As Práticas de Alfabetização Estão Estreitamente Relacionadas Com A Forma Como A Escrita É Concebida

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As práticas de alfabetização estão estreitamente relacionadas com a forma como a escrita é


concebida. A escrita pode ser considerada como um sistema de representação da linguagem ou
como um código de transcrição gráfica da fala. A forma como a escrita é conceitualizada traz
implicações pedagógicas. Pensar a escrita como codificação é tratá-la como uma técnica que
precisa ser transmitida aos alunos. Nesta perspectiva, o ensino da escrita é reduzido à
transmissão de um código e o aluno tem papel passivo em seu processo de aprendizagem. Por
outro lado, conceitualizar a escrita como um sistema de representação é tratá-la como um
conteúdo de natureza conceitual, que para ser compreendido exige análise e reflexão sobre
seu funcionamento e suas regras de geração. Nesta perspectiva, o aluno é entendido como um
sujeito intelectualmente ativo, que formula hipóteses na busca de compreender o que a escrita
representa e como um sujeito que aprende através de suas ações sobre os objetos do mundo.
Conceber que a escrita é um sistema de representação implica em reconhecer dois processos
para a aprendizagem da leitura e da escrita: 1. compreender a natureza do sistema alfabético
de escrita (a representação gráfica da linguagem) as relações entre letra-som, a segmentação
entre as palavras, as restrições ortográficas; 2. compreender o funcionamento da linguagem
escrita suas características específicas, suas diferentes formas, gêneros e discursos. Esses dois
processos acontecem simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo que o aluno reflete e
aprende sobre o sistema alfabético de escrita, ele aprende como a língua escrita é utilizada
socialmente. Isso quer dizer que não basta ensinar aos alunos as características e o
funcionamento da escrita, pois esse tipo de conhecimento não os habilita para o uso da
linguagem em diferentes situações comunicativas. E, por outro lado, não basta colocar os
alunos diante das mais variadas situações de uso da linguagem para que 16ª Edição do Prêmio
Victor Civita Educador Nota 2

3 aprendam o funcionamento da escrita. Isso significa dizer que o trabalho pedagógico de


alfabetização precisa articular as atividades de uso da linguagem com as atividades de reflexão
sobre a escrita. Portanto, a aprendizagem inicial da leitura e da escrita não pode dar-se sem a
presença da cultura escrita. Isso quer dizer que não se trata de ensinar isoladamente os
conteúdos envolvidos na língua escrita, mas também as práticas sociais em que estão inseridas.
A língua deve entrar na escola da mesma forma que existe vida afora, ou seja, pelas práticas
sociais de leitura e escrita: ler por prazer, para se divertir, para buscar alguma informação
específica, para compartilhar emoções com outros, para contar para os outros, para
recomendar... ; escrever para expressar as ideias, para organizar os pensamentos, para
aprender mais, para registrar e conservar como memória, para informar, para expressar
sentimentos, para comunicar-se à distância, para influenciar os outros... (GOUVEIA e
ORENSZTEJN, 2000). E ao colocar os alunos em contato com essas práticas, é possível planejar
atividades sobre o sistema de escrita, dessa forma, ele pode atribuir muito mais sentido e
participar de práticas mediadas pela escrita. As autoras Castedo e Molinari (2008, p. 13)
afirmam que: Na concepção de ensino que considera como conteúdo escolar as práticas sociais
de leitura e escrita, a língua escrita não pode reduzir-se a um conjunto de elementos gráficos e
suas variantes tipográficas. A língua escrita é uma construção histórica, um objeto social.
Envolve práticas particulares da linguagem de acordo com os diferentes âmbitos da esfera
humana, que estão atravessadas pela cultura; práticas históricas que se comunicam entre os
usuários e se transformam. Estes usos se concretizam em gêneros diversos com propósitos
específicos, e que estão relacionados a cada evento comunicativo. Para as autoras, a Ed. Infantil
e as primeiras séries do Ensino Fundamental têm o desafio de inserir os alunos nas práticas
sociais da leitura e da escrita, para que sejam praticantes da cultura escrita. Essa concepção
descrita acima se opõe ao contexto em que as atividades de alfabetização são propostas de
uma forma mecânica e sem sentido, em que os alunos têm pouca oportunidade de acionar
seus conhecimentos e de aprender novos elementos presentes na cultura escrita. 16ª Edição
do Prêmio Victor Civita Educador Nota 3

