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Revista FAMECOS: mídia, cultura e

tecnologia
ISSN: 1415-0549
revistadafamecos@pucrs.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
Brasil

Silva, Gislene
Imaginário coletivo: estudos do sensível na teoria do jornalismo
Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, vol. 17, núm. 3, septiembre-diciembre,
2010, pp. 244-252
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Porto Alegre, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495550200011

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JORNALISMO E CONHECIMENTO

Imaginário coletivo: estudos do sensível na


teoria do jornalismo1

RESUMO
Estudar o imaginário na imprensa supõe, de antemão, questionar os fundamentos que vêm
sustentando uma Teoria do Jornalismo bastante difundida no ensino e pesquisa desta área no
país – os da objetividade, imparcialidade, clareza e exatidão. Inserida na camisa-de-força da
realidade factual e comprovável empiricamente, esta teoria ignora ou recusa as manifestações
sensíveis e emocionais, simbólicas e míticas do mundo imaginário, percebidas aquém e além
do que nos mostram os recursos do racionalismo e que estão presentes rotineiramente nas
temáticas diversas da cobertura jornalística. A questão exige discutir o conceito de imaginário
na relação entre sensibilidade e razão, fazendo a opção por uma teoria mais aberta e ampla
para investigar o fenômeno jornalístico, o que requer não somente um gesto mais acolhedor
quanto à relevância do cotidiano e do senso comum nas teorias jornalísticas, mas uma atitude
epistemológico-metodológica mais compreensiva do que explicativa.

PALAVRAS-CHAVE
Jornalismo
Imaginário
Epistemologia

ABSTRACT
The study of imaginary in press pressuposes, beforehand, a questioning of the basic principles
that have come to steer a theory of journalism very much at hand in teaching and in journalistic
reaserch in the country. Relying on notions of objectivity, impartiality, clarity and exactitude
and forced into the straightjacket of factual and empirically confirmed reality, such theory
ignores or refuses to take into consideration emotional and subjective, symbolic and mytical
manifestations that are part of imaginary, perceived as beyond and below what rational
resources can entail us and routinely present in many press coverage themes. Such questioning
demands an investigation of the concept of imaginary and the relationship between reason
and sensibility, turning it into an open ended and wider theory to investigate journalistic
phenomena, this deserves not only a more welcoming act to the role of common sense and of
day to day knowledge in journalistic theories but also demands a more understanding than
explicative methodological-epistemological attitude.

KEYWORDS
Journalism
Imaginary
Epistemology

Gislene Silva
Professora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC/SC/BR.
gislenedasilva@gmail.com

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Imaginário coletivo

Para pensar a Teoria do Jornalismo pela via do invisível – algo próximo de imagem literária,
das potencialidades dos estudos do imaginário afetada pela psique, pelo consciente e incons-
como recurso teórico e metodológico parto de ciente, pelos devaneios e sonhos, e não apenas
três pressupostos. Primeiramente, o de que estu- como imagem pictórica, acoplada a suportes
dar o imaginário na imprensa supõe, de antemão, iconográficos. Tal como sugere Sodré, levo em
questionar os fundamentos que vêm sustentan- consideração a imagem subjetiva ou interna, sendo
do uma Teoria do Jornalismo bastante difundida que imagem faz referência não apenas ao sentido
no ensino e pesquisa desta área no país – os da da visão, mas também a qualquer modalidade
objetividade, imparcialidade, clareza e exatidão. sensorial. “Embora diferindo essencialmente da
Inserida na camisa-de-força da realidade factual sensação, a imagem subjetiva a esta se assemelha
e comprovável empiricamente, esta teoria ignora em alguns aspectos, como o das mesmas reações
ou recusa as manifestações sensíveis e emocio- diante de um objeto ou do prolongamento ima-
nais, simbólicas e míticas do mundo imaginário, gético da sensação. Assim, as imagens internas
percebidas aquém e além do que nos mostram os podem ser visuais, auditivas, gustativas, olfati-
recursos do racionalismo e que estão presentes vas e táteis” (Sodré, 2006, p. 81).
rotineiramente nas temáticas diversas da cober- Semelhante ideia encontra-se na perspecti-
tura jornalística. va de Maffesoli: “Não é a imagem que produz o
Como diz Michel Maffesoli, em referência es- imaginário, mas o contrário. A existência de um
pecífica a expressões do onírico, “a publicidade, imaginário determina a existência de um conjun-
os vídeos-clipes, a produção cinematográfica, as to de imagens. A imagem não é o suporte, mas
diversões de toda ordem, a multiplicidade de o resultado” (Maffesoli, 2008, p. 76). Temos ain-
festas estão aí para prová-lo” (Maffesoli, 1998, da, pela observação básica de Juremir Machado
p. 156). Eu incluo aí o jornalismo, tomando-o da Silva (2006, p. 9), que o imaginário deve sem-
sempre como um dos fenômenos da mídia, sendo pre ser entendido como algo mais amplo que um
parte, portanto, dos interesses, cuidados e críticas conjunto de imagens. O imaginário não seria um
do pensamento teórico do campo da Comunica- mero álbum de fotografias mentais nem um mu-
ção. Maffesoli, ao investir no sentimento coletivo seu da memória individual ou social. Tampouco
e suas consequências, tanto sociais quanto polí- se restringiria ao exercício artístico da imagina-
ticas, tanto para melhor ou para pior, defende ção sobre o mundo. “O imaginário é uma rede
uma razão sensível que integre a sensibilidade no etérea e movediça de valores e sensações parti-
ato do conhecimento. Tratando dos afetos e das lhadas concreta ou virtualmente”.
vibrações comuns, ele explicita: Como terceiro pressuposto, retorno ao enten-
dimento de que os sentimentos excedem a esfera
Não há domínio que esteja indene da am- do individual e do privado e se estendem para os
biência afetual do momento. A política, evi- domínios sociais e de que a memória e as produ-
dentemente, que se tornou um vasto espetácu- ções simbólica, imaginativa, mítica e imaginária
lo de variedades que funcionam mais sobre a têm caráter também social, coletivo. Portanto, na
emoção e a sedução do que sobre a convicção relação entre imaginário e jornalismo interessa o
ideológica; mas, igualmente, o trabalho, onde
a energia libidinal exerce um papel importan-
aspecto coletivo, a manifestação social do imagi-
te; e não esquecendo todas as efervescências nário, uma vez que o fenômeno da comunicação
musicais e esportivas que são tudo menos noticiosa é de natureza igualmente social e cole-
racionais. Tudo isso mostra que existe uma tiva. O imaginário circularia através da história,
dialética entre o conhecimento e a experiência das culturas e dos grupos sociais, como um fe-
dos sentidos (Maffesoli, 1998, p. 192). nômeno coletivo, social e histórico (Legros et al.,
2005, p. 10). Ele resultaria de um trajeto antropoló-
Teria relevância, então, reconhecer para co- gico (Durand, 1997) – sobre o qual voltarei a falar
nhecer a presença de imaginários no jornalismo mais adiante.
e, como seu duplo, a inserção de instâncias sensí- Na prática do jornalismo, há exemplos de
veis na teoria do jornalismo, dura e fria. experiências da subjetividade que orientam a
Depois, pressuponho que, ao tratar de ima- apuração e redação de notícias e reportagens. Há
gens arquetípicas, metáforas de base, grandes imagens, igualmente o reconhecimento e conhecimento re-
imagens-matrizes, a imagem possa ser compreen- flexivo a este respeito, como uma guinada subje-
dida como manifestação sensível do abstrato ou tiva (Serelle, 2009), uma narrativa jornalística para

