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AULA 4

COMPLIANCE DIGITAL E
GOVERNANÇA CORPORATIVA

Prof. Felipe Santos Ribas


INTRODUÇÃO

Abordagem Conceitual e Fundamentos da Governança Corporativa

As discussões em torno do compliance vem crescendo bastante e é um


tema umbilicalmente ligado à governança corporativa. Não há como tratar dele
sem tocar na questão da governança, pois, conforme será visto nesta aula, é um
de seus pilares de sustentação. Se até alguns anos atrás apenas grandes
corporações dedicavam tempo e dinheiro a esses assuntos, hoje esse cenário
mudou.
Em parte, esse debate foi levantado quando vieram à tona os graves
escândalos de corrupção envolvendo a Administração Pública. Com efeito, quem
se graduou há mais de cinco anos provavelmente não cursou a disciplina de
compliance no curso de graduação ou até mesmo nem sequer ouviu falar do
assunto.
O compliance começou a ser disseminado com a aprovação da Lei
Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013), e justamente por isso a maioria das pessoas
só conhece a agenda anticorrupção do compliance. Como foi visto anteriormente,
de fato ele nasceu como um instrumento de combate à corrupção, mas atualmente
sua pauta de atuação está bastante ampliada e vai muito além da esfera criminal,
incluindo programas específicos de compliance trabalhista, tributário,
socioambiental e digital, que é o tema desta disciplina.
As empresas têm grande preocupação com os danos reputacionais e,
consequentemente, financeiros que um problema de compliance pode causar.
Mas para compreender todos esses reflexos e como funciona a gestão de riscos
de uma corporação, é preciso conhecer a governança corporativa, pois é nela que
se encontram as bases do compliance, inclusive o digital, conforme será visto na
sequência.

TEMA 1 – GOVERNANÇA CORPORATIVA: ABORDAGEM CONCEITUAL

O termo governança é polissêmico, ora se confunde com gestão, governo


e governabilidade, ora se remete às expressões governança global, governança
corporativa e governança pública. Segundo Philippe Moreau Defarges (citado por
Villas Boas Filho, 2016), ele teria origem na França, no século XII, e significaria a
direção das circunscrições administrativas e judiciárias, os “bailiados” franceses

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da época medieval.
Por sua vez, a expressão governança corporativa é bem mais recente,
tendo surgido no final dos anos de 1980 nos Estados Unidos (Marinelli, 2005) a
partir do ativismo acionário de investidores na bolsa de valores. Ela está
relacionada ao processo de otimização da companhia, que envolve um sistema
estruturado de monitoramento, gestão, transparência e relacionamento entre
administradores, acionistas, investidores e terceiros interessados (IBGC, [s.d.]).
Os problemas de governança corporativa não são exclusivos de uma
sociedade anônima de grande porte. Sim, as boas práticas podem ser aplicadas
em empresas menores, inclusive em sociedades limitadas. Um mercado, por
exemplo, que tenha sócios familiares como proprietários pode ter problemas
seríssimos de governança.
O que leva empresas a adotarem um modelo de governança é a
necessidade de crescimento e competitividade. Por passarem maior segurança a
seus acionistas, administradores, investidores e trabalhadores, elas possuem
menor custo de captação de dinheiro, o risco de fraudes e desvios é mitigado, há
uma valorização da sustentabilidade e com isso conseguem fechar mais negócios
(Marinelli, 2005).
Embora não seja um sistema específico para grandes empresas, é bem
verdade que o ponto seminal da governança corporativa está na obra de Adolf A.
Berle e Gardiner Means, The Modern Corporation and Private Property (1932). Os
autores apontam que o gigantismo das companhias e a consequente pulverização
das ações levariam a uma série de conflitos societários, em decorrência do
desalinhamento de interesses entre acionistas e administradores (Saito; Silveira,
2009).
Tal desalinhamento é alimentado pelos anseios de ganhos pessoais. Como
tanto acionistas quanto administradores são maximizadores da sua felicidade,
nem sempre perseguirão os mesmos objetivos. Certamente para os primeiros, o
interesse perseguido são os lucros maiores, e para os segundos, bônus e
remuneração (Fontes Filho, 2004).
Esse conflito de interesses foi profundamente trabalhado por Jensen e
Meckling, responsáveis por desenvolver a Teoria da Agência, fundamental para o
estudo e compreensão da governança corporativa. Tais autores descrevem o
conflito societário como um conflito de agência entre o principal (por exemplo, o
acionista que delega poderes) e o agente (o administrador que recebe os poderes

