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artigo original

A influência do espaço físico na


recuperação do paciente e os sistemas
e instrumentos de avaliação*
Physical facilities impact patient recovery and overview of
evaluation tools and systems

RESU MO Augusto Guelli1


Este artigo situa os edifícios de saúde na discussão da Economia da Saúde que ressalta a necessida- Paola Zucchi2
de de eficiência na atenção à saúde e otimização dos recursos envolvidos. Uma importante variável que
influencia a eficiência da recuperação do paciente é a sua percepção e do “próprio staff” sobre o espaço
construído onde ocorre o cuidado. A disciplina que estuda esta influência é chamada de “Evidence Based
Design” e tem demonstrado resultados positivos na recuperação dos pacientes, podendo inclusive reduzir
custos do tratamento. Os estudos que testam a maneira como o entorno do paciente interfere com o
cuidado médico, a doença e os atributos do paciente são realizados com base na técnica da medicina
baseada em evidência que busca a comprovação científica da efetividade ou mesmo da eficiência de uma
intervenção através de ensaios randomizados, revisões sistemáticas da literatura e metanálises. Para
medir (avaliar) a qualidade e a eficiência do espaço construído é necessária a aplicação de métodos e Palavras-chave
instrumentos objetivos que estabeleçam critérios e metodologias de avaliação da percepção do espaço, Arquitetura hospitalar. Meio am-
da sua funcionalidade e técnica, e permitam a avaliação da “performance” dos espaços dos edifícios de biente construído. Medicina ba-
saúde, considerando os seus componentes e as características do processo de prestação de serviços, em seada em evidências. Resulta-
busca da excelência no atendimento e tratamento. Um exemplo é o sistema de avaliação “AEDET – do de tratamento. Tomada de
Achieving Excellent Design Evaluation” desenvolvido na Inglaterra em 2002 que se propõe a avaliar e decisões. Controle de custos.
verificar a qualidade dos espaços de edifícios de saúde quanto à percepção, função e técnica.
Keywords
ABSTRACT Hospital design and construc-
This paper brings healthcare buildings into the discussion of Healthcare Economics that points to the tion. Controlled environment. Ev-
need to have an effective healthcare with optimization of the resources involved. An important variable idence-based medicine. Treat-
that influences patient recovery efficiency is his or her perception and the medical staff perception of the ment outcome. Decision making.
facilities were healthcare is provided. The discipline studying such impact is called “Evidence-Based De- Cost control.
sign” and has shown positive results in patient recovery, with possibilities of reducing treatment costs. The
studies that are concerned with the manner in which the surroundings of the patient have an impact on
medical care, on the disease, and on patient attributes are carried out with the support of evidence-based
medical technique that searches for scientific evidence of the effectiveness or even of the efficiency of an
intervention through randomized assays, systematic literature reviews and meta-analysis. In order to mea-
sure the quality and the efficiency of built facilities, one has to apply objective methods and instruments
that establish evaluation criteria and methods to perceive the space its functionality and technicality, and
that allow for an evaluation of the performance of healthcare facilities considering their components and
the care process features in order to achieve care and treatment excellence. On example of such an Conflito de interesse: nenhum declarado.
evaluation system is the “AEDET – Achieving Excellent Design Evaluation” developed in 2002 in England, Financiador ou fontes de fomento: nenhum de-
clarado.
which is intended to evaluate and check the quality of healthcare facilities in terms of perception, function, Data de recebimento do artigo: 15/8/2005.
and technique. Data da aprovação: 12/9/2005.

1. Arquiteto, com especialização e mestrando em Economia e Gestão em Saúde no CPES da Unifesp; Diretor de projetos da Bross Consultoria e Arquitetura S/C Ltda., Av.
