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Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação

DOI: https://dx.doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n67.p214-231

REFLEXÕES SOBRE O PORTUGUÊS FALADO


POR POVOS INDÍGENAS: RESISTÊNCIA E
RESSIGNIFICAÇÃO
Maria Gorete Neto*
Universidade Federal de Minas Gerais
https://orcid.org/0000-0002-3654-8305

RESUMO
A entrada dos povos indígenas na universidade tem visibilizado suas culturas,
cosmovisões, epistemologias e o uso que fazem de suas línguas, dentre elas a
língua portuguesa. Os estudos sobre o português falado por povos indígenas
são ainda poucos e necessitam de aprofundamento. É com o objetivo de
contribuir para esta reflexão que este artigo discute algumas características
do português indígena e analisa duas dissertações de mestrado escritas
por mulheres indígenas (BOMFIM, 2012; CORREA XAKRIABÁ, 2018), com o
intuito de compreender como essa variedade aparece em textos acadêmicos.
A análise, de cunho qualitativo, busca evidenciar pistas de indigenização do
português, tais como: uso de vocábulos da língua indígena, ressignificação de
conceitos, organização textual, dentre outros. A pesquisa mostra que mesmo
textos fortemente monitorados, como dissertação de mestrado, não impedem
a utilização do português indígena. Espera-se que a discussão contribua para
uma maior compreensão do significado desta língua para os povos indígenas e
para a sua valorização, principalmente nas universidades.
Palavras-chave: português indígena; línguas indígenas; português acadêmico;
identidades.

ABSTRACT
REFLECTION ON THE PORTUGUESE SPOKEN BY INDIGENOUS PEOPLE:
RESISTANCE AND REFRAMING
Indigenous people’s presence in the universities has been contributing to the
knowledge about cultures, epistemology, and indigenous language, including
Portuguese. There is few research about Portuguese spoken by indigenous
communities, and it needs to be improved. To contribute to this discussion,
this paper discusses some indigenous Portuguese characteristics. Also, two
master’s degree dissertation written by indigenous women candidates (BOMFIM,
2012; CORREA XAKRIABÁ, 2018) are analyzed to demonstrate how indigenous
Portuguese appears in academic texts. The analysis is based on qualitative

* Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professora associada na Faculdade de Educa-
ção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte/MG/Brasil. E-mail: mariagorete_neto@yahoo.com.br

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research principles. The research results show that indigenous Portuguese can
appear even in academic texts such as a master’s dissertation. It is argued that
indigenous Portuguese should be understood in the indigenous point of view
and it’s suggested that the universities should promote indigenous languages.
Keywords: indigenous Portuguese, indigenous languages; academic language;
identities.

RESUMEN
REFLEXIÓN SOBRE EL PORTUGUÉS HABLADO POR PUEBLOS
INDÍGENAS: RESISTENCIA E RESIGNIFICACIÓN
La presencia de pueblos indígenas en las universidades han contribuido al
conocimiento de las culturas, la epistemología y la lengua indígena, incluido
el portugués. Hay poca investigación sobre el portugués hablado por las
comunidades indígenas, y esto debe mejorarse. Para contribuir a esta discusión,
este artículo analiza algunas características del portugués indígena. Además, se
analizan dos disertaciones de maestría escritas por indígenas (BOMFIM, 2012;
CORREA XAKRIABÁ, 2018) para demostrar cómo aparece el portugués indígena
en los textos académicos. El análisis se basa en los principios de la investigación
cualitativa. Los resultados de la investigación muestran que el portugués
indígena puede incluso aparecer en textos académicos como una disertación
de maestría. Se argumenta que el portugués indígena debe entenderse desde
un punto de vista indígena y se sugiere que las universidades promuevan las
lenguas indígenas.
Palabras clave: portugués indígena; lenguas indígenas; lenguas académicas;
identidades.

Introdução
Este artigo faz uma reflexão sobre o portu- não exaustivo, do uso das línguas, em sentido
guês falado e escrito por povos indígenas. O amplo, pelos povos indígenas no contexto
intuito é contribuir com os estudos sobre o uso brasileiro, uso este marcado pela violência do
dessa língua pelos povos indígenas, sobretudo contato com o colonizador.
em contextos escolares. Parto do princípio O mito da língua única, ou monolinguismo, é
de que a língua(gem) tem papel essencial na um dos esteios do estado colonial (DECROSSE,
construção e veiculação das identidades (HALL, 1989) e essa foi a política linguística portu-
1992). As identidades, produzidas na intera- guesa para a consolidação do Brasil Colônia,
ção com o outro, através da/na língua(gem), sobretudo a partir da era pombalina. Estima-se
são múltiplas, móveis, histórica e socialmen- que até a invasão portuguesa, em 1500, mais
te situadas. Os indígenas podem construir de mil línguas eram faladas por cerca de seis
suas identidades através de qualquer língua, milhões de indígenas, no que hoje se conhe-
incluindo a língua portuguesa, como aponta ce como território brasileiro (RODRIGUES,
Maher (1996). 2019).1 Em 2010, data do último Censo do
Dito isso, para que se possa compreender o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
uso da língua portuguesa por povos indígenas 1 Este artigo foi publicado por Aryon Rodrigues em 1993 e
na atualidade, começo fazendo um histórico, republicado em 2019.

