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CENTRO UNIVERSITÁRIO - UNIVEL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU – MESTRADO EM


DIREITO, INOVAÇÃO E REGULAÇÕES

Disciplina: Obrigatória da Linha I – Compliance e Instituições


Nome da Disciplina: COMPLIANCE E RESPONSABILIDADES
PROFESSOR ALEXANDRE BARBOSA DA SILVA
2024 – 1º Semestre

SEMINÁRIO 2
TEMA: Função e Função Social dos Institutos Jurídicos

Cascavel, 01 de março de 2024.

Mestrando MAURÍCIO VELASCO DA SILVA VELASCO


Mestrando PEDRO AUGUSTO DE LIMA
Aluna Ouvinte VANESSA FERNANDA SCHONS RIPP
Texto nº 01

HISTÓRICO E MUDANÇA DE PARADIGMAS DA FUNCIONALIZAÇÃO DOS


INSTITUTOS DO DIREITO PRIVADO

As sociedades europeias passaram por profundas mudanças a partir do final do


século XIX. Com a eclosão da Revolução Francesa, a estrutura da economia e dos
Estados passaram por uma mudança de paradigma. Até então, imperava o poder
absoluto do monarca, que estava acima de qualquer ordenamento. A partir da revolução
capitaneada pela classe burguesa, uma nova ordem política, social e econômica passou a
vigorar, com a divisão do poder estatal em 03 (três) partes, seguindo a teoria de
Montesquieu.
Essa nova ordem teve como base princípios estabelecidos nas Constituições da
época, como a francesa e a americana. Esses ordenamentos deixam claro que todos
devem submeter-se ao império da lei, inclusive os governantes. Nesse sentido, fortalece-
se a ideia de liberdade do indivíduo frente ao poder do Estado. A regra era a liberdade e o
livre exercício das atividades econômicas, tendo como ênfase a defesa da propriedade
privada, em um nível quase que sagrado.
Nesse contexto, o Direito emerge como uma estrutura inicialmente rígida, servindo
de base para a manutenção e consolidação de institutos de fundamental importância para
a classe dominante . O Código de Napoleão de 1804 (Código Civil Francês) teve
marcante característica patrimonialista, servindo de base para vários códigos civis no
mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916. Fica claro a preocupação com a
estrutura do Direito, que serviria para dar o suporte para a manutenção, por exemplo, da
propriedade, do pacta sund servanda em matéria contratual, marcando, assim, a
hegemonia da autonomia privada, independente de qualquer repercussão que tais
institutos pudessem gerar para a sociedade.
Esse modelo acabou por gerar concentração de renda e graves problemas sociais
e, consequentemente, macro-econômicos. Em virtude disso, a partir do século XX, tendo
por base as Constituições Sociais (ex: Constituição Mexicana de 1917, de Weimar de
1919 e a brasileira de 1934), o Estado passou a ter uma atuação de caráter prestacional,
no sentido de desenvolver ações para corrigir as distorções geradas pelo modelo
econômico-social de característica liberal.
O individualismo absoluto na propriedade privada e nos contratos começou a ceder
espaço para a funcionalização social, no sentido de que deveria gerar um benefício social,
e não simplesmente satisfazer caprichos individuais em detrimento da coletividade e dos
menos favorecidos. Nesse sentido, Alexandre Barbosa (2018, p. 145):

A funcionalização dos institutos do Direito, e em especial do Direito Civil, que importa neste
momento (a propriedade e o contrato), terá o importante papel de definir atuações do governo,
limitar abusos e, o mais importantes, fomentar e orientar liberdades.

