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ARTIGO

ORIGINAL Sistema de Informação de Agravos de


Notificação (Sinan): desafios no desenvolvimento
de um sistema de informação em saúde

Information System for Notifiable Diseases (Sinan):


Challenges in Developing a National Health Information System

Josué Laguardia Carlos Rodrigo Lauerman


Doutorando da Escola Nacional de Secretaria de Vigilância em Saúde/
Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ Ministério da Saúde, Brasília-DF

Carla Magda Allan Domingues Eduardo Macário


Secretaria de Vigilância em Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde/
Ministério da Saúde, Brasília-DF Ministério da Saúde, Brasília-DF

Carolina Carvalho Ruth Glatt


Secretaria de Vigilância em Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde/
Ministério da Saúde, Brasília-DF Ministério da Saúde, Brasília-DF

Resumo
Neste artigo, os autores apresentam um resumo histórico do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan),
listam os principais pontos críticos presentes na concepção do sistema em DOS e apontam as contribuições mais importantes
geradas em diferentes fóruns de discussão para adequação do sistema de informações à vigilância epidemiológica. Os autores
também fazem uma reflexão crítica e aportam subsídios técnicos que constituíram os pontos de sustentação para a formulação
da nova versão do Sinan em ambiente Windows.
Palavras-chave: sistema de informação em saúde; Sinan; vigilância epidemiológica.

Summary
In this article, the authors present a brief historical outline of the Information System for Notifiable Diseases
(Sinan) describing the most relevant critical points in the formation of the system [Sinan-DOS (Disk Operating
System)] as well as the more important contributions from technical meetings and fora. The authors also complete a
critical review and identify technical reasons that support the development of the new Sinan using the Windows
operating system.
Key words: health information system; Sinan; epidemiological surveillance.

Endereço para correspondência:


Rua do Russel, 404/504, Glória, Rio de Janeiro-RJ. CEP: 22210-010
E-mail: josue_laguardia@yahoo.com.br

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2004; 13(3) : 135 - 147] 135


Sinan - desafios no desenvolvimento

Introdução tinto Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi) –


atual Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação da Saúde – como a gestora nacional do sistema.
(Sinan) foi desenvolvido no início da década de 90, A ausência de uma normalização federal propi-
tendo como objetivo a coleta e processamento dos da- ciou o desenvolvimento de sistemas de informação
dos sobre agravos de notificação em todo o território específicos para alguns agravos, cuja existência e ma-
nacional, fornecendo informações para a análise do nutenção dependiam tanto da disponibilidade de
perfil da morbidade e contribuindo, dessa forma, para recursos provenientes de organizações internacio-
a tomada de decisões nos níveis municipal, estadual e nais ou não-governamentais estrangeiras quanto do
federal.1 A concepção do Sinan foi norteada pela pa- conhecimento especifico de técnicos interessados na
dronização de conceitos de definição de caso, pela trans- compilação dos dados de notificação para análise
missão de dados a partir da organização hierárquica epidemiológica. Porém, a abrangência e o impacto
das três esferas de governo, pelo acesso à base de da- das informações geradas nesses subsistemas estava
dos necessária à análise epidemiológica e pela possibi- restrito, na sua grande maioria, à localização geo-
lidade de disseminação rápida dos dados gerados na gráfica ou nível hierárquico onde esses mesmos
rotina do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica subsistemas haviam sido desenvolvidos, compro-
do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o sistema metendo a representatividade e confiabilidade dos
deveria ser utilizado como a principal fonte de informa- dados.
ção para estudar a história natural de um agravo ou O aplicativo Sinan foi concebido, originalmente,
doença e estimar a sua magnitude como problema de para armazenar, a partir de instrumentos e códigos de
saúde na população, detectar surtos ou epidemias, bem acesso padronizados em nível nacional, as informa-
como elaborar hipóteses epidemiológicas a serem tes- ções das doenças de notificação compulsória, com
tadas em ensaios específicos. suas respectivas fichas de notificação e investigação,
A implantação do aplicativo Sinan-DOS iniciou-se sendo permitido às unidades federadas incluir notifi-
em 1993, tendo sido precedida por testes-piloto reali- cações de outros agravos, adequando o sistema ao
zados em Santa Catarina e Pernambuco. Os resultados perfil epidemiológico de populações distintas. Entre-
e observações derivados desses testes não foram tanto, ao longo dos anos, foram incluídas no Sinan
disponibilizados para todos os usuários ou registrados fichas de investigações para agravos não constantes
em documentos oficiais. Essa implantação foi realiza- da lista de notificação compulsória nacional, sem que
da de forma gradual, em virtude do caráter voluntário fossem estabelecidos critérios para essas inclusões ou
de adesão das Secretarias de Estado e Municipais de padronização dos instrumentos de coleta desses agra-
Saúde, delineando um padrão irregular, tanto no uso vos, o que acarretou uma sobrecarga de dados e, con-
dos formulários padronizados para os agravos de no- seqüentemente, problemas de operacionalização do
tificação compulsória, quanto na operação do pro- sistema. Em trabalho3 publicado no ano de 1997, fo-
grama informatizado do Sinan-DOS e análise dos da- ram apontados vários problemas relacionados ao
dos coletados. Vale ressaltar que a aleatoriedade da Sinan, tais como: ausência de clareza quanto ao obje-
adesão decorreu da inexistência de qualquer regula- tivo primário do sistema e conseqüente mau desem-
mentação oficial do Ministério da Saúde, definindo penho global; concomitância de fluxos de informa-
normas específicas sobre estabelecimento e manuten- ções (e lógicas) de diferentes naturezas – doenças
ção de um sistema de informação a ser utilizado pelos crônicas transmissíveis e não transmissíveis e doenças
Estados e Municípios para notificação dos casos de agudas transmissíveis e não transmissíveis –; gestão
doenças de notificação compulsória nacional. Somente múltipla do sistema, ou seja, cada área técnica (ou
em 1998, o uso do Sinan foi regulamentado por meio programa) sendo responsável pela sua parcela do
de portaria ministerial,2 tornando obrigatória a alimen- Sinan; limitações do programa informatizado; ausên-
tação regular da base de dados nacional pelos Muni- cia de padronização de tabelas; e a não-utilização tan-
cípios, Estados e Distrito Federal, designando a Fun- to das fichas de notificação pré-numerada quanto das
dação Nacional de Saúde (Funasa), por meio do ex- rotinas de consistência e validação dos dados.