Moema, 879 – 04077-023 – São Paulo, SP, Brasil. Tel.: (11) 5052-4286; e-mail: aguelli@bross.com.br
2. Médica, doutora em Saúde Pública e vice-coordenadora do CPES, Centro Paulista de Economia da Saúde – CPES, Universidade Federal de São Paulo, Rua Botucatu,
740 – 04023.900 – São Paulo, SP, Brasil. Tel.: (11) 5575-6427; e-mail: pzucchi@cpes.org.br

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1 – INTRODUÇÃO desempenho e confiabilidade do pro- 2.1 – Ambiente Construído “Saudá-
O sistema de atenção médico-hos- cesso(4). vel” – “Healing Environment”
pitalar brasileiro tem exigido um gran- Além das necessidades técnicas e O objetivo do “Healing Environment”
de esforço das instituições prestado- funcionais, uma outra necessidade a é a criação de espaços para o cuidado
ras de serviços de saúde, sejam elas ser satisfeita na busca pela excelên- do paciente que reduzam as fontes
públicas ou privadas, no sentido de cia na atenção à saúde tem sido apon- externas causadoras de “stress” pro-
aprimorar o atendimento dos seus tada recentemente e assumido mais e porcionando paz, esperança, motiva-
usuários oferecendo maior quantida- mais importância. Esta terceira neces- ção, alegria, reflexão e consolo(9). Este
de e melhorando a qualidade. Esta exi- sidade é o valor da percepção e a in- conceito propõe a otimização do en-
gência, em um ambiente de forte pres- fluência que o espaço físico tem so- torno do cuidado com o paciente, não
são de demanda, associado à alta bre os diferentes atores, tais como o só com um ambiente que proporcione
competitividade e escassez de recur- paciente, o corpo técnico e os acom- a ele satisfação e possibilidade de con-
sos, leva a um contínuo aperfeiçoa- panhantes(5). trole, como também disponha de um
mento do processo de atenção e, em sistema de suporte social, tais como
decorrência, do espaço físico, de for- 2 – A INFLUÊNCIA DO ESPAÇO para apoio dos familiares, informação
ma a responder com a máxima efi- NA RECUPERAÇÃO DO ao e do paciente e até opção pela
ciência e produtividade, maximizando PACI E NTE medicina alternativa. O objetivo é a
o uso do recurso físico, garantindo O espaço físico interfere positiva- transformação do hospital, ou edifício
resultados econômico-financeiros e a mente ou negativamente na recupe- de saúde, num lugar que abrigue o
própria sobrevivência do sistema(1). ração dos pacientes influenciando o espírito humano e suporte o paciente
Este sistema que caminha para um cuidado médico através dos aspec- e sua família para ajudá-los positiva-
mercado de concorrência requer a tos ergonômicos que podem facilitar mente, apresentando-se de forma a
correta definição dos objetivos insti- ou dificultar a atividade, o nível de transcender a doença(10).
tucionais visando aprimorar o valor do saúde fortalecendo ou enfraquecen- A influência positiva do espaço na
atendimento por recurso financeiro do o paciente e a própria causa de recuperação dos pacientes, segundo
investido, através de mecanismos que doença, ao proteger ou expor o pa- os estudos publicados pelo Center of
gerem maior eficiência e incentivos ciente à infecção(6). Esta idéia não é Health Design (11), uma organização
para os prestadores, focados em totalmente nova, pois The Planetree norte-americana sem fins lucrativos
áreas de excelência que aumentam a Model , fundado há vinte e sete anos focada na pesquisa e promoção do
qualidade e eficiência(2). por uma organização norte-america- “Healthcare Design”, proporciona uma
Um edifício de saúde, para respon- na sem fins lucrativos, cuja missão é maior satisfação do paciente e um
der a este contexto de qualidade e efi- servir como catalisadora no desenvol- melhor índice de qualidade percebido
ciência, deve satisfazer as necessida- vimento e implementação de novos pelo mercado. Além destes resultados,
des técnicas e funcionais envolvidas modelos de cuidado à saúde e que os estudos demonstram que esta in-
no cuidado de saúde integral, consi- cultiva a cura da mente, corpo e espí- fluência positiva pode reduzir custos do
derando as relações entre atenção e rito, reconheceu a importância da in- tratamento, diminuindo o tempo de per-
os espaços físicos, sistematizando e corporação da arquitetura no proces- manência, reduzindo o uso de medica-
dando fluidez à produção dos serviços so de cura(7,8). mentos compensatórios, reduzindo o
e correlacionando as atividades e pro- A qualidade no processo de aten- tempo de enfermagem por paciente,
cedimentos de atenção com os servi- ção, quando inclui a percepção do es- aumentando o moral dos prestadores
ços de apoio que suportam esta ope- paço pelos diferentes usuários, requer de serviço ao redor do paciente e re-
ração, tais como logística de suprimen- um ambiente construído “saudável” duzindo os próprios custos de treina-
tos, facilidades de pessoal e adminis- preconizado pelo chamado “Healing mento e recrutamento pela maior ade-
tração(3). Este perfeito entendimento do Environment”, que é uma forma de cui- rência dos colaboradores à institui-
serviço focado no cliente é importante dado à saúde que envolve a influência ção(10). Os pesquisadores apontam que
para o estabelecimento de uma estra- do espaço físico na recuperação do a mente, o cérebro e o sistema nervo-
tégia que definirá a disponibilidade, paciente(9). so podem ser diretamente influencia-
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dos pelos elementos sensoriais do grupo de pesquisadores financiado polis(11). As iniciativas destas institui-
meio ambiente, propondo então que o pela Johns Hopkins University Quality ções de saúde têm mostrado que o
espaço seja estimulante e não neutro. of Care. Os pesquisadores encontra- conforto físico, e especialmente conec-
O ambiente monótono e com luz artifi- ram limitação para demonstrar cienti- tado ao ambiente natural, ajuda na cura
cial inalterável, que é típico de muitos ficamente a influência do espaço na diminuindo o “stress”(10).