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(IBGE), a população indígena era de aproxima- de 1950, a política educacional foi novamente
damente novecentas mil pessoas, distribuídas revista, em virtude do desinteresse dos povos
em trezentos e cinco povos, falantes de du- indígenas acerca da escola (FERREIRA, 2001).
zentos e setenta e quatro línguas. Esses dados O bilinguismo de transição foi implantado e
demonstram a extrema violência colonial que funcionava em três passos. Primeiro, escolari-
provocou a quase extinção dos povos indígenas zação monolíngue em língua indígena: a alfa-
e o silenciamento de suas línguas ancestrais. betização era realizada na língua indígena nos
A invasão das terras indígenas, as doenças anos iniciais de escolarização. Posteriormente,
trazidas pelo colonizador, a escravização, a bilinguismo temporário em língua indígena e
conversão compulsória ao cristianismo e a es- em português: conforme os estudantes indíge-
colarização colonial foram os fatores principais nas iam dominando a escrita, a língua indígena
da depopulação indígena e da diminuição do ia sendo substituída pela língua portuguesa até
número de línguas indígenas. chegar, por fim, ao monolinguismo em língua
Na primeira fase da colonização, o objetivo portuguesa (MAHER, 1996).
era integrar o indígena à sociedade nacional. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que
Para isso, sob a coordenação dos jesuítas até substituiu o SPI em 1967, considerou que as
1757, quando foram expulsos do Brasil pelo escolas bilíngues seriam a melhor forma de
Marquês de Pombal (BERENBLUM, 2003), três se escolarizar os indígenas. Entretanto, isso
instrumentos foram utilizados: aldeamento, não foi efetivado por falta de financiamento.
catequese e escolarização. O aldeamento con- O Estatuto do Índio, em 1973, tornou obriga-
sistia em retirar os indígenas de suas aldeias, tório o ensino em língua indígena, o que levou
principalmente as crianças indígenas, com o in- a FUNAI a estabelecer uma parceria com o
tuito de facilitar a escolarização e a catequese, Instituto Linguístico de Verão (SIL), ligado a
objetivando a conversão ao cristianismo, o trei- igrejas protestantes, com o intuito de que im-
namento para servirem de mão de obra agríco- plantassem escolas bilíngues nas aldeias. Forte-
la, a aprendizagem da língua portuguesa e dos mente criticada por acadêmicos e organizações
valores nacionais. Neste período, o ensino era indigenistas, a parceria não deu certo e, entre
obrigatoriamente monolíngue em língua por- idas e vindas, terminou por ser rompida defi-
tuguesa. Esses expedientes foram desastrosos nitivamente na década de 1990, uma vez que o
para os povos indígenas que experienciaram a SIL objetivava traduzir a Bíblia e converter os
desestruturação de suas comunidades e o des- indígenas ao cristianismo, ao invés de construir
locamento linguístico. Com esse fracasso, um escolas que respeitassem a realidade indígena
modelo intermediário foi criado: a escola foi (D’ANGELIS, 2012; FERREIRA, 2001).
para as aldeias, objetivando melhorar a imagem O fortalecimento do movimento indígena,
negativa que tinha para os indígenas. Contudo, com apoio de organizações indigenistas, ense-
o viés assimilacionista continuou norteando as jou a partir da década de 1970, o surgimento
escolas indígenas (FERREIRA, 2001). de escolas indígenas alternativas ao modelo
Com a criação do Serviço de Proteção ao do Estado, escolas estas comprometidas com
Índio (SPI), em 1910, e, principalmente, dado a autodeterminação dos povos indígenas, com
o extermínio crescente dos povos indígenas, a luta pela terra e pela saúde, com o fomento e
houve uma reformulação da política indigenis- a promoção da cultura e língua indígenas. Um
ta do Estado. As escolas deveriam considerar a exemplo é a escola indígena do povo Ãpyãwa,
diversidade linguística e cultural indígenas. No que vive no Mato Grosso, mais conhecido como
entanto, na prática, o ensino continuava sendo Tapirapé (KATOAXOWA TAPIRAPÉ et al., 2019).
feito em língua portuguesa e enfocava o traba- A escola Ãpyãwa, criada no contexto da luta
lho agrícola e doméstico. No final da década pela terra por volta de 1972, tem seu currículo

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construído a partir da realidade da aldeia, con- para a Educação Escolar Indígena (RCNEI), por
ta com intensa participação da comunidade nos sua vez, fortalece os pressupostos fundantes da
processos decisórios, é gerida por professores escola indígena, quais sejam, ser bilíngue, es-
Ãpyãwa, tem a língua Ãpyãwa como língua de pecífica, diferenciada e intercultural, ao passo
instrução, desde a alfabetização, e do português que chama a atenção para o fato de que cada
como segunda língua nos anos finais do Ensino escola é diferente da outra, em virtude das dis-
Fundamental. Este e outros novos modelos de tintas realidades socioculturais e linguísticas
escola contribuíram para reconfigurar a edu- indígenas (BRASIL, 1998).
cação escolar indígena no Brasil. Posteriormente, esses pressupostos fo-
Com a democratização do país e a promul- ram reforçados pelas Diretrizes Curriculares
gação da Constituição Federal em 1988, os Nacionais para a Educação Escolar Indígena
povos indígenas tiveram seus direitos assegu- (DCNEI) que asseveram que a escola deve ter
rados na letra da lei. O artigo 231 estabelece: como centralidade o território indígena, com
“São reconhecidos aos índios sua organização projetos políticos pedagógicos construídos
social, costumes, línguas, crenças e tradições, autônoma e coletivamente (BRASIL, 2012). No
e os direitos originários sobre as terras que que concerne às línguas faladas pelos povos
tradicionalmente ocupam, competindo à União indígenas, o artigo 4º das DCNEI afirma: “II - a
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos importância das línguas indígenas e dos regis-
os seus bens.” (BRASIL, 1988). tros linguísticos específicos do português para
No que se refere às suas línguas, a Consti- o ensino ministrado nas línguas maternas das
tuição Federal em 1988 assegura a utilização comunidades indígenas, como uma das formas
nas escolas das línguas originárias e da língua de preservação da realidade sociolinguística de
portuguesa. O artigo 210, em seu segundo pa- cada povo.” Para além de reforçar a importância
rágrafo, informa que: “O ensino fundamental das línguas ancestrais, esse trecho também re-
regular será ministrado em língua portuguesa, conhece a existência de “registros linguísticos
assegurada às comunidades indígenas também específicos do português”, abrindo espaço para
a utilização de suas línguas maternas e proces- a discussão em torno do português falado por
sos próprios de aprendizagem.” Desde então, povos indígenas.
uma intensa luta vem sendo travada para ga- A partir dos anos 2000, os povos indígenas
rantir que esses direitos saiam do papel. A au- conquistam o acesso à universidade, princi-
tonomia das escolas indígenas para gerirem e palmente nos cursos de licenciatura indígena.
construírem seu próprio currículo, a formação As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
do docente indígena em serviço, a produção e Formação de Professores Indígenas (BRASIL,
publicação de materiais didáticos específicos 2015) estabelecem como princípios da forma-
para o contexto de cada povo indígena, por ção do docente indígena, em nível médio e em
exemplo, ainda se constituem em enorme desa- nível superior, o respeito à organização socio-
fio, principalmente considerando-se a relação política e territorial indígenas, a valorização
quase sempre conflituosa com secretarias de das línguas indígenas, o reconhecimento do
educação, em nível municipal e estadual. valor dos processos próprios de ensino-apren-
Apesar dessas dificuldades, em termos de dizagem indígenas, a interculturalidade e a
regramento, a educação escolar indígena já articulação entre distintos espaços formativos
avançou em muitos aspectos e a Lei de Diretri- tais como a comunidade, a escola, a família, o
zes e Bases (LDB) reconhece a especificidade movimento indígena, dentre outros. Mais re-
da escola indígena, sua autonomia e a necessi- centemente, a formação em nível superior tem
dade de formação de docentes indígenas (BRA- sido ampliada uma vez que alguns indígenas
SIL, 1996). O Referencial Curricular Nacional também têm ingressado na pós-graduação e

