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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
VANIA FORTUNATO
CAMPINAS
2009
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Assinatura: ________________________
Orientadora
ii
2009
iii
QUESTÃO DE PONTUAÇÃO
João Cabral de Melo Neto
iv
RESUMO
Na tentativa de refletir com mais rigor a problemática do direito à educação para todos como um bem
social, o presente estudo tem como propósito compreender os limites e possibilidades da Fundação
Municipal para Educação Comunitária de Campinas- SP, que atende a modalidade de EJA I, em
garantir o acesso à escolarização das pessoas que não puderam ou não concluíram a educação básica
no ensino regular, levando em conta o diálogo com os interlocutores a quem essa modalidade se
destina, os sujeitos da EJA. A partir de um estudo de caso em uma escola da Rede Municipal de
Campinas, localizada numa área de grande vulnerabilidade social, realiza um levantamento do nível de
escolarização dos pais dos alunos e, por meio de entrevistas, procura compreender os aspectos que
impedem sua inserção na EJA e as variáveis relevantes que se inter-relacionam para a compreensão do
tema. Com ênfase nas narrativas orais, analisa a relação dialética da exclusão e inclusão na educação
de jovens e adultos, as possíveis tendências sociais ou não do descrédito na educação e as práticas
discursivas e não discursivas do poder público no cumprimento da obrigatoriedade de garantia de
demandas. Os resultados obtidos por meio das abordagens quantitativas e qualitativas demonstraram
que não é possível pensar em possibilidade de restauração do direito à Educação de Jovens e Adultos,
sem considerar as injustiças sociais herdadas e as condições de vida adversas que excluíram e, que de
certa forma, ainda excluem boa parte da população ao processo de escolarização. Aponta a
necessidade de poder público e comunidade estabelecer relações de co-responsabilidade em busca de
estratégias para garantir o acesso à escolarização na educação de jovens e adultos, levando em conta os
anseios, especificidades e as formas concretas de vida de seus sujeitos.
Palavras chaves: Políticas públicas, Educação de jovens e adultos, Educação, Direito a educação.
v
SIGLAS E ABREVIATURAS
vi
PRÓ-JOVEM PROGRAMA NACIONAL DE INCLUÃO DO JOVEM
vii
LISTA DE GRÁFICOS
viii
LISTA DE QUADROS
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11
Onde tudo começou ........................................................................................... 11
Investigações educativas na EJA ....................................................................... 13
Capítulo 4 - AS NARRATIVAS:
“O QUE A VOZ DA VIDA VEM DIZER” ................................................ 32
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 44
ANEXOS ........................................................................................................... 47
x
INTRODUÇÃO
Nada mais difícil do precisar as causas de me instigaram a ter como objeto de estudo a
dialética da exclusão e da inclusão na Educação dos Jovens e Adultos (EJA). Poderia abordar
minha trajetória de vida, fruto de um processo obstinado pela inclusão cultural ou as tentativas
da escola em incluir a quem sistematicamente a sociedade exclui e suas formas de seleção, da
qual a própria escola participa; mas proponho analisar os dilemas da exclusão vividos por
sujeitos não escolarizados, a partir de minha prática profissional como educadora do ensino
fundamental e também da EJA. Vivenciar o cotidiano das duas modalidades de ensino tem me
possibilitado compreender como EJA e ensino regular não se excluem quanto se pretende
falar em elevação do nível educativo de um país.
Começo apontando que a problemática deste estudo surge inicialmente a partir de uma
reunião de pais. Era apenas uma das muitas já realizadas. Como sempre tudo havia sido
planejado para garantir o diálogo efetivo com os pais. Na reunião, como professora eu falava
muito; falava sozinha. Às vezes, propositadamente, me calava para escutar o que os pais
tinham a dizer, mas o silêncio da minha pausa me assustava. Nenhum comentário. Era
possível perceber o desconforto dos pais. Ao assinarem a lista de presença percebo a falta de
escolarização de alguns: letras tremidas, nomes incompletos ou escrito erroneamente. Muitos
deles demonstravam um relativo sentimento de culpabilidade por não dominar a leitura e a
escrita.
Embora essa situação fosse recorrente na escola, penso que o fato de ter me
constituído nos últimos anos também como professora da EJA, me fez vê-los como sujeitos
marcados pela exclusão. Não podia desconsiderar as condições de vida adversas e o
sentimento de inferioridade, medo e insegurança que talvez pudessem sentir ao enfrentar o
poder constituído. Como cita Paulo Freire: [No mundo do não diálogo é preciso] “dialogar
sobre a negação do próprio diálogo” (apud Romão, 2002:17) perceber o porquê da negação da
procura pela escolarização.
Na outra ponta de minha vivência profissional, me deparo com salas da EJA com
número reduzido de alunos, fechamento de unidades escolares sobre alegação de falta de
demanda e aflição dos seus profissionais em defesa desses espaços sociais entendido como o
único acesso ao conhecimento elaborado que existe na comunidade.
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Como entender a contradição de falta de demanda num país que apresenta um baixo
índice de escolarização? Segundo os últimos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNDA) de 2007, o Brasil tem entre a população de 15 anos ou mais, cerca de 14 milhões de
analfabetos e, destes, somente 9% freqüentam os cursos de alfabetização de adultos. As
pesquisas que apontam para o baixo índice de escolaridade da população brasileira não
retratam a realidade do município de Campinas? Onde estão esses alunos? Como essa
população que historicamente foi excluída do processo de formação compreende o papel da
educação na atualidade e, em particular, como entendem o trabalho educativo desenvolvido
na EJA?
Numa visão mais rigorosa, lembro-me dos movimentos de luta e resistências dos pais
as políticas ou ausência delas, que fizeram parte de minha trajetória na unidade escolar. Pais
mobilizados por garantia de vaga a seus filhos, por reformas do prédio escolar, atuando nos
Conselhos de Escola, exigindo melhores professores (anexo1). Alguns autores como Torres
(2001) e Soares (2001;210) apontam que embora seja comum o pai lutar por escolarização de
seus filhos, o mesmo não acontece quando se trata de reivindicar acesso à escolarização para
eles próprios. Soares nos convida a refletir: “O que explicaria a ausência de motivação de
lutas por escolas de jovens e adultos para si próprios? O que faz se sentir acomodado, como se
eles não fossem portadores dos mesmos direitos? Seria isso mais um resquício de
comportamentos e posturas de uma sociedade impregnada pela escravidão?”
