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PENSAMENTO
CIENTÍFICO
FILOSOFIA, EPISTEMOLOGIA E PENSAMENTO CIENTÍFICO
OBJETIVOS E PROPOSTA DA DISCIPLINA
• A proposta desta disciplina consiste em apresentar a razão científica ocidental em seu devir
histórico, que encontra seu ápice na razão/racionalidade moderna e sua empresa
totalizante/universalizante.
• Também, visamos a apresentar uma série de teorias críticas contra hegemônicas que têm se
colocado, nas últimas décadas, como “alternativa ao pensamento científico tradicional”, (LEMOS,
2019: 21)
• “Ao longo do tempo, enquanto as ciências, em geral, e as Ciências Sociais, em particular, desenvolviam-se no Ocidente, foi
se constituindo um universo de supervalorização do conhecimento acadêmico formal em detrimento de outros discursos e
saberes. Essa tendência entrelaça-se aos pressupostos da modernidade e acaba exaltando não apenas a fala científica,
mas também a fala daqueles que, por razões históricas, estavam em posições privilegiadas no mundo e que, por isso, eram
capazes de exercer formas de dominação não apenas política e econômica, como também intelectual” (LEMOS, 2019: 20-
21).
• Nos interessa, portanto, também discutir sobre a relação entre produção de conhecimento e
relações de poder, tema que nos leva a questionar a ideia de uma pura neutralidade objetiva e
universalidade do conhecimento científico produzido ao longo da história do mundo ocidental.
CIÊNCIA/PENSAMENTO CIENTÍFICO
• Podemos definir ciência como um conjunto de conhecimentos sobre o mundo, que se apesenta como
um saber objetivo, racional e distinto do senso comum, ou seja, das certezas da vida cotidiana.
Seguindo Marilena Chauí, identificamos algumas das características da “atitude científica”, (CHAUÍ,
2013: 274). A ciência e, particularmente, a ciência moderna, inaugurada com a Revolução Copernicana
na época moderna, entende ser um saber:
• 1) objetivo, pois visa a conhecer as leis e estruturas universais e necessárias que regulam os
fenômenos;
• 2) racional, pois baseado num método sistemático e rigoroso. A referência ao método racional torna o
conteúdo da ciência algo controlável, que pode ser verificado ou falsificado, interpretado e modificado;
• 3) quantitativo, pois busca o que na realidade pode ser traduzido em números, quantidades e
mensuras;
• 4) causal, pois busca relações de causa e efeito entre os fenômenos, leis gerais que governam
diferentes tipos de fenômenos.
• “A atitude científica opera um desencantamento ou um desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças
secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a
todos”, (CHAUÍ, 2013: 275).
ASPECTOS DO ESPÍRITO CIENTÍFICO
• No livro intitulado Uma introdução à filosofia das ciências, da vida e da saúde, Alfredo Pereira Jr, Marina
Zuanazzi Cruz e Ramon Capelle de Andrade identificam as características da “mentalidade científica”:
• 1) capacidade de análise e sínteses através da qual cada problema é dividido em suas partes principais e mais
simples e logo depois reconstruído em sua dimensão global, visando a uma solução complexa.
• 2) capacidade crítica como capacidade de identificar falhas nos discursos e nas teses apresentadas. A
capacidade crítica nos permite revisar estas falhas e, na medida do possível, superá-las.
• 3) capacidade de raciocínio, de criação de hipóteses através da identificação de causas dos fenômenos
estudados. A ciência nos diz, assim, não somente como funcionam os fenômenos, mas sobretudo o porque
que funcionam desta forma e não de outra, ou seja, nos fornece uma justificativa racional deste
funcionamento.
• 4) capacidade de acompanhar o constante devir e desenvolvimento da ciência em seus debates mais atuais
• “A ciência não constitui um conjunto de resultados definitivos. Constitui, antes, um processo de produção de
conhecimentos, em constante autossuperação. Entender a ciência não é apenas conhecer seus principais resultados, mas,
antes, e talvez, sobretudo acompanhar a discussão viva que ocorre em revistas especializadas, congressos e reuniões de
sociedades científicas”, (PEREIRA JR; CRUZ; ANDRADE, 2012: 9).