hospitais, pode influenciar negativa- recuperação dos pacientes, pela difi- O próximo desafio é a evolução dos
mente por ser emocionalmente des- culdade de isolar e modificar apenas sistemas e instrumentos de avaliação
gastante, intensificando os efeitos do os requisitos do ambiente e avaliar os dos espaços de forma a permitir a ava-
“stress” (tensão) dos pacientes e usuá- resultados(7). Numa revisão de 78.761 liação dos espaços tanto técnica e fun-
rios(10). estudos publicados a partir de 1966, cionalmente, como quanto à percep-
Alguns novos edifícios de saúde potencialmente relevantes, apenas ção do espaço construído do ponto de
estão incorporando, baseados nesta 1.219 artigos descreviam a investiga- vista dos diferentes usuários.
discussão, os elementos do “Healing ção do impacto do meio ambiente na
Environments” nos seus espaços, en- recuperação do paciente e, destes, 84
corajados pelo crescimento das pes- estudos associaram especificamente O espaço físico
quisas que demonstram os benefícios o espaço físico, sendo que apenas 3
positivos na recuperação dos pacien- foram realizados através de ensaios
interfere
tes e como forma de acompanhar a controlados e randomizados(6). A par- positivamente ou
tendência do mercado de atender o tir desta pesquisa, o Center for Health
desejo do consumidor e competir pela Design começou, com foco no “Eviden- negativamente na
excelência(12). ce Based Design”, a chamar a atenção
Iniciativas como as do Center of para a importância de aprimorar o grau
recuperação dos
Health Design , onde pesquisadores da evidência da influência do espaço pacientes
realizam estudos que comprovam cien- no resultado da recuperação dos pa-
tificamente a evidência de como espa- cientes estimulando instituições de influenciando o
ço construído afeta o paciente, estão saúde, através do The Pebble Pro-
promovendo o desenvolvendo uma ject (14), que começou em 2000, a rea- cuidado médico
nova ciência chamada “Evidence Ba- lizarem estudos de casos relatando através dos
sed Design”. A metodologia científica onde o “Healing Environment” tem fei-
adotada propõe que se examine e tes- to a diferença na qualidade do cuida- aspectos
te minuciosamente os benefícios do do através de suas experiências e re-
espaço físico construído na atenção à sultados. Estes estudos, fundados na ergonômicos que
saúde(13). técnica da medicina baseada em evi-
dência que busca a comprovação cien-
podem facilitar ou
2.2 – “Design” Baseado em Evidên- tífica da evidência da efetividade de dificultar a
cia uma intervenção através de ensaios
A palavra inglesa “design” deve ser randomizados, revisões sistemáticas da atividade, o nível de
entendida como plano, projeto ou de- literatura e metanálises, estão testan-
senho, conforme sua tradução literal do a maneira como o entorno do cui-
saúde fortalecendo
e, no nosso contexto, referente à ar- dado com o paciente interfere com o ou enfraquecendo o
quitetura hospitalar e ao espaço cons- cuidado médico, a doença e os atribu-
truído dos edifícios de saúde. tos do paciente. Este projeto tem vá- paciente e a própria
O Center for Health Design decidiu rios hospitais participantes, tais como:
em 1998 procurar o maior número de Bronson Methodist Hospital, em Kala-
causa de doença, ao
pesquisas científicas ligadas ao am- mazzoo, Bárbara Ann Karmanos Cân- proteger ou expor o
biente de atenção à saúde e o seu cer Institute, no Detroit Medical Cen-
benefício terapêutico, através de um ter, e Methodist Hospital, em Indianá- paciente à infecção.
