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RESUMO RESUMEN
Este trabalho tem por objetivo apresentar a El objetivo de este trabajo es presentar la
configuração do processo diglóssico da Língua configuración del proceso diglósico de la lengua
Portuguesa e da Terena de comunidades portuguesa y la lengua Terena de las
indígenas de Campo Grande, Mato Grosso do comunidades indígenas de Campo Grande en
Sul. Tal temática é relevante em razão do Mato Grosso del Sul. Dicha temática se torna
aumento crescente da população indígena que relevante por la razón del creciente aumento de
sai de suas aldeias em busca de novas la población indígena que sale de sus aldeas en
oportunidades de trabalho na capital (URQUIZA; búsqueda de nuevas oportunidades de trabajo
VIEIRA, 2012). Em Campo Grande existem 9 hacia la capital (URQUIZA e VIEIRA, 202). En
aldeias urbanas e um quiosque no Mercadão Campo Grande hay 9 aldeas urbanas y un
Municipal com um quadro sociolinguístico quiosco en el Mercado Municipal con un cuadro
complexo pelo fato de os habitantes serem sociolingüístico complejo porque los habitantes
provenientes de diversas aldeias com provienen de varios pueblos y algunos buscan
manutenção e uso da língua Terena e outras el mantenimiento y uso de la lengua Terena y
com perda e deslocamento da língua indígena, otros muestran pérdida y desplazamiento de la
tendo a língua portuguesa como língua materna. lengua indígena, teniendo la lengua portuguesa
A metodologia da pesquisa de mestrado de como lengua materna. La metodología de esta
caráter qualitativo e etnográfico buscou analisar investigación de maestría es de carácter
os resultados obtidos em interação com os cualitativo y etnográfico que buscó analizar los
participantes da pesquisa (SEVERINO, 2016). A resultados obtenidos con interacción con los
fundamentação teórica baseia-se nos conceitos participantes de la investigación. (SEVERINO,
de fenômenos linguísticos relacionados a 2016). La fundamentación teórica se basa en
línguas em contato (BRAGGIO,1998; MAHER, conceptos como fenómeno lingüístico
2007) e aos processos diglóssicos (HAMEL; relacionados a lenguas en contacto (BRAGGIO,
SIERRA, 1983). Os resultados mostraram a 1998; MAHER, 2007) y los procesos diglósicos
presença do bilinguismo diglóssico (HAMEL e SIERRA, 1983). Los resultados
diversificado com uso significativo da Língua mostraron la presencia de un bilingüísmo
Portuguesa e o uso diferenciado da língua diglósico diversificado con un uso preferencial
Terena entre as faixas etárias presentes na hacia la lengua Portuguesa y otro diferenciado
comunidade Terena. Dessa forma, espera-se hacia la lengua Terena entre los grupos de
contribuir com a comunidade Terena e com edades presentes en la comunidad de Terena.
órgãos capacitados para definição de diretrizes De esta forma, se espera contribuir con el
para a preservação e ensino da Língua Terena Pueblo Terena y órganos competentes para
no contexto das aldeias indígenas urbanas da definir directrices que ayuden a la preservación
capital. y enseñanza de la lengua Terena dentro del
Palavras-chave: Língua Terena; Língua contexto de las aldeas indígenas urbanas de la
Portuguesa; Diglossia; Aldeia Urbana. capital.
Palabras clave: Lengua Terena; Lengua
Portuguesa; Diglosia; Aldeia Urbana.
Guadalupe Vilhalba Cabral Xavier é mestre em dividida em nove povos. Números divulgados
Estudos de Linguagens pela UFMS. pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
E-mail: dalupe10@hotmail.com Estatística (IBGE), no Censo de 2010,
Onilda Sanches Nincao é docente da apontaram que a população indígena de Mato
Licenciatura Intercultural Indígena no câmpus Grosso do Sul cresceu 3,1% em 10 anos, uma
de Aquidauana da UFMS e docente permanente vez que 73.295 pessoas se declararam como
do Mestrado Profissional em Letras do câmpus indígenas. A nível de Brasil, o Censo do IBGE
de Três Lagoas da UFMS. (2010) registrou 896,9 mil indígenas no país,
E-mail: onilda.sanches@ufms.br sendo que 36,2% são moradores da região
urbana e 63,8%, moradores da região rural
(ALTENHOFEN, 2013, p. 35).
