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Anelice Ribetto
Raquel López
(organizadoras)
Apoio:
Faperj (JCNE)
Agradecemos às professoras de educação pública de américa latina que –desde sempre- criam
escolas possíveis... à Faperj pelo financiamento público desse livro, através do Edital Jovem
Cientista de Nosso Estado (JCNE)
Dedicamos este libro a nuestra Escuela Especial Jerónimo Luis de Cabrera que nos
apachuchó...
nuestra escuela...1
Anelice Ribetto
Raquel López
Fazer coletivos...
Anelice Ribetto
Pedagogía inclusiva, lenguajes y lazos de afectividad
Carina Kaplan
El cuidado del otro
Carlos Skliar
Raquel López
Carta a educadores (de surdos)
Tiago Ribeiro
Perspectivas para inclusão do ponto de vista de Intérprete de Lingua brasileira de
Sinais (LIBRAS)
Jadson Abraão e Helena da Fontoura
Débora Madeira
Inventando modos de encontrar entre nós: gestos mínimos para pensar com a educação
especial e inclusiva em tempos de pandemia
Sara Busquet
O cotidiano escolar com a Educação Especial na E. M. Paulo Freire: da chegada aos
tempos pandêmicos, revisitando nossas relações no chão da escola.
Libia Busquet
Ser correspondidas: bons encontros...
Anelice Ribetto 2
Raquel López 3
querida amiga,
una carta siempre es una invitación a forjar un encuentro entre lenguas, entre
singularidades, entre tiempos y, sobre todo, entre deseos. Nos conocimos hace casi 25
años en la Escuela Especial Jerónimo Luis de Cabrera, en General Cabrera, Córdoba,
Argentina. Yo joven psicóloga, vos joven profesora de educación especial y, desde el
comienzo, hicimos lo que Deleuze llama de un “buen encuentro” que acontece quando
dois corpos se compõem de tal forma que a partir de sua relação há um aumento de
potência, e, por consequência, um aumento da capacidade de existir (Deleuze,
1980)4Quién sabe, podemos retomar, actualizar y convocar ese concepto para contar lo
que hacemos juntas, desde entonces, pero ahora, presentando este texto.
Encontrarse con otros para producir un libro con textos que son efectos de un
webseminário que surgió como posibilidad, antes que nada, de “defender la vida como
una trinchera” como nos recordo alguna vez el querido poeta uruguayo mario
Benedetti...5Defender la alegría en un tiempo intempestivo en que tuvimos que hacer
escuela en un fuera de la escuela, es sentido por mí como una posibilidad de aumentar la
2Professora associada da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro- Brasil.
3 Professora da Escuela Especial C.A.D.A. Centro de atención para discapacitados auditivos/ Rio IV-
Argentina
4Deleuze, Gilles (1980). Spinoza. In G. Deleuze, Les Cours de Gilles Deleuze. Disponível
em http://www.webdeleuze.com/php/sommaire.html. Acesso em 5 abril 2021.
5 Benedetti, Mario (1976-1985)Mario Benedetti. Inventario uno, parte segunda (1976-1985). De Viva
Voz. Editado por Visor libros. Voz de Mario Benedetti. Disponível
em https://www.poesi.as/recimbap083.htm Acesso em 5 abril 2021.
potencia y la capacidad de existir en medio a la necropolitica que asola Brasil como
proyecto politico de aniquilación del otro.
Gracias Raquel, Tiago, Carlos, Carina, Soledad, Griselda, Débora, Daiana, Judith,
Natalia, Sara, Libia, Mariana, Juliana e Evelyn por chegarjunto nesse encontro que
chamamos de I Webinário (entre línguas) A Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva no Brasil e na Argentina em tempos de pandemia e que foi
organizado pelo Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação da Faculdade de
Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ)
entre outubro e novembro de 2020.
Raquel querida, te paso la bola, y con la bola, dejo abierta la lengua para la
conversación... para cartearnos y ofrecer una correspondencia que acoja lo que
hicimos/hacemos juntas..
A.
Ane querida:
Esta invitación a conversar entre lenguas llega ahora, en este momento, em este tempo
que nos convoca más que nunca, de uma manera que si bien no es generalizada, es la
que siempre hemos busacado, desque aquel momento em que nos conocimos, como
bien dices y se produjo entre nosotras um recibimiento, uma bienvenida a “sentipensar”
porque nunca nos conformó el sentir y el pensar separadas, desarraigados del acto
educativo y porque además nuestro norte sigue siendo uma pedagogia que hospede,
precisamente em la riqueza de las diferencias.
Tomams diferentes caminhos pero acá estamos, abriendo possibilidades de uma lengua
que, entrelazando otras, emerja como esa que nos contenga.
Este tempo inédito y distinto, más no por eso todo lo sustancial que debería ser, abre la
oportunidade del silencio; escucharnos y escuchar, para regressar a la palavra,
otorgándole outro significado: uma palavra que se erija como manifiesto de la incerteza.
Desde este lugar de Argentina, agradezco esta invitación para “Que a importância de
uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a
importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em
nós”. (BARROS, Manoel, 2006, p.6).6
Te quiero siempre,
Raquel
Amiga R.,
Lá vamos então...
Chama, evoca, convoca e escreve junto um livro que se enuncia como uma força
expressiva que se compõe a partir de linhas sensíveis à criação de um espaço e um
tempo que suspenda as grandes e heroicas narrativas para compartilhar o que está sendo
forjado no cotidiano da escola pública de nossos países. As linhas se tecem e se
expandem, singularizadas na aposta coletiva de fazer e pensar juntas.
Abrimos o livro com esse fiar de cartas que não tem outra intensão que não seja
o de comemorar nossa conversa, abrir a porta e arrumar a mesa como ethos para “bons
encontros”
Segue uma linha que chamamos de “entrar e estar entre línguas...” com Carina
Kaplan e Carlos Skliar me acompanhando.
Eu, Anelice Ribetto rabisco coisas que chamei de “fazer coletivos” no desejo de
palavrear essa experiência que é fazer entre, fazer junto, fazer com. Nesses três
6BARROS, M. Memórias Inventadas: A Segunda Infância. São Paulo: Planeta, 2006.
movimentos é que conseguimos fazer emergir um coletivo de forças que nos meses da
experiência pandémica funcionou –e ainda funciona- como um gesto de respiração. Um
coletivo como um gesto. Um gesto que, no presente, nos ajuda a afirmar a vida na sua
dimensão alegre e de luta.
Tiago Ribeiro corresponde com uma “Carta a educadores (de surdos”, nela,
texto compartilha algumas inquietudes e pensamentos tecidos na experiência do
encontro com outros – professores e estudantes ouvintes e surdos. Outros que me
deslocam e convidam a pensar e espichar modos dever/sentir/compreender/narrar o
mundo. Trata-se de uma carta-ensaio-denúncia deforças necropolíticas e suas
consequências nefastas para a educação de uma formageral, e de como o ouvintismo
tem sido uma força necropolítica em relação àspessoas surdas e sua educação. No
entanto, este texto é também uma carta-ensaio-convite a escutar visualmente as
pulsações coloridas que plasmam e polinizam escolas plurais com os cotidianos, por
meio de relações tecidas pelo estar e pensar juntos, pela conversação, pela escuta
recíproca, pela nossa experiência encarnada.
Finalmente, Jadson Abraão e Helena Fontoura, nossos convidados nessa linha,
escrevem “Perspectivas para inclusão do ponto de vista de Intérprete de Lingua
brasileira de Sinais (LIBRAS)”Este texto tem o objetivo de problematizar o papel do
intérprete de LIBRAS, contando para isso com a experiência de um dos autores.
Investigaremos o papel desempenhado pelo intérprete de LIBRAS, buscando entender
sobre sua atividade, à luz do depoimento de quem atua na área. Os intérpretes atuam
como interlocutores entre esses dois mundos, o som e o silêncio, o mundo da oralidade
e fala e o mundo dos gestos e das expressões faciais e corporais.
A linha “escolas para estudantes com cegueira: o que acontece na
singularidade dessa experiência em contexto de pandemia?” se compõedas
narrativas de experiências de Judith Ramírez e Natalia Gómez da Escuela Hellen Keller
de Paraná em Argentina e de Daiana Silva e Débora Madeira do Instituto Benjamin
Constant do Rio de Janeiro, Brasil.
Judith Ramírez e Natalia Gómez escriben un texto llamado “La Escuela Helen
Keller y la singularidad de la esperiencia escolar en contexto de pandemia” y dicen
que las palabras que nutren ese texto surgen de la invitación y de los encuentros
realizados para conmemorar el décimo aniversario del “Colectivo de Alteridad y
diferencias en la Educación”. Un espacio colectivo con diez años de recorrido, que
transcendió fronteras y nos permitió encontrarnos. El texto tuvo la particularidad de ser
el registro de un encuentro que sucedió en un contexto muy particular; un escenario que
convocaba a conversar en la virtualidad. Por lo tanto, las palabras fueron tejiendo
diversas tramas entre espacios y tiempos de conversar, de describir, de narrar y, sobre
todo, de expresar en palabras lo que acontecía en cada escuela, en cada territorio, ante la
irrupción de una pandemia que modificó inmediatamente la cotidianeidad escolar: este
texto las narra en su cotidiano escolar.
entre
línguas
coletivo
pandemia
pandemônio
resistir
#uerjresiste
Fazer coletivos...
Anelice Ribetto7
É uma alegria abrir mais uma vez um espaço público, dentro da universidade
pública com o desejo de colocar sobre a mesa, de fazer aparecer aquilo que produzimos
dentro do Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação que é um coletivo de forças
que em 2021 cumpre 10 anos de existência e que tem como território de ensino,
pesquisa, extensão, militância e afetos a Faculdade de Formação de Professores da
UERJ.
Assim nasceu a ideia desse webminário entre línguas... e convidamos para estar
entre nós a Carina Kaplan, Carlos Skliar, Raquel López, Tiago Ribeiro, Maria Soledad
Martín, Debora Medeiros, Daiana Silva, Judith Ramírez, Nathalia Gomez, Sara
Busquet, Mariana Correa y Libia Busquet.
A primeira pista, diz sobre nossa defesa do rizoma como plano agenciador de
conhecimentos: vivemos em redes que conectam e saberes múltiplos e nos contrapomos
à defensa de que a universidade deve, apenas, contentar-se, com a produção de um
conhecimento científico – aparentemente – produzido fora destas redes. Não há fora e
dentro dessas redes, há, apenas, redes. Assim, apostamos na produção de saberes entre
professores-alunos-de-escola-de-universidades-famílias-gestores-de-políticas-públicas.
Claro que isto demanda a negociação contínua dos sentidos ali produzidos, porque
mobilizam fluxos de poderes e saberes que necessariamente não produzem consenso.
Produzir e defender um plano rizomático de produção investigativa demanda forjar uma
aposta metodológica que suporte esse movimento que “conecta um ponto qualquer com
outro ponto qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços
da mesma natureza, ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes” (DELEUZE,
G. e GUATTARI, F., 1995-1997, p. 31) Seguir essa pista nos possibilita que quando
alguma pergunta ou problema é forjado ou (co)emerge no campo de investigação
podemos problematizar as respostas que daríamos rápida e unilateralmente, com outras
produções discursivas e experiências; nos interessa produzir um saber outro, um saber
hibrido e capaz de suportar a amalgama que proporciona o dissenso e o exercício da
diferença como politica de vida. Afirmamos que todo conhecimento sobre o mundo tem
condição de ser coletivo e público, principalmente quando é produzido como exercício
de um campo como o da educação.
Nesta rede, como segunda pista, problematizamos a produção da normalidade
como política presente no campo da pedagogia e que ainda contribui para a exclusão e
massacre de pessoas que são consideradas fora da norma criada como vetor de
padronização. As politicas de normalização tem desempenhado um papel fundamental
no controle dos corpos e desejos dos estudantes com quem traçamos planos em comum
nas nossas pesquisas, e, o campo educativo tem produzido um exercício que Carlos
Skliar chamou de “obsessão pelo outro” e com isso tem contribuído a gerir o que
chamou de “diferencialismo” (SKLIAR, 2003, p.43) e nos propõe estender uma
fronteira entre um olhar que normaliza sem questionar a legitimidade da norma, e um
olhar que se pergunta, que interpela que estranha essa legitimidade que não faz nada
mais do que produzir o outro como alguém que porta uma diferença e é por ela
responsável individualmente.
me parece que habría que considerar la existencia de una frontera que separa de
modo muy nítido aquellas miradas que continúan pensando que el problema
está en la “anormalidad” de aquellas que hacen locontrario, es decir, que
consideran la “normalidad” el problema. Las primeras —sólo en apariencia más
científicas, más académicas— siguen obsesivas por aquello que es pensado y
producido como “anormal”, vigilando cada uno de los desvíos, describiendo
cada detalle de lo patológico, cada vestigio de anormalidade y sospechando de
toda deficiencia. Este tipo de miradas no es útil para la educación especial ni
para la educación en general: lo “anormalizan” todo y a todos. Las otras miradas
—tal vez menos vigilantes, pero también menos pretenciosas— tratan de
invertir la lógica y el poder de la normalidad, haciendo de esto último, de lo
normal, el problema en cuestión. (SKLIAR, C., 2005, p. 11 )
Pretendemos, no coletivo, nos situar dentro de quem produz esse segundo
olhar.
primeiro abertura
fazer com...
hacer juntos...
habilitar el otro...
cuidar la vida...
cuidado de si...
cuidado do outro...