O Parecer CEB 11/2000 do Conselho Nacional de Educação afirma que o Brasil se
ressente de uma formação escravocrata. Talvez, por isso, na educação de jovens e adultos
ainda prevaleça a visão de educação como compensatória. Conforme aponta a CEB 11/2000,
faz-se urgente pensar a EJA como campo de reparação:
Representa uma dívida social não reparada para os que não tiveram acesso e
nem domínio da escrita e da leitura como bens sócias, na escola ou fora dela,
e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e
elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso é, de fato, a perda de
um instrumento imprescindível para presença significativa na convivência
social contemporânea. (2000:5)
Do outro lado, me deparo com salas da EJA com número reduzido de alunos,
fechamento de unidades escolares sobre alegação de falta de demanda e aflição dos seus
profissionais em defesa desses espaços sociais de acesso ao conhecimento elaborado, muitas
vezes o único na comunidade.
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Compreendendo que a EJA tenha como uma de suas funções restaurar o direito a
educação aos sujeitos a quem foi negado historicamente os tempos escolares como direito
público (CEB nº 11/2000) e “Reconhecer que a história é tempo de possibilidades e não de
determinismo, que o futuro permite-me reiterar, é problemática e não inexorável” (FREIRE,
1996.p.21), o estudo procura suscitar reflexão sobre a relação entre demandas e ofertas
educativas na Fundação Municipal para Educação Comunitária - FUMEC /Campinas, que
atende a modalidade de EJA I, como também compreender como a instituição têm garantido
a acessibilidade à educação para a camada da população, que não puderam ou não concluíram
o ensino regular .
Visando não apenas pensar nas políticas públicas para esses sujeitos, mas com eles,
buscou-se através de um estudo de caso por amostragem com os pais dos alunos da escola
onde atuo como professora do ensino regular, mapear o nível de escolarização dos pais e
estabelecer o diálogo com os sujeitos que se encontram fora do sistema de ensino, para que
pudessem expressar e clarear suas possibilidades e limites de inserção na EJA.
Embora a FUMEC ofereça vagas para atender essa modalidade de ensino, há um
declínio crescente do número de alunos nas salas de EJA nas diversas regiões da cidade. Sob
essa alegação de falta de demanda, o poder público através de suas instituições vem reduzindo
o número de oferta de vagas para EJA I e EJA II. Podemos isentar o poder público de
responsabilidade ao justificar a ação de fechamento de unidades escolares sob a alegação de
falta de demanda? Acreditar em relativo desinteresse da comunidade pela EJA?
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O próprio IBGE aponta que entre as causas declaradas para o abandono do curso
estão: a incompatibilidade do horário das aulas com o horário de trabalho ou de procurar
trabalho (27,9%), a falta de interesse em fazer o curso (15,6%), a incompatibilidade do
horário das aulas com o dos afazeres domésticos (13,6%), a dificuldade de acompanhar as
aulas (13,6%), a inexistência de curso próximo à residência (5,5%), ou próximo ao trabalho
(1,1%), falta de vaga (0,7%) e outros motivos (22,0%).
Se por um lado ao recorrer à literatura foi possível encontrar muitos estudos que
apontam as causas da evasão como um dos desafios da Educação de Jovens e Adultos, por
outro, foram escassos os que tinham como foco de trabalho a problemática da acessibilidade
na EJA, dificuldades e resistências que sujeitos não escolarizados enfrentam para se inserir
em programas de alfabetização. Colocar essa camada da população como sujeitos da história
e não pacientes dela (Arroyo, 2008), na tentativa de compreender os limites e possibilidades
desses sujeitos em se inserir na EJA, talvez justifique a relevância social da pesquisa.
Foram referenciais teóricos importantes para a elaboração do estudo, as contribuições
de Beisiegel (1997); Haddad; Pierro (1999) Jóia; Ribeiro (2001) e Leôncio (2001), que
comprovam o quanto os índices de analfabetismo, pobreza e desemprego no país são
conseqüências de processos históricos de exclusão.
A sociedade contemporânea impõe inovações nos processos de produção, nas relações
sociais e exige do ser humano acesso a atualizações constantes, desta forma, a educação ao
longo de toda a vida como tempo permanente de aprendizagem, conceito apresentado na V
Conferência Internacional de Educação de Adultos- Declaração de Hamburgo (CONFINTEA)
se constitui como um direito de formação fundamental para democratização ao acesso de
conhecimento. “Engloba todo o processo se aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas
consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu
conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para
a satisfação de suas necessidades e as da sua sociedade” (1997:19)
Visando pensar nas políticas públicas para esses sujeitos, mas com eles, buscou-se
através de um estudo de caso por amostragem com os pais dos alunos da escola onde atuo
como professora do ensino regular, mapear o nível de escolarização dos pais e estabelecer o
diálogo com os sujeitos que se encontram fora do sistema de ensino, para que pudessem
expressar e clarear suas possibilidades e limites de inserção na EJA.
Atrelada à idéia de garantir o diálogo possível entre os diferentes interlocutores
compromissados com a EJA, o estudo enfatiza a necessidade de refletir sobre os conceitos da
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prática excludente que segrega incluindo (Gentili, 2001), onde se oferece condições
necessárias para viver com os incluídos, porém sem o direito a uma vida plena; uma
construção histórica, ideológica e discursiva, produzidas com naturalização até pelos próprios
incluídos.
