fazendo dar alguns passos
para trás. Ele se virou para mim, olhou nos meus
olhos e ergueu o pedaço do para-choque para me
golpear. E no breve momento em que sua guarda
estava baixa, o prisioneiro que estava no chão sacou
uma chave de fenda e a fincou na axila do sujeito.
Ele ajoelhou de dor, largando aqueles destroços
para remover a chave de fenda. Ali, sua decisão o
levou a derrota. Naquela posição não havia como
errar um disparo, mesmo nunca tendo atirado em
minha vida.
Destravei a arma e mirei no meio da testa dele.
— O QUE? NÃO ATIRE, POR FAVOR NÃO
ATIRE!
Foram as últimas palavras daquele homem.

Heaven’s Door 59
O barulho do disparo me deixou tonto e
ensurdecido. A bala entrou pela testa e saiu pela
nuca, estourando o crânio e espalhando miolos por
lodo lado. Por um momento eu fiquei pasmo. “Eu...
Eu matei um cara... Eu...” era o que passava em
minha cabeça. Ali ainda estático eu sorri. Não era um
sorriso de alívio. Era um sorriso de prazer. Eu senti
medo de mim mesmo.
Ao ver aquela cena, Raymond não conseguiu
conter o enjoou lhe causado e vomitou no pneu do
carro onde estava escorado.
— Não acho que precisava disso. Nem sabíamos
quem era ele. E VOCÊ PARADINHO AI!
Disse Joseph observando a cena e ordenando
ao outro prisioneiro.
— Quem é você?
Perguntou em seguida.
— Eu me chamo... Me chamo Kayn, Kayn
Argent... Obrigado por me salvarem.
— Tanto faz, O que esse cara queria com você
afinal? E por que você estava dentro desse carro?
— Não me lembro de muita coisa. Quando
houve a rebelião, vários prisioneiros fizeram um
buraco no muro externo e escaparam por lá. Mas
alguma coisa aconteceu depois disso. Um barulho
estranho e não lembro mais de nada. Quando acordei

60 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

estava no banco de trás desse carro e quando passei


para o da frente apareceu esse louco aí querendo me
matar. Ainda bem que tinha essa chave de fenda no
porta-luvas.
Respondeu Kayn.
— E o que faremos agora?
Perguntei a Joseph.
— Primeiro me entregue a arma. Segundo...
Não decidi ainda o que faremos. Preciso entender o
que aconteceu aqui.
— Você ainda quer entender o que aconteceu
aqui. Deixa eu te explicar o que aconteceu. Houve
uma rebelião. Tudo nessa merda de prisão foi
destruído. Você enfrentou um zumbi enquanto estava
preso em uma sala. Quando saiu estávamos
enfrentando uma outra aberração inumana que
quase matou o Raymond e agora eu matei um cara
que estava tentando matar esse cara aí. Um belo
resumo não? Precisamos ir embora. Aquele Ghoul
ainda está aqui.
— O que merda é um Ghoul?
— Um carniçal. Chame como quiser. Diferente
de um zumbi, aquilo pensa e é capaz de criar
estratégias e emboscadas que nem um militar
conseguiria notar.
— Eu sou um ex-militar…

Heaven’s Door 61
Disse Kayn, levantando-se devagar.
— Eu servi a alguns anos atrás. Fui preso por
matar um companheiro. Mas ele não era um de nós.
Tenho certeza de que o que fiz foi o certo.
Acrescentou ele.
— Então tá bom. Então vamos sair daqui. Não
tenho certeza, mas acho que seguindo aquela estrada
ali vamos dar em uma cidadezinha. Não é tão perto,
mas acho que é nossa única opção. Vocês vão na
frente.
Disse Joseph empunhando a Glock.

Seguimos pela estrada asfaltada por um bom


tempo. Durante a viagem conversamos e
compartilhamos informações sobre o que havia
ocorrido na prisão. Como tínhamos ido parar lá e
discutimos teorias de como e o que aconteceu lá.
Nesse momento eu consegui pegar meu
caderninho e minha caneta. Rabisquei pela primeira
vez em dias e não me decepcionei. Os esboços ficaram
perfeitos.
Primeiro rabisquei Joseph. Um cara alto, corpo
em forma, com sua farda e seu colete. Olhos
castanhos, cabelo curto com um corte social que
caiam muito bem com seu rosto e toda sua aura de
agente penitenciário abusado. No entanto, ele era um
cara legal. Sempre aparentou ser justo por mais que

62 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

tentasse passar uma ideia de que não estava nem aí


para nós. Afinal se não estivesse teria deixado todos
morrerem.
Depois disso foi a vez de Raymond. Um velho
alto, não tão velho. Pançudinho, mas com a aparência
de que perdeu a forma do corpo recentemente. Ele
tinha uma barba até bem-feita, com fios grisalhos e
pretos. Seu cabelo era curto, não como o de Joseph,
mas seu corte já não dava pra identificar direito.
Olhos azuis e uma cara de trapalhão, mas com um ar
de intelecto. Que condizia perfeitamente com ele.
Kayn, o ex – militar que quase morreu para um
prisioneiro. Com certeza o mais alto de nós. Forte,
com músculos bem definidos. Seu porte físico
realmente batia com suas histórias de guerra que ele
nos contou durante a viagem. Cabelo levemente
longo, com um pequeno rabo de cavalo. Olhos
castanhos claro e com uma cicatriz no rosto,
provavelmente de um estilhaço que o atingiu.