*
(fotografia expandida de Sara Busquet- Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação/ 2020)
Referencias Bibliográficas
DELEUZE, G. y GUATTARI, F. Mil platôs. São Paulo: Ed. 34, 5 vols., 1995-1997;
Carina V. Kaplan8
Para ayudar a tender lazo social, es preciso afirmarse en el supuesto de que los
seres humanos estamos constituidos para la vida en compañía de otros, esto es, estamos
dispuestos para la vida en sociedad (Elias, 1988). Todo individuo lleva en sí mismo la
impronta de una sociedad determinada; por ende, el ser individual no puede ser
abordado en su singularidad con autonomía de la historia social y de las relaciones con
los otros en las que desarrolla su humanidad.
Es decir, contra una visión que coloca a los individuos como seres solitarios y
autosuficientes, resulta relevante proponer una alternativa teórica que permita
profundizar en la comprensión sobre la imperiosa necesidad humana de estar
conectados y conectadas en redes de socialización. El tejido social se trama en las
interacciones del cotidiano. Los actores construimos experiencia mediante lo social
los planteos que han intentado incluir la existencia del otro solo han
contemplado su inserción de un modo que su presencia resulte apacible
o textual o jurídica: se reconoce que es otro, pero se intenta mitigar el
efecto de su alteridad, lo que es contradictorio y muchas veces
hipócrita, incluso con la falsa expectativa de que, de algún modo, en
cierto momento deje de ser otro y se convierta en idéntico a los demás.
Y como sabemos, esos “demás” no existen, no están, a no ser bajo la
construcción, la fabricación y la presión de la normalidad (Skliar,
2017:164)
De allí que en la lucha por el reconocimiento el sujeto necesita del otro para
poder construir una identidad estable sintiendo autorrespeto, autoconfianza y
autoestima. Por el contrario, el menosprecio, las prácticas de humillación y toda forma
de violencia constituyen obstáculos en los procesos de autoafirmación identitaria. Las
prácticas racistas denotan siempre una desvalorización y conllevan sentimientos de
inferioridad. El sentimiento de falta de reconocimiento o respeto está asociado a la
negación del otro: es una reacción a una relación social marcada por el desprecio, la
exclusión y la eliminación.
De allí que es preciso pensar de un modo integral los límites objetivos que
marcan de entrada a los y las estudiantes en su tránsito por el sistema escolar. Partir de
sus constricciones o determinaciones estructurales que configuran un sentido de los
límites subjetivos, esto es, una suerte de cálculo simbólico anticipado de lo que los
actores pueden o no pueden proyectar para la propia trayectoria social y escolar.
La ideología de los dones naturales (la creencia de que se nace o no se nace con
una inteligencia dada) no solo radica en que las clases y grupos dominantes encuentran
una legitimización de sus privilegios culturales que son así transmutados de herencia
social en talento individual o mérito personal (el racismo de la inteligencia); sino que
también contribuye a imponer límites simbólicos a las expectativas subjetivas sobre las
trayectorias socioeducativas.
La escuela, siendo una institución que lleva como bandera la igualdad, necesita
oponerse a las clasificaciones tradicionales a partir de una mirada más comprensiva
basada en la valoración y el reconocimiento de las diferencias entre los sujetos que
alberga. A la vez que estar en condicionesde estructurar escenarios educativos que
promuevan la reivindicación y el acompañamiento de los actores, individuos y grupos,
en sus luchas por el reconocimiento.
De allí la necesidad de promover una trama vincular que permita elaborar las
marcas del dolor social de las biografías socioeducativas. En sociedades desiguales e
injustas ciertos individuos y grupos son subalternizados por su condición (de mujeres,
de indígenas, de discapacidad, de color de piel negro/s,) son invisibilizados, tratados
como de menor valía social. Los sujetos construyen imágenes y autoimágenes y
generan, de modo inconsciente, un “cálculo simbólico” acerca de sus potencialidades y
limitaciones (Kaplan, 2008). La mirada social tiene la capacidad de formular juicios de
valor que se dirige a las raíces simbólicas de un sentimiento de identidad o de sinsentido
de la propia existencia.
Bibliografía
Bourdieu, P. (1987). Los Tres Estados del Capital Cultural. Sociológica (5), 11-17.
Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2003). Los herederos. Los estudiantes y la cultura.
Buenos Aires: Siglo XXI.
Elias, N. (1998). Los seres humanos y sus emociones: un ensayo sociológico procesual.
En: N. Elias La civilización de los padres y otros ensayos (pp.290-329) Santa Fe de
Bogotá, Colombia: Editorial Norma.
Frigerio, G., et al., (2003). Educación y alteridad. Las figuras del extranjero. Textos
multidisciplinarios. Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 160.
Carlos Skliar9
Quizá sea necesario rendirse ante una evidencia que resultará algo obvia y
redundante: la cuestión del cuidado del otro excede largamente cualquier pretensión de
ser encerrada en una temática más o menos bien definida. Como una piedra arrojada al
agua, cada vez que intentamos definir el lugar del dilema, éste se abre en más y más
círculos que, a cada segundo, impiden una concreción precisa. Quizá ello ocurre
justamente por una ambigüedad manifiesta a la hora de expresar qué entendemos por
“cuidado del otro”: se trataría de una doble condición, esto es: la de pensar a otro por sí
mismo y la de poner en juego relaciones de alteridad en un sentido ético.
El término “alteridad”, así, tiene mucho más que ver con la irrupción, con la
alteración, con la perturbación y de aquí se desprende, casi por fuerza de ley, que por
relaciones de alteridad entendemos algo muy diferente de aquellas relaciones
pretendidas como de calma, de quietud, de empatía, de armonía, de tranquilidad, de no-
conflicto. El dilema sobreviene a la hora de atribuir esa perturbación al otro, a una
esencia del otro, a una característica inherente y casi “natural” presente en el otro. Esto
explica la violencia, la exclusión, la marginación, la peligrosidad, etcéteras, como las
imágenes más primitivas de alteridad.
Para decirlo de un modo aún más contundente: lo más frecuente es que el otro
deba entrar en nuestro orden despojado de su alteridad; esa parece ser la condición para
“admitirlo”, “recibirlo”, “acogerlo”; “darle educación”, “aceptarle”. Ya parece estar
perimida la idea del “buen salvaje” y hoy ocupa su lugar la no menos confusa idea del
“buen otro”: la mujer pero sin lo femenino, lo tribal pero sin lo tribal, la juventud pero
sin lo joven, la discapacidad pero sin deficiencia, el niño pero sin su niñez, el extranjero
pero sin extranjeridad, y así hasta el infinito.
Aún sin pretender fijar de una vez las características que le correspondan al otro,
es curioso advertir cómo invariablemente se le solicita –a veces de forma hospitalaria, la
mayoría de las veces de modo hostil- que vaya dejando de lado su alteridad, sólo por el
hecho que hemos supuesto que ésa es la causa de los dramas contemporáneos.
En buena medida no se intenta aquí otra cosa que exagerar las variables para
producir un efecto de absoluta complejidad, pero también de perplejidad. Y aunque
parezca demasiado grave y demasiado retórico, quizá todo se resuma en las siguientes
preguntas: ¿Qué es lo que se pone en juego al pensar y sentir la cuestión del cuidado del
otro? ¿Por qué se nos hace tan presente, tan desgarrador, tan acuciante, tan
particularmente actual? ¿Acaso porque su contrario, el descuido del otro, hizo imposible
toda relación de alteridad, toda relación con el otro? ¿Por qué parece que no podremos
sobrepasar esa instancia más que mortífera del racismo, la discriminación, el estereotipo
y la violencia en la relación con los demás? ¿Y por qué no nos conmueve ni nos seduce
del todo la idea de que “cuidar al otro” sea un sinónimo, en estos tiempos, del tener
apenas que “tolerarlo”, del tener que sólo “respetarlo”, del tener que sólo “reconocerlo”
como otro? ¿Se trataría, entonces, de una cuestión de orden moralizante y moralizadora,
o bien de una cuestión de naturaleza jurídica y de establecimiento de derechos o bien,
finalmente, de una cuestión de orden ético, de responsabilidad, de acogida y de atención
al otro?
“Cuidar al otro” supone, casi en primer lugar, que podamos disolver o contribuir
a disolver esa tendencia secular de pensar y sentir al otro bajo la forma de un otro
exclusivamente vinculado a una debilidad “constitutiva” y una inferioridad “natural”; y
para que nos sea posible pulverizar, sobre todo, ese pensar y ese sentir el “nosotros” que
parece reservarse, siempre, el papel del ser redentores, salvadores, explicadores,
incluidos, benéficos, nativos, normales, masculinos, adultos, heterosexuales, etcétera.
Por lo tanto cabe aquí una serie de preguntas casi sin respuestas, o en todo caso
unas preguntas más bien de refundación: ¿quién es, entonces, el otro: es, acaso, alguien
en particular? ¿Cómo suponer una figura de alteridad al margen de la relación que se
establece y que establecemos con ella? ¿Es la alteridad pura individualidad o bien un
entrecruzamiento caótico de figuras múltiples? ¿Se trata de sujetos específicos o,
definitivamente, de relaciones que están en permanente movimiento, en permanente
cambio?
Una relación ética comienza por la hospitalidad como modo de encuentro “entre
alteridades”. Si bien la hospitalidad puede ser presentada como la acción de recibir al
otro en un acto desmesurado –es decir, de recibirlo más allá de toda "capacidad del yo”
- enseguida se deja tomar por una ambigüedad que le es constitutiva, como si se tratara
de una capacidad que es al mismo tiempo ilimitada tanto como limitada, tanto
incondicional como condicional. Y eso se ve reflejado en la distinción entre la Ley –
mayúscula- y las leyes –minúsculas- de la hospitalidad.
Sí, la Ley de la hospitalidad es incondicional. Se trata de recibir al otro sin hacer ni
hacerle ninguna pregunta; se trata de la posibilidad de ser anfitriones sin establecer
ninguna condición. Y no hay leyes en la Ley de la hospitalidad porque en ella se declara
la abertura, el recibimiento, la acogida al otro, sin la pretensión del saber ni el poder de
la asimilación. Y no hay leyes en la Ley de la hospitalidad porque apenas pronunciada
ella ya no tiene más nada para decir, ya lo ha dicho todo, es decir, ya ofreció, ya donó,
todo lo que podía y tenía que decir. A la Ley de la hospitalidad le sigue un silencio
ético, por que es el otro el que decide si vendrá o no vendrá.
La hospitalidad y las relaciones de alteridad se inscriben en una responsabilidad ética,
es decir, en una relación no interesada y no cimentada en una falta, en una carencia del
“yo”.
Raquel López10
“¿Seño, hoy hay maestra?” pregunta Agustina, cada mañana desde que comenzó el
aislamiento social preventivo y obligatorio. Tiene quince años y un teléfono que le
prestaron las profesoras. Todos ejerce su oficio de estudiante desde la distancia que
impone una entidad invisible, apenas asida en su adolescente inquietud.
Milena tiene ocho años y cuando hablamos por teléfono dice “tía, me subo al paredón
para charlar con mi amiga Cata, porque no puedo ir a la casa de ella y tenemos mucho
para conversar”.
Juan lleva recorridos casi diecinueve años de vida y en nuestras conversaciones en los
talleres de Formación Laboral y de Cooperativa Escolar ha contado que su sueño es
abrir un taller mecánico. A Juan la cosa de los contenidos curriculares no se le da muy
bien. Ahora está en su casa. Sin internet, sin datos en el teléfono, sin crédito para recibir
llamadas o mensajes. Juan vive con su madre, a la que tampoco se le dan bien las cosas
de la escuela.
10Profesora de la Escuela Especial C.A.D.A. Centro de atención para discapacitados auditivos/ Rio IV-
Argentina. Contacto: reicheldire@yahoo.com.ar
Sobre las calles del barrio en el que viven Trinidad, Hugo, Lautaro y muchos otros, se
amontonan los carros que en la “normalidad” juntan cartón o dragan el río para vender
la arena. Tampoco hay cómo conectarse a las clasroom y aunque lo hubiera, Trinidad,
Lautaro, Hugo y muchos otros no leen ni escriben. Ellos asisten a la secundaria del
barrio.
Joaquín ha pasado un mes sin las salidas con su acompañante terapéutico. Escribe un
mensaje “ hola, hola profe”. A través de su mamá, en un audio dice que extraña a los
compañeros de 5° de la escuela secundaria.
