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PAIXÃO SELVAGEM

Wild Concerto

Anne Mather

Um destino cruel forçou Lani St. John a uma escolha impossível entre a
realização de seus desejos e a renúncia ao único homem que poderia amar.
Jake Pendragon, o atraente e talentoso pianista que havia despertado a
paixão em seu corpo de adolescente, estava de volta à sua vida, desta vez
para destruir-lhe todas as reservas e subjugá-la definitivamente. Mas Lani
não podia, não queria se entregar por inteiro àquele homem sedutor e
violento, provocante e imoral. Porque sua linda rival, a mulher com quem ele
estava envolvido, não era outra senão a sua própria mãe!

Uma dramática história de amor, vingança e Paixão!

Digitalização: Maria José


Revisão: Ana Cris
BESTSELLER

Livros Abril

ANNE MATHER

A autora e sua obra

Anne Mather é uma da maiores escritoras de ficção romântica da


atualidade, já tendo vendido mais de 85 milhões de livros no mundo todo.
Seu primeiro romance, Caroline, foi publicado em 1966 e teve sucesso
imediato. Anne Mather escreveu mais de 90 romances, sendo um dos
últimos, Paixão Selvagem, um best seller de grande êxito mundial. Seus
livros foram traduzidos para diversos idiomas e editados em muitos países.
Sua obra Leopard in the Snow tornou-se um filme de sucesso e seu novo
romance, Stormspell, também já é um best seller.
Anne Mather nasceu na região nordeste da Inglaterra, onde ainda vive. É
casada e mãe de dois adolescentes.
CAPÍTULO I

Lani St. John tinha catorze anos quando conheceu Jake Pendragon. Viajava
com os pais numa das raras ocasiões em que eles puderam tirar férias
juntos e, em vez de escolherem algum lugar exótico, preferiram ir para o
sudoeste da Inglaterra, até a Cornualha.

Lani não se lembrava de uma viagem com os pais que não fosse uma
experiência penosa. Os dois eram muito diferentes, um, muito volúvel,
enquanto o outro, responsável ao extremo. Fora do ambiente habitual,
geralmente brigavam como cão e gato.

Na melhor das hipóteses, aquele casamento poderia ser considerado uma


combinação original. Clare, a mãe de Lani, era uma soprano de renome
internacional, e o pai, Roger, era um advogado, frio e prático. Lani nunca
conseguira entender o que os unira e as bases desse relacionamento estava
há muito abaladas.

Aquela viagem, Lani soube mais tarde, foi à última tentativa de conciliar as
diferenças, cimentar as rachaduras do relacionamento e recuperar o
encanto perdido. Não adiantou. Assim que a mãe descobriu que o marido
tinha sugerido a viagem a Cornualha com a intenção de visitar um cliente
rico, voltou para Londres, deixando Lani com a árdua tarefa de acalmá-lo.

Mesmo em abril, Mount's Bay não era o lugar mais quente do mundo, e a
primeira visão que Lani teve de Tremorna Point foi a de um mar cinzento
arremessando ondas vorazes sobre a praia, enquanto um vento gélido fazia
vibrar as janelas do castelo da Sra. Worth.

Na verdade, não era realmente um castelo. Só parecia assim aos olhos


imaginativos de uma adolescente. Viajando ao lado de seu pai no carro
alugado, pois sua mãe tinha levado o deles, Lani se animou. Até a expressão
melancólica que se via no rosto do pai desde a partida da esposa tinha
desaparecido, dando lugar a um sorriso conspirador.

A residência dos Worth ficava em Tremorna Point, aparentemente


indiferente a intempéries. Pequenas torres guarnecidas de almeias davam-
lhe um ar medieval e não era uma construção propriamente bonita. A
fachada de pedra transmitia uma imagem austera, reforçada pela cor do
mar turbulento.

Quando Roger St. John estacionou o carro diante dos degraus que levavam a
uma varanda ornamentada com pilastras, Lani não esperou permissão para
sair. A curiosidade aliada a uma imaginação fértil já se encarregavam de
pintar imagens dos ocupantes da casa, e Lani não se surpreenderia se um
mordomo sombrio abrisse a porta, pedindo que entrassem num tom de voz
sepulcral.

A realidade era bem diferente. A porta se abriu quando Roger St. John
descia do carro, mas o moço que apareceu certamente não era mordomo de
ninguém. Mordomos não usavam blusões e calças justas de jeans, muito
menos cabelos despenteados. Também não mediam os visitantes com ar
irônico. Lani corou e ficou aliviada com a chegada do pai.

— A Sra. Worth está me esperando. Meu nome é Roger St. John, advogado
dela.

— Ah, sim, Sr. St. John! — 0 moço estendeu a mão. — Ela disse qualquer
coisa sobre um advogado, estou lembrando agora. Entrem, por favor. Vou
avisá-la de sua chegada.

O rapaz entrou e o pai de Lani a puxou pelo braço.

— Vamos, pare de sonhar acordada. Parece que a mulher vai me receber


desta vez.

— Tentou ver a Sra. Worth antes?

— Várias vezes. Infelizmente, a Sra. Worth pode se dar ao luxo de bancar a


difícil e não tem muito interesse na administração de seus imóveis.

— Ela é muito rica?

Passaram pela porta esculpida, que dava para um hall escuro e acarpetado. O
pai de Lani sorriu.

— Muito rica. Não parece, olhando para este lugar, mas posso assegurar que
nossa cliente não precisa se preocupar em garantir a velhice.
Lani olhou ao redor com interesse. O hall se ampliava para além da
escadaria, dando acesso a uma espécie de jardim de inverno. As quatro
portas que davam para o corredor estavam fechadas, fazendo-a imaginar
aonde o rapaz teria ido.

Sua curiosidade foi satisfeita alguns instantes depois, quando ele apareceu
no alto da escadaria e pediu que subissem.

— A sra. Worth o está esperando, sr. St. John. — O sorriso do moço era
irônico, como se não estivesse dizendo exatamente a verdade, mas o pai de
Lani estava tão ansioso por qualquer oportunidade que ignorou esse detalhe.

A escada dava para um longo corredor, com várias portas e passagens. Lani
descobriu que o hall de entrada era enganador, pois a casa era muito maior
do que parecia à primeira vista, e corou de embaraço ao perceber que o
rapaz tinha notado sua perplexidade.

— É por aqui. — Ele os conduziu até o fim do corredor e os fez entrar num
quarto. — Madame, o sr. St. John — anunciou com irreverência.

O olhar da senhora recostada aos travesseiros era hostil.

— Já lhe disse, Jake... — A mulher se interrompeu ao ver Lani atrás do pai.


— 0 que é isso? Jake, quem é essa menina? Sabe que não permito a entrada
de crianças em meu quarto.

Para Lani, a mulher mais parecia uma bruxa encolhida na cama e gritando
com o rapaz, que por sua vez não demonstrava a menor preocupação. Chegou
a conclusão de que correspondia à antipatia da sra. Worth: também não
gostava daquele quarto, abarrotado de mesinhas, cadeiras e sofás pesados
que cheiravam a mofo.

— Lani é minha filha, sra. Worth — Roger St. John explicou, embaraçado. —
A mãe dela. . . isto é, Lani está sob meus cuidados e naturalmente não podia
deixá-la sozinha no hotel.

— Seus problemas domésticos não me interessam, sr. St. John — a mulher


retrucou num tom ríspido e, vendo o rapaz sair, gritou: — Aonde você vai?
Não lhe dei permissão para sair. Faça a gentileza de entrar e fechar a
porta. Essa correnteza de ar me faz mal.

O rapaz deu um suspiro de impaciência e, com a mão na maçaneta, não


mostrou a menor inclinação para obedecer à ordem.

— Não tenho tempo, madame. Foi um prazer conhecê-los, sr. St. John. . .
Lani. Pedirei a Hannah que os acompanhe até a porta, mais tarde.

— Não fará nada disso! — A mulher tremia de raiva. — Ainda não acabei de
falar, Jake. Aonde vai? O que vai fazer? Não pretendo ficar com os nervos
em frangalhos só porque você teve uma idéia maluca. . .

— Mais tarde conversaremos. Sabe onde me encontrar.

— Está bem, mas leve essa menina com você. Não vou tratar de assuntos
confidenciais na presença de uma criança. Leve-a com você e trate de
distraí-la!

— Mas. . . — Roger St. John começou a protestar, apenas para ter suas
palavras abafadas pela indignação do rapaz.

— Não sou babá.

Foi a vez de Lani ficar indignada.

— Não preciso de ninguém tomando conta de mim, papai. Se. .. se a Sra.


Worth não fizer objeções, vou dar uma volta nos rochedos. Quero respirar
um pouco de ar fresco. Está meio... abafado aqui.

— Tem certeza, minha filha?

— Tenho. Não irei muito longe. Depois, espero no carro.

A Sra. Worth bufou.

— Não é preciso esperar no carro, menina. Hannah, a governanta, servirá


uma limonada para você na cozinha, se pedir com educação.

— Não quero limonada, obrigada — Lani recusou com firmeza e teve a


impressão de que o rapaz abafava o riso. — Até mais tarde, papai. Não se
apresse. Estarei bem.

Lani passou pelo rapaz, que lhe fez uma reverência zombeteira antes de
fechar a porta do quarto da Sra. Worth e segui-la até o andar de baixo.
Lani estava determinada a ignorá-lo depois do modo como ele tinha falado
dela e se surpreendeu quando o viu parar na sua frente, antes que pudesse
abrir a porta da rua.
— Bravo!

Embora quisesse tratá-lo friamente, como faziam as heroínas dos romances


que lia às escondidas no dormitório do internato, Lani não conseguiu reprimir
um sorriso.

— Que velha mais horrível! Gritando daquele jeito e dando ordens. Não sei
como você agüenta isso. Trabalha para ela ou qualquer coisa do gênero?

— Qualquer coisa do gênero — o rapaz respondeu, abrindo a porta. — É


minha avó. Só não diga a ela que lhe contei. Nenhum de nós sente muito
orgulho disso.

Lani saiu e se encolheu dentro do blusão vermelho para se proteger do vento


gélido, imaginando como.. . Jake, era esse o nome dele, suportava aquele frio
sem agasalho. Desceram os degraus da varanda juntos e Lani se arrependeu
de ter declarado sua auto-suficiência de forma tão veemente. Gostava de
conversar com ele gostava de seu humor satírico. Quando ele começou a
atravessar o gramado que separava a casa da beira do rochedo Lani quis
saber aonde ia.

— Para casa.

Lani arregalou os olhos verdes.

— Não mora aqui?

— Nesse casarão? Não. Minha casa fica lá embaixo. Não dá para ver da
estrada.

Lani o seguiu até a borda do rochedo e espiou com cautela para baixo. Uma
trilha praticamente coberta de ervas daninhas e vegetação rasteira
enroscava-se como uma serpente pela encosta do rochedo até sumir de
vista. Por entre as rochas, viam-se ripas de madeira que formavam uma
varanda precária.

— Aquela é a sua casa?

— É a Casa do Mar.

— Casa do Mar. . . Que nome bonito para uma casa. Posso conhecê-la?

— Pensei que quisesse dar um passeio.


— Queria sair daquele quarto, isso sim. Além disso, você e sua avó falaram
como se eu fosse criança. Não sou criança. Tenho quase quinze anos!

— Tenho vinte e três e admito que já está bem crescidinha para precisar de
babá, mas é definitivamente jovem demais para ser vista entrando em casa
comigo!

— Que bobagem! Você não é maníaco sexual, é?

— Não é o tipo de coisa que gosto de anunciar — Jake retrucou com um


sorriso zombeteiro, deixando-a frustrada.

— Francamente, que mal pode haver? Só quero conhecer sua casa.

— É melhor não ir. Olhe, desculpe se a ofendi antes, mas não estou
acostumado a lidar com feministas em estado embrionário. Valeu como
experiência. Agora, tenho de trabalhar. Tchau.

Lani não desistiria tão facilmente.

— Que tipo de trabalho? Pensei que trabalhasse para sua avó. O que você
faz? Toma conta da casa dela?

— Entre outras coisas. — Jake começou a descer pela trilha. — Aproveite


bem seu passeio. Foi um prazer conhecê-la, Lani.

— Gostei de conhecer você também — Lani murmurou, contrariada,


acompanhando-o com o olhar até perdê-lo de vista. Subitamente o dia
perdeu toda a graça e ela se virou, pensativa, para o casarão.

Como aquela mulher podia tratar o neto daquele jeito? Era realmente uma
bruxa! Se ela fosse Jake, não agüentaria os gritos da avó nem mais um
minuto.

A imagem dele bloqueou a visão das linhas disformes da mansão. Alto, esguio
e atraente, com a pele bronzeada como a da maioria dos habitantes da
Cornualha, não se parecia nem um pouco com a avó. Pensando naquele olhar
indolente e no sorriso gaiato, Lani desejava não ter se precipitado em se
defender.

Até então considerara o pai a síntese de tudo que havia de melhor no sexo
oposto, mas Jake não tinha nada de Roger St. John. Seu pai era atraente,
mas a pele não era bronzeada como se ele tivesse passado os últimos seis
meses nas Bahamas, nem seu andar tinha aquela curiosa graça felina do
andar de Jake, que provocava uma sensação peculiar na boca do estômago de
Lani. Embora Jake fosse praticamente o oposto de seu pai, Lani passou a
considerá-lo o homem mais atraente que já conhecera.

Deixando esses pensamentos de lado, espiou novamente pela beira do


rochedo, decepcionada por não poder conhecer a casa dele. "Mas por que
não?", perguntou-se. Não havia nenhuma lei indicando por onde devia
passear.

Pensando na aventura excitante que teria para contar às amigas na volta às


aulas, depois do feriado de Páscoa, Lani começou a descer a encosta com
cuidado. A única vez em que tivera alguma coisa interessante para contar
fora quando seu primo Robin, dois anos mais velho que ela, a beijara. A
experiência foi tão repulsiva que teve a maior dificuldade de convencer a
melhor amiga, Libby Forster, de que tinha gostado. Ainda se lembrava dos
lábios molhados de Robin e também do hálito não muito agradável. Foi um
alívio quando o pai os separou, embora ela tivesse dito a Libby que ficara
furiosa.

O mar se quebrava no cabo, deixando vestígios de espuma nas rochas. Era


enervante imaginar o que aconteceria se perdesse o pé, tanto que, no meio
do caminho, ficou tentada a voltar. Esperava que o pai não viesse procurá-la,
pois duvidava que ele aprovasse aquela travessura, mas estava tentada a
continuar, se não por outra razão, porque a idéia de escalar era quase tão
aterrorizante quanto à de descer.

Já podia ver a casa e o vento trazia de vez em quando os acordes de uma


música. Jake devia estar com o aparelho de som ligado, foi o que Lani
imaginou, sentindo um remorso momentâneo por parecer que estava
espionando.

A casa era um extraordinário feito da engenharia, construída numa saliência


na encosta do rochedo. Tinha dois andares e a vista da varanda devia ser
magnífica. O fim da linha para Lani foi um lance de degraus que davam numa
porta lateral. A menos, é claro, que optasse por contrariar Jake.

A música era nítida agora e Lani reconheceu os acordes melancólicos de uma


sonata de Chopin. Tinha estudado música por dois anos no internato. Isso a
surpreendeu.

Jake parecia ser do tipo que gostava de música moderna, como ela, mas
gostos não se discutiam.

Alguns minutos mais tarde, a música parou bruscamente. O som dissonante


de alguém batendo com as mãos em cheio nas teclas pôs fim à melodia
triste. Lani ficou espantada com a interrupção nervosa da composição e foi
fácil concluir que não se tratava de uma gravação.

A curiosidade prevaleceu e, satisfeita por estar usando sapatos com sola de


borracha, Lani subiu até a varanda. Bater na porta estava fora de cogitação.
Se sua suspeita estivesse certa, seria muito menos bem-vinda agora. Foi nas
pontas dos pés até a janela mais próxima para espiar.

— Que diabo pensa que está fazendo?

Lani quase morreu de susto e virou-se para encarar o irado Jake. A


expressão no rosto dele não era nada animadora, deixando-a sem saber o
que fazer.

— Eu. . . estava passeando. Ouvi música e. . .

— Resolveu vir me espionar?

— Não!

— Que outro nome podemos dar ao seu comportamento?

— Estava curiosa, só isso. Desculpe, não sabia que a trilha era particular.
Pensei que ia dar em algum lugar.

— E dá mesmo. Aqui.

— Quis dizer em algum outro lugar.

— E o que está fazendo em minha varanda?

Lani encolheu os ombros, percebendo que não adiantava mentir:

— Tenho certeza de que sabe por quê. Ouvi como a música acabou e quis ver
se era você mesmo quem tocava.

— Era. — Jake massageava os músculos do pescoço. — Então agora já sabe.


Ora, que droga! Por que não entra? Ia fazer café para mim, aceita uma
xícara?
— Claro que aceito!

Lani o seguiu até uma sala bem mobiliada, com um assoalho de tacos de
madeira que, apesar de gasto em algumas partes, ainda conservava o brilho
do verniz.

Um piano lustroso ocupava lugar de destaque na sala. Lani imaginou como ele
teria sido transportado encosta abaixo, enquanto observava o resto do
ambiente e ia até a janela comprida e estreita, de onde se podia ver o mar
bravio.

— Vou fazer o café — Jake se prontificou, dirigindo-se à cozinha. — Sente-


se e fique à vontade. Não demoro.

Lani sentou-se numa poltrona de tecido estampado diante da lareira onde


ardia uma tora, aquecendo a sala. Estendeu as mãos em direção ao calor e
percorreu o ambiente com um olhar ansioso.

Havia livros numa estante ao lado da lareira, uma mesinha num canto, além
de várias cadeiras, um pequeno armário e um aparelho de som. Não havia
televisão, pelo menos não à vista, e tudo parecia ser funcional, para
racionalizar o espaço. Era estranho ele morar ali sozinho, enquanto a avó
devia ter vários quartos desocupados na mansão.

Jake voltou trazendo duas canecas de cerâmica com café e sentou-se diante
dela.

— Não esperava isso — Lani comentou, fazendo-o dar um sorriso irônico.

— E o que esperava?

Lani corou, numa reação irritante da qual esperava se livrar um dia.


Enquanto isso não acontecia, tentou esconder o embaraço mudando de
assunto.

— A música que estava tocando era de Chopin, não era? Tenho aulas de
música na escola e reconheci o estilo.

— O que mais faz na escola? — Jake não respondeu à pergunta e seus olhos
escuros a observavam. — Deixe-me adivinhar... Você gosta de arte; teatro
em especial.

Lani ficou ressentida com o tom de deboche e se defendeu, mentindo um


pouco:

— Na verdade, gosto mais de matemática e inglês. E esportes. Adoro nadar.

— É mesmo? Bem. . . é alta para sua idade. O que pretende fazer quando
crescer?

— Já estou bem crescida. Se morasse em qualquer outro lugar fora da


Inglaterra, teria idade suficiente para casar, o que não é nada infantil,
certo?

— Está bem. — Jake sorria. — Então o que pretende fazer quando terminar
os estudos? O que seus pais querem que faça? Que siga os passos do pai?

— Talvez. — Lani começava a se cansar daquele tipo de interrogatório. —


Fale sobre seu trabalho, Sr. Worth. É pianista profissional?

— Pendragon. Meu nome é Jake Pendragon. Minha mãe era filha da velha.

— Ah, sei. .. — Lani tomou um gole do café. — É incomum, não é? Pendragon.


De que nacionalidade é?

— Você faz muitas perguntas.

— Você também. Mas deve admitir que é meio misterioso você morar aqui
embaixo, enquanto sua avó fica sozinha naquele casarão.

Jake recostou-se na poltrona, colocando a caneca de café sobre o estômago.

— Não existe mistério algum. A Casa do Mar pertencia à minha mãe. Quando
meu avô morreu, deixou-a como herança para ela. Agora que ela também
morreu, é minha.

— Sei. .. E quando sua avó morrer. . .

— ... o dinheiro dela será doado para uma instituição de caridade. Pelo
menos é o que espero. Ela não me aceita, assim como nunca aceitou meu pai.
Minha mãe casou-se sem o consentimento dos pais e a velha nunca a perdoou
por ter sido contrariada.

— A mesma ladainha de sempre!

— Não ligo. — Jake encolheu os ombros com ar de pouco-caso. — Não quero


o dinheiro dela e isso também a incomoda.

— Gosta de morar aqui?


— Gosto.

— Mas cuida de sua avó.

— Por que não deveria? É uma velha solitária.

— Eu não faria isso.

— Acho que faria, sim. Velhos são como crianças. Gostam de ser mimados.

— Suponho que é isso que você gostaria de fazer comigo.

— Como poderia? Você não disse que não é mais criança?

Lani ia responder à altura, quando notou o brilho de divertimento nos olhos


dele, e sorriu.

— Acha que sou muito precoce?

— Acho que é hora de ir embora. — Jake tomou o resto do café e se


levantou. — Vamos. Levo você até a porta.

— Ah... preciso ir mesmo?

— Acho que deve. — Jake lhe estendeu a mão. — Imagine se seu pai
terminar a conversa com a velha e vier procurar você...

— E daí? — Lani segurou a mão dele para ficar de pé. Próximos como
estavam, pôde olhar no fundo dos olhos dele, e aproveitou aquele momento
de intimidade para se insinuar. — Não estou fazendo nada de errado, estou?

— Não está?

Por um instante, Jake ficou imóvel, e o corpo adolescente de Lani roçou na


força viril do corpo dele. Foi como se uma corrente elétrica passasse entre
os dois. Uma súbita falta de ar deixou-a trêmula e ofegante. Sentia o calor
que emanava dele, o cheiro másculo de sua pele e uma tensão repentina que
ergueu uma barreira entre os dois.

— Não. — Lani conseguiu dizer, percebendo como era inexperiente, e Jake


virou-se abruptamente.

— Não. Mas aconselho que não tente esse truque com mais ninguém.

— Que truque? — Lani fingiu ingenuidade. — Não sei do que está falando.

— Acho que sabe. — Jake foi até a porta. — Pegou tudo que é seu?
— Sim. .. Isto é, não trouxe nada. Só a mim.

— Hum...

Jake abriu a porta e ficou de lado, para lhe dar passagem. Lani atribuiu o
calafrio na espinha ao vento frio que soprava e saiu para a varanda,
desapontada.

— Adeus. Eu. . . você não está zangado comigo, está?

— Zangado? Vá embora, Lani. É jovem demais para se importar com isso.

— Não, não sou. — Lani mordeu o lábio inferior. — Sr. Pendragon... Jake! Por
favor, não fique bravo. Só queria provar que não sou criança, só isso.

— É tão provocante que não poderia ser tratada de outra forma — Jake
ironizou. — Mas não se preocupe. Não contarei nada a seu pai, se é disso que
tem medo.

— Não tenho medo... — Lani começou a protestar e parou, com um suspiro


resignado. — Bem.. . acho melhor ir andando. Não conseguirei convencê-lo de
nada parada aqui, não é?

— Não. — Jake continuou inflexível. — Vai conseguir? Quero dizer, subir de


volta?

— Acho que sim — Lani concordou e, quando ele ia se virar, acrescentou: —


Se. . . se meu pai voltar aqui, posso visitar você?

— Isso é pouco provável.

— Tem razão. Mas... poderia visitar você?

Por um momento, Jake encarou-a com impaciência, mas logo suas feições
relaxaram.

— Só não responderei por meus atos — ele brincou, fazendo-a corar mais
uma vez.

Lani comprimiu os lábios de raiva e foi embora. Lágrimas quentes rolavam


por suas faces, provocadas pela consciência de que, para Jake, ela não
passava de uma criança.
CAPÍTULO II

Os pais de Lani divorciaram-se no ano seguinte.

O transtorno na família teve um efeito tão desastroso sobre as notas de


Lani que seu pai resolveu transferi-la do internato em que estava para outro
perto de Berna, na Suíça.

Mas a tática não funcionou. Lani sentia-se mais infeliz num país estrangeiro
e, embora gostasse de praticar o francês, não se interessava por matérias
sociais e econômicas. Suplicou para voltar e assumir o lugar deixado pela
mãe na casa agora vazia de Kensington. Depois de mais de seis meses de
sofrimento, Roger St. John cedeu.

Por algum tempo, pareceu ser uma solução satisfatória. Lani pôs em prática
suas habilidades domésticas, organizando os jantares que o pai oferecia aos
clientes e fazendo o papel de anfitriã. Uma filha no esplendor da
adolescência era sempre um trunfo contra a falta de assunto, e todos eram
unânimes em dizer que ela se parecia com o pai e que era uma sorte a dele
ter uma companhia tão encantadora.

As oportunidades de Lani ver a mãe eram cada vez menos freqüentes. Logo
depois da homologação do divórcio, passava quase todos os domingos com
ela, no luxuoso apartamento alugado em Belgrave Square. Mas, desde a
separação, a carreira de Clare tomara novo impulso; livre de obrigações
familiares, ela pôde aceitar compromissos mais longos e desafiadores. Tinha
sido convidada para apresentar-se em Glynderbourne no verão anterior, e
seu sucesso lá propiciou uma longa excursão pela Europa, representando os
papéis de maior prestígio na ópera. Essa ausência prolongada provocou um
certo esfriamento no relacionamento delas, e, quando Clare voltou a
Londres, Lani sentiu a distância aumentar. Além do mais, sua mãe estava
chegando à idade em que certamente preferia esquecer que tinha uma filha,
e era impossível não associar isso às fofocas sobre ela e vários dos homens
com quem contracenava.

Entretanto, foi a independência da mãe que finalmente levou Lani a tomar


uma decisão sobre sua própria carreira. Estava sem estudar há algum tempo
e, embora o pai parecesse satisfeito em vê-la preencher seus dias com
diversão e compras, ela começava a se cansar. Tinha dezessete anos e
queria fazer alguma coisa da vida.

Ao contrário do que dissera àquele rapaz arrogante que conhecera na casa


da Senhora Worth há dois anos, gostava das aulas de arte na escola e,
embora não tivesse talento para cantar ou representar, tinha jeito para a
pintura. Com o apoio do pai, matriculou-se numa faculdade de Belas-artes.

Lani se animou com a experiência de se envolver com pessoas jovens, outra


vez. Tinha esquecido o que era correr para pegar o ônibus de manhã,
tomando o café às pressas antes de o dia clarear e voltando para casa à
noitinha, cansada, mas feliz. Gostava do curso e dos colegas. Isso ajudava
também a atenuar a mágoa que sentia às vezes por causa da mãe, que
raramente a procurava. Desde o divórcio, tinham se afastado cada vez mais,
e, quando lia algum artigo sobre Clare Austin, Lani achava difícil identificar-
se com a mulher requisitada e famosa que sua mãe se tornara.

Só nos aniversários e no Natal é que Clare se esforçava

Para lembrar da filha. Presentes caros chegavam em pacotes extravagantes:


lingeries delicados e perfumes exóticos; uma pulseira cravejada de
diamantes; um casaco de couro legítimo. Lani sabia que o pai não gostava
daqueles presentes, considerando-os a maneira que Clare encontrava de
aliviar a consciência por negligenciar atenção à filha. Honestamente, Lani
também preferiria um presente mais pessoal. Mas, em vez de alimentar a
amargura existente entre elas, fingia exultar com cada presente, embora
demonstrasse mais alegria pelo que ganhava do pai.

Na escola, resolveu omitir o nome da mãe. Como filha de Roger S. John, era
apenas mais uma na multidão e preferia ficar no anonimato. Só as amigas
mais íntimas sabiam do parentesco, e o comentário mais comum era de que
jamais teriam adivinhado, pois Lani era muito diferente da mãe.

Às vezes, Lani achava louvável esse comentário das amigas, mas nada
lisonjeiro. Sabia que não se parecia muito com a mãe, mas, considerando que
Clare Austin era uma mulher linda, essa falta de semelhança não era motivo
de orgulho. Sua pele pálida e os cabelos ruivos e rebeldes não tinham nada
da beleza rósea e loura da mãe. Apenas os olhos, de um raro verde
translúcido, davam algum destaque a suas feições comuns. Apesar de ser
atraente, pelo menos para quem gostava de mulheres altas e mais
rechonchudas do que mandava o figurino, sentia-se desajeitada e sem a
menor graça, se comparada à elegância sofisticada de Clare Austin.

No final do segundo ano na faculdade, Lani descobriu por acaso que tinha
jeito para contar histórias infantis. Seu primo Robin, cujo beijo num
passado remoto tinha causado tanta repugnância, estava casado e suava
para sustentar a família. A chegada de gêmeos, logo no primeiro ano de
casamento tinha desequilibrado seus planos e, quando as crianças ficaram
crescidas o suficiente para serem deixadas aos cuidados de uma babá, Lani
se ofereceu para tomar conta delas.

E adorou a experiência. Os garotos de dois anos se apegaram com


entusiasmo à "tia", tanto que não demorou muito para começarem a não
querer ir para a cama. A única maneira de convencê-los a se enfiar debaixo
das cobertas era contar histórias e Lani logo se viu inventando aventuras de
gigantes, gnomos, dragões e bruxas, cujos feitiços sempre davam errado.
Sua imaginação não tinha limites e, para ilustrar a narrativa, começou a
fazer desenhos num bloco de papel, divertindo os gêmeos com as
caricaturas.

Foi Robin quem sugeriu que Lani explorasse seu espírito inventivo,
maravilhado com os esboços que pulsavam de vida na folha de papel. Embora
Lani menosprezasse seu talento, ele insistiu:

— Tem muito talento, será que não vê? Lani, talvez a veia artística de sua
mãe tenha passado para você dessa forma. Pelo amor de Deus, não jogue
isso fora! Poderia vender esses desenhos, tenho certeza.

Lani sorriu, meio sem graça, recolhendo o bloco e o lápis.

— Qualquer um pode desenhar. Estes rabiscos não valem nada, garanto.


Devia ouvir o que o Sr. Harris diz sobre minha falta de estilo.
— Não ligo a mínima para o que esse tal de Harris diz. Nenhum professor
daria crédito a um aluno por esse tipo de talento. É como... como comparar
música popular com o que sua mãe canta. Agrada às massas. Mas o que há de
errado nisso? A massa é o povo! Não alguns poucos da elite!

— Ora, Robin... — Lani lançou um olhar de apelo para Sarah, a esposa dele.

— Não ligue, Lani — a moça aconselhou. — Robin acha que todos estão
desesperados para ganhar dinheiro. É o resultado de quatro anos se
matando para fazer face às despesas.

— Ora essa, Sarah, por que não? É óbvio que Lani está fazendo esse curso
na faculdade pensando em sua carreira. Por que não investir nisso? Droga!
Ela poderia escrever os livros e cuidar também das ilustrações. Sabe como
nossos filhos são loucos pelas histórias dela.

— Bem...

Lani pressentiu que Sarah relutava em admitir que não achava aquelas
histórias tão originais e, portanto, fez isso por ela.

— Tem idéia de quantas pessoas contam histórias aos filhos? Fico lisonjeada
por sua opinião, mas realmente não convém sonhar tão alto.

Robin deu um suspiro de frustração.

— Qual é o problema, Lani? Está com medo de tentar? Com medo de


fracassar? Será que o sucesso de sua mãe acabou com sua autoconfiança?

— Robin! Que coisa mais inconveniente de se dizer! — Sarah censurou,


horrorizada, mas Lani sobreviveu ao desdém.

— Talvez tenha razão. Não é fácil ser filha de Clare Austin. Talvez esteja
com medo de saber a verdade.

— Droga, Lani... — Robin parecia desnorteado e recebeu um olhar


reprovador da esposa.

— Então? Está satisfeito? Agora que fez Lani se humilhar, podemos


esquecer o assunto?

Robin enfiou as mãos nos bolsos da calça e encolheu os ombros, murmurando.

— Sinto muito, Lani. Você me conhece, sempre faço a coisa errada.


— Está tudo bem. Sério! — Lani também ficou embaraçada. Não estava tão
ressentida com os comentários de Robin quanto Sarah pensava. Na verdade,
sentia pena dele, imaginando a discussão que se seguiria depois que ele a
levasse para casa.

No carro, a caminho de Pelham Court, Lani conseguiu evitar o assunto, mas,


quando circundaram a área gramada que formava uma ilha no meio de um
beco sem saída, Robin pediu os desenhos para mostrar a um amigo.

— Será um prazer, Lani. — A solicitude dele tornava difícil uma recusa e,


abanando a cabeça, ela cedeu, sem alternativa.

— Quem é esse amigo? — perguntou, desconfiada, entregando os esboços.

— Apenas um amigo. Até a semana que vem. Durma bem.

No decorrer da semana, Lani esqueceu completamente os desenhos. Como


era fim de semestre, tinha muitos trabalhos a preparar para a avaliação
final. Além disso, seu pai pegou uma forte gripe, depois de ser apanhado
num temporal, deixando-a preocupada em verificar se ele seguia as
recomendações médicas e ficava na cama. Só que Roger St. John não era o
mais exemplar dos pacientes e Lani surpreendeu-o várias vezes ao telefone,
falando com o escritório.

Quase uma semana se passou até Robin entrar em contato com ela de novo,
pegando-a de surpresa. Estava combinado que tomaria conta das crianças na
noite seguinte e, a princípio, Lani achou que tinham mudado os planos.
Entretanto, Robin logo desmentiu essa possibilidade, explicando que aquele
telefonema nada tinha a ver com o combinado. O verdadeiro motivo era um
convite para almoçar com o amigo dele, no dia seguinte:

— Diga-me, tem algumas de suas histórias escritas? Quero dizer, aquelas


que conta a Tom e Edward. Se tiver, leve com você.

— O que está tramando, Robin?

— Quer mesmo saber?

— Claro que sim! Quem é esse amigo com quem vou me encontrar amanhã? E
para que esse encontro?

— Não adivinha? Ele é um editor, é claro. O nome é Miles Rossiter.


— Oh, Robin! Como é que um arquiteto se envolve com um editor?

— Freqüentamos a mesma escola. Ele está muito interessado em seus


desenhos e diz que, se o nível das histórias for o mesmo dos desenhos, você
tem grande chance de sucesso.

— Mas Robin...

— Você tem ou não? Quero dizer, uma cópia escrita das histórias.

— Só de uma ou duas.

— Ótimo! Leve-as com você. À uma, no Mermaid. Não se atrase.

Alguns meses depois, Lani tinha motivos de sobra para ser grata a Robin.
Seu primeiro livro, Matilda, a Bruxa da Mão de Manteiga, foi publicado na
primavera e seu sucesso gerou outros. Na época em que terminou o curso na
faculdade, tinha lançado a quarta história sobre Matilda e estudava uma
proposta para criar novos personagens para histórias em quadrinhos numa
revista infantil. Sua maior realização veio seis meses depois, quando três de
seus livros foram comprados por uma editora dos Estados Unidos. Se
tivessem boa aceitação no mercado americano, Lani alcançaria a
independência econômica.

A parceria com Miles Rossiter deu um impulso decisivo ao envolvimento de


Lani com a arte de escrever. Desde o começo, ele se mostrou um bom amigo,
incentivando-a sempre. A princípio, Lani achava que ilustrar seus próprios
livros era o cúmulo da presunção e, sem estímulo, jamais teria coragem de
continuar. Mas Miles e Robin confiavam em seu talento e os resultados mais
do que justificavam essa fé.

Lani sabia que o pai vibrava com seu êxito, embora suspeitasse que ele
preferia uma ocupação mais convencional para a filha. Escrever era uma arte
e já tivera o suficiente do temperamento artístico em sua vida. Por isso,
Lani evitava ter acessos temperamentais na presença do pai e, na realidade,
raramente chegava ao nível de irritação que a mãe demonstrava com
freqüência.

Clare, por sua vez, parecia encantada com o sucesso da filha. Na ocasião da
publicação do primeiro livro, mandou flores e uma garrafa de champanhe
para brindar ao futuro, acrescentando que lamentava não poder estar com
ela, pois fazia uma excursão pela África do Sul e só voltaria à Inglaterra no
ano seguinte.

Lani não se importou. Tinha a impressão de que o pai ficava mais feliz
quando Clare estava fora do país. As fofocas constantes envolvendo o nome
de Clare Austin eram desgastantes e não era fácil para Roger St. John
aceitar os supostos envolvimentos da ex-esposa com outros homens. Muito
do que se noticiava era exagero, mas Lani sabia que o pai, normalmente um
homem racional, acreditava em cada palavra. Parecia ter envelhecido muito
depois do divórcio, deixando transparecer o peso de sua desilusão. Pelo
menos, quando Clare estava fora, os colunistas serviam-se de outros pratos,
e Lani descobriu que não havia nada mais verdadeiro que o ditado: "Longe
dos olhos, longe do coração".