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para agir em nome da companhia), em um cenário com informações assimétricas
(Saito; Silveira, 2009) e que, em um cenário de desconfiança e de falta de
transparência, pode impedir a maximização do valor econômico da empresa
(Mackaay; Rousseau, 2015).
Deve-se destacar que a informação é um elemento primordial e
imprescindível para que acionistas e investidores possam tomar decisões e
fiscalizar os comportamentos da empresa investida (Famá; Grava, 2000). Para
obter essas informações e monitorar os administradores, as partes interessadas
precisam incorrer em custos de agência que correspondem a despesas de
monitoramento (contratação de assessores, advogados, auditores etc., viagens
para participar das reuniões e assembleias, aquisição de relatórios e outras) e a
perdas residuais decorrentes de decisões divergentes dos executivos (Jensen;
Meckling, 2008).

TEMA 2 – TEORIAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Não se pode negar que a governança corporativa encontra suas bases na


teoria da agência. Invariavelmente, os problemas que impedem a empresa de
maximizar seu valor decorrem de um conflito de interesses. Não é incomum
investidores venderem ações por não confiar nos administradores ou por não
suportar os abusos por parte do acionista controlador.
Apesar da grande influência dessa teoria, deve-se destacar que os modelos
e práticas de governança também buscam fundamentos em outras, conforme
veremos a seguir.
De modo geral, o desenho de um modelo de governança corporativa está
relacionado com o propósito da empresa: se ela está voltada apenas para atender
aos interesses dos acionistas ou controladores ou se também se preocupa com
os de outras partes, como acionistas minoritários, investidores, credores,
trabalhadores, meio ambiente etc.
Sob a ótica jurídica, o interesse social de uma corporação (propósito) é
reflexo da corrente teórica que rege o direito empresarial de um país, que pode
seguir a noção contratualista ou a institucionalista; ambas balizam estruturalmente
os interesses de uma empresa (Frazão, 2017). Para a maioria dos autores
brasileiros, o nosso código civil adotou a noção contratualista, que prega que, nos
limites de sua liberdade, os sócios podem estabelecer o propósito e a gestão dela
(Derzi, 2006). Ela rejeita qualquer intervencionismo estatal e defende que nenhum

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interesse social pode se sobrepor ao dos sócios (Salomão Filho, 2011); por
conseguinte, os administradores deveriam gerir a sociedade no exclusivo
interesse dos sócios.
Já a concepção institucionalista tem um caráter mais solidário, pois
tempera o interesse exclusivo dos sócios com os de outros interessados. O
institucionalismo compreende o interesse social como o de todos aqueles que
estão envolvidos com a sociedade (Serra, 2010). De origem alemã, surgida na
segunda metade do século XX, essa corrente enxerga a sociedade como um ato
coletivo em que os sócios a ela aderem como um organismo social, não havendo
a celebração de um contrato, como ocorre no contratualismo.
Em governança corporativa, essas duas correntes jurídicas são
reinterpretadas pelas teorias dos shareholders (acionistas) e dos stakeholders
(terceiros interessados).
O modelo de governança shareholder value, de caráter liberal, muito
comum nos Estados Unidos, é estruturado para buscar a maximização dos lucros;
logo, os administradores devem envidar esforços para aumentar a riqueza dos
acionistas (Veiga, 2012). Para esse modelo, os interesses de terceiros já são
resguardados pelo ordenamento jurídico, como a legislação do trabalho, os
códigos de defesa dos consumidores e as leis ambientais, razão pela qual deve
ser rechaçada qualquer tentativa de intervencionismo estatal na empresa.
Segundo seus defensores, ele é o mais eficiente, pois encoraja o cidadão a
empreender e gerar riquezas para um país.
Por sua vez, o modelo stakeholder value foi desenvolvido nos anos de 1970
pelo norte-americano Edward Freeman que, inicialmente, tinha o objetivo de
formar um curso para que os executivos pudessem compreender o ambiente que
cerca as companhias. O termo stakeholder compreende os terceiros que possuem
alguma relação com a empresa, tais como credores, trabalhadores, consumidores
e meio ambiente (Boaventura, 2008).
Na visão de Freeman, os executivos devem olhar para os stakeholders com
estratégia empresarial, pois as ações desse público geram efeitos na empresa
(Cruz, 2018). Para alguns autores, esse modelo de governança é o que deve
triunfar no mundo, especialmente em razão das questões socioambientais e
também por ser mais ponderado (Mackaay; Rousseau, 2015).
Ressalta-se, por oportuno, que a Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976
(Lei das Sociedades Anônimas), adotou um perfil institucionalista, o que fica bem