Tomás comparte la vida, la casa y la habitación con diez primos y dos tíos que esperan a
su primer bebé. Recibe a la profesora que le lleva una caja con útiles escolares y
golosinas, con el gesto de la sonrisa ampliado y eterno porque su anatomía no lo
permite.
Ulises espera en la silla de ruedas que la madre empujó hasta la vereda. Pronto llegará el
cadete, con la escuela a cuestas.
Las se hacen sonidos, manos y olores que invento para imaginarlos en estas
“instantáneas de la ausencia”.
Para Milena y Felipe hay una manera de sobrellevar la nueva realidad, tienen la
contención y recursos para que de una u otra manera, transiten esta escuela en la que no
suena el timbre, sino que llega por el tono del celular o a través de un link para unirse a
la reunión.
¿Entonces, cuál es el gesto político que necesitamos como colectivo educativo? ¿ Cómo
debe ser ese gesto que nos saque de la reproducción inútil de contenidos en este
momento, en la contingencia que nos toca atravesar? ¿Tendremos la entereza y
convicción suficiente para que la inclusión deje de ser en muchos casos, un enunciado?
¿De qué manera y a través de qué estrategias y recursos seremos capaces de generar ese
gesto amoroso para encontrarnos? ¿Seremos capaces, estaremos a la altura de la
transformación individual que nos requiere este tiempo de excepción, necesaria e
indispensable para la tan ansiada “transformación social” que todos parecemos esperar?
¿ Habrá fuerza suficiente para romper con estructuras que generan a tantos y tantas
Juan, Trinidad, Hugo ? ¿ Estaremos a la altura de una rebelión pedagógica?
II
La escuela es gente, nos enseña Paulo Freire, el lugar donde no sólo hay edificios,
aulas, pizarras, horarios. La escuela es gente que estudia, trabaja, se conoce, se hacen
amigos. La escuela es un lugar para la afectividad, el espacio y el tiempo donde se
construye subjetividad en las interacciones.
¿Cómo hacemos para que el otro, aún privado de casi todo, en este intervalo
incomprensible, mediados por la pantalla en los casos que las hubiera, se reconozca
imprescindible, porque la escuela, a pesar de la ausencia, es gente?
La respuesta la encontramos caminando a tientas, sin dejar de mirar, como dice Carlos
Skliar, que la vida sucede a los lados, no hacia adelante, rebelándonos ante un sistema
que responde a preguntas que los estudiantes no hacen, volviendo a Paulo Freire.
Aislados de los rituales escolares, parafraseando a Carlos Skliar 11, establecemos las
reglas de un juego simbólico, de un como si pedagógico, refiriendo a didácticas y
recursos que sólo tienen su razón de ser cuando se desarrollan en la escuela.
¿Son esos los rituales que importan de verdad en este tiempo? ¿Son esos los rituales que
han sido importantes de verdad?
11 escuchado en alguna de las miles de lives que Carlos nos ofreció/ofrece generosamente en este
tiempo…
Este tiempo tendrá que ponernos en la vereda de otro pensamiento y otra acción, que
nos lleven a considerar esta paradoja de apoyarnos en lo que no hemos construido.
¿Cuántos son los niños y adolescentes que acceden a los dispositivos tecnológicos y a la
provisión de Internet? ¿Cuántas escuelas ofrecen el trabajo virtual como herramienta de
encuentro en la cotidianeidad del aula? ¿Cuántos niños y adolescentes saben utilizar el
Word? ¿Cuántos han aprendido a navegar en Internet y buscar información relevante
para resolver las actividades que se les envían? ¿Cuánto de ensayo, de apropiación, de
re significación, reflexión, acción, tienen estas prácticas?
Tal vez significa, se me ocurre, proponer que los niños y adolescentes sean eso: niños y
adolescentes; no un grupo de ciudadanos que definitivamente no han sido tenidos en
cuenta cuando hemos decidido por ellos las formas, los tiempos, las reglas de un nuevo
juego que tampoco nosotros conocemos. No hemos preguntado a nadie, ni hijos ni
padres qué creen conveniente, qué están dispuestos a hacer, cómo se preparan (sobre la
marcha, sin experiencia, igual que nosotros) para transitar estos días particulares ¿Qué
pasa con el miedo? ¿Dónde han quedado ocultos los deseos y los sueños? ¿Cómo les
parece que van a festejar sus cumpleaños? Me atrevo a responderme que esas cuestiones
nos sobrepasan y tal vez sea porque nunca las pensamos; las dejamos pasar en la
avasallante realidad de aquel tiempo pre pandémico en el que estábamos inmersos en un
incesante sobre valor de la eficiencia y la eficacia como imperativas condiciones para
alcanzar metas que nadie sabe muy bien cuáles son, o que hablan sólo de números.
Hasta aquí, hablamos de los niños y adolescentes que de alguna manera “se conectan” y
mal que bien intentan dar respuestas a las exigencias de la escuela. ¿Y los que no están?
Ese porcentaje de estudiantes sin acceso a las redes sociales y que vamos buscando para
generar una pedagogía de la ausencia; una respuesta (imposible) a algo que no es
posible.
Ese gesto mínimo que tal vez ahora, llama desde otra orilla de la escena pedagógica: la
orilla en la que fuimos puestos y en la cual nuestros pies sobre la arena se hunden y a la
vez nos impulsan a buscar refugio, un enlace seguro, una certeza de estabilidad con la
que no cantamos, con la que quizá nunca contamos y que ahora estamos descubriendo.
Desescolarizar tal vez sea aprender a escuchar, abrir mente y corazón, aprender a estar
con el otro a pesar de la soledad de la pantalla, a pesar de las ausencias. Aprender una
nueva ruta, marcar un camino distinto, entre todos, cuestionando y cuestionándonos.
Tal vez este es el momento histórico en el que estemos llamados a responder por
nuestros actos pedagógicos. Hacer silencio. Escuchar. Contar. Contarnos lo que nos
pasa. Abrir la mirada hacia la responsabilidad que nos atañe. Descubrir. Otorgarnos la
gracia de la duda, ofrecernos una oportunidad. Hacer posible el encuentro.
IV
Decir para contar y contar para que el otro cuente conmigo y yo pueda contar con él,
para que las diarias dicotomías en las que se basa la vida no sean sólo eso, una simple
taxonomía, una lista de lo que no podemos en contraposición a lo que podemos y que
ese catálogo se quede ahí, inerte en el campo conceptual de lo que pudo ser pero no fue,
una mera expresión de nosotros mismos como espectadores de la vida, de una vida que
nos llama o nos urge y ante la cual nos quedamos enumerando lo no posible, un montón
prolijo y ordenado de acciones de nuestra presencia.
Este convite a la escritura para estar cerca, para que la palabra habilitada sea común, se
todos y para todos me ha tenido reflexionando en estos días, en silencio, escuchando,
leyendo. Silencio para no correr el riesgo de apresurarme con palabras y creer que este
texto puede acabarse en ellas o viceversa.
Ahora escribo y pienso entonces en lo que preferiría no hacer en este nuevo contexto, en
este estado de excepción que nos aísla y nos da la posibilidad (a algunos) de volver a
mirar, de recogernos y apreciar la palabra como expresión de lo sentido, de aquello que
nos atraviesa y deja todo lo que somos ( y lo que no) al descubierto siempre que lo
deseemos, que tengamos el propósito, el afán, la necesidad. Pensar en lo que nos hace
únicos, diferentes, aquellos que nos une, nos convoca y donde somos iguales en nuestras
diferencias. Y también pensar y sentir qué prefiero hacer.
Prefiero hacer que el gesto acontezca. Levantarme cada mañana dispuesta al encuentro.
Saber que no todo está bien o que nada está bien o que tampoco sé qué es lo que está
bien porque eso que creía a veces que podía ser o suceder según lo que consideraba
adecuado, correcto, apropiado, ya no lo es. Descubrir que tengo (tenemos) una
oportunidad como he (hemos) tenido tantas otras y que como en esas tantas otras habrá
múltiples acepciones, aprendizajes, posturas, resultados. Prefiero mirar, escuchar,
habilitar (me) la palabra, el silencio cuando sea necesario. Otra vez leer a quienes
admiro, aquellos que creo pueden colaborar para ir buscando caminos, rutas. Prefiero
escuchar un mensaje de un estudiante, la solicitud de una madre, la necesidad de una
familia, el deseo de un niño, el miedo, porque creo que el otro es el que me ayuda a
descubrirme. Prefiero que ese estudiante, esa familia, sean los que me presten su voz
para que pueda pensarlos, para que siga vivo, para que no sea sólo una presencia.
Prefiero convocar a una reunión virtual con quienes trabajo y tomar la posta para una
decisión pedagógica que nos saque urgentemente de la inercia de la repetición, de la
indignidad de planificar clases para alumnos imaginarios, que nunca alcanzamos a
conocer, con quienes no pudimos mirarnos, de quienes no conocemos sus voces y jamás
escuchamos su risa. Prefiero hacer una escuela para todos en la cual este tiempo de
aislamiento no sea otra excusa para que la excepcionalidad sea una minoría y se quede a
la orilla, se convierta en el margen de una escuela que se ha olvidado de enseñar para
vivir.
Roberto Juarroz
Dos mil veinte es el año que todos recordaremos. El año en el que la pandemia irrumpió
en nuestras vidas como una palabra trampeada en el tutti frutti de la lengua y más o
menos todos aprendimos que se trata de una enfermedad que afecta ( o puede afectar) a
la totalidad de un pueblo ( la humanidad).
Entre las múltiples causas de la pandemia llegó la cuarentena, que trajo de la mano la
escuela en casa o la escuela sin asistencia a la escuela, o la escuela virtual, etc;
contingencia que en cualquiera de sus acepciones nos colocó de un momento a otro, a
quince días del comienzo del ciclo lectivo, en un escenario en el que debimos comenzar
a actuar sin libreto, utilería ni director. Sin tiempo para dar paso al silencio y
escucharnos y escuchar el silencio de otros. Se nos exigió continuar con un modelo que
se corresponde con un mundo que dejó de existir y nosotros continuamos la obra.
Si la vida era una carrera hacia la formación de individuos exitosos, capaces de llegar a
la meta en el tiempo según formas estipuladas desde afuera y la escuela educaba para
esa vida y dejaba (todos lo sabemos) a las excepcionalidades afuera ( llámese a las
minorías que siempre van a la retaguardia de la carrera) poniendo en evidencia que aún
dista mucho de ser inclusiva y convertirse en una escuela para todos en la que esas
minorías sean parte de ese todo y no queden en la zona perimetral a expensas de leyes
que mueren en decretos y resoluciones. Ahora que la pandemia cambió el libreto, la
escena nos confunde y se escurren entre bambalinas aquellas certezas que guiaban la
educación para la vida ( aquella vida) porque la vida ya no es igual.
Es cierto que para ese gesto mínimo la escuela (se) requiere una mirada amplia, que
cobije a todos, que abrace y aloje. Una nueva escena educativa que nos acerque y nos
ubique en el proscenio. Que permita estar cerca, en el adelante del telón para impedir
que se cierre y nos aísle.
Vivenciar o cotidiano da educação bilíngue com surdos e viajar pelo Brasil afora
participando de formações com professores de distintos municípios e regiões do país me
possibilitou ver, de perto, quão grande é o descaso do poder público com a educação das
pessoas surdas e com a formação de seus educadores. Também pude perceber o quão
violento podem ser o ouvintismo e suas consequências ainda hoje. Sim: ainda hoje,
porque o ouvintismo pedagógico não acabou com o fim do oralismo 14 como forma de
educação oficial e imposta às pessoas surdas. Que a educação com surdos não é uma
ação clínica quase como terapia da fala, como foi por muito tempo, não quer dizer que
nossas práticas estejam imunes ou livres do ouvintismo! Ouvintismo e oralismo não são
sinônimos (PERLIN, 2013).
O que significa surdos serem estigmatizados como incapazes de aprender a
escrever, quando as metodologias de ensino da língua escrita tratam-nos como se
ouvintes fossem? E quando, na escola inclusiva, o estudante surdo precisa aprender a
língua majoritária e uma língua estrangeira, porém ninguém na escola tem contato ou
aprende sua língua? E as escolas bilíngues onde as artes, teatro, literatura surdas não
fazem parte do currículo? Poderia seguir perguntando ao infinito... O ouvintismo é um
dispositivo histórico que busca anormalizar as pessoas surdas. No entanto, já afirmei em
outras oportunidades: o outro não precisa de autorização para ser outro. O surdo não
depende da autorização do ouvinte para ser surdo; ele é, está sendo, afirmativamente. O
que muda quando somos capazes de enxergar ou de escutar visualmente isso?