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3 – SISTEMAS E INSTRUMENTOS blico ou o privado, a serem construí- gundo três níveis. Diferentemente da
DE AVALIAÇÃO DO dos, reformados ou ampliados. A Re- metodologia da Resolução RDC no 50,
ESPAÇO FÍSICO solução – RDC no 50 da Agência Na- que funciona com um “check-list”, a
A concepção e o dimensionamento cional de Vigilância Sanitária, em vigor metodologia de acreditação propõe um
de um empreendimento em busca da desde 21 de fevereiro de 2002, dis- sistema de inspeção. Para cada nível
otimização dos recursos físicos e sua põe sobre o regulamento técnico para são definidos itens de verificação e,
decorrente produtividade deve ocorrer planejamento, programação, elabora- entre eles, encontram-se no nível 1
a partir de uma análise e planejamen- ção e avaliação de projetos físicos de alguns referentes à percepção do pa-
to, considerando e ponderando os di- estabelecimentos assistenciais de saú- ciente: privacidade, segurança, aces-
ferentes aspectos que influem no pro- de, substituindo as anteriores. É uma sibilidade, acompanhamento do pai à
cesso, tais como o meio ambiente, os resolução governamental que deve ser atenção ao bebê, nas unidades de in-
objetivos institucionais, os recursos atendida compulsoriamente, pois pos- ternação e neonato e no nível 3 há a
operacionais e físicos e os econômi- sui força de lei, com penalidades esta- exigência de utilização de sistema de
cos(3). As necessidades técnicas, fun- belecidas e aplicadas pela fiscalização aferição da satisfação dos clientes.
cionais e emocionais envolvidas no da Vigilância Sanitária. Este instrumen- Conforme a classificação, os hospitais
complexo processo de atenção à saú- to apresenta uma metodologia para poderão apresentar-se como: não
de devem também ser consideradas e elaboração dos projetos, definição do acreditado, acreditado (nível 1), acre-
estruturadas através de métodos de programa funcional quanto às neces- ditado pleno (nível 2) e acreditado com
planejamento e gestão do recurso fí- sidades e dimensões mínimas, e crité- excelência (nível 3)(16).
sico, para que possam ser satisfeitas. rios quanto a circulações, condições A necessidade de instrumentos de
As atividades e procedimentos dos ambientais e de conforto, com ênfase avaliação para apoiar a tomada de de-
setores de atenção e suas relações na salubridade e tempo de permanên- cisão em busca da otimização do re-
devem ser reconhecidas através de um cia, condições de infecção hospitalar, curso físico, seja ele uma reforma ou
rigoroso levantamento de dados e in- instalações prediais e especiais e con- mesmo um novo negócio, aplicando
dicadores de produção e satisfação, dições de segurança(15). métodos objetivos para medir ou ava-
considerando as atividades e as inter- A Resolução RDC no 50 é comple- liar a qualidade e a eficiência, tem ge-
relações entre os diferentes setores e mentada por manuais de organizações rado iniciativas internacionais para se
atores, aprofundando o conhecimento responsáveis pelas certificações de estabelecer critérios e metodologias de
das relações entre atenção e os espa- acreditação de instituições de saúde avaliação da funcionalidade, percepção
ços físicos para que métodos e instru- como a Organização Nacional de Acre- do espaço e técnica, através de ins-
mentos de avaliação levem ao correto ditação (ONA), no Brasil, e como a Jo- trumentos que permitam esta avalia-
dimensionamento de um empreendi- int Commission on Accreditation of ção.