No entanto, na época da formatura de Lani começaram a correr boatos de


que Clare Austin era vista em constante companhia de um jovem pianista
americano. Lani soube disso através de Sarah e logo pensou no sofrimento
do pai se Clare voltasse para Londres com o tal rapaz. Até então os
acompanhantes dela eram homens de certa idade, mas agora parecia ter
arrumado um admirador doze anos mais jovem.

— Não pode culpá-la — comentou Sarah, notando a ansiedade estampada na


fisionomia de Lani. — Quero dizer, ela não aparenta a idade que tem. Quem
me dera chegar aos quarenta e dois com aquela aparência! Seria um milagre.

— Idem — murmurou Lani, passando a mão pelos cabelos rebeldes. — Mas,


Sarah, imagine que golpe para meu pai, se mamãe voltar para cá com esse
rapaz.

Sarah encolheu os ombros, mexendo-se no sofá à procura de uma posição


mais confortável. Cinco anos de casamento renderam-lhe alguns quilos a
mais e agora, com outro bebê a caminho, sentia-se enfastiada demais para
fazer qualquer objeção.

— Já se passaram mais de cinco anos desde o divórcio — Sarah lembrou. —


Seja como for, sua mãe deve procurar você quando voltar e provavelmente
lhe apresentará o namorado. Agora que você ficou famosa, ela com certeza
vai querer se mostrar.
— Duvido. Sei que minha existência a faz lembrar da idade e acho que nem o
sucesso de Matilda poderá superar esse obstáculo.

— Quanto tempo faz que não se falam?

— Pessoalmente? — Lani franziu as sobrancelhas. — Deve fazer quase dois


anos. É isso mesmo. . . nos encontramos pela última vez um ano depois que
entrei na faculdade. Tomamos um drinque juntas, depois de um concerto.

— Um drinque? Só?

— Foi no apartamento dela — Lani explicou, na defensiva, sabendo em que


Sarah estava pensando. A mesma idéia tinha lhe passado pela cabeça quando
chegara ao apartamento de cobertura da mãe, na Avenida Mews, e
constatara que deveria tomar seu lugar entre os outros admiradores de
Clare.

— Bem. . . — Sarah compreendeu que Lani preferia mudar de assunto e


levantou-se. — É hora de ir buscar aqueles gêmeos terríveis. Só Deus sabe
como farei quando o nenê chegar. Se não fosse pela mãe de Robin. . . — ela
não concluiu o pensamento.

— Deixe que vou buscar os gêmeos — Lani se ofereceu, vestindo o casaco. —


Enquanto isso, prepare um chá. Sabe como adoro exibir meu carro novo.

Lani estava nos Estados Unidos quando a mãe voltou para Londres, chegando
sem avisar, num dia nebuloso de novembro. Lani recebeu a notícia quando
telefonou do hotel em Nova York para o pai.

— Ouvi no noticiário noturno — Roger St. John explicou, revelando a mesma


amargura de sempre quando falava na ex-esposa. — Veio com o homem mais
recente de sua vida, o pianista. Parece que ele se apresentará num concerto
no Albert Hall, e sua mãe veio para dar apoio.

— Ora, papai! Não sei por que se deixa afetar tanto! Esse não é o primeiro
homem da vida dela, nem será o último. Tente tirar da cabeça qualquer
pensamento ligado a. . .

— Parece que ela pretende casar com esse — Roger interrompeu a filha. —
Diz que está realmente apaixonada desta vez. Na verdade, o que ela quer
dizer é que os anos passam e não é mais nenhuma mocinha!
— Papai!

— Sabia que esse. . . pianista é quase vinte anos mais jovem? Vinte anos!
Meu Deus, Clare tem idade para ser mãe dele!

— Eu. .. eu ouvi dizer que a diferença é de doze anos

— Lani comentou com tristeza. — Mas o que importa isso, papai? A vida é
dela...

— Pendragon — Roger ignorou os argumentos da filha.

— Que nome! Um apelo para atrair a atenção das pessoas, suponho. Música
clássica para as massas e um pianista atraente para trazer. . .

— Pendragon? — Lani não ouviu nada além das primeiras palavras do pai. —
Você disse. .. Pendragon?

— Sim. É esse o nome. Pendragon. Pensei que soubesse.

Lani respirava com dificuldade. Pendragon. . . O nome ecoava em sua cabeça.


Jake Pendragon. Não podia, ser!

— Lani, está me ouvindo?

— Sim, sim. Estou aqui. Desculpe. O que estava dizendo?

— Pensei que estivesse sabendo sobre esse rapaz. Não acredito que não
tenha lido nada sobre o assunto. É um prato cheio para os jornais.

Lani, que andava evitando ler notícias sobre a mãe com medo de deixar
escapar qualquer coisa para o pai, balançou a cabeça.

— Foi Sarah quem me contou, mas não falou no nome dele.

— Sei. . . Bem, imaginei que teria interesse em conhecer quem vai ser seu
padrasto. Deus! Que história mais indecente! Sua mãe deve estar louca.

Lani não estava em condições de discutir, abalada com a possibilidade de o


novo namorado de sua mãe ser o jovem pianista arrogante que conhecera
anos atrás na Cornualha. As palmas das mãos estavam molhadas e sentia
calafrios, que atribuiu à baixa temperatura. Assim que desligasse o
telefone, ligaria o aquecedor, embora nada pudesse alterar o choque
recebido.

— Chega de falar nela — o pai disse, para alívio de Lani. — Não me contou
ainda o que está fazendo. Falou com Lyn Vicent? O que ele disse?

— Falei, sim. Almoçamos juntos e ele disse que vai publicar os livros
praticamente sem nenhuma alteração. Parece que está apressando o
andamento das coisas para o primeiro sair antes do Natal.

— Que boas notícias! Quando voltará para casa?

— Depois de amanhã, pelo menos é o que espero. Vou ao escritório de Lyn


amanhã, discutir uma ou duas alterações que fizeram no texto, para que as
crianças daqui o entendam melhor. Mas devo estar aí na quinta.

— Esperarei ansiosamente por isso. Cuide-se, querida. É tudo que tenho.

Mesmo ligando o aquecimento central depois de falar com o pai, Lani não
conseguiu se livrar dos calafrios, que persistiam muito depois de ir para a
cama. Não conseguia pensar em outra coisa a não ser na possibilidade de o
Pendragon de sua mãe ser o seu Pendragon. O nome era incomum e o fato de
os dois serem pianistas era coincidência demais. Mas como poderia ser? O
homem que conhecia morava na Cornualha, na Casa do Mar. O homem com
quem sua mãe estava envolvida era supostamente americano. Devia estar
enganada. Só podia estar!

Não que tivesse motivos para considerar Jake Pendragon sua propriedade.
Mal o conhecia e só por ter floreado seu encontro para as colegas de escola
não significava que devia começar a acreditar em suas próprias histórias.
Entretanto, passou noites em claro, imaginando cartas que nunca mandou e,
por algum tempo, pensou estar apaixonada.

O transtorno na vida familiar tinha mudado tudo isso. O divórcio dos pais
tornou mais clara a distinção entre fantasia e realidade, e quando voltou da
Suíça perdera a disposição para envolvimentos românticos. Seu pai estava
sozinho e precisava dela. Seus próprios sentimentos foram relegados a
segundo plano.

É claro que eventualmente fez novas amizades, tanto masculinas quanto


femininas. Sabia, sem ser convencida, que agradava aos homens e era
popular. Não era tão bonita quanto a mãe, mas isso não a incomodava.
Admiradores é que não lhe faltavam, o que atribuía à sua personalidade.
Ignorava totalmente o fato de cabelos volumosos cor de cobre, combinados
a olhos verdes e pele clara, terem um charme especial. Bem como a harmonia
entre o corpo esguio, de pernas longas, e a voluptuosidade de suas formas.

Lani desembarcou em Heathrow na quinta à noite. Uma garoa fina caía sobre
a cidade, e sentiu um alívio indescritível ao ver o pai no meio da multidão.
Parecia ter envelhecido mais, naquela semana, fazendo-a concluir que o
retorno de Clare à Inglaterra o afetara demais.

— Fez boa viagem? — perguntou Roger St. John, enquanto a ajudava a


entrar no Daimler reluzente. — O tempo tem estado horrível desde que
você partiu. É difícil acreditar que ainda faltam sete semanas para o Natal.

— A viagem foi boa. Na verdade, também chovia em Nova York, quando


embarquei. Pelo menos não está nevando.

— Tem razão. — Roger St. John prestava atenção no trânsito. — A


propósito, sua mãe está mais linda que nunca e bronzeada. Soube que ela
passou as últimas três semanas em Antígua.

Lani suspirou. Sua mãe outra vez! Será que ele não conseguia pensar em
outra coisa?

— Você a viu?

— Ontem à noite, pela tevê. Numa entrevista naquele programa que vai ao ar
duas vezes por semana.

— Sei qual é. Aquele do Chris Faulds. Que pena que não vi! Mamãe se saiu
bem?

— Como era de se esperar. Sua mãe sempre se sai bem nas entrevistas.
Estava radiante. O caso com o rapaz parece estar lhe fazendo muito bem.

— Ele estava com ela?

— Pendragon? — O tom era desdenhoso. — Não, não estava com ela. Não
deve ter sido convidado. Afinal, quem é ele? Ninguém o conhece.

Lani umedeceu os lábios secos.

— Não é bem assim.

— Seja como for, Clare estava sozinha. E simplesmente... magnífica.

Lani queria que o pai parasse de pensar em sua mãe, para não virar uma
obsessão. Seu antigo receio de que a carreira da mãe o estivesse destruindo
voltou com força total, fazendo-a lamentar que ele não estivesse disposto a
encontrar alguém. Mas Roger St. John não se interessava por outras
mulheres e os casos da ex-esposa o enchiam de desgosto.

Lani acordou tarde no dia seguinte e teria dormido mais se a sra. Evans, a
governanta, não fosse chamá-la para atender a um telefonema. Teve um
sobressalto quando olhou para o relógio e levantou-se num pulo. Era quase
meio-dia.

— É apenas o sr. Rossiter — a governanta explicou, ajudando Lani a vestir o


robe. — Ele disse para não acordá-la, mas achei que gostaria de ser
chamada.

— Obrigada. — Lani olhou de relance no espelho, ajeitando os cabelos com


as mãos. — Nossa! Estou horrível. Devia ter me acordado mais cedo. Queria
voltar ao trabalho ainda hoje.

— Seu pai deu ordens para não acordá-la — a sra. Evans explicou enquanto
desciam as escadas. — E concordei com ele. Além do mais, sexta-feira não é
dia para começar nada. Espere até segunda. Assim, terei tempo de arrumar
o estúdio...

— Deixe que eu mesma darei um jeito no estúdio, obrigada, sra. Evans. —


Lani foi categórica e atendeu ao telefone no corredor. — Alô, Miles.
Desculpe fazê-lo esperar.

— Lani! Ei, senti sua falta. O que achou de Nova York?

— Foi. . . diferente. As pessoas são muito gentis e me receberam muito bem.

— Mas não está triste por voltar para casa, não é?

— Você devia ter ido comigo. Nova York não é lugar para uma mulher
sozinha.

— Gostaria de ter ido. Nada me daria mais prazer, acredite. Só que foi
simplesmente impossível me ausentar esta semana.

— Imagino. Foi por isso que ligou? Para se desculpar?

— Não. Liguei para convidar você para o almoço, mas, pelo visto, acabou de
acordar, não é? Então, que tal jantarmos juntos? Podemos ir ao Mermaid. Ou
qualquer outro lugar que preferir.

Lani tinha evitado sair com Miles até então. Não que não gostasse da
companhia dele, gostava e estava preparada para aceitar que seu
relacionamento fosse além da simples amizade, mas não por enquanto.
Preferia manter certa distância, o que excluía jantares íntimos.

— Não posso esta noite, Miles. Isto é.. . cheguei tarde ontem, e papai... bem,
sei que ele gostaria que eu jantasse em casa hoje.

— Sei pai é um velho egoísta! Pelo amor de Deus, Lani. Também não a vejo a
uma semana. Será que não mereço nenhuma consideração?

— É claro que merece! — Lani não se ofendeu com a franqueza dele. —


Talvez amanhã. . .

— A noite? — O tom de Miles era desconfiado, o que a fez rir.

— Se quiser.

— Onde e a que horas?

— Pode vir me apanhar aqui. E então decidiremos aonde ir.

— Tem certeza? — Miles hesitou, sabendo que o pai dela não aprovava
ninguém ligado ao lado artístico da vida da filha e, apesar de os dois já
terem se encontrado, não eram exatamente grandes amigos.

— Tenho. Pode ser às nove?

— Está bem. Até amanhã.

Lani estava no banho quando o telefone voltou a tocar. Desta vez, ouviu, mas
deixou a sra. Evans atender. Quem quer que fosse, poderia esperar. Talvez
fosse Sarah, confirmando o batizado da filha no domingo, já que Lani seria a
madrinha. Desligou o chuveiro e pegou a toalha.

— Lani! Lani, está me ouvindo?

A ansiedade na voz da sra. Evans trouxe um calafrio de apreensão a Lani,


que abriu a porta, enrolada numa toalha.

— Algum problema, sra. Evans? Quem telefonou? Papai?

— Não, não é seu pai no telefone. É sua mãe. Quer falar com ela?
— Minha mãe? — Parecia fazer anos que não tinha contato com a mãe. —
Eu... bem, é claro! Peça a ela que espere um minuto que vou me vestir, está
bem?

Lani enrolou os cabelos molhados numa toalha e vestiu o robe antes de


descer outra vez. A curiosidade e o nervosismo faziam com que se
apressasse, enquanto o bom senso dizia para ter calma. Estava meio
ofegante quando pegou o telefone e sentia o coração palpitar.

— Mãe?

— Clare.,— O tom era incisivo e a voz familiar, mesmo depois de tanto


tempo. — Me chame de Clare, querida, como todo o mundo. Como vai você? E
seu pai? Faz tanto tempo que não nos vemos.

— Você e papai? — Lani estava confusa, impacientando a mãe.

— Não. Você e eu, bobinha. Precisamos nos encontrar. É por isso que estou
ligando. Quero que venha jantar aqui amanhã à noite. Que tal às sete e
meia?

— Amanhã? ,

— Sim, amanhã. Sabe onde moro, não é? Ainda estou no mesmo apartamento.

Lani entrou em pânico.

— Não posso... Já tenho um compromisso. Desculpe, mamãe. Não podemos


deixar para outro dia?

— Lani. . . — Clare parecia ressentida. — Lani, não me diga que vai dar
preferência a um namoradinho qualquer à sua mãe.

— Miles não é um namoradinho qualquer, mamãe — Lani se defendeu, embora


se sentisse culpada. Afinal, não via Clare há quase dois anos e não achava
muito justo recusar o convite.

— Miles? Que Miles? Eu o conheço?

— Acho que não. É meu editor. Mas como vai você, mãe? Não vi sua
entrevista na televisão na outra noite.

Um silêncio significativo prolongou-se por alguns instantes, até Clare


resolver retomar a conversa num tom nitidamente frívolo.
— Suponho que seu pai saiba de minha volta ao país, não é? Será que ele não
está por trás dessa sua relutância em me ver?

— É claro que não! É só que. . . bem, também estive viajando e já tinha


assumido esse compromisso para jantar.

— Com seu editor? Francamente, Lani, não me decepcione. Sempre pensei


que nos entendêssemos. Agora, parece que deixou os sentimentos de seu pai
envenenarem sua cabeça contra mim.

— Não é verdade. — Depois de uma hesitação momentânea, Lani não viu


outra alternativa senão ceder. — Está bem. Está bem, pode contar comigo
amanhã. — Era melhor acabar logo com aquilo. Miles entenderia, se
explicasse a chantagem emocional de sua mãe.

— Ótimo! — Clare não escondeu a satisfação. — Então vamos marcar para as


sete e meia, está bem?

— Como quiser.

— Vou compensá-la pelo tempo perdido, querida. Agora que voltei, podemos
nos encontrar com mais freqüência. Está uma mocinha agora, e sempre nos
demos mais como irmãs do que como mãe e filha, não acha? Que tal a idéia
de sermos mais amigas?

— Mãe, já sou uma moça. Tenho mais de vinte anos, como deve saber.

— E não é isso que estou dizendo? — Clare sabia ser teimosa quando queria
e só ouvia o que lhe interessava. — Até amanhã à noite, então. Mal posso
esperar a hora. Ponha um vestido bem bonito. Quero exibir você.

Não foi senão quando Lani estava no meio da escada que o significado da
última frase de sua mãe ficou claro. Clare queria exibi-la! Para quem? E,
mais importante ainda, a troco de quê?

Lani sentou no degrau acarpetado. Tinha sido uma boba, uma completa
idiota! Devia ter perguntado se iriam jantar a sós. Se não, teria mantido a
recusa. Agora, ficara sem saber o que a mãe tramava, e a probabilidade de a
última conquista de Clare Austin estar presente era grande. Respirou fundo
e analisou suas opções: poderia ir ao jantar conforme o combinado ou
telefonar inventando alguma desculpa. Mas que desculpa? Como convencer
Clare de que não estava sob influência do pai? A última coisa que queria era
ver a mãe culpar Roger por sua desfeita. Suspirando, levantou-se e
continuou a subir as escadas. Não podia fazer nada. Teria de ir.

CAPITULO III

Lani preferiu ir de carro até o apartamento da mãe na Avenida Mews,


embora seu pai sugerisse que fosse de táxi. Ter sua própria condução dava
maior sensação de independência. Pelo menos, poderia sair à hora que
quisesse.

Roger St. John não disfarçou o ressentimento, quando soube daquele jantar.

— A vida é sua. — O tom de voz indicava que ele pensava exatamente o


contrário, e Lani tentou convencê-lo de que não fazia a menor questão de ir.
— Então por que vai? Depois de tanto tempo praticamente abandonada,
pensei que teria mais orgulho. Talvez esteja ansiosa para conhecer seu
padrasto. No mínimo, Clare vai querer seu apoio nesse ato de loucura.

— Não é nada disso, papai. Sinceramente, só aceitei o convite porque faz


muito tempo que não a vejo. Afinal, é minha mãe e tenho obrigação de...

— Clare perdeu seus direitos quando abandonou você, Lani. É uma mãe
desnaturada. Por que acha que consegui sua custódia? Ela não se importou
com você naquele época, assim como não se importa agora. Só quer tirar
proveito de seu sucesso.

— Ora, papai, isso é ridículo. Sucesso é o que não falta a Clare, não acha?

— Clare? Você a chamou de Clare?

— Ela me pediu que a chamasse assim.

— É bem típico dela. — Roger deu um sorriso desdenhoso. — Receio que sua
mãe não queira admitir a idade.

Miles, por sua vez, ficou desapontado quando Lani telefonou cancelando o
compromisso.

— Então quando nos veremos? Que tal domingo? Podemos descer para o
litoral.

— Desculpe, Miles, mas também não posso. Serei madrinha de batismo da


filha de uma prima, no domingo. Que tal almoçarmos juntos na segunda? No
Mermaid, à uma, está bem?

— Sabia que o jantar era bom demais para ser verdade... Sua mãe não
aceitaria um convidado extra, não é? Por acaso ela não pediu que levasse um
amigo?

— Infelizmente, não. — Lani apreciou o bom humor dele. — Podemos marcar


para segunda, então?

— Segunda está bem. No Mermaid, à uma. Sem falta. A Avenida Mews


ficava perto dos Jardins do Palácio de Buckingham, num beco sem saída que
começava na Bel-grave Square. O quarteirão de apartamentos requintados
era guardado dia e noite por um rígido sistema de segurança. Lani teve de
dar o nome e esperar permissão para entrar. Na última vez que visitara sua
mãe, estava com um grupo de pessoas e não tivera de passar pelo
constrangimento de provar a identidade a um guarda de olhar desconfiado.

Com o coração aos pulos, tomou o elevador e examinou as roupas. Não sabia
se a ocasião era formal, mas, lembrando da sugestão da mãe para que usasse
algo bem bonito, escolheu o que tinha de mais simples no guarda-roupa. Um
conjunto de saia e colete em veludo bege, com uma blusa de seda creme, de
mangas amplas. Como a noite estava fria, vestiu um casaco de pêlo de
camelo. Não queria parecer "bonitinha", mas uma garota séria. Se Clare não
gostasse, azar o dela.

Ouviu o som de música e risadas muito antes de chegar à porta do


apartamento, o que a desanimou. Então era mesmo uma festa. Não um jantar
íntimo como Clare quis dar a entender. Lani imaginava por que fora
convidada, já que a mãe nunca se importara com isso. A conclusão mais
plausível era a de que faltara um para completar a mesa e Lani estava mais à
mão.

Tentando ignorar a sensação de amargura, tomou coragem para tocar a


campainha. A empregada atendeu e a reconheceu, apesar de terem se visto
apenas uma vez.
— Entre, srta. St. John. A srta. Austin a espera.

A sala toda decorada em tons de azul e detalhes dourados era o palco onde
Clare recebia a corte. O teto modelado, o tecido adamascado das cortinas e
as colunas espelhadas formavam um cenário digno de uma ópera italiana, e
custou muito a Lani dar o primeiro passo. Sua boca estava seca e foi alvo de
vários pares de olhos. Clare, como sempre rodeada de admiradores, não
notou a chegada da filha, e ficou a cargo de Elwyn Hughes, o empresário,
resgatar a garota de uma situação embaraçosa.

— Lani! Minha querida, quase não a reconheci. Está uma moça já.

Lani deu um sorriso forçado. Estava acostumada a ser tratada como uma
criança pelos amigos de sua mãe, mas foi mais difícil agir com naturalidade
naquela noite em que se sentia nervosa por não saber o motivo de sua
presença ali.

— Soube que se tornou uma escritora desde a última vez que a vi —


continuou Elwyn, guiando-a pelo cotovelo até onde estava a mãe. — Que bom
para você! Deve ser emocionante ver seu trabalho impresso.

— São apenas livros infantis, mas é realmente um trabalho muito


interessante.

— Tenho certeza de que é. — Elwyn se infiltrou no meio do grupo que


cercava Clare, anunciando: — Sua menina está aqui, Clare. Não vai dizer alô?

Clare Austin virou-se para a filha com entusiasmo exagerado e um sorriso


tão artificial quanto o cenário para aquela reunião. Lani teve a impressão de
que a mãe não gostava da situação tanto quanto ela e sentiu um impulso
irresistível de sair correndo.

— Lani! — A recepção de Clare foi tão calorosa que, por um instante, ela
pensou ter se enganado. Mas logo percebeu que tudo não passava de uma
representação, da qual a filha também devia participar.

— Oi, mãe. — Não conseguiu chamá-la pelo nome e, embora o sorriso


perdesse um pouco do brilho, Clare abriu os braços.

— Querida! — Envolveu a filha num abraço afetuoso.

— Estava comentando como Lani mudou — observou Elwyn, talvez notando a


apreensão da garota, a quem se virou para dizer — Deve fazer quase três
anos desde aquela sua visita a Clare em Covent Garden. Lembro que foi na
apresentação da La Bohème. Você foi aos bastidores depois do espetáculo.

— Que memória, Elwyn! — As palavras de Clare não soaram como elogio,


provocando um sorriso amarelo no empresário. — Está atrasada, Lani. Até
pensei que não viesse mais.

— Estou? — Lani lançou um olhar de relance ao redor. — Desculpe. A culpa


foi do porteiro, que me achou com cara de penetra.

— Pelo jeito, só pode ser Craddock — observou um rapaz, à esquerda de


Clare. — Leva o trabalho muito a sério e vê intrusos em toda parte.

— Craddock é um bom profissional — Clare afirmou, demonstrando evidente


antipatia pelo rapaz.

Dando outra olhada rápida ao seu redor, Lani ficou aliviada por não ver quem
mais temia encontrar. Na certa tinha se enganado e respirou fundo,
reagindo com mais entusiasmo às apresentações que a mãe fazia.

Ninguém a quem foi apresentada era Jake Pendragon. Das quinze ou vinte
pessoas na sala, nenhuma tinha um nome sequer parecido, mas apesar do
champanhe a garganta de Lani continuava seca. Onde estaria ele? Era
impossível, depois de todos aqueles boatos, que não estivesse presente. No
entanto, tudo indicava que não estava mesmo. O desapontamento de Lani foi
tão grande quanto o alívio.

— Então o patinho virou um cisne — comentou Clare quando finalmente teve


um momento a sós com a filha.

— Você mudou, Lani. Não é mais acanhada como antes. Não sei se gosto
disso.

— Talvez esteja querendo dizer que já não sou tão ingênua. — A resposta de
Lani alterou as feições de Clare.

— Por que me convidou para o jantar desta noite, mãe? Precisava de mim
para completar os pares?

A risada de Clare encobriu qualquer embaraço que aquelas palavras


pudessem ter causado, mas sua fisionomia era severa quando respondeu:
— É muito esperta, Lani, mas não foi por isso que a convidei. Queria que
viesse. Sou sua mãe, afinal, e queria conversar com você.

— Conversar comigo? — Lani ficou surpresa. Raramente conversavam,


mesmo nos velhos tempos, e ela sempre procurava o pai quando estava com
problemas. — Sobre o quê?

— Bem, minha querida. . . não é tão simples assim. Faz tanto tempo que não
nos falamos. Acho que estamos muito... distantes uma da outra, se é que
entende o que quero dizer.

— Sinto muito. Eu.... suponho que tenha a ver com esse homem que trouxe
dos Estados Unidos.

Clare ergueu as sobrancelhas.

— Não trouxe ninguém dos Estados Unidos, querida. Ele é perfeitamente


capaz de cuidar de si mesmo, acredite. Mas é realmente sobre minha vida
particular que quero conversar com você.

— Francamente, mamãe... — Lani estava tensa, desejando não ter vindo, e


virando o rosto foi a primeira a ver o convidado que acabava de chegar.
Alto, esguio, bronzeado... Não tinha mudado muito naqueles seis anos, a não
ser pelas roupas finas, os cabelos bem penteados e a fisionomia mais séria,
para não dizer cínica, do que Lani se lembrava. Por outro lado, talvez não
tivesse notado isso antes. Era criança demais para distinguir entre
sarcasmo e ironia.

Só que agora não era mais criança, mas uma mulher, e a intensidade de seu
olhar pareceu atrair o dele. Não esperava ser reconhecida. Seria muito
querer que ele se lembrasse de uma adolescente curiosa, que tinha invadido
a privacidade de seu lar. E ficou surpresa ao ver aqueles olhos castanhos se
estreitarem e as sobrancelhas se contraírem, formando rugas. Pelo que
pareceu uma eternidade, mas poderiam ter sido apenas alguns segundos,
ficaram se olhando por entre as cabeças das outras pessoas na sala, até que
alguém o viu e chamou-o.

— Lani, está ouvindo. . . Meu Deus! Jake!

Clare, que agarrava o braço da filha, viu o recém-chegado também e, sem


dar nenhuma explicação, deu as costas para ir ao encontro de Jake
Pendragon. Os demais convidados deram passagem, e Lani teve uma visão
inesperada e indesejada. Indiferente ao fato de estar sendo observada por
todos, Clare se atirou nos braços dele e deu-lhe um beijo na boca.

— Não sabia? — A pergunta foi sussurrada ao ouvido de Lani, que se virou


para deparar com Elwyn Hughes. — Fizeram tanta publicidade em torno
deles que é impossível que você não estivesse a par. Mas, pelo que sei, Clare
não esperava que Jake aparecesse esta noite.

— Não?

— Não. Se não me engano, ele devia estar na Cornualha ou coisa parecida.


Parece que tem parentes por lá. De qualquer maneira, Clare não o esperava
senão amanhã ou segunda.

— Sei. . . — Lani tomou um gole de champanhe, tentando em vão aliviar o


aperto na garganta. "Meu Deus", rezou baixinho, "não o deixe lembrar de
mim, por favor!" Não suportaria o divertimento da mãe ao saber, em
detalhes, do modo como ele a humilhara.

— Você está bem? — Elwyn olhava ansiosamente para Lani, que, apesar de
agradecida pela demonstração de consideração, não queria atrair atenção
para si.

— Estou bem, sim. Eu. . . eu. . . você deve estar muito ocupado com. . . com. . .
com os compromissos de Clare.

— Um pouco. Ela fará uma apresentação de caridade na Royal Opera House


na próxima quinta-feira, mas está aqui por razões mais pessoais.

— É mesmo? — Lani fazia um esforço tremendo para parecer natural e


disfarçar o pânico. Tinha de sair dali, mas sabia que não podia. Esperava
apenas que a mãe se esquecesse dela e virou-se, ficando de costas para os
dois.

— Sim — Elwyn continuou a falar. — Soube que ela queria ver você e seu pai.
Clare está muito orgulhosa de seu sucesso, Lani, mas devo admitir que ela
não ficaria tão satisfeita se fosse na área dela, se entende o que quero
dizer.

O empresário riu e Lani forçou um sorriso.


— E, é claro, há o concerto de Jake no Albert Hall. Clare não perderia isso
por nada.

— Ele. . . ele é pianista, não é?

— É um gênio, Lani. Só não diga a ele que comentei isso. Quando Clare o
conheceu, tocava numa boate em São Diego.

— Numa boate?!

— Isso mesmo. Melhor do que morrer de fome, não acha? O fato de ser bom
não basta para fazer sucesso.

— Mas você não disse que ele é um gênio?

— Lani, Pendragon é realista. Sabia que as chances de chegar a ser um


grande concertista eram mínimas sem apoio e pegou o emprego que lhe
ofereceram.

Lani relutava em fazer perguntas, mas acabou não resistindo à curiosidade.

— Numa boate?

— Isso mesmo.

— Sei. . . E. . . e Clare reconheceu seu talento, é claro.

— Ouça, garota, sinto decepcioná-la, mas não foi bem assim. Quero dizer. . .
bem, sua mãe ainda é uma mulher muito bonita e precisa da companhia de um
homem. Tomara fosse eu esse homem, mas é Pendragon que ela quer.

— Ela o ama?

— É louca por ele e ele a faz feliz. Se é isso que importa, quem somos nós
para julgar?

Lani balançou a cabeça.

— Não tenho nada a ver com isso.

— Não? Se Jake casar com sua mãe, será seu padrasto. Lani desviou o olhar
para as luzes da cidade de Londres, que se podiam ver da janela.

— Já estão pensando em casamento? Elwyn encolheu os ombros.

— Pelo menos é o que ela quer e está determinada a ter. E, se Jake espera
ver seu nome em letreiros luminosos no Carnegie Hall, deve querer isso
também.

O jantar foi anunciado, interrompendo a conversa, e foi um alívio para Lani


ver que sua mãe e Jake tinham sumido. Talvez ele estivesse apenas de
passagem. Mas sua tranqüilidade durou pouco e sentiu um frio no estômago
ao ver Clare entrar na sala de jantar, seguida de Jake.

Ao contrário dos demais convidados, ele não estava de smoking, mas a


jaqueta de couro cor de bronze e a calça escura de camurça que usava não
eram tão inadequadas. A beleza dele dispensava um traje mais formal. Jake
parecia perfeitamente à vontade no meio daquela gente, e Lani chegou a
ficar ressentida com a aura de segurança e prestígio que o cercava.

Clare deu instruções para que a empregada colocasse outro lugar à


cabeceira da mesa, a seu lado. Para sorte de Lani, Elwyn puxou-lhe uma
cadeira no extremo oposto.

— Estarei com você em um segundo — o empresário sussurrou, esperando as


outras mulheres tomarem seus lugares, enquanto Lani desviava a atenção
para a mesa, numa tentativa de recuperar a compostura.

A arrumação da mesa era impecável, com pratos de porcelana, copos de


cristal e talheres reluzentes de prata. No centro, um arranjo delicado de
orquídeas brancas e malvas rosa. Candelabros de prata sustentavam velas
vermelhas e uma rosa solitária marcava o lugar de cada mulher, reforçando
o clima romântico.

Depois de um pequeno rebuliço, todos se acomodaram em seus lugares. Clare


e o belo pianista aparentemente tiveram um ligeiro desentendimento, mas
tudo acabou se resolvendo. Quando o jantar começou a ser servido, Lani
teve esperanças de relaxar, mas foi desconcertante erguer a cabeça e
deparar com o olhar fixo de Jake Pendragon. Desviou imediatamente os
olhos, mas ainda pôde ver uma expressão interrogativa e um leve sorriso.

— Espero que Clare faça as apresentações mais tarde — Elwyn Hughes


cochichou ao ouvido de Lani, na certa notando a rápida troca de olhares. —
Como já disse, sua mãe não contava que vocês se encontrassem esta noite.
Deve ter achado mais fácil dar a notícia primeiro.

— Isso realmente não importa. Nenhuma atitude de minha mãe me afetará


diretamente. Somos pouco mais que duas estranhas, sr. Hughes. E só tive
plena consciência disso esta noite.

Para seu alívio, Elwyn parou de falar depois disso, e o rapaz sentado à sua
direita puxou conversa. Era o mesmo que fizera o comentário sobre o
guarda de segurança e, embora já tivessem sido apresentados, Lani não se
lembrava de seu nome.

— Somers — ele a lembrou. — Paul Somers. E você é filha de Clare, não? De


certa forma, tenho a impressão de que nossa .prima donna não aprecia muito
esse fato. — Notando o espanto de Lani, ele deu um sorriso desconcertado.
— Bem, você é um pouco mais velha do que ela nos fez crer. E mais alta
também. Na verdade, uma bela mulher. Lani procurou não corar.

— É cantor de ópera, também, sr. Somers? Paul deu uma risada sonora.

— Infelizmente, não. Arranho o violino para sobreviver. Quer dizer que


pareço um tenor ou um barítono com estes pulmões?

Somers era magro e Lani sorriu.

— E por que não?

— É muita gentileza sua, mas não tenho o menor temperamento para isso.
Devia ver as brigas que ocorrem nos ensaios. Ou talvez não. Destruiria suas
ilusões para sempre.

— Minha mãe é temperamental?

— Você não sabe?

— Não. Desde... desde que meus pais se divorciaram, não a vejo muito.

— Entendo... — Paul lançou-lhe um olhar estranho. — Digamos que sua mãe


não é das piores.

— Você a conhece há muito tempo?

— Acho que faz uns cinco anos.

— Viaja com ela?

— Às vezes, quando a companhia inteira é convidada para fazer uma


tournée. Fomos para a África do Sul no ano passado, ou será que foi no
retrasado? Clare acaba de voltar dos Estados Unidos, como deve saber.
— Sim.

Lani afastou-se um pouco para que a copeira tirasse seu prato de sopa e viu,
para seu desespero, que Jake Pendragon a olhava novamente. Baixou o olhar
e começou a brincar com o guardanapo no colo, ficando desconcertada
quando Paul perguntou:

— Você já o conhecia?

— Quem?

— Pendragon. — Paul olhou de relance para a outra ponta da mesa. — O mais


recente protegido de nossa diva. Reparei que estava olhando para ele.
Suponho que não seja como você esperava.

— Não estava. . . — Lani não concluiu o pensamento, percebendo que negar o


fato de estar olhando para o pianista seria dar ênfase demais a isso. —
Quero dizer, não. Não fomos apresentados ainda. E você? Já o conhecia?

— Oh, claro! — Paul se serviu da vitela que a copeira oferecia. — Jake é boa
gente. Tem muito talento.

— Mas não o suficiente para vencer sozinho — Lani observou com ironia e
Paul fez uma careta.

— Não sei quem andou enchendo sua cabeça com fofocas. — Paul olhou
disfarçadamente para Elwyn Hughes, que não notou nada. — Ouça, meu bem,
ninguém é perfeito. Temos de nos agarrar às chances que a vida apresenta,
entende?

— Sim. . . acho que entendo.

— Tome mais vinho. — Paul a serviu. — Se Clare não a apresentar, farei isso
com o maior prazer. Faço questão de lhe mostrar que ele não é o cafajeste
que imagina.

No final das contas, nem Clare nem Paul apresentaram Lani a Jake.
Terminado o jantar, Clare avisou que o café e o licor seriam servidos na sala
de estar, e, na confusão de convidados levantando e saindo, subitamente
Lani se viu ao lado de Jake. No instante em que roçaram um no outro, seu
coração pareceu parar, e quando ele se virou Lani quis que o chão se abrisse
a seus pés e a engolisse. Olhou rapidamente à sua volta, mas não viu Paul
Somers nem Elwyn Hughes. Isso tinha de acontecer quando mais precisava
de alguém.