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vêm conquistando mestrados e doutorados. para a reflexão mais ampla sobre o português
Essa entrada contínua de indígenas na falado por povos indígenas.
universidade tem ensejado o questionamen-
to de epistemologias, de certezas teóricas e
metodologias cristalizadas. A academia se
A diversidade da língua
enriqueceu com a presença indígena uma vez portuguesa falada pelos povos
que os acadêmicos indígenas têm contribuído indígenas
com seus saberes tradicionais, suas reflexões
e seus modos próprios de fazer pesquisa. É A língua portuguesa (LP) em contexto indí-
também nesse ambiente que, apesar de haver gena é marcada pela contradição. Se por um
circulação e promoção das línguas faladas lado, está atrelada à colonialidade (QUIJANO,
pelos indígenas, conflitos linguísticos entre 2005), que silencia línguas, epistemes e sabe-
essas línguas e a língua portuguesa ficam um res, os povos indígenas têm agido criativamen-
pouco mais evidentes, principalmente em se te, com resiliência, e indigenizado, nos termos
tratando do português acadêmico. Ao trans- de Célia Correa Xakriabá (2018, p. 138), essa
por os muros da universidade, a exemplo de língua:
outros estudantes não indígenas (FIAD, 2011), A opção pela indigenização significa nesta pes-
os universitários indígenas são instados a ler quisa uma forma de enfatizar em nossas nar-
e escrever, em língua portuguesa, gêneros rativas históricas a agência do povo Xakriabá.
acadêmicos (resumo, resenha, artigo, projeto Por isso, é importante reafirmar o processo de
resistência e de subversão àquilo que é imposto
de pesquisa, monografia, dentre outros) com
pela lógica colonial. Deste modo entendemos
os quais não estão habituados. Nem sempre as que, se o processo de colonização começou
produções textuais atendem a expectativas de por nossas mentes, a indigenização tem que
professores que, eventualmente, podem avaliar ser diferente, tem que partir das nossas mãos,
mal os trabalhos apresentados. Isso ocorre práticas e de toda elaboração a partir do nosso
porque há ainda um desconhecimento por boa corpo-território, até chegar em nossas mentes.
parte dos docentes das universidades sobre as A LP, apropriada, ressignificada, indigeni-
línguas e culturas indígenas e, principalmente, zada carrega marcas da memória das lutas,
sobre o português indígena. da construção coletiva de saberes, das línguas
Para finalizar esta seção, é importante ancestrais, das culturas e cosmovisões de cada
mencionar a Década Internacional das Línguas povo. Tais marcas aparecem na estrutura da
Indígenas (doravante IDIL 2022-2032) cuja língua, na organização textual, no léxico, no
proposta é refletir sobre as línguas faladas discurso, na composição de textos escritos com
pelos povos indígenas e construir ações de pro- textos imagéticos (GORETE NETO, 2005, 2021).
moção e proteção dessas línguas. No Brasil, sob É a língua para a luta pelos direitos indígenas,
a coordenação dos povos indígenas, foram cria- face ao não indígena, e mais uma língua para a
dos três grupos de trabalho (GT): GT Línguas produção e circulação de identidades e saberes
Indígenas, GT Português Indígena e GT Línguas indígenas (HALL, 1992; MAHER, 1996). São
de Sinais Indígenas. Ao decidirem construir um essas características que conformam o por-
GT específico para tratar do Português Indíge- tuguês indígena. A indigenização da LP indica
na, os povos indígenas que estão à frente das que são necessários novos instrumentos e
ações da IDIL 2022-2032 reforçam a relevância pressupostos para a pesquisa e o entendimen-
desse tema e impulsionam o desenvolvimento to do significado dessa língua para os povos
de mais pesquisas sobre o assunto. Neste sen- indígenas. Assim, conforme aponta Abram
tido, espera-se que a discussão realizada nesse dos Santos (2018), é preciso ampliar a análise
artigo possa contribuir com as ações da Década, sobre o uso que povos indígenas fazem do por-

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tuguês, análise esta muitas vezes construída a GUEDES, 2020; FERREIRA, 2005); Português
partir da categoria “língua imposta, língua do intercultural (NASCIMENTO, 2012); Português
dominador”: de contato (BONIFÁCIO, 2019; CAZUZA, 2021;
Se, até a década de 1990, muitos textos ainda EMMERICH, 1984; LUCCHESI; MACEDO, 1997;
associavam o português com a língua do domi- PACHECO, 2005); Português segunda língua
nador e como uma língua cujo aprendizado é (ABRAM DOS SANTOS, 2011, 2005; GORETE
imposto, hoje não mais compartilhamos dessa NETO, 2005; KOGA; SOUZA; AMADO, 2010;
visão, pelo menos não de modo exclusivo. Em- LIMA E SILVA, 2012), dentre outras.
bora conscientes de que o português permanece
Ultimamente, tem havido um uso crescen-
invadindo os espaços das línguas indígenas e
talvez esse seja o maior conflito para nós que
te do binômio “português + nome da etnia”
trabalhamos com seu ensino, não me parece (português Kaingang, português Ãpyãwa, por-
mais coerente com a realidade pós-colonial per- tuguês Xakriabá etc.), com o intuito de marcar
manecer acreditando nessa relação dicotômica que o português indígena são muitos, varia
de imposição linguística. (ABRAM DOS SANTOS, conforme a realidade sociolinguística, cultural
2018, p. 276). e histórica de cada povo.
A complexidade do uso das línguas no con- As investigações sobre a temática do portu-
texto indígena (CAVALCANTI, 1999; CAVAL- guês indígena vêm ganhando, recentemente,
CANTI; MAHER, 2018; MAHER, 1996) aponta novos contornos, uma vez que tem sido obser-
para a diversidade de uso da língua portuguesa vado na universidade uma maior visibilização
por esses povos. Ainda que a relação atual das reflexões que os próprios pesquisadores
com a língua portuguesa não seja apenas de indígenas fazem sobre o uso do português nas
imposição, conforme problematiza Abram dos suas aldeias e fora delas. Uma dessas pesqui-
Santos (2018), em geral, observa-se o que pode sadoras é Eunice Tapuia (RODRIGUES, 2018).
ser chamado de bilinguismo compulsório. Há Em seu trabalho, Rodrigues (2018) discute
comunidades que falam sua língua originária e demonstra a complexidade do português
e ainda uma variedade do português, por força Tapuia. Essa autora explica que seu povo é
do contato com o não índio. Há povos, no entan- discriminado por causa de suas características
to, que têm o português como língua materna fenotípicas e por não falar uma língua indígena:
uma vez que a violência do contato silenciou Se, por um lado, tapuia não é indígena, porque
suas línguas ancestrais, conforme referido. E há não fala uma língua indígena, por outro lado,
também não é branco, por ser mestiço e porque
também aqueles que, além do português e da
não fala o português ‘padrão’. Essa foi e é uma
língua indígena, falam outras línguas indígenas estratégia eficaz de desagregação da identidade
ou outras línguas majoritárias, como o espa- indígena dos Tapuias, pois, se forem sertanejos
nhol, por exemplo, caso dos povos indígenas não são indígenas e, assim, não têm direito às
em regiões de fronteira. terras do antigo aldeamento Carretão. (RODRI-
As pesquisas sobre o português falado GUES, 2018, p. 136).
pelos povos indígenas são ainda muito pou- A situação descrita por Rodrigues (2018)
cas, mas, têm se fortalecido, impulsionadas coaduna-se com relatos de outros povos indí-
principalmente pela presença indígena nas genas, principalmente os povos nordestinos
universidades. (CAVALCANTI; CÉSAR, 2007) que também
Essas investigações nomeiam esse portu- enfrentam questionamentos à sua identidade
guês de formas distintas: Português indígena indígena por causa do fenótipo e da língua. Es-
(ABRAM DOS SANTOS, 2018; FERREIRA; AMA- ses povos que falam português como primeira
DO; CRISTINO, 2014; GORETE NETO, 2012, língua veem-se em meio à renovação da vio-
2018; MAHER, 1996); Português étnico (AMA- lência colonial sofrida, já que primeiro tiveram
DO, 2015; BRAGGIO, 2015; COSTA; RAZKY; suas línguas ancestrais silenciadas e agora são