Nesse contexto e entendendo a educação da pergunta como “a única educação criativa
e apta a estimular a capacidade humana de assombrar-se, de responder ao seu assombro e
resolver seus verdadeiros problemas essenciais” (Faundez, 2002:52), surgem as perguntas no
presente estudo: de acordo com as narrativas dos sujeitos pesquisados, que não puderam
exercer seu direito à educação básica no ensino regular, quais os fatores sociais, econômicos e
/ou psicológicos que os impedem de se dedicar a projetos pessoais que vise sua formação
educacional? Como sensibilizados para inserção na EJA? De que forma o município cumpre
a LDB- Lei de Diretrizes e Bases (9.394/96), em seu art 5º, que estabelece o cumprimento da
chamada pública e recenseamento da população de jovens e adultos que não tiveram acesso à
educação fundamental? Como a FUMEC, responsável pelo EJA I, e Secretaria Municipal de
Educação, responsável pelo EJA II, propiciam uma relação de co-responsabilidades em busca
de estratégias de mobilização na comunidade para garantir o atendimento dos educandos na
EJA?
Desta forma, o estudo tem como objetivos diagnosticar as causas que os sujeitos
pesquisados declaram serem fatores impeditivos para sua inserção na EJA, analisar as
possíveis tendências sociais ou não do descrédito na educação, analisar as práticas discursivas
e não discursivas do poder público no cumprimento da obrigatoriedade de garantia de
demandas; coerência entre a prática e a ação proclamada e identificar limites e possibilidades
de mobilização, de aprimoramento de canais de comunicação na divulgação da chamada
pública para o ensino da EJA.
Face ao exposto, frente a diversas facetas da problemática do acesso escolarização da
EJA/FUMEC, assumiram-se como possíveis hipóteses:
a) A aparente desarticulação entre as instâncias institucionais (SME/FUMEC) que
atendem à comunidade local, podem ser um dos fatores que dificultam o acesso dos sujeitos a
escolarização. As chamadas públicas de matrículas, responsabilidade dos poderes públicos em
divulgar e dar conhecimento à população dos programas educacionais voltados para a
modalidade de EJA e suas estratégias de comunicação não estão de fato sendo adequadas.
b) A história escolar dos sujeitos da EJA está atrelada às suas trajetórias sociais,
econômicas e culturais e, por serem trajetórias coletivas de exclusão, demandam políticas
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CAPÍTULO 1
PERCORRENDO A HISTÓRIA, CONCEITUANDO A EJA
Foi nesse contexto que o município de Campinas cria em 1987 a Fundação Municipal
para Educação Comunitária- FUMEC com o propósito de atuar, junto a Prefeitura Municipal
de Campinas, em programas de educação infantil e cursos supletivos a fim de erradicar o
analfabetismo de jovens e adultos. Após dois anos, a FUMEC assume a responsabilidade
exclusiva pelo atendimento dos jovens e adultos das primeiras séries do primeiro ciclo do
ensino fundamental, denominado EJA I.
A trajetória histórica de construção da Educação de Jovens e Adultos, como
modalidade de ensino teve um longo e complexo percurso. A Lei Federal 5692/71 criada no
período militar trouxe contribuição para a educação ao estender a obrigatoriedade de
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escolarização para oito anos, porém, restringe apenas a obrigatoriedade para a faixa etária de
7 a 14 anos, excluindo de responsabilidade a Educação de Jovens e Adultos. Em
contrapartida, a mesma lei, possibilitava um enquadramento mais flexível em modalidades:
supletivos, ensino a distância e profissionalizante.
Somente em 1988, o direito a educação fundamental para todos como bem social é
expresso na Constituição Federal nos seus art 205 e 208, passando a ser dever do Estado,
obrigatório e gratuito a todos que não tiveram acesso na idade própria. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional- LDB 9394/96 inclui a EJA efetivamente como modalidade da
educação básica, com finalidade e funções específicas, mas altera o art. 208 e desobrigam
jovens e adultos da freqüência á escola. Cria-se então o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF).
Haddad e Di Pierro (1999) constatam que, ao vetar às matrículas dos jovens e adultos
para efeito da verba, novamente se manteve a modalidade EJA em lugar secundário nas
prioridades públicas educacionais, o que ocasionou uma redução da oferta de atendimento
pelos municípios.
A relativa desobrigação do Governo Federal com o campo da Educação de Jovens e
Adultos, deixa então a cargo de filantropias a responsabilidade da modalidade da EJA, como
o PRONERA- Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o Programa Brasil
Alfabetizado, o Programa Nacional de Inclusão do Jovem (PRÓ-JOVEM), entre outros, que
se apresentam muito mais como programa de suplência do que campo de direito
(Beisegel,1997).
Atualmente, a resolução CEB/CNE nº 1/2000 reafirma que embora se tenha avançado no
número de matrículas para EJA1, neste período, o quadro sócio- educacional seletivo
continuou a reproduzir excluídos dos sistemas fundamentais e médios e ficou longe de
corresponder ás reais necessidades de jovens e adultos brasileiros. Como também demonstram
os quadros divulgados pelo IBGE:
1
Dados disponíveis em: www.educatabrasil.inep.gov.br apontam um aumento de 70% nas matriculados na EJA
I, no período de 2000 á 2006, apenas nos municípios urbanos do país.
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Estudos de Soares e Silva (2008) esclarecem que o fato do Brasil estar atualmente,
realizando movimentos e fóruns em busca de articulação nacional das políticas públicas
voltadas para a EJA, deu visibilidade para o país tornar-se sede da VI CONFINTEA que será
realizado em 2009. Citam como relevante os diversos estudos dos Encontros Nacionais de
Educação de Jovens e Adultos – ENEJA’s que deliberaram políticas para a EJA e a Comissão
Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA) que, entre outras,
orientam os Estados a produzirem os Fóruns Estaduais e Regionais e relatórios que reflitam
realidade da EJA no Brasil. Muitos desses Fóruns puderam catalisar as demandas da EJA e
servir de subsídio para a elaboração do “Documento Base Nacional” para a VI CONFINTEA.