— Olá.

O cumprimento espontâneo de Jake obrigou Lani a ser educada e controlar o


nervosismo, forçando até um sorriso.

— Olá.

Desejando que as pessoas à sua frente andassem mais rápido, Lani suou frio
quando ele acrescentou:

— Não a conheço de algum lugar?

Ele não se lembrava! Quando seu olhar perplexo cruzou o dele, Lani
percebeu que, embora seu rosto não lhe fosse totalmente estranho, ele não
tinha idéia de onde a vira. - Sou. . . filha de Clare, sr. Pendragon. Alguns
dizem que pareço muito com minha mãe! — Embora a maioria achasse o
contrário, Lani não se importava. Era preciso que ele acreditasse nisso, e
apressou o passo, colocando a maior distância possível entre eles.

Não havia mais onde sentar na sala e, depois de olhar desesperadamente à


sua volta, Lani foi até a janela. Assim que o café fosse servido, iria embora.
Mal acabava de tomar essa decisão e viu outro reflexo juntar-se ao seu no
vidro fume, fazendo-a prender involuntariamente a respiração.

— Desculpe não ter reconhecido você. — Os lábios dele curvaram-se num


sorriso sedutor, deixando-a mais nervosa. — Sabia que Clare tinha uma
filha, mas ela. . . . bem, presumi que fosse uma criança ainda. Estou
perdoado?

Lani teve de encará-lo, os olhos verdes mirando ansiosos aquele rosto


bronzeado. Jake era um pouco mais alto que ela, mesmo estando de salto
alto, e musculoso, apesar de não ser muito corpulento. Olhando para aquele
corpo de linhas esguias, imagens dele com Clare passaram pela cabeça de
Lani, fazendo seu estômago contrair-se.

— E então? — Jake insistiu. — Estou perdoado? Aposto como me achou


extremamente rude ou atrevido durante o jantar, mas seu rosto me intrigou
muito.
— Não faz mal — respondeu Lani mais do que depressa, notando que eram
atentamente observados por vários olhares curiosos. Imaginou onde estaria
a mãe, pressentindo que Clare não aprovaria aquela aproximação.

— Não? — Jake dizia. — Pensei que fosse o contrário. É óbvio que alguma
coisa está incomodando você e, se não é isso, o que pode ser?

Aqueles olhos castanhos eram perturbadores de tão atentos, e Lani sentiu o


sangue subir-lhe às faces.

— Não entendo o que quer dizer, sr. Pendragon. — Seu tom foi categórico e
imaginava se seu embaraço era visível aos outros. Ao rezar para que alguém
viesse resgatá-la daquela situação, mal sabia que a ajuda viria na pessoa de
sua mãe.

Clare apareceu na sala, dando a nítida impressão de estar à procura de


alguma coisa, ou de alguém, que acabou encontrando no lugar mais
imprevisível. Foi ao encontro da filha e de Jake, transpirando hostilidade
por todos os poros demonstrando que a apreensão de Lani não era
infundada.

— Aí está você! — O tom de Clare era acusativo, deixando claro a quem se


dirigia. — Procurei você por toda parte.

— É mesmo? — Jake respondeu com um admirável ar zombeteiro. — Onde


mais eu poderia estar a não ser aqui, me divertindo com seus convidados?

— Meus convidados! — Clare lançou um olhar mordaz a Lani.

— Isto é, com sua filha — Jake corrigiu. — Não me disse que ela estava
aqui.

— Ia dizer. Lani, pegue uma xícara de café para mim, por favor. É só pedir a
Ethel. . .

— Lani!

A exclamação de Jake abafou as palavras de Clare, mas Lani não quis ficar
para saber se ele fizera alguma associação com o nome. Sentindo o desastre
iminente, deixou-os a sós, dirigindo-se à empregada que servia o café.
Depois de pedir que a moça servisse a mãe, seguiu com determinação até a
porta e, pegando o casaco no hall, foi embora.
CAPITULO IV

Lani acordou cedo na manhã seguinte — cedo demais, considerando que era
muito tarde quando conseguira dormir — e continuou deitada, sem a menor
vontade de sair da cama. Preferia ficar no quarto, prevendo o sermão que
receberia. Fechou os olhos para bloquear as pressões do mundo exterior. A
união de sua mãe com Jake Pendragon não tornava esse mundo menos hostil,
e ela temia enfrentar sua própria covardia.

O que os convidados de sua mãe teriam pensado na noite anterior? Como sua
mãe havia encarado sua saída brusca? O que Jake Pendragon pensava de seu
comportamento? Tinha sido um impulso precipitado e irresponsável sair da
festa daquele jeito, e Clare teria razão para ficar furiosa.

Deitou-se de bruços e fincou os cotovelos no travesseiro, apoiando o queixo


nas palmas das mãos. Mentir para o pai também não fora atitude louvável.
Entretanto, quando chegou em casa e encontrou-o acordado, não teve
coragem de dizer a verdade. Como contar que tinha conhecido o namorado
da mãe naquela noite? Como explicar a vontade de ir embora? E, o mais
grave, como confessar a revolta ao ver aqueles dois juntos, nem tanto por
Clare ser sua mãe, mas por causa dos sentimentos que Jake Pendragon
despertava nela?

Por isso, mentiu ao pai, dizendo que havia se divertido e Clare ficara feliz ao
revê-la. Não falou de Jake, limitando-se a descrever o apartamento e a
comida. Quando o pai comentou que tinha voltado cedo, alegou estar com dor
de cabeça, o que não era exatamente mentira. Roger Insistiu para que a
filha fosse direto para a cama e não pareceu descontente por Lani ter,
evidentemente, achado a festa uma chatice.

Com um longo suspiro, Lani levantou-se da cama. Era domingo e estava


combinado que almoçaria com Sarah e Robin, para depois irem ao batizado.
Embora não estivesse com a menor disposição para ser sociável, sair de Casa
já era alguma coisa.
Quando desceu, encontrou o pai tomando café e lendo 0 jornal. Roger ficou
surpreso em ver a filha já pronta para sair e não escondeu a admiração por
sua elegância no conjunto de tweed bege e um casaco de veludo verde-
escuro.

- Vai sair? — Uma ruga surgiu entre as sobrancelhas de Roger, e Lani


sentou-se antes de responder.

- Hoje é o batizado da filha de Robin e Sarah, lembra-se? Serei madrinha.

- Por isso está vestida assim? A que horas combinou estar lá? Dez horas?

— Não. Fiquei de ir para lá por volta do meio-dia. Mas estou pensando em


sair um pouco mais cedo.

— Um pouco mais cedo? Não são nem nove horas! E não leva três horas para
chegar a Chalfront.

— Sei que não. — Lani mexia distraidamente o açúcar no café. — É que está
uma manhã bonita e pensei em dar uma volta. Quero começar a fazer os
esboços para o novo livro.

— Será que não arranjou outro encontro com sua mãe? Roger olhou para a
filha por sobre o jornal. — É isso que está tentando esconder de mim?

— Claro que não! — Ela ficou vermelha como um pimentão. — Sinceramente,


não tenho planos para ver Clare de novo. E, depois da noite de ontem, duvido
que ela queira me ver tão cedo.

— Ontem à noite? — O pai de Lani franziu a testa, dobrando o jornal. — O


que aconteceu ontem à noite? Pensei que tivesse se divertido.

— Eu. . . bem, me diverti. . . mas. . . vim embora assim que terminou o jantar.

— Eu sei. Já me contou isso.

— Não, você não entendeu. Saí sem me despedir de Clare. . . E não me


pergunte por quê. Chegou um momento em que não agüentava mais ficar lá.

— Ele estava lá? 0 pianista? Sua mãe apresentou você a ele?

— Pode-se dizer que sim. — Ela não queria se envolver naquilo. — Acho que
não estava me sentindo à vontade, só isso. Quis contar a você porque. . .
bem, para o caso de mamãe ligar para cá hoje.
— Sei. . . — Roger observou a filha com atenção. — E é por isso que decidiu
sair tão cedo de casa? Por estar com medo de enfrentar sua mãe?

— Não exatamente. Só não estou com vontade de falar com ela.

— Hum... — Roger St. John balançou a cabeça. — Sabe, Lani, não acredito
que esteja me contando toda a verdade. Aconteceu mais alguma coisa ontem
à noite, não é? Alguma coisa que viu ou ouviu. Não quer me contar o que foi?
Sou seu pai, minha querida, e me preocupo muito com você.

— Ora, papai! — Lani evitou o olhar dele. — Não aconteceu nada, juro. Acho
que fiquei com ciúmes. Quando. . . quando Jake Pendragon apareceu, ela não
deu atenção a mais ninguém. Foi isso.

— E suponho que ela contou que pretende casar, não foi? Como dizem por aí,
não há ninguém tão tolo como um tolo velho.

— Papai, Clare não é velha. Não aparenta ter mais de trinta. Agora, por
favor, vamos mudar de assunto, está bem? Estou cansada dessa história.

0 telefone tocou quando ela se preparava para sair. Estava no hall,


colocando as luvas, quando o som estridente quebrou o silêncio. Seu pai
estava cuidando das plantas na estufa e esperou que a sra. Evans atendesse.
Só que ou a governanta sabia que Lani não tinha saído ainda ou estava muito
ocupada com outra coisa, pois ninguém apareceu. Quem estaria ligando?
Podia ser Clare, assim como uma dezena de outras pessoas, até mesmo
Sarah ou Robin comunicando alguma mudança nos planos. Sem alternativa,
atendeu.

— Alô?

Lani quase deixou o aparelho cair ao reconhecer a voz masculina.

— Lani? Aqui é Jake Pendragon. Gostaria de me encontrar com você hoje. É


possível?

— Não. Não. . . infelizmente não posso. — Sentiu um ímpeto de desligar, mas


acrescentou: — Sinto muito, mas estou de saída. Até lo. . .

— Espere! Lani, não desligue ainda. Se não podemos nos encontrar hoje, tem
de ser amanhã. Vou tentar arrumar uma hora entre. . .

— Não precisa se incomodar. Se foi Clare quem pediu para você ligar. . .
— Droga, Clare não tem nada a ver com isso! — Jake demonstrou
impaciência. — Com certeza vai ligar para você mais tarde, mas isso não vem
ao caso agora. E, então, para quando podemos marcar o encontro?

- Sinto muito, mas... — a voz dela saiu trêmula — ... estarei ocupada o dia
todo. Foi gentileza sua ter ligado, sr. Pendragon.

— Não foi gentileza coisa nenhuma! — A paciência dele parecia ter se


esgotado. — Lani. ..

— Até logo, sr. Pendragon — Lani interrompeu-o com firmeza e, sem lhe dar
chance de responder, desligou.

Ficou parada no hall por alguns instantes, abalada demais para se mover.
Mas bastou o telefone recomeçar a tocar para pegar a bolsa e a pasta de
desenho e sair correndo, para fugir à tentação. Enquanto tirava o carro da
garagem, ainda podia ouvir os chamados persistentes, mas nada a
convenceria a voltar.

Na segunda-feira, Lani foi almoçar com Miles, conforme o combinado, e


gostou da recepção carinhosa que teve.

— Você está ótima — o elogiou, depois de se acomodarem à mesa. — Parece


apenas um pouco cansada, mas isso é normal. Essas viagens de avião esgotam
qualquer um.

— É verdade...

Lani imaginava o que Miles diria se lhe contasse que o cansaço da viagem não
era o responsável por sua insônia. Soubera pelo pai que Clare tinha
telefonado enquanto estava fora, no domingo, e isso, mais o telefonema
inesperado de Jake Pendragon, dificultou que relaxasse.

— Como foi o jantar? — Miles quis saber, depois de ouvir com detalhes o
relato da viagem a Nova York. — Valeu a pena me dar o cano?

— Não. — O sorriso dela foi irônico. — Se quer mesmo saber, preferia mil
vezes ter jantado com você, mas Clare passou muito tempo fora da
Inglaterra e. . . .

— E você se sentiu na obrigação de bancar a filha obediente.

— Mais ou menos isso. — Lani girava nervosamente o copo de vinho nas mãos.
— Não vamos mais falar de Clare. Já ouvi o suficiente de papai.

— Não sei por quê, mas tenho a impressão de que não foi uma grande noite.

- Não foi mesmo. Foi realmente uma droga. Detesto lidar com pessoas
artificiais.

Miles parecia querer fazer mais perguntas, mas a fisionomia de Lani não era
nada animadora. Por causa disso, ele mudou de assunto, perguntando sobre o
batizado.

— O nenê é uma gracinha! — ela se entusiasmou. — Seu nome é Helen, como


a mãe de Sarah. Os gêmeos ficaram um pouco enciumados com toda a
atenção dada à irmã recém-nascida, é claro, mas isso já era de se esperar.

— Fala como se tivesse inveja. Lani sorriu com a observação.

— Talvez tenha mesmo. Embora não da situação de mulher casada — ela


lembrou a tempo apenas para o caso de Miles alimentar esperanças. — Acho
que o casamento não foi feito para pessoas como eu. Sou independente
demais.

— Na minha opinião, o divórcio de seus pais deixou-a com medo de assumir


um compromisso. Você daria uma esposa e mãe ideal, acredite. Não é nem um
pouco como Clare Austin.

— Como sabe, Miles? Nunca falou com minha mãe.

— Não, mas tenho lido muito sobre ela. Bem, como você mesma sugeriu, não
vamos mais tocar nesse assunto. Fale-me de seus livros. Já começou o
esboço das ilustrações? Acho que é uma boa idéia apresentar um novo
personagem. Já pensou no nome que vai dar a ele?

Para alívio de Lani, falaram sobre o seu trabalho durante o resto do almoço.
Quando saíram do restaurante para o ar gélido daquele dia de novembro, ela
não estava com disposição para se demorar mais.

— Ligo para você — disse, enquanto vestia o casaco. — Só preciso de alguns


dias para colocar as idéias no papel e entrarei em contato.

— Está bem. — Miles parecia conformado. — Mas não demore muito. Quero
vê-la antes do Natal.

Lani sorriu e desviou o olhar, os cabelos longos balançando ao vento frio.


Então, vendo o ônibus se aproximar de Piccadilly, despediu-se às pressas e
correu para o ponto.

Desceu do ônibus na esquina da Finchley Road com a Glendower Street e


caminhou a passos rápidos por uma travessa que ia dar em Pelham Court,
ansiosa por chegar em casa e ir direto para a prancheta. Tinha sorte de
poder trabalhar em casa. Seu pai mandara reformar um dos quartos,
transformando-o numa espécie de estúdio, cujas janelas longas forneciam
excelente luminosidade tanto para escrever quanto para desenhar.

Estava quase chegando a Pelham Court quando notou um carro reduzir a


marcha a seu lado e parar. A rua estava quase deserta àquela hora da tarde
e, embora não se importasse de andar sozinha, a onda de assaltos na região
ultimamente era alarmante. Mas o carro não parecia pertencer a um ladrão.
Era um Porsche verde-metálico e o homem que saía de dentro do automóvel
era perturbadoramente familiar.

Decidindo que, naquelas circunstâncias, o ataque era a melhor defesa, Lani


lançou-lhe o olhar mais arrogante que conseguiu.

— Por acaso está me seguindo? — Encolheu-se mais dentro do casaco, o que


lhe deu uma aparência defensiva.

Entretanto, Jake Pendragon nem pareceu notar. Estava todo de preto e


aparentemente não sentia muito frio. O vento despenteava os cabelos dele,
jogando mechas na testa.

Lani segurava a bolsa como se fosse um escudo. O que ele fazia ali? O que
estaria querendo, afinal? Imagine se Clare soubesse que seu namorado
procurava sua filha com tanta insistência...

— Estava esperando você — Jake explicou, observando-a com olhar felino.


— Parece que está frio. Não quer entrar no carro? Ou prefere conversar
aqui fora mesmo, onde qualquer um pode nos ouvir?

— Não temos nada para conversar. Aliás, como sabia onde me encontrar?
Como sabia que eu passaria por aqui a esta hora?

— Quando telefonei hoje de manhã, a empregada disse que você tinha saído.
Não acreditei, a princípio. Então ela disse que você provavelmente voltaria à
tarde.
— Você. . . telefonou de novo para minha casa? Disse à sra. Evans quem era?

— Ora, é claro que não! Disse que era John Smith — respondeu Jake com
sarcasmo. — Não se preocupe, não revelei meu verdadeiro nome. Imaginei
que, depois de toda a publicidade que fizeram, o sobrenome Pendragon não
seria bem-vindo aos ouvidos de seu pai.

Lani ficou imediatamente tensa.

— Como você se atreve? Que ousadia vir atrás de mim só para me chatear!
Não tem vergonha na cara? Não temos nada para conversar, sr. Pendragon.
Agora, por favor, me deixe passar.

— Ainda não. — Jake estava com o braço esticado contra a parede,


impedindo-lhe a passagem. — Escute aqui, fique calma, está bem? Não lhe
devo explicações dos meus atos. O que faço da minha vida só interessa a
mim, mas você. . . bem, queria que soubesse que nunca me passou pela cabeça
que Clare era sua mãe.

— Por que deveria? — O tom de Lani era frívolo e inflexível. — E que


importância tem isso? Mal nos conhecemos.

- Mas nos conhecemos, não é? — Jake insistiu. — Quando a vi no sábado à


noite, sabia que seu rosto era familiar. Então, quando Clare a chamou de
Lani. . . Foi por isso que saiu da festa sem se despedir de ninguém?

— Que convencido!

Tentou forçar a passagem, mas Jake a segurou pelos ombros.

— Não sou convencido coisa nenhuma. Mas, se insistir em se comportar como


uma criança, começarei a achar que está com ciúmes.

— Está me machucando.

— E posso machucar ainda mais. Droga! — Jake a soltou bruscamente. —


Não sei por que me dei ao trabalho de vir até aqui. É óbvio que não está
preparada para agir racionalmente. Vá! Vá para casa. Desculpe ter segurado
você.

Lani tremia quando passou por ele, consciente de que era observada até
virar a esquina de Pelham Court. Atravessava a pequena praça quando ouviu
o ronco do motor do Porsche que, segundos depois, passou por ela em alta
velocidade, agitando as folhas espalhadas pelo chão.

Clare ligou novamente naquela noite e, desta vez, Lani não teve desculpa
para não atender. Deixando o pai à mesa de jantar, foi para o hall, fechando
a porta por medida de precaução.

— Bem! Então finalmente resolveu se dignar a atender ao telefone, não é? —


As primeiras palavras de Clare foram irônicas. — Quem, afinal, pensa que é
para sair daquele jeito no sábado à noite? Tem idéia do embaraço que me
causou?

— Sinto muito, mamãe. ..

— Sente? Nem teve a decência de telefonar e se desculpar. Esperou até eu


entrar em contato para fingir arrependimento.

— Sinto realmente, mamãe. Foi. . . foi uma atitude imperdoável, e peço


desculpas. Considere que foi por. . . bem, por me sentir deslocada. Estava
sozinha. Não conhecia ninguém e. . . decidi. . . ir embora.

— Conhecia Elwyn. . . . e Paul Somers. Pelo menos, ele me disse que


conversou com você. Jake também falou com você. Não era suficiente?

- Bem. . . acho que sim. — Lani sentiu as pernas bambas só de ouvir a mãe
tocar no nome de Jake. — Foi idiotice sair daquele jeito, admito. Mas tenho
certeza de que nenhum de seus amigos a recriminou por minha estupidez.

- Hum... — Clare não parecia muito convencida, mas abrandou um pouco. —


Na verdade, acho que sei qual foi o problema.

— Sabe? — As pernas de Lani perderam toda a firmeza e ela teve de


sentar.

- É claro! Foi o encontro com Jake, não foi? A consciência de que eu e seu
pai estamos definitivamente separados a perturbou. Receava que isso
acontecesse. Mas você não é mais nenhuma criança. Já é adulta o suficiente
para encarar certas coisas.

— Mãe. . .

- Não. Deixe-me acabar. Foi precipitado, sei disso. Pretendia conversar com
você sobre. . . bem, sobre Jake, mas ele estragou tudo aparecendo
inesperadamente. Ele linha ido à Cornualha, onde mora a avó, e eu não o
esperava de volta antes do domingo. E, quando ele chegou, sei que não dei
atenção a mais ninguém.

— Não é preciso me dar explicação nenhuma — comentou, embaraçada, mas


Clare a ignorou.

- Seja como for, agora que já se encontraram, tudo seja mais fácil. Quero
que você e ele sejam amigos, Lani. Quero dizer, é importante para mim que
as duas pessoas de que mais gosto se dêem bem. Sei que seu pai não
concordará, mas não deixe a influência dele estragar nosso relacionamento.
Por isso, quero reunir meus amigos no Royal Albert Hall, na quinta à noite. É
o recital de Jake e depois iremos todos jantar no Mancini's.

CAPITULO V

A melodia nostálgica do Segundo Concerto de Rachmaninoff inundava o


auditório silencioso do anfiteatro. Lani estava imóvel no assento,
impressionada com a beleza da interpretação. Era como ouvir aquela música
pela primeira vez. O lirismo romântico da obra e o veio de melancolia que
tornavam a peça tão tocante dissiparam o ressentimento e a apreensão que
ela sentira no começo da noite, deixando em seu lugar uma languidez
sensual.

A arte de Jake foi responsável por essa mudança — sua habilidade, sua
sensibilidade e o domínio brilhante que tinha sobre o instrumento, tirando
das teclas nuances variadas de emoção. Os aplausos começaram assim que as
últimas notas morreram no ar e foram ensurducedores. Lani viu a mãe ficar
de pé e aplaudir com mais entusiasmo que qualquer espectador, mas estava
emocionada demais para fazer o mesmo. Até que sentiu uma lágrima
escorrer pela face e, enxugando o sinal traiçoeiro, levantou-se
abruptamente e participou da ovação.

No palco, Jake curvava-se em agradecimento aos aplausos calorosos do


público e estava mais atraente do que nunca com seus trajes formais. Lani
imaginava quantas das mulheres presentes estavam ali apenas para ver o
pianista e recriminava-se por ter se deixado seduzir pelo talento dele. Sua
sorte era ele não poder distingui-la em meio a tantos rostos ansiosos.

Todos voltaram a sentar e Clare virou-se para a filha com uma expressão
triunfante.

— E então? O que achou? Ele não é simplesmente magnífico? Não inveja o


talento dele?

Lani teve uns momentos para se recompor enquanto os amigos de Clare


faziam seus comentários.

— Jake sabe realmente com tocar um piano — observou Célia Nevill, uma
amiga americana de Clare. — Aquelas mãos conseguiriam tirar sangue de
notas musicais! Vou pensar nisso sempre que apertar as mãos dele.

— Acho que essa é a última coisa em que Clare pensa quando sente o toque
daquelas mãos — insinuou o marido de Célia, acrescentando — Opa, desculpe!
— quando a esposa o cutucou, olhando para Lani.

Clare ignorou esses comentários, esperando impacientemente a reação da


filha, que apenas concordou que Jake era bom, esforçando-se para agir com
naturalidade.

— Bom?! Que tipo de comentário é esse? Ele é fantástico! Brilhante!


Comparável aos maiores pianistas de todos os tempos, e você diz que ele é
bom? Não tem sensibilidade? Não conhece música? Francamente, Lani, você
me decepciona. Não é capaz de reconhecer o talento de um gênio?

Lani ficou vermelha, mas conseguiu se controlar. Se contasse à mãe o que


realmente pensava do talento de Jake, iria irritá-la ainda mais. Tudo que
Clare queria era a confirmação de que estava certa.

— Ele realmente é brilhante — admitiu. — O público provou isso. Podia-se


ouvir um grampo cair enquanto ele tocava, e duvido que algum crítico
encontre um só defeito em sua interpretação.

— Concordo inteiramente — Elwyn Hughes endossou as palavras de Lani. —


Tenho um palpite de que Jake vai receber muitas propostas depois desta
noite. Não terá muito tempo para vê-lo, Clare.

— Isso não me preocupa nem um pouco, Elwyn. Cuidarei para que ele sempre
arrume um tempinho para mim. Afinal, fui eu que o descobri e não deixarei
que esqueça Isso.

A segunda parte do concerto foi um anticlímax para Lani. Jake tocou três
prelúdios de Rachmaninoff, mas não com a mesma paixão de antes, embora
mantivesse o estilo e a elegância.

Depois do recital, Lani teve de acompanhar o grupo até um restaurante para


um jantar de comemoração. Clare Fora aos bastidores ao final do concerto,
e não viera junto. E, Lani sentia os nervos à flor da pele durante o curto
trajeto até o Mancini's, no carro de Elwyn.

— Sua mãe não vai demorar. — O empresário procurou tranqüilizá-la, vendo


seu rosto pálido pelo espelho retrovisor, e ela forçou um sorriso, desejando
com desespero que não precisasse ir.

0 Mancini's era um restaurante luxuoso e sua clientela era


predominantemente formada por artistas. Lani não conhecia o lugar e olhou
com apreensão à sua volta, enquanto uma recepcionista a ajudava a tirar o
casaco. Elwyn deu-lhe o braço e a conduziu até a mesa.

Um conjunto tocava num canto e as pessoas tendiam a falar mais alto para
serem ouvidas. A fumaça dos cigarros anuviava o ambiente e alguns casais
dançavam numa pequena pista rebaixada. Enfim, a atmosfera não contribuía
muito para aliviar a dor de cabeça que Lani começava a sentir.

A mesa estava posta para oito pessoas. Lani e Elwyn, os Nevill e mais dois
amigos de Clare sentaram-se e pediram seus drinques. Só Lani se recusou a
tomar bebida alcoólica.

— Vou trabalhar amanhã. ..

Elwyn não escondeu a contrariedade e fez os pedidos. Enquanto esperavam


Clare e Jake chegar, serviram-se de patê e torradas.

— Vamos, pegue uma — ofereceu Elwyn. — Não tem álcool nisso.

Ela não aceitou, por estar completamente sem apetite. Clare chegou uns
vinte minutos depois, acompanhada de Jake, que, ao contrário do que se
podia esperar, não demonstrava a metade da euforia dela. Parecia cansado,
provavelmente sob os efeitos do desgaste emocional do concerto.
Lani receava aquele confronto depois do encontro há quatro dias, mas Jake
mal olhou para ela. Depois de receber os cumprimentos do grupo, ele
afundou numa cadeira e Clare chamou o garçom para pedir champanhe.

— Vamos brindar. O recital foi um sucesso, meu querido. Superou a si


mesmo. Vamos, não fique com essa cara amarrada Não deixarei que estrague
justamente esta noite.

— Brinde você. — Jake retrucou e chamou o garçom. — Traga um scotch,


por favor. Com gelo e duplo.

Clare obviamente não gostou de ver seus planos frustrados, mas parecia
disposta a perdoar qualquer coisa naquela noite. Com uma ousadia admirável,
brindou ao sucesso de Jake, que continuou impassível.

— Você foi maravilhoso — Célia Nevill comentou, inclinando-se para apertar


a mão dele. — Todos nós o invejamos, Jake. Deve estar se sentindo
realizado com essa interpretação perfeita.

— Não foi uma interpretação perfeita — Jake discordou, tirando a gravata


e desabotoando a camisa. — Fiz confusão no adágio e terminei o segundo
movimento antes da orquestra. Não posso me sentir realizado por isso!

— Está sendo crítico demais — censurou Clare. — Ninguém notou esses


detalhes.

— Não sei, não... — Jake parecia pensativo e Clare deu um suspiro de


impaciência.

— Ora, Jake, até Malcolm Seymour elogiou seu desempenho. E todos sabem
que ele não faz isso por um inituíto qualquer.

— Obrigado, Clare. — O tom de Jake era irônico. — É muita gentileza sua


lembrar que sou apenas um iniciante, isso dá a medida de tudo, não é? —
Ergueu a mão e chamou novamente o garçom. — Outro duplo, maestro, por
favor.

O cinismo cruel de Jake trouxe lágrimas aos olhos azuis de Clare, e Lani
desviou o olhar, embaraçada.

— É realmente um grosseiro, Jake — Clare balbuciou, tirando um lenço da


bolsa para enxugar as lágrimas.
Elwyn serviu mais champanhe a todos para quebrar o silêncio desagradável.
Até Lani foi obrigada a tomar um pouco para brindar ao sucesso de Jake.

O jantar foi serviço em seguida, uma refeição de dar água na boca, em que
houve salmão defumado e caviar, preparado com vinho e, para sobremesa,
salada de frutas com chantilly ao rum. Apesar da fartura, Lani notou que
Jake mal tocou na comida.

Entretanto, o humor dele pareceu melhorar durante o jantar, provavelmente


sob o efeito do álcool. Não que estivesse bêbado. Apenas não se viam mais
os traços de insatisfação em seu rosto. Conversou animadamente com Elwyn
e os Nevill e fez uma análise objetiva de sua atuação para Clare e Maggie
Pringle, sua secretária. Restou a Adriun Dante a tarefa de entreter Lani.

Adrian fazia o acompanhamento musical nos solos de tenor e o fato de ser


um velho amigo da família deixou Lani bem à vontade. Mas sua dor de cabeça
não passou e, quando Jake tirou Clare para dançar, comentou sua
indisposição com Maggie.

Ora, que pena! — Maggie deu tapinhas de leve no ombro de Lani. Apesar de
ter a mesma idade de Clare, não tinha a mesma vitalidade dela, e a sua
maquilagem já estava toda borrada àquela hora da noite.

De repente Lani olhou desesperadamente para os lados, sem saber o que


fazia ali. Não via razão nenhuma para ficar, mas Clare ainda não lhe dera
permissão para ir embora. Portanto, era obrigada a continuar sentada,
fingindo participar da comemoração.

Seus olhos voltaram-se naturalmente para a pista de dança onde Jake e


Clare dançavam ao lado de vários outros casais. Lani observou a mãe
acariciar o rosto dele e virou-se rapidamente para não ver o beijo.

Quando os dois voltaram para a mesa, ela mal ergueu o olhar. Clare notou
seu silêncio.

— Lani, venha sentar perto de nós. — Clare passou o braço pelo de Jake, e
ela não teve alternativa senão obedecer. — Então, achou o recital
fantástico, não foi, querida?

— Oh, sim... — Lani murmurou, olhando timidamente para Jake. — Tenho


certeza de que foi um grande sucesso. Todos pareciam. . . maravilhados.
— Melhor do que terminar com uma nota desafinada, hein? — Jake
comentou, fazendo Lani corar ao entender a alusão.

— De que está falando? — Clare ficou confusa e Jake desvencilhou-se do


braço dela para tomar o uísque.

— Não é nada. Acho que estou ficando bobo.

— Vamos dançar, Clare. — Elwyn, como sempre, tentou aliviar a tensão e


levantou-se para puxar a cadeira dela.

— Não quero dançar.

Elwyn não deu atenção à recusa, praticamente puxando Clare para a pista. A
sós com Jake, Lani não sabia para onde olhar ou o que dizer. Depois de
alguns minutos de silêncio enervante, Jake pôs a mão sobre a dela.

— Por que não vamos dançar também?

Jake não esperou pela resposta e puxou-a quase com brutalidade. Para
evitar uma cena, Lani teve de segui-lo, mas na pista de dança, soltou-se com
determinação. Isso, no entanto, só facilitou para que ele colocasse os braços
em sua cintura, envolvendo-a com carinho.

— Não quero dançar com você — Lani sussurrou, encarando com raiva um
olhar enigmático. — Por que está fazendo isso? Você também não quer
dançar comigo. E por que tentou me embaraçar agora a pouco falando do
modo como tocou Chopin na Casa do Mar?

— Então você se lembra? — Jake a conduzia ao ritmo da melodia romântica.

— Por que não me lembraria? Você foi bem rude. Contou a Clare sobre
aquele nosso encontro... ou está deixando para contar numa ocasião mais
íntima?

Jake apertou-lhe a cintura com súbita violência, em resposta ao sarcasmo


daquelas palavras.

— Por que deveria ter contado a Clare que já nos conhecíamos? Pelo que me
lembro, você estava bem provocante. Nem um pouco parecida com a puritana
de hoje!

Lani ficou indignada, mas Jake não se mostrou arrependido. Pelo contrário,
apertou-a mais nos braços, fazendo o sangue correr mais rápido em suas
veias. Estavam muito próximos e ela podia sentir o calor e a fragrância
máscula que emanavam daquele corpo, bem como a força dele a dominar sua
resistência. À sua volta, os outros casais dançavam totalmente indiferentes
àquele conflito silencioso. Lani, perturbada com a própria vulnerabilidade,
lançava mão de todas as armas que tinha para resistir:

— Você. .. você.. . você é desprezível!

— Não, não sou. Mas agora não é hora de discutirmos isso e, a menos que
queira que sua mãe nos ouça, sugiro que se acalme.

— Eu? Me acalmar?

Lani ficou indignada, mas subitamente toda a sua resistência foi por terra.
Jake tinha razão. Estava agredindo-o gratuitamente, mais em função da
atração indesejada que sentia do que por alguma coisa que Jake tivesse
feito. Consciente disso,desistiu da batalha desigual.

Jake afrouxou o abraço ao sentir sua resistência diminuir e, ironicamente,


isso os aproximou mais. Recostando o rosto no peito dele, Lani sentiu um
tremor percorrer seu corpo diante daquela intimidade inesperada. As mãos
de Jake acariciavam-lhe as costas e, com sentimento de culpa e ao mesmo
tempo de incredulidade, ela cedeu à força que a atraía para mais perto dele,
subjugada pela virilidade do corpo colado ao seu. Não havia como negar a
excitação sexual tanto de um como de outro, e ela o encarou, incapaz de
disfarçar a confusão.

— Por favor. . . — sussurrou, cega a tudo exceto ao fato de que precisava se


afastar antes de acabar se traindo, mas foi silenciada.

— Não. — Jake pôs a mão sobre os lábios de Lani e voltou a colar o rosto ao
dela.

Aquilo era loucura. Enquanto continuavam a dançar, Lani sabia que se


arrependeria assim que voltasse à razão. Entretanto, naquele momento,
ninguém à sua volta desconfiava do que acontecia entre os dois. Era como se
estivessem isolados numa ilha de desejo e sentimentos inebriantes, aos
quais ela seria incapaz de resistir, mesmo que quisesse.

Somente o término da música conseguiu separá-los. Quando os casais


pararam de dançar e a iluminação voltou ao normal, Jake não teve escolha
senão se afastar e Lani não conseguiu encará-lo, de vergonha.

— Vamos — Jake sussurrou, estendendo a mão para conduzi-la até a mesa.

— Não... não posso! — Lani entrou em pânico e teria saído correndo dali se
os reflexos de Jake não fossem mais rápidos.

— Sim, você pode. Juro que não farei mais nada para embaraçá-la.

Lani ia responder quando foi interrompida pela mãe. Os olhos de Clare


moviam-se curiosamente de Jake para a filha.

— Ora vejam só! Que gentileza a sua dançar com Lani, querido. Não tinha
visto que estavam na pista.

— Não? Bem... que tal voltarmos para a mesa? Acho que o conjunto vai parar
para um intervalo.

— Se não se importar, vou embora agora, mã... Clare. — Lani sabia que não
conseguiria voltar para a mesa e agir como se nada tivesse acontecido. A
dor de cabeça que amainara enquanto dançavam tinha voltado com mais
intensidade, e tudo que queria era voltar para a cama e desfrutar da solidão
do quarto.

— Já vai embora? — O tom de Clare era de incredulidade.

— Eu. .. estou com dor de cabeça, mas não se incomodem. Pegarei um táxi.

— Levo você — Jake se ofereceu, surpreendendo a ambas.

— Você não pode! — Clare protestou, uma vez passado o choque. — Querido,
a festa é sua.

Lani pretendia insistir que poderia perfeitamente ir sozinha quando Elwyn


veio em seu socorro:

— Levarei Lani para casa. Não terei de desviar muito do meu caminho e,
como ela, estou com a cabeça estourando, Clare. Você e Jake continuem com
a festa. Tenho certeza de que Maggie, Adrian e os Nevill estão animados
para uma noitada.

— Mas eu não estou — afirmou Jake. — Terei de enfrentar oito horas de


trabalho amanhã e a noitada acaba aqui para mim. Se os outros quiserem,
podem ficar. Só sei que preciso dormir.
Lani saiu do Mancini's alguns minutos depois, enquanto Clare se desculpava
com o resto do grupo e Jake esperava impacientemente. Lani ficou grata por
Elwyn se oferecer para acompanhá-la. Por mais tentadora que fosse a idéia
de ter a companhia da Jake até em casa, sabia que devia manter distância
dele de agora em diante. Era um homem perigoso e sem princípios.

