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Lucia Santaella
nifica conhecimento ou sabedoria. Conhecer eventos que ainda não vivenciamos. As te-
é deter alguma informação ou saber a respeito orias também têm um valor heurístico ou
de algo. Mas a ciência não é a única forma de função geradora de pesquisa, pois criam ne-
conhecimento. Há também o conhecimento cessidades de investigação que, sem elas, não
filosófico, o artístico, o teológico e o de senso poderíamos pressentir.
comum (Carvalho et al., 2000:11-12). Além da necessidade das construções te-
óricas, se a ciência busca o conhecimento,
cumpre perguntar como essa busca se reali-
za. A resposta é consensual: conhecimento se
Novas descobertas e adquire através de pesquisa. Por isso mesmo,
novas teorias não levam a pesquisa é o alimento da ciência.
simplesmente ao aban- Toda pesquisa nasce, portanto, do dese-
dono de teorias anterio- jo de encontrar resposta para uma questão.
res, mas levam, muito Aliás, tal desejo se constitui sempre na mola
mais, à sua transforma- central de uma pesquisa, principalmente
da científica, pois, sem esse desejo, o pes-
ção e extensão quisador fenece tragado nos desencantos
das obrigações. Por vezes, a pergunta que
se busca responder é abstrata. Outras vezes,
O que distingue basicamente o conheci- é prática e, até mesmo, urgente. De todo
mento obtido por meio da ciência é sua bus- modo, só a pesquisa nos permitirá respon-
ca, mais do que a mera descrição dos fenôme- dê-las. Nesse sentido, o esforço dirigido e
nos, por estabelecer, através de leis e teorias, o conjunto de atividades orientadas para a
os princípios gerais capazes de explicar os solução da questão abstrata ou prática ou
fatos, estabelecendo relações e predizendo a operativa que se apresenta resultarão na
ocorrência de relações e acontecimentos ain- aquisição de conhecimento.
da não observados. Por isso, a ciência desen- Para ser científica, essa aquisição exige,
volve meios que lhe são próprios para chegar pelo menos como pano de fundo, certo estado
àquilo que busca. Esses meios se constituem de alerta do pesquisador para as questões filo-
nos conceitos e redes conceituais que os pes- sóficas, especialmente epistemológicas, sobre
quisadores edificam. Assim são obtidas leis, as leis que regem o conhecimento, sua busca,
hipóteses, teorias que nos permitem compre- aquisição, validade, etc. Assentada sobre essas
ender e ordenar o universo, por meio de expli- bases, a pesquisa deve se conduzir dentro de
cações, previsões e sistematizações. Conceitos um determinado campo da ciência a que o
mais gerais que pertencem a todas as ciências, objeto ou assunto da pergunta pertence e à
como o conceito de objeto, compõem as ca- luz de algum quadro teórico de referência e de
tegorias científicas fundamentais. As discipli- suas predições, quadro teórico este que deve
nas particulares se distinguem pelos sistemas ser selecionado em função de sua adequação
de categorias específicas que as regem (Costa, para responder à pergunta que se tem.
1997:49). Vem daí o valor das teorias. Além disso, para resolver a dificuldade, for-
Definida de maneira simples, uma teoria mulada no problema, o pesquisador não pode
é uma generalização para explicar como algo “apenas adivinhar, fazer suposições gratuitas
funciona. Ela nos fornece princípios gerais ou emitir opiniões superficiais e inconsisten-
que nos ajudam a compreender um núme- tes”, mas deve realizar sua busca através de le-
ro enorme de fenômenos específicos, porque vantamento de dados, através de um método
e como eles ocorrem e como estão relacio- coetâneo ao quadro teórico de referência e
nados entre si, pois a teoria faz a síntese dos também adequado à dificuldade a ser resolvi-
dados, ajudando a prever eventos futuros, da, método este com suas técnicas específicas.
