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IMPACTOS DO VOTO PLURAL NO MERCADO

BRASILEIRO
03.SET.2021

Na última semana, foi sancionada a lei 14.194, de “Melhoria de Ambiente de Negócios”, permitindo

o voto plural no Brasil. O dispositivo possibilita que as companhias criem uma classe de ações

ordinárias que atribui mais de um voto por ação.

As discussões para implementar essa possibilidade no Brasil começaram em 2018, depois que

companhias como Stone e PagSeguro e XP Inc. fizeram ofertas públicas iniciais (IPO) nos Estados

Unidos. Em geral, as companhias que fizeram a listagem fora do Brasil adotaram o voto plural, com

exceção da Vitro.

Além de modernizar o ambiente regulatório do país, a nova lei permite que o empreendedor - ou

grupo que desenvolveu o negócio - possa manter o controle da empresa mesmo com uma

participação econômica reduzida, por meio das ações com voto plural.

Em entrevista ao Valor Econômico, nosso sócio-fundador, Francisco Müssnich (Chico), comentou

sobre as perspectivas de mercado com a sanção da nova lei. Segundo o advogado, da forma como

foi aprovado, o voto plural tem um “pacote completo de governança”. “A qualidade da lei depende

da qualidade do controlador. Nenhuma lei vai barrar um controlador desonesto”, afirmou Chico, que

foi um dos autores do texto do dispositivo que incluiu o voto plural, junto com Luiz Alberto Rosman e

Nelson Eizirik, além da B3.

Com a instauração do voto plural no Brasil, as regras do mercado de capitais e de proteção aos

acionistas não mudam. “Com ou sem voto plural, a CVM continua com o mesmo papel. O regulador

tem sido extremamente eficiente em questões de abuso de poder de controle”, acrescentou.


Voto plural: quebrando paradigmas
 15/12/2017
 

 0

Desde 1940, estabeleceu-se no Brasil a regra do "one share, one vote". Cada ação
ordinária de uma companhia corresponde um voto nas deliberações da assembleia-
geral, preservando a proporcionalidade entre capital investido e controle societário. A
regra foi mantida no art. 110, §2º, da Lei nº 6.404/1976, vedando a possibilidade de se
atribuir voto plural a qualquer classe de ações.

Entretanto, as transformações sociais e econômicas que ocorrem num mundo


globalizado e cada vez mais competitivo exigem uma nova reflexão sobre o tema.

Se, por um lado, durante décadas, um bom governo corporativo significava a adoção do
modelo do "one share, one vote", por outro, nos últimos anos, há uma mudança
estratégica nos negócios globais, tendo os mais diferentes ordenamentos jurídicos
flexibilizado a regra (Argentina, Inglaterra, Japão, Holanda, Finlândia, EUA, França e
Itália).

Eventual mudança na legislação brasileira, análoga a de outras jurisdições, poderia ser válvula de
escape para recuperar companhias

A Argentina permite que o estatuto social confira a cada ação ordinária o direito de até
cinco votos. No entanto, veda-se a emissão de ações de voto privilegiado após a
companhia ter sido autorizada a realizar oferta pública de suas ações, (art. 216 da Lei nº
19550).

Nos Estados Unidos é recorrente a adoção de ações com voto plural. A título de
exemplo, Facebook, LinkedIn, Groupon, Google, adotaram em seus IPO’s o modelo da
"dual-class shares", dando a seus fundadores poder de voto até 150 vezes maior do que
o concedido aos novos investidores. A razão da adoção desse modelo está no fato de
que os fundadores teriam maior interesse e comprometimento com o sucesso de longo
prazo da companhia. Optou-se então pelo sistema em que haveria dois grupos de
ações, em que o grupo das ações de classe A estaria submetido ao sistema de voto
proporcional, estando tais ações livres para serem negociadas no mercado, enquanto o
grupo de classe B de titularidade de investidores de longo prazo estaria sob o sistema
do voto plural. Nesse último caso, as ações de classe B poderiam ser negociadas no
mercado, mas, caso transferidas, perderiam o benefício do voto plural.
Atualmente o §313.00 do NYSE Listed Company Manual proíbe a emissão de nova
classe de ações sob o regime de voto plural que venha a diminuir o poder de voto dos
acionistas. Todavia, esse mesmo dispositivo permite que ações com poder de voto
diferenciado sejam emitidas (i) antes de um IPO; (ii) após a companhia ter realizado um
IPO desde que tenham as mesmas características das ações já emitidas; (iii) respeitando
a composição pré-existente do capital votante; e (iv) sob certas condições, em caso de
aquisição da companhia.