CIÊNCIA E SENSO COMUM
• Para a tradição filosófica e científica ocidental, a ciência constitui um corpus de conhecimentos que se
diferencia do senso comum, ou seja, da experiência direta e espontânea, das práticas culturais que repetimos
ou das tradições que herdamos sem colocá-las em questão. O senso comum constitui a modalidade
elementar do conhecimento e é indispensável para a vida de todos os dias, mas é um conhecimento
espontâneo, superficial e não metódico. Por isso, não se trata de um pensamento crítico, refletido nem
orientado para procurar as razões dos fenômenos. Na esfera do senso comum, as opiniões se multiplicam
sobre um dado tema, sem porém que haja a possibilidade de definir, com conhecimento de causa, qual delas
é a melhor.
• “O conhecimento do senso comum é composto de tudo aquilo que aprendemos espontaneamente,
observando os outros agirem, ou por experiência própria. Por exemplo, saber que o fogo queima os dedos é
um saber de senso comum, pois foi adquirido quando tivemos a experiência de colocar os dedos em contato
com o fogo. Para saber que o fogo queima não precisamos obviamente ter nenhum conhecimento de Física
ou Química. Neste sentido, o senso comum é anterior a toda ciência, e é necessário para que a própria
ciência possa se constituir (...). O senso comum (anterior à ciência, e necessário para que ele possa se
constituir) é o nosso guia para a vida quotidiana, mas é em geral, insuficiente quando se trata de dar
explicações mais abrangentes sobre as causas dos fatos que observamos”, (PEREIRA Jr; CRUZ; ANDRADE,
2012: 16).
CIÊNCIA/SENSO COMUM
Vale a pena destacar que a emergência do conhecimento científico provocou rupturas e
conflitos com o senso comum, ao colocar em dúvidas muitas de suas crenças, e ao exercitar
a crítica de hábitos cristalizados. No domínio biológico, por exemplo, duas teorias que
afrontaram o senso comum, no século XIX, foram a teoria microbiana das doenças e a teoria
evolucionista. Não foi fácil demonstrar que um ser invisível ao olho nu poderia, por sí,
causar a doença e a morte de grandes animais. Foi igualmente necessário um trabalho
científico árduo para se demonstrar que as formas de vida se alteram ao longo do tempo.
Pasteur e Darwin foram, respectivamente, os autores destas demonstrações” (PEREIRA Jr;
CRUZ; ANDRADE, 2012: 10).
“A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em hábitos,
preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em pesquisas,
investigações metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias sejam inteiramente
coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciência é um conhecimento que resulta de
um trabalho racional”, (CHAUÍ, 2013: 276).
EPISTEMOLOGIA
A filosofia lida com a investigação sobre o sentido das coisas. Sua abordagem consiste em
procurar explicações puramente racionais sobre a realidade. O que caracteriza a filosofia
é, então, o apelo ao logos, à argumentação racional. A atitude filosófica é a atitude crítica
que consiste em levantar perguntas e questões sobre tudo o que é tido como certo, a
partir da tradição e do sentido comum, tentando formular resposta a partir do método da
pesquisa racional. Filosofia é filo-sofia, ou seja, amor e desejo pelo conhecimento, amor
pelo saber e pela verdade, não possessão e conhecimento fechado. Na tradição grega, filo-
sofos não é que possui a sabedoria e o conhecimento, mas quem está constantemente
movido pelo desejo de saber, quem está animado pela procura da verdade.
O QUE É RAZÃO
• Como podemos fazer solidas críticas para a ciência moderna e para a racionalidade ocidental sem com isso desacreditá-la
completamente e sem renunciar ao espírito crítico e à pesquisa racional? Marcelo Rodrigues Lemos (2019) utiliza a ideia
de cabotagem como uma metodologia. A cabotagem é uma técnica de navegação que consiste em ir de um ponto ao
outro sem jamais perder de vista a costa. Por isso se opõe à navegação em mar aberto, quando a costa sai do horizonte.
