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PROCESSAMENTO DE

CARNES

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Secretaria da Agricultura e Abastecimento - SAA
Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA
Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL

PROCESSAMENTO DE
CARNES

Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos,


Márcia Mayumi Harada Haguiwara,
Eunice Akemi Yamada

CTC - ITAL
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Carnes
Instituto de Tecnologia de Alimentos

Campinas – SP
2015

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________________________________________________________
Coordenadores do Evento:
Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos
Márcia Mayumi Harada Haguiwara

Diretor Técnico de Divisão: Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos

Revisão de Vernáculo: Fabiana Sabadini Rezende Niglio

Foto da Capa: COZZINI - Chicago, IL USA - Catálogo de Equipamentos

Editoração: Fabiana Sabadini Rezende Niglio

Diagramação: Fabiana Sabadini Rezende Niglio

Endereço:
Centro de Tecnologia de Carnes – CTC/ITAL
Av. Brasil, 2880 – Caixa Postal 139 - Jd. Brasil
Campinas – SP CEP: 13070-178
Fone: (19) 3743 1880 e 3743 1886
Site: www.ital.sp.gov.br/ctc

Proibido a reprodução no todo ou em parte, sejam quais forem os meios empregados, sem
autorização prévia por escrito do Centro de Tecnologia de Carnes do ITAL.

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APRESENTAÇÃO

Os produtos embutidos destacam-se entre os de maior volume de produção


na indústria frigorífica, especialmente no Brasil, onde a categoria dos emulsionados,
representados especialmente por salsichas e mortadelas, encontra-se em constante
crescimento. Os avanços tecnológicos disponibilizam constantemente para a
indústria, novos ingredientes, aditivos e equipamentos, e até o uso de novas
matérias-primas. Estas inovações visam não só a otimização dos produtos sob o
aspecto econômico, como também atender à crescente demanda por qualidade,
com ênfase para a segurança dos consumidores, o que permite a comercialização
de produtos cárneos em todos os pontos do país.

Embora os embutidos incluam produtos cárneos criados há centenas de


anos com o principal objetivo de aproveitar integralmente as carnes, atualmente são
lançados novos produtos modificados para atender um mercado que exige
diversificação, segurança e benefícios à saúde.

Os constantes deslocamentos do setor produtivo de carnes no Brasil, que


inicialmente localizava-se na região sudeste, passando a seguir para a região sul e
hoje atingindo o centro - oeste e o norte do país, exigem mudanças na forma de
comercialização de numerosos produtos, que deixam, por exemplo, de ser
comercializados refrigerados e passam a ser distribuídos congelados para maior
segurança durante o transporte.

Todas as necessidades do setor produtivo e do mercado exigem constantes


atualizações dos profissionais envolvidos. Desta forma, os conhecimentos
aprofundados de todas as etapas relacionadas à produção de produtos cárneos,
desde a matéria-prima até a embalagem final, são de extrema importância.

Além dos embutidos são abordados nesta apostila outros aspectos que
envolvem os processos de injeção/marinação, cura, cominuição, ingredientes,
defumação, cozimento, etc, os quais podem ser aplicados no processamento de
presunto/apresuntado, rosbife e hambúrguer, dentre outros produtos

O conteúdo tem como foco principal fornecer os conhecimentos essenciais


à formação e atualização dos profissionais do segmento para desenvolverem,
modificarem, solucionarem problemas, enfrentando assim os desafios impostos pela

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nova ordem produtiva, que impõe constantes inovações tecnológicas e revisão de
conceitos. Desta forma, pretende-se contribuir para a crescente pujança do setor
frigorífico no país.

Os Autores

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CLASSIFICAÇÃO DOS EMBUTIDOS CÁRNEOS
José Ricardo Gonçalves
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

1 - HISTÓRICO
A origem do processamento de carnes é muito remota e teve seu início a partir do
momento em que a humanidade aprendeu a trabalhar com o sal como agente de
preservação.
Os embutidos, particularmente, estão entre as formas mais antigas de
processamento de carnes, consistindo em um conjunto de métodos, dentre os quais estão a
secagem, a salga, a defumação, a condimentação e o cozimento.
Alguns povos da Ásia Menor moíam carnes parcialmente desidratadas e faziam
embutidos com adição de condimentos. Mais tarde, os chineses aderiram a este processo e
vários tipos de embutidos foram produzidos 2000 anos antes da Era Cristã (BORGSTRON,
1976). A literatura também atribui aos antigos chineses a origem do cozimento, pois os
mesmos mantinham os seus porcos em casa como animais domésticos e durante um
incêndio acidental de uma das casas aprenderam que o porco assado era uma iguaria
(PEARSON e TAUBER, 1984).
Mesmo antes de ocorrerem os primeiros registros históricos, os gregos preparavam
um embutido parecido com o tipo frankfurter dos dias atuais, portanto não é surpreendente
encontrar na literatura antiga referências bem definidas sobre este assunto. O salame é
mencionado por muitos escritores gregos no período pré-cristão. Na Odisséia de Homero
(900 AC) é citada pela primeira vez a cocção de carnes em tripas naturais.
O termo inglês sausage é derivado do latim, salsus, que significa salgado ou,
literalmente, preservado. Este termo foi empregado primeiramente pelos antigos romanos
para denominar carne preservada pelo uso do sal. Eram grandes apreciadores dos
embutidos feitos com carne fresca de suíno e condimentado com cominho, louro e pimenta.
O produto tornou-se tão popular que chegou a ser identificado com os rituais nos festivais
anuais de orgia e obteve a condenação da primeira igreja cristã. Quando Constantino, O
Grande, passou a ser imperador de Roma e se converteu ao cristianismo, a igreja o induziu
a proibir tais festivais bem como o consumo de embutidos. A situação permaneceu assim
por vários reinados e finalmente foi revogada devido à protestos populares e à ocorrência
do mercado clandestino de embutidos.
Ainda existem situações análogas àquelas ocorridas com os embutidos na Roma
antiga, como a proibição da carne suína para os judeus e da carne bovina para os hindus
(RODRIGUEZ-REBOLO, 1998).

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Na Idade Média, a refrigeração artificial e os processos de preservação ainda não
tinham sido desenvolvidos. Mesmo assim, os embutidos eram fabricados comercialmente e
alguns tipos agradaram tanto que seus fabricantes ficaram famosos por toda a Europa. Um
embutido originário de Frankfurt, na Alemanha, ficou conhecido como frankfurter. Vários
tipos foram desenvolvidos em determinadas regiões européias devido às condições
climáticas locais e receberam denominações da origem. Climas frios deram origem às
variedades frescais (cruas ou defumadas). Climas mais quentes, como na Itália, parte Sul da
França e da Espanha, estimularam o desenvolvimento dos embutidos desidratados,
especialmente os diversos tipos de salame (italiano, milano, etc). Algumas lingüiças também
são conhecidas conforme a origem, dentre elas, a calabresa, a toscana e a portuguesa
(TERRA, 1998).
Com as importantes observações científicas realizadas no Século XIX, a indústria
de embutidos começou a adquirir capacitação tecnológica para o desenvolvimento de
produtos, tanto os artesanais como os de grande escala. O progresso foi acelerado a partir
do conhecimento sobre o efeito do tratamento térmico na preservação de alimentos,
publicado por Nicolas Appert em 1810, e pela construção dos primeiros compressores de
refrigeração em 1874 (BORGSTRON, 1976).
A moderna indústria de embutidos conta com embutideiras a vácuo, envoltórios
dos mais diversos tipos, estufas de cozimento/defumação programadas por computador,
instalações frigoríficas adequadas, embalagens e condimentos necessários para a
fabricação de produtos seguros e de fácil preparação para consumo. Estes são requisitos do
atual estilo de vida.

2 - PRINCÍPIOS TECNOLÓGICOS APLICADOS AO PROCESSAMENTO INDUSTRIAL


Vários princípios são aplicados ao processamento industrial de embutidos
proporcionando uma condição relativamente segura para o seu consumo. Também são
analisadas características organolépticas, dentre as quais, os efeitos do sal, pH, cura,
secagem, cozimento, defumação e da moagem,serão comentados a seguir.

3 - CURA
A cura consiste em uma série de transformações que a carne sofre devido à ação
de sais chamados de agentes de cura, basicamente uma mistura de cloreto, nitrito e nitrato
de sódio, ou simplesmente dos dois primeiros sais. O óxido nítrico (NO) formado reage com
a mioglobina resultando na nitrosomioglobina, um pigmento vermelho que após o cozimento
se transforma em nitrosohemocromo, este de cor rosada característica de produtos curados
cozidos. Geralmente o pH da carne fresca (5,4-5,7) favorece a formação de NO, assim

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como a elevação da temperatura. Porém, no processamento, a temperatura limite é a da
desnaturação da mioglobina, que ocorre ao redor de 60ºC.
A cor final do produto curado depende ainda da proporção em que sais de cura e
mioglobina são misturados. Quando a redução do custo de produção industrial é feita em
função da redução de carne (e, portanto de mioglobina), poderá haver necessidade de
suplementação com sangue estabilizado (hemoglobina) ou corante natural (carmim de
cochonilha). Em certos casos, a tonalidade marrom pode ser causada pela alta percentagem
de metamioglobina entre os pigmentos resultantes da cura. Quantidades de 0,12 a 0,20 g de
nitrito são suficientes para nitrificar 1 kg de músculo (TERRA, 1998).
Além de ser responsável pelo desenvolvimento da cor e aroma, a cura é parte
essencial da formulação para inibir o crescimento de microrganismos (POTTER e
HOTCHKISS, 1998). A preocupação maior é com o Clostridium botulinum, bactéria capaz de
produzir uma toxina letal caso esteja presente na matéria-prima e encontre condições
favoráveis ao seu desenvolvimento.
Embora a cura seja originalmente um agente de preservação, as modificações
recentes com o objetivo de agilizar o processamento industrial (“curas rápidas”) podem
resultar na necessidade do uso da estocagem sob refrigeração para melhor assegurar a
preservação de certos produtos.

4 - MOAGEM E MISTURA
A subdivisão da matéria-prima em partículas é a principal transformação causada
pela moagem. A operação proporciona melhor homogeneização do produto final e maior
exposição das proteínas. O aumento da área superficial também promove a distribuição da
contaminação microbiológica inicial, antes mais restrita à superfície da matéria-prima,
potencializando a deterioração do produto final com maior rapidez.
A moagem é importante no processamento de embutidos de massa grossa, como
a lingüiça e o salame, cujas texturas são caracterizadas pelo tamanho de partícula. Durante
a operação, temperaturas relativamente baixas ajudam na obtenção de partículas com
forma geométrica mais definida e evitam o esmagamento da gordura. Já os embutidos de
massa fina (geralmente emulsionados) necessitam de maior grau de subdivisão de
partículas para melhorar a extração de proteínas solúveis em sal (miofibrilares) e a formação
do completo encapsulamento das partículas de gordura (“emulsão cárnea”).
A mistura é uma operação tradicionalmente utilizada para melhorar a
homogeneidade dos diversos componentes da formulação que já estão previamente moídos
ou nas dimensões desejadas para a mistura.
A moagem e a mistura são duas operações distintas, mas quando o equipamento
utilizado é um triturador do tipo facas (cutter), podem ser executadas no mesmo

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equipamento, desde que todos os ingredientes sejam adicionados seqüencialmente e em
tempo hábil. A observação é pertinente tanto para massa fina como para massa grossa
(KUTAS, 1984).

5 - COZIMENTO E PASTEURIZAÇÃO
Durante o cozimento, as primeiras alterações físicas evidenciam-se com a
coagulação das proteínas na superfície da carne e com a mudança da cor vermelha para
cinza ou marrom acinzentado.
A mioglobina, hemoproteína que constitui 90% do total dos pigmentos da carne, é
uma das proteínas mais estáveis ao tratamento térmico. Em solução aquosa a 80oC (ou
mais) e em pH 5,5-6,0 permanece no seu estado original, enquanto na carne precipita-se a
60-70oC (LEDWARD, 1979).
A desnaturação e as mudanças na solubilidade têm uma função mais importante
no processamento de embutidos emulsionados, como a salsicha e mortadela. Durante a
desintegração, a gordura é envolvida pelas proteínas miofibrilares, especialmente a miosina,
formando uma emulsão cuja estabilidade é de algumas horas ou de até um dia. Com o
cozimento, ao redor de 65-70oC, as proteínas são coaguladas e mantêm a gordura em
suspensão, estabilizando a emulsão por um período prolongado (PEARSON e TAUBER,
1984). Já o colágeno, uma proteína presente no tecido conjuntivo, apresenta um tipo de
alteração indesejável, pois quando submetido a 60oC sofre uma contração pronunciada. Se
a temperatura for superior a 65oC, começa a gelatinizar e após o resfriamento do produto,
libera os glóbulos de gordura, trazendo inconvenientes no aspecto prático (CANHOS e
DIAS, 1983).
O cozimento também exerce uma função importante na destruição de
microrganismos eventualmente presentes na matéria-prima. A redução da população
contaminante depende da magnitude do tempo e da temperatura utilizadas no processo de
cocção. Geralmente, quando o objetivo principal é desenvolver as características
organolépticas, a temperatura utilizada é inferior a 100oC e o cozimento equivale a um
tratamento térmico brando, como na pasteurização (ROMANS et al., 2001). Deste modo, o
produto não é esterilizado e o efeito do calor permite apenas o prolongamento da sua vida
útil. Após o cozimento, o manuseio adequado e a estocagem sob refrigeração são
essenciais para prevenir a recontaminação e retardar o crescimento de microrganismos
sobreviventes no produto.

6 - DEFUMAÇÃO
Quase 300 componentes químicos identificáveis na fumaça são os responsáveis
pela preservação, aparência, odor e sabor característicos dos embutidos defumados. Dentre

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estes componentes estão os ácidos orgânicos, fenóis, álcoois e alguns hidrocarbonetos
policíclicos, incluindo-se o benzopireno, um carcinogênico em potencial (WILSON, 1981).
A ação preservativa está fundamentada em duas etapas. A primeira é a secagem
parcial da superfície do produto, minimizando a umidade favorável ao crescimento de
microrganismos. A outra consiste na deposição superficial de agentes bacteriostáticos,
presentes na fumaça (ROMANS et al., 2001). No processo de defumação a frio, a
temperatura da estufa pode ser mantida ao redor de 50ºC para a secagem, antes da
introdução da fumaça. A evolução da temperatura no interior do produto é relativamente
lenta e atinge valores da ordem de 32-33ºC. É um processo utilizado para o
desenvolvimento de características sensoriais, principalmente em produtos sensíveis, como
os de pescado. Deve-se observar com atenção o controle do processamento, pois as
condições poderão favorecer o crescimento de microrganismos e comprometer a qualidade
do produto. Às vezes, a defumação é combinada com o cozimento e a temperatura da
estufa pode ser de até 90ºC (WILSON, 1981). Quando a temperatura interna do produto
atinge 52oC e permanece estável por 18 a 24h, o processo é considerado satisfatório
(especialmente em produtos de origem suína), desde que o cozimento seja realizado antes
ou após a defumação. Em várias ocasiões, a defumação é preferencialmente utilizada para
o desenvolvimento do aroma, sabor e outras características, e não como um agente de
preservação. Portanto, quando o cozimento é dispensado, o produto deve atingir a
temperatura interna mínima de 58oC para assegurar a destruição de possíveis parasitas do
gênero Trichinella, na carne suína (POTTER e HOTCHKISS, 1998).
Uma ampla variedade de madeiras pode ser utilizada, exceto aquelas com forte
odor, como o pinho. No passado, o carvalho foi muito utilizado no Reino Unido. A
preocupação com os componentes carcinogênicos levou ao desenvolvimento do método de
defumação com fumaça líquida, a qual contém um nível muito reduzido de benzopireno e
alcatrão. O líquido é obtido através da condensação da fumaça natural a partir da
combustão controlada de madeiras (ROMANS et al, 2001). O método dispensa a instalação
do gerador de fumaça e permite melhor controle da quantidade e composição da fumaça
quando aplicada ao embutido, seja na forma de aspersão (spray), de mistura direta na
massa cominuída ou imersão no líquido (WILSON, 1981).

7 - FERMENTAÇÃO E SECAGEM
São processos aplicados com freqüência na fabricação de salame, ocorrendo em
sua etapa inicial, a fermentação e o desenvolvimento das características sensoriais do
produto. Posteriormente, vem a etapa de secagem, que concentra os componentes do sabor
e reduz a disponibilidade de água, inibindo o desenvolvimento de microrganismos
(CASSENS, 1994).

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O principal subproduto da fermentação é o ácido láctico, que fornece sabor
característico ao produto e é produzido pela ação das bactérias sobre os açúcares. Nos
primeiros dias após o embutimento, há maior chance de alterações microbiológicas devido à
contaminação inicial da matéria-prima, mas consegue-se a estabilidade na medida em que o
pH é reduzido e a desidratação ocorre. O prolongamento da vida útil depende do efeito
combinado do pH, da atividade de água (devido à secagem) e da presença de sal e nitrito.
Geralmente, os embutidos secos não são cozidos e passam por um longo período
de secagem. Já os semi-secos são desidratados em tempo mais breve e fermentados sob
temperaturas ambientais (10-25ºC, podendo ser curados, defumados e cozidos, conforme as
características desejadas). Após a defumação recebem um aquecimento gradual até que a
temperatura interna atinja 60ºC para inativar as bactérias lácticas e determinar o pH final
(WILSON, 1981). Ambos apresentam certa estabilidade à temperatura ambiente,
principalmente quando a relação sal/umidade é alta e o pH está entre 5,0-5,2 (TERRA,
1998).
Como em todo processo de preservação, a qualidade do embutido depende do tipo
e características da matéria-prima (composição centesimal, aspectos físico-químicos,
tamanho de partícula, etc.), dos ingredientes e do envoltório, todos considerados fatores
intrínsecos. No aspecto extrínseco, a dependência está nas condições de temperatura,
umidade relativa e velocidade do ar na câmara climatizada. As condições existentes devem
ser dirigidas e controladas criando facilidades para o crescimento dos microrganismos de
interesse e inibindo ou retardando a atividade daqueles indesejáveis em termos de
qualidade (TERRA, 1998).

8 - TIPOS DE EMBUTIDOS
A definição do termo sausage abrange uma grande variedade de embutidos com
diferentes teores residuais de umidade, que vão dos secos ou semi-secos aos frescais (alto
teor umidade), curados ou não. Dentre os secos ou semi-secos, os mais conhecidos são os
salames e o pepperoni. Os frescais são representados pelas lingüiças de frango, suína,
mista, toscana, calabresa, portuguesa e outras, além de alguns tipos de salsichão (TERRA,
1998).
A definição também contempla as diferenças no grau de cominuição, pois
enquanto os embutidos secos ou semi-secos e frescais são do tipo massa grossa, os
emulsionados geralmente são caracterizados pelo alto grau de subdivisão das partículas
dos seus componentes e considerados do tipo massa fina, como as salsichas e mortadelas.
Outra variedade conhecida é a de embutidos fermentados, nos quais a
fermentação é encorajada pela incubação de culturas starter. O processo de fabricação

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consta de uma seqüência de operações envolvendo princípios tecnológicos importantes e
geralmente está associado à cura, maturação e secagem.
Uma clara distinção é feita entre os embutidos cozidos e não cozidos. O
tratamento térmico também pode ser feito com a defumação sob temperaturas mais
elevadas. Neste grupo estão incluídos os emulsionados de massa fina como as salsichas e
mortadelas, os quais geralmente são curados. Em alguns casos as matérias-primas são
previamente cozidas, com exceção do sangue, fígado e toucinho. Uma vez elaborados são
novamente cozidos e, opcionalmente, defumados. São exemplos mais comuns as salsichas
de fígado e os embutidos de sangue conhecidos como morcelas (RODRIGUEZ-REBOLO,
1998).
Uma das formas de classificação dos embutidos está baseada nos princípios
tecnológicos aplicados no processamento. Geralmente, boa parte dos produtos consegue
agregar mais de um desses princípios, como por exemplo, as salsichas e mortadelas, que
são embutidos cozidos e emulsionados, geralmente curados e de massa fina
(opcionalmente defumados). O paio é um embutido cozido, curado, defumado e de massa
grossa. Por outro lado, os salames e o pepperoni têm características de embutidos
fermentados e secos, geralmente curados e de massa grossa. As lingüiças frescais são
embutidos não cozidos e de massa grossa, geralmente curadas (opcionalmente
defumadas).

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9 – BIBLIOGRÁFIA CONSULTADA
BORGSTRON, G. Principles of Food Science. Connecticut: Food and Nutrition Press,
1976, v. 1, 397 p.

CANHOS, D.A.L.; DIAS, E.L. Tecnologia de carne bovina e derivados. São Paulo:
Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia, 1983.

CASSENS, R.G. Meat Preservation. Preventing Losses and Assuring Safety. Connecticut:
Food and Nutrition Press, 1994, 133 p.

KUTAS, R. Great sausage recipes and meat curing. The Sausage Maker. New York,
1984, 494 p.

LEDWARD, D.A. Meat. In: PRIESTLEY, R.J. Effects of Heating on Foodstuffs. England
:Applied Science. 1979, p. 121-157.

PEARSON, A.M; TAUBER, F.V. Processed Meats. 2.ed. Connecticut: AVI Publishing,
Westport, 1984. ; p. 121-157.

POTTER, N. N.; HOTCHKISS, J. H. Food Science. 5. ed. USA: Aspen, Maryland, 1998. 608
p.

RODRIGUEZ-REBOLLO, M. Manual de industrias carnicas. Madrid: Publicaciones Tec.


Aliment.AS.España, 1998.
ROMANS, J. R.; COSTELLO, W. J.; CARLSON, C. W.; GREASER, M. L.; JONES, W. J. The
meat we eat. Illinois: Fourteenth Ed. Interstate Publishers, 2001, 1112 p.

TERRA, N.N. Apontamentos de Tecnologia de Carnes. Santa Maria, Unisinos, 1998,


216 p.

WILSON, N.P.R. Meat and Meat Products. Factors affecting quality control. England :
Applied Science, 1981,207 p.

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IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DAS MATÉRIAS-PRIMAS CÁRNEAS NO
PROCESSAMENTO DE EMBUTIDOS
Expedito Tadeu Facco Silveira
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

1 - INTRODUÇÃO
O complexo agroindustrial de carnes investe em inovações tecnológicas buscando
melhor eficiência no setor produtivo e atendendo às exigências crescentes do mercado
consumidor. O desafio na produção de carnes é combinar, adequadamente, os aspectos
qualitativos e quantitativos, objetivando garantir a viabilidade econômica da indústria de
carne.
O expressivo volume de carne produzida, (111,998 milhões de toneladas (suínos),
85,532 milhões de toneladas (aves), e 67,543 milhões de toneladas (bovinos) (FAO, 2007))
associado ao compromisso de atingir o mercado consumidor num curto período de tempo,
modificou marcadamente a tecnologia empregada no processo de abate e no
gerenciamento da qualidade e quantidade do produto industrializado.
O Brasil apresenta grande potencial neste setor, porém é necessário atingir um
maior desenvolvimento tecnológico para minimizar as variações decorrentes da produção de
animais, das técnicas de abate e de processamento, visando atender à crescente atenção
em nível mundial na qualidade da carne.
Entre os aspectos relacionados com a qualidade da carne destacam-se os
toxicológicos, nutricionais, higiênicos, sensoriais e de processamento. Nesta revisão será
dada maior atenção aos aspectos sensoriais e àqueles relacionados à tecnologia de
processamento.

2 - MERCADO DE EMBUTIDOS
A indústria de embutidos representa um importante segmento na industrialização
de carnes.
Em relação à comercialização de produtos industrializados, o mercado sinalizou
um aumento no ano de 2006. O maior volume de vendas em 2006 foi de linguiça, com 309,7
mil toneladas, seguida de salsicha/salsichão e mortadela com 198,4 mil toneladas e 177,4
mil toneladas, respectivamente (BOURROUL e PARMIGIANI, 2007).
As duas categorias de produtos cárneos que superaram a marca de R$ 1 bilhão de
vendas foram a linguiça e a mortadela, sendo que a linguiça lidera com R$ 1,96 bilhões no
valor de venda, bem à frente da mortadela que fechou 2006 com faturamento de R$ 1,08
bilhão. A mortadela alcançou o maior crescimento percentual em relação às vendas do ano
anterior, com 17,5% (BOURROUL e PARMIGIANI, 2007).

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A tabela 1 ilustra o volume comercializado de produtos cárneos em 2006. Os
embutidos apresentaram uma significativa evolução no consumo e lideraram a lista das 12
categorias, ultrapassando o consumo de 1 kg per capita no ano de 2006 para linguiça,
salsicha/salsichão e mortadela (1,94, 1,243 e 1,111, respectivamente) (BOURROUL e
PARMIGIANI, 2007).
O preço acessível de algumas marcas, a praticidade no preparo e o valor protéico
desses produtos contribuem para essa evolução no consumo, tornando-os parte do hábito
alimentar de uma parcela considerável de consumidores brasileiros. O volume
comercializado de um embutido é determinado pelos principais diferenciais entre os
fabricantes, ou seja, a qualidade, o preço e a apresentação do produto.

Tabela 1. Volume comercializado de produtos cárneos em 2006 (em 1.000 Kg).


Categoria Volume Variação 2005/ 2006

Linguiça 309.720 12,9%


Salsicha/salsichão 198.424 11,2%
Mortadela 177.408 17,9%
Presunto 79.002 20,9%
Empanado 56.432 9,2%
Hambúrguer 51.167 6,2%
Apresuntado 40.689 10,4%
Salame 15.158 11,7%
Bacon 5.440 -3,6%
Almôndega 2.658 -2,4%
Maturado 2.646 20,2
Quibe Congelado 2.541 -3,2%
Fonte: ACNielsen, citado por Bourroul e Parmigiani, 2007

3 - CONCEITO DE QUALIDADE DE CARNE


Os embutidos surgiram no Brasil a partir da imigração das famílias alemãs e
italianas, que trouxeram, entre vários costumes, as receitas desses produtos tradicionais.
Com o passar do tempo esses produtos sofreram alterações em função da evolução dos
processos industriais e exigências do mercado competitivo (FURTADO, 2000).
As exigências pela qualidade da carne provocaram mudanças que envolveram
toda a cadeia produtiva, promovendo melhorias na genética, nutrição, manejo e adequação
das linhas de abate (NORTHCUTT, 1997). Apesar de grandes avanços nos últimos anos,
constatou-se aumento nos defeitos relacionados à qualidade da carne, requerendo maior
atenção por parte da indústria (QIAO et al., 2001).

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A qualidade de um produto pode ser definida pelo consumidor como o conjunto de
atributos que satisfaçam ou até mesmo que superem as suas expectativas. É um conceito
complexo, pois varia conforme a região, classe sócio-econômica, cultura do consumidor e
com o estágio de desenvolvimento tecnológico do setor. Esse conceito pode variar de
acordo com o mercado a que o produto se destina.
Ao considerar o mercado de carne fresca, o consumidor moderno busca atributos
relacionados à apresentação do corte, à cor e à aparência de corte magro (relação entre
carne magra e gordura), pois o produto selecionado deve atender aos conceitos de dieta,
saúde, conveniência e preço. Estes requisitos são importantes na decisão de compra e sua
continuidade dependerá dos aspectos envolvidos no preparo (como perda de líquidos no
descongelamento e na cocção) e degustação (maciez, suculência e sabor).
O investimento no conceito de bem-estar animal, manejo pré-abate (sistemas de
embarque, transporte, desembarque, insensibilização) e pós - abate (técnicas de sangria,
resfriamento e desossa) pode assegurar a obtenção da qualidade requerida pelo
consumidor (SILVEIRA, 1997; BERG e WALTERS, 1983).
O conceito de qualidade da carne destinada à industrialização de produtos cárneos
envolve aspectos econômicos (rendimento do processo, vida útil do produto), sensoriais e
nutricionais. Assim, as variações nos teores de umidade, proteína, gordura, pigmentos,
capacidade de retenção de água e de ligação da carne devem ser minimizadas para garantir
a obtenção de um produto processado que atenda aos requisitos para esse mercado.
A elaboração de um produto cárneo de boa qualidade requer ainda informações
adicionais sobre as matérias-primas cárneas tais como, incidência de carne PSE (pálida,
flácida e exsudativa) e DFD (escura, firme e ressecada na superfície), pH, relação
gordura/carne e odor sexual, qualidade sensorial e de estabilidade comercial, objetivando
cumprir os requisitos de legislação, além de apresentar custo compatível à comercialização
do produto (TAKAHASHI, 1993).

4 - TIPOS DE MATÉRIAS-PRIMAS
As matérias-primas tradicionalmente utilizadas para processamento são
geralmente músculos esqueléticos (LEITE, 1989) provenientes de diversas espécies
animais, como bovinos e suínos em especial, e também, para certos fins, de ovinos,
caprinos, equinos, aves e pescado (PARDI, et al., 1995).
Do ponto de vista tecnológico, a seleção da carne empregada na industrialização
de um produto cárneo deve levar em consideração o grau de maturação, pH, cor e
capacidade de retenção da água. O grau de perecibilidade, os riscos que podem acarretar à
saúde e as condições higiênico-sanitárias analisadas também deveriam ser objeto de
disposição regulamentar (PARDI, et al., 1995).

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O crescimento e a diversificação da indústria avícola mudaram a participação
percentual de seus produtos no mercado brasileiro. Assim, o frango inteiro que predominava
no passado passou a participar do mercado de cortes e produtos processados (50%, 45% e
5%, respectivamente, MENDES et al., 2002). Como a velocidade da linha de cortes de
frango é alta, a carne remanescente no dorso e o pescoço são separados mecanicamente,
resultando a CMS (carne mecanicamente separada) que é amplamente utilizada em
produtos cárneos, principalmente emulsionados. A carne de aves é a que permite maior
diferenciação de produtos nos últimos tempos, portanto ganha destaque entre as matérias-
primas cárneas, principalmente devido às propriedades tecnológicas e ao custo mais
conveniente.
Assim, o embutido de carne bovina e de veado apresenta coloração vermelho
escura. Embutidos que contêm vitela, frango ou coelho são de coloração clara.
Arganosa, Manzano e Arganosa (1975) formularam embutidos frescos e
demonstraram a eficiência na substituição parcial da carne suína por carne caprina. Estes
autores reportaram que os produtos obtidos não apresentaram diferenças significativas
entre a textura, aceitação global e presença de sabor e aroma estranhos. Nesta linha de
pesquisa, Berry, Cross e Smith (1990) concluíram que a presença de aroma e sabor
característicos presentes na carne de caprinos podem ser reduzidos quando se incorpora
carne suína e bovina na formulação de embutidos frescos.

5 - RENDIMENTO DE DESOSSA DE CARCAÇA BOVINA E SUINA

As tabelas 2 e 3 contêm o rendimento de desossa de carcaça bovina, das carnes


que não fazem parte da carcaça e dos subprodutos comestíveis, respectivamente.
O mercado de carne bovina fresca consiste na comercialização no varejo,
principalmente do traseiro especial e de uma proporção de cortes do dianteiro, produzindo
os retalhos magros, que podem ser aproveitados como matéria-prima na fabricação de
linguiças, observadas as exigências legais.
Constituem matérias-primas de origem bovina para processamento: uma proporção
variável de cortes do dianteiro, a ponta de agulha, as carnes que não fazem parte da
carcaça e os subprodutos comestíveis, como a carne da língua, carnes da cabeça,
diafragma, lombinho, esôfago.

23
Tabela 2. Rendimento de carcaça bovina do cruzamento Angus X Vacas Zebu.
Carcaça resfriada (250 kg)
Traseiro especial Dianteiro Ponta de agulha
2 X 60 = 120 kg 48% 2 X 45 = 90 kg 38% 2 X 20 = 40 kg 14%
Corte sem osso, aparado (kg) Corte sem osso, aparado (kg) (kg)
Filé 4,0 Acém 13,6 Carne 28,6
Contra-filé 15,2 Pescoço 12,8 Gordura 3,8
Alcatra 11,6 Cupim 2,4 Ossos 6,6
Coxão mole 16,3 Peito 5,4
Coxão duro 10,0 Paleta 14,4
Patinho 10,0 Músculo 5,8
Lagarto 4,6 Retalhos 3,2
Capa e aba 3,6 Gordura 7,8
Músculo 7,4 Ossos 12,1
Retalhos 11,6
Gordura 9,4
Ossos 13,3
Fonte: Dados cedidos por Pedro Eduardo Felício (comunicação pessoal, 2008)

Tabela 3. Rendimentos de um boi (Angus X Vacas Zebu) com peso médio de 470 kg vivo,
em carnes que não fazem parte da carcaça e subprodutos comestíveis.
Descrição
Peso (kg)
Carne industrial ou de matança
Carne de cabeça 2,6
Sangria 1,8
Fraldinha 1,2
Lombo 0,8
Outras 0,9
TOTAL 7,3
Subprodutos comestíveis
Fígado 5,0
Coração 1,4
Língua 1,2
Rabo 1,4
Miolo 0,4
Rins 0,7
TOTAL 10,1
Fonte: Dados cedidos por Pedro Eduardo Felício (comunicação pessoal, 2008).

O mercado de carne suína fresca varia em função da região. Assim, nos Estados
de São Paulo e Minas Gerais predomina o mercado de carcaça mais leve, ou seja, aquela
pesando entre 60 e 70 kg, com uma espessura de toucinho variando entre 15 a 18 mm.
As carcaças destinadas ao processamento, idealmente são provenientes de
animais mais pesados, variando entre 80 a 100 kg e espessura de toucinho costo lombar
variando entre 18 a 22 mm. A Tabela 4 ilustra o rendimento de desossa de uma carcaça
suína cujos cortes podem ser destinados à industrialização de produtos cárneos.
Similarmente aos bovinos, as carnes que não fazem parte da carcaça, bem como os

24
subprodutos comestíveis, também constituem importantes matérias-primas para
processamento (Tabela 5).

Tabela 4. Rendimentos de 20 carcaças suínas com peso médio de 88,3 Kg.


Cortes Com Osso (Kg) Sem Osso (Kg)
Pernil 21,1 13,7
Carré 13,6 7,5
Paleta 10,9 7,1
Sobrepaleta 7,1 4,1
Barriga 11,9 6,9
Ponta de Peito 2,9 1,4
Antebraço 1,6 0,7
Perna 3,0 1,6
Fraldinha 3,5 1,6
Filé mignon -- 1,3
Carne 45,6
Pele 3,8
Gordura 17
Ossos 10
Fonte: Silveira et al., 2007.

Tabela 5. Matérias-primas de origem bovina e suína para processamento.

Bovina Suína
Bovina/suína
Cortes do dianteiro Cortes da carcaça

Carne de cabeça e
Paleta e músculo Pernil e lombo
bochecha
Acém e pescoço Diafragma e esôfago Paleta e copa
Peito Coração, língua, fígado Barriga e costela
Retalhos de desossa Papada e retalhos
Aparas gordas Toucinho e outras gorduras
Miolo Focinho, pele, pés e orelhas
Bucho Estômago
Fonte: Silveira et al., 2007.

As matérias-primas destinadas ao processamento são constituídas basicamente de


tecido muscular, adiposo e água. As reações bioquímicas, químicas e físicas que envolvem
seu processamento são complexas e ainda não foram totalmente esclarecidas, pois
dependem das características de origem (espécie animal, porção muscular, etc.),
tecnológicas (resfriada, congelada e pré-rigor), composição (umidade, gordura e proteína) e
outras avaliações (pH, cor, capacidade de retenção de água e teor de pigmentos) que irão
determinar a qualidade final do produto processado (LEMOS e YAMADA, 2002).

25
6 - SELEÇÃO DAS MATÉRIAS-PRIMAS

Os embutidos podem ser classificados em frescos, fermentados/secos e cozidos.


Os frescos são aqueles em que o período de consumo varia de 1 a 6 dias. Os
fermentados/secos são embutidos crus submetidos a um processo de desidratação parcial
para favorecer a conservação por um tempo mais prolongado. Já os cozidos, são os
submetidos a um tratamento térmico em estufa ou em água (ROÇA, 2008).
A escolha da matéria-prima varia de acordo com a característica final requerida no
produto.
Assim, para o salame (embutido fermentado/seco) a preferência é por carne
proveniente de animal mais velho devido ao menor teor de umidade e maior pigmentação
(PARDI et al., 1995). Quando se deseja uma coloração vermelha mais escura no salame
substitui-se a carne suína pela bovina nas formulações, pois possui maior teor de
mioglobina.
Quanto ao pH final das carnes suína e bovina utilizadas no processamento de
salames, recomenda-se a faixa variando entre 5,4 e 5,8, considerada normal para as
espécies citadas, e que permite adquirir estrutura aberta em que as fibras musculares se
retraem devido ao suco exsudado. Esse suco acumula-se nos espaços interfibrilares,
aumentando o volume da peça e melhorando a penetração de sal e sais de cura. Outra
consequência é a maior perda de umidade durante os processos de defumação e
dessecação. Essas condições facilitam a conservação do produto e reduzem o perigo
microbiológico.
Segundo Prändl et al. (1994), carnes com pH elevado (pH > 6,2) do tipo DFD
(escura, firme e seca) podem prejudicar o abaixamento de pH em alguns embutidos,
favorecendo a multiplicação de bactérias deteriorantes. Por outro lado, o uso de grandes
quantidades de carne PSE (pálida, flácida e exsudativa), que possuem baixo pH (pH < 5,4),
pode acarretar defeitos de dessecação no produto final por uma rápida perda de umidade,
além de tornar a cor do produto mais clara que a tradicional.
Neste contexto, a qualidade das matérias-primas é de fundamental importância no
processamento de produtos cárneos para que haja rendimento no processo, qualidade do
produto final, estabilidade e viabilidade comercial. Assim, serão abordados nesta revisão os
aspectos qualitativos das matérias-primas: relação gordura e carne magra; relação umidade
e proteína; capacidade de retenção de água; capacidade ligante; índice de cor; valor de pH;
além das anomalias de qualidade mais frequentes.

26
7 - RELAÇÃO GORDURA E CARNE MAGRA
Devido à preocupação em se controlar os níveis de gordura, seja para cumprir os
limites da legislação, ou para atingir a padronização do produto final, determina-se a relação
gordura/carne magra. Assim, nos países em que as carnes industriais são padronizadas,
são oferecidas informações com base no teor de carne magra/teor de gordura (Tabela 6)
combinado com as respectivas cotações na comercialização diária.

Tabela 6. Carnes para industrialização (matérias-primas) oferecidas no mercado americano.

Carne bovina desossada Carne suína desossada


Carne bovina desossada 90% carne
Retalho extra magro (geralmente 90%)
magra
Retalhos 85/90% carne magra Retalho 80% carne magra
Retalhos 75/85% carne magra Retalho 50% carne magra
Retalho do osso do pescoço (geralmente
Carne importada de touro 90%
20%)
Carne importada de vaca 90% Papada sem pele (geralmente 10%)
Fonte: SAVELL e SMITH, 1998.

Para compor uma formulação de salsicha com 25% de gordura, partindo de retalho
bovino com 20% de gordura (A = 80: 20) retalho suíno com 50% de gordura (B = 50: 50),
pode-se usar a seguinte regra prática ilustrada na Figura 1, conhecida como quadrado de
Pearson (PEARSON e TAUBER, 1984).

20 25 25/30 = 0,833

25

50 5 5/30 = 0,167
30
Resultado: Se 100 Kg de matéria-prima cárnea devem ser usados para
processamento, necessita-se de 83,3 kg de retalho bovino 80:20 (20% gordura) e 16,7 kg de
retalho suíno 50:50 (50% gordura)

Figura 1. Quadrado de Pearson para obter as quantidades de duas matérias-primas de


composição diferente de gordura, necessárias para compor a matéria-prima total com uma
composição intermediária de gordura.

27
A gordura é o componente mais variável em carne processada. Ela é
extremamente importante porque afeta o sabor, textura, vida útil e o lucro. Os tipos de
gordura diferem na composição de ácidos graxos, que diferem quanto ao número de
carbonos e número de ligações insaturadas na cadeia carbônica. A combinação de
comprimentos diferentes de cadeia e diferentes números de ligações insaturadas conferem
aos ácidos graxos propriedades variadas e características à gordura. Com a diminuição do
comprimento da cadeia mais a insaturação, o ponto de fusão diminui (líquido à temperatura
ambiente). Ligações insaturadas têm maior influência no ponto de fusão por serem mais
susceptíveis à quebra pelo calor que as ligações saturadas. Esta maior susceptibilidade das
duplas ligações à quebra é importante em carne processada durante a produção de
embutidos emulsionados e na sua vida útil (sabor e odor atípicos).
Todos os tipos de gordura podem ser incorporados em embutidos, mas em geral
prefere-se a gordura da carcaça. Deve-se prevenir a oxidação e eliminar qualquer tipo de
impureza e odor. A quantidade de gordura adicionada depende do tipo de embutido e do
conteúdo de gordura da carne usada na fabricação. O papel da gordura varia de acordo com
o tipo de embutido. No embutido emulsionado, a gordura participa formando a estrutura
característica do produto. Em embutidos crus, a gordura contribui com o sabor, aroma e
consistência específicos deste tipo de produto.

8 - RELAÇÃO UMIDADE E PROTEÍNA


A composição da carne é importante para a composição final do produto. A carne
magra por si é relativamente constante na composição, mas os cortes cárneos que incluem
gordura externa, além de outros, são altamente variáveis conforme apresentado na Tabela
7.
Tendo em vista a maneira decisiva com que a capacidade de retenção de água
influencia na textura e na estabilidade do produto final, é importante conhecer a relação
umidade/proteína (U/P) de embutidos cárneos (ALENCAR, 1994). A relação gordura/carne é
importante na emulsificação da gordura e está relacionada com a capacidade de ligação da
carne. A quantidade de gordura da carne usada em produtos de carne cominuída é
influenciada pelo tipo de carcaça, corte ou tipos de aparas usadas. Há um limite na
quantidade de gordura usada para não afetar a capacidade de ligação da carne, conforme
exposto na Tabela 8.
Devido à quantidade máxima permitida no produto final (salsicha = máximo de 65%
de umidade no produto final, (BRASIL, 2000)), cada ingrediente tem os teores de proteína e
umidade analisados.

28
Tabela 7. Teores de umidade, proteína, gordura (g/100 g) e relação U:P para algumas
matérias-primas cárneas.
Matéria-prima cárnea Umidade Proteína Gordura Relação U:P

Carne de touro 70,7 20,8 8,0 3,4


Frango (peito) 73,8 23,3 1,2 3,16
Papada 69,6 19,5 10,0 3,57
Frango (coxa) 73,1 18,5 6,4 3,95
Retalho bovino magro 57,6 16,9 25,0 3,41
Bochecha 66,4 18,5 14,5 3,59
Carne de cabeça suína 57,9 16,1 25,0 3,60
Fraldinha 35,0 9,9 54,0 3,54
Retalhos suínos 36,0 9,6 54,0 3,77
CMS (frango) 66,6 14,5 17,6 4,59
Coração 64,1 14,9 20,0 4,30
CMS (peru) 73,3 13,5 11,5 5,43
Gordura suína 16,1 4,2 79,0 3,83
Estômago 75,5 12,8 11,0 5,9
Fonte: JUDGE et al., 1989.

Tabela 8. Características de carnes bovinas para embutidos.


Porcentagem Capacidade Capacidade Porcentagem
Matéria-prima
de gordura corante emulsionante de proteína
Dianteiro 8,0 – 10,0 0,95 – 1,0 1,00 19,0 – 20,8
Fígado 9,0 0,80 0,00 20,7
Bucho 11,0 0,05 0,10 12,8
Pulmão 12,0 0,75 0,05 17,5
Carne de vitela 5,0 0,90 0,80 16,8
Retalhos 15,0 0,90 0,85 18,9
Retalhos 25,0 0,85 0,80 16,9
Bochecha 15,0 0,90 0,85 18,3
Língua 20,0 0,25 0,20 15,5
Aparas de língua 40,0 0,15 0,15 12,6
Focinho 20,0 0,05 0,20 15,9
Coração 21,0 0,90 0,30 14,9
Ponta de agulha 23,0 0,80 0,75 15,8
Obs.: Os números que expressam as capacidades de cor e de emulsionamento são valores relativos que variam de zero a um.
** Valores médios, podendo variar com a época de abate e a idade e composição do animal.

9 - CAPACIDADE DE RETENÇÃO DE ÁGUA (CRA)


Grande parte da umidade procede da carne magra, porém, ocorre a adição de
água em muitos produtos por parte do fabricante. A adição de água tem a função de
melhorar a maciez e a suculência do embutido emulsionado e, quando adicionada sob a
forma de gelo, auxilia na manutenção da baixa temperatura durante a emulsificação.

29
Neste contexto, a CRA é uma propriedade de importância fundamental em termos
de qualidade tanto para a carne destinada ao consumo direto, como para a carne destinada
à industrialização. Pode ser definida como a capacidade da carne de reter sua umidade ou
água durante a aplicação de forças externas como cortes, aquecimento, trituração e
prensagem. Entretanto, durante uma aplicação suave de qualquer um desses tratamentos,
há certa perda de umidade, pois uma parte da água presente na carne encontra-se na forma
livre.
A quantidade de água livre ou ligada deve ser expressa em relação ao total de
água, ou melhor, em relação à quantidade de carne muscular ou de proteína muscular.
Entende-se por absorção de água a entrada espontânea de água na carne provocando um
aumento no volume e no peso (PRÃNDL et al., 1994).

Perda por gotejamento na carne crua. A perda de água tem origem na variação
do volume das miofibrilas induzidas pela queda do pH no pré-rigor mortis e pela ligação dos
filamentos de miosina e actina em rigor, quando ocorre o encolhimento das miofibrilas
devido à queda do pH. A desnaturação das proteínas pode contribuir para redução da CRA,
particularmente quando ocorre uma rápida queda do pH no pré-rigor mortis. Os fluídos são
expelidos e acumulados entre os feixes de fibras. Quando o músculo é cortado, estes fluídos
são drenados para a superfície pela ação da gravidade, formando um líquido viscoso não
retido pela ação da capilaridade. Os métodos mais usados na mensuração da perda por
gotejamento preocupam-se em conservar a integridade do músculo amostrado, mantendo-o
em uma posição que evite forças externas senão a de gravidade.

Perda por cozimento da carne. Durante o aquecimento, diferentes proteínas da


carne são desnaturadas dependendo da variação da temperatura (37-75 ºC). A
desnaturação causa mudanças estruturais grandes, destruindo as membranas, ocasionando
encolhimento transversal e longitudinal das fibras musculares, agregação das proteínas
sarcoplasmáticas e encolhimento do tecido conjuntivo. Todos estes eventos, particularmente
a mudança no tecido conjuntivo, resulta em perdas no cozimento. As condições de
cozimento devem ser muito bem definidas e controladas, principalmente a velocidade de
aquecimento e o ponto final da temperatura interna no centro da amostra.
Nos embutidos emulsionados, a ligação da água com a gordura ocorre por meio
das proteínas solúveis em água e em solução salina. Na emulsão da carne, as proteínas
solúveis dissolvidas na fase aquosa atuam como agentes emulsionantes, recobrindo todas
as partículas de gordura dispersas.
Para que a emulsão cárnea seja estável, é necessário que as proteínas estejam
dissolvidas ou solubilizadas. As proteínas miofibrilares (actina e miosina) são insolúveis em

30
água e em soluções salinas diluídas, mas são solúveis em solução salina mais concentrada.
Uma das funções mais importantes do sal nas emulsões de embutidos é solubilizar estas
proteínas na fase aquosa, para que estejam em condições de recobrir as partículas de
gordura (2% de sal na massa de carne é adequado, 3% é um pouco mais efetivo e acima de
3% poderá haver restrições quanto à palatabilidade). O sal e a trituração causam ruptura
das paredes celulares e as proteínas solúveis em sal são extraídas.
Já para os embutidos secos é indicada a perda de água.
O tecido muscular esquelético de animais é considerado uma carne com alto CRA.
Já as carnes de cabeça e de ponta de agulha são consideradas como CRA médio. As
carnes com CRA baixas contêm elevada proporção de gordura ou tecido muscular liso,
como os retalhos de suínos, a papada, a gordura do pernil, a carne da ponta de agulha e a
porção costelar. Na Tabela 9 estão as matérias-primas com CRA alta, média, baixa e
inferior.

Tabela 9. Matérias-primas segundo as categorias de CRA.

Alta Média Baixa Inferior

Carne desossada Carne de cabeça Coração bovino


de touro bovina
Traseiro bovino Ponta de agulha Carne de esôfago Bucho
bovina bovino
Pescoço bovino Retalhos suínos Diafragma bovino Estômago suíno
(20-25% de
gordura)
Carne desossada Recorte de suíno Carne da língua Pele
de vaca extra magro bovina
Paleta suína Carne de cabeça Retalhos suínos Beiço
desossada suína (50% gordura)
Retalhos magros Papada Coração suíno
suínos
Carne de aves sem Vitela desossada Coração ovino Tecidos suínos
pele desengordurados
Peito bovino Gordura do pernil
suíno
Braço bovino Ponta de agulha Fígado
ovina

Fonte: RODRIGUEZ-REBOLLO, 1998.

Carnes que apresentam alta CRA são recomendadas para a produção de


embutidos emulsionados.

31
10 - CAPACIDADE LIGANTE OU BINDING CAPACITY
Em processamento de carnes, normalmente o termo binding engloba tanto a
capacidade da carne para ligar pedaços ou fragmentos uns aos outros (ex: produção de
presunto cozido), como a capacidade de emulsificar gorduras (ex: salsicha) e conferir
estabilidade à emulsão. Somente se mantém a estabilidade quando a quantidade de
proteínas solúveis em solução salina e coaguláveis for suficiente e quando existir
temperatura adequada para envolver totalmente as partículas de gordura numa mistura
homogênea, uma vez que o produto é extremamente suscetível à quebra da emulsão,
liberando gordura durante o cozimento. Para assegurar a quantidade suficiente de proteína
com estas características na formulação, cada ingrediente é avaliado na sua capacidade
ligante ou de binding.
Esta característica de qualidade pode ser medida quimicamente extraindo-se as
proteínas da matéria-prima cárnea numa solução salina fraca, e expressando a proteína
solúvel na solução como uma porcentagem do peso da amostra original. Geralmente esta
análise não é efetuada na indústria, pois apenas uma idéia do teor destas proteínas é
suficiente para permitir a formação de uma emulsão estável. O valor do Índice de ligação ou
de binding é dado numa escala de 0 a 100, considerando que o teor dessas proteínas da
carne de touro bovino seja 100, e as outras carnes recebam valores proporcionais aos seus
teores nessas proteínas solúveis em solução salina e termocoaguláveis. Genericamente, os
tecidos que apresentam o índice de bind ≥50 são chamados de binders (ligadores) e os
tecidos ou ingredientes que apresentam o índice de bind < 50 de fillers (enchedores). A
Tabela 10 ilustra estes índices para alguns tecidos animais.