Por fim e, claro, mais importante, eu! Rishibe


Kohan, o gênio criativo por trás de obras-primas como
“Shattered Boys”, sou, sem dúvida, o mais importante
deste grupo. Ao comparar-me com meus
companheiros de viagem, percebo que eles não
chegam nem perto da minha magnificência. Embora
possa parecer um anão magricelo com meus 1,77m
de altura e corpo esbelto comparado a eles, sou

Heaven’s Door 63
indiscutivelmente o mais estiloso e belo. Com meus
lindos olhos azuis e cabelo cortado e tingido por mim
mesmo em um azul-celeste reluzente, sou uma visão
imponente. Mesmo na prisão, demonstrei minha
habilidade de moda, improvisando minhas próprias
roupas com as linhas retiradas de fardas velhas
jogadas no lixo. Minha criatividade e habilidade
manual são incomparáveis, além de um belíssimo ato
sustentável. Com meu cropped com rasgos
losangulares, minha calça skinny feita à mão com
contornos desenhados e minha tiara de tecido
dourada com pontas lindas, eu sou quase a
personificação do conceito de beleza. Apenas um
desenho feito pelo meu querido Heaven’s Door
poderia capturar toda a minha grandiosidade.

Durante a caminhada pela estrada asfaltada,


uma tempestade iniciou-se e pouco tempo depois
avistamos uma casa isolada com um caminho de
terra batida até lá. Era como se ela surgisse
exatamente para que nós nos abrigássemos.
Seguimos o caminho até sua entrada. Era uma
casa simples e rústica. Com uma porta de madeira
talhada e janelas pequenas.
— Olá! Tem alguém aí?
Disse Joseph, batendo na porta.
— Uma casa assim no meio do nada? Quem
moraria aqui? Não é perigoso?

64 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Perguntou Raymond. Fiz da dúvida dele, minha.


A porta então abriu, e uma senhora em uma
cadeira de rodas nos atendeu com um olhar de
assustada, afinal era um policial com 3 prisioneiros.
Todos com suas roupas rasgadas e manchadas de
sangue.
— Quem são vocês? O que querem aqui?
— Eu me chamo Joseph Jones. Sou oficial da
Penitenciaria de alta segurança de Ivanovich Hill.
Estou escoltando esses rapazes, mas com essa chuva
fica impossível seguirmos viagem. A senhora se
importaria de ficarmos aqui até que a tempestade
passe?
— E vocês estão a pé?
— Sim. Meu carro deu problema antes da
última curva na estrada. De lá viemos a pé.
Joseph blefou muito bem.
— Mas eles nem estão algemados.
A senhora não era tão tola assim.
— Bem entrem, não deixarei vocês na chuva.
Mas não sujem nada, ouviram?!
— Qual é mesmo o nome da senhora?
— Mhin Huo… vou buscar um chá para vocês
se esquentarem.

Heaven’s Door 65
A Senhora Mhin Huo nos acolheu em sua casa.
Ficamos todos na sala de estar. Eu me sentei no chão
escorado a parede, Joseph ficou em pé próximo ao
corredor, Raymond sentou-se em um banquinho
próximo a um relógio pêndulo. E Kayn sentou-se
próximo à porta.
Ela nos trouxe um chá muito cheiroso em
xícaras de porcelana, brancas com desenhos
dourados.
— Não obrigado, não gosto tanto de chá.
Disse Joseph.
— Não seja por isso, já lhe trago um café. Pode
ser?
— Um café eu aceito. Muito obrigado.
— Não precisa agradecer.
— Eu vou ao banheiro. Onde fica senhorita
Mhin Huo?
Perguntou Kayn gentilmente.
— Ah meu filho, o banheiro é essa pequena
casinha de madeira do lado externo aos fundos. Pode
sair pela porta da cozinha se quiser.
— Muito obrigado.
Respondeu Kayn.
— Ah obrigado!

66 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Disse Raymond recebendo o chá.


— Muito obrigado. De que é esse chá mesmo?
Agradeci e a Indaguei.
— São ervas finas, e boldo.
— Parece estar ótimo, obrigado novamente.
Agradeci novamente e tomei o chá bem devagar
para poder degustá-lo.
— Não precisa me agradecer, tome e fique
quentinho.
O chá estava ótimo. Mas tenho certeza de que
havia mais do que ervas finas e boldo nele. Senti um
sono repentino e simplesmente apaguei. Acho que
aquela senhora tinha algo de estranho, mas não
consegui notar nada.

Aquele chá me fez ter o que me parecia ser um


sonho muito estranho. Primeiro eu estava em uma
sala completamente vazia e branca. Suas paredes
eram completamente lisas, e em uma delas havia uma
porta com aparência grotesca de dentes cerrados. Era
como uma boca na vertical. Ao me aproximar escutei
uma voz atrás de mim.
— Onde diabos nós estamos? Ai, minha cabeça
dói.
— Raymond? Como você chegou aqui?

Heaven’s Door 67
— Não lembro. Só lembro de tomar aquele chá
e cair no sono. EU SABIA QUE TINHA ALGUMA
COISA NELE!
— É, mas você só agradeceu e tomou. Por que
está tão bravo agora?
— Droga!
— Precisamos saber como sair daqui. Pelo visto
só tem aquela boca estranha.
Me aproximei novamente da boca, e quando
cheguei bem próximo ela se abriu, saindo uma língua
em minha direção. Rapidamente dei alguns passos
para trás assustado. Pude ouvir ao longe uma risada
infantil. Logo percebi que a língua era de papelão. E
tudo tinha meio que essa aparência agora.
— O que diabos está acontecendo aqui? E onde
nós estamos?
— Que boa pergunta Raymond. Pena que não
tenho uma boa resposta. Mas acho que fomos
sequestrados.
Respondi com um tom de sarcasmo.
Seguimos pelo corredor atrás da língua. Que
tinha a aparência de entranhas e quanto mais
andávamos, mais longo ele parecia ser. Até que
chegamos a outra sala totalmente vazia. Nela, apenas
um duto de ar, próximo ao chão, na parede.
— E agora? Vamos ter que nos espremer ali?

