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Revista Vértices No.

13 (2012) - ISSN: 2179-5894 - DLO-FFLCH-USP


Revist a dos Pós- Graduandos da Área de Hebraico do Program a de Pós- Graduação em Est udos Judaicos e Est udos Árabes
do Depart am ent o de Let ras Orient ais da Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas da Universidade de São Paulo.

NÚMEROS NA BÍBLIA HEBRAICA: A ORIGEM DOS ALGARISMOS

NUMBERS IN THE HEBREW BIBLE: THE ORIGIN OF NUMERALS

Manu Marcus Hubner1

Resumo:
A importância dos números é gigantesca. É possível que os números tenham
sido inventados para resolver problemas práticos da humanidade, como a
contagem de rebanhos ou grãos, dos dias, meses e anos, entre muitos outros
usos. Milhares de anos se passaram desde o início destas contagens até a
adoção dos símbolos gráficos utilizados convencionalmente como algarismos,
um processo lento e que ainda apresenta divergências entre diversas
sociedades humanas. Mais do que simples ferramentas de contagem ou
aritmética, os números são necessários e indispensáveis ao desenvolvimento
de qualquer sociedade humana. Além de quantificar tudo o que se encontra ao
redor do homem, os números também possuem significados simbólicos, muitas
vezes além da lógica humana. Na Bíblia Hebraica, os números são frequentes
e apresentam diversos significados, muitas vezes simbólicos. A Bíblia Hebraica
também apresenta diversos cálculos matemáticos e uma numerologia chamada
guemátria, que possibilita a análise bíblica através de interpretações e
correlações entre valores numéricos de palavras ou frases.

Palavras-chave:
Bíblia Hebraica, Números, Algarismos, História, Arqueologia

Abstract:
Numbers have a huge importance. Numbers possibly have been created to
solve practical problems of humanity, like counting grains or livestock, the days,
months and years, among many other uses. Thousands of years have passed
since the beginning of these countings until the adoption of graphical symbols

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Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Judaicos e Árabes da FFLCH-
USP.
marcush@usp.br

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do Depart am ent o de Let ras Orient ais da Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas da Universidade de São Paulo.

conventionally used as numerals, a slow process that still shows variations


between different human societies. More than simple tools or arithmetics,
numbers are necessary to the development of any human society. Besides
quantifying everything that is around mankind, numbers also have symbolic
meanings, often beyond human logic. In the Hebrew Bible, numbers are
frequent and have several meanings, often symbolic. The Hebrew Bible also
presents many mathematical calculations and a numerology called gematria,
which enables biblical analysis through interpretations and correlations between
numerical values of words or sentences.

Keywords:
Hebrew Bible, Numbers, Numerals, History, Archaeology

A Origem dos Algarismos

Para Ifrah (1989, p. 322-323), os números são “uma invenção


inteiramente humana”, “a mais universal de todas”.
Conant (1931, p. 7) afirma que, para os animais, existe apenas uma
percepção de maior ou menor quantidade, e não a ideia de números. Tanto
homens quanto animais possuem a capacidade de reconhecer pequenas
quantidades, processo chamado por Barton & Hamilton (1999, p. 820) de
“subitização”, que funciona apenas até o número quatro; para números maiores
que quatro, algum sistema de contagem seria necessário.
Segundo Ifrah (1989, p. 150), “a invenção dos algarismos aconteceu
muito antes da descoberta da escrita...”. Para D’Ambrosio (p. 6), “A matemática
é quase tão antiga quanto a espécie humana”.
Segundo Ifrah (1989, p. 15), “houve um tempo em que o ser humano
não sabia contar; a prova: atualmente existem ainda homens incapazes de
conceber qualquer número abstrato e que não sabem nem que dois e dois são
quatro”. Exemplos destas hordas que se encontram nesse “grau zero” quanto
ao conhecimento dos números2 seriam os zulus e os pigmeus, da África; os

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A obra de Conant (1931, cap. II) traz um extenso relato sobre tribos indígenas nesta situação.

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aranda e os kamilarai, da Austrália; os aborígenes das Ilhas Murray e os