No meu caso, querides colegas, tenho aprendido o sentido e a importância da
língua de sinais, não apenas como língua de instrução, como muitos asseveram, mas,
sobretudo, como língua de relação: uma língua com a qual rir, fantasiar, inventar,
conversar, criar, duvidar, hesitar, aprender e ensinar juntos... enfim, uma língua com a
14 O Oralismo é uma filosofia pedagógica, braço do ouvintismo, que, grosso modo, defende a educação
dos surdos dever focar na aprendizagem da fala e da leitura labial. Para ler mais sobre isso, ver o livro
“Educação de surdos: desafios para a prática e formação de professores”, de Camila Machado de Lima
(2015).
qual é possível estar e ser no e com o mundo, como preconiza as comunidades surdas
brasileiras sinalizantes.
E foi também um jovem estudante surdo que me ensinou acerca da língua de
sinais como condição de vida. Após muitas aulas sobre o conceito de ser vivo,
apresentei à turma imagens sobre as quais perguntava: “é um ser vivo ou não?”. Ao
mostrar ao grupo a imagem de um cachorro e lançar a pergunta, um aluno, de mais de
vinte anos, me respondeu:
- Claro que cachorro não tem vida! Que pergunta boba, professor!
Estupefação. Estranhamento. Da minha lógica de ouvinte, veio-me a indagação,
em forma de pensamento silencioso: “Como não tem vida? Como não é ser vivo? Já
vimos vídeos, plantamos, fizemos tantas coisas... Ele não aprendeu?”. Então, questionei
o aluno mais uma vez:
- Por que cachorro não tem vida?
À minha pergunta, a resposta de quem viveu quase duas décadas sem acesso a
uma língua com a qual se expressar e sonhar, sem poder, em casa, se relacionar
linguisticamente com seus familiares (só aprendeu a Língua Brasileira de Sinais –
Libras tardiamente – na escola):
- Cachorro não tem vida porque não fala Libras. – ele explicou.
...
Compreendem? Sentem comigo pulsar a pele e eriçar os sentidos quando leem
essa resposta? Que vida há na vida sem uma língua? Que vida há na vida de pessoas
sem uma língua comum, sem nenhuma língua para interagir e intervir no mundo? Vida
própria, autoral, encarnada, em primeira pessoa, afirmativa, livre? Vida comunitária?
Há vida numa educação que não partilha uma língua comum, que não pode ser vivida
comunitariamente como conversação? Podem as diferenças serem percebidas como
singularidades quando não são postas em discussão, sobre a mesa, em conversação?
Aquela fala visual do estudante me afetou. Sua voz entrou pelos meus olhos e
ocupo meu corpo. Ser e assumir-me professor de surdos é também assumir um
compromisso com a língua de sinais e seu aprendizado (não só pelos estudantes, mas
por nós, docentes!), pois meu aluno me convidou a compreender, com meu corpo, a
importância da língua de sinais na educação com surdos: ela é constitutiva, espinha
dorsal, eixo estruturante das práticas, dos currículos, das metodologias e das relações. E
não aprendi apenas com ele, não! Aprendi com meus pares, com Shirley Vilhalva,
professora e pesquisadora surda que me apresentou, através de seus textos, a pedagogia
surda (2004). Junto com Shirley, Ana Regina Campello, igualmente professora e
pesquisadora surda, me mobiliza a pensar com a sua proposta de uma pedagogia visual
(2007). E outras muitas vozes, visuais, orais, escritas... Somos polifonia, não é mesmo?
Pausa.
Pandemia.
Parêntese.
Parêntesis.
(Enquanto escrevo este texto, recebo compras que chegam e cumpro o ritual da
limpeza do que entra em casa nesses tempos pandêmicos, vou à farmácia, produzo
vídeo para enviar aos estudantes surdos, faço pareceres para revistas, leito artigos,
dissertações e teses para bancas, participo de reuniões, faço comida, limpo e arrumo
casa... Dezenas de coisas. A pandemia multiplicou ainda mais o nosso trabalho docente
– e multiplicou também a ansiedade, a dificuldade de contato direto com os estudantes,
a carência dos encontros e abraços, a desigualdade social que se traduz em desigualdade
tecnológica, os ataques, os desrespeitos, a invisibilização de nosso fazer cotidiano
docente...
Inspiro.
Respiro.
...
Sinto-me entre culpado e angustiado pelos alunos não conseguirem acessar a
plataforma digital que utilizamos na escola, por suas residências estarem em áreas onde
os chips de internet distribuídos pela instituição não funcionarem, por não terem
aparatos tecnológicos que comportem o chip distribuído pela escola, por não terem
internet em casa... Sinto culpa também por não conseguir acompanhar os encontros
síncronos nem fazer as atividades das aulas virtuais do curso Libras em que me inscrevi.
Sigo, ainda assim, insistindo na produção dos materiais e aulas para os poucos alunos
que conseguem acessar e participar de nossos encontros. Também sigo assistindo todos
os vídeos das aulas de Libras, aprendendo um bocado, mesmo não realizando atividade
alguma. O tempo, por vezes, parece não caber no tempo... o tempo, por vezes, parece
invadir o tempo... ou a invasão de nossas casas pelos trabalhos, escolas, consultas,
sessões de terapia, reunião de amigos e familiares (tudo virtualmente) parece ter
transformado nossas casas em outra coisa, ter esgarçado e violentado o tempo do lar.
Quantos se sentindo igual a mim? Quantos sentindo assim?)
Precisamos...
Parêntesis?
Parêntese?
Pausa?
15 Especificamente sobre as negações que já foram (inclusive legalmente) impostas à pessoas surda, ver
“História da Educação de Surdos”, de Karin Strobel (2009), disponível em
<https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/
historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf> . Acesso em
29.05.2021.
Porque precisamos das “armas” do colonizador para lutar contra ele 16. Se o
ouvintismo tem se expressado e agido também através dos dispositivos legais e da
invisibilização da agenda da Comunidade Surda, então a luta pela escola bilíngue
também passa pela luta por visibilização da agenda da Comunidade Surda nos referidos
dispositivos. Bem sabemos, porque é a própria Comunidade Surda que vem nos
ensinando isso, desde sempre. Em especial, gostaria de sublinhar o documento “A
educação que nós surdos queremos”, da Federação Nacional de Educação e Integração
dos Surdos (FENEIS)17. Cabe perguntar: sem conhecermos esses documentos, o
histórico de luta das comunidades surdas, sentidos culturais que lhe são próprios, sua
língua, suas manifestações artísticas, podemos contribuir para uma prática bilíngue
afirmativa com as pessoas surdas e suas culturas? Podemos viver o educativo como
espaço comunitário de conversar, aprender, se estranhar e espichar repertórios e
compreensões, nas diferenças?
Essas perguntas me fazem lembrar de meu querido mestre Paulo Freire e sua
“Pedagogia da Esperança” (2019). Vocês conhecem? Paulo Freire tem sido tão atacado
ultimamente por quem está comandando nosso país... Tantas forças conservadoras que
vociferam todo tipo de ódio e amargura. Aposto uma cocada, como se dizia no meu
nordeste querido, que não leram uma linha do que Paulo Freire escreveu. Pois eu
confesso: me encho igual a um balão de gás, me encho de uma vontade menina 18 de ser
e estar na educação com surdos toda vez que leio os escritos freireanos... É tão bonito
pensar a educação como prática de gente, como relação dialógica, como conversação
que nos convida a espichar nossos mundos e experienciar o “ser mais” de que fala
Freire...
E o que é ser mais? Para mim, essa ideia guarda lonjuras de qualquer
hierarquização de modos de saber, conhecer, pensar ou viver. Muito pelo contrário!
Uma educação que convida a “ser mais” não é nada além de uma educação na qual
experimentamos e podemos nos afirmar como potências singulares no mundo;
singularidades constelares, isto é: somos pontinhos que, juntos com muitos outros,
tecemos redes... E em nós pulsam redes de sentidos, histórias, experiências... Somos
16 Agradeço à bell hooks (2013) que, com seus escritos, me chamou a atenção para o fato de que, no jogo
de poder social, dispositivos majoritários (como a língua, a legislação etc.) podem ser armas contra
processos de colonização e colonialidade.
17 Disponível em <https://issuu.com/feneisbr/docs/documento_a_educa__o_que_n_s_surdos>. Acesso
em 20.05.2021
18 Expressão nordestina que guarda o sentido positivo de algo jovial, intenso, forte, potente, travesso:
vontade menina, alegria menina, curiosidade menina etc.
caleidoscópicos, coloridos, plurais, complexos, inacabados e em constante devir, não é
mesmo? Viver é estar sendo inexatamente igual ao que se é, porque esse “sendo” é
como um rio que corre e, sendo o mesmo, está sempre a se redesenhar. Nossas vidas são
artesanias? Sementes que brotam?
Ainda que artesanias, ainda que sejam nossas obras de arte mais importantes,
nossas vidas não são tecidas apenas com nossos fios. Essa tapeçaria biográfica que
vamos tecendo enquanto vivemos é atravessada e urdida com muitos outros fios, de
diferentes texturas, cores, gramaturas, extensões. São pessoas, textos, filmes, lugares,
tempos, espaços, territórios, mitos, cosmologias... E pandemias.
Há quem diga, por exemplo, que a pandemia da Covid-19 cortou, como uma
tesoura, nossa normalidade, enclausurando-nos em casa e impondo-nos diferentes tipos
de isolamento. Desconfio de que nunca tenha havido normalidade alguma. Qual
normalidade, se somos compostos pelas e nas diferenças? Que normalidade, se o “assim
mesmo” justifica nosso mundo ratificando tanta violência e desigualdade? A pandemia
não cortou nada; desnudou um pouco mais.
Que educação é possível propor aos estudantes nesse contexto? E existe um
contexto pandêmico ou são vários, plurais, insumariáveis contextos? Trabalhando com
estudantes surdos, por exemplo, nos damos conta de que o isolamento tão denunciado é,
comumente, realidade na vida do surdo: isolamento social, linguístico, cultural (para
muitos deles), inclusive dentro de casa. Isso se repete em muitos lares, pois diversas
famílias não sabem língua de sinais nem conhecem a comunidade surda.
O que pode a escola propor nesse momento? Listas de conteúdo? Atividades de
fixação? Exercícios de memorização?
O nosso coletivo ArteGestoAção buscou ir por outros caminhos... Em meio a
uma pandemia, em contextos em que estamos todos tentando sobreviver a uma
pandemia e a um pandemônio, apostamos em mais educação e menos ensino, inspirados
nas pedagogias de Freire (2019), Vilhalva (2004) e Campello (2007), isto é, educação
como possibilidade de conversar, pensar, sentir, se emocionar, imaginar, criar,
experienciar, viver... Indagar, estranhar e espichar nossos mundos!
Responsavelmente, quando os casos de Covid-19 estavam em baixa, fomos
periodicamente à escola, criamos e cuidamos de uma horta. Plantamos, colhemos,
inventamos. As invencionices viraram propostas e obras autorais, como a mão de
sementes na fotografia 1 (ver anteriormente). Ela seguiu para a casa dos estudantes, em
módulo impresso enviado para eles, acompanhada de um texto sobre como todos somos
diferentes e plurais, e a seguinte pergunta: “Qual a cor de sua identidade surda?”. Junto
com essa pergunta, colocamos outra imagem que nos remetia a essa ideia.
Fotografia 2: Qual a cor da sua identidade surda?
(Arquivo ArteGestoAção)
Referências
FENEIS. A educação que nós surdos queremos. Rio Grande do Sul, FENEIS, 1999.
_______. Surdez: um olhar sobre as diferenças. 6ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2013.
Introdução
21 Brasil. Ministério da Educação, Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 de dezembro 2018.
último censo, a deficiência auditiva ocupa a quarta posição, com mais de 9,7 milhões de
pessoas que sofrem com algum tipo de déficit auditivo. Em um gráfico referente a toda
população brasileira, esse número representaria cerca de mais de 5,2% da população
com algum tipo de deficiência auditiva, entre estes, mais de 4 milhões são usuários da
LIBRAS.
O Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005), que regulamenta a lei da LIBRAS,
discorre sobre a formação dos profissionais dessa área, quer sejam intérpretes ou
professores de LIBRAS. Esse decreto também proporciona um maior acesso aos lugares
para as pessoas surdas, pois é um aparato legal para exigência de intérpretes de LIBRAS
em diversos lugares (escolas, hospitais, fórum, clínicas).
A lei do intérprete de LIBRAS Nº 12.319/10 (BRASIL, 2010) discorre sobre
quais são as atribuições e formações necessárias para exercer essa profissão. Outros
estudos apontam diretrizes e um código de ética a ser seguido pelos profissionais dessa
área (código de ética da Federação Nacional de Educação e Integração dos surdos -
FENEIS e a Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e
Intérpretes e Guias-intérpretes de Língua de Sinais – FEBRAPILS).
Hoje, a presença do intérprete de LIBRAS em diversas atividades é bem mais
comum do que há alguns anos. Com isso, a função do intérprete tem sido interrogada.