1 INTRODUÇÃO
A capital de Mato Grosso do Sul, Campo
Este trabalho tem por objetivo apresentar a Grande, ocupa o sétimo lugar entre os
configuração do processo diglóssico da Língua municípios brasileiros onde habitam populações
Portuguesa e da Terena de comunidades indígenas, sendo que o Estado abriga duas das
indígenas de Campo Grande, Mato Grosso do cinco maiores etnias indígenas do Brasil: os
Sul, a partir de pesquisa realizada nas Guarani e os Kaiowá 1, com 37,4 mil indivíduos,
comunidades indígenas localizadas nessa e os Terena com, aproximadamente, 28,8 mil
capital de estado. indivíduos.
O Brasil é um país multilíngue com mais de No que diz respeito a Campo Grande, na
180 línguas indígenas, além de línguas de região urbana, várias etnias indígenas
imigrantes, Libras e a língua portuguesa, brasileiras estão firmadas em locais comuns,
herança do processo colonial brasileiro, mas foi denominados aldeias urbanas 2, convivendo em
no século XVIII que se definiu uma politica contato com a sociedade não indígena e, dentre
linguística homogeneizadora, quando o elas, estão os Terena que buscaram novas
Marquês de Pombal tornou obrigatório o uso da oportunidades fora do lugar de suas origens
língua portuguesa em território nacional, (SILVA; BERNADELLI, 2016).
passando a ser visto como um país monolíngue.
Do ponto de vista linguístico, a população
Cavalcanti (1999) discute a questão do indígena do município define-se com um
multilinguismo no Brasil em contraposição ao quadro sociolinguístico complexo,
mito do monolinguismo instaurado. Da mesma considerando as várias aldeias de origem de
forma, Mello (2011, p. 353), esclareceu a outros municípios, algumas falantes da língua
diversidade linguística nativa, presente no indígena e outras não falantes, com diversos
território brasileiro, afirmando que “somos sim, processos diglóssicos, aliados à necessidade
o país da língua Portuguesa, mas também o país de utilizar a língua portuguesa para a sua
da língua Xerente, Karajá, Apinajé [...]”, dentre inserção no mercado de trabalho, a fim de
outras línguas indígenas. Essa realidade atender a demanda de sobrevivência junto à
assumiu uma apresentação peculiar no Estado sociedade local.
de Mato Grosso do Sul (MS), onde se encontra
a segunda maior população indígena do Brasil
1
A concordância entre o artigo e os nomes obedece a indígenas Terenas. Assim, os termos empregados para
uma regra antropológica ao referir-se aos povos nomeá-la variam entre: aldeia urbana, comunidade e
indígenas. assentamento indígena.
2
A denominação aldeias urbanas faz referência à união
dos povos indígenas na região urbana e divergiu entre os
3
O termo aldeia indígena urbana, nesta pesquisa, diz
respeito ao conjunto de diferentes etnias reunidas em um
mesmo espaço geográfico.
4
A Língua portuguesa é sempre língua franca, de uso diferentes etnias e em cada comunidade indígena urbana,
geral em todas as aldeias indígenas urbanas, entre as como a comunidade urbana Terena.
Com a configuração do uso das línguas linguístico, pela opção de uso conforme a
terena e portuguesa por aldeia indígena urbana situação e a necessidade. Esse fato não significa
foi possível identificar e compreender o que seja um uso despercebido, pois foi
processo diglóssico em cada comunidade apresentado pela comunidade Terena durante a
indígena Terena de Campo Grande. Como foi pesquisa que as gerações mais novas ouvem,
constatado, o contexto linguístico das aldeias aprendem ou no mínimo compreendem e falam
em estudo se caracteriza por um processo palavras simples, conforme a idade do falante
diversificado de uso das línguas terena e Terena.
portuguesa, considerando que são originárias Desse modo, a língua terena ocupou seu
de diferentes aldeias do estado, com situações espaço de importância para a comunidade.
de uso da língua Terena como língua materna, Durante as entrevistas e coleta de dados, foram
como é o caso das Aldeias Cachoeirinha, constatadas amostras de uso dessa língua e
Bananal, Água Branca e Lagoinha na região de demonstrações de conhecimento da língua
Miranda e Aquidauana. Nesses mesmos terena. Entretanto, não foram revelados
municípios há aldeias que têm a língua momentos de ensino dessa língua para as
portuguesa como língua materna: aldeias do novas gerações, mas sim momentos de
Limão Verde, Ipegue, Buriti, Água Azul, Córrego interação uso maior pela geração dos adultos e
do Meio, as últimas três nos municípios de Dois idosos.