Ainda no cenário norte-americano, destaca-se o IPO realizado pela Snapchat no


primeiro semestre desse ano. A companhia possui três classes de ações ordinárias (A, B
e C): as ações de classe A não conferem direito de voto aos seus titulares, as de classe B
conferem um voto para cada ação, e as de classe C conferem dez votos por ação. É
espantoso, mas foram justamente as ações de classe A que foram objeto do IPO. No
entanto, apesar de soar estranho, ações ordinárias sem direito a voto servem ao mesmo
objetivo das ações com voto plural: manter com os fundadores o poder decisório sobre
a Companhia.

A França, por meio da Lei Florange (Lei nº. 2014-384) passou a aceitar o voto plural
como reação à crescente perda de espaço das empresas francesas no mercado. Com tal
mudança, hoje é possível conferir dois votos para cada ação (i) ao acionista que
mantiver seus papéis por, no mínimo, dois anos em uma companhia fechada e (ii) ao
acionista que mantiver suas ações por quatro anos em uma companhia aberta, desde
que haja previsão estatutária autorizativa.

A Itália, por sua vez, em 2014, por meio do Decreto nº 91/2014 convertido na Lei nº
116/2014, também passou a permitir o voto plural. Para as companhias listadas, limitou-
se o número de votos por ação a dois, só podendo obter tal benefício os acionistas com
mais de dois anos de investimento na companhia, seguindo a mesma lógica da
legislação francesa.

Para as companhias fechadas, possibilitou-se a emissão de ações com até três votos,
com circulação livre, sem restrição quanto ao tempo que o acionista deve manter seu
investimento na companhia para que usufrua do voto plural. A inserção dessa cláusula
em companhias fechadas deve ser aprovada por mais de dois terços dos sócios, sendo
ainda necessária oferta pública de ações aos demais acionistas, caso um acionista reúna
mais de 30% do voto.

Para entender o real benefício do voto plural, imaginemos uma startup, cujos
fundadores procuram investidores para alavancar seus projetos, mas não pretendem
vender suas ações, uma vez que – dentro da lógica do art. 110, §2º – isso implicaria na
perda do poder de controle. Admitindo-se no nosso ordenamento a possibilidade de
voto plural, ou seja, permitindo uma dissociação entre poder político e capital investido,
seria muito mais fácil para essas companhias receberem novos investimentos, o que
inclusive os investidores confiam no know-how e na expertise dos fundadores, estando
interessados na realidade no lucro que o investimento poderá lhes render.

Portanto, eventual mudança na legislação brasileira, de forma análoga ao ocorrido em


outras jurisdições, poderia representar uma válvula de escape para recuperar
companhias com problemas financeiros ou assegurar a permanência dos fundadores,
estando de acordo com a tendência global, podendo representar um incentivo para que
essas companhias recebam novos investimentos de forma mais simples e objetiva.

Francisco Müssnich é advogado no Rio de Janeiro e São Paulo e sócio do BMA –


Barbosa, Müssnich, Aragão
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal
não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou
por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Por Francisco Müssnich
Fonte : Valor

SANCIONADA A LEI QUE INSTITUI O VOTO


PLURAL E IMPLEMENTA OUTRAS MODIFICAÇÕES
RELEVANTES NA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA
27.AGO.2021

Lei resulta da conversão da MP 1.040 sobre o “Ambiente de Negócios” no Brasil.