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Concepção do Sinan: definição de adequação do sistema de informação para a vigilância


ccaso,, transmissão de dados epidemiológica em ambiente Windows (Sinan-
Windows); e refletir sobre o papel de um sistema de
hierárquica pelas três esferas de informação informatizado na vigilância de agravos de
governo,, acesso rápido à base de notificação compulsória nacional. Gostaríamos de res-
dados para análise e disseminação saltar que, ao deter-se mais especificamente sobre
da informação.. questões relativas ao aplicativo Sinan, os autores não
estão assumindo que um sistema de informação
Diante dessa situação, a Funasa constituiu, por meio informatizado se resume ao aplicativo (ou software)
da publicação do boletim de serviço,4 a Comissão de utilizado. É importante sublinhar que as críticas ao
Desenvolvimento e Aperfeiçoamento de nova versão do aplicativo Sinan não se limitavam aos problemas de
Sinan, com a missão de adequar o sistema existente às informática, mas se aplicavam, na maioria das vezes, a
demandas dos usuários, bem como desenvolver um questões concernentes à concepção e gerenciamento
novo sistema visando à ampliação da capacidade de de um sistema de informação específico para a vigi-
execução das ações de vigilância e de análise da situa- lância epidemiológica. Posto de outra maneira, o
ção nas três esferas de governo. Para melhor delinea- aplicativo Sinan-DOS atuava como um sistema sentine-
mento da proposta, participaram da comissão as áreas la, que evidenciava as “imperfeições” do sistema de
técnicas usuárias do sistema em nível nacional e o De- informação e da própria vigilância epidemiológica.
partamento de Informática do SUS (Datasus). Iniciou-
se, então, o projeto Sinan-Windows, parceria envolven- Metodologia
do o Cenepi/Funasa e o Datasus. O Cenepi responsabi-
lizar-se-ia pela elaboração do desenho do sistema sob a O presente trabalho foi realizado com base na con-
perspectiva da vigilância epidemiológica, ou seja, pa- sulta de artigos científicos, documentos técnicos, rela-
dronização de conceitos, definição de fluxo, instrumentos tórios de oficinas de trabalho, opiniões de usuários e
e relatórios gerenciais; e o Datasus, pela elaboração de vivências dos técnicos da Gerência Técnica do Sinan
programa computacional adequado aos vários níveis durante o processo de concepção e implantação das
de complexidade do Sinan. versões do Sinan-DOS e do Sinan-Windows. As opiniões
A Comissão de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento contidas nesse artigo expressam um conhecimento
considerou que os subsídios dos técnicos incorpora- construído sobre as experiências dos autores como
dos à vigilância epidemiológica, em nível estadual e mu- coordenadores de discussões técnicas com profissio-
nicipal, bem como de profissionais de referência per- nais da Funasa e das Secretarias de Estado e Munici-
tencentes às instituições acadêmicas da área de Saúde pais de Saúde, ou participando de reuniões e seminá-
Pública, muito contribuiriam com o processo de elabo- rios sobre sistemas de informação em saúde e/ou vigi-
ração da proposta. Formou-se um grupo específico para lância epidemiológica. O olhar crítico dos autores so-
discussão dessa temática na “Oficina de Trabalho de bre o seu processo do trabalho reflete-se no artigo aqui
Reformulação do Sinan”, em setembro de 1998. O re- apresentado, que retrata a sua própria experiência na
latório final dessa oficina5 norteou a padronização de estruturação de um sistema de informação e
conceitos, definição de fluxo e concepção de formulá- descentralização das ações de vigilância epidemiológica
rios para coleta de informações a partir de um diagnós- que possa acolher as novas demandas institucionais de-
tico da situação do Sinan-DOS na rede pública. finidas pelas normas reguladoras do SUS.
O objetivo do presente artigo é discutir os pontos
críticos levantados pelos pesquisadores e usuários do Resultados
aplicativo Sinan-DOS em diferentes fóruns, além das
experiências pessoais dos autores como participantes Aspectos críticos do
da equipe de trabalho da gerência técnica do Sinan e Sinan para ambiente DOS
da Comissão de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento, As discussões com técnicos dos três níveis de ge-
as principais questões que nortearam a concepção e rência do Sinan (Secretarias de Estado e Municipais