Tabela 10. Índices de ligação ou bind de matérias-primas cárneas comercializadas nos


Estados Unidos.

Índice de ligação
Tecido animal Tecido animal Índice de bind
ou bind
Ponta de agulha cranial
Carne de touro desossada 100 55
desossado
Ponta de agulha caudal
Carne de vaca importada 100 50
desossado
Carne da nuca 95 Papada sem pele 35
Paleta suína 90 Coração bovino 20
Carne suína
Cordeiro desossado 85 parcialmente removida 20
de gordura
Carne de cabeça bovina 85 Baço bovino 20
Carne de pescoço bovino 85 Língua suína 20
Bochecha bovina 85 Bucho 10

32
Carne de esôfago 80 Gordura suína 5
Retalho do pescoço suíno 70 Gordura bovina 5
Fonte: Savell e Smith, 1998.

Em relação à capacidade de ligação ou binding, as matérias-primas podem ser


classificadas em: alta, média, baixa e muito baixa (Tabela 11).
As carnes magras, derivadas da musculatura esquelética da carcaça, possuem alta
capacidade de ligação ou binding. Algumas destas carnes, por razões de estresse do animal
pré e durante o abate podem apresentar anomalias que afetam a capacidade de ligação ou
bind. Assim, pode-se ter a condição DFD (carne escura, firme e ressecada na superfície)
comumente encontrada em bovinos e suínos e condição PSE (carne pálida, flácida e
exsudativa) constatada principalmente em suínos.
Os músculos que não fazem parte da carcaça, como os da cabeça, em geral são
de média capacidade. As matérias-primas com baixa capacidade de ligação geralmente
contêm uma elevada proporção de gordura e/ou colágeno (papada suína, peito bovino) ou
são derivadas de músculos não esqueléticos (coração, esôfago e retalhos de língua). O
conteúdo de colágeno (tecido conjuntivo) varia nos diferentes músculos e mesmo dentro do
mesmo músculo. O colágeno é importante em produtos processados porque as fontes de
carnes magras mais baratas tendem à grandes quantidades de tecido conjuntivo. Se uma
quantidade muito grande de tecido conjuntivo está presente no produto cárneo processado,
pode-se ter falhas ou um impacto negativo na textura do produto final.
Há ainda as matérias-primas que praticamente não contribuem no que se refere à
capacidade de ligação ou binding; em geral são subprodutos constituídos de musculatura
lisa e/ou colágeno, como o bucho e os beiços de boi, o focinho e a pele de suínos.
Denominam-se essas matérias-primas de enchedores ou extensores. Embora o valor
nutritivo de algumas dessas matérias-primas seja elevado, o uso desses extensores em
embutidos é limitado em baixas percentagens, para não prejudicar a qualidade dos
produtos.

Tabela 11. Classificação das matérias-primas cárneas quanto à capacidade de binding.

Alta Média Baixa Muito baixa (Enchedora)

Dianteiro magro Carne de cabeça Retalhos gordos Bucho


Paleta suína Ponta de agulha Peito bovino Beiço de boi
Retalhos magros Músculo Coração Estômago de porco
Carne de aves s/ pele Carne industrial Fígado
Fonte: Judge et al., 1989.

33
As carnes com alta capacidade de ligação ou binding são basicamente oriundas da
musculatura esquelética, rica em proteínas miofibrilares. As carnes com baixa ou muito
baixa capacidade de ligação ou binding são oriundas de outros músculos que não os
esqueléticos, e de modo geral possuem menor proporção de proteínas miofibrilares e maior
proporção de proteínas do tecido conjuntivo (colágeno).
As proteínas miofibrilares (solúveis em soluções salinas) possuem excelentes
propriedades de emulsificação e conferem estabilidade à emulsão. As proteínas do
colágeno são capazes de reter água durante o processo de emulsificação no cutter, mas se
gelatinizam no cozimento, ocasionando separação da gordura, podendo resultar em quebra
da emulsão. As proteínas hidrossolúveis, classe a que pertence a mioglobina, não
contribuem para o binding, porém são importantes para a cor curada dos produtos cárneos.
Existem vários métodos empíricos para determinação do índice de ligação ou
binding, nos diferentes tipos de carne. Estes métodos normalmente são realizados em
equipamentos de escala laboratorial e deve-se ter cautela na transferência dos resultados
para a realidade da fábrica. Pode-se citar como exemplo, o método desenvolvido por Swift,
em que se coloca a carne em uma solução salina dentro de um homogeneizador de
laboratório de alta velocidade, adiciona-se gordura suína derretida, até quebrar a emulsão;
quanto maior a quantidade de gordura adicionada, maior é o índice de ligação ou binding.
A relação umidade: proteína (U: P) das matérias-primas cárneas constitui um bom
indicador da capacidade de ligação ou binding. Em geral, as carnes com baixa relação U: P
possuem maior capacidade de ligação ou binding. É o caso da carne de marruco (touro
velho), que possui relação U: P=3,48 (73/21), se comparada à carne do acém suíno (copa)
com U:P=3,85 (60/15,6), ao coração bovino, com U:P=4,3, ou ao bucho bovino, com
U:P=5,9. A Tabela 7 apresentada anteriormente ilustra o teor de proteína, umidade e
gordura, bem como as relações U:P para algumas carnes.
Normalmente as carnes provenientes de desossa a quente apresentam maior
índice de ligação ou binding.
Além da relação U : P, a capacidade de retenção de água (CRA) é bastante
importante para a qualidade da matéria-prima cárnea processada. A carne durante o
processamento precisa, além de reter a água intrínseca, reter a água adicionada durante o
processamento.
Os retalhos gordos de suínos, coração, peito bovino, enfim, as carnes com
capacidade de ligação ou binding baixa ou muito baixa, contêm relativamente uma grande
quantidade de água livre e relação U:P variada devem ser utilizados com cautela nas
formulações de embutidos, principalmente nos emulsionados.

34
11 - ÍNDICE DE COR
A cor da carne é o mais importante atributo de qualidade que influencia na
aceitabilidade de produtos cárneos e nas decisões de compra pelo consumidor (MANCINI e
HUNT, 2005).
A cor que o consumidor associa como desejável em carnes de boa qualidade
depende da espécie. Para frangos, perus e suínos in natura, o róseo-acinzentado é
considerado normal e, nos produtos a base de carne bovina e ovina, o vermelho brilhante é
a cor mais comumente aceita (CARPENTER, CORNFORTH e WHITTIER, 2001).
Deve-se salientar que outros fatores podem influenciar nas variações da cor da
carne como os extrínsecos e intrínsecos, a temperatura, disponibilidade de oxigênio,
exposição à luz, embalagem, tipo e crescimento de microrganismos na superfície, e, o sexo,
raça, idade, antioxidantes endógenos, tipo de músculo e metabolismo, velocidade de
declínio do pH post mortem e pH final da carne, respectivamente (RENERRE e LABAS,
1987; RENERRE, 1990; YIN e FAUSTMAN, 1993).
Mittal (2005) considera mais importante determinar a concentração de mioglobina
em um determinado músculo do que a espécie animal que o originou, pois os fatores
expostos anteriormente (genéticos e ambientais, adicionados de exercício físico e dieta)
podem influenciar de forma efetiva a concentração de mioglobina nos cortes. Alem desses
fatores, o tratamento pós-abate pode promover alterações significativas na concentração de
mioglobina e hemoglobina. Bekhit e Faustman (2005) relataram que as bases bioquímicas
da cor vermelha da carne estão bem estabelecidas e dependem essencialmente, da
concentração e estado de oxiredução da mioglobina, hemoglobina e do citocromo C.
No entanto, como a hemoglobina é praticamente perdida durante a sangria, e
contribui com aproximadamente 6 a 16% do total de pigmentos cárneos, a mioglobina é o
principal pigmento responsável pela cor da carne (KRZYWICHI, 1982; O´KEEFFE e HOOD
1982; HUNT, SORHEIM e SLINDE, 1999).
A mioglobina é uma proteína globular formada por uma cadeia polipeptídica, de
massa molecular 16,8 KD, contendo 153 aminoácidos. Sua porção protéica denomina-se
globina e o constituinte cromóforo responsável pela absorção da luz e da cor é uma porfirina
denominada heme (FENNEMA, 2000).
Na formação do pigmento da carne curada influenciam o tempo, a temperatura do
produto e a presença de oxigênio. O desenvolvimento da cor de cura nos embutidos é
relativamente lento em temperaturas de refrigeração, mas acelera ao elevar-se a
temperatura do produto durante a cocção (ROÇA, 2008).
O pigmento formado (nitroso hemocromo) é instável e oxida a metamioglobina
dando à carne uma aparência pálida. Esta mudança é acelerada com um aumento do
fornecimento de oxigênio ou intensidade de luz (ROÇA, 2008).

35
A cor final do produto curado depende da mistura de quantidades convenientes dos
sais de cura com a mioglobina, existente na carne. A cor observada nos produtos curados é
obtida devido à formação do pigmento nitrosilmioglobina, resultado da reação da mioglobina
com o óxido nítrico proveniente da redução do nitrito. É necessário que se entenda o
conjunto de reações que envolvem o nitrito para que se possa compreender a formação e
estabilidade da cor dos produtos curados.
O nitrito poderá ser adicionado diretamente ou ser obtido através da redução do
nitrato pela ação de bactérias redutoras. Atualmente o nitrato é adicionado somente em
processos de cura longa.
Segundo a dinâmica da cor dos produtos cárneos, no caso de carnes frescas,
define-se pela quantidade relativa das três formas de mioglobina: mioglobina em seu estado
reduzido (Mb) de cor vermelho-púrpura, oximioglobina (O2 Mb) de cor vermelho brilhante e
metamioglobina (MetMb) de cor marrom.
No processamento da maioria dos produtos curados, durante a trituração, ocorre
uma incorporação de ar, oxigenando os tecidos, fazendo com que na adição dos
ingredientes para cura, a oximioglobina esteja predominantemente presente. Inicialmente o
nitrito irá transformar a oximioglobina e a mioglobina em metamioglobina devido a um
processo de oxidação. Subsequentemente, esta reage com o ácido nítrico formando o
complexo nitrosilmetamioglobina. Pela ação de enzimas redutoras, agentes redutores, como
ascorbato de potássio, ou grupos sulfídricos, liberados durante o tratamento térmico, ou pela
reação direta da mioglobina com óxido, ocorrerá a redução da nitrosilmetamioglobina
originando a nitrosilmioglobina. A cor vermelha brilhante presente nos produtos curados
antes do tratamento térmico é devido a nitrosilmioglobina. Os pigmentos nitrosil-heme são
instáveis e podem voltar às suas respectivas formas originais.
Para estabilizar a cor utiliza-se a desnaturação térmica da parte protéica da
mioglobina, aquecendo sob temperaturas entre 50 e 60°C, em que se originará um pigmento
róseo brilhante mais estável, denominado nitrosohemocromo. Para avaliar numericamente
as variações de cor, diversos autores utilizam colorímetros e indicam os valores no sistema
L* a* b*. Esse sistema é um padrão internacional para medidas de cores, adotado pela
Commission Internationale d’Eclairage (CIE) em 1976, originalmente desenvolvido para criar
ou transferir imagens computacionais. Seus parâmetros são indicados através de um valor
de L*, o qual indica luminosidade: quanto maior o valor de L*, mais clara é a sua coloração,
com escala de 0 a 100. Os valores de a* (de verde a vermelho) e b* (de azul a amarelo) são
os dois componentes cromáticos e estes modelos são amplamente utilizados para
alimentos.
Neste sentido, a aceitação dos produtos emulsionados depende do teor de
mioglobina presente na matéria-prima cárnea e da intensidade da reação de cura, em que a

36
mioglobina é convertida em nitrosomioglobina e após cocção, em nitrosilhemocromo. O teor
de mioglobina presente em uma determinada matéria-prima cárnea pode ser determinado
quimicamente através de extração com uma solução aquosa de acetato. Este tipo de análise
não é realizado rotineiramente na indústria porque uma estimativa prática da quantidade é
suficiente para formular um produto com coloração aceitável. Desta forma, para cada
músculo pode-se atribuir um número que varia de 0 a 100, o qual está relacionado ao teor
de mioglobina da carne de touro, à qual se atribui arbitrariamente o valor 100, enquanto
outras carnes recebem valores relativos, proporcionais ao teor de mioglobina (Tabela 12).
Estes valores são denominados índice de cor do músculo específico.
Os valores do índice de cor de algumas matérias-primas cárneas estão
apresentados na Tabela 12, em relação à carne de touro a qual se atribuiu o valor 100.

Tabela 12. Índice de cor para algumas matérias-primas cárneas comercializadas nos
Estados Unidos.

Índice de Índice de
Tecido animal Tecido animal
cor cor

Ponta de agulha cranial


Carne de touro desossada 100 65
desossado
Ponta de agulha caudal
Carne de vaca importada 95 65
desossado
Baço 95 Papada sem pele 60
Bochecha bovina 90 Coração bovino 55
Carne suína parcialmente
Cordeiro desossado 85 15
removida de gordura
Coração suíno 85 Baço bovino 15
Carne de pescoço bovino 85 Língua suína 10
Pescoço suíno 80 Bucho 10
Paleta suína 80 Gordura suína 5
Retalho do pescoço suíno 75 Gordura bovina 5
Fonte: SAVELL e SMITH, 1998.

Segundo Oliveira, Araujo e Borgo (2005), os sais de nitrito, além de conservarem a


carne em relação à deterioração bacteriana, são fixadores de cor e agentes de cura. Seus
efeitos adversos são representados principalmente pela metamioglobina tóxica e pela
formação de nitrosaminas. Seu uso é discutível devido à possibilidade de originar
compostos nitrosos de ação carcinogênica (LEITÃO, 1978)

12 - VALOR DE pH
O pH final das matérias-primas cárneas tem estreita relação com a capacidade de
ligação ou bind e com a CRA dessas matérias-primas, portanto influencia na estabilidade da

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emulsão e consequentemente, no rendimento do processo e na vida útil do produto. Carnes
com valores de pH mais próximos da neutralidade (acima de 6,0) são mais suscetíveis à
deterioração microbiana que as carnes com pH menores. Existe uma relação entre o pH da
carne e a sua CRA. Uma carne com pH próximo de 5,2 está no ponto isoelétrico das
proteínas, isto é, no ponto em que os números de cargas positivas e negativas se igualam,
portanto, tem carga zero, as proteínas são mais insolúveis e apresentam a menor CRA.
Abaixo deste pH, as cargas positivas predominam, causando repulsão, e acima do ponto
isoelétrico, ocorre o predomínio de cargas negativas, também causando repulsão e
elevando a CRA.
As funções nos músculos normais não cessam repentinamente após a morte do
animal na sangria. Ao contrário, várias mudanças físicas e químicas ocorrem após algumas
horas ou mesmo dias. Imediatamente após a morte, por algum tempo os mesmos
mecanismos aeróbios do animal vivo mantêm-se no músculo, até que todo o oxigênio do
sistema se esgote. Em bovinos e ovinos este período é de 6 a 12 horas, em suínos 1 a 4
horas, peru e pescado menos de 1 h e frango menos de ½ h. Em seguida, inicia-se o
processo do rigor mortis pelo acionamento do ciclo anaeróbico. Neste ciclo, a substância de
reserva energética, o glicogênio, passa a se transformar em ácido lático (glicólise). Devido
ao acúmulo deste ácido lático, o pH do músculo cai de um valor inicial superior a 7,0 para
níveis entre 5,4 e 5,7. Em condições tradicionais, em bovinos o rigor-mortis demora cerca de
24 horas, em suínos cerca de 6 a 8 horas e em aves 2 horas. Com este processo
bioquímico o músculo se transforma em carne, evidenciado pelo enrijecimento do músculo
ou rigor mortis.
A carne de animais adultos, bem alimentados, é preferida para a produção de
embutido fermentado cru. O uso de carne resfriada com um baixo pH é mais adequado. O
uso de carne bovina é ligeiramente preferido para embutidos semi-secos, enquanto a carne
suína parece ser mais adequada para embutido seco.

13 - ANOMALIAS
As alterações bioquímicas que ocorrem no músculo após o abate de um animal
podem alterar a cor do produto, influenciar no sabor e na vida útil.
A carne DFD (escura, firme e seca) ocorre quando o animal é abatido em
condições de estresse com níveis baixos de glicogênio. Neste caso, a formação de ácido
lático é baixa e o pH permanece elevado. Com ocorrência mais comum em bovinos, as
carnes de pH elevado têm baixa estabilidade microbiológica, pois a maioria dos
microrganismos cresce bem em pH próximo à neutralidade (7,0). A carne DFD apresenta
maior retenção de água, superfície brilhante e pegajosa e cor vermelha escura. Acima de
pH 6,2 são considerados caracteristicamente DFD.

38
A carne DFD se caracteriza por ser escura, firme e seca, sendo um defeito de
qualidade cárnea observada em bovinos e suínos. A carne é pegajosa ao tato e absorve
lentamente os sais de cura. A carne DFD tem um pH alto em virtude das insuficientes
reservas de glicogênio no momento do abate. Assim, o pH é alto (maior que 6,0) e o
músculo possui um potencial oxi-redução baixo. Comparando à carne PSE indesejável pela
falta de atrativo durante sua comercialização, a carne DFD consiste em um problema mais
sério, por estar sujeita à maior risco de alteração microbiana. A ausência de glicose na
superfície das carnes DFD permite à microbiota atacar e degradar antes os aminoácidos,
dando lugar a compostos de odor intenso no processo de deterioração. Deste modo, as
carnes DFD são mais suscetíveis a alterações microbianas, não só no estado fresco, mas
também durante processos de cura (PRICE e SCHWEIGERT, 1994).
A carne DFD tem um pH final mais elevado, possui maior capacidade de retenção
de água, sendo de grande valor para a indústria processadora, porém, é de baixa aceitação
pelo consumidor por conta de sua aparência firme e escura, e superfície seca.
Quando o pH permanece inalterado após 24 horas do abate (pH ≥ 6,0), as
proteínas miofibrilares se encontram muito acima de seu ponto isoelétrico. Neste caso, a
capacidade de retenção de água está muito alta e a água se mantém dentro da célula, unida
às proteínas miofibrilares. Por isso, a luz incidente é pouco refletida, dando aparência
escura à carne.
Já a carne PSE (pálida, flácida e exsudativa), mais comum em suínos, é um efeito
colateral de melhorias genéticas em animais produtores com mais massa muscular em
detrimento à gordura (presença do gene Halotano). Em suínos suscetíveis, a formação de
ácido lático é muito rápida quando a temperatura da carcaça está quente, o que causa a
desnaturação das proteínas, com liberação de água. Uma carne nestas condições tem
aparência flácida, pálida e exsudativa. A carne cozida resultará seca e desagradável. O pH
final da carne suína PSE é similar ao da carne normal.
A possível existência de uma carne com característica PSE é confirmada pela
queda do pH, na primeira hora após o sacrifício, abaixo de 5,8 (PRÃNDL et al, 1994).
A causa fundamental de desenvolvimento da alteração PSE parece ser uma maior
velocidade da glicólise nos primeiros momentos post-mortem, quando a temperatura se
mantém alta. A queda do pH causa a desnaturação das proteínas sarcoplasmáticas que
precipitam sobre as proteínas miofibrilares, produzindo, assim, uma perda na capacidade de
retenção de água da carne, com perda de líquido (exsudação). O fator crítico parece ser a
queda rápida do pH para 5,3-5,4, quando o meio se mantém quente (38ºC). O estresse
imposto pelo transporte e pelo abate estimula a glicólise, causando uma queda rápida do pH
quando a temperatura corporal do animal está alta e, como resultado final, a apresentação
de uma carne PSE (PRICE e SCHWEIGERT, 1994).

39
A água livre do músculo PSE possivelmente influencia na cor, embora fique situada
entre as células musculares, e não no seu interior. Os tecidos que contêm uma grande
quantidade de água extracelular têm muitas superfícies que refletem totalmente a luz, mas
possuem uma capacidade limitada de absorção luminosa, diminuindo a intensidade da cor
(FORREST et al, 1979).
A desnaturação das proteínas sarcoplasmáticas é maior na carne PSE, como
consequência da combinação de um baixo pH e de uma temperatura elevada. Estas
proteínas precipitam sobre as miofibrilares, reduzindo a estabilidade e sua capacidade de
retenção de água. Em certa proporção, as proteínas miofibrilares podem resultar também
em uma desnaturação. A perda de transparência e cor pálida da carne se deve a
desnaturação parcial da carne (PRÃNDL et al, 1994).
Wirth (1986) resume as características da carne PSE (Quadro 1) e DFD (Quadro 2)
e apresenta as limitações de sua utilização na elaboração de produtos cárneos. Segundo o
autor, a carne PSE pode ser destinada até certo limite para a elaboração de alguns produtos
fermentados (presunto cru e salame seco) e certos tipos de produtos emulsionados
(salsicha tipo Frankfurt), mas é inadequada para a elaboração de presunto cozido e outros
produtos curados cozidos. A carne DFD pode ser utilizada para o processamento de
produtos emulsionados (salsicha tipo Frankfurt) e produtos curados cozidos (formulados
com 60% de carne normal para se obter uma coloração desejável, BARTON GADE, 1985),
porém não é recomendada para o processamento de produtos fermentados e secos.
Townsend et al., (1980) citado por Silveira (1997) investigaram a utilização de
carne suína PSE na elaboração de salame. Os resultados indicaram que o tempo de
secagem é reduzido em até 60% quando comparado ao produto formulado com carne suína
normal. Entretanto, pode haver o desenvolvimento de rancidez e perda de textura.
Kauffman et al., (1992) verificaram que pernis com características PSE, DFD e
normal apresentaram as seguintes perdas de peso quando submetidos às condições
comerciais de distribuição de carne refrigerada: 1,51%; 0,23% e 0,45%, respectivamente.
Durante o processamento (cura, defumação e resfriamento) as perdas de peso foram
maiores: 5,71%, 1,64% e 3,95%, para os pernis PSE, DFD e normal, respectivamente.
Carnes ácidas. Existe outro efeito também genético de carne suína que apresenta
pH final mais baixo que o normal. As carnes de suínos que portam o gene-RN têm pH final
mais baixo que as carnes de suínos sem o gene-RN. A carne RN tem uma capacidade de
retenção de água (CRA) mais baixa e cor mais pálida que carne não RN.
Gariépy, Riendeau e Pettigrew, (2000), relataram que as carnes ácidas estão
associadas ao gene de rendimento Nápole, da raça Hampshire, o que provoca uma
diminuição do rendimento tecnológico de produtos curados cozidos, em detrimento de
carnes suínas normais.

40
As carnes ácidas também estão associadas ao potencial glicolítico e afetam a
capacidade de retenção de água dos músculos ricos em fibras brancas, causando perda por
exsudação de 4% a 6% no resfriamento e cozimento (RÜBENSAN, 2000).

Quadro 1. Propriedades da carne PSE (pH1<5,4).

Propriedades Características

Maior perda por gotejamento (1 a 4% mais alta) em carne fresca;


Depósito de gelatina e gordura (3 a 5% mais alto) em produtos
Capacidade de
emulsionados; Rendimento (3 a 6% mais baixo) para presunto cozido;
retenção de água
Produtos assados e grelhados (perdas de peso variando entre 2 a 6%)

Absorção dos Aumento na absorção do sal e alteração na cor curada (esbranquiçada)


ingredientes de cura

Características
Sabor ácido acentuado
Sensoriais

A superfície úmida da carne fresca contribui às vezes para reduzir a


Vida útil
vida útil

Pode ser usada para o processamento de:

Desde que formulado com 30% de uma mistura de carne bovina e


Salame
suína normais, para evitar riscos durante o processo

Em pernis grandes a diferença da cor dos músculos é acentuada. O


Presunto crú produto às vezes se apresenta muito seco e deficiente em aroma

Recomenda-se formular com 20% de carne bovina e suína normais,


Salsicha Frankfurt
para favorecer o rendimento do processo

Inadequada para o processamento de:

Drástica redução do rendimento do processo (devido às elevadas


Presunto cozido perdas durante o cozimento e/ou maiores depósito de gelatina)

41
Quadro 2. Propriedades da carne DFD (pH24>6,2).

Propriedades Características

Menor liberação de água durante o tratamento térmico


Capacidade de retenção de
(vantajoso para salsicha Frankfurt, presunto cozido, assados
água
e grelhados. Produto suculento e mais macio.

Absorção dos ingredientes de Redução da absorção de sal em porções musculares maiores


cura e deficiente desenvolvimento e retenção da cor curada

Características Sensoriais
Ausência do sabor ácido

Redução da vida útil tanto para a carne fresca como para


Vida útil
produtos industrializados

Pode ser usada para o processamento de:

Recomenda-se formular com 40% de carne bovina e suína


Salsicha Frankfurt
normais, para estender a vida útil

Recomenda-se formular com 60% de carne suína normal,


Presunto cozido para melhorar a vida útil e retenção de cor

Inadequada para o processamento de:

Recomenda-se formular com carne normal e adicionar

Salame maiores quantidades de açúcar, para evitar riscos nos


estágios iniciais do processo de fermentação

Vida útil menor e riscos de processamento particularmente


Presunto cru
quando o pernil com osso é utilizado

Encurtamento pelo frio. Ocorre pelo aumento da concentração de cálcio no


espaço miofibrilar. Carnes de carcaças que atingem durante o resfriamento temperaturas
inferiores a 0ºC no centro do coxão, em tempo inferior a 10 horas, apresentam forte
predisposição ao encurtamento. Esta carne, após a cocção, é extremamente dura. Os
músculos vermelhos são mais propensos a este processo que os músculos brancos. A
utilização de carnes que sofreram este fenômeno resulta em menor rendimento de
processo.
A carne de ovinos e bovinos, quando armazenada em uma temperatura inferior a
14ºC durante os primeiros processos post mortem, quando o pH ainda é superior a 6,8,
apresenta uma forte predisposição à contração muscular intensa. Este fenômeno é
chamado de encurtamento pelo frio ou cold shortening. É mais intenso quanto mais próxima

42
a temperatura de resfriamento do ponto de congelamento. Esta carne, quando cozida,
apresenta-se extremamente dura.
No interior das grandes massas musculares este fenômeno é menos intenso. A
musculatura vermelha é mais suscetível a este processo que a musculatura branca.
Nestes músculos há liberação mais rápida e em maiores quantidades de íons
cálcio pelo retículo sarcoplasmático estimulado pelo frio excessivo. Outra causa pode estar
relacionada à paralisação da bomba de cálcio devido ao frio excessivo, impedindo que o
retículo sarcoplasmático retire cálcio do sarcoplasma, mesmo existindo ATP suficiente. Para
evitar este processo, deve-se controlar a temperatura de resfriamento das carcaças evitando
que a carne atinja temperatura igual ou inferior a 10º C dentro das primeiras 10 horas após o
abate de ovinos e bovinos.
Desta forma, deve-se reduzir a temperatura da carcaça logo após o abate para
retardar ao máximo a queda do pH e, principalmente, o desenvolvimento do rigor mortis,
evitando a formação de actomiosina e assegurando a maciez da carne.

Rigor por descongelamento. O fenômeno do encurtamento pelo frio pode ser


explicado pelas alterações do sistema lipoprotéico das membranas do retículo
sarcoplasmático em baixas temperaturas. As baixas temperaturas inativam a bomba de
cálcio e aumentam a permeabilidade das membranas do retículo sarcoplasmático e das
mitocôndrias ao cálcio. Com o aumento da concentração de cálcio no espaço miofibrilar,
juntamente com pequenas quantidades de ATP, inicia-se o processo de contração ou
encurtamento.
Os riscos do encurtamento e endurecimento da carne podem ser reduzidos com o
emprego da estimulação elétrica. A estimulação elétrica da carcaça após a morte do animal
é uma técnica útil para melhorar a qualidade sensorial da carne bovina, suína e ovina. Tem
como objetivo acelerar a queda do pH, esgotamento do ATP e o início do rigor-mortis, sendo
muito útil quando se pretende resfriar ou congelar rapidamente as carcaças.
Se a carne no estado pré-rigor for congelada, ao ser descongelada, endurecerá
intensamente. Durante o estado congelado as reações ficam interrompidas, porém ao
descongelar, as reações se desencadeiam abruptamente. Durante o descongelamento
ocorre uma forte ação da actomiosina-ATPase, provocando uma contração que causa uma
liberação de até 30-40% do suco, com consequente perda da CRA.

43
14 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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47
INGREDIENTES E ADITIVOS NO PROCESSAMENTO DE EMBUTIDOS CÁRNEOS
Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

Existe uma série de compostos incluídos nas categorias “ingredientes não cárneos”
e “aditivos” comumente utilizados no processamento de produtos cárneos. Quando se
considera que todas as substâncias que entram em contato com as matérias-primas
cárneas poderiam estar incluídas nestas classes, alguns autores citam de 300 a 400
substâncias. Ao restringir este contingente às substâncias efetivamente utilizadas na
indústria, apenas 10 a 20% deste total seriam levados em consideração. Buscando uma
abordagem ainda mais restrita, serão tratados apenas aqueles ingredientes e/ou aditivos
mais comumente utilizados em embutidos frescais e cozidos, destacando os efeitos e as
propriedades do sal comum, da água, dos agentes e aceleradores de cura, das especiarias,
dos extensores e outros coadjuvantes. No caso dos embutidos fermentados, os diferentes
coadjuvantes serão tratados com maior detalhamento em capítulo a parte.

1 - SAL
O cloreto de sódio é o único sal que, dissolvido em água, provoca um sabor
salgado puro nos receptores gustativos da língua. O teor de sal comum, normalmente
adicionado, encontra-se na faixa de 1,6 a 2,2%. Vale acrescentar que, o íon cloreto e não o
sódio é o principal responsável pela habilidade do sal (NaCl) ligar-se à água.
O sal também salienta o aroma da carne, produzindo em combinação com as
especiarias, um aroma ideal no produto final. Se o teor de sal for muito baixo, inferior a
1,4%, os aromas da carne e das especiarias atuam sensorialmente isolados. Um aumento
na dosagem das especiarias não supre a perda do sabor global proporcionado pela mistura
com sal. Tendo em vista as crescentes recomendações dos profissionais da saúde, no
sentido de que sejam reduzidos os teores de sódio na dieta, algumas alternativas são
buscadas, tais como a substituição de até 50% do cloreto de sódio por cloreto de potássio. A
substituição total do cloreto de sódio não permite a obtenção de um produto com sabor
comparável ao convencional, mesmo utilizando realçadores de aroma, tais como extratos de
levedura, proteínas vegetais hidrolisadas, glutamato monossódico, inosinatos e guanilatos.
Em relação às propriedades tecnológicas propriamente ditas, o sal influi sobre a
capacidade de retenção de água das proteínas cárneas, especialmente as miofibrilares.
Com a adição de sal, aumenta-se a força iônica do meio, permitindo que as proteínas
miofibrilares absorvam a água e solubilizem-se. A solubilidade destas proteínas aumenta até
uma concentração de sal em cerca de 6%, portanto, quando o teor de sal adicionado é

48
superior a este limite, ocorre precipitação das proteínas, ocasionando perda da capacidade
de retenção de água.
O sal atua, ainda, como substância conservante nos demais produtos cárneos. O
efeito conservante do sal é devido ao abaixamento da atividade de água do produto,
retardando o crescimento microbiano, ou seja, seu efeito é bacteriostático e não bactericida.
Apesar das inúmeras propriedades importantes para o processamento de carnes e
sua conservação, existe um fator restritivo ao uso do sal, porque acelera a rancificação das
gorduras, reduzindo a vida útil do produto.

2 - ÁGUA
A água serve para solubilizar as proteínas hidrossolúveis e atuar como constituinte
de uma salmoura necessária para a solubilização das proteínas miofibrilares. Nas fibras
musculares estão localizadas as proteínas miofibrilares, actina e miosina, que são solúveis
em meio com água contendo sal, no qual a força iônica é atingida para a solubilização. As
proteínas importantes para a ligação de água e gordura são solúveis em sal. Para conseguir
a solubilização das proteínas, ou promover sua hidratação, é necessária a adição de água,
além do sal. A quantidade de água adicionada definirá a capacidade de liga das proteínas
A água influencia a palatabilidade, contribuindo para a textura e para a suculência
do produto final.
Uma consideração importante a respeito da água usada no processamento de
carnes é que ela deve ser tanto quanto possível livre de contaminantes químicos,
microbiológicos e de minerais, pois estes atuam como pró-oxidantes (cobre e ferro) e
dificultam a dissolução de outros ingredientes da salmoura.

3 - POLIFOSFATOS
O ácido ortofosfórico, do qual é derivado o ácido metafosfórico e o ácido
pirofosfórico, obtidos a partir da condensação de duas moléculas de ácido ortofosfórico, são
bastante conhecidos. A condensação de várias moléculas do ácido ortofosfórico dá origem
aos ácidos polifosfóricos de cadeia linear, e a condensação do ácido metafosfórico, origina
os ácidos polifosfóricos de cadeia cíclica. Pode-se considerar que a fórmula geral dos ácidos
polifosfóricos [H(n+2) PnO (3n+1) e (HPO3)n] dos dois tipos tendem a aproximar-se quando
n aumenta.
Os fosfatos utilizados no processamento de carnes são sais destes ácidos, que
podem ser alcalinos ou ácidos. Dentre os sais alcalinos destacam-se os seguintes:
pirofosfato dissódico, pirofosfato tetrassódico, tripolifosfato pentassódico, pentapolifosfato de
sódio, hexametafosfato de sódio e os sais de potássio correspondentes. O pirofosfato ácido
de sódio é o fosfato ácido mais comumente utilizado, principalmente em produtos

49
emulsionados. Os polifosfatos comercializados são geralmente misturas destes, em
proporções variáveis, dependendo da aplicação tecnológica. Estas misturas são
caracterizadas essencialmente pelo seu conteúdo em anidrido fosfórico (P2O5) presente na
matéria seca calcinada, que varia entre 59,5 e 70%, além do pH de uma solução aquosa 1%
(3,6 a 9) e seu teor de fosfatos cíclicos (menor que 8%).
Todos os fosfatos hidrolisam-se em ortofosfato ao longo do processamento, e esta
reação é favorecida em pHs ácidos. Isto faz com que nos produtos elaborados só estejam
presentes ortofosfatos e eventualmente pirofosfatos, que são mais estáveis.
Os polifosfatos aumentam a capacidade de retenção de água das proteínas
miofibrilares, o que eleva o rendimento de processo, aumenta a estabilidade das emulsões e
contribui para as características organolépticas dos produtos.
As carnes geralmente utilizadas na elaboração de embutidos apresentam pH entre
5,4 e 5,8 e o ponto isoéletrico das proteínas situa-se entre 5,1 e 5,2, correspondendo ao pH
em que a capacidade de retenção de água é mínima. As misturas comerciais de polifosfatos
utilizadas apresentam pH (em solução aquosa a 1%) inferior a 9, mas próximo deste valor.
Os polifosfatos componentes destas misturas apresentam em solução aquosa 1%, pH
variando de 8,3 a 10,4, com exceção do hexametafosfato que é utilizado em pequenas
quantidades, cujo pH é 6,4, e o pirofosfato ácido com pH igual a 4,2. Desta forma, a adição
de polifosfatos à carne eleva seu pH de 0,2 a 0,5 unidades, tendo em vista as quantidades
utilizadas (<0,5%) e o poder tamponante da carne, aumentando a capacidade de retenção
de água através do deslocamento do pH do ponto isoelétrico. Por outro lado, o aumento da
capacidade de retenção de água pela carne não pode ser explicado apenas pela elevação
do pH, pois, quando esta elevação ocorre por outros meios, não se observa aumento da
retenção de água nos mesmos níveis.
Os polifosfatos são capazes de formar complexos com Ca++ e Mg++. Estes
cátions estão presentes na carne e uma parte se apresenta ligada às proteínas miofibrilares.
Segundo a teoria de Hamm (1960), este fenômeno de fixação catiônica corresponderia à
formação de pontes entre as cargas negativas das cadeias polipeptídicas das proteínas por
intermédio do Ca++ e Mg++. Estas pontes manteriam as cadeias polipeptídicas muito
próximas, reduzindo a capacidade de retenção de água. A complexação destes cátions
pelos polifosfatos ocasionaria o rompimento de algumas pontes e afrouxaria a rede protéica,
refletindo em um aumento da capacidade de retenção de água da carne.
Sabe-se ainda que, os polifosfatos podem dissociar o complexo actomiosínico.
Esta propriedade, inclusive, é o princípio de um método de extração de miosina. Pode-se
comparar o poder de dissociação dos polifosfatos com o do ATP no músculo. Estudos mais
recentes evidenciam que as modificações da estrutura miofibrilar sob efeito da adição de sal

50
e pirofosfato (entumescimento) seriam devido à ruptura das ligações entre os filamentos de
actina e miosina, em associação com o aumento da hidratação da rede miofibrilar.
Conclui-se, portanto, que três são os mecanismos de ação dos polifosfatos; por
outro lado, a importância relativa de cada um dependeria provavelmente das características
da matéria-prima e das condições do meio.
Desta forma, a utilização dos polifosfatos permite melhoria da capacidade de
retenção de água da carne, o que reflete no produto através da redução das perdas na
cocção e, consequentemente, no aumento do rendimento de processo.

4 - AGENTES DE CURA
Cura é a adição de sal, açúcar e nitrito ou nitrato às carnes, com objetivo de
conservar, melhorar o sabor e desenvolver a cor. Até 1940, o principal objetivo de se curar a
carne era conservar o produto. Com o advento da refrigeração, a necessidade de
conservação através da cura não era essencial, embora os nitritos e nitratos ainda
apresentem uma grande importância na prevenção e/ou controle do crescimento de
bactérias patogênicas em carnes e produtos cárneos.
Nitritos e nitratos são os agentes de cura empregados em produtos cárneos com
objetivo de obter uma coloração rósea e sabor típico de produtos curados. Além de conferir
cor e sabor característicos ao produto, esses aditivos têm um papel importante na
prevenção ao aparecimento do sabor de requentado warmed over flavor, típico de carnes
cozidas e resfriadas ou congeladas para consumo, e da rancidez, uma vez que apresentam
ação antioxidante.
Os nitritos também inibem ou retardam o crescimento microbiano, prolongando a
vida útil dos produtos, e são muito eficientes contra as bactérias anaeróbias, principalmente
contra a produção de toxina do Clostridium botulinum.
Os nitratos, muito usados no passado, só atuam na cura de carnes após um
processo lento de conversão a nitrito. Embora ainda sejam úteis na cura de produtos que
requerem um longo período de maturação, como salames e presunto cru, não há razão para
serem usados em cura rápida como presunto cozido e salsichas, cujo processamento
moderno não dá tempo para que o nitrato seja convertido a nitrito pela ação de bactérias.
Assim, na América do Norte e Alemanha já não é permitido o uso de nitratos nos produtos
de cura rápida.
Por ser usado em quantidades muito pequenas (200 mg/kg), o nitrito deve ser
diluído em sal e/ou dextrose, ou água para ser distribuído uniformemente na massa cárnea.
Por ser altamente tóxico, se ingerido em doses acima das permitidas em alimentos (15 a 20
mg/kg de peso corpóreo), a manipulação e o uso de nitrito deve ser bastante cuidadosa.

51
O nitrito (NaNO2) é fonte de óxido nítrico (NO), que é um agente fixador de cor. Em
meio ácido o nitrito libera ácido nitroso, que se decompõe em óxido nítrico, o qual se fixa à
mioglobina. O nitrato deverá ser reduzido a nitrito para que seja efetivo e isto só ocorre sob
ação de bactérias nitrato redutoras, pertencentes principalmente aos gêneros Micrococcus,
Streptococcus e Sarcina, entre outros. Desta forma, o uso de nitrato deveria ser utilizado em
produtos de cura longa em que haveria tempo para atuação daquelas bactérias, bem como
para o crescimento das bactérias láticas, que ao abaixar o pH aceleram a decomposição do
nitrito a óxido nítrico.

NaNO2→HNO2→H2O + HNO3 + 2NO

A quantidade de óxido nítrico formado dependerá então do teor inicial de nitrito, pH


do meio e potencial de óxido redução da carne.
O nitrito retarda a oxidação das gorduras através da formação de um complexo
estável com o ion Fe++, impedindo sua oxidação a Fe+++, que é um potente catalisador de
oxidação.
Assim, a cor característica dos produtos curados resulta da combinação do
pigmento muscular, mioglobina, com óxido nítrico, conforme esquema abaixo.

Mioglobina + Óxido nítrico = Nitrosomioglobina


Vermelho púrpura Vermelha

O óxido nítrico é instável e dissocia-se durante a estocagem, a menos que a cor


seja fixada pelo calor (55ºC). A reação de fixação da cor é esquematizada abaixo.

Nitrosomioglobina + calor = Nitrosohemocromo


Vermelha Rósea

Deve-se garantir um teor de nitrito mínimo, evitando-se a formação de


nitrosaminas, para tanto se adiciona agentes redutores, tais como o ácido ascórbico e/ou
ascorbatos e seus isômeros.
Como em todas as reações químicas, a reação entre os agentes de cura e o
pigmento da carne (mioglobina) ou do sangue (hemoglobina) depende do tempo e da
temperatura. Nos processos modernos o tempo vem sendo reduzido, podendo resultar em
avermelhamento insuficiente. A temperatura e o tempo de cura são dependentes, ou seja,
quanto menor a temperatura, mais longo é o processo. Observa-se que em embutidos
cozidos, os defeitos de coloração se devem normalmente ao tempo.

52
A maioria das bactérias redutoras de nitrato a nitrito requer um pH relativamente
elevado para atuarem, indicando que quando este sal for utilizado, o pH não deverá ser
muito baixo. Por outro lado, a redução de nitrito a óxido nitroso será mais rápida quanto
menor for o pH. O pH ótimo para a produção de óxido nitroso encontra-se abaixo de 5,7.
Uma massa cárnea de produto cozido, contendo fosfatos, citratos e lactatos, apresenta pH
em torno de 6,3, tornando o meio não favorável à formação da cor de curado. A diminuição
do pH e conseqüente melhoria da formação da coloração de curado poderão ser
conseguidas através da adição de ácidos, tais como o ácido lático, o ácido cítrico ou de
glucona delta lactona, através do ácido glucônico. Por outro lado, este abaixamento do pH
poderá diminuir a capacidade de retenção de água pela massa. Conclui-se, portanto, que a
elaboração de embutidos cozidos não favorece a obtenção de um pH adequado para os
processos fundamentais de fixação de água e formação da cor.
Os produtos cárneos naturais e orgânicos estão apresentando um crescimento
expressivo de mercado. Ainda não temos uma legislação específica no Brasil, mas nos
Estados Unidos a legislação sobre orgânicos já está consolidada, embora ainda haja
controvérsias quanto ao uso do termo natural. Tanto para os produtos orgânicos como para
os naturais não é permitida a adição de sal de cura. Surge então uma classe de produto
denominada “não curado”, que na verdade são produtos curados, porém sem adição de sal
de cura. A técnica consiste em se adicionar uma fonte vegetal rica em nitrato, tais como
salsão, beterraba e espinafre e em seguida adicionar uma cultura láctica com capacidade de
conversão do nitrato a nitrito. É necessário um período de incubação em torno de uma hora
a 42ºC para que ocorra a conversão de nitrato a nitrito. O termo não curado para esta classe
de produtos não seria o mais adequado e está sendo proposto o termo “curado natural”.
Evidentemente o produto obtido por este processo não apresenta residuais de nitrito tão
elevados como em produtos curados tradicionais, e isto pode comprometer a vida útil dos
produtos.

5 - ACELERADORES DE CURA
Utiliza-se o ácido ascórbico ou seu sal ascorbato com nitritos e nitratos para se
obter o desenvolvimento da cor de curado de forma rápida e homogênea. Os ascorbatos
reduzem metamioglobina em mioglobina, que é capaz de se ligar ao óxido nítrico. Além
disso, o ácido ascórbico e seus derivados aceleram a redução do nitrito em óxido nitroso. O
uso destas substâncias reduz o teor de nitrito residual, prevenindo contra a formação de
nitrosaminas. Ao encurtar o tempo de cura, melhora o rendimento do processo.
O ascorbato, ao contrário do ácido ascórbico, não reage diretamente com o nitrito.
O ascorbato requer um pH ácido para liberar ácido ascórbico, que atuará sobre o nitrito.

53
Em curas rápidas, como é o caso das lingüiças frescais, recomenda-se o uso de
ácido ascórbico.
A quantidade de ácido ascórbico a ser adicionada em embutidos varia entre 20 e
50g/100Kg de produto. No caso do ascorbato, tendo em vista seu peso molecular, a
quantidade adicionada deverá ser maior (100 g de ascorbato=88 g de ácido ascórbico).
Doses superiores às indicadas não apresentam vantagens, podendo inclusive provocar
esverdeamento pelo excesso de nitrito liberado.
O ácido eritórbico, bem como seu sal (eritorbato) são produtos sintéticos, sem ação
de vitamina C, mas que podem substituir seus isômeros (ácido ascórbico e ascorbato).
O emprego de ácidos, que diminuem o pH, pode ser combinado à adição de ácido
ascórbico e ascorbato, principalmente quando se utiliza fosfatos. Os ácidos cítrico e lático
são utilizados (0,1%), bem como a glucona delta lactona (0,3%). O ácido cítrico apresenta
um efeito mais intenso na diminuição do pH que o ácido lático, e seu sabor é mais agradável
sensorialmente. Normalmente, os ácidos são utilizados em combinação com o ácido
ascórbico e/ou ascorbato, principalmente quando o teor de gordura do produto é elevado.
Para que a redução do pH ocorra em níveis desejados (~5,8) são necessários 0,1% dos
ácidos e seus sais ou 0,3% de glucona delta lactona.
O ácido nicotínico e sua amida aceleram a formação de nitrosomioglobina, porém
são menos efetivos que o ácido ascórbico. Por outro lado, a amida parece aumentar a
estabilidade da cor em presença de luz, retardando a formação de metamioglobina, que não
reage com o óxido nitroso.
O açúcar também poderia estar incluído nesta categoria porque fornece energia
para as bactérias que convertem nitrato a nitrito nos produtos de cura longa, além de
contribuir com o abaixamento do pH durante a cura. Além destas propriedades, os açúcares
contribuem para o sabor e contrapõem-se ao sabor salgado. Os açúcares normalmente
empregados em produtos cárneos são os seguintes: sacarose, dextrose, xarope de milho ou
sólidos do xarope de milho e lactose. A lactose tem baixo poder adoçante e pode contribuir
com um sabor levemente amargo, normalmente está presente em embutidos quando se
utiliza leite em pó desnatado na formulação. Os xaropes de milho apresentam cerca de 40%
da doçura da sacarose e são muitas vezes considerados extensores, dependendo do seu
equivalente em dextrose (DE), que reflete o teor de açúcares redutores presente. A
sacarose e a dextrose também são utilizadas pelas bactérias láticas durante a elaboração
de embutidos secos.

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6 - EXTENSORES
Vários são os ingredientes não cárneos que podem ser adicionados aos produtos
cárneos, com diferentes funções. São normalmente denominados extensores, ligantes ou
enchedores. A adição desses ingredientes visa:
(1) Aumentar a estabilidade da massa;
(2) Melhorar a capacidade de retenção de água;
(3) Melhorar a textura e o sabor;
(4) Reduzir o encolhimento durante o cozimento;
(5) Melhorar a fatiabilidade;
(6) Reduzir o custo da formulação.
Não estão incluídos nesta categoria os ingredientes já descritos anteriormente.
Podem-se classificar os extensores de acordo com sua funcionalidade em dois
grupos:
(1) Aqueles que contribuem para a retenção de água e gelificação e com a emulsificação de
gorduras e
(2) Aqueles que contribuem para a retenção de água, mas participam muito pouco ou não
participam da emulsificação.
Os extensores do primeiro grupo possuem um alto conteúdo de proteínas, como
acontece com os derivados da soja e do leite.
Dentre os produtos derivados de soja poderíamos incluir o concentrado e o isolado,
além da proteína texturizada de soja. As farinhas de soja contem 40 a 60% de proteína e
conferem sabor acentuado de soja aos produtos, o que limita seu uso. O concentrado
protéico de soja contem cerca de 70% de proteína e apresenta o mesmo inconveniente da
farinha em relação ao sabor. A proteína texturizada de soja hidrata rapidamente e contribui
com a textura em produtos cárneos, além de reduzir a exsudação; porém, apresentam como
inconveniente, o sabor acentuado de soja.
O uso de proteínas não-cárneas como ingredientes em embutidos, limita-se a 4,0%
(Instrução Normativa nº4/00 do MA) do total de proteína presente na formulação. Assim, a
quantidade a ser adicionada dependerá do teor de proteína do respectivo ingrediente, tendo
em vista a revisão do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de
Origem Animal (RIISPOA) ora em andamento, sendo que estes valores poderão sofrer
alterações em futuro próximo.
A proteína isolada de soja contem 90% de proteína, sendo considerada um
excelente agente emulsificante e ligante para produtos cárneos. Nos limites de utilização
permitidos pela legislação não confere sabor aos produtos. A proteína isolada de soja liga
até 6 partes de água e de gordura.

