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BRASILEIRO
03.SET.2021
o voto plural no Brasil. O dispositivo possibilita que as companhias criem uma classe de ações
As discussões para implementar essa possibilidade no Brasil começaram em 2018, depois que
companhias como Stone e PagSeguro e XP Inc. fizeram ofertas públicas iniciais (IPO) nos Estados
Unidos. Em geral, as companhias que fizeram a listagem fora do Brasil adotaram o voto plural, com
exceção da Vitro.
Além de modernizar o ambiente regulatório do país, a nova lei permite que o empreendedor - ou
grupo que desenvolveu o negócio - possa manter o controle da empresa mesmo com uma
participação econômica reduzida, por meio das ações com voto plural.
sobre as perspectivas de mercado com a sanção da nova lei. Segundo o advogado, da forma como
foi aprovado, o voto plural tem um “pacote completo de governança”. “A qualidade da lei depende
da qualidade do controlador. Nenhuma lei vai barrar um controlador desonesto”, afirmou Chico, que
foi um dos autores do texto do dispositivo que incluiu o voto plural, junto com Luiz Alberto Rosman e
Com a instauração do voto plural no Brasil, as regras do mercado de capitais e de proteção aos
acionistas não mudam. “Com ou sem voto plural, a CVM continua com o mesmo papel. O regulador
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Desde 1940, estabeleceu-se no Brasil a regra do "one share, one vote". Cada ação
ordinária de uma companhia corresponde um voto nas deliberações da assembleia-
geral, preservando a proporcionalidade entre capital investido e controle societário. A
regra foi mantida no art. 110, §2º, da Lei nº 6.404/1976, vedando a possibilidade de se
atribuir voto plural a qualquer classe de ações.
Se, por um lado, durante décadas, um bom governo corporativo significava a adoção do
modelo do "one share, one vote", por outro, nos últimos anos, há uma mudança
estratégica nos negócios globais, tendo os mais diferentes ordenamentos jurídicos
flexibilizado a regra (Argentina, Inglaterra, Japão, Holanda, Finlândia, EUA, França e
Itália).
Eventual mudança na legislação brasileira, análoga a de outras jurisdições, poderia ser válvula de
escape para recuperar companhias
A Argentina permite que o estatuto social confira a cada ação ordinária o direito de até
cinco votos. No entanto, veda-se a emissão de ações de voto privilegiado após a
companhia ter sido autorizada a realizar oferta pública de suas ações, (art. 216 da Lei nº
19550).
Nos Estados Unidos é recorrente a adoção de ações com voto plural. A título de
exemplo, Facebook, LinkedIn, Groupon, Google, adotaram em seus IPO’s o modelo da
"dual-class shares", dando a seus fundadores poder de voto até 150 vezes maior do que
o concedido aos novos investidores. A razão da adoção desse modelo está no fato de
que os fundadores teriam maior interesse e comprometimento com o sucesso de longo
prazo da companhia. Optou-se então pelo sistema em que haveria dois grupos de
ações, em que o grupo das ações de classe A estaria submetido ao sistema de voto
proporcional, estando tais ações livres para serem negociadas no mercado, enquanto o
grupo de classe B de titularidade de investidores de longo prazo estaria sob o sistema
do voto plural. Nesse último caso, as ações de classe B poderiam ser negociadas no
mercado, mas, caso transferidas, perderiam o benefício do voto plural.
Atualmente o §313.00 do NYSE Listed Company Manual proíbe a emissão de nova
classe de ações sob o regime de voto plural que venha a diminuir o poder de voto dos
acionistas. Todavia, esse mesmo dispositivo permite que ações com poder de voto
diferenciado sejam emitidas (i) antes de um IPO; (ii) após a companhia ter realizado um
IPO desde que tenham as mesmas características das ações já emitidas; (iii) respeitando
a composição pré-existente do capital votante; e (iv) sob certas condições, em caso de
aquisição da companhia.