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de Saúde e Cenepi), em diversos fóruns técnicos, ser- Tal somatório de ausências imputava ao Sinan-
viram de base para apontar os principais pontos críti- DOS a tarefa de responder a diversas demandas de
cos na concepção do Sinan-DOS. informação que transcendiam o seu propósito origi-
nal, sobrecarregando o sistema e, conseqüentemen-
Instrumentos de coleta te, reduzindo a sua eficiência.
A construção dos formulários para o preenchi-
mento com os dados de investigação epidemiológica Tipos de agravos
dos agravos de notificação do Sinan-DOS não se ba- incorporados ao Sinan-DOS
seou em critérios pré-definidos. Não foram estabelecidas A inclusão pelo sistema de novos agravos
as orientações de seleção das variáveis a serem incluí- transmissíveis e não-transmissíveis, agudos e crôni-
das nos instrumentos de coleta, necessárias para a to- cos, não exigia o cumprimento de requisitos, princi-
mada de decisão acerca das medidas a serem executa- palmente no que tange à obrigatoriedade da notifica-
das, bem como para a construção do conhecimento ção (notificação compulsória) nacional, à periodici-
epidemiológico do agravo na população. Isso gerou dade do fluxo e à universalidade da notificação.6 A
um volume expressivo de campos nas fichas de investi- simples inclusão no Sinan-DOS de alguns agravos es-
gação dos agravos, fazendo com que muitos desses cam- pecíficos também não garantia que esses casos fos-
pos – e suas respectivas variáveis nas bases de dados sem notificados, tampouco que esses dados fossem
do Sinan-DOS – não fossem preenchidos, ou que fos- de qualidade confiável. Por essa razão, em 1998, o
sem substituídos pela categoria “Sem informação”. Cenepi reuniu um grupo de peritos com a missão de
definir os critérios que norteariam a revisão da lista de
agravos para constituição da Lista Brasileira de Doen-
Em 1998, o então Centro Nacional ças de Notificação Compulsória (LDNC).7
de Epidemiologia reuniu um grupo
de peritos para definir os critérios Qualidade dos dados
da Lista Brasileira de Doenças de coletados no Sinan-DOS
O que havia de comum entre os usuários do
Notificação Compulsória.
Sinan-DOS era a constatação de que, em maior ou
menor grau, a qualidade dos dados gerados por esse
A despeito da carência de estudos qualitativos
subsistema era insatisfatória quanto às exigências mí-
e quantitativos de avaliação do Sinan-DOS, é possível
nimas de confiabilidade. Entre os problemas detecta-
indicar alguns fatores que teriam potencializado essa
dos e que poderiam comprometer a qualidade dos
sobrecarga de variáveis nas fichas de investigação de
dados, podemos citar:
agravos: a) inclusão de campos para coleta de dados
sobre determinados agravos e sua distribuição na po- a) Duplicidade de registros
pulação, que poderiam ser obtidos de maneira mais Apesar da existência, no Sinan-DOS, de rotina de
eficiente e com maior qualidade mediante métodos pesquisa de duplicidades, esse procedimento não
alternativos à vigilância tradicional, a exemplo dos es- era executado com a devida freqüência pelos usu-
tudos epidemiológicos de base populacional ou siste- ários do sistema, nos seus diversos níveis
mas de vigilância sentinela; b) ausência de um sistema informatizados, provocando um efeito de “bola de
de informação laboratorial informatizado que forne- neve” sobre o crescimento do número de regis-
cesse os dados referentes à confirmação ou descarte tros, que aumentava na medida em que registros
de casos, bem como avaliação da oportunidade da duplicados não eram excluídos em um dado nível,
coleta e da viabilidade das amostras; c) ausência de senão enviados para os níveis superiores.
sistema para acompanhamento do tratamento de pa- Tampouco havia qualquer orientação técnica para
cientes com tuberculose ou hanseníase, acarretando operacionalização do sistema nas situações de
a inclusão desse módulo no Sinan-DOS; e d) falta de notificação de um caso por um Município, quan-
integração com sistemas de informação de avaliação do a investigação e confirmação eram realizadas
da atenção médica dispensada. em outro Município que já notificara o mesmo caso.

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Essa situação, aparentemente corriqueira, podia Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
gerar discrepâncias no consolidado estadual dos tística (IBGE). Além disso, a falta de padronização
casos notificados, se ambos os Municípios consi- das variáveis de identificação da fonte notificante e
derassem como “seu” o mesmo caso. de tratamento, dos códigos de ocupação, grau de
Entre os pacientes notificados com tuberculose ou instrução e raça/cor, bem como a heterogeneidade
hanseníase, por exemplo, a ausência de definição nas categorias utilizadas em diversos campos da
de normas para o manejo desses pacientes que ficha e na definição dos critérios de confirmação
entravam mais de uma vez no sistema – seja pelo de caso, implicavam a perda de comparabilidade
retorno após abandono de tratamento, recidiva ou entre os diversos subsistemas. Ao mesmo tempo,
transferência de unidade de saúde –, bem como a essa ausência de padronização limitava a
inexistência de rotinas informatizadas para interoperabilidade entre o Sinan-DOS e os demais
operacionalização desses registros, gerou um vo- sistemas de informação de interesse para a Saúde.
lume significativo de registros listados como
c) Críticas de consistência
duplicidades. Esses registros foram definidos como
A inexistência de rotinas informatizadas que reali-
duplos registros, de forma a diferenciá-los das
zassem a crítica de validação dos dados entre cam-
duplicidades (paciente notificado mais de uma vez,
pos essenciais dos diversos agravos, do preenchi-
pela mesma unidade de saúde, ao longo do mes-
mento automático de determinados campos – des-
mo tratamento).8
de que atendidas determinadas condições –, ou
A definição e elaboração das rotinas para
que alertassem o digitador no momento da entrada
vinculação dos duplos registros, decorrentes da
de dados, dificultavam a detecção de inconsistênci-
transferência de pacientes entre as unidades de
as nas bases de dados e comprometiam, conseqüen-
saúde, nas versões mais atuais do Sinan-DOS, não
temente, as análises epidemiológicas.
resultaram, necessariamente, na redução do nú-
mero desses casos no sistema. O fato deveu-se tan- d) Capacitação técnica dos profissionais da vi-
to ao baixo grau de automatismo na execução da gilância epidemiológica
rotina de vinculação quanto à exigência de famili- A possibilidade de avaliar criticamente a qualida-
aridade com conceitos específicos dos programas de e os problemas presentes nas bases de dados
de controle da tuberculose e hanseníase, impli- do Sinan-DOS estava comprometida pela ausência
cando a atuação conjunta dos técnicos de cada de uma política de capacitação técnica dos profis-
programa na gerência de informação. Trata-se de sionais de saúde, dos diversos níveis de gestão,
uma situação ilustrativa do que se observava nos para gerenciamento e análise de dados
diversos níveis hierárquicos do sistema de infor- epidemiológicos oriundos dos subsistemas de in-
mação em saúde, onde uma atuação quase inde- formação informatizados do Ministério da Saúde.
pendente do setor responsável pela gestão dos sis- Acrescente-se a isso uma indefinição quanto às
temas de informação das áreas técnicas dos agra- atribuições das áreas técnicas e um número redu-
vos específicos, com respeito aos dados e informa- zido de profissionais disponíveis para o desempe-
ções geradas pelo Sinan-DOS, fomentava uma nho de todas as atividades relativas à vigilância e
indefinição das atribuições de cada área e a exe- gerência dos programas de controle dos agravos,
cução de ações limitadas e pouco eficientes de ava- além das conseqüências de uma restrição de al-
liação e correção das inconsistências das bases de cance das medidas destinadas ao aprimoramento
dados. da qualidade da informação da vigilância. Torna-
b) Padronização se mais difícil intervir em um sistema de informa-
Ausência de padronização das tabelas do sistema ção se não são conhecidos, por exemplo, os erros
informatizado, o que levava a situações como a de de preenchimento mais freqüentes ou as unida-
uma mesma unidade de saúde ser cadastrada com des que apresentam dificuldades para notificar/
códigos distintos; ou Municípios serem cadastra- investigar casos ou enviar as informações para o
dos com códigos diferentes daqueles definidos pela nível imediatamente superior.