55
Entre os derivados do leite destacam-se: caseinato de sódio (leite em pó
desnatado com teor reduzido de cálcio), leite em pó desnatado, soro de leite em pó
(concentrado ou isolado). Os derivados do leite apresentam excelentes propriedades
emulsificantes, além de não conferirem sabor aos produtos cárneos. O leite em pó
desnatado contem aproximadamente 35% de proteína, dos quais 80% são caseínas e o
restante principalmente beta lactalbumina e lactalbumina. Como o leite em pó desnatado
tem alto teor de cálcio, sua capacidade emulsificante é limitada, pois reduz sua solubilidade.
A substituição do cálcio pelo sódio produzindo o que conhecemos como caseinato,
apresenta excelentes propriedades emulsificantes. Os concentrados de soro, cujo teor de
proteína varia geralmente entre 35 e 80%, apresentam excelente capacidade de gelificação
e emulsificação, sendo bastante indicados para produtos com baixo teor de gordura, pois
contribuem com a textura e o sabor. O que limita o uso das proteínas do leite no Brasil é seu
custo elevado.
O plasma sangüíneo, obtido a partir do sangue, utiliza citrato de sódio ou potássio
como agente coagulante. O plasma livre da proteína fibrina denomina-se soro. O teor de
proteína do plasma pode variar entre 5 e 7,5%, dependendo do teor de citrato adicionado ao
sangue. Quanto maior é o teor de citrato adicionado, menor será o teor de proteína do
plasma. Tecnicamente é possível substituir cerca de10% da carne por plasma, sem afetar o
aroma, sabor, cor e consistência do produto. O plasma sanguíneo eleva a quantidade de
água retida pela massa cárnea, podendo reduzir ou evitar a separação da gelatina e da
gordura em embutidos cozidos. As proteínas do plasma ligam-se à água mais fortemente
que as proteínas miofibrilares e elevam o pH da massa, o que aumenta a capacidade de
retenção de água pelas proteínas miofibrilares. Apesar da sua funcionalidade, o plasma é
um produto microbiologicamente muito perigoso, que tem sua qualidade dependente da
forma higiênica de obtenção e do tratamento recebido antes de seu emprego nos produtos
cozidos.
Os extensores do segundo grupo são ricos em carboidratos e pobres em proteínas.
São farinhas, amido, acúcares e hidrocolóides. Os mais comumente utilizados no Brasil são
a fécula de mandioca e a maltodextrina; atualmente, a carragena vem sendo bastante
utilizada, principalmente em produtos emulsificados fatiáveis, do tipo mortadela. Mereceriam
destaque, entre os amidos, aqueles modificados, que podem apresentar um desempenho
diferenciado em relação à fécula nativa, principalmente diminuindo a exsudação durante a
estocagem refrigerada de produtos fatiados e contribuindo para a aparência (brilho) do
produto fatiado.
A carragena por suas funções estabilizantes talvez pudesse ser colocada em outra
categoria que não a dos extensores.

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As misturas comerciais de carragena contem as frações Kappa, Lambda e Iota.
Dependendo da composição da mistura, as propriedades variam, podendo aumentar a
viscosidade ou apenas reter água. Apresentam efeito sinergístico com as proteínas de soja.
Desta forma, recomenda-se que sejam adicionadas estas proteínas junto com a carragena,
para maior retenção de água.
As carragenas são polissacarídeos lineares sulfatados formados por D-galactose e
3,6 anidro D-galactose extraídos de algas vermelhas e são amplamente utilizadas nas
indústrias de alimentos devido às suas propriedades gelificantes, espessantes e
estabilizantes, bem como no desenvolvimento de produtos cárneos com teor reduzido de
gordura e presuntos. A carne é um sistema complexo formado de tecido muscular,
conjuntivo, gordura e água; durante o processamento são numerosas as interações entre
estes componentes. Estas interações são as responsáveis pelas propriedades funcionais do
sistema cárneo. Nos produtos cárneos, as carragenas contribuem para a formação do gel e
retenção de água. A adição de carragenas em formulações de produtos cárneos com baixo
teor de gordura diminui a dureza dos mesmos e aumenta suculência, interferindo na textura
percebida pelos consumidores. Apesar das interações entre carragenas e proteínas do leite
terem sido extensivamente estudadas, o mecanismo pelo qual as carragenas interagem com
as proteínas musculares e outros componentes do sistema cárneo são ainda pouco
conhecidos.
As partículas de carragena ligam-se à água durante o processamento térmico de
produtos cárneos e gelificam durante o resfriamento. A temperatura para inchamento dos
grânulos e gelificação depende do tipo de carragena e da força iônica do meio. Em uma
solução contendo 2,2% de sal e 0,5% de fosfato, condições comuns em sistemas de carnes
processadas, a kapa carragena começa a solubilizar e inchar a 46ºC, atingindo seu máximo
a 53ºC, estando totalmente solúvel a 66ºC e inicia a gelificação a 44ºC durante o
resfriamento. Quando se reduz as concentrações de cloreto de sódio e fosfato, a kapa
carragena se solubiliza e inicia a gelificação em temperaturas mais baixas. Da mesma
forma, quando as concentrações, tanto de sal como de fosfato, aumentam, as temperaturas
de solubilização e gelificação também são elevadas. Portanto, quando a força iônica
aumenta, a dispersão da carragena é dificultada porque as proteínas cárneas começam a
coagular a 52ºC e gelificam completamente a 67ºC, temperaturas nas quais a kapa
carragena ainda não está solubilizada. A iota carragena apresenta um comportamento
análogo ao da kapa carragena, embora a faixa de temperatura necessária para sua
completa solubilização seja mais baixa porque seu alto grau de sulfatação da molécula
torna-a mais facilmente dispersível.
Alguns estudos indicam que a adição de gomas aniônicas em emulsões cárneas
leva à formação de uma estrutura similar à das proteínas miofibrilares, porém com duas

57
particularidades: retém água e não é destruída pelos ácidos mesmo quando o produto é
submetido à marinação em vinagre. Isto sugere que a estrutura com a goma não é
independente do gel protéico, e que ocorre interação entre as gomas e as proteínas
cárneas. Uma vez que as gomas neutras não afetam a estrutura dos produtos e as gomas
catiônicas não retêm água, sugere-se que exista uma interação goma aniônica-proteína.
As interações entre as moléculas carragena e proteínas em sistemas cárneos
alteram todo o sistema. As moléculas de carragena interagiriam com grupamentos
carboxílicos das proteínas, carregados negativamente através de uma ligação iônica, ou
atuariam diretamente com os grupamentos amino das proteínas carregados positivamente.
Obviamente, o pH, alguns íons específicos e as proteínas presentes no sistema cárneo têm
um papel importante nas interações carragena-proteínas. Avaliam-se as interações entre
carragenas e proteínas através de estudos reológicos dos géis formados, e através da
incorporação de certos reagentes que enfraquecem ou fortalecem determinadas interações
químicas, elucidando a contribuição de determinadas ligações específicas envolvidas nestas
interações. Os trabalhos mais antigos não evidenciaram nenhuma interação específica entre
a carragena e as proteínas cárneas.
Embora as carragenas ajudem a reter água em sistemas cárneos, Bernal et al.
(1987) sugeriram que isto provavelmente ocorra através da retenção de água nos espaços
intersticiais do gel protéico, e não através da interação direta da carragena com a água.
Neste estudo, não ficaram evidenciadas as interações entre carragena e proteínas
miofibrilares, os géis formados eram fracos, de baixa viscosidade e com pouca capacidade
de retenção de água. Entretanto, este estudo não mediu a força do gel protéico
isoladamente, dificultando a avaliação dos componentes individualmente. Por outro lado,
Lever-Garcia (1989) outros estudos revelaram, através de modelos matemáticos, que as
carragenas contribuem ativamente para a formação do gel pelo aquecimento das proteínas
cárneas e ficou evidenciado que os géis formados por hidrocolóides e proteínas
apresentaram maior força e capacidade de retenção de água que os controles. Entretanto,
não foram efetuadas medidas reológicas dos géis formados exclusivamente por carragena,
não permitindo a avaliação da influência dos componentes individuais para a força do gel.
De forma geral, pode-se afirmar que as interações entre proteínas e polissacarídeos ácidos
são de origem eletrostática, pois ocorre pouca ou nenhuma interação entre proteínas e
gomas iônicas. Por outro lado, outros tipos de interações, tais como pontes de hidrogênio,
ligações hidrofóbicas ou covalentes podem ser importantes na estabilização dos complexos
proteína-polissacarídeos, o que deverá ser mais bem elucidado.

58
7 - CONDIMENTOS
O termo condimento é geralmente empregado para designar os ingredientes
adicionados com objetivo de melhorar ou modificar o sabor dos produtos processados,
criando um paladar único. O uso de condimentos permite a diferenciação e diversificação de
produtos. O uso imaginativo e criativo dos condimentos é quase uma arte, e normalmente a
eles pode atribuir-se as características únicas de uma determinada marca.
Além de contribuírem com o sabor, muitas das especiarias utilizadas na
condimentação podem apresentar efeito conservante e propriedades antioxidantes. Por
outro lado, muitas das especiarias podem ser responsáveis pela redução da vida útil dos
produtos, uma vez que carregam altas cargas microbianas. Muitas empresas fornecedoras
de especiarias têm esterilizado seus produtos destinados à indústria processadora de
carnes. Outra forma de apresentação muito interessante, tanto sob os aspectos de
estabilidade como de efetividade da especiaria e/ou óleo essencial e oleoresina, é a
encapsulação.
Como especiarias incluem-se os vegetais que contem substâncias aromáticas, e as
partes das plantas utilizadas podem variar (ex. fruta: pimenta, noz moscada, raiz: gengibre),
algumas sementes aromáticas (ex. cardamomo, mostarda) são consideradas condimentos.
As folhas desidratadas de algumas plantas (ex. louro, manjericão) são denominadas ervas.
Sendo estes ingredientes produtos naturais, podem apresentar sabor variável em função do
processo de cultivo, tipo de solo, clima e forma de armazenamento. Assim, extratos obtidos
a partir das especiarias, tais como os óleos essenciais (destilação) e oleoresinas (extração
com solventes) vêm sendo cada vez mais utilizados. Os extratos apresentam algumas
vantagens em relação às especiarias, porque são livres de contaminação microbiológica,
não são visíveis no produto, são de fácil armazenamento e transporte, além de permitirem
padronização. Normalmente os óleos essenciais e oleoresinas utilizam como veículo a
dextrose ou o sal, facilitando sua adição durante o processamento.
É importante levar em conta, durante a seleção e dosagem das especiarias, sua
termoestabilidade, pois devem ser compensadas as perdas de aroma durante a cocção.
Neste sentido, as especiarias poderiam ser classificadas em três grupos: 1) termoestáveis:
pimenta caiena e sálvia, 2) pouco termoestáveis: cardamomo, cravo, páprica, alecrim,
tomilho, pimenta do reino, 3) termolábeis: coentro, macis, manjericão, noz moscada,
pimenta jamaica, gengibre. Na forma de óleos essenciais e oleoresinas, em função do
processo de extração, o comportamento frente ao calor é totalmente distinto. As alterações,
principalmente do teor de gordura da formulação, requerem que a condimentação seja
totalmente revista.
As fumaças líquidas, embora atuem como agentes aromatizantes serão tratadas
em capítulo a parte, juntamente com a defumação.

59
8 - OUTROS ADITIVOS E/OU COADJUVANTES
Nesta classe trataremos do lactato de sódio ou potássio e do acetato de sódio, que
são utilizados com objetivo de aumentar a vida de prateleira de produtos cárneos.
O lactato de sódio (CH3CHOHCOONa, PM = 112,07) é utilizado como regulador de
acidez em produtos cárneos em geral. Comercialmente é produzido via fermentação, sendo
considerado GRAS (seguro para uso) pela Food and Drug Administration (FDA), aprovado
pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para uso em produtos cárneos e
aprovado e registrado no Brasil no Ministério da Saúde e Agricultura. É geralmente
encontrado em soluções aquosas a 60% com pH neutro. Níveis de 2% deste sal (3,3% de
uma solução a 60%) são geralmente utilizados em embutidos, contribuindo para aumentar a
capacidade de retenção de água e diminuir sua perda de peso no cozimento.
Vários estudos demonstraram a eficácia do lactato de sódio no controle de
microrganismos aeróbios bem como contra microrganismos patogênicos, tais como
Clostridium botulinum e Listeria monocytogenes, entre outros. O tratamento térmico de
produtos embutidos contendo lactato se mostrou fundamental para que sua ação contra
Listeria monocytogenes pudesse ser evidenciada.
A ação do lactato nas células microbianas ainda não foi suficientemente estudada,
mas dois mecanismos foram propostos: habilidade dos ácidos fracos lipofílicos em
ultrapassar a membrana celular em sua forma não dissociada e assim acidificar o interior da
célula, e habilidade específica do lactato de sódio em reduzir a atividade de água. Mas
nenhuma destas explicações é totalmente aceita pela comunidade científica. Há ainda
muitas controvérsias.
Outro aditivo que vem recebendo atenção para utilização em produtos cárneos é o
diacetato de sódio, principalmente com objetivo de reduzir a carga microbiana e retardar o
crescimento de patógenos, tendo recebido aprovação pelo FDA que o classificou como
GRAS (seguro para uso). Sua combinação com lactato de sódio ou potássio tem sido a
forma de aplicação em que se observa maior eficácia. Geralmente é utilizado em baixas
concentrações, em torno de 0,2%, prevenindo o crescimento de patógenos, principalmente
Listeria monocytogenes.
Os antioxidantes BHA, BHT e galato de propila são utilizados em alguns produtos
embutidos, juntos ou isoladamente e o teor adicionado deve ser calculado sobre o total de
gordura presente no produto, retardando o aparecimento da rancificação, principalmente.
O ácido sórbico, ou seus sais de sódio e potássio, podem ser utilizados como
agentes conservantes, retardando o crescimento de mofos, leveduras e bactérias. Suas
aplicações são na superfície dos produtos (tripa) ou mesmo através da imersão em uma
solução 10 a 20%.

60
Merecem destaque, finalmente, os agentes realçadores de sabor, tais como o
glutamato monossódico e os inosinatos e guanilatos.
O ácido glutâmico e o seu sal estão normalmente presentes nas carnes, e sua
adição realça o sabor. Possui um sabor característico, entre o doce e o salgado,
denominado umami. São normalmente adicionados às misturas de condimentos prontas.
Os nucleotídeos, inosinatos e guanilatos elevam a sensibilidade dos nervos
gustativos presentes na língua e aumentam a produção de saliva, provocando a sensação
de "água na boca", intensificando a percepção do aroma. Estes nucleotídeos não possuem
sabor específico e são 10 a 20 vezes mais efetivos que o glutamato.

9 - CORANTES
Os corantes autorizados para uso em produtos cárneos incluem os de origem
natural, tais como a cúrcuma e a curcumina, o carmim e o ácido cármico, o caramelo
natural, os carotenos (alfa, beta e gama), o urucum (Annato, bixina, norbixina, rocu), páprica
(capsorubina, capsantina), vermelho beterraba (betanina) e monascus. Também são
autorizados para uso em produtos cárneos os caramelos obtidos por diferentes processos
químicos.
Este assunto é amplo e requer uma discussão aprofundada, que não caberia neste
capítulo. É importante que os corantes sejam utilizados com objetivo de melhorar a
aparência dos produtos, tornando-os mais atraentes, sem tentar mascarar falha de processo
ou qualidade das matérias-primas.
Na escolha do corante mais adequado para uma determinada aplicação, deve-se
levar em conta o tipo de meio, aquoso ou com predominância de lipídios, pois a solubilidade
dos diferentes corantes é variável. Também devem ser considerados o pH do meio e a
temperatura de processo, pois a estabilidade dos corantes depende destes fatores.

61
10 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BERNAL, V.M., SMJADA, C.H., SMITH, J.L., STANLEY, D.W. Interactions in
protein/polysaccharide/calcium gels. J. Food Science, v. 52, p. 1121-1123, 1987.

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WHITING, R.C. Ingredients and Processing Factors that control muscle protein functionality.
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63
MARINAÇÃO
Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos
Centro de Tecnologia de Carnes / ITAL

1. INTRODUÇÃO
A marinação é um processo que vem sendo utilizado há muitos anos, tendo em
vista a observação de que a imersão da carne em salmoura com alguns ingredientes bem
simples, melhorava o sabor da mesma, além de mascarar alguns odores indesejáveis.
Inicialmente o processo era usado como prática culinária, mas com o desenvolvimento da
indústria frigorífica, a prática da marinação foi amplamente adotada por esta indústria para a
produção em larga escala (GAULT, 1985 ).
A qualidade da carne é importante tanto para a indústria como para os
consumidores. Sob a perspectiva dos consumidores é importante avaliar-se a intenção de
compra e a palatabilidade. Em relação à intenção de compra, a aparência é muito
importante, especialmente a cor (BREWER & McKEITH, 1999). Em relação à palatabilidade,
os atributos de interesse são maciez, suculência e sabor, os quais determinam a repetição
da compra (BREWER et al., 1999).
A indústria vem buscando tecnologias que melhorem os fatores associados com a
intenção de compra e a palatabilidade. Uma destas tecnologias é denominada
“enhancement” (melhoramento), que consiste em se injetar uma solução na carne fresca
para aumentar a retenção de fluidos pela carne e incrementar os atributos de palatabilidade.
Embora a denominação “enhancement” esteja se tornando bastante usual em alguns
países, trata-se na verdade de marinação, porém não são agregados condimentos ou
flavorizantes, restringindo-se ao cloreto de sódio, em baixas concentrações e aos
polifosfatos (BRASHEAR et al., 2002). Esta tecnologia já se consolidou em várias indústrias,
especialmente no processamento de cortes suínos (PRESTAT et al., 2000).
A maciez é o fator determinante da aceitação das carnes cozidas (ORESKOVICH
et al., 1992). Inúmeros são os fatores associados à maciez da carne, tais como idade, raça,
sexo, teor de gordura, manejo pré abate, desossa, resfriamento, estocagem e método de
cozimento (MARSH, 1983). Muitos métodos capazes de alterar a maciez da carne têm sido
estudados, incluindo-se a marinação (WENHAN & LOCKER, 1976). As salmouras de
marinação atuam alterando o pH do músculo, que por sua vez modifica as propriedades
físicas e/ou químicas da carne. Existem duas teorias em relação à forma de ação das
salmouras, tanto as que promovem abaixamento do pH, como as que o elevam,
aumentariam a maciez da carne (LIND, 1971). HARRELL et al. (1978) relatou que o músculo
de pH elevado (6,38) apresentou maciez superior ao de pH baixo (5,05). Através da
microscopia eletrônica observou-se que em pH baixo ocorre desapareciemnto da linha M e

64
sob pH elevado a perda é da linha Z , ambas situações afetam a textura da carne e resultam
em aumento da capacidade de retenção de água e da umidade, com redução das perdas na
cocção (ORESKOVICH et al., 1992).
A propriedade da carne reter sua própria água é denominada de capacidade de
retenção de água (CRA) e foi extensamente estudada (HAMM, 1960; LAWRIE, 1979)
Estreitamente relacionada à CRA está a propriedade da carne de absorver água adicional
em elevadas concentrações salinas (HAMM, 1960). Em concentrações de cloreto de sódio
na faixa de 0,8 a 1M maximiza-se a absorção de água pela carne, embora concentrações
menores (2%) sejam normalmente utilizadas na elaboração de produtos cárneos.
Polifosfatos, especialmente pirofosfato e tripolifosfatos, também são adicionados,
normalmente em concentrações em torno de 0,3%, para aumentar os níveis de água
agregados (BENDALL, 1954; SHERMAN, 1961), pois promovem a extração de proteínas,
principalmente a miosina, que durante o cozimento ajuda ligar os pedaços de carne
(MACFARLANE et al., 1977). Os trifosfatos são geralmente utilizados por sua elevada
solubilidade, mas se hidrolisam a pirofosfato na carne, sendo portanto o pirofosfato o agente
realmente efetivo (SOFOS, 1986).
Estudos com microscopia eletrônica realizados por OFFER & TRINICK (1983)
tentaram elucidar o mecanismo pelo qual o sal e o pirofosfato promovem a absorção de
água pela carne, concluindo que a absorção ocorre nas próprias miofibrilas e explicam este
mecanismo de inchamento, concluindo que, ao observarmos as miofibrilas como um
sistema, verifica-se que estas podem inchar em presença de elevadas concentrações de
ions cloreto, mas podem encolher substancialmente quando ocorre queda de pH (processo
de rigor), sob aquecimento durante a cocção; estas considerações podem tornar-se
ferramentas para melhoria de vários aspectos de qualidade da carne, especialmente a
maciez.
Na marinação por injeção, a salmoura é injetada através de agulhas, sob pressão,
para o interior do músculo. Basicamente, a absorção da salmoura é determinada pela
pressão de injeção e pela velocidade da esteira, que desloca o corte. As vantagens deste
método são: uniformidade do produto marinado; facilidade de aplicação em grandes
volumes de produção; redução de mão de obra; devido à perfuração, rapidez de cozimento;
melhoria da maciez e da suculência da carne. As desvantagens são: elevado custo inicial
com equipamentos, não pode ser utilizado para produtos cominuídos e formados; não é
recomendado para injeção de salmouras com ingredientes cujas partículas obstruam as
agulhas; em alguns produtos, a exsudação (drip) é maior se comparada à observada nos
processos de marinação por outros sistemas; o processo pode carregar patógenos da
superfície para o interior da carne (LEMOS et al, 1999).

65
2. AÇÃO DOS POLIFOSFATOS
Os polifosfatos constituem-se no composto mais comumente utilizado em
salmouras para marinação, elevam o pH da carne, o que reflete-se em aumento da
capacidade de retenção de água, reduzem a purga, melhoram o sabor, a estabilidade da cor
(OCKERMAN et al., 1978; KEETON, 1983) e a suculência (SHEARD et al., 1999).
Os fosfatos são sais do ácido fosfórico e incluem tanto os ortofosfatos com um
único átomo de fósforo como os polifosfatos com dois ou mais átomos de fósforo na
molécula. O processo de fabricação dos polifosfatos é realizado através do aquecimento dos
ortofosfatos a altas temperaturas. O polifosfato mais simples é o pirofosfato com dois
átomos de fósforo na molécula(SHIMP, 1981), por outro lado, aqueles de cadeia longa são
substâncias amorfas e geralmente denominados polifosfatos vítreos (SHIMP, 1983;
STEIHAUER, 1983), onde estão presentes 6, 12, 22 ou mais anions fosfato. Dentre os
polifosfatos de cadeia longa os mais comuns são tetrametafosfato e hexametafosfato. Os
sais de sódio são a forma mais disponível, embora os de potássio também encontre-se. A
maioria dos compostos são totalmente neutralizados e comportam-se como álcalis em
solução, embora existam também na forma ácida (ex. pirofosfato ácido de sódio) (SOFOS,
1986).
Os polifosfatos são compostos químicos que atuam como agentes tamponantes e
sequestrantes, bem como poli anions que aumentam a força iônica (SHIMP, 1983;
STEINHAUER, 1983; HALLIDAY, 1978). Em relação à atividade tamponante, destacam-se
os ortofosfatos, enquanto os pirofosfatos atuam bem em pH na faixa de 5,5 a 7,5. Os outros
polifosfatos não são agentes tamponantes tão efetivos e esta atividade decresce com o
aumento do comprimento da cadeia (van WAZER & HOLST, 1950; STEINHAUER, 1983;
SHIMP, 1983a), por outro lado apresentam atividade sequestrante de ions metálicos (IRANI
& CALLIS, 1962), que decresce com o aumento do pH. Os polifosfatos de cadeia curta são
bons agentes sequestrantes de cobre e outros metais pesados, e o pirofosfato apresenta
maior atividade com ions ferro. A atividade sequestrante dos fosfatos de cadeia curta
também diminui com o aumento do pH. A atividade sequestrante dos fosfatos parece estar
relacionada com a atividade antimicrobiana (MOLINS et al., 1987) e antioxidante
(OCKERMAN et al., 1978; KEETON, 1983).
As primeiras patentes sobre o uso de polifosfatos em carnes vermelhas foram
concedidas nos Estados Unidos, no Canada e na Alemanha, na década de 50 (DEMAN &
MELNYCHYN, 1970). Estas patentes descrevem o uso de tripolifosfato e/ou metafosfatos
em produtos cárneos elaborados com músculo integro ou cominuído, submetido ou não à
cura.
Em produtos cárneos não curados os primeiros estudos indicavam que a injeção
de cortes cárneos com tripolifosfato, isoladamente ou misturas com metafosfato, acrescido

66
de sal, melhorava várias propriedades, destacando-se a diminuição da exsudação durante
a estocagem refrigerada, considerada muito interessante, pois naquela época iniciava-se o
conceito de desossa centralizada e transporte dos cortes para comercialização em
supermercados, onde permaneciam armazenados. URBAIN et al.(1968) relataram que a
imersão de cortes cárneos por 30 segundos em solução contendo polifosfatos, seguido de
estocagem durante três semanas, reduziu significativamente a exsudação. Os autores
indicaram ainda que esta influência na exsudação poderia ser muito importante para
produtos irradiados. Em cortes injetados cozidos, foi observado que estes apresentaram
redução da perda de peso no cozimento, o que se refletiu no aumento da suculência e da
maciez; além de retardar a oxidação durante a estocagem e permitir o cozimento durante
um tempo mais longo, com melhoria do aroma de carne grelhada e manutenção da
suculência.
Os polifosfatos vêm sendo bastante utilizados, na produção de cortes marinados.
Sabe-se que os polifosfatos melhoram o rendimento, a maciez e a retenção de água pela
carne. A interação dos polifosfatos com o tecido muscular, bem como o mecanismo de
hidratação e tenderização não são completamente conhecidos (WICKER & DETIENNE,
1999). Alguns estudos sugerem o aumento do pH (ORESKOVICH, et al. 1992; KARSSON,
et al. 1996), o aumento da força iônica (HAMM, 1970; YOUNG et al., 1992), a ação
sequestrante de íons metálicos e a dissociação do complexo actomiosínico (OFFER &
TRINICK, 1983; LEWIS et al., 1986; CANNON et al., 1993; SUTTON et al., 1997; SHEARD
et al., 1999) como prováveis mecanismos de ação dos polifosfatos. Dentre estes fatores, o
aumento do pH e da força iônica têm sido os considerados mais relevantes. SHULTS et al.
(1972) observaram que o pirofosfato apresentou-se como o mais efetivo na elevação do pH
de carne bovina, enquanto o metafosfato não apresentou nenhum efeito e o
hexametafosfato influenciou apenas levemente. O mais efetivo para absorção de água pela
carne foi o pirofosfato tetrassódico e o tripolifosfato de sódio.
Um processo amplamente discutido, mas não muito conhecido, é a interação entre
NaCl e tripolifosfato de sódio ( MAHON, 1962; SHULTS & WIERBICKI, 1974; LAWRIE,
1985; YOUNG et al.,1992). O entendimento desta interação poderia melhorar a eficácia dos
métodos de marinação utilizados pela indústria frigorífica.
São recentes na literatura estudos envolvendo a marinação de carne bovina com
fosfatos, por outro lado, inúmeros são os trabalhos na literatura sobre os efeitos da
marinação com fosfato sobre a maciez da carne de aves (FARR & MAY, 1970; MAHON,
1962; YOUNG & LYON, 1986, 1989; YOUNG et al., 1987, 1992) e suína (SHEARD et al.,
1999; SHULTS & WIERBICKI, 1974; SUTTON et al., 1997).
XIONG & KUPSKI (1999) avaliaram a velocidade de absorção e penetração de
salmoura contendo diferentes tipos de fosfatos durante o massageamento de cortes de

67
frango, além do rendimento na cocção e da palatabilidade. Os autores observaram que a
velocidade de absorção de salmoura aumenta com a presença de fosfato na salmoura na
seguinte ordem: pirofosfato>tripolifosfato> hexametafosfato. A presença de NaCl na
concentração de 8% na salmoura parece ter diminuído o efeito dos fosfatos. O rendimento
na cocção aumentou proporcionalmente ao tempo de massageamento, exceto no
tratamento contendo hexametafosfato e sal. A análise sensorial revelou que os provadores
detectaram pequenas diferenças entre os tratamentos com alto e baixo teor de fosfatos,
exceto para o sabor salgado. Os filés tratados com pirofosfato e triplifosfato não
apresentaram diferenças em relação aos atributos sensoriais, por outro lado os filés que
continham hexametafosfato na formulação foram considerados menos suculentos.

A preocupação com a maciez da carne de frango submetido à desossa antes da


resolução do rigor mortis motivou alguns estudos, cujo objetivo foi avaliar os efeitos de
salmouras para marinação contendo de fosfato (YOUNG et al., 1999) nas características
bioquímicas e na textura de filés de peito de frango. Em relação ao fosfato, foi observado
que a sua adição melhorou a capacidade de retenção de água, independentemente da
aplicação da estimulação elétrica e do tempo de maturação, por outro lado a força de
cisalhamento das carcaças não estimuladas (desossadas imediatamente pós “chiller”) que
receberam tratamento com fosfato foi 35% superior à das não tratadas; a estimulação
elétrica elimina o efeito do fosfato no endurecimento da carne de frango.
Os polifosfatos vêm sendo bastante utilizados na produção de cortes marinados.
Sabe-se que os polifosfatos melhoram o rendimento, a maciez e a retenção de água pela
carne, mas podem afetar negativamente o sabor (DETIENNE & WICKER, 1999).

Os trabalhos recentes com carne bovina buscam estudar o efeito da adição de


soluções contendo tripolifosfato de sódio e cloreto de sódio em cortes bovinos, com objetivo
de melhorar a maciez dos mesmos cozidos e avaliar o efeito da adição em parâmetros de
rendimento. BOLES & SHAND (2001) avaliaram o comportamento de diferentes músculos
bovinos (coxão mole, coxão duro, lagarto, maminha, picanha, miolo da paleta, peixinho,
acém, pescoço, peito, contra filé, miolo de alcatra) frente a diferentes níveis de injeção (10,
25 e 50%), utilizando salmouras formuladas para apresentarem 1,8% de sal, 1% de açúcar e
0,3% de tripolifosfato no produto final injetado. Neste trabalho observou-se que existe efeito
do tipo de músculo nos parâmetros de processo (retenção de salmoura, rendimento na
cocção) e na maciez (força de cisalhamento com acessório Warner Blatzler e Kramer) dos
cortes cozidos, bem como efeito do nível de injeção nos mesmos parâmetros. O estudo
concluiu que os músculos da paleta e do coxão podem ser utilizados na elaboração de mini
“roast beef” (partes destes músculos), porém os rendimentos são menores do que os

68
obtidos para os músculos intactos e o nível de injeção de 25% resultou em maior maciez e
rendimento.

Cortes de coxão mole (semimembranosus) foram submetidos a injeção (10%) com


salmoura elaborada para resultar em um produto final contendo 0,4% de cloreto de sódio e
0,4% de fosfato, revelaram que os cortes injetados (“enhanced”) forneceram bifes mais
macios, suculentos e salgados que os controles; por outro lado, a injeção apresentou efeito
negativo sobre a cor após dois dias de exposição sob refrigeração a 4ºC, pois houve
escurecimento e descoloração. A contagem total em placas indicou, ainda, que os bifes
provenientes de cortes injetados apresentaram maior susceptibilidade à deterioração
durante exposição. Desta forma foi observado que, embora o “enhacement” melhore as
características sensoriais, afeta negativamente a vida útil sob refrigeração (ROBBINS et al.,
2002).

69
3 - BIBLIOGRÁFIA CONSULTADA

DETIENNE, N.A., WICKER, L. Sodium chloride and Tripolyphosphate effects on physical


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71
PRINCÍPIOS DE PROCESSAMENTO DE PRESUNTOS E APRESUNTADOS
Manuel Pinto Neto
Centro de Tecnologia de Carnes / ITAL

INTRODUÇÃO
Existe uma grande quantidade de receitas e formulações para fabricação de
presuntos e apresuntados, mas basicamente todo produto denominado por presunto
significa que é composto por músculos inteiros de pernil suíno, já o apresuntado é
preparado com recortes de presunto ou pernil e também paleta de suíno.
No caso do apresuntado a salmoura não é injetada, a carne é moída em disco de 20-
22 mm e sofre a incorporação de salmoura, através da ação da misturadeira.
Dentre os vários tipos de presuntos existentes podemos citar alguns tais como
Virgínia, Westfália, Escocês, Bayone, Parma e que são preparados nas formas cru, cozido,
defumado, com ou sem osso, enlatados, enfim cada região ou país tem uma maneira
especial de produzir este tipo de produto cárneo.
O presunto cozido é amplamente consumido no Brasil e é elaborado com pernil de
suíno desossado e o seu processamento é muito semelhante ao do apresuntado e consiste
em curar os pedaços de carne e em seguida proceder o cozimento. É claro que na produção
industrial dos mesmos existem outras etapas tecnologicamente necessárias para sua
completa execução.
O processamento básico consiste das seguintes etapas:
• Seleção/Preparação da carne
• Preparação da salmoura
• Injeção
• Tratamento mecânico
• Massageamento
• Descanso
• Embalagem/Enformagem
• Cozimento
• Resfriamento
• Desenformagem
• Estocagem/Expedição

1.1 - Seleção e preparação da carne


Inicialmente deve ser feito uma análise visual e em seguida a medida do pH dos
cortes de carne, que deve estar entre 5,8 e 6,2, para que seja evitada a presença de carnes

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com PSE ou DFD as quais são impróprias para o processo. A temperatura das carnes deve
ser próxima de 0ºC, garantindo a qualidade microbiológica das mesmas. Caso ainda não
tenha sido feita a desossa, procede-se então a retirada dos ossos e em seguida a
separação dos cortes nos quais deve ser feito um toalete com a retirada da gordura, tecido
conjuntivo, couro, nódulos e tendões.
O controle sobre o peso inicial das carnes permite uma melhor uniformização do
tamanho dos músculos, facilitando assim o aspecto operacional envolvido nas etapas
subsequentes para preparação de salmoura e injeção.

1.2 - Preparação da salmoura


Água
A salmoura é preparada com água fria (4ºC) adicionando-se os ingredientes
necessários e exigidos pela formulação especificada para cada produto. A solubilidade dos
ingredientes fica reduzida nessa temperatura e, portanto deve ser feita com muito cuidado
para que a mesma fique bem homogênea e não venha a causar defeitos de fabricação ou
entupimento das agulhas de injeção.
A função da água é dispersar uniformemente os ingredientes e aditivos na massa
cárnea e extrair as proteínas do interior da carne para a superfície, solubilizando-as.
Sal
O sal participa do processo de cura da carne. A cura é um processo tradicional,
utilizado desde o início dos conhecimentos sobre a conservação da carne. Em presunto
cozido e apresuntado, o teor de sal se situa em torno de 2 a 3%, faixa em que reside a
maior aceitabilidade em termos de sabor salgado. Além do processo de cura, o sal tem
participação muito importante no processo da solubilização das proteínas da carne. As
proteínas sarcoplasmáticas e as miofibrilares são soluções salinas, portanto, o sal tem uma
importância fundamental na extração das proteínas do interior do músculo para a superfície.
O sal dissolvido na água do produto cárneo abaixa a atividade de água,
consequentemente, tem um efeito de preservar, agindo contra o desenvolvimento de
microrganismos. Por outro lado o sal tem ação pró-oxidante, portanto em produtos cárneos
que não têm a proteção de outros aditivos, como o nitrito, pode-se adotar a redução na
quantidade empregada, podendo ser adicionado apenas na hora de consumir.
Proteínas
As proteínas são muito interessantes para serem utilizadas em produtos cárneos,
pois, tecnologicamente, se comportam de modo muito parecido como as proteínas da
própria carne, promovendo adesão entre os pedaços de carne e retendo mais água. Além
destas, apresenta outras vantagens, tais como:
• Melhora a firmeza

73
• Melhora a fatiabilidade
• Melhora a formação de gel
• Possui valor nutricional
• Reduz custo

Podem ser utilizadas proteínas animais e vegetais. As proteínas animais são boas
para a utilização em presuntos, porém têm custo elevado, com exceção do plasma
sanguíneo. Além desta temos a gelatina de couro e de ossos, proteína de leite e de ovos. A
adição de proteínas é limitada a até 2%, pois se prevê uma adição, em substituição ao
amido.
A proteína vegetal mais utilizada é a de soja. Está disponível no mercado em
diferentes concentrações, apresentações e propriedades. Portanto é importante consultar o
fabricante quanto a melhor forma de utilizá-la.
A proteína de soja, com 90% de concentração pode ser adicionada em presunto ao
limite máximo, também de 2%. A ordem de adição na salmoura de injeção deve ser feita no
início da preparação, sobre o total da água, com utilização de agitação mecânica para
garantir a sua boa dispersão. Em geral, a concentração utilizada na salmoura é de 5% a 6%.
Em apresuntados, é utilizada via salmoura ou pasta fina na proporção 1:4:4 ou 1:5:5 de
proteína isolada: água: gordura.
Carboidratos
Os amidos e os açúcares são os carboidratos utilizados tradicionalmente pela
indústria cárnea.
Em outros países existem amidos de cevada, arroz, batata e outros, porém no Brasil
o de mandioca e o de milho são os mais empregados.
O limite de utilização em apresuntados é 2%. A adição de amido, no processamento,
deve ser realizada somente após o período de cura, no massageamento/ mistura, antes da
enformação, para evitar que haja fermentação excessiva.
Açúcares, embora não essenciais, são empregados como nutrientes para bactérias
que transformam nitrato a nitrito, para mascarar o sabor do sal, entre 2,5 a 3% e contribuir
para o sabor, para isso podem ser utilizados em concentrações de 1 a 2%.

Condimentos e temperos
São importantes nutricionalmente tanto para pessoas saudáveis como doentes, pois
conferem ao alimento odor agradável e ajudam a melhorar o sabor ao degustar. Os
presuntos devem ser condimentados de forma suave, de modo a permitir que predomine o
sabor da carne curada.

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Podemos dividir em duas categorias:
• Tecidos de plantas naturais ou desidratadas, extratos oleosos (oleoresinas) e óleos
essenciais
• Hidrolisados protéicos
Alguns condimentos como o alecrim e a sálvia, são conhecidos por possuírem
propriedades antioxidantes outros como o alho e o cravo são conhecidos por suas
qualidades de conservantes do ponto de vista microbiológico, porém é necessário investigar
se a quantidade aceita organolepticamente num produto é suficiente para conferir os efeitos
mencionados.
Um modo prático de se avaliar a intensidade de odor/sabor destes extratos oleosos
em produtos cárneos é utilizar-se de uma quantidade de carne moída, adicionar-se uma
quantidade conhecida da oleoresina ou do óleo essencial, proceder a cocção em forno de
microondas e registrar o tipo de efeito e da intensidade sensoriais. Geralmente os
condimentos podem ser adquiridos já preparados para um determinado produto.
Os hidrolisados protéicos são realçadores de sabor, sendo utilizados por essa
propriedade funcional em produtos processados como ingredientes ou coadjuvantes
tecnológicos de sabor. A propriedade de realce de sabor é conferida pela presença de
aminoácidos, principalmente dos aromáticos.
O uso do hidrolisado, produto termostável, visa repor parte dos sabores perdidos.
Existem no mercado, vários hidrolisados, entre eles, o realçador ou potencializador universal
de sabor, realçadores específicos para carnes. O glutamato monossódico também é um
hidrolisado, porém baseia-se em um só aminoácido. Uma quantidade em torno de 0,05% é
suficiente para conferir o efeito máximo. É um composto encontrado naturalmente nos
alimentos e industrialmente é obtido por fermentação do melado de cana. Não há limite de
adição para hidrolisados, sendo permitidos em quantidade necessária para dar o efeito
desejado no produto.
Aditivos
Os aditivos não têm função nutricional no alimento a ser adicionado. São colocados
nos alimentos para conferir efeito(s) desejado(s) tais como melhorar a conservação, as
propriedades organolépticas e as tecnológicas. São seguros do ponto de vista de saúde
pública e são regulamentados pela legislação, através do Ministério da Saúde, que limita os
tipos e quantidades dos aditivos e os produtos nos quais podem ser adicionados, recebendo
um código, de acordo com a função no alimento.
Dentre os aditivos para presuntos vamos descrever em seguida alguns utilizados:
Aroma natural de fumaça
O destilado da queima da madeira pode ser utilizado em produto cárneo defumado,
somente como reforço a nível máximo de 0,009%. Podemos interpretar, portanto, que em

75
presuntos e apresuntados pode ser adicionado somente se na etapa de fabricação constar a
etapa de defumação ou se houver permissão do órgão de inspeção do frigorífico.
Antioxidantes
São aceleradores da transformação do nitrito a óxido nitroso e também são
estabilizadores da cor formada por aquecimento, o nitrosohemocromo.
Os antioxidantes mais utilizados para a fabricação de presuntos são:
• Ácido ascórbico e ascorbato de sódio, potássio e cálcio (A.I)
• Ácido eritórbico e eritorbato de sódio.

O ascorbato é considerado mais eficiente nessa ação, porém é de custo mais


elevado, portanto o uso do eritorbato em produtos cárneos é maior.
A adição de ácido ascórbico permite que o teor de nitrito seja reduzido para 1/3 sem
que haja prejuízo da cor.
O limite máximo permitido para uso do ácido ascórbico e seus sais de 0,2% em
produtos cárneos curados. Para o isoascórbico (ou eritórbico) e seus sais a legislação
também prevê 0,2% em conservas de carnes e derivados embutidos ou curados. Para
presuntos e apresuntados, o limite é o mesmo.
Conservantes
Nitrito de sódio ou de potássio (P. VIII) ou nitrato de sódio ou potássio (salitre)
associado ou não de nitrito de sódio ou potássio (P.VII).
O nitrito tem sido empregado amplamente em produtos cárneos de cura rápida por
ter uma função considerada insubstituível em associação com sal, o de ter ação sobre o
desenvolvimento do Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbia, produtora de uma
toxina letal. Além desse efeito, o nitrito soma outros efeitos tais como, possuir ação
antioxidativa (através do produto de reação, o óxido nítrico), promover alterações de cor,
sabor e estabilidade desejáveis ao produto cárneo. A quantidade de 150 ppm é considerada
suficiente para inibir a formação de esporos de C. botulinum e desenvolver a cor e o sabor,
se o cloreto de sódio estiver presente entre 2,0 a 3,5%.
Limite da legislação brasileira: máximo de 200 mg/kg de nitrito de sódio ou potássio,
isoladamente; ou máximo de 500 mg/kg de nitrito de sódio ou potássio associado ou não a
nitrito de sódio ou potássio.
Corantes
Somente os corantes naturais são permitidos em produtos cárneos:
• Hemoglobina
• Carmin (vermelho cochonilha)

76
O carmin vem ganhando espaço por apresentar facilidade de uso e uma boa
estabilidade.
Espessantes
As carragenas podem entrar tanto na categoria de espessantes como de
estabilizantes. Existe um crescente interesse em sua utilização em produtos cárneos,
especialmente em produtos como presuntos e apresuntados em que é permitida a adição de
até 0,5%.
Existem 3 tipos de carragenas com propriedades distintas, conforme o Quadro 1

Quadro 1 – Propriedades dos principais tipos de carragenas


Tipos Grupos funcionais Propriedades
Kappa 1 sulfato / 2 unid. D- Géis fortes e quebradiços, termicamente
galactose reversíveis
Iota 2 sulfato / 2 unid. D- Géis fracos e elásticos, termicamente
galactose reversíveis
Lambda 3 sulfato / 2 unid. D- Ação espessante, não forma gel
galactose
Mu carragena é precursora da Kappa.
Nu carragena é precursora da Iota.

Obtém-se o efeito desejado em um produto pela combinação (“blends”).


As vantagens da utilização das carragenas segundo os seus fabricantes são:
• Aumenta o rendimento reduz custo
• Aumenta a consistência
• Melhora a fatiabilidade, tem excelente propriedade gelificante
• Melhora a espalhabilidade (em produto tipo patê)
• Aumenta a coesividade
• Diminui a perda por exsudação, aumenta a CRA
• Diminui a perda no fatiamento
• Não tem sabor
• Não confere descoloração
Podem ser adicionadas na forma de salmoura (presunto) ou diretamente na forma
de pó em apresuntados e afiambrados. Como o sal torna a carragena insolúvel, deve ser
adicionada antes do mesmo. Se a temperatura da salmoura subir e a carragena inchar,
pode tornar a salmoura muito espessa e obstruir a agulha de injeção. Portanto a injeção
deve ser feita rapidamente para que o inchamento ocorra já no produto. A carragena gelifica
em temperaturas entre 50 e 60ºC, em que retém água facilmente. Produtos contendo
carragena devem ser resfriados, após a cocção, o mais rápido possível.

77
Estabilizantes
Os fosfatos são classificados na categoria de estabilizantes e são adicionados
durante o processo de cura de diferentes produtos cárneos por participar principalmente no
processo de retenção de água, afetando seu rendimento e suculência. No entanto
apresentam, ao serem adicionados à massa cárnea, outros benefícios, tais como a melhoria
da maciez e a preservação da cor e do sabor, bem como a preservação da rancidez
(Quadro 2). Os polifosfatos quebram as ligações entre a actina e a miosina (o complexo
formado no rigor mortis) permitindo a formação de espaços entre os filamentos. Ao mesmo
tempo eles alteram a força iônica do sarcoplasma, aumentando com isso a repulsão
eletrostática entre os filamentos e posterior aumento na quantidade de espaço disponível
para ligar água.
São vários os tipos de fosfatos disponíveis para uso em alimentos, porém os mais
utilizados para processamento de carnes (90%) são o tripolifosfato de sódio e o
hexametafosfato de sódio. Outros fosfatos utilizados em produtos cárneos são o pirofosfato
ácido de sódio e o pirofosfato trissódico.
Algumas desvantagens no uso de fosfatos são o aumento da corrosão, aumento da
possibilidade de crescimento bacteriano (maior retenção de água implica em maior atividade
de água e também dependendo do fosfato pode elevar o pH da massa cárnea) e, em
quantidade excessiva (mas só em excesso), liga o Ca++ tornando-o não disponível
nutricionalmente (Copenhagen Pectin, 1993).
Uma quantidade suficiente para dar o efeito desejado é de 0,3%, porém, o limite de
adição pela legislação brasileira é de, no máximo, 0,5%. Em presuntos e apresuntados vale
o mesmo limite.

Quadro 2 – Ação dos fosfatos.

Correção do pH
O tripolifosfato tem pH em torno de 9,0, portanto aumenta o pH da massa. Quanto
mais longe do ponto isoelétrico das proteínas (em torno de 5,3) em que ocorre a
coagulação, melhor a solubilização das mesmas. O pirofosfato ácido de sódio (quando se
quer que o processo de cura ocorra rapidamente) diminui mais rapidamente o pH, para
valores mais próximos de 4,0, em que se dá a máxima conversão do nitrito a óxido nítrico.
Retenção de água
Os fosfatos reagem com a proteína da carne e retém água, proteínas solúveis e
gordura durante o processamento, retendo sucos e seu valor nutricional, portanto tornando o
produto mais macio e suculento.
Estabiliza a emulsão

78
Forma uma rede ao redor das partículas de gordura numa emulsão.
Sequestrante de cátions
Reage com metais polivalentes (Fe+++ e Cu+ que são catalisadores de reações de
oxidação) e os torna não reativos, portanto retarda o surgimento da rancidez e a perda da
cor, cujos produtos são nutrientes para alguns microrganismos, por consequência retarda a
deterioração.
Tamponante
Tem habilidade de resistir à mudança do pH, como os fosfatos de cadeia curta,
ortofosfato e pirofosfato que mantém o pH perto dos valores da carne de animal recém
abatido enquanto que o tripolifosfato pode aumentar o pH até cerca de 9,0.

Umectante
O lactato de sódio (U.V) é utilizado como umectante e sua ação consiste em
aumentar a estabilidade microbiológica, e consequentemente, a vida de prateleira. Melhora
o sabor, a cor e é de fácil aplicação por se apresentar na forma líquida (cerca de 60% de
concentração). Em geral parece não trazer mudanças significativas no produto ou processo
aos quais foram adicionados. Por conferir um sabor ligeiramente salgado, deve-se
compensar, reduzindo o teor de sal em 0,1 a 0,2%.

1.3 - Injeção
A etapa de injeção é muito importante no processo de cura do presunto.
A tecnologia de injeção tem evoluído muito nestes últimos 30 anos, inicialmente a
difusão da salmoura era somente feita a seco, durante meses a uma temperatura baixa e
estável. Depois se descobriu que se o objetivo era uniformizar a distribuição dos agentes de
cura na massa cárnea, nada mais lógico do que forçar a penetração da solução de cura
através de agulhas simples ou duplas, com vários furos laterais. Desse modo, reduziu-se
para 5 a 7 dias o tempo necessário para a cura, mas o processo ainda era manual, lento e
precisava evoluir.
Hoje existem equipamentos utilizados para a injeção com recursos sofisticados tais
como iniciar a injeção no momento que a agulha penetra na carne, interromper a injeção
caso a agulha não penetre devido a algum obstáculo dentro do músculo, evitando a
formação de bolsas de salmoura.
A operação de difundir a salmoura dentro do músculo pode ser realizada de várias
maneiras as quais são descritas a seguir:

• Osmose (submersão em salmoura)

79
• Arterial (injeção pelas artérias)
• Intramuscular
• Laser

No nosso caso interessa apenas a injeção intramuscular, que é realizada com


agulhas de aplicação manual ou automática por meio de injetoras multiagulhas.
As injetoras permitem obter uma distribuição mais homogênea da salmoura, uma
maior capacidade de injeção e também uma precisão na percentagem desejada de
salmoura injetada no músculo.
Essas injetoras multiagulhas podem trabalhar com pressões baixas, em torno de
dois kg/cm², que é o maior recomendado para a maioria dos equipamentos, evitando assim
o aparecimento de espaços vazios. Podem trabalhar também com pressões mais altas (por
volta de 8 kg/cm2) permitindo obter uma atomização da salmoura dentro da fibra muscular,
para tanto as agulhas e o próprio sistema de bombeamento tem forma construtiva diferente.
Dessa maneira consegue-se dobrar o percentual de injeção atingindo níveis de 100% sobre
o peso da carne in natura.
A quantidade injetada de salmoura determina a proporção de cada um dos seus
ingredientes na massa muscular, portanto injetando-se 20% de salmoura em 100 kg de
carne obter-se-á 120 kg de presunto cozido. Nesse produto final, teremos 83,33% de carne
e o restante será de salmoura.
Na Europa, a quantidade injetada de salmoura define a qualidade do produto
elaborado, ou seja, quanto menor a quantidade de água melhor a qualidade do produto. Os
níveis de injeção atingem uma faixa que vai desde 0 até 75%.
A injeção correta de salmoura no material cárneo que vai ser curado é muito
importante, se a injetora não estiver propriamente ajustada pode ocasionar problemas tais
como a distribuição desuniforme da salmoura e acompanhado por problemas de cor,
textura, sabor, aparência e vida de prateleira.