botocudos, do Brasil. Estes últimos só possuem um número para a unidade e
outro para o par, e é difícil para eles imaginar um número igual ou superior ao
cinco; os botocudos chamam a “unidade” de mokenam, e “muitos” de uruhu,
segundo Conant (1931, p. 14). Segundo Ferreira (p. 76), para os índios waimiri-
atroari, que habitam o norte do estado do Amazonas e parte de Roraima e que
contam somente até cinco, outros números são considerados elementos não
indígenas. Conant (1931, p. 5) afirma que os índios chiquitos da Bolívia não
possuem números, e expressam o valor “um” com a palavra etama, que quer
dizer “só”.
Para Ifrah (1989, p. 25), a invenção dos números foi uma consequência
da necessidade de resolução de problemas práticos: controle dos rebanhos,
estocagem de armas, armazenagem de alimentos, contagem de soldados,
avaliação de mercadorias para comércio, dentre outros. Segundo Brunés
(1967, p. 31), todo o desenvolvimento humano está ligado ao uso desta
ferramenta. É difícil imaginar uma sociedade sem números, impossibilitada de
contar os dias, de registrar seus bens ou suprimentos, ou até mesmo de saber
quantas crianças possui.
Ifrah (1989, p. 44-45) afirma que a contagem não é uma aptidão natural.
É um “atributo exclusivamente humano: diz respeito a um fenômeno mental
muito complicado, intimamente ligado ao desenvolvimento da inteligência”.
Para que um homem possa contar, são necessárias três condições
psicológicas: a capacidade de atribuir um “lugar” a cada item a ser contado; a
lembrança de cada um dos itens precedentes; a concepção da sucessão
simultaneamente. Sua definição de contagem é a seguinte:

“ ‘Contar’ os objetos de uma coleção é destinar a cada um deles um


símbolo (uma palavra, um gesto ou um sinal gráfico, por exemplo)
correspondente a um número tirado da ‘seqüência natural de números
inteiros’, começando pela unidade e procedendo pela ordem até encerrar
os elementos.”

Segundo Conant (1931, p. 7), o método mais primitivo, instintivo e


obviamente universal de contagem é a utilização da mão do homem. Para Ifrah
(id., p. 50-51, 79), a mão é uma máquina de contar simples e natural, o mais
antigo e difundido dos acessórios de contagem e de cálculo para os povos

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através dos tempos. A base lógica e óbvia da origem dos números, segundo
Brunés (1967, p. 33).
Segundo Ifrah (id., p. 25-30), o primeiro procedimento aritmético
conhecido é a correspondência um a um, que se resume na simples
comparação de duas coleções de seres ou objetos, buscando uma possível
equiparação na quantidade de elementos, chamada de correspondência
biunívoca ou bijeção. Este procedimento não pressupõe contagem nem
conhecimento das quantidades envolvidas, e não exige linguagem, memória e
nem pensamento abstrato desenvolvidos. Um exemplo deste procedimento
seria a marcação de uma letra “x” em um mapa de uma sala de cinema para
cada ingresso vendido, fazendo a correspondência entre o número de assentos
e o número de ingressos vendidos. Um pastor pré-histórico poderia fazer um
entalhe num pedaço de osso cada vez que um carneiro passasse à sua frente.
Mesmo sem conhecer a significação matemática, o pastor poderá verificar
sempre que voltar do pasto se o rebanho está completo, fazendo os carneiros
seguirem um por um, ao mesmo tempo que coloca cada vez um dedo num
talho. Se sobrar algum talho quando todos os carneiros tiverem passado, é
porque algum se perdeu. Se nascer algum filhote, bastará fazer um novo talho.
Em vez da prática do entalhe, o pastor poderia ter utilizado diversos outros
instrumentos materiais, como um monte de pedras, riscos na areia, os dedos
das mãos ou diferentes partes do corpo.
Muitos povos antigos utilizavam números em cordões. Como exemplos,
os incas, que não conheciam a roda, nem a tração animal e nem mesmo a
escrita no sentido em que a entendemos hoje, mantiveram arquivos de fatos
litúrgicos, cronológicos e estatísticos e uma contabilidade muito precisa, com
um sistema de cordões em nós denominado quipo, que servia também de
calendário e permitia a transmissão de mensagens. Para Mangin (p. 14), os
quipos também possuíam informação literária, e há um grande mistério nas
combinações de cores, símbolos e posições. Segundo Ifrah (1989, p. 98-103),
os índios da Bolívia e do Peru utilizam ainda hoje um sistema análogo: o
chimpu, no qual uma cordinha conta as unidades e as dezenas são
representadas pelo número de nós em duas cordinhas reunidas, as centenas
em três cordinhas, os milhares em quatro, e assim por diante. Heródoto (485-