mento, onde sua operação ocorra sem Heathcare Organizations, responsável
ociosidade ou congestionamento, e de por certificação de acreditação inter- 3.2 – Sistema de Avaliação Integral
forma confortável e eficiente. nacional(16,17). Estas organizações in- do Espaço Físico “AEDET – Achie-
cluem a percepção do espaço físico ving Excellent Design Evaluation
3.1 – Principais Sistemas e Instru- pelo paciente e pelo próprio prestador Toolkit ”
mentos de Avaliação do Espaço do de serviço como variável a ser consi- Na Inglaterra, em 2002, foi desen-
Brasil derada e avaliada nos métodos de pla- volvido um sistema de avaliação inte-
As Normas e Resoluções do nosso nejamento e nos próprios instrumen- gral chamado “AEDET – Achieving Ex-
Ministério da Saúde são os principais tos de avaliação dos espaços, o que cellent Design Evaluation Toolkit”, uma
instrumentos formais utilizados atual- se faz extremamente oportuno e ne- publicação do Centre for Healthcare
mente, no Brasil, para orientação das cessário. A acreditação é uma meto- Architecture & Design (18), agência do
Secretarias Estaduais e Municipais de dologia desenvolvida para apreciar a Sistema Nacional de Saúde inglês, de
Saúde na elaboração da análise e da qualidade da assistência médico-hospi- onde derivou, na Holanda, em 2004, o
avaliação de projetos de edifícios do talar em todos os serviços de um hos- sistema conhecido como “Qind”, abre-
sistema nacional de saúde, seja o pú- pital, a partir de padrões definidos se- viatura de “Quality Index”, para aplica-
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ção nos seus sistemas nacionais de
saúde. Estes sistemas utilizam instru-
mentos para avaliação, baseados no
conceito do “Healing Environment”(5),
verificando a qualidade do espaço
quanto à percepção (impacto), a fun-
ção e a técnica, durante as várias fa-
ses do processo de projeto e constru-
ção de edifícios de saúde, partindo do
princípio de que a excelência é atingi-
da na intersecção destes aspectos(5,19),
conforme representação da figura 1.
O sistema AEDET trabalha com um
questionário com uma série de pergun-
tas simples que tem que ser respondi-
do por um grupo multidisciplinar de
profissionais envolvidos no processo
de atenção e construção. Este ques-
Figura 1 – Diagrama que apresenta os aspectos avaliados pelo AEDET
tionário é divido em três categorias Fonte: AEDET (Achieving Excellent Design Evaluation Toolkit) – 2002
principais: funcionalidade, percepção
(impacto) e técnica, e estas três cate-
gorias subdividem-se num total de dez
aspectos (figura 1), aos quais são fei- pessoas, de forma econômica e fácil. satisfação do usuário, interior do am-
tas várias questões e estabelecidas São avaliados a filosofia dos serviços, biente e a integração urbana e social
notas de forma objetiva ou subjetiva. exigências e relacionamentos funcio- e trata da extensão pela qual o edifí-
Nas três categorias, e nos seus res- nais, fluxo de trabalho, logística, dis- cio cria um senso de lugar e contribui
pectivos aspectos, são avaliados os posição, dignidade humana, flexibilida- positivamente para a vida daqueles
atributos do espaço físico considera- de, adaptabilidade e segurança. No que o utilizam e sua vizinhança. Avalia
dos parte integrante na conquista da aspecto acesso é observado o modo no aspecto caráter e inovação o sen-
excelência(19). como os usuários dos edifícios podem tido abrangente do edifício, indagan-
A primeira categoria, funcionalida- ir e vir. Indaga se as pessoas podem do se ele tem clareza na intenção do
de, trata das questões referentes ao entrar e sair do empreendimento de projeto e se este é apropriado para sua
propósito principal ou função do edifí- forma fácil e eficiente utilizando diver- proposta. Um edifício que tenha boa
cio e de quão bem é atendido e obser- sos meios de transporte e de forma pontuação neste aspecto é como se
va como o edifício facilita ou inibe rea- lógica, fácil e segura. A avaliação dos elevasse o espírito e fosse um exem-
lização das atividades realizadas den- acessos considera os veículos, esta- plo específico de boa arquitetura. São
tro e no seu entorno pelas pessoas, no cionamento, pedestres, deficientes fí- observados a excelência, visão, moti-
que se refere ao uso, acesso e espa- sicos, sinalização, incêndio e seguran- vação, inovação, qualidade e valor. No