1.4 - Tratamento Mecânico/ Descanso/ Massageamento


O passo seguinte a injeção consiste em submeter a carne a um tratamento
mecânico chamado tenderização, visando a facilitar a distribuição de salmoura e a extração
protéica. Esse tratamento permite aumentar o rendimento de injeção quando se quer obter
porcentagem de 30% ou superior. O tempo de processamento e a perda no cozimento
diminuem.
A tenderização pode ser apenas superficial a qual é realizada fazendo-se se
passar os cortes de carne entre dois rolos com acabamento externo liso ou com pequenas
facas, pinos ou agulhas, atuando como uma prensa ou calandra.

80
Existem equipamentos para esta forma de tenderização que consistem de rolos
flutuantes, ou seja, possuem movimentos de rotação e deslocamento lateral de forma que
realizam um efeito de tenderização tanto na superfície do músculo bem como na sua parte
interna.
A tenderização pode ser realizada com maceradores cuja atuação é mais profunda
e realizada com múltiplos cortes na massa muscular para aumentar a área superficial
exposta para atuação da salmoura e a extração de proteínas.
A seguir, a carne injetada e tratada mecanicamente é colocada em câmara fria
(5ºC por 12 horas) para dar início à cura. Concluída a cura, procede-se outro tratamento
mecânico, por atrito ou por impacto, na presença de solução de cura e de preferência sob
vácuo, em ambiente refrigerado.
Essa segunda ação mecânica sobre a carne na presença de sal e polifosfatos em
solução é feita com o objetivo de produzir um exsudado na sua superfície (formado pela
proteína extraída), que promoverá a união dos blocos de carne durante o processamento
térmico.
No caso de se utilizar um equipamento chamado massageador a ação é realizada
em tanques estáticos com pás rotativas de forma que os cortes de carne sejam agitados e
friccionados uns aos outros de forma branda e própria para carnes íntegras e de estrutura
frágil. Assim permite-se obter baixos rendimentos de injeção e consequentemente uma
baixa produção. Os massageadores podem ser do tipo horizontal ou vertical que é o mais
comum.
Outro equipamento utilizado é o tumbler ou tombador que possui um corpo
cilíndrico rotativo e dispõe de aletas estáticas internamente que atuam arrastando os cortes
até a parte superior do corpo do equipamento de onde os mesmos sofrem uma queda até a
parte inferior do equipamento. A ação de tenderização é obtida através da energia gerada
pelo atrito entre as peças de carne e pelos tombos destas no interior do equipamento. Este
método proporciona uma ação mais severa e, portanto, mais indicado para partes de
músculo mais resistentes, obtendo um alto rendimento de injeção. Exige menos tempo de
processamento que o massageador e com isso obtém-se uma capacidade maior de
produção.
O tempo ideal de “tumbleamento” é definido pelo fabricante do equipamento e
depende de uma série de fatores, tais como a matéria prima usada, a carga do
equipamento, a utilização e o grau de vácuo obtido, as dimensões geométricas e a
temperatura de processo. Geralmente a carga do tumbler deve corresponder a 1/3 do seu
volume interno. O peso da carne tem efeito de massagem, por isso se a carga for muito
pequena, o tempo deve ser maior. Como regra geral o perímetro do tumbler determina a
rotação do mesmo, ou seja, quanto maior o diâmetro menor o número de rotações

81
necessárias. Como exemplo, um tumbler de 2.000 L deve ter rotação de aproximadamente 6
rpm.

1.5 - Embalagem/ Enformagem


A tecnologia de fabricação de presunto cozido evoluiu muito com o passar do
tempo e no início da década de 80, surgiu um fato que pode ser considerado o mais
importante no desenvolvimento do processo. Este fato está relacionado à tecnologia de
embalagens, e envolveu todo o conhecimento disponível na produção de um filme barreira,
transparente, impermeável, de fácil e garantida selagem térmica, encolhível e de elevada
resistência termo-mecânica.
Com todas essas características foi desenvolvida uma embalagem cujo filme é
composto basicamente de poliamida e surlyn® e com ele foi possível desenvolver também
um processo de embalagem e cocção do presunto que passou a se chamar cook-in. Nesse
processo, a peça de carne já é embalada e cozida dentro dessa própria embalagem que
segue desta forma para a comercialização, sem a necessidade de nova manipulação do
produto ou abertura da embalagem aumentando assim sua vida de prateleira devido às
melhores condições sanitárias que o produto é feito, não havendo contaminação posterior
ao cozimento. Este tempo de vida útil pode ultrapassar 4 meses com temperaturas de
conservação de 2 a 4ºC e de seis meses se for armazenado entre 0 e 2ºC sem a presença
de luz. Esta tecnologia possibilitou ainda uma redução no custo e maior alcance de
distribuição do produto.
O processo consiste em se introduzir a massa de carne em um saco plástico
flexível sob vácuo que poderá ser colocado em uma forma rígida ou não.
Em todo caso, esta tecnologia pressupõe que o produto não deve exsudar durante
a cocção. Para obter êxito neste objetivo deve-se dar importância à formulação da salmoura
utilizada bem como ao tratamento mecânico durante o período de cura, além da operação
de embalagem e cocção do produto.
No caso de usar a embalagem plástica termoformada, o processo de enchimento
será o mesmo que o descrito acima, e muito embora o produto tenha sido termosselado à
vácuo, o mesmo requer normalmente que seja colocado em uma forma rígida para realizar o
cozimento.
Se for usado um filme termoencolhível, será normalmente termosselado ou
fechado com grampo pelo fabricante.
O fechamento destes sacos deve ser feito com ajuda de um funil ou uma
embutideira pneumática, uma vez dentro da embalagem deve-se proceder a retirada do ar
de dentro da embalagem, que deverá ser feita em uma máquina que permita manter a
embalagem na posição vertical.

82
Uma vez sob vácuo deve ser feito o fechamento que poderá ser por grampo ou
termossoldagem. Comparando-se esses dois fechamentos verifica-se que o grampo oferece
uma vantagem fundamental por produzir poucas peças com defeitos de selagem, uma vez
que a termossoldagem exige que os sacos estejam bem limpos na área de soldagem.

1.6 - Cozimento
Uma vez embaladas e enformadas as peças são submetidas ao cozimento em
água quente ou estufa à vapor.
O cozimento em água consiste no carregamento do produto em cestos que por sua
vez são colocados em tanques contendo água. O processo ocorre em batelada e o
aquecimento da água é realizado no próprio tanque com ajuste de temperatura em um valor
prefixado, dependendo das necessidades de cada produto em particular.
Esse tipo de cozimento tem a vantagem de ter uma excelente troca e transmissão
de calor, resultando em um tempo menor de cozimento enquanto permite uma boa
homogeneidade e controle de temperatura. Entretanto é também algo inconveniente em
termos de higiene, especialmente em produtos com perdas por cozimento, onde a carne
pode vir a ter contato com água.
Por outro lado o espaço ocupado com os tanques de água é uma clara
desvantagem comparada com os fornos de cocção.
No cozimento em estufa à vapor, o produto a ser cozido é colocado em carrinhos
especialmente desenhados para esse fim que são colocados dentro da estufa. Da mesma
forma que o processo anterior a operação é descontínua.
Existem certas desvantagens em relação ao cozimento em água, dentre elas
vamos citar as seguintes:
• A troca de calor é inferior, aumentando o tempo de cozimento,
• O sistema necessita estar muito bem projetado no que se refere a distribuição do
ar para se evitar possíveis diferenças de temperatura dentro da estufa, o que levaria ao
cozimento irregular de algumas peças do mesmo lote.
Porém apresenta a vantagem de ser um sistema que envolve baixo custo
energético e fácil manutenção.

1.7 - Processos de cocção


É muito difícil determinar um processo ótimo de cocção. A experiência mostra que
cada produto pode ter um processo ótimo de cozimento, que por sua vez pode apresentar
resultados diferentes para produtos similares em fábricas diferentes.
Existem três processos básicos de cozimento.

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• Cozimento à temperatura constante
• Cozimento à temperatura decrescente
• Cozimento à temperatura crescente

No primeiro, a temperatura da água ou vapor é mantida constante desde o início


até o fim do cozimento. O final do ciclo de cozimento será determinado quando a
temperatura no ponto mais central das peças atingir um certo valor. Este tipo de cozimento é
o mais amplamente utilizado.
O cozimento à temperatura decrescente consiste em se iniciar o processo com
uma temperatura alta (por exemplo, 80 a 90ºC) que é mantida por um certo tempo até que o
centro térmico da peça alcance a temperatura pré-fixada (por exemplo, entre 50 a 55ºC).
Então a temperatura do meio é regulada para uma temperatura menor (70 a 75ºC)
durante o restante do tempo de processamento. Este método é desaconselhado, a não ser
que exista alguma necessidade imperativa como falta de tempo ou material insuficiente.
O cozimento à temperatura crescente pode ser separado em dois tipos:
• Passo a passo
• Delta T

No cozimento passo a passo a temperatura do meio aumenta de uma forma


gradual em vários estágios sucessivos até que o centro térmico do produto alcance a
temperatura desejada. Este tipo de cozimento produz bons resultados, principalmente em
produtos que não sofrem perda no cozimento, embora os tempos de cozimento sejam
maiores que os processos anteriores. Esse processo é muito utilizado no Brasil mantendo-
se a temperatura em 60ºC durante uma hora com elevação da temperatura para 65ºC por
mais uma hora e posteriormente até 80ºC e deixando o produto atingir 73ºC em seu interior.
No cozimento tipo deltaT a temperatura de cozimento aumenta continuamente e da
mesma maneira que a temperatura do centro térmico do produto, porém mantendo-se a
temperatura de cozimento sempre mais elevada com uma diferença de 25ºC. No final do
processo a temperatura do meio é mantida constante até que a temperatura do centro
térmico atinja a temperatura máxima de 76ºC.
Esse tipo de aquecimento apresenta muito bons resultados do ponto de vista
sensorial, uma vez que as alterações devido ao supercozimento da superfície são
praticamente nulas. Um ponto negativo, entretanto é a sua longa duração.
As temperaturas que determinam o fim do cozimento dependem muito do tipo de
produto que está sendo processado, o rendimento e as características sensoriais desejadas.
De uma maneira geral pode se dizer que para processo sem perda no cozimento, a
temperatura final no centro da peça pode ser de 65 a 69ºC. O cozimento do presunto “cook-

84
in” exige um controle mais rigoroso, pois a temperatura e o tempo de cozimento podem
influenciar na liberação do líquido, que no “cook-in” deve ser evitado. Assim recomenda-se
controlar a temperatura de cozimento de modo a não ultrapassar 4 a 6ºC da temperatura
final interna do produto e tão logo essa temperatura interna seja atingida resfriar
rapidamente o produto.
Para produtos com perda no cozimento a temperatura interna recomendada está
entre 67 e 70ºC e no caso de produtos com perda no cozimento controlada (High Quality), a
temperatura no ponto central normalmente atinge 72 a 73ºC, muito embora existam
tendências para diminuir o percentual de injeção e diminuir a temperatura final para 70 -
71ºC.

1.8 - Resfriamento
Esta fase influencia as características finais do produto acabado. O resfriamento
após a cocção e a forma que o mesmo é resfriado, podem afetar o rendimento final, bem
como a coesão dos pedaços e o grau de pasteurização.
Uma vez encerrado o cozimento, é recomendado pré-resfriar o produto por meio de
um chuveiro ou imersão em água de forma a prevenir que a temperatura, no centro do
produto, aumente e ocorra sobrecarga térmica das câmaras de resfriamento.
Imediatamente após o pré-resfriamento o produto deve ser enviado para uma
câmara frigorífica e permanecer lá por no mínimo 24 h para ser retirado das formas e um
mínimo de 38 h é necessário para que seja comercializado, este intervalo de tempo garante
que a cor e outras propriedades sensoriais do presunto tenham se estabilizado. Finalmente
deve-se assegurar que a temperatura no centro térmico do produto tenha atingido a
temperatura de 4ºC ou menos.

85
2 - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
Andujar, G.; Herrera, H.; Lopez, S. La velocidade de penetracion de la sal em la carne
cocida Ciência e Tecnologia de Alimentos – Instituto de Investigaciones para la Indústria
Alimentícia – Havana, 1986, 29-37.

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cozido e apresuntado. Centro de Tecnologia de Carnes. Campinas, 1995,74p.

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& Technology Group, Inc. Chicago (2) 4 – 44-50 Set. 1995.

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1998. 216p.

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Nov. 1982, 57-73.

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Procesos 3 (1990), 11-15 – (Informações Técnicas de Metalquimia – Girona)

Wirth, F.; Leistner, L.; Rodel, W. Valores Normativos de la Tecnologia Carnica.


Zaragoza. Ed. Acribia, 1981. 127p.

86
PRINCÍPIOS DO PROCESSAMENTO DE PRODUTOS CÁRNEOS EMULSIONADOS
Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

Na elaboração de produtos cárneos emulsionados podem estar envolvidos


diferentes processos de cominuição. Seus efeitos sobre a matéria-prima cárnea na
formação da matriz protéica e na emulsificação propriamente dita são de extrema
importância para a qualidade.

1 - PROCESSOS DE COMINUIÇÃO
As operações que precedem a elaboração dos produtos cárneos envolvem
cominuição e reestruturação. A fragmentação dos tecidos musculares e adiposos ocorre sob
o efeito de forças de corte, esmagamento e ruptura. A importância relativa de cada uma
destas forças influi na capacidade da carne sofrer as transformações posteriores,
necessárias para a elaboração dos produtos. É importante destacar que, os efeitos da
cominuição ainda são pouco conhecidos.
A cominuição grosseira, utilizada nas matérias-primas para elaboração de
lingüiças, produz pedaços constituídos de células mais ou menos intactas, que quando
aglomerados produzem o efeito desejado. Nesta forma de cominuição, a ruptura das células
constituintes dos tecidos é parcial, portanto as quantidades de compostos lipídicos e
protéicos obtidos são escassas. Após esta etapa, se a ação mecânica continuar, os
compostos liberados podem reagir entre si, formando novas estruturas, tal como ocorre nos
produtos emulsionados.
As partículas de carne e gordura, ou suas misturas aderem-se graças ao poder de
liga da mistura, decorrente da extração de proteínas, exsudação de água e liberação dos
lipídios, os quais estão distribuídos ao redor das partículas íntegras do tecido muscular e da
gordura. A massa obtida, constituída de partículas de diferentes tamanhos, é moldada
através do embutimento, que também contribui para a coesão dos grânulos.
As características das matérias-primas cominuídas dependerão em grande parte
do tipo de equipamento utilizado na cominuição. Os equipamentos disponíveis podem ser
incluídos nas seguintes categorias básicas: moedores, cutter, cubetadoras, floculadoras e
moinho coloidal.
Os moedores são constituídos basicamente de uma rosca sem fim, placas fixas
perfuradas e facas. A ruptura das matérias-primas cárneas se realiza sob efeito da pressão,
resultando em deformações do tecido conjuntivo, e em esmagamento do tecido muscular e
dos adipócitos. Neste processo de cominuição, ocorre aquecimento das matérias-primas,
que pode ser minimizado através de modificações no funcionamento do equipamento, tais

87
como alteração da velocidade da rosca e das facas, tornando-as independentes. Os
moedores, segundo seu desenho, podem admitir matérias-primas frescas, congeladas ou
ambas. Pode-se, ainda, acoplar aos moedores dispositivos que permitem a eliminação de
ossos e separação do tecido conjuntivo.
O "cutter" é um equipamento constituído de uma bacia móvel e de um jogo de
facas com quantidade e formato variáveis. Sua utilização permite o corte das matérias-
primas, sem provocar esmagamento e com mínimo aquecimento. O equipamento pode
controlar a velocidade das facas independentemente da cuba, inverter o sentido de rotação
e admitir vácuo ou injeção de nitrogênio para abaixamento da temperatura, características
estas que aumentam sua versatilidade. As matérias-primas cominuídas apresentam
excelente funcionalidade, porém seu tamanho não é homogêneo e o controle do grau de
cominuição requer bastante experiência do operador, uma vez que apenas o tempo e o
número de voltas padronizam o processo.
A floculadora, cujo exemplo clássico seria a "Comitrol", possui uma coroa giratória,
sobre a qual se colocam as facas, e é adequada para produtos que necessitam de
reestruturação.
Os moinhos coloidais podem ser utilizados no caso de massas finas como as de
salsicha e mortadela, permitindo o processo contínuo. Apesar desta vantagem, ocorre muita
elevação da temperatura durante a cominuição, o que exige rígida padronização das
matérias-primas para evitar defeitos nos produtos.
Finalmente, é importante considerar que o processo de cominuição não só
influencia as características físicas e sensoriais dos produtos, mas também seu rendimento
após secagem ou cocção. Cuidados com a manutenção das facas amoladas e bem
ajustadas ao equipamento são muito importantes para se atingir uma cominuição adequada.
Além da cominuição, o processo de mistura quando realizado após a moagem das
matérias-primas, é muito importante para a qualidade do embutido obtido. Neste sentido, o
desenho do equipamento (misturadeira), principalmente no que se refere à disposição das
pás e seu formato, influenciam na capacidade de mistura, bem como na possibilidade de se
realizar vácuo. O tempo de mistura deve ser tal que permita extração parcial das proteínas,
sem emulsificação da gordura, especialmente nas lingüiças e similares. No caso dos
embutidos emulsionados, a extração deverá ser mais efetiva das proteínas e geralmente
todo o processo é realizado em um só equipamento (cutter).

2 - PRINCÍPIOS DE FORMAÇÃO DA EMULSÃO


Quando o músculo, a gordura, a água e o sal são misturados e submetidos à
mistura eficiente (ex: cutter), forma-se uma massa cárnea que apresenta características de
uma emulsão de gordura em água. A formação de uma massa típica de produto

88
emulsionado ocorre em duas etapas: inicialmente ocorre absorção de água pelas proteínas
e formação de uma matriz viscosa; a seguir ocorre solubilização das proteínas com
emulsificação dos glóbulos de gordura. A importância de cada uma destas etapas do
processo de emulsificação ainda não está muito clara.
O rompimento das fibras musculares expõe as proteínas à água. As proteínas,
naturalmente insolúveis (principalmente miosina e actina ou actomiosina) formam um gel
que retem água, se a força iônica do meio, o pH e a temperatura forem favoráveis. A
absorção de água pelo gel protéico na presença de sal e tripolifosfato provoca inchamento
das proteínas com aumento da viscosidade. Naturalmente algumas proteínas permanecem
intactas na fibra muscular ou no tecido conjuntivo, enquanto outras se solubilizam e servem
como agentes emulsificantes (Figura 1).

Fonte: Romans et al., 2001.

Figura 1. Representação esquemática de uma emulsão cárnea.

A formação da matriz, na massa emulsificada, estabiliza a estrutura ao imobilizar


a água livre, impedindo perda de água e a coalescência dos glóbulos de gordura durante o
aquecimento.
Uma emulsão é definida como uma mistura de dois líquidos imiscíveis, dos quais,
um fica disperso na forma de pequenos glóbulos em outro líquido. O líquido que forma os
pequenos glóbulos é chamado de fase dispersa e o outro, em que os glóbulos estão
dispersos, de fase contínua. O tamanho das partículas na fase dispersa pode variar de 0,1 a
5,0 micrômetros em diâmetro.
Como exemplo de emulsões típicas pode-se citar a maionese e o leite, ambos
apresentam a gordura como fase dispersa na água. As emulsões cárneas são sistemas de
duas fases, sendo a fase dispersa constituída de partículas de gordura, sólidas ou líquidas,
e a fase contínua constituída de água, sais e proteínas em suspensão. Assim, as emulsões

89
cárneas podem ser classificadas como emulsões de óleo em água. A maioria das partículas
de gordura em emulsões cárneas apresenta diâmetro superior a 50 micrometros, não
podendo, portanto ser consideradas emulsões clássicas.
As emulsões são normalmente instáveis, a não ser que um agente estabilizante
ou emulsificante esteja presente. Quando a gordura está em contato com a água, ocorre
uma grande tensão interfacial entre as fases. O agente emulsificante atua reduzindo esta
tensão interfacial, permitindo a formação de uma emulsão sem muito gasto de energia, além
de aumentar a estabilidade do sistema. Os agentes emulsificantes são compostos que
contêm moléculas com afinidade tanto pela água como pela gordura, ou seja, com grupos
hidrofílicos e hidrofóbicos, respectivamente. Nas emulsões cárneas, as proteínas
miofibrilares (actina, miosina e actomiosina) atuam como agentes emulsificantes. Estas
proteínas estão insolúveis em água e em soluções salinas diluídas, porém quando a
concentração salina é elevada tornam-se solúveis. Assim, a principal função do sal em
embutidos emulsionados é solubilizar estas proteínas, tornando-as disponíveis para atuar
como emulsificantes.
Entre os principais fatores que afetam a formação e a estabilidade da emulsão
cárnea destacam-se a temperatura durante o processo de formação da matriz e
emulsificação, o tamanho da partícula de gordura, o pH, a quantidade e o tipo da proteína
solúvel, e a viscosidade da massa. Durante a moagem (no cutter), a temperatura da massa
aumenta, ocasionando a fusão de algumas partículas de gordura e início da desnaturação
protéica, em que a estrutura da proteína se abre, permitindo encapsular a gordura. Pode-se
dizer, portanto, que o aquecimento é benéfico, uma vez que ajuda a solubilização das
proteínas e acelera o processo de cura (desenvolvimento da cor). Por outro lado, se a
temperatura se torna muita alta durante o processo de moagem, pode ocorrer quebra da
emulsão durante o tratamento térmico. A temperatura máxima permitida durante a formação
da emulsão depende muito do tipo de equipamento e do ponto de fusão da gordura
utilizada. Para carne de aves, a temperatura máxima no final do processo de emulsificação
deve estar em torno de 10 e 12OC, para carne suína entre 15 e 18OC e para carne bovina
pode-se atingir 21 e 22OC, quando emulsificadores são utilizados. Temperaturas mais
baixas devem ser mantidas quando são usados cutters comuns. Com a elevação da
temperatura pode ocorrer excessiva desnaturação protéica, diminuindo a viscosidade da
massa devido ao rompimento da matriz protéica e fusão da gordura. Como as proteínas
solúveis atuam como agentes emulsificantes, a desnaturação completa das mesmas
durante a cominuição pode causar quebra da emulsão durante o tratamento térmico. Com o
decréscimo da viscosidade da massa, decresce a estabilidade da emulsão: as partículas de
gordura dispersas ficam menos densas que a fase contínua aquosa, tendendo a migrar para
a superfície. Esta rápida migração é impedida quando a viscosidade é maior; ao diminuir a

90
viscosidade, a tendência de separação aumenta. As partículas de gordura ao se fundirem,
tornam-se menores, aumentando a área superficial, o que torna mais instável a emulsão.
Recomenda-se que as carnes gordas não estejam congeladas ao adicionar-se no
cutter. A carne congelada ao ser submetida à moagem no cutter libera mais gordura livre se
comparada à carne descongelada, em que as células de gordura não se rompem facilmente.
Comercialmente observa-se que as formulações com carnes gordas congeladas
apresentam menor rendimento no processo de cozimento.
O aumento da temperatura pode ser controlado com a adição de gelo durante o
processo de cominuição no cutter, ao invés de água. O calor latente de fusão do gelo é de
80 calorias para passar da fase sólida para a fase líquida a zero grau; por outro lado, acima
de zero só uma caloria já eleva a temperatura em um grau centígrado. Outra alternativa para
reduzir a temperatura da massa no cutter, é a adição de neve carbônica ou o uso da carne
parcialmente congelada.
O tempo de batimento no cutter também não deve ser excessivo, isto reduziria o
tamanho das partículas de gordura, aumentando sua área superficial, o que demandaria
maior quantidade de proteína para envolver completamente sua superfície. A proteína
solúvel pode não ser capaz de emulsificar a gordura, e as partículas de gordura que não
estiverem completamente envolvidas pela proteína podem desestabilizar a emulsão.
O processo de formação da emulsão cárnea inicia-se pela extração das proteínas
das carnes magras, antes de se adicionar a gordura. A quantidade de proteína extraída dos
tecidos depende de vários fatores: a elevação do pH melhora a extração das proteínas e o
uso de carne pré-rigor permite extrair cerca de 50% mais proteína que a carne pós rigor.
A espécie da qual o músculo é proveniente, a idade do animal, bem como o tipo
de corte, afetam a estabilidade da emulsão, uma vez que apresentam diferentes
quantidades de proteínas miofibrilares ou diferente disponibilidade destas, ou seja, a
miosina pode estar presente em diferentes formas (isozimas).
A quebra da emulsão é na verdade uma coalescência dos glóbulos de gordura.
Normalmente ocorre durante o tratamento térmico, mas só é percebida durante o
resfriamento. A quebra se dá com a formação de bolsões de gordura na superfície ou no
interior do produto. Pode ocorrer, ainda, migração da gordura para as extremidades, ou
apenas migrar para a superfície, tornando-a oleosa, o que é o mais comum.
Finalmente, deve-se trabalhar com a formulação, garantindo um produto de
qualidade uniforme quanto ao sabor, aparência, composição e propriedades físicas,
batelada após batelada. Uma formulação adequada deve basear-se em informações
precisas sobre a composição das matérias-primas (relação umidade-proteína, teor de
gordura, capacidade de emulsificação, pH, teor de tecido conjuntivo, cor, temperatura), o

91
que permite a utilização de softwares específicos, que indicam as substituições que podem
ser feitas de acordo com o custo dos ingredientes.

3 - PROGRAMAS DE FORMULAÇÃO DE CUSTO MÍNIMO


Uma formulação simples para um produto cárneo requer alguns cálculos básicos,
porém, nas modernas plantas de processamento que produzem dezenas de produtos
diferentes, dependendo de inúmeras matérias-primas cujo custo se modifica praticamente
diariamente, o uso de programas para otimizar a produção é muito útil.
Antigamente os processadores utilizavam formulações simples, que eram
elaboradas com determinadas matérias-primas fixas, pois os cálculos eram trabalhosos
caso fossem feitas muitas alterações. No final da década de 50, começou a se tornar
popular a programação linear como ferramenta para formulação de produtos cárneos,
principalmente embutidos, e também para formulação de rações animais. O termo
“formulação de custo mínimo” é muitas vezes mal interpretado por algumas pessoas que
não têm muita familiaridade com o tema, pois estas acreditam que o principal objetivo é
formular produtos cada vez mais baratos. Entretanto, ao se avaliar os procedimentos
utilizados, observa-se que o programa é desenhado para selecionar os
ingredientes/matérias-primas de menor custo, desde que alguns requisitos sejam
preenchidos, tais como o teor de proteína, índice de binding (liga), cor, teor de gordura,
entre outros. Pearson e Tauber (1984) indicaram as principais vantagens de uso de
programas deste gênero.
Quando se lança mão do programa de formulação, pode-se obter a melhor
combinação de ingredientes para um determinado produto, atendendo às limitações
impostas para cada ingrediente na fórmula, através de inúmeros cálculos que não seriam
viáveis sem o uso do referido programa. Desta forma economiza-se tempo para realização
dos cálculos que, se realizados manualmente, seriam muito demorados. O uso do programa
permite ainda, ajuste das formulações através de análises que podem ser feitas inclusive
com pré-misturas, maximizando assim o uso dos ingredientes disponíveis, facilitando o
controle de estoque e fornecendo informações precisas. Desta forma, o uso do programa
pode inclusive facilitar o gerenciamento da produção, dos preços e da mão de obra.
Por outro lado é importante ressaltar que o uso do programa requer um número
maior de informações a respeito dos ingredientes/aditivos/matérias-primas disponíveis, além
de pessoal mais bem formado que o necessário para a formulação pelo sistema tradicional.
A compreensão dos princípios envolvidos na formação e na estabilidade da emulsão, bem
como o conhecimento das propriedades funcionais dos diferentes componentes da
formulação são necessários. Assim, mais limitações devem ser impostas para que a
qualidade do produto final seja mantida. Dois exemplos característicos de novos requisitos

92
necessários para o uso dos programas para formulação de custo mínimo seriam o índice de
binding (liga) e a capacidade de emulsificação, que devem ser determinados para as
diferentes matérias-primas disponíveis para processamento.
Atribui-se a Saffle a introdução dos conceitos de constantes ou índices para as
diferentes carnes no início da década de 60 (LA BUDDE e LANIER, 1960). Os índices
baseavam-se no teste de estabilidade de emulsão de cada carne e foram muito úteis para o
desenvolvimento dos programas de formulação de custo mínimo para embutidos. De forma
bem generalizada, pode-se dizer que os programas utilizam valores numéricos para
descrever as propriedades específicas da carne e fornecem a melhor combinação para
seleção das matérias-primas. Um processador comum pode utilizar 25 a 50 diferentes cortes
cárneos/recortes em um único dia. O programa calcula a melhor combinação de
ingredientes que preenchem os requisitos impostos pelo processador, incluindo desde os
teores de proteína, gordura e umidade, até outros parâmetros como cor e vida útil. A
determinação do índice de binding ou liga das carnes é essencial na obtenção da textura
desejada para o produto final. É importante notar que Saffle quando desenvolveu o índice da
capacidade de emulsificação, já havia frigoríficos nos Estados Unidos com seus próprios
critérios padronizados. A constante de capacidade de emulsificação (índice de binding),
desenvolvida por Saffle, é determinada pela multiplicação do teor (%) de proteínas solúveis
em soluções salinas (miofibrilares) pelo resultado da determinação da capacidade de
emulsificação da carne. Este índice ainda é utilizado como parâmetro em vários programas
de formulação de custo mínimo. Por outro lado, sabe-se que alguns frigoríficos desenvolvem
seus próprios critérios utilizando-os para classificação das matérias-primas, usando estes
valores em programas desenvolvidos pela própria empresa, atendendo as necessidades
específicas.

93
4 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ACTON, J.C.; ZIEGLER, G.R.; BURGE, D.L.Jr. Functionality of muscle constituents in the
processing of comminuted meat products. CRC Critical Review in Food Science. v. 18, n.
2, p. 99-123, 1983.

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meat we eat. Interstate, Danville,14th ed. 2001, 1112p
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94
ENVOLTÓRIOS OU TRIPAS PARA PRODUTOS CÁRNEOS
Manuel Pinto Neto
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

Os envoltórios representam um importante papel no processamento de embutidos,


pois mantêm a qualidade sensorial e a segurança dos produtos para os consumidores.
Trata-se de um invólucro cilíndrico, natural ou artificial que permite a fabricação e a proteção
de certos produtos embutidos crus, cozidos ou submetidos à maturação – dessecação.
Existem numerosos tipos de envoltórios, desde as tripas naturais às artificiais, tais
como as de colágeno, as de celulose e as plásticas. As tripas artificiais foram desenvolvidas
devido à elevada demanda da produção de embutidos e à escassez das tripas naturais. A
produção de tripas no Brasil tem sido satisfatória, no entanto, é necessária a importação de
uma grande quantidade de tripas para atender o mercado de embutidos.
Uma vez colocado na tripa o produto passa por uma série de tratamentos necessários no
processo de fabricação (fermentação, defumação, secagem, cozimento). Essas operações
geram modificações qualitativas e quantitativas no produto, as quais não devem ser
impedidas pela presença da tripa.
Para que estas modificações se desenvolvam normalmente são necessárias três
propriedades fundamentais na tripa:
- 1 - A permeabilidade ao vapor d’água é indispensável nos produtos maturados-
secos. Essa permeabilidade permite uma dessecação progressiva do produto e é
igualmente necessária para vários aromas (fumaça a partir da defumação, condimentos,
etc). Já em produtos cozidos muitas vezes é vantajosa a utilização de um revestimento
impermeável, fazendo com que não ocorra nenhuma perda (quebra) com o cozimento;
- 2 - A elasticidade e a retratilidade permitem que a tripa acompanhe a evolução do
produto no decorrer do processo de fabricação: dilatação durante a fase de cozimento, e
retração durante o resfriamento ou durante a secagem;
- 3 - A aderência é uma conseqüência das propriedades anteriores. Para evitar a
formação de bolhas de ar entre a tripa e o produto, a tripa deve acompanhar perfeitamente a
evolução da massa.
Outras propriedades são igualmente exigidas no que diz respeito às tripas: regularidade de
calibre, facilidade de estocagem e de utilização, possibilidade de grampeamento, de
tingimento e de impressão, etc. Nenhuma tripa reúne todas estas propriedades, portanto a
escolha é feita em função do produto que se quer fabricar.
Geralmente classificam-se em quatro grandes grupos os envoltórios para produtos
embutidos:

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1 - As tripas naturais, que são feitas a partir do tubo digestivo de suínos, ovinos,
bovinos e equídeos;
2 - As tripas naturais manufaturadas, coladas ou costuradas, cujo calibre regular é
obtido por meio da costura de vários elementos, ou por colagem, utilizando-se dispositivos
apropriados, de forma precisa e regular;
3 - As tripas artificiais de fibras animais, que são constituídas de fibras de colágeno
obtidas através do tratamento físico-químico da derme de bovinos (camada da pele dos
bovinos que se encontra abaixo do couro).
4 - As tripas sintéticas que são elaboradas a partir de materiais celulósicos e ou
plásticos.

1 - ENVOLTÓRIOS DE TRIPAS NATURAIS

Como indicado anteriormente os envoltórios naturais ou tripas, são produzidos a


partir do aparelho digestivo de bovinos, suínos e ovinos. Com exceção do estômago,
esôfago e da bexiga, as tripas são provenientes de diferentes partes do trato intestinal dos
animais.

O trato intestinal e a disposição estrutural de suas partes não apresentam


variações nas três espécies de animais citadas e possuem estrutura similar em toda a sua
extensão, ainda que variações ocorram no seu diâmetro e na espessura de suas paredes.
A seção transversal do intestino apresenta cinco camadas, conforme pode ser visto
na Figura 1. Considerando-se da parte interna para a externa, são: (A) mucosa, (B)
submucosa, (C) camada muscular circular, (D) camada muscular longitudinal e (E) a serosa.
Figura 1. Diagrama do corte transversal do intestino, mostrando (A) mucosa (B) submucosa,

(C) camada de músculos circulares, (D) camada de músculos longitudinais, e (E) serosa.

96
• A mucosa delimita o lúmen intestinal e é composta de membrana mucosa, que por sua
vez é constituída de células epiteliais, células musculares lisas, células e fibras de tecido
conjuntivo, tecido linfático na porção basal da mucosa e vasos sangüíneos.
• A submucosa consiste principalmente de fibras de colágeno e elastina. Isto quer dizer
que a submucosa forma a base principal do envoltório por ser rica em colágeno.
• A camada muscular circular é constituída de células musculares lisas que são
distribuídas com seus eixos mais longos em volta do intestino
• A camada muscular longitudinal tem suas células orientadas ao longo do intestino e
perpendicular às anteriores. Possui uma grande quantidade de fibras de colágeno.
• A serosa é uma camada mais fina que as anteriores e é composta basicamente por
elastina, fibras de colágeno e células de tecido conjuntivo.
As tripas podem ser classificadas de acordo com suas dimensões, procedência do trato
intestinal e de sua aplicação conforme o Quadro 1.

ORIGEM DENOMINAÇÃO APLICAÇÃO


Salame
Tripas medianas
Intestino grosso Salsichões
ou diretas
Mortadela
Tripas culares Mortadela
Ceco ou apêndice
ou fundos Bolonha
Salsicha
Tripas redondas
Intestino delgado Salaminho
Acordoadas ou tortas
Salsichão
Salame
Esôfago
Bolonha
Salame
Bexiga
Mortadela
Quadro 1. Classificação das tripas bovinas segundo a sua origem e aplicação

1.1 Processamento das Tripas


Os intestinos dos animais abatidos são removidos manualmente com a ajuda de
facas. Essa operação requer um alto nível de destreza uma vez que a qualidade da tripa
acabada depende muito do cuidado exercido na sua remoção inicial.
Antecipando a cura final e classificação, existem quatro estágios essenciais,
associados à remoção do trato intestinal na planta de abate:
1. Remoção da gordura;
2. Retirada do conteúdo intestinal;
3. Viração (no caso da tripa bovina);
4. Remoção da mucosa.

97
1.2 Remoção da gordura
A gordura deve ser removida ao máximo devido ao seu valor econômico e pelo fato
dos resíduos se tornarem ranços depois de algum tempo, tornando-as impróprias para
consumo humano.
A remoção da gordura deve ser feita manualmente e é nessa etapa que o operador
habilidoso também divide a tripa em várias seções com comprimentos apropriados para o
seu uso final.
A gordura não é removida completamente neste ponto, pois as operações
subseqüentes auxiliam na sua completa remoção.

1.3 Remoção do conteúdo intestinal


O conteúdo dos intestinos é retirado manualmente ou com equipamentos, sob jato
d’água que faz o arraste desse material à medida que ele é retirado.

1.4 Viração
Após a remoção dos excrementos, as tripas são viradas no avesso
manualmente com o auxílio de um equipamento com dispositivo de fixação (Figura
2) e água corrente.

Figura 2. Esquema da mesa de virar tripas bovinas.

1.5 Remoção da mucosa


As tripas já viradas são colocadas em equipamentos que as fazem passar
sucessivamente por rodízios compressores, esticando-as e possibilitando que pás
raspadoras façam a remoção da mucosa e da parte mais externa da serosa. Essas
operações são etapas críticas para o processamento adequado de tripas. Se a remoção da
mucosa não é feita adequadamente as tripas podem ser danificadas.

98
1.6 Classificação, calibração e padronização
Uma vez processadas, as tripas se classificam segundo sua qualidade e diâmetro.
A qualidade diminui com a presença de raspadura e nódulos, bem como perfurações que
indicam a existência de quistos.
Para a operação de calibração é necessário fazer com que a tripa fique com o
diâmetro de embutimento, o que é conseguido com a injeção de ar comprimido ou água
dentro da tripa.
Após a calibração e classificação, é realizada a padronização dos maços a serem
comercializados, em função do comprimento e do diâmetro, que são conferidos com réguas
próprias.
Após lavagem em solução de ácido acético, as tripas são estocadas durante uma
noite em solução saturada de cloreto de sódio (15% a 20%). A imersão em salmoura é
importante, pois inicia o processo final de cura e remove o sangue residual presente nas
tripas.
As tripas são então salgadas com sal de textura média para fina e colocada em
reservatório para cura e drenagem.
Finalmente, depois de perderem o excesso de umidade, sofrem um processo de
agitação para retirada do sal remanescente, sendo novamente salgadas com sal mais fino,.e
colocadas em reservatórios fechados hermeticamente (bombonas) ficando estocadas de 30
a 45 dias até completar a sua cura.
Uma vez embaladas com sal em barris, o que permite aumentar a sua conservação
pela baixa atividade de água, as tripas se constituem com cerca de 40% de sal. As tripas
são comercializadas nessas condições, podendo ser transportadas a longa distância e
armazenadas por até um ano.
Em alguns casos, como por exemplo, as bexigas e algumas partes das tripas, são
desidratadas ou semi-desidratadas, e embaladas individualmente em sacos plásticos a
vácuo para comercialização.
As tripas assim conservadas já estão prontas para uso imediato passando somente
por um processo de hidratação inicial.

1.7 Características e variedades de tripas naturais


As tripas naturais apresentam maior permeabilidade a gases e ao vapor d’água
que as tripas artificiais. Possuem uma moderada resistência à pressão podendo romper no
embutimento, principalmente se a hidratação não foi adequada. Por outro lado possuem
uma boa elasticidade e aderência ao embutido tomando perfeitamente sua forma permitindo
uma boa apresentação do produto.

99
A grande vantagem desta tripa é que pode ser ingerida com o produto não
necessitando de uma operação de depelagem.
1.8 Formas de apresentação
As tripas naturais podem ser comercializadas em maços e classificadas no
mercado em calibres caracterizados por cordões coloridos. Elas podem ser encontradas em
peças salgadas e desidratadas (bexigas, ceco e tripas bovinas tortas).
As tripas de suínos e carneiros são preparadas em maços de 100 jardas (91,4 m),
as bovinas podem ser amarradas em maços de 100 pés (30 metros), 60 pés (18 metros) e
também em unidades.
1.9 Preparação
As tripas naturais devem ser enxaguadas com água corrente para remoção do sal.
A hidratação deve ser feita com água clorada em temperatura ambiente ou ligeiramente
morna (21 a 30°C) pelo período de 15 min a 1 hora, dependendo da sua origem (ovina,
suína ou bovina) e do calibre.
Quando estiver em maços deverá ser feita uma ligeira massagem para que ocorra
a separação das tripas e se previna a presença de pontos não hidratados.
As tripas deverão ser levadas para a mesa de processo de embutimento e
mantidas em banho de água, de preferência morna, para facilitar a liberação da gordura e
ajudar no deslizamento pelo funil de embutimento.
Deverá ser feito um pré enxágüe da tripa de forma que a água seja introduzida no
seu interior facilitando a colocação e a movimentação durante o embutimento.

100
1.10 PESO DE PREENCHIMENTO DAS TRIPAS NATURAIS EM GRAMAS PARA EMBUTIDOS COZIDOS DEFUMADOS E FRESCAIS
A regularidade do calibre e a pouca elasticidade permitem determinar o peso dos produtos em função do diâmetro Ø (mm) e do comprimento da
tripa L (cm).

Ø 43 47 50 55 60 65 70 75 80 85 90 100 105 120 38 43 47 52 58


L
15 120 140 65 190 ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 160 190 210 250 320
17 160 180 200 240 250 275 ---- ---- ---- --- --- --- --- --- 195 240 260 310 400
19 190 210 240 290 300 350 ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 225 275 310 370 480
21 225 250 280 340 365 425 460 520 560 ---- ---- ---- ---- ---- 265 315 360 440 560
23 260 290 320 390 430 500 540 610 650 675 ---- ---- ---- ---- 300 355 410 510 640
25 290 330 360 440 495 575 610 700 750 800 870 980 1100 ---- 335 390 460 570 720
27 320 370 400 490 560 650 690 790 850 925 1025 1165 1275 1425 370 430 510 630 800
29 350 410 440 540 625 725 770 875 950 1050 1150 1300 1450 1650 405 470 560 690 880
31 380 440 480 590 690 800 860 975 1050 1175 1275 1475 1625 1875 440 510 610 750 960
33 410 480 520 640 755 875 950 1060 1150 1300 1425 1640 1825 2100 475 550 680 810 1040
35 440 520 560 690 820 950 1030 1150 1250 1425 1550 1780 1990 2310 505 590 710 870 1120
37 470 560 600 740 885 1025 1110 1240 1350 1550 1675 1950 2175 2575 540 630 760 930 1200
39 500 600 640 790 950 1100 1200 1330 1450 1675 1825 2125 2350 2800 575 670 810 990 1280
41 530 640 680 840 1015 1175 1275 1420 1550 1800 1950 2275 2550 3025 605 710 860 1050 1360
43 560 680 720 890 1080 1250 1355 1510 1650 1925 2100 2425 2725 3250 640 750 910 1110 1440
45 590 720 760 940 1145 1335 1435 1600 1750 2050 2225 2580 2900 3475 675 790 960 1170 1520
47 620 760 800 990 1210 1400 1515 1690 1850 2175 2350 2750 3075 3725 705 830 1010 1230 1600
49 650 800 840 1040 1275 1475 1595 1780 1950 2300 2500 2900 3250 3950 740 870 1060 1290 1680
51 680 840 860 1090 1340 1550 1675 1870 2050 2425 2650 3075 3450 4175 775 910 1110 1350 1760

101
2 - TRIPAS ARTIFICIAIS DE FIBRA ANIMAL
As tripas artificiais de fibra animal consistem de um invólucro
cilíndrico destinado à fabricação de embutidos cozidos e crus, obtido a partir
do colágeno da derme dos bovinos. Essa camada de pele rica em colágeno
é recuperada no momento do tratamento da pele no curtume. Essa pele é
selecionada de acordo com sua origem, garantindo segurança alimentar e
higiênica.
A pele é separada em duas camadas; uma, da qual será feito o
couro, e outra que será destinada à fabricação de tripas. Essas tripas são
denominadas tripas reconstituídas ou tripas de colágeno e podem ser
consideradas como tripas comestíveis, principalmente as de pequeno
calibre e utilizadas na fabricação de salsichas.

Esquema de fabricação das tripas de fibra animal

Imersão da Matéria Prima Solução Calcárea

Lavagem Eliminação de Resíduo

Corte em tiras

(moinho especial) Moagem / Trituração


Coloração Eventual
Moagem - Homogeneização
Adição de Água Filtrada

(câmara fria) Estocagem - Maturação

Extrusão

Secagem

127
2.1 Características e variedades de tripas de fibra animal
Essa tripa apresenta uma grande resistência à pressão e é pouco
elástica, permitindo o embutimento bem firme, sem aumento significativo do
calibre, sendo por esse motivo comparada à tripa de celulose fibrosa.
Quando o diâmetro do produto diminui, as possibilidades de retração são
superiores às dos outros revestimentos artificiais, no entanto são menores
que as possibilidades das tripas naturais.
A permeabilidade ao vapor d’água das tripas de colágeno,
calculada segundo as normas DIN 53 122 e DIN 53 380, é
aproximadamente 1000 g vapor d’água/ m2 dia, semelhante ao das tripas
de celulose e um pouco inferior ao das tripas naturais. São próprias para
todas as fabricações, mas são especialmente utilizadas para os embutidos
cozidos; possuem qualidades especiais para embutidos secos e podem ser
comestíveis quando utilizadas na substituição de tripas de diâmetro
pequeno (até 30 mm), tais como as de ovinos e suínos.
Quando se utiliza tripa de colágeno comestível para embutidos
cozidos, defumados ou não, deve-se considerar que o processamento
térmico do colágeno é crítico. O controle de umidade deve ser muito restrito
durante a cocção (deve ser mantido entre 50 e 60%); se a umidade
ambiente for demasiadamente baixa, a tripa torna-se quebradiça e dura, se
for demasiadamente alta, o colágeno se hidrolisa e transforma-se em
gelatina, perdendo a consistência e rompendo-se durante a cocção.
A defumação tende a endurecer a tripa e o vapor a amolecê-la.
Portanto estas duas operações devem ser balanceadas para obter o grau
justo de maciez no produto final.

2.2 Formas de apresentação


Esses envoltórios tiveram um desenvolvimento tecnológico
considerável nos últimos anos podendo ser cozidos em forma de balão, de
saco, de fuso, etc, e podem ser encontrados nas versões transparente e
colorida (amarela, vermelha, salmão, etc.).

128
As tripas de colágeno podem ser comercializadas em bobinas de
100 a 700 metros, maços de 20 metros, em peças e na forma corrugada de
15 a 20 metros com calibre até 120 mm, em bastões próprios para
montagem nas embutideiras automáticas.

2.3 Preparação para o uso


As tripas de colágeno não necessitam hidratação, a não ser que o
fabricante recomende, e neste caso pode ser usada uma solução fraca de
salmoura (5 a 10% de cloreto de sódio) em água morna.

3 - TRIPAS ARTIFICIAIS DE FIBRA VEGETAL (CELULÓSICAS)


São invólucros cilíndricos à base de celulose (hidrato de celulose),
existentes em várias versões, e amplamente utilizados na fabricação de
embutidos.
As fibras de celulose utilizadas para a fabricação das tripas provêm
da madeira ou do algodão. A extração direta da celulose natural é muito
difícil, sendo necessário transformar a celulose em um derivado químico da
mesma, o xantato de celulose. Este composto é então homogeneizado e
solubilizado em hidróxido de sódio obtendo-se a viscose que será extrudada
e regenerada primeiramente pela imersão em uma solução de sulfato de
amônia e ácido sulfúrico, e em seguida em solução de ácido sulfúrico
transformando a viscose em hidrato de celulose.
O tubo de hidrato de celulose é então dessulfurado e tratado com
glicerina como agente plastificante e umectante.

3.1 Princípios de fabricação


A composição básica das tripas de celulose é a seguinte:
- celulose regenerada
- agente amaciante (glicerina, em geral)
- água
Podem-se distinguir três fases na fabricação de tripas de celulose:

129
- 1-preparação da viscose
- 2-regeneração
- 3-acabamento ( impressão, corrugamento , corte, etc )

Esquema de Fabricação da Tripa de Celulose

Celulose Imersão e Prensagem Solução de Soda

Fragmentação

Maturação

Dissulfeto de Carbono Sulfuração


Líquido

Xantato de Celulose

Mistura Solução de Soda

Viscose

Maturação e Filtração

Desaeração

Regeneração e Lavagem

Plastificação

Secagem e Acabamento

3.2 Classificação das tripas de celulose


3.2.1 Tripa de celulose comum
Existem na forma corrugada ou em peças, em calibres que variam
de 14 mm a 210 mm, destinadas à depelagem ou não.

130
3.2.2 Tripas de celulose fibrosa
Essas tripas constituem um caso particular; são formadas a partir
de uma folha de papel especial, mergulhada na massa de celulose. A
fabricação é ligeiramente diferente: a folha de papel especial (de natureza
celulósica) é disposta em forma de cilindro e depois recoberta por uma
camada de viscose. Esse papel coberto com viscose passa por um banho
de regeneração.
Esse tratamento especial confere à tripa características diferentes das tripas
de celulose comum:
- grande resistência;
- pouca expansibilidade;
- possibilidade de cocção, sem riscos de haver uma quebra
de produto.
3.2.3 Tripas de celulose fibrosa tratada com PVDC
Diz respeito à mesma tripa que foi definida anteriormente, mas
recebe um tratamento de superfície que lhe confere uma impermeabilidade
que não ocorre normalmente. Essa película, em geral de PVDC, pode estar
presente tanto na face externa da tripa, como na face interna. No primeiro
caso, além da impermeabilidade adquirida, a tripa fica com um aspecto
brilhante, já no segundo caso, o revestimento de celulose continua com seu
aspecto fosco original.