Com relação às demandas e ofertas educativas na EJA, o Fórum Estadual de Educação
de Jovens e Adultos, realizado em São Paulo em 2009 juntamente com outras organizações da
sociedade civil, vêm lutando em defesa de um Censo Específico de Demanda para EJA e a
Chamada Pública Anual, asseguradas na constituição e na LDB. Esclarecem: “Não havendo
escola, não há demanda; e se não há demanda o poder público reduz ainda mais a oferta.
Neste jogo retórico de omissão perde-se a própria possibilidade de construção da cidadania”.
O Fórum propõe ação de exigibilidade por parte do executivo, legislativo e judiciário e propõe
que o censo realizado pelo IBGE, os dados da Bolsa Família e Bolsa Educação possam
contribuir para mapear a demanda real e ampliar seu atendimento.
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CAPÍTULO 2
CONFINTEA e FUMEC: SUBSÍDIOS PARA
PENSAR EM EDUCAÇÃO AO LONGO TODA A VIDA.
A FUMEC atende uma diversidade de sujeitos que, pelas adversidades da vida, não
tiveram ou não puderam concluir a educação básica, em sua maioria, vivem em condições
sociais adversas e residem em bolsões de pobreza. São cerca de 5000 alunos na faixa etária de
14 aos 92 anos: jovens, adultos e idosos; negros, brancos, mestiços; mulheres, homens,
ciganos, trabalhadores ou desempregados, pessoas de origem urbana ou rural, sujeitos livres
ou privado de liberdade por estar em conflito com a lei, pessoas com necessidades
educacionais especiais, como também parcela da população marginalizadas como grupos
GLBTs (gays, lésbicas, bissexuais), moradores de rua e catadores de lixo.
Segundo o Documento Base das CONFINTEAs, uma das prerrogativas para trabalhar
com essa diversidade de sujeitos é necessário projetos políticos pedagógicos coerentes, que
reconheça a dinâmica diferenciada da vida e as trajetória escolar desses sujeitos na EJA. Na
FUMEC, alguns projetos são desenvolvidos na tentativa de inserir a diversidade de seus
sujeitos para uma melhor participação na sociedade: usuários do Serviço de Saúde Cândido
Ferreira, o Projeto Cidadania, com jovens em situação de risco social, Projeto Girassol com
albergados, Projeto “Aprender não tem Idade”, voltado a alfabetização dos servidores
públicos, entre outros.
Apesar dos esforços em defesa em uma política inclusiva, há limites existentes nos
projetos implementos que dificultam que as necessidades e potencialidades desses sujeitos
sejam, de fato, atendidas no interior das instituições. Muitas vezes, limites justificados pelos
escassos recursos financeiros destinados à modalidade da EJA2. O financiamento específico
para EJA por meio do FUNDEB tem sido apontado como esperança de melhores recursos
financeiros e de condições de trabalho. No entanto, podemos citar como avanços importantes
na FUMEC os investimentos na contratação de profissionais habilitados na área de educação
especial e na formação de professores. Contudo, ainda são reduzidas as ações intersetoriais
integradas no município, com a secretaria da Saúde (psicólogo, psicopedagogos,
oftalmologistas), Cultura, Promoção Social, Cidadania, Meio Ambiente, entre outras, para
atendê-los integralmente.
Com relação aos educadores da EJA, também sujeitos educativos, são em quase sua
totalidade, concursados com formação superior. Contam com um Plano de Carreiras e
Vencimentos para valorização profissional (Lei Municipal nº 12.988/07). Possuem uma carga
2
Estima-se que o gasto público médio com EJA no período 2000/2005 foi de 0,26% do PIB, quando a proporção
de PIB do gasto total da educação básica foi de 3%. Dados apresenta no Fórum Estadual de EJA- oficina
24
semanal de 20 h/ aulas semanais, distribuídas: 15h/a para Trabalho Docente com Alunos
(TDA), 3h/a para preparação de aula e 2 h/a para Trabalho Docente Coletivo- TDC. Alguns
professores mantém como forma optativa mais 4h/semanal para realizar o CHP- Carga
Horária Pedagógica, curso de formação continuada.
O trabalho Docente Coletivo é destinado a ser um espaço de formação voltado para
organizar o trabalho, onde se propõe uma re-análise das práticas pedagógicas e a Carga
Horária Pedagógica- CHP são também espaços de formação, porém mais específicos e
imprescindíveis para se problematizar as condições necessárias onde novas formas de
culturas, práticas sociais alternativas, modo de comunicação renovado, condições de materiais
mais satisfatórios podem e devem ser pensada. Nos últimos anos os temas cidadania,
princípios de educação inclusiva e informática como recurso pedagógico ganharam
visibilidade nos cursos de formação promovidos pela instituição.
O reconhecimento da EJA como lócus de formação específica e permanente é outra
recomendação elencada pela CONFINTEA, pois são poucos os cursos superiores que incluem
disciplinas para a formação do educador de EJA. No município, duas importantes parcerias
foram firmadas pelo poder público visando á formação em serviço. Um convênio com a
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, grupo GEPEJA, para a formação de
professores especialistas na EJA e, outra parceria com a Organização Não Governamental
(ONG) Ação Educativa, referência no desenvolvimento de curso de formação na área, cujo
compromisso é assessorar na construção de um currículo da EJA/ FUMEC.
Sem dúvida, um dos maiores ‘nós’ no campo da Educação de Jovens e Adultos é a
necessidade de se reconfigurar o currículo. Discutir qualidade da educação implica definição
clara de seus objetivos e estratégias político-didático-pedagógicos. A construção de um
currículo que contemple a diversidade, as histórias de vida, as expectativas e necessidades do
público alvo de jovens e adultos já inseridos na sociedade. Creio que um dos problemas
eminentes da FUMEC seja a construção coletiva de currículo, numa linha norteadora que
garanta a riqueza da diversidade do currículo, visando atender a “diversidade” dos sujeitos.
Deste modo, os Fóruns, Seminários e Congressos tornam-se momentos de integração e
formação dos profissionais fundamentais para se pensar nas problemáticas do campo da EJA.