Mesmo assim não conseguia parar de pensar nele. Quando chegou em casa,
ficou aliviada ao constatar que seu pai já estava dormindo. Não tinha a
menor disposição para falar do recital ou do que acontecera depois. Talvez
no dia seguinte estivesse com as idéias mais claras para fazer isso.

Enquanto se preparava para dormir, obrigou-se a lembrar que Jake tinha


levado Clare para casa e talvez até passassem a noite juntos. Esforçava-se
para crer que a intimidade partilhada na pista de dança não representava
nada mais que abuso do álcool.

CAPITULO VI

Lani acordou no dia seguinte com uma terrível depressão. Sentia-se apática,
sem a menor vontade de levantar da cama e começar a trabalhar. Foi só
quando o pai veio avisá-la de sua saída que se conscientizou de que era mais
tarde do que imaginava. A manhã estava tão sombria que dava a impressão
de ser ainda madrugada.

— Estou de saída, Lani. — Roger St. John olhou para a filha com
preocupação. — Você está bem? Parece pálida. Por acaso está de ressaca?

— É claro que não, papai! Só bebi duas taças de champanhe. Estou apenas um
pouco. . . fora de órbita. Provavelmente porque fui dormir tarde.

— Ouvi quando chegou. Passava bastante da meia-noite, não? Suponho que o


recital não foi até tão tarde.

— Fomos ao Mancini's jantar. Estávamos num grupo de oito e quisemos


comemorar.
— Entendo...

Lani sabia o quanto custava ao pai ouvir isso e desejou que Clare não a
tivesse colocado naquela situação. Mas a mãe sempre impunha a sua vontade
e, se Lani se recusasse a vê-la, era bem capaz de ir até Pelham Court acusar
o ex-marido de envenenar a mente da filha. Ela não quisera correr o risco. A
paz de espírito de seu pai era uma coisa frágil e, enquanto Clare
permanecesse no país, teria de mantê-los separados.

— Desculpe não ter tomado café com você. — Lani tentou mudar de assunto,
mas Roger não parecia disposto a isso.

— E gostou? Quero dizer, do recital. Esse tal de Pendragon é bom mesmo?

— É, sim! — Lani ficou embaraçada com o próprio entusiasmo. — Ele.. . er...


ele é realmente bom. Elwyn acha que será um sucesso.

— Ah...

Lani lamentou não poder dizer que o recital de Jake fora um fracasso. O pai
se sentiria mais consolado se soubesse que Clare tinha deixado as emoções
interferirem em seu julgamento.

— Vai jantar em casa, papai?

Roger St. John fez um esforço evidente para se recompor.

— Não. Vou jantar no clube com o velho Harrison. Prometi a ele uma partida
de xadrez há algumas semanas e combinamos para esta noite. E você? Quais
são seus planos? Vai ver sua mãe de novo?

— Não sei. Pretendo trabalhar um pouco hoje. Disse a Miles que lhe
mostraria alguns esboços preliminares ainda esta semana, para discutirmos.

— Sei... Bem, preciso ir. Boa sorte com os desenhos. Não trabalhe demais,
está bem?

Na verdade, Lani não conseguiu trabalhar nem um pouco. As horas passavam,


mas continuava sentada diante da prancheta em branco. Pela primeira vez na
vida, estava totalmente sem inspiração. No dia anterior, chegara a fazer os
esboços que serviriam de base para a nova série de livros a ser lançada, mas
naquela manhã eles lhe pareciam amadorísticos. Não convenceriam ninguém.
Nem crianças nem adultos. Assim, rasgou as folhas e jogou os pedaços para
o alto, espalhando-os pelo chão.

O som do telefone era tudo que precisava para acabar de vez com sua
concentração. Só pedia a Deus que não fosse Clare e teve um sobressalto
quando a sra. Evans bateu na porta do estúdio.

— É para a senhorita. O sr. Rossiter. Disse que estava em casa. Fiz bem?

— Oh.. . — O alívio de Lani foi imenso. — Oh, sim! Falarei com ele. Obrigada,
sra. Evans. Atenderei num minuto.

A voz familiar de Miles trouxe novo alento para Lani.

— Não me diga que não aprontou os esboços ainda. Faz quase uma semana
que não nos vemos. O que fez esse tempo todo?

— Faz quatro dias, e infelizmente tive algumas complicações. Sinto muito,


Miles. Estou fazendo o que posso, juro. Mas... sabe como é, as circunstâncias
têm dificultado muito meu trabalho.

— Circunstâncias? Que tipo de circunstâncias? Não, não precisa me dizer. É


sua mãe. Você a viu de novo.

— Na verdade, tenho visto, sim. Precisa me dar mais algum tempo, Miles.
Inclusive, estava no estúdio agora.

— Aposto como foi àquele recital ontem à noite. 0 début de Pendragon,


como estão dizendo por aí. Pelo que ouvi, ele toca piano há anos. Não é
necessariamente nenhuma criança prodígio!

— Eu... eu realmente fui ao recital. E ele é bom.

— Sim, sei disso. Suponho que viu as fotos dele com sua mãe nos jornais de
hoje, não foi? Não é à toa que não consegue se concentrar no trabalho.

— Fotos? Que fotos?

— De sua mãe e Jake Pendragon. Depois do recital. Onde você estava


enquanto os flashes estouravam?

Só então Lani entendeu por que a mãe demorara para chegar ao Mancini's.

— Eu. .. fomos todos jantar depois do recital. As fotos estavam boas? Papai
costuma levar o jornal para o escritório e não tive tempo de ler.

— São boas, sim. Ele parece meio contrariado, mas sua mãe está toda
sorrisos. E com toda a razão. Arranjar tudo aquilo deve ter custado uma
nota a ela. Pelo menos parece que terá um retorno do investimento.

— Sim.. . — Lani imaginava se o pai tinha visto as fotos.

— Então quando acha que terá alguma coisa pronta para me mostrar?

— Na segunda, está bem? Prometo trabalhar no fim de semana. Irei ao seu


escritório na segunda de manhã e, se gostar do meu trabalho, poderemos
almoçar juntos.

— Por que não jantamos juntos no domingo? Para compensar o cano da


semana passada.

— E interromper meu programa de trabalho ? Nem pensar! — Lani tentou


imprimir um tom de brincadeira à voz e Miles cedeu a contragosto.

Depois de desligar o telefone, foi até a cozinha.

— Sra. Evans, tem café?

— Tem, sim. Importa-se em se servir? — A governanta indicou a garrafa


térmica enquanto salpicava farinha de trigo sobre a massa que preparava. —
Não queria lavar as mãos de novo.

— Desculpe não ter atendido ao telefone, sra. Evans. Mas... bem, estava com
medo de que fosse Clare.

— E por que não quer falar com sua mãe? Saiu com ela ontem à noite, não
foi?

— Sim, mas isso não significa que queira falar com ela pelo telefone. Para
ser bem honesta, gostaria que nunca mais voltasse para Londres. Eu. .. nós,
quero dizer, papai e eu nos damos muito melhor quando mamãe está
viajando.

— Lani! Isso não é jeito de falar de sua própria mãe!

— Às vezes acho difícil acreditar que Clare é minha mãe. Não temos
absolutamente nada em comum.

— Herdou o talento dela. A sra. St. John sempre teve uma imaginação muito
fértil. Foi por isso que escolheu o palco, por gostar tanto de faz-de-conta.

— A senhora conhece minha mãe há muito tempo, não é?


— Há mais de vinte anos. A senhorita não tinha nem um mês de idade quando
comecei a trabalhar na casa. E sua mãe já estava ocupada, ensaiando o
próximo papel.

— Acha que o casamento deles teria durado tanto se eu não tivesse


nascido?

— Quem sabe? Os dois eram muito diferentes quando se casaram, e os anos


só serviram para aumentar a distância. Talvez, se seu pai tivesse dedicado
mais tempo a sua mãe naqueles primeiros anos... ou se sua mãe tivesse mais
paciência com o trabalho dele... Infelizmente, tanto um como o outro
estavam muito voltados para suas carreiras, e quando seu pai percebeu o
que estava acontecendo era tarde demais.

— Ele ainda a ama. Só finge que não.

— Seu pai ama uma ilusão. A mulher em quem ele pensa nunca existiu. Agora
vá andando, mocinha, e me deixe trabalhar.

De volta à prancheta, Lani ficou pensando no que a sra. Evans dissera. Seu
pai realmente costumava recordar os bons momentos vividos com Clare, mas
nunca mencionava as brigas que tinham marcado o relacionamento deles ou o
clima de hostilidade em que Lani fora criada.

Ao meio-dia o telefone tocou outra vez. Apesar da relutância em falar com a


mãe, Lani foi atender, imaginando que a sra. Evans ainda estivesse às voltas
com a massa na cozinha.

— Alô? — O breve silêncio que se seguiu deixou-a toda arrepiada.

— Lani? — A voz do outro lado da linha era inconfundível, fazendo-a tremer,


e já ia desligar quando ouviu o apelo: — Lani! Lani, por favor, responda!

— 0 que você quer? Pensei que era minha mãe. Ela... ela está aí com você?
Deve estar satisfeita com seu sucesso. Ouvi dizer que suas fotos estão em
todos os jornais...

— Lani, quero ver você. Estou falando sério. — As palavras de Jake


pareceram ecoar no silêncio que se seguiu. — Preciso vê-la. Vamos agir como
duas pessoas sensatas ou brincar de esconde-esconde, como no outro dia?

— Não sei do que está falando, sr. Pendragon. Quando ligou outro dia, estava
muito ocupada, assim como estou agora. Minha mãe quer falar comigo?

— Sua mãe não está aqui comigo. Se quiser, pode ligar para cá. Estou no
Gloucester Court Hotel. Assim, verá que não estou mentindo.

— E que motivos teria para estar mentindo? Francamente, sr. Pendragon,


não acha que isso é um pouco melodramático? Como ou onde mora não é da
minha conta.

— Realmente não é. Mesmo assim, quis deixar tudo claro. Agora voltando ao
motivo do meu telefonema, quando poderemos nos encontrar?

— Minha mãe sabe disso?

— Não, não sabe. Ao contrário do que todos pensam, não sou propriedade de
Clare. Não tenho de pedir permissão para convidar a filha dela para tomar
chá comigo.

— Chá?

— Estarei livre depois das quatro e poderemos tomar chá aqui mesmo, isto
é, se confia o suficiente em mim. Seria mais conveniente para mim se você
viesse aqui. Tenho muito trabalho a fazer e não posso perder tempo.

Lani ficou perplexa.

— Está sugerindo que eu vá até o seu hotel?

— Por que não? Não vejo nada de mais nisso. Não ficaremos a sós. Tenho um
criado e uma secretária, se está preocupada com sua reputação.

— Eu... eu não posso ir ao seu hotel! Seja como for, se está tão ocupado, por
que perde tempo ligando para mim? Isso deve atrapalhar sua concentração.

— Na verdade, atrapalha um pouco. Só que isso não vem ao caso agora. Diga
logo o que pensa. Depois da noite de ontem, deve estar me achando um
crápula. Quero apenas uma chance de pedir desculpas.

— Pedir desculpas?

— Claro, o que mais podia ser? E então, você vem?

— Não. — O tom de Lani foi categórico. — Não posso. Aliás, nem deveria ter
me ligado. Já tinha até me esquecido de ontem. Quando as pessoas bebem
não podem ser totalmente responsabilizadas por seus atos.
— É isso mesmo que pensa? Vejo que é mais... conhecedora da vida do que
imaginei. É bom saber que não ficou ressentida. Até logo, Lani. Nós nos
veremos qualquer dia desses.

"Não se eu puder evitar", Lani pensou ao desligar o telefone.

Que cachorro! Um hipócrita! Voltou ao estúdio remoendo a raiva. Como ele


ousava achar que um simples pedido de desculpas resolveria tudo? Seria
bem feito se ligasse agora para sua mãe e contasse com que mau caráter
estava namorando. 0 problema é que não sabia se Clare acreditaria e, nessas
circunstâncias, o informante sempre leva a pior.

A sra. Evans trouxe um sanduíche e um copo de leite por volta da uma hora,
como sempre fazia quando Lani estava trabalhando. Mas ela não tinha o
menor apetite e, num impulso, decidiu sair. Ignorando o espanto da sra.
Evans, vestiu uma jaqueta e foi até a garagem tirar o carro.

0 tempo havia melhorado bastante no decorrer da manhã. Até o sol, embora


fraco, brilhava e seus raios davam mais vida aos crisântemos na praça. Lani
ficou mais animada com a perspectiva de respirar um pouco de ar fresco.

Acelerando um pouco mais que de costume pela rua sem saída, teve de pisar
fundo para brecar e desviar do veículo que entrava por Pelham Court.
Mesmo zonza com o susto, não só reconheceu o carro em que quase bateu,
um Porsche verde-metálico, mas também o motorista.

Jake também a reconheceu no mesmo instante. Entretanto, Lani não tinha a


menor intenção de ficar e descobrir o que ele fazia ali. Sem pensar duas
vezes, engatou a marcha e pisou fundo no acelerador, fazendo os pneus do
seu Capri cantarem.

Quando o Porsche colou na traseira do seu Ford Capri na Glendower Street,


ficou claro que Jake não desistiria tão facilmente. Lani sabia que jamais
poderia competir com ele numa reta. Sua única chance era despistá-lo no
emaranhado de vias secundárias e de mão única no centro da cidade. Assim,
virou repentinamente à direita e passou pelo primeiro semáforo de uma
série.

Olhou de relance pelo retrovisor e viu o Porsche de Jake ultrapassar com


facilidade os outros carros. Se quisesse realmente levar a melhor, teria de
ser mais habilidosa. Deu sinal para virar à esquerda e no último instante
entrou à direita, fazendo os pneus do Capri cantarem outra vez. Só não
contava com outro veículo vindo na direção oposta e desviou bem a tempo,
ouvindo o motorista xingá-la, furioso, com toda razão.

Jake não devia estar gostando daquilo mais do que ela, mas não tinha a
menor dificuldade em manter-se na pista. Lani, por outro lado, se
desdobrava para evitar a ultrapassagem, mas o trânsito intenso impedia
manobras mais ousadas. Além disso, já estava ficando tonta de cortar a
torto e a direito pelas ruas, nas redondezas do Hospital Middlesex, quando
se viu outra vez num beco sem saída.

Sem outra alternativa, fez o retorno e entrou na primeira ruela que viu,
apenas para pisar novamente nos freios. Era uma entrada restrita aos
funcionários do hospital. Lani estivera tão preocupada em despistar Jake
que não vira a placa de entrada proibida.

Olhou imediatamente pelo retrovisor, certa de que encontraria um Porsche


bem atrás. Para sua surpresa, a rua estava deserta. Não havia sinal do carro
esporte verde-metálico que a perseguira por quase toda a cidade. Lani ficou
imóvel, achando impossível que Jake não tivesse visto que ela desviara por
ali. Entretanto, pelo que tudo indicava, tinha conseguido despistá-lo.
Entusiasmou-se, imaginando a raiva dele.

— Fora! — A ordem súbita pegou Lani desprevenida, e Jake não teve o


menor trabalho para arrancar a chave do contato. — Saia daí, já disse!

— Eu. . . eu não posso deixar o carro aqui. É proibido. ..

— Devia ter pensado nisso antes de entrar. Só estava esperando que


cometesse um erro. Do modo como dirigia, é de se admirar que ainda esteja
inteira.

— Dirijo muito bem e não costumo me aproximar furtivamente das pessoas


para assustá-las. Poderia ter me matado do coração pela segunda vez hoje.

— Só pela segunda vez? Isso me surpreende. Pensei que fosse pelo menos a
terceira.

— Você se acha muito esperto, não é?

— Não, não me considero tão esperto assim. Se fosse, estaria no hotel


ensaiando, em vez de fazer essa corrida maluca por Londres.

— Ninguém pediu para você me seguir.

— Tem razão. Só que não me dei ao trabalho de ir até Pelham Court por
nada. Mas, como você teve a idéia infantil de brincar de polícia e ladrão, não
tive outra escolha senão fazer o seu jogo.

— Onde está seu carro?

— Estacionado na frente do hospital. Ao contrário de você, respeito sinais


de entrada proibida. A polícia não vê esse tipo de infração com bons olhos.

— Muito engraçado! — Lani fez uma careta, não achando graça nenhuma.
Sentia-se deprimida e uma perfeita idiota.

— Então... E agora? Podemos conversar civilizadamente ou vai tentar fugir


outra vez quando lhe devolver as chaves?

— Não farei isso. Por favor, me devolva a chave. Não gostaria de levar uma
multa.

— Vai me seguir até o hotel?

— Não. Saí para respirar um pouco de ar fresco. Pensei em dar uma volta
pelo parque. Pode vir comigo, se quiser.

Jake parecia desconfiado.

— Que parque?

— Qualquer um. O Regent's Park não é longe daqui. Podemos ir lá. Isto é, se
fizer a gentileza de me devolver a chave, é claro.

— Ajudo você. — Jake entregou a chave. — Dê a ré que tentarei deter o


tráfego para que possa sair.

A caminho do parque, Lani pensou na frieza de Jake, totalmente dono da


situação. Não podia ser culpada por aquela perseguição pelas ruas de
Londres e muito menos pelo tempo desperdiçado. Se ele devia estar
ensaiando, por que não a deixava em paz, em vez de fazer com que se
sentisse responsável por tudo aquilo?

Estacionou o carro e esperou Jake impacientemente. O Porsche não


demorou a despontar e foi colocado com perícia numa vaga estreita.
— Então me esperou — disse Jake com ironia, enquanto se aproximava
arrumando a gola da jaqueta. — Vamos andar?

— Onde? Pelo canal ou no zoológico?

— Vamos apenas andar pelo parque. — Jake indicou a direção com a cabeça e
Lani seguiu-o com indiferença.

Passaram pelo canal e cruzaram os jardins do zoológico, deixando a


passagem para andar pela grama. Não havia quase ninguém por perto e Lani
foi relaxando enquanto Jake falava das características daquela época do
ano e de sua preferência por climas mais quentes, o que justificava, pelo
menos em parte, sua pele bronzeada. Entretanto, quando o assunto passou a
girar em torno do recital na noite anterior, a tolerância de Lani se esgotou.

— Por que foi até Pelham Court? — perguntou abruptamente, ansiosa para
que ele fosse direto ao assunto. — Você já tinha se desculpado pelo
telefone. Não acha que foi imprudência ir até a casa de meu pai?

— Talvez. — Jake estava com as mãos nos bolsos e ergueu os ombros com
indiferença. — É que, pensando bem, achei que devia falar pessoalmente com
você. Não queria que tivesse uma impressão errada de mim.

— E poderia ser diferente? Na minha opinião, nada justifica o que aconteceu


e me admiro de sua certeza de que não contarei à minha mãe.

Jake parou de andar, a fisionomia distorcida pela raiva.

— Vá em frente. Se é isso que quer, conte a ela! Não tentarei impedi-la. A


decisão é inteiramente sua.

— Diz isso porque sabe que minha mãe não acreditará em mim! Ela está tão
obcecada por você que é capaz de pensar que inventei tudo por estar com
ciúmes!

— E não está?

Sem pensar no que fazia, Lani deu-lhe um tapa no rosto e ficou pasma com a
própria atitude, olhando horrorizada para as marcas vermelhas deixadas por
seus dedos.

Felizmente ninguém testemunhou aquela cena. Lani recuou, receando que ele
devolvesse a agressão na mesma moeda. Mas isso não aconteceu. Jake ficou
parado, como se esperasse que o próximo movimento partisse dela. Lani se
sentia em desvantagem. Para começar, estava sem maquilagem e com roupas
descontraídas, o que a fazia sentir-se desarmada para enfrentar uma
batalha psicológica. Além disso, a surpresa daquele encontro e a seqüência
dos acontecimentos a tinham deixado totalmente vulnerável. Também não
ajudava em nada saber que sairia perdendo num confronto físico com Clare.

Jake segurou-a pelo queixo, fazendo com que erguesse o rosto, e a reação
instintiva de Lani foi afastar-se. Entretanto, não deu dois passos e bateu
com as costas no tronco de uma árvore, sentindo a aspereza da casca mesmo
por cima da jaqueta.

— Desculpe. — A voz de Jake não era mais que um sussurro


inacreditavelmente terno, perturbando as emoções de Lani como nunca. —
Mas quando estamos juntos você me faz sentir tão egoísta que tudo que
quero é feri-la.

Lani agarrou-se ao tronco para ter apoio. Aquelas palavras não a


tranqüilizaram. Muito pelo contrário. Temia que, se ele continuasse a
acariciar seu queixo, não fosse capaz de resistir ao desejo de beijar aquela
mão. 0 pânico fez com que virasse o rosto, desvencilhando-se daqueles
dedos insinuantes.

Mas Jake não lhe deu tempo para recuperar o pouco de compostura que lhe
restava. Soltou um palavrão em voz baixa e segurou-lhe o rosto com as duas
mãos,.obrigando-a a encará-lo.

— Você é tão... tão... — Jake procurava a palavra certa quando Lani o


interrompeu, numa tentativa desesperada de se ver livre.

— Tão boba? Tão infantil? Tão inexperiente? É isso que quer dizer?

— Sabe que não! — A ternura anterior de Jake deu margem a uma violência
súbita. Seus dedos deslizaram para o pescoço de Lani, enquanto seu rosto se
aproximava lentamente do dela.

Jake beijou-a de leve a princípio, como se duvidasse da recepção que teria,


mas, não percebendo qualquer resistência, acariciou com a ponta da língua o
contorno dos lábios dela. Era um gesto sedutor, uma mostra sensual do que
seria o ato de amor.
Lani recostou a cabeça no tronco. Aqueles beijos provocantes trouxeram à
tona as mesmas sensações desvairadas da noite anterior. Embora tentasse
ficar impassível, sentiu a cabeça girar diante da perícia de Jake na arte de
seduzir e um calor insuportável dominou-a.

Enfim, desistiu de lutar. A intimidade da língua dele em sua boca era uma
violação devastadora, uma amostra tentadora de como suas defesas
poderiam ser rompidas. A consciência do que seria a posse sexual fez com
que se agarrasse a ele.

Jake, como se também estivesse abalado pela união ávida de suas bocas,
prensou o corpo de Lani ainda mais contra o tronco. As mãos deslizaram do
pescoço dela, infiltrando-se sob o casaco para acariciar o contorno dos seios
bem-feitos. Lani sentiu os bicos intumescerem sob a blusa, em resposta
imediata às carícias, e teve o impulso insano de sentir aquele toque
diretamente sobre a pele nua.

— Lani... — Jake respirou fundo e, apoiando-se no tronco da árvore,


afastou-se com determinação.

No silêncio tenso que se seguiu àquele súbito afastamento, Lani ficou imóvel,
sob o efeito do choque. Sentia um frio instigante, não só por causa do vento
que penetrava sob o casaco. Era um frio que vinha de dentro, resultante da
vergonha, do sentimento de culpa e da indignação que pareciam sufocar seu
peito. Com um suspiro de desgosto, fechou o casaco com mãos trêmulas,
esperando, embora não totalmente consciente disso, pelas desculpas
esfarrapadas de Jake.

— Não queria que isso acontecesse. Só queria vê-la. . . Não pretendia tocar
em você. Mas estava tão indignada que confortá-la me pareceu a coisa mais
natural a fazer. Devia estar maluco!

— Não continue! — Lani afastou-se bruscamente da árvore. — Não duvido


que acredite no que está dizendo. É isso que torna tudo tão patético!

— O que está insinuando? — Jake passou as mãos nervosamente pelos


cabelos.

— Você não ia dizer que não devemos nos encontrar mais? Aposto como
estava a ponto de dizer o quanto queria que fôssemos amigos, mas como isso
é impossível agora.

— Sua... — Jake se reprimiu a tempo e Lani não se deixou intimidar.

— O que há? Estou sendo franca demais ou estou muito perto da verdade
para o seu gosto? O que esperava, Jake? Mais recriminações?

— Às vezes essas frases feitas têm um fundo de verdade, sabe? E, quanto a


nunca mais nos encontrarmos, terá de perguntar à sua mãe, não concorda?
— A rispidez daquelas palavras deixou Lani chocada, mas Jake ignorou sua
palidez. — Só para deixar as coisas bem claras, pretendia contar-lhe, o mais
gentilmente possível, que neste momento não há lugar na minha vida para
complicações emocionais. Mas vejo que me enganei sobre os seus
sentimentos. Acho melhor irmos embora, antes que eu diga alguma coisa de
que me arrependa mais tarde. Você é sem dúvida filha de Clare. Por menos
que se pareçam!

Voltaram calados para o estacionamento. Lani preferia caminhar sozinha,


mas achou mais fácil e infinitamente mais maduro manter uma fachada de
fria indiferença. Embora estivesse consciente da presença perturbadora a
seu lado, procurou fingir interesse no que via à sua volta.

Quando chegou ao carro, entretanto, toda a sua segurança a abandonou.


Com as pernas trêmulas, praticamente desmoronou atrás do volante. Não
tinha a menor vontade de voltar para Pelham Court e esperou Jake sair
primeiro.

Mas ele não saiu. Tirou o Porsche da vaga e, deixando o motor ligado, saiu do
carro e foi ao encontro de Lani. Esperou que ela abrisse a janela para poder
falar mas como ela não parecesse disposta a isso, abriu a porta com
violência.

— Só para deixar sua consciência mais tranqüila, contarei a Clare que a vi. . .
— Toda rudeza dele pareceu ruir de repente, ao ver-lhe o rosto molhado de
lágrimas. — Pelo amor de Deus, Lani... O que vou fazer com você?

Ela não respondeu. Não podia. Sentindo o gosto amargo das lágrimas que lhe
escorriam pelas faces e tomada por um tormento angustiante, sabia que
seria incapaz de se defender. Jake era o culpado. Se a tivesse deixado em
paz, teria conseguido controlar seus sentimentos. Em vez disso, ele virará
seu mundo de cabeça para baixo.

Fechando a porta com a mesma violência com que fora aberta, ela colocou a
chave no contato. Não havia por que prolongar a humilhação.

Com dedos trêmulos, deu a partida e se xingou por deixar o carro morrer. A
segunda tentativa foi bem-sucedida e engatou a ré, saindo depressa.

Jake não tentou impedi-la. Ficou simplesmente parado, com as mãos nos
bolsos, vendo-a ir embora. Sua fisionomia expressava frustração, mas Lani
não quis analisar aquilo. Na certa, estava arrependido por ter se envolvido
com ela. Pelo retrovisor, viu-o voltar para o Porsche, mas não teve ilusões de
que seria seguida.

CAPITULO VII

Nas duas semanas seguintes, Lani mergulhou no trabalho recusando qualquer


convite para sair, com o pretexto de não ter tempo a perder. Até os
contatos com Miles foram mantidos em caráter estritamente profissional.
Quando ele brincou, alegando que assim acabaria se tornando uma eremita,
Lani argumentou que era a única maneira de fazer progresso.

De certa forma, tinha suas razões. Isolando-se inteiramente do contato com


outras pessoas, podia dedicar toda atenção ao trabalho, e a satisfação com
os resultados ajudava a compensar as frustrações em outros aspectos de
sua vida.

A princípio não foi fácil. Na semana daquele encontro com Jake nada deu
certo. Clare telefonou para convidá-la para outra festa e ficou furiosa com
sua insistente recusa.

— É claro que pode ir, Lani. 0 mínimo que podia fazer por ser aceita em meu
círculo de amizades era demonstrar gratidão. Além do mais, conhecerá
muitas pessoas interessantes que poderão até ajudá-la em seu trabalho.

— Não preciso de ajuda, mamãe.


— Todos precisam de ajuda. Seja como for, quero que vá. Deus sabe que não
é pedir muito, já que viajarei para Paris dentro de duas semanas.

— Vai viajar de novo?

— Vou cantar no La Scala em dezembro, e, como Jake só conhece a França


de passagem, achei uma boa idéia passar alguns dias lá antes de começar os
ensaios em Milão. Paris é uma cidade linda. Sempre a considerei meu lar
espiritual e gostaria que Jake partilhasse isso comigo... além de conhecer
algumas pessoas que serão muito úteis para a carreira dele.

— Entendo... Bem, espero que se divirtam. Eu... nós nos veremos quando
voltar para a Inglaterra. Acha que estará aqui em janeiro?

— Está querendo dizer que não vai mudar de idéia? — O ânimo de Clare se
inflamou, mas Lani estava determinada a evitar outro encontro a qualquer
custo.

— Infelizmente, não. Ao contrário do sr. Pendragon, acho que a única


receita para o sucesso é trabalhar com afinco.

Como era de se esperar, Clare protestou e fez um longo sermão sobre o


fato de Lani não compreender os sentimentos de um "verdadeiro" artista,
limitando-se a uma existência medíocre. Mais coisas desse tipo foram ditas,
mas Lani fechou os ouvidos à torrente de agressões verbais. Quando
desligou o telefone, consolou-se com o fato de provavelmente ter rompido
os laços com o passado, pelo menos no que se referia à mãe.

Quando Lani já entrava na segunda semana de reclusão forçada, Roger St.


John apanhou uma forte gripe e ela passou a dividir as energias entre o
estúdio e o quarto do pai, que parecia estar mais vulnerável a gripes do que
antes, contraindo uma tosse preocupante. Segundo o médico, precisava de
muito repouso.

— Ele precisa de férias, Lani. Quanto tempo faz desde que viajaram juntos
pela última vez? Por que não tenta convencer seu pai a passar algumas
semanas tomando sol, por exemplo? A Flórida é muito bonita nesta época do
ano.

Lani suspirou.

— Papai não irá, dr. Lawson. Já tentei convencê-lo. Inclusive um amigo dele
ofereceu a casa no sul da França, mas ele não aceitou. Papai vive apenas para
o trabalho, e ai de quem ameaçar tirar isso dele...

— Entendo o que quer dizer. Tenho outros pacientes com a mesma


obsessão. Está bem, Lani.. . Verei o que fazer.

Contrariando as expectativas, Roger aceitou a sugestão do Dr. Lawson e


conversou com a filha a respeito:

- O Natal está chegando e poderíamos passar alguns dias nas Antilhas, se


concordar. Sei que a Sra. Evans gostaria de tirar umas férias para visitar a
filha em Reading. Assim, todos ficarão satisfeitos.

— Oh, papai! — Lani estava tão aliviada que não sabia o que dizer. — Mas...
em que lugar das Antilhas? Trinidad? Barbados? São tantas ilhas exóticas!
Gostaria de visitar todas.

— Pensei em Antígua. É um lugar muito procurado por turistas e, como não o


conhecemos ainda, achei que seria o ideal para começar.

— Por que não Barbados?

— Porque quero ir a Antígua — Roger se impacientou. — Puxa vida, menina,


pensei que não importasse para onde vamos. Contanto que pudéssemos tomar
sol, é claro.

— O lugar realmente pouco importa. Se quer ir para Antígua, iremos —


concordou Lani a contragosto, lembrando que a mãe voltara recentemente
de Antígua. Era coincidência demais.

Uma vez prontos os esboços de Mogbat, o novo aprendiz de Matilda, Lani


começou o lento processo de construir-o enredo da primeira história. Logo
imaginou uma seqüência de desenhos que ilustrariam o desenvolvimento da
narrativa, representando verdadeiros quadros. As idéias pareciam
desenvolver-se por si só, e, apesar da preocupação com a saúde do pai, Lani
sentiu o entusiasmo voltar enquanto a bruxinha da mão de manteiga levava o
aprendiz inocente a aventuras desastrosas, tão movimentadas quanto
engraçadas. O mundo do faz-de-conta era um refúgio ideal e Lani se
ressentia das emoções que voltavam a atormentá-la quando não estava
trabalhando.

Um dos piores dias foi quando leu no jornal que Clare tinha partido para
Paris no dia anterior. Havia uma foto dela no aeroporto acompanhada pelos
homens de segurança e por uma figura indistinta, que Lani não hesitou em
identificar como sendo Jake. "Clare Austin a caminho de Milão", dizia a
legenda sob a foto. O artigo falava das apresentações no Scala de Milão e
confirmava que a grande artista não voltaria à Inglaterra antes do final de
janeiro.

Ocorreu então a Lani que seu pai podia ter ouvido algum boato parecido,
antes de tomar a decisão surpreendente de concordar com as férias.
Sabendo que a ex-mulher passaria o Natal fora do país, devia ter deduzido
erroneamente que ela voltaria ao Caribe. Afinal, o sol era uma das paixões
de Clare. Roger provavelmente não estava a par do compromisso em Milão,
mas não seria Lani quem lhe contaria a verdade, colocando em risco a saúde
dele.

A partida de Clare deu a Lani uma nova sensação de liberdade. Não se


assustava mais cada vez que o telefone tocava, e quando saía de carro não
ficava procurando um certo Porsche verde pelo retrovisor. Começou a achar
que tinha exagerado o efeito do reencontro com Jake, sentindo-se
deprimida apenas quando recebia alguma notícia da França ou da Itália.
Além do mais, mesmo que Jake não estivesse comprometido com sua mãe,
Lani não poderia esperar nada dele. Era um homem insensível, egoísta,
ambicioso e capaz de tudo para conseguir o que queria.

Roger St. John voltou a trabalhar no começo de dezembro e Lani, que


passara tempo demais preocupando-se com ele, ficou feliz por voltar a
dedicar-se ao livro. As aventuras de Matilda e Mogbat atingiram um
estágio crítico e ela mal podia esperar para chegar ao fim. Era pouco
provável que conseguisse terminar antes da viagem para Antígua, mas estava
ansiosa para continuar. Só em seu estúdio sentia-se realmente viva e
esperava que as férias trouxessem a tranqüilidade de que precisava.

Na tarde da quarta-feira da semana em que seu pai voltara a trabalhar, Lani


estava no estúdio quando a campainha tocou. Entretida com a ilustração de
uma vassoura a jato inventada por Matilda, ela soltou um suspiro ao lembrar
que a sra. Evans tinha saído. É claro que poderia ignorar, mas e se fosse
Sarah? Não se viam há algum tempo e não seria nada delicado deixá-la
parada na porta.

Levantou-se da prancheta e foi atender, com impaciência. Enquanto descia


as escadas, a campainha soou outra vez, fazendo-a apressar o passo. Uma
olhada rápida no espelho mostrou que sua aparência era apresentável. Os
cabelos estavam presos por uma fita de veludo preto, e usava uma blusa de
lã amarela sobre calças de veludo.

Era um dia feio. A nebulosidade da manhã dera lugar a uma tarde nublada e
agora as sombras da noite já caíam sobre as ruas. Mal dava para acreditar
que fossem ainda três horas. Absorta em suas reflexões sobre o clima, Lani
estava totalmente despreparada para o homem parado à porta.

Recostado à coluna que sustentava o abrigo sobre os degraus da escada,


Jake a fitava com seu ar insolente, usando calça jeans e uma jaqueta de
couro marrom forrada de pêlo de carneiro. Lani olhou ansiosamente para os
lados, imaginando se alguém da vizinhança o teria visto. Devia estar com
frio, pensou Lani, notando as linhas severas ao redor da boca dele. O que ele
estaria fazendo ali? Por que não estava em Milão com Clare?

— Posso entrar? — Jake se manifestou quando ficou óbvio que ela estava
nervosa demais para falar.

Lani abanou a cabeça.

— Não há ninguém em casa. Nossa empregada foi visitar a filha e meu pai
está trabalhando. Estou sozinha.

— Foi o que pensei. Ora vamos, Lani. Não é nada educado me deixar parado
aqui. Não me dei ao trabalho de vir até aqui para ficar discutindo na porta,
com um frio destes.

Lani deu passagem porque senão era capaz de ser atropelada. Ao fechar a
porta, procurou nervosamente pelo interruptor de luz. O hall de entrada
estava tão escuro que mal dava para se verem. Mas, antes que ela pudesse
se mexer, Jake se aproximou e calou qualquer tentativa de protesto com um
beijo.

Lani conseguiu se soltar alguns momentos depois e ficou o mais longe


possível dele, acendendo a luz. Parada ao pé da escada, procurava manter o
controle. Não devia tê-lo deixado entrar. Assim que o identificara, devia ter
batido a porta. Mas a presença de Jake viera reavivar as emoções loucas
que vinha tentando sufocar a tanto custo, e não tivera coragem de mandá-lo
embora.

Jake, com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, olhava ao redor com
interesse evidente. Seus olhos se iluminaram ao ver o quadro pintado por
Lani, que seu pai insistira em pendurar na parede.