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cobrados por não falarem essas línguas. Ao sobre as identidades e as línguas que os povos
sentirem-se pressionados e violentados nos indígenas falam, o pesquisador Uilding Pataxó
seus direitos, buscam estratégias de resistência (BRAZ, 2016, p. 37) afirma:
como a abaixo: [...] na visão de muitos linguistas a língua Pataxó
Como estratégia de defesa e resistência, a comu- não seria considerada como língua Pataxó uma
nidade passou a buscar formas de fortalecimen- vez que usa elementos morfossintáticos da
to de sua identidade indígena, principalmente língua portuguesa. Felizmente, nós, apesar de
para a defesa e garantia do direito a suas terras; sermos alvos de críticas e de contradições por
e uma das ações nessa direção foi a proposta de muitos dos/das linguistas, insistimos em querer
ensino escolar de uma língua indígena, com o algo nosso não apenas por causa do outro como
objetivo de ‘recuperar’ a identidade indígena. dizem, mas por motivo de termos o compro-
Diante de tal proposta, levantou-se a questão misso e respeito com nós mesmos, com nossos
sobre qual língua indígena ensinar, visto que o ancestrais, anciãos e com nosso povo, não é o
aldeamento foi formado por diferentes povos caso de pensar em uma língua ‘pura’ visto que
indígenas. Essa questão trouxe à tona, de for- a língua está em constante relação com outras
ma latente, a tensão entre os descendentes de ocorrendo assim o empréstimo linguístico e
Xavante e os descendentes de Kayapó. Ensinar com relação à língua Pataxó o empréstimo é
a língua A’uwẽ significa priorizar os antepassa- valorizado.
dos Xavantes e desprestigiar os antepassados
O povo Pataxó, através do grupo de pesqui-
Kayapós e vice-versa. Diante do impasse, as
lideranças Tapuias retiraram a proposta. (RO- sadores Atxohã, há mais de vinte anos tem um
DRIGUES, 2018, p. 139). projeto exitoso de reavivamento linguístico de
sua língua Patxohã, conforme explica a pes-
A língua tomada como “diacrítico de india-
quisadora Anari Pataxó (BOMFIM, 2012). No
nidade” (MAHER, 1996) tem causado enormes
início dos trabalhos, as estratégias utilizadas
prejuízos aos povos indígenas e até provocado
pelo grupo foram criticadas por acadêmicos
conflitos internos, segundo informa Rodrigues
não indígenas, conforme aponta Braz (2016).
(2018) no trecho citado. É comum que setores
Atualmente, a língua Patxohã circula nas al-
anti-indígenas se utilizem do argumento de que
deias, nos rituais, nos cantos, na escola e em
se não fala a língua indígena não é indígena
materiais escritos pelos próprios pesquisa-
e, portanto, não tem direito à terra e outros
dores Pataxó. Mais que uma vitória do povo
direitos.
Pataxó, esse fato evoca a necessária autonomia
Maher (1996) alerta para o fato de que uma
indígena na condução e gerenciamento de seus
língua é indígena porque quem a fala é indígena
projetos de vida.
e não o contrário, ou seja, a identidade indígena
A resiliência e a resistência, características
pode ser construída e veiculada em qualquer
da luta indígena por direitos, impulsionam a
língua, inclusive através da língua portuguesa,
ressignificação das violências sofridas. É assim
segundo referido. Sendo um povo formado por
que, como ensina Rodrigues (2018), o povo Ta-
várias etnias, com o histórico relatado, a iden-
puia subverte a ideia de que precisam falar uma
tidade indígena Tapuia não pode e não deve
língua ancestral, do ponto de vista de quem
estar associada a uma língua somente.
é de fora da aldeia, para serem considerados
Importante relembrar com Hall (1992, p.
indígenas e assumem o português como língua
12-13) que as identidades, propositadamente
indígena, denominando-o Português Tapuia:
tomadas no plural, não são fixas nem perma-
nentes, “são celebrações móveis, transforma- [...] a etnogênese do Tapuia está ancorada e
inserida na mudança de atitude da comunidade
das e transfiguradas continuamente em relação
em relação à sua identidade e à sua situação
às formas pelas quais somos representados ou sociolinguística e etnocultural. As atitudes
interpelados nos sistemas culturais que nos sociolinguísticas são reelaboradas, por meio,
rodeiam”. Sobre a cobrança de não indígenas principalmente, da aceitação do ser Tapuia e

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do Português Tapuia como sua língua indígena. das línguas indígenas ancestrais” e, sendo uma
Assim, contra o ideal de língua única, pura e cor- forma de resistência, “representa a superação
reta, expresso na concepção de monolinguismo,
das lutas fundiárias e do reconhecimento de
que os situa socialmente, os Tapuia defendem a
existência do Português Tapuia como sua língua sua identidade indígena legítima, ainda que
materna. (RODRIGUES, 2018, p. 147). ‘bastarda’ aos olhos da população ‘de fora’ da
comunidade” (RODRIGUES, 2018, p. 148-149).
A essencialização de conceitos como língua
A discussão apresentada demonstra que
– noção eurocentrada, tomada como sistema
o português indígena não pode ser analisado
estruturado, que desconsidera o uso que falan-
apressadamente. As pesquisas sobre esse
tes dela fazem – vem sendo problematizada por
português, que varia de povo para povo, ne-
muitos investigadores (CAVALCANTI; CÉSAR,
cessitam ser aprofundadas e isso se constitui
2007; CAVALCANTI; MAHER, 2018; GORETE
em um desafio para pesquisadores indígenas
NETO, 2018; MOITA LOPES, 2013) e agora pe-
e não indígenas.
los pesquisadores indígenas, dentre eles Braz
(2016), Bomfim (2012) e Rodrigues (2018). O
“ideal de língua única, pura e correta”, questio- Textos acadêmicos e português
nado por Rodrigues (2018, p. 147), denuncia
a reconfiguração da violência linguística que
indígena
povos indígenas, como os Tapuia, vêm conti- Nesta seção, analiso trechos de duas disser-
nuamente sofrendo e aponta para a exigência tações de mestrado produzidas por mulheres
da problematização contínua desta noção. Ao indígenas em universidades distintas, com
apresentar a definição de Português Tapuia o intuito de compreender como o português
explicando que esta concepção extrapola a indígena aparece nestes textos acadêmicos. A
ideia de sistema, estrutura, a pesquisadora in- pesquisa, de cunho qualitativo, busca descrever
dígena contesta o conceito de língua ancorado e analisar como as autoras indígenas indigeni-
na colonialidade: zam o texto acadêmico. A análise baseia-se nos
O Português Tapuia é a expressão do sentimento estudos sobre o português indígena discutidos
de pertencimento ao ser indígena e ao ser Tapuia anteriormente e ainda na minha experiência
no Carretão. Para além de fonemas, morfemas,
pessoal como pesquisadora e docente de língua
monemas, sememas, sintagmas, frases e ora-
ções, as línguas têm palavras que constroem portuguesa para povos indígenas há mais de
sentidos, que contam histórias armazenadas, vinte anos. A escolha das autoras deveu-se ao
mantidas em silêncio e em segredo, em nome fato de que são duas pesquisadoras indígenas
da sobrevivência do povo. A língua de um povo reconhecidas pela academia e por seus pares.
é muito mais que gramática e léxico, é sentimen- Durante a leitura e análise dos textos seleciona-
to, é vínculo com o passado, com a realidade e
com a irrealidade. Ao reconhecer o Português
dos, procuro pistas da indigenização da língua
Tapuia como sua língua indígena, os Tapuias se portuguesa que aparecerão de diferentes for-
reconhecem e se assumem, ao mesmo tempo, mas: uso de vocábulos das línguas ancestrais,
indígenas e Tapuias. (RODRIGUES, 2018, p. ressignificação de palavras e conceitos, orga-
148-149). nização textual, dentre outros, conforme será
A língua Tapuia – Português Tapuia – cons- indicado a seguir.
trói sentidos e carrega a memória da sobre- Sabidamente textos acadêmicos, dissertação
vivência deste povo. É língua de resistência e e tese, em especial, são frutos de intensa nego-
pertencimento étnico, portanto, língua indí- ciação entre orientandos e orientadores. Por
gena. Há camadas de histórias embutidas na mais que se tente evitar, esta relação é marcada
forma como os Tapuia falam o português. Essas por assimetria de poder e por certo que isso
camadas revelam “a existência de fragmentos influencia na construção do texto. Apesar disso,