Este texto tem o objetivo de problematizar o papel do intérprete de LIBRAS, contando
para isso com a experiência de um dos autores. Investigaremos o papel desempenhado
pelo intérprete de LIBRAS, buscando entender sobre sua atividade, à luz do depoimento
de quem atua na área.
Hall (2008), que fala sobre a identidade em tempos pós-modernos, argumenta
que os indivíduos não têm mais uma identidade fixa, mas várias identidades, a partir de
vários critérios: nacionais, sensoriais, raciais, linguísticos, religiosos. Consideramos que
a formação profissional, bem como a inserção no mundo surdo constitui um imperativo
dentro das relações surdos/intérpretes.
Por ser o mediador entre o mundo surdo e o mundo ouvinte, é fundamental
conhecer o trabalho do intérprete e refletir sobre ele, a fim de se ter dados precisos que
contribuem com sua qualificação; a fim de compreender as necessidades que o
intérprete precisa para ter uma qualificação, e seus impactos sobre a comunidade surda,
valorizando a qualidade de uma interpretação de qualidade, com um profissional
qualificado, precisamos ter clareza do que é necessário em termos de nível de formação
e o que compete ao cargo ocupado pelo profissional intérprete.
Oustinoff, em seu livro “Tradução: história, teorias e métodos”, aborda algumas
questões interessantes de como os tradutores eram tratados, tinham o mesmo status de
príncipes devido à sua importância e influência na diplomacia de um país.
22 LIBRAS é a sigla de Língua Brasileira de Sinais. Em alguns documentos oficiais, como a própria lei
da LIBRAS, sancionada em 24 de abril de 2002, a grafia da sigla é posta somente com a primeira letra (L)
em caixa alta e todo o restante da sigla em letra minúscula. Sabendo-se da regra gramatical da língua
portuguesa em que toda sigla deverá ser apresentada sempre com todas as letras da palavra em caixa alta,
podemos observar em outros documentos que há essa correção na grafia, tentando assim retificar essa
escrita da abreviação com letras minúscula. Por esse motivo e em consonância com as regras gramaticais
da língua portuguesa, optamos aqui sempre apresentar a palavra LIBRAS em caixa alta.
primeira língua. Para as pessoas que não entenda o processo de formação e educação
dos surdos, pode neste momento não compreender muito bem esse ponto, mas a língua
de sinais, a Libras não faz uso da gramática da língua portuguesa. Isso quer dizer que
a Libras tem sua estrutura linguistica própria sem necessitar de apoio em outra
estrutura linguistica.
No ano de 2005, prestei vestibular para Licenciatura em História e ingressei na
vida acadêmica, agora como aluno e não como um espectador, ou um técnico que
atuava na tradução. Foram três anos e meio de muita correria, luta, estudos,
felicidades e tristezas, e, em janeiro de 2008, concluí meu curso. Posteriormente, fui
convidado pela direção da universidade para assumir a cadeira da disciplina de
LIBRAS, visto que, mediante a publicação do Decreto da LIBRAS Nº 5.626/05 23, todos
os cursos de licenciatura seriam obrigados a ofertar essa disciplina.
Comprometido com meu processo de formação, eu continuava analisando o que
acontecia com os alunos surdos no ensino superior e como era a relação entre alunos
surdos (usuários da LIBRAS), com os professores ouvintes (que não dominavam a
LIBRAS), uma vez que, tive o privilégio de teruma amiga de classe surda e usuária da
LIBRAS no curso de licenciatura em História na UNIVERSO, em Niterói, na qual fui
aluno e intérprete de LIBRAS.
De que forma as pessoas surdas buscam maiores esclarecimentos em aula caso
o intérprete de LIBRAS não estivesse em sala? Como se reportava ao professor quando
tinha uma dúvida específica sobre o conteúdo exposto? Como se relacionar com o
professor regente da turma, e não só com intérprete? Como o professor se portava
frente ao aluno surdo? Como era o olhar do professor durante sua evolução didática
em sala de aula?
Eram perguntas frequentes que eu e alguns amigos fazíamos. Na verdade, eu
acredito que foram vários questionamentos que ainda hoje existem na cabeça de muitas
pessoas. Eu sempre reportava estas questões para que a própria aluna surda pudesse
responder. Desta forma, as pessoas começavam a ver o protagonismo dela e passavam
a perguntar diretamente a ela. Questionamentos surgiram neste período, e muitos
outros ainda irão surgir, porque somos seres inacabados sempre com a possibilidade
de absorver algo novo e ensinar algo novo para alguém.
23 Decreto que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira
de Sinais - Libras.
Em 2010, participei de um processo seletivo para professor substituto na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Formação de Professores -
UERJ/FFP. Fui aprovado e ali fiquei, durante três anos, como professor nesta casa,
tida como referência em formar professores. Pude então, a partir de vivências com
alunos e professores, repensar minha prática docente e como se dá o processo de
ensino e aprendizagem para os alunos, pensando no aluno surdo, usuário de uma
língua diferente da nossa, a LIBRAS, que tem por modalidade ser uma língua visual-
gestual (utiliza os gestos e da visão para se comunicar), já o Português é uma língua
oral-auditiva (utiliza-se da fala oral e da audição).
Em 2011, fui aprovado no concurso para professor substituto na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, em Seropédica, e atuei durante um ano e
seis meses como professor, o que aumentou meus questionamentos sobre a relação de
ensino e aprendizagem de pessoas surdas. Anos mais tarde fui em direção à minha
inquietação para torná-la uma pesquisa. Participei do processo seletivo para o
Mestrado em Educação da UERJ/FFP, mas não consegui ser aprovado neste primeiro
processo. Em 2017, quando novamente me inscrevi para o processo seletivo, consegui a
aprovação em todas as suas etapas. Atualmente faço parte do grupo de pesquisa da
professora Helena Fontoura, leciono na Faculdade do SENAC Rio a disciplina de
LIBRAS e tenho uma empresa em sociedade na área da LIBRAS, tanto relacionada ao
ensino como na área da tradução (A JDL Traduções).
Com meu ingresso para o curso de Mestrado em Educação, na linha de
Formação de Professores, História, Memória e Práticas Educativas, propus-me
pesquisar O papel do intérprete de LIBRAS no ensino superior. Com dados existentes
em relação ao processo histórico da inclusão dos alunos surdos na graduação, como
estão as relações entre pessoas surdas e ouvintes? Como os professores que estão em
formação têm se preparado para lidar com essas questões em sala de aula? Como os
professores que já se formaram lidam com essas questões? Como os professores veem o
papel do intérprete de LIBRAS? Como os intérpretes de LIBRAS interagem em sala de
aula? Como os intérpretes se veem nesse processo? Como o surdo se vê nesse
processo? Como os surdos veem o papel do intérprete de LIBRAS? Passaremos pelo
processo da história da educação de surdos para entendermos melhor o momento que
vivemos hoje e de que forma esses questionamentos se entrelaçam com a realidade
atual da educação dos surdos no ensino superior.
O foco da pesquisa foi a tríade intérprete de LIBRAS, aluno surdo (usuário da
LIBRAS) e o professor ouvinte (não usuário da LIBRAS), pois ainda é uma realidade na
educação do ensino superior um desconhecimento sobre a pessoa surda, sua língua e
sua cultura.
Adotamos a definição de intérprete de LIBRAS segundo a Lei Federal
12.319/10, que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da LIBRAS.
Sancionada em 1o de setembro de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
Publicado no DOU de 2.9.2010, definido assim:
Os intérpretes de libras
Todos esses preceitos citados são reforçados na Lei 12.319/10, que regulamenta
a profissão do tradutor e intérprete de LIBRAS.
Sigamos, pois, aqui à luz da análise realizada pelos alunos surdos sobre suas
impressões a respeito dos intérpretes, a intérprete 2 diz “[…] é muito positiva. Eles
(alunos) geralmente gostam muito de mim e sentem até minha falta.” Isso se dá por
haver uma harmonia entre aluno surdo e intérprete, e essa harmonia se reflete no
desenvolvimento dos conteúdos aplicados em sala de aula para estes educandos.
O intérprete 3 afirma que “a visão do aluno surdo a respeito do profissional
intérprete de Libras diante do seu cotidiano, não só educacional, mas em tudo, é que o
intérprete acaba se tornando o seu esteio, seu apoio”, contudo deve-se ter sempre o
cuidado de não se tornar uma “muleta” da pessoa surda. Neste sentido, conclui a
intérprete 2 dizendo que “porque ele não está ali para ser amigo do aluno surdo, nem
para assumir o lugar do professor no processo de ensino e aprendizagem, mas está ali
para somar forças com o professor.” Dessa forma todos no processo são beneficiados e
o professor sente uma segurança no desempenho profissional do intérprete.
O intérprete 1 corrobora esta questão afirmando que “[…] no ensino superior
[…] há um respeito do professor em relação ao trabalho do intérprete de Libras, pois
ele entende que não é função do intérprete ensinar, mas sim apoiar o aluno surdo nesse
processo.”
Conclui o intérprete 3, dizendo “diante de tudo que foi exposto pondero que
ainda estamos num processo de organização e aprendendo a lidar com essa nova
realidade sob uma perspectiva inclusiva.”
Algumas considerações
Referências Bibliográficas
MASUTTI, M.L.; SANTOS, S.A. dos. Intérpretes de Língua de Sinais: uma política em
construção. In: QUADROS, R.M.de (Org.) Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul,
2008. p.150 - 169.
Judit Ramirez24
Natalia Gomez25
Imagen1: sobre el plano horizontal de una hoja blanca, hay dos tiras de cartón en relieve color verde,
pegadas en forma paralela. En el margen superior de la hoja se lee “Pego sobre la línea de cartón.
Comienzo de izquierda a derecha”. En la esquina derecha se lee la fecha en números: 25/09/20. Debajo de
la primera tira de cartón hay una flecha que indica “Cantidad de compañeros en el aula” y hay cinco
elementos pegados. Debajo de la segunda tira hay que indicar “Cantidad de compañeros en la
videollamada” y hay dos elementos pegados.
Consideramos que esta actividad es un claro indicador de la desigualdad que
mencionábamos anteriormente. Se representan los que estaban en la clase, en el aula, en
la escuela. Y los que ante esta nueva situación no pueden participar con sus pares de la
clase virtual.
Detrás de ese conteo hay infancias que se entrelazan en las trayectorias escolares
de niños de un grupo de Alfabetización. Son niños y niñas que se conocen a partir de
tocar el hombro de su compañero o compañera, de jugar, de abrazarse, de ubicar y
reconocer su silla en el aula, de colgar su mochila o su bastón al ingresar, de escucharse,
del tono de sus risas, de escuchar sus nombres en la voz de la maestra, de contar sus
historias, y de tantas experiencias más que se dan en la presencialidad.
Los niños faltantes en la clase virtual no podían participar en forma simultánea
por diferentes circunstancias. Es allí donde se redoblaron esfuerzos para revertir
situaciones de desigualdad y donde la creatividad y flexibilidad de la acción docente
posibilitó esos encuentros, con otro orden temporal y espacial. Es allí donde la escuela
siguió de pie sosteniendo el afán y el horizonte de igualdad de oportunidades.
Cabe destacar que a pesar de las desigualdades o barreras que se han presentado
en este contexto, también han sucedido encuentros y construcciones con otros que
quizás en la presencialidad no hubieran sido posibles, donde la escuela al salir de ese
espacio físico del edificio siguió construyendo lazos sociales y los amplió.
A modo de ejemplo, referenciamos el Conversatorio Virtual Provincial realizado
el “Día Mundial del Bastón Blanco” 26, organizado por docentes de la institución y en el
que participaron estudiantes, familiares, representantes de instituciones, docentes de
distintas localidades de la Provincia de Entre Ríos y de otras provincias e integrantes de
la comunidad en general.
Esto nos demuestra que aún en la adversidad se pueden construir otras formas de
hacer escuela. Que se superan limitaciones y se acortan distancias cuando el encuentro
está motivado por el deseo de todos y cada uno de confluir en un espacio en común, en
una construcción colectiva. Ese deseo es el que nos moviliza y transforma. Porque como
dice Carlos Skliar: “uno debería ser capaz, capaz en su deseo, de enseñar a todos, de
mediar con la palabra hacia cualquiera, de hacer partícipe a cada uno y a cada una de
esa enseñanza” (2017, p.19).
26Instituido por representantes de la Unión Mundial de Ciegos, en París en 1980, quienes destacaron la
importancia de establecer una fecha que hiciera alusión al bastón blanco como símbolo de independencia,
igualdad de oportunidades e inclusión en todos los ámbitos de la sociedad.
Ese deseo nos impulsa a seguir, a seguir construyendo proyectos futuros, sobre
una realidad incierta, cambiante, pero que hay que crear, no de una forma individual,
sino que necesariamente tiene que ser en forma colectiva.