Como, então, a sociedade pode vir a com- vem e transmitem o estilo de vida dos cien-
preender a ciência, suas realizações, seus efei- tistas e artistas para um público mais amplo
tos, se seu discurso parece ficar cada vez mais e aliam-se a eles, contribuindo para educar e
inacessível? Propondo uma possível resolu- criar um público maior e mais receptivo para
ção para esse dilema, sem abdicar da valori- as experiências e os bens artísticos e científi-
zação do necessário aprofundamento nas es- cos (Featherstone, 1995:173). Vem daí a ade-
pecialidades das práticas científicas, tal como quação da expressão “intermediários cultu-
elas são exercidas pelos cientistas, passarei a rais”. De fato, trata-se de profissionais que se
discutir a seguir o papel dos intermediários localizam em uma região intersticial, entre,
culturais, um papel que, no caso da ciência, é de um lado, a prática dos cientistas, uma prá-
desempenhado pelos jornalistas científicos. tica quase sempre tão complexa que chega a
parecer esotérica, e, de outro lado, o público
O jornalista científico como receptor, leigo. Para fazer a ponte entre esses
intermediário cultural dois universos, o jornalista científico deve
ser um tradutor, ou seja, um especialista na
A produção da ciência e os circuitos que tradução de repertórios especializados para
fazem essa produção chegar ao conhecimen- repertórios leigos. O limite entre ambos é
to público são inseparáveis da lógica sócio- tenso. Ao mesmo tempo em que não se pode
cultural em que essa produção e seu respecti- trair a densidade do discurso da ciência, tam-
vo circuito se inserem. Ao mesmo tempo em bém não se pode apresentar ao público uma
que é sobredeterminada pela lógica de uma mensagem ininteligível.
formação cultural, a ciência é parte consti- Em função do crescimento acelerado das
tuinte dessa lógica. Ora, a lógica cultural do práticas simbólicas, a elevação do número de
nosso tempo é dominada pela proliferação ocupações relacionadas com a ciência e a arte,
das mídias. É nesse cenário que surge a fi- especialmente nos países avançados, tem sido
gura fundamental dos novos intermediários dramática dos anos 1970 para cá, ocupações
culturais, entre os quais, naquilo que diz res- que cresceram ainda mais com o advento da
peito à ciência, se destacam os jornalistas res- internet. Assim sendo, o processo de globali-
ponsáveis pela divulgação da ciência. zação, especialmente depois da internet, vem
A noção de “novos intermediários cultu- contribuindo grandemente para fortalecer o
rais” foi criada por Pierre Bourdieu. O desen- papel dos intermediários culturais, que admi-
volvimento acelerado de um mercado novo nistram as cadeias de distribuição das novas
de bens artísticos, intelectuais e científicos mídias globais. Aumenta, com isso, a capaci-
fez-se acompanhar pelo aumento no núme- dade de circulação de informações nos espa-
ro de pessoas envolvidas não só na produção, ços em que se dão os processos de transmissão
mas também na circulação e transmissão des- e disseminação das atividades científicas para
ses bens. A produção fica a cargo dos artistas, vários estratos de público por meio dos inter-
intelectuais e cientistas, mas a circulação e mediários culturais. É por meio dessas peda-
transmissão desses bens cabem aos novos in- gogias que as novas descobertas das ciências
termediários culturais. Estes são pessoas que se vão sendo incorporadas nas práticas cotidia-
dedicam à oferta de bens e serviços simbólicos nas do público, na maior parte das vezes jo-
- produtores e apresentadores de programas vens ávidos por conhecer, saber, sentir, como
de rádio e televisão, jornalistas, profissionais acontece em países como o Brasil.
de marketing, publicitários, relações públicas, O mundo da ciência contemporânea
comentaristas de moda e profissionais ligados tornou-se grande demais para caber em
a atividades de caráter assistencial. redutos fechados. Novas formas de capital
Atuando entre a mídia e a vida intelectual, cultural e uma série mais extensa de expe-
acadêmica, artística e científica, eles promo- riências simbólicas estão em oferta em um
mundo cada vez mais globalizado – isto é, Há ainda uma questão final para colo-
mais acessível por meio das finanças (di- car em pauta de discussão no que se refere à
nheiro), comunicações (viagens) e infor- divulgação científica: o fato que não há um
mação (rádio difusão, publicações, mídia) único tipo de divulgação. Elas diferem de-
(Featherstone, 1995:153). pendendo da mídia que é empregada, o que
Na medida em que as mídias foram se tor- produz conseqüentemente uma diferencia-
nando mais e mais sofisticadas, as informa- ção de repertórios e de público a ser atingido.