ço. No aspecto uso é observado o ça. O aspecto espaço concentra-se na aspecto satisfação do usuário é ava-
modo que o edifício habilita os usuá- qualidade do espaço construído, com liada a natureza do edifício em termos
rios para desempenhar suas tarefas e relação ao seu propósito indagando se de sua forma e seus materiais em ge-
operar seus sistemas e instalações de as pessoas podem mover-se eficien- ral que o compõe com ênfase em
cuidados à saúde. Para obter uma alta temente e com dignidade, avaliando os como o edifício se apresenta para o
pontuação neste quesito o edifício de- padrões do espaço, orientação e dis- meio externo em termos de aparên-
verá ser altamente funcional, flexível e posições do pavimento. cia e organização. Apesar de tratar dos
eficiente, com espaço suficiente para A segunda categoria, impacto (per- materiais, não se interessa por eles no
as atividades e movimentações das cepção), envolve o caráter e inovação, sentido técnico, mas no modo como
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do se os sistemas de engenharia são
de boa qualidade e adequados aos pro-
pósitos, se são fáceis de operar, efi-
cientes e sustentáveis. É feita a avalia-
ção dos sistemas de gerenciamento da
engenharia, sistemas especiais e de
emergência, segurança de incêndio,
padronização e pré-fabricação da en-
genharia. O aspecto construção con-
centra-se nas questões técnicas como
atualidade e qualidade da construção
do edifício e da performance dos com-
ponentes principais. Um edifício com
boa pontuação neste aspecto é como
se ele tivesse sido construído tão rápi-
do e facilmente quanto possível, dadas
as circunstâncias do local, e se ele ofe-
rece uma sólida e simples solução para
manutenção. São avaliadas as fases de
Figura 2 – Gráfico que apresenta o resultado da utilização do AEDET
Fonte: AEDET (Achieving Excellent Design Evaluation Toolkit) – 2002
construção, manutenção, resistência,
integração, padronização, pré-fabrica-
ção, saúde e segurança.
eles se apresentam e se a conduta do planejamento urbano, integração da Esta avaliação é introduzida numa
edifício é percebida integralmente, comunidade e paisagem. planilha de cálculo do software Excel
avaliando os materiais externos, cor, A terceira categoria, técnica , envol- que processa automaticamente a mé-
textura, composição, escala, propor- ve o desempenho, engenharia e cons- dia aritmética e então reproduz o re-
ção, harmonia e qualidade estética. No trução e trata dos componentes físi- sultado num diagrama tipo radar, ou
aspecto interior do ambiente são ava- cos do edifício e dos espaços, consi- “spider chart”(20), apresentado na figu-
liados vários quesitos que juntos re- derando os aspectos mais técnicos e ra 2, através do qual, num relance,
sumem quão bem o ambiente cumpre de engenharia da construção. Indaga pode-se ver quais são os pontos for-
com as melhores práticas, “Environ- se o edifício é uma construção sem tes e fracos do estudo ou edifício de
ment Healing”, indicadas pelas pesqui- defeitos, segura e fácil de operar e, em interesse avaliado.
sas de evidências. A avaliação do in- última análise, se é sustentável; e se, Eventualmente pode-se desejar ava-
terior do ambiente considera o am- além disso, é participante do processo liar apenas os dez aspectos principais
biente do paciente, luz, vistas, espa- de construção atual e dos conceitos em e não os seus subitens. Às vezes não
ços sociais, disposição interna e sina- que a interrupção na operação é mini- é possível nem avaliar todos os 10 as-
lização. O aspecto integração urbana mizada. O aspecto desempenho preo- pectos do AEDET, por exemplo –
e social trata do modo como o edifí- cupa-se com a “performance” técnica quando há informação insuficiente ou
cio se relaciona com seu entorno, ob- do edifício durante sua vida útil. Per- não é possível responder a algumas
servando se este desempenha uma gunta se os componentes da constru- perguntas dentro de uma secção. Nes-
função positiva na vizinhança, quer ção são de boa qualidade e adequa- te caso são respondidos apenas aque-
seja urbana, suburbana ou rural. Um dos aos propósitos. Avalia a utilização les que sejam possíveis e calculadas a
edifício que tenha boa pontuação nes- da luz do dia, calefação, ventilação, con- média dos aspectos avaliados.