3.3 Características e variedades de tripas artificiais


Essas tripas possuem uma boa resistência ao processo
automatizado em equipamentos de alta produção, boa capacidade de
impressão e estão disponíveis em várias cores e diâmetros.
São tripas semi-permeáveis e podem ser utilizadas na elaboração
de embutidos cozidos e secos, defumados ou não. A permeabilidade ao
vapor d’água das tripas fibrosas está ao redor de 1500 g de vapor d’água/
m2 dia.

131
Existem no mercado variações da capacidade de aderência destas
tripas que dependem da etapa final de regeneração da celulose, podendo
ser de fácil remoção (no caso de produtos cozidos sem pele defumados ou
não, como a salsicha) ou de alta aderência ao produto, com diminuição do
diâmetro, evitando o acúmulo de gordura em sua superfície (próprias para a
fabricação de produtos curados secos).
Existe também a possibilidade da tripa fibrosa ter a adição de
corantes e fumaça líquida para conferir sabor e coloração ao produto.

3.4 Formas de apresentação


As tripas celulósicas, fibrosas ou não, podem ser comercializadas
na forma de tubos corrugados de 20 metros, em maços, peças grampeadas
e também em bobinas de 500 metros. As tripas podem apresentar
acabamento impresso em flexografia em até seis cores e estampadas com
padrões variados. O armazenamento deve ser feito em local seco e com
temperaturas entre 4 e 24°C e umidade relativa entre 60 e 70%.

3.5 Preparação
As tripas fibrosas devem ser hidratadas antes de serem embutidas,
a não ser que sejam fornecidas pré-hidratadas. A hidratação deve ser feita,
por aproximadamente 30 minutos até uma hora, em água morna entre 30° e
40°C.

4 - TRIPAS ARTIFICIAIS SINTÉTICAS

São Invólucros cilíndricos à base de um material plástico,


destinado à fabricação de embutidos cozidos. Essas tripas são produzidas
basicamente pelo aquecimento de resinas poliméricas e formação do tubo
por um processo contínuo de extrusão. Em contraste com as tripas
celulósicas, são produzidas em equipamentos de menor custo e
complexidade.

132
Basicamente os diferentes tipos de tripas plásticas utilizam as
seguintes resinas plásticas que podem estar na forma simples ou composta:
- Poliamida (náilon), fabricada a partir de produtos vegetais puros
ou derivada do petróleo;
- Poliolefinas, (polietileno) utilizadas como camada estrutural e
para barreira ao vapor d’água
- Poliéster, que além das características de impermeabilidade total,
tem a propriedade de se retrair e de aderir perfeitamente ao produto
embutido.
- PVDC (cloreto de polivinilideno) que reúne as qualidades da tripa
de poliéster e de poliamida, e ainda apresenta um filtro contra raios
ultravioleta, eliminando os riscos de descoloração dos embutidos.
- EVOH (copolímero de etileno e álcool vinílico) é a camada
barreira a gases e umidade que ajuda a reduzir a oxidação do produto.
Aditivos especiais podem ser incorporados a resina para colorir ou
criar um absorvedor de raios UV, evitando a oxidação e rancidez dos
produtos cárneos.
A combinação de novos materiais e tecnologias de produção
resulta em diferentes tipos de envoltórios, com qualidade e aplicações
variadas,desde os envoltórios mais simples, tipo mono camada, aos mais
sofisticados e caros, multicamadas.

4.1 Características e variedades de tripas artificiais sintéticas


Uma tripa com composição típica de três ou cinco camadas tem
uma espessura de aproximadamente 40 µm e apresenta qualidades, tais
como: alta resistência mecânica, impermeabilidade à gordura, ao oxigênio
(< 25cm3/ m2 dia bar @ 23°C e 75% UR), ao vapor d’água (< 7 g/ m2 dia @
23°C e 85% UR) e também aos microorganismos, uma vez que apresenta
porosidade menor que o tamanho de um microrganismo, devendo ser
utilizadas somente para produtos estabilizados por um cozimento, com
exceção dos embutidos desidratados.

133
As tripas plásticas podem suportar temperaturas de -18°C até
121°C e, portanto são adequadas aos diversos processos de cocção
utilizados na prática em fornos, autoclaves, tachos de cocção e também aos
processos de resfriamento e estocagem de produtos cárneos e embutidos.
Possuem boa capacidade de aderência e contração evitando a
formação de depósitos de gordura e gelatina, bem como a formação de
rugas durante o processamento.
Os produtos embutidos cozidos com estas tripas permanecem
com uma qualidade microbiológica bastante satisfatória durante várias
semanas, desde que a tripa tenha sido fabricada com as melhores
condições higiênicas e tenha característica de barreira aos
microorganismos, impedindo a recontaminação exterior.
Esta tripa pode ser impressa e utilizada como embalagem para
venda no varejo, dispensando qualquer outro tipo de embalagem.

4.2 Formas de apresentação


As tripas sintéticas podem ser comercializadas em maços de 20
metros, bobinas de 1000 metros, barras corrugadas de 30 metros e peças
individuais grampeadas em uma das extremidades. Podem ser impressas
em flexografia com um máximo de 8 cores.
O armazenamento deve ser feito em um local escuro e seco com
temperatura abaixo de 30°C e umidade relativa de 65%.

4.3 Preparação
Geralmente as tripas sintéticas não necessitam preparação,
podendo ser utilizadas de acordo com as instruções que vem do fabricante.
Alguns fabricantes recomendam a hidratação por 30 minutos em água com
um máximo de 30°C.

134
5 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BARRACO, P. L’ Encyclopédie de la Charcuterie: dictionnaire
encyclopedique de la charcuterie – 3.ed. – SOUSSANA, 1990

EFFENBERGER, G. Tripas artificiales. Ciencia y tecnologia de la carne.


Teoria y práctica. Acribia, 157 p.

OCKERMAN, H.W.; HANSEN, C.L. Industrialización de subproductos de


origen animal. Acribia,1994. 387 p.

PORCELLI, M.C. Noticiteca. v. 15, 87, 1985.

135
DEFUMAÇÃO
Ângela Dulce Cavenaghi
Universidade Federal Gande Dourados

1 - DEFINIÇÃO E COMPOSTOS DA FUMAÇA


A defumação é um processo de aplicação de fumaça no alimento,
produzida pela combustão incompleta de algumas madeiras, com a
finalidade de conferir aroma, sabor e cor característicos, bem como
prolongar sua vida útil. Geralmente fazem parte do processo de defumação
a secagem inicial, a deposição da fumaça e a secagem adicional e/ou
cozimento do produto.
O Artigo 424 do RIISPOA (1980, p. 72) define: “Entende-se por
defumados os produtos que após o processo de cura são submetidos à
defumação, para lhes dar cheiro e sabor característico, além de uma maior
vida útil”. Atualmente a defumação é feita pretendendo-se outros fins além
do efeito conservante que confere aroma, sabor e coloração, utilizando-se
fumaça natural ou líquida.
No processo mais simples de defumação, o produto é colocado em
câmaras pré-aquecidas com carvão/lenha/eletricidade/gás, e a madeira é
colocada no mesmo ambiente para a geração da fumaça. Após a deposição
da fumaça diretamente no produto, completa-se o processo com o
aquecimento; esta seqüência pode se iniciar com o cozimento.
A defumação tem ação conservante, mas somente a aplicação de
fumaça (secagem inicial + deposição da fumaça) não é suficiente para
tornar o produto cárneo estável à temperatura ambiente, pois apenas inibe o
crescimento microbiano na superfície, sendo necessário o uso de sais
cloreto de sódio e nitrito de sódio/potássio na formulação, além do
cozimento.
As técnicas de manipulação posteriores ao cozimento do produto
defumado, tais como armazenamento, depelagem, embalagem, exposição
ao ar e porcionamento reduzem grandemente a estabilidade do produto

136
defumado. Estes produtos requerem a utilização de outras tecnologias de
conservação como a refrigeração, embalagem a vácuo, embalagem em
atmosfera modificada, proteção à luz, etc.
As carnes defumadas são menos suscetíveis à deterioração que
carnes não defumadas devido ao resultado da combinação de vários
fatores. Num processo tradicional, a defumação apresenta os seguintes
efeitos no produto:
Conservante – O efeito se deve à somatória dos fatores: secagem da
superfície do produto, que inibe o crescimento de microrganismos; elevação
da temperatura, que age na velocidade das reações; quantidade depositada
de compostos fenólicos, ácidos e algumas carbonilas que têm propriedades
bacteriostáticas; quantidade depositada de fenóis e produtos da reação de
Maillard que inibem a oxidação da gordura.
Aparência - A cor característica da carne defumada é atrativa e serve como
um índice de sabor para o consumidor. A cor final do produto defumado se
deve à somatória dos efeitos da secagem que concentra os componentes
coloridos da superfície: cor dos compostos formados pela reação de
Maillard, mudança na textura pela ação dos ácidos da fumaça e efeito da
secagem.
Sabor - Vários componentes da fumaça conferem sabor. As condições de
temperatura, tempo, umidade e o tipo de madeira são fatores que afetam
significativamente no sabor dos produtos defumados, pois interferem na
quantidade depositada durante o processo..

1.1 Compostos da fumaça


De acordo com a importância do efeito no alimento, os
componentes químicos da fumaça podem ser divididos em 4 grandes
grupos: ácidos, fenólicos, carbonílicos e hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos.
No quadro abaixo estão resumidos os compostos da fumaça e
suas funções:

137
Compostos Funções

São responsáveis pelo aroma e sabor de defumados


Fenóis Ação antioxidante e bacteriostática

Principal ácido acético


Ácidos orgânicos Pequena ação de conservação dando maior acidez na superfície
de carnes defumadas.
Coagulação das proteínas na superfície da carne.
Apenas uma pequena proporção é volatilizada, a maioria se
condensa na superfície do produto.
Confere cor característica castanho-dourada brilhante na
Carbonilas superfície dos produtos.
Possui aroma característico
Sabor de assado ao produto
Compostos de cadeia curta; são os mais importantes para cor
(escurecimento não-enzimático), aroma e sabor.
Hidrocarbonetos Policíclicos (3,4-benzopireno (é o mesmo do tabaco aspirado) e
1,2-dibenzoantraceno) são cancerígenos, cujas formações devem ser
prevenidas.
CO2, CO, O2, N2 e NO. O NO é importante na formação da cor e
Compostos gasosos pode formar nitrosaminas em carnes defumadas.
NO, CO e CO2 reagem com a mioglobina e conferem cor
avermelhada à superfície do defumado.

2 - DEFUMAÇÃO NATURAL
2.1 Deposição da fumaça
A quantidade e a velocidade da deposição da fumaça dependem
do substrato de defumação, das condições da estufa e dos tipos de fumaça.
Quanto maior a umidade na superfície do substrato (carne,
gordura, pele) maior a influência na deposição da fumaça. Por exemplo, a
proporção de fenóis em uma superfície úmida pode ser 10 vezes maior que
em uma superfície seca. O calor afeta decisivamente porque muda a
solubilidade dos compostos da fumaça, devido ao efeito de fusão da
gordura e à desnaturação das proteínas.
Há uma variedade imensa de produtos cárneos que podem ser
defumados, como: cortes cárneos curados, embutidos, produtos para fatiar,

138
sejam de suínos ou bovinos. Pescados e aves constituem uma grande
área a ser explorada.
Alguns fatores afetam a deposição de fumaça:
• Densidade de fumaça na estufa é responsável pela maior
velocidade de deposição, portanto, quanto maior a densidade maior a
deposição.
• Velocidade do ar na câmara - quando excessivamente alta,
dificulta a deposição.
• Umidade relativa na câmara - valor ótimo aproximadamente
de 60%, acima disso ocorrem a condensação e o gotejamento na superfície
do produto. Umidade muito alta na estufa permite uma boa deposição dos
componentes do sabor, porém proporciona pouca cor.
• Umidade do produto a ser defumado - Quando há excesso
de umidade na superfície, o filme de água não permite o contato entre os
compostos da fumaça e do substrato, e em superfícies muito secas não
ocorre a reação adequada.
A qualidade da fumaça é muito importante quando o sabor é o
principal efeito desejado no produto, recomenda-se, neste caso, que se
utilize madeiras duras. Madeiras moles podem resultar em cor de defumado
excelente, porém o sabor não é o mais desejável. As madeiras duras,
embora confiram um sabor muito bom, apresentarão uma formação mais
lenta, tanto das substâncias do sabor como da cor. Exemplos de madeiras
utilizadas no Brasil: nogueira, macieira, guabiroba, peroba e carvalho. O
pinho confere aparência escura e sabor amargo. Artesanalmente, são
utilizados sabugo de milho (mole) e eucalipto (resinosa).
A madeira é submetida à pirólise nas formas de tronco (madeira
maciça), tronco + serragem, maravalha, cavaco ou serragem. Os resíduos
de serrarias geralmente não são apropriados, pois podem conter resinas ou
colas. Madeiras impregnadas de substâncias conservantes tratadas,
anteriormente utilizadas para outra finalidade, também não devem ser
utilizadas.

139
2.2 Geração da fumaça
No início da queima da madeira, existe um gradiente de
temperatura entre a superfície externa e o interior. Em temperaturas
ligeiramente superiores a 100oC, ocorre a perda de água até que a umidade
no interior da madeira se aproxime de zero. Aí então, a temperatura
aumenta rapidamente até 300 - 400oC. Considera-se que os componentes
mais importantes para a defumação sejam liberados entre 200 e 400oC. Na
faixa entre 200 e 260oC, ocorre a liberação de gases, acentuado aumento
na liberação de ácidos voláteis. Entre 260 e 310oC é produzido o licor
pirolígneo (condensado bruto da fumaça). À medida que a temperatura
alcança 310oC ou mais, a lignina é decomposta, produzindo fenol e seus
derivados.
Sob condição manual de defumação, a temperatura de combustão
da madeira varia de 100 a 400oC ou mais. Isto resulta na produção de mais
de 300 componentes. Vários componentes da fumaça ainda sofrem
oxidação posterior resultante da introdução de oxigênio durante a
defumação. Quando o ar é limitado severamente, a fumaça resultante é
escura e contém grande quantidade de ácidos carboxílicos. Tal fumaça é
geralmente indesejável para defumar carnes. Apesar da temperatura de
combustão ser desejável para a máxima produção de fenóis, esta
temperatura alta favorece a formação dos hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos (HAP) (o mais ativo é o 3,4-benzopireno). Para minimizar a
produção dessas substâncias carcinogênicas, a temperatura de combustão
de 343oC parece ser a mais viável. Até 400oC, os teores de 3,4-benzopireno
detectados têm sido baixos, abaixo de 0,2 ppb, aquém dos limites de 1 ppb
estabelecidos por alguns países.
A composição e a densidade da fumaça dependem da temperatura
de combustão e da proporção de ar fresco na câmara de combustão. A
mecanização dos geradores permite o fluxo e volume uniforme de fumaça.
Os conhecimentos atuais sobre a teoria da produção de fumaça
permitem que os parâmetros da formação desse aerossol sejam expressos

140
em uma equação matemática. A composição da fumaça, entretanto,
também depende da própria madeira, cuja composição não é constante ao
longo do ano. A fumaça produzida em geradores a vapor superaquecidos
tem composição constante e contribui para a uniformidade da carne
defumada.
O alcatrão é formado por todos os componentes da madeira e se
decompõe termicamente em temperaturas maiores que 400oC.
Em sistema aberto, a combustão ocorre na presença de ar e a
variação na temperatura é maior, entre 300 e 450oC. Nas pequenas zonas
de brasa candente ao vermelho as temperaturas chegam a 900oC, numa
combustão sem chama de partículas de serragem. Esta zona determina a
rapidez da combustão, influencia na temperatura e na composição da
fumaça. Para retardar esse processo, umedece-se a madeira para que a
evaporação da água retire o calor da zona de combustão. A madeira com
baixo teor de água deve conferir melhor sabor ao produto defumado e as
com alto teor, conferem uma cor mais atrativa. Para acelerar a combustão
aumenta-se a entrada de ar.
Na queima da madeira gerada por fricção de um tronco em uma
superfície metálica giratória rugosa com movimento rápido, em geral a
temperatura do metal alcança de 260 a 390oC e uma medição direta da
superfície registrou 500oC. Mas, de um modo geral, este processo é
considerado o que gera menos quantidade de produtos originados de
temperaturas altas.
Existem dois sistemas de defumação: a frio e a quente. A
defumação a frio é utilizada em produtos cárneos que não sofrerão a
cocção (cozimento), serão somente defumados. A fumaça quente se usa
quase que exclusivamente em produtos submetidos a salga ou à cura
rápida, podendo o produto final atingir temperaturas de cozimento.
Na defumação a frio a fumaça é gerada em local separado e é
transportada para a câmara de defumação, enquanto a temperatura deve
ficar em torno de 25 e 30oC. Há uma variedade grande de produtos cárneos

141
defumados a frio: os embutidos (salames e lingüiças), presuntos crus e
produtos de pescado. A defumação a frio geralmente se processa em 1 a 4
dias, podendo durar até 6 dias. Embutidos submetidos à defumação a frio
devem receber externamente um banho de solução de sorbato de potássio
para prevenir o crescimento de mofos, particularmente o Aspergillus flavus,
que produz a aflatoxina, uma micotoxina com propriedade cancerígena.
No processo de defumação a quente, geralmente a fonte geradora
de fumaça pode, em parte, ser também a fonte de calor para aquecer e
promover a cocção do produto. O gerador de fumaça é construído próximo
à câmara de defumação e a fumaça é admitida na câmara ainda quente. Os
produtos são finalizados em temperatura de 72oC. Os produtos defumados
processados com aquecimento desenvolvem sabor diferente em relação
àqueles sem aquecimento, pois os componentes da fumaça se fixam mais
ao substrato protéico ou gorduroso.
A defumação a quente é realizada em etapas. O pré-aquecimento
(sem fumaça) com a chaminé aberta objetiva a secagem adequada da
superfície. A camada delgada de água das superfícies úmidas impediria
que os compostos da fumaça aderissem adequadamente aos componentes
da superfície do produto na etapa que se segue, o da defumação
propriamente dito. A fumaça é então introduzida na câmara, com a chaminé
fechada. Primeiro ocorre a reação do formaldeído com o colágeno da tripa
natural, seguido da deposição dos demais compostos. Após a deposição da
fumaça, finaliza-se o cozimento com vapor direto, dependendo do produto
em temperaturas entre 68 e 74oC.

2.3 Tipos de Defumadores


2.3.1 Defumadores Artesanais
No processo mais simples, a circulação do ar na câmara é por
convecção natural.

142
Os defumadores artesanais podem ser como os modelos
mostrados a seguir, ou de alvenaria, a opção depende da produção diária
de cada estabelecimento.
A limpeza dos resíduos de alcatrão e da fuligem das câmaras é
feita pela queima, devendo ser realizada em períodos adequados, caso
contrário, podem ocorrer incêndios.

2.3.2 Defumadores Industriais


No processo mais tecnificado, as etapas são as mesmas, porém
melhor controlável e, portanto, mais reprodutível. Nas instalações modernas
ainda predomina o princípio da câmara única, na qual o lote do produto
recebe todo o processo. A secagem é realizada com vapor indireto
(proveniente de uma caldeira ou gás) e a fumaça vem de uma unidade
geradora, geralmente com controle parcial da composição e densidade de
fumaça. A umidade da câmara pode ser aumentada com vapor e com a
saída pelo exaustor. A circulação do ar na câmara é obtida por ventiladores
adequados, e quando forçada, permite uma turbulência mais uniforme do ar
(5 a 10 trocas de ar/min e velocidade da entrada do ar de 760 a 1500m/min)
e um melhor controle de temperatura.
Os encanamentos para fumaça devem ser de fácil acesso à
limpeza para evitar acúmulo de resíduos de fumaça (fuligem, alcatrão), pois

143
estes resíduos acumulados podem incendiar-se. A limpeza das instalações
metálicas pode ser realizada com detergentes que são misturas de
substâncias tensoativas, adicionados de produtos químicos determinantes
de pH ácido ou alcalino. Além da limpeza e da dissolução dos resíduos, é
muito importante evitar a corrosão das superfícies metálicas e dos
instrumentos de medida e controle.
As câmaras atuais são munidas de sistemas de eliminação do
alcatrão e de compostos policíclicos. Limita-se também que a geração de
fumaça ocorra em temperaturas acima de 400oC. O método consiste em
precipitar o alcatrão por resfriamento ou lavagem com água. Em
conseqüência, os compostos policíclicos são condensados juntos e se
precipitam nas paredes, sendo coletados em um depósito que contém água.
Isto desloca a distribuição a favor dos produtos do alcatrão menos solúveis
ou insolúveis. Por outro lado, o processo de lavagem elimina
simultaneamente os compostos úteis à defumação, sobretudo as carbonilas,
diminuindo a quantidade total destes substratos e também a proporção dos
componentes distintos. O produto defumado sofre mudanças no sabor, o
que pode ser compensado prolongando o tempo de tratamento. A filtração
eletrostática é a precipitação das partículas ionizáveis sobre as superfícies
conectadas a terra. Neste caso, a média de redução de 3,4-benzopireno
deve ser algo inferior a 67%. Embora se perca um pouco do aroma,
considera-se que os produtos tratados com esta fumaça não diferem muito
dos defumados normalmente.

144
3 - FUMAÇA LÍQUIDA (FL)
A fumaça líquida natural é um produto comercial padronizado para
ser aplicado em alimentos promovendo a defumação. A FL é obtida por um
processo de combustão parcial de madeiras selecionadas, condensação ou
extração em água da fumaça até a saturação, eliminação por decantação
do alcatrão e por filtrações sucessivas dos hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos (HAP). A FL assim produzida é relativamente estável.
O licor pirolígneo é a fumaça condensada bruta, sem a separação
do alcatrão. Denomina-se ácido pirolenhoso o produto já removido do
alcatrão, que é um dos produtos mais antigos de conservação.
Sua incorporação à massa confere ao produto um aroma leve e
agradável de fumaça natural e, além disso, inibe eventuais sabores não
desejados, como o de proteína da soja e/ou amidos.

145
3.1 Processos de defumação por aplicação de FL
3.1.1. Atomização
A FL para atomização é formulada especialmente para que os
componentes estejam completamente hidrossolúveis. É eficiente e fácil de
aplicar, e seu sistema pode ser facilmente adaptado ao defumador do tipo
câmara única. O processo envolve a dispersão das partículas da fumaça
líquida dentro do defumador por pressão do ar através do bico de
atomização.
3.1.2 Chuveirada
Na chuveirada a FL é aplicada por encharcamento dos produtos
em uma cabine com ducha, construído com chapa perfurada, fora da
câmara de defumação/cozimento, não necessitando, portanto do ambiente
controlado normal de defumação; o tempo de processamento é muito menor
e permite uma operação de estufa contínua, sem a necessidade de
paralisações para limpeza. A solução excedente é coletada na zona de
gotejamento, armazenada, filtrada e bombeada novamente para o chuveiro,
sendo reaproveitada no sistema. No sistema contínuo, o encharcamento é
realizado antes da secagem. É o processo que vem ganhando significativa
aceitação em plantas com escalas maiores. A vantagem deste sistema
sobre outros é a necessidade de menos intervalos de limpeza, cor e sabor
de defumados homogêneos, menor tempo de defumação, instalações de
custo mais vantajoso e menor espaço ocupado. Além disso, uma grande
vantagem é que diferentes tipos de produtos (salsicha, bacon, salames, etc)
podem ser defumados na mesma planta, sem alterar os processos que já
estão instalados.
3.1.3 Adição em salmoura
Esta FL não confere cor, mas somente sabor ao defumado.
Geralmente os produtos comerciais são apresentados em forma de pó ou
líquido, e recomenda-se dissolvê-los na quantidade recomendada pelo
fabricante.

146
3.1.4 Imersão em FL
O efeito é o mesmo do processo de chuveirada, sob o ponto de
vista de adesão dos compostos da fumaça. É utilizada para embutidos,
mergulhados ainda crus, individualmente ou em lotes, em recipientes
contendo a solução de fumaça diluída, e em seguida, o produto segue para
o cozimento. Uso mais freqüente para pequenas produções.
3.1.5 Adição direta
A fumaça líquida pode ser adicionada diretamente como
ingrediente em massas cárneas ou em outros tipos de alimentos como
molhos, condimentos, marinados, etc. As FL para este propósito não
conferem cor, somente sabor. A recomendação de adição deve ser de
acordo com o fabricante a fim de atingir o efeito desejado.

3.2 - Vantagens e desvantagens do uso da fumaça líquida


Vantagens do uso das fumaças líquidas são:
• Evitam-se problemas de incêndio, pois não há acúmulo de
fuligem e alcatrão nas estufas,
• Resulta um produto mais saudável, pois o processo de
obtenção reduz os hidrocarbonetos policíclicos em cerca de 67 a 75%,
• O uso da FL permite utilizar equipamentos mais compactos e
menos mão-de-obra na limpeza e manutenção,
• Dá maior uniformidade (padronização) ao produto e torna o
processo mais reprodutível. Permite um melhor controle da cor e do sabor
no produto,
• Não requer instalação de gerador, diminuindo o custo de
investimento,
• É de aplicação mais rápida que a defumação convencional,
proporcionando grande redução no tempo de processamento sendo
vantajoso em termos operacionais e econômicos,
• Elimina a necessidade do defumador.

147
A desvantagem do seu uso é que não confere o mesmo sabor de
defumado, pois apesar da FL ser obtida das mesmas madeiras, o processo
de fabricação altera a quantidade das diferentes substâncias e das
proporções entre elas. As técnicas utilizadas para diminuição dos
compostos indesejados promovem também remoção parcial de algumas
substâncias ativas do sabor.

148
4 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BLISKA, F.M.M.; VIANA, A.G.; FREITAS, M.H.A. Defumação de Produtos
Cárneos. ITAL, Campinas. 1996, 23 p.

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149
RODRIGUES, F.A. Tecnologia de Produtos Cárneos. ITAL, Campinas,
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SANTANGELO, A.P. Fumaça líquida/Tecnologia e Aplicações.


Monografia apresentada à Fac. Oswaldo Cruz. São Paulo, 1998, 48 p.

SILVEIRA, E.T.F.; BERAQUET, N.J.; ARIMA, H.K.; BOTTEZELLI, S.R.;


SILVA, R.Z.M. Suínos: Abate, Cortes e Processamento na Área Rural.
Manual Técnico n. 2, Campinas, 1988, 55 p

150
PROCESSAMENTO TÉRMICO E DESTRUIÇÃO DE MICRO-
ORGANISMOS
José Ricardo Gonçalves
Centro de Tecnologia de Carnes – CTC

As informações sobre a contaminação microbiológica da matéria-


prima são essenciais para o desenvolvimento de produtos, pois, subsidiam
a escolha de métodos para o controle ou destruição de micro-organismos,
contribuem para a definição das condições de armazenamento, estimam a
expectativa da vida útil e o tipo de embalagem a ser empregado para a
preservação segura do produto final. Paralelamente, pode-se identificar os
tipos de micro-organismos encontrados e associar a sua presença a
prováveis fontes de contaminação, auxiliando no controle de qualidade de
todas as etapas do processamento industrial.
No ambiente institucional a importância do assunto para a saúde
pública pode ser destacada numa pesquisa feita com refeições à base de
carne moída, servidas em alguns hospitais da capital paulista e divulgada
no Boletim Agência FAPESP (2004). Na ocasião, aproximadamente 47%
das amostras avaliadas apresentaram-se fora dos padrões do Código
Sanitário do Estado de São Paulo, revelando a presença de Salmonella,
Staphylococus aureus, Bacillus cereus e Clostridium perfringens.
Quando se trata de segurança microbiológica a preocupação
principal está na sobrevivência dos patógenos, alguns deles com a
capacidade de formação de esporos (JUNEJA, 1998; VARNAM;
SUTHERLAND, 1995; BROWN, 1991). Estes não trazem maior
preocupação quando o produto é classificado como uma conserva, cujo
tratamento térmico (esterilização comercial) tem a capacidade de destruir,
não apenas células vegetativas, mas também esporos de micro-organismos
mesofílicos relevantes para a saúde pública (JUNEJA, 1998; VARNAM;
SUTHERLAND, 1995;). Conseqüentemente, são produtos estáveis à
temperatura ambiente e com vida útil superior a 12 meses. Para tanto, os
processamentos utilizam temperaturas acima de 100oC e períodos de tempo

151
suficientes para a destruição de células vegetativas e esporos de mesófilos,
patogênicos ou não, capazes de se desenvolver no produto nas condições
de armazenagem, tendo como micro-organismo-alvo o Clostridium
botulinum. Comumente, os produtos cárneos esterilizados elaborados pela
indústria brasileira são produzidos ao molho, em salmoura ou óleo vegetal,
como a salsicha, linguiça e almôndega. Outros têm uma consistência mais
sólida, como a presuntada, fiambre e corned beef. Em geral, são produtos
processados em maior escala que exigem um investimento adicional em
equipamentos e instalações e, por isso, são produzidos por indústrias de
médio a grande porte.
Na linha de produtos pasteurizados existe uma corrente do mercado
que deseja resgatar o consumo de produtos com características de
qualidade similar às do processamento caseiro, com baixo teor de sal, livre
(ou com mínimo uso) de aditivos químicos, mas com menor tempo de
preparo para consumo. Geralmente, são produtos minimamente cozidos e
armazenados a vácuo sob refrigeração, dentre os quais, os produtos
cárneos do tipo sous-vide, cortes inteiros ou fatiados, sopas, molhos
prontos, patês, etc. Em grande parte dos casos utiliza-se temperaturas de
65 a 75oC, preservando melhor as características sensoriais e nutricionais
do produto. Porém, a pasteurização é um processamento térmico mais
brando, que destrói formas vegetativas de patógenos e deterioradores, mas
não está dimensionado para eliminar os esporos (JUNEJA, 1998;
HOLDSWORTH,1997). Consequentemente, há necessidade de contar com
tratamentos coadjuvantes, como por exemplo, o armazenamento a 5oC (ou
inferior).
Em tempos de redução de consumo de energia elétrica resgatou-se
um conceito originado na Alemanha que é baseado na teoria dos obstáculos
para a preservação de alimentos sem o uso de refrigeração. Os produtos
podem ser minimamente cozidos (pasteurizados) na própria embalagem,
evitando-se a recontaminação pós-processamento. São denominados
estáveis à temperatura ambiente (shelf-stable products), com vida útil de

152
semanas ou meses. Como a pasteurização não elimina esporos do
Clostridium botulinum é necessário contar com uma combinação de outras
barreiras para inibir a produção de toxinas fazendo-se ajustes na atividade
de água, pH, potencial de oxi-redução, etc. (LEISTNER; GOULD, 2002). Um
exemplo de produto fabricado pela indústria brasileira é a mortadela,
classificada como um produto emulsionado, curado, embutido, pasteurizado
e comercializado sem o uso de refrigeração.
Uma das definições correntes na fabricação de um produto cozido é
o tempo de processamento térmico, que irá depender da resistência térmica
do micro-organismo-alvo, representada pelos parâmetros D e z. O primeiro
(também conhecido como tempo de redução decimal) reflete a resistência
de um micro-organismo a uma determinada temperatura, enquanto o valor
de z fornece a resistência em relação a diferentes temperaturas. A partir
destes dois parâmetros é possível calcular a destruição térmica de um
determinado micro-organismo (JUNEJA, 1998; HOLDSWORTH, 1997;
BROWN, 1991). Em geral, o processamento térmico mínimo de 6D é
considerado seguro para a destruição de formas vegetativas de patógenos
e têm servido como recomendação para produtos pasteurizados (JUNEJA,
1998; HOLDSWORTH, 1997; BROWN, 1991). Mas, nem sempre o micro-
organismo termicamente mais resistente é um patógeno. É o caso do
Streptococcus-D (antiga denominação), uma bactéria não esporulada capaz
de causar deterioração em produtos pasteurizados. A literatura mostra que
o valor de D dessa bactéria obtido a 70°C é de 2,95 minutos. Então, para
uma redução mínima do tipo 6D na mesma temperatura o tempo mínimo de
processamento térmico seria de 6x2,95, isto é, pelo menos de 17,7 minutos
(FEINER, 2006). Como na prática existe uma inércia no aquecimento do
produto o acompanhamento tem que ser feito por meio de cálculos para
estabelecer um processamento térmico equivalente a partir da evolução da
temperatura do produto ao longo do tempo.
Por fim, em produtos de baixa acidez qualquer medida de controle
contra a produção de toxinas é baseada na probabilidade de germinação

153
dos esporos do Clostridium botulinum, cuja presença depende da
contaminação inicial da matéria-prima (e de ingredientes de formulação).
Porém, é difícil controlar a quantidade de esporos e quase impossível
assegurar a sua ausência. Então, a segurança microbiológica do produto
deve ir além dos cuidados com a matéria-prima, estabelecendo-se
obstáculos adicionais para neutralizar a ação dos níveis de contaminação
esperados em cada situação. Por exemplo, promover mudanças nas
propriedades intrínsecas do produto, principalmente no pH e no conteúdo
de cloreto de sódio ou de substâncias bacteriostáticas, os quais afetam a
capacidade de sobrevivência dos esporos e a produção de toxinas. Isto
deve ser considerado, especialmente, em produtos refrigerados com vida
útil prolongada, os quais estão mais sujeitos a abuso de temperatura. Se a
estratégia não for conveniente, o processamento térmico deve ser suficiente
para garantir a destruição de esporos no produto (JUNEJA, 1998).

154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLETIM AGENCIA FAPESP. Cozinhas perigosas. Editado em 02/08/2004.
Disponível em: <http://agencia.fapesp.br>. Acesso em: 15/08/2004.

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packaging of heat preserved foods. AVI. USA. 1991. c. 2, p. 15-49.

FEINER, G. Meat products handbook. Practical science and technology.


Wood Publishing Limited, England, 2006. 648p.

HOLDSWORTH, S. D. Thermal processing of packaged foods. 1. ed.


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JUNEJA, V. K. In: GHAZALA, S. Sous vide and cook-chill processing for


the food industry. Aspen, Great Britain, 1998, p. 234-273.

LEISTNER. L; GOULD, G. Hurdle technologies: combination treatments


for food stability, safety and quality. Food Engineering Series. Kluwer
Academic/Plenum Publishers, New York, 2002, 194p.

VARNAM, A.H.; SUTHERLAND, P.J. Meat and meat products. Technology,


chemistry and microbiology. Chapman & Hall. London. 1. ed.,v. 3, Food
Products Series, 430 p.,1995.

155
ESTABILIDADE DE MORTADELA EM TEMPERATURA AMBIENTE
Ana Lúcia da Silva Corrêa Lemos
Centro de Tecnologia de Carnes / ITAL

A mortadela se destaca entre os produtos de maior volume


produzidos no País, com volume de produção estimado de 547.140
toneladas em 2014 (Datamark, 2012), só ligeiramente inferior ao de
salsichas e linguiças. No Anexo I da Instrução Normativa n°, 4 do Ministério
da Agricultura (Brasil, 2000) as mortadelas são classificadas em diferentes
categorias em função das matérias-primas e ingredientes utilizados na sua
formulação. Nas mortadelas de baixo custo é autorizado o uso de até 60%
de carne mecanicamente separada e 10% de miúdos comestíveis e
gorduras. Permite-se a inclusão de proteínas não cárneas (máximo de
3,5%) e amido (máximo de 5%). O produto é adicionado de sal de cura,
aceleradores de cura e condimentos e o tratamento térmico utilizado para
sua elaboração é a pasteurização, que elimina células vegetativas e pode
injuriar alguns esporos, dependendo da intensidade, mas é insuficiente para
eliminar esporos do Clostridium botulinum, considerado o maior perigo
microbiológico neste tipo de produto. Esta categoria de produto é
transportada e comercializada em temperatura ambiente no Brasil. Sabe-se
que, sem levar em conta outras barreiras, atividades de água inferiores a
0,94 impediriam a germinação de esporos de Clostridium botulinum do tipo
proteolítico, mas descaracterizariam completamente o produto sob o
aspecto sensorial. No Brasil, dados coletados junto às empresas produtoras
dessa categoria de produto indicam que a atividade de água não está
inclusa entre os parâmetros de controle de boa parcela das empresas
processadoras e os teores de nitrito adicionados variam de 150 a 300ppm.
As mortadelas estáveis em temperatura ambiente pertencem à
categoria de produtos cárneos pasteurizados comercializados sem o uso da
refrigeração que foram amplamente estudadas nas décadas de 70 e 80.

156
Essa categoria de produtos é encontrada em diferentes países e sua
segurança foi estabelecida no início da década de 80 em alguns estudos
extensivamente mencionados na literatura desta época, quais sejam
Hauschild (1982), Hauschild e Simonson (1985), Roberts e Gibson (1983).
Esses produtos são submetidos a tratamentos térmicos com
valores de Fo em torno de 0,5 minuto, o que permitiria destruir células
vegetativas e reduzir a contagem inicial de esporos de Clostridium
botulinum, podendo promover injúria nos esporos dependendo de diferentes
fatores intrínsecos do produto. Evidenciou-se em alguns estudos que a
concentração salina principal determinante da atividade de água nessa
categoria de produtos embutidos em tripa plástica estaria diretamente
relacionada à segurança microbiológica (LEISTNER e GOULD, 2002).
Assim sendo, a segurança desses produtos baseia-se na inibição da
germinação dos esporos por um conjunto de barreiras (sal, nitrito, pH,
potencial redox), além do controle microbiológico das matérias-primas e
ingredientes utilizados. Esses produtos apresentam bons recordes de
segurança.
Dentre os aspectos mais relevantes relacionados à segurança
microbiológica a análise de risco do desenvolvimento de algumas bactérias
patogênicas em alimentos deve ser realizada, incluindo-se o Clostridium
botulinum. Uma vez que os seus esporos se originam do solo e são
carreados para a cadeia de alimentos por meio do animal vivo, este
patógeno é considerado como perigo potencial para as carnes. O
Clostridium botulinum é uma bactéria anaeróbia esporogênica, Gram
positiva, em forma de bastonete reto ou ligeiramente curvado. É móvel,
possuindo flagelos perítricos, dispondo-se de forma isolada ou, menos
frequentemente, aos pares ou em cadeias curtas. Este micro-organismo é
responsável pela ocorrência de quadros de intoxicação alimentar, em
decorrência da produção de neurotoxina pré-formada nos alimentos. A
ingestão desta toxina é de grande preocupação considerando-se sua alta
letalidade e aos períodos prolongados necessários para a recuperação dos

157
pacientes acometidos por esta intoxicação. Esta espécie inclui sete tipos, A,
B, C, D, E, F, e G, os quais se diferenciam por meio da especificidade
antigênica de suas toxinas. O Clostridium botulinum é classificado em
função das toxinas que produz, constituindo-se um grupo heterogêneo de
espécies que compreendem quatro agrupamentos de bactérias
filogeneticamente e fisiologicamente distintas, conhecidos como Grupos I, II,
III e IV, sendo:
Grupo I: inclui as cepas do tipo A e as cepas proteolíticas dos tipos
B e F, fermentam alguns carboidratos.
Grupo II: inclui as cepas do tipo E e as não proteolíticas dos tipos
B e F, são sacarolíticas.
Grupo III: inclui todas as cepas dos tipos C e D, as quais podem
ser fracamente ou não-proteolíticas.
Grupo IV: inclui as cepas do tipo G, proteolíticas, mas que não
fermentam carboidratos.
Os tipos A, B e E do Clostridium botulinum têm sido os
responsáveis pela maioria dos casos de botulismo em humanos, enquanto
os tipos C e D são mais frequentemente envolvidos em botulismo de outros
mamíferos e aves. As neurotoxinas botulínicas são proteínas elaboradas
durante a multiplicação microbiana e quando a célula vegetativa sofre lise.
Após a ingestão de um alimento que contém a toxina, esta é absorvida no
trato intestinal e se liga irreversivelmente às terminações nervosas onde
inibem a liberação de neurotransmissores. Os sintomas que decorrem em
função da ação da toxina botulínica no organismo humano são severos,
incluindo-se náusea, vômito, fadiga, paralisia muscular, dificuldade
respiratória, dentre outros, levando ao óbito caso não haja atendimento
médico necessário. Algumas características importantes do Clostridium
botulinum e de seus esporos incluindo-se as condições mínimas de
crescimento e resistência térmica são apresentadas na Tabela 1.

158
Tabela 1. Requerimentos mínimos de crescimento e resistência térmica de
Clostridium botulinum e de seus esporos.
Grupo II
Grupo I
Requerimento de crescimento Tipo não-
Tipo proteolítico
proteolítico
Tipo de neurotoxina A, B, F B, E, F
Clostrídio equivalente não toxigênico C. sporogenes Não determinado
Temperatura mínima de crescimento 10-12°C 2,5-3,0°C
Temperatura ótima de crescimento 37°C 25°C
pH mínimo de crescimento 4,6 5,0
NaCl máximo de crescimento 10% 5%
Atividade de água mínima de 0,94/0,93 0,97/0,94
crescimento
Resistência térmica do esporo D100°C = 25 min D100°C = <0,1 min

O Clostridium botulinum proteolítico é mesofílico. O crescimento


e formação de neurotoxina podem ocorrer a 12°C em 3-4 semanas, mas
não em temperaturas iguais ou inferiores a 10°C (Peck, 2006). Este micro-
organismo tem habilidade de formar neurotoxina em condições de grande
abuso de temperatura (25°C) em carne embalada a vácuo (LÜCKE e
ROBERTS, 1992), mas não se constitui em um perigo em alimentos
armazenados corretamente sob refrigeração, nos quais as temperaturas
mantidas são inferiores a 10°C. O Clostridium botulinum não-proteolítico é
uma bactéria psicrotrófica, que apresenta temperatura ótima de crescimento
de 25°C (PECK, 2006). Existem relatos a respeito do crescimento e
formação de neurotoxina a 3,0–3,3°C em 5–7 semanas, mas sem
ocorrência a 2,1–2,5°C em 12 semanas (PECK e STRINGER, 2005).
A dose infectiva mínima estimada do Clostridium botulinum é de
103 UFC/g, porém esta deve ser utilizada apenas para propósitos indicativos
já que a susceptibilidade do consumidor varia de acordo com seu sistema
imunológico, condições de saúde e idade (STEPHEN, 2002).

159
O termo aw-SSP, introduzido na década de 80 (Leistner e
Gould,2002), refere-se à categoria de produtos cárneos estáveis em
temperatura ambiente principalmente em função da atividade de água,
embora outras barreiras também possam impactar a segurança
microbiológica desses produtos que incluem a mortadela de baixo custo
Os estudos encontrados na literatura foram em sua maioria
conduzidos em sistemas modelo em laboratório utilizando como matérias-
primas carnes suínas e/ou bovinas, raros trabalhos com carne de aves
estão disponíveis (EFSA, 2003; 2005). O Brasil utiliza a carne
mecanicamente separada de aves como principal matéria-prima nas
mortadelas de baixo custo. A carne mecanicamente separada de aves
apresenta além da carga microbiana inicial bem superior à encontrada em
cortes cárneos, valores de pH mais elevados e teores de ferro superiores.
Essas características impactam a segurança microbiológica desses
produtos.
O CTC/ITAL realizou um estudo com mortadela embutida em tripa
plástica impermeável envolvendo teste de desafio com esporos de
Clostridium sporogenes. Esse estudo foi conduzido para Foram elaborados
4 tratamentos sem inóculo e 4 com inóculo variando-se a atividade de água
(0,94, 0,95, 0,96 e 0,97) com 150ppm de nitrito e lactato de sódio (1%)
adicionados. Os resultados revelaram que na atividade de água de 0,96 o
crescimento de anaeróbios mesófilos variou entre as amostras analisadas,
mas não houve germinação dos esporos, o que foi observado na atividade
de água de 0,97.
Finalizando, é importante ressaltar que, ao contrário da
esterilização, não há critérios pré-estabelecidos para o tratamento térmico
de pasteurização. É importante que se conheça as contagens das principais
classes de microrganismos na massa crua e assim o tratamento térmico
seja adequadamente dimensionado para o produto. Encontra-se na
literatura a recomendação de redução 6 ciclos logaritmos (6D) para o
Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium (antigo Strepetococcus D),

160
as células vegetativas mais resistentes ao calor, mas essas sugestões
devem ser vistas com cautela, uma vez que há necessidade de se avaliar
cada caso. O frigorífico deve ter um programa de boas práticas e plano de
HACCP estabelecido para o produto.

161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Instrução Normativa
nº 04 de 31 de março de 2000. Regulamentos técnicos de identidade e
qualidade de carne mecanicamente separada, de mortadela, de lingüiça, de
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Seção 1, p. 6-10.

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Mortadela. 2012.

EFSA. Clostridium spp. in foodstuffs. The EFSA Journal, v.199, p.1-65,


2005.

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162
PECK, M.W.; STRINGER, S.C. The safety of pasteurized in-pack chilled
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171, 176, 1983.

STEPHEN, J.F. Microbiologia da segurança alimentar. Porto Alegre:


Artmed, 2002. 424p.

163
DEFEITOS EM EMBUTIDOS CÁRNEOS
Eunice Akemi Yamada
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

É do conhecimento das indústrias que os produtos cárneos são


sistemas altamente complexos. Qualquer alteração aparentemente
insignificante na tecnologia de fabricação pode causar surpresas
extremamente desagradáveis no produto final. Considerando o provérbio:
"um erro reconhecido é já meio corrigido" tem-se a importância em buscar a
causa do erro. Encontrar a causa é pré-requisito para corrigir o erro e evitá-
la como fonte de futuros problemas. Infelizmente essa busca é
extremamente difícil. Um grande número de fatores deve ser considerado,
pois muitos exercem efeito sobre outro.
A matéria-prima cárnea é bastante complexa na sua composição,
pois trata-se de uma fonte rica em nutrientes para o crescimento de
microrganismos. Com a diversidade de produtos e procedimentos
tecnológicos utilizados, a possibilidade de ocorrência de defeitos como
manifestações estéticas aumenta, inviabilizando a sua comercialização. A
seguir são descritos alguns dos defeitos mais comuns em produtos cárneos
embutidos.

1 - EMBUTIDOS FRESCAIS
1.1 Lingüiça esverdeada: a lingüiça apresenta-se esverdeada devido ao
fenômeno da oxidação. Muitos autores sustentam que existe
interdependência entre a oxidação lipídica e a oxidação de cor. A oxidação
do pigmento pode catalisar a oxidação lipídica, a qual também pode ser
induzida por outros componentes que possuem ferro e pelo ferro livre. Por
outro lado, os radicais livres produzidos durante a oxidação lipídica podem
oxidar o átomo de ferro ou desnaturar a molécula de mioglobina, alterando
negativamente a cor dos produtos (OLIVO, 2006).

164
2 - EMBUTIDOS EMULSIONADOS
2.1 Presença de pequenas manchas verdes na superfície externa da
salsicha. As salsichas apresentam pequenas manchas de coloração verde,
com bordas perfeitamente nítidas. Estas manchas podem ter origem
microbiana ou química. A origem química é explicada pela presença de
peróxidos gerados pela rancificação das gorduras ou pelo excesso de
ascorbato de sódio na formulação. (TERRA et al. 2006)

2.2 Coloração verde: o esverdeamento é o resultado do desenvolvimento


de microrganismos que produzem água oxigenada. Essa água oxigenada
ao reagir com os pigmentos da carne produz o pigmento verde responsável
por esse defeito. A pasteurização da salsicha, após ser embalada, reduz
enormemente esse risco. Recomenda-se um aquecimento a 80ºC por 20
minutos.

2.3 Manchas verdes: As causas podem ser: matérias-primas muito


contaminadas ou abundante entrada de ar na massa (o oxigênio provoca
oxidação e alterações de cor).

2.4 Liberação de líquido na embalagem: é o resultado do desequilíbrio


entre os teores de água, gordura e proteínas solúveis. Muitas vezes, por
questões econômicas, ocorre uma redução da quantidade de carne magra
que é a fonte de proteínas miofibrilares (emulsificantes), e essas proteínas
não são repostas através da adição de proteínas vegetais ou plasma. Esse
líquido liberado poderá originar um problema ainda mais grave como
possibilitar o desenvolvimento de microrganismos que irão tornar a salsicha
imprópria para o consumo humano. Em algumas ocasiões, as proteínas
miofibrilares estão em quantidade adequada na formulação, mas não são
adequadamente extraídas das miofibrilas pela não observância da
seqüência de adição dos ingredientes.

165
2.5 Separação de gelatina e gordura sob a tripa: As causas podem ser:
• matéria-prima com pouca proporção de carne magra;
• tratamento excessivo da gordura no cutter;
• aquecimento excessivo da massa no cutter, devido às facas não
afiadas;
• excessivo manuseio da pasta no embutimento (sobrecarga mecânica)
fazendo com que a massa se aqueça excessivamente durante a operação;
• trituração da carne magra insuficiente no cutter;
• repouso por período muito longo da massa antes do embutimento e do
tratamento térmico;
• Temperatura de aquecimento muito elevada ou mantida por tempo
excessivo. (FREY, 1995).

2.6 Porosidade da massa: pequenos orifícios na massa são resultados do


não funcionamento da bomba de vácuo na embutideira. Tais orifícios são
gerados pela incorporação de ar à massa por ocasião do trabalho no cutter.
Quando o cutter é dotado de condições para extrair o ar da massa, esse
problema é minimizado.

2.7 Arenosidade da massa: o uso de carne mecanicamente separada


(CMS) e obtida com máquina mal regulada (excessiva extração,
rendimentos superiores a 80%), leva a excessiva quantidade de fragmentos
ósseos, comunicando a sensação de arenosidade. Esse problema torna-se
mais saliente em formulações que contemplam grandes quantidades de
carne mecanicamente separada (CMS).

2.8 Inchamento e ruptura da salsicha no preparo para o consumo:


durante o preparo da salsicha para ser consumida (cozimento em água
quente), ocorre seu inchamento, às vezes chegando à ruptura. Tal

166
inchamento é devido ao excesso de colágeno (couro suíno ou pele de
frango) presente na formulação.

2.9 Estufamento do saquinho plástico: a produção de gás é o resultado


do crescimento de microrganismos aderidos na superfície da salsicha, face
à contaminação.