São poucas as oportunidades que professores da EJA têm para se apropriar de estudos na área
desenvolvidos por programas de pós-graduação nas universidades, como também para
temática: “O direito á Educação de Jovens e Adultos Censo específico de demanda e estratégia de exigibilidade-
12.09.2009.
25
3
Art 5º . O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, associação
comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda o Ministério
Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. Compete aos Estados e aos municípios, em regime de
colaboração, e com assistência da União I- recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e
os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso; II- fazer-lhes a chamada pública.
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CAPÍTULO 3
A TRAJETÓRIA DO ESTUDO
discursos em outros estudos. Um segundo aspecto, é que o contato com os pais aconteceu
apenas uma única vez por falta de tempo hábil. Toda a pesquisa foi realizada
concomitantemente com o exercício de minha profissão, numa tríplice jornada, o que
inviabilizou um segundo encontro com os pais, onde tivessem a possibilidade incluir, refugar
suas próprias declarações ou melhor explicá-las.
GRÁFICO nº1- Escolarização dos pais e mães dos alunos da Escola Municipal de Ensino
Fundamenta/Supletivo- Campinas- SP-2009
Das 194 famílias que participaram respondendo o questionário, verifica-se que 55%
dos pais/mães não possuem o ensino fundamental e destes, 19% não concluíram os estudos
que correspondem à antiga 4ª série do primeiro grau. Observa-se ainda que 4% dos se
declararam analfabetos. Um número que pode ser maior, se considerarmos que cerca de 40%
dos questionários não foram devolvidos e, conforme relato das professoras, muitos desses pais
não demonstram ter escolarização.
Analisando os dados entre os que não concluíram os quatros primeiros anos de
escolarização, existe relativa equivalência com relação ao gênero e a idade: 55% são do sexo
masculino e 45% do sexo feminino. Os homens têm em média 38 anos e as mulheres na faixa
etária dos 35 anos.
Constata-se que existe demanda na comunidade, tanto para EJA I quanto para EJA II.
O grande desafio, neste contexto, é compreender a pouca procura por essa modalidade de
ensino na região pesquisada. Por isso, novamente trago o relato de Raquel que nos instiga a
31
refletir se existe responsabilidade pelo número reduzido de alunos nas salas de EJA, já que
comprovadamente demandas existem.
“Se a gente for olhar o cansaço do corpo, a gente não vai, não vence .Cada
um tem seus problemas. As crianças ficam em casa, porque o Rodrigo (filho
de 13 anos) já é assim um pouquinho maior de idade. Antes de eu vir para a
escola eu faço comida, eles já janta e eu tranco o portão. Eu e meu marido
vamos prá escola. A minha mãe mora do lado também. No começo do ano
entrou uma senhora lá. Só que no meio do ano, a filha dela foi ganhar nenê e
ela pegou e não veio. Ela é de idade. Acho que junta os problemas, tal é a
vida. E, quando começa a aula de novo, os alunos volta, fica dois meses, três
meses ... Eu não posso falar que ele não quer. Eu não sei, né. Acho que
desiste porque não tem força de vontade. Poxa, tem escola, tem livro, tem
caderno, tem lápis, tem borracha, tem comida. Não vem porque não quer
aprender...”
Seria culpa das políticas promovidas pelos governos, que reduzem gastos públicos nas
áreas sociais e inviabiliza a volta dos adultos aos bancos escolares? Ou dos próprios sujeitos
que nada fazem para aproveitar a chance que está lhe sendo oferecida? Como Raquel disse
“Poxa, tem escola, tem livro, tem cadernos, tem lápis, tem comida!” Ou ainda da escola e nos
seus professores, dos currículos e suas metodologias, pois os alunos percebam que a ação de
voltar à escola não atende suas expectativas e /ou não serão capaz de provocar mudanças em
sua vida?
Gentili (2001.30) nos chama atenção para o perigo de olharmos para a exclusão com
naturalidade, como apenas um dado e não um problema. Segundo ele, “Dados com os quais, a
rigor, todos se importam, mas do qual ninguém se lembra.” Como estatísticas não falam por
si, procuraremos no capítulo seguinte compreender a problemática, seus aspectos sociais,
políticos, psicológicos e pedagógicos.
32
CAPÍTULO 4
AS NARRATIVAS: “O QUE A VOZ DA VIDA VEM DIZER”:
Trago aqui neste capítulo as narrativas contadas por seus sujeitos, em suas dimensões,
desdobramentos e discursos carregados de significados. Frases que nem sei se nunca foram
ditas, mas se escritas parecem não ‘lidas’. Num trabalho intelectual progressista, assumimos o
risco de errar ao tentar compreender as falas, a dura realidade e o universo sonhado dos
entrevistados. Histórias decorrentes de condições reais, contradições herdadas e vivenciadas.
Semelhantes histórias em suas singularidades narram suas infâncias. “igual a todos,
muito sofrida...” Foi assim que Dona Olinda começa descrevendo sua infância. Assim é, de
fato, a história de muitos deles. A zona rural como moradia, o pai com a responsabilidade de
prover a família de muitos filhos, a mãe o cuidar do lar. As precárias condições econômicas
faziam as crianças, desde muito pequenas, trabalhar na roça, ajudar nos afazeres da casa, olhar
as crias dos irmãos menores. A necessidade de subsistência era maior do que a de estudar.
Seus pais tinham pouco ou quase nenhuma escolarização, mas diziam valorizar a escola e os
incentivavam. Entretanto, a decisão das crianças em abandonar a escola era sempre aceita por
seus pais.
Em seus depoimentos afirmavam que estudar ninguém estudava, porque “não podiam
mesmo”: não podiam comprar caderno, a escola era longe e tinham que trabalhar. Embora a
escola fosse boa, tudo nela era considerado difícil. Nas entrelinhas, no entanto, enunciam a
pouca qualidade das escolas a eles oferecida.
“Eu não parei (de estudar), só que não entrava na cabeça, porque me puxava
para outras coisas. As professoras (de onde veio) são assim; a gente acha que
passa aluno sem saber, sem tá preparado. Passou, passou e nunca sai daquilo.