A França, por meio da Lei Florange (Lei nº. 2014-384) passou a aceitar o voto plural
como reação à crescente perda de espaço das empresas francesas no mercado. Com tal
mudança, hoje é possível conferir dois votos para cada ação (i) ao acionista que
mantiver seus papéis por, no mínimo, dois anos em uma companhia fechada e (ii) ao
acionista que mantiver suas ações por quatro anos em uma companhia aberta, desde
que haja previsão estatutária autorizativa.
A Itália, por sua vez, em 2014, por meio do Decreto nº 91/2014 convertido na Lei nº
116/2014, também passou a permitir o voto plural. Para as companhias listadas, limitou-
se o número de votos por ação a dois, só podendo obter tal benefício os acionistas com
mais de dois anos de investimento na companhia, seguindo a mesma lógica da
legislação francesa.
Para as companhias fechadas, possibilitou-se a emissão de ações com até três votos,
com circulação livre, sem restrição quanto ao tempo que o acionista deve manter seu
investimento na companhia para que usufrua do voto plural. A inserção dessa cláusula
em companhias fechadas deve ser aprovada por mais de dois terços dos sócios, sendo
ainda necessária oferta pública de ações aos demais acionistas, caso um acionista reúna
mais de 30% do voto.
Para entender o real benefício do voto plural, imaginemos uma startup, cujos
fundadores procuram investidores para alavancar seus projetos, mas não pretendem
vender suas ações, uma vez que – dentro da lógica do art. 110, §2º – isso implicaria na
perda do poder de controle. Admitindo-se no nosso ordenamento a possibilidade de
voto plural, ou seja, permitindo uma dissociação entre poder político e capital investido,
seria muito mais fácil para essas companhias receberem novos investimentos, o que
inclusive os investidores confiam no know-how e na expertise dos fundadores, estando
interessados na realidade no lucro que o investimento poderá lhes render.
Foi sancionada, em 26 de agosto de 2021, e publicada nesta sexta-feira, a Lei 14.195, resultante
recente Marco Legal das Startups, que também trouxe modificações à legislação empresarial, foi
como no Senado, sendo a principal delas a instituição do voto plural na Lei 6.404/76 (Lei das
S.A.). Ao final, a Câmara, como casa iniciadora, rejeitou as emendas do Senado, mantendo o texto
estadual e municipal no CNPJ, entre outras medidas, sendo um dos propósitos declarados pelo
Governo Federal melhorar a posição do País no ranking Doing Business do Banco Mundial, no qual
Alguns dispositivos do projeto aprovado na Câmara foram vetados pelo Presidente da República,
incluindo aquele que extinguia a figura da sociedade simples. A lei voltará ao Congresso para
apreciação dos vetos, já produzindo efeitos a partir da sua publicação quanto ao texto sancionado,
Foram mantidas pelo Presidente todas as alterações na Lei das S.A., com exceção do
dispositivo que determinava que a CVM elaborasse e tornasse público material de orientação ao
Nesse Informativo, pela importância das alterações, focaremos no voto plural e nas demais
disposições introduzidas na Lei das S.A., deixando para uma outra oportunidade as novas regras
- Voto Plural: permite às companhias criarem uma classe de ações ordinárias que atribui mais de
publicação da lei;
limitado a sete anos, prorrogável por qualquer prazo mediante deliberação em assembleias
não há voto plural nas deliberações sobre remuneração dos administradores ou transações
companhias abertas, de 15 para 21 dias, e passa a exigir aprovação dos acionistas para transações
Com exceção da vedação à referida cumulação de cargos, que passa a vigorar 360 dias após a
publicação da lei, todas as demais modificações na Lei das S.A. entram em vigor imediatamente.
Sem entrar no mérito das mudanças, não podemos deixar de registrar nossa preocupação com o
fato de que modificações tão relevantes na legislação societária sejam implementadas por medida
provisória, de urgência discutível, em processo sem o necessário debate e reflexão quanto às suas
implicações.