Começou-se a se consolidar o conceito de “função social”. Nesse sentido, o


conceito de função vem a se somar com a noção anterior de estrutura. Como exemplo,
Konder (2017, p. 40) ensina que a estrutura serve para descrever algo, em suas várias
partes. Já a função é o objetivo da existência de algo, para que ele serve, como por
exemplo, o olho é um órgão descrito em várias partes, que tem como função o estímulo
sensorial da visão. Assim, o referido autor traz ideia semelhante aos institutos do Direito,
que não devem existir tão somente pela sua estrutura, mas devem estar voltados para
uma função (2017, p. 42-43):

Como exemplo, pode-se falar em uma funcionalização da família e do casamento. As entidades


familiares deixam de ser instituições a serem protegidas em si mes-mas para servirem como
instrumentos para o desenvolvimento da personalidade de seus membros.8 A proteção da paz
doméstica, da coesão formal do grupo familiar e da integridade do vínculo conjugal eram
consideradas merecedoras em si de tutela, ainda que em detrimento da realização pessoal dos seus
integrantes, porque se conferia uma proteção estrutural àqueles institutos. Na medida em que se
funcionaliza a família e o matrimônio, a hostilidade com relação à dissolução do vínculo conjugal –
seja por meio de seu impedimento, seja com a imputação de culpa a uma das partes – ou com
relação a entidades familiares não calcadas no casamento heterossexual perde sua razão de ser.

No começo do século XX, essa funcionalização dos institutos jurídicos teve um


caráter voltado para a sociedade. A função deveria ser social. Nesse sentido, Barbosa
argumenta que houve uma dicotomia entre público e privado, entre a autonomia típica do
Estado Liberal e a participação da esfera pública nas atividades individuais.
Ao longo do século XX até os dias atuais, restou consolidado o entendimento de
que os institutos de direito privado devem prezar pela livre determinação dos envolvidos,
mas devem estar voltados para a função social, no sentido de trazer algum benefício para
a sociedade (ex: imóvel servir para moradia; contrato servir para a geração de benefícios
econômicos para ambas as partes, ao invés de ser instrumento para a parte mais
abastada se locupletar às custas do mais vulnerável; empresa ser instrumento para
geração de empregos).
Ocorre que, nos últimos anos, a doutrina foi mais além, buscando ampliar o
alcance da função dos institutos jurídicos, no sentido de que estes deveriam, além de ter
um benefício para o “todo” social, levar em consideração a dimensão existencial das
partes envolvidas em suas relações intersubjetivas, visando a garantir a dignidade da
pessoa humana, preceito este de caráter constitucional e que irradia em todas as esferas
do Direito, inclusive do Direito Civil. Nesse sentido, Ruzyk defende, em síntese, que a
função social não deve se restringir ao benefício coletivo, existindo uma dimensão de
fundamental importância, que são as questões existenciais dos indivíduos, não no sentido
de seus caprichos de acumulação de riquezas no contexto do Liberalismo, mas no sentido
de sua dignidade como pessoa.

Texto nº 2

LIBERDADE(S) E FUNÇÃO: CONTRIBUIÇÃO CRÍTICA PARA UMA NOVA


FUNDAMENTAÇÃO DA DIMENSÃO FUNCIONAL DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk

A tese de doutorado "LIBERDADE(S) E FUNÇÃO: Contribuição crítica para


uma nova fundamentação da dimensão funcional do Direito Civil brasileiro" de Carlos
Eduardo Pianovski Ruzyk, propõe uma nova fundamentação para a dimensão funcional
das instituições básicas do Direito Civil brasileiro, com foco em uma compreensão plural
da liberdade. Sugere que o contrato, a propriedade e a família servem para proteger,
exercer ou melhorar as liberdades coexistentes. A tese pretende ir além da associação
histórica entre liberdade individual e autonomia privada no direito civil, enfatizando o
conceito plural de liberdade e os potenciais conflitos entre diferentes perfis de liberdade
numa sociedade diversa. Discute a insuficiência dos conceitos unívocos de liberdade e
examina a evolução da autonomia privada no direito civil moderno. Além disso, explora a
transformação dos institutos de direito civil nos séculos XIX e XX no sentido de uma
abordagem mais socialmente funcional, particularmente no que diz respeito à propriedade
e aos contratos. A tese destaca a necessidade de repensar a dimensão funcional do
direito civil, sugerindo que estas instituições jurídicas podem contribuir para as liberdades
individuais e de grupo, expandindo as escolhas e oferecendo possibilidades concretas
para o exercício efetivo dessas escolhas.

