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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

Bianca Tolino Chaves


Danieli Della Flora
Rochelle da Fonseca Oliveira

DA ESCRITA À ORALIDADE:
Desmistificando histórias únicas

SANTA MARIA, RS
2022
BIANCA TOLINO CHAVES
DANIELI DELLA FLORA
ROCHELLE DA FONSECA OLIVEIRA

DA ESCRITA À ORALIDADE:
Desmistificando histórias únicas

Relato de experiência apresentado ao curso de


Letras - Lic - Hab. Português e Literatura da
Língua Portuguesa da Universidade Federal de
Santa Maria como requisito para obtenção de
nota bimestral. O relato de experiência
refere-se a uma oficina de leitura proposta na
disciplina de Didática II, a qual foi dinamizada
no I.E.E Olavo Bilac em uma turma do 1º ano
do ensino médio.

Professor(a): Dra. Vaima Regina Alves Motta

SANTA MARIA, RS
2022
Bianca Tolino Chaves, Danieli Della Flora e Rochelle Oliveira.

“Quando nós rejeitamos uma única única história, quando percebemos que nunca
há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós conquistamos um tipo de paraíso.”
Chimamanda Adichie

Desenvolver atividades em sala de aula que priorizem a oralidade, é fundamental para a


construção da educação cidadã dos alunos, pois envolve o saber escutar e dialogar e, sobretudo, a
capacidade de expressar criticamente o que se pensa. Sob esse viés, a proposta da nossa oficina de
leitura surgiu, indo ao encontro das observações do contexto realizadas na escola determinada.
A turma em que dinamizamos a oficina contempla o 1º ano do ensino médio de uma escola
estadual urbana no centro de Santa Maria - RS. Durante as observações, notamos que o professor
regente sentia dificuldades em obter a interlocução ativa dos alunos em diferentes momentos da
aula e em desenvolver atividades específicas que contemplassem essa prática social, questão a qual
ele próprio nos relatou reconhecer. O que notamos foi uma lacuna existente entre a pergunta do
professor e a resposta dos alunos. Assim, o professor, ao responder uma atividade em conjunto com
a turma, buscava compelir, sem sucesso, as respostas da turma. Ainda assim, a turma-foco
apresentavam ter uma boa desenvoltura em trabalhos em grupos. Ao discutirmos posteriormente,
chegamos a conclusão de que essa lacuna se devia não por falta de interesse e nem por falta de
capacidade da turma, mas sim pela ausência de bons estímulos que fizessem o grupo chegar até a
aprendizagem esperada. Se o planejamento busca estimular o pensamento crítico, a oralidade e a
socialização dos alunos, ao faltar esses três pontos cruciais, a responsabilidade pende à prática
docente, visto que é papel do professor repensar suas aulas se estas apresentarem alguma lacuna na
sua prática, a fim de atender as lacunas e necessidades que impulsionem a melhora do grupo.
Assim, foi diante disso que surgiu a ideia de proporcionar um primeiro contato da turma com essa
modalidade de atividade, por meio da leitura do livro “O perigo de uma história única”, da autora
Chimamanda Adichie, com a finalidade de propiciar o engajamento discente, juntamente com
questões mediadoras para uma discussão crítica e apresentação oral coletiva sobre uma “história
única” e sua desmistificação.
Nesse sentido, nossa oficina teve como principais objetivos, proporcionar que os alunos:
contribuíssem com reflexões coletivas, trabalhassem em grupo colaborativamente, reconheçam a
relevância da diversidade cultural, étnica, social e econômica existentes, assim como os processos
da construção do texto escrito à oralidade, desenvolvessem a comunicação, postura interventiva,
pensamento crítico e criativo, se expressassem com clareza e objetividade e se envolvessem com as
discussões expostas pela turma.
É nessa perspectiva que compreendemos ser relevante compartilhar esse primeiro contato
com a experiência pedagógica em que teoria e prática se unem. Assim, foi essa a pergunta de
partida que buscamos responder durante a elaboração desse relato de experiência: A oficina de
leitura dinamizada proporcionou avanços na desenvoltura da oralidade dos alunos perante a
discussão acerca das “histórias únicas”?
Desse modo, podemos afirmar que dinamizamos a nossa oficina considerando a observação
realizada, visando a necessidade de proporcionar momentos onde os alunos utilizassem e
compreendessem a oralidade como uma prática social essencial para a sua formação cidadã,
respeitando sempre as singularidades de cada aluno. Na turma-foco havia 21 alunos matriculados,
mas somente 10 estavam frequentando as aulas no período em questão. Foi preciso 4 aulas de 50
minutos para a dinamização completa da oficina de leitura.