68 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Eu acho que é a única coisa que podemos


fazer né? Vai você primeiro, você é mais magro.
— Okay então.
Entrei pelo duto de ar e logo atrás de mim,
estava Raymond que coube por muito pouco ali.
Seguimos ele fazendo diversas curvas até que saímos
eu um lugar vislumbrante e totalmente inacreditável.
Estávamos em uma gigantesca biblioteca com
janelas enormes com mosaicos e estantes gigantescas
que iam do teto ao chão. Mesas e cadeiras
aparentemente de cedro e talhadas com detalhes dos
anos 70. Iluminada a velas e com colunas de
mármore. Eu nunca havia visto um lugar tão belo em
minha vida. E a um detalhe que deixava tudo mais
incrível. A biblioteca estava de ponta a cabeça.
Estávamos andando no teto da construção.
Os lustres que ficavam suspensos por correntes
no teto agora eram como grandes para-sol. As
correntes eram rígidas, mas, ainda assim, se moviam
levemente se empurradas. As chamas das velas
apontavam para o nosso chão. Tudo aquilo era
inacreditável.
— O QUE É ISSO? NÓS ESTAMOS NO TETO?!
— Este lugar é incrível.
— Só podemos estar alucinando. Isso é
impossível.

Heaven’s Door 69
— Eu preciso registrá-lo.
Andamos por ali observando tudo que havia
naquele lugar. Os livros das estantes era todos com
um mesmo aspecto. Vários tamanhos e diversas
cores, mas nenhum escrito. Claramente uma
alucinação, mas estávamos lúcidos? Aquilo não fazia
o menor sentido e era exatamente por isso que me
encantava.
— Raymond, achou algum livro com algo
escrito?
— Ainda não. E se eles estiverem mais próximos
do chão? Digo do nosso teto.
— É uma boa suposição, mas acho que não.
Falei enquanto soltava um livro para ver se ele
cairia para cima. E para minha surpresa ele caiu em
direção aos meus pés.
— A gravidade aqui também não faz sentido.
— Olha Kohan, tem uma porta bem ali, lá em
cima.
— E como chegaremos lá?
— Tem esta escada aí que está escorada na
estante. Podemos levá-la até a porta e tentar subir por
ela.
— Boa ideia.

70 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Naquele momento ouvimos novamente uma


risada infantil que parecia zombar do nosso diálogo.
Mas ao buscar em direção ao som não víamos
ninguém.
— Aparece pra rir na nossa cara se tiver
coragem, seu moleque catarrento!
Falei irritado com aquilo.
— Essa foi boa. Hahahaha!
Disse Raymond rindo de mim.
— Deixa eu por isso aqui. Agora vamos tentar
sair dessa biblioteca maluca. Vai você na frente, não
sei se essa escada aguenta, eu e você, subirmos ao
mesmo tempo.
Falou Raymond logo em seguida.
— Certo então eu vou primeiro.
O respondi já saltando na escada.
Rapidamente consegui subir ao nível onde o
topo do portal se iniciava. Por sorte ele era largo o
suficiente para que uma pessoa pudesse ficar sentada
mesmo com a porta fechada. Saltei da escada e me
sentei ali. Bem devagar tentei abrir a porta, que
felizmente abria para o lado oposto ao meu. Com um
pouco de ranger, suas dobradiças pareciam estar
naquela posição a muito tempo, ela foi abrindo e
dando visão de outro lugar extraordinário.

Heaven’s Door 71
— Suba logo Raymond! Você precisa ver isso
aqui!
— Eu estou tentando. Não sou magro como
você. Eu vo- AAAAH!
Disse Raymond tentando passar da escada
para o portal. Ele escorregou e caiu sentado no teto
da biblioteca.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Cara, isso
foi HILARIO! HAHAHAHAAHAHA!
— Filho da… poderia ter me ajudado. Estendido
a mão ou sei lá!
— É só subir de novo cara, vamos.
— Foda-se vou fazer do meu jeito.
Raymond começou a derrubar os livros
das estantes e empilhá-los próximo a parede criando
uma rampa. Aquilo demoraria um século então decidi
observar a sala que havia do outro lado da porta.
Mais uma construção inimaginável e
contraditória, pois esta não estava de ponta a cabeça.
A sala principal de uma catedral ou tempo antigo.
Incrivelmente alta e feita de puro mármore com
colunas escupidas e detalhadas com ouro, janelas
com mosaicos de cores pastel e bancos de madeira
talhados com desenhos tão detalhados que mal pude
notar um homem em pé no presbitério.

72 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Quando o notei fiquei quieto e olhei para


Raymond. Sua rampa já estava na metade do
caminho para conseguir alcançar a porta.
— Raymond! Rápido me joga um livro desses aí!
— Pra que?
— Só me joga logo. Tem um cara aqui! RÁPIDO!
— Tá bom, toma!
— Valeu!
Agradeci agarrando o livro de cor marrom e
capa feita de couro.
Fiquei de pé e então preparei-me para lançar o
livro em direção aquele homem. Mirei no altar para
chamar a tenção. Não sabia quem era, mas não
aparentava ser mal. Ao menos eu não havia sentido
nenhum calafrio olhando para ele.
Lancei o livro em sua direção. Coloquei tanta
força que o livro quase o acerta no rosto, mas ele
esquivou de maneira ágil. Olhando para cá, agora eu
sabia. Era Kayn.
— Kohan?!
— Kayn? KAAYYYN!!! Venha cá, me ajude! Tem
um velho tentando subir aqui!
— Um velho?

Heaven’s Door 73
Perguntou Kayn já quase chegando a mim em uma
corrida leve.
— Seu cuzão! Em vez de me ajudar ficou rindo
de mim enquanto eu caia da merda dessa escada.
— Ah Raymond! Me segura pelas pernas
Kohan, eu o ajudo.
Disse Kayn, deitando-se no chão e estendendo a mão
para Raymond.
— Se você estivesse no meu lugar também teria
rido.
Respondi Raymond, ainda limpando as lagrimas de
tanto rir.
— E que lugar é esse? Por que tá tudo de cabeça
para baixo?
— Boa pergunta. Outra ótima pergunta é: por
que uma porta leva de uma biblioteca de ponta a
cabeça a um templo religioso?
Respondi a Kayn.
— Uma pergunta melhor ainda! Como que você
chegou aqui, Kayn?