Foi sancionada, em 26 de agosto de 2021, e publicada nesta sexta-feira, a Lei 14.195, resultante

do processo de conversão da Medida Provisória 1.040  (“MP”), com o objetivo de melhorar o

ambiente de negócios no Brasil.

Quando editada, a MP foi objeto do nosso Informativo, divulgado em 31.03.2021 (clique aqui). O

recente Marco Legal das Startups, que também trouxe modificações à legislação empresarial, foi

comentado em nosso Informativo enviado em 08.06.21 (clique aqui).


A MP sofreu diversas emendas ao longo do processo legislativo, tanto na Câmara dos Deputados

como no Senado, sendo a principal delas a instituição do voto plural na Lei 6.404/76 (Lei das

S.A.). Ao final, a Câmara, como casa iniciadora, rejeitou as emendas do Senado, mantendo o texto

que havia originalmente aprovado.  

A lei trata de aspectos voltados à facilitação de negócios no Brasil, como desburocratização na

abertura de empresas e no comércio exterior, a unificação de inscrições fiscais federal,

estadual e municipal no CNPJ, entre outras medidas, sendo um dos propósitos declarados pelo

Governo Federal melhorar a posição do País no ranking Doing Business do Banco Mundial, no qual

ocupa atualmente o 124º lugar.

Alguns dispositivos do projeto aprovado na Câmara foram vetados pelo Presidente da República,

incluindo aquele que extinguia a figura da sociedade simples. A lei voltará ao Congresso para

apreciação dos vetos, já produzindo efeitos a partir da sua publicação quanto ao texto sancionado,

observados os artigos sujeitos a vacatio legis.

Foram mantidas pelo Presidente todas as alterações na Lei das S.A., com exceção do

dispositivo que determinava que a CVM elaborasse e tornasse público material de orientação ao

mercado sobre quóruns e matérias não sujeitas ao voto plural.

Nesse Informativo, pela importância das alterações, focaremos no voto plural e nas demais

disposições introduzidas na Lei das S.A., deixando para uma outra oportunidade as novas regras

sobre notas comerciais, comércio exterior, entre outras.

Podemos dividir as alterações na Lei das S.A. em três principais tópicos:

- Voto Plural: permite às companhias criarem uma classe de ações ordinárias que atribui mais de

um voto por ação. Entre outros elementos, destacam-se os seguintes:


 pode ser adotado em companhias fechadas e abertas, exceto as já listadas na data da

publicação da lei;

 limitado a 10 votos por ação;

 limitado a sete anos, prorrogável por qualquer prazo mediante deliberação em assembleias

geral e especial (se houver ações preferenciais sem direito a voto);

 não há voto plural nas deliberações sobre remuneração dos administradores ou transações

com partes relacionadas.

- Assembleia Geral: aumenta o prazo mínimo de convocação das assembleias gerais de

companhias abertas, de 15 para 21 dias, e passa a exigir aprovação dos acionistas para transações

com partes relacionadas e alienação ou aporte de ativos relevantes; e

- Administração: permite a nomeação de diretor residente no exterior e, na companhia aberta,

torna obrigatória a eleição de conselheiros independentes, conforme a CVM venha a regulamentar,

e proíbe cumulação dos cargos de CEO e Presidente do Conselho de Administração, regras já

existentes no Novo Mercado e no Nível 2 da B3.

Com exceção da vedação à referida cumulação de cargos, que passa a vigorar 360 dias após a

publicação da lei, todas as demais modificações na Lei das S.A. entram em vigor imediatamente.