Na primeira etapa da dinamização da oficina, realizamos o que chamamos de pré-leitura ou
provocação. Inicialmente escrevemos no quadro a palavra "estereótipos" e perguntamos à turma o
que consideravam significar. Nesse momento houve uma certa resistência em responder a questão,
mas à medida que íamos insistindo e trazendo exemplos de situações reais em que a questão sobre
estereótipos poderia vir a surgir ou acontecer, algumas respostas iam surgindo, como:
“preconceito”, “julgamentos”, “generalizações erradas”, etc. Enquanto isso, registramos ao redor
da palavra "estereótipo", os demais significados que a turma trazia para a discussão e em seguida
trouxemos uma breve definição da palavra.
Na segunda etapa, dividimos a turma em dois grupos e apresentamos, por meio de dois
notebooks, um vídeo de uma palestra da autora nigeriana Chimamanda Adichie, sobre o que ela
denomina de “história única”, ou seja, juízos de valores, histórias disseminadas culturalmente pela
sociedade, que são contadas através de somente um ponto de vista, acerca de estereótipos e/ou
generalizações referentes a certas culturas, pessoas, grupos, gêneros, etc. No vídeo a autora relata
episódios da sua infância e juventude e traz exemplos de histórias únicas que ela conhece e/ou
presenciou como, por exemplo, a de que os mexicanos eram pessoas que estavam espoliando o
sistema de saúde, passando às escondidas pela fronteira e sendo presos, entre muitas outras. Em
seguida, distribuímos em xerox as páginas do livro de bolso “O perigo de uma história única”, da
mesma autora do vídeo assistido, que se trata da transcrição da palestra transmitida, juntamente
com uma atividade com seis questões de interpretação e compreensão do vídeo, direcionadas à vida
e experiência escritora e leitora da própria autora. Para a realização da atividade, pedimos para que
formassem grupos de até cinco integrantes para responderem, de forma oral, com a turma e
docentes mediadores. Nesta etapa houve bastante interação, a cada pergunta, um integrante de cada
grupo respondia oralmente para a turma o que haviam escrito, sem sequência, completávamos suas
respostas.
Na terceira etapa da atividade, entregamos um xerox do excerto do mesmo livro discutido na
etapa anterior. Neste execerto entregue, a autora Adichie relata sobre uma história única que ela
acreditava sobre o povo mexicano, mas que ao viajar para Guadalajara, sentiu-se envergonhada e
culpada, pois percebeu que também contribuía para a disseminação desses estereótipos, de um saber
generalizado e internalizado, representativo de uma cultura, nesse caso, em relação ao povo
Mexicano. Depois, lemos o excerto em conjunto e iniciamos uma discussão com a turma com base
em cinco questões, direcionadas, dessa vez, às “histórias únicas” trazidas tanto pela autora, quanto
por aquelas que conhecemos e que circulam em nossa sociedade. Nesse momento, cada uma de nós
ficou responsável por mediar, intercaladamente, as questões propostas, e juntas fomos
complementando as respostas dos alunos com informações e assuntos que ainda não tinham sido
aprofundados. Nessa etapa, a turma foi bastante colaborativa, contribuindo ativamente para o
debate. Percebemos, também, que compreenderam satisfatoriamente o texto e o seu conteúdo.
Na quarta etapa, começamos com a seguinte indagação: “Vocês já vivenciaram e/ou
presenciaram alguma história única?” e em seguida ouvimos e discutimos brevemente com a
turma sobre essas experiências. Posteriormente, propomos que os grupos produzissem um breve
texto, assim como o excerto selecionado da atividade anterior, sobre uma “história única” que
conhecem e circulam no seu meio social ou até mesmo que já vivenciaram/experienciaram.
Anunciamos, também, que o texto escrito serviria como um orientador para a atividade final, em
que os grupos deveriam apresentar, oralmente, as histórias únicas que produziram e que iriam
“desmitificar”. Para a produção do excerto, foi entregue de forma impressa e explicado oralmente
as orientações necessárias, como: definir um estereótipo/generalização como temática para a
história única, apresentar o contexto em que ocorre a história única (Onde? Quando? Com quem?) e
apresentar uma conclusão, a desmistificação acerca da história narrada (como foi o desfecho dessa
história única?). Durante a produção dos textos, íamos circulando entre os grupos, a fim de orientar
individualmente os grupos e resolver dúvidas. Ao final da aula os grupos deveriam entregar uma
cópia dos textos produzidos, e em seguida iríamos entregar e esclarecer as orientações e critérios
para a apresentação oral. Entretanto, ao final da aula, somente um grupo havia conseguido concluir