— É seu? — O tom de voz era calmo, como se o beijo de alguns minutos


atrás não tivesse acontecido. Lani apenas concordou com a cabeça, tão
nervosa que não conseguia disfarçar. — É bom. — Jake inclinou a cabeça
para ver a assinatura. — Lani St. John. Setembro de 1982.

— O que você quer, afinal? — perguntou ela sem rodeios. — Por favor. . . não
pode ficar aqui. Se meu pai vier para casa e encontrar você, ele... ele. ..

— O que ele fará? Vai me expulsar daqui? — Jake encolheu os ombros. —


Ele pode tentar.

— Não precisa dizer que é mais forte que meu pai, qualquer um pode ver
isso. Mas agradeceria se não tentasse provar isso. Papai não anda bem... e
encontrá-lo aqui só vai piorar tudo.

— Está bem, Lani. Se prometer ouvir tudo que tenho a dizer, prometo sair
antes de seu pai chegar.

Ela umedeceu os lábios.

— Por que insiste em fazer isso? Por que não me deixa em paz? Depois...
depois do que já aconteceu, pensei que estava saturado de mim. Você mesmo
disse que não tinha tempo para... para complicações.

— Disse que não havia lugar em minha vida para complicações emocionais —
corrigiu Jake, aproximando-se dela com andar felino. — Não podemos
conversar em outro lugar? Não gosto da idéia de ser observado.

— Observado?

— Lá de fora. — Jake apontou para a janela. — Vi duas senhoras que


pareciam extremamente interessadas no fato de me verem parado à sua
porta. Não acha que ficarão mais curiosas por você ter me deixado entrar,
mas não me convidar para sentar?
— Deve estar falando das srtas. French. — Lani logo pensou nas irmãs
solteironas que moravam duas casas abaixo.

— Quero ver onde trabalha — sugeriu Jake, colocando o pé na escada e a


mão sobre a dela no corrimão.

— Não posso...

— Por que não pode? Mostrei a você onde trabalhava, alguns anos atrás.

— Não era a mesma coisa...

— Por que não era? Estou interessado, realmente. E... e se seu pai voltar,
prometo sair pelos fundos.

— Jake...

— O que é? — O olhar de Jake pousou nos lábios dela, fazendo-a quase


sentir seu toque.

— 0... onde está Clare?

— Em Milão, acho.

Lani puxou a mão e subiu as escadas. 0 estúdio não podia estar mais
desarrumado, com pedaços de papel e tocos de lápis espalhados pelo chão.
Num canto, viam-se pilhas de blocos para desenho, potes e tubos de tinta,
cola e solvente. Como ela precisava de muito espaço, a mobília era mínima:
apenas a prancheta, a banqueta, um pequeno armário e um sofá velho de
algodão estampado, muito confortável.

— Então aqui é o esconderijo de Matilda — Jake observou, parando à porta


antes de entrar. Olhou com atenção para os vários quadros na parede,
pintados por ela. — Em que está trabalhando agora? Ou isso não é para ser
publicado?

— Não, eu... — Lani se desconcertou por ele ter fechado a porta. — Criei
outro personagem, Mogbat. É o novo aprendiz de Matilda. Miles, meu editor,
achou uma boa idéia criar outro personagem.

— Este é o tal Mogbat? — Jake parou diante da prancheta para examinar o


desenho.

— Sim... É ele. — Lani apontou para o pequeno personagem, uma mistura


engraçada de gato e morcego.

— Você está tremendo. Por quê? Não está com medo de mim, está?

Ela sacudiu a cabeça, escondendo a mão traiçoeira.

— Estou com frio, só isso — mentiu, esforçando-se por manter o


autocontrole.

— Estive em Paris.

— Eu sei. Vi a foto de Clare no jornal. Gostou da viagem?

— Paris é. .. interessante — Jake admitiu, estendendo a mão para pegar uma


mecha dos cabelos de Lani. — Senti sua falta. Não parei de pensar em você
e precisava saber se tinha me perdoado.

— Perdoado você? Por que queria meu perdão? Achei que tinha me culpado
por... pelo que aconteceu naquele dia.

— Achou? De qualquer forma, não posso culpá-la de nada agora. Voltei para
cá porque queria vê-la.

Lani ficou tensa ao sentir a mão de Jake acariciar seu cotovelo.

— Disse à minha mãe por que estava voltando? Ou será que Clare não
merece mais sua atenção, agora que já atingiu seus objetivos?

— Avisei a Clare que ia voltar para a Inglaterra, sim — Jake respondeu com
rispidez, acariciando a nuca de Lani. — Não achei que devia magoá-la
dizendo que vinha ver você. Mas, se quiser esse privilégio, não poderei
impedi-la,

Lani ficou calada e Jake obrigou-a a encará-lo. Sua raiva pareceu abrandar
diante da fraqueza dela.

— Por que insiste em tocar no nome de sua mãe toda vez que estamos
juntos? Não faço perguntas sobre esse tal de Miles... ou Paul Somers, ou
qualquer outro homem de sua vida. Por que insiste em nos atormentar?

Lani hesitou.

— Mas, você... dorme com Clare, não é?

— Já dormi com muitas mulheres. Se esse é o x da questão, sou


absolutamente normal nesse sentido.
— Não é isso que estou perguntando.

— Isso não importa agora. Quero você, Lani. — Jake inclinou a cabeça,
roçando os lábios no rosto dela. — Quero ir para a cama com você. Quero
ser parte de você e torná-la parte de mim...

— Mas não pode... não podemos... — Ela entrou em pânico ao sentir o toque
dos lábios dele em sua boca e as mãos puxando-a com firmeza, aproximando-
os mais.

— Acho que teremos de fazer isso — Jake sussurrou, e a sensualidade do


beijo fez as pernas de Lani fraquejarem.

Ainda assim, ela tentou com desespero afastar-se, mas bastou sentir os
lábios dele deslizarem pela curva de seu pescoço antes de voltarem a
aprisionar sua boca para ficar zonza. Foi só quando Jake forçou a mão dela a
tocar em seu sexo vibrante de masculinidade que Lani deixou um gemido
escapar. A boca quente de Jake procurou novamente a dela com avidez.

— Preciso de você, Lani. Não consigo comer, dormir ou trabalhar! Não faço
nada sem pensar no quanto te quero, no quanto quero sentir você. . . nua,
junto de mim.

— Jake, isso é loucura. . .

— Mas é bom, não acha? — As mãos de Jake se insinuaram sob a blusa dela.
— Tire isso. Quero ver seus seios.

— Jake...

— Está bem, está bem. — Ele se afastou por um momento para tirar a
jaqueta e a camisa. Quando começou a desabotoar o cinto, Lani virou-se
para o outro lado, com as faces em brasa.

— Não!

— Por que não? Não tenho vergonha de mostrar meu corpo. — Jake se
aproximou, puxando a bainha da blusa dela. — Deixe-me despir você.

As mãos dele acariciaram possessivamente os seios de Lani, acabando com o


que restava de seu bom senso. A blusa logo deixou de ser obstáculo, assim
como a fita de veludo, retirada para deixar os cabelos caírem em ondas
sobre os ombros. Envergonhada, Lani fechou os olhos quando ele se afastou
para admirar suas formas femininas.

— Vamos para o sofá — Jake murmurou, capturando-lhe a mão.

Ela se deixou guiar até o canto sombrio onde ficava o velho sofá. Jake a fez
sentar, ajoelhando-se diante dela, enquanto depositava beijos cheios de
ternura em suas mãos, nos pulsos e nos braços.

Quando sentiu os lábios dele em seus seios, ela se afastou, mas não pôde
fazer nada para impedir as carícias selvagemente sensuais da língua de Jake
e dos dedos ávidos que lhe exploravam os seios e aprisionavam os mamilos.

Quando percebeu, já estava deitada no sofá, os lábios de Jake procurando


os seus com a mesma avidez crescente das mãos que desabotoavam a calça.

Nova onda de pânico a dominou ao sentir o calor das coxas de Jake, que
também tinha tirado a roupa. O cheiro da pele daquele homem envolveu-a
por inteiro. Para seu próprio espanto, Lani se viu abraçando-o, trazendo-o
para mais perto.

— Você me quer. .. confesse! — implorou Jake, com os olhos queimando de


paixão.

— Quero você — Lani repetiu obedientemente e suas bocas se uniram outra


vez, enquanto o corpo de Jake cobria o dela.

Era uma experiência totalmente nova para Lani. Nunca havia partilhado com
ninguém o tipo de intimidade que dividia com Jake, mas tinha a impressão
remota de que ele nem sonhava com isso. O toque da pele dele, o roçar dos
pêlos que cobriam o peito e desciam numa trilha pelo ventre e mais além,
aquele cheiro másculo. .. tudo contribuía para conturbar a mente de Lani,
impedindo que pensasse no lado prático da situação. Sabia o que Jake queria
dela e se viu lutando uma batalha perdida.

— Sim, Lani. — O tom de voz era decidido, pois Jake interpretou a


resistência dela como um arrependimento tardio, e respondeu às objeções
com carícias ainda mais íntimas e ousadas.

— Eu... não. .. você não pode... — Lani sussurrou palavras sem nexo, enquanto
o toque insistente de Jake a levava à submissão total.

Ele estava surdo a qualquer súplica e, com um murmúrio abafado de desejo,


seu corpo procurou o doce abrigo do dela. Apesar de uma hesitação
momentânea quando descobriu sua virgindade, era tarde demais para
impedir que o inevitável acontecesse. Lani sufocou o espasmo de dor
encostando-se a ele, enquanto sentia a penetração queimar-lhe as
entranhas. Subitamente ele agarrou-a pelos cabelos, forçando sua cabeça
para trás para que o encarasse.

— Pelo amor de Deus, Lani! — Jake parecia fora de si, mas, vendo lágrimas
brilharem nos olhos dela, apertou-a nos braços, enterrando o rosto no
emaranhado de cabelos arruivados. — Lani, não posso parar agora... — O
tormento dele era indisfarçável e sua lenta movimentação a fez reter a
respiração.

Para surpresa de Lani, Jake não a machucou. Sem que ela mesma o soubesse,
seu corpo estava preparado para receber o dele. Na realidade, era
inacreditável a satisfação de senti-lo dentro dela, possuindo-a, e entreabriu
os lábios para um beijo voluptuoso. Suas emoções atingiam um crescendo
febril e mal podia acreditar nos sons guturais, quase selvagens, que emitia.
Quando chegaram ao clímax, gritou maravilhada, fincando as unhas na curva
macia das costas de seu conquistador.

CAPITULO VIII

Algum tempo depois, Lani ouviu o ruído do carro de seu pai entrando na
garagem. Poderiam ter se passado alguns minutos ou algumas horas, não
sabia ao certo. Só sabia que Jake ainda estava estirado ao seu lado como um
tigre, com uma perna e um braço cruzados sobre ela, assegurando que a
presa não escaparia sem ser notada.

— Ei — protestou Jake, percebendo os movimentos de Lani. — Lani, não vá


embora. Ainda não. Não terminamos.

— Eu já. Por favor, Jake, vista-se depressa! Não está ouvindo o barulho do
motor? É o carro de meu pai!

Jake deitou-se de costas, cruzando os braços na nuca.


— E daí? 0 que quer que eu faça? Que eu pegue minhas roupas e saia pela
janela? Lani, sei que foi sua primeira experiência. Quem melhor que eu? Mas
esqueça isso. Pode me apresentar ao seu pai. Duvido que ele me reconheça.

— Não está falando sério!

— Por que não? É a saída mais sensata.

— Sensata! — Lani entrou em pânico. Não havia nada de sensato em


apresentar o pai a Jake Pendragon e, lembrando-se da reação de Roger St.
John ao jovem pianista, foi invadida por uma grande sensação de impotência.
— Vista-se, por favor — implorou enquanto fazia o mesmo.

— Já que insiste. . . — Num gesto de indiferença, Jake finalmente levantou-


se do sofá e, tirando vantagem de Lani estar distraída colocando a calça,
aproximou-se e deu-lhe um beijo na boca.

— Jake, por favor...

Com ar de pouco-caso, Jake começou a se vestir.

— Se não gosta de mim como sou...

— Eu... não é isso, Jake...

— Não precisa dizer nada, Lani. Eu sei. Acha que eu seria tão obediente se
não soubesse que você gosta de mim?

— Jake!

Lani sentia as pernas trêmulas e, por alguns momentos, ficou imóvel,


observando-o vestir a camisa. O prazer daqueles momentos de intimidade
partilhados com Jake era indescritível.

— Não aconselho que continue a olhar assim para mim — Jake comentou,
vestindo a jaqueta, e Lani ficou arrepiada com a ansiedade presente no
olhar dele. — E, então, estou apresentável agora? Acha que seu pai vai
aprovar? Espero não parecer como alguém que tivesse acabado de fazer
amor com a filha dele.

— Para mim, está muito bem. — Lani tentou corresponder ao tom de


brincadeira.

— Sabe o que sinto por você, não sabe? — Jake abraçou-a pela cintura,
puxando-a para perto de si. O tom de sua voz era sedutor. — Temos muito o
que conversar, não acha? Então. .. diga a seu pai que vamos sair para jantar,
está bem? Esta noite, não quero nenhuma interrupção.

— Jake! Não posso fazer isso.

— Por que não? Prefere que eu diga a ele?

— Você não entendeu. Não posso apresentá-lo ao meu pai. Você.... você
prometeu ir embora assim que ele chegasse. Por favor, vamos fazer as
coisas à minha maneira.

— Se insiste... — Parecia tão frustrado que Lani quase cedeu, mas a


lembrança da reação de seu pai ao nome Jake Pendragon forçou-a a manter
a resistência, e abriu a porta do estúdio.

— A... acho que meu pai foi para o escritório. Venha, vamos. Você pode sair
sem ele desconfiar que alguém esteve aqui.

— Se é isso que quer. . . Mas lembre-se de que a idéia foi sua, não minha.

Enquanto desciam as escadas, Lani começou a entender a relutância de Jake


em sair daquela forma. Era como se a beleza daqueles momentos juntos
fosse embaçada na hora da despedida. A decisão dela estava transformando
aquele encontro em algo clandestino, um casinho à-toa, digno apenas de ser
encoberto.

— Jake...

Lani estava quase convencida de que contar a verdade não seria tão ruim
assim, quando a porta do escritório se abriu. O pânico a dominou e o
desespero para encontrar uma desculpa superou o desejo fugaz de
confessar. Sem pensar em outra coisa a não ser na necessidade de se
proteger e poupar o pai de mais sofrimento, puxou Jake pelo braço,
praticamente empurrando-o porta afora. Nesse instante, os sentimentos
dele pouco importavam.

— Espere! — Jake a impediu de fechar a porta, mostrando que se quisesse


poderia ter resistido àquela expulsão precipitada. — Esta noite. Vamos
jantar juntos esta noite. Venha ao hotel. Estarei esperando na recepção, às
sete.
— Não! — Lani se desesperou ao ouvir os passos do pai no corredor. — Não
posso. Não posso jantar com você! — Fechou a porta sem dar a ele chance
de protestar.

— Papai!

Lani se surpreendeu com o próprio fingimento quando se virou para


cumprimentar o pai. Recostada na porta, como se assim pudesse bloquear a
visão do homem saindo, vestiu uma máscara de inocência. Era como se o fato
de ter estado nos braços de um homem há apenas um minuto não passasse
de mera fantasia.

— Lani! Acabou de chegar?

A tentação de responder que sim era grande, mas ninguém acreditaria que
tinha saído sem casaco. De qualquer forma, o pai parecia desconfiado.

— Eu... não.

— Havia alguém aqui, não havia? Um homem. Era um homem, não era, Lani?
Quem era? Conheço? E onde você estava quando cheguei?

— Eu.. . nós... nós estávamos no estúdio. Ele. .. bem, é um amigo de Miles.


John. .. John Brecon.

— É mesmo? — Roger não escondeu a desconfiança.

— Sim, é isso. — Lani desencostou da porta e caminhou com calma


surpreendente até a sala. — Ele... ele está interessado no estilo das minhas
ilustrações e mostrei-lhe alguns dos esboços para o livro novo.

— E por que ele teve de sair com tanta pressa? Imagino que seja um
daqueles sujeitos cabeludos que acho tão detestáveis. Não consigo pensar
em nenhuma outra razão para você agir como Mata Hari.

— Não estou agindo como Mata Hari. — Lani se indignou com o tom do pai.
Hostilidade era uma coisa e ironia, outra. — Ele. .. até que é um sujeito
simpático. Agora. .. como foi o seu dia hoje? Quer um drinque?

— Quero um scotch com soda. — Roger sentou-se diante da lareira acesa. —


Então, se esse rapaz era respeitável, por que não me apresentou a ele?

— Não pensei que fizesse tanta questão. Nunca tem tempo ou disposição
para conhecer meus amigos artistas.
— Quer dizer que esse rapaz é um artista? Devia ter adivinhado. — Roger
deu um sorriso de desdém. — Na verdade, não sei se aprovo a idéia de
Rossiter mandar esse amigo aqui. Afinal, devia saber que você estava
sozinha. Esse sujeito podia ser um salafrário.

— Não sou mais nenhuma criança.

Por um momento, Lani ficou chocada com a verdade de suas palavras. Era
inacreditável que tivesse se entregado tão completamente a Jake!

— Estou surpreso que o tenha deixado entrar — o pai insistia no assunto.

— Ele... ele telefonou primeiro.

— Quem telefonou?

— Miles, é claro — Lani retrucou, lamentando a série de mentiras que tivera


de inventar para encobrir a primeira. — Francamente, papai, não é nada
importante. Esqueça. Ele já foi embora, puxa vida! — Para disfarçar a
tensão, mudou de assunto. — O que quer comer? A sra. Evans deixou uma
torta de pernil pronta, mas, se preferir, posso fazer um bife.

— Não, a torta serve — Roger respondeu com impaciência e a seguiu até a


cozinha. — Como disse que era o nome do rapaz? Brecon? John Brecon? Já
vi algum trabalho dele?

— Ora, papai! — Lani se descontrolou por um instante, mas fez um esforço e


acrescentou: — Isso importa realmente? Não está interessado nas pinturas
dele, sei que não. Agora. .. quer uma salada para acompanhar a torta ou
prefere batatas fritas?

— Não é muito acessível, é, Lani? Enfim, parece que cheguei bem na hora em
que estava se divertindo com um rapaz na minha casa, acertei? Nesse caso,
acho que minha preocupação é muito natural. Você ainda é muito... inocente
em muitos sentidos.

Inocente! Lani sentiu um calafrio na boca do estômago.

Não era mais. Não depois de Jake ter invadido sua vida, ensinando-lhe a
diferença sutil entre coação e participação, sedução e submissão.

A noite foi um desastre em muitos sentidos. A refeição simples na


companhia do pai foi constrangedora, pois não queria falar sobre o homem
que ele conhecia pelo nome de John Brecon. Lani sabia que não era uma
atitude sensata naquelas circunstâncias, mas era impossível falar de Jake
sem experimentar uma sensação de culpa pelo que deixara acontecer.
Sempre se considerara capaz de controlar as emoções e nem mesmo aquele
incidente no parque mostrara o real perigo que a presença dele
representava. Aquela tarde fora uma revelação, uma descoberta inquietante
de que era tão vulnerável quanto qualquer outra pessoa.

Terminado o jantar, Roger se retirou para o escritório e Lani foi para o


estúdio, tentar retomar o trabalho. Não conseguiu. O ambiente estava
impregnado da presença de Jake. Parecia até que podia sentir o cheiro dele.
Deus, nunca mais conseguiria trabalhar ali! Sempre o veria ali, olhando para
a prancheta por cima de seu ombro, abraçando, beijando e acariciando-a,
amando-a...

Não! Não era amor. As ações de Jake não tinham nada a ver com amor e sim
com desejo. Ele mesmo confessara isso e despertara o desejo nela também.
O problema era que Lani tinha confundido seus sentimentos. Para ela,
querer e amar eram a mesma coisa. A linha tênue que separava as duas
coisas fora apagada pela habilidade sexual dele.

Lani havia perdido o controle sobre a mente e o coração e ainda se lembrava


das sensações despertadas por ele. Tinha amado Jake naquela hora, e era
inútil ressentir-se contra a traição de seu próprio corpo. Agora era um
pouco tarde para se arrepender.

Sentada diante da prancheta, olhava para as figuras de Matilda e Mogbat,


sem enxergar nada. Jake não podia ter feito aquilo! Como ele conseguiria
voltar para Clare como se nada tivesse acontecido? Lani não tinha dúvidas
de que era isso que ele ia fazer.

Era óbvio que Jake fora a Paris com a única intenção de aproveitar-se dos
contatos de Clare e, depois de acompanhá-la até Milão, inventara uma
desculpa qualquer para voltar à Inglaterra. E o que ele diria quando
retornasse a Milão? Lani estava mais confusa que nunca. Lamentou ter
nascido e, apoiando a cabeça nos braços cruzados sobre a prancheta, chorou
como não fazia há muito tempo.

Por vários dias, o clima entre Lani e seu pai continuou tenso. Não tocaram
mais no assunto John Brecon, mas ela sabia que o pai não tinha esquecido e
ainda estava ressentido com sua reserva. Entretanto, com a proximidade do
dia da partida para Antígua, outros assuntos ocuparam sua atenção. Naquele
momento a idéia de viajar não era nada atraente, mas Lani forçou-se a agir
como se estivesse ansiosa para ir.

Os preparativos para a viagem a fizeram esquecer, pelo menos


temporariamente, seu estado de espírito. Até seu pai começou a mostrar
mais entusiasmo depois de comprar as passagens e passaram várias noites
acertando os últimos detalhes.

Mesmo assim, Lani sempre acordava mais cedo que o pai para ler o jornal e
procurar notícias sobre Jake. Logo depois do recital, muitos artigos sobre
ele tinham sido publicados, mas agora não havia mais nada, fazendo-a
concluir que ele estava mesmo em Milão. Lani queria se convencer de que
fazia aquilo para poupar o pai, embora no fundo soubesse que não era
verdade. Estava desesperada por informações sobre Jake e aquelas
semanas sem saber de nada eram de enlouquecer qualquer um.

Um dia antes de partir para Antígua, Lani fez uma coisa da qual se
arrependeria depois. Ligou para o Gloucester Court Hotel e pediu para falar
com o sr. Pendragon.

— Não sei se o sr. Pendragon se encontra no hotel — a recepcionista


informou num tom nada amigável. — A quem devo anunciar? É parente dele,
srta. . .

— Então ele está hospedado aí?

— Sim, o sr. Pendragon tem uma suíte neste hotel, mas não costuma atender
a telefonemas de estranhos, nem permite aglomeração de fãs na portaria.

— Não sou uma fã! Ora, esqueça. — Lani desligou e ficou algum tempo
sentada no degrau da escada, com o rosto escondido entre as mãos.

Continuava na estaca zero. Não sabia se Jake estava na Itália ou não e, a


menos que ficasse de vigília na porta do hotel, não havia nada que pudesse
fazer.

Os dez dias passados em Antígua foram marcados por muito céu azul, sol e
mar. A areia das praias, muito branca, chegava a ofuscar a visão e a água era
quente e cristalina.

Apesar de achar que não conseguiria sequer relaxar, Lani se divertiu e


aproveitou mais do que esperava daquelas férias. Para começar, já era um
grande alívio ficar longe da cidade, dos jornais e do medo constante de
deparar com a imagem de Jake por um meio ou outro. Sem falar na
tranqüilidade de ouvir o telefone tocar e saber que não era para ela. Até
seu pai perdera aquele olhar de consternação. Se ficara desapontado em não
encontrar a ex-esposa na ilha, não o demonstrou, e os dois foram logo
envolvidos pelo compasso despreocupado do dia-a-dia no Caribe.

Voltaram a Londres num dia cinzento de janeiro, logo depois de uma nevasca.
Em conseqüência, os bairros da zona oeste não tinham energia elétrica e
várias linhas de trem estavam paralisadas. Depois das férias numa ilha
tropical, a casa parecia um gelo, mesmo com o aquecimento central ligado e a
lareira acesa.

Lani não sentia o menor entusiasmo para retomar o trabalho e, para piorar a
situação, Roger apanhou outra gripe. O clima úmido e frio, aliado à sua
insistência em ir trabalhar sem se importar com a temperatura, acabou por
afetar a saúde já frágil. O dr. Lawson mostrou-se preocupado depois da
consulta.

— Tem de convencê-lo a se cuidar melhor, Lani — o médico recomendou. —


Está com pleurisia e se não tomar cuidado pode virar pneumonia. Seu pai é
um homem doente e essas férias não adiantaram nada por causa da teimosia
dele.

— Farei com que ele fique na cama, doutor. E farei tudo que puder para que
esteja logo curado.

— Sei que fará. Não se preocupe. Seu pai vai melhorar. É só não deixá-lo
abusar até receber permissão médica para isso.

A febre de Roger levou alguns dias para baixar e a dor em conseqüência da


tosse custou a ceder. Lani dedicava todo o seu tempo cuidando do pai e
sentia as pernas doloridas de tanto subir e descer escadas com bandejas de
sopas e chás. A sra. Evans ajudava, mas ela fazia questão de se encarregar
dos remédios. Em conseqüência, era só encostar a cabeça no travesseiro à
noite para cair no sono, de tão exausta que estava.

No dia em que o médico deu permissão para o paciente se levantar da cama,


Lani saiu de casa pela primeira vez desde que voltara das férias. O próprio
dr. Lawson sugeriu que ela passeasse e respirasse um pouco de ar fresco.
Estava pálida e o médico não queria outra enferma nas mãos.

Devidamente agasalhada, Lani saiu de carro e foi para o Regent's Park. A


escolha havia sido propositada, sabia disso, mas não pudera evitar.

Sem dar ouvidos a nenhuma lembrança dolorosa, ela caminhou sobre a grama
congelada. Havia menos gente do que na tarde em que estivera lá com Jake.
Algumas pessoas passeavam com os animais de estimação e uma ou outra
criança brincava acompanhada dos pais ou da babá. Era um típico dia de
janeiro em Londres. Lani lembrou que o retorno de Clare estava previsto
para aquele mês. Era por isso que tinha vindo para aquele parque? Na
esperança de encontrar Jake?

Voltou para o carro de mau humor. Estava irritada consigo mesma por deixar
a lembrança de Jake acabar com sua paz de espírito.

Uma vez no carro, viu que suas emoções não seriam facilmente controladas.
Quase involuntariamente, virou à direita quando deveria seguir pela
esquerda, se fosse para casa. Quando caiu em si, fazia o retorno para
chegar ao Gloucester Court Hotel e olhava com ansiedade para as janelas.

O hotel era uma construção de pedras cinzentas com colunas decorando a


fachada. Ao passar pela porta em marcha lenta, examinou bem a recepção,
imaginando um meio de entrar sem ser notada. Estava quase parando e se
assustou quando o motorista de trás buzinou. De qualquer maneira, aquela
fora uma idéia absurda. Tomou o caminho de volta para Pelham Court,
contrariada ao perceber que, apesar da crueldade e do egoísmo de Jake,
ainda queria vê-lo.

Quando chegou em casa, encontrou o pai na sala ainda de pijama, mas com
uma aparência bem melhor, aquecendo-se ao calor da lareira. Estava
trabalhando, mas não se podia recriminá-lo por isso. Fazia mais de uma
semana que ele não abria a pasta e era compreensível que precisasse de
alguma ocupação.
— Pedirei à sra. Evans que prepare um chá para nós — Lani sugeriu depois de
cumprimentar o pai com um beijo.

— Telefonaram para você. Aquele rapaz. .. Brecon?

Acho que era ele.

Lani ficou perplexa. Depois de tanto tempo pensando em Jake, era como se
aquele telefonema fosse fruto de sua imaginação.

— E então? — Roger esperava na porta. — Não vai ligar para ele? Imaginei
que tivesse o número, já que ele não deixou nenhum recado.

— Eu. . . Tem certeza de que era. . . ele?

— Não, não tenho. A sra. Evans atendeu e me disse que era um homem que
não quis deixar o nome. Então deduzi que fosse ele. Parece que já ligou
antes.

— Ligou? — Lani ficou eufórica por um instante, mas se acalmou. É claro que
ele já tinha ligado antes! Naquela tarde em que a perseguira pelas ruas de
Londres.

— 0 que esse rapaz significa para você? — A fisionomia de Roger St. John
revelava desaprovação. — Pensei. . . pelo menos foi a impressão que você me
deu. . . que era um contato puramente profissional. Agora não sei mais.

— Ora, papai. . .

— Lani, insisto em que responda à minha pergunta. Afinal, sou seu pai. Acho
que tenho o direito de saber.

— Não tenho nada a contar.

— A sra. Evans me disse que esse homem já ligou várias vezes.

— Várias vezes? Quando?

— Pergunte a ela depois. Pelo visto, me enganei sobre você. É mesmo filha de
sua mãe.

Roger voltou a atenção aos documentos e Lani hesitou, olhando com


frustração para o pai. Como ele não ergueu mais a cabeça, virou-se e foi
para a cozinha.

— Alguém me ligou, sra. Evans?


— Um homem — respondeu a empregada, enxugando as mãos no avental. —
Seu pai vai querer o chá agora? Estou fazendo uns pãezinhos de queijo.
Ficarão prontos num minuto.

— Papai disse que não é a primeira vez que essa pessoa liga para mim.

— É verdade. Ia lhe dizer, mas com a doença de seu pai. . .

— Quando, sra. Evans? Quando ele ligou? — Lani tinha de saber, não
importando o que a governanta poderia pensar. — Por favor, preciso saber.

— Bem, deixe-me ver. . . Acho que a primeira vez foi no dia de sua partida. É
isso mesmo. Foi logo depois que foram para o aeroporto, mas não contei nada
sobre sua viagem, é claro.

— Não?

— Não. Isto é, não sabia quem era e poderia ser alguém com más intenções,
não é? Não se deve sair por aí dizendo para qualquer um que a casa ficará
vaga por dez dias.

— Tem razão. — Lani tentou ser paciente. — E... ele voltou a ligar?

— Sim. Na véspera do Natal. Foi uma sorte ele me pegar em casa. Passei por
aqui para ver se estava tudo em ordem e até me assustei quando o telefone
tocou.

— E o que a senhora disse?

A sra. Evans encolheu os ombros.

— Disse que a senhorita ia passar o Natal fora, mas não deixei escapar que
não ficaria ninguém em casa. Em todo caso, ele disse que ligaria depois e
ligou mesmo.

— Hoje?

— Bem, pode ter ligado antes. Enquanto seu pai estava doente, deixei o
telefone fora do gancho um ou dois dias. Estava tudo bem no escritório e,
além disso, você sabe como seu pai é quando acha que estão tentando entrar
em contato com ele.

Era uma explicação razoável. Pensando na gravidade da doença do pai, Lani


não pôde censurar a sra. Evans. Mas ficou imaginando quantas vezes Jake
tentara ligar e qual a sua reação ao constante sinal de ocupado.

— E então.. . hoje ele voltou a ligar. O que foi que ele falou? A senhora disse
que eu tinha saído?

— Sim, mas não sei se ele acreditou. Tive a impressão de que achou que era
mentira.

— Mas a senhora não lhe contou que papai esteve doente? — Lani corou com
a expressão de espanto no rosto da empregada. — Ele deve ter pensado que
estou tentando evitá-lo. A senhora não lhe disse nada?

— O que mais poderia dizer? Era a verdade, não era? Há alguma coisa muito
estranha nisso tudo. Por que ele não deixa o nome ou algum recado para a
senhorita entrar em contato?

— Ora. .. isso não importa. Desculpe se perdi a paciência, sra. Evans. Acho
que. .. que estou cansada, é isso.

— E não estamos todos? — A sra. Evans resmungou, voltando para o fogão.

A campainha tocou quando Lani subia as escadas e, sabendo que a empregada


estava às voltas com os pãezinhos de queijo, ela deu meia-volta para
atender. Estava escuro lá fora, por isso acendeu as luzes antes de abrir a
porta.

Jake estava recostado na pilastra como da outra vez e estacionara o


Porsche na frente da casa, bem à vista de todos. De jaqueta e calça preta,
sua figura era indistinta em meio à penumbra daquele fim de tarde.

— Então está em casa. — A acusação implícita naquelas palavras foi


acompanhada por um meio sorriso irônico e, antes que Lani tivesse chance
de responder, Jake deu as costas e foi embora.

CAPITULO IX

— Espere! — Sem pensar duas vezes, Lani foi atrás dele, quase perdendo o
equilíbrio no chão escorregadio. — Jake! Jake, espere, por favor! Não pode
ir embora sem me dizer por que veio!

Ele já abria a porta do carro quando Lani o alcançou. Sua fisionomia


continuou impassível enquanto respondia:

— Vim provar a mim mesmo que estava perdendo meu tempo. Os


telefonemas já mostravam isso, mas quis ter certeza de que não era
nenhuma manobra de seu pai.

— O quê? O que meu pai tem a ver com isso? A sra. Evans acabou de me
contar sobre seus telefonemas. Estive viajando e meu pai ficou doente
quando voltamos.

— Ora, vamos, Lani. Não espera realmente que eu acredite nisso, não é? Não
sabia mesmo que venho tentando entrar em contato com você nas últimas
três semanas?

— Não. — Lani tremia, mas não era de frio. — É verdade. Por que eu
mentiria para você? Desde que voltamos de Antígua, meu pai tem estado de
cama, com pleurisia.

Jake examinou o rosto ansioso de Lani.

— Quer dizer que até esta tarde você não sabia dos meus telefonemas?

— É verdade.

— Esteve em Antígua?

— Passei o Natal lá. Meu pai não tem passado bem desde o início do inverno
e o médico recomendou umas férias em algum lugar quente.

— Então foram para Antígua. Por quê?

— Meu pai escolheu. Acho que ele pensou que mamãe passaria o Natal lá.

— Mas não passou. Lani fixou o olhar nele.

— Você deve saber melhor do que eu.

— Clare passou o Natal na Itália e deve chegar ainda hoje de uma


temporada muito bem sucedida em Milão.

— Hoje! Ah, não! E. . . e você está indo se encontrar com ela?

— Não agora. Sua casa não fica no caminho do aeroporto, sabia? Como já
disse — Jake passou a mão pelos cabelos, nervoso —, vim para ver você.
Droga! Não podemos conversar em outro lugar?

— Agora?

— Sim, agora. Ou tem algum compromisso? Se tiver, é só dizer.

— Oh, Jake! — Lani segurou a mão dele. — Jake. . . — repetiu com a voz
trêmula.

Sem se importar com o fato de estarem à vista de qualquer um, Jake se


inclinou para beijá-la, acariciando-lhe possessivamente a nuca. Os lábios de
Lani se entreabriram involuntariamente, as mãos se insinuando sob a
jaqueta, e todo o frio que sentia derreteu-se diante da sensualidade
daquele beijo.

— Vá pegar seu casaco — sugeriu ele, afastando-se com relutância.

— Meu casaco? — Os sentidos de Lani agitavam-se, como se estivesse


caindo num precipício.

— Pode precisar de um agasalho mais tarde. Não demore. Esperarei no


carro.

— Mas eu. .. meu pai...

— Diga a ele que é uma emergência. E é mesmo. E então? Quer que eu faça
isso por você?

Lani sacudiu a cabeça e entrou em casa, ainda meio tonta. Mesmo assim, viu
a cortina balançar levemente e deduziu, com um peso no coração, que seu pai
tinha visto tudo. Devia ter adivinhado, principalmente sabendo como Roger
era curioso. Só esperava que ele não tivesse identificado o visitante na
escuridão da rua. Não podia enfrentá-lo. Não agora!

Roger St. John estava parado na porta da sala quando Lani entrou.

— Eu. . . eu vou sair um pouco. — Lani teve de reunir toda a coragem para
enfrentar o pai depois do que ele certamente vira. — Não se importa, não é?
Não vou demorar. A sra. Evans já está preparando o chá. Conversaremos
quando eu chegar.

Roger St. John agarrou-se ao batente da porta.


— Vai sair com ele?

— Sim.

— É John Brecon?

— Sim. — Lani corou.

— Pensei que você mal o conhecia.

— Conversaremos sobre ele mais tarde, está bem? Ele está esperando.

— Brecon?

— Por que insiste em repetir esse nome, papai?

— Não é esse o nome dele?

— Sabe que é.

— Sei? Você é uma mentirosa, Lani! Uma mentirosa, está me ouvindo? Minha
própria filha, a única pessoa no mundo em quem pensei que pudesse confiar,
mentiu para mim!

— O que está querendo dizer?