— Fui ao banheiro e fiquei preso. Não tinha luz


lá dentro e eu não conseguia achar a porta. Comecei

74 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

a sentir um molhado nos pés, depois as paredes


sumiram e eu caminhei até uma brecha de luz. Foi aí
que entrei por aquela porta.
Respondeu Kayn, apontando para uma enorme
porta de madeira do outro lado do salão.
Uma voz então surgiu do além. Vinda de todos
os lados daquela sala. Como se seu dono fosse
onipresente.
— Meus filhos, não temam! Siga a mim e tudo
ficará bem.
Aquela voz ecoava belissimamente naquele ambiente.
— Quem está aí? Quem é você? Onde nós
estamos?
Perguntou Raymond.
— Calma filho, tudo tem seu tempo. Vocês
precisam crer para se livrarem daquilo que os afligem.
— Aparece logo, não temos tempo para
joguinhos.
Disse Kayn, com uma expressão de impaciência e
levemente bravo.
Caminhamos até o presbitério e olhamos para
todos os lados. De repente pude notar uma figura
humanoide atrás de Kayn. Peguei um pequeno
candelabro que havia no altar, preparei-me para o
arremessa e disse.

Heaven’s Door 75
— Abaixa Kayn!
Lancei o candelabro com toda minha força em
direção ao ser que havia ali. Em milésimos de um
segundo ele mudou sua posição, movendo-se a
direita, somente o necessário para que o candelabro
não o atingisse. O mesmo chocou-se contra a parede
logo atrás do ser.
O indivíduo então começou a andar
lentamente, saindo da escuridão e entrando onde os
raios de luz, que entravam pelo gigantesco e circular
vitral que havia atrás do altar, pudessem o tocar. A
figura parecia-se com um homem, apesar de sua pele
ser extremamente pálida e suas orelhas levemente
pontiagudas. Ele vestia roupas antigas, pareciam
vestimentas nobres dos anos 30.
— Oh, meu filho! Por que toda essa
agressividade? Saiba que não estou aqui com
intenção de lhe causar mal algum, pelo contrário!
Venho-lhes mostrar o caminho para escapar desta
vida mundana. Desejo que sejam como eu, livres!
— Do que esse velho tá falando?
Perguntou Kayn.
— Papo de religioso. Por isso me recuso a
acreditar nessas crenças, isso não leva ninguém a
lugar algum. Só queremos ir embora!
Respondeu Raymond.

76 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Meus filhos, acreditem em mim, em breve


serão libertos deste lugar. Mas antes, precisam
aceitar a Sua palavra! Não há outra forma de
salvação. Aproximem-se de mim, e deixem-me guiar-
lhes para a verdade.
— Foi mal, amigo. Mas acho que não
pertencemos a mesma religião. Kayn, Você disse que
veio por aquela porta. Né? Eu tô dando o fora daqui.
Respondi, dirigindo-me a porta principal. O ser
então, em frações de segundos moveu-se de onde
estava para alguns metros a minha frente e disse.
— Meus filhos, compreendam que não se trata
de religião. Isto é a pura verdade por trás de tudo o
que existe em nosso universo. As pessoas em nosso
planeta o chamam por vários nomes - Cristo, Exu,
Alá, Elohim, Olorum e outros. Porém, há um
problema com todas as interpretações humanas. Elas
nunca tiveram o poder de compreender que aquilo
que governa o universo tem um propósito diferente do
que os humanos acreditam. Não estamos em guerra
com um anjo caído que se rebelou contra o Criador.
Isso é romântico demais até para o romancista mais
ardoroso que conheço. Não há necessidade de
divinizar as forças da natureza. Nem mesmo a
reencarnação é algo concreto. Não viemos de outras
vidas para aprender aquilo que nossos espíritos ainda
não sabem ou pagar por aquilo feito em vidas
passadas. O que os espera é muito maior do que

Heaven’s Door 77
imaginam. No entanto, se minhas palavras não são
suficientes, permitam-me deixá-los partir.

De repente, um estrondo ensurdecedor tomou


conta do ambiente. Os objetos tremiam de forma
desordenada, e eu e meus amigos mal conseguíamos
nos manter de pé. O chão começou a rachar e o
pânico se instalou em nossos corações. Era como se
uma força incontrolável quisesse nos engolir. Eu olhei
para cima e vi o teto do grande templo barroco
desmoronando lentamente. Foi quando eu soube que
a nossa sorte estava prestes a mudar drasticamente.
O terremoto continuou com uma intensidade
avassaladora, sacudindo tudo ao nosso redor. Eu
tentei correr para fora, mas um bloco de concreto
enorme caiu sobre mim, e a escuridão me envolveu.

Quando eu acordei, estava ofegante e


desesperado. Raymond, que dormia logo ali, também
acordou, assustado. Nós olhamos um para o outro
com espanto, sem acreditar que tínhamos tido o
mesmo pesadelo. O terremoto parecia tão real que
ainda podia sentir a vibração em meu corpo. O
pesadelo ainda me deixou atordoado e sem saber o
que fazer a seguir.
— Puta merda, Kohan! Tive um pesadelo
terrível e...