4 O desafio, portanto, é planejar projetos e sequências didáticas articulados às práticas sociais


comunicativas. Vejamos dois exemplos de projetos desenvolvidos com crianças de 1º ano em
que os propósitos didáticos são interdependentes dos propósitos comunicativos da linguagem.
Exemplo 1 Projeto indicações literárias. A professora propõe aos alunos que escolham os seus
livros preferidos para escreverem uma indicação para outras crianças. A proposta é
compartilhar com os outros grupos quais são os livros preferidos deste 1º ano. Para escrever a
indicação, as crianças precisam conhecer bem os livros do acervo da escola (ou da sua sala),
definir o que irão escrever e como farão isso. O objetivo do projeto é criar um contexto em que
os alunos tenham a oportunidade de desenvolver novos comportamentos leitores e escritores
e refletir sobre o funcionamento do sistema de escrita. Ao escolher uma história, o aluno
precisará justificar o motivo da escolha e o que o encanta tanto neste livro. Este é um desafio
que leva os alunos a pensarem nas características das histórias escolhidas e em suas
qualidades. Uma ótima oportunidade para desenvolverem comportamentos leitores. Depois de
definirem os títulos preferidos e justificarem suas escolhas, o desafio seguinte é pensar o que
irão escrever na indicação. Ler pequenas resenhas literárias publicadas em catálogos de
editoras, jornais e revistas poderá ajudá-los a se aproximarem e conhecerem um pouco mais a
forma desses textos, o que eles comunicam e alguns elementos específicos da linguagem
escrita. Ao iniciarem a escrita das indicações o desafio será no como escrever, isto é, que letras
usar, quantas e em que ordem. Depois das primeiras versões de escritas o passo seguinte será
a revisão, tanto do ponto de vista discursivo, como notacional. Ou seja, propõe-se uma revisão
dos aspectos discursivos do texto escrito (considerando se o leitor irá entender, se o texto
comunica o que de melhor tem a história, se está muito repetitivo ou se pode ser melhor
escrito), e também dos aspectos notacionais, discutindo com todo o grupo as escritas
produzidas pelas crianças, perguntando se alguém tem sugestões de mudanças, se alguma
palavra pode ser escrita de outra forma, se concordam com a 16ª Edição do Prêmio Victor
Civita Educador Nota 4

5 segmentação do texto. Em resumo, os objetivos principais das revisões são: reencontrar o