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além dos faits-divers (Albuquerque, 2000), uma sidade, fuga, ilusão, não-real. É que a boa vonta-
ficcionalidade do relato jornalístico (Vogel, 2005) ou de para com a vida imaginária nos dias de hoje
um falar não mais para as massas, mas falar com o ainda se dá num ambiente ora de discreta des-
outro (Resende, 2010), e muitos outros estudos. confiança ora de hostilidade contra os estudos do
No campo da Comunicação, poderíamos dizer imaginário. Geralmente enclausurada nos des-
que há atualmente inquietações teóricas voltadas vios e mistérios da psique, limitada ao universo
para o subjetivo, e não apenas no que tange às das culturas arcaicas, recolhida ao mundo das ar-
interações comunicativas no nível interpessoal, tes, só muito lentamente a problemática do ima-
mas no que importa ao processo comunicacional ginário vem ganhando visibilidade nas ciências
mediado, à mídia. Ou, se preferirmos a síntese, sociais.
no que diz respeito à condição midiática, ao todo Durand chega a constatar, em muitas dis-
bios midiático (Sodré, 2006). Muniz Sodré propõe ciplinas do saber, a formação de uma “ciência
uma teoria compreensiva da comunicação que possa do imaginário”, que vem desmistificando as
observar as estratégias sensíveis na relação mídia proibições e os exílios impostos à imagem pela
e política e que seja “capaz de trazer mais luz ou civilização que criou essas mesmas disciplinas
hipóteses mais fecundas sobre as transformações (Durand, 1998, p. 71 e 77). Em seu livro As estru-
das identidades pessoais e coletivas, as modula- turas antropológicas do imaginário, de 1960, depois
ções da política e as ambivalências do pluralismo de criticar vários teóricos e recensear inúmeras
cultural no âmbito da globalização contemporâ- posturas conceituais, Durand conclui que todos
nea” (Sodré, 2006, p. 70). eles, incluindo Bergson, Sartre, Barthes e a pró-
Tratar-se-ia de i���������������������������
nvestigar uma��������������
dimensão pri- pria psicanálise freudiana e a etnologia estrutu-
mordial, que tem mais a ver com o sensível do ralista, apesar de contribuírem para o resgate do
que com a medida racional, que reconhece a po- mundo das imagens, minimizaram a imaginação
tência emancipatória contida no sensível e no afe- e deixaram evaporar a eficácia do imaginário.
tivo, para além dos cânones limitativos da razão Na sociedade contemporânea, em que a vida
instrumental (Sodré, 2006, p. 13). Também para cotidiana, mais do que em outros tempos, é me-
Martín-Barbero a presença dessas dimensões afe- diada pela imagem, principalmente pelas ima-
tivas que os meios de comunicação potencializam gens da mídia, Durand diz, ao estudar o paradoxo
não despolitiza a ação. “Se trata de la reintrodu- do imaginário no Ocidente (Durand, 1998, p. 9-34),
ción, en el ámbito de la racionalidad formal, de que, por um lado, a nossa civilização propiciou
las mediaciones de la sensibilidad que el racionalis- ao mundo as técnicas de reprodução da comu-
mo del “contrato social” creyó poder (hegeliana- nicação de imagens, sempre em constante de-
mente) superar” (Martín-Barbero, 2008). senvolvimento, mas, por outro, junto à filosofia
É por tais dimensões sensíveis ou afetivas fundamental, demonstrou uma desconfiança ico-
que passam os estudos do imaginário. Mas o noclasta endêmica. No entanto, Durand acredita
imaginário tem muitas vezes sido tomado con- que todo o esforço do Ocidente em conferir um
ceitualmente como muito próximo dos conceitos imperialismo ideológico à ciência, como única
de representação social, imagem mental, ideolo- dona de uma verdade iconoclasta e fundamento
gia, crença, atividade simbólica, cultura e imagi- supremo dos valores, foi “um trabalho em vão,
nação. Cada um desses termos, no entanto, tem pois as imagens, expulsas pela porta da frente,
complexas matrizes teóricas e disciplinares (ver reentravam pela janela para atacar os conceitos
Legros; Silva, J.M.; Susca; Maffesoli, 2008). Para científicos mais modernos como as ondas, os cor-
pensar o fenômeno do jornalismo como expres- púsculos, as catástrofes” (Durand, 1998, p. 68).
são do imaginário coletivo, interessa aqui tomar Com atenção na entrada do imaginário como
o imaginário pela conceituação de Gilbert Du- objeto de conhecimento no pensamento social,
rand, cujo lastro, por sua vez, vem pela linha te- temos que, apesar do modo lento, as ciências
órica por onde passaram Simmel, Jung, Eliade e humanas e sociais passaram a se interessar pelo
Bachelard. estudo do imaginário há mais tempo do que as
Tais autores – e outros como Morin, Mafessoli ciências da comunicação. No livro Sociologia do
e Juremir Machado da Silva, e mesmo Castoria- imaginário, os pesquisadores franceses Legros,
dis – elaboram um olhar mais positivo sobre o Monneyron, Renard e Tacussel rastreiam o imagi-
imaginário, quando este costuma ser visto quase nário entre os fundadores da sociologia (passan-
sempre como oposição ao real, ou seja, como fal- do por Marx e Engels, Tocqueville, Le Bom, Tar-