Sem entrar no mérito das mudanças, não podemos deixar de registrar nossa preocupação com o

fato de que modificações tão relevantes na legislação societária sejam implementadas por medida

provisória, de urgência discutível, em processo sem o necessário debate e reflexão quanto às suas

implicações.
Voto Plural

A nova lei admite o voto plural nas sociedades anônimas, derrubando a vedação  instituída pelo

Decreto-Lei 2627/40, diploma que antecedeu a Lei 6.404/76. As ações com voto plural permitem

que seu titular, geralmente o empreendedor ou grupo que desenvolveu o negócio, mantenha o

controle da empresa mesmo com uma participação econômica reduzida.

A mudança tem por objetivo dar maior liberdade às companhias brasileiras na estruturação de seu

capital, aproximando-as da realidade norte-americana, onde um número cada vez maior de

empresas listadas na bolsa de valores, principalmente do setor de tecnologia, adota as "super

voting shares" para seus fundadores. Fazem parte deste grupo algumas importantes companhias

brasileiras, que optaram por se listar nos EUA, entre outras razões, pela possibilidade de se adotar

uma estrutura alavancada de controle. A introdução do voto plural visa conter esse êxodo e atrair

para o mercado acionário brasileiro mais empresários que não desejam abrir mão do controle num

primeiro momento ou que desejem continuar a imprimir a sua visão idiossincrática dos negócios da

companhia.

Por meio do voto plural, um acionista com 10 votos por ação poderá controlar a empresa com

pouco mais de 9% do capital total, se este for dividido apenas em ações ordinárias. Numa

companhia com igual número de ações ordinárias e preferenciais sem direito a voto, um acionista

com 10 votos poderá controlar a empresa com menos de 5% do capital total.

A seguir listamos as principais regras e limitações do voto plural tal como instituído:

 Disponível para as companhias fechadas e as companhias abertas que venham a abrir o

capital, desde que criem o mecanismo antes de lançar suas ações no mercado;

 podem criar uma ou mais classes de ações ordinárias com voto plural;

 limite de 10 votos por ação;


 extinção do voto plural pode ser sujeita a termo ou condição, observada vigência máxima

de até sete anos, prorrogável por qualquer prazo (inclusive superior a sete anos);

 a criação de classe de ações com voto plural ou a prorrogação do seu prazo original

depende de aprovação, por maioria absoluta, dos acionistas com e sem direito a voto

em assembleias geral e especial, se maior quórum não for estabelecido no estatuto social

(vedada a participação dos titulares das ações com voto plural, no caso de prorrogação);

 voto plural não se aplica nas deliberações sobre remuneração dos administradores e

transações com partes relacionadas;

 direito de retirada dos acionistas dissidentes nas deliberações para instituição ou

prorrogação do voto plural, salvo se já previsto ou autorizado no estatuto social;

 após o IPO, características das ações com voto plural só podem ser alteradas para

reduzir seus direitos;

 vedadas operações de incorporação, incorporação de ações, fusão ou cisão de

companhia aberta que não adote voto plural por (ou que resulte em) companhia com voto

plural;

 o voto plural não é transferível ou negociável, de modo que ações com tal direito

são automaticamente convertidas em ações ordinárias convencionais, nas hipóteses de

(i) sua transferência a terceiros (exceto se o alienante permanecer indiretamente como seu

único titular e detentor dos seus direitos políticos, o terceiro adquirente for titular de ações

da mesma classe ou a transferência ocorrer a título fiduciário para custódia de central

depositária) ou (ii) celebração de acordo que disponha sobre o exercício conjunto do direito

de voto de ações com e sem voto plural;


 estatais (sociedades de economia mista, empresas públicas e suas subsidiárias) e

sociedades em comandita por ações não podem adotar o voto plural;

 para dar efetividade ao voto plural, os quóruns legais de instalação e deliberação, assim

como a presunção de influência significativa de um acionista, antes fixados em função

do capital votante, passam a ser definidos com base na quantidade de votos.

Como se pode perceber, ao mesmo tempo em que permitiu o voto plural, com alguma liberdade

para cada companhia escolher sua configuração societária, a lei limitou sua aplicação de diversas

maneiras a fim de proteger os acionistas minoritários, criando salvaguardas adicionais àquelas já

previstas na lei.