ções sobre novas idéias começaram a viajar A divulgação científica no jornal é distinta da
de um ponto a outro do globo em velocida- divulgação na TV que é ainda distinta da di-
de cada vez mais acelerada. Livros e revistas vulgação em revistas. Quer dizer: cada uma
ilustradas passaram a circular em número dessas mídias exibe procedimentos semióti-
cada vez maior e sua influência veio a ser cos distintos e, por isso mesmo, está apta a
suplementada não apenas por um número atingir públicos em repertórios distintos. É
crescente de congressos e reuniões científi- isso que possibilita que uma mesma fonte
cas, mas também pelas reportagens televisi- de informação apresente diferentes versões
vas e, mais recentemente, pela avalanche de com níveis de dificuldades também diferen-
fluxos informacionais da internet. ciados. Mais uma vez, o jornalista cultural
Consideração importante sobre o papel que aparece como um tradutor capaz não apenas
as mídias desempenham nos circuitos das ci- de transpor uma informação especializada
ências diz respeito aos velhos preconceitos que para um nível de entendimento facilitado,
buscam asceticamente separar as mídias das ci- mas também aquele que é capaz de traduzir
ências. Urge que esses preconceitos sejam supe- a semiótica que é própria de uma mídia, por
rados, visto que, sem a mediação da divulgação exemplo, o jornalismo impresso, para a se-
científica, a ciência perderia sua capilaridade so- miótica de uma outra mídia, o vídeo jorna-
cial. Longe de usurpar o lugar social da ciência lismo ou a internet.
ou de simplesmente vulgarizar o conhecimento
científico, as mídias foram crescentemente se
transformando em aliadas das ciências. Isso se As mídias, além de
explica pelo fato de que, na produção cultural, as
produtoras de cultura,
mídias ocupam posição central no desempenho
da função de meios de difusão. Ora, as mídias são grandes divulgado-
– jornal, revistas, rádio, TV e internet – além de ras das outras formas
serem produtoras de cultura por conta própria, e gêneros de produção
são também as grandes divulgadoras das outras cultural , tanto artística
formas e gêneros de produção cultural, tanto quanto científica
artística quanto científica. Assim, o jornal como
meio de registro, comentário e avaliação dos fa-
tos cotidianos é um produtor de cultura, mas,
ao mesmo tempo, é também um divulgador da Enfim, além de ocupar um lugar in-
ciência, arte e cultura que são produzidas fora tersticial, entre o cientista e o público re-
dele, tais como teatro, dança, cinema, televisão, ceptor, como tradutor não só de repertó-
arte, livros, etc. Do mesmo modo, a televisão, rios, mas também das distintas semioses
queira-se ou não, é também produtora cultural, de uma mídia para a outra, o jornalista
uma cultura que mistura entretenimento, farsa, científico é, ao fim e ao cabo, uma espé-
informação e educação informal, funcionando cie de artista, pois pratica a arte de tornar
ao mesmo tempo como o mais almejado meio inteligível o mais complexo e mais espe-
de difusão da ciência, arte e cultura, dado o al- cializado dentre todos os discursos huma-
cance do público que ela pode atingir. nos, o discurso da ciência.
Referências
CARVALHO, A. M. et al. Aprendendo metodologia científica: DEMO, P. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1985.
uma orientação para os alunos de graduação. São Paulo: O FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernis-
Nome da Rosa Ed., 2000. mo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
COSTA, N. C. A. da. O conhecimento científico. São Paulo: Fa- RUDIO, F. V. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 17ª ed.
pesp/Discurso Editorial, 1977. Petrópolis: Vozes, 1992.