— Aquele homem. .. — Roger apontou para fora. — Aquele homem não é John
Brecon. Esse nome... foi inventado para me enganar, não foi? Sua mentirosa!
Meu Deus! Pensei que a conhecesse. Pensei que nos entendêssemos. E agora
descubro que está de caso com o namoradinho de sua mãe! Céus, ficou
louca? Como pode fazer uma coisa dessas? A paixão mais recente de sua
própria mãe! O parasita com quem ela dorme há seis meses!

Lani estava chocada demais para se defender. Embora nada do que o pai
dizia fosse novidade, aquelas acusações ecoavam em sua cabeça como um
badalar fúnebre, anunciando o fim de suas esperanças. Expresso em
palavras, não parecia haver justificativa para seu comportamento. E muito
menos uma chance para um futuro com Jake.

— Você. . . não entende... — Lani não sabia o que dizer quando sentiu a
presença de outra pessoa, atenta à sua súplica. Virou-se imediatamente e
arregalou os olhos ao deparar com Jake.

— Saia da minha casa! — Roger St. John se inflamou, mas Jake não se
abalou com aquela recepção pouco convencional e falou com Lani num tom
quase casual:

— Você está pronta?

— Não, ela não está! — Roger deu um passo à frente, ofegante com o
esforço que fazia para se controlar, e segurou o braço da filha, enfrentando
Jake com uma expressão ameaçadora no olhar: — Saia da minha casa, está
ouvindo? Lani não vai a lugar algum com você!

— Não acha que a decisão cabe a ela? — A juventude e o porte físico de


Jake faziam dele um adversário temível. — Sinto muito que se sinta assim,
sr. St. John, mas, no que depender de mim, não vamos brigar. Quero apenas
falar com Lani e pretendo fazer isso.

— É esse o nome que dá? Conversar? Vi o que fez com ela agora a pouco e
não me pareceu que estivessem conversando.

— Papai, por favor... — Lani estava preocupada com a saúde dele. — Papai,
vamos para a sala discutir esse assunto como pessoas civilizadas? O sereno
da noite não vai lhe fazer bem. Lembre-se de que acaba de sair da cama!

— Esse sujeito não porá os pés na minha casa! Vá embora! Saia daqui antes
que eu chame a polícia e mande expulsá-lo. Não sei como tem coragem de
aparecer aqui se está vivendo com minha mulher!

As feições de Jake se alteraram, fazendo o coração de Lani disparar.

— Clare não é mais sua esposa, sr. St. John. Mas também não pretendo
discutir meu relacionamento com ela. Por favor, solte o braço de sua filha.
Não pretendo sair daqui sem falar com ela.

Lani estremeceu. Aquelas palavras expressas com tanta cortesia possuíam


um traço inconfundível de ameaça e, apesar da confusão em seus
sentimentos, Lani sabia que não podia deixar que a situação se deteriorasse
ainda mais.

— Por favor, papai. É melhor me deixar ir.

— Com ele?

— Sim, com ele. Estarei bem, acredite. . .

— Era você que estava aqui em casa quando cheguei e os peguei em


flagrante, não era? Não é à toa que saiu às escondidas, Pendragon.
Pendragon! Que raio de nome é esse?

— É o nome do meu pai. E não saí às escondidas. Sua filha...

— Pelo amor de Deus, parem com isso! Os dois! — Lani sentia a corrente de
ar frio entrando pela porta aberta. — Precisa sair dessa correnteza, papai.
Sabe que não está bem e ouviu as recomendações do médico.

— Clare é a culpada de tudo isso — insistiu Roger St. John, ignorando o


pedido da filha. — Corrompendo a própria filha. ..

— Clare não tem nada a ver com isso. — Jake foi categórico. — Lani, você
vem comigo ou não?

Ela não sabia o que fazer, dividida entre o amor pelo pai e o amor pelo
homem por quem Roger St. John se acreditava traído. Anos de convivência e
afeição a ligavam ao pai, mas esse amor marcado pela ternura não se
comparava ao que sentia por Jake. Como escolher entre afeto e fascinação,
ternura e paixão, pai e amante? Não havia escolha. Não importava o que a
mente dissesse, as emoções sempre prevaleceriam.

— Tenho de ir com ele, papai! Por favor, procure entender. Não posso fazer
nada. Eu o amo.

Lani sentiu um aperto no coração quando seu pai se virou, com o rosto
contorcido por causa daquelas palavras, e voltou para a sala, agarrando-se às
paredes como se precisasse de apoio. Foi um momento terrível para ela. Por
que estava fazendo aquilo? Por que estava abandonando o homem que
cuidara dela por todos aqueles anos, em troca de um relacionamento tão
incerto quanto a neblina que começava a cobrir a cidade? Mas bastou olhar
para Jake para ter a resposta a todas as suas dúvidas.

— Vamos? — Jake apenas sugeriu, não fazendo nenhum movimento para


persuadi-la.

— Sim, vamos. — Lani vacilou apenas um instante antes de concordar e o


seguiu com lágrimas nos olhos.

No carro, Jake quebrou o silêncio.

— Aonde você quer ir?

— Qualquer lugar. Podemos... podemos tomar chá.


— Está bem.

— Mas não em seu hotel. Quero dizer, prefiro ir a um café ou coisa


parecida.

— Está bem.

Sem dizer mais nada, Jake deu a partida e saiu. Londres era uma massa
agitada de gente, luzes e tráfego. Era a hora do rush e todos pareciam
ansiosos para chegar em casa o mais rápido possível. Pedestres passavam
inadvertidamente diante dos carros, que por sua vez se espremiam nas ruas,
enquanto os ônibus circulavam sem a menor consideração pela cortesia no
trânsito. Os faróis altos e as buzinas faziam o acompanhamento, não
contribuindo em nada para melhorar a dor de cabeça de Lani.

— Que louco! — Jake se referia a um pedestre que cruzou à frente do


Porsche sem o menor cuidado. Resolveu estacionar na primeira vaga que
encontrou. — É melhor irmos andando daqui. Se não faz objeções, é claro.
Deve haver algum bar por perto.

— Está bem. — Ela pegou o casaco, mas antes que pudesse abrir a porta
Jake segurou-lhe a mão.

— Está bem mesmo? Puxa, Lani, não pensei que seu pai se sentisse assim.

— Não? Como esperava que ele se sentisse?

— Não sei. Clare me disse que o divórcio foi amigável. Como eu ia adivinhar
que seu pai guardava tanta mágoa dela?

— Devia ter imaginado que ele.. . que meu pai não aprovaria nosso.. .
relacionamento.

— Por que não? Por causa de minha ligação com sua mãe? É um arranjo
profissional. Nada mais.

— Como pode dizer isso? Todos sabem que. . . que.. .

— Que o quê? Que sua mãe e eu temos sido vistos juntos com freqüência?
Que tenho acompanhado Clare em diversos compromissos sociais? Que ela
faz questão de que todos pensem que temos um caso porque é bom para sua
imagem?

— Está querendo dizer que.. . que nunca dormiu com minha mãe?
— Estou dizendo que não deve acreditar em tudo que os jornais publicam. —
Jake abriu a porta. — Vamos, então?

Lani saiu com as pernas trêmulas e Jake a ajudou a vestir o casaco. A


negação de tudo que pensava sobre ele deixou-a confusa, sem saber em que
acreditar.

Sabia que devia estar horrível, com os olhos vermelhos e a boca totalmente
sem batom depois do beijo passional de Jake. Parecia injusto ele estar tão
atraente e controlado enquanto suas feições pálidas espelhavam todas as
suas emoções.

Entraram no primeiro café que encontraram. O ambiente estava enfumaçado


e o chá, doce demais, mas Jake parecia bastante à vontade, demonstrando
uma incrível capacidade de adaptação a qualquer meio. Não era difícil
imaginá-lo tanto em alguma boate obscura na Califórnia quanto no palco do
Royal Albert Hall, agradecendo os aplausos com reverências. Aquele era
certamente um dos traços mais atraentes da personalidade dele, e Lani
observou os outros clientes, imaginando quantos acreditariam se contasse
quem era ele na verdade.

— Desculpe se este não é um ambiente dos mais saudáveis, mas acho que
podemos conversar tão bem aqui quanto no salão de chá do Ritz.

— Tem razão. Além do mais, não estou vestida para ir ao Ritz.

— Quer que eu diga que está muito bem para mim? Se está querendo um
elogio. ..

— Não estou. — Lani se indignou.

— Então pare de se preocupar com sua aparência. Ninguém está olhando


para você, além de mim. E sabe como eu quero você. . .

— Jake!

— Quero mesmo. Nós dois sabemos disso. — Jake estendeu o braço e


apertou sua mão gelada. — Não consegui pensar em mais ninguém desde
aquela tarde que passamos juntos.

— Onde. . . onde passou o Natal?

— Onde mais poderia ser? Aqui em Londres. Tentando falar com você.
— Não consigo acreditar. . .

— Por que não? É a verdade. Pergunte à sra. . . como é mesmo o nome dela?

— Evans.

— Sim, Evans. Ela pode confirmar que liguei na véspera do Natal. Foi quando
soube que você estava viajando. Não acreditei nela.

— Isso é loucura!

— Concordo. Não pretendia que isso acontecesse. Como já disse, não queria
me envolver emocionalmente com ninguém agora. Há muita coisa em jogo,
pelas quais sacrifiquei até meu auto-respeito.

— Seu auto-respeito?

— Sim, meu auto-respeito. — Jake segurou-a pelo queixo, forçando-a a


encará-lo. — Pensa que gosto da idéia de ser conhecido como o protegido de
Clare? Acha que gosto de saber que, sem a ajuda de Clare, inclusive
financeira, não teria conseguido chegar onde estou?

— Ela. . . sustenta você?

— Sustentava. Pensei que soubesse. Ela não lhe contou?

— Não.

— Mas você sabia, não? O que Clare contou? De que mentira sou acusado
agora?

Lani hesitou e puxou a mão. Jake não fez nada para segurá-la.

— Ela disse. . . disse que queria que fôssemos amigos porque... porque somos
as duas pessoas de que mais gosta.

— Sei... E isso é suficiente para você me condenar, é claro.

— Não é verdade?

— Que ela gosta de mim?

— Sim. — Os nervos de Lani estavam em frangalhos e uma dor latejante


martelava sua cabeça. — Por que não abre o jogo comigo e confessa que seu
relacionamento com minha mãe não é apenas. . . um arranjo profissional?

— Então diga o que quer que eu fale. Vai mudar alguma coisa se disser que
fui para a cama com sua mãe? Por acaso o desejo que sentimos um pelo outro
vai diminuir se eu admitir que fiz. . . amor com sua mãe?

— Como pode perguntar isso?

— Como é que você pôde? — Jake retrucou com agressividade e Lani


agradeceu pela música que começou a tocar, abafando a voz dele. — Que
droga! Vamos sair daqui antes que eu diga alguma coisa de que me arrependa
mais tarde.

Na rua, a névoa estava densa. Vendo a placa luminosa de um bar do outro


lado da rua, Jake puxou-a para lá.

— Podemos conversar aqui — ele comentou, fazendo-a entrar no bar mal


iluminado e deixando-a sentada numa mesa de canto enquanto ia buscar os
drinques.

Estava escuro, mas Lani ficou satisfeita em poder se manter no anonimato.


Não era um daqueles lugares da moda, freqüentado por jovens e
intelectuais. Era apenas um bar comum, de clientela predominantemente
masculina, que não mostrava nenhum atrativo além de boa cerveja.

— Aconchegante, não acha? — Jake trouxe um martíni para Lani e sentou-se


ao seu lado, abafando qualquer resposta com um beijo ávido.

Eram quase nove horas quando saíram e a essa altura Lani estava tão
embriagada com as palavras doces de Jake que não fez nenhuma objeção a
ir até o hotel dele. As carícias trocadas no ambiente enfumaçado do bar a
tinham deixado tonta, incapaz de negar o desejo que sentiam um pelo outro.

O carro estava frio, mas o motor pegou sem problemas. O trânsito se


tornara bem menos agitado, pois àquela hora eram poucos os pedestres que
corriam o risco de ser atropelados e a escuridão densa obrigava os
motoristas a dirigirem com mais cuidado.

O bar não ficava longe do Gloucester Court Hotel. Em questão de minutos,


Jake estacionava novamente o carro e dava a volta para ajudar Lani a sair.

— Está arrependida? — Jake perguntou num sussurro, sentindo sua mão


trêmula.

— Não, vamos logo. — Lani cruzou os braços sobre o peito, arrepiada de


frio, enquanto esperava Jake fechar o carro. Entraram abraçados no hotel.

— Boa noite, sr. Pendragon! — disse o rapaz da recepção.

— Que noite horrível, hein? — Jake comentou, aparentemente nem um pouco


embaraçado com o olhar curioso do funcionário.

Lani, por sua vez, sentia calafrios na boca do estômago, imaginando o que
passava pela cabeça do rapaz. Talvez achasse que se tratava de uma
acompanhante de luxo, vendo-a entrar no elevador com Jake.

— Pare de se preocupar tanto. — Jake a abraçou acariciando seus lábios


úmidos com o polegar. — As pessoas entram e saem daqui o tempo todo. Sua
reputação continuará intacta, pode acreditar.

Lani se apoiou nele, adorando o contato com aquele corpo viril.

— Você me ama?

— O que você acha? — Jake respondeu sem hesitar, com um beijo.

Só mais tarde Lani se conscientizaria de que sua pergunta não tivera


resposta. A suíte de Jake ficava no oitavo andar e ela saiu do elevador com
a fisionomia mais reveladora do que imaginava.

— Não devia ficar com essa cara — comentou Jake, enquanto tirava as
chaves do bolso. — Pelo menos não antes de fazermos amor.

— Não foi o que fizemos a tarde toda? Jake tomou os lábios de Lani outra
vez.

— Não fizemos amor. Se tivéssemos feito, não teria tanta dificuldade em


abrir esta maldita porta!

Quando finalmente conseguiu abrir a porta, encontraram o quarto


parcialmente iluminado. O carpete em tom creme, com cortinas combinando,
os sofás estofados em tecido aveludado lilás e um piano imponente junto à
janela formavam o ambiente gracioso da sala. Entretanto, o deslumbramento
de Lani foi substituído pelo choque ao ver um par de sandálias de salto alto
jogadas com displicência no meio da sala. — Que diabo. . .

A perplexidade de Jake refletia a de Lani. Ninguém precisava lhes dizer a


quem pertenciam aquelas sandálias, nem quem fazia barulho no
compartimento anexo, que parecia ser o banheiro. Lani sabia que sua mãe
estava lá. Só podia ser. 0 sangue pareceu congelar-lhe nas veias diante de
tanta humilhação.

Mesmo assim, não estava preparada para o que aconteceu a seguir. Clare
apareceu na porta vestindo nada mais que uma camisola de seda, com uma
fenda que revelava suas pernas.

— Querido. . . Querido, que consideração a sua trazer Lani para me ver!

Antes que Lani pudesse responder ou até mesmo compreender


aquela situação, Jake interveio, num tom ríspido.

— O que está fazendo aqui, Clare? Que brincadeira de mau gosto está
tramando agora? Não tem nada a fazer aqui, sabe disso. Não é bem-vinda
aqui. Agora vai se vestir ou prefere ser expulsa daqui assim mesmo?

— Que cena maravilhosa seria, não? — gritou Clare com voz estridente. Lani,
que já presenciara várias cenas parecidas com o pai, não suportaria outra.

— Se. . . se me derem licença... — começou a dizer, quando Jake a segurou


pelo braço e mais uma vez teve de ser testemunha de uma coisa que
considerava ultrajante.

— Você não vai a lugar nenhum, Lani. Pelo amor de Deus, não tire conclusões
precipitadas. Não é nada do que você está pensando.

— Não é? Não é? — Clare estava histérica. — Como acha que ela se sente ao
ver a mãe sendo tratada desse jeito? Pensa que ela não tem vergonha? Não
tem sentimentos? Ouça bem o que ele está dizendo, Lani, ouça! O que acha
de seu futuro padrasto agora?

— Não sou futuro padrasto de ninguém — Jake protestou com veemência. —


Pelo amor de Deus, Clare, recomponha-se. Não sei o que pensa estar
fazendo ou por que está aqui, mas.. .

— Pensei que era óbvio! — Clare tremia visivelmente.

— Vim para ver você, Jake. Para ficarmos juntos! Será possível que já
esqueceu o que significamos um para o outro?

— Clare...

— Mamãe, por favor. . .


Os dois falaram ao mesmo tempo, a raiva de Jake misturando-se à súplica
de Lani. Mas foi para a filha que Clare se virou, com suspeita no olhar.

— Onde estiveram? O que andaram fazendo? Ora, não se dê ao trabalho de


mentir para mim. Não é difícil adivinhar o que está acontecendo. Você é uma
pequena víbora, Lani! Por acaso fez isso de propósito? Sei que sempre teve
ciúmes de mim.

— Não é verdade! — Lani foi categórica e Jake soltou o braço dela para
aproximar-se da outra.

— Pare com isso, Clare! Sabe tão bem quanto eu que não existe nada entre
nós!

— Não? O que você quer dizer é que não existe exclusividade entre nós, não
é? Se um dos dois sentir vontade de... variar a companhia, é só sair por aí e
procurar outra pessoa, não é assim?

— Clare, por favor, vá embora. Vista-se enquanto mando chamar um táxi


para você.

— Puxa, quanta gentileza! E vai me levar para casa também?

— Não. — A resposta de Jake não dava margem a dúvidas, mas, em um


movimento rápido, Clare se pendurou ao pescoço dele com sensualidade
calculada.

— Não?

Lani se virou para não ver aquela provocação patente.

— Vá se vestir, Clare — Jake falou com os dentes cerrados. Lani, de costas,


não viu o que aconteceu, mas Clare provavelmente enfiou a mão no bolso
dele, tirando as chaves do Porsche.

— Então, vou dirigindo até minha casa — anunciou Clare com ar de triunfo. —
Quem sabe se não encontro alguém mais do meu gosto? — E, antes que ele
pudesse impedir, ela saiu sem vacilar.

— Clare!

Lani tentou segurar a mãe, mas ela foi mais rápida e escapou, deixando a
filha e Jake olhando perplexos um para o outro.
— Você tem de ir atrás dela — Lani pediu, desesperada. — Ela não pode sair
daquele jeito na rua. Vai congelar de frio.

— E acha que ela não sabe disso? — Jake respondeu com agressividade, mas
saiu pelo corredor balançando resignadamente a cabeça.

Lani foi atrás, embora não quisesse. Tinha a leve suspeita de que Clare não
iria até o fim com aquela loucura. Era apenas mais um de seus habituais
melodramas, um dos papéis que mais gostava de representar na vida real,
numa tática para chamar a atenção de Jake e destruir tudo o que pudesse
existir entre ele e Lani. Mas o que ela estaria fazendo no hotel? Segundo
Jake, Clare não tinha nada que fazer ali. Um deles estava mentindo. . .
Quem?

Quando Lani chegou ao elevador, as portas se fechavam e teve de correr


para entrar. Clare já tinha descido. As feições de Jake não eram nada
animadoras enquanto desciam e mal dava para acreditar que instantes antes
tinham subido tão felizes por aquele mesmo elevador.

— Agora é uma questão de em quem acreditar, não é? — Jake não tentou


tocar nela e Lani estremeceu quando as portas se abriram.

Não havia sinal de Clare na portaria do hotel e Lani imaginou como a mãe
poderia ter passado por ali sem ser reconhecida. Mas talvez tivesse sido. A
camisola que vestia poderia ser facilmente confundida com um vestido de
gala extravagante. Afinal, estrelas de ópera eram famosas pela
excentricidade. E quem se atreveria a parar Clare Austin a todo vapor?

Lani apressou o passo para alcançar Jake. A névoa era tão densa que mal
dava para distinguir os carros estacionados do outro lado da rua. Mas a
camisola de Clare era bem visível e Lani desanimou ao vê-la entrar no
Porsche. — Ela é louca!

Jake correu para o meio da rua. Clare já dava a partida. Lani colocou as
mãos no rosto, horrorizada, ao ver a mãe engatar a marcha, mas seu grito
de alerta veio tarde demais. Jake parecia não acreditar que ela tivesse
coragem de atropelá-lo, mas estava enganado. Assim que percebeu a
intenção da mãe, Lani correu para o lado de Jake, num impulso desesperado
de protegê-lo. Então só se ouviu o rumor surdo do impacto do carro contra
seus corpos.

CAPITULO X

Lani voltou a si no hospital, com uma dor de cabeça que fazia as outras que
tivera parecerem brincadeira. Colocando a mão na testa, descobriu que
estava enfaixada.

— Que bom que já acordou!

A voz tranqüila da enfermeira alertou-a para o fato de estar numa cama


estreita de hospital, o que a levou ao pânico.

— Jake... — Tentou se apoiar nos cotovelos e o esforço foi tão grande que
empalideceu assustadoramente, voltando a perder os sentidos.

Quando recobrou novamente a consciência, encontrou Sarah sentada ao lado


da cama. Lembrando o que acontecera ao tentar se levantar, Lani se
manteve imóvel, sussurrando:

— Jake... O que aconteceu com Jake?

Sarah deixou de lado o livro em que estava entretida, com uma expressão de
alívio.

— Como se sente? Puxa, Lani, que susto você nos pregou! O que deu em você
para correr para a rua daquele jeito?

Lani tentou mexer a cabeça, mas nem isso podia e contentou-se em apertar
a mão da amiga.

— Fale, Sarah. Quero saber. Onde está Jake? Ele. . . ele está morto?

— Não, é claro que não!

O alívio foi tão grande que esgotou a força que lhe restava e Lani só pôde
dar um suspiro antes de desmaiar outra vez, enquanto Sarah apertava a
campainha para chamar a enfermeira.

Anoitecia quando Lani acordou. A luz fraca de um abajur iluminava o quarto


e ela viu que estava sozinha. A visão de uma garrafa de água sobre a
mesinha-de-cabeceira só fez aguçar sua sede.

— Nem pense em apanhar isso — disse a enfermeira que entrava e Lani


passou a língua pelos lábios secos.

— Estou com sede.. . Posso tomar um pouco de água?

— Claro que sim! — Depois de examinar o quadro médico, a enfermeira


serviu a água. — Aqui está. . . deixe-me ajudar você. Vá com calma. Ainda
está muito longe de ficar bem.

O pequeno gole de água que lhe foi permitido parecia néctar e Lani sorriu,
consciente de que não era capaz de se servir sozinha.

— Obrigada.

— Muito bem. Acho que agora vou pedir uma sopa para você. Que tal?

— Qual. . . qual é o problema comigo? Há quanto tempo estou aqui? Onde...


onde está Jake? Posso vê-lo?

— Ei, uma pergunta de cada vez. — A enfermeira arrumava a cama. — O


médico contará o que você tem. Quanto ao tempo que está aqui... bem,
deixe-me ver. .. quase uma semana, acho.

— Uma semana!

— Acalme-se, srta. St. John. Ficar agitada não vai ajudar a se curar, muito
pelo contrário. Está fazendo progresso, mas não está boa o suficiente.
Agora, fique quietinha aí que vou buscar a sopa.

— Jake! Sr. Pendragon! — Lani cerrou os punhos e implorou por informações.


— Por favor. . por favor, tem de me contar onde ele está. Está neste
hospital? Preciso saber!

— Se está falando daquele homem que foi trazido com você para cá, não.
Infelizmente ele não está mais aqui.

— Não? Quer dizer.. . quer dizer. ..

— Quero dizer que ele foi transferido para o St. Augustine, um hospital
ortopédico. Decidiram que ele precisava dos cuidados de um especialista e o
dr. Holland é o melhor.
— Ortopedia? O que. . . o que é isso? Sei que deveria saber, mas...

— Isso é normal. Sua cabeça está confusa. A ortopedia é o ramo da


medicina que trata dos ossos e músculos...

— Dando uma palestra à nossa paciente, enfermeira Moray? — O comentário


da enfermeira-chefe não era totalmente amigável. — Ah. .. vejo que está
acordada, srta. St. John. Como está se sentindo? Sente dor?

— Só sinto a cabeça latejar. .. A enfermeira. .. Moray estava me falando


sobre o hospital para onde. . . onde levaram o sr. Pendragon. Queria saber...
e gostaria de vê-lo.

— Sei... — a enfermeira-chefe lançou um olhar hostil à outra. — Sugiro que


vá procurar o dr. Connors, enfermeira Moray. Peça a ele que faça o favor de
vir até aqui para examinar a nossa paciente.

— Sim, senhora.

A enfermeira Moray saiu sem demora e Lani encarou a outra com certa dose
de indignação.

— Quanto tempo tenho de ficar aqui? Parece que estou aqui há uma semana
já. Posso mandar um recado para o meu pai? Quer dizer a ele que já voltei a
mim?

— Tudo a seu tempo, srta. St. John. — A enfermeira McAllister, esse era o
nome no crachá, examinou o quadro médico. — Está com fome? Que tal uma
sopa?

— Por que não? — Lani começava a sentir cansaço outra vez. Fazer todas
aquelas perguntas fora desgastante, principalmente porque as respostas não
eram satisfatórias, e esperou com ansiedade pelo médico.

Ele era mais jovem do que se podia imaginar. Tinha uns 40 anos, cabelos
castanhos rebeldes e olhos azuis translúcidos, que transmitiam confiança.

— Devia ter adivinhado que acordaria de madrugada — o médico comentou,


sorrindo. — Não sabe que nós, médicos trabalhadores, também precisamos
dormir um pouco?

— Sinto muito. — Lani conseguiu dar um sorriso débil.

— Bem, por ser você, não ficarei bravo. E então? Está se sentindo bem?
Sabe, você nos deixou preocupados por um bom tempo.

— Por quê? O. . . que aconteceu?

— Não se lembra do que aconteceu? — O dr. Connors a observava com


atenção.

— Lembro. . . lembro de um carro... — foi tudo o que Lani conseguiu dizer.

— Bem, você tem uma leve fratura no crânio. Nada com que se preocupar.
Vai cicatrizar sem nenhum problema.

— É só?

— Claro! Não acha que é o suficiente? — O médico riu, mas desta vez Lani
ficou séria. — Você sofreu uma ou outra contusão mais grave e sentirá
dificuldade em se mexer por enquanto, mas logo se recuperará. É jovem e
teve muita sorte. — Ele se virou para dar instruções à enfermeira, mas Lani
o interrompeu.

— Por favor. . . E minha mãe? Ela estava dirigindo o carro... Ela está bem?

Médico e enfermeira trocaram olhares e então o dr. Connors sorriu.

— Claro, ela está bem. Agora, precisa comer alguma coisa. Deve estar
morrendo de fome.

Lani fechou os olhos por um instante antes de abri-los de novo.

— O sr. Pendragon. . . Quero saber sobre o sr. Pendragon. Os ferimentos


dele... são graves? Quando poderei vê-lo?

Outra troca de olhares significativos e o médico observou a paciente com ar


de seriedade.

— O sr. Pendragon vai ficar bem. Não há nada com que se preocupar.
Concentre-se apenas em sua recuperação. Depois conversaremos sobre o dia
em que poderá vê-lo.

Lani se impacientou.

— Por que não me contam a verdade? Por que insistem em dar respostas
evasivas? Será que não percebem? Preciso saber a verdade! Se não querem
me contar, então chamem meu pai aqui. Ele me contará tudo.

— Não posso fazer isso, srta. St. John — o dr. Connors retrucou. — Olhe,
não é bom se descontrolar assim. Sabe que não deve ficar nervosa.

— Então pare de me deixar nervosa. Jake está vivo? Ou essa história de


transferência para outro hospital é só conversa?

— É claro que ele está vivo, srta. St. John! Não lhe mentiria sobre isso. Ele
foi transferido para outro hospital porque seus ferimentos não podiam ser
tratados adequadamente aqui. Além do mais, o dr. Holland trabalha no St.
Augustine, um dos hospitais mais bem equipados da cidade.

— O carro. . . passou por cima dele?

— Não sei dizer. Minha querida, foi um acidente terrível. E acho que tanto
você quanto sua mãe não deviam pensar mais nisso.

— Um acidente?!

— Um acidente, claro! Ninguém em plena consciência pensaria outra coisa.

A confusão na cabeça de Lani era grande. Um acidente, pois sim! Que


acidente, que nada! Tinha sido uma tentativa propositada de matar Jake.
Não havia como pensar de outra forma.

Alguma coisa no olhar ou na fisionomia de Lani revelou ao médico que não


aceitava aquela hipótese. Talvez fosse o modo como se agarrava às cobertas
ou a palidez assustadora de seu rosto. Qualquer que fosse o motivo, o
médico decidiu que aquele estado seria prejudicial à paciente e aplicou-lhe
um sedativo, fazendo suas ansiedades dissolverem-se num sono forçado. ..

Lani acordou com os raios de sol se infiltrando pelas frestas da persiana.


Para seu alívio, já não estava com tanta dor de cabeça como na noite
anterior e sentia fome pela primeira vez desde o acidente.

O acidente! A lembrança incômoda a fez agitar-se na cama, atraindo a


atenção da enfermeira sentada ali ao lado.

— Finalmente! Estávamos começando a achar que não queria acordar. Agora,


relaxe, srta. St. John. Vou chamar a enfermeira Henson.

Consciente de que não fazia sentido afligir-se à toa, Lani esperou


obedientemente pela enfermeira Henson, que a examinou e mandou buscar o
almoço.

— Almoço? — Lani se espantou.


— É mais de uma hora, srta. St. John. — A primeira enfermeira sorriu. —
Temos ainda de arrumá-la antes que as visitas comecem a chegar.

Era mais fácil seguir as instruções da enfermeira Moray do que protestar.


Além disso, a idéia de receber visitas animou Lani, que estava ansiosa para
ver o pai. Na verdade, tinha estranhado não encontrá-lo ali quando voltara a
si pela primeira vez. Provavelmente, Roger viera enquanto ela estava
inconsciente. Afinal, devia se lembrar de que seu pai era um homem doente
e imaginava o susto dele ao receber a notícia de que a filha estava no
hospital. Não via a hora de falar com ele, certa de que teria informações
mais concretas sobre Jake Pendragon.

Pediu um espelho à enfermeira e se assustou com o que viu. As bochechas


estavam encovadas, as olheiras profundas e a linha do maxilar saliente. O
rosto estava tão pálido que se confundia com a cor da atadura na testa.

— Estou horrível! Oh, céus, será que a senhora tem maquilagem para me
emprestar?

— A esposa de seu primo trouxe suas coisas quando veio visitá-la. — A


enfermeira tirou uma pequena mala do armário. — Mas não se desespere.
Está muito bem, a meu ver. Dê graças a Deus por não terem raspado sua
cabeça. Aí, sim, teria do que reclamar.

Quando a enfermeira Moray anunciou a chegada das primeiras visitas, Lani


já tinha melhorado de aparência. Pelo menos não estava tão pálida e se
acomodou da melhor maneira possível contra os travesseiros.

— Relaxe — a enfermeira procurou tranqüilizá-la antes de sair. — Ninguém


espera que esteja deslumbrante, acredite. Estão aliviados por estar
consciente.

Lani concordou com a cabeça. Sabia que a moça tinha razão. Além do mais,
era tolice preocupar-se com a aparência quando Jake podia estar lutando
pela vida em outro hospital. Tentou acalmar os nervos enquanto ouvia passos
no corredor.

Mas não foi o pai que abriu a porta, e sim Robin e Sarah, que entraram no
quarto carregando um enorme buquê de rosas e cravos. Embora Lani ficasse
feliz em vê-los, não conseguiu disfarçar a ansiedade ao olhar por trás deles,
na esperança de ver outra pessoa.

— Querida! — Sarah beijou a amiga e suas lágrimas de emoção a deixaram


ainda mais ansiosa. Onde estava seu pai? Por que não tinha vindo? Só
esperava que aquele acidente não tivesse conseqüências mais sérias.

— Robin! — Lani estendeu a mão em desespero. — Robin, onde está papai?

— Não se aflija, minha querida. Tio Roger não pôde vir, só isso. Ele... não
está muito bem. Nada grave... A gripe piorou. Lembra-se de que ele teve
pleurisia, não lembra? Pois, então, parece que virou pneumonia e ele está de
cama há quatro dias.

— Oh, não... — Lani sacudia a cabeça, irrequieta. — Sabia que isso ia


acontecer! Sabia! Mas ele não me ouviu e insistiu em ficar na correnteza de
ar. Avisei. . .

— Sim, bem. . . acho que foi isso mesmo que aconteceu. — Robin trocou um
olhar significativo com a esposa. — Seja como for, ele está se recuperando
pouco a pouco e ficará mais tranqüilo quando souber que você está tão bem.

— Estou mesmo?

— É claro que está, meu amor! — Sarah confirmou, puxando uma cadeira
para mais perto da cama. — Não imagina como ficamos preocupados. Você
ficou muito tempo inconsciente.

— Mas isso já passou. — Robin enxugou uma lágrima da face da prima. — É


bom vê-la acordada. Não tem muita graça visitar alguém que só ronca
durante toda a visita.

— Fiz isso?

— Claro que não, Lani! — Sarah apressou-se em negar. — Não é você que
ronca. É ele. Parece um porco! Nem imagina como é. Às vezes penso em
gravar para ele mesmo ouvir o barulho que faz.

— Você não ousaria! — brincou Robin. — Sabe que posso me vingar gravando
um daqueles seus telefonemas intermináveis para tocar durante o café da
manhã. Acho que não ia gostar disso, não é, meu bem?

— Seu chantagista! — Sarah fez careta.

— Fofoqueira! — Robin respondeu à altura e todos, inclusive Lani, caíram na


risada.

— Sabe quando vai sair daqui? — Sarah quis saber.

— Robin vai falar com o médico quando sairmos, mas talvez lhe tenham dito
qualquer coisa.

— Não. Vocês. . . vocês sabem o que aconteceu?

— Acho melhor não pensarmos mais nesse acidente — Robin sugeriu.

— Por que não?

— Porque. . . porque você não deve ficar nervosa.

— Ficarei mais nervosa se não falarmos no assunto. Por favor, Robin, sabe o
que aconteceu?

— Alguma coisa. Tia Clare atropelou vocês dois, não?

— Então vocês sabem? — Lani estremeceu.

— Claro que sabemos! Foi manchete de jornal. . .

— Fique quieta, sim, Sarah. Realmente apareceu nos jornais, Lani. Mas isso
era inevitável. Tudo que Clare Austin faz vira notícia e, quando atropela seu
mais recente namorado e a filha, é impossível manter segredo. Deve estar
sendo difícil manter os jornalistas longe do hospital. Você é um alvo e tanto,
Lani!

Lani não sabia o que dizer e, encolhendo os ombros, Robin continuou:

— Diga-me, querida, como foi que tudo aconteceu? Segundo os jornais, Clare
pisou o acelerador em vez dos freios. Esse tipo de engano é muito comum,
principalmente quando não se está acostumado com o carro. Mas por que
vocês correram para o meio da rua, praticamente se atirando na frente do
carro?

— Foi isso que Clare disse? — Lani olhava para o teto.

— Que pisou no acelerador pensando que era o breque?

— Foi.

— E. . . Jake? Como ele está? Robin hesitou.

— Ele não está aqui.


— Sei disso. Me disseram que ele foi levado para o St. Augustine, um
hospital ortopédico. Sabe por quê?

— Deve ter sido por causa da natureza dos ferimentos dele.

— E quais foram os ferimentos dele? Tenho de saber, Robin!

— Também não sei, Lani. Por que não pergunta à sua mãe? Clare deve
aparecer por aqui mais tarde.

— Não quero vê-la. — Lani foi categórica e Robin lançou outro olhar
significativo para a esposa.

— Ora, deixe de bobagem, Lani. Desta vez, Sarah interrompeu o marido.

— Ela não é obrigada a falar com a mãe, se não quiser. E por que não conta
de uma vez o que aconteceu a Jake Pendragon? Ela vai saber, mais cedo ou
mais tarde.

— Sarah! — Robin ficou furioso, mas Lani ouvira demais para contentar-se
com o silêncio.

— Conte-me, Robin.

— Que inferno! — Sem alternativa, Robin acabou falando. — Dizem que Jake
sofreu alguns cortes e contusões, além de ossos quebrados. Ele foi trazido
para o Royal Memorial como você, mas decidiram que precisaria de
tratamento mais específico.

— Quem decidiu?

— Parece que foi sua mão — Sarah revelou. — E Jake não quebrou apenas
alguns ossos. Correm boatos de que... as mãos foram esmagadas.

— Está melhor?

Embora estivesse com a visão ainda um pouco turva,

Lani percebeu que a enfermeira Moray segurava dois vasos, com as flores do
buquê que Robin e Sarah trouxeram.