Fue así que desde la Escuela Helen Keller, para dar continuidad a los procesos
de enseñanza y aprendizaje de los estudiantes, llevamos adelante una organización
pedagógica para ser desarrollada durante el aislamiento social, preventivo y obligatorio.
Cada docente, no sólo ha tenido que pensar la forma de comunicarse con sus
estudiantes, si no el modo de vincularse con la familia, de entrar a sus casas, de formar
parte de lo cotidiano. De pedir permiso para pasar, y muchas veces encontrarse con el
revés de no recibir respuestas.
Nuestra institución cuenta con once áreas distribuidas en turno mañana y turno
tarde, a las cuales se le suman las áreas estético expresivas. Estas son: Espacio
Educativo Múltiple, Alfabetización I, II y III, Orientación vocacional ocupacional
(OVO), Baja Visión, Formación Laboral “Auxiliar en cocina”, Orientación y
Movilidad / Actividades de la Vida Diaria, Espacio de técnicas y recursos específicos
(ETRE), Inclusión Educativa e Informática y tecnologías adaptadas.
Desde las distintas áreas de trabajo, cada profesor también ha tenido que pensar
en cómo orientar y guiar al adulto referente que acompañe el proceso. Explicar qué
objetivo se persigue con cada actividad enviada, qué tienen que observar, dónde deben
enfocar la mirada, para que al realizarse la devolución se genere la retroalimentación
entre familia y escuela. Para que el docente, mediado por los padres o por los mismos
estudiantes, logre conocer cuáles han sido las actividades que despertaron mayor
interés, a qué dificultades se han enfrentado, dónde se debe seguir estimulando.
En los Espacios Educativos Múltiples, los estudiantes que conforman los grupos
son niños y adolescentes con multidiscapacidad. La gran tarea de las maestras ha sido
lograr establecer un vínculo mediado por una pantalla. Y a pesar de la complejidad que
esto implica, ha sido increíble como estudiantes que en la presencialidad no podían
sostener sus aprendizajes por reiteradas inasistencias, durante este período han logrado
tener una mayor continuidad en los mismos.
Desde el área de Baja visión, cada contenido abordado ha sido pensado para
estimular lo visual desde lo lúdico, utilizando variedad de recursos y actividades que
implican seleccionar, discriminar, explorar imágenes, entre otros.
Las docentes de este espacio realizan las evaluaciones visuales funcionales que,
debido al contexto que vivimos, no han podido llevarse a cabo por lo que para orientar y
brindar sugerencias a las instituciones a las que asisten los estudiantes, han tomado
como parámetro los informes visuales realizados el año anterior.
Las actividades enviadas a los hogares las han preparado en formatos de texto,
videotutoriales, audio cuentos. La estrategia que más les ha resultado han sido las clases
virtuales a través de las plataformas Google meet o Zoom, las cuales han organizado de
forma grupal o individual, teniendo en cuenta las necesidades de los estudiantes.
Los ha movilizado mucho el trabajo en el área de música, por lo que han tenido
la experiencia de producciones musicales colectivas, como así también individuales. En
relación a este espacio es importante destacar que moviliza a todos los estudiantes. No
sólo los adultos sino también a adolescentes y jóvenes que se han reunido junto a los
profesores por videollamada para interpretar diversos repertorios musicales.
El área de inclusión trabaja de forma articulada con las instituciones a las que
asisten los estudiantes incluidos en la escolaridad común. Se han llevado adelante
propuestas integradas, sobre todo con estudiantes de educación primaria que se
encuentran en proceso de alfabetización y que requieren de un gran andamiaje desde la
especificidad.
Para el nivel secundario, las docentes han elaborado y socializado un documento
en el que se establecen criterios a tener en cuenta durante esta etapa ya que nuestros
estudiantes requieren de otros esfuerzos para apropiarse de los conocimientos. Por esto
es que han solicitado, entre otras cosas, que se pudieran flexibilizar los tiempos de
entregas de trabajos prácticos y esencialmente que todas las actividades o contenidos
que se les envíe sean totalmente accesibles. Es decir, que, si se les envía un texto digital,
este pueda ser en formato Word para que los estudiantes tengan la posibilidad de utilizar
las opciones de accesibilidad del sistema operativo Windows, o hacer uso de lectores de
pantalla.
Junto con los profesores del área de Informática y Tecnologías Adaptadas han
trabajado intensamente en la implementación de recursos tiflotecnológicos. En este
último tiempo han estado abordando el uso del programa Edico (Editor científico de
matemática, física o química), utilización de lectores de pantalla, plataformas educativas
virtuales como el Google Classroom, la utilización de nubes, correo electrónico, entre
otros. Es tan magnífico el trabajo que han estado realizando que algunos docentes se
reunían los días sábado para llevar adelante las clases. ¡La docencia no ha parado ni los
fines de semana!
En este contexto todos nos tuvimos que ir acomodando a los tiempos del otro y
más allá que se desdibujaban los horarios, los días, los espacios, ha sido estimulante ver
los avances que han tenido los estudiantes gracias al compromiso de esos profesores que
nos hacen creer que otro tipo de escuela es posible.
Uno de los grandes desafíos a los que nos hemos enfrentado en este tiempo ha
sido poder llegar con nuestra propuesta educativa a todos los estudiantes, sobre todo a
aquellos que han presentado situaciones de mayor vulnerabilidad. Somos conscientes de
las realidades que viven, de las carencias que tienen y consideramos que muchas veces
no ha sido mala disposición de las familias o falta de voluntad para acompañar a sus
hijos, sino que simplemente no han sabido cómo hacerlo o no han contado con los
recursos, ya sea materiales o tecnológicos.
Desde la Dirección de la escuela, como estrategia para darle continuidad y
sostener lo pedagógico, se ha solicitado que los docentes puedan preparar actividades en
formato papel y material didáctico para hacérselos llegar a los estudiantes. Este tipo de
intervenciones ya venían siendo realizadas por algunas maestras que preparaban y
enviaban materiales a sus alumnos por encomienda, servicio puerta a puerta o
cadetería.
Referencias bibliográficas
VAIN, Pablo. Los rituales escolares y las prácticas educativas - 2a ed. - Posadas:
EDUNAM - Editorial Universitaria de la Universidad Nacional de Misiones, 2018.
Libro digital, PDF - (Contemporánea)
Entrando...
Considero as palavras de Skliar (2019), ser um bom modo de entrada para esta
conversa. Uma conversa como um gesto sem início e sem fim. Isso me permite dizer
que esta conversa, não foi iniciada no I webinário (entre línguas): educação especial na
perspectiva da educação inclusiva no Brasil e na Argentina em tempos de pandemia 28,
evento organizado pelo Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação, no segundo
semestre de 2020. E também, como toda conversa, não terá seu fim aqui, no capítulo
deste livro, em que desejo dar a ver a fragilidade como potência, que pode nos ajuda a
suportar um tempo presente, permitindo um deslocamento da experiência de uma escola
a uma escola outra. O que proponho é dar continuidade, ao avançar, ao desviar de uma
conversa que ás vezes se perde, na qual estou sempre a entrar, assim como entrei no I
webinário (entre línguas). Trata-se também de uma conversa que tem me acompanhado
no exercício docente, no Instituto Benjamin Constant (IBC) 29, território em que me
encontro com crianças com cegueira e baixa visão, estudantes da educação infantil.
Uma conversa como produção de outras conversas, e outras, e outras.
Talvez tenhamos ido aonde ainda não havíamos previsto, ao nos encontrar no I
webinário (entre línguas): educação especial na perspectiva da educação inclusiva no
Brasil e na Argentina. Neste evento, fui movimentada pela questão: “Escolas para
estudantes com cegueira e baixa visão: o que acontece na singularidade dessa
experiência em contexto de pandemia?”. A ideia não era de resposta, mas de escutas,
falas, compartilhadas ali entre línguas, entre Brasil e Argentina, entre escolas para
estudante com cegueira e baixa visão, estávamos numa conversa entre nós, tentando dar
a ver isso que há de singular, isso que nos passa ao estar na escola, para estudantes com
cegueira e baixa visão, o acontecimento em tempos de pandemia, sempre entre.
O entre expressa “um espaço intermediário, espaço da inquietude e das
incertezas, que me movem, me formam e transformam me permitindo experienciar”
(SILVA, 2018, p. 20). Talvez o entre nós permita pensar nisso que há de fragilidade,
como potência que nos permita suportar um presente, em que a escola ganha um modo
outro de existência, uma escola marcada pelo distanciamento físico, que deixa suas
marcas, ganhando outros cheiros, outros contornos. Contornos que evidenciam o que há
de fragilidade em nós. Mas o que há de potente nessa fragilidade? Como isso que há me
ajuda a suportar o presente e pensar uma escola outra?
No dicionário30 fragilizar é tornar-se frágil, diz-se que frágil é aquilo que se
espedaça ou quebra facilmente, delicado, que se danifica com facilidade, pouco estável
sem solidez. Tomarei a ausência da solidez em sua potência de não enrijecer, não tornar
estável e pensar no que há de possibilidades nisso. Segundo Skliar (2019):
Nesse sentido dou a ver, nesta conversa, algumas fragilidades como potência que
vem me movimentando num tornar-se professora e que tem me ajudado a pensar a
escola IBC, habitada por crianças com cegueira e baixa visão, junto a mim em tempos
de pandemia. Como sair de uma escola, habitada pelos cheiros pelas formas de seus
espaços e objetos, pelos sons que a compõe, para adentrar em uma escola com outros
cheiros, cheiros que muitas vezes caracterizam outros espaços, como o da nossa casa,
outras formas? Proponho que pensar com nossas fragilidades seja talvez um bom
caminho.
Para tal compartilho anotações de um caderno de notas. O caderno de notas
como um exercício de pensamento sobre si que nos prepara para viver o real,
funcionando com cuidado de si (FOUCOALT, 2017). Expressando um compromisso
com a vida, com o fazer, pois sugere um constante movimento de produção de si.
Desse modo, atravessada pelas mútuas fragilidades sou preenchida por uma
sensação de estrangeiridade. Assumir-se estrangeiro, estar entre desconhecidos, implica
viver na confusão, na não compreensão, no não entendimento, isto é viver na
fragilidade. Desconhecer não é ignorar, mas traçar um plano comum: o que é possível
pôr em comum entre nós? Mas o comum não significa o mesmo, o homogêneo, uma
mesma língua, e sim o espaço onde as singularidades se compõem na heterogeneidade.
Na fragilidade percebo que estamos, as crianças e eu entre desconhecidos,
portanto somos estrangeiros. Tornar-se estrangeiro implica um gesto de acolhimento e
“acolher o outro é ouvir sua questão, que não será formulada na minha língua. Mas em
qual língua o estrangeiro irá endereçar sua questão? Em qual língua receberá a nossa?”
(SARAIVA,2005, p.54). Sinto-me a cada encontro como estrangeira, e nessa condição
que escrevo, faço anotações como forma de dar sentido a essa experiência.
Dar a ver essa experiência, de uma escola que antecede ao que passo a chamar,
na pandemia, de uma escola outra, se faz pertinente, nesta conversa não só como
afirmativa da fragilidade que há em nós, mas para dar a ver isso que há na fragilidade
como possibilidade de deslocamentos: experiência.
Uma experiência que se evidencia quando somos surpreendidos, em março de
2020, pela pandemia do COVID19, em que se fez necessário o isolamento físico, sinto-
me mais frágil do que antes:
Extrair na vida o que pode ser salvo, o que se salva sozinho de tanta
potência e obstinação, extrair do acontecimento o que não deixa
esgotar pela efetuação, extrair no devir, o que não se deixa fixar em
um termo. Estranha ecologia: traçar uma linha, de escritura, de música
ou pintura. São correrias agitadas pelo vento. Um pouco de ar passa”
(p.89).
Talvez tenha a ver com isso, na falta de jeito extrair da vida o acontecimento,
pensar no ar que passa, em meio às perdas de vidas, mudanças de rotinas, medos e
angústias potencializadas pelos gestos e descaso evidenciados nos atos e falas de
autoridades do governo brasileiro, em que o cuidado com a vida não se faz presente,
num movimento nitidamente contrário ao isolamento físico (medida recomendada pela
Organização Mundial de Saúde). Um governo que deixa a todo momento a sensação de
quem diz: Isso me é alheio! Isso não me diz respeito! E daí? Nesse contexto, somos
submetidos a viver na incerteza, como forma de preservação da vida. Isso implica de
certo modo assumir a nossa condição babélica de viver. Tal momento nos convoca a
inventar outras formas de pensar, produzir, viver... Extrair da vida o acontecimento
implica um movimento que reconhece e afirma: isso não me é alheio! Isso me afeta!
