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EXERCÍCIO: PALAVRA, IMAGEM E DESIGN

AS RELAÇÕES QUE EU VEJO NOS LIVROS ILUSTRADOS

Selma Bajgielman

Venho do “povo do livro”. Nem sempre me identifico com tudo o que isso representa, mas uma
coisa é certa: entendo o livro como um objeto mágico e de poder. Sempre me acerquei das
histórias, como ouvinte e leitora, e, ao lado delas, desenhar é o meu fazer mais constante.

Na década de 90, quando trabalhava na Secretaria de Educação de São Lourenço, Minas Gerais,
os problemas diários me faziam suspirar e tentar descansar os olhos no rio que corria ao lado.
Comecei a desenhá-lo. Foi quando caiu em minhas mãos a sua lenda, publicada em um jornal
local, de 1981. A escrita era rebuscada e pouco atraente, mas a história me convidou pra dançar.
Em 2001, recontei, ilustrei e publiquei meu primeiro livro: Lenda do Rio Verde. Quase morri de
alegria pelos mais de três mil exemplares distribuídos em 31 municípios banhados por ele. A
reação dos leitores, os projetos, encenações, releituras… foi tudo tão gratificante que me dediquei
a publicar outros dois títulos, também sobre a identidade cultural local: As Águas Minerais de
Lourenço e Lenda da Mantiqueira. Assim, comecei a me entender como alguém que escreve,
desenha e conta histórias para a Infância (aquela que habita em todos nós).

Paralelamente, fui chamada para dar aulas no curso de Pedagogia e ingressei no mestrado em
Letras, com o intuito de pesquisar a relação da imagem com a palavra no conto de fadas. Minha
dissertação: Palavra e Imagem - um casamento nem sempre feliz, 2005, partiu do conto A
Princesa e a Ervilha, de Hans Christian Andersen (Dinamarca, 1805-1875). Analisei o conto ao
lado de quatro tipos de ilustrações, duas de livros infantis, publicados em 1961 e em 1994, uma
de um conto postado na internet e uma de um livro didático. Em seguida, pedi a quatro artistas
plásticos residentes no sul de Minas que ilustrassem livremente o referido conto e prossegui com
a pesquisa.

Mas por que estou contando tudo isso?

Porque o primeiro livro da análise comparativa é A Princesa e a Ervilha, recontado e ilustrado por
Rachel Isadora (EUA, 1953), Editora Farol, São Paulo, 2011. Rachel se inspira na estética e
linguagem de países africanos que ela visitou. Axé, Ananda Luz*! O livro é lindo e ainda conta
uma das minhas histórias favoritas!

Já o segundo livro, de minha autoria, está em processo e tem a ver com a minha trajetória de
educadora, apaixonada por Paulo Freire (Brasil, 1921-1997). Insistindo na importância de tentar
ser uma cidadã situada e datada, que tendo nascido no Rio de Janeiro, filha de um polonês e
neta de russos, veio viver na Serra da Mantiqueira, na cidade das águas minerais, banhada pelo
Rio Verde, vizinha das cidades brasileiras com os cafés mais premiados do mundo.

Cristiane Rogério* diria: Este Aqui é múltiplo. Sim, traz ao mesmo tempo o olhar estrangeiro de
Homi Bhabha (Índia,1949) e a escrevivência de Conceição Evaristo (Brasil, 1946). E eu fico
agoniada porque ninguém escreve sobre o café. E o ar tem cheiro de café! E pesquiso, penso,
experimento e, no começo do ano passado, usando meus fios invisíveis, aqueles que Ângela
Castelo Branco* usa para bordar as paredes da Casa Tombada, concluí o texto: O Café e o Jacu.
Escrevi e ilustrei. Fotografei as imagens fiz um power point e comecei a Pós: O Livro para a
Infância.

Fui fazendo a Pós, de vez em quando mexendo só no texto, porque o texto é no mais autêntico
mineirês do sul. Sem estereótipos, sem piadas. Fui cuidando para reproduzir o jeito do meu povo
daqui de construir as frases e o pensamento e usei algumas palavras que a norma culta terá que
explicar, mas, felizmente, esses dias, Giuliano Tierno* me lembrou: “Houve um tempo que aquilo
que a gente dizia era”. Isso me aquietou.

Mais algumas semanas, mais aulas, mais livros para a infância trazidos pelo carteiro. E joguei
fora o power point, joguei fora depois que a Camila Feltre* provou que o livro é corpo, o livro é
casa. E o Odilon Moraes* roubou meu sono, quando me fez ver que a imagem às vezes sofre
dentro dos livros.

Nesta página, tenho que certeza que ela não sofre. Em outras, tenho minhas dúvidas:

Joguei fora o powerpoint, mas peguei papel, régua, tesoura e cola. Fui fazer a “boneca”, porque
tudo começa com a dobra.
Rabisquei o story board e fui na minha estante de livros com cores, livros que correm e brincam,
livros que caem e arranham o joelho, livros que dão risadas no meio do choro; enfim: livros
ilustrados. E escolhi, para me referenciar, o tal livro da Rachel Isadora, primeiro pelo tamanho,
depois pela potência das imagens, e também pela técnica. Como as dela, minhas imagens são
recortes de papéis pintados. Não sei se as dela são coladas. As minhas são soltas e fugazes. Já
fiz algumas imagens assim, mas agora estou na dúvida se foi antes ou depois de ver o trabalho
dela.

No trabalho de Rachel, me encantou a forma como a imagem abre espaço para o texto, dialoga
com ele.
Bom. Aí chega Carolina Moreyra*, e meu narrador entende que pode se soltar, deixar a vez para
o personagem conversar no interior da história e até assuntar com o leitor. E aí, mudar a fonte, o
tamanho, a intensidade...

Sei dizer que é muita gente boa entrando na história.


Ainda bem que esta já está se aprontando, porque de dentro das gavetas posso ouvir o tumulto,
com as tantas outras, que estavam adormecidas, guardadas, encostadas. E agora ficam pedindo
pra nascer.

*Os nomes assinalados são de professores, coordenadores e idealizadores da Pós O Livro para a
Infância, Turma 10, Casa Tombada, São Paulo, Brasil, Terra

São Lourenço, janeiro de 2024

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