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claro pela leitura do parágrafo único do art. 116:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou


jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob
controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente,
a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar
o funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o
fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função
social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente
respeitar e atender. (Brasil, 1976, grifo nosso)

Perceba que, além de determinar a observação da função social da


empresa, a Lei das Sociedades Anônimas prescreve que o acionista controlador
deve respeitar os direitos dos minoritários, dos empregados e da comunidade
local. Esse é um dos dispositivos legais que fundamentam, por exemplo, a
obrigação de a empresa ter responsabilidade social.
Além das teorias dos shareholders e dos stakeholders, a governança
corporativa também foi bastante influenciada pelas teorias da firma e a da
dependência dos recursos. No caso da primeira, a empresa nada mais é que uma
rede, um entrelaçado de contratos (por exemplo, contrato de constituição da
sociedade, contratos com os administradores, contratos com os fornecedores,
contratos com os trabalhadores etc.). A contratualidade é a base da empresa
(Cavali, 2014).
Por outro lado, a empresa serve como estrutura organizativa de contratos
e, na maior parte das vezes, é constituída para reduzir os custos de transação
encontrados no mercado (Coase, 1937). Portanto, “uma firma, ao invés de ser
definida por sua função de produção, visão clássica, é tida como entidade, cuja
vocação é coordenar um emaranhado de contratos, objetivando redução de
custos de transação” (Rossoni; Silva, 2010, p. 178).
Imagine uma empresa que atue no ramo de concretagem, mas que não
tenha um contrato fixo de fornecimento de cimento. Essa situação gera um risco
(preço, condições, volume, garantias etc.) ao empresário, pois toda semana
precisa buscar um novo fornecedor no mercado. Se o mercado fosse sempre mais
eficiente do que a empresa, esta não precisaria existir; o agente econômico
sempre se valeria dele para realizar as transações comerciais. Há de fato
situações em que o mercado funciona com eficiência, como no caso dos

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aplicativos de transporte: a empresa dona do aplicativo não tem frota de veículos
e se vale do mercado (contratos com os motoristas) para fazer o negócio girar.
Mas perceba que, em todas essas situações, seja com arranjos intrafirma,
seja com arranjos no mercado, faz-se necessário um modelo de governança rígido
para que a organização empresarial funcione. No caso do aplicativo de transporte,
as falhas dos motoristas podem prejudicar o aplicativo (perda de clientes,
indenizações etc.), logo é preciso um monitoramento constante e eficiente.
Em síntese, são essas contribuições da teoria da firma para a governança
corporativa. Por fim, resta analisar a teoria da dependência dos recursos.
Elaborada por Jeffrey Pfeffer e Gerald Salancik, ela defende que a sobrevivência
das empresas depende de um relacionamento adequado com o ambiente que as
cerca (Rosseto; Rosseto, 2005). Nesse sentido, para mitigar os riscos, os
administradores precisam estar atentos às mudanças (legislativas, tecnológicas
etc.) e às oportunidades do concorrido ambiente empresarial (formação de
parcerias, contratação de talentos etc.).

TEMA 3 – OS QUATROS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA GOVERNANÇA