Escreve o autor:
• “A metáfora da cabotagem guiou as ponderações realizadas neste estudo, já que ele realiza um contraponto à ciência
moderna, sem a desautorizar por completo (...). Ter o pensamento acadêmico da modernidade como um referencial e,
concomitantemente, oferecer a ele outras opções reflexivas é cabotar metodologicamente. Assim, em síntese, a pesquisa
é uma crítica à ciência realizada a partir do seu próprio arcabouço conceitual” (LEMOS, 2019: p. 29).
• Essas considerações são muito interessantes pois nos mostram que é possível criticar de forma contundente a tradição
filosófico-científica ocidental, sem com isso abandonar as ferramentas da crítica racional e da pesquisa rigorosa e sem cair
portanto em uma posição anti-ciência e na irracionalidade. Ou seja, o fato de produzir teoria e de apelar para ferramentas
conceituais e filosóficas não impede que se questionem estas mesmas ferramentas conceituais e científicas. Escreve ainda
Lemos:
• “É nessa direção que esta análise valoriza, metodologicamente, as diferentes tradições e visões do mundo, mediante
valores como o pluralismo e a diversidade, em detrimento de um discurso hegemônico, autoritário e impositivo sobre
como se fazer Ciência, sobre o que é verdade” (LEMOS, 2019: p. 31).
PARA UMA CIÊNCIA PLURAL E DEMOCRÁTICA
• Como perseguir uma abordagem plural e democrática da ciência? Tentando responder a esta
pergunta, podemos indicar que, ao criticar a hegemonia da ciência acadêmica (ocidental),
como único e verdadeiro modelo de conhecimento e de interpretação da realidade, nossa
proposta também se distancia totalmente de posturas e reivindicações anti-científicas e
antirracionais, dogmáticas e autoritárias, como as que temos visto recentemente associadas
ao terraplanismo, ao movimento antivax, ao negacionismo do aquecimento global e outras
ideologias deste tipo, onde o descredito da ciência está associado à promoção de ideias anti-
democráticas e reacionárias. Ao criticar a hegemonia do saber acadêmico e seus privilégios
de classe, raça e gênero, precisamos, então, ter cuidado com atitudes anti-acadêmicas e com
um anti-intelectualismo que reforça posições autoritárias e abertamente anti-democráticas.
• A afirmação do pluralismo na ciência e na pesquisa significa abertura e diálogo com uma
multiplicidade de saberes e produções de conhecimento que se manifestem compatíveis e
engajados com valores como a justiça social, da inclusão democrática, da promoção da
diversidade cultural, da luta antirracista, antissexista, anti-lgbtiqfóbica, ect. Será prioritário,
então, reconhecer e promover aqueles saberes e conhecimentos que não assumam atitudes
de superioridade e de ‘soberania epistêmica’ em relação a outros.
NÃO QUEREMOS O ANTI-INTELECTUALISMO!
• As epistemologias anti-hegemônicas, que iremos abordar, nos propõe a ideia de cabotar a ciência ou também a ideia de
uma circularidade entre senso comum e senso crítico. Ou seja, mais do que uma oposição ao senso comum, um
distanciamento, como o que a filosofia e a ciência clássicas têm procurados, podemos pensar no modelo de uma continua
circularidade entre senso comum, saberes populares e reflexão teórico-filosófica. É o caso, por exemplo, de uma filosofia
ou de uma ciência feminista, decolonial e antirracista para a qual é importante resgatar o papel crítico dos movimentos
sociais e do engajamento das minorias como parte fundamental da reflexão crítica. Precisamos tencionar o senso comum,
os saberes populares, o aporte dos movimentos sociais, os conhecimentos e as lutas das minorias com um saber crítico e
reflexivo.