2.10 Quebra do vácuo na embalagem plástica: duas são as possíveis


causas desse problema. Uma delas é a ocorrência de microfuros na
termossoldagem e a outra é o desenvolvimento de bactérias láticas
heterofermentativas que, ao produzirem gás carbônico, provocam a queda
do vácuo. As bactérias láticas heterofermentativas são resultantes da
contaminação de superfícies; por isso é de extrema importância o cuidado
com a limpeza e desinfecção do tampo das mesas da sala de embalagem e
das mãos dos funcionários.

2.11 Problema de textura: o uso de carne mecanicamente separada


(CMS) em quantidades altas altera a textura da salsicha. Isso ocorre devido
ao fato de que a CMS, ao ser tratada sob altas pressões, sofre uma
fragmentação em suas fibras musculares, perdendo sua elasticidade
característica.

2.12 Sulcos superficiais: A salsicha apresenta deformações superficiais


traduzidas por sulcos, devido à secagem excessiva durante a etapa de
tratamento térmico.

3 - EMBUTIDOS FERMENTADOS
Os produtos embutidos fermentados podem apresentar defeitos
devido a fatores físicos, bioquímicos e microbiológicos, particularmente
durante as fases iniciais de preparação e produção. Se os processos de
formação de cor, ligação e desenvolvimento do sabor e aroma não forem

167
suficientemente estabilizados, os produtos apresentarão defeitos.
Antes da introdução de câmaras de fermentação climatizadas, a
produção de embutidos de boa qualidade era dependente de quaisquer
mudanças das condições climáticas. Falhas na secagem eram os maiores
erros encontrados nesse tempo. Hoje em dia, a maioria das falhas de
processo ocorre já durante as fases de fermentação e maturação, causando
um desenvolvimento insuficiente das propriedades de liga, formação de cor
e estabilização. Entre os problemas mais comuns no processamento de
embutidos fermentados estão:

3.1 Película seca por dentro do invólucro


A secagem de embutidos fermentados é uma fase muito
importante no processamento desses produtos. As falhas que ocorrem
durante a fase de secagem podem ser tão graves a ponto de não ser
possível corrigi-las. Durante o período de secagem, os embutidos devem
perder sua água gradualmente, a fim de transformar o produto rico em água
em outro de teor de umidade relativamente baixo, que é mais ou menos
estável do ponto de vista microbiológico. O processo de secagem deve
ocorrer de dentro para fora. Os embutidos que apresentam uma película
exterior seca abaixo do invólucro são resultantes de erros na secagem.
Quanto mais prolongadas essas condições adversas de secagem, maiores
e mais pronunciadas serão as falhas. Uma vez que a umidade das partes
mais internas não pode sair pela película, ocorre uma proliferação de mi-
crorganismos acompanhada de mudanças de cor, consistência, odor e
sabor. Tais produtos defeituosos apresentam sabor ácido, de estragado,
cáustico ou de fungo, e são caracterizados por diferença de coloração. O
tipo de falha resulta de umidade muito baixa, de velocidade do ar muito alta
ou de uma temperatura muito alta durante a fermentação, defumação ou
fases da secagem.
As fatias de salame apresentam uma camada externa de
coloração vermelha mais escura, aspecto coriáceo. Na elaboração do

168
salame, as bactérias láticas geram ácido lático que reduz o pH e provoca a
eliminação da água, ocorrendo a desidratação. A água migra do interior da
massa até a superfície do embutido e daí para o ambiente. A velocidade de
migração dessa água deve ser igual à velocidade de liberação da água da
superfície do salame. Para que isso aconteça de forma controlada, a
atividade de água do salame deve ser sempre maior (2-4%) que a umidade
relativa da câmara climatizada. Já a velocidade de transferência da água da
superfície do salame para o ambiente depende da velocidade do ar.
Velocidades superiores a 0,5m/seg. determinam a formação do anel de
desidratação (TERRA et al., 2006).

3.2 - Formação de bolsas de ar e porosidade


Muito freqüentemente, os embutidos fermentados têm boa
aparência externa, mas, interiormente, após cortá-los, encontram-se bolsas
de ar. Existem duas razões para que isso ocorra: a) os bolsões estão
presentes desde o embutimento; b) os bolsões se desenvolveram durante a
fermentação, defumação ou fase de secagem.
No primeiro caso, é possível que o embutimento não tenha sido
realizado corretamente ou que a mistura estivesse muito mole. Tais bolsões
de ar são distintos de outros por possuírem paredes moles. Esses bolsões
são prejudiciais considerando-se que o oxigênio do ar pode provocar
descoloração da carne e rancificação da gordura. No caso de bolsas de ar
desenvolvidas durante as fases de fermentação, defumação ou secagem,
normalmente são provocadas por diferentes tensões entre o centro e a
superfície do invólucro, causando rupturas e formação de cavernas. As
diferenças de tensão são provocadas pelos movimentos muito rápidos do
ar, por temperaturas muito elevadas, ou umidade relativa muito baixa.
Esses bolsões são facilmente distinguidos daqueles formados por mau
embutimento, pois sempre possuem pontes de tecidos dentro deles. Mesmo
quando essas "pontes" se partem, podem ser facilmente reconhecidas.
Nesse tipo de bolsa de ar pode haver crescimento de fungos, descoloração

169
e rancificação.
Existe ainda outra falha que provoca porosidade na textura do
embutido. Nesse caso, muitos buracos do tamanho de sementes de
mostarda são visíveis ao se fatiar o produto. Esses buracos são produzidos
pela formação de gás por microorganismos heterofermentativos, como
lactobacilos, e podem ocorrer principalmente quando a adição de açúcar for
muito alta, ou se a temperatura durante a fermentação ou secagem for
muito alta.
Bactérias láticas como Streptococci, Pediococci e Lactobacilli que
são homofermentativas produzem apenas lactato na glicólise. Já as
heterofermentativas como Leuconostoc produzem lactato, gás carbônico,
acetato e álcool etílico, indefinindo o sabor do salame, bem como conferindo
o aroma de vinagre. A ação de bactérias láticas heterofermentativas com a
produção de gás carbônico pode gerar os buracos (TERRA et al.; 2004).

3.3 Ligação insuficiente


Sob circunstâncias normais, os embutidos necessitam
aproximadamente de 3 a 5 dias para desenvolver as propriedades de liga
(binding). Os embutidos crus com boas características para ligação podem
ser fatiados facilmente, mas se as propriedades de liga não forem bem
desenvolvidas, é muito difícil se fatiar em camadas finas, podendo haver
perda de gordura.
O fator mais importante na liga do produto é o pH. Se o pH da
mistura for muito alto, ou se a mistura foi insuficiente, a ligação será
insatisfatória. Essas condições ocorrem quando se utiliza carne DFD de
suíno, corte escuro de carne bovina ou carne “pré-rigor”. Além disso,
qualquer liga que se desenvolve pode ser destruída em outras etapas por
deterioração de bactérias que proliferem em pH mais alto.
O resfriamento insuficiente da carne e em particular da gordura,
também podem ser causa de ligação (binding) insuficiente. Nesse caso, a
matéria-prima torna-se muito quente durante a desintegração no cutter. As

170
partículas de carne ficam envolvidas num filme fino de gordura, evitando a
secagem apropriada da mistura e o desenvolvimento da liga.

3.4 Consistência macia


Os produtos embutidos crus fatiáveis devem ter uma consistência
firme. Os produtos em que a pressão do dedo permanece marcada são
demasiadamente macios e defeituosos. Geralmente, os embutidos
produzidos de carne suína ou que contenham um alto teor de gordura são
mais macios que aqueles produzidos de carne bovina ou que tenham carne
bovina em maior proporção. Considerando-se que o desenvolvimento da
consistência do produto está intimamente ligado aos processos que levam
ao desenvolvimento da liga, todos aqueles fatores que afetam a liga
também afetam o desenvolvimento da consistência adequada.

3.5 Desenvolvimento da cor e estabilização insuficiente


As falhas mais comuns no processamento de embutidos
fermentados são: o desenvolvimento de cor insatisfatória e a coloração
instável. Um desenvolvimento insuficiente de cor pode ser observado
quando se corta um embutido e, a cor instável é notada quando se
armazena o produto cortado por algum tempo. A destruição da cor de cura
pode ser causada pela produção de determinados peróxidos por
lactobacilos, micrococos ou formas esporogênicas aeróbias. A perda de cor
durante a exposição no mercado varejista pode ser causada por
temperaturas elevadas, por exposição á luz de determinado comprimento
de onda (ultravioleta) ou por resfriamento insuficiente das gorduras e da
carne antes do processamento.

3.6 Descoloração nas partes externas do embutido


A descoloração da casca ou das partes mais externas do
embutido aparece como um anel cinza fino que pode ser claramente
diferenciado do restante do embutido. Essa falha pode ocorrer se o produto

171
for colocado em armazenamento a frio, antes da formação da cor haver sido
completada nos tecidos externos. Coloração cinza ou marrom também pode
ser observada se os embutidos curados de forma incompleta forem
defumados intensamente, ou em temperaturas e umidade relativa altas. Sob
essas condições, substâncias oxidantes da fumaça penetram através da
tripa e interrompem o desenvolvimento adequado da cor de cura.
Superfícies cinzas ou cinza-amareladas poderão também ser observadas se
forem utilizadas gorduras rançosas no processamento, ou se os produtos
forem estocados em câmaras muito quentes ou muito claras.

3.7 Cor vermelha da gordura


Nos embutidos fermentados, é freqüente observar as partículas de
gordura completa ou parcialmente vermelhas ou róseas. Isso ocorre mais
freqüentemente nos embutidos que tenham sido fermentados muito
rapidamente e armazenados em temperaturas muito altas. Baixo pH
também pode provocar essa alteração indesejável. Supõe-se que nessas
temperaturas elevadas ou pH baixo, os microrganismos destroem o
complexo responsável pela cor, liberando "nitroso-heme" que penetra nas
partículas de gordura manchando-as de vermelho.

3.8 Falta de definição das partículas das fatias


Os consumidores esperam que os produtos de alta qualidade
apresentem a carne e a gordura bem visíveis e como tecidos distintos. Há
embutidos com aspecto de textura superficial ruim que normalmente é
causado por esmagamento durante a cominuição. Isso ocorre quando as
facas do picador não estão suficientemente afiadas. Essa falha acarreta um
superaquecimento da parte gordurosa que provoca mudanças indesejáveis
na textura dos produtos.

3.9 Falhas em aroma e sabor


• Formação excessiva de ácidos: Se os microrganismos

172
heterofermentativos se desenvolverem muito rapidamente no embutido
durante os estágios de fermentação, outros ácidos, além do lático, são
produzidos e imprimem um sabor muito ácido ao produto. Esses outros
ácidos incluem: o ácido acético e o ácido propiônico.
• Rancidez: A rancidez nos embutidos fermentados pode ser
resultado de processos químicos, físicos ou bacteriológicos. A influência do
calor e da luz é particularmente importante. Os embutidos armazenados sob
luz e calor tornam-se rançosos muito mais rapidamente que àqueles
armazenados em sala escura (60 lux) em temperaturas baixas (<15ºC). A
rancidez também pode ser causada por microrganismos que hidrolisam a
gordura (bactérias, fungos, etc.), mas normalmente são inibidos durante o
processamento correto.

3.10 Falhas na aparência de embutidos fermentados


• Enrugamento e alargamento das tripas: Os embutidos
fermentados, quando frescos, apresentam uma superfície lisa, enquanto
nos embutidos mais velhos a superfície pode aparecer desigual. Essa
diferença é normal em embutidos bem resfriados e se deve ao fato da
gordura encolher menos que as partículas de carne. As tripas devem
encolher de acordo com a mistura e precisam manter contato com a massa
do produto durante todas as etapas no processamento. É necessário,
portanto, que as tripas permaneçam elásticas. Tripas naturais e tripas feitas
de tecido animal (colágeno) são altamente elásticas e adequadas para a
produção de embutidos fermentados. Precisam permanecer umedecidos
para manter suas propriedades elásticas. A aparência enrugada e sulcos
na superfície do embutido são sempre sinais de que a secagem não está
sendo processada adequadamente. O surgimento de sulcos profundos em
apenas um lado do produto indica que, ou o embutido foi secado muito
drasticamente, ou que secagem excessiva ocorreu de um único lado.
• Desprendimento da tripa: quando se trabalha com tripa
insuficientemente hidratada (FREY, 1995)

173
• Condensação da gordura: Nesse caso, substâncias oleosas com
ponto de fusão baixo, nas partes mais externas do embutido, penetram na
tripa e produzem uma camada fina de gordura na superfície. Essa falha
ocorre normalmente se no lugar de gordura de cobertura foi utilizada
gordura macia como matéria-prima; ou ainda, se os embutidos foram
maturados, defumados ou secos em temperaturas muito elevadas (15 a 20
ºC devem ser suficientes).
• Salame com camada cremosa entre a massa e a tripa. Presença
de uma quantidade significativa de um líquido altamente viscoso. A moagem
do toucinho deve ser realizada em temperaturas próximas de -7°C e das
carnes, congeladas (-1°C), buscando obter cortes limpos e partículas
uniformes. Se as facas do moedor não estiverem convenientemente afiadas
e a temperatura das matérias-primas estiver alta, o moedor além de
cominuir, emulsiona a gordura liberada no meio, formando uma pseudo-
emulsão que irá colocar-se entre a massa e a tripa, dificultando a
desidratação (TERRA et al., 2004).

3.11 Crescimento de bolores e bactérias na superfície dos embutidos:


É comum esse crescimento na superfície dos embutidos. Os bolores
normalmente produzem manchas brancas ou ainda coberturas mais
extensas que possuem consistência de farinha. Embora os bolores
permaneçam na superfície do produto eles também podem penetrar
através das tripas. A maioria dos bolores e bactérias não é resistente aos
compostos da fumaça e desaparecem rapidamente durante a defumação.
O crescimento de fungos na superfície dos produtos acabados pode ser de
Penicillium ou Aspergillus, que dão a aparência azul-esverdeada ao
embutido. Em casos mais raros, a superfície pode ser coberta de manchas
escuras devido ao crescimento de Mucor. Embora o crescimento de fungos
não afete, na maioria de casos, as qualidades gustativas do embutido,
crescimentos excessivos podem levar a um sabor de "fungo", tornando os
produtos inadequados para consumo humano.

174
3.12 Consistência defeituosa: pouca consistência ao corte como
conseqüência da untuosidade da pasta, que aparece quando se embute
com a pasta muito quente, com pressão ou quando se empregam funis
inadequados (FREY, 1995).

3.13 Produção de gás em salame já embalado em filme plástico, com


alta barreira ao oxigênio. Este defeito foi estimulado pelo desenvolvimento
de bactérias produtoras de gás, como os coliformes, estufando a
embalagem.

Lingüiça esverdeada
(Fonte: Olivo, 2006)

Manchas verdes na superfície de


salsichas (Fonte: Olivo, 2006)

175
Separação de gelatina e
gordura sob a tripa (Fonte:
Frey, 1995)

Separação de gelatina e gordura sob a


tripa

Porosidade da massa

176
Falta de consistência. (Fonte: Frey, 1995)

Sulcos superficiais
(Fonte: Olivo, 2006)

Formação de bolsas de ar e
porosidade (Fonte: Terra, 2004)

177
Falta de definição das partículas das fatias

Enrugamento e alargamento das tripas

Condensação de gordura

Crescimento de bolores na superfície


do embutido

178
Crescimento de bolores na
superfície do embutido

Consistência defeituosa
(Fonte: Terra, 2004)

179
4 - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
FREY, W. Fabricación fiable de embutidos. Guia para el técnico.
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180
IMPACTOS DA REDUÇÃO DE SÓDIO NA ELABORAÇÃO DE
PRODUTOS CÁRNEOS
Maria Teresa Esteves Lopes Galvão
Faculdade de Engenharia de Alimentos – FEA/UNICAMP

Introdução
Com a crescente preocupação com a saúde e bem-estar, uma das
principais tendências mundiais na área de alimentação, o consumo de sal
passou a ser investigado e, os valores observados demonstram que sua
ingestão está muito acima dos limites considerados aceitáveis. Na Europa e
nos EUA estima-se que o consumo atual esteja na ordem de 9-12g/dia,
valores muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde
(WHO), de 5g/dia (WHO, 2015). No Brasil, o consumo médio também está
próximo desses valores (ABIA, 2013). O consumo excessivo de sal está
diretamente relacionado com ocorrência e aumento dos casos de
hipertensão, um dos fatores de risco para o desenvolvimento de acidentes
cardiovasculares e cerebrais (He and MacGregor, 2003; He and MacGregor,
2009; Frisoli et al., 2012; Neal, 2014).
Em países industrializados cerca de 80% do sal consumido é
proveniente de alimentos processados (Katz and Williams, 2010) ou do
consumo de alimentos fora do lar (Dötsch et al., 2009). No Brasil, dados
divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos (ABIA,
2013) indicam que a participação dos produtos industrializados no consumo
de sódio é de 25 a 30%, dependendo da região do país, níveis bem
inferiores aos observados nos países industrializados. No entanto,
contribuição dos produtos cárneos dentro do total da categoria de alimentos
processados é de cerca de 20%, tornando essa categoria alvo para estudos
de redução de sal (Weiss et al., 2010).
De acordo com a Mintel Global New Product Database a partir de
2006, o número de produtos cárneos lançados na Europa com apelos
específicos em seus rótulos tem crescido ano a ano, como é o caso de

181
produtos cárneos com apelos voltados para a menor quantidade de seus
ingredientes. Em 2010, cerca de 400 novos itens foram lançados utilizando
como apelo menores teores em pelo menos um ingrediente (gordura,
calorias, sal etc). Mas, a participação dos produtos com teores reduzidos de
sódio frente ao total de produtos lançados ainda é baixa. Nos Estados
Unidos, em 2014, do total de alimentos e bebidas lançados no ano, somente
3,2% apresentaram como apelo a redução de sódio. No mercado global,
esse valor é ainda menor, de 1,6% (Williams, 2015). A explicação para
níveis tão baixos de desenvolvimento de produtos nessa área esta baseada
tanto em obstáculos técnicos como também na possível resistência à
aceitação desses produtos pelos consumidores considerados muitas vezes,
com pouco sabor.

Função tecnológica do sal em produtos cárneos


Sob o ponto de vista tecnológico, o sal possui várias funções nos
produtos cárneos como a de contribuir para a preservação, devido à
redução da atividade de água e, solubilização e extração das proteínas
miofibrilares da carne. A solubilização faz com que as proteínas mifibrilares
sejam ativadas, contribuindo para o aumento da capacidade de retenção de
água da carne. Com isso, as perdas no cozimento são reduzidas, com
impacto positivo na maciez e na suculência dos produtos. Em produtos
emulsionados a solubilização e extração das proteínas miofibrilares
resultam no aumento não só da capacidade de retenção de água mas
também na formação de gel e emulsão. Na presença do sal, a viscosidade
da massa cárnea aumenta parcialmente, pois as proteínas têm maior
chance de interagir, formando redes de proteína, aumentando com isso a
capacidade de liga da matriz cárnea (Desmond, 2006). Segundo Ranken et
al., 1997, as perdas de água no cozimento são minimizadas por um nível de
sal de 5 a 8% em relação ao conteúdo total de água. O papel do sal na
capacidade de retenção de água é explicado pela tendência dos íons

182
cloreto de penetrar nos miofilamentos da proteína causando seu
entumescimento devido ao aumento da pressão osmótica interna.
Teores de sal e sódio em produtos cárneos
Nem todos os produtos cárneos apresentam os mesmos teores de
sal. Produtos cozidos, como salsichas, mortadelas e presuntos apresentam
teores de sal na faixa de 2,0 a 3,0% (Ruusunen and Puolanne, 2005;
Desmond, 2006; Pietrasik and Gaudette, 2014.) Já no bacon, o teor de sal
pode variar de 2,5 a 4% e, em produtos fermentados o teor de sal encontra-
se ao redor de 5%. Menores teores de sal são observados em
hambúrgueres, ao redor de 0,7-1,5% (Desmond, 2006). Produtos curados
secos como o presunto cru podem apresentar teor de sal de até 8%,
dependendo do tempo de cura a que são submetidos (Hersleth et al., 2011).
De todos os ingredientes utilizados em uma formulação cárnea o
sal, é sem dúvida, o ingrediente que mais contribui para o teor de sódio, já
que cerca de 40% da sua composição é composta por sódio (Desmond,
2006) como demonstra a Tabela 1.

Tabela 1. Contribuição dos principais ingredientes utilizados na elaboração


de produtos cárneos com relação ao teor de sódio
Ingrediente Contribuição teor sódio (%)
Carnes bovina, suína e de aves 0,1
Sal 39,3
Tripolifosfato de sódio 31,2
Nitrito de sódio 33,3
Nitrato de sódio 27,1
Ascorbato/ eritorbato de sódio 11,6
Glutamato monossódico 13,6
Lactato de sódio 20,5
Fonte: Desmond (2006)

183
Estudos conduzidos pela ANVISA, Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, em 2012 indicaram grande variabilidade nos teores de sódio tanto
entre diferentes categorias como em uma mesma categoria de produtos
cárneos, como mostra a Tabela 2. Essas diferenças podem ser explicadas
pelas particularidades das formulações de cada uma das empresas, além
de que no mercado existem várias classificações/denominações para cada
uma das categorias.

Tabela 2. Teores de sódio (mg/100g) em produtos cárneos encontrados no


mercado
Categoria de N Teor de sódio (mg/100g)
produto
Médio Mínimo Máximo Variação

Hambúrguer 5 701 134 1.120 8,4


bovino
Mortadela 4 1.303 1.063 1.480 1,4

Mortadela de 4 1.232 943 1.520 1,6


frango
Fonte: ANVISA, Informe Técnico 50/2012
N – número de produtos analisados

A divulgação desses resultados veio reforçar a importância de


acordos governamentais com as associações representantes das indústrias
para a redução do teor de sódio dos alimentos, um tema de saúde pública
tão relevante. Com isso, em 2013 foi assinado um termo de compromisso
entre o Ministério da Saúde e as Associações das Indústrias de diversos
setores onde foram estabelecidas metas de redução de sódio incluindo a
categoria de produtos cárneos como produtos empanados, com exceção de
empanados de peixe, hamburgueres, linguiça cozida, linguiça frescal,
mortadela, salsicha e presuntaria (presuntos e apresuntados) para os anos

184
de 2015 e 2017. Atualmente já é possível encontrar no mercado produtos
cárneos dentro das categorias estabelecidas pelo Ministério com teores
mais baixos de sódio.
No entanto, o papel na redução de sódio não deve ser única e
exclusivamente das indústrias. É necessária também a realização de
campanhas institucionais para a conscientização do consumidor reforçando
os malefícios causados pelo excesso de sal na alimentação e os índices
recomendados de ingestão diária. Pesquisas realizadas nos Estados
Unidos da América indicaram que, cerca de 50% dos americanos tem
preocupação com a dieta principalmente com questões relacionadas com a
redução de peso (conteúdo calórico e gordura). A preocupação com o teor
de sódio nos alimentos ainda é baixa, reportada somente por 15% dos
entrevistados, os quais demonstram ter algum tipo de restrição ao sódio por
serem hipertensos.
A pesquisa também mostrou que produtos com redução de sódio
tendem a ser mais bem aceitos quando estão associados a outros
benefícios como teor de gordura/caloria reduzido e que, muitos
consumidores (cerca de 60%) já experimentaram algum tipo de produto com
teor reduzido de sódio. Aqueles que nunca experimentaram (16% dos
entrevistados) demonstraram-se abertos à experimentação.

Percepção do gosto salgado


O sal, além de conferir o gosto salgado característico, contribui
para realçar o sabor global dos alimentos e suprimir a percepção do gosto
amargo (Dötsch et al., 2009). Além disso, promove saciedade e contribui
para o processo de salivação (Kuo and Lee, 2014).
O processo de percepção do gosto salgado pode ser descrito por
três estágios consecutivos. Primeiro o sódio migra do alimento para a
cavidade oral. Em seguida, alcança a língua sendo então transferido para
células receptoras do gosto, as papilas gustativas. Nesse momento ocorre a
despolarização da membrana, permitindo a passagem do sódio pelos

185
receptores gerando um impulso nervoso e consequentemente a percepção
do gosto salgado.

Estratégias para redução de cloreto de sódio em produtos cárneos


As estratégias para redução de cloreto de sódio em produtos
cárneos podem ser classificadas em quatro categorias: simples redução,
uso de sais substitutos, uso de realçadores de sabor e modificação da
forma física do sal.
A estratégia de simples redução para ser efetiva precisa estar
vinculada à conscientização e desejo da população em consumir produtos
com menores teores de sódio necessitando com isso de altos investimentos
em campanhas governamentais como ocorreu, por exemplo, no Japão,
Reino Unido e Finlândia (He and MacGregor, 2009; Busch et al., 2013). No
Reino Unido, reduziu-se em cerca de 7% o total de sódio consumido pela
população entre os anos de 2006 e 2011, reflexo das campanhas de
conscientização. Um dos fatores chaves para que essa estratégia se torne
viável é que as reduções sejam praticadas por todas as empresas. Além
disso, devem ser pequenas e gradativas, pois reduções gradativas
permitem que o consumidor se adapte sensorialmente aos novos teores.
Logo é uma estratégia que visa longo prazo.
Inúmeros trabalhos investigaram o efeito da simples redução de
sódio nas características de qualidade dos produtos cárneos. Em um estudo
conduzido por (Tobin et al., 2012) observou-se que a simples redução de
sal impacta negativamente na aceitabilidade dos produtos. Os autores
estabeleceram que o limite crítico para redução, sem alterar a aceitação, é
de 1,5% na formulação. Ruusunen and Puolanne (2005) citam que 25% de
redução de cloreto de sódio em produtos cárneos é o percentual máximo de
redução para que o produto não apresente perda significativa das suas
características. Segundo Sofos (1983) salsichas contendo reduções de
cloreto de sódio acima de 20% (ou teores de cloreto de sódio inferiores a
2%) apresentam alteração significativa nas características de textura,

186
tornando-se mais macias e menos firmes. Ruusunen et al. (2001)
demonstraram que o teor de gordura do produto afeta a percepção do gosto
salgado nos produtos de maneiras diferentes, de acordo com a composição
da formulação. Em embutidos cozidos a substituição da carne magra por
gordura suína eleva a percepção do gosto salgado. Aaslying et al. (2014) ao
investigarem o efeito de reduções moderadas (cerca de 25%) e substanciais
(cerca de 50%) em quatro categorias de produtos (salsichas, bacon,
presunto e salame) nas características sensoriais e microbiológicas ao
longo da vida útil concluíram que reduções moderadas no teor de sal em
produtos como salsichas e presuntos não afetaram significativamente a
qualidade dos produtos. No entanto, reduções maiores proporcionaram
perda na qualidade sensorial. Nos demais produtos estudados os autores
indicaram que a simples redução não é uma alternativa viável necessitando
de outras abordagens para redução.
Inúmeros trabalhos focam a utilização de sais substitutos como o
cloreto de potássio e o lactato de sódio e/ou potássio. O cloreto de potássio
possui propriedades similares ao cloreto de sódio, mas seu uso é limitado,
pois o mesmo pode conferir gosto amargo dependendo da concentração
utilizada (Desmond, 2006). Já o lactato de sódio ou potássio é utilizado para
conferir uma melhora no sabor global e como extensores de vida útil. No
entanto, dependendo do nível utilizado eles também podem conferir gosto
amargo aos produtos (Gou et al., 1996).
Estudos conduzidos por Guàrdia et al. (2006) demonstraram ser
possível elaborar um produto fermentado com teores de sódio reduzidos
utilizando-se concentrações de 50% de cloreto de potássio (KCl) + 10% de
lactato de potássio em substituição ao sal sem afetar a aceitação dos
produtos pelos consumidores. Já Nascimento et al. (2007) reduziram 25%
do teor de sódio em salsichas pela simples substituição por cloreto de
potássio sem prejuízo também das características sensoriais. Horita et al.
(2011) também concluíram ser possível reduções de até 50% do teor de
sódio em mortadelas com baixo teor de gordura utilizando como substitutos

187
misturas de sais contendo cloreto de potássio, cálcio e magnésio. Seus
resultados sugerem, no entanto, a necessidade de ajustes nas combinações
dos ingredientes para maximizar a estabilidade da emulsão (quando cloreto
de cálcio é utilizado) e/ou alterações nas características sensoriais (quando
cloreto de magnésio é utilizado). Horita et al. (2014) investigaram o efeito da
redução do cloreto de sódio (25% e 50% de redução) e o uso de sais
substitutos (cloreto de potássio e cloreto de cálcio) nas características
estruturais e sensoriais de salsichas elaboradas com alto nível de carne
mecanicamente separada (60%). Seus resultados indicaram que quando o
cloreto de cálcio substituiu 50% de cloreto de sódio (mantendo-se a mesma
força iônica) o pH final da massa foi mais baixo, a estabilidade da emulsão
ficou prejudicada e o produto final apresentou-se mais firme. A menor
estabilidade dos produtos pode ser explicada pela análise da estrutura da
massa cárnea. Produtos elaborados com cloreto de cálcio apresentaram
estrutura mais porosa e menos compacta. O uso de combinações de cloreto
de cálcio e cloreto de potássio minimizou os problemas de estabilidade. A
explicação para a menor estabilidade da emulsão em produtos acrescidos
de cloreto de cálcio é que esse ingrediente, por conter cátions divalentes
(Ca2+) contribuem para uma menor extração das proteínas miofibrilares
(Barbut, 1995) e, ao serem utilizados em conjunto com tripolifosfato,
ingrediente comum na fabricação de produtos emulsionados, pode ocorrer
a precipitação de sais já que o fosfato atua como quelante de metais como
cálcio e magnésio.
O uso de substitutos de sal associado à incorporação de
ingredientes realçadores de sabor tem sido também investigado por
diversos pesquisadores. Esses ingredientes atuam como ativadores dos
receptores gustativos presentes na boca e garganta contribuindo para
compensar a redução do cloreto de sódio (Brandsma, 2006). Exemplos de
ingredientes realçadores de sabor são: lactatos, tanto de sódio como de
potássio, os aminoácidos glicina, lisina e taurina, o glutamato monossódico
e os 5’-ribonucleotídeos inosinato e guanilato, ingredientes esses que

188
contribuem para a percepção do gosto umami dos produtos. Além desses
ingredientes têm-se também os extratos de levedura, as proteínas vegetais
hidrolisadas, ricas em inosinato e guanilato.
(Verma et al., 2010) ao investigarem o uso de realçadores de
sabor em produto cárneo tipo nuggets concluíram ser viável a substituição
de até 40% do cloreto de sódio por misturas contendo cloreto de potássio,
ácido cítrico
e tartárico e sacarose sem afetar a aceitação dos mesmos. Já Campagnol
et al. (2011) avaliaram o impacto da adição de extrato de levedura em
produtos fermentados com 50% de redução de sódio e concluíram que seu
uso melhorou as características sensoriais do produto, se assemelhando ao
produto controle. Outros ingredientes realçadores de sabor como a lisina,
inosinato e o guanilato dissódico também foram investigados por
Campagnol et al. (2012) em embutido fermentado com 50% de redução de
sódio. A combinação desses ingredientes resultou em um produto mais
próximo ao produto controle, indicando serem alternativas viáveis para
reduzir o impacto da perda de sabor com a redução de sódio. Pasin et al.
(1989) demonstraram ser possível compensar até 75% de redução de
sódio em embutidos suínos frescais utilizando uma combinação de cloreto
de potássio modificado, acrescido de ingredientes realçadores de sabor
(5´inosinato dissódico e 5´guanilato dissódico) sem perda da qualidade
sensorial do produto. Em produto emulsionado tipo Bologna com simples
redução de sal (40%) Ruusunen et al. (2001) observaram que a intensidade
do sabor do produto, medida por uma equipe de avaliação sensorial
treinada, se pronunciava com o uso de glutamato monossódico (0.5%) e
ribonucleotídeos IMP: GMP (0.2%).
A percepção do gosto salgado é influenciada pela forma física do
sal, tanto com relação ao tamanho da partícula como pelo seu formato.
Vários estudos tem procurado investigar seu efeito principalmente em
produtos cárneos submetidos ao processo de cura seca (Desmond, 2006).
Galvão et al. (2015), ao utilizarem sal micronizado em substituição ao sal

189
comum em presunto de peito de peru não observaram efeitos positivos
desse ingrediente na percepção do gosto salgado.
A procedência do sal também tem papel importante na percepção
do gosto salgado devido às diferenças na composição dos distintos minerais
presentes no sal (Drake and Drake, 2011). Sabe-se que sais com igual
conteúdo de sódio apresentam intensidades de gosto diferentes. Além
disso, o perfil sensorial das soluções salinas também é distinto,
apresentando termos descritores como minerais, sulfuroso, floral, metálico,
herbáceo e adstringente além dos gostos básicos.
Além disso, a procedência do sal também pode impactar na
maneira como o sal se comporta na boca. Sais com teores similares de
sódio, ao serem avaliados sensorialmente utilizando a metodologia tempo
intensidade apresentam curvas distintas de percepção da intensidade do
gosto salgado ao longo do tempo. Essa diferença na percepção tem sido
associada com a interferência de outros cátions na percepção do gosto,
como mostra a Figura 1.

Figura 1. Curvas de tempo intensidade de diferentes sais em soluções


equivalentes de sódio (Drake & Drake, 2011).

190
Considerações finais
Seja qual for a abordagem utilizada deve-se ter em mente que
produtos com teores reduzidos de sal não terão o mesmo perfil sensorial
dos produtos com teores normais de sal e sim perfis mais brandos, o que
mostra o grande desafio na indústria da carne em reduzir seus teores de sal
já que o consumidor, por estar acostumado com o produto tradicional,
espera encontrar o mesmo sabor. Além disso, a existência de diferentes
matrizes cárneas, dentro de uma mesma categoria de produtos, torna esse
desafio ainda mais complexo, pois uma única solução pode não ser
adequada para toda a categoria.

191
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05: 22-31.

195
BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO NA INDÚSTRIA DE CARNES
(BPF)
Luciana Miyagusku e Márcia M.H. Haguiwara
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

1 - INTRODUÇÃO
Na produção de alimentos, as Boas Práticas de Fabricação (BPF)
são normas de procedimentos para atingir um determinado padrão de
identidade e qualidade de um produto e/ou de um serviço na área de
alimentos, cuja eficácia e efetividade devem ser avaliadas através da
inspeção e/ou da investigação. As Boas Práticas de Fabricação são pré-
requisitos fundamentais para a implantação do sistema de qualidade
baseado na Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, e se aplicam
em todos os estabelecimentos produtores e/ou prestadores de serviços na
área de alimentos.

O objetivo principal é estabelecer as orientações necessárias para


a elaboração das Boas Práticas de Produção e Prestação de Serviços, de
forma a alcançar o Padrão de Identidade e Qualidade de produtos e/ou
serviços na área de alimentos.

Os objetivos específicos são listados abaixo:


- Definir parâmetros de qualidade e segurança ao longo da cadeia
alimentar;
- Estabelecer procedimentos de obediência aos parâmetros definidos.
As diretrizes propostas pelas Boas Práticas de Fabricação são
definidas por:
- Informações aos órgãos de Vigilância Sanitária quanto às práticas adotadas
pelos estabelecimentos produtores e/ou prestadores de serviços na área de
alimentos.
- Avaliação das informações apresentadas ao consumidor pelos
estabelecimentos produtores e/ou prestadores de serviços em relação aos

196
aspectos da qualidade dos alimentos, incluindo o controle do teor nutricional
e avaliação da qualidade dos serviços quanto à proteção da sua saúde.
- Avaliação dos controles de situações de risco à saúde do trabalhador.
- Avaliação dos controles de situações de risco a saúde humana decorrente
do ambiente.

2 - DEFINIÇÕES
Adequado: se entende como suficiente para alcançar a finalidade proposta;
Alimento apto para o consumo humano: aqui considerado como alimento
que atende ao padrão de identidade e qualidade preestabelecido, nos
aspectos higiênico-sanitários e nutricionais.
Armazenamento: é o conjunto de atividades e requisitos para se obter uma
correta conservação de matéria-prima, insumos e produtos acabados.
Boas práticas: são os procedimentos necessários para garantir a qualidade
dos alimentos.
Contaminação: presença de substâncias ou agentes estranhos, de origem
biológica, química ou física que sejam considerados nocivos ou não para
saúde humana.
Desinfecção: é a redução do número de microrganismos presentes no
prédio, instalações, maquinários e utensílios, em um nível que não origine
contaminação do alimento que será elaborado que se faz através de
agentes químicos ou métodos físicos adequados.
Estabelecimento de alimentos produzidos/industrializados: é a região
que compreende o local e sua circunvizinhança, na qual se efetua um
conjunto de operações e processos, com a finalidade de se obter um
alimento elaborado, assim como o armazenamento ou o transporte dos
alimentos e/ou suas matérias-primas.
Fracionamento de alimentos: são as operações que dividem um alimento,
sem modificar sua composição original.
Limpeza: é a eliminação de terra, restos de alimentos, pó e outras matérias
indesejáveis.

197
Material de embalagem: todos os recipientes como latas, garrafas, caixas
de papelão, outras caixas, sacos ou materiais para envolver ou cobrir, tais
como papel laminado, películas, plástico, papel encerado e tela.
Órgão competente: órgão oficial ou oficialmente reconhecido pelo país,
outorgado de mecanismos legais para exercer suas funções.
Pessoal tecnicamente competente/responsabilidade técnica: é o
profissional habilitado a exercer atividade na área de produção de
alimentos, e respectivos controles de contaminantes que possam intervir
com vistas à proteção da saúde.
Pragas: é todo agente animal ou vegetal que possa ocasionar danos
materias ou contaminações com riscos à saúde e qualidade dos alimentos.
Produção de alimentos: é o conjunto de todas as operações e processos
efetuados para obtenção de um alimento acabado.

3 - ASPECTOS LEGAIS
A implantação das BPFs requer o conhecimento dos aspectos legais que
envolvem todas as etapas do processo. Seguem algumas regulamentações
que podem ser utilizadas como base para o início dos trabalhos.
Resolução - RDC n° 216, de 15 de setembro de 2004 - MS - Aprova o
Regulamento Técnico e estabelece procedimentos de Boas Práticas para
serviços de alimentação a fim de garantir as condições higiênico-sanitárias
do alimento preparado.
Portaria n. 1210, de 03 de agosto de 2006 - Aprova o Regulamento
Técnico de Boas Práticas, que estabelece os critérios e parâmetros para a
produção/fabricação, importação, manipulação, fracionamento,
armazenamento, distribuição, venda para o consumo final e transporte de
alimentos e bebidas.
Portaria 854/ SELOM de 04 de julho de 2005 - Ministério da Defesa -
Aprova o Regulamento Técnico de Boas Práticas de Fabricação em
Segurança Alimentar nas Organizações Militares e a Lista de Verificação

198
das Boas práticas de fabricação em Cozinhas Militares e Serviços de
Aprovisionamento.
Portaria nº 1428, de 26 de novembro de 1993 - MS - Aprova o
Regulamento Técnico para a inspeção sanitária de alimentos, as diretrizes
para o estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de Prestação de
Serviços na Área de Alimentos e o Regulamento Técnico para o
estabelecimento de padrão de identidade e qualidade para serviços e
produtos na área de alimentos.
Portaria nº 326, de 30 de junho de 1997- MS - Aprova o Regulamento
Técnico "Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação
para Estabelecimentos Produtores Industrializadores de Alimentos".
Portaria nº 368, de 04 de setembro de 1997 - MAPA - Aprova o
Regulamento Técnico sobre as condições Higiênico-Sanitárias e de Boas
Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores
Industrializadores de Alimentos.
Circular nº 175, de 16 de maio de 2005 - CGPE/ DIPOA/ MAPA -
Estabelece Programas de Autocontrole que serão sistematicamente
submetidos à verificação oficial de sua implantação e manutenção. Estes
Programas incluem o Programa de Procedimentos Padrão de Higiene
Operacional – PPHO (SSOP), o Programa de Análise de Perigos e Pontos
Críticos de Controle – APPCC (HACCP) e, num contexto mais amplo, as
Boas Práticas de Fabricação – BPFs (GMPs). Em razão de acordos
internacionais existentes, são estabelecidos os Elementos de Inspeção
comuns às legislações de todos os países importadores, particularmente do
setor de carnes.
As BPFs se preocupam, sobretudo com a contaminação
microbiana que irá determinar a inocuidade do produto, assim como a sua
conservação. Para tanto, é necessário adquirirmos conhecimentos básicos
em microbiologia de alimentos.

199
4 - ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS
As carnes como matérias-primas apresentam naturalmente uma
microbiota em sua superfície, a qual também pode ocorrer internamente.
Quando estas matérias-primas são processadas, pode ocorrer um aumento
na carga microbiana inicial, decorrente principalmente da manipulação e do
contato com superfícies de equipamentos e utensílios, antes, durante e
após as etapas do processamento.
Existem dois grandes grupos de microrganismos:
Deteriorantes: são os microrganismos responsáveis pela deterioração
dos alimentos. (Exemplo: Pseudomonas spp, Pseudomonas, Moraxella,
Acinetobacter, Lactobacillus)
Patogênicos: são os microrganismos responsáveis pelas toxiinfecções
alimentares, causam doenças no homem (Exemplo: Salmonella ssp,
Yersinia enterocolitica, Campylobacter jejuni, Clostridium botulinum,
Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes e Escherichia coli)
A qualidade microbiológica inicial do produto é um fator decisivo para a
obtenção de qualidade, pois nenhum processo tecnológico é "milagroso".
Portanto, para interferir no desenvolvimento microbiano, deve-se saber
como eles se desenvolvem e que fatores interferem neste desenvolvimento
(Figura 1).

200
FIGURA 1 - Curva de crescimento de microrganismos.
A = FASE DE ADAPTAÇÃO
B = FASE INICIAL DE CRESCIMENTO
C = CRESCIMENTO LOGARÍTMICO
D = FASE INICIAL DE ESTABILIZAÇÃO
E = FASE DE ESTABILIZAÇÃO
F = FASE DE DECLÍNIO OU MORTE

Para se exercer controle sobre a microbiota de um alimento deve-


se estender ao máximo a fase lag, isto é, a fase na qual o microrganismo
estará se adaptando aos fatores extrínsecos (exemplo: temperatura,
potencial de óxido redução, atmosfera e umidade relativa) e intrínsecos
(exemplo: pH, atividade de água e composição química do alimento) dos
alimentos, evitando que sigam rapidamente para a fase de desenvolvimento
acelerado (log).
Dentre todos os fatores intrínsecos, a composição química dos
alimentos é um dos mais críticos na definição da natureza e intensidade do
crescimento microbiano, pois do alimento são extraídos os substratos
necessários às atividades metabólicas de produção de energia e síntese

201
celular dos microrganismos. Desta forma, o primeiro passo para a obtenção
de produtos industrializados em níveis de contagens microbiológicas
aceitáveis consiste na adoção das BPFs e de boas práticas de limpeza e
sanitização, principalmente no controle de resíduo de alimentos, potenciais
fontes de disseminação de contaminação.

5 - CAMPO DE APLICAÇÃO DAS BPFs


Na produção de alimentos, as BPFs enfatizam procedimentos que
devem ser adotados para garantir a salubridade, sanidade e segurança do
alimento ao invés de detectar problemas no produto final.
A indústria é responsável pela identificação, monitoração, controle
e documentação das medidas de controle associadas ao processamento de
alimento.
Paralelamente ao fato de que as indústrias são responsáveis pela
produção de alimentos seguros e inócuos, as agências de fiscalização são
responsáveis por verificar a efetividade na produção de alimentos seguros e
inócuos. Desta forma, as BPFs são ferramentas importantes no processo de
monitoramento do processo.

6 - PROCEDIMENTOS PARA A IMPLANTAÇÃO DAS BPFs


Portaria n.º 1428/MS, de 26 de novembro de 1993
Aprova: regulamento técnico para inspeção sanitária de alimento;
diretrizes para o estabelecimento de Boas Práticas de Produção e de
Prestação de Serviços na Área de Alimentos; e regulamento técnico para o
estabelecimento de padrão de identidade e qualidade para serviços e
produtos na área de alimentos.
Portaria n.º 326/SVS/MS de 30 de julho de 1997
Aprova o regulamento técnico; "condições higiênico-sanitárias e de
Boas Práticas de Fabricação para estabelecimentos
produtores/industrializadores de alimentos".

202
Neste tópico abordamos os itens necessários para a implantação
das BPFs.
6.1 Princípios gerais higiênico-sanitários das matérias para alimentos
produzidos /industrializados
6.1.1. Áreas inadequadas de produção, criação, extração, cultivo ou
colheita
Não devem ser produzidos, cultivados, nem coletados ou extraídos
alimentos ou criação de animais destinados à alimentação humana, em
áreas onde a presença de substâncias potencialmente nocivas possa
provocar a contaminação destes alimentos ou seus derivados, em níveis
que se constituam risco para a saúde.
6.1.2. Controle de prevenção da contaminação por lixo/sujidades
As matérias-primas alimentícias devem ter controle de prevenção
da contaminação por lixos ou sujidades de origem animal, doméstico,
industrial e agrícola que possam atingir níveis passíveis de constituir risco
para a saúde.
6.1.3. Controle de água
Não devem ser cultivados, produzidos nem extraídos alimentos ou
criações de animais destinados à alimentação humana, em áreas onde a
água utilizada nos diversos processos produtivos possa constituir, via
alimento, um risco à saúde do consumidor.
6.1.4. Controle de pragas ou doenças
As medidas de controle que compreendem o tratamento com
agentes químicos, biológicos ou físicos devem ser aplicadas somente sob a
supervisão direta do pessoal tecnicamente competente, que saiba
identificar, avaliar e intervir nos perigos potenciais que estas substâncias
representam para a saúde.
Tais medidas somente devem ser aplicadas em conformidade com
as recomendações do órgão oficial competente.
6.1.5. Colheita, produção, extração e abate
6.1.5.1. Métodos e procedimentos

203
Os métodos e procedimentos para colheita, produção, extração e
abate devem ser higiênicos, não constituindo nem provocando um perigo
potencial para a saúde.
6.1.5.2. Equipamentos e recipientes
Os equipamentos e recipientes que são utilizados nos diversos
processos produtivos não devem constituir um risco à saúde.
Os recipientes reutilizáveis devem ser fabricados de material que
permita a limpeza e desinfecção completa. Uma vez usados com matérias
tóxicas não devem ser reutilizados em alimentos ou ingredientes
alimentares, e antes do descarte devem ser submetidos à desinfecção.
6.1.5.3. Remoção de matérias-primas impróprias
As matérias-primas consideradas impróprias para o consumo
humano devem ser isoladas durante os processos produtivos para evitar a
contaminação dos alimentos, das matérias-primas, da água e do meio
ambiente.
6.1.5.4 Proteção contra a contaminação das matérias-primas e danos à
saúde pública
Devem ser utilizados controles adequados para evitar a
contaminação química, física ou microbiológica, ou por outras substâncias
indesejáveis. Também, devem ser tomadas medidas de controle em relação
à prevenção de possíveis danos.
6.1.6. Armazenamento no local de produção
As matérias-primas devem ser armazenadas em condições cujo
controle garanta a proteção contra a contaminação e reduza ao mínimo as
perdas da qualidade nutricional ou deteriorações.
6.1.7. Transporte
6.1.7.1. Meios de transporte
Os meios de transporte de alimentos colhidos, transformados ou
semiprocessados dos locais de produção ou armazenamento devem ser
adequados para este fim, e constituídos de materiais que permitam o

204
controle de conservação, da limpeza, desinfecção e desinfestação fácil e
completa.
6.1.7.2. Processos de manipulação
Os processos de manipulação devem ser controlados para impedir
a contaminação dos materiais. Cuidados especiais devem ser tomados para
evitar a putrefação, a contaminação e minimizar os danos. Equipamentos
especiais devem ser usados quando necessário, como o equipamento de
refrigeração, dependendo da natureza do produto, ou das condições de
transporte, (distância/tempo). No caso de utilizar gelo em contato com o
produto deve-se observar a qualidade do mesmo.