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425 A.E.C.) conta como Dario I, rei da Pérsia (522-486 A.E.C), confiou a
guarda de uma ponte estratégica a soldados aliados gregos, que deveriam
desfazer um nó por dia de uma correia com sessenta nós. Segundo a tradição
chinesa, o imperador Shen Nong teria elaborado o sistema de contabilidade
com nós. Determinados índios da América do Norte também davam nós em
fibras vegetais para contar coisas e medir o tempo, como os apaches e os zuni,
do Novo México, dentre outros.
O sistema de pedras teve um papel muito importante na história dos
números. Foram atribuídos valores diferentes às pedras de dimensões
variadas. Assim, uma pedrinha representaria uma unidade, uma pedra um
pouco maior representaria uma dezena, outra maior ainda a centena, e assim
por diante. As pedras acabaram sendo substituídas por pequenos objetos
geométricos de terra, como cones, bolinhas ou bastões de argila, que
receberam o nome latino de calculi e em inglês são chamados de tokens,
encontrados em sítios arqueológicos do oriente próximo, de Cartum a Jericó e
desde a Turquia até o Irã. Por volta de 3500 A.E.C., as civilizações suméria e
elamita já possuíam um sistema de contagem bastante avançado baseado
nestes cones e bolinhas, e cada homem de uma certa condição social possuía
um sinete – um pequeno cilindro de pedra com uma imagem simbólica gravada
em côncavo, que representava seu detentor, como uma assinatura ou marca
de propriedade. Um acordo comercial com “valor jurídico” constava de bolinhas
e cones representando a quantidade de mercadoria comerciada, inseridas em
uma esfera de argila oca, na qual se imprime as marcas dos sinetes dos
comerciantes. Assim, o credor detém a esfera de seu devedor, com a inscrição
do sinete que corresponde a uma assinatura atual e com o número de calculi
que representa a mercadoria negociada. (Ifrah, 1989, p. 132-138; Melville,
2002).
Para que não fosse necessário quebrar a esfera para que se saiba o seu
conteúdo, os contadores sumérios e elamitas tiveram a ideia de simbolizar as
fichas guardadas nas esferas por marcas gravadas na parte externa de cada
esfera. Assim, basta ler as informações na superfície dos documentos. Estas
marcas constituem um sistema de numeração escrita: os mais antigos
algarismos da história. Para os sumérios, um talho fino simbolizando um

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pequeno cone representa a unidade; uma pequena marca circular simbolizando


a bolinha representa a dezena; um talho grosso simbolizando o cone grande
representa sessenta unidades; um talho grosso com uma marca circular
simbolizando um cone perfurado representa seiscentos; uma grande marca
circular simbolizando a esfera representa 3600, e uma marca circular munida
de uma outra pequena simbolizando a esfera perfurada, representa o número
36000. Com o tempo, os contadores perceberam que não era mais necessário
utilizar fichas introduzidas em bolsas, bastava representar os valores
correspondentes por marcas gravadas em pedaços de argila. Todo o conjunto
de etapas desta evolução foi encontrado na acrópole de Susa, no Irã (Ifrah,
1989, p. 138-140). O uso do calculi foi suprimido por volta de 3250 A.E.C., e as
esferas ocas foram substituídas por tabletes de argila.
Por volta de 3200 A.E.C. começam a surgir novos signos sobre os
tabletes, além dos números, mas ainda de forma rudimentar. Estes signos
representam todo tipo de objetos ou seres. Segundo Ifrah (id., p. 142, 147), a
partir de 3100 A.E.C., com o aumento e a diversificação do comércio, os
desenhos e algarismos aumentam em complexidade, cobrindo áreas mais
extensas e distinguindo espécies ou outras precisões sobre as mercadorias.
Assim, surgem as imagens-signos, desenhos que significam o que
representam visualmente. Estes pictogramas, com o tempo, vão passar a
representar, além da sua significação direta, ações ou ideias – ideografia. Uma
perna humana, então, pode significar não apenas “perna”, mas também
“andar”, “ir”, “correr”, dentre outros possíveis significados. O disco solar pode
significar o “sol”, como também o “dia”, “calor” ou “luz”. A partir de 2800-2700
A.E.C., o sistema pictográfico se vincula à língua falada, e as imagens-signos
recebem valor fonético. A partir de um sistema de calculi e de esferas de
argila, a transcrição gráfica dos números precedeu à da linguagem, ou seja, a
invenção dos algarismos aconteceu antes da descoberta da escrita (Ifrah, p.
149-150).
O sistema numérico dos sumérios, porém, era bastante complexo,
segundo Melville (2002): possuía uma base sexagesimal com uma grande
variedade de símbolos. Havia um sistema para a contagem de animais, outro
para a contagem de áreas ou volumes, enfim, mais de uma dúzia de sistemas