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Imaginário coletivo

de, Preto, Durkheim, Weber e Simmel), apontam humano.” (Legros et al., 2007, p. 111). Com foco
os fundadores de uma sociologia do imaginário no cotidiano, e citando Tacussel, os autores argu-
(lembrando, entre tantos, de Mannheim, Mauss, mentam que o imaginário sublinha como a expe-
Bataille, Benjamin, Sansot, Callois), até chegar riência vivida, o labirinto das relações afetivas e
aos pesquisadores contemporâneos (Halbwachs, o movimento tumultuoso das paixões “se concre-
Durand, Bachelard, Barthes, Castoriadis, Morin, tizam em um cenário coletivo, simultaneamente
Baudrillard, Maffesoli). banal e trágico, no qual a mitologia (os heróis, os
Já na introdução, os autores avisam que so- mártires, as vitimas sacrificiais, os ídolos do es-
ciologia do imaginário não é um campo definido porte ou da canção, os faits divers extraordinários
por um objeto e sim um ponto de vista sobre o ou as superstições domésticas) habita as formas
social: ela se interessa pela dimensão imaginária sociais” (Legros et al., 2007, p. 100).
de todas as atividades humanas, pela dimensão Na avaliação de Legros (2007) e demais auto-
mítica da existência social. O mesmo quero dizer res do livro, Maffesoli se impôs como o principal
sobre o estudo de imaginários na mídia noticiosa. teórico da sociologia do imaginário, ao sugerir
Ou seja, também interessa à Teoria do Jornalismo que essa “matéria subterrânea das coisas” asse-
o enraizamento arquetipal, o homo imaginans e gura a coerência secreta do natural e do cultural,
não somente o homo rationalis. do espaço social e do sentimento estético – eu
diria que essa matéria nem tão subterrânea e esse
caráter nem tão secreto podem ser desvenda-
As palpitações, criaturas e as recriações dos, ou melhor, explicitados pelo exercício da
do imaginário coletivo são, portanto, testemu-
nhos vivos – intangíveis, mas estruturantes,
pesquisa.
presentes em nossa vida onírico-emocional Em Maffesoli, o imaginário – que para ele é
mesmo antes que a elaboração racional – de coletivo na maior parte do tempo – se constitui
modalidades através das quais se vai transfor- pela ideia de fazer parte de algo, de partilhar uma
mando a experiência vivida, o modo de habitar filosofia de vida, uma linguagem, uma atmosfe-
o mundo. [...] devemos nos deter seriamente ra, uma ideia de mundo, uma visão das coisas,
sobre cada faceta, detalhe, máscara propostos na encruzilhada do racional e do não-racional.
e projetados pelo imaginário coletivo, olhar Muito de seu entendimento a respeito do que é
por trás deles, escondidos dentro dos abalos
e custódias, na hilaridade mais boba ou na
o imaginário está claramente resumido em uma
agressividade mais rude que possuem, qual- entrevista que o pesquisador deu a uma revista
quer coisa que na realidade os transcende no acadêmica brasileira (Maffesoli, 1998).
momento mesmo em que se lhes dá a vida. A Entre muitas considerações, Maffesoli vê o
sociologia do imaginário tem, portanto, a pos- imaginário como (a) uma força social de ordem
sibilidade de sugerir qual potência-tendência espiritual, uma construção mental, que se man-
social alinha no coração da sociedade espeta- tém ambígua, perceptível, mas não quantificável,
cular (Susca, 2007, p. 79-80). (b) um estado de espírito de um grupo, de um
país, de um Estado-nação, de uma comunidade;
Para observar e descrever fragmentos desses (c) como promotor de vínculo, cimento social;
testemunhos de imaginários na imprensa, faz-se (d) como detentor de um elemento racional (as-
necessária a retomada de algumas definições do sim como a ideologia), mas de também outros
que seria, então, o imaginário coletivo. Parte dos parâmetros como o onírico, o lúdico, fantasia, o
estudos do imaginário dedica-se a observar a re- imaginativo, o afetivo, o não-racional, os sonhos;
lação das imagens com a vida cotidiana (outras (e) o imaginário não seria de direita nem de es-
atuam nos estudos da ficção, em especial na lite- querda, pois estaria aquém ou além desta pers-
ratura e cinema, e nas visões de mundo da políti- pectiva moderna; (f) o imaginário atravessaria
ca, religião, ciência). todos os domínios da vida e concilia o que apa-
“O imaginário não é uma forma social escon- rentemente é inconciliável, por isso mesmo os
dida, secreta, inconsciente que vive sob as fibras campos mais racionais, como as esferas política,
do tecido social. Ele não é o reflexo, o espelho ideológica e econômica, seriam recortados pelo
deformado, o mundo revirado ou a sombra da imaginário, que tudo contamina.
realidade, uma sociedade subterrânea que cru- Além de coletivo, o imaginário transitaria
zará profundamente os esgotos da vida cotidia- entre passado e futuro. Nos termos de Juremir
na, mas ele estrutura, no fundo, o entendimento Machado da Silva, ele seria reservatório e mo-