te aspecto é como se melhorasse dicionamento de ar, acústica, conforto Diagnosticados os aspectos mais
(aperfeiçoasse) a vizinhança ao invés térmico. O aspecto engenharia preo- deficientes dos estudos ou edifícios de
de prejudicá-la. São avaliados o sen- cupa-se com os sistemas de engenha- interesse, identificados nos pontos de
tido do lugar, localização, vizinhança, ria integrados à arquitetura, indagan- maior afastamento da circunferência
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de contorno, devem ser desenvolvidos que é voluntário, estabelece padrões e prio resultado do tratamento, mas o
planos, programas e projetos para itens de orientação e contribui para acesso à qualidade da informação (evi-
aperfeiçoar estes aspectos em busca educação continuada, também não dência) de como e quanto ocorre esta
da excelência na atenção à saúde(19). garante por si só a qualidade do servi- influência não são ainda difundidos. É
ço, ou produto final. O que leva à qua- importante agora ampliarmos o nível de
4 – DISCUSSÃO E CONCLUSÃO lidade da atenção à saúde é a imple- sensibilização destes tomadores de
Como o sistema de saúde caminha mentação de métodos e instrumentos decisão para necessidade de conside-
para um mercado em que a geração e o contínuo aprimoramento da quali- rarmos a percepção do espaço, além
de valor com maior eficiência é uma dade da estrutura física, dos proces- da técnica e da função, na concepção
importante vantagem competitiva, o re- sos e do envolvimento dos usuários e dimensionamento dos espaços, fun-
curso físico de saúde assume grande (paciente e prestadores). damentados em dados científicos,
importância pela sua contribuição no A busca da otimização e qualidade criando uma consciência de perma-
resultado da recuperação e tratamen- do recurso físico num empreendimen- nente busca de eficiência alocativa que
to do paciente. Uma pesquisa iniciada to, seja ele uma reforma ou mesmo um eleva a qualidade da atenção da saú-
pelo Center for Health Design e de- novo negócio, deve ser feita dentro de de sem consumir recursos adicionais
senvolvida pelo The Picker Institute ele- uma visão sistêmica do serviço de saú- que venham a comprometer os limita-
ge os principais aspectos na atenção de considerando os aspectos: meio dos recursos do sistema de saúde.
à saúde com qualidade, pela ótica do ambiente, objetivos institucionais, re- Após a iniciativa do The Center of
paciente como sendo: o respeito à in- cursos operacionais, físicos e econô- Health Design , apresentando resulta-
dividualidade, a coordenação do trata- micos(3). O pensamento sistêmico pres- dos que aprimoram o grau da evidên-
mento, a informação e educação, a pro- supõe a capacidade de conseguir ob- cia da influência do espaço na recu-
moção do conforto físico e de apoio servar cada um dos aspectos de for- peração do paciente, encontramos a
emocional, o envolvimento dos familia- ma abrangente, não perdendo de vis- amplificação desta discussão através
res e amigos e a preparação para a saí- ta os seus componentes específicos(23). de estudos que apontam a custo-efe-
da(21). Para atender a estes aspectos, Os gestores do “espaço físico” ne- tividade da intervenção, demonstran-
um estudo realizado pela Faculty of Art cessitam de instrumentos de avaliação do que o incremento de custo decor-
and Design da Manchester Metropoli- e ferramentas de gestão da qualidade rente da incorporação dos elementos
tan University recomenda que a arqui- para apoio à tomada de decisão na do “Healing Environment” pode ser
tetura do edifício de saúde, quando fo- busca da excelência dos edifícios de rapidamente recuperado, sustentando
cada na percepção e necessidades dos saúde. A utilização de instrumentos todo o benefício introduzido(13). Neste
pacientes deve, além de estar adequa- para a avaliação da qualidade dos es- contexto, baseado nos fundamentos da
do técnica e funcionalmente à realiza- paços dos edifícios de saúde, como o Economia da Saúde, o que se busca
ção da atenção à saúde, proporcionar “AEDET”, desenvolvido na Inglaterra, não é só a eficácia, nem só a efetivida-
ao paciente privacidade, suporte social, adaptado às normas e calibrado às de, e sim a eficiência.