o texto e, por conta disso, foi necessário adequar a forma de entrega da atividade. Assim,
combinamos que a entrega poderia ser entregue via e-mail ou grupo da turma, no máximo dois dias
antes da próxima aula, para que pudéssemos organizar a apresentação na sala de vídeo. Nesta etapa
notamos que os grupos se dividiram por afinidade, o que de certa forma colaborou no desempenho
da produção, pois precisaram de um intenso diálogo até chegarem em um consenso do que seria
escrito. Além disso, pudemos observar que a não realização da entrega do texto durante o período
da aula, adveio da dificuldade de desenvolver a escrita, de definir a história que iriam narrar, visto
que solicitaram auxílio das nossas orientações para a produção da introdução e desenvolvimento do
texto. Apesar dessas dificuldades e obstáculos, apresentaram interesse e engajamento para a
realização da atividade.
Na quinta e penúltima etapa, levando em consideração a desenvoltura da turma, e a proposta
da oficina, que é explorar um contato inicial com atividades que envolvem a oralidade, decidimos
adaptar a apresentação final dos alunos. Ao invés de desenvolvermos uma apresentação oral mais
formal, na sala de vídeo, na frente da turma e com slides no projetor, optamos por uma apresentação
um pouco menos formal e que ia ao encontro da forma como estávamos trabalhando com a turma,
com a organização de uma roda de discussões. Nessa etapa, prezamos por deixar a turma se sentir
confortável, já que gostaríamos e precisávamos da colaboração dos alunos para a efetivação da
discussão. Ainda assim, foi preciso insistir, em alguns pontos, para que interagissem, entretanto,
suficiente para que eles relatassem suas histórias únicas e ainda exporem suas opiniões sobre o
assunto.
Na sexta e última etapa, a aula ficou reservada para o feedback coletivo, onde em um
primeiro momento expomos como avaliamos o desenvolvimento dos grupos durante as atividades, e
em segundo momento abrimos espaço para que eles avaliassem como a atividade os impactou.
Nessa etapa os alunos alegaram gostar das atividades dinamizadas, e que a proposta foi muito
proveitosa, pois além de poderem desenvolver a oralidade, foi possível discutir diversos assuntos
relevantes e necessários. Além do feedback coletivo, outro instrumento de avaliação que utilizamos
foi um quadro de rubricas composto por todos os critérios que apresentamos aos alunos. Dessa
forma, o professor regente pode aproveitar a nossa atividade como uma avaliação parcial dos
alunos.
Tendo em vista os aspectos observados e vivenciados na dinamização da oficina,
acreditamos que a atividade foi uma experiência de suma importância para o nosso crescimento
profissional, pois como professores em formação inicial, essas práticas didáticas em que há o
contato direto com a sala de aula, ampliam o nosso olhar para o ensino e aprendizagem, permitindo
que reflitamos acerca do encontro da teoria com a prática. No decorrer da atividade, nos deparamos
com alguns obstáculos que nos fizeram readaptar a sequência didática planejada e, apesar de não ser
algo esperado, foi enriquecedor pensar em outras alternativas para a atividade programada, nos
mostrando que nem tudo ocorre como no papel.
Ademais, cremos, também, que a oficina teve influência positiva no desenvolvimento
escolar da turma-foco, pois ao experienciar o contato com professores em formação, puderam tirar
dúvidas e conhecer o curso de Letras da UFSM, universidade a qual pertence e abrange o município
sede. Esse contato através da atividade de leitura e produção oral possibilitou que eles
experienciassem uma atividade diferente e pudessem exercitar diferentes tipos de gêneros textuais,
tanto o escrito quanto o oral.
Ao final das aulas, observamos que os alunos participantes da atividade mostraram interesse,
avançaram e desenvolveram suas habilidades críticas referentes ao tema “histórias únicas”.
Aderiram à temática proposta, a atividade e a produção oral coletiva, compartilhando conosco e
com os colegas, ao final, a síntese do que foi trabalhado durante as aulas.
Por fim, a partir da desenvoltura da turma durante durante o período de dinamização do
projetos, da produção escrita e oral, concluímos que os alunos foram ao encontro daquilo que
propomos inicialmente e do que a própria Chimamanda Adichie traz em seu livro: perceber que não
existe somente uma “história única” sobre algo, e que ao fazer isso, segundo a autora, se conquista
um tipo de paraíso. Portanto, quando rejeitamos histórias únicas, construímos histórias reais.

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