Capítulo 1 - aborda a relação entre liberdade e função no Direito Civil, destacando


a influência da liberdade dos privados na estrutura das grandes codificações legais. O
autor discute a concepção de liberdade, ressaltando que a liberdade não se confunde
com bens ou renda, mas sim com a capacidade de realizar funcionamentos essenciais.
Ele cita o pensamento de Sen para explicar como a privação de capacidades individuais
pode estar relacionada ao baixo nível de renda e destaca a importância de considerar as
privações de capacidade para entender melhor a pobreza humana.O autor também
analisa o paradoxo entre individualismo e coletivismo no Direito Civil, especialmente com
o surgimento do Estado de Bem-Estar Social no século XX. Ele discute como a
funcionalidade do Direito Privado para atender a um interesse coletivo levou à
"publicização" do direito privado, colocando em questão a abstração do indivíduo em favor
do coletivo. Um argumento que é fundamental refletir sobre uma nova configuração do
conteúdo e da tese do espaço privado no Direito Civil, levando em consideração a relação
entre esse ramo do Direito e a Constituição. Além disso, o autor aborda a crise ideológica,
de efetividade e de fundamentação que o Estado Social enfrenta, levando à necessidade
de compensar os fundamentos funcionais do Direito Civil. Ele propõe uma reflexão sobre
como compreender a dimensão funcional do Direito Civil sem cair em um coletivismo
abstrato ou no individualismo proprietário oitocentista. A tese sugere que uma concepção
plural sobre a liberdade pode ser um elemento fundamental para definir as finalidades
contemporâneas dos institutos de Direito Civil, destacando a importância da liberdade na
compreensão das funções jurídicas de propriedade, contrato e família.Este capítulo
apresenta uma análise profunda sobre as relações entre liberdade, função e Direito Civil,
explorando questões complexas relacionadas à evolução histórica e ideológica desse
campo do direito. O autor busca oferecer uma contribuição crítica para compensar as
bases e fundamentos do Direito Civil contemporâneo, considerando as transformações
sociais e políticas que influenciam sua aplicação e interpretação.

Capítulo 2 - aborda a funcionalidade social dos institutos de Direito Civil no século


XX, com foco na função social e direito subjetivo segundo Leon Duguit. O autor discute a
crise aparente da função social, problematizando as possíveis fundamentações centradas
em um conceito ampliado de liberdade. Ele analisa como a função social da propriedade
foi desenvolvida no direito estrangeiro e nacional ao longo do século XX, destacando a
importância de uma nova fundamentação que leva em consideração uma concepção
expandida de liberdade. O capítulo também examina a relação entre liberdade,
propriedade e função no Direito Civil contemporâneo. Ele discute a ausência de
identidade absoluta entre função social e função como liberdade(s), explorando as
possibilidades dessa última como um dos fundamentos da primeira. Além disso, são
apresentados elementos da função social da propriedade imobiliária urbana e rural,
relacionando-os aos perfis da liberdade. Outro ponto abordado é a relação entre liberdade
e função social do contrato. O autor discute a autonomia privada, a autodeterminação e a
função social intrínseca e extrínseca do contrato. Ele também analisa a polêmica em torno
do Artigo 421 do Código Civil, que trata da liberdade contratual exercida em razão da
função social do contrato, e sua possível relação com a função como liberdade(s). Em
resumo, o Capítulo 2 da tese explora de forma detalhada a evolução e as complexidades
da funcionalidade dos institutos de Direito Civil no século XX, destacando as interações
entre liberdade, propriedade, contrato e função social. O autor oferece uma análise crítica
e reflexiva sobre as diferentes perspectivas teóricas e práticas que moldaram esses
conceitos ao longo do tempo, buscando contribuir para uma compreensão mais ampla e
atualizada da relação entre liberdade e função no contexto jurídico contemporâneo.