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Programa informatizado ção da transferência. Esse procedimento requeria uma


A manutenção de um sistema de informação habilidade no uso de aplicativos de gerenciamento de
informatizado impõe a geração periódica de versões bancos de dados por parte dos profissionais respon-
para correção de erros detectados (os chamados bugs) sáveis pela gerência dos sistemas de informação. Ha-
ou alteração/inclusão de campos que atendam a uma via o risco de defasagem entre duas bases de dados,
mudança na definição de caso. Entretanto, para que se pois não era possível saber qual o registro danificado
tenha um menor número de erros de programação, é que havia sido excluído, e se ele já havia sido transfe-
necessário que se realizem testes de campo utilizando rido anteriormente. Além disso, era possível que o ní-
uma rede de avaliadores nos diversos níveis de gerên- vel imediatamente superior recebesse os lotes de trans-
cia do sistema, garantindo, dessa forma, ajustes prévios ferência sem que houvesse qualquer crítica com res-
à disseminação dessas novas versões. A ausência dessa peito ao número seqüencial do lote recebido anteri-
prática com relação a algumas versões do Sinan-DOS ormente. O Sinan-DOS não gerava relatórios gerenciais
acarretou, em certas ocasiões, um comprometimento de transferência que permitissem o acompanhamen-
da base de dados existente ou problemas na inclusão to do número de casos enviados e recebidos por cada
de novos casos, além da desconfiança e receio dos usu- nível hierárquico.
ários com respeito às novas versões. Problemas com a
disseminação de novas versões entre os usuários do
Sinan-DOS levaram a situações em que sistemas de in-
A reformulação do Sinan partiu dos
formação operavam, simultaneamente, com versões processos de um sistema de
desatualizadas, por vezes tornando impossível o recebi- informação e da padronização dos
mento dos dados para atualização da base de dados instrumentos de coleta de dados,
nacional. Além disso, como cada nova versão tinha a até a definição de saídas e ao
finalidade de corrigir problemas detectados na versão
anterior, na medida em que o Município seguia utilizan-
desenvol vimento do aplicativoo.
do uma versão desatualizada, os problemas detectados
Dada a obsolescência da linguagem de pro-
não eram corrigidos, gerando bancos com dados defa-
sados ou incorretos. gramação utilizada no Sinan-DOS, houve restrição à
A identificação de um caso no sistema infor- inclusão ou adequação de rotinas que possibilitassem
matizado Sinan-DOS era feita pelo número do Municí- uma melhor gestão dos sistemas e análise dos dados
pelos usuários. Exemplos de problemas causados por
pio de atendimento e pelo número da notificação. Caso
o sistema fosse implantado sem o uso da ficha de no- essa limitação foram a emissão de relatórios de confe-
tificação pré-numerada e ocorresse a digitação de dois rência e a listagem dos casos duplicados. O Sinan-
casos com o mesmo número de notificação e o mes- DOS só permitia a impressão desses relatórios, impe-
mo Município de atendimento, porém em computa- dindo que fossem salvos em formato compatível para
dores distintos, isso acarretaria sobreposição das fi- uso em outros aplicativos.
chas de notificação e aparecimento de fichas de inves-
tigação sem a ficha de notificação correspondente, Do Sinan-DOS para o Sinan-Windows
após o recebimento dos dados no nível imediatamen- Partindo de um diagnóstico da situação do Sinan-
te superior. DOS e ciente das etapas a serem cumpridas para o
As transferências dos arquivos para os níveis desenvolvimento da versão piloto do Sinan-Windows,
imediatamente superiores eram feitas em arquivos se- iniciou-se o trabalho de reformulação do Sinan to-
parados, o que exigia um controle mais estrito dos mando como ponto de partida os processos envolvi-
arquivos gerados por essa rotina, seja na nomeação dos em um sistema de informação, remodelação e
ou na compactação e envio dos arquivos. Para que padronização dos instrumentos de coleta de dados,
houvesse recebimento dos dados do Sinan-DOS, era até a definição das saídas padronizadas e ao desenvol-
necessária a detecção e exclusão dos registros danifi- vimento do aplicativo. Para fortalecer a descen-
cados, que deveria ser realizada previamente à execu- tralização do Sinan, considerando que a formação de