Assim, sou interpelada pelo presente:
Em meio a esse contexto pandêmico e pensado nessa escola outra... ganhei uma
pequena flor. É uma flor comum na localidade onde moro, que brota entre o gramado
compondo assim uma vegetação rasteira, tal fato a torna imperceptível. Fiquei pensando
no que levou meu filho, uma criança ainda, a olhar, perceber aquela flor, como também
no seu gesto de abaixar e pegá-la para me presentear, diante de outras flores maiores
que estavam expostas no nosso quintal. Retorno a Skliar (2019) que diz:
O mundo do frágil – se acaso existisse – não obedece a uma
justificativa nem a uma teoria, senão a um conjunto impreciso de
percepções: nessa “pátria gestual” se encontram mais crianças,
mais anciães, mais animais, mais versos, mais chuvas, mais
ignorâncias, mais desconsolos, mais árvores que lojas, transito,
urgências, rápida desilusão e flores esmagadas por calçados da
última moda (p. 42).
O mínimo diz respeito aquilo que escapa ao que se espera, escapa aos modelos
estabelecidos e na fragilidade há essa possibilidade. Na fragilidade de uma pandemia, na
fragilidade do exercício como docente, podemos olhar o mínimo, encontrar uma flor, ou
não, apenas transitar pelo entre do gramado. É nesse sentido que penso fragilizar como
gesto de abertura para experimentar o pequeno, um gesto mínimo que pode nos ajudar a
suportar.
Gesto que se materializa no exercício de escrita, na produção de um caderno de
anotações se faz potência em meio as mútuas fragilidades. A potência está nesse
movimento em que problematizamos, pensamos, em somos interpelados... pela vida.
Esses movimentos não se separam da vida, mas afirmam o modo como nos encontramos
no mundo. É necessário dizer, dar a ver, romper e talvez produzir sentidos a isso que
nos passa. Talvez esse momento nos movimente a produzir sentidos outros, inventar,
pensar... e quem sabe encontrar a flor minúscula em meio a vegetação rasteira e
presenteá-la a alguém.
Penso que o estar juntos na escola (no momento presente) não pode ser
entendido apenas como uma presença literal, física e material. Talvez pensar a escola
como uma experiência rizomática, em que os pontos se conectam como o de um
gramado brotando em lugares inesperados, produzindo-se, assim, uma rede de saberes.
Talvez seja essa uma das principais questões atuais da educação: afirmar a escola como
rizoma, a escola como uma experiência que embora regulada, pode ser criada a partir de
um ponto qualquer, pelo meio, pelas bordas sempre entrando.
Outros da conversa:
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São
Paulo: Editora Escuta 1998.
FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade e
Política. Ditos e escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária Passagens, 3.ed,
2017. p. 144-162.
PELBART, Peter Pal. Ensaios do assombro. São Paulo: n-1 edicões, 2019.
Pensando sobre o lugar que habito neste território, devo dizer que sou lotada no
Departamento de Educação, na Divisão de Atendimento ao Educando e atuo como
Assistente de Alunos, tendo como responsabilidade técnica acompanhar os estudantes
nas atividades transdisciplinares, que são oferecidas nos diversos setores da Instituição.
Atuação esta que no entanto, foi suspensa no dia dezessete de março de 2020
devido à Pandemia de Covid-19, que exige um distanciamento físico, que se configura
como uma medida emergencial especialmente utilizada em resposta ao momento
pandêmico, no sentido de tentar impedir a cadeia de transmissão entre as pessoas.
Nessa direção, tínhamos ainda falas que nos colocavam a par da luta que estava
sendo travada por eles no sentido da manutenção da vida frente ao desemprego e
também nos sensibilizavam para as dificuldades que os mesmos tinham no que se
referia ao uso-aquisição de internet em suas respectivas casas bem como também o
acesso à programas adaptados para pessoas com cegueira e baixa visão. Destacando
também, um grande receio no que se referia ao retorno das aulas presenciais, já que a
maioria dos estudantes moram em locais afastados e dependem do transporte público
que tem um atendimento precário impelindo-os a enfrentar superlotações.
Conversando com Skliar (2010) que nos convoca a pensar na marca particular
para a convivência, que há no interior das instituições educativas. Proponho que
possamos ponderar os encontros como possibilidade de estar junto, movimentando
microações que se constituem como uma flexão do pensamento daquilo que podemos
fazer mesmo estando entre a cruz e a espada, para forjar encontros éticos, sensíveis que
fortaleçam uma micropolítica de resistência.
E nesse sentido converso com Gallo (2002), que nos convida a problematizar
noção de educação menor. Apoiando-se no conceito de literatura menor, proposto por
Deleuze e Guattari. Para assim, nos alertar para a ideia de que no território há
possibilidade de se forjar desterritorializações, que podem ser entendidas como fugas,
escapes do território oficializado, que promovem distorções dentro do código-norma.
Mediante esta reflexão, neste ensaio proponho que possamos pensar que nos encontros-
conversações virtuais que aqui problematizo, pudemos criar torções, deslizamentos,
ruídos. Desagregando-abandonando aquilo que estava imposto como norma via
desterritorialização. Propondo assim, uma ação coletiva que não atendia a oficialização,
mas escorregava, desviava-se via micropolítica, para assim forjar formas outras de
estarmos juntos em educação.
Pois tal como nos diz Gallo (2008), nas desterritorializações não há um dentro e
um fora, o escape se agencia no próprio território. Ou seja, nas desterritorializações
podemos puxar as pontas para retornar ao território com alguma produção que estranha
as convenções.
Nesse sentido, acho que é importante salientar que o termo experimentação aqui
utilizado não condiz com o termo experimento. Já que, o experimento se expressa
através do método, que assegura o resultado previamente. Enquanto, a experimentação
coaduna com a improvisação, que se estabelece a partir de táticas ou produções de
conhecimento que não se expressam como caminhos único e verdadeiro que se
desdobram em soluções.
Deste modo, coadunando com todas as reflexões que foram até aqui tecidas,
arrisco-me a dizer que a vivência do espaço virtual emergiu como uma possibilidade de
fazer o verbo delirar, traindo a língua, provocando-a gaguejar (DELEUZE;
GUATTARI, 1977). Na medida em que, a relutância ou não aceite foram substituídos
por uma percepção que admite o cotidiano como uma possibilidade de experimentação
de linhas de fissura que podem ser compreendidas como “formas de desformar
cristalizações próprias às trajetórias de vida” (DIAS; PELUSO; BARBOSA, 2020, p.
236). Mobilizando-me assim, a pensar nos dizeres-fazeres que escapam das certezas
entendendo que a complexidade da vida parece requisitar de nós disponibilidade,
atenção e abertura para possíveis problematizações.
Por fim, neste ensaio proponho que possamos pensar o contexto pandêmico
como um tempo em que talvez tenhamos uma maior oportunidade de pensar no espaço
escolar naquilo que antecede e propicia nossos movimentos, a vida! Refletindo também,
que estar juntos de modo virtual talvez tenha nos forçado a (re) criar e experimentar
modos outros ser e estar no mundo
Desta forma, propondo que este ensaio não conclua nenhuma argumentação.
Pensando que este é um esforço para se forjar um material que pode propiciar
problematizações. Deixo aqui algumas questões que surgiram para mim como efeitos
destes encontros-conversações desejando que, as mesmas, provoquem reverberações...
... Diante da fragilidade estamos aprendendo a lançar mão das igualdades primeiras?
...Se estamos sempre na fila da morte, nestes novos tempos temos visto a fila andar bem
depressa e diante disto estamos podendo (re)pensar mais sobre a intensidade do
momento em detrimento das utopias que se conjugam no tempo futuro?
Referências bibliográficas:
DIAS, Rosimere de Oliveira; PELUSO, Marilena dos Reis; BARBOSA, Maria Helena
Uchôa. Conversas entre micropolítica e formação inventiva de professores,
Mnemosine, v.9, n.1, p.224-237, Disponível em:
http://www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/283 . Acesso em:
25/05/2021.
DOMINGUES, Leila. A flor da Pele: subjetividade, clínica e cinema no
contemporâneo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2010.
SKLIAR, Carlos. Elogio à conversa (em forma de convite à leitura). In: RIBEIRO,
Tiago; SAMPAIO, Carmen; SOUZA, Rafael de. (Orgs). Conversa como metodologia
de pesquisa: por que não. paradigma estético. Rio de Janeiro: Ayvu, 2018, p.11-14.
Sara Busquet35
35Professora da Fundação Municipal de Niterói, RJ, Brasil. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação- Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Contato: sarabusquet@gmail.com
La cuestión es que poco más puede decirse del presente más allá de su
movimiento y su imposibilidad de salida, más acá de los saltos y los
tropiezos. O, en todo caso, sí que puede explicarse el presente. Pero es
incomprensible. En el presente.
Carlos Skliar
***
***
O biografema, assim como podemos perceber com Barthes (1984), pode ser
pensado como a escrita do detalhe. Traços biográficos que compõem uma escrita:
“gosto de certos traços biográficos que, na vida de um escritor, me encantam tanto
quanto certas fotografias; chamei esses traços de ‘biografemas’.” (BARTHES, 1984, p.
51).
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Dois mil e vinte... lá pelas tantas do mês de abril. Segundo ano como
concursadas da Rede Municipal de Educação, para nós, as seis Professoras de Apoio
Educacional Especializado da escola. Começamos o ano animadas pensando nas ações
que queríamos fazer para a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva na
escola. Em meus registros: “Consegui ficar na sala de aula com os três estudantes que
acompanho do 6⁰ ano!”, “Uma das estudantes sorriu ao me ver hoje!”, “Semana que
vem vou levar esse livro de poesias para lermos!”...
Só que não tivemos a semana que vem, nem a outra semana, nem o outro mês.
Agora a previsão de retorno é 30 de maio de 2020... Todo dia parece o mesmo dia: sem
notícia da maioria dos estudantes que acompanhamos na escola, reportagens que cortam
a carne na navalha, mais um conflito insuportável daqueles que deveriam governar o
país, incertezas, vítimas que começam a ter nome, sobrenome e rostos que conhecidos.
Diferentemente da realidade de muitas colegas de profissão, a rede que trabalho
abriu, essa semana, um edital para professoras(es) e pedagogas(os) elaborarem
voluntariamente um material que ficará disponível online, também irá disponibilizar, em
algumas semanas, um material impresso que poderá ser retirado na escola.
Reconheço que ainda estou perdida em relação a isso... não sei por onde chegar,
por onde começar, como fazer... Produzimos singularmente no dia a dia da escola. Cada
estudante tem uma condição de vida, cada relação é singular. Como produzir um
material sem acompanhar, sem conversar, sem estarmos juntos? Se precisamos manter o
isolamento social, se ficar em casa salva vidas, qual o sentido de colocarmos
profissionais, mães e estudantes em filas nas escolas para retirarem esse material?
Pensemos na vida: como estão as professoras e os professores em meio ao que
nos tem acontecido? Como será que os estudantes estão? Será que conseguiram se
adaptar a rotina de ter que ficar em casa? Como têm passado os dias? Suas mães, como
estão? Como está a vida dessas mulheres que, na maioria das vezes, lutam diariamente
sozinhas?
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Referências Bibliográficas
Olhares que têm a ver com o poder, é verdade, mas também com a
posição de onde partem, do lugar onde se formam e dos sujeitos aos
quais se destinam (Carlos Skliar)
39Professora da Escola Municipal Paulo Freire, Niterói, Brasil. Doutoranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação- Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Contato: mcpessin@gmail.com
No ano de 2006 cheguei a EMPF para atuar na coordenação de turno pela manhã e,
posteriormente, também no turno da tarde. Fui recebida de maneira cortês pelo grupo
de profissionais, porém, ao me deparar com estudantes com diversas deficiências sofri
um impacto e era difícil lidar com a situação. Trago na memória como foi difícil para
uma pessoa como eu, cuja geração profissional e social não conviveu no espaço escolar
com pessoas com deficiências.
A coordenação na EMPF, devido ao espaço muito amplo dos pátios, usava e usa o
recurso do microfone. Logo nos primeiros dias cometi o que considero uma gafe, que
me fez atentar para a necessidade de buscar modos de comunicação com esses
estudantes ditos com alguma deficiência. Estava fazendo a chamada para que as
turmas fossem para suas salas e, ao olhar numa direção, percebi que um pequeno
grupo de alunos permaneceu no pátio. Insisti na chamada. Não subiram e nem se
mexeram.
Então, após nova tentativa, em alto e bom som disse ao microfone: “vocês não estão
ouvindo que eu estou chamando?” “Ou estão me fazendo de boba”? Neste momento
uma colega correu até a coordenação e me disse sorrindo: “ mas eles não estão
ouvindo, são surdos. Alunos da colega que está de código 16 (uma falta mensal
abonada) e que ficarão comigo hoje”. Fiquei desconcertada, perguntei a colega como
pedir desculpas e fiz o sinal para o grupo de alunos.
