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REGULAÇÃO

PROXY
ADVISOR
RECOMENDAÇÃO DE VOTOS EM ASSEMBLEIAS

A Comissão de Valores americana, SEC, bateu o martelo em relação


a um tema de suma importância. Ela passou a exigir que um proxy
advisor, as consultorias que recomendam votos em assembleias de
acionistas, passem a fornecer os relatórios que comercializam com
os gestores para as companhias abertas. E que também publiquem
e disponibilizem a resposta das companhias abertas antes da
recomendação final de voto, para melhor discernimento dos gestores.
por FERNANDO CARNEIRO

A emenda entra em efeito tecnicamente a partir de 22 de Setem- prejudicadas pois a recomendação de votos, num ambiente
bro de 2020, ou seja, 60 dias após a publicação no Diário Oficial de duopólio, levava a uma adesão gigantesca por parte de
(Federal Register), mas as firmas afetadas só entrarão em com- significativa parcela de gestores, sem que certos elementos
pliance da Regra 14a-2(b)(9) partir de 1 de Dezembro de 2021. fossem considerados.
Então a próxima temporada de assembleias poderá ter proxy ad-
visor ainda oferecendo “serviços de consultoria” a companhias. Algumas companhias abertas pagam em torno de U$ 5,000
Essa regra também tem nuances e trata no seu âmago uma si- por relatório, mas muitas recebiam uma cópia grátis de
tuação de duopólio. Mas isso na superfície, pois ela visa sanar seus proxy solicitors, as firmas que cabalam votos e apoio
outras incongruências. A Institutional Shareholder Services (ISS) e a para as companhias em seus conclaves. Ficava realmente
Glass Lewis (GL), representam cerca de 97% do mercado. difícil policiar esse vazamento, por assim dizer.

Aparentemente, a regra visava acabar com o negócio “cor- De todo modo, essa nova regra é sim uma vitória para as
porativo” da ISS, que oferece uma consultoria para compa- companhias abertas. Não terão que passar pelo que críticos
nhias abertas antes de comercializar sua recomendação de chamam de crivo extorsivo da ISS, e ainda por cima terão
voto em assembleia junto a gestores. Mas há também o fato um tempo hábil para complementar uma recomendação e
de que as companhias abertas não tinham espaço algum análise de voto com o seu lado da história. Isso é algo real-
para “mostrar o seu lado” em situações de disputa, por as- mente histórico e um pouco curioso dado o atual ambiente
sim dizer, tanto no caso da ISS como da GL. E se sentiam regulatório. Esperava-se uma normativa nesse sentido há

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um certo tempo, e nada tinha sido feito. Curiosamente, in-
vestidores institucionais e representantes de investidores
Em situação extrema de
eram contrários a uma mudança pois alegavam que tais
esforços poderiam comprometer a independência da reco- disputa entre minoritários e
mendação dos proxy advisors. Aqui cabe afirmar que trata-se
de prover o contraditório a todos os investidores.
controladores é inegável que
o histórico de recomendação
Em situação extrema de disputa entre minoritários e contro-
ladores é inegável que o histórico de recomendação tanto da tanto da GL como da ISS é
GL como da ISS é pró-minoritário de forma esmagadora. Daí pró-minoritário de forma
o apoio, mesmo que ultimamente envergonhado, de investi-
dores institucionais. Alguns críticos, portanto, afirmam que esmagadora. Daí o apoio,
a regra é uma solução em busca de um problema, o famoso
mesmo que ultimamente
overreach de atribuições. Por exemplo, Allison Herren Lee foi a
única comissária que votou contra. Em seu dissenso, a demo- envergonhado, de investidores
crata mostrou preocupação com a independência dos proxy
advisors. Ela se aproveitou do fato de que isso, na percepção
institucionais.
de incautos, seria o equivalente a dar mais poderes às compa-
nhias abertas. Herren Lee também demonstrou preocupação
com custos adicionais e demoras. uma “grande vitória”. Ele afirma que “...poderemos empode-
rar as indústrias buscando a recuperação de nosso país nesse
O que ficou claro com a nova regra é que a SEC enxergou período crítico.” O NIRI publicou uma nota mencionando um
que a recomendação de voto num ambiente de duopólio, estudo de 2018 que mostra que 175 instituições com cerca de
com consultoria junto a companhia pelas portas do fundo, U$ 5 trilhões em recursos sob gestão votaram com a ISS em
era o equivalente a uma solicitação. Agora os fundos e in- mais de 95% das vezes. Gary LaBranche, presidente do NIRI,
vestidores terão acesso às respostas das companhias aber- disse que “essa decisão permite que as companhias abertas e
tas, junto às considerações e recomendação de voto dos pro- suas equipes de RI podem receber o acesso apropriado aos re-
xy advisors. Torna-se obrigatória também a informação da latórios antes dos votos, e poderão enviar respostas que serão
metodologia, informação relevante, materialidade e fontes compartilhadas com os clientes...”.
usadas para a recomendação.
Finalmente, vale ressaltar que a Divisão da Gestão de Inves-
Quando se fala nas “companhias abertas” e seus interesses, timento da SEC também publicou uma nova recomendação
vemos que ainda temos uma distorção grave em termos de (guidance) para quem contrata plataformas automáticas de
teoria da agência, isso independente da nova regra da SEC. voto junto aos proxy advisors. Esses sistemas permitem uma
Conforme é sabido, os minoritários são perfeitamente aco- espécie de “pré-população” de dados e instruções de votos
lhidos tanto pela ISS como pela GL. E retirar um pouco do sem que o cliente tome outra iniciativa. O NIRI demons-
poder de fogo das duas pode ter consequências não espera- trou preocupação com o tema em 2017. Agora, essa deter-
das. Ou seja, isso vai beneficiar a companhia aberta? Ou os minação leva em conta que o sistema terá contra pesos, no
seus administradores (management)? O que ocorre na maio- caso, o input da companhia aberta em recomendação de
ria esmagadora de disputas societárias é o desalinhamento votos por parte dos proxy advisors. RI
de tais objetivos e interesses. Que deveriam ser iguais. Mas
o management em geral é servil em relação ao interesse
dos controladores. Não creio que tal regra vá mudar a fi-
losofia de ISS e GL. Mas veremos o aumento de apoio aos
administradores atuais das companhias abertas.
FERNANDO CARNEIRO
é diretor da IHS Markit, baseado em São Paulo.
Do outro lado, a comunidade e instituições que apoiam as fernando.carneiro@ihsmarkit.com
companhias abertas, como a U.S. Chamber of Commerce, es-
tão saudando a nova regra. Jay Timmons, CEO da National
Association of Manufacturers, considerou a posição da SEC

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