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agentes multiplicadores aceleraria o processo para a atendimento; dados de laboratório; tratamento; e con-
constituição de suporte técnico nos níveis municipal, clusão. Os critérios estabelecidos para permanência
regional e estadual e capacitação dos usuários, a ge- ou inclusão/exclusão de campos na ficha de investiga-
rência técnica do sistema e o Datasus desenvolveram ção de caso basearam-se na definição e confirmação
um material de treinamento dos profissionais da vigi- de caso e na construção de indicadores relevantes ao
lância epidemiológica. Esse material contemplava um monitoramento do agravo nos diversos níveis. O su-
plano de aula e um roteiro de exercícios com as roti- cesso dessa iniciativa foi limitado, por duas razões: de
nas de digitação dos casos, crítica e geração de relató- um lado, o fato de algumas doenças agudas estarem
rios, assim como recomendações sobre o em plano de erradicação ou eliminação, o que exigiu
gerenciamento do sistema nos diversos níveis. Elabo- um maior número de dados; e por outro lado, a insis-
rou-se uma minuta de portaria ministerial específica tência de algumas áreas técnicas de que todas as vari-
para o Sinan, atendendo à necessidade de regulamen- áveis presentes seriam de suma importância, embora,
tação dos aspectos operacionais do sistema de infor- nem sempre, fosse possível definir, por parte desses
mação para a vigilância de agravos de notificação com- mesmos técnicos, quais informações poderiam ser ge-
pulsória. radas a partir dessas variáveis.
Em seguida, detalharemos algumas questões rela- Estipularam-se as variáveis relevantes para cada
tivas ao processo de reestruturação do Sinan-Windows, um dos três níveis – municipal, estadual e federal –,
seja pelo seu aspecto inovador, seja pelas implicações assumindo-se a importância de se organizar a produ-
na qualidade e desempenho de um sistema de infor- ção de informações compatíveis com as necessidades
mação em saúde informatizado. dos diferentes níveis de gestão e gerência do sistema
de informação epidemiológica. Para tal, foi proposto
Instrumentos de coleta aos técnicos do Datasus que o aplicativo Sinan -
As fichas de notificação e investigação foram Windows discriminasse, no momento da transferên-
modificadas para a inclusão dos campos raça/cor, nú- cia dos dados e segundo critérios pré-definidos, as
mero do cartão SUS, escolaridade (em anos de estu- variáveis a serem enviadas para o nível imediatamente
do), ocupação e ramo da atividade econômica, aten- superior. Entretanto, a recomendação dessa rotina
dendo às recomendações da Rede Interagencial para não foi implementada no aplicativo, apesar de ser de
a Saúde (Ripsa) para compatibilização de sistemas de suma importância para que o volume da base estadual
informação em saúde de base nacional, conforme re- ou nacional não fosse sobrecarregado.
gulamentado por portaria ministerial.9 As novas fichas de notificação e investigação
A revisão das fichas de investigação de caso dos agravos incluídos no Sinan -Windows foram
ficou restrita aos agravos presentes na Lista Brasileira disponibilizadas no formato Adobe Acrobat Reader®,
de Doenças de Notificação Compulsória Nacional4 e a fim de torná-las compatíveis com outros softwares,
àqueles mencionados nas Listas de Doenças de Notifi- facilitando tanto a sua disseminação quanto a sua im-
cação Compulsória Estadual publicadas em diário ofi- pressão gráfica em larga escala e sem o uso de fotolitos.
cial da unidade federada; e aos agravos aprovados
pela Comissão de Desenvolvimento do Sinan , de Notificação de surtos epidêmicos
acompanhamento de interesse nacional, apesar de A inclusão do módulo de notificação de surtos
estes últimos não serem de notificação compulsória. epidêmicos no Sinan-Windows significou um avanço
As fichas de investigação foram padronizadas a na concepção tradicional de sistemas de informação
partir de discussões com os técnicos de cada área para vigilância epidemiológica no Brasil, porque am-
técnica do Cenepi e do Ministério da Saúde, responsá- pliou o escopo dos agravos notificáveis, permitindo
veis pela vigilância dos agravos de notificação com- que mesmo os quadros clínicos sem diagnóstico
pulsória nacional, sendo posteriormente encaminha- confirmado pudessem ser comunicados mediante no-
das às Secretarias de Estado da Saúde para avaliação e tificação sindrômica. Consideraram-se como passíveis
validação das modificações. Os campos das fichas de de notificação de surto no Sinan: a) os agravos inusi-
investigação de caso foram dispostos nos seguintes tados de ao menos dois casos, possivelmente vincula-
grupos: antecedentes epidemiológicos; dados clínicos; dos, sendo a sua notificação realizada por intermédio

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Sinan - desafios no desenvolvimento