78 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— E eu e Kayn estávamos nele né?! Eu fui


esmagado por uma cruz de concreto! Eu sei! Isso não
foi a porra de um pesadelo nem fodendo. Cadê o
Kayn?!
— O que tá acontecendo gente?
Perguntou Joseph, enquanto cutucava o teto com o
cabo de uma vassoura.
— Você viu o Kayn? Ele voltou do banheiro?
— Ainda não. Mas porque vocês estão tão
assustados?
Perguntou Joseph, apoiando a vassoura na parede.
Coincidentemente, logo após ele parar de bater
no teto, outro barulho de madeira surgiu. Abafado e
vindo do lado de fora da casa, parecia uma porta
tentando ser aberta.
— O que foi isso?
Indagou novamente Joseph, direcionando seu olha à
cozinha.
— Acho que o outro garoto ficou preso no
banheiro. É bem escuro lá, principalmente à noite.
Respondeu a Senhora Mhin Huo.
— Vamos ajudá-lo!
Disse Raymond, levantando-se de pressa e indo em
direção a cozinha.

Heaven’s Door 79
— Cuidado menino, você vai pegar um resfriado
nessa chuva!
Exclamou a Senhora, mas Raymond não deu ouvidos.
Do lado de fora da casa o temporal era
avassalador. Mal dava para ver 2 metros a nossa
frente. Felizmente o banheiro era próximo o suficiente
para o vermos ainda de dentro da casa.
Raymond saiu na chuva até o banheiro. Abriu
a porta e com espanto virou para trás.
— Não tem ninguém aqui!
Disse Raymond. E logo em seguida uma voz abafada
gritando veio de um lugar mais ao lado.
— AQUI! NO PORÃO! ABRAM A PORTA!
RAPIDO!
Andamos em meio ao temporal em direção a voz
que quase não se ouvia devido o barulho intenso da
chuva. Logo ao lado da casa havia uma porta dupla
de madeira, inclinada a 45° graus do chão, com
algumas tábuas que a fortificavam e uma em
específico que a atravessava de ponta a ponta a
trancando.
— Vamos, me ajudem com isso daqui.
Disse Joseph, já segurando uma das pontas da
tábua.

80 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Okay, no 3 a gente empurra pra cima. 1...


2... 3!!!
Disse Raymond do outro lado. Já preparado
para tirar a tábua dos suportes.
Não sei se foi por acaso, mas assim que a porta
foi destrancada a chuva começou a ficar mais leve e
lentamente foi parando. Agora, sem todo o barulho da
chuva e nem as gotas ofuscando nossa visão,
conseguíamos ouvir e ver melhor as coisas ao nosso
redor.
Pude notar a casa antiga e rústica de Mhin Huo
com seus detalhes únicos. A estrutura tinha altura
para um segundo andar, o que me deixou curioso
para saber se havia algo mais além daquela porta
emperrada. E agora entendo que Joseph, por sempre
esteve atento, já estava investigando o teto para
encontrar uma possível passagem, momentos atrás.
Ele, provavelmente, também suspeita dessa velhinha.
A senhora Huo, com a calmaria, desceu a
rampa e veio até a porta do porão. Com uma cara de
espanto e confusa. Ela parecia não entender como
nosso amigo Kayn estava em seu porão sem ao menos
ter tirado a trava da porta que lhe daria acesso.
— Mas como que esse menino se meteu aí?
— O importante é...
Dizia Joseph quando a porta abriu
violentamente.

Heaven’s Door 81
— MEU DEUS! PRA QUE CHUTAR A PORTA
DESSE JEITO SEU LOUCO!
— Ah desculpe, eu não estava ouvindo vocês.
Pensei que ninguém iria vir até aqui então quis tentar
arrombá-la.
Respondeu Kayn a Joseph, pondo a mão atras
da cabeça e sorrindo sem jeito.
— Vocês precisam ver isso! Venham!
Acrescentou ele logo em seguida.
— Esperem, aí pode ter escorpião e ratos!
Disse a senhora Mhin Huo.
— Não tem problemas. Escorpiões e ratos não
são nada comparados ao que já passamos.
Falei olhando profundamente em seus olhos.
— Me leve, quero ir junto. Se há algo no meu
porão que vocês têm interesse eu preciso saber o que
é.
Respondeu ela, expressando curiosidade.
Descemos então as escadas. Kayn foi na frente
nos guiando, logo atrás dele estavam Joseph e
Raymond. Eu ia por último, auxiliando a senhora
Mhin Huo com a cadeira de rodas. O mais intrigante
era que boa parte da casa havia sido adaptada para
ela, com rampas e corrimãos. Mas o porão não. Havia

82 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

apenas uma escada estreita, mas que por pouco


ainda passava sua cadeira de rodas.
Ao chegarmos ao piso, notei que a estrutura do
porão se assemelhava levemente a daquele templo.
Suas paredes não eram de madeira como as da casa
e sim de concreto. Com quatro colunas de mármore
segurando o teto e consequentemente a casa. Havia
uma mesa de cetro ao centro, coberta com um pano
branco que ia até o chão e com um livro verde bem no
meio dela. Logo atrás uma silhueta humanoide que
em um piscar de olhos sumiu.
— Alguém mais viu aquilo?
Perguntou Joseph.
— Era aquele cara do templo! Eu tenho certeza!
Respondeu Kayn.
— Como assim templo? Do que você tá falando?
— Eu fiquei preso no banheiro, e quando
encontrei a porta pra sair ela estava estranha, eu
empurrei e quando a porta abriu eu entrei em um
templo religioso antigo ao invés de sair do banheiro e
ir lá pra fora.
— O que? Como assim? E como você veio parar
aqui?
— Aqui parece uma extensão de lá, né Kayn?
Perguntei me intrometendo na conversa.

Heaven’s Door 83
— É, parece mesmo.
— Pera aí. Você estava dormindo na sala,
sentado e escorado na parede. Como sabe sobre isso?
— Ele também estava lá.