Capítulo 3- aborda a autonomia da vontade em Portalis e na doutrina francesa do


século XIX, a fundamentação kantiana da autonomia da vontade e a Willenstheorie na
doutrina alemã do século XIX, bem como a autonomia privada como o lugar da liberdade
e o lugar de sua negação. O autor discute a importância da autonomia da vontade como
um dos pilares do Direito Civil, destacando como diferentes correntes doutrinárias
abordaram essa questão ao longo do tempo. O capítulo também explora a relação entre
contrato, autonomia privada e autodeterminação. Ele analisa a função social intrínseca e
extrínseca do contrato, discutindo como o contrato pode ser visto não apenas como um
instrumento de autonomia privada, mas também como um mecanismo que desempenha
uma função social relevante na sociedade. Além disso, são apresentadas reflexões sobre
a polêmica em torno do Artigo 421 do Código Civil, que trata da liberdade contratual
exercida em razão da função social do contrato, e sua possível relação com a função
como liberdade(s). Neste capítulo, o autor busca contextualizar historicamente essas
concepções de autonomia da vontade e liberdade no Direito Civil, analisando como
princípios fundamentais foram desenvolvidos e interpretados por juristas ao longo dos
séculos XIX e XX. Ele destaca a importância desses conceitos para a compreensão das
relações jurídicas no âmbito privado e para a construção de uma sociedade baseada em
princípios de liberdade e autonomia. Em resumo, o Capítulo 3 oferece uma análise
detalhada sobre a autonomia da vontade, a liberdade contratual e a função social do
contrato no contexto do Direito Civil. O autor apresenta diferentes perspectivas teóricas e
históricas sobre esses temas, buscando enriquecer o debate acadêmico sobre as bases
filosóficas e jurídicas que sustentam as relações contratuais e a autonomia privada no
ordenamento jurídico contemporâneo.

Capítulo 4 - aborda a família e a liberdade, analisando a dimensão funcional da


coexistência juridicamente protegida. O autor discute problemas relacionados às funções
da família e entre o código e o Direito Civil contemporâneo. Ele também examina o
conceito de "eudemonismo" e a função da família centrada na liberdade, além da
pluralidade familiar entre liberdade negativa e liberdade positiva (ou, de como a liberdade
de constituir família e de se auto constituir na família deve ser juridicamente protegida).

A tese enfrentada arduamente através da leitura superficial denota-se que


apresenta uma análise crítica e profunda sobre como os princípios de liberdade, função e
autonomia se entrelaçam no âmbito do Direito Civil. A reflexão sobre a evolução desses
conceitos ao longo do tempo e sua aplicação prática na sociedade contemporânea
contribui para uma compreensão mais ampla das relações jurídicas privadas e dos
desafios enfrentados pelo ordenamento jurídico diante das transformações sociais.

Texto nº 3

REFLEXÕES ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E DA


AUTONOMIA PRIVADA, APÓS A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DE LIBERDADE
ECONÔMICA

João Ricardo Brandão Aguirre

Aguirre, traz grandes reflexões sobre a análise da atual redação no texto do art.
421 do Código Civil, após as alterações pela Medida Provisória n. 881 e posteriormente
convertida na Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) através dos intensos
debates promovidos no Congresso Nacional.

Referências importantes são citadas na inflamada discussão da temática, como,


Anderson Schreiber, Rodrigo Xavier Leonardo, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Flávio
Tartuce, entre outros, com o objetivo de expor pontos significativos acerca do atrelamento
entre a função social do contrato e a autonomia privada.

Aguirre salienta que o fundamento solidarista do sistema constitucional do Brasil,


não afasta a força obrigatória dos contratos. Porém, a Medida Provisória n. 881/2019,
indicava regresso ao sistema individualista, com princípio pacta sunt servanda. Expressa,
ao seu ver, a autonomia privada e a autodeterminação ao estabelecer a presunção
relativa de que os contratos civis e empresariais são paritários e simétricos até que se
comprove a presença de elementos concretos capazes de justificar o afastamento dessa
opinião, ressalvando-se os regimes jurídicos previstos em leis especiais.

Diante do exposto, Aguirre afirma que a função social do contrato atua como
instrumento limitador da autonomia privada. Por isso, encarrega ao Estado interferir na
esfera da liberdade e da autonomia privada, em defesa da ordem pública e do bem-estar
social.

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