— Vou colocar estes vasos no corredor. Não estão lindas? Veja que cores
maravilhosas!

Lani não respondeu e, quando a enfermeira voltou ao quarto, encontrou-a no


mesmo estado de prostração.
— Assim não dá. Concordo que sua prima não devia ter dado a notícia sobre
o sr. Pendragon tão bruscamente, mas ficar transtornada desse jeito não vai
ajudá-lo em nada, vai?

Lani apenas encolheu os ombros e, animada com o próprio discurso, a


enfermeira continuou:

— Recusar-se a receber sua mãe também não foi uma atitude sensata, não
é? Ela tem vindo ao hospital todos os dias, sem falta. Está preocupada com
você. Como pôde fazer essa maldade com sua própria mãe?

— Ela só veio porque é o que todos esperavam que fizesse. Imagine o que os
jornais diriam se Clare não demonstrasse interesse pela minha recuperação.
Principalmente sendo responsável por tudo!

— Srta. St. John, isso não é jeito de falar!

A reação da enfermeira fez Lani pensar na capacidade de sua mãe de atrair


simpatia. Ele havia atropelado Jake de propósito, e nada apagaria da mente
de Lani a expressão no rosto de Clare enquanto acelerava o carro. Não
houvera troca acidental dos pedais. Naquele momento, Clare queria matar
Jake e, se a filha escolhera se envolver, azar o dela.

— Oh, Jake... — sussurrou, sentindo o desespero da impotência.

Vendo as lágrimas escorrendo pelas faces da paciente, a enfermeira saiu do


quarto em silêncio.

Dois dias depois, Lani estava fora da cama, sentada numa poltrona perto da
janela, quando recebeu uma Visita inesperada.

— Miles!

— Lani! — Ele a abraçou, visivelmente emocionado. — Puxa, estava tão


preocupado! Quando Rob me contou que você estava bem, decidi vir vê-la.
Espero que não se importe.

— Me importar? Por que deveria?

Na verdade, ela precisava de um pouco de distração. Não tinha conseguido


mais nenhuma informação sobre Jake e a ansiedade estava atrapalhando sua
recuperação. Queria vê-lo e dizer-lhe que nunca deixaria de amá-lo não
importava o que acontecesse.
— Você está tão magra! — Miles balançou a cabeça com ar de desaprovação.
— A comida daqui não é boa? E por que está usando essa atadura? Pensei
que a fratura fosse interna.

— E é. Isto é só para cobrir um corte que recebeu alguns pontos. Quero


dizer, os pontos já foram tirados, mas ainda está muito feio.

— Nada em você é feio. — Miles tirou uma caixa de bombons do bolso do


casaco. — Um presente para você. Imaginei que já teria muitas flores e
parece que acertei. Isto aqui mais parece uma estufa.

Lani percorreu o olhar pelo quarto sem o menor interesse.

— Pedi que pusessem os vasos no corredor ou levassem para a enfermaria,


mas eram muitos. A maior parte veio de Clare. Preferia não ter recebido
nada.

Miles puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dela.

— Você acha que sua mãe é culpada, não é? Não a censuro por isso. Aquela
mulher é uma doida varrida. Imagine dirigir um carro sem saber a diferença
entre o acelerador e o breque!

— Prefiro não falar sobre esse assunto.

— Não, é claro. O que importa é que saiu quase ilesa, em comparação ao


pobre do Pendragon. Dizem que ele nunca mais voltará a tocar piano. A
cirurgia moderna faz verdadeiros milagres, mas não é fácil restaurar um
talento como o dele.

Ela soltou um murmúrio involuntário e Miles se arrependeu por ter falado


demais.

— Ei, Lani! O que foi? Ora, vamos! Não foi sua culpa, amor. Como acha que
sua mãe está se sentindo? Afinal, foi ela que o descobriu!

Lani só fez virar o rosto e Miles apertou-lhe a mão, sugerindo:

— Ouça, vamos conversar sobre outra coisa, está bem? Deve estar cansada
de ouvir falar em Jake Pendragon.

— Não! — Ela se obrigou a encarar Miles. — Não, você não entende. . . Quero
saber mais sobre Jake. Por favor. . . desculpe se estou agindo como uma
boba.
— Você está muito sensível ainda a tudo que aconteceu, só isso. Sei como
deve estar sendo difícil, ainda mais com seu pai doente.

— Papai. . . Oh, sim... — Para seu espanto, Lani constatou que tinha pensado
pouco no pai, desde que soubera sobre Jake. — Quero escrever para ele
agora que me sinto bem melhor. Tenho certeza de que ele vai gostar.

— É verdade — Miles confirmou secamente. — Embora se deva dizer que o


seu caso é muito mais grave que o dele. Vocês têm mantido contato?

— Você não gosta do meu pai, não é?

— É ele que não gosta de mim. Seja como for, estou feliz em vê-la tão bem.
É uma pena que a bruxinha Matilda fique fora de ação por algum tempo.

— Matilda... — Lani deu um leve sorriso antes de voltar a pensar na causa


principal de suas preocupações. — Fale mais sobre... Jake. Quem disse que
ele não poderá mais voltar a tocar?

— Foi noticiado pela televisão. — Miles não parecia muito interessado em


continuar com aquele assunto. — Quando poderá ir para casa? Os médicos já
chegaram a um veredicto?

— No fim da semana, acho. — Lani, por sua vez, não tinha a menor vontade
de falar de si. — E Jake? Ainda está no hospital? Minha mãe foi visitá-lo?

— Como vou saber? Lani, por que esse interesse todo por Jake Pendragon?
Ele é problema de sua mãe, não seu. Só porque estava junto quando
aconteceu. . .

— Os jornais noticiaram a razão de eu estar lá? Miles franziu as


sobrancelhas, contrariado.

— Pelo que entendi, você estava jantando no hotel com Pedragon e sua mãe,
que depois se ofereceu para levá-la em casa. Não foi isso que aconteceu?

— Foi isso que Clare disse?

— Sim, foi. Lani, por que está fazendo tantas perguntas? Não se lembra do
que aconteceu?

— Lembro, sim. — Seu tom de voz revelava toda a sua angústia e não quis
tocar mais naquele assunto. Não via por que envolver Miles num assunto
estritamente pessoal. Sua única salvação era Jake.
Para alívio de Miles, o resto da conversa girou em torno de outros assuntos,
como a época em que Lani retomaria o trabalho.

— Se houver alguma coisa que eu possa fazer, é só dizer — Miles se


ofereceu.

— Não há nada, obrigada. Robin e Sarah têm sido maravilhosos. Sugeriram


que eu passe alguns dias com eles assim que sair do hospital, mas prefiro ir
para casa. Quero mostrar a papai que estou inteira.

— Tem certeza de que ficará bem lá? Quero dizer, uma fratura no crânio é
algo muito sério.

— Eu sei. — Lani sorriu. — Mas tive sorte. O osso não chegou a quebrar e
não houve nenhuma hemorragia interna. O dr. Connors disse que é porque
tenho a cabeça dura.

— Mesmo assim, todo o cuidado é pouco.

— Não se preocupe, tomarei cuidado. Só não pretendo ficar mais tempo


aqui.

Ela recebeu alta no fim da semana e saiu pelos fundos do hospital. Um grupo
de repórteres fazia plantão na recepção e, desconfiando que Clare
aproveitaria o momento para tentar uma reconciliação, Lani quis evitar
publicidade. Além do mais, não estava totalmente recuperada e o breve
percurso de carro foi o suficiente para deixá-la exausta.

A sra. Evans esperava na porta e Lani entrou, mal conseguindo disfarçar a


ansiedade.

— Seu pai está lá. — A empregada apontou para a sala.

Lani encontrou-o sentado diante da lareira e correu para beijá-lo, sentindo a


respiração dele se alterar. Quando se afastou para examiná-lo melhor, viu
que ele também tinha emagrecido.

— Oh, papai! — Lani começou a chorar e o pai segurou-a pelo queixo.

— É tão bom ver você, minha filha! Parece que faz muito tempo. .. Pode me
perdoar?
CAPITULO XI

— Perdoar? — Lani enxugou as lágrimas e sentou-se ao lado dele. — Ora,


papai, não tenho que perdoar nada. Não foi culpa sua. Clare devia estar fora
de si para atropelar Jake de propósito. Nunca a perdoarei. Nunca!

— Não tem visto Clare?

— Não, não nos vimos desde. . . desde o que aconteceu. Ela foi ao hospital,
como deve saber. Mas eu não quis recebê-la e o médico achou melhor não me
contrariar.

— Mas naquela noite. . .

— A noite em que tudo aconteceu? — Lani entrelaçou as mãos, tentando


controlar o nervosismo. — Sim, nós nos vimos naquela noite, mas não tivemos
tempo para conversar.

— O que aconteceu?

— Quando? Depois que Jake e eu saímos daqui? — As lembranças eram


dolorosas. — Sei que ficou furioso, mas estava enganado sobre Jake. Ele. . .
bem. . . ele não tinha um caso com... com mamãe.

— Acredita mesmo nisso? — Roger deu um sorriso irônico. — Lani, entendo


que esteja apaixonada por esse sujeito, mas não podemos fingir que é um
santo. Clare. . . Todos sabem que Clare sustentou esse pianista por quase um
ano!

— Sei disso. — Lani fechou os olhos por um instante. — Mas isso não quer
dizer. . . Enfim — suspirou, reconhecendo que era uma batalha perdida —
isso é coisa do passado. Ele me ama, papai, e. .. eu o amo. Vou vê-lo assim
que puder.

A fisionomia de Roger se alterou.

— Não está falando sério!

— Estou, sim. Papai, você não o conhece. Jake é orgulhoso, mas honesto. Ele
não liga para os boatos, só vive para a música.

— Não mais. Não soube que ele machucou as mãos no acidente? Parece que
não poderá mais tocar piano.

— Não!

— Foi a melhor coisa que poderia acontecer. . . para você.

— O que quer dizer com isso?

— É que. . . bem, Clare jamais se associaria a um fracassado.

A sra. Evans entrou com uma bandeja de chá, interrompendo a conversa.


Lani, ainda confusa com o que seu pai dissera, olhou ansiosamente à sua
volta.

— Onde está Robin?

— Ele já foi — respondeu a sra. Evans. — Achou que a senhorita teria muito
que conversar com seu pai e disse que ligaria mais tarde.

— Nem lhe agradeci.

— Tenho certeza de que ele compreendeu — a sra. Evans procurou


tranqüilizá-la. — Agora, comam esses sanduíches. Voltarei num minuto com
os bolinhos.

Lani comeu pouco e, assim que terminou, pediu licença para sair.

— Não vai se encontrar com ele esta noite, não é? — Roger parecia
angustiado.

— Não, esta noite, não. Estou exausta e, se não se importa, vou dormir cedo.
Foi um longo dia.

— É claro, vá.

Roger se levantou como se fosse acompanhá-la, mas Lani não quis.

— Estou bem, papai. Posso subir sozinha.

No quarto, ela recostou a testa febril na vidraça gelada da janela. Daria


tudo para saber como estava Jake. Imaginava seu desespero ao ver a
carreira por um fio e sabia que a tristeza que sentia nem se comparava ao
sofrimento dele.
As palavras de seu pai ainda ecoavam em sua cabeça. Por mais cruéis que
fossem, tinham um fundo de verdade. Sem a habilidade para tocar, sem o
talento brilhante exibido no concerto, Jake não significaria nada para Clare.
E Lani também não via perspectivas de um futuro fácil com ele.

Pela manhã, Lani estava mais otimista. O importante era Jake estar vivo.
Tentou disfarçar a palidez do rosto com maquilagem, pois a última coisa que
queria era preocupá-lo. Jake precisava da força dela, além da sua própria,
para se recuperar.

Quando desceu, o pai ainda dormia e a sra. Evans recebeu-a com ar


reprovador.

— Ia levar o café para você na cama. Sabe que precisa de muito descanso e,
no entanto, são oito horas e já está de pé.

— Não estou cansada e só quero café com torradas, sra. Evans. Não tenho
muita fome também.

— Foi o que notei ontem, durante o chá. Nenhum dos dois conseguiu comer
um sanduíche inteiro e eu não precisava ter me dado ao trabalho de fritar
os bolinhos.

— Desculpe. Acho que foi a excitação de voltar para casa. Estava ansiosa
para ver meu pai. Coitado, ele envelheceu muito nesses últimos dias. Estou
preocupada.

— Todos nós estamos. Confesso que fiquei surpresa por ele não ir vê-la no
hospital, quando poderia ter ido. Seu primo Robin se ofereceu para levá-lo.

— É mesmo ? — Lani tentou não ficar magoada. — Enfim, ele provavelmente


não quis colocar sua recuperação outra vez em risco.

— Pode ser... — A sra. Evans não parecia muito convencida. — Se quer saber
minha opinião, nada disso teria acontecido se ele fosse mais sensato.

— Seja como for, o pior já passou. Ele está bem melhor, graças a Deus.

— Você é uma boa menina, Lani. Tomara que esse homem seja digno de você.

— A senhora sabe sobre Jake?

— Só poderia saber. Seu pai não falou em outra coisa desde.. . desde o que
aconteceu.
Lani pegou a xícara que a sra. Evans lhe estendia.

— Papai deve ter dito que não aprova, não é?

— Acho que seu pai não está em condições de fazer objeção a coisa alguma.
Agora, procure se acalmar. Não quer ter uma recaída, quer?

O Hospital Ortopédico St. Augustine ficava em Finsbury, não muito longe da


Old Street. Lani pensou em ir de metrô, mas a impaciência e a consciência
de sua fraqueza a convenceram a ir de táxi.

Estava se arrumando quando seu pai entrou no quarto, não escondendo a


desaprovação pelo que a filha pretendia fazer. Mas Lani estava surda a
qualquer súplica. Não adiantava ele dizer que era uma boba em continuar
com aquilo ou insinuar que, se Jake ficasse aleijado, só teria a ganhar longe
dele. Lani adorava o pai, mas amava Jake, e não trocaria por nada o prazer
de estar com ele.

O táxi deixou-a na porta do hospital. Era uma manhã fria, apesar do sol
brilhante. Lani já estava cansada quando chegou à recepção.

— Gostaria de ver o sr. Pendragon. Meu nome é Lani St. John. Ele. . . me
conhece.

O rapaz da recepção trocou algumas palavras com uma enfermeira numa


salinha ao lado e voltou a falar com Lani.

— A senhorita é filha de Clare Austin, não é?

— Sim, mas não estou aqui por causa dela. Por favor, será que pode se
apressar? Não estou me sentindo muito bem.

A enfermeira, que ouvia em silêncio, se aproximou.

— Sinto muito, mas o sr. Pendragon não quer receber visitas. Ele foi
categórico quanto a isso. Não posso ir contra a vontade dele sem permissão
do médico.

— Quem é o médico?

— O dr. Holland.

Lani lembrou-se de ter ouvido aquele nome antes.

— Posso falar com ele, então? Por favor. Sei que não marquei hora, mas é
muito importante.

— Infelizmente o dr. Holland não está no hospital hoje, srta. St. John. E
também não dará consultas até segunda. A menos que seja uma emergência,
é claro.

Lani quis dizer que era uma emergência, que precisava ver Jake naquele
instante, mas sabia que seria inútil. Um cirurgião tão ocupado certamente
não mudaria seus planos por razões sentimentais.

— Segunda-feira...

— Posso lhe marcar uma consulta para segunda de manhã. Tenho certeza de
que, devido às circunstâncias, o dr. Holland a receberá.

— Obrigada, mas tem certeza de que o sr. Pendragon não quer me receber?
Quero dizer, será que não poderia pelo menos perguntar? Agradeceria
muito se fizesse isso.

A enfermeira hesitou.

— Isso é muito irregular, srta. St. John. Tenho de seguir as ordens do dr.
Holland.

— Mas não disse que era Jake que não queria receber visitas? Por favor, não
poderia tentar?

Lani percebeu que a mulher recusaria e colocou a mão na cabeça, sentindo


tontura. Não foi um gesto calculado para atrair simpatia, nem para chamar a
atenção sobre sua condição, mas sua palidez e expressão de cansaço não
passaram despercebidas aos olhos experientes da enfermeira, que acabou
cedendo.

— Venha, sente-se aqui. — E levou-a até uma fileira de cadeiras. — Farei


uma sondagem, mas não posso prometer nada.

— Obrigada — disse Lani, comovida.

A enfermeira pareceu levar uma eternidade para voltar e sua fisionomia


revelava que não trazia boas notícias.

— Sinto muito, mas o sr. Pendragon não quer vê-la. Bem que lhe avisei que
ele não queria visitas, não foi? Infelizmente perdeu a viagem.
— Por que ele não quis me ver? É compreensível que não queira ver Clare,
mas por que não a mim? Por quê?

— Acho que não deve se afligir tanto, srta. St. John. É comum os pacientes
que sofreram um choque traumático se isolarem por algum tempo. É uma
reação normal. Assim que ele se acostumar com a situação. . .

— Que situação? — Lani ficou de pé. — Então é verdade que suas mãos
foram esmagadas no acidente? Ele não poderá mais tocar piano?

— Não posso fazer um diagnóstico desses, srta. St. John. — O olhar da


enfermeira era de simpatia. — Ouça, vamos até minha sala tomar um chá.
Aposto como gostará de alguns momentos de privacidade antes de sair.

Temos tido muitos problemas com repórteres, mas ultimamente parece que
desistiram.

Lani abanou a cabeça. A tensão emocional esgotara a pouca força que lhe
restava.

— Acho melhor chamar um táxi. Preciso ir para casa senão meu pai ficará
preocupado.

No táxi, ela foi incapaz de se controlar. Sua fraqueza era responsável pelas
lágrimas que não paravam de lhe rolar pelas faces, mas era acima de tudo a
sensação de impotência que mais a desesperava. 0 que podia fazer se Jake
não queria vê-la? Como contar o que sentia se não podia falar com ele? Será
que ele a culpava pelo que acontecera? Pelo acesso de loucura de Clare? Era
só o que faltava, levar toda a culpa por aquela situação!

Lani olhava pela janela do táxi, mas não via nada. Se pudesse ao menos falar
com Jake e ter certeza de que ele não a odiava. . . Talvez não quisesse ver
ninguém por causa dos ferimentos, ou podia ser que Clare já o tivesse
envenenado contra ela.

Havia um carro estacionado diante da casa número 11 da Pelham Court, o que


deixou Lani imediatamente apreensiva. Não reconheceu o carro preto e
luxuoso, mas a insígnias na capota lhe deram a primeira pista. Pertencia a
alguém que fazia questão de exibir a riqueza e só conhecia uma pessoa que
se enquadrava nessa descrição.

Como ela ousava aparecer? Onde arrumava coragem para ir até lá, perturbar
seu pai e atrapalhar suas vidas? Será que já não havia feito o suficiente?
Não tinha vergonha? Pelo visto, não sentia nenhum remorso por ferir as
duas pessoas de que dizia mais gostar. Era difícil que fosse tão insensível a
ponto de achar que podia agir como se tudo o que inventara fosse verdade.

Lani tremia enquanto tirava o casaco e ia para a sala. Ouvindo o murmúrio de


vozes, sua raiva aumentou. Esqueceu da tontura e fraqueza que sentira no
táxi, armando-se de uma falsa aparência de força para defender o pai.

Entretanto, a cena que viu ao entrar era bem diferente da que imaginara.
Para começar, não esperava ver seus pais sentados frente a frente, dando
toda impressão de cordialidade. Também não esperava ver a mãe servir o
chá com uma gentileza que não lhe era costumeira. Quando Clare se virou
para a porta, sua fisionomia não revelava nada além de expectativa, mas Lani
passou direi o por ela e foi ao encontro do pai, esperando uma explicação.

Você está gelada, minha filha — Roger comentou, indicando-lhe a poltrona


perto do fogo, e Lani ficou imóvel de tão perplexa que estava.

— Sim, Lani, sente-se — Clare falou, observando a filha com frieza. —


Pedirei à sra. Evans que traga outra xícara. Você está com cara de quem...

- Não se incomode! — Lani falou ríspida e olhou para o pai, espantada. — O


que está havendo aqui? Por que. . . por que ela está aqui? Você a convidou?
Sabia que ela vinha?

— Lani... — Roger começou a falar, meio sem graça, apenas para ser
interrompido pela ex-mulher.

- Ele sabia que eu viria, embora não soubesse quando. Afinal, depois que
você se recusou a me ver no hospital, tive de tomar uma atitude, não é?

— Não vejo por que. . .

— Não? — Vendo que a filha não ia mesmo sentar, Clare ficou em pé. — Será
que é tão irracional querer saber como minha filha está se recuperando? Por
Deus, não tive intenção de ferir você. Deve saber disso.

- Só queria ferir Jake, não é? — Lani lembrou com cinismo.

— Não quis ferir ninguém! Só queria ir embora. . . sozinha. Foi você quem me
feriu, Lani, como deve saber. E fiquei desesperada! Não pode tentar
entender meus sentimentos? Jake. . . Jake e eu éramos tão. . . íntimos!

— Você atropelou Jake de propósito. Vi muito bem, Clare. Pode conseguir


enganar a imprensa com aquela história de confundir o acelerador com os
freios, mas não a mim. Você pretendia passar por cima dele. Estava escrito
em seu rosto. Parecia até querer matá-lo! Em vez disso, arruinou a vida dele.
Seria bem feito se ele a processasse e tirasse todo o seu dinheiro!

— Você o viu? — Clare não parecia nem um pouco abalada. — Jake lhe disse
que pretende fazer isso? Ou confessou que não pretende abrir processo
nenhum contra mim porque, ao contrário de suas acusações malucas, ele não
me culpa por nada?

— Isso não é verdade!

— Como sabe? Falou com ele?

— Eu. . . bem. . . não.

— Está vendo? Você não sabe de nada. Jake jamais me processará. Ele me
deve muito.

— Não acredito em você. Ele não lhe deve nada. Ele me ama e... nós vamos
nos casar.

Clare deu uma gargalhada sarcástica, muito pior que qualquer demonstração
de raiva.

— Casar! Ora, vamos, Lani! Jake pode ter sentido alguma atração por você,
mas casamento não está nos planos dele. . . com nenhuma de nós duas.

— Mas você disse. . .

— O que foi que eu disse? — Clare era a dona da situação agora. — Que
íamos nos casar?

— Elwyn Hughes disse. .. estava nos jornais.

— Elwyn Hughes é um fofoqueiro. Você já devia saber que não se pode


acreditar em tudo que sai nos jornais, Lani. Agora que esse assunto está
resolvido, podemos recomeçar nossa conversa como pessoas civilizadas?
Roger, peça à sra. Evans para trazer café fresco. Esse já deve ter esfriado.

— Não quero café.


Lani estava à beira do desespero e virou-se para o pai. Precisava do apoio
dele naquele momento para mostrar a Clare como eram unidos. Ele sabia que
aquilo que Jake sentia por ela não era apenas um caso passageiro. Como
sempre, Clare só acreditava no que queria.

Mas Lani logo percebeu que havia alguma coisa errada. Roger esfregava as
mãos ansiosamente e seu olhar não era nada tranqüilizador.

— Lani, acho que deveria ouvir a sua mãe. Sabe que ela se importa com você.

— Não!

— É claro que se importa! Lani, não estamos falando sobre o acidente agora,
mas sim sobre seu futuro.

— Como assim? — Ela olhou para o pai sem compreender e ele virou-se para
a ex-esposa.

— O que seu pai está tentando dizer, Lani, é que você não deveria voltar a
se encontrar com Jake Pendragon.

— Não. . .

— Sim. É para o seu próprio bem. Não sei o que leu ou ouviu, mas posso lhe
dizer que Jake será um inválido para o resto da vida.

— Oh, não!

— Oh, sim! Os ferimentos dele foram mais sérios do que se pensou a


princípio. Pode ser que ele não volte mais a andar, e quanto às mãos. . .

— Pare! — Lani colocou as mãos nos ouvidos e sacudiu a cabeça de um lado


para outro, mas isso não afetou Clare.

— Sei que é difícil de aceitar, Lani, mas é a verdade. Como acha que me
sinto? Não sei se terei coragem de encará-lo. Ele está sob os cuidados dos
melhores médicos e terá tratamento de primeira, mas saber que sou
indiretamente responsável...

— Indiretamente? — Lani ficou perplexa.

— Sim, indiretamente. Não acredita realmente que planejei isso tudo para...

— Sim, acredito. — Lani ignorou a tentativa do pai para detê-la e encarou a


mãe com desprezo. — É exatamente isso que desejou, não é? Você o
comprou, mas quando nos viu juntos percebeu que isso significava muito
pouco. Você o atropelou de propósito. Nada vai me convencer do contrário.
E, se pensa que pode destruir o que sentimos um pelo outro com essa
história de que Jake vai ficar inválido, então não sabe nada sobre o amor!

— Sua pequena idiota! — Clare falou com desdém. — Não sei por que vim
aqui. Não deveria me importar se você decide estragar sua vida se
dedicando a um homem que nunca será capaz de corresponder aos seus
nobres sentimentos. Como sua mãe, achei que era meu dever avisá-la, tentar
fazê-la entender que é melhor esquecê-lo. Vejo que me enganei. Acha que
Jake ficará grato se você decidir sacrificar sua vida por ele, não é? Pois
fique sabendo que não vai. Ele não lhe agradecerá por complicar a vida dele
e, toda vez que olhar para você, vai se lembrar de tudo que perdeu!

— Como você é mesquinha. ..

— Não, Lani. Sou apenas prática. Sabia que é igualzinha a seu pai? Acha que
encontrou uma grande causa, não é? Uma coisa que dará sentido a sua vida.
Mas lembre-se de que a piedade não pode substituir a paixão!

— Saia daqui! — Lani cambaleou de fraqueza, mas Clare ainda tinha uma
coisa a dizer.

— Por acaso, seu pai contou o que disse na noite em que foi ao meu
apartamento? Confessou que me implorou para voltarmos? Você ficou
surpresa ao me ver aqui, mas, por seu pai, tudo seria perdoado e eu estaria
morando nesta casa há muito tempo.

Lani voltou os olhos atordoados para o pai.

— Na noite... em que ele foi ao seu.. . apartamento ? Que noite? O que ela
está querendo dizer?

— Então Roger não lhe contou? — Clare parecia incrédula.

— Do que ela está falando, papai? O que significa tudo isso? Não me disse
que foi vê-la. Quando foi? Você esteve doente...

— Foi na noite do acidente. Voltei mais cedo que o previsto de Milão, por
causa do nevoeiro, senão ele não teria me encontrado em casa quando
telefonou.
— Oh, não... — Lani murmurou, a ponto de chorar.

— Oh, sim! — Clare parecia exultar com aquele momento de triunfo. —


Francamente, Roger, que fingido você é! Por que não contou a Lani como me
provocou dizendo que meu... amante... tinha me trocado por minha própria
filha? Por que não contou como tentou usar essa informação para seu
próprio benefício? Afinal, foi você quem me levou ao desespero para
proteger meu investimento!

CAPÍTULO XII

— Tem certeza de que quer ir para casa? — Sarah ficou preocupada com a
palidez da prima.

— Quero, sim. — Lani se curvou para dar um beijo nos gêmeos. — Já é hora
de ir. Não posso ficar aqui indefinidamente. Além do mais, Jake deve sair
logo do hospital.

— Ninguém sabe. É só um palpite seu. Faz apenas seis semanas desde o


acidente, não é?

— É. Puxa, seis semanas! Pareceram uma eternidade.

— E como sabe se ele vai querer ver você? — insistiu Sarah. — Perdi a conta
de quantas vezes ligou para aquele hospital, recebendo sempre a mesma
resposta.

— Será diferente quando ele sair. Em todo caso, tentarei. Agora que Clare
foi para Los Angeles, estou mais otimista.

— Lani, você não tem certeza se sua mãe o visitava. Só sabe o que ela lhe
disse, mas Clare tem uma certa tendência a. . . a exagerar, você sabe.

— Mas tenho de fazer alguma coisa. Sarah, precisamos esclarecer as coisas


entre nós. Você e Robin foram muito bons comigo, mas agora tenho de andar
com meus próprios pés.

— Está pronta? — Robin apareceu naquele instante, depois de tirar o carro


da garagem, e as duas moças se despediram com um beijo.

— Estou pronta. — Lani apanhou a bolsa.

— Gostaria de conhecê-lo um dia — comentou Sarah enquanto os


acompanhava.

— Vocês serão os primeiros — prometeu ela, antes de entrar no carro de


Robin.

Fazia quatro semanas que não via o pai e, à medida que se aproximavam de
casa, Lani ficava mais tensa. Não estava ansiosa para revê-lo, em vista do
modo como se separaram, mas tinha morado toda a vida em Pelham Court e
não conseguia se imaginar vivendo sozinha.

— Você poderia ter continuado lá em casa — Robin comentou, como se


adivinhasse os pensamentos dela.

— Sarah disse a mesma coisa. Vocês dois são realmente maravilhosos! Não
sei o que faria sem sua ajuda.

— Sabe que será sempre bem-vinda em casa. Os gêmeos adoram você e


Sarah bem que aproveita da sua boa vontade.

— Gosto de ajudar. Além do mais, não tenho feito nada ultimamente.

— Não tem trabalhado, não é? Talvez por estar em Chalfont. . .

— Não. Não tenho conseguido me concentrar em nada desde.. . bem, desde


que tudo isso aconteceu.

— Não acha que. . . isto é, o ferimento na cabeça não...

— Acho que não. O problema é outro. Se. . . ou melhor, quando puder ver
Jake, tudo será diferente.

— E se ele continuar se recusando a ver você?

— Não vai. Não deixarei que faça isso.

Para alívio de Lani, o pai não estava em casa quando chegou. A sra. Evans
recebeu-a com entusiasmo e Robin foi embora em seguida.

— Tenho certeza de que, se seu pai soubesse de sua volta, não teria ido
trabalhar hoje — comentou a empregada enquanto subiam com a bagagem. —
Quer ajuda para desfazer a mala?
— Preciso dar uns telefonemas antes, sra. Evans. Arrumarei tudo mais
tarde. Agora gostaria mesmo de uma boa xícara de chá.

Aproveitando que a empregada estava ocupada na cozinha, preparando o


chá, Lani foi ao escritório para telefonar. Ligou primeiro para o hospital.
Fazia três dias que não tinha notícias de Jake e esperava que ele
continuasse a fazer progressos.

Não fora fácil esconder sua ansiedade de Robin e Sarah, que a


consideravam uma boba por ligar tantas vezes ao hospital. Na verdade, Lani
via aqueles telefonemas como um elo de ligação com Jake. Mesmo sabendo
que ele os ignorava, preferia iludir-se pensando que Jake se importava.

— O sr. Pendragon saiu do hospital há alguns dias — foi a informação


inesperada que Lani recebeu.

— Saiu? Não entendo. . . Ele terminou o tratamento?

— Um momento, por favor. — A moça foi averiguar e voltou à linha com a


informação de que o sr. Pendragon tinha deixado o hospital na terça. —
Sinto muito, mas é tudo que podemos informar.

— Obrigada — Lani respondeu mecanicamente, deixando o fone escorregar


pelos dedos. Jake tinha saído do hospital no dia da partida de Clare para Los
Angeles! Ainda olhava estarrecida para o telefone quando a sra. Evans
entrou.

— Aqui está o chá. Agora, o que vai querer para o almoço? — Só então a
empregada notou a palidez de Lani. — O que aconteceu? Foi a sra. St. John
de novo? Essa mulher só causa encrenca!

— O nome dela é "srta." Austin. — Lani fez um esforço para se recompor. —


E ela foi para Los Angeles há três dias.

— Graças a Deus, nos livramos dessa. Então qual é o problema?

— É Jake. Jake Pendragon. Sabe quem é. Ele. . . ele deixou o hospital e não
sei para onde foi.

— Sei. . . — A sra. Evans cruzou os braços. — E a senhorita deve estar


achando que ele foi com sua mãe.

— Não! — Lani negou, embora a idéia tivesse passado por sua cabeça.
— Então por que está tão carrancuda? Já tentou ligar para o hotel do sr.
Pendragon? O Gloucester Court, não é?

— Como todo o mundo sabe — Lani ironizou. — Não, não tentei ligar para lá.
Acha que devo?

— Por que não? Se quer saber onde ele está. . . Mas soube pelo seu pai que
ele não quis vê-la.

— É verdade. Ele não quis. Mas não vou me conformar com isso. Tenho de
ver Jake, sra. Evans! Preciso.

A empregada encolheu os ombros e Lani pegou a lista telefônica para


procurar o número do hotel.

— Aqui está. — Enquanto ela discava, a sra. Evans saiu.

— O sr. Pendragon deixou o hotel há um mês — informaram na recepção. —


Não deixou endereço.

O chá quente ajudou a acalmar Lani. Não havia por que entrar em pânico nem
se desesperar. O fato é que Jake sumira. E se não tivesse nenhuma pista do
paradeiro dele? Alguém devia saber onde ele estava. Mas quem?

Não era impossível Jake ter ido com Clare, mas não acreditava nisso. Como
ele poderia ter ido? Certamente ainda precisava de tratamento médico.
Talvez tivesse ido para outro hospital. Mas onde? Onde?

À tarde, Lani passou por cima do orgulho e ligou para alguns amigos de sua
mãe. Pelo tom de suas vozes, teve a nítida impressão de que o nome de Jake
era agora um tabu no círculo de amizades de Clare. Em todo o caso, ninguém,
nem mesmo Maggie Pringle, a secretária de Clare, pôde dar alguma
informação. Quando conseguiu localizar Elwyn Hughes, Lani não tinha mais
nenhuma esperança.

— Lani! Que bom você me ligar. É uma pena que vou partir para Nova York de
manhã. Poderíamos ter marcado um almoço para um dia desses.

— Sabe se Jake foi para Los Angeles com minha mãe, sr. Hughes? Tentei
falar com ele no hospital, mas disseram que saiu no dia da viagem de Clare.

Houve um breve silêncio. Lani já esperava receber outra resposta evasiva


quando Elwyn finalmente falou:
— Se ele não disse para onde ia, Lani, talvez não quisesse que você soubesse.

— Então ele foi mesmo com Clare?

— Não disse isso. Lani, por que resolveu me procurar por isso? Deve saber
que não estou nada satisfeito por você ter arruinado a vida de sua mãe.

— Arruinado a vida dela! Como pode ser tão. . . insensível? Sabe tão bem
quanto eu que Clare se saiu bem dessa. Ela poderia ser presa por negligência
no volante e até mesmo por tentativa de homicídio!

— Ora, vamos, Lani, não comece com essas acusações histéricas. Confesso
que estou falando de um ponto de vista pessoal. Sabe que sua mãe significa
muito para mim, e vocês, quero dizer, você e Jake, poderiam ter destruído a
carreira dela.

— E Jake? Como fica a carreira dele?

— Foi um acidente lastimável. Ninguém, ninguém mesmo, desejaria que uma


coisa dessas acontecesse. Mas isso não muda o fato de o jovem pianista
dever muito a Clare.

— Realmente, Jake deve muito a Clare. Os ferimentos, o trauma, o fato de


nunca mais poder tocar piano outra vez... — Incapaz de continuar, Lani
desligou o telefone e chorou. Será que ninguém via Jake como vítima naquela
história? Eram tão cegos. . . ou preconceituosos a ponto de não enxergarem
a verdade?

Quando o telefone tocou, Lani se assustou. Levantou a cabeça e enxugou os


olhos. Respirando fundo, atendeu e quase desligou ao reconhecer a voz de
Elwyn.

— Não desligue, por favor. Quero pedir desculpas por ter sido tão
grosseiro. Enfim, saiba que não guardo nenhum ressentimento. Ligo para
você quando voltar dos Estados Unidos. Gostaria realmente de tentar me
reconciliar com você.

— Ora, esqueça isso, sr. Hughes. Acho que não poderia esperar outra coisa.
Já me disse uma vez o que sentia por minha mãe. Devia saber que não me
ajudaria.

— Lani, gostaria de ajudar, mas não posso. . . Está bem, Jake não foi para
Los Angeles, se é que isso ajuda em alguma coisa. Como ele poderia? Ainda
está sob tratamento. Com certeza foi para casa tratar da recuperação. Se
não me engano, uma vez ouvi qualquer coisa sobre a Cornualha.

— Cornualha? Cornualha! É claro! — Lani vibrou, imaginando como não


pensara naquilo antes. A sra. Worth! A avó dele! Era óbvio que Jake tinha
ido para lá. Era a casa dele. Agora lembrava-se de que ele fora uma vez para
lá, voltando mais cedo do que se esperava.