— E eu também.
Disse Raymond.
— Do que diabos vocês estão falando? Vocês
estavam dormindo na sala, eu vi! Não sejam ridículos.
— Realmente eu pensei que era um sonho, mas
o Raymond surgiu do nada atrás de mim de um lugar
que não havia porta de entrada. Estávamos em uma
sala de mármore totalmente branca com uma porta
estranha. História longa, mas encontramos Kayn em
meio aquela loucura. E estávamos os 3 em um templo
quando um ser que parecia aquela silhueta que vimos
agora pouco apareceu e começou a encher nosso saco
com um papo de salvação e aceitação. Como diz o
Raymond...
— Papo de religioso!
— Isso mesmo!
— Então foi um surto coletivo? É isso?
— Que surto coletivo cara? Aquilo foi real!

84 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Tá, mas como foi que você veio para aqui


então?
— Lembro que tudo começou a tremer e a
estrutura começou a desmoronar, um pedaço de
concreto atingiu o Kohan e logo depois outro atingiu
eu e Raymond. Quando acordei estava aqui e aquele
cara estava do meu lado. Ele disse: “Vocês iram
presenciar algo magnifico em suas vidas. O aceitem e
juntem-se a nós. Logo verão que terá sido a melhor
escolha.”. Ele sumiu nas sombras logo após isso. Mas
pelo visto ainda tá por aqui, né? Aparece aí logo seu
padre maluco!
— Não acho que ele queira aparecer agora,
Kayn. O que é esse livro aqui em cima?
Respondi enquanto me aproximava da mesa.
— Se for igual aqueles que tinham naquela
biblioteca, não deve ter nada escrito.
Disse Raymond
— Biblioteca? Tinha uma biblioteca em um
templo?
Perguntou Joseph, que parecia ainda mais confuso a
cada detalhe.
— E era totalmente de ponta a cabeça! Era um
lugar incrível, Olha!
O Respondi, tirando o meu bloquinho de notas do
bolso e mostrando o esboço que fiz na biblioteca.

Heaven’s Door 85
— PERA AI! OLHA RAYMOND! EU TENHO O
DESENHO DO SONHO!
— CARA! ISSO É IMPOSSIVEL!
— Vocês estão, todos, ficando malucos!
— Não, Eu também tive sonhos estranhos esses
dias. Sempre achei que eram só pesadelos.
Disse a senhora Huo.
— Você já esteve lá?
— Em uma biblioteca? Não. E nem em um
templo. Meus sonhos eram em uma praça antiga. Mas
não tinha nenhum padre.
— Eu não estou entendendo nada.
Disse Joseph.
Peguei o livro que estava na mesa e o folheei,
mas como Raymond havia dito não tinha nada escrito
nele.
Por estar mais próximo da mesa, pude notar
que havia uma rachadura no chão seguindo o
contorno dela. E ao segui-la encontrei um cadeado,
que prendia os dois lados da ranhura no chão. Fiquei
intrigado e levantei o pano da mesa para que pudesse
ver abaixo dela. Lá estavam 2 hastes de ferro presas
ao chão.
— Olha! De baixo dessa mesa tem um alçapão!
Ele está trancado.

86 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Vamos movê-la para o lado então. Me ajude


aqui.
Disse Kayn, preparando-se para empurrar a mesa.
— Um porão em um porão. Era só o que faltava.
E a senhora desconhecia tudo isso?
— Sim, Eu não conseguia descer aqui. Não tem
rampa, né?
— Perdão, me esqueci desse fato.
— Tudo bem, acontece. Quero saber o que tem
aí embaixo.
— Só precisamos de algo pra quebrar esse
cadeado aí. Isso deve servir, não?
Disse Raymond, trazendo uma pá.
— Ótimo! Me dá aqui que eu o quebro pra gente.
Respondeu Kayn.
Girando a pá e a batendo contra o cadeado,
Kayn o fez se despedaçar e voar longe. O cadeado já
estava bem enferrujado. Pela sua aparência, arrisco
dizer que ele devia estar ali, no mínimo, desde o
século passado.
Sem o cadeado nos impedindo, abrimos o
alçapão. Ele era incrivelmente largo e comprido.
Quase como a porta do porão, mas por ele não daria
para passar a cadeira de rodas da senhora Huo.

Heaven’s Door 87
— Mais uma escada. Quem diria.
Falei rindo.
— Eu vou primeiro.
Disse Kayn enquanto descia os primeiros degraus.
— Estou logo atras de você.
Falou Raymond.
— Pode ir, eu fico aqui com a senhora Huo.
Disse Joseph olhando para mim.
— Tudo bem, qualquer coisa de mais estranha
que aconteça lá eu tentarei gritar pra te chamar.
Respondi a ele o cumprimentando como os
americanos e comecei a descer a escada.
— Tá muito escuro aqui, não consigo ver um
palmo a minha frente. Alguém tem uma lanterna aí?
Disse Raymond. E suas preces foram
atendidas.

De repente, lá do fundo daquela longa escada


que se estendia à nossa frente, um barulho
estrondoso e uma luz surgiram, rompendo a
escuridão e o silêncio do porão. A luz era de um tom
avermelhado e cintilava levemente, como se fosse

88 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

uma vela, mas bem mais intensa. Os reflexos da luz


na parede revelavam detalhes da estrutura abaixo,
que era bem cuidada e aparentava ter sido polida
recentemente. Toda a extensão da escada era feita de
mármore branco, com cada degrau contando uma
história, sobre seres que eu nunca havia visto antes,
ilustrada em suas superfícies.
Enquanto descíamos e observávamos, o
barulho estrondoso se intensificou, como tambores e
passos de uma marcha. A cada passo, os degraus de
mármore vibravam sob nossos pés. Os desenhos nas
superfícies pareciam ganhar vida, com figuras em
trajes barrocos dançando e tocando instrumentos em
um ritmo frenético.
Eu senti um arrepio na espinha ao pensar no
que estávamos indo em direção. A luz avermelhada se
aproximava cada vez mais, até que pudemos
distinguir as formas que a produziam. Eram homens
vestidos com trajes cerimoniais, carregando tochas
acesas e marchando ao som dos tambores.
Com um olhar nervoso para meus
companheiros, eu me preparei para o que pudesse vir
a seguir, mesmo depois de tudo aquilo que vimos
antes.
Finalmente, após descermos as escadas,
chegamos ao piso inferior e nossos olhos foram
imediatamente atraídos para a magnífica sala diante
de nós. Era alta, com colunas de mármore detalhadas