CORPORATIVA

De modo geral, os manuais e códigos apontam que a governança


corporativa possui quatro princípios fundamentais que estão relacionados a
alguns marcos evolutivos da governança (Rosseti; Andrade, 2011). O primeiro
remete ao final da década de 1980 quando o investidor norte-americano Robert
Monks começou a realizar um ativismo junto ao Poder Público, especialmente à
Securities Exchange Comission (SEC) (equivalente à Comissão de Valores
Mobiliários), exigindo regras mais rígidas para as companhias a fim de evitar a
expropriação (lesão) dos seus acionistas/investidores (Rosseti; Andrade, 2011).
O ativismo de Monks estava baseado em dois valores fundamentais: o
senso de justiça (fairness) e a conformidade legal (compliance) (Rosseti; Andrade,
2011), que acabaram sendo incorporados como princípios fundantes da boa
governança e estão replicados em todos os códigos de governança corporativa.
O senso de justiça possui uma base ética que prega o respeito da companhia aos
acionistas minoritários (outsiders) e investidores (stakeholders). A empresa deve
ser transparente, justa e responsável com todos aqueles que ajudam na sua
capitalização, e não apenas com os acionistas controladores (insiders) (Van
Burren III, 2001).
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Em paralelo com o senso justiça, Monks também exigia que as atividades
das empresas e seus administradores estivessem em conformidade legal, ou seja,
em compliance. Como esse tema será abordado nas aulas da disciplina, uma
breve introdução é feita aqui, sem a pretensão de esgotar sua análise nesse
primeiro momento.
Em síntese, o termo compliance tem origem no verbo inglês to comply, que
significa “agir de acordo”, “em conformidade” com as normas internas da empresa,
com a ética e com o ordenamento jurídico (Carvalho, 2018). Ele emergiu nos
Estados Unidos na década de 1960 após a regulamentação da SEC, que passou
a exigir programas de conformidade para as empresas com o objetivo de se
instituírem processos internos de controle e fiscalização de operações financeiras.
Trata-se de um sistema que se orienta de forma preventiva com vistas a
mitigar riscos para a organização. Apesar de estabelecer um laço estreito com o
problema da corrupção, o compliance possui uma agenda muito mais ampla que
se preocupa com um leque de questões reputacionais, cíveis, criminais e
socioambientais, as quais serão exploradas com maior profundidade nesta
disciplina.
Além do senso de justiça e da conformidade, a governança corporativa
também é orientada pelos princípios da transparência e da prestação de contas,
os quais são intimamente relacionados com o senso de justiça. Em verdade, pode-
se afirmar que são valores decorrentes. Eles surgiram com a segunda onda
evolutiva da governança, no início da década de 1990, quando da publicação, na
Inglaterra, do Relatório Cadbury, cujo objetivo era melhorar a atuação e as
responsabilidades dos conselhos de administração (Rosseti; Andrade, 2011).
Ser uma empresa transparente exige que os administradores informem e
disponibilizem às partes relacionadas (acionistas e investidores) todas as
informações (full disclosure) que sejam do interesse delas, e não apenas aquelas
obrigatórias por lei (Prado, 2011).
Por fim, o dever de prestar de contas (accountability) é direcionado aos
agentes de governança (sócios, administradores, conselheiros de administração,
executivos, gestores, conselheiros fiscais e auditores), cujos atos devem ser
divulgados, ficando eles responsáveis pelas consequências decorrentes (Prado,
2011).

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TEMA 4 – A EVOLUÇÃO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL

A governança corporativa começou a ser disseminada no Brasil na década


de 1990, no ápice da globalização e na esteira das grandes privatizações (Rosseti;
Andrade, 2011). Devido a entrada de players estrangeiros, fizeram-se necessárias
algumas transformações no modo de governar as companhias para que o país
estivesse aderente às boas práticas internacionais.
É preciso ponderar, contudo, que a Lei n. 6.404/1976 (Lei das Sociedades
Anônimas) já previu algumas regras que disciplinassem o relacionamento entre
os acionistas e entre estes e os administradores, como por exemplo o art. 115,
que estabelecia limites para o voto do acionista controlador (Brasil, 1976).
Portanto, apesar de não serem nominadas na época de normas de
governança, a lei acionária de 1976 já regulava em certos aspectos os conflitos
societários entre as partes interessadas. O que ocorreu com a entrada de grupos
estrangeiros foi que o Brasil se viu obrigado a melhorar a regulação da
governança, especialmente com relação ao mercado de capitais (Borges; Serrão,
2005).
Com os grandes processos de fusões e aquisições, vivenciaram-se
também um aumento da produtividade industrial (Rosseti; Andrade, 2011) e
consequente crescimento das empresas, que acabaram se capitalizando por meio
da abertura de capital (negociação de ações na bolsa de valores), o que provocou
substanciais mudanças em nosso mercado financeiro e de capitais (Vieira;
Mendes, 2004).
Em decorrência do recrudescimento das práticas de governança, surgiu no
final dos anos de 1990 o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
(Silva, 2016), entidade pioneira que acabou lançando o primeiro código de
governança corporativa do Brasil (IBGC, [s.d.]).
Na sequência, no início dos anos de 2000, a Lei das Sociedades Anônimas
foi sensivelmente reformada pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001 (Brasil,
2001). No mesmo período, foi aprovada nos Estados Unidos a Lei Sarbanes-Oxley
(Sox Act), que introduziu várias práticas de governança, fato que acabou
repercutindo nas empresas brasileiras que possuem ações nas bolsas norte-
americanas, como Petrobras, Eletrobras, Cemig etc.).
Procurando acompanhar todas essas mudanças, nos anos seguintes a
Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa, atual B3) criou segmentos especiais de