6.2 Condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos


produtores/industrializadores de alimentos
Todo o estabelecimento, que tenha como finalidade a obtenção de
alimentos aptos para o consumo humano, deve ajustar-se aos requisitos
gerais, essenciais e de boas práticas de fabricação:
6.2.1- Localização
Os estabelecimentos devem se situar em zonas isentas de odores
indesejáveis, fumaça, pó e outros contaminantes e não devem estar
expostos às inundações, quando não, devem estabelecer controles com o
objetivo de evitar riscos de perigos, contaminação de alimentos e agravos à
saúde.
6.2.2- Vias de acesso interno
As vias e áreas utilizadas para circulação que se encontram dentro
de seu perímetro de ação devem ter uma superfície dura/ou pavimentada,
adequada para o trânsito sobre rodas. Devem dispor de um escoamento
adequado, assim como controle de meios de limpeza.
6.2.3- Edifícios e instalações
a) Para aprovação das plantas, os edifícios e instalações devem ter
construção sólida e sanitariamente adequada. Todos os materiais usados

205
na construção e na manutenção não devem transmitir nenhuma substância
indesejável ao alimento.
b) Deve-se levar em conta a existência de espaços suficientes para
atender, de maneira adequada, a todas as operações.
c) O desenho deve ser tal que permita uma limpeza adequada e permita a
devida inspeção quanto à garantia da qualidade higiênico–sanitária do
alimento.
d) Os edifícios e instalações devem impedir a entrada e o alojamento de
insetos, roedores e ou pragas e também a entrada de contaminantes do
meio, tais como: fumaça, pó, vapor, e outros.
e) Os edifícios e instalações devem ser projetados para permitir a
separação por áreas, setores e outros meios eficazes, como definição de
um fluxo de pessoas e alimentos, evitando as operações suscetíveis de
causar contaminação cruzada.
f) Os edifícios e instalações devem ser projetados de maneira que seu
fluxo de operações possa ser realizado nas condições higiênicas, desde a
chegada da matéria-prima, durante o processo de produção, até a obtenção
do produto final.
g) Nas áreas de manipulação de alimentos, os pisos devem ser de material
resistente ao trânsito, impermeáveis, laváveis, e antiderrapantes; não
devem possuir frestas e devem ser fáceis de limpar ou desinfetar. Os
líquidos devem escorrer até os ralos (que devem ser do tipo sifão ou
similar), impedindo a formação de poças. As paredes devem ser revestidas
de materiais impermeáveis e laváveis, e de cores claras. Devem ser lisas e
sem frestas e fáceis de limpar e desinfetar, até uma altura adequada para
todas as operações. Os ângulos entre as paredes e o piso e entre as
paredes e o teto devem ser abaulados herméticos para facilitar a limpeza.
Nas plantas deve-se indicar a altura da parede que será impermeável. O
teto deve ser constituído e/ou acabado para impedir o acúmulo de sujeira e
se reduzir ao mínimo a condensação e a formação de mofo, e deve ser fácil
de limpar. As janelas e outras aberturas devem ser construídas para evitar o

206
acúmulo de sujeira e as que se comunicam com o exterior devem ser
providas de proteção antipragas. As proteções devem ser de fácil limpeza e
boa conservação. As portas devem ser de material não absorvente e de
fácil limpeza. As escadas, elevadores de serviço, monta-cargas e estruturas
auxiliares, como plataformas, escadas de mão, rampas, devem estar
localizadas e construídas para não se tornarem fontes de contaminação.
h) Nos locais de manipulação de alimentos, todas as estruturas e
acessórios elevados devem ser instalados para evitar a contaminação direta
ou indireta dos alimentos, da matéria-prima e do material de embalagem,
por gotejamento ou condensação e que não dificultem as operações de
limpeza.
i) Os refeitórios, lavabos, vestiários e banheiro de limpeza do pessoal
auxiliar do estabelecimento devem estar completamente separados dos
locais de manipulação de alimentos e não devem ter acesso direto e nem
comunicação com estes locais.
j) Os insumos, matérias-primas e produtos terminados devem estar
localizados sobre estrados e separados das paredes para permitir a correta
higienização do local.
k) Deve-se evitar a utilização de materiais que não possam ser
higienizados ou desinfetados adequadamente, por exemplo, a madeira, a
menos que a tecnologia utilizada faça seu uso imprescindível e que seu
controle demonstre que não se constitui uma fonte de contaminação.
l) Abastecimento de água:
• Dispor de um abundante abastecimento de água potável, que se ajuste
ao item 8.3 do presente regulamento, com pressão adequada e temperatura
conveniente, com um adequado sistema de distribuição e com proteção
eficiente contra contaminação. No caso necessário de armazenamento,
deve-se dispor ainda de instalações apropriadas e nas condições indicadas
anteriormente. É imprescindível um controle freqüente da potabilidade da
água.

207
• Órgão competente poderá admitir variação das especificações químicas
e físico-químicas diferentes das normais quando a composição da água do
local o fizer necessário e sempre que não se comprometa a sanidade do
produto e a saúde pública.
• Vapor e gelo utilizados em contato direto com alimentos ou com
superfícies que entram em contato direto com os mesmos, não devem
conter nenhuma substância que possa ser perigosa para a saúde ou
contaminar o alimento, obedecendo ao padrão de água potável.
• A água potável que seja utilizada para produção de vapor, refrigeração,
para apagar incêndios e outros propósitos similares, não relacionados com
alimentos, deve ser transportada por tubulações completamente separadas,
de preferência identificadas através de cores, sem que haja nenhuma
conexão transversal nem processo de refluxo, com as tubulações que
conduzem água potável.
m) Efluentes e águas residuais:
Eliminação de efluentes e águas residuais: os estabelecimentos
devem dispor de um sistema eficaz de eliminação de efluentes e águas
residuais, o qual deve ser mantido em bom estado de funcionamento. Todos
os tubos de escoamento (incluídos o sistema de esgoto) devem ser
suficientemente grandes para suportar cargas máximas e devem ser
construídos para evitar a contaminação do abastecimento de água potável.
n) Vestiários e banheiros:
Todos os estabelecimentos devem dispor de vestiários, banheiros
e quartos de limpeza adequados, convenientemente situados, garantindo a
eliminação higiênica das águas residuais. Esses locais devem estar bem
iluminados e ventilados, de acordo com a legislação, sem comunicação
direta com o local onde são manipulados os alimentos. Junto aos vasos
sanitários, de preferência no caminho para área de manipulação, devem ser
construídos lavabos com água fria ou fria e quente, providos de elementos
adequados (sabonete líquido, detergente, desinfetante, entre outros) para
lavagem das mãos e meios higiênicos convenientes para sua secagem. Não

208
deve ser permitido o uso de toalhas de pano. No caso de se usar toalhas de
papel, deve haver um controle de qualidade higiênico-sanitário, e
dispositivos de distribuição e lixeiras que não necessitem de acionamento
manual. Devem ser indicadas ao pessoal as obrigatoriedades e a forma
correta de lavar as mãos, após o uso do sanitário.
o) Instalações para lavagem das mãos nas áreas de produção:
Devem existir instalações adequadas e convenientes para lavagem
e secagem das mãos sempre que a natureza das operações assim o exija.
Nos casos em que sejam manipuladas substâncias contaminantes ou
quando a natureza das tarefas requeira uma desinfecção adicional à
lavagem, devem estar disponíveis também instalações para desinfecção
das mãos. Deve-se dispor de água fria ou fria e quente e de elementos
adequados (sabonete líquido, detergente, desinfetante, entre outros) para
limpeza das mãos. Deve haver também um meio higiênico adequado para
secagem das mãos. Não é permitido o uso de toalhas de tecido. No caso de
se usar toalhas de papel, deve haver um controle de qualidade higiênico-
sanitário, e dispositivos de distribuição e lixeiras que não necessitem de
acionamento manual. As instalações devem estar providas de tubulações
devidamente sifonadas que transportem as águas residuais até o local de
deságüe.
p) Instalações para limpeza e desinfecção:
Quando necessário, deve haver instalações adequadas para a
limpeza e desinfecção dos utensílios e equipamentos de trabalho, essas
instalações devem ser construídas com materiais resistentes à corrosão,
que possam ser limpos facilmente e devem estar providas de meios
convenientes para se abastecer de água fria ou fria e quente, em
quantidade suficiente.
q) Iluminação e instalação elétrica:
Os estabelecimentos devem ter iluminação natural ou artificial em
quantidade suficiente, que possibilitem a realização dos trabalhos e não
comprometam a higiene dos alimentos. As fontes de luz artificial, de acordo

209
com a legislação, que estiverem suspensas ou colocadas diretamente no
teto e que se localizem sobre a área de manipulação de alimentos, em
qualquer das fases de produção, devem estar protegidas contra quebras. A
iluminação não deverá alterar as cores. As instalações elétricas devem ser
embutidas ou exteriores e, neste caso, estar perfeitamente revestidas por
tubulações isolantes e presas a paredes e tetos, não sendo permitida fiação
elétrica solta sobre a zona de manipulação de alimento. O órgão
competente poderá autorizar outra forma de instalação ou modificação das
instalações aqui descritas, quando assim se justifique.
r) Ventilação:
O estabelecimento deve dispor de uma ventilação adequada que
evite o calor excessivo, a condensação de vapor, o acúmulo de poeira, com
a finalidade de eliminar o ar contaminado. A direção da corrente de ar nunca
deve ir de um local sujo para um limpo. Deve haver abertura à ventilação
provida de sistema de proteção para evitar a entrada de agentes
contaminantes.
s) Armazenamento para lixos e materiais não comestíveis:
O estabelecimento deve dispor de meios para armazenamento de
lixos e materiais não comestíveis, antes da sua eliminação do
estabelecimento, para impedir o ingresso de pragas e evitar a contaminação
das matérias-primas, do alimento, da água potável, do equipamento e dos
edifícios ou vias de acesso aos locais.
t) Devolução de produtos:
No caso de devolução de produtos, os mesmos devem ser
colocados em setor separado e destinados a tal fim, por um período até que
se determine seu destino.
6.2.4- Equipamentos e utensílios
6.2.4.1-Materiais
Todo o equipamento e utensílio utilizados nos locais de
manipulação de alimentos que possam entrar em contato com o alimento
devem ser confeccionados de material que não transmitam substâncias

210
tóxicas, odores e sabores, não absorventes, resistentes à corrosão e
capazes de resistir a repetidas operações de limpeza e desinfecção. As
superfícies devem ser lisas e isentas de rugosidade, frestas e outras
imperfeições que possam comprometer a higiene dos alimentos, ou que
sejam fontes de contaminação. Deve se evitar o uso de madeira e de outros
materiais que não possam ser limpos e desinfetados adequadamente, a
menos que se tenha a certeza que seu uso não será uma fonte de
contaminação. Deve ser evitado o uso de diferentes materiais para que não
ocorra o aparecimento de corrosão por contato.
6.2.4.2- Projetos e construção
Todos os equipamentos e utensílios devem ser desenhados e
construídos para assegurar a higiene, permitir uma fácil e completa limpeza,
desinfecção e, quando possível, devem ser instalados permitindo um
acesso fácil e limpeza adequada, além disto, somente utilizados para os
fins projetados.
6.3 – Requisitos de higiene do estabelecimento
6.3.1 – Conservação
Os edifícios, equipamentos, utensílios e todas as demais
instalações, incluídos os desaguamentos, devem ser mantidos em bom
estado de conservação e funcionamento. As salas devem ser secas, isentas
de vapor, poeira, fumaça e água residual.
6.3.2 – Limpeza e desinfecção
a) Todos os produtos de limpeza e desinfecção devem ser aprovados
previamente para seu uso, através de controle da empresa, identificados e
guardados em local adequado, fora das áreas de manipulação dos
alimentos. Além disto, devem ser autorizados pelo órgão competente.
b) Com a finalidade de impedir a contaminação dos alimentos, toda área
de manipulação de alimentos, os equipamentos e utensílios devem ser
limpos com a freqüência necessária e desinfetados sempre que as
circunstâncias exigirem. O estabelecimento deve dispor de recipientes
adequados para impedir qualquer possibilidade de contaminação, e em

211
número e capacidade suficiente para verter os lixos e materiais não-
comestíveis.
c) Devem ser tomadas precauções adequadas para impedir a
contaminação dos alimentos, quando as áreas, os equipamentos e os
utensílios forem limpos ou desinfetados com águas, detergentes ou com
desinfetantes ou soluções destes. Os detergentes e desinfetantes devem
ser adequados para esta finalidade e devem ser aprovados pelo órgão
oficialmente competente. Os resíduos destes agentes que permaneçam em
superfície suscetível de entrar em contato com alimento devem ser
eliminados mediante uma lavagem cuidadosa com água potável antes que a
área volte a ser utilizada para a manipulação de alimentos. Devem ser
tomadas precauções adequadas na limpeza e desinfecção quando se
realizarem operações de manutenção geral ou particular em qualquer local
do estabelecimento, equipamentos, utensílios ou qualquer elemento que
possa contaminar o alimento.
d) Imediatamente após o término do trabalho ou quantas vezes for
conveniente, devem ser limpos cuidadosamente o chão, incluindo o
deságüe, as estruturas auxiliares e as paredes da área de manipulação de
alimentos.
e) Os vestiários devem estar sempre limpos.
f) As vias de acesso e os pátios situados nas imediações dos locais que
sejam parte destes devem permanecer limpos.
6.3.3 – Programa de controle de higiene e desinfecção
Cada estabelecimento deve assegurar sua limpeza e desinfecção.
Não devem ser utilizadas nos procedimentos de higiene substâncias
odorizantes e/ou desodorantes em qualquer das suas formas nas áreas de
manipulação dos alimentos, para evitar a contaminação pelos mesmos e
para que não se misturem os odores. O pessoal deve ter pleno
conhecimento da gravidade da contaminação e de seus riscos, estando
bem capacitado em técnicas de limpeza.

212
6.3.4 - Subprodutos
Os subprodutos devem ser armazenados de maneira que os
resultantes da elaboração que forem veículos de contaminação sejam
retirados das áreas de trabalho tantas vezes quantas forem necessárias.
6.3.5 - Manipulação, armazenamento e remoção de lixo
Deve-se manipular o lixo evitando a contaminação dos alimentos e
ou da água potável. É necessário cuidado especial para impedir o acesso
de vetores aos lixos. Os lixos devem ser retirados das áreas de trabalho
toda vez que for necessário, ou no mínimo uma vez por dia. Imediatamente
depois da remoção dos lixos, os recipientes utilizados para o seu
armazenamento e todos os equipamentos que tenham entrado em contato
com os lixos devem ser limpos e desinfetados. A área de armazenamento
do lixo deve também ser limpa e desinfetada.
6.3.6 - Proibição de animais domésticos
É proibida a entrada de animais em todos os lugares onde existam
matérias-primas, material de embalagem, alimentos prontos ou em qualquer
das etapas da produção/industrialização.
6.3.7 – Sistema de controle de pragas
Deve-se aplicar um programa eficaz e contínuo de controle das
pragas. Os estabelecimentos e as áreas circundantes devem manter
inspeção periódica para diminuir, conseqüentemente, os riscos de
contaminação.
No caso de invasão de pragas, os estabelecimentos devem adotar
medidas para sua erradicação. As medidas de controle devem compreender
tratamento com agentes químicos, físicos ou biológicos autorizados,
aplicados sob a supervisão direta de profissional que conheça os riscos que
o uso destes agentes pode acarretar à saúde, especialmente os riscos que
resíduos retidos no produto podem originar. Só devem ser empregados
praguicidas, caso não se possa aplicar com eficácia outras medidas de
prevenção. Antes da aplicação de praguicidas, deve-se ter cuidado em
proteger todos os alimentos, equipamentos e utensílios da contaminação.

213
Após a aplicação dos praguicidas, deve-se limpar cuidadosamente o
equipamento e os utensílios contaminados, para que antes de sua
reutilização sejam eliminados os resíduos.
6.3.8 – Armazenamento de substâncias tóxicas
Os praguicidas solventes e outras substâncias tóxicas que
representam risco para a saúde devem ser rotulados com informações
sobre seu emprego e toxicidade. Estes produtos devem ser armazenados
em áreas separadas ou armários fechados com chave, destinados
exclusivamente a este fim, e só devem ser distribuídos ou manipulados por
pessoal autorizado e devidamente capacitado sob controle de pessoal
tecnicamente competente, evitando a contaminação dos alimentos.
Não deve ser utilizada nem armazenada na área de manipulação
de alimentos, nenhuma substância que possa contaminar os alimentos,
salvo sob controle, quando necessário para higienização ou sanitização.
6.3.9 – Roupa e Objeto
Não devem ser guardados roupas e objetos pessoais na área de
manipulação de alimentos.

6.4 – Higiene pessoal e requisito sanitário


6.4.1 – Capacitação em higiene
A direção do estabelecimento deve tomar providências para que
todas as pessoas que manipulem alimentos recebam instrução adequada e
contínua em matéria higiênico-sanitária, em manipulação dos alimentos e
higiene pessoal, com vistas a adotar as precauções necessárias para evitar
a contaminação dos alimentos. Tal capacitação deve abranger todas as
partes pertinentes deste regulamento.
6.4.2- Situação de saúde
A constatação ou suspeita de que o manipulador apresenta
alguma enfermidade ou problema de saúde, que possa resultar na
transmissão de perigos aos alimentos ou mesmo que sejam portadores
sãos, deve impedi-lo de entrar em qualquer área de manipulação ou

214
operação com alimentos. Qualquer pessoa nessa situação deve comunicar
imediatamente à direção do estabelecimento sobre sua condição de saúde.
As pessoas que mantêm contato com alimentos devem submeter-
se aos exames médicos e laboratoriais que avaliem a sua condição de
saúde antes do início de usa atividade e/ou periodicamente, após o início
das mesmas. O exame médico e laboratorial dos manipuladores deve ser
exigido também em outras ocasiões em que houver indicação, por razões
clínicas ou epidemiológicas.
6.4.3 – Enfermidades contagiosas
A direção tomará as medidas necessárias para que não seja
permitido trabalhar em qualquer área de manipulação de alimentos qualquer
pessoa que saiba, suspeite, ou seja vetor de uma enfermidade suscetível à
transmissão aos alimentos, ou que apresentem feridas infectadas, infecções
cutâneas, chagas ou diarréias, até que obtenha alta médica. Toda pessoa
que se encaixe nestas condições deve comunicar imediatamente a direção
do estabelecimento.
6.4.4 – Feridas
Ninguém que apresente feridas pode manipular alimentos ou
superfícies que entrem em contato com alimentos, até que se determine sua
reincorporação por determinação profissional.
6.4.5- Lavagem das mãos
Toda pessoa que trabalhe numa área de manipulação de
alimentos deve, enquanto em serviço, lavar as mãos de maneira freqüente e
cuidadosa com um agente de limpeza autorizado e com água corrente
potável fria ou fria e quente. Esta pessoa deve lavar as mãos antes do início
dos trabalhos, imediatamente após o uso do sanitário, após a manipulação
de material contaminado e todas as vezes que for necessário. Deve lavar e
desinfetar as mãos imediatamente após a manipulação de qualquer material
contaminante que possa transmitir doenças. Devem ser colocados avisos
que indiquem a obrigatoriedade e a forma correta de lavar as mãos. Deve

215
ser realizado um controle adequado para garantir o cumprimento deste
requisito.
6.4.6 – Higiene pessoal
Toda pessoa que trabalhe em uma área de manipulação de
alimentos deve manter uma higiene pessoal esmerada, usando roupa e
touca protetora, bem como sapatos adequados. Todos estes elementos
devem ser laváveis, a menos que sejam descartáveis e mantidos limpos, de
acordo com a natureza do trabalho. Durante a manipulação de matérias-
primas e alimentos, devem ser retirados todos os objetos de adorno
pessoal.
6.4.7 – Conduta pessoal
Nas áreas de manipulação de alimentos deve ser proibido todo o
ato que possa originar uma contaminação de alimentos, como: comer,
fumar, tossir ou outras práticas anti-higiênicas.
6.4.8 – Luvas
O emprego de luvas na manipulação de alimentos deve obedecer
às perfeitas condições de higiene e limpeza destas. O uso de luvas não
exime o manipulador da obrigação de lavar as mãos cuidadosamente.
6.4.9 – Visitantes
Incluem-se nesta categoria todas as pessoas que não pertençam
às áreas ou setores que manipulam alimentos. Os visitantes devem cumprir
as disposições recomendadas no presente regulamento.
6.4.10 – Supervisão
A responsabilidade do cumprimento dos requisitos descritos nos
itens 6.4.1 a 6.4.9 deve recair ao supervisor competente.

6.5 – Requisitos de higiene na produção


6.5.1 – Requisitos aplicáveis à matéria-prima
a) O estabelecimento não deve aceitar nenhuma matéria-prima ou insumo
que contenha parasitas, microrganismos ou substâncias tóxicas,
decompostas ou estranhas, que não possam ser reduzidas a níveis

216
aceitáveis através de processos normais de classificação e/ou preparação
ou fabricação. O responsável técnico deve dispor de padrões de identidade
e qualidade da matéria-prima ou insumos para controlar os contaminantes
passíveis de serem reduzidos em níveis aceitáveis, através dos processos
normais de classificação e/ou preparação ou fabricação.
b) O controle de qualidade da matéria-prima ou insumo deve incluir a sua
inspeção, classificação, e se necessário análise laboratorial antes de serem
levados à linha de fabricação. Na fabricação, somente devem ser utilizadas
matérias-primas ou insumos em boas condições.
c) Recebimento de matéria-prima
Condições de embalagem: limpa, íntegra, de acordo com as
particularidades de cada alimento;
Conferir rotulagem;
Medir temperaturas:
- congelados: -18°C (tolerância até -15°C)
- resfriados: 6 a 10°C
- refrigerados: até 6°C (tolerância até 7°C)
d) As matérias-primas e os ingredientes armazenados nas áreas do
estabelecimento devem ser mantidos em condições que evitem sua
deterioração, protegidos de contaminação e danos. Deve-se assegurar,
através do controle, a adequada rotatividade das matérias-primas e
ingredientes.
6.5.2 - Prevenção da contaminação cruzada
a) Devem ser tomadas medidas eficazes para evitar a contaminação do
material alimentar, por contato direto ou indireto com material contaminado
que esteja na fase inicial do processo.
b) As pessoas que manipulam matérias-primas ou produtos semi-
elaborados com risco de contaminar o produto final, enquanto não tenham
retirado a roupa protetora que foi utilizada durante a manipulação de
matérias-primas e produtos semi-elaborados com os quais tenham entrado

217
em contato, ou que tenha sido contaminada por matéria-prima ou produtos
semi-elaborados e colocado outra roupa protetora limpa.
c) Se existir possibilidade de contaminação, as mãos devem ser
cuidadosamente lavadas nas diversas fases do processo.
d) Todo equipamento e utensílios que tenham entrado em contato com
matérias-primas ou com material contaminado devem ser limpos e
desinfetados cuidadosamente antes de entrar em contato com produtos
acabados.
6.5.3 – Uso da água
a) Como princípio geral, na manipulação de alimentos somente deve ser
utilizada água potável.
b) Pode ser utilizada água não potável para a produção de vapor, sistema
de refrigeração, controle de incêndio e outros fins análogos não
relacionados com alimentos, com a aprovação do órgão competente.
c) A água recirculada para ser reutilizada novamente dentro de um
estabelecimento deve ser tratada e mantida em condições adequadas para
que seu uso não represente um risco para a saúde. O processo de
tratamento deve ser mantido sob constante vigilância. Por outro lado, a
água recirculada que não tenha recebido tratamento posterior pode ser
utilizada nas condições em que o seu emprego não constitua um risco para
saúde, não contamine a matéria–prima nem o produto final. Deve haver um
sistema separado de distribuição, identificado facilmente, para a utilização
da água recirculada. Qualquer controle de tratamento para a utilização da
água recirculada em qualquer processo de elaboração de alimentos deve
ter sua eficácia comprovada, previsto nas boas práticas adotadas pelo
estabelecimento, e devidamente aprovado pelo organismo oficial
competente.
6.5.4-Produção
a) A produção deve ser realizada por pessoal capacitado e supervisionada
por pessoal tecnicamente competente.

218
b) Todas as operações do processo de produção, incluindo o
acondicionamento, devem ser realizadas sem demoras inúteis e em
condições que excluam toda a possibilidade de contaminação, deterioração
e proliferação de microrganismos patogênicos e deteriorantes.
c) Os recipientes devem ser tratados com o devido cuidado para evitar
toda a possibilidade de contaminação do produto fabricado.
d) Os métodos de conservação e os controles necessários devem proteger
contra a contaminação, contra a presença de um risco à saúde pública e
contra a deterioração dentro dos limites de uma prática comercial correta,
de acordo com as boas práticas de prestação de serviço na
comercialização.
e) Descongelamento
As matérias-primas cárneas em geral devem ser mantidas até 4°C
e consumidas em até 72 h após o descongelamento. O descongelamento
seguro deve ser realizado em câmara ou geladeira a 4ºC.
f) Pré-preparo / Preparação
É toda etapa em que o alimento sofre modificações quanto à
higienização, tempero, corte, porcionamento, seleção, moagem, adição de
outros ingredientes. Deve-se observar:
Utensílios, equipamentos, bancadas: risco de contaminação cruzada;
Ambiente limpo e seco;
Tempo de manipulação de produtos perecíveis:
- não deve exceder 30 minutos por lote;
- 2 horas em área climatizada (12 a 16°C);
Número de manipuladores deve ser o estritamente necessário,
preferencialmente os mesmos;
Alimentos descongelados não devem ser recongelados.
6.5.5 – Embalagem
a) Todo material utilizado para embalagem deve ser armazenado em
condições higiênico-sanitárias e em áreas destinadas para este fim. O
material deve ser apropriado para o produto e armazenado em condições

219
previstas, não transmitindo ao produto substâncias indesejáveis que
excedam os limites aceitáveis pelo órgão competente. O material de
embalagem deve ser seguro e conferir uma proteção apropriada contra a
contaminação.
b) As embalagens ou recipientes não devem ter sido anteriormente
utilizados para nenhuma finalidade que possa dar lugar a uma
contaminação do produto. As embalagens ou recipientes devem ser
inspecionados imediatamente antes do uso, para verificar sua segurança e,
em casos específicos, limpos e/ou desinfetados; quando lavados devem ser
secos antes do uso. Na área de enchimento/embalagem, somente devem
permanecer as embalagens ou recipientes necessários para uso imediato.
c) A embalagem deve ser processada em condições que excluam as
possibilidades à contaminação do produto.
6.5.6 Responsabilidade técnica e supervisão
O tipo de controle e supervisão necessário depende do risco de
contaminação na produção do alimento.
O profissional que será responsável pela implantação das BPFs
deverá ter como pré-requisito conhecimentos para poder avaliar e intervir
nos possíveis riscos e assegurar uma vigilância e controle eficazes, como
Habilitação na área de produção de alimentos;
Conhecimentos de microbiologia;
Elaboração do manual de BPF;
Princípios do sistema de HACCP;
Recomendações sobre o destino do produto.
6.5.7 – Documentação e registro
Em função do risco do alimento, devem ser mantidos registros dos
controles apropriados à produção e distribuição, conservando-os durante
um período superior ao tempo de vida útil do alimento.
6.5.8 – Armazenamento e transporte de matérias-primas e produtos
acabados

220
a) As matérias-primas e produtos acabados devem ser armazenados e
transportados segundo as boas práticas que impedem a contaminação e/ou
a proliferação de microrganismos e que protegem contra a alteração ou
danos ao recipiente ou embalagem. Durante o armazenamento, deve ser
feita uma inspeção periódica dos produtos acabados, para que sejam
somente expedidos alimentos aptos para o consumo humano e sejam
cumpridas as especificações de rótulo quanto às condições e ao transporte.
b) Os veículos de transporte pertencentes ao estabelecimento produtor de
alimento ou por contratado devem atender às boas práticas de transporte de
alimentos autorizados pelo órgão competente. Os veículos de transporte
devem realizar as operações de carga e descarga fora dos locais de
fabricação dos alimentos, evitando a contaminação dos mesmos e do ar por
gases de combustão. Os veículos destinados ao transporte de alimentos
refrigerados ou congelados devem possuir instrumentos de controle que
permitam verificar a umidade, caso seja necessário, bem como a
manutenção da temperatura adequada.
c) Armazenamento
Congelamento:
Temperatura de -18°C ou menos; tempo máximo de acordo com informação
do fornecedor.
Refrigeração:
Temperatura de 0 a 10°C. Carnes bovinas, suínas, aves, outras: até 4°C por
72 h.
Estoque seco:
Temperatura ambiente, segundo especificações no próprio produto.
O armazenamento de diferentes alimentos em uma mesma câmara
deve respeitar:
Prateleira superior: alimentos prontos para o consumo;
Prateleiras médias: alimentos semiprontos e/ou pré-preparado;
Prateleiras inferiores: produtos crus.

221
PEPS (PRIMEIRO QUE ENTRA, PRIMEIRO QUE SAI);
Produtos identificados e protegidos;
Não armazenar alimentos junto a produtos de limpeza, químicos e
perfumarias;
Portas das áreas de armazenamento devem ser abertas o mínimo de
vezes possível;
Não utilizar produtos vencidos.
d) Transporte
Regras básicas no transporte devem ser seguidas:
Obedecer às normas técnicas que garantam a qualidade nutricional,
sensorial, microbiológica e físico-química dos produtos;
Controle fundamental: higiene, temperatura e tempo de transporte;
Proibido transportar no mesmo compartimento do veículo:
- alimentos e substâncias estranhas que possam contaminá-lo;
- matéria-prima juntamente com alimentos prontos;
Alimentos perecíveis:
- refrigeração: 4°C (tolerância até 7°C);
- resfriamento: 6°C (tolerância até 10°C);
- congelamento: -18°C (tolerância até -15°C).
Veículos que necessitem controle de temperatura devem ter
termômetros calibrados;
As temperaturas devem ser medidas na câmara frigorificada do
caminhão, assim como no produto.
6.5.9 - Controle de alimentos
O responsável técnico deve usar metodologia apropriada de
avaliação dos riscos de contaminação dos alimentos nas diversas etapas de
produção contidas no presente regulamento, e intervir sempre que
necessário, com vistas a assegurar alimentos aptos para o consumo
humano.
O estabelecimento deve prover instrumentos necessários para
controles.

222
6.6 - Requisitos para estabelecer os procedimentos de higiene
operacional (PPHO)
Para se obter superfícies em boas condições sanitárias, é
necessário o conhecimento das condições existentes, para se definir o tipo
de limpeza e os produtos mais adequados.
Toda a instalação industrial, piso, paredes, teto, ralos, utensílios,
janelas, painéis elétricos e equipamentos devem estar incluídos em um
processo de limpeza e sanitização adequados, antes do início do processo
produtivo.
Limpeza é o procedimento para remoção de partículas indesejáveis,
presentes em qualquer superfície, mediante a aplicação de energias
química, mecânica e térmica, em um determinado tempo. Fazem parte
deste processo:
Remoção de lixo;
Presença de animais domésticos;
Controle integrado de pragas;
Periodicidade de limpeza:
- pisos: diário;
- telas: mensal;
- câmaras, geladeiras: semanal;
- equipamentos, utensílios: diário;
Proibido varrer pisos “a seco” nas áreas de manipulação.
6.6.1 Procedimento para lavagem e desinfecção de ambientes
a) Tipos de sujidades: É importante o conhecimento da natureza da
sujidade presente na superfície a ser higienizada para se determinar qual
técnica empregar, quais equipamentos são necessários e qual o agente de
limpeza mais adequado. As sujidades podem ser classificadas em função
de sua natureza, como sujidades orgânicas, inorgânicas ou combinadas. As
mais comumente encontradas nas indústrias alimentícias são derivadas dos
lipídios, proteínas, carboidratos e sais minerais, que podem ser encontradas
isoladamente ou combinadas.

223
b) Natureza da superfície: É fundamental conhecer a natureza dos
materiais que constituem a superfície a ser higienizada: aço inoxidável,
ferro, alumínio, bronze, cobre, revestimentos, etc., para escolher o produto
mais adequado, que não ofereça risco de ataque químico à mesma.
c) Agente de limpeza: O agente de limpeza, também denominado
detergente, deve ser efetivo na remoção das sujidades, não provocando
danos à superfície, riscos aos usuários e ao meio ambiente.
d) Detergente é uma formulação de agentes químicos sintéticos, capazes
de remover sujidades presentes nas superfícies, e promover a limpeza.
• Funções dos detergentes
- Umectação: Capacidade de reduzir a tensão superficial da água,
facilitando a penetração da solução detergente na sujidade;
- Emulsificação: Capacidade de reagir com partículas de gordura, dividindo-
as em gotículas pequenas, permitindo sua remoção com água;
- Saponificação: Reação química entre um ácido graxo insolúvel e um álcali,
formando um sal de ácido graxo solúvel (sabão);
- Peptização: Capacidade de romper ligações das proteínas, dividindo-as
em partículas menores, que poderão ser removidas mais facilmente;
- Suspensão: Capacidade de manter as partículas removidas em suspensão
na solução, evitando sua redeposição nas superfícies;
- Seqüestração: Capacidade de reagir com íons, inativando-os, facilitando
sua remoção;
- Enxaguabilidade: Capacidade de remover completamente uma emulsão
ou solução de limpeza pela ação da água.
• Tipos de detergentes:
- Alcalinos: Normalmente utilizados para a remoção de sujidades orgânicas,
tais como gordura e proteínas. São combinações de sais alcalinos,
tensoativos e sequestrantes, podendo conter outros aditivos, dependendo
do produto, da aplicação e da superfície a ser limpa. Os aditivos mais
comumente encontrados são os inibidores de corrosão, agentes
antiespumantes ou espumantes e sequestrantes.

224
- Ácidos: São utilizados para a remoção de sujidades inorgânicas, tais como
incrustações minerais, ferrugem, depósitos calcários, pedra de leite, pedra
de cerveja, etc. Normalmente são formulados com ácidos orgânicos ou
inorgânicos e contêm inibidores de corrosão.
- Tensoativos: Também são conhecidos como detergentes neutros.
Basicamente são compostos por um tensoativo ou pela combinação destes.
São indicados para a limpeza manual, quando a sujidade é leve, ou quando
a superfície está propensa à corrosão por álcalis ou ácidos.
• Fatores importantes para uma boa limpeza:
- Temperatura: Deve ser adequada à natureza da sujidade presente. Uma
temperatura elevada pode provocar desnaturação de proteínas ou
polimerização lipídica, favorecendo sua adesão nas superfícies. A
temperatura adequada para a remoção de sujidades que não sofreram ação
térmica situa-se entre 40 a 50 °C, enquanto para aquelas que já sofreram
ação térmica, devem-se utilizar temperaturas de 5 a 10 °C acima da
temperatura de processamento.
- Tempo: É o grau de exposição da superfície a ser limpa, necessário para
que a solução detergente possa atuar sobre as sujidades. Este tempo varia
conforme o grau e tipo de sujidade, procedimento de limpeza e produto
químico.
- Ação mecânica: É a energia mecânica necessária que, juntamente com a
solução de limpeza, promove a remoção das sujidades das superfícies a
serem higienizadas. São exemplos de ação mecânica a esfrega manual
através de esponjas, a pressão do lava jato, a velocidade de circulação da
solução num circuito fechado, etc.
- Ação química: É a energia química, representada pela solução detergente,
utilizada em concentração e condições adequadas, indicado pelo fabricante
do mesmo. A concentração pode variar conforme o tipo e grau de sujidade,
tipo de superfície e tipo de limpeza.

225
A combinação destes 4 fatores permitirá a obtenção de melhores
resultados da limpeza, que podem ser alterados conforme a necessidade e
disponibilidade de recursos.
• Fases da higienização:
- Remoção de resíduos sólidos: Deve-se remover manualmente a maior
quantidade possível dos resíduos, evitando consumo excessivo de água
durante o pré-enxágüe, buscando maior economia de água e menores
problemas com efluentes.
- Pré-enxágüe com água: Este procedimento deve ser efetuado com água
corrente, à temperatura e pressão adequadas, após a remoção dos
resíduos grosseiros. Se bem executado, traz significativa economia no
consumo de detergente.
- Aplicação do detergente: Dependerá do tipo de produto e do método de
limpeza escolhidos. A preparação e aplicação correta do detergente são
fatores primordiais para uma boa higienização.
- Enxágüe com água: Após a aplicação do detergente apropriado, é
necessário um enxágüe com água para completa remoção dos resíduos de
produto e das sujidades.
- Sanitização: Procedimento para aplicação de um agente sanitizante que
reduzirá o grau de contaminação remanescente a níveis seguros.
- Enxágüe final: Este procedimento por vezes é desnecessário, dependendo
do tipo de sanitizante utilizado e do tipo de produto a ser processado.
6.6.2 Produtos recomendados para desinfecção ambiental
Uma boa limpeza é responsável por até 99,9 % da remoção de
partículas indesejáveis. O 0,1% restante está representado pelos
microrganismos que, uma vez presentes nas superfícies em contato com os
alimentos, podem deteriorá-los ou provocar toxinfecção alimentar nos
indivíduos que os ingerirem.
Após efetuar a limpeza das superfícies de forma adequada, é
necessário efetuar a sanitização das superfícies, para garantir o processo
de limpeza. Para tanto, devem-se utilizar um sanitizante adequado.

226
• Características do sanitizante ideal:
- Possuir amplo espectro de atividade antimicrobiana, isto é, deve atuar
sobre o maior número de microrganismos: bactérias, bolores, leveduras,
algas, vírus e também esporos.
- Deve apresentar ação biocida e não somente biostática, para realmente
garantir o processo de limpeza.
- Não ser corrosivo às superfícies e aos materiais encontrados nas
indústrias alimentícias.
- Deve ser compatível com traços de detergente, no caso do enxágüe ser
deficiente.
- Não ser tóxico ao operador e ao meio ambiente.
- Deve apresentar ação rápida, pois nem sempre é possível deixar o
produto em contato com a superfície por longos períodos de tempo.
- Deve ser de fácil enxágüe, quando este procedimento for necessário.
- Deve ser facilmente titulável para possibilitar maior controle da dosagem
do produto.
Infelizmente não existe um sanitizante que reúna todas estas
propriedades, desta forma, tem que se analisar as necessidades e
condições existentes para selecionar aquele que apresente as melhores
condições de utilização, para cada caso.
• Condições necessárias para uma boa Sanitização:
- Limpeza prévia do local;
- Qualidade química e microbiológica da água;
- Tempo de contato suficiente;
- Monitoração da solução sanitizante;
- Natureza da superfície;
- Poder residual do sanitizante.
• Fatores importantes para uma boa sanitização:
- Tempo de contato: É o tempo mínimo necessário para que o sanitizante
possa agir sobre os microrganismos presentes na superfície.

227
- Concentração: É a quantidade de produto utilizada na preparação da
solução sanitizante, por recomendação do fabricante do produto, para
potencializar a sua ação e não criar resistência microbiológica ao agente
biocida.
- Temperatura: Alguns agentes sanitizantes são termossensíveis, outros
têm sua ação potencializada pela elevação da temperatura. Deve-se avaliar
qual a temperatura mais apropriada, dependendo do produto escolhido e do
tipo de aplicação.
- Nível de pH: Alguns sanitizantes têm seu princípio ativo influenciado pelo
pH da solução de uso, tendo sua atividade biocida afetada.
- Natureza da superfície: O sanitizante deve ser compatível com o tipo de
superfície na qual será aplicado, para não induzir à corrosão da mesma,
bem como não ser inativado pelo material que a compõe.
- Método de aplicação: O agente sanitizante deve ser aplicado de forma
correta, respeitando-se suas características físico-químicas.
- Carga de sujidade orgânica: O sanitizante deve ser aplicado em
superfícies previamente limpas para evitar a inativação de seu princípio
ativo.
- Estabilidade: Deve-se atentar quanto ao prazo de validade do produto,
bem como respeitar suas condições de armazenamento e estocagem.
- Atividade residual: Deve-se escolher o agente sanitizante, levando-se em
conta suas características de atividade residual. No caso das superfícies
que entram em contato direto com os alimentos, deve-se utilizar um produto
que não apresente efeito residual que possa vir comprometer a qualidade
do produto final.

OBSERVAÇÕES
- Manter produtos de limpeza em local apropriado e em embalagem original;
- Limpar os locais mais altos e por último o piso;
- Utensílios de limpeza usados em vestiários/banheiros não devem ser

228
usados em locais de manipulação de alimentos;
- Conservar recipientes de lixo tampados e revestidos com saco plástico.
- Procedimentos para monitoração da higienização:
• Manter procedimentos de higienização por escrito e de fácil acesso aos
funcionários.
• Efetuar constante treinamento do pessoal.
• Efetuar análise de perigo e pontos críticos de controle.
• Manter sistema de registros das operações de higienização.
• Efetuar controle da qualidade da higienização, através de:
- Inspeção visual da superfície higienizada.
- Controle microbiológico da superfície através de swab's ou rinsagem.
- Dosagem das soluções de detergente e sanitizantes.
-Uso da técnica de bioluminiscência para controlar quantidade de matéria
orgânica presente.

7 - OBTER O COMPROMISSO DA GERÊNCIA


O sucesso da implementação de qualquer sistema de garantia de
qualidade depende muito do comprometimento da gerência. Este
comprometimento inclui recursos, e pessoal e isto acontece quando a
gerência é informada sobre o conceito do Sistema e seus benefícios para a
inocuidade do alimento, o controle da qualidade e a motivação para ação.
Comentários
As carnes constituem veículo potencial de contaminantes de
natureza biológica, física ou química em suas diversas fases. Desde a
obtenção da matéria-prima ao produto final, devem ser submetidas ao
controle de qualidade higiênico-sanitário, tecnológico e comercial.
Às autoridades cabe vigiar as características de fidelidade na
identificação do produto, suas condições de conservação, a possibilidade de
fraudes ao mascarar qualidades nutricionais, a obediência às normas de
pesos e medidas, bem como eventuais efeitos deletérios à saúde do
consumidor. Neste caso, o próprio consumidor esclarecido é quem julga.

229
Acima do consumidor deve estar o controle oficial de padrões de
qualidade comercial e higiênico-sanitário, a fim de evitar qualquer deslize.
Uma vez montado pela empresa um esquema de controle de qualidade,
reduzem-se o peso da tarefa e o trabalho da intervenção oficial.
Montar um sistema de controle de qualidade dentro de uma indústria
é complicado, pois nem todos estão convencidos do retorno que este pode
trazer. Alguns industriais, por falta de capacidade empresarial ou de
idoneidade moral, insistem em menosprezar as boas normas de segurança
e qualidade, ou Boas Práticas de Fabricação, fazendo de suas vendas uma
falsa promoção, explorando as camadas de consumidores menos exigentes
e/ou menos esclarecidos.
É imperativo mostrar que, nos estabelecimentos com inspeção
sanitária, o trabalho exercido pelo inspetor é de caráter preventivo,
objetivando evitar que a indústria venha infringir as normas vigentes em
relação ao uso de aditivos e ingrediente sem relação às práticas higiênicas
ou às demais exigências regulamentares.

8 - OUTROS REGULAMENTOS CORRELACIONADOS A BPF E PPHO


Resolução – RDC nº 91, de 11 de maio de 2001- ANVISA Aprova o
Regulamento Técnico - Critérios Gerais e Classificação de Materiais para
Embalagens e Equipamentos em Contato com Alimentos constante do
Anexo desta Resolução. Âmbito: federal
Portaria nº 06, de 10 de março de 1999 – CVS-SP Aprova o Regulamento
Técnico que estabelece os Parâmetros e Critérios para o Controle
Higiênico-Sanitário em Estabelecimentos de Alimentos. Âmbito: estadual -
SP
Circular nº 176, de 16 de maio de 2005 - CGPE/ DIPOA/ MAPA Trata da
Modificação das Instruções para a verificação do PPHO e aplicação dos
procedimentos de verificação dos Elementos de Inspeção previstos na
Circular Nº 175/ 2005 CGPE/ DIPOA.

230
Circular nº 272, de 22 de dezembro de 1997 - DIPOA/SDA/MAPA
Implanta o Programa de Procedimentos Padrão de Higiene Operacional
(PPHO) e do Sistema de Análise de Risco e Controle de Pontos Críticos
(ARCPC) em estabelecimentos envolvidos com o comércio internacional de
carnes e produtos cárneos, leite e produtos lácteos e mel e produtos
apícolas. Âmbito: federal
Resolução nº 10, de 22 de maio de 2003 – DIPOA/SDA/MAPA Institui o
Programa Genérico de Procedimentos – Padrão de Higiene Operacional –
PPHO, a ser utilizado nos Estabelecimentos de Leite e Derivados que
funcionam sob o regime de Inspeção Federal, como etapa preliminar e
essencial dos Programas de Segurança Alimentar do tipo APPCC (Análise
de Perigos e Pontos Críticos de Controle). Âmbito: federal
Circular nº 369, de 02 de junho de 2003 – DCI/DIPOA/MAPA Instruções
para elaboração e implantação dos sistemas PPHO e APPCC nos
estabelecimentos habilitados à exportação de carnes. Âmbito: federal
Portaria nº 15, de 23 de agosto de 1988 – ANVISA Determina que o
registro de produtos saneantes domissanitários com finalidade
antimicrobiana seja procedido de acordo com as normas regulamentares
anexas à Portaria.Âmbito: federal
Resolução nº 211, de 18 de junho de 1999 – ANVSA/MS Altera o texto do
subitem 3 do item IV da Portaria 15, de 23 de agosto de 1988. Âmbito:
federal
Portaria nº 518, de 25 de março de 2004 - MS Aprovar a Norma de
Qualidade da Água para Consumo Humano, de uso obrigatório em todo o
território nacional. Âmbito: federal
Resolução nº SS4, de 10 de janeiro de 2003 - MS Dispõe sobre
Procedimentos e Responsabilidades relativos ao Controle e Vigilância da
Qualidade da Água para Consumo Humano no Estado de São Paulo.
Âmbito: estadual – SP
Portaria nº 24, de 29 de dezembro de 1994 - MT Esta Norma
Regulamentadora – NR 07 estabelece a obrigatoriedade de elaboração e

231
implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que
admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, com o objetivo de promoção e
preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores. Âmbito: federal
Resolução RDC nº 18, de 29 de fevereiro de 2000 – ANVISA Dispõe
sobre Normas Gerais para funcionamento de Empresas Especializadas na
prestação de serviços de controle de vetores e pragas urbanas. Âmbito:
federal
Portaria nº 09, de 16 de novembro de 2000 – CVS-SP Norma Técnica
para empresas Prestadoras de Serviço em Controle de Vetores e Pragas
Urbanas e as Boas Práticas Operacionais para o Controle de Vetores e
Pragas Urbanas. Âmbito: estadual - SP
Resolução nº 122, de 19 de junho de 2001 - MS Aprova o Regulamento
Técnico sobre Ceras e Parafinas em contato com Alimentos.
Resolução RDC nº 91, de 11 de maio de 2001 - MS Aprova o
Regulamento Técnico - Critérios Gerais e Classificação de Materiais para
embalagem e equipamentos em contato com alimentos.
Resolução nº 123, de 19 de junho de 2001 - MS Aprova o Regulamento
Técnico sobre Embalagens e Equipamentos Elastoméricos em contato com
Alimentos.
Resolução RDC nº 20, de 26 de março de 2008 - MS Aprova o
Regulamento Técnico sobre embalagens de polietilenotereftalato (PET) pós-
consumo reciclado grau alimentício (PET - PCR grau alimentício)
destinados a entrar em contato com alimentos.
Portaria nº 177, de 04 de março de 1999 - MS Aprova o Regulamento
Técnico Disposições Gerais para Embalagens e Equipamentos Celulósicos
em contato com alimentos e seus Anexos (I a V).*O subitem 2.10 do item 2 -
Disposições Gerais, foi alterado pela Resolução RDC nº 130, de 10 de maio
de 2002.

232
Resolução RDC nº 130, de 10 de maio de 2002. Bisfenilas Policloradas e
Pentaclorofenol - Altera o Item 2 da Portaria nº 177, de 04 de março de
1999.
Resolução RDC nº 129, de 10 de maio de 2002. Aprova o Regulamento
Técnico sobre Material Celulósico Reciclado.
Resolução RDC nº 217, de 01 de agosto de 2002 - MS Aprova o
Regulamento Técnico sobre Películas de Celulose Regenerada em contato
com alimentos.
Resolução RDC nº 218, de 01 de agosto de 2002. Aprova o Regulamento
Técnico sobre Tripas Sintéticas de Celulose Regenerada em contato com
alimentos.
Resolução RDC nº 20, de 22 de março de 2007 - MS Aprova o
Regulamento Técnico sobre disposições para Embalagens, Revestimentos,
Utensílios, Tampas e Equipamentos Metálicos em contato com alimentos.
Resolução nº 105, de 19 de maio de 1999 - MS Aprova os Regulamentos
Técnicos: Disposições Gerais para Embalagens e Equipamentos Plásticos
em contato com alimentos e seus Anexos (I a XIV). O Anexo III foi alterado
pela Resolução RDC nº 103, de 01 de dezembro de 2000.
Resolução RDC nº 18, de 12 de janeiro de 2001. Aprova a inclusão na
Lista Positiva de Aditivos para Materiais Plásticos destinados destinados à
elaboração de Embalagens e de Equipamentos em contato com Alimentos,
dos Aditivos e suas respectivas restrições.
Resolução RDC nº 17, de 17 de março de 2008 - MS Aprova o
Regulamento Técnico sobre Lista Positiva de Aditivos para Materiais
Plásticos destinados à elaboração embalagens e equipamentos em contato
com alimentos que consta como anexo e faz parte desta Resolução.
Resolução nº 124, de 19 de junho de 2001. Aprova o Regulamento
Técnico sobre Preparados Formadores de Películas a base de Polímeros e/
ou Resinas destinados a entrar em contato com alimentos.

233
Portaria nº 27, de 13 de março de 1996. Aprova o Regulamento Técnico
de sobre embalagens e equipamentos de Vidro e Cerâmica em contato com
alimentos.
Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 14, de 28 de fevereiro de
2007 Aprova o Regulamento Técnico para produtos Saneantes com Ação
Antimicrobiana harmonizado no âmbito do Mercosul através da Resolução
GMC nº 50/06.

234
9 - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BEST, D. Food industry faces off with microbial hazards. Prepared Foods,
v. 157, p. 188-190, 192, 194, 1988.

CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION. Food and Agriculture Organization


of the United Nations, World Health Organization. Joint FAO / WHO Food
Standards Programme. Codex Committee on Food Hygiene. 22th
Session. Washington, 17-21 October, 1994.

CROWTHER, J., HERD, T., MICHELS, M. Food safety education and


awareness: a model training programme for managers in the food industry.
Food Control, v. 4, p. 97-100, 1993.
INTERNATIONAL COMMISSION ON MICROBIOLOGICAL
SPECIFICATIONS FOR FOODS. Micro-organisms in Foods. 4. Application
of the Hazard Analysis Critical Control Points (HACCP) System to
Ensure, 2. ed. University of Toronto Press, Toronto, 1978.