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de medidas diferentes. O número três utilizado para contar animais seria


diferente do número três utilizado para contar uma área ou um certo volume,
por exemplo. Segundo Freedman (1192, p. 1140-1141), os textos matemáticos
mais antigos conhecidos são da cidade suméria de Shurupak (Fará), de cerca
de 2650 A.E.C., e consistem de cálculos matemáticos como multiplicação e
divisão. O texto mais antigo conhecido com números decimais, da metade do
terceiro milênio A.E.C., foi encontrado em Ebla, na Síria. O texto, gravado em
tablete de argila em escrita cuneiforme suméria, consta de um problema de
divisão.
Os algarismos e hieróglifos egípcios nasceram por volta de 3000 A.E.C.,
quando esta civilização já se encontrava avançada e urbanizada. Ao contrário
dos sumérios, que faziam seus algarismos e signos de escrita imprimindo-os
ou traçando-os em geral sobre argila, os egípcios faziam gravações ou
esculturas em monumentos de pedra, por meio do cinzel e do martelo, ou ainda
em lascas de rocha, cacos de cerâmica ou folhas de papiro, com o auxílio de
um caniço mergulhado em tinta, conforme Ifrah (1989, p. 158-161). As
unidades, segundo Barton & Hamilton (1999, p. 822), eram representadas pelo
número apropriado de traços verticais, um sistema fácil de entender, porém
incômodo. A dezena era representada por um “u” maiúsculo invertido, um signo
em forma de asa; a centena, por uma espiral enrolada; o milhar, por uma flor
de lótus com seu caule, 10.000 por um dedo e 100.000 por um girino, segundo
Ifrah (1989, p. 165), supondo que as palavras egípcias para espiral e flor de
lótus correspondiam, respectivamente, aos mesmos sons que cem e mil, e que
o grande número de girinos e sua fecundidade no Nilo possa ter originado a
relação com a centena de milhar. A numeração hieroglífica egípcia era
diferente da suméria tanto do ponto de vista gráfico como do ponto de vista
matemático: utilizava uma base decimal (a numeração suméria utilizava base
sexagesimal). Em Hierakonpolis, foi descoberta uma clava com o nome de
Narmer (rei que unificou o Baixo e o Alto Egito por volta de 2900 A.E.C.) e com
inscrições numéricas correspondentes a cabeças de gado e prisioneiros
(400.000 touros, 1.422.000 cabras e 120.000 prisioneiros, números talvez
exagerados). Uma estátua pertencente a outro rei do Egito, Khasekhem,
encontrada na mesma cidade, apresenta um número espantoso de inimigos

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massacrados: 47.209. Segundo Freedman (1992, p. 1142), o papiro


matemático Rhind, da primeira metade do segundo milênio A.E.C., apresenta
cálculos matemáticos interessantes: regras para duplicação de frações.
Segundo Ifrah (1989, p. 172-174), na ilha de Creta, por volta de 2000
A.E.C. (civilização minóica – nome atribuído devido ao rei Minos, primeiro
soberano da ilha segundo a mitologia grega) foram inventados uma escrita e
um sistema de numeração idêntico à numeração egípcia. O número 1 era
representado por um pequeno arco, o número 10 por uma pequena marca
circular, o número 100 por um grande traço oblíquo e o número 1000 por um
losango. A escrita hieroglífica (2000 a 1600 A.E.C.) apresentava imagens mais
ou menos realistas de seres e objetos, e evoluiu para uma escrita linear A
(1700 a 1400 a.e.c), com desenhos menos realistas e mais esquemáticos, até
finalmente evoluir para a chamada escrita linear B (1350 a 1200 A.E.C.), um
dialeto grego arcaico – o micênico.
Estes sistemas antigos possuíam o inconveniente de exigir uma
repetição exagerada de signos idênticos (Ifrah, 1989, p. 185-186).
Os gregos, à partir do século VI A.E.C., introduziram algarismos especiais
e substituíram pouco a pouco as antigas formas gráficas de seus números por
letras alfabéticas que correspondiam cada uma à inicial de uma designação de
número (acrofonia): a unidade passou a ser representada por um traço vertical;
o número cinco, pela letra Pi, inicial de pente, que significa “cinco”; a dezena
pela letra delta, antiga inicial de deka, “dez”, e assim por diante. Estes
algarismos, assim como os romanos, não se destinavam a fazer operações
aritméticas, mas a fazer abreviações para anotar e reter os números. Os
contadores recorriam a ábacos de fichas para os cálculos. A numeração
romana utilizava-se de letras cuja justaposição implicava na soma dos seus
valores (I = 1, V = 5, X = 10, L = 50, C = 100, D = 500 e M = 1000). Os
algarismos romanos nasceram centenas ou milhares de anos antes da
civilização romana, conforme afirma Ifrah (1989, p. 189), criados pelos etruscos
e outros povos que dominaram a Itália entre os séculos VII e IV A.E.C., e
inventaram signos de numeração de grafia e estrutura idênticas a dos
algarismos romanos arcaicos.