Voto Plural
A nova lei admite o voto plural nas sociedades anônimas, derrubando a vedação instituída pelo
Decreto-Lei 2627/40, diploma que antecedeu a Lei 6.404/76. As ações com voto plural permitem
que seu titular, geralmente o empreendedor ou grupo que desenvolveu o negócio, mantenha o
A mudança tem por objetivo dar maior liberdade às companhias brasileiras na estruturação de seu
voting shares" para seus fundadores. Fazem parte deste grupo algumas importantes companhias
brasileiras, que optaram por se listar nos EUA, entre outras razões, pela possibilidade de se adotar
uma estrutura alavancada de controle. A introdução do voto plural visa conter esse êxodo e atrair
para o mercado acionário brasileiro mais empresários que não desejam abrir mão do controle num
primeiro momento ou que desejem continuar a imprimir a sua visão idiossincrática dos negócios da
companhia.
Por meio do voto plural, um acionista com 10 votos por ação poderá controlar a empresa com
pouco mais de 9% do capital total, se este for dividido apenas em ações ordinárias. Numa
companhia com igual número de ações ordinárias e preferenciais sem direito a voto, um acionista
A seguir listamos as principais regras e limitações do voto plural tal como instituído:
de até sete anos, prorrogável por qualquer prazo (inclusive superior a sete anos);
a criação de classe de ações com voto plural ou a prorrogação do seu prazo original
depende de aprovação, por maioria absoluta, dos acionistas com e sem direito a voto
em assembleias geral e especial, se maior quórum não for estabelecido no estatuto social
(vedada a participação dos titulares das ações com voto plural, no caso de prorrogação);
após o IPO, características das ações com voto plural só podem ser alteradas para
companhia aberta que não adote voto plural por (ou que resulte em) companhia com voto
plural;
o voto plural não é transferível ou negociável, de modo que ações com tal direito
(i) sua transferência a terceiros (exceto se o alienante permanecer indiretamente como seu
único titular e detentor dos seus direitos políticos, o terceiro adquirente for titular de ações
depositária) ou (ii) celebração de acordo que disponha sobre o exercício conjunto do direito
para dar efetividade ao voto plural, os quóruns legais de instalação e deliberação, assim
Como se pode perceber, ao mesmo tempo em que permitiu o voto plural, com alguma liberdade
para cada companhia escolher sua configuração societária, a lei limitou sua aplicação de diversas
previstas na lei.
Assembleia Geral
nesse item no ranking Doing Business, e não mais 30 dias, como originalmente previsto na MP. Ao
mesmo tempo, a lei permite que a CVM adie a assembleia por até 30 dias em caso de insuficiência
de informações, o que parece um resquício do texto anterior pois não guarda lógica com o novo
prazo de 21 dias. Vale lembrar que assembleias em que se adota o boletim de voto a distância
(BVD), como é obrigatoriamente o caso das AGOs, continuarão sendo convocadas com pelo menos
ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% dos ativos totais".
Administração
No que tange à administração, destacam-se três alterações promovidas pela nova lei:
- na companhia aberta (exceto as de "menor porte", com receita bruta anual inferior a R$ 500
milhões, caso assim venha a definir a CVM), proibição à cumulação pela mesma pessoa dos
ordenamento o que era exigência dos segmentos de listagem mais elevados de governança
corporativa da B3, entretanto sem prever a cumulação excepcional por um prazo de 1 ano, admitida
de conselheiros independentes, nos termos que venham a ser definidos pela CVM, igualmente
Por Guilherme Costa
Embora à primeira vista possa parecer uma regulação desejada, por garantir a equidade entre
acionistas, há de se notar que ela tende a ser ineficiente. Nesse raciocínio, cabe refletir sobre a
seguinte situação: determinado sócio é de extrema importância para o desenvolvimento da
sociedade. Porém, não possui ou não deseja integralizar novo montante que possivelmente seria
necessário para que pudesse aumentar sua participação acionária e, consequentemente, tomar as
decisões da companhia. Ainda assim, o mercado deseja delegar a esse indivíduo o poder
decisório, uma vez que ele possui amplo conhecimento de gerenciamento do negócio e é capaz
de alcançar resultados excelentes para a sociedade.
