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A
Apresenta-se o entretenimento como o uso do lúdico no espa-
ço noticioso, para, em seguida, mostrar como o gênero pode
auxiliar na inserção de dados informativos em programas fic-
princípio, pensar em obter infor-
cionais, levantando a discussão de questões políticas e sociais. mação quando se assiste a uma tele-
Palavras-chave: entretenimento, informação, ficção seriada, novela, filme, série ou qualquer outro gênero
narrativa.
ficcional na televisão não parece ser muito
¿El entretenimiento que informa o la información que entre- prudente. O olhar sobre esse tipo de produ-
tiene? Noticias, entretenimiento mediático e infotenimiento ção tende, por força de tradição, a enquadrá-
Resumen: El concepto de infotenimiento se viene empleando en
los estudios de Comunicación para definir la mezcla de infor- lo como lazer ou distração, espécie fantasiosa
mación y entretenimiento, destacándose la presencia de elemen- ou imaginativa de representação da realida-
tos lúdicos en la transmisión de noticias. En este texto, se destaca
la presencia de informaciones factuales en la ficción seriada tele-
de. Informar-se, no sentido estrito, teria mais
visiva. Se presenta el infotenimiento como el uso de lo lúdico en a ver com a leitura de um jornal ou o acom-
el espacioso noticioso, para, enseguida, mostrar como el género panhamento de um noticiário telejornalísti-
puede ser la presencia de datos informativos en programas fic-
cionales, y levantar la discusión de cuestiones políticas y sociales. co; àqueles que consomem ficção, restaria o
Palabras clave: infotenimiento, entretenimiento, información, encantamento de algo inebriante propiciado
ficción seriada.
pelo lúdico midiático.
The entertainment which informs or the information that Há que se reconhecer, porém, que as possi-
amuses? News, entertainment media and amusement bilidades de representação do real no campo
Abstract: The concept of entertainment has been employed in
journalism and media studies to highlight the presence of ele-
da narrativa vão além do que o senso comum
ments of amusement, even in the news. In this paper, we would indica – e, para exemplificar isso, nenhum
like to point out the aspects of information that sometimes is produto no contexto nacional é melhor que
blended with entertainment in fictional media programs. It is
presented the aspect of entertainment as the presence of ludic a telenovela. Representações ficcionais de sua
elements in news and then shift to the second aspect, the use época, expressão e reconstrução dos fenôme-
of fiction to convey factual information and how it can raise
social and political issues to public discussion.
nos sociais, os relatos audiovisuais dos folhe-
Keywords: entertainment, information, serial fiction, narrative. tins televisivos, independentemente de sua
perspectiva original como distração, apre- organizando a discussão a partir das aproxi-
sentam, junto àqueles que os consomem, um mações e diferenças entre o “informacional”
duplo fluxo de informações, imaginando e e o “lúdico” na produção midiática – em pri-
representando o mundo; é um tipo de nar- meiro lugar, no jornalismo e, em seguida, na
ração que possui relação direta com o real, já ficção seriada. Observam-se, nos dois casos,
que, como lembra Bulhões (2009:22) mesmo as condições de elaboração e as característi-
quando o nega ou distorce, só consegue fazê- cas do texto dito informativo em contraste
lo “por tê-lo conhecido”. Ao contrariá-lo de com o entretenimento, indicando como as
alguma maneira, “indiretamente reconhece- estruturas do informativo foram impreg-
o e acaba, por fim, reconstruindo-o ou então nadas pela lógica do lúdico midiático, cujo
reelaborando-o” (Bulhões, 2009:22). maior produto é um gênero híbrido que,
na pesquisa em comunicação, tem sido ca-
racterizado por um certo hibridismo entre
O problema das relações a informação apresentada como “séria” e o
entre informação entretenimento.
A intenção com este percurso é, enfim,
e entretenimento
mostrar a possibilidade de aplicação de tal
desafia a pensar a noção, também, à análise de discursos no
própria natureza do âmbito da ficção. Tendo em vista que, con-
jornalismo e suas forme proposto por Moore (apud Buonanno,
transformações recentes 2004:342), os consumidores da programação
televisiva podem “vagar, sem se deslocar de
sua própria casa ou de sua própria poltro-
na, entre diferentes e distantes localidades” a
Esse raciocínio leva às questões que em- partir da experiência de recepção, entende-
basam o presente texto: por que a narrativa se que é fundamental avaliar em que medida
ficcional, que “mimetiza e constantemente re- a telenovela cumpre seu papel ao enunciar
nova as imagens do cotidiano” (Hamburguer, realidades distintas àquele que a toma como
1998:467) nacional, não seria capaz de ofere- objeto de lazer – e, por que não, informação.
cer informação a seus telespectadores? O que
diferencia o discurso ficcional daquele apre- O discurso informativo, o lúdico e o
sentado diariamente como informação? Seria entretenimento
esta um gênero “mais legítimo” – ou “mais
legitimado” por conta de estratégias de cons- Folhear um jornal diário de uma grande
trução discursiva, como lembra Street (2001) cidade, seja qual for o Estado, país ou hemis-
– ou apenas diferente de narração do mundo, fério planetário, é o tipo de experiência que
de transmissão de saberes e/ou olhares? nos impõe um contato imediato com um
Nossa perspectiva é a de que, além de sem-número de informações. Textos, fotos,
apenas produzir ou “simular” efeitos de real artes, gráficos, títulos, legendas – sobre os
ao criar uma realidade de representações mais diversos temas locais, regionais, nacio-
(Lima, 1991; Borges, 2008:84), os produtos nais, globais... – “falam” ao leitor de forma
ficcionais oferecem informações e conteúdos simultânea; exigem dele, por natureza, certa
de relevância, inclusive política (Panke, 2010; capacidade de absorção e interpretação con-
Martino, 2011), em seus discursos, mesmo dizente com tal volume de conteúdos.
quando estes se apresentam como diverti- Mas apreender o turbilhão de informa-
mento descompromissado. ções da contemporaneidade não é, apenas,
Mais do que partimos à procura de res- uma questão de capacidade cognitiva; há que
postas, buscamos aprofundar tais questões, se considerar a forma com que discursos e
como argumenta a tese de Putnam (2004) No âmbito deste trabalho, o exame da dis-
sobre a influência da mídia e do entreteni- tinção entre ficcional e informativo indica,
mento no declínio do engajamento cívico nos dois casos, a possibilidade do estabeleci-
dos indivíduos, mas de uma transformação mento de representações da realidade a partir
no modo como isso ocorre. dos quais é possível pensar o caráter político
É a partir desse ponto de vista que se pode e social de certos temas, unindo a lógica do
pensar no hibridismo entre informação e en- ficcional e do factual – ou da informação e do
tretenimento como um fator construtivo na espetáculo – nessa perspectiva. No caso deste
elaboração de representações na busca por trabalho, da representação de uma alteridade
voz, legitimidade e reconhecimento dentro construída no discurso ficcional.
de um espaço social mais amplo. Tanto a in-
formação factual quanto o entretenimento,
na medida em que são ambas narrativas so-
bre o mundo – e, na visão de Luiz Costa Lima A crítica à
(1981), constitutivas do mundo – não deixam objetividade da
de ser representações da realidade, consti- mídia mostra
tuídas de acordo com escolhas, critérios e ainda mais força
seleções pautadas, por sua vez, em visões de quando a articulação
mundo elaboradas social e historicamente.
ganha um novo item,
A legitimidade do produto informativo,
representado, sobretudo, pelo jornal, na ga- o entretenimento
rantia de sua representação “isenta” da reali-
dade, confrontava-se com a legitimidade da
narrativa ficcional que, por seu turno, não Tal raciocínio se encaixa em nossa refle-
teria o compromisso com o factual. No en- xão sobre a necessidade de se desenvolver
tanto, enquanto formas de narrativa, ambos um olhar crítico – porém, não necessaria-
se prestam a veicular conteúdos de caráter mente negativo ou pessimista – sobre a pos-
político-social, e, em outro sentido, ambos sibilidade de o entretenimento ter se torna-
são discursos vinculados às condições so- do indissociável dos discursos veiculados
ciais nas quais são produzidos e, se mantêm nas mídias – e, também, trazer-lhes algum
distâncias no que diz respeito à pretensão de benefício. A partir de agora, passaremos a
validade enquanto representação fidedigna concentrar nossos esforços na tentativa de
da realidade, por outro lado mantêm igual- expandir tal conceito e aplicar seu inverso –
mente intersecções na medida em que, como ou seja, a inserção da informação cultural de
discursos, são resultados de discursos ante- relevância nos produtos de entretenimento –
riores que se entrecruzam – o “mosaico de ao segmento de ficção seriada, com ênfase na
citações”, ao qual alude Kristeva (2004), não telenovela brasileira.
faz distinção necessária entre ficcional e fac-
tual na construção de narrativas. O informativo no espaço lúdico: o caso
Em termos do balanceamento entre essas da ficção seriada
duas dimensões, vale recordar que nenhuma
narrativa ficcional deixa de ter vínculos com Todo ato de narração, do diálogo presen-
o real, ao mesmo tempo em que mesmo a cial à telenovela, indica a importância da nar-
narrativa dedicada a uma representação fiel rativa na consolidação das culturas nas socie-
da realidade falhará em cumprir integral- dades. Além de servir como instrumento de
mente seu propósito diante da impossibili- perpetuação de saberes e de enriquecimento
dade ontológica de submeter o real a uma da imaginação, auxilia o ser humano a dar
narrativa. sentido ao mundo à sua volta. A dimensão
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