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tor. Como reservatório, o imaginário agregaria em suas manifestações mais típicas: o sonho, o
imagens, sentimentos, lembranças, experiências, onírico, o mito, o rito, a narrativa da imagina-
visões do real, leituras de vida e, através de um ção – e, por que não acrescentarmos, parte da
mecanismo individual/grupal, sedimentaria um literatura, da ficção cinematográfica (como faz
modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de estar Morin), da própria mídia e mesmo do jorna-
no mundo. Como motor, elemento propulsor, o lismo.
imaginário retorna ao real, seria um sonho que Uma ideia condensa, de certa maneira, o pen-
realiza a realidade, funcionando como catalisa- samento de Durand: a de trajeto antropológico, que
dor, estimulador e estruturador das práticas. As- ele define como “incessante troca que existe ao
sim, afirma o autor, todo indivíduo submete-se a nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e
um imaginário preexistente e todo sujeito é um assimiladoras e as intimações objetivas que ema-
inseminador de imaginários (Silva, J. M., 2006, nam do meio cósmico e social” (Durand, 1997,
p. 09-12). p. 41)2. Este trajeto tem duas mãos, partindo tan-
Nesta questão específica do imaginário estar to do cultural como do psicológico, uma vez que
olhando tanto para trás como para frente, Patai o essencial da representação e do símbolo está
argumenta que o importante não é considerar a contido entre esses dois marcos reversíveis. Em
sobrevivência do passado no presente, mas o exa- outras palavras, “o trajeto antropológico repre-
me das forças e processos mitopoéticos vivos que senta a afirmação na qual o símbolo deve parti-
atuam em nossa cultura, como resultado de um cipar de forma indissolúvel para emergir numa
real dinamismo psicossocial que opera na psique espécie de vaivém contínuo nas raízes inatas da
do homem moderno em grau tão intenso quanto representação do sapiens e, na outra ponta, nas
aquele em que operou em gerações do passado várias interpelações do meio cósmico e social”
remoto. Portanto, além de considerar o residual, (Durand, 1998, p. 90).
inclusive em forma de memória, é necessário to- Em outros termos, o trajeto antropológico seria
mar essas imagens primordiais como “depósitos o movimento em que os símbolos, transitando
das experiências constantemente repetidas da entre motivações subjetivas e objetivas, ganham
humanidade” cuja direção é voltada para orien- sentido; ou seja, as imagens se formam pela in-
tar o futuro (Patai, p. 29). teração da subjetividade com o meio material e
Todas essas reflexões sobre o que é o ima- social, o imaginário se dá na confluência do sub-
ginário são tributárias de Gilbert Durand, que jetivo e do objetivo, do mundo pessoal e do meio
propõe uma teoria geral do imaginário ou uma cósmico ambiente. O imaginário, longe de apare-
antropologia do imaginário. Interessa-nos, no cer como um momento ultrapassado na evolução
pensamento de Durand, mais do que seu levan- da espécie, manifesta-se como elemento constitu-
tamento crítico e suas estruturas para apreender tivo e instaurativo do comportamento específico
o imaginário, a vitalidade por ele atribuída ao re- do Homo sapiens (Durand, 1997, p. 429).
curso antropológico, que nos permite avançar no As visões que costumamos ter do Homo sa-
entendimento do imaginário como um fenômeno piens privilegiam o Homo sapiens-faber, o ser racio-
concomitantemente individual e social, mítico e nal e produtor de ferramentas, e com isso afasta-
histórico. mos tudo o que diz respeito à fantasia, ao sonho,
Ao longo de suas obras, Durand elabora al- ao imaginário. Aqui a validade da abordagem de
guns conceitos de imaginário: conjunto de ima- Morin, quando discute a reintrodução do imagi-
gens e relações de imagens que constitui o ca- nário e do mitológico na definição fundamental
pital pensado do homo sapiens; faculdade da do homem. “Por isso, é preciso falar do Homo
simbolização de onde todos os medos, todas as sapiens-demens. Cada um dos termos reconduz
esperanças e seus frutos culturais jorram conti- ao outro sem que se saiba jamais muito bem qual
nuamente desde os cerca de um milhão e meio é o momento em que se é sapiens ou demens”
de anos que o homo erectus ficou de pé na face da (Morin, 2000, p. 190). Ao refletir sobre o homem
Terra. Como bom discípulo de Bachelard, defen- imaginário, também Morin aponta a complemen-
de uma lógica não linear, constelacional, em que taridade entre extrospecção sociológica e intros-
a única coisa normativa é o universo das gran- pecção psicológica, espaço onde estariam escon-
des reuniões plurais de imagens em constela- didas as mensagens secretas, a mais profunda
ções, enxames, poemas ou mitos. Chega a falar intimidade da alma e as carências universais e as
em alógica, a outra lógica que rege o imaginário do século presente (Morin, 1997, p. 245).