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listagem com diferentes padrões de governança, que passam pelo nível 01, nível
02 e novo mercado. Em seguida, no ano de 2013 foi editada a Lei n. 12.846/2013
(Lei Anticorrupção), que trata da responsabilidade civil e administrativa das
pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a Administração
Pública nacional e estrangeira e que acabou fomentando a adoção dos programas
de compliance.
Finalmente, três anos mais tarde, entrou em vigor a Lei n. 13.303/2016, que
inaugura estatuto jurídico das empresas estatais e institui para elas uma série de
boas práticas de governança. Editado no epicentro dos grandes escândalos de
corrupção que assolaram as estatais brasileiras, esse dispositivo legal foi também
baseado nas diretrizes para a governança de estatais da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

TEMA 5 – OS MECANISMOS DE CONTROLE

Conforme já mencionado, a governança corporativa é um sistema que tem


por finalidade preservar o valor da empresa, mediante a instituição de
mecanismos de controle dos acionistas e administradores (Filardi; Tourinho,
2016). Existem diversos controles, alguns decorrentes de previsão legal e outros
previstos em instrumentos soft law, como códigos de governança e regulamentos
das bolsas de valores. São exemplos de mecanismos internos de controle o
conselho de administração, o sistema de remuneração dos administradores e os
limites estatutários de concentração acionária (Larrate, 2013).
O conselho de administração é considerado um dos principais mecanismos
de governança. É o órgão que está no topo da estrutura administrativa da
empresa, acima da diretoria, e que tem o dever de proteger o patrimônio e
assegurar a maximização dos lucros para os acionistas. Deve-se destacar que,
apesar de serem indicados pelos acionistas, na posição de conselheiros os
indicados devem representar o melhor interesse da companhia, e não agir de
forma pessoalizada em favor de alguns.
O sistema de remuneração dos administradores é outro mecanismo
relevante, pois pode estabelecer incentivos para que ajam no interesse da
companhia. Por exemplo, algumas empresas estabelecem bônus a
administradores que atingem determinada meta, e tal estímulo melhora a
performance delas e, consequentemente, os lucros dos acionistas e investidores.
Já os limites para a concentração acionária impedem que os acionistas

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detenham excessiva quantidade de ações, a ponto de assegurar para eles o
controle exclusivo da companhia. Tal mecanismo protege o direito de os
minoritários também poderem ditar a sorte da empresa.
Além dos mecanismos de controle interno, há ainda os de controle externo,
tais como a possibilidade de tomada hostil do controle da companhia, o que coloca
em risco o emprego dos administradores, e a própria fiscalização dos reguladores
externos (CVM, Banco Central, Bovespa etc.). Isso exige uma atuação lícita e
transparente da empresa (Larrate, 2013).
Esses são apenas alguns exemplos de mecanismos de controle, mas há
diversos outros previstos na legislação de regência e que variam conforme o país
de origem. Por exemplo, nos Estados Unidos são exigidas algumas práticas que
não se aplicam no Brasil, e vice-versa.

CONCLUSÃO

Conforme demonstrado nesta aula, os debates em torno da governança


corporativa vêm ganhando espaço no Brasil. Os escândalos de corrupção, a
ineficiência das organizações e a necessidade de as empresas se capitalizarem
têm causado uma transformação no modelo de gestão das corporações.
De modo geral, todas essas questões estão relacionadas com um problema
de governança que, ao fim e ao cabo, se refletem no desempenho da companhia,
acionistas, investidores, empregados e credores.
A governança corporativa constitui um sistema pelo qual as empresas são
dirigidas e monitoradas e procura mitigar as tensões societárias entre as partes
relacionadas, com o objetivo de melhorar o desempenho da companhia (IBGC,
2015) e maximizar o retorno aos acionistas (Terra; Lima, 2006).
As soluções internas de um modelo de governança podem resolver
problemas de assimetria de informações e tornar a companhia mais segura para
quem negocia com ela, atraindo mais acionistas e investidores. Com efeito,
pesquisas têm demonstrado que a implantação da governança corporativa
impacta positivamente seu desempenho.
Informação é poder, já dizia George Stigler (1961). Nesse caso, um
mercado com alta assimetria de informações pode dificultar a negociação dos
papéis das empresas (ações, debêntures etc.) (Martins; Paulo, 2014). Por outro
lado, corporações bem governadas têm as ações valorizadas (Mackinsey &
Company, 2000), o que facilita o acesso ao crédito, pois elas aumentam a

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confiança dos investidores para adquirir ações (Procianoy; Verdi, 2009) e
possibilitam menores custos de capital (Leal, 2004).

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