Irmãos do Buriti e Sidrolândia.
Como é próprio dos contextos indígenas no
Dada essa diversidade de origens e Brasil em situação de convivência com os
situações linguísticas, o processo de diglossia espaços urbanos, o uso da língua portuguesa
varia entre as comunidades de Campo Grande. assumiu o valor fundamental de sobrevivência
O uso da língua Terena se manifestou em no contexto de aldeia indígena urbana, sendo a
momentos selecionados pelo sujeito Terena, na língua materna das crianças e jovens.
interação dentro da comunidade indígena, entre Historicamente, foi construído o valor do uso da
parentes, familiares e eventos sociais, culturais, língua portuguesa pelos terenas como uma
religiosos e festas familiares. Dessa forma, seu estratégia de sobrevivência para inserção na
uso aconteceu na esfera do controle do uso
sociedade do outro por meio de uma política comunidades terenas urbanas do município de
linguística própria, sempre repassada para as Campo Grande.
novas gerações (LADEIRA, 2001; NINCAO, Sendo assim, o contexto de comunidade
2008). E dessa maneira ela se fez presente em indígena TERENA urbana se definiu como
todos os ambientes da comunidade, sendo complexo e diversificado, em que a língua
usada de forma isolada ou intercalada com a portuguesa funciona como fundamental para
língua terena e, assim, vem ocupando cada vez sobrevivência. O contexto da aldeia indígena
mais espaços entre os Terena em contexto urbana faz com que a língua portuguesa seja
urbano. importante devido à necessidade de interação
Dessa forma, as línguas terena e social, profissional, comercial e estudantil
portuguesa ocuparam espaços de valorização vivenciada pelas populações indígenas
na comunidade terena urbana, definindo uma estabelecidas em regiões urbanas da capital.
relação não tão harmoniosa quanto aparenta São populações que vieram de aldeias e que
(SILVA, 2011). É uma relação que instalou o procuraram manter ativo o uso da língua terena,
valor de conflito entre a língua majoritária e vivendo em contato com populações que já
minoritária e que definiu no contexto de uso um possuem a língua portuguesa como língua
jogo de ocupação linguística que tende a materna, uma realidade comum no contexto
deslocar a língua minoritária 5, a menos que seja indígena contemporâneo (MAHER, 2016).
levantada uma estratégia contrária ao
movimento diglóssico (MAHER, 1997).
CONCLUSÃO
Na comunidade Terena, percebeu-se uma
As aldeias indígenas urbanas definiram-se
tentativa de levantar resistência ao processo
na formação populacional como diversificadas.
diglóssico, por meio do uso da língua terena no
meio familiar e do ensino realizado nas aulas em A respeito do convívio da etnia Terena com
contexto escolar, ainda praticado em pequena outra retoma o fato de que, ao longo da história,
proporção e em salas de reforço da língua a característica expansionista do Terena
indígena que foram estabelecidas em um lento, favoreceu o convívio com outros povos
independente e até precário processo de (AZANHA, 2005). Elas são formadas por terenas
constituição nas aldeias urbanas da capital. e guaranis, sendo expressiva a participação e
Entretanto, a família ocupa relevante papel na atuação dos primeiros em ações sociais e
tarefa de valorização da língua terena. culturais indígenas no município de Campo
Grande.
Essa análise permite responder às
perguntas da pesquisa a respeito do uso das Dessa forma, o quadro sociolinguístico das
línguas terena e portuguesa em contexto de aldeias indígenas urbanas definiu-se como
aldeia urbana, pois se identificou o uso da língua complexo, tendo como um dos motivos as
de origem da etnia, em sua maioria, em espaços diferentes procedências dos povos indígenas,
reservados e selecionados, e o uso da língua especificamente do terena, e as diferenças
portuguesa em todo contexto de interação do linguísticas estabelecidas em cada comunidade 6
indígena terena. Essa etnia reafirmou a sua
sujeito terena. Trata-se de uma realidade que
própria política linguística (NINCAO, 2003;
manifestou a presença do bilinguismo
2008) de utilização de duas línguas, a LP e a LT,
diglóssico pró-língua portuguesa nas
em um processo de bilinguismo compulsório
5
Termo utilizado por Maher (1997). 6
É definida comunidade indígena terena o grupo indígena
presente em cada aldeia indígena urbana.
7
Foi acrescentado a abreviação LM para a referência de
língua materna.