— Pelo visto, isso significa alguma coisa para você.

— Sim. . . Obrigada, sr. Hughes. Não sei como lhe agradecer.

— Boa sorte, Lani. Acho que vai precisar. Se encontrar Jake, dê lembranças
minhas. Foi realmente um pianista de talento.

Quando o pai chegou, a mala que Lani tinha levado para a casa de Robin
estava novamente embaixo, apenas acrescida de alguns itens. Era fim de
março, mas ainda poderia estar frio na parte oeste do país, e Lani incluiu um
casaco de couro e uma jaqueta de pele de carneiro na bagagem.

Estava na sala quando o pai chegou e obviamente reparou na mala.

— Lani! Oh, Lani! — Roger abraçou-a e beijou-a calorosamente. — Que bom


que está de volta! Minha querida, não sabe como isso me deixa feliz.

— Não vou ficar. — Lani sentiu uma pontada de remorso ante o espanto do
pai.

— Não vai ficar? Quer dizer. . . pretende voltar para a casa de Robin?

— Não.

— Então não estou entendendo. Lani, não pretende me deixar sozinho, não
é?

— Vou para a Cornualha, papai. Para Mount's Bay. Lembra-se de que


estivemos lá, não lembra? É onde mora a sra. Worth.

— Sim, lembro de Mount's Bay. Mas por que vai para lá? Quer ficar sozinha
por uns tempos?

— Não. .. Na verdade, espero ver o neto da sra. Worth.

— O neto da sra. Worth? — Roger não entendeu nada. — Pelo amor de Deus,
Lani, que história é essa? O que a sra. Worth tem a ver com você?

— Você não o reconheceu, não é? O rapaz que nos recebeu quando estivemos
lá. Lembra-se dele?

— Vagamente. Lembro-me de um rapaz, sim, mas nem falamos com ele. Lani,
o que isso tem. . .

— Falei com ele. Aliás, passei a manhã com ele. O nome dele é Jake
Pendragon.

— Não!

— Sim. Jake é neto da sra. Worth.

— Por que nunca me contou?

— Como poderia? Nunca me deu oportunidade. Roger pôs a mão na cabeça.

— Está dizendo que. . . que Pendragon está na casa da avó?

— Tudo indica que sim.

— Ele não estava no hospital?

— Estava. Saiu no começo da semana.

— Continuo sem entender.. .

— Entenderá. — Lani pegou a bolsa, enquanto o pai a observava com


desânimo.

— Não pode estar falando sério. . . Não pretende viajar para lá esta noite,
não é?

— Pretendo partir ainda hoje, sim. Só não sei até onde posso chegar. Isso
dependerá da minha disposição.

— Mas, Lani, você acabou de voltar! Não podemos conversar mais? Passar
algum tempo juntos? Não quer nem ouvir o que tenho a dizer?

— Acho que já disse o suficiente, papai. — A frieza de Lani foi decisiva no


processo de deterioração dos laços formados desde a infância.

Lani passou a noite em Exeter. Tomou a rodovia M44 a oeste, passando para
a M5 em Bristol, em direção ao sul. As estradas estavam com pouco
movimento, o que lhe deu chance para pensar.
Passou a noite num hotel à beira da estrada, acordando bem cedo no dia
seguinte para retomar a viagem. O fato de ter dormido pouco começou a
afetá-la no meio da manhã, mas continuou firme e chegou a Helston antes do
meio-dia. Sabia que devia parar e comer alguma coisa entretanto, a
ansiedade de chegar ao destino e descobrir se Jake estava realmente lá
superou tudo, até a fome e o bom senso. Depois de reabastecer o tanque,
voltou à estrada.

Levou quase uma hora para achar Tremorna Point. Na vez em que estivera lá
com o pai, não tinha prestado atenção no caminho e o fato de terem partido
de Penzance fez uma grande diferença. Finalmente, avistou as pequenas
torres da casa que procurava. Suas mãos tremiam ao diminuir a marcha para
passar pelo portão.

Dentro do carro, não dava para avaliar a intensidade do vento, e Lani foi
apanhada de surpresa, quase perdendo o equilíbrio quando saiu. Embora o dia
estivesse mais ensolarado que da outra vez, ainda fazia muito frio e ela
vestiu o casaco de couro.

Sua cabeça latejava quando chegou na varanda, e uma onda de desânimo a


assaltou ao encontrar as janelas fechadas. Devia haver alguém em casa. A
impressão de abandono era a mesma de quando viera com o pai. Era melhor
não tirar conclusões precipitadas.

Apertou a campainha e enfiou depressa as mãos geladas nos bolsos. O vento


despenteava seus cabelos e ela ergueu a gola do casaco para se proteger do
frio.

Para seu alívio, ouviu passos. Uma mulher de meia-idade, toda vestida de
preto, abriu a porta. Não era a sra. Worth, é claro talvez fosse a
empregada.

— Eu. . . gostaria de falar com o sr. Pendragon. Ele... ele está?

— O sr. Pendragon? Quer falar com o sr. Pendragon?

— Sim. — Lani tentou se controlar, mas a ansiedade e a dor de cabeça


acabaram rapidamente com sua paciência. — Ele está, não está?

— Quem é, Hannah?

A voz ríspida que Lani não esperava ouvir nunca mais ecoou do alto da
escada. Olhando para cima, ela viu a figura magra da sra. Worth. De
camisola e com um xale sobre os ombros, não mudara nada desde a última
vez.

— É uma moça que veio visitar o sr. Jake, dona Amélia — Hannah respondeu,
dando as primeiras esperanças a Lani. — Devo deixar entrar? Está muito
frio aqui fora.

— Por que essa moça quer ver Jake? — O tom autoritário da sra. Worth era
pouco animador, mas Lani viera de muito longe para ser dissuadida pela
rudeza daquela mulher.

— Quero falar com ele, sra. Worth. Meu nome é Lani St. John. Vim de
Londres e se pudesse avisá-lo de que estou aqui. . .

— St. John? St. John? — A senhora espiou da sacada.

— Conheço alguém com o nome de St. John. De Londres. Meu advogado,


Roger St. John. Foi ele quem a mandou aqui?

— Não, sra. Worth. — Seu controle estava por um fio.

— Já disse que vim falar com seu neto. Poderia, por favor. ..

— Ele não está aqui. — Isso foi dito com convicção, mas Lani não acreditou.
Não podia ser verdade. Jake tinha de estar ali! Aquela mulher estava
mentindo. Só podia estar.

— Tem certeza? Por favor, é muito importante que eu fale com ele. Não
pode me dizer onde ele está?

— Por que deveria? Jake Pendragon não significa nada para mim. Agora
feche a porta, sim, Hannah? Está frio.

— Sra. Worth. ..

— Não posso ajudá-la.

A mulher desapareceu da sacada e Hannah pareceu constrangida ao fechar


a porta.

— Sinto muito, senhorita.

Mesmo inconformada, Lani se virava quando Hannah hesitou, olhando sobre o


ombro para a escada, antes de sussurrar:
— Ele nunca morou aqui, sabe? Ele não lhe contou? Tinha. . . outros arranjos.
Entende o que quero dizer?

— A Casa do Mar?

— Não sei. — Hannah pareceu achar que tinha dito o suficiente e fechou a
porta, mas Lani estava satisfeita com o pouco que ouvira.

Com a pulsação acelerada, correu para a beira do rochedo. A trilha


continuava lá, estreita e parcialmente coberta pela vegetação, mas
acessível. Com todo o cuidado, sabendo que um passo em falso poria tudo a
perder, desceu em direção à pequena casa varrida pelos ventos. Tudo lhe
parecia familiar, o que era de se espantar depois de tantos anos. Só que
desta vez não havia música para guiá-la, nenhum acorde de uma sonata de
Chopin para deliciar seus ouvidos. Nada além do som da batalha travada
entre o mar e o vento.

Lani nem pensava na possibilidade de Jake não estar lá, recusando-se a


encarar o fato de que um homem nas condições dele dificilmente conseguiria
descer por aquela trilha sinuosa. Jake tinha de estar ali! Subiu os degraus
da varanda e bateu na porta com determinação.

Ninguém respondeu, mas no fundo ela não esperava realmente que alguém
atendesse. Era loucura pensar em encontrar Jake ali. Assim, chegava a
outro beco sem saída, outra tentativa frustrada. Olhou com súbita fraqueza
para a encosta íngreme que acabara de descer. Não poderia subir.
Simplesmente não teria forças.

Indo contra o vento, caminhou pela varanda à procura de algum lugar onde
pudesse sentar e descansar. Nisso, notou uma janela aberta. Espiou como da
outra vez e viu que a sala continuava a mesma. A lareira estava acesa e havia
um homem deitado no sofá. Jake! Lani abriu a boca de espanto e ficou
imóvel por um momento, até que ele virou a cabeça e enxergou-a. Lani
recuou instintivamente, chocada ao ver Jake e subitamente consciente de
que não tinha coragem para enfrentá-lo. Uma coisa era achar, em Londres,
que tudo se acertaria, caso tivesse chance de vê-lo e falar com ele outra,
bem diferente, era enfrentar um homem inválido. Por isso ele não tinha
atendido à porta. Não podia. Provavelmente fora carregado até ali, talvez
numa maca, e sem dúvida alguém havia sido contratado para cuidar dele.
Mas, naquele momento, Jake devia estar sozinho.

Lani foi até a porta, resistindo à tentação de fugir. Se alguns momentos


atrás era incapaz sequer de se mexer, agora andava a passos seguros,
combatendo o medo de ser rejeitada. A esperança era uma coisa curiosa.
Durante semanas, acreditara que mais cedo ou mais tarde Jake mudaria de
idéia, sem admitir outra possibilidade. Agora, face a face com a realidade,
com Jake do outro lado da parede, sua fé parecia desintegrar-se.

Estendia a mão quando a porta se abriu subitamente, assustando-a. Jake


estava parado diante dela com um olhar inamistoso, dando-lhe a sensação de
já ter visto aquela cena, de ter vivido aquela situação antes. Talvez as
únicas diferenças em relação àquela manhã, há tantos anos, fossem as
muletas seguras por mãos enfaixadas e a cicatriz na testa.

— Bem?

Essa única palavra trouxe de volta o medo que Lani sentia desde o momento
em que espiara pela janela. O tom era cruel e ela lutou para manter o
controle.

— O. . .oi. . . Jake. Como. . . vai?

— O que você quer, Lani?

Aquela recepção fria comprovava que ele pretendia continuar a evitá-la, e


Lani sentiu as defesas ruírem. Não devia ter vindo. Devia ter entendido que
a recusa dele em vê-la significava que tudo entre eles estava acabado. Como
pudera ser tão convencida a ponto de achar que seria vitoriosa onde
ninguém tivera sucesso? Jake não a amava. Nunca a amara. Fora apenas um
caso passageiro, como Clare dissera. Agora ele só queria esquecê-la.

— Eu. . . eu. . .

Lani não pôde continuar. O desapontamento, somado à dor de cabeça e ao


fato de não ter comido praticamente nada o dia todo, foi demais para seu
organismo. Subitamente foi como se raios de luz explodissem diante de seus
olhos, turvando-lhe a visão. Ainda tentou segurar-se na parede, mas estava
fora de seu alcance...
CAPITULO XIII

Quando Lani abriu os olhos, viu que estava deitada em um sofá. Por um
momento, não se lembrou de onde se encontrava e olhou perplexa para as
toras de madeira queimando na lareira. O esforço que fez para pensar
trouxe a incômoda dor de cabeça de volta. Ao virar-se de lado no sofá,
deparou com um par de botas e recuperou a memória num instante.

— O que. . . o que aconteceu?

— Você desmaiou — Jake respondeu secamente, sentado na beira de uma


poltrona, com um copo de água na mão. — Aqui. Tome isto. — Havia duas
cápsulas na palma da mão enfaixada. — Não lhe farão mal e garanto sua
eficiência contra a dor.

Lani sentou-se no sofá.

— Como sabe que estou com dor?

— Você murmurou qualquer coisa sobre uma dor de cabeça antes de


desmaiar aos meus pés. Está com uma aparência horrível. Tem certeza de
que já podia viajar?

Lani tomou as cápsulas obedientemente e devolveu o copo com cuidado para


não machucar Jake, cujos lábios se curvaram num meio sorriso diante dessa
tentativa evidente de ser discreta. Antes que ele a mandasse embora, Lani
começou a falar:

— Pensei. .. quero dizer... espero não estar incomodando. Como me trouxe


para cá? Não sou muito leve.

— Também não é tão pesada assim.

O olhar de Jake percorreu o corpo de Lani. Mesmo com o casaco, dava para
perceber que ela perdera muito peso.

— Mas você. . . Cia. . . quero dizer... — Era difícil achar as palavras certas. —
Já consegue andar por aí?

— Como vê. .. — Apontou para as muletas ao seu lado. — Assim que as mãos
estiverem mais fortes, poderei me arranjar com uma bengala e com o tempo
espero não precisar de nenhum apoio.

— Pensei que... — Lani não teve coragem de continuar.

— Pensou o quê? Que ia me encontrar paralítico, preso a uma cadeira de


rodas? Sabe como as pessoas exageram, principalmente se o caso dá um bom
assunto para os jornais.

— Não sabia que podia andar. Aliás, não sabia nada sobre você. Nem me
deixou vê-lo.. .

— Não queria visitas. — Jake pegou as muletas e ficou de pé. — Agora, se


está melhor, sugiro que saia. O vento está ficando mais forte e não quero
ser responsável por uma queda sua dos rochedos.

— Pelo menos me diga como você está. Como está se arranjando? Quem
cuida de você?

— Ninguém. Não preciso que cuidem de mim. Não sou tão inválido como
acaba de sugerir.

— Mas não é possível que suba e desça por essa encosta toda vez que
precisa...

— Não — Jake a interrompeu. — Hannah me traz tudo que preciso.

— Ah. . . — Lani sentia a dor de cabeça passar. — Mas não devia continuar
com a terapia? Isto é, me disseram que você deixou o hospital. Como vai
fazer para trocar as ataduras, por exemplo?

— Darei um jeito.

— Mesmo assim...

— Pelo amor de Deus, Lani! — Jake perdeu a paciência e seu olhar era hostil.
— Por que veio, afinal? Pensei ter deixado meus sentimentos bem claros.
Não quis vê-la em Londres, como não quero agora. Como pôde pensar o
contrário? O que esperava? Que recebesse a causa da minha desgraça de
braços abertos? Sabe muito pouco sobre a natureza humana!

— Você. . . você está. .. me culpando?

— Por que não? Sabia desde o começo que não podia me dar ao luxo de um
envolvimento emocional e devia ter pulado fora quando ainda estava em
tempo.

As palavras de Jake eram tão injustas que, por um momento, Lani esqueceu
dos ferimentos dele e da dor que devia estar sentindo. Tudo o que via eram
aqueles olhos cheios de indiferença e, sem pensar duas vezes, forçou a
passagem por ele e correu para a porta. Tinha ouvido o suficiente e não
agüentaria mais nada. Clare estava certa. Jake não a queria e continuar ali
seria apenas prolongar o sofrimento.

Lani não percebeu de imediato que a brusquidão de seu gesto derrubara


Jake. Primeiro ouviu o barulho das muletas caindo no chão, seguido do baque
surdo de um corpo. Virando-se, viu o que tinha feito. Esquecendo a raiva,
correu para o lado dele e ajoelhou-se para erguer-lhe a cabeça.

— Jake! Oh, Jake, meu querido! Você está bem? Desculpe, perdão. Por
favor, por favor, diga que não se machucou.

— Estou bem.

A voz de Jake era curiosamente tensa e seus rostos estavam tão próximos
que ela podia ver o palpitar de uma veia naquela têmpora. A respiração de
Jake era irregular e o olhar de Lani, suplicante.

— Droga, Lani! — E, com mais força do que se podia imaginar que tivesse, ele
a puxou para o chão, deitando-se sobre ela. — Droga! — repetiu, os olhos
ardentes de emoção, e sua boca cobriu a dela, fazendo-a perder a noção de
tudo.

O peso dele aprisionava o corpo de Lani contra o chão, mas a posição não era
nem um pouco desconfortável. Ela correspondeu ao beijo e passou-lhe os
braços pelo pescoço, acariciando-lhe a nuca. Por um minuto inteiro, Jake
envolveu-a num abraço sufocante, as mãos enfaixadas deslizando por seu
pescoço e a boca ávida procurando e encontrando um desejo recíproco. Lani
entreabriu os lábios, sentindo e provando-o, querendo ser possuída.

Então, quando não havia como negar a excitação dos dois, Jake rolou para o
lado. Atrapalhando-se com as muletas, levantou-se meio cambaleante, mas
logo recuperou o aspecto frio. Por alguns instantes, ficou parado, ofegante,
e Lani pôs-se de joelhos. Apesar do que tinha acontecido, a raiva de Jake
era visível.

— Levante-se — ele ordenou, enquanto caminhava até a porta.— Quero que


saia já daqui! E não volte mais.

Ela hesitou antes de ficar em pé, mas não o seguiu até a porta. Em vez disso,
tirou o casaco, jogou-o no sofá e foi esquentar as mãos no fogo da lareira.

De costas para ele, não viu sua expressão contrariada diante daquela
teimosia, mas a raiva contida na voz era inconfundível.

— Que diabo pensa que está fazendo?

— Vou ficar. — Lani reuniu toda coragem para desafia-lo e a reação dele não
poderia ser outra.

— Uma ova que vai! Saia já daqui. Neste minuto. Pelo amor de Deus, suma da
minha frente ou sou capaz de quebrar esse seu lindo pescocinho!

— Não. — Lani se manteve firme. — Não pode me obrigar, Quero ficar.

— Mas não quero que fique. Está louca? Não pode ficar contra a minha
vontade. Lani, por favor, pare com essa bobagem.

— Não é bobagem. Precisa de alguém para cuidar de você...

— Não...

— . . . e quero fazer isso. Me importo com você, Jake. Eu... eu te amo, sabe
disso, e você me ama.. .

— Não! Eu não te amo, Lani. Pensei ter deixado isso bem claro. Está
equivocada. Nunca existiu amor entre nós. Quis você, sim. Desejei seu
corpo, mas foi só isso. Nunca disse que te amo, disse?

Lani estremeceu, tentada a desistir e ir para casa, mas o instinto


convenceu-a a continuar.

— Não importa. Está bem. Então você não me ama, mas ainda me quer. . .

— Está dizendo isso por causa do que aconteceu agora? Por minha reação
perfeitamente natural ao corpo de uma mulher? Ora, Lani, esses ferimentos
não significam que estou impotente. Ainda sou normal nesse sentido. Faz
tempo que não sinto a maciez de um corpo de mulher e não posso negar meu
sexo!
— Vou ficar — Lani teimou.

— O que quer dizer com isso? Onde pensa que vai ficar?

— Aqui. Deve haver quartos nesta casa. Não se preocupe. Posso cuidar de
mim.

— Isso é loucura!

Jake sentou no braço da poltrona mais próxima. Evidentemente a fraqueza


levava a melhor sobre a irritação e rugas de tensão marcavam suas feições.
Mesmo assim, continuava a encará-la com ressentimento e Lani sabia o
quanto lhe custava aquela teimosia.

— Então pretende ficar com ou sem a minha permissão? O que a faz pensar
que deixarei?

— Como pode me impedir? — Essas palavras foram tão cruéis quanto as


dele, antes, e Lani se arrependeu ao ver a dor estampada naquele rosto
bonito.

— Suponho que esteja falando assim por causa - Jake estendeu as mãos.

— É você que está dizendo. — Ela fez ar de pouco-caso.

— E o que acontecerá quando eu ficar mais forte e puder passar sem isto?
— Jake jogou as muletas no chão.

— Enfrentarei o que vier. — A própria Lani se surpreendeu com tanta


audácia. — Agora poso comer alguma coisa? Não almocei e estou morrendo
de fome!

— Por que me pergunta? — Jake olhou para as mãos e Lani reteve a


respiração ao passar por ele. - Aliás, não há quartos nesta casa. — Ele
enfatizou o plural — Só há um, o meu, além de um quartinho com pilhas de
velhas partituras e manuscritos. E só há uma cama que também é minha, e
não pretendo abrir mão dela por você.

— Não esperava mesmo que fizesse isso - Ela umedeceu os lábios com a
ponta da língua de modo provocativo. — Podemos. . . dividir a cama.

— Nem pensar!

Desta vez a raiva o fez levantar da poltrona e o gesto foi tão brusco que a
dor o obrigou a sentar de novo - Lani sabia que nesse ponto a vontade dele
prevaleceria. Ficar na casa sem permissão era uma coisa dormir na cama
dele era outra.

— Posso dormir aqui embaixo mesmo - Lani não pretendia desistir tão
facilmente e foi para a cozinha, fechando a porta para não dar a ele a
chance de protestar.

A cozinha era bem moderna para uma casa tão antiga e estava
imaculadamente limpa. Na certa por obra de Hannah, que felizmente não o
abandonara como a avó. Pelo menos, Jake não morreria de fome e Lani não
iria esquecer da valiosa ajuda que a empregada lhe prestara.

Depois de ligar a chaleira elétrica, fez o reconhecimento da área. Abriu os


armários para localizar as panelas e a louça, encontrando também um vasto
sortimento de comida enlatada. Na geladeira, havia um grande estoque de
pratos semiprontos.

Estava batendo ovos para fazer uma omelete quando sentiu que era
observada. Ao virar-se deparou com Jake parado à porta, apoiado apenas no
batente.

— Não precisa fazer isso. — O tom dele era ríspido. — Restaurantes é que
não faltam em Helston ou Penzance. Por que não sai e compra comida
pronta? Não entendo essa vontade de brincar de casinha agora.

— Gosto de cozinhar. Na verdade, era uma das poucas coisas que me davam
prazer no internato para onde meu pai me mandou, na Suíça. Sou boa nisso,
vai ver.

— Vou? Sou perfeitamente capaz de abrir uma lata. Tenho um abridor


elétrico, se não reparou.

— Não pode viver de comida enlatada. Só porque está. . . bem, só porque


está. . .

— Aleijado? É essa a palavra que está procurando? Tome cuidado com o que
diz, Lani. Não ficarei incapacitado para sempre.

Lani virou-se para colocar a frigideira no fogo.

— Comeu alguma coisa hoje?


— Pretende realmente ir até o fim com isso?

— Com isso o quê? — Ela se fez de ingênua.

— Sabe muito bem. Estou falando de você ficar aqui!

— Por que não?

— Porque não pode. Puxa vida, Lani, não liga para o que os outros podem
pensar?

— Não.

— Nem mesmo seu pai?

— Principalmente meu pai. Afinal, quer alguma coisa para comer ou não?

— Não estou com fome. Lani,seja razoável! Se ficar aqui, vão pensar que
estamos vivendo juntos.

— E estamos mesmo.

— Sabe o que quero dizer. Não se importa com sua reputação?

— Minha reputação? Ora, Jake, desde quando você se importa com a minha
reputação?

— Está bem então, a minha. Não quero que pensem que você é minha amante!

— Não? — Lani procurou disfarçar a indignação com o insulto. — Nesse caso,


azar o seu, porque não pretendo sair.

Ignorando o olhar fulminante de Jake, Lani despejou metade dos ovos


batidos na frigideira, colocando queijo já gratinado em seguida. Um aroma
de dar água na boca espalhou-se pela cozinha.

— Muito bem. — Jake deu a entender que finalmente aceitava a


permanência dela, mas chocou-a com o que disse em seguida. — Só não quero
que Clare volte e encontre você aqui. Assim que puder mexer os dedos de
novo, voltarei para minha música e desta vez nada vai interferir em meus
planos!

Lani recebeu aquele verdadeiro tapa no rosto com resignação


surpreendente. Jake podia estar falando sério, mas ela já tinha ido longe
demais e não se deixaria intimidar por nada.
— Afinal, por que deixou o hospital? — Ela se concentrava na omelete para
disfarçar o nervosismo. — Isto é, por que não continuou com a terapia? Pelo
que sei, a fisioterapia é o tratamento ideal para. . .

— Cale a boca!

A angústia contida nessa ordem silenciou-a, fazendo-a sentir um impulso


quase irresistível de confortá-lo. Subitamente Jake parecia tão
desamparado, tão sozinho. Se ao menos pudesse ajudá-lo, se ao menos ele
aceitasse ajuda Lani, é claro, não deixou nada disso transparecer em seu
rosto. Sabia muito bem que Jake interpretaria sua preocupação como
piedade e não agradeceria por isso. Assim, ocupou-se em tirar a omelete da
frigideira, enquanto ele saía em silêncio.

Determinada a não se deixar afetar pelo desespero dele, Lani passou a


fazer outra omelete. Preparou também um molho apimentado para
acompanhar e arrumou a bandeja para levar à sala.

Jake estava jogado no sofá e não ergueu o olhar quando ela entrou. Era
como se os acontecimentos da última hora tivessem drenado toda a sua
força. Lani sentiu um aperto no coração. Tinha o direito de impor sua
presença ali? Já que ele queria tanto que fosse embora, não era melhor
fazer-lhe a vontade?

Então lembrou-se dos minutos passados nos braços dele, minutos em que
juraria ter sentido a ânsia dele por seu amor, e as dúvidas desapareceram.
Não podia deixá-lo, não sem se darem uma chance. Se ficar implicasse
sofrimento, então que fosse assim. Melhor do que nada.

Abriu uma toalha sobre a mesa e arrumou os pratos. Satisfeita com o


resultado de seus esforços, chamou Jake, que colocava mais lenha na
lareira.

— A comida está pronta. Quer vir para a mesa, por favor? Se quiser, posso
levar o prato aí.

— Já disse que não estou com fome. Quando quiser comer alguma coisa, eu
mesmo me sirvo. Agora saia daqui, está bem? Estou ocupado.

O queixo de Lani tremia, mas procurou se controlar.

— Não quer nada de mim, é isso?


— É — Jake confirmou, voltando para o sofá. — Se insiste em ficar, não há
nada que eu possa fazer, por enquanto, para impedir, mas isso não significa
que terá a minha colaboração.

— Seu... seu...

— Muito provavelmente. Já me chamaram de muitas coisas na vida e não vou


discutir minhas origens com você. Por que não vai comer, como uma boa
menina?

— Fiz comida demais para uma só pessoa — Lani insistiu e Jake bateu o pé
no chão. Deve ter doído, pois ficou pálido e recostou-se no sofá, mas o olhar
continuava mortífero.

— Saia daqui! Não me interessa se exagerou na comida. Coma tudo sozinha.


Aliás, parece que precisa mesmo. Está magra como um palito!

A maior parte da omelete foi para o lixo. Lani negligenciara a alimentação


nas últimas semanas, mas, apesar da fome que sentira enquanto preparava a
comida, atitude de Jake acabou com seu apetite.

Concluindo que não adiantava discutir com ele naquele estado, lavou a louça e
resolveu conhecer o resto da casa. Afinal, se pretendia ficar ali, era melhor
se familiarizar com o local, principalmente para não ter de perguntar onde
ficava o banheiro.

A escadaria era coberta com carpete verde e, depois de uma hesitação


momentânea, ela subiu. Na sacada, acendeu a luz e deparou com duas portas,
imaginando se alguma ia dar no banheiro.

A primeira porta abria-se para um quartinho cheio de pilhas de partituras e


manuscritos empoeirados. Não tinha cama, como Jake dissera, e Lani
certamente não poderia dormir no chão.

O outro cômodo também não era o banheiro. Era o quarto de Jake. Lani
entrou e percorreu o olhar ansiosamente à sua volta, na esperança de
conhecer mais sobre aquele homem. Era um ambiente amplo, talvez maior
até do que a sala, com carpete estampado em marrom e bege.

A vista das janelas era espetacular e Lani imaginava o prazer de ouvir, nas
noites de verão, o murmúrio das ondas batendo contra as rochas. Naquele
momento, contudo, o ruído estrondoso não era muito convidativo.
A mobília era de madeira pesada e escura, com uma cama imponente de
quatro colunas. Havia uma estante e uma escrivaninha, onde provavelmente
Jake trabalhava. Percebendo que estava se demorando mais do que deveria,
deu uma última olhada e saiu, consciente de que sabia pouco ou quase nada
sobre a vida dele, além do que Elwyn Hughes lhe contara.

Finalmente descobriu o banheiro no andar de baixo, ao lado da cozinha, e


voltou para a sala. Esperava que Jake fizesse algum comentário sobre sua
ausência prolongada, mas ele nada disse. Continuava sentado diante da
lareira, fitando vagamente as chamas, e mal notou sua presença.

A tarde passava e Lani esperava ansiosamente pelo momento que Jake fosse
fazer o jantar. Precisava apanhar a bagagem que continuava no carro, mas
receava que Jake aproveitasse sua saída para trancar a porta, impedindo-a
de entrar.

Sentada na poltrona oposta à dele, tentou dominar a tentação de encará-lo o


tempo todo. Mas aquele rosto moreno, de feições marcantes, era atraente
demais. Depois de tantas semanas sem vê-lo, sentia saudades dos momentos
de intimidade.

— Não faça isso — Jake pediu de repente, revelando ter notado os olhares
dela.

— Fazer o quê?

— Os ventos estão ficando cada vez mais fortes e não a aconselho a pegar a
estrada à noite. Calculo que tenha pouco mais de uma hora antes de
escurecer.

— Não vou a lugar algum.

Jake disse um palavrão em voz baixa e começou a massagear a coxa, como


se a tensão emocional estivesse afetando seu físico.

— Pretende mesmo ficar? Está louca!

— Não acho.

— Ouça, não adianta tentar fazer pressão. Não vai funcionar, acredite!

— Por que não?

Jake deu um suspiro de impaciência.


— Porque vai perder seu tempo. Você tem um trabalho . . . uma carreira e
deve ter mais o que fazer do que ficar aqui, me pajeando.

— Isso sou eu quem decide.

— Não! O que tenho de fazer para me livrar de você? — Jake abandonou a


técnica da persuasão e partiu para a agressão. — Será que é tão insensível a
ponto de não enxergar o que é certo?

— É o que parece — Lani retrucou, recostando-se no sofá e cruzando as


pernas. A saia subiu, deixando os joelhos e toda a extensão das pernas bem
torneadas à mostra. Embora não tivesse a intenção de usar o corpo para
atraí-lo, notou o quanto Jake ficara perturbado.

O olhar dele estava fixo naquelas pernas que já tivera o prazer de acariciar
e a reação de Lani foi puramente instintiva. Sem hesitar, passou as mãos por
elas e a sensualidade de seus movimentos não passou despercebida a Jake.
Não tentava excitá-lo de propósito. Apenas seguia um impulso natural e o
homem à sua frente não conseguia desviar o olhar.

Só quando suas mãos foram parar nos botões da blusa é que Jake pareceu
voltar à razão. Pegou as muletas sem demora e ficou de pé. Sem voltar a
olhar para ela, saiu da sala, subindo as escadas.

Lani respirou fundo e, puxando a saia para baixo, levantou-se. Sem querer,
tinha propiciado a oportunidade de que precisava. Poderia apanhar as coisas
no carro agora. Era pouco provável que Jake descesse tão cedo e, se
pretendia ir até o fim com aquilo, precisava de uma muda de roupa.

Vestiu o casaco e saiu. Os ventos estavam realmente mais fortes e não foi
fácil escalar a encosta. O carro ainda estava onde o deixara e Lani o
estacionou num lugar menos exposto, na parte lateral da casa. Pegou a
bagagem e retomou a trilha encosta abaixo. Exceto Hannah, ninguém sabia
onde estava e confiava na discrição da empregada.

Apesar de o vento dificultar sua caminhada, conseguiu descer sã e salva e


parou na varanda até a respiração voltar ao normal. Escalar aquela costa
íngreme duas vezes num dia só, no estado em que se encontrava, dava bem a
medida de sua teimosia. Só restava saber quem era mais teimoso: ela ou
Jake.
Encolhendo os ombros, pegou a mala e, embora temesse que ele tentasse
barrar sua entrada, abriu a porta sem maiores problemas. Mas uma rajada
forte de vento pegou-a de surpresa e a porta escapou de suas mãos, indo
bater contra a parede.

Quando entrou, gelou ao ouvir o ruído das muletas de Jake na escadaria. Na


certa, ele escutara o barulho da porta e imaginara que a hóspede indesejada
estava indo embora. Lani fechou a porta depressa, com as mãos trêmulas.

Ele atingiu a sala com uma rapidez incrível, parando bruscamente ao vê-la de
casaco e com a mala na mão. Lani pensou em dizer que ele perdia tempo, pois
já tinha ido até o carro para apanhar suas coisas, e que, se ele pretendia
trancar a porta, seria tarde demais, mas essas palavras morreram em sua
garganta. A expressão de alívio estampada no rosto de Jake, ao constatar
que não havia sido abandonado, era tão evidente que a deixou sem fala.

Então, percebendo como sua fisionomia era reveladora, ele virou o rosto e
respirou fundo, provavelmente sentindo os efeitos do esforço despendido
para descer as escadas correndo. E Lani lutou contra o desejo de ajudá-lo,
vendo sua dificuldade em chegar ao sofá.

— Pensou que eu tivesse ido embora? — Ela pôs a mala no chão para tirar o
casaco.

— Pensei. Seria muito melhor para nós dois, se tivesse ido mesmo.

CAPITULO XIV

Lani descobriu que dormir num sofá não era a mesma coisa que dormir numa
cama. Para começar, não podia esticar as pernas além disso, o estofamento
deixava muito a desejar em comparação a um colchão. Por mais que
tentasse, não conseguia se livrar dos vãos desconfortáveis entre uma
almofada e outra.

Foi uma noite tempestuosa. O vento assobiava pelas frestas do telhado da


casa, fazendo Lani duvidar da segurança estrutural da construção. A Casa
do Mar parecia precária na beira daquele rochedo, solitária no meio da
escuridão.

Felizmente de manhã o vendaval amainou e o sol começou a brilhar,


animando-a a sair de sob as cobertas e ir descalça até a janela. Puxou as
cortinas para ver o mar sereno que se estendia até o horizonte, reluzindo
como uma jóia ao sol.

Não ficou muito tempo à janela. O fogo na lareira tinha se apagado durante
a noite e a sala estava fria. O pijama de seda e os pés descalços sobre o
assoalho de madeira não contribuíam em nada para aquecê-la.

Remexendo a mala, encontrou os chinelos e foi para a cozinha. Ligou a


chaleira elétrica antes de sair para procurar lenha.

Descobriu uma pilha não muito longe da porta dos fundos. O combustível
também estava por perto e ela correu para dentro, reacendendo a lareira
sem demora.

Já se ouvia o estalido alegre da lenha a queimar quando a água na chaleira


ferveu. Lani preparou um chá e colocou duas xícaras numa bandeja,
acrescentando leite e açúcar à de Jake, que gostava do chá mais adocicado.

Subia as escadas quando lhe ocorreu que seu traje era pouco discreto.
Morando todos aqueles anos só com o pai e a sra. Evans, tinha se
acostumado a andar pela casa à vontade e simplesmente não lembrara de se
vestir antes de servir o chá para Jake.

Contudo, nada garantia que ele a deixasse entrar no quarto. Na noite


anterior, ele evitara qualquer tentativa de aproximação, isolando-se na
cozinha. Lani descobriu depois uma lata vazia de ravióli e outra de coca-cola,
tudo o que Jake comera desde a chegada dela lá.

Quando saíra do banheiro, pronta para se deitar, encontrou um cobertor no


sofá, arranjado, é claro, por Jake. Aconchegada no cobertor, lembrou-se do
momento em que voltara do carro com a mala. Não importava que o alívio
dele viesse da necessidade de companhia. De uma forma ou de outra, Jake
precisava dela, e por enquanto isso era suficiente.

Uma tábua rangeu no topo da escada, assustando-a. Lani parou diante da


porta do quarto de Jake e bateu, esperando a resposta com o coração
palpitante. Como não teve nenhuma, abriu a porta e entrou, com mais ousadia
do que segurança.

Ainda era cedo, pouco mais de sete e meia, mas Jake já estava acordado.
Deitado no meio da cama enorme, com os braços cruzados sob a cabeça e o
peito nu aparecendo sob a coberta, mediu-a da cabeça aos pés, semi-
cerrando os olhos. Lani ignorou isso e se aproximou da cama, com ar de
indiferença.

— Trouxe um pouco de chá. Quer ajuda? — sugeriu, pois ele não se mexeu.
— Posso levantar os travesseiros, se quiser.

— Não preciso de sua ajuda. Já que trouxe o chá, pode deixar aí. Tomo mais
tