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A Hipertrofia Cardiaca Na Hipertensao Arterial Sis
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All content following this page was uploaded by Benedito Carlos Maciel on 09 July 2018.
Aspectos epidemiológicos cia cardíaca, sendo associada a 39% A importância clínica do problema
do risco atribuível no homem e 59% pode ser dimensionada quando se con-
A hipertensão arterial sistêmica na mulher4, determinando, compa- sidera que, nos Estados Unidos, a
constitui-se em um fator de risco rativamente a uma população de hipertensão arterial sistêmica é res-
importante para mortalidade e indivíduos normotensos, um risco ponsável por 42% de todos os atendi-
morbidade cardiovascular. Um relativo duas vezes maior no homem mentos ambulatoriais clínicos, enquan-
conjunto bastante consistente de e três vezes maior na mulher4. Ao to a cardiopatia hipertensiva responde
evidências epidemiológicas1-3 indica mesmo tempo, existem evidências por mais 5% dos atendimentos8. Além
que a hipertensão representa a causa inequívocas de que a ocorrência de disso, estudos relativos à história
mais freqüente de insuficiência hipertrofia ventricular esquerda em natural dessa condição clínica indicam
cardíaca. Em um amplo estudo, que pacientes com hipertensão arterial que, pelo menos, 50% dos pacientes
acompanhou mais de 5 mil pacientes sistêmica representa um preditor de hipertensos não-tratados desenvolvem
durante 14 anos, a hipertensão foi o risco para eventos cardiovasculares, insuficiência cardíaca3. Esses números
mais importante fator de risco isolado independentemente dos níveis de tornam-se ainda mais relevantes quan-
para o desenvolvimento de insuficiên- pressão arterial e da idade5-7. do se leva em conta que apenas 29%
Correspondência:
Benedito Carlos Maciel
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
Campus Universitário – Monte Alegre
CEP 14048-900 – Ribeirão Preto, SP
Divisão de Cardiologia – Hospital das Clínicas
dos pacientes com hipertensão arterial, resulta na estimulação do outro. Em hipertensos13,14. Admite-se que esse
nos Estados Unidos, estão conscientes conjunto, esses mecanismos (Figura 1) seja o mecanismo básico que determi-
dessa condição e são adequadamente promovem estabilidade funcional do na a ocorrência de isquemia silenciosa
tratados9. miocárdio durante um certo período e de angina microvascular em pacien-
de tempo. Entretanto, na dependência tes com hipertensão arterial sistêmi-
da magnitude de sua estimulação, eles ca12, particularmente quando não se
Aspectos fisiopatológicos apresentam efeitos secundários que, a documenta uma lesão obstrutiva em
longo prazo, se mostram extremamen- artérias coronárias epicárdicas.
A sobrecarga mecânica imposta
te adversos. O aumento excessivo da Mais recentemente, tem sido docu-
cronicamente ao coração pela hiperten-
pós-carga ventricular decorrente da vaso- mentado, tanto experimental como
são arterial sistêmica determina uma
constricção periférica, bem como a clinicamente, que a disfunção endote-
adaptação miocárdica que resulta em
elevação da freqüência cardíaca, lial contribui significativamente para a
aumento da massa ventricular. Esse au-
promovem aumento do consumo de doença vascular associada à hiperten-
mento persistente da pós-carga ven-
oxigênio miocárdico e do trabalho são12. A síntese de óxido nítrico e de
tricular determina expansão da massa
cardíaco, além de contribuir para redu- seu precursor , a L-arginina, pelo endo-
mitocondrial, multiplicação em
ção do fluxo sanguíneo miocárdico. Os télio vascular coronariano e pelo
paralelo do número de miofibrilas,
efeitos tóxicos das catecolaminas sobre endotélio dos miócitos, encontra-se
com conseqüente aumento da espessu-
o coração aumentam o risco de arritmias reduzida em hipertensos15. Como me-
ra individual dos miócitos, aumento de
cardíacas e de morte súbita8,11. canismos subjacentes, têm-se acumu-
deposição da matriz extracelular e
O fluxo coronariano em condições lado indícios de que exista um defeito
redução do estresse parietal, tal como
de repouso pode ser normal em pa- no gene da óxido nítrico sintetase, bem
previsto na lei de Laplace8,10. Essas
cientes com hipertensão arterial como aumento da participação loca-
alterações poderiam, presumivel-
mente, disponibilizar uma maior oferta sistêmica, mesmo na presença de lizada do sistema renina-angiotensina
de fosfatos de alta energia para suprir intensa hipertrofia ventricular esquer- ou redução da atividade do sistema
as necessidades da célula hipertrofia- da12. Não obstante, documenta-se uma bradicinina-cinina12. Em conjunto,
da, enquanto o aumento da espessura importante elevação da resistência esses mecanismos atuam no sentido
da parede ventricular manteria o es- vascular sistêmica total, que é compar- de prejudicar ainda mais a hemodinâ-
tresse sistólico dentro de limites nor- tilhada pela circulação coronariana. mica intracoronariana e, conseqüen-
mais. Enquanto, por um lado, esses Assim, quando o fluxo coronariano é temente, a reserva de fluxo coro-
mecanismos adaptativos tendem a medido em condições de estimulação nariano.
manter e preservar a função sistólica fisiológica ou farmacológica determi- Outros elementos fisiopatológicos
global do coração, pelo menos durante nante de vasodilatação coronariana adicionais importantes associados à hi-
uma fase da história natural da doença, máxima, verifica-se que a reserva de pertrofia ventricular que ocorre na hiper-
ao mesmo tempo é possível documen- fluxo coronariano está reduzida tensão arterial sistêmica são a de-
tar uma redução na contratilidade de significativamente em pacientes posição de colágeno e a fibrose ven-
fibras miocárdicas isoladas, denotando
alterações na expressão gênica de
proteínas contráteis8,11.
Concomitantemente, são ativados
mecanismos adaptativos neuro-
humorais que resultam em aumento
da estimulação adrenérgica do co-
ração, com efeitos sobre a freqüência
cardíaca e a contratilidade miocár-
dica, bem como em ativação do
sistema renina-angiotensina-aldoste-
rona, resultando em expansão de
volume e aumento da sobrecarga
imposta ao coração8,11. Esses sistemas
apresentam elevado grau de interação,
de modo que a ativação de um deles Figura 1 – Mecanismos adaptativos à hipertensão arterial sistêmica.
tricular16, fatores que concorrem no da complacência ventricular esquerda, ponde, aproximadamente, à metade
sentido de piorar o desempenho mecanismo básico da restrição ao da mortalidade atribuível à insuficiên-
sistólico e diastólico do ventrículo enchimento ventricular, é determinada cia cardíaca sistólica20-21.
esquerdo e que, desse modo, influen- pela magnitude da hipertrofia, bem
ciam o desenvolvimento de insuficiên- como pelo grau de deposição de colá-
cia cardíaca em pacientes hipertensos. geno na parede vascular e no endo- Aspectos diagnósticos
A participação desses mecanismos cárdio ventricular. Adicionalmente, ela
A identificação da ocorrência de
pode ser incrementada por fatores pode também ser influenciada pelo
hipertrofia ventricular esquerda em
extrínsecos como a ingestão excessiva aumento da resistência vascular coro-
pacientes com hipertensão arterial
de sal da dieta12. nariana e pela reduzida reserva co-
sistêmica é componente fundamental
Em conjunto, esses mecanismos ronariana18. A importância clínica da
da abordagem clínica desses pacien-
adaptativos (Figura 2) à excessiva disfunção diastólica não pode ser
tes. Do mesmo modo, é fundamental
sobrecarga mecânica imposta ao minimizada, especialmente quando se
a caracterização clínica do grau de
coração acabam, a longo prazo, considera que entre 30% e 50% dos
envolvimento ventricular, expresso
determinando efeitos deletérios que pacientes em insuficiência cardíaca
pela avaliação das funções sistólica e
culminam em disfunção sistólica apresentam fração de ejeção normal
diastólica do ventrículo esquerdo. A
ventricular esquerda e manifestações ou quase normal19.
doppler ecocardiografia constitui a
de insuficiência cardíaca. A deterio- Em síntese, a insuficiência cardíaca
técnica diagnóstica não-invasiva que
ração da função sistólica ventricular pode ocorrer na história natural de
reúne melhores qualificações para
na hipertensão pode, em parte, estar pacientes com hipertensão, como
identificar o envolvimento cardíaco
associada também à ocorrência de resultado da atuação de um amplo
em pacientes com hipertensão arterial
destruição celular por necrose ou conjunto de mecanismos adaptativos sistêmica22. Essa metodologia per-
apoptose17, ainda que a importância desencadeados pelo aumento persis- mite: 1) identificar e quantificar a
clínica desse mecanismo não esteja tente da pós-carga ventricular, hipertrofia ventricular, com base na
ainda estabelecida. Mais recente- resultando em disfunção diastólica ou medida da espessura das paredes
mente, contudo, vem sendo reconhe- sistólica. Sua ocorrência tem um ventriculares e da massa ventricular;
cida a importância da disfunção impacto clínico substancial, uma vez 2) caracterizar o padrão geométrico
diastólica, que ocorre precocemente que a mortalidade anual de pacientes ventricular, a partir da relação entre
na história natural da hipertensão com insuficiência cardíaca dependente a massa ventricular e a espessura re-
arterial, como causa de insuficiência exclusivamente de disfunção diastólica lativa das paredes; 3) avaliar a função
cardíaca em hipertensos12. A redução varia entre 9% e 28%, o que corres- sistólica ventricular, utilizando
diferentes índices de desempenho
sistólico e 4) avaliar a função dias-
tólica ventricular, com base na análise
das velocidades de enchimento
ventricular, do fluxo em veias pul-
monares ou na mobilidade do anel
valvar mitral.
A avaliação quantitativa da massa
ventricular esquerda, estimada pela
ecocardiografia, quando cotejada com
a espessura relativa da parede ven-
tricular (2 x espessura diastólica da
parede posterior do VE/dimensão
diastólica do VE), permite caracterizar
três tipos de padrão geométrico
ventricular anormais (Figura 3) em
pacientes hipertensos23: a) hipertrofia
concêntrica (aumento da massa do
Figura 2 – Mecanismos desencadeantes de insuficiência cardíaca no paciente VE associada a aumento da espessura
hipertenso. relativa da parede ventricular); b) hi-