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Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação

os textos dos acadêmicos indígenas apresen- TRECHO 2


tam singularidades que deixam transparecer Aqui, lançamos mão de dois conceitos importan-
a indigenização desses trabalhos. Em geral, os tes, um deles – já anunciado – é o amansamento,
pesquisadores indígenas escolhem temáticas que é um conceito nativo que meu povo utiliza
de pesquisa concernentes às demandas dos para denominar a escola. Ao invés de usar o con-
seus povos, o que parece favorecer a utilização ceito de reapropriação que é muito utilizado na
antropologia, recorremos o amansamento por-
do português indígena, cujas características
que é um conceito elaborado a partir da resis-
foram apresentadas na seção anterior. Além tência de amansar aquilo que foi bravo, que era
disso, os investigadores indígenas criam sen- valente, portanto, atacava e violentava a nossa
tidos diferentes para algumas palavras, formu- cultura. Fizemos esta escolha porque o conceito
lam novos conceitos e categorias de análise, reapropriação, embora possa trazer um sentido
contribuindo para oxigenar a produção de próximo, não expressa o impacto, a violência do
conhecimentos na academia. que foi a chegada e o propósito de implantação
das escolas nos territórios indígenas. (CORREA
Importante mencionar que os trechos ana-
XAKRIABÁ, 2018, p. 137).
lisados a seguir foram transcritos respeitando
o texto original. Ao utilizar a palavra “amansamento” no lu-
Em sua dissertação de mestrado intitulada O gar de “reapropriação”, Correa Xakriabá (2018)
barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico recobra a memória e a agência de seu povo
de autoria Xakriabá: reativação da memória por na lida com a escola. “Reapropriação” para se
uma educação territorializada, defendida na referir à escola, conforme essa autora, apaga
Universidade de Brasília (UnB), Célia Correa a luta do povo Xakriabá com o processo de
Xakriabá (2018) opta pela escrita da palavra escolarização. Amansar, em contraposição ao
jenipapo com a letra “g” e não “j”, conforme a que é bravo, que precisa ser amansado, reme-
gramática padrão. A autora justifica essa esco- te à labuta com as adversidades e os desafios
lha em uma nota de rodapé: cotidianos. Ao associar esta palavra à escola,
TRECHO 1 o efeito de sentido produzido é que a escola é
feroz, violenta: “atacava e violentava” a cultura
Faço opção por escrever genipapo com G e não Xakriabá.
com J. A grafia com G me remete à nossa relação Um outro significado possível para a palavra
com G do Gerais, e sempre que vou me apresen-
“amansamento” é “dominação” e a pesquisado-
tar faço questão de dizer que só conhece bem
Minas quem conhece o Gerais. Internamente, ra poderia ter dito que os Xakriabá dominaram
na nossa língua, também nos reconheceremos a escola. No entanto, essa autora não se utiliza
mais na escrita com G, foi assim que aprendi a desta interpretação e isso pode ser explicado
escrever na escola a palavra genipapo. (CORREA pelo fato de que ‘dominação’ está mais forte-
XAKRIABÁ, 2018, p. 40, nota de rodapé 4). mente atrelada a expedientes coloniais, já que
Ao reinventar a grafia da palavra jenipapo, a escola sabidamente foi inserida nas comuni-
a pesquisadora evoca o pertencimento a um dades indígenas com o intuito de dominar os
território específico – G dos Gerais –, bioma indígenas.
típico do norte de Minas Gerais, onde fica o Logo, há um jogo de sentidos empreendido
território Xakriabá. Além disso, explica que na por Correa Xakriabá (2018) que, ao utilizar
aldeia, “internamente, na nossa língua”, jenipa- “amansamento”, rechaça a lógica de dominação
po com “g” é mais reconhecido. “Genipapo” é colonizadora, ao mesmo tempo em que sinaliza
um indício da apropriação do português, de sua o modo de ser e viver Xakriabá, e de agir com
reconfiguração e indigenização realizadas pela a escola, muito distante do modo de ser, viver
autora. Em sua dissertação, a pesquisadora e agir não indígena. Nos trechos acima, o uso
também indigeniza conceitos: de “genipapo” e “amansamento” são indícios

222 Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 214-231, jul./set. 2022
Maria Gorete Neto

da indigenização da língua portuguesa e indi- Além de “pesquisa” e seus correlatos esta-