texto para avaliar se o leitor compreenderá a indicação e se pode ser melhor escrito, e para
propor uma análise e reflexão do sistema de escrita. A revisão é parte integrante do processo
de produção de texto e, por isso, é imprescindível que seja proposta com as crianças, mesmo
quando ainda não são escritoras convencionais. Portanto, as revisões não são correções e não
têm como objetivo corrigir as escritas para deixá-las corretas e convencionais. Neste projeto o
que se espera é propor boas oportunidades de reflexão sobre o sistema, para que avancem em
sua compreensão da escrita e, ao mesmo tempo, que se apropriem de práticas da linguagem
exercidas na vida social. As primeiras indicações podem ser escritas no coletivo para modelizar
e compartilhar comportamentos escritores, e depois podem ser produzidas em duplas.
Exemplo 2 Projeto animais vertebrados e invertebrados 1. Os conteúdos de leitura e escrita
propostos neste projeto são: práticas de leitura e escrita, a reflexão sobre o sistema de escrita e
os comportamentos leitores e escritores durante o processo de produção textual. O objetivo
do projeto é criar um contexto de estudo sobre os animais vertebrados e invertebrados em que
os alunos tenham a oportunidade de desenvolver novos comportamentos leitores e escritores
e refletir sobre o funcionamento do sistema de escrita. A proposta ao grupo é que no decorrer
de algumas aulas pesquisem sobre semelhanças e diferenças que existem entre os animais.
Para introduzir o tema, a professora mobiliza o interesse das crianças com algumas perguntas,
como por exemplo: Como é formado o corpo dos animais? Em que eles se parecem e se
diferenciam? Será que todos têm quatro patas? Em seguida as crianças fazem leituras
exploratórias de livros, previamente selecionados pela professora, na tentativa de buscarem
respostas a algumas perguntas e outras informações sobre os animais. Neste momento é
interessante explicar como funciona o índice da enciclopédia, dos livros para que ajude a
localizar o que procuram. Durante 1 Exemplo resumido da sequência didática Pesquisando e
escrevendo sobre os animais, publicada no site da revista Nova Escola e adaptada da Sequência
Didática: Prácticas del lenguaje en contexto de estudio - Animales, elaborada pela equipe de
Práticas de Linguagem da Divisão de Educação Primária de Buenos Aires, sob a coordenação da
pesquisadora argentina Mirta Castedo. Acesso em 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador
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6 a leitura exploratória, pode-se fazer algumas intervenções como: pedir que marquem com
um papel a página em que há informações que estão procurando, perguntar por que acham
que esta página pode oferecer informações sobre o corpo de algum animal, perguntar como
encontraram as informações etc. Depois de os grupos selecionarem os materiais e as
respectivas páginas, pode-se pedir que compartilhem os resultados da leitura exploratória. As
crianças ainda não são leitoras convencionais, portanto, para buscarem as informações nos
livros, irão acionar todo o conhecimento que dispõem sobre a escrita para descobrir o que não
sabem. As intervenções ajudam a criar uma situação de análise e reflexão sobre a escrita.
Depois da coleta de informações, podese propor a escrita de legendas para imagens dos
animais estudados e também produzir textos informativos. Dependendo do tempo que se
planeja para o projeto pode-se criar mais situações de leituras exploratórias, mais contextos de
estudo sobre os animais e novas situações de produção de texto. Prioritário é considerar que
se for propor a escrita de textos informativos para os alunos, eles precisarão conhecer melhor
esses textos, ter repertório, para compreender a sua forma e seu conteúdo temático. Nesses
dois exemplos, os alunos de 1º anos, ainda não leitores e escritores convencionais, têm a
oportunidade de resolver problemas relacionados à compreensão do sistema de escrita e,
também, de enfrentar desafios relacionados à produção textual, à escrita de indicações
literárias, de legendas... portanto, são exemplos em que os alunos aprendem a escrever
escrevendo no contexto das práticas sociais, em que refletem sobre o uso da linguagem escrita
e sobre o funcionamento do sistema de escrita. O compromisso político é alfabetizar - formar
alunos leitores e escritores competentes, e para tanto, é necessário assegurar as melhores
condições de ensino para as crianças avançarem em seus conhecimentos na interação com as
práticas sociais, com seus colegas e professores. 16ª Edição do Prêmio Victor Civita Educador
Nota 6
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CASTEDO, M. e MOLINARI, C. A escrita na alfabetização
inicial: produzir em grupos na escola e na Educação Infantil. La Plata: Dir. General de Cultura y
Educación de La Provincia de Buenos Aires, GOUVEIA, B. E Orensztejn, M. Alfabetizar em
Contextos de Letramento. Publicado no caderno Salto para o Futuro em novembro de
Disponível em: MOLINARI, C. Projetos para saber mais sobre um tema no início da
alfabetização. Revista Nova Escola. São Paulo, ed. 265, setembro Projeto didático: Galeria de
Bruxas, publicado no site da revista Nova Escola e adaptado do Projeto didático El Mundo de
las Brujas, da Direção Provincial de Educação Primária, da Direção Geral de Cultura e Educação
de Buenos Aires, na Argentina. Disponível em: Sequência didática: Pesquisando e escrevendo
sobre os animais, publicada no site da revista Nova Escola e adaptada da Sequência Didática:
Prácticas del lenguaje en contexto de estudio - Animales, elaborada pela equipe de Práticas de
Linguagem da Divisão de Educação Primária de Buenos Aires, sob a coordenação da
pesquisadora argentina Mirta Castedo. Disponível em: 16ª Edição do Prêmio Victor Civita
Educador Nota 7

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