da abordagem sindrômica e suas categorias – críticas de usuários que viam, nessa estratégia, uma
diarréica aguda, síndrome ictérica aguda, febre dificuldade na geração de tabulações, pois o uso do
hemorrágica aguda, respiratória aguda, neurológica aplicativo exigia um treinamento específico. Contudo,
aguda, insuficiência renal aguda e outras síndromes; o esforço inicial era compensado pela ampliação dos
b) os casos agregados, constituindo uma situação recursos disponíveis para análise e superava qualquer
epidêmica, das doenças que não constam da Lista de expectativa de um módulo de análise que pudesse ser
Doenças de Notificação Compulsória; c) os casos agre- desenvolvido no Sinan. A inclusão de alguns relatóri-
gados das doenças que constam da LDNC, quando o os de tabulação de dados para agravos específicos
volume de notificações possa comprometer o desem- apresentou-se como alternativa às limitações do
penho do sistema de informação nas ações de regis- Tabwin, e, também, como uma tentativa de atender às
tro individualizado dos casos. demandas específicas das gerências técnicas. As ge-
Estipulou-se que a notificação de surtos de agra- rências técnicas solicitaram a inclusão de saídas pré-
vos que constam da LDNC deverá ser acordada entre definidas para geração de tabulações, com recorte
os três níveis de governo, tanto para o início da notifi- temporal e geográfico e discriminação entre casos no-
cação agregada de casos quanto para o seu término. tificados e casos residentes, permitindo uma avaliação
Pelo menos 10% dos casos que constam da LDNC geral das atividades de vigilância de alguns programas
deverão ser investigados e cadastrados no Sinan, utili- de controle de agravos.
zando-se o módulo de notificação individual, além de
serem coletadas e processadas amostras biológicas Migração da base de dados
para esses casos notificados individualmente. Como parte do processo de preparação das
bases de dados do Sinan-DOS para migração ao Sinan-
Críticas de consistência
Windows, foram construídos dicionários de migração
As rotinas informatizadas para críticas de con-
orientadores do usuário sobre as características das
sistência e geração dos respectivos relatórios no Sinan-
variáveis migradas. Algumas áreas técnicas do Minis-
Windows, para cada agravo específico, foram defini-
tério da Saúde desenvolveram rotinas padronizadas
das pelas gerências técnicas da Coordenação de Vigi-
no Epi-Info 6.04c (arquivos executáveis, .pgm), que
lância Epidemiológica do Cenepi e da antiga Secreta-
levassem em conta as principais críticas, para serem
ria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde. Tal
iniciativa objetivava diminuir o número de inconsis- realizadas no momento da migração. Entretanto, a
tências presentes na notificação e confirmação dos aplicação mais extensiva de tais recursos esteve com-
casos, como, por exemplo, a data de notificação ante- prometida pelo desconhecimento no uso do Epi-Info
rior à data do início dos sintomas ou mesmo à data do por várias coordenações e áreas técnicas de vigilância
diagnóstico. Foram elaborados, para cada agravo es- epidemiológica das Secretarias de Estado e Munici-
pecífico, dicionários de dados contendo a listagem pais de Saúde.
das variáveis do banco de dados do Sinan-Windows,
para informar os usuários do sistema acerca das ca- O Sinan incorporou o aplicativo
racterísticas dessas variáveis – nome, extensão, tipo
(caráter, numérica ou data), rotina/crítica de consis- T win, que permite a tabulação
tência relacionada –, facilitando o uso dessas bases rápida de duas variáveis e a
de dados nas análises estatísticas, mediante a utiliza- apresentação dos resultados em
ção de outros aplicativos de domínio público ou não. mapas e gráficos.
Análise de dados e relatórios de saída
No sentido de ampliar os recursos para análise A ausência de rotinas de revisão e correção de
dos dados do Sinan , incorporou-se o aplicativo registros inconsistentes se fez notar, sobretudo no
Tabwin, programa computacional desenvolvido pelo momento de migração da base de dados do Sinan-
Datasus, que permite a tabulação rápida de duas vari- DOS para o Sinan-Windows. Foram importados ape-
áveis quaisquer do sistema, além da apresentação dos nas os casos cujas variáveis não apresentavam incon-
resultados em gráficos e mapas. Essa opção foi alvo de sistência, seja em relação às variáveis consideradas

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Josué Laguardia e colaboradores

como chaves para identificação do caso no Sinan- Entre os avanços alcançados na versão 4.3 do
Windows (número da notificação, data da notificação, Sinan-Windows, em comparação ao Sinan-DOS, po-
Município de atendimento e unidade de saúde de aten- demos relacionar como os mais importantes:
dimento), seja em relação àquelas variáveis definidas • Ampliação das chaves do sistema.
como campo de preenchimento obrigatório, ou ain- • Inclusão das notificações dos agravos agudos e
da àquelas cujas críticas foram introduzidas na entra- crônicos em um único banco de dados; e geração
da de dados. de arquivos separados para os dados de investiga-
O relatório de inconsistência da importação ção de cada agravo.
tornava possível identificar quais os casos que não • Aprimoramento das rotinas de duplicidade, con-
haviam migrado e o motivo da recusa, possibilitando, sulta, transferência e recebimento, tornando-as
dessa forma, que o usuário corrigisse a base de dados mais adequadas às demandas dos usuários.
no Sinan-DOS para que, posteriormente, a rotina de • Otimização da rotina de vinculação dos registros
importação fosse refeita e esses casos incluídos na de tuberculose e hanseníase com mais de uma
base de dados do Sinan-Windows. entrada no sistema.
Desenvolvimento do aplicativo • Inclusão de saídas padronizadas para construção
Quanto ao desenvolvimento do aplicativo na de indicadores dos agravos (cólera, coqueluche,
nova plataforma Windows, essa atribuição foi delega- doença exantemática, difteria, hanseníase, paralisia
da aos técnicos do Datasus, haja vista que, até aquele flácida aguda, raiva humana, síndrome da rubéola
momento, o Sinan-DOS fora concebido e desenvolvi- congênita, tétano acidental e neonatal e tuberculose).
do por técnicos do Cenepi. Porém, o Sinan-DOS apre- • Interface com o Tabwin.
sentava particularidades que o distinguiam dos siste- • Possibilidade de identificação das principais in-
mas de informação desenvolvidos e gerenciados pelo consistências na base de dados.
Datasus. Distinto de outros sistemas estatais, o Sinan- • Rotina de conferência mais otimizada, com a pos-
DOS não atendia às características de um sistema ver- sibilidade de o produto dessa avaliação ser salvo
tical, no qual a padronização é alcançada por meio de em outros aplicativos.
controle financeiro ou decreto burocrático, a análise • Inclusão de rotina para descentralização da base
dos dados é realizada de maneira distante, física e fun- de dados.
cionalmente, pelo provedor dos dados, implicando
conflitos de interesses, e onde a validação da informa- Discussão
ção é cara, difícil e demorada. Outras características
Moraes & Santos10 assinalam que as mudanças
que o distinguiam dos demais subsistemas eram a
estruturais ocorridas nas últimas décadas no setor
extensão e os graus de complexidade da rede de uni-
Saúde exigiram uma busca por novos modelos
dades notificadoras; e a demanda por informações
específicas, que variavam nos seus diversos níveis: uni- assistenciais e de informação, capazes de atender às
dade de saúde, distrito sanitário, Município, regional normas e regulamentos definidos para o SUS, e de dar
de saúde, Secretaria de Estado da Saúde, regional da respostas às exigências da população. Se, por um lado,
Funasa, nível federal. Em decorrência disso, o que se observou-se um aumento na demanda por sistemas
pôde observar, algumas vezes, foi o fator de desco- informatizados que oferecessem informações sistema-
nhecimento acerca das especificidades de um sistema tizadas e oportunas sobre as condições de saúde da
de informação epidemiológica e, conseqüentemente, população, constatou-se, por outro lado, que as coor-
um maior dispêndio de tempo e dificuldades no acer- denações na área de gerência de informações, nos
to entre as demandas das áreas técnicas e a elabora- diversos níveis de gestão do sistema de saúde, ainda
ção de rotinas informatizadas. Outras vezes, a solução apresentam um grau de desenvolvimento inadequado
para um determinado aspecto do sistema dependia, às suas necessidades e responsabilidades.
tão-somente, da formulação de normas específicas Há insuficiência de recursos humanos qualifica-
para gestão do sistema de informação. dos e de equipamentos compatíveis para apoiar o