Com isso, não cabe ao legislador restringir a opção dos players do mercado de adquirir ou não
participação em uma companhia na qual certo acionista detém poder de voto desproporcional às
ações adquiridas. Ora, a compra de ativos não é impositiva, já que o indivíduo apenas a adquire
caso julgue devido. Desse modo, cabe a ele decidir se deseja ingressar em uma sociedade em que
o voto plural é previsto, tendo em vista as circunstâncias envolvidas no caso concreto, a exemplo
de possível crença de prosperidade econômica societária e, consecutivamente, valorização da
ação.
Sob essa ótica, Robert Cooter e Thomas Ulen [3] explicam que os custos de transação devem ser
analisados a partir de três vieses: 1) o custo de localização, referente à facilidade de localizar as
partes e os direitos em questão; 2) o custo de negociação, atinente ao número de pessoas
envolvidas na transação; e 3) o custo de execução, que diz respeito à probabilidade de supervisão
e cumprimento do acordo. Quanto menores forem esses custos, menor deve ser a intervenção
estatal e maior a liberdade das partes para que o resultado seja otimizado.
Logo, à medida que um potencial adquirente da ação de uma companhia deseje estabelecer uma
negociação sobre o ativo, evidencia-se que: 1) o vendedor e os direitos em pauta são facilmente
localizáveis. Afinal, no Brasil existe uma bolsa de valores — vide a B3 — que permite uma
conexão entre os players do mercado e um órgão que regula as questões relativas ao assunto — a
Comissão de Valores Mobiliários. Por conseguinte, verifica-se um baixo custo de localização.
Além disso, nota-se que: 2) o custo de negociação também é baixo, pois a decisão de compra e
venda cabe, em regra, apenas ao adquirente e ao alienante; destaca-se que o 3) custo de execução
é mitigado, por meio da própria CVM, que atua na fiscalização do Mercado de Valores
Mobiliários [4]. Com isso, resta nítida a ineficácia da restrição legal aos estatutos sociais
estabelecerem a possibilidade do voto plural, haja vista que a aquisição só ocorre caso o
potencial adquirente julgue ser de seu interesse e, se esse for o caso, o custo de transação entre as
partes não tende a ser elevado.
Ainda que haja situações em que companhias já em vigência desejem alterar seu estatuto social
prevendo a possibilidade da inserção do voto plural, o que poderia ser considerado prejudicial a
sócios detentores de ações de tal sociedade que tenham votado de forma contrária, há de se
analisar a situação de maneira mais profunda. Sob essa perspectiva, é válido analisar o artigo 129
da Lei 6.404/76, que institui o princípio majoritário como a regra do direito das companhias —
observadas as exceções legais. Isto é, mesmo que seja possível a configuração de prejuízos
pontuais, a vontade da maioria deve prevalecer e vincular todos, inclusive os ausentes ou
dissidentes, o que é explicado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira.[5]
Embora o princípio seja suficiente para sanar a questão, a fim de proporcionar resultados
satisfatórios para um maior número de indivíduos, cita-se a possibilidade da extensão do direito
de recesso aos acionistas dissidentes nas companhias que vierem a adotar o voto plural. Ressalta-
se que tal aparato já vigora no Direito brasileiro, haja vista o artigo 137 da Lei 6.404/1976.
Assim, os sócios que considerarem inoportuna a permanência na sociedade que aderir ao voto
plural poderão utilizar o direito de retirada, alocando, assim, suas preferências de uma maneira
ótima.
[3] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economics. 5. ed. Boston: Pearson Education,
2007.
[5] PEDREIRA, José et al. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017.