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A invenção do alfabeto foi decisiva na história da civilização, segundo


Ifrah (id., p. 209-210). Segundo Diringer (1964, p. 19), não sabemos quem foi o
inventor da escrita, a tradição da invenção perdeu-se nos tempos antigos. A
invenção foi progressivamente espalhada pelos fenícios para todos os povos
do Oriente Próximo e, a partir do século IX A.E.C., a escrita alfabética fenícia
também se expandiu em torno do Mediterrâneo e foi adotada pelos povos
ocidentais, que a adaptaram a suas respectivas línguas, modificando ou
acrescentando signos. As escritas alfabéticas atualmente em uso são, na sua
quase totalidade, descendentes da antiga escrita alfabética fenícia.
Como os alfabetos são formados por uma sucessão de símbolos com
uma ordem rigorosamente fixa, determinados povos passaram a utilizar as
suas letras para representar os números, como é o caso do hebraico. Segundo
Zumerkorn (2001, p. 19-20), as 22 letras do alfabeto hebraico representam os
números da seguinte forma: as nove primeiras letras representam as unidades;
as nove seguintes representam as dezenas; as quatro últimas representam os
números 100, 200, 300 e 400. As 22 letras do alfabeto hebraico se relacionam
aos números da seguinte forma:

Tabela 1. Valores Numéricos da Letras Hebraicas (Ifrah, 1989, p. 213).


Letra Hebraica Nome da Letra Transcrição Valor Numérico
‫א‬ Alef ͗a 1
‫ב‬ Bet b 2
‫ג‬ Guimel g 3
‫ד‬ Dalet d 4
‫ה‬ He h 5
‫ו‬ Vav v 6
‫ז‬ Zayin z 7
‫ח‬ Het ḥ 8
‫ט‬ Tet ṭ 9
‫י‬ Yod y 10
‫כ‬ Kaf k 20
‫ל‬ Lamed l 30
‫מ‬ Mem m 40

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‫נ‬ Noun n 50
‫ס‬ Samekh s 60
‫ע‬ ‘Ayin ‘ 70
‫פ‬ Pe p 80
‫צ‬ Tsade ts 90
‫ק‬ Qof q 100
‫ר‬ Resh r 200
‫ש‬ Shin sh 300
‫ת‬ Tav t 400

Este sistema é baseado no princípio da adição, ou seja, um número


composto é representado justapondo as letras numerais, sendo que o valor
final do número é o valor da soma dos valores de cada letra.
Consequentemente, todo número é assimilável a uma palavra, e inversamente.
Para diferenciar números de palavras, escribas convencionaram colocar um
ponto sobre cada letra numeral, ou um pequeno acento inclinado na
extremidade superior esquerda da letra (por exemplo: ´‫א‬ ). Para não ter de
reproduzir várias vezes estes signos distintivos no caso de um número
representado por mais de duas letras, um acento duplo foi convencionado,
entre as duas últimas letras à esquerda (exemplo: ‫) ב ג" א‬.
Como qualquer palavra, dentro deste sistema, possui um valor numérico
correspondente às somas dos valores numéricos de cada uma das letras,
torna-se possível fazer uma correlação entre palavras ou frases que possuem
valores correspondentes. Esta correlação entre palavras ou ideias, chamada de
guemátria, tornou-se uma forma de interpretação da Bíblia3. Segundo
Zumerkorn (2001, p. 5), esta interpretação alusiva foi difundida pelos Tanaim,

3
O Judaísmo se baseia nos ensinamentos da Torá e do Talmud. A Torá (“ensinamento”,
segundo Berezin, 2003, p. 663) é o conjunto de livros que forma o Pentateuco. A Bíblia
Hebraica, ou Tanach, é composta pelos livros do Pentateuco, Profetas e Escritos. Talmud quer
dizer “instrução, estudo” (ibid., p. 669), uma das obras fundamentais do Judaísmo, considerada
sua “lei oral”, que consta de discussões rabínicas sobre diversos temas como leis, ética e
filosofia. Possui dois componentes: a Mishná, compilada em 220 d.C., e a Guemará, por volta
de 500 d.C.

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mestres mencionados na Mishná, que é parte integrante do Talmud, que


viveram entre os anos 100 A.E.C. e 200 E.C.
Além dos valores numéricos da palavras, na Bíblia Hebraica, os
números são frequentes, e possuem diversas funções e significados, muito
além da sua utilização para a simples aritmética. Além disso, muitos números
possuem significados simbólicos, como é o caso do número 40, que aparece
vinte e oito vezes na Bíblia Hebraica (exemplos: O dilúvio durou 40 dias e 40
noites, segundo Gn 7:4-174, e Noé enviou o pombo após 40 dias sem chuva,
conforme Gn 8:6; Moisés se manteve no cume do Monte Sinai por 40 dias e 40
noites para receber os ensinamentos da Torá, conforme Ex 24:18 e Dt 9:9-11),
e possui diversos significados associados à transição e renovação:

• Transição da morte para a vida, do impuro para o puro. O número 40


representa a água que, por sua vez, representa benignidade e vida,
transição e renovação. (Ginsburg, 1992, pp. 196, 202-3).
• Período de uma geração (“... E os fez andar errantes pelo deserto
quarenta anos, até se acabar toda a geração...”, Nm 32:13).
• Processo de amadurecimento (Munk, 1995, p. 148).
• Idade na qual o homem adquire compreensão (Talmud, Avot 5:1)

A Bíblia Hebraica não apresenta somente números, mas também diversas


operações matemáticas:

• Adição: “E haviam ficado dois homens no acampamento; o nome de um


[era] Eldad, e o nome do segundo, Medad (...).” (Nm 11:26)
• Subtração: “Talvez faltarão dos cinqüenta justos cinco; destruirás pelos
cinco toda a cidade? E disse: Não destruirei, se achar aí quarenta e
cinco. (...) Talvez se encontrem ali quarenta. (...) Talvez se encontrem ali
trinta. (...) Talvez se encontrem ali vinte. (...) Talvez se encontrem ali
dez.” (Gn 18:28-33)

4
As abreviações dos livros da Bíblia seguem o padrão da Bíblia de Jerusalém. As citações da
Bíblia são extraídas da Torá: A Lei de Moisés, de Melamed.

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• Multiplicação: “E contarás para ti sete semanas de anos, sete vezes sete


anos; de maneira que serão os dias das sete semanas de anos,
quarenta e nove anos.” (Lv 25:8); “(...) doze pratos fundos de prata, doze
bacias de prata, doze taças de ouro, pesando cento e trinta ciclos cada
prato de prata e setenta ciclos cada bacia; toda a prata dos utensílios,
dois mil e quatrocentos ciclos, segundo o ciclo da santidade. As doze
taças de ouro cheias de incenso pesavam, cada uma, dez ciclos,
segundo o ciclo da santidade; todo o ouro das taças, cento e vinte
ciclos.” (Nm 7:84-86); “(...) E multiplicou-se a porção de Benjamin, mais
que a porção de todos, cinco vezes (...).” (Gn 43:34)
• Divisão: “E repartirás a presa em duas partes iguais: entre os hábeis na
peleja, que saíram com o exército, e entre toda a congregação.” (Nm
31:27)
• Regra de 3: “E calculará com seu comprador, desde o ano dele ser
vendido até o ano do jubileu, e será o preço de sua venda conforme o
número destes anos, como os dias de um empregado serão calculados
para ele”. (Lv 25:50); “E se depois do jubileu consagrar seu campo, o
sacerdote calculará para ele o preço segundo os anos restantes até o
próximo jubileu.” (Lv 27:18-23)
• Frações: “(...) um terço de vocês que estão chegando no sábado ficarão
responsáveis pela vigilância do palácio real (...)”. (2 Rs 11:5); “E nos
tempos das colheitas dareis o quinto ao Faraó e as quatro partes serão
para vós (...).” (Gn 47:24); “(...) os remanescentes do povo fizeram um
sorteio para trazer uma décima parte [deles] para morar em Jerusalém,
a cidade sagrada, e nove partes [permanecendo] nas [outras] cidades.”
(Ne 11:1); “(...) duas partes [da população] serão cortadas e perecerão,
e a terceira será lá deixada.” (Zc 13:8); “(...) metade de um ciclo
segundo o ciclo da santidade.” (Ex 30:13); “(...) pagá-lo-á por inteiro e a
isso acrescentará a quinta parte.” (Lv 5:24); “Prepararás o caminho e
dividirás em três partes a área de tua terra (...). ” (Dt 19:3)