Neste dia, durante o percurso de retorno à minha residência, além do choro, várias
questões me fizeram companhia no exercício de pensamento. Percebi que, com a
convivência diária necessitaria construir pontes e procurar compreender alguns sinais
usados pelos surdos, além de procurar estreitar a comunicação com os profissionais da
Sala de Recursos Multifuncional (SRMF), a fim de conhecer algumas das condições de
nossos alunos, pois temos estudantes com diversas deficiências, para melhor conversar
com estes no nosso fazer pedagógico diário (Diário de Pesquisa de Líbia, maio de
2010)
Conversando com Jorge Larrosa (2002) com seu conceito de experiência para
tecer com o que se experienciou. Larrosa (2014, p. 10) nos diz que “a experiência não é
uma realidade ou uma coisa ou um fato”. Pode-se dizer, com o autor, a experiência é
algo que nos acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que faz pensar...e que
transforma. Aquela experiência com os estudantes surdos começou a transformar meu
olhar para educação inclusiva em minha prática enquanto educadora. E comecei a ver
aqueles estudantes como meus intercessores.
Nessa nova função, no grupo da tarde, pude ser professora da Suellen, que foi
diagnosticada com encefalopatia crônica da infância. Junto com a professora de apoio
especializado, Alessandra, estabeleci um plano diferenciado de atividades, adaptando
exercícios. A estudante ao término do ano letivo reconhecia o próprio nome completo,
algumas palavras e participava ativamente das atividades e exercícios coletivos
durante as aulas. O período em que estive a frente desses dois grupos de referência foi
fundamental para o meu exercício de olhar e fazer pensar no modo como me relacionar
com estudantes com deficiências. Esse exercício de fazer pensar sobre cada um desses
alunos me trouxe uma nova maneira de enxergar a educação inclusiva. E me fez refletir
sobre uma das nossas dificuldades em lidar com o tema: a formação acadêmica dos
profissionais que atuavam nas escolas, que não abordava o tema em questão, na
maioria das instituições formadoras dos profissionais da educação, até pouco tempo.
(Diário de pesquisa de Líbia, maio de 2010)
Segundo Skliar (2015), a Educação Especial não está ligada a ensinar a pessoa
com alguma deficiência a viver: É possível ensinar a viver? (DERRIDA, 2004, apud
SKLIAR, 2015, p. 28). Não se tratava de ensinar como a Suellen deve se portar na
sociedade ou na escola. Educação inclusiva não se trata apenas de “colocar uma pessoa
diagnosticada com deficiência na escola regular, mas que esse ambiente seja
potencializador do sujeito para a sua vida” (BUSQUET, 2016, p. 36).
Inclusão não significa ensinar a viver apesar do “outro”, incluir o “outro”. Vai
além do heroísmo de “incluir” e “suportar” a minoria (SKLIAR, 2015). É preciso que
estejamos disponíveis a experiências e estejamos abertos à existência dos outros
(BUSQUET, 2016, p. 36).
Atualmente, diante da pandemia que nos atravessa, muitas vezes temos
ressignificado o que seria este *incluir o outro”, como nos coloca Skliar. Trazemos a
seguir um trecho do depoimento de uma das nossas professoras de apoio especializado
sobre como está o acompanhamento dos estudantes nesse momento de isolamento
pandêmico:
Nos primeiros dias de março de 2020, com o advento da pandemia de Covid 19,
surgiu um cotidiano escolar à distância, quando a comunidade de diversas escolas no
país e no mundo começou a experienciar um cenário desconhecido com novas
incumbências, responsabilidades, urgências e imposições de órgãos oficiais, tão novas
quanto contraditórias. Várias escolas, como por exemplo as das redes estaduais,
imediatamente anteciparam as férias e recessos, outras no caso de algumas escolas
municipais como as de Niterói ou profissionalizantes optaram pelo trabalho em home
office. Profissionais foram orientados a participarem das atividades de formação e
replanejamento em suas unidades de ensino, e posteriormente realizar suas atividades de
ensino de forma não presencial, ou seja, de forma remota, a distância, de suas casas.
A internet é considerada atualmente um excelente meio para contatar pais e
estudantes, seja via e-mail, Google classroom, hangoust, meet, whatsapp. O problema é
que muitos dos estudantes, como os nossos da E.M. Paulo Freire, não podem se
beneficiar de tais meios, devido às barreiras digitais nos websites, por não possuírem
tecnologia ou ainda por não terem acesso à internet, algumas vezes dificultado por
relações conflituosas nas comunidades em que habitam.
Para aqueles que apresentaram estas dificuldades, outros métodos foram
buscados em nosso fazer pedagógico diário, como a retirada de material pedagógico
impresso na própria escola. As atividades que compuseram as apostilas e exercícios
foram adequados e os professores procuraram fazer com que fossem bastante
prazerosas, não somente para os estudantes, mas também para seus familiares, que são
aqueles que auxiliam seus filhos nas tarefas, levando em conta que também podem
apresentar alguma deficiência, ou ainda serem analfabetos, por exemplo.
Assim, as atividades que os professores de apoio prepararam com a SRMF
continham desenhos, jogos, brincadeiras, de formas criativas, visando desenvolver
habilidades, coordenação, raciocínio lógico matemático, atenção, concentração e
habilidades de vida diária. Era preciso fazer o monitoramento do atendimento às
pessoas com deficiência (física, mental, intelectual ou sensorial) para que elas tivessem
acesso aos conteúdos. E, este acompanhamento não foi totalmente realizado com todos
os estudantes, pelas razões colocadas acima.
Sendo assim, pode-se constatar a importância da Educação Especial e do
Atendimento Educacional Especializado (AEE) na vida e desenvolvimento de pessoas
ditas deficientes. A inclusão deles na escola ajuda-os a aprender, socializar, alcançar
seus desejos e sentirem-se cada vez mais como membros da sociedade. A partir do que
já foi aqui mencionado, nosso grupo de professores concluiu que, mesmo com toda
dificuldade, deveriam sim, tentar tornar possível atendê-los em suas casas e fornecer
educação de qualidade, mesmo com todos os entraves.
Neste momento, cabe ressaltar a importância dos profissionais de apoio
educacional especializado que atuam na EMPF para a garantia de autonomia e
aprendizagem de nossos estudantes com deficiência. Nossa escola, mesmo que tenha
um projeto de educação inclusiva, sempre procura respeitar algumas exigências para
cada tipo de especificidade, como por exemplo um ledor, um mediador.
Esses profissionais que acompanham o estudante, no dia a dia escolar, fazem
toda a diferença quando se trata do desenvolvimento da aprendizagem, socialização ou
mesmo desenvolvimento motor daquele estudante. São profissionais preparados para
cada desafio do processo de ensino-aprendizagem que possa surgir, mas que se deixam
afetar pelas relações cotidianas e constroem seu caminho com os seus atravessamentos.
Podemos afirmar deste modo que:
O meu trabalho, como dos demais colegas professores de apoio, funciona assim: temos
acesso antecipado ao conteúdo que será passado na semana e o deixamos o mais
próximo da realidade do estudante que acompanhamos. Só que agora, no meu caso, o
grande problema é que, sendo uma criança cega, eu preciso de recurso tátil e nesse
momento remoto as aulas estão sendo visuais. Professores regentes enviam muita
imagem, vídeo. É complicado. Então, tenho apostado na confecção de materiais táteis e
na conversa com os responsáveis, solicitando que leiam para a estudante que
acompanho o conteúdo por mim adaptado, pois além de cega ela tem uma pequena
dificuldade cognitiva. (Diário de Líbia Busquet, agosto de 2020).
Não está sendo fácil trabalhar o dia todo e chegar em casa tarde da noite para
ajudar meu filho nas tarefas, ele às vezes dorme cedo por causa da medicação, então é
mais fácil dar atenção pra essas coisas sábado de manhã. (Mãe de aluno deficiente)
Muitas vezes ficamos alguns minutos para conseguir fazer com que o aluno
interaja, mas quando o responsável participa da chamada fica mais rápido esse
contato, como se o aluno se abrisse mais a essa experiência que na verdade nem nós
professores temos intimidade. Travar contato através de uma tela fria, com certeza não
é fácil, mas insistimos porque é o meio possível de contato com nossos alunos nessa
pandemia. (Professora de apoio)
Adaptar aulas, entrar em contato com os professores de apoio e a EAP, comprar
equipamentos novos, mudar plano de internet, planejar as atividades, cada vez mais
adaptáveis aos alunos deficientes, muitos tem sido os desafios. Essa pandemia, com
certeza vai mudar nosso jeito de dar aulas, penso incluir algumas coisas que aprendi
nas aulas remotas nas que darei presencialmente. (Professor regente)
Fazer a mediação entre profissionais e família já constitui um desafio em
tempos de trabalho presencial, no modo remoto as dificuldades e desafios são maiores.
Uma coisa boa foi manter o dia e horário de planejamento semanal, que na rede ocorre
às quartas-feiras. Realizar reuniões com os responsáveis também constituiu um
importante meio de estabelecer parcerias e laços entre família e escola. (Pedagogo da
unidade) (Diário de pesquisa de Líbia Busquet, 2020)
Estabelecemos durante esse primeiro ano de pandemia uma conversa entre pares,
fabricamos laços e trocas que impactaram nosso fazer pedagógico no chão da escola, a
EMPF se transformou em milhares de pedacinhos nas muitas telas de responsáveis,
estudantes e profissionais. Realizamos diversas reuniões e formações pedagógicas para
manter o contato entre escola e família. E esses fragmentos, a partir das telas, uniram-se
em novas práticas.
Desde a chegada a EMPF, mesmo com os muitos desafios enfrentados no início,
ali sentia existir uma equipe dedicada, com um modo outro de atuar com seus
estudantes ditos deficientes, onde o olhar era um ponto importante de partida. Pensamos
com Skliar (2019), o olhar como aquilo que se expõe de uma determinada posição,
revelando um valor de princípio.
A partir daquele primeiro dia, onde a autora foi atravessada por várias
experiências que se abririam a partir do encontro com uma unidade de ensino referência
na rede municipal de educação de Niterói, no trabalho com estudantes deficientes,
muitos outros momentos desafiadores ocorreram.
O surgimento da pandemia, que deslocou a todos, fez sair das zonas de conforto
e buscar modos outros de manter contato com os estudantes que frequentam a unidade.
As comunidades escolares e os responsáveis, mundo a fora, foram pegos de surpresa
pelo surgimento da pandemia de Covid e por todas as orientações da Organização
Mundial de Saúde (OMS), a qual recomendou o isolamento, em casos de suspeita de
contágio, bem como a realização de testes massivos e todo um distanciamento social
para a população em geral.
Este último ponto das recomendações da OMS atingiu de forma significativa
estudantes, responsáveis e professores dos diversos níveis de educação, trazendo a
princípio um sentimento de confusão, insegurança, dúvidas e angústias diante da
necessidade obrigatória de se manterem em suas residências, afastando-se dos espaços
escolares e, portanto, das múltiplas dinâmicas de interação social, as quais quase
sempre constituíram-se em um caminho para o desenvolvimento do ser humano,
especialmente os que estão em formação, como no caso de estudantes do ensino
fundamental.
Enfim, talvez quando for passada a pandemia, nossas escolas abrirão seus
portões, estudantes e profissionais irão voltar a percorrer seus corredores e a dar vida às
salas de aula, com seus mais variados movimentos corpóreos e de interações. No
entanto, as aulas não serão mais como antes, a tecnologia de algum modo estará cada
vez mais presente nas atividades pedagógicas e nos currículos, que sofrerão alterações e
adaptações. Porém, um desejo intenso é que nenhum recurso digital ou tecnologia
roube a sensibilidade do professor ao ensinar, alegria do estudante ao aprender
e a participação da família na vida escolar dos seus filhos.
Referências bibliográficas
DELEUZE, G. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
______. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 1988. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/0B2a3UynNKV2CUHhlSDROQm9qQUU/edit. Acesso:
21 mai. 2018
DIAS, Rosimeri de Oliveira. Fragmentos de diário de campo, escrita e devir texto. In:
CALLAI, Cristina; RIBETTO, Anelice (orgs.) Uma escrita acadêmica outra: ensaios,
experiências e invenções. 1ª edição- Rio de Janeiro: Editora Lamparina, 2016.
_______, Carlos. SKLIAR, Carlos. A escuta das diferenças. Porto Alegre: Mediação,
2019.
Organização:
Coordenação:
Comissão Organizadora:
Daiana Silva
Débora Madeira
Evelyn Montenegro
Juliana Peres
Sara Busquet
Tradução em Libras: Jadson Abraão
Apoio:
FAPERJ/ CNPq
Convênios:
UERJ/UNER-Argentina
Horário: 18 a 19:30
Espaço Virtual:
COLETIVIZAR... apresentação.
ENTRADAS...
Escuela Especial C.A.D.A. Centro de atención para discapacitados auditivos/ Rio IV- Argentina
Escuela Especial María del Carmen Amaya / San José de la Dormída y Escuela Especial Arnaldo
Solsona / Villa de María del Río Seco- Argentina
ABERTURAS...
Prof. Dr. Carlos Skliar
FLACSO-CONICET