Heaven’s Door 89
a ouro e um amplo espaço que abrigava dezenas de
pessoas vestidas em trajes ritualísticos. A grandeza e
magnificência do ídolo que aqueles homens
encapuzados adoravam era algo inacreditável. Mesmo
que a luz das tochas não fosse suficiente para
iluminar toda a gigantesca sala, o pouco que
alcançava o ídolo era o suficiente para ver que ele não
era nenhum dos deuses adorados pelos povos que eu
conhecia. Sua figura escamosa lembrava a de um
dragão, e sua presença ali era assustadora.

Enquanto eu tentava observá-lo melhor, fomos


surpreendidos pela chegada de um velho amigo. Era
o Carniçal da prisão, que agora aparentava estar bem
mais nutrido do que antes. Ele nos deu uma calorosa
recepção, mas minha mente ainda estava atordoada
pelo que havia visto naquela sala. Eu me perguntava
o que mais aquele lugar ocultava, e se seríamos
capazes de sair dali vivos.
Enquanto eu vagava pelos meus pensamentos,
Kayn e Raymond estavam lidando com a criatura
novamente. Quando percebi o combate acontecendo,
me virei a escada e pensei em chamar Joseph, mas
logo mudei de ideia: minha ajuda ali era mais do que
necessária.
Em meio a distração do carniçal tentando
golpear Kayn com suas garrar e morder Raymond
novamente. Eu tive uma brilhante ideia. Tirei minha

90 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

meia novamente e corri em direção ao bicho, pulando


em suas costas e pondo a meia novamente em seus
olhos. Por não me notar, a criatura acabou sendo
uma presa fácil. A minha estratégia já havia
funcionado antes, então utilizei-a novamente.
Com o carniçal ocupado comigo agora, Kayn e
Raymond podiam atacá-lo facilmente. Mas antes que
tomassem qualquer ação, a criatura começou a
sacudir para tentar me tirar de usas costas. Em um
de seus bruscos movimentos, minha perna esquerda
desprendeu dele. Tive que ficar agarrado de lado com
a criatura e agora em total desvantagem.
Raymond, que já havia sido atacado pelo
carniçal antes, decidiu voltar a escada e gritar por
Joseph. Acredito que o trauma de quase morrer em
uma prisão por conta desse monstro não o permitisse
lutar novamente conta aquilo
Minha luta contra a criatura e sua força
abrupta continuava. O carniçal fincou sua garra em
minha perna direita, tentando me puxar para me
derrubar. Nesse momento, Kayn chutou sua perna
para que ele perdesse o equilíbrio, mas a base do
monstro era firme e mal se moveu.
A dor era insuportável. O carniçal puxava e
empurrava minha pena com suas garras enfiadas em
minha coxa. Decidi então largar a criatura, saltando
para trás e ficando em pé meio desajeitado por conta

Heaven’s Door 91
da dor em minha perna. Ele logo virou para mim e
deu um passo se aproximando.

Eu sentia sua sede de sangue e vingança.


Aquele monstro me odiava por ter lhe atrapalhado a
refeição na prisão, por impedir que ele devorasse
Raymond e por, mais uma vez, o atrapalhar em sua
emboscada. Eu vi nos olhos da criatura a vontade de
me fazer em pedaços.
Antes que o carniçal pudesse levantar
seu braço para me atacar, fui salvo por uma voz
familiar.
— Ei! Atrás de ti, Imbecil!
Disse Joseph com a arma apontada para a cabeça da
criatura.
— ATIRA LOGO! ATIRA NELE LOGO!
Gritou Raymond.
Joseph puxou o gatilho. O estampido da bala
saindo de sua arma foi alto e ecoou por todo o salão.
Mas a criatura foi ágil saltando para longe e
escondendo-se por entre as colunas de mármore.
Um grupo de cultistas que caminhavam em
direção a multidão virou para nós com espanto e logo
suas feições mudaram.

92 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

— Olhem! São eles que queremos para


completar a peça que falta, vamos pegá-los!
Falaram em conjunto.
— Somos nós?
Indagou Kayn baixinho.
— Vamos embora daqui agora!
Disse Raymond, pondo o pé no primeiro degrau
da escada de onde viemos.
— Concordo com você dessa vez, vamos!
Falei indo logo atras de Raymond.
Enquanto subíamos a escada, Raymond
e eu liderávamos o grupo quando, repentinamente,
avistamos uma figura humana se aproximando de
nós na direção oposta. Uma luz brilhante
acompanhava o seu caminho, causando em nós um
misto de fascínio e medo.

À medida que ele se aproximava, pude notar


que estava vestido com uma roupa pesada,
semelhante a uma RDA de bombeiros, e usava um
capacete adornado com uma máscara de gás. Sua luz
cintilante na verdade era uma chama que emanava
da ponta do lança-chamas que ele carregava. Sua
aparência anacrônica, uma mescla do passado e do

Heaven’s Door 93
futuro, parecia saída de um jogo de temática
steampunk.
Eu e Raymond ficamos paralisados, imóveis
nos degraus da escada, enquanto observávamos a
figura se aproximar cada vez mais. Ele passou por nós
sem se importar com nossa presença, como se
estivéssemos invisíveis, e continuou descendo a
escada em direção ao templo subterrâneo. Sua
atitude tranquila só aumentou o meu desconcerto
com tudo o que estava acontecendo.
Quando ele finalmente parou em frente a
Joseph, que vinha um pouco atrás de nós, entregou-
lhe algo que não pude identificar naquele momento.
Fez um gesto com a cabeça, indicando para Joseph e
Kayn continuarem subindo as escadas, e prosseguiu
em sua descida em direção ao culto subterrâneo.
Seguimos nosso caminho e ele seguiu o dele.
Quando chegamos ao porão da casa da senhora Huo
nos deparamos com uma cena intrigante para
adicionar mais dúvidas em nossas mente.
A Senhora Huo havia desaparecido, Apenas a
cadeira de rodas com a toalha que ela carregava em
seu ombro e uma pequena boneca de pano estavam
lá.