Os gregos, segundo Ifrah (1989, p. 217-219), também escreviam os


números através de letras alfabéticas. As oito primeiras letras clássicas (alfa,

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beta, gama, delta, épsilon, dzeta, eta e teta) representam as unidades simples,
com o dígamo (derivado do waw fenício) representando o número 6. As oito
letras seguintes representam as dezenas (iota, capa, lambda, mi, ni, csi,
ômicron e pi) mais o qoppa (derivado do qof fenício) associado ao valor 90. As
oito últimas letras representam as centenas (rô, sigma, tau, ípsilon, phi, khi, psi
e ômega) mais o signo san (derivado do sadé fenício) associado ao número
900. Para distinguir num texto as letras dos números, coloca-se uma barra
horizontal sobre as letras que representam números. Para representar
milhares, as letras que representam unidades simples recebem um acento do
lado superior esquerdo (´A). As mais antigas provas deste sistema datam do
século IV A.E.C.
O sistema chinês, segundo Ifrah (1989, p. 228), há mais de três mil
anos, apresenta treze signos fundamentais associados aos números de 1 a 10,
100, 1000 e 10000, com um traçado simples, que constituem verdadeiros
algarismos. A capacidade deste tipo de notação numérica ainda era limitada:
para exprimir um número elevado, uma grande quantidade de símbolos seria
necessária, além das dificuldades de cálculos.
A invenção do zero, possibilitando a utilização dos números que
representam unidades simples para representar também números mais
complexos, ou seja, o valor de cada algarismo seria determinado pela sua
posição na escrita dos números, foi um passo revolucionário, uma descoberta
dos babilônios do segundo século A.E.C., segundo Ifrah (1989, p. 236-237,
243). Os babilônios utilizavam um “cravo” vertical para simbolizar uma unidade
e uma “asna” horizontal para representar a dezena. Como o sistema era
sexagesimal, os números de 1 a 59 formavam unidade simples, e os números
de sessenta em diante constituíam uma segunda ordem, e os múltiplos de
sessenta (sessenta vezes sessenta) constituíam uma terceira ordem. Esta
numeração é análoga ao nosso sistema atual, diferindo apenas por ter base
sexagesimal e pelo desenho dos algarismos. A sua dificuldade era a repetição:
até o número 59, não havia signos distintos, ou seja, os símbolos que
representam os valores 1 e 10 seriam repetidos diversas vezes. Os babilônios
introduziram, então, um signo oblíquo para significar a ausência de unidades
em uma determinada casa, o primeiro zero da história.

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A Índia é o berço da numeração moderna, segundo Ifrah (1989, p. 267,


296-8). Foi no norte da Índia, por volta do século V E.C., que nasceu o
ancestral do nosso sistema moderno. Cada um dos nove primeiros números
recebeu um nome em sânscrito (língua culta hindu): eka (1), dvi (2), tri (3),
catur (4), pañca (5), sat (6), sapta (7), asta (8), nava (9). Os sábios hindus, para
simplificar e abreviar a nomenclatura dos números, suprimiram qualquer
menção aos nomes indicadores da base e das potências. Assim, foram
suprimidos o indicador de dezena (dasa), de centena (sata), do milhar
(sahasra) e assim por diante. Surgiu uma numeração oral de posição, o
primeiro número significando unidade, o segundo dezena, o terceiro centena, e
assim por diante. Quando uma das casas era igual a zero, os hindus diziam
“vazio” (sunya para os hindus, sifr para os árabes, zaphirum no Líber Abaci de
1202 de Leonardo de Pisa, que deu origem ao zefiro italiano e, finalmente, ao
zero, após 1491). Todos os ingredientes da numeração moderna foram, enfim,
criados: algarismos distintos e independentes para as unidades de 1 a 9, o
princípio da posição e o zero – um sistema eficaz, que permite a qualquer um
fazer cálculos.
Este sistema se expandiu, a partir do século VI, para fora da Índia,
inicialmente alcançando as civilizações khmer (Camboja), cham (Vietnã), e
javanesa, segundo Ifrah (id., p. 271, 276). A forma gráfica dos algarismos
hindus é que variou muito, não apenas de uma época ou região para outra,
mas também de um escriba para outro.
Os árabes serviram de intermediários entre a Índia e o Ocidente (ibid., p.
296-298). Inicialmente, se interessaram pelas numerações alfabéticas grega e
judia, cujo uso foi adaptado às 28 letras de seu próprio alfabeto. A partir do final
do século VIII, os árabes adotaram o conjunto do sistema numérico hindu, já
que mantinham relações comerciais com a Índia pelo Golfo Pérsico. Os árabes
aliaram o rigor da sistematização dos matemáticos e filósofos gregos ao
aspecto essencialmente prático da ciência hindu, trazendo progressos em
diversos campos da matemática. Os números hindus, nas mãos dos escribas
árabes, foram gradativamente sofrendo modificações gráficas, a partir do
século IX. A grafia hindu ligeiramente modificada foi difundida através das

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províncias árabes, e ainda hoje é utilizada em todos os países do Golfo