cadores do português Xakriabá. rem associados à colonialidade, em uma socie-
Outra pesquisadora indígena, Anari Pataxó dade grafocêntrica – que tem a escrita como
(BOMFIM, 2012), em sua dissertação de mes- centralidade –, o pesquisador está associado ao
trado intitulada Patxohã, “língua de guerreiro”: mundo da escrita e se espera que esteja cercado
um estudo sobre o processo de retomada da lín- de livros, que tome notas e escreva relatórios
gua Pataxó, defendida na Universidade Federal de pesquisa. Bomfim (2012, p. 58) subverte
da Bahia (UFBA), cria a categoria “pesquisado- essa premissa e afirma que criou a categoria
res Pataxó”: “pesquisadores Pataxó” para, inicialmente, se
TRECHO 3 referir a qualquer Pataxó “conhecedores da
escrita ou não, cujo papel é pesquisar, conhecer,
A categoria ‘Pesquisadores Pataxó’, a princípio,
foi um termo apropriado que utilizei para de-
registrar, na escrita ou na memória, os conhe-
signar os Pataxó, conhecedores da escrita ou cimentos do universo sociocultural e histórico
não, cujo papel é pesquisar, conhecer, registrar, do povo Pataxó”.
na escrita ou na memória, os conhecimentos do Essa autora amplia o significado de “pes-
universo sociocultural e histórico do povo Pata- quisador” para incluir o modo próprio do seu
xó, para contribuir no fortalecimento da cultura povo de produzir, registrar e repassar conhe-
Pataxó, seja nas atividades desenvolvidas dentro
cimentos. Enfatiza ainda que o ser pesquisa-
da comunidade ou em outros espaços. A condi-
ção de ser ‘um pesquisador Pataxó’ não surgiu na dor Pataxó não está associado à academia: “A
academia, surgiu na aldeia mesmo, no desejo de condição de ser ‘um pesquisador Pataxó’ não
saber mais e registrar sobre sua própria história, surgiu na academia, surgiu na aldeia mesmo,
tendo a preocupação de refletir e repassar, a no desejo de saber mais e registrar sobre sua
partir de ações, para os outros mais novos. Para própria história, tendo a preocupação de refle-
a pesquisa não se tem um método pronto, é um tir e repassar, a partir de ações, para os outros
processo que vai sendo construído na medida
da necessidade e da dinâmica social vivida pelo
mais novos.” (BOMFIM, 2012, p. 58).
povo Pataxó. Porém, uma coisa eu sei que é certo: Assim como Correa Xakriabá (2018), Bom-
primeiro, ir até os nossos intelectuais, os mais fim (2012) exalta a vivência e a agência de
velhos e os mais experientes, para aprender o seu povo, que reflete, registra e repassa sua
que eles têm para nos ensinar e, junto com eles, própria história através de ações, da oralidade,
construir o melhor para nós. Foi nesse processo relativizando a importância atribuída à escrita,
que surgiu o grupo de pesquisadores Pataxó e
e assevera: “foi assim que aprendi a ser uma
foi assim que aprendi a ser uma pesquisadora
Pataxó também, antes de entrar na universidade. pesquisadora Pataxó também, antes de entrar
(BOMFIM, 2012, p. 58). na universidade” (BOMFIM, 2012, p. 58). Ao
afirmar que foi antes de entrar na universidade
A palavra “pesquisador”, embora possa ser
que se tornou pesquisadora, Bomfim (2012)
atribuída a qualquer um que faça pesquisa, é
interroga a academia, suas epistemologias, e o
marcadamente associada à academia e, para
pressuposto de que só é pesquisador quem está
muitos povos indígenas, tem conotações nega-
na universidade. A pesquisadora rememora as
tivas. Segundo a pesquisadora indígena Maori,
experiências que seu povo teve com esses pes-
Linda Tuwihai Smith (2018, p. 11):
quisadores. Alguns consideravam os indígenas
[...] o termo ‘pesquisa’ está indissociavelmente apenas como informantes, negando a possibi-
ligado ao colonialismo e ao imperialismo euro- lidade de que fizessem suas próprias reflexões
peu. A palavra ‘pesquisa’, em si, é provavelmente
uma das mais sujas do mundo vocabular indíge-
científicas a partir do ponto de vista indígena.
na. Quando mencionada em diversos contextos, Outros desdenharam das pesquisas realizadas
provoca silêncio, evoca memórias ruins, desper- pelo povo Pataxó para o reavivamento de sua
ta um sorriso de conhecimento e desconfiança. língua, conforme visto. A estratégia utilizada

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Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação

por essa autora para ampliar o significado da Existe a universidade da vida e a vida na uni-
palavra “pesquisador” também pode ser com- versidade,
preendida como indigenização do português e Estar na academia só tem sentido se não exter-
indício do português Pataxó. minar a identidade.
Além da recriação de grafias, sentidos, con- Na luta também adquirimos conhecimento
ceitos e categorias, a forma de organizar o texto
Portanto toda luta é epistêmica,
é também indicadora do português indígena.
Transcrevo, a seguir, um trecho relativamente Não há lugar de um único saber isso seria matar
longo de Correa Xakriabá (2018), que optei a ‘diferença’.
por manter na integralidade, com o intuito de Muitas vezes a sociedade se assusta quando se
mostrar essa organização. O fragmento inicia fala no etnocídio, sendo que na academia somos
com prosa e termina com loas,2 – um gênero vítimas da produção do epistemicídio.
poético do contexto Xakriabá: Quando tentam negar o nosso conhecimento,
TRECHO 4 É uma violência física e simbolicamente,
Nós estudantes indígenas temos um grande Quando negam o território e o nosso saber, nos
desafio, responsabilidade de renovar as estra- matam coletivamente.
tégias de luta e resistência, uma das resistên-
Muitos conhecimento se materializam
cias é não permitir o desbotamento da nossa
identidade quando transitamos no território Outros carregam imaterialidade,
acadêmico, precisamos ainda como uma flecha
O conhecimento que não é palpável porque
certeira indigenizar os lugares que ocupamos.
carrega subjetividade.
Desconsiderar esses agentes é reproduzir a
violência histórica do epistemicídio, tenho dito A luta pelo território nos ensina, prepara-nos
que há duas maneiras de matar o povo indígena em outra dimensão
coletivamente: quando nos negam o território e
Se na retomada (de terra) enfrentamos os fa-
quando reproduzem o epistemicídio.
zendeiros.
Nem todo conhecimento dá conta de ser guar-
dado em um livro Na academia enfrentamos a sua geração.

Se encontra no território e no epistemológico Na retomada enfrentamos armas de fogo,


nativo. Viver lá é uma incerteza.
Produzindo seus conceitos, inspirado no corpo Já na academia a arma que nos aponta é a escrita
da vivência, e a caneta.
Tecendo nossas narrativas por meio da expe-
A tutelagem apreende mentes e corpos
riência.
Resulta em violência e opressão,
Os nossos mestres são os mais velhos que na
palavra carrega identidade, Mas enquanto povos, reagimos e superamos
Se a academia forma seus mestres e doutores, com a força e expressão. (CORREA XAKRIABÁ,
2018, p. 102-103).
Nós também formamos doutores da oralidade.
A força desta ciência do território, muitos não
O excerto acima apresenta vocábulos que
têm o poder de ver, remetem à coletividade indígena, tais como
“nós”, “nossa”, “nossos”, e palavras que podem
Pois a força da oralidade, nem tudo se pode
escrever. estar associadas ao contexto indígena: “flecha”,
“território”, “povos”, “retomada”, dentre outras.
2 Conforme Luzionira Xakriabá (LOPES, 2016, p. 26), “As
Loas são práticas coletivas da oralidade faladas em mo- Essa autora inicia o trecho utilizando algumas
mentos com muitas pessoas presentes, não são ensinadas dessas palavras que remetem ao coletivo: “Nós
nem escritas, mesmo as pessoas que sabem ler e escrever
não se utilizam desse recurso para jogar loa, é ouvindo,
estudantes indígenas temos um grande desafio
jogando e se aperfeiçoando por meio da prática.” [...]” e explica qual é este desafio do estudante