Considerando a variedade de possíveis elementos e implicações do voto plural em cada caso,

recomendamos uma análise criteriosa de todos os empreendedores, companhias e investidores

antes de adotar ou aderir a estruturas com essa característica.

Assembleia Geral

A nova lei aumentou o prazo de antecedência de convocação das assembleias gerais de

companhias abertas, de 15 para 21 dias, em primeira convocação, o necessário para pontuar

nesse item no ranking Doing Business, e não mais 30 dias, como originalmente previsto na MP. Ao

mesmo tempo, a lei permite que a CVM adie a assembleia por até 30 dias em caso de insuficiência

de informações, o que parece um resquício do texto anterior pois não guarda lógica com o novo

prazo de 21 dias. Vale lembrar que assembleias em que se adota o boletim de voto a distância

(BVD), como é obrigatoriamente o caso das AGOs, continuarão sendo convocadas com pelo menos

30 dias de antecedência para atender ao prazo do BVD.


Também foi estendido o rol de matérias de competência privativa da assembleia geral, no

caso de companhias abertas, submetendo à deliberação dos acionistas "a celebração de

transações com partes relacionadas,  a alienação ou a contribuição para outra empresa de

ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% dos ativos totais".

Administração

No que tange à administração, destacam-se três alterações promovidas pela nova lei:

- possibilidade de diretores serem residentes no exterior, nomeando procurador no Brasil para

receber citações, permissão antes restrita aos membros do conselho de administração;

- na companhia aberta (exceto as de "menor porte", com receita bruta anual inferior a R$ 500

milhões, caso assim venha a definir a CVM), proibição à cumulação pela mesma pessoa dos

cargos de presidente do conselho de administração e principal executivo, incorporando ao

ordenamento o que era exigência dos segmentos de listagem mais elevados de governança

corporativa da B3, entretanto sem prever a cumulação excepcional por um prazo de 1 ano, admitida

expressamente nos regulamentos da B3.

- na companhia aberta, exigência de o conselho de administração contar com a participação

de conselheiros independentes, nos termos que venham a ser definidos pela CVM, igualmente

transformando em requisito legal uma característica dos referidos segmentos de listagem.

Crédito da imagem: pch.vector/Freepik


A ineficiência da vedação ao voto plural
7 de julho de 2021, 15h11

Por Guilherme Costa

O voto plural é um mecanismo que permite ao acionista de uma companhia um poder de voto


desproporcional ao número de ações detidas e que já vigora em diversos sistemas jurídicos, a
exemplo de Inglaterra, França e Estados Unidos, conforme expõe Francisco Müssnich [1].
Entretanto, a legislação brasileira ainda não converge com tais jurisdições, uma vez que se atém
à regra de que uma ação confere o poder de um voto ao acionista, vedando a existência de classe
acionária em sentido diferente, haja vista o parágrafo segundo do artigo 110 da Lei
6.404/1976 [2].

Embora à primeira vista possa parecer uma regulação desejada, por garantir a equidade entre
acionistas, há de se notar que ela tende a ser ineficiente. Nesse raciocínio, cabe refletir sobre a
seguinte situação: determinado sócio é de extrema importância para o desenvolvimento da
sociedade. Porém, não possui ou não deseja integralizar novo montante que possivelmente seria
necessário para que pudesse aumentar sua participação acionária e, consequentemente, tomar as
decisões da companhia. Ainda assim, o mercado deseja delegar a esse indivíduo o poder
decisório, uma vez que ele possui amplo conhecimento de gerenciamento do negócio e é capaz
de alcançar resultados excelentes para a sociedade.