Pérsico, assim como no Egito, na Turquia, na Síria, no Afeganistão, no
Paquistão e em várias regiões da Índia muçulmana (٠ , ١ , ٢ , ٣ , ٤ , ٥ , ٦ , ٧ , ٨ , ٩ ).
Entretanto, estes algarismos hindus ligeiramente modificados, chamados pelos
árabes de algarismos hindi, não são os algarismos arábicos atualmente
utilizados.
Os algarismos arábicos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9), segundo Ifrah (id., p.
302-303, 309-310), vêm dos árabes ocidentais, que povoaram o norte da África
e uma parte da Espanha, e são denominados algarismos ghobar, palavra que
significa “poeira”, por causa da poeira fina com a qual os calculadores
costumavam salpicar suas tábuas para traçar os algarismos. Apesar das
diferenças entre os algarismos híndi e ghobar, a influência hindu é evidente em
ambos. A grafia dos árabes ocidentais atingiu a Europa medieval cristã a partir
da Espanha, no final do século X, trazida por Gerbert d’Aurillac, que se tornou
papa em 999 sob o nome de Silvestre II. Os árabes reconheceram a
superioridade da numeração vinda da Índia e a adotaram, mas a sociedade
europeia foi bastante reticente diante da novidade, utilizando os números de
forma primitiva durante mais de duzentos anos, com uma grande diversidade
de escritas. Apenas nos séculos XIII e XIV os algarismos começaram a ter uma
certa normalização e adquiriram a aparência atual. Em 1202, um grande
matemático italiano, Leonardo de Pisa (1170-1250), mais conhecido como
Fibonacci, que conheceu a África e o Oriente Próximo muçulmanos, redigiu um
trabalho chamado Líber Abaci (“Tratado do Ábaco”), que contribuiu em grande
parte para a difusão e o desenvolvimento da matemática. Com a invenção da
imprensa em 1440, a forma dos números foi fixada de acordo com protótipos
definitivamente adotados.

Tabela 2. Sistemas Numéricos


0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

٠ ١ ٢ ٣ ٤ ٥ ٦ ٧ ٨ ٩ ١ ٠
Árabe ‫ﺻِ ْ ﻔ ر‬ ‫و ا ِﺣ د‬ ‫ِا ﺛ ﻧ ﺎ ن‬ ‫َﺛ ﻼ ﺛ ﺔ‬ ‫أ رْ َ ﺑ ﻌَ ﺔ‬ ‫ﺧَ ْ ﻣ ﺳ ﺔ‬ ‫ﺳِ ﱠ ﺗ ﺔ‬ ‫ﺳَ ْ ﺑ ﻌَ ﺔ‬ ‫ﺛَﻣﺎﻧِﯾﺔ‬ ‫ﺗِ ﺳْ ﻌ ﺔ‬ ‫ﻋَ َ ﺷ ر ة‬
ṣ ifr wāḥ id ʼ iṯ nān ṯ alāṯ ä ʼ arbaʿ ä ḫ amsä sittä sabʿ ä ṯ amāniyä tisʿ ä ʿ ašarä

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‫א‬ ‫ב‬ ‫ג‬ ‫ד‬ ‫ה‬ ‫ו‬ ‫ז‬ ‫ח‬ ‫ט‬ ‫י‬
Hebrai-
éfes aẖ at shtáyim shalosh arba ẖ amesh shesh shéva shmone tésha éser
co

QVATTVO
NVLLVS VNVS DVO TRES QVINQVE SEX SEPTEM OCTO NOVEM DECEM
Latim R
nūllus ūnus duo trēs quīnque sex septem octō novem decem
quattuor

α’
δ’
ΕΙΣ heis
γ’ ΤΕΤΤΑΡΕ
(m) β’ ε’ ϛ' ζ’ η’ θ’ ι’
ΜΗΔ ΕΝ ΤΡΕΙΣ Σ
Grego ΜΙΑ mia Δ ΥΟ ΠΕΝΤΕ ΕΞ ΕΠΤΑ ΟΚΤΩ ΕΝΝΕΑ Δ ΕΚΑ
mēdén ΤΡΙΑ ΤΕΤΤΑΡΑ
(f) dúō pénte héx heptá oktṓ ennéa déka
treis tria téttares
ΕΝ en
téttara
(n)

१ ३ ४

० एकम ्(n) (n) (n) ५ ६ ७ ८ ९ १०


(n)
Sânscri- एक (m)
(m)
/ (m) (m)
to एका (f) / (f) (f) षष ् नव दश
(f)
śūnya ekam / trīṇ i / catvāri / pañca ṣ aṣ sapta aṣ ṭ a nava daśa
dve / dvai /
ekaḥ / trayaḥ / catvāraḥ /
dvā
ekā tisraḥ catasraḥ

੦ ੧ ੨ ੩ ੪ ੫ ੬ ੭ ੮ ੯ ੧੦
Hindu ਿਸਫਰ ਇੱ ਕ ਦੋ ਿਤੰ ਨ ਚਾਰ ਪੰ ਜ ਛੇ ਸੱ ਤ ਅੱ ਠ ਦਸ
sifar ikk do tinn chār pañj chhē satt aṭ ṭ h nauṃ das




一 二 三 四 五 六 七 八 きゅう 十
Sino- ゼロ
いち に さん し ご ろく しち はち kyū じゅう
Japonês zero
ichi ni san shi go roku shichi hachi く jū
れい
ku
rei

líng yī èr/liǎng sān sì wǔ liù qī bā jiǔ shí


Chinês
零 一 二 /两 三 四 五 六 七 八 九 十

Legenda: (n): neutro; (m): masculino; (f): feminino.

Bibliografia

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