224 Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 214-231, jul./set. 2022
Maria Gorete Neto

indígena: “responsabilidade de renovar as cia, Tecendo nossas narrativas por meio da


estratégias de luta e resistência”. Uma dessas experiência.”
demandas é em relação à construção da iden- Outra característica da episteme indígena é
tidade indígena – “uma das resistências é não o respeito aos mais velhos. O conhecimento e
permitir o desbotamento da nossa identidade a identidade indígenas estão nos mais velhos
quando transitamos no território acadêmico”. “Os nossos mestres são os mais velhos que
O trecho indica que o “território acadêmico” na palavra carrega identidade, Se a academia
pode desbotar a identidade indígena, ou seja, forma seus mestres e doutores, Nós também
pode apagar, invisibilizar o indígena. Para que formamos doutores da oralidade.” Novamente
isso não ocorra, essa autora aponta ser ne- Correa Xakriabá (2018) problematiza a centra-
cessário indigenizar todos os espaços em que lidade da escrita na produção de conhecimen-
circulam: “precisamos ainda como uma flecha tos e a prerrogativa da universidade em formar
certeira indigenizar os lugares que ocupamos”, “doutores e mestres”, desconsiderando outros
o que significa mostrar clara e objetivamente, saberes, e enfatiza que os sábios indígenas são
como “flecha certeira”, que são indígenas. Para sim doutores – “doutores da oralidade”.
a pesquisadora, caso isso não ocorra, repro- Outro aspecto da produção de conhecimen-
duz-se o epistemicídio: “Desconsiderar esses tos indígenas está relacionado ao que pode ser
agentes é reproduzir a violência histórica do visto e ao que não pode. Para a pesquisadora,
epistemicídio.” os saberes produzidos no território nem sem-
Correa Xakriabá (2018) afirma que um povo pre podem ser vistos, e têm como centralidade
pode ser exterminado de duas formas: “tenho a oralidade, já que não é tudo que se pode
dito que há duas maneiras de matar o povo escrever: “A força desta ciência do território,
indígena coletivamente: quando nos negam o muitos não têm o poder de ver, Pois a força da
território e quando reproduzem o epistemi- oralidade, nem tudo se pode escrever.” Há um
cídio.” Com esta frase, essa autora encerra o jogo com a palavra “ciência” que, neste caso,
trecho em prosa e, nas loas, começa a definir e está atrelada ao segredo, à espiritualidade, ao
explicar como funciona a episteme indígena e que não deve ser escrito nem mostrado, prin-
o que é epistemicídio. cipalmente para não indígenas.
Para explicar o funcionamento da epistemo- Em razão disso, essa autora diferencia o
logia indígena, em primeiro lugar, a pesquisa- conhecimento da vida e o conhecimento da
dora informa que nem todo conhecimento pode universidade: “Existe a universidade da vida e
ser guardado em livros: “Nem todo conheci- a vida na universidade, Estar na academia só
mento dá conta de ser guardado em um livro.” tem sentido se não exterminar a identidade.”
Ao mesmo tempo em que chama a atenção A universidade da vida pode ser entendida
para a existência de conhecimentos diversos, como a experiência e a vivência engendradas
essa autora questiona a premissa de que livros coletivamente no território indígena. A vida
são a única forma de se registrar conhecimen- na universidade é uma experiência em meio a
tos, interrogando assim o grafocentrismo e outras que os indígenas vivenciam.
o academicismo. Os conhecimentos estão no Correa Xakriabá (2018) destaca que a epis-
território e na maneira de ser e fazer indígenas: temologia indígena se constrói na universidade
“Se encontra no território e no epistemológico da vida, na luta: “Na luta também adquirimos
nativo.” No espaço coletivo da aldeia, os indíge- conhecimento, Portanto toda luta é epistêmi-
nas, a partir de suas vivências, constroem seus ca.” A luta coletiva – pela terra, pela saúde, pela
próprios conceitos e suas próprias narrativas educação, pelos direitos – é epistêmica, uma vez
enraizadas em suas experiências: “Produzindo que distintas gerações produzem e comparti-
seus conceitos, inspirado no corpo da vivên- lham conhecimentos, aprendem e ensinam em

Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 214-231, jul./set. 2022 225
Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação

conjunto, ativam a memória coletiva do povo e pesquisas e podem falar por eles mesmos.
mostram o que é ser Xakriabá. A pesquisadora Segundo Correa Xakriabá (2018), a academia
reitera não haver conhecimento único: “Não possui suas armas: escrita e caneta, tutela e
há lugar de um único saber isso seria matar a silencia os povos indígenas: “Já na academia a
‘diferença’.” E ressalta que a academia pratica o arma que nos aponta é a escrita e a caneta. A
epistemicídio ao negar as maneiras próprias de tutelagem apreende mentes e corpos. Resulta
ser e saber indígenas, o que, junto com a negativa em violência e opressão.” Ao encerrar as loas,
do território, implica na morte coletiva indígena: essa autora reafirma a resiliência e resistência
Muitas vezes a sociedade se assusta quando indígenas: “Mas enquanto povos, reagimos e
se fala no etnocídio, sendo que na academia superamos com a força e expressão.”
somos vítimas da produção do epistemicídio. O Trecho 4 apresenta características do
Quando tentam negar o nosso conhecimento, É português Xakriabá. Ao entremear o texto em
uma violência, física e simbolicamente. Quando prosa com as loas, Correa Xakriabá (2018)
negam o território e o nosso saber, nos matam
coletivamente.
mostra a epistemologia Xakriabá no modo
próprio de escrever uma dissertação. Isso
Ao tratar da materialidade e imaterialida- subverte o padrão esperado para este tipo de
de do conhecimento, a pesquisadora retoma texto acadêmico, indigenizando o português
a ideia de que há conhecimentos que podem acadêmico e transformando-o em português
ser escritos e outros não, também chamados indígena. A pesquisadora utiliza distintas estra-
de ciência: “Muitos conhecimento se mate- tégias, como o uso de palavras que remetem ao
rializam, Outros carregam imaterialidade. O coletivo indígena e atribui significados a certos
conhecimento que não é palpável porque car- vocábulos, remetendo ao contexto Xakriabá
rega subjetividade.” A ciência – o conhecimento e se distanciando dos significados de fora da
não palpável carregado de subjetividade – é aldeia. Por fim, para definir, sob o ponto de
um dos elementos fundantes da epistemologia vista Xakriabá, o que é epistemologia, essa
Xakriabá. autora escapa ao gênero “verbete” comumente
Finalizando as loas, Correa Xakriabá (2018) utilizado em textos acadêmicos na atribuição
retoma e enfatiza o caráter epistêmico da luta de definições, utilizando-se das loas, poesia
pelo território e compara o enfrentamento aos tipicamente Xakriabá.
fazendeiros com o enfrentamento na academia: Os quatro trechos analisados mostram como
“A luta pelo território nos ensina, prepara-nos o português indígena – no caso, o português
em outra dimensão, Se na retomada (de terra) Xakriabá e o português Pataxó – aparece no
enfrentamos os fazendeiros. Na academia en- texto acadêmico “dissertação de mestrado”. A
frentamos a sua geração. Na retomada enfren- proposição de grafias novas, a criação de novos
tamos armas de fogo. Viver lá é uma incerteza.” significados para determinados vocábulos, a
No trecho, essa autora rememora as lutas pelo criação de conceitos e categorias com o intuito
território empreendidas pelos povos indígenas de incluir o ponto de vista indígena, a organi-
contra os invasores. A palavra “geração” refe- zação textual e a apresentação das ideias no
re-se aos descendentes dos fazendeiros e essa corpo do texto são indicativos da indigenização
construção denuncia igualmente o fato de que do português.
a academia é ainda muito anti-indígena, com
poucos representantes indígenas. Português indígena na
A pesquisadora aborda a tutela – período
em que não indígenas falavam pelos povos in-
universidade
dígenas – para chamar a atenção para o fato de A análise proposta na seção anterior de-
que indígenas podem conduzir suas próprias monstrou algumas especificidades do por-