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Imaginário coletivo

Na proposta particularíssima de Durand, ele Desde então, metodologicamente, toda


parte da hipótese de que existe uma estreita con- mitanálise deverá começar pelo exame mito-
comitância entre os gestos do corpo, os centros crítico o mais exaustivo das “obras” – ou dos
nervosos e as representações simbólicas, e elege “bens” – de uma época ou cultura dada. Pin-
turas, esculturas, monumentos, ideologia, có-
três gestos dominantes do imaginário: o postural digos jurídicos, rituais religiosos, modos, ves-
(verticalidade), digestivo (descida) e o copulativo timentas e cosméticos – em uma palavra, todo
(ritmo). Na base da organização das imagens, o o conteúdo do inventário antropológico – são
autor percebe duas fundamentações, ou dois re- igualitariamente convidados a nos informar
gimes: o diurno (da posição, das armas, do mas- sobre tal ou tal momento da alma individu-
culino, da elevação e purificação) e o noturno (da al ou coletiva (Durand citado por Pitta, 2005,
nutrição, do feminino, do ciclo). O regime diurno p. 102).
seria o das oposições, das separações, divisões,
lutas, e o noturno seria o das conciliações, unifi- Na minha hipótese, o jornalismo poderia ser
cações, complementações. incluído como um dos bens desse inventário
Nessas convergências e cruzamentos, Du- antropológico, pensado como uma tópica socio-
rand postula certos protocolos normativos das cultural da expressão do imaginário social, com
representações imaginárias, agrupados em es- uma gramática específica e com uma dinâmica
truturas – estruturas implicadas em dinamismo que perpassa concomitantemente texto e socie-
transformador. Na opinião de Durand, é Bache- dade, num continuum. Por isso a sugestão da
lard quem enxerga a plenitude das imagens e o combinação de mitocrítica e mitoanálise, uma
dinamismo criador do imaginário. Inspirado em vez que o texto jornalístico transita entre sua pró-
seu pensamento, Durand quer insistir na diferen- pria linguagem codificada e o “ouvir dizer que”
ça entre imagem e palavra, entre signo e símbolo que serve à duração e transformação do imaginá-
e afirmar que o símbolo não é do domínio da se- rio (para Durand, passando por várias gerações)
miologia, mas de uma semântica especial, menos e serve também ao “ouvir dizer que” no qual se
arbitrária. fundamenta a produção jornalística, via as roti-
neiras entrevistas.
Na minha hipótese, o jornalismo poderia ser Importante considerar o relato jornalístico (de
qualquer matéria jornalística: hardnews, softnews,
incluído como um dos bens desse inventário opinativa, sensacionalista, etc.) como lugar de ex-
antropológico, pensado como uma tópica pressão (clara ou obscura, latente ou facilmente
sociocultural da expressão do imaginário social, visível) do imaginário social compartilhado por
com uma gramática específica e com uma todos os sujeitos envolvidos no universo das no-
tícias, sejam repórteres, leitores/receptores, fon-
dinâmica que perpassa concomitantemente texto tes, publicitários, proprietários de veículos noti-
e sociedade, num continuum. Por isso a sugestão ciosos, editores, anunciantes. Insisto que ambos,
da combinação de mitocrítica e mitoanálise. produtores e receptores de notícias, compartem
imaginários, e por isso é que podemos estudar
Sobre os métodos elaborados por Durand, esse mundo imaginal tanto no texto, na observa-
gostaria de comentar a combinação de dois deles: ção e coleta junto aos jornalistas, como também
a mitocrítica e mitoanálise, próprios para serem na recepção, junto a leitores, ouvintes, telespecta-
aplicados a relatos, quer literários ou sociológi- dores e navegadores virtuais.
cos, e, como proponho, a textos jornalísticos. A Por tudo o que foi dito anteriormente, salien-
mitocrítica se faz sobre uma obra literária (influ- to a relevância e pertinência de estudos de ima-
ência mais bachelardiana) ou um autor (textos) e ginário no campo do Jornalismo. Se o imaginá-
a mitoanálise, mais abrangente, se faz em terreno rio tudo perpassa, a imprensa é locus fecundo de
social amplo (sociedade). Os estudos de segui- observação desses vestígios imaginais, uma vez
dores do pensamento de Durand levaram a uma que as notícias trazem para a vida cotidiana toda
ampliação da mitocrítica para a mitoanálise, re- a diversidade do mundo, da política e economia
forçando um olhar histórico e sociológico sobre à arte e entretenimento, incluindo as próprias
os mitos – mitos românticos, mitologias oficiais ocorrências ordinárias, do dia-a-dia. Toma-se,
(nacionalsocialismo ou comunismo), a imaginá- então, o jornalismo como uma tecnologia de cria-
ria da alquimia ou da ciência etc. ção e reprodução de imaginários sociais, como