Tanto é que minha mãe me colocava em dois períodos para aprender
mesmo!” (Raquel) .
“O fazendeiro inventou de pôr o MOBRAL. Nós foi estudar. Era difícil sair
de casa para fazer a atividade. Eu tinha uns quinze prá dezesseis anos. Foi a
primeira vez que eu tinha ido prá escola, com um lapisinho de madeira e um
caderninho. Só que durou 15 dias. A professora levava dominó para a gente
brincar, porque ninguém sabia nada. E ela, também era o lugar de
professora, geralmente não sabia explicar nada. Nos ia brincar de dominó na
sala de aula. O encarregado viu e a escola acabo”.(Mário)
A frase de Raquel nos chama a atenção: “Eu não parei (de estudar)”. De fato,
devemos refletir se foi ela quem desistiu da escola ou foi a escola que dela desistiu. O
princípio do direito à educação de todos e dever do Estado estava garantido. Cabia a essa
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As Confinteas têm apontado que apesar das mulheres terem avançados no campo de
direitos sociais e inclusive no acesso a educação, são ainda muitos os desafios que precisam
ser enfrentados: o machismo, a dupla jornada de trabalho, a dificuldade em não ter onde
deixar os filhos. Dificuldades para o grande público destinado a EJA e que, muitas vezes,
inviabilizam o investimento pessoal na educação.
“A rotina é corrida. Eu levanto seis horas da manhã, todo dia da minha vida.
Trago o João (filho mais novo) na escola. Volto, chego em casa 7h20 por aí
e fico ás 11h30 correndo dentro de casa, fazendo tudo. Tem que deixar o
almoço deles pronto, tudo e vou trabalhar. Volto lá pelas 9h da noite.
Continua, todo dia que Deus dá. Eu já estude, mas precisei sair porque
fiquei grávida do segundo filho. Não tinha onde deixar os filhos e o pai não
tinha horário pra entrar, trabalhava de turno. E, agora tive que optar pelo
serviço para ajudar a pagar o terreno que a gente mora. Vou deixar eles (os
filhos) ficar maior pra voltar a estudar”. (Joana)
na reta final porque está com 54 anos, a mulher que é novinha (tem 43 anos) pode estudar. E,
acrescenta: “Peço a Deus para manter a vida que tó levando, porque para mim já tá bom.
Penso mais no futuro da minha filha.”
O Documento Base Nacional da CONFINTEA, face ao aumento da expectativa de
vida, aponta a necessidade de se “repensar políticas públicas que valorizem saberes da
experiência dos que, não mais vinculados ao trabalho, podem continuar contribuindo para a
produção cultural, material e imaterial da nação brasileira” (2008;14). Para os mais jovens, o
trabalho ainda parece ser o que os move para a retomada dos estudos. Assim como diziam
seus pais, ressaltam que através da escolarização poderão ter empregos melhores e, mesmo
não estudando reproduzem esse discurso para seus filhos.
“Estuda, estuda (filho) principalmente quando tiver uma prova, estuda para
passar bem, porque vê onde estou hoje em dia? Eu sei muito bem que tem
muita gente que tem saber, mas não tem o emprego. Mas é mais fácil deles
lutar pelo emprego melhor, porque ele tem condições, né; tem o estudo.
Enquanto eu tó na limpeza”(Joana).
Paulo Freire (1996:52) defendia o estudo como criação, como possibilidades para a
sua própria produção ou a sua construção e apontava a intimidade entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e suas experiências sociais como eixo motivador,
minimizando assim tanto a evasão física quanto a mental tão presente nas salas de EJA.
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Se inicialmente essa é a escola que desejam encontrar, a experiência com a EJA tem
nos permitido afirmar o quanto essa concepção vai gradativamente se alterando, para os que já
estão inseridos no sistema de ensino. Raquel, aluna da FUMEC, incisivamente afirma o
estudo é muito “legal”. Num claro posicionamento de uma escola que atenda às necessidades
de uma sociedade moderna, faz a crítica à escola pela sua estrutura ainda precária.
“È importante a gente ter computador, a gente aprende uma coisa a mais.
Coisa que a gente nunca viu lá fora, que a gente nunca mexeu, incentiva a
gente a ter um, comprar pros filhos. Às vezes, a gente vai mexer no
computador (da escola) ás vezes tá com defeito. As professoras fica, mexe
em um.,liga e a tela fica ruim. Fica uma coisa chata. Até entrar em ação para
a gente começar a mexer, já tá quase na hora de bater o sinal.”
não adianta ir lá fazer a matrícula e não querer. Eu acho que é bom, mas
vontade de estudar eu não tenho não. As vezes até passa pela minha cabeça
voltar a estudar é igual meu marido:”O estudo está bem mais fácil. È só ir
para a escola que passa! (risos). Eu queria voltar de opinião minha..È uma
decisão que depende de mim. Pra voltar a trabalhar eu vou precisar estudar,
querendo ou não...”
De uma forma muito pontual, os horários das aulas nem sempre são adequados as suas
possibilidade de vida, ou seja, indicam-se a necessidade de garantir atendimento à demanda
da EJA nos três períodos: manhã, tarde e noite. Segundo uma das professoras da EJA, esse
tem sido um dos motivos da evasão. A região tem alto índice de violência e, especialmente, os
mais idosos se preocupam com o retorno à suas casas no período da noite. Um ônibus é
disponibilizado para os alunos, no entanto, segue o horário de término de aula do EJA II, por
volta das 11horas da noite. Os alunos que freqüentam o EJA I saem as 21h30 e, por isso, não
podem contar o transporte escolar oferecido pela Prefeitura Municipal de Campinas. As
sextas-feiras a freqüência as aulas é menor, porque muitas mulheres exercem o trabalho de
diarista. Indicações para se pensar em novas formas de organização de atendimento a esses
jovens e adultos, com tempos e espaços diferenciados, para atender as especificidades.