conforto, opções e controle do uso, condições brasileiras e contextos a
acesso ao ambiente externo, varieda- serem avaliados, como ferramentas de
“Um edifício que é melhor para os
de de experiência, acessibilidade e co- gestão, é um exemplo de mecanismo
pacientes e seus cuidadores pode
municação(22). Quando se busca a ex- de apoio à decisão. Ele permite a ava-
atualmente prover ganhos financei-
celência no sentido mais abrangente liação da qualidade do espaço físico
ros, mesmo sendo mais caro? Com
envolvendo os usuários, o espaço físi- através de uma metodologia para con-
a liderança do hospital focada em
co deve superar as condições mínimas trole de todas as fases do processo
valor, sustentada pelo conselho do
estabelecidas pelas normas de saúde, de projeto, construção e operação com
hospital, apoiada em “designers” ta-
segurança e higiene, pois alguns atri- o objetivo de apontar os aspectos que
lentosos, e com disposição para
butos do espaço “excelente” que pro- necessitam melhoria.
abraçar as lições do “evidence-ba-
porciona a satisfação do cliente estão Os empreendedores e arquitetos
sed design, a resposta é “sim”.”
além delas. Um processo de certifica- brasileiros intuem que o espaço cons-
ção como o sistema de acreditação, truído influencia os usuários e o pró- (Leonard L. Berry et al, 2004)
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saúde.
partment – Netherlands Board for Hospital Facil-
Ao arquiteto Peter Scher, que tive o 16. Ministério da Saúde (2004) Resolução – RDC n o
ities, The Netherlands [Apresentado no 24th
12 – Manual de Acreditação das Organizações
imenso prazer de conhecer no 24o Semi- Seminar UIA – International Union of Architets in
Prestadoras de Serviços Hospitalares, Brasília.
nário da UIA – União Internacional de Ar- Public Health Work Programe, São Paulo in Bra-
zil, 2004]. 17. Joint Comission on Accreditation of Healthcare
quitetos, em 2004, e que me abriu um ho- Organizations (online). Apresenta textos e instru-
6. Rubin HR, Owens AJ e Golden G (1998) An In-
rizonte de pesquisa focada na atenção à vestigation to Determine Whether the Built Envi- mentos sobre acreditação internacional. USA. Dis-
saúde centrada no paciente e apresentou ronment Affects Patient’s Medical Outcomes Cen- ponível em U R L:htpp://www.jcaho.org – acessa-
ter of Health Design , Martinez, California, USA. do em agosto de 2004.
o instrumento inglês “AEDET – Achieving
7. Quality Letter – Health Care Leaders (2003) De- 18. Centre for Healthcare Architecture and Design of
Excellent Design Evaluation Toolkit”, que signing for Quality: Hospital Look to the Built En- National Health Service (on line). Apresenta esta
assumiu grande importância nos meus es- vironment to Provide Better Patient Care and Out- agência do Sistema Nacional de Serviços de Saú-
tudos. comes , USA. de Inglês, U K. Disponível em U R L:http://
8. The Planetree Model (online). Apresenta textos www.chad.nhsestates.gov.uk – acessado em agos-
Ao arquiteto Brian Coapes, do Centre to de 2004.
sobre “Evidence Based Design”. USA. Disponível
for Healthcare Architecture and Design, em U R L:htpp://www.planetree.org – acessado em 19. AED ET (Achieving Excellent Design Evaluation
uma agência do Sistema Nacional de Ser- agosto de 2004. Toolkit), Inglaterra, 2002. Disponível em URL: http:
viços de Saúde inglês, pela especial aten- 9. Varni JW (2001) An Evaluation of the Built Envi- //www.chad.nhsestates.gov.uk – acessado em
ção dispensada, esclarecendo todas as ronment at Children’s Convalescent Hospital , San junho de 2004.
Diego, USA.
dúvidas que se apresentaram na análise 20. Joint Comission on Accreditation of Healthcare
10. Russ Coile´S Health Trends (2001) Healing Envi- Organizations (2002) Tools for Performance Mea-
metodológica do “AEDET – Achieving Ex- ronment: Progress Toward Evidence-Based, USA. surement in Healthcare – A Quick Reference
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senta esta organização norte-americana, USA.
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Disponível em U R L:http://www.healthdesign.org
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Exija qualidade na saúde


50 RAS _ Vol. 7, No 27 – Abr-Jun, 2005

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