Raymond arregalou os olhos e correu até a


cadeira de rodas. Segurou a toalha com uma mão e a

94 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

boneca com a outra, virou para nós com uma


expressão de confusão.
— Cadê ela?! Era ela ali?! O que diabos tá
acontecendo aqui?!
— Não sei o que está acontecendo, mas aquele
cara disse para sairmos daqui o quanto antes.
Respondeu Joseph.

No mesmo segundo um clarão veio da escada


seguido de um vento quente e gritos aterrorizantes de
desespero. A visão da escada era o próprio inferno.
Alguns cutistas tentavam subir em chamas de lá.
Kayn chutou a tampa do alçapão para fechá-lo e
empurrou a mesa de volta para cima dele.
— Acho melhor seguirmos a instrução daquele
cara. Vamos dar o fora daqui!
Disse Joseph.
— Espera, Cadê aquele livro, quero levá-lo.
Deve ter alguma coisa secreta nele que possa nos
ajudar.
Falou Raymond logo em seguida.
Enquanto eles procuravam o livro, eu subi as
escadas que levavam para fora do porão. As portas
estavam abertas e quando meus olhos ultrapassaram
a linha da porta me deparei com dois cutistas em uma

Heaven’s Door 95
moto, aparentemente tentando dar partida no
veículo. Suas roupas eram um pouco mais
trabalhadas, e com tons de vermelho e dourado mais
reluzentes.
Lembrei daquele momento na prisão, aonde
Raymond ia em direção ao carniçal clamando por
ajuda. Essa lembrança me deu uma grande ideia.
Decidi agir exatamente como o carniçal. Deixei
meus ombros caídos, me curvei levemente para
frente, deixei meus joelhos igualmente curvados e sai
pela porta.
Os cultistas demoraram um pouco para me
notar pois estavam determinados a dar partida no
veículo, mas logo um deles virou para min e falou.
— Ora ora, o que temos aqui?
Disse um deles enquanto batia com a mão no ombro
do outro.
Eu continuei dando passos lentos em direção a
eles, mantendo a mesma postura que o carniçal. Pude
ouvir atrás de mim um cochicho.
— A não, ele virou aquilo!
Sussurrou Raymond.
— Agacha! Olha lá! Tem dois cultista ali. Ele
deve ter alguma coisa em mente pra está agindo
assim. Não deve der virado um carniçal.

96 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Disse Joseph, baixinho.


Comecei a grunhir baixo, para tentar assustar
os cultistas. E minha estratégia funcionou com um
deles. O que tentava dar partida na moto, desceu dela
e saiu correndo em direção a floresta. Já o outro, que
havia me notado primeiro, decidiu vir até mim.
— Tolo! Pensa mesmo que me engana agindo
assim?
Devagar, levantei minha cabeça, até que meus
olhos pudessem enxergá-lo no limite da minha visão.
Assim como o carniçal havia feito. Grunhi mais alto e
comecei a correr com os braços abertos e inclinado
para frente. Preparado para pular e agarrar o cultista.
Naquele momento vi a expressão dele mudar do
ar de arrogância que ela passava para um leve
arrependimento e medo. Era exatamente o que eu
queria.
Saltei em sua direção, o agarrando, derrubando
e rolando na lama, para longe da moto. Ficando cara
a cara com o indivíduo. Que transpirava medo e
confusão. Então decidi que iria lhe mostrar que não
era por eu atuar como um carniçal que ele deveria
sentir o que vinha sentindo. Pensei como se gritasse
para mim mesmo.

“HEAVEN’S DOOR!”
Mais uma vez eu me via projetado no ar, como
em uma projeção astral. Onde a alma se desprende

Heaven’s Door 97
do corpo e pode vagar livremente. Senti que meu
tempo era extremamente curto para ler o toda a
estante que o cultista se tornará. Busquei somente
registros de sua memória recente e pude entender o
que nos esperava. Toda aquela região na floresta
estava cercada de cultistas vindo em direção a casa.
Logo após ler o vislumbre de memória. A escuridão se
dissipou e retornamos aos nossos corpos.
O cultista, que havia sentido aquilo, agora
expressava um horror completo e tentava me socar a
todo custo, enquanto se esquivava dos golpes que eu
desferia contra ele. Até que brilhantemente ele
decidiu jogar lama no meu rosto.
Um único problema se agravava ali, voltando da
escuridão gélida eu me senti completamente
impulsionado a matar aquele cultista. E qualquer um
que me impedisse de tomar aquela moto para mim.
Revidei aquele desaforo igualmente. Peguei um
punhado de terra molhada e enfiei na boca do
cultista. Logo em seguida dei-lhe um soco certeiro na
base de seu maxilar. Diferente do meu companheiro
de cela Igor, que era um brutamonte e claramente
acostumado com golpes assim, o cultista não resistiu
e desmaiou quase que instantaneamente.
Levantei-me e olhei para os outros. Que
estavam próximos a moto discutindo algo inaudível
pela distância que estávamos. Então decidi me

98 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

aproximar para entender o que estava acontecendo


ali.

Heaven’s Door 99
100 Rishibe Kohan
Capítulo III – Da prisão à loucura.

Heaven’s Door 101

Você também pode gostar