INTERNATIONAL COMMISSION ON MICROBIOLOGICAL


SPECIFICATIONS FOR FOODS. Micro-organisms in Foods. 2. Sampling
for Microbiological Analysis. Principles and Specific Applications. 2.
ed., University. of Toronto Press, Toronto, Canada, 1986

235
SEGURANÇA E ESTABILIDADE MICROBIOLÓGICA DE CARNES E
PRODUTOS CÁRNEOS
Luciana Miyagusku e Renata Bromberg
Centro de Tecnologia de Carnes/ITAL

1 - INTRODUÇÃO
Nos diversos produtos cárneos disponíveis no mercado são
aplicados tratamentos físicos, químicos e microbiológicos distintos que os
diferencia sob o ponto de vista de segurança e estabilidade microbiológica.
Alguns, como as linguiças, são produtos crus, e contam com a presença de
agentes conservadores, necessitando de tratamento térmico antes do
consumo. As salsichas e mortadelas destacam-se, pois além da adição de
agentes conservadores, são submetidos a tratamento térmico. As salsichas
passam por intensa manipulação logo após a realização de seu cozimento.
As mortadelas, por sua vez, permanecem acondicionadas em embalagens
após o tratamento térmico. Os produtos dessecados, como a linguiça
calabresa, contam com a baixa atividade de água como barreira ao
crescimento microbiano. Finalmente, os produtos fermentados, como os
salames, são adicionados de culturas starters que atuam na redução dos
valores de atividade de água e pH, além de produzirem substâncias
antimicrobianas.
Numerosos fatores influenciam no tipo de deterioração microbiana
que ocorre em carnes frescas e processadas. Dentre estes fatores estão o
pH da carne, a adição de sal, nitrito, açúcar, fumaça (líquida ou natural), ou
acidulantes e, o estado da carne (cozida, fermentada ou dessecada). Após
o processamento, alguns fatores como o tipo de embalagem, a temperatura
de estocagem, a composição final do produto, os microrganismos
sobreviventes ou os contaminantes influenciam no tipo e na taxa de
deterioração do produto.
No processamento de produtos cárneos, deve-se observar
cuidadosamente a qualidade microbiológica da matéria-prima. A carne é
considerada importante fonte de microrganismos patogênicos e

236
deterioradores. A qualidade microbiológica depende do grau de
contaminação verificado durante o processo de abate e das operações
subsequentes, além da multiplicação durante o armazenamento.
O intestino dos animais é a fonte da maioria dos microrganismos
patogênicos, no entanto a microbiota intestinal não se caracteriza por seu
envolvimento na deterioração da carne. A contaminação da carne por
patógenos pode ocorrer indiretamente por meio do contato com fezes, couro
ou penas durante as práticas de abate. O couro e as penas podem ser
considerados como fontes principais de microrganismos psicrotróficos, os
quais por sua vez, podem apresentar contaminação proveniente do solo e
da água. Há possibilidade do ambiente da planta de processamento ou dos
equipamentos permitirem a sobrevivência de patógenos, atuando assim
como fonte de contaminação considerável (VARNAM e
SUTHERLAND,1995). Os biofilmes que alojam patógenos, tais como
Listeria monocytogenes, Salmonella spp. e Yersinia enterocolitica, podem
se desenvolver rapidamente sobre equipamentos logo após sua limpeza,
podendo atuar como foco de contaminação nas plantas de processamento
de carnes. Neste contexto, este problema pode tornar-se mais grave em
plantas com alto grau de automação. Outro aspecto a ser destacado diz
respeito à manipulação inadequada durante o processamento dos produtos
cárneos, a qual pode resultar na disseminação de patógenos. A ocorrência
de contaminação microbiológica em decorrência da utilização de água não
potável é uma possibilidade. Além disso, a sanitização inadequada das
câmaras de armazenamento aparece como um problema frequente,
permitindo o desenvolvimento da microbiota deterioradora psicrotrófica.
A carne utilizada para a elaboração de produtos derivados deve
ser analisada sob os seguintes aspectos:
incidência de microrganismos causadores de infecções ou
intoxicações;
presença de microrganismos produtores de decomposição;

237
ocorrência de microbiota que exerça influência sobre a
qualidade dos produtos.

A Tabela 1 apresenta as especificações de contagens microbianas


para a matéria-prima cárnea a ser utilizada no processamento de produtos.

Tabela 1. As matérias-primas cárneas para a elaboração de produtos


cárneos devem apresentar as seguintes especificações*:
Parâmetro Produto refrigerado Produto congelado
Mesofilos aeróbios <1,0 x 106 (UFC/g) <1,0 x 106 (UFC/g)
Staphylococcus aureus <1,0 x 102 (UFC/g) <1,0 x 101 (UFC/g)
1
Escherichia coli <1,0 x 10 (UFC/g) <1,0 x 101 (UFC/g)
Salmonella spp. Ausência em 25g Ausência em 25g
Enterobactérias <1,0 x 102 (UFC/g) <1,0 x 102 (UFC/g)
Clostridium perfringens <1,0 x 102 (UFC/g) <1,0 x 102 (UFC/g)
pH <6,2 <6,2
*GIL e DOMINGUEZ (1992)

2 - ESTABELECIMENTO DE ASSOCIAÇÕES MICROBIANAS NA CARNE


A carne fresca, principal matéria-prima utilizada para a obtenção
de produtos cárneos embutidos, é afetada por diversos tipos de
microrganismos patogênicos e deterioradores. A sobrevivência e a
proliferação de grupos distintos de microrganismos são determinadas por
meio de condições específicas que permitem o desenvolvimento destes. Os
parâmetros que afetam a proliferação de microrganismos em alimentos
podem ser categorizados em quatro grupos: fatores intrínsecos; fatores
extrínsecos; modo de processamento e preservação; e fatores implícitos.
2.1 Fatores intrínsecos
Os fatores intrínsecos dizem respeito à composição e ao estado do
substrato (propriedades físicas, químicas e estruturais inerentes do
alimento), com destaque para:
Nutrientes:
A carne contém cerca de 75% de água, 19% de proteína, 2,5% de
gordura, 1,2% de carboidratos, 1,65% de nitrogênio; 0,65% de cinzas, além
de vitaminas, sobretudo as do complexo B e sais minerais, como cálcio,

238
fósforo, sódio, potássio, magnésio, cobre e zinco. Devido a esta
composição, a carne constitui-se num meio nutritivo que oferece excelentes
condições para a multiplicação microbiana.
Estrutura:
A multiplicação de microrganismos não ocorre da mesma forma
nos diversos tecidos. Os tendões, fáscias, aponeuroses e a gordura
constituem-se em barreiras naturais que impedem a penetração dos
microrganismos nas áreas mais profundas dos tecidos musculares.
Atividade de água:
Constitui-se em uma medida da água livre que se encontra à
disposição dos microrganismos para sua multiplicação. A carne exibe
valores compreendidos entre 0,985 e 0,995 oferecendo boas condições
para a multiplicação dos microrganismos mais exigentes. A atividade de
água é influenciada pela umidade ambiente. De acordo com esta, a carne
apresenta tendência a dessecar-se superficialmente durante o
armazenamento, em função da diferença de umidade em relação ao ar
atmosférico da câmara de estocagem. A ventilação se faz necessária para
evitar a dessecação superficial do produto. A diminuição do valor de
atividade de água superficial inibe o crescimento da microbiota,
especialmente dos psicrotróficos. Consequências indesejáveis atuam no
sentido contrário, em situações de formação de água de condensação na
superfície da carne. Isto ocorre quando se submetem carnes refrigeradas
mantidas em baixas temperaturas (2 a 4°C) a ambientes com temperaturas
superiores. Neste caso, a umidade se condensa na superfície da carne,
eleva a atividade de água e favorece o crescimento de bactérias. Em
alimentos acondicionados hermeticamente a atividade de água se mantém
constante, podendo influenciar na multiplicação de microbiota.
pH:
Uma vez concluído o processo de maturação, a carne pode exibir
valores de pH compreendidos entre 5,6 e 6,2. Estes valores não são
favoráveis ao crescimento dos microrganismos responsáveis pela

239
deterioração da carne. No entanto, a taxa de crescimento das
enterobactérias e dos microrganismos psicrotróficos diminui quando o valor
de pH é inferior a 5,8. Assim, a carne PSE (Pale, Soft, Exudative) se
conserva por um período de tempo maior que a carne proveniente de
animais normais. A carne DFD (Dark, Firm, Dry ) se altera com mais
facilidade, pois exibe valores de pH próximos aos valores que favorecem o
crescimento em condições ótimas aos microrganismos deterioradores.
Potencial redox:
O potencial redox de um substrato define-se pela facilidade em
perder ou ganhar elétrons. Os microrganismos aeróbios requerem valores
positivos de potencial redox para seu crescimento, enquanto os anaeróbios
requerem valores negativos. Na carne fresca, o potencial redox varia de
acordo com a quantidade de grupos -SH presentes nos tecidos. Este valor é
influenciado pela tensão de oxigênio na atmosfera que envolve o alimento e
pelo acesso do oxigênio aos tecidos. Durante o período de armazenamento,
o potencial redox diminui de forma contínua devido aos processos
enzimáticos que consomem o oxigênio presente, favorecendo a microbiota
anaeróbia.
Outros compostos:
O líquido tissular e o soro contêm substâncias de ação
antimicrobiana, como as imunoglobulinas. Além destas, as substâncias que
se originam dos processos metabólicos, tanto dos tecidos como dos
microrganismos, também têm importância, destacam-se:
Dióxido de carbono: que se forma como consequência da
respiração tissular e atividade bacteriana post mortem. Exerce ação
inibidora sobre numerosos microrganismos e apresenta aplicação
tecnológica, sobretudo em embalagens contendo atmosfera modificada.
Ácidos: dentre os ácidos produzidos durante o processo de
maturação da carne, destaca-se o ácido láctico. É o principal responsável
pelas propriedades, ainda que sutis, apresentadas pela carne para retardar
o crescimento microbiano.

240
2.2 Fatores extrínsecos
Os fatores extrínsecos dizem respeito às características do
ambiente, independentes do substrato no qual o alimento é armazenado,
destacam-se:
Temperatura:
Os microrganismos podem se multiplicar em temperaturas
compreendidas entre –15 a +75°C. Desta forma, cada espécie limita sua
atividade a uma determinada faixa de temperatura. A temperatura ótima de
crescimento é aquela em que uma determinada espécie se multiplica mais
intensamente. De acordo com a temperatura de crescimento ótima, os
microrganismos podem se classificar em quatro grupos principais: psicrófilos
(10 a 15°C), psicrotróficos (25 a 30°C), mesófilos (30 a 45°C) e termófilos
(55 a 75°C).
Outros fatores externos:
Composição gasosa (influenciada com o uso de embalagens
contendo atmosfera modificada ou a vácuo), umidade relativa e agentes
conservadores. Estes parâmetros podem variar independentemente do
substrato e influenciam no crescimento dos microrganismos.
2.3 Modo de processamento e preservação
Tratamentos químicos e físicos resultam em alterações das
características do alimento, determinando desta forma a microbiota
associada ao produto. Incluem também as Boas Práticas de Fabricação
(BPFs) dos produtos cárneos.

2.4 Fatores implícitos


Sobre as influências internas e externas, que são independentes
da natureza de cada população microbiana, se acrescentam os fatores
resultantes da ação dos microrganismos entre si durante o crescimento.
Tais parâmetros são dependentes do comportamento de cada espécie
durante sua multiplicação e de ações mútuas entre elas (as interações). Os
fatores implícitos são os resultados do desenvolvimento de microrganismos

241
que podem apresentar um efeito sinergístico ou antagonista sobre a
atividade microbiana de outros microrganismos presentes no alimento
(MOSSEL et al., 1995). Os efeitos sinergísticos incluem a produção ou
disponibilidade de nutrientes essenciais, em decorrência do crescimento de
um determinado grupo de microrganismos, permitindo o desenvolvimento
de outras espécies, as quais de outra forma seriam incapazes de crescer.
Além do mais, alterações nos valores de pH, potencial redox e atividade de
água podem permitir o desenvolvimento de microrganismos menos
tolerantes a estes fatores inibitórios, possibilitando a ocorrência de
deterioração secundária. Os processos antagônicos incluem a competição
por nutrientes essenciais, alterações dos valores de pH e/ou potencial redox
ou formação de substâncias antimicrobianas, como as bacteriocinas
(peptídeos produzidos principalmente por bactérias lácticas, com ação
antagonista sobre outras bactérias) (McMULLEN e STILES, 1996). Outro
fenômeno importante quanto à preservação de alimentos, diz respeito a
homeostase dos microrganismos (GOULD, 1988). Se a homeostase de um
microrganismo, ou seja, seu equilíbrio interno é conturbado por meio de
fatores utilizados na preservação de alimentos, os microrganismos não se
multiplicam mais, permanecendo na fase lag de crescimento ou sendo
inativados, antes que sua homeostase seja restabelecida.
A deterioração ou colonização do alimento por bactérias
patogênicas são mais rápidas e evidentes em produtos ricos em proteínas
como carnes e derivados. Estes alimentos são altamente nutritivos,
possuem valores neutros de pH e elevada atividade de água, permitindo o
crescimento de uma grande variedade de microrganismos. No início da vida
útil do alimento, os microrganismos deterioradores existem em pequenas
concentrações e constituem apenas a minoria da microbiota original. Em
geral, durante o período de estocagem do produto, os deterioradores se
desenvolvem mais rapidamente que os demais membros da microbiota
presente. Além disso, produzem metabólitos responsáveis pela alteração do
odor e sabor ou atuam na produção de limosidade, fazendo com que o

242
alimento seja rejeitado sob o ponto de vista sensorial. As alterações
ocorridas nas condições extrínsecas dos produtos (por exemplo,
refrigeração, atmosfera modificada, etc.) são as únicas maneiras de retardar
a deterioração. Contudo, o armazenamento em temperaturas baixas e
adequadas não evitará a deterioração, irá apenas limitar a ação de
microrganismos psicrotróficos deterioradores (VELD, 1996).

3 - ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS DE PRODUTOS CÁRNEOS CRUS


Os produtos cárneos crus e perecíveis mais comumente
encontrados são as linguiças frescas, as quais podem ser processadas com
diversos tipos de carnes: suína, bovina e de aves. A linguiça, por ser um
produto frescal, não é submetida ao tratamento térmico redutor da
microbiota, sendo que, seu alto teor de água livre (elevada atividade de
água) faz com que o produto tenha vida útil curta, apesar da utilização da
barreira do frio.
Em geral, os produtos cárneos embutidos (cominuídos) não
cozidos apresentam uma alta incidência de contaminantes, incluindo os
microrganismos patogênicos, que são de qualidade microbiológica inferior,
comparativamente aos cortes cárneos (VARNAM e SUTHERLAND, 1995).
Este fato deve-se aos seguintes fatores:
• Uso de ingredientes de qualidade inferior em produtos sujeitos a
altos níveis de manipulação e, possivelmente, ao abuso de temperatura.
Neste contexto, o uso de carne mecanicamente separada merece destaque.
• A etapa de mistura de vários ingredientes leva ao espalhamento
dos contaminantes por todo o produto.
• Os constituintes celulares são liberados durante a cominuição e
operações subsequentes, fornecendo uma fonte disponível de nutrientes.
Ao mesmo tempo, a área superficial disponível para o crescimento
microbiano é intensamente aumentada e os microrganismos, inicialmente
na superfície do produto, são distribuídos por toda a carne.

243
Apesar desta constatação, os produtos cárneos crus curados não
são frequentemente associados às infecções ou intoxicações de origem
alimentar, de onde se deduz que os consumidores devem realizar de
maneira adequada o cozimento destes produtos e mantê-los armazenados
sob baixas temperaturas.
As análises que se realizam nestes produtos cárneos indicam que
uma grande variação no perfil microbiológico pode ocorrer dentre os vários
processadores de alimentos, especialmente no que diz respeito ao número
de microrganismos presentes e à incidência de patógenos. Em muitos
casos, esses dados refletem as práticas de higiene adotadas nos
abatedouros e o manuseio dos ingredientes. A presença de números
elevados de microrganismos deterioradores, na maioria das vezes é
decorrente das condições impróprias de refrigeração ou do tempo de
armazenamento muito prolongado dos ingredientes, sobretudo dos cortes
cárneos. No caso da presença de patógenos, a principal causa pode ser
atribuída às práticas adotadas durante a criação dos animais ou à
contaminação cruzada durante o processamento.
O método de acondicionamento dos produtos cárneos crus e
perecíveis constitui-se no principal fator de determinação da microbiota
predominante destes produtos (JOHNSTON e TOMPKIN, 1992). Linguiças
frescas comercializadas em bandejas ou embutidas em tripas comestíveis
apresentam vida útil relativamente curta (dias), sendo a microbiota
deterioradora constituída por uma variedade de psicrotróficos, incluindo-se
as Pseudomonas spp. As linguiças frescas comercializadas em filmes
impermeáveis ao oxigênio apresentam uma predominância da microbiota
constituída por bactérias lácticas.
Grandes quantidades de produtos cárneos são curadas com
soluções de sais de nitrito e/ou nitrato, cloreto de sódio e aceleradores de
cura, como ascorbato de sódio, açúcar e outros flavorizantes. As linguiças
são embutidos crus que contêm como agentes conservantes o nitrato e o
nitrito. A presença do nitrito irá conferir proteção contra alguns grupos de

244
bactérias, por meio do mecanismo de inativação das enzimas que atuam na
síntese da adenosina trifosfato (ATP). Desta forma, este composto
apresenta efeito contra Clostridium botulinum, sendo, porém ineficaz contra
bactérias lácticas e enterobactérias.
Quando os sais de cura são adicionados à formulação, a
microbiota inicial presente nestes produtos é similar a presente na carne
fresca. Em geral, esta é dominada por enterobactérias mesmo quando as
temperaturas de armazenamento são inferiores a 5°C. Espécies de
Pseudomonas e outros bacilos Gram negativos também merecem destaque
na microbiota destes produtos. Durante o período de armazenamento
refrigerado, frequentemente sob vácuo, a predominância da microbiota
normal da carne crua permanece constante ou é reduzida como
consequência da ação dos agentes de cura. Bactérias lácticas
psicrotróficas, enterococos, micrococos e leveduras crescem lentamente,
pois são menos inibidas pelo sal e pelos compostos da cura. Durante o
armazenamento sob baixas temperaturas, estes microrganismos irão
constituir a microbiota destas carnes e, consequentemente irão ocasionar
sua deterioração.
Alguns produtos cárneos crus curados são aquecidos ou
defumados em diferentes graus para produzir superfícies secas e flavor
defumado. Tais produtos podem ter sua vida útil prolongada, uma vez que o
tratamento térmico e a defumação acarretam uma redução nas contagens
de microrganismos. O acondicionamento a vácuo destes produtos, favorece
o desenvolvimento de bactérias lácticas psicrotróficas, as quais predominam
durante o armazenamento sob temperaturas de refrigeração.

4 - ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS DE PRODUTOS CÁRNEOS


COZIDOS
Produtos cárneos embutidos cozidos incluem as salsichas e
mortadelas, preparados com carnes de diversas naturezas como bovinas,
suínas e de aves. Quando a carne é submetida ao tratamento térmico e é

245
posteriormente refrigerada para impedir a deterioração microbiológica, as
bactérias presentes nos tecidos crus são amplamente reduzidas. A
microbiota resultante é constituída, sobretudo por enterococos, micrococos
e lactobacilos. Uma vez que o ambiente da planta de processamento é
frequentemente refrigerado, pode ocorrer a recontaminação do produto com
bactérias psicrotróficas. A presença de psicrotróficos é de grande
importância, uma vez que aumentam em número, mesmo que o
armazenamento seja realizado sob temperaturas apropriadas de
refrigeração. Esses microrganismos são responsáveis pela deterioração,
determinando assim a vida útil do produto. Existe ainda uma preocupação
crescente quanto à multiplicação de patógenos psicrotróficos, tais como L.
monocytogenes e Y. enterocolitica, em produtos cárneos refrigerados.
A microbiologia dos produtos cárneos cozidos tem início na
matéria-prima e no tratamento térmico. A maioria dos produtos cárneos é
submetida a um cozimento completo, no qual apenas os esporos
sobrevivem, em geral menos que cem por grama. Em alguns dos
tratamentos térmicos se utilizam temperaturas mais baixas, suficientes para
destruir patógenos não formadores de esporos, mas não necessariamente
algumas das bactérias mais resistentes ao calor, tais como os enterococos.
Os níveis de microrganismos nos produtos cárneos cozidos dependem das
concentrações e tipos de microrganismos presentes antes e durante o
tratamento térmico, e também dos subsequentes parâmetros de tempo-
temperatura de manutenção do produto.
Durante o resfriamento, manuseio e acondicionamento dos
produtos cárneos cozidos, um baixo nível de recontaminação pode ocorrer
na superfície dos produtos, provenientes sobretudo de equipamentos e
manipuladores de alimentos (JOHNSTON e TOMPKIN, 1992). Essa
contaminação pode introduzir níveis de coliformes em concentrações de
aproximadamente 101 por grama na superfície do produto. A presença de E.
coli nestes produtos indica condições não-sanitárias e requer que sejam
realizadas investigações sobre as condições de processamento,

246
determinando a fonte de contaminação e as medidas corretivas a serem
tomadas. O contato dos manipuladores com os produtos cárneos cozidos
pode levar à contaminação dos produtos por Staphylococcus aureus, em
concentrações de 101 ou 102 por amostra. Esses níveis não apresentam
perigo potencial, mas oferecem inóculo suficiente para crescimento em
concentrações alarmantes, caso ocorram condições de abuso de tempo-
temperatura. Desta forma, a refrigeração de produtos cárneos prontos para
o consumo é essencial para a prevenção do crescimento de S. aureus e
produção de enterotoxina.
O sal e o nitrito adicionados à carne podem inibir o crescimento
dos sobreviventes do processo térmico. Após a refrigeração prolongada,
bactérias lácticas, micrococos, enterococos, fungos e leveduras podem
crescer e formar limosidade no produto. Quando estes produtos são
acondicionados em embalagens impermeáveis ao oxigênio e são mantidos
em temperaturas de refrigeração, a microbiota deterioradora consiste
principalmente de bactérias lácticas e, ocasionalmente de leveduras e
outras bactérias psicrotróficas.
Em geral, os produtos cárneos cozidos apresentam contagens de
103 ou menos por grama. Concentrações de microrganismos mais elevadas
em produtos a serem comercializados refletem as condições de tempo e
temperatura em que os produtos foram submetidos durante o
armazenamento. Sob condições apropriadas de refrigeração, tais produtos
não oferecem condições para o crescimento de patógenos mesofílicos. S.
aureus não se desenvolve bem anaerobicamente (no caso de produtos
embalados a vácuo), em presença de sal e nitrito. Além do mais, estes
microrganismos não crescem em temperaturas inferiores a 6,7°C e são
maus competidores, em especial contra as bactérias lácticas, que são
dominantes em produtos cárneos curados e cozidos. Estes produtos
raramente causam outros tipos de doenças de origem alimentar. O
processo térmico destrói Salmonella spp. e outros patógenos não
formadores de esporos. Caso estes produtos sejam contaminados após o

247
tratamento térmico, as Salmonella spp. podem sobreviver e, se as
temperaturas forem favoráveis, podem se multiplicar. A baixa incidência de
Cl. botulinum e Cl. perfringens se deve a presença de nitrito e sal, presença
de bactérias lácticas e refrigeração do produto, os quais servem de medidas
de controle para estas bactérias.
As bactérias lácticas deterioram os produtos cárneos refrigerados,
causando defeitos tais como produção de odores desagradáveis,
descoloração, produção de gás e limosidade e redução dos valores de pH
(BORCH et al., 1996). Os produtos cárneos armazenados aerobicamente ou
em embalagens a vácuo, em filmes com relativa permeabilidade ao
oxigênio, podem desenvolver flavor “ácido” e “azedo” e odor “doce” e de
“queijo”.
Produtos resultantes da ação bacteriana podem reagir com os
pigmentos da carne e formarem pigmentos de coloração esverdeada
(GRANT et al., 1988). Neste caso, as bactérias produtoras de peróxido de
hidrogênio podem causar a descoloração do produto por meio de processos
oxidativos que formam porfirinas oxidadas, resultando na formação de
manchas esverdeadas no produto. O esverdeamento bacteriano no centro
do produto é causado por bactérias que sobreviveram ao processo térmico,
e que após a exposição ao ar produzem peróxido de hidrogênio.
Em geral, o acúmulo de dióxido de carbono em produtos cárneos
cozidos é associado ao crescimento de Leuconostoc spp., tais como Ln.
mesenteroides, Ln. carnosum e Ln. amelibiosum. A formação de limosidade,
associada a produtos cárneos cozidos embalados a vácuo, é causada por
espécies homofermentativas de Lactobacillus spp. e Leuconostoc spp. A
limosidade é um indicador do início do processo de deterioração do produto
cárneo (BORCH et al., 1996).

5 - PRODUTOS CÁRNEOS EMBUTIDOS FERMENTADOS


A adição de microrganismos desejáveis em carnes tem os
seguintes objetivos (LÜCKE, 2000):

248
melhora da segurança (inativação dos patógenos);
prolongamento da estabilidade (extensão da vida útil, por meio
da inibição das alterações indesejáveis ocasionadas por microrganismos
deterioradores ou reações abióticas);
modificação das propriedades sensoriais da carne
benefício a saúde (por meio de efeitos positivos na microbiota
intestinal).
As culturas starters são utilizadas para alterar as propriedades
sensoriais dos produtos cárneos. Em geral as culturas starters
comercializadas sob a forma liofilizada, são constituídas por mais de um
microrganismo, sendo que cada qual desempenha ações predeterminadas.
Nas fermentações de produtos cárneos, as bactérias lácticas geralmente
atuam na melhoria da segurança e da estabilidade e, na modificação das
propriedades sensoriais do produto. Outros microrganismos, como bactérias
com formato de cocos (Staphylococcus, Kocuria), leveduras
(Debaryomyces) e fungos (Penicillium), normalmente estabilizam as
propriedades sensoriais dos produtos. As espécies presentes nas culturas
comerciais (HAMMES e HERTEL, 1998) e os níveis inoculados às carnes
dependem do potencial de crescimento dos microrganismos nos produtos.
Em geral, o número de microrganismos da cultura starter deve superar em
dois ciclos logarítmicos o número de microrganismos presentes nas carnes
utilizadas como matéria-prima (TERRA, 1998). Esta dominância dos
microrganismos úteis sobre os contaminantes é condição indispensável
para a obtenção de produtos com qualidade microbiológica e tecnológica
adequada.
Culturas antagonistas, denominadas culturas protetoras, são
adicionadas ao produto com o objetivo de inibir os patógenos e/ou estender
a vida útil do produto, alterando de modo sutil suas propriedades sensoriais.
A biopreservação refere-se ao uso destas culturas ou de seus produtos
(bacteriocinas ou enzimas). Os probióticos são por definição, culturas que
após sua ingestão em números suficientes, exercem benefícios para a

249
saúde, além dos efeitos inerentes para a nutrição básica. Atualmente, as
linhagens probióticas são principalmente utilizadas na indústria de laticínios
e, poderão ter seu emprego ampliado em produtos cárneos, caso se
utilizem linhagens tolerantes às condições existentes na carne durante sua
fermentação e no trato intestinal.
Produtos cárneos fermentados, como salames e pepperoni,
dependem da fermentação láctica para sua preservação e da baixa
atividade de água. De uma forma simplificada, o processamento de salames
ocorre em duas etapas distintas. Inicialmente, ocorre a fermentação com o
desenvolvimento das características sensoriais do produto e na etapa final,
a desidratação que reduz a atividade de água a níveis inferiores aos
necessários para o crescimento dos microrganismos. Em geral, ao término
da etapa de fermentação, as contagens de bactérias lácticas são superiores
a 108 por grama. As enterobactérias, por sua vez, não se desenvolvem
intensamente e as contagens de S. aureus são inferiores a 103 por grama.
Durante o armazenamento subsequente, os ácidos orgânicos
(principalmente o láctico), sal e secagem podem eliminar muitos dos
contaminantes presentes, inclusive as bactérias que podem causar doenças
de origem alimentar. Além disso, alguns destes produtos são defumados ou
aquecidos, reduzindo assim os níveis bacterianos do produto final.
O controle adequado durante o processamento irá inibir o S.
aureus durante a etapa de fermentação. Em processamentos realizados
sem o controle apropriado, S. aureus pode crescer e produzir toxinas nos
salames durante o período de fermentação (BARBER e DEIBEL, 1972). Os
estafilococos geralmente morrem durante os estágios de secagem e
armazenamento, porém a toxina permanece no produto podendo causar
intoxicação.
L. monocytogenes é frequentemente detectada em carne crua.
Seu crescimento durante a fermentação dos salames é relativamente
pequeno. No entanto, L. monocytogenes é inativada de forma muito lenta
durante o processo de fermentação, sendo desejável que se elimine este

250
microrganismo nos produtos prontos para o consumo. Uma forma
alternativa seria por meio do uso de bactérias lácticas produtoras de
bacteriocinas ativas para o controle de L. monocytogenes (LÜCKE, 2000).
A presença de E. coli enterohemorrágica (como E. coli O157:H7) é
uma grande preocupação sob o ponto de vista da saúde pública, pois a
ingestão de poucas células desta bactéria pode causar uma infecção grave,
como ocorrido em surtos cujo veículo identificado foi o salame (TILDEN et
al., 1996). Desta forma, torna-se necessário eliminar o patógeno durante a
etapa de fermentação do produto. As bactérias lácticas podem acelerar a
destruição de E. coli enterohemorrágica por meio do abaixamento dos
valores de pH e de atividade de água. Clostridium e Bacillus patogênicos
não se desenvolvem durante o processo de fermentação de produtos
cárneos, não havendo necessidade do uso de culturas starters
bacteriogênicas para inativá-los (LÜCKE, 2000).
As leveduras e fungos podem se desenvolver na superfície dos
salames durante o processamento e armazenamento. Alguns fungos não
toxigênicos são utilizados de modo a garantir características específicas de
sabor e aparência do produto.

6 - PRODUTOS CÁRNEOS EMBUTIDOS DESSECADOS


A secagem é um processo que acarreta a limitação do crescimento
microbiano por meio da privação de umidade. Porém, a inibição do
desenvolvimento microbiano não é limitada apenas pelo conteúdo de água,
mas também pela água disponível. Durante este processo, muitas reações
químicas são também retardadas. A secagem não se constitui em um
processo de esterilização do alimento, devendo-se tomar o cuidado de se
preservar o equilíbrio e se prevenir que o produto readquira a umidade.
As concentrações de microrganismos em produtos cárneos
dessecados são variáveis e dependentes da natureza do produto, de seus
ingredientes e do modo de processamento (JOHNSTON e TOMPKIN,

251
1992). Exemplos de produtos cárneos embutidos dessecados são a linguiça
calabresa e o paio.
Patógenos podem sobreviver durante períodos prolongados de
armazenamento, sendo que os produtos cárneos embutidos dessecados
devem ser cozidos antes de seu consumo. A margem de segurança mínima
destes produtos em relação ao S. aureus não é grande, havendo indícios de
que a enterotoxina pode ser formada (VARNAM e SUTHERLAND, 1995).

252
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBER, L.E.; DEIBEL, R.H. Effect of pH and oxygen tension on
staphylococcal growth and enterotoxin formation in fermented sausage.
Journal of Applied Microbiology, v.24, p.891, 1972.

BORCH, E.; KANT-MUERMANS, M-L.; BLIXT, Y. Bacterial spoilage of meat


and cured meat products. International Journal of Food Microbiology,
v.33, p.103-120, 1996.

GIL, A.Y.; DOMINGUEZ, F.Y. Preparación, fabricación y defectos de los


embutidos curados. Madrid: Ediciones Ayala, 1992. 194 p.

GOULD, G.W. Homeostatic Mechanisms in Microrganisms. In:


WHITTENBURY, R; GOULD, G.W.; BANKS, J.G.; BOARD, R.G. Bath: Bath
University Press, p.220-228, 1988.

GRANT, G.L.; McCURDY, A.R.; OSBORNE, A.D. Bacterial greening in


cured meats: A review. Canadian Institute of Food Science and
Technology Journal, v.21, p.50, 1988.

HAMMES, W.P.; HERTEL, C. New developments in meat starter


cultures. In: Proceedings 44th International Congress on Meat Science and
Technology, Barcelona, v.1 p.182-191, IRTA/EUROCARNE, 1998.

JOHNSTON, R.W.; TOMPKIN, R.B. Meat and poultry products. In:


VANDERZANT, C.; SPLITSTOESSER, D.F (ed.) Compendium for the
Microbiological Examination of Foods. Washington: American Public
Health Association, 1992. p.821-835.

LÜCKE, F. K. Utilization of microbes to process and preserve meat. Meat


Science, v.56, p.105-115, 2000.

McMULLEN, L.M.; STILES, M.E. Potential for use of bacteriocin-producing


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Protection. Supplement, p.64-71, 1996.

MOSSEL, D.A.A.; CORRY, J.E.L.; STRUJIK, C.B. Essentials of the


Microbiology of Foods: a textbook for advanced studies. Wiley,
England. 1995. p.175-214.

TERRA, N.N. Apontamentos de Tecnologia de Carnes. São Leopoldo:


Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, 1998. 216p.

TILDEN, Jr.J.; YOUNG, W.; McNAMARA, A.M.; CUSTER, C. A new route of


transmission for Escherichia coli: infection from dry fermented salami.
American Journal of Public Health, v.86, p.1142-1145, 1996.

253
VARNAM, A.H.; SUTHERLAND, J.P. Meat and Meat Products.
Technology, Chemistry and Microbiology. 1.ed. London: Chapman &
Hall,1995. 430p.

VELD, J.H.J.H. Microbial and biochemical spoilage of foods: an overview.


International Journal of Food Microbiology, v.33, p.1-18, 1996.

254
IDENTIFICANDO E USANDO TENDÊNCIAS E INSIGHTS NO
DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS
Sandra Mian
B-Head Consulting Inc.

Criar e lançar novos produtos faz parte da vida das empresas, de


todas elas. Com as indústrias de alimentos isso não é diferente. Lançar
novos produtos ou melhorar e diversificar a linha existente, é tão necessário
quanto respirar. Sem inovação e novos lançamentos uma nova empresa
não tem como entrar no mercado e uma empresa já sólida no mercado
corre o risco de perder seu market share.
Inúmeras vezes as equipes de marketing e P&D se deparam com
duas questões cruciais:
Estamos desenvolvendo um produto realmente alinhado com o
consumidor ?
Como saber se estamos na boa direção?

A melhor forma de responder a essas questões é, paradoxalmente,


com outras perguntas:
Que problemas/necessidades/anseios do consumidor esse
produto vai resolver ?
Esse novo produto está em sintonia com quais tendências de
consumo?
Quais foram os insights que geraram a ideia para desenvolver
esse produto e não um outro ?

Muita coisa se fala sobre tendência, mas muitas vezes ao invés de


se trabalhar sobre uma tendência está se trabalhando sobre um modismo.
Uma empresa com grande agilidade e capacidade de modificação de linhas
consegue desenvolver e colocar no mercado produtos que atendam aos
últimos modismos. Mas nem todos têm essa capacidade; pode até

255
acontecer que quando um produto esteja pronto para ser lançado o
modismo já esteja passando.
Muitas vezes acontece nas empresas de um projeto ser arquivado
nas vésperas do lançamento ou em adiantada fase de desenvolvimento.
Nesse dois casos além do tempo, do dinheiro e do trabalho de
toda uma equipe, corre-se o risco de perder algo ainda mais precioso: a
motivação do grupo em inovar.
Para evitar esses problemas tão frequentes, é necessário entender
melhor o que é tendência e o que é modismo; entender o que é insight e
como obtê-lo. Temos também que saber como utilizar tudo isso, em
contexto, durante o processo de ideação de novos produtos.

Tendências x Modismo
Entender o que são tendências e o que são modismos é
fundamental para a construção da estratégia de inovação de uma empresa;
seja ela grande, média ou pequena.
Saber como as tendências e modismos se apresentam e como
podem impactar o negócio é de extrema importância para o sucesso da
inovação e do lançamento de novos produtos.
Depois veremos alguns exemplos relativos à indústria de produtos
cárneos que nos mostram claramente esses pontos.

Tendência e Modismo são duas palavras em geral associadas,


quando falamos da área de moda (indumentária). Eu às vezes uso uma
correlação com a moda dizendo que tendência é como “estilo”, é
indemodável ( não sai da moda).
“Moda” é passageira, vai e vem com as estações. Você pode usar
roupas da moda e continuar a manter o estilo, ou seja, estará sempre bem e
alinhada com sua personalidade. Entretanto, quando só se usa o que está
na moda sem ter um estilo próprio, muitas vezes o resultado é um tanto
quanto estranho. O mesmo pode se passar numa empresa. Alinhar sua

256
estratégia com as tendências, com o longo prazo, é criar seu “estilo”. E
evidentemente dentre desse “estilo” é possível subir ou descer a barra da
saia ou mudar a cor da blusa caso seja necessário.

Vejamos alguns significados de tendência:


ten.dên.ci.a [tẽˈdẽsjɐ] nome feminino
1. força que imprime determinado movimento ou orientação.
2. figurado: inclinação; propensão; predisposição; vocação.
3. política: corrente de opinião.
4. moda: estilo dominante.
5. psicologia: impulso latente da atividade que orienta esta para
direções que, uma vez alcançadas, propiciam normalmente prazer.
Em inglês usa-se o termo “trend” para tendência e “fad” para
modismo.
A “linha de produtos” ou “estratégia” deveria ser pensada em
função dos trends. Produtos individuais dentro dessas linhas podem ser
declinados seguindo os fads.
Quando queremos saber se estamos diante de uma tendência ou
de um modismo podemos usar alguns pontos de referência, como segue:
1. Tendências tornam-se integradas na cultura (cultura no sentido
antropológico).
2. Tendências provocam mudanças reais.
3. Tendências focam no longo prazo.
4. Tendências mudam comportamento.
5. Tendências têm múltiplas articulações.

257
258
259
260
Vejamos dois exemplos associados à indústria de alimentos:
1. Tendência de saudabilidade: Essa tendência começou nos
anos 60 com a contracultura (movimento hippie) e com os primeiros
ativistas ecológicos. É algo que está evoluindo há várias décadas.
Modismos associados:
Atualmente: gluten free, sucos verdes, chia, quinoa, paleodiet ...

261
Na década de 80: produtos “light” e “diet” (diminuição do teor de
calorias) ...
Na década de 90: “free”, sem sódio, 0% gordura ...
Nos anos 2000: sem gordura trans, sem glutamato ...

2. Tendência de personalização do consumo: Essa tendência


começou nos anos 90 e ainda está numa fase embrionária em muitos
países. Entretanto um dos modismos associados – os cupcakes por
exemplo – entraram no Brasil mesmo que a tendência mais ampla ainda
não tenha tido tempo de se inserir na cultura. Exatamente por ser um
modismo a “onda” dos cupcakes já está diminuindo e vai tranquilamente
morrer na praia como todos os modismos.

Como identificar tendências


Algumas pessoas creem que para identificar tendências é preciso
ser um visionário ou ter uma bola de cristal. Identificação de tendências não
é futurologia, mas muitos vendem essa imagem para fazer crer que só eles
conseguem ver o que os outros não são capazes de ver. Na verdade
TODOS somos capazes de identificar tendências e saber dentro das
tendências quais os modismos que estão sendo associados e por quê.
Entretanto, isso exige certo esforço e muito trabalho e disciplina.
Vão aqui algumas sugestões:
1. Leia, leia e leia mais ainda. Leia um pouco de tudo, não só de
temas relacionados à sua área. Tecnologia, marketing, literatura moderna e
antiga. Jornais e revistas; artigos, blogs, mídias sociais. Com isso você vai
acabar tendo uma visão geral do que está se passando no mundo e vai
aprender a identificar o que é interessante e relevante.
2. Seja simplesmente apaixonado pelas pessoas. Pessoas de
todas as classes, de todas as cores, de todos os grupos sejam eles sociais,
tribos urbanas, geracionais ... Veja o que elas estão fazendo e não só que
alimentos estão comprando. Acompanhe de perto os filmes, novelas, mídias

262
sociais, eventos esportivos e culturais. Veja como elas se vestem, como
elas interagem em grupo, quais as subculturas nascentes. Fale com as
pessoas sobre tudo, e em todos os momentos e locais possíveis. Eu
procuro fazer isso em todos os locais: aeroportos, filas de supermercado e
banco, livrarias, bancas de revista, salas de espera de médicos e dentistas
... Ao invés de ficar só olhando meu telefone ou ficar com meus fones de
ouvido (coisa que evidentemente eu faço também!!!!), eu procuro conectar
com as pessoas e saber um pouco mais sobre o que elas estão fazendo,
como estão vivendo. Com isso você aprende o que é realmente importante.
3. Não tenha medo do que é novo. Ao contrário, experimente de
tudo um pouco. Periscope, Instagram, Facebook, WhatsApp, Tweeter mas
também jogos, novas formas de consumir música (e.g. Spotify), filmes (eg
Netflix), os Apps que estão sendo sugeridos. Novas tecnologias, novas
comidas, novos destinos nas viagens. Compartilhe, fale sobre isso, peça
opiniões. Só dessa forma você vai saber por você mesmo o que é bom.
4. Agora o mais importante: é preciso aprender a fazer conexões, a
ligar os pontos encontrados com essas três “atividades”. “Por que as
pessoas que estão usando tal e tal tecnologias ou mídia social também
estão escutando determinado gênero musical ? Haveria uma ligação entre
as duas coisas ou é pura coincidência ?” Esse tipo de exercício vai permitir
que, com o tempo, você faça conexões e comece a identificar tendências
comportamentais. Tendências de consumo são decorrência de tendências
comportamentais. Sem entender a segund, não é possível decodificar a
primeira.

INSIGHT
Insight é uma palavra antiga e uma das primeiras menções
escritas desse termo é de aproximadamente 1200 BCE ("before the
common era", ou seja, antes da era comum ou o antigo "BC"). Ela surgiu no
Oriente Médio provavelmente como um termo religioso ou filosófico.

263
Insight vem de "innsihh", ver com olhos da alma, visão mental,
entendimento. Em 1580 foi definido assim: "um penetrante entendimento do
caráter ou da natureza íntima". Definições antigas, mas perfeitamente atuais
porque "insight" é realmente isso, é aquele momento em que dizemos "ah
ah!!!"; momento em que de repente entendemos algo que antes nos era
obscuro.

Insight é o entendimento penetrante e em geral súbito de uma


situação complexa ou de um problema. Insight não é um dado, não tem
relação com a estatística. Muitas vezes, resumos de dados de pesquisas de
mercado são apresentados como insight e por isso há tanta confusão sobre
o que é e o que não é insight.

Vejamos algumas definições de insight:

264
265
O primeiro e verdadeiro insight que eu tive na minha carreira
profissional foi o dia em que, como engenheira de ALIMENTOS, eu descobri
que as pessoas não compravam ALIMENTOS; compravam COMIDA. A
diferença é imensa! Como engenheiros de alimentos, tecnólogos,
especialistas em marketing e P&D das indústrias de alimentos, nós
passamos nosso tempo ... bem ... desenvolvendo alimentos! Mas a partir do
momento em que o usuário final vê esse "alimento" numa prateleira de
supermercado e o coloca no seu carrinho, esse "alimento" passa a ser
comida.
Comida, além do que os dizeres nutricionais e o preço dizem, tem
simbolismos. Comida representa quem somos, como vivemos, nossa
ideologia, nossos valores. Comida tem memória, história e estórias. A partir
desse momento nunca mais consegui ver o desenvolvimento de produtos –
independente do produto - da mesma forma.
Passei a pensar em “quem” usa esses produtos, como usam e o
que podem estar pensando e sentindo.
Muitos anos mais tarde, descobri que há um termo para esse tipo
de visão do desenvolvimento de produtos: HUMAN CENTERED DESIGN.

266
Vejamos um exemplo prático:
Uma mãe responde uma pergunta acerca de um determinado
produto:
Por que a compra desse “tal” produto? E sua resposta é:

"Eu compro esse produto porque meus filhos e meu marido


gostam."

Se essa pergunta tivesse sido feita de outra forma, na cozinha


dessa senhora, num contexto com outras informações em paralelo, talvez o
insight obtido fosse outro, muito diferente. Pode ser que ela estivesse
tentando dizer: "Eu quero me sentir amada e respeitada".
Há uma imensa diferença entre "comprar o produto porque meus
filhos gostam" e "eu quero me sentir amada e respeitada". Se você
soubesse disso antes, será que teria desenvolvido o produto exatamente da
mesma maneira? Muito provavelmente, ela não está comprando só um
produto mas está tendo uma "EXPERIÊNCIA DE COMPRA”.
Numa entrevista etnográfica que fiz no México, uma mãe que
acompanhamos durante suas compras no supermercado nos explicava
porque comprava amaciante para roupas naquele supermercado e não nos
demais: “ porque só aquele supermercado tinha uma marca com um
perfume que ela gostava”.
Ela pegou o amaciante, abriu e cheirou profundamente. Daí nos
fez sentir o odor também e nos disse "huele a mama". "Tem o cheirinho da
mamãe".
Evidentemente o odor do produto era importante, mas aquele
amaciante era muito mais que um simples amaciante de roupas; era a
marca que ela deixava nas roupas dos filhos, era como se ela estivesse
sempre com os filhos aonde quer que estivessem. E eles sempre estariam
se lembrando dela!!! Mais tarde ela nos confirmava isso com outras falas.
Seria possível usar esse insight como ponto de partida para um processo de

267
ideação de novos produtos? Seria possível associar esse insight com a
tendência de personalização do consumo e criar algo "único" para essas
mamães? E depois de obter esse tipo insight você ainda comunicaria o
produto da mesma maneira ?

Como se identificam insights


Da mesma forma que as tendências, os insights são identificados
por diversas vias:
Direto do consumidor pesquisa qualitativa ETNOGRAFIA
Produto
Mercado
Concorrência
Dados de tendência cultural (antropologia)
Contexto (história, sociologia)
Observação pessoal

Nos processos de ideação e desenvolvimento de novos produtos


usando Design Thinking, o método usado é a etnografia. A etnografia é
dentre todos os métodos, a melhor forma de se conseguir insights de
grande profundidade.
Infelizmente esse método é caro, longo e complicado. Não é
possível improvisar um etnógrafo; é algo que requer tempo, prática e muita
intuição. Mas mesmo sem fazer etnografia e com poucos recursos
financeiros é possível conseguir insights valiosos.

A importância em se identificar insights


Para as equipes de P&D e Marketing : fonte de ideias para
geração de novos produtos e serviços;
Para Marketing e Trade: fonte de oportunidade de
posicionamento e reposicionamento de produtos e serviços;

268
Para Marketing, agências de publicidade, pós venda (serviços):
matéria-prima de estratégia e comunicação orientada a conectar, atrair e
fidelizar o consumidor;
Para a EMPRESA: Base de uma FILOSOFIA empresarial
autenticamente concentrada no consumidor.

Vejamos um comparativo de duas diferentes formas de trabalhar


com inovação e desenvolvimento de novos produtos: 1) Tradicional -
Baseada no produto 2) Baseada no usuário final (tendências + insights).

Dados são um começo, não um fim! E “ consumer insight “ é um


meio para se chegar ao fim, não o fim em si mesmo!
Um “consumer insight” deve dizer mais sobre a audiência que
sobre o produto/serviço.

269
A importância em se trabalhar com grupos multi disciplinares
em P&D
Diferentes grupos funcionais, quando deixados por si mesmos,
tendem a gerar ideias que servem mais aos propósitos do grupo do que os
interesses do usuário final (seja ele quem for!).
Grupos multidisciplinares (cross-functional teams) agregam um
real valor aos processos de inovação e desenvolvimento de novos
produtos/serviços. Identificar as pessoas capazes de fazer parte desses
grupos e que não estejam ou executem a política do « mãos atadas » é
essencial.

Tendências do Consumo Alimentar


1. Sabor
2. Saudabilidade
3. Orientação voltada ao passado
4. Orientação voltada ao futuro
5. Tecnologia
6. Naturalidade
7. Globalização dos sabores
8. Alimento local e regional
9. Produto de “luxo”
10. Produto de “baixo custo”
11. Rapidez
12. Individualismo
13. Sustentabilidade

No desenvolvimento de novos produtos, na maioria das vezes, não


vemos uma tendência isolada; mas quase sempre uma tendência vem
associada a outras tendências e ligada a elas por fatores de
mudanças/continuidade. Por exemplo, “sustentabilidade” se associa
frequentemente com “alimento local e regional”; “sustentabilidade” com

270
“naturalidade” e assim por diante. Isso indica claramente que as tendências
e os fatores não podem ser vistos de forma isolada, mas sim de maneira
holística.

Vejamos um exemplo real.

Lunch mate é uma linha de snacks direcionados às pessoas que


estão “on the go” ou que não tem tempo para comer na hora do almoço:
estudantes, funcionários de escritórios, pessoas que viajam muito, etc.
Essas linha de produtos associa várias tendências: rapidez, praticidade e
baixo custo, sem deixar de lado a tendência fundamental e eterna na área
de alimentos: sabor!
Um excelente exercício para as equipes de P&D é analisar
produtos ganhadores e perdedores no mercado, tanto da própria empresa
quanto de concorrentes ou de indústrias completamente diversas das suas.
Analise com cuidado o produto e procure identificar quais tendências o

271
produto tentou cobrir. Tendências antagônicas num mesmo produto quase
sempre indicam um possível fracasso no mercado. Procurem buscar
também qual o real problema, necessidade ou anseio que esse produto
tentava resolver (insight). Verifiquem se esses dois aspectos estão em
consonância com a estratégia, missão e valores da empresa em questão.
Quanto mais houver concordância maior será a chance de um produto ser
ganhador no mercado.
Agora imagine essa metodologia sendo aplicada desde o princípio
do processo de desenvolvimento de novos produtos, e sendo feita com uma
equipe multidisciplinar. Imagine cada área da empresa colocando sua visão
do negócio, mas sempre seguindo a estratégia e com foco na meta da
empresa. A possibilidade de se chegar a protótipos que vão ter excelente
resultado nas pesquisas de mercado (agora sim no formato tradicional dos
“focus group’, pesquisas qualitativas e quantitativas de marketing, etc) é
bem maior que se o processo não levasse em conta os insights e
tendências.
Muitas dessas informações podem ser conseguidas em menos
tempo e com menos recursos que os métodos tradicionais. Além disso é
possível “prototipar” ideias no papel ou de forma muito simples,
praticamente sem investimentos. O processo é feito com “alargamentos” e
“afunilamentos” o tempo todo: 1) Coleta-se o maior número de informações
possíveis do consumidor; 2) Associam-se essas informações em grupos
lógicos (análise); 3) Obtêm-se os insights (afunilamento = seleção); 4) Faz-
se o processo de ideação ou brainstorming (abertura novamente); 5)
Selecionam-se as ideias em função da estratégia da empresa, capacidade
industrial, tendências, etc (afunilamento novamente = seleção) até se
chegar numa série pequena de conceitos/ideias.
Num mundo altamente globalizado, competitivo e com crises
econômicas frequentes é extremamente importante criar uma disciplina de
trabalho que economize tempo, esforços e recursos. O uso inteligente das
tendências e insights deveria fazer parte dessa disciplina de trabalho.

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