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Sinan - desafios no desenvolvimento

processo de implementação e gerenciamento dos sis- e atualização dessas bases e de duplicidade dos regis-
temas de informação em saúde. Além disso, em várias tros, entre outras alternativas possíveis, ainda depen-
esferas da administração pública, é mantida uma polí- de de decisões políticas quanto às prioridades assina-
tica de formulação e desenvolvimento de sistemas de ladas para a informação em saúde e aos investimento
informação não compartilhados, com pouca ou ne- na rede física e na capacitação dos profissionais do
nhuma articulação entre si. No caso específico do sistema. Conforme destaca Almeida,14 o avanço da
Sinan-DOS, essa situação impediu sua integração com descentralização da produção das informações em
os sistemas informatizados do Ministério da Saúde saúde tende a provocar mudanças no papel atribuído
[Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); aos usuários do sistema de informação nos níveis fe-
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc); deral e estadual, que devem assumir a condução de
Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS); Sis- atividades relativas à gerência do sistema de informa-
tema de Informações de Controle Logístico de Medi- ção e suporte técnico aos Municípios. Vale ressaltar
camentos (Siclom); e Sistema de Controle de Exames que, apesar de toda a inovação tecnológica a ser in-
Laboratoriais (Siscel)], impossibilitando a corporada ao sistema de informação, da padroniza-
implementação de rotinas de busca de casos presen- ção das rotinas e dos incentivos financeiros que se
tes ou não nesses sistemas. Se essa integração fosse possam garantir aos Estados e Municípios, para que
uma realidade, ela permitiria tanto o aumento na sen- seja implementado e ampliado o uso do Sinan, nada
sibilidade do Sinan quanto o resgate e agrupamento, disso é sustentável sem uma política de gestão da in-
para análises epidemiológicas mais específicas, de va- formação e sem a capacitação técnica do profissional
riáveis relativas aos pacientes cujos dados estão pre- de saúde. A valorização do papel da informação
sentes em vários desses sistemas. Um dos ganhos epidemiológica na definição das políticas públicas da
advindos da integração das bases de dados é a corre- Saúde se reflete, diretamente, na qualidade dos siste-
ção para a subnotificação, conforme ilustrado nos mas de informação, tornando-os importantes instru-
estudos para sub-registro de casos de aids em Belo mentos dos processos de planejamento, tomada de
Horizonte11 e no Rio de Janeiro.12 O mesmo pode ser decisões e atuação nos seus distintos níveis de compe-
inferido para os casos de tuberculose, em que os pa- tência, em consonância com os pressupostos do setor.
cientes são notificados no Sinan e os procedimentos
de diagnóstico e acompanhamento dos tratamentos
Apesar da inovação tecnológica, da
realizados na rede pública ou conveniada ao SUS são
registrados nos sistemas de informação ambulatorial padronização de rotinas e dos
(SIA-SUS) e hospitalar (SIH-SUS); além do incentivos financeiros, um sistema
cadastramento desses pacientes nas áreas de cober- de informação em saúde não se
tura do Programa de Saúde da Família (PSF), no Siste- sustenta sem políticas de gestão da
ma de Informação da Atenção Básica (SIAB). A sua
integração permitiria a constituição das coortes de tra-
informação e sem a capacitação dos
tamento da tuberculose, eximindo o Sinan dessa atri- seus profissionais.
buição e resultando em ganho na abrangência e
confiabilidade da informação sobre o resultado de Os avanços técnicos alcançados pelo sistema de
tratamento. É de se esperar que o Sistema Cartão Naci- saúde na informatização e disponibilidade das suas
onal de Saúde (SCNS) atenda às demandas de bases de dados pela internet não foram sucedidos por
otimização do sistema de informação em saúde por discussões técnicas mais aprofundadas, que pudes-
meio da integração das fontes de dados de atendi- sem orientar os gestores do sistema de informação
mentos realizados pelo sistema de saúde.13 quanto aos aspectos estratégicos do manejo da infor-
A utilização dos recursos da internet para constru- mação disseminada pela rede. Esses aspectos
ção de sistemas de informação informatizados com incluiriam a integralidade da informação, a privaci-
bases de dados acessíveis aos usuários em qualquer dade e confidencialidade dos dados, o grau de desa-
parte deste país, solucionando os problemas de envio gregação desses mesmos dados, o acesso diferencia-

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do segundo o perfil do usuário, a disponibilidade de para o desenvolvimento do SIS que aponte os proble-
bases de dados para pesquisadores, entre outros. mas, tanto os razoavelmente estruturados quanto os
O resgate de um histórico da implantação e não estruturados; c) a diversidade de modelos a se-
implementação do Sinan-DOS, com seus sucessos e rem usados, segundo as características das demandas
desencontros, proporcionou aos autores a oportuni- de informação; d) o papel fundamental do usuário na
dade de refletir criticamente sobre o desenrolar do implementação de sistemas de informação; e e) o fe-
processo de formulação de um sistema de informa- nômeno de descongelamento-movimento-reconge-
ção para a vigilância epidemiológica. Aos que preten- lamento que caracteriza os processos de mudança de
dem se aventurar no desenvolvimento de um sistema um sistema de informação.
de informação, deve-se sublinhar que não existe um Finalmente, há que se destacar a necessidade da
“mapa da mina” que indique todos os passos a serem realização de avaliações ao longo de todo o processo
realizados para alcançar o sucesso desejado. Entre- de implementação de um sistema de informação
tanto, algumas questões podem ser apontadas na for- informatizado. Como ressalta Wyatt & Wyatt,17 dificilmente
mulação de um sistema de informação. acerta-se na primeira versão de um sistema. Rodadas
Como princípio básico para o desenvolvimento de sucessivas de protótipos, avaliações, retroalimentação
um sistema de informação, deve-se ter sempre em dos resultados e revisões por parte da equipe respon-
mente que não é possível atender a todas as deman- sável pelo seu desenvolvimento são necessárias.
das. Há que priorizá-las, desde que mantidas na pers- A ausência de avaliações formativas nos processos
pectiva do objetivo principal do sistema. É importante iniciais de desenvolvimento do Sinan impõe a neces-
contrapor os possíveis ganhos, decorrentes de uma sária e urgente realização de avaliações somativas que
maior sofisticação de rotinas e procedimentos em um orientem os profissionais envolvidos – direta e indire-
sistema de informação informatizado, com os custos tamente – com o Sinan, quanto aos ajustes e corre-
obtidos na operacionalização e gerenciamento desse ções a serem realizados, aos aspectos positivos e ne-
sistema. Embora as discussões teóricas sobre siste- gativos da sua implementação e ao seu impacto nos
mas de informação resumam-se, na sua grande maio- processos de trabalho da vigilância epidemiológica.
ria, aos pressupostos básicos dos sistemas de infor- As incertezas sobre o que se espera e o que se
mação em saúde, vale atentar para as recomenda- obtém do desenvolvimento de um sistema de informa-
ções15 formuladas nesses documentos, pois elas reve- ção podem ser resumidas, grosso modo, em uma va-
lam questões já discutidas e experiências similares riação da Lei de Finagle,18 segundo a qual “a infor-
vivenciadas por outros grupos, evitando-se a tentação mação que você tem não é a que você quer, a infor-
– e risco – de “reinventar a roda”. Os profissionais mação que você quer não é a de que você necessi-
envolvidos na formulação de um novo sistema de in- ta, a informação de que você necessita não é a que
formação devem avaliar se a informação a ser coleta- você pode obter e a informação que você pode ob-
da por esse sistema pode ser obtida mediante a ado- ter custa mais do que você quer pagar”.
ção de outro sistema já existente, prevenindo-se a Ao refletir sobre a experiência passada do Sinan-
duplicidade de ações e, conseqüentemente, informa- DOS, seus erros e acertos, e após abrir um canal de
ções equivocadas ou sem poder de comparabilidade. comunicação com os usuários dos mais diversos
Esses profissionais devem estar cientes de que fatores matizes e hierarquias para sugestões, críticas (qual-
políticos, econômicos e sociais presentes no contexto quer semelhança com a figura do ombudsman não
institucional onde se desenvolve esse novo sistema é mera coincidência) e participação nos testes-pi-
poderão determinar tanto os limites e potencialidades loto das versões do Sinan-Windows, os autores ti-
quanto abreviar ou estender a sua vida útil. nham a intenção de quebrar o círculo vicioso im-
Pontos importantes sobre a formulação de siste- posto pela Lei de Finagle. Ademais, essa lei faz-nos
mas de informação foram assinalados por Carvalho & recordar que um sistema de informação encontra-
Eduardo:16 a) a competência técnica da equipe de de- se em permanente evolução e a sua experiência
senvolvimento do sistema de informação em saúde (SIS) demarca os novos rumos e as modificações a se-
e sua visão de sustentação da organização; b) a tecnologia rem tomadas. Sem dúvida, uma das maiores qua-

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Sinan - desafios no desenvolvimento

lidades de qualquer sistema de informação que se mos- Acreditamos que o grande obstáculo ao sucesso de
tre eficiente é a sua capacidade de adaptação e adequa- qualquer sistema de informação para a vigilância
ção às novas demandas, sem perda de agilidade ou epidemiológica encontra-se na ilusão de que a solução
oportunidade na disponibilidade da informação. O de- de grande parte dos problemas pode ser garantida pela
senvolvimento do Sinan-Windows inaugura uma nova utilização dos recursos da informática, passando para se-
etapa na formulação e gerenciamento de sistemas de gundo plano, em importância, a definição das normas
informação em vigilância epidemiológica, caracteriza- operacionais de um sistema de informação, os investimentos
da por um maior intercâmbio entre as diferentes ins- em recursos materiais e humanos e, fundamentalmente, o
tâncias responsáveis pela gestão da informação, em to- estabelecimento de uma política de gestão e disseminação
dos os níveis do sistema de saúde, e por uma participa- da informação. Quando isso acontece, corre-se o risco de
ção mais efetiva do usuário. dar um salto para o futuro tropeçando no passado.

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