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fonte que alimenta com imaginários o cotidiano etc.; podendo fazer recortes específicos como,
contemporâneo e, ao mesmo tempo, de imagi- por exemplo, imaginários de jovens, mães, eco-
nários sociais alimenta a si mesmo3. Exatamente logistas, operários, leitores e até de jornalistas e
por isso o conceito de trajeto antropológico de as imagens que têm de sua própria profissão. É
Durand é fundamental nessas reflexões porque, o método que Maffesoli chama de impressionismo
ao considerar o transitável entre o indivíduo e o intelectual, pelo qual o pesquisador trabalharia
social através da ponte do imaginário, nos for- ao ar livre, escapando do enclausuramento das
nece o percurso necessário para compreender as fórmulas prontas, para dar conta das ambiências
imagens trabalhadas no e pelo jornalismo. (Maffesoli, 1998, p. 22).
Para tanto, continua Maffesoli, o pesquisador
poderia se socorrer da metáfora como ferramenta
Toma-se, então, o jornalismo como uma – “uma alavanca metodológica, como foi o con-
tecnologia de criação e reprodução de ceito, num tempo em que reinava a razão abstra-
imaginários sociais, como fonte que alimenta ta e a esperança em valores universais oriundos
com imaginários o cotidiano contemporâneo e, da filosofia das Luzes” (1998, p. 156) – e da des-
crição como técnica. Mais do que razão a priori,
ao mesmo tempo, de imaginários sociais sugere o autor, entraria em ação uma compreen-
alimenta a si mesmo são a posteriori, que se apóia sobre uma descrição
rigorosa (1998, p. 47). “Metodologicamente, sabe-
Porém, a opção por uma teoria mais aberta se que a descrição é uma boa maneira de perce-
para investigar o fenômeno jornalístico, especi- ber, em profundidade, aquilo que constitui a es-
ficamente nos estudos do imaginário coletivo na pecificidade de um grupo social. Quanto a isto,
imprensa, requer uma outra atitude epistemoló- os diversos processos etnológicos foram dissemi-
gica e metodológica, mais pela via compreensiva nados por todas as ciências sociais” (1998, p.123).
do que explicativa, mais bem demarcada pelo en- Maffesoli entende que os jornalistas estão cada
foque nas categorias vida cotidiana e senso comum, vez mais atentos à trama social e seu cotidiano,
ambas preciosas para os estudos jornalísticos
em geral, e mais especialmente para a pesquisa concedendo, ao lado de rubricas políticas,
de manifestações de imaginários no jornalismo. econômicas, um lugar não negligenciável às
Legros et al. (2007), analisando os pesquisadores chamadas “ocorrências” (fr. “faits divers”). Eu
da temática do imaginário, dizem que a grande diria que, para além dos simples clichês jorna-
maioria deles tem comportamentos que definem, lísticos, convém dar um estatuto teórico a esse
conjunto de “ocorrências”. Isso pode ser feito
em geral, aquele explorador possuidor de mapas
se à observação for concedida a dignidade que
imprecisos de um território mal conhecido, e, lhe é de direito (Maffesoli, 1998, p. 123-124).
portanto, perigoso.
E afirmam que “refletir e trabalhar sobre o
imaginário supõe uma grande modéstia, pois o E eu mesma diria que, muitas vezes, só apa-
homem e a sociedade saem da iluminação fácil rentemente trata-se de clichês e estereótipos na
dos pressupostos aos quais se empresta fé em imprensa. As matérias noticiosas são carregadas
virtude de uma razão que (a)parece, repenti- de imaginários. E uma Teoria do Jornalismo mais
namente, frágil” (Legros et al., 2007, p. 102). So- aberta é igualmente capaz de contribuir para dar
mente uma epistemologia compreensiva, como estatuto teórico a esse conjunto de ocorrências e
defendida por Sodré, pode abrir para a análise acontecimentos, de declarações, críticas e opiniões
comunicacional um caminho teórico que saiba (ver trabalhos de Bird e Dardene, Carey, Coman,
privilegiar o emocional, o sentimental, o afeto Lule, e, entre os brasileiros, Barros; Albuquerque;
e o mítico. E não só para indagar sobre o enca- Benetti; Moretzsohn; Gislene Silva; Juremir Ma-
minhamento político das emoções, como faz o chado da Silva; e Sodré). De fato, há em tudo isso
pesquisador, mas igualmente aberta para qual- um importante interesse epistemológico.
quer instância coletiva por onde se movimenta Assim, longe de ser uma abdicação do
o imaginário – no caso do jornalismo, cabe in- intelecto pode-se acreditar que, graças a des-
vestigar na imprensa vestígios e marcas do ima- crições e comparações precisas, seja possível
ginário econômico, político, religioso, científico, estabelecer uma tipologia operatória que per-
tecnológico, artístico, esportivo, da natureza, mita apreender, com mais justeza, o estilo de