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Maria Gorete Neto

tuguês indígena, que se mantêm mesmo em se refere à abertura para o entendimento e


textos acadêmicos, a despeito de serem textos reconhecimento do português indígena. O si-
com alto grau de monitoramento e negocia- lenciamento das línguas indígenas, estratégia
dos entre atores indígenas e não indígenas. A colonial, corre o risco de repetir se o português
indigenização do português aproxima-se do indígena não for valorizado e promovido em
que hooks3 (2013) ensina sobre a apropriação contextos acadêmicos. Alguns caminhos po-
do inglês – “língua do opressor” – pelos povos dem ser trilhados, em conjunto com os povos
africanos escravizados nos Estados Unidos. indígenas, para minimizar essa possibilidade.
Essa autora explica que a ruptura com o inglês Em primeiro lugar, deve haver o que Maher
padrão possibilita a “rebelião e a resistência”, (2007, p. 267) chama de “educação do entorno
facultando ao escravizado forjar um espaço para a diferença linguística e cultural”: educar
para a construção de cultura e epistemologias a sociedade para o respeito às diferenças, para
alternativas: o conhecimento e a convivência com culturas e
[...] a ruptura do inglês padrão possibilitou e pos- línguas minoritarizadas, dentre elas as línguas
sibilita a rebelião e a resistência. Transformando indígenas. Há no país um grande desconheci-
a língua do opressor, criando uma cultura de re- mento da realidade sociolinguística brasileira
sistência, os negros criaram uma fala íntima que e, principalmente, das línguas e culturas indí-
podia dizer muito mais do que as fronteiras do
inglês padrão permitiam. O poder dessa fala não
genas, e isso também ocorre nas universidades.
é simplesmente o de possibilitar a resistência Conhecer a realidade sócio-histórica e linguís-
à supremacia branca, mas também o de forjar tica indígena é um dos passos para minimizar o
um espaço para a produção cultural alternativa preconceito contra os usos que povos indígenas
e para epistemologias alternativas – diferentes fazem de suas línguas.
maneiras de pensar e saber que foram cruciais
Outro passo é a compreensão de que línguas
para a criação de uma visão de mundo contra
-hegemônica. (HOOKS, 2013, p. 228). majoritárias e línguas indígenas, e, reitero, es-
tou considerando o português indígena como
Dessa forma, a língua inglesa “africanizada”, língua indígena, estão sempre em conflito e em
para fazer paralelo ao “indigenizado” cunhado disputa. Compreender as relações de poder
por Correa Xakriabá (2018), para além de que perpassam a escolha de determinadas
trazer a memória do opressor, reconfigura-se línguas para a produção de textos acadêmicos,
como lugar em que epistemologias e culturas por exemplo, permite compreender o texto
alternativas são (re)produzidas, extrapolando acadêmico como território em disputa pelos
a ideia de que a língua inglesa apropriada seria indígenas, conforme visto anteriormente. Os
só uma língua para ser utilizada na luta contra docentes não indígenas, ao se atentarem para
o branco. esse aspecto, contribuirão para a construção
Como observado, também o português indí- de relações menos assimétricas com universi-
gena rompe com a ideia da língua portuguesa tários indígenas, o que favorecerá a promoção
imposta. Uma vez indigenizado, o português das línguas indígenas em textos orais e escritos.
indígena contribui para a construção e veicula-
Por fim, um terceiro passo do qual a uni-
ção das identidades indígenas, para a ativação
versidade não pode se furtar, e que pela força
da memória coletiva, para produção, registro
da presença indígena na academia começa a
e repasse de conhecimentos e saberes indíge-
ocorrer, é o questionamento e deslocamento
nas. Esses elementos desafiam e aumentam
de teorias, epistemes e metodologias de pes-
a responsabilidade das universidades no que
quisa e ensino cristalizadas e eurocentradas. A
3 bell hooks opta por escrever seu nome e sobrenome em escuta respeitosa e a observação atenta do que
letra minúscula, para marcar seu rompimento com con-
venções acadêmicas e linguísticas, decisão esta que res-
povos indígenas falam e fazem e, sobretudo, o
peito neste trabalho. diálogo e o fazer em conjunto com esses povos,

Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 214-231, jul./set. 2022 227
Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação

é o que facultará a construção de novos conhe- da experiência com professores Wajãpi. Cadernos
cimentos, teorias, epistemes e metodologias de de Educação Escolar Indígena, Barra do Bugres,
investigação e ensino. MT, v. 4, p. 149-164, 2005.
ABRAM DOS SANTOS, Lilian. Educação intercultural
e ensino de português para indígenas. Revista
Considerações finais X, Curitiba, v. 13, n. 1, p. 262-287, out. 2018.
Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/
Neste artigo busquei refletir sobre o portu-
article/view/60423. Acesso em: 15 abr. 2022.
guês falado pelos povos indígenas. Para isso,
ABRAM DOS SANTOS, Lilian. Modos de escre-
além de discutir algumas características do
ver: tradição oral, letramento e segunda língua
português indígena e buscar compreender o na Educação Escolar Wajãpi. 2011. 207 p. Tese
significado desta língua para povos indígenas, (Doutorado em Linguística Aplicada) – Instituto
analisei duas dissertações de mestrado em de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual
que as autoras subvertem o modelo padrão de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, 2011.
do texto acadêmico “dissertação”, construin- Disponível em: https://acervus.unicamp.br/index.
html. Acesso em: 10 dez. 2021.
do sentidos que podem ser considerados não
usuais para certos vocábulos, (re)escrevendo AMADO, Rosane de Sá. O português étnico dos
grafias, elaborando novos conceitos e catego- povos Timbira. PAPIA – Revista Brasileira de Es-
tudos Crioulos e Similares, São Paulo, v. 25, n. 1, p.
rias de análise e organizando o texto de forma
103-119, jan./jun. 2015. Disponível em: http://re-
a transparecer a epistemologia indígena. vistas.fflch.usp.br/papia/issue/view/183. Acesso
Por certo, há ainda muito a ser feito em em: 10 jan. 2022.
termos de investigação sobre as línguas fala- BERENBLUM, Andrea. A invenção da palavra ofi-
das pelos povos indígenas. Essa pesquisa, no cial – identidade, língua nacional e escola em tempos
entanto, deverá ser realizada com a presença de globalização. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
dos povos indígenas que, de preferência, devem BOMFIM, Anari Braz. Patxohã, “Língua De Guer-
gerenciá-las desde o início, a exemplo do que reiro”: um estudo sobre o processo de retomada da
vem ocorrendo com a IDIL 2022-2032. Para lingua Pataxó. 2012. 127 f. Dissertação (Mestrado
isso, a universidade precisa se indigenizar mais em Estudos Étnicos) – Programa Multidisciplinar
e mais, com a presença não só de estudantes, de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos.
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador,
mas de docentes universitários indígenas, de
2012. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/
sábios e de “doutores da oralidade”. É urgente, handle/ri/23957. Acesso em: 20 mar. 2022.
assim, que se busque meios de oportunizar a
BONIFÁCIO, Ligiane Pessoa dos Santos. Contato
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