Com isso, não cabe ao legislador restringir a opção dos players do mercado de adquirir ou não
participação em uma companhia na qual certo acionista detém poder de voto desproporcional às
ações adquiridas. Ora, a compra de ativos não é impositiva, já que o indivíduo apenas a adquire
caso julgue devido. Desse modo, cabe a ele decidir se deseja ingressar em uma sociedade em que
o voto plural é previsto, tendo em vista as circunstâncias envolvidas no caso concreto, a exemplo
de possível crença de prosperidade econômica societária e, consecutivamente, valorização da
ação.

Sob essa ótica, Robert Cooter e Thomas Ulen [3] explicam que os custos de transação devem ser
analisados a partir de três vieses: 1) o custo de localização, referente à facilidade de localizar as
partes e os direitos em questão; 2) o custo de negociação, atinente ao número de pessoas
envolvidas na transação; e 3) o custo de execução, que diz respeito à probabilidade de supervisão
e cumprimento do acordo. Quanto menores forem esses custos, menor deve ser a intervenção
estatal e maior a liberdade das partes para que o resultado seja otimizado.

Logo, à medida que um potencial adquirente da ação de uma companhia deseje estabelecer uma
negociação sobre o ativo, evidencia-se que: 1) o vendedor e os direitos em pauta são facilmente
localizáveis. Afinal, no Brasil existe uma bolsa de valores — vide a B3 — que permite uma
conexão entre os players do mercado e um órgão que regula as questões relativas ao assunto — a
Comissão de Valores Mobiliários. Por conseguinte, verifica-se um baixo custo de localização.

Além disso, nota-se que: 2) o custo de negociação também é baixo, pois a decisão de compra e
venda cabe, em regra, apenas ao adquirente e ao alienante; destaca-se que o 3) custo de execução
é mitigado, por meio da própria CVM, que atua na fiscalização do Mercado de Valores
Mobiliários [4]. Com isso, resta nítida a ineficácia da restrição legal aos estatutos sociais
estabelecerem a possibilidade do voto plural, haja vista que a aquisição só ocorre caso o
potencial adquirente julgue ser de seu interesse e, se esse for o caso, o custo de transação entre as
partes não tende a ser elevado.

Ainda que haja situações em que companhias já em vigência desejem alterar seu estatuto social
prevendo a possibilidade da inserção do voto plural, o que poderia ser considerado prejudicial a
sócios detentores de ações de tal sociedade que tenham votado de forma contrária, há de se
analisar a situação de maneira mais profunda. Sob essa perspectiva, é válido analisar o artigo 129
da Lei 6.404/76, que institui o princípio majoritário como a regra do direito das companhias —
observadas as exceções legais. Isto é, mesmo que seja possível a configuração de prejuízos
pontuais, a vontade da maioria deve prevalecer e vincular todos, inclusive os ausentes ou
dissidentes, o que é explicado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira.[5]

Embora o princípio seja suficiente para sanar a questão, a fim de proporcionar resultados
satisfatórios para um maior número de indivíduos, cita-se a possibilidade da extensão do direito
de recesso aos acionistas dissidentes nas companhias que vierem a adotar o voto plural. Ressalta-
se que tal aparato já vigora no Direito brasileiro, haja vista o artigo 137 da Lei 6.404/1976.
Assim, os sócios que considerarem inoportuna a permanência na sociedade que aderir ao voto
plural poderão utilizar o direito de retirada, alocando, assim, suas preferências de uma maneira
ótima.

[1] MÜSSNICH, Francisco. Voto plural: quebrando paradigmas. Valor Econômico, 15 dez.


2017. Disponível em: <https://alfonsin.com.br/voto-plural-quebrando-paradigmas/>. Acesso em:
16 de junho de 2021.

[2] BRASIL. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm>. Acesso em: 16 de junho
de 2021.

[3] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economics. 5. ed. Boston: Pearson Education,
2007.

[4] BRASIL. Ministério da Fazenda. O que é a CVM?. Disponível


em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/servidores/estagio/2-materia-cvm-
e-o-mercado-de-capitais>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

[5] PEDREIRA, José et al. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Guilherme Costa é estudante na graduação de Direito da FGV Rio.


Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2021, 15h11

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