Raquel conta como foi sensibilizada para retomada dos estudos:
“As mulheres do postinho me orientaram. Às vezes eu ia no postinho buscar
um remédio lá e eu tinha que assinar a ficha, alguma coisa... Tinha que ficar
perguntando prá um, prá outro. Aí, teve uma vez a moça da farmácia, que
entrega remédio, falou bem assim prá mim: Oh,, você quer um conselho?
Tudo bem (disse). Então estude, porque pessoa pode tomar qualquer coisa da
gente, só não pode tomar a sabedoria. Aí, aquilo ficou dentro de mim...
Desse dia prá cá, eu to estudando e to indo bem.’
Num outro depoimento, dona Olinda, funcionária da escola nos conta que seu filho
sempre a incentiva a estudar “Ele sempre diz: Mãe, a senhora vai freqüentar mesmo? É
bom...vai. A senhora não lê porque não quer, mãe. Pega, vai lendo, tentando o jornal”. É
justamente isso que víamos dona Olinda fazer todos os dias antes de iniciar o seu trabalho. Só
não imaginávamos é que ela não soubesse ler e seguia conselho do filho. Difícil aceitar que,
dentro de uma escola, não soubesse ler. Uma surpresa para nós, após tantos anos de
convivência.
“Tem hora que aqui (no trabalho) eu preciso ficar olhando as letras. Eu
conheço as letras, né.( rindo) e daí eu vou juntando. Eu conversei com uma
professora do Rosolém e ela falou: ”Olha, alfabetizada se tá. Você Sabe
escrever seu nome, conhece as letras, né!” (Olinda)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações finais têm aqui o propósito de submeter uma análise do foco central
da discussão sobre demandas e ofertas educativas na Educação de Jovens e Adultos/FUMEC
e suas variáveis relevantes que se inter-relacionavam para a compreensão do tema. O que
significa dizer que não foi possível pensar em exclusão e possibilidade de restauração do
direito à EJA, sem considerar as injustiças sociais herdadas e as condições de vida adversas
que excluíram e que, de certa forma, ainda excluem boa parte da população ao processo de
escolarização.
Os resultados obtidos por meio das abordagens quantitativas e qualitativas nos
conduziram a algumas considerações. Em princípio, ao mapear o nível de escolarização dos
pais pesquisados, foi possível constatar a dimensão da exclusão educacional na comunidade
pesquisada. As informações captadas com as entrevistas, entretanto, demonstram um relativo
aumento do nível de escolarização, quando se analisa as gerações. Os pais, em geral, têm
sempre menos escolarização que seus filhos. O que se repete mais acentuadamente nas
gerações seguintes, principalmente entre aqueles da faixa etária abaixa dos 35 anos. No
entanto, com relação ao aumento da escolarização da população, Gentili (20001:37) nos alerta
que se pode aí ocultar a qualidade educacional oferecida, que produz os analfabetos
funcionais.
Um segundo aspecto observado é que as dinâmicas de vida das gerações também se
repetem entre os entrevistados, ou seja, mantém-se um estilo de vida muito próximo de seus
pais. Valorizam a educação, mas deixam em segundo plano o investimento nos estudos. As
necessidades imediatas, o hoje, dificulta a elaboração de um projeto a médio ou longo prazo e,
desta forma, protelar os estudos acaba sendo a realidade de quase todos os entrevistados.
Os resultados encontrados parecem confirmar a primeira hipótese do estudo, onde se
apontava que fatores sociais, econômicos e culturais poderiam ser fatores indicativos que
inviabilizam projetos pessoais na formação escolar. Foram verbalizados como fatores que
dificultam sua inserção na EJA: as adversidades da vida, a necessidade de trabalhar, a
impossibilidade de freqüentar o curso no horário oferecido, a resistência dos companheiros, a
fadiga pelas responsabilidades sociais e as dificuldades em conciliar os ‘bicos’ com os
horários de escola. As questões de ordem psicológicas como medo, insegurança na sua
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expressão. “A educação como se vem fazendo entre nós, dá direito, graças ao diploma oficial,
mas não prepara nem habilita para coisa alguma”.
Em nenhuma hipótese nessa pesquisa se descarta a defesa de oferta de Educação
Profissional integrada à EJA, como recomendam a CONFINTEA. Seria importante
instrumento de mobilização para inserção dos sujeitos á EJA, que vê na escolarização a única
oportunidade de ascensão social. Porém, conforme alerta Peluso (2003), com isso corre-se o
risco de se entender que a EJA só teria sentido se qualificasse o sujeito para o mercado de
trabalho.
Se no imaginário da escola há forte predomínio do ensino tradicional, da importância
relativizada da escola para inseri-los no mercado de trabalho, faz-se urgente pensar em ações
para ressignificar o trabalho desenvolvido na EJA, o conhecimento que lá é produzido, a
relação com a vida e com o cotidiano das pessoas, a formação de um ser autônomo, capaz de
enfrentar os problemas de seu tempo e atuante no seu contexto social.
Nesse estudo compreendemos a exclusão educacional como relação social. Segundo
Gentili (2001; 39) “É evidente que existe uma diferença entre a condição de excluído (um
estado) e as dinâmicas de exclusão (um processo).” Embora o Estado e seus aparelhos
ideológicos proclamem a importância da escolarização, a escola continua segregando, pelo
predomínio de sua cultura peculiar, por limitação na forma de estrutura e de atendimento da
EJA. A falta de co-responsabilidade entre sociedade e poder público e os escassos recursos
financeiros para EJA continuam reproduzindo excluídos.
Porém, numa concepção freiriana, quem se acomoda desesperançado inviabiliza a
aventura da liberdade, é preciso refletir em formas de superação dos obstáculos que
apresentem os adultos potenciais de EJA. Quando se propõe como estabelecer estratégias para
mobilizar os sujeitos a se inserir na EJA, levando em conta seus anseios, especificidades e
suas formas concretas de vida, entendemos que se faz necessário atrelar as condições
individuais à outras questões de políticas públicas.
Pensando na especificidade do estudo de caso, ou seja, nas possibilidades de inserção
dos sujeitos não escolarizados na FUMEC, podemos apontar que novas formas de
organização de tempos e espaços poderiam ser pensadas. Houve indicativos que a EJA fosse
oferecida na unidade escolar em outros turnos, além do noturno e que, se garantisse transporte
escolar para os locais mais distantes. A EJA I/ FUMEC já teve em outros locais da região,
vagas nos demais turnos, mas as salas foram fechadas sob alegação da falta de demanda.
Outro indicativo é a possibilidade de garantir maior autonomia das unidades escolares, onde
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implementadas na própria unidade escolar, já que lá existe ou deveria existir uma relação de
vínculo entre escola e comunidade.
Ciente de todas as dificuldades que permeia fazer uma pesquisa na área de política
pública, na qualidade de professora –pesquisadora- trabalhadora, encerra-se o presente estudo
recomendando que novas pesquisas nesse campo possam ser realizadas em outros contextos.
Inclusive, se aponta a necessidade de se analisar como dialética da exclusão e inclusão se dá
também nos anos finais da Educação de Jovens e Adultos/ EJA II, cuja responsabilidade não é
da Fundação, mas do poder público municipal, enquanto instituição. A exclusão, a
precariedade nas formas de atendimento, seus aspectos políticos, legais, administrativos e
pedagógicos diferem das políticas educacionais implementadas pela Fundação Municipal para
Educação Comunitária?
Termino com um trecho da entrevista de Raquel que de certa forma, sintetiza o
objetivo deste trabalho: “O que tem de gente sem ler e escrever nesse mundo não é
brincadeira! Com o tempo ele vai se despertando, né.”, sem deixar de reafirmar que despertá-
los é também um dever de todos nós.
BIBLIOGRAFIA
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GERALDI. Corinta (ORG) Escola Viva: elementos para a construção de uma escola de
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45
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SALAZAR, Adriana G Tagliolato. Projeto Casa Escola: a concretização de um sonho.
Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas, FUMEC/Cândido Ferreira, 2008, p 85-106
NETO. João C. M. A educação pela pedra e depois. 4ª edição. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira,1997. 274p
ROMÃO. Jose E. Pedagogia Dialógica. São Paulo: Cortez Editora. Instituto Paulo Freire.
2002.
SAVIANI. D. Escola e democracia. 31ª ed. Campinas, SP: Ed. Autores Associados. 1997
Sites Consultados:
IBGE – www.ibge.gov.br
INEP- www.inep.gov.br
CENP.EDUNET- www.cenp.edunet.sp.gov.br/portal/publicacao
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ANEXOS
ANEXO I “PAIS PROTESTAM CONTRA AULA AO AR LIVRE”
Cerca de 120 pais assistiram as aulas dos filhos dadas ao ar livre por falta de salas
insuficientes. Os pais prometem novas manifestações.
REGIÃO X
REGIÃO Y
Região que apresenta os
imóveis com maior valor
imobiliário da região, o
bairro possui todos os
itens de infra-estrutura
básica.
ANEXO V
Nome da mãe:.................................................................................Idade:.........
Nome do pai....................................................................................Idade:..........
( ) analfabeta.
( ) não completou os estudos até a 4ª série.
( ) completou a 4ª série.
( ) não completou os estudos até a 8ª série.
( ) completou os estudos até a 8ª série.
( ) não completou os estudos do ensino médio.
( ) completou o ensino médio.
( ) não contemplou o ensino superior.
( ) completou o ensino superior.
( ) analfabeto.
( ) não completou os estudos até a 4ª série.
( ) completou a 4ª série.
( ) não completou os estudos até a 8ª série.
( ) completou os estudos até a 8ª série.
( ) não completou os estudos do ensino médio.
( ) completou os estudos do ensino médio.
( ) não contemplou o ensino superior.
( ) completou o ensino superior.
ANEXO VI
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Supletivo- Campinas-SP
□ Nome:
□ Idade:
□ Estado civil:
□ Estado/cidade de origem:
□ Quantas pessoas há na família:
□ Quantos filhos?
□ Idade e nível de escolarização dos filhos:
□ Tempo que mora na região:
□ Mora em casa própria? Quantos cômodos têm a casa?
□ Na sua casa tem:
( ) água encanada ( ) energia elétrica ( ) Iluminação pública
( ) rede de esgoto ( ) asfalto ( ) coleta de lixo
( ) telefone ( ) computador ( ) internet
□ Profissão:
□ Trabalha: sim ( ) não ( )
□ Atual ocupação profissional:
□ Quantas pessoas da família exercem atividade remunerada?
□.Renda familiar/aproximada:
( ) menos de 1 salário mínimo. ( ) 8 á 10 salários mínimos
( ) 1 á 3 salários mínimos. ( ) mais de 11 salários mínimos
( ) 4 á 7 salários mínimos.
□ Lazer:
□ Religião:
□ Participa de alguma atividade social na comunidade?
( ) associação de moradores do bairro ( ) trabalho voluntário ( ) outros
□ Planos para o futuro:
1ª categoria: social
□ Conte um pouco como era sua infância, sua família.
□ Seus pais eram escolarizados? ( ) sim ( ) não
□ Até que série eles estudaram? Pai......... Mãe:.............
□ Você se lembra o que seus pais lhe diziam sobre a escola?
□ Você tinha incentivo dos pais para estudar? ( ) sim ( ) não
□ Você chegou a freqüentar a escola, quando criança? ( ) sim não ( )
□ Até que série estudou?
□ Por que razão não freqüentou ou parou de freqüentar a escola?
□ O que você considerava bom e o que considerava ruim na escola?
□ Como é o seu dia-a-dia ( rotina de vida- dinâmica de responsabilidades familiares)
3º categoria; psicológico
□ Se tomasse a decisão de voltar a estudar, teria apoio da família? De quem?
□ Como seus filhos reagiriam ao saber que você voltaria aos estudos?
□ Você conhece alguém, de sua convivência, que esta estudando ou que retornou os estudos
depois de adulto?
□ Como se sairia nos estudos?
□ O que acharia da possibilidade de estudar com pessoas mais jovens ou mais velhas na sala
de aula?