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Imaginário coletivo

vida contemporâneo. Tal descrição, pondo duplo aspecto de contingência lógica e de turbu-
em jogo metáforas, analogias, poderá ser um lência afetiva, a irracionalidade na racionalidade”
vetor de conhecimento, muito precisamente (Lévi-Strauss, 1989, p. 270). Tal debate me parece
estabelecendo grandes formas que permitam importante para o jornalismo, no seu enfrenta-
sobressair os fenômenos, as relações, as mani-
festações figurativas da sociabilidade contem-
mento da questão objetividade-subjetividade na
porânea (Maffesoli, 1998, p. 128). apreensão dos acontecidos, no que diz respeito a
sua configuração como produto cultural e como
Para concluir, como aconselha o próprio Ma- produtor de cultura.
ffesoli, a tarefa requer que se leve a sério o sen-
sível. “Isso se traduz na recusa a opor os fatos REFERÊNCIAS
afetivos e os fatos cognitivos mas, em vez disso, ALBUQUERQUE, Afonso. A narrativa jornalística para
reconhecer a dinâmica que os une sem cessar. além dos fait-divers. Lumina, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 69-91,
jul./dez. 2000.
Dinâmica em ação na vida social, dinâmica que
deve se encontrar, de fato, no ato do conheci- BARROS, Ana Taís M. Portanova. O iconoclasmo no jornalis-
mo. Sob o nome de real: imaginários no jornalismo e no cotidiano.
mento” (Maffesoli, 1998, p. 194). Além disso, o 2003. Tese (Doutorado) – ECA/USP, São Paulo, 2003.
racional e o imaginário não devem ser tomados
BIRD, Elizabeth. The anthropology of news and journa-
como categorias antitéticas, pois ambos perten- lism: why now? In: BIRD, Elizabeth. The anthropology of news
cem ao universo das imagens (Silva, G., 2009, p. and journalism: global perspectives. Bloomington: Indiana
213), uma vez que o imaginário não é nem abs- University Press, 2009.
trato nem concreto, nem racional nem irracional, BIRD, Elizabeth; DARDENNE, Robert. Mito, registro e his-
é sempre ambos. Por isso, as notícias devem ser tórias: explorando as qualidades narrativas das notícias. In:
compreendidas como um exercício de produção TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e estórias.
Lisboa: Vega, 1993.
de sentido e de entendimento do mundo que res-
ponde não só a demandas pragmáticas – apreen- CAREY, James. A cultural approach to communication. In:
CAREY, James. Communication as culture: essays on media and
der a realidade objetiva e rotineira – mas também society. London: Routledge, 1992. p. 13-36.
a demandas subjetivas – nos elevar “para além do
______. Media, myths and narratives: television and the press.
imediato diário” e nos situar “dentro de ‘imensos Newbury Park, Sage, 1988.
edifícios de representação simbólica’” (Silva, G.,
COMAN, Mihai. News, stories and myth: the impossible
2005, p. 101). reunion? In: ERIC W. Rotherbuhler e Mihai Coman (Eds.).
Penso que, para estudar parte do grande acer- Media anthropology. Thousand Oaks. CA: Sage. 2005a.
vo ou repertório imaginário que está presente, vivo, DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cul-
nas páginas da imprensa, devemos recorrer à trix/Edusp, 1988.
contribuição da antropologia do imaginário: ______. As estruturas antropológicas do imaginário; introdução à
arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
A razão e a ciência apenas unem os ho- ______. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da
mens às coisas, mas o que une os homens en- imagem. Rio de Janeiro: Difel, 1998.
tre si, no nível humilde das felicidades e penas
LEGROS, Patrick et al. Sociologia do imaginário/Frédric
cotidianas da espécie humana, é essa repre- Monneyron, Jean-Bruno Reanrd. Patrick Legros e Patrick
sentação afetiva, porque vivida, que constitui Tacussel. Porto alegre: Sulina, 2007. (Coleção Imaginário Co-
o império das imagens. [...] E é então que a tidiano).
antropologia do imaginário pode se constituir,
LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. Campinas, SP:
antropologia que não tem apenas a finalidade
Papirus, 1989.
de ser uma coleção de imagens, de metáforas
e de temas poéticos. Mas que também deve LULE, Jack. Daily news, eternal stories; the mythological role of
ter a ambição de montar o quadro compósito journalism. New York: The Guildford Press, 2001.
das esperanças e temores da espécie humana, LULE, Jack. News as myth: daily news and eternal stories.
a fim de que cada um nele se reconheça e se In: ERIC W. Rotherbuhler e Mihai Coman (Eds.). Media
revigore (Durand, 1988, p. 106). anthropology. Thousand Oaks.CA: Sage. 2005. p. 101-110.
MACHADO, Marcia Benetti. Jornalismo e a lógica transver-
sal do imaginário. In: II Encontro Nacional de Pesquisado-
Recupero aqui uma aproximação inspirada res em Jornalismo, 2004, Salvador. Anais eletrônicos. Brasília:
em modo de conhecimento do mundo e do ho- SBPJor, 2004. s/p.
mem próprio dos povos chamados primitivos. ______. Jornalismo e imaginário: o lugar do universal. In:
Esses povos, segundo Lévi-Strauss, “souberam Dimas Kunsch. (Org.). Esfera pública, redes e jornalismo. São
elaborar métodos racionais para inserir, sob seu Paulo: E-papers, 2009. p. 286-298.

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Gislene Silva

MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis, SILVA, Gislene. O sonho da casa no campo: jornalismo e imagi-
RJ: Vozes, 1998. nário de leitores urbanos. Florianópolis: Insular, 2009.
______. O imaginário é uma realidade (entrevista). Revista SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis afeto, mídia e política.
Famecos: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 1, n. 15, Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
p. 74-82, ago. 2001. SUSCA, Vicenzo. Nos limites do imaginário: o governador
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Cartografias culturales de la sen- Schwarzenegger e os telepopulistas. Porto Alegre: Sulinas,
sibilidad y la tecnicidad, texto oferecido no minicurso ECA/ 2007.
USP, agosto de 2008. (Texto fragmento de artigo intitulado VOGEL, Daisi. A ficção do relato jornalístico. Caligrama –
Razón técnica y razón política: espacios/tiempos no pensa- Revista de Estudos e Pesquisas em Linguagens e Mídia, São
dos, Revista Ciencias de la Comunicación, n. 1, São Paulo, 2005). Paulo, v. 1, n. 3, set./dez. 2005.
MORETZOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: jornalismo
e cotidiano, do senso comum ao senso crítico. Rio de Janeiro:
Revan, 2007. NOTAS
MORIN, Edgar. A inteligência da complexidade. São Paulo:
1
Uma versão inicial deste trabalho foi apresentada no GT
Peirópolis, 2000. “Estudos de Jornalismo”, do XIX Encontro da Compós, na
PUC-RJ, Rio de Janeiro, de 08 a 11 de junho de 2010.
______. O cinema e o homem imaginário; ensaio de antropologia. 2
Durand esclarece que a teoria do trajeto antropológico en-
Lisboa, Portugal: Relógio D’Água/Grande Plano, 1997.
contra-se implícita no livro O ar e os sonhos, de Bachelard,
PATAI, Raphael. O mito e o homem moderno. São Paulo: tal como nas reflexões de Roger Bastide sobre as relações
Cultrix, [s.d.]. da sociologia e da psicanálise.
PITTA, Danielle Perin Rocha. Iniciação à teoria do imaginário 3
Imprescindível lembrarmos de A instituição imaginária
de Gilbert Durand. Rio de Janeiro: Atlântica Editora, 2005. da sociedade (Rio: Paz e Terra, 1982) de Cornelius Casto-
riadis, com quem concordamos quando diz que o mun-
RESENDE, Fernando. Falar para as massas, falar com o outro:
do social-histórico está indissociavelmente entrelaçado
valores e desafios do jornalismo. (no prelo, Editora Autên-
com o simbólico e que as instituições, embora só possam
tica/UFMG, Belo Horizonte).
existir através do simbólico, não se reduzem a ele. Não
SERELLE, Marcio. Jornalismo e guinada subjetiva. Estudos cabe discordância também por dizer que o simbolismo se
em Jornalismo e Mídia, Florianópolis, SC, ano VI, n. 2, p. 33-44, crava no natural e no histórico; e que não é livremente
jul./dez. 2009. escolhido, nem escravo da funcionalidade. Mas divergi-
SILVA, Juremir Machado. A questão da técnica jornalística: mos quando afirma que “não se pode pensar as significa-
cultura e imaginário. Revista Famecos: mídia, cultura e tecno- ções imaginárias a partir de uma relação que elas teriam
logia, Porto Alegre, n. 39, p. 13-18, ago. 2009. com um ‘sujeito’ que as ‘traria’ ou as ‘visaria’. Isso seria
negar toda a contribuição da antropologia e da própria
______. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2006. psicologia na compreensão de um objeto por nature-
SILVA, Gislene. Jornalismo e construção de sentido: peque- za multidisciplinar. Por isso, concordamos com Durand
no inventário. Estudos em Jornalismo e Mídia. Florianópolis, quando aponta que em Cornelius Castoriadis (e também
ano II, n. 2, p. 95-107, 2005. em Georges Balandier de Os poderes em cena) as razões
políticas dos poderes aparentes são tão racionalizadas
______. De que campo do jornalismo estamos falando? que se destacam sobre um fundo imaginário, de certa
MATRIZzes, USP, v. 1, p. 197-212, 2009. forma secundário (Durand, 1998, p. 56). Para uma leitu-
______. Sobre a imaterialidade do objeto de estudo do Jor- ra sobre o percurso de uma sociologia do imaginário, ver
nalismo, e-compós, v. 12, p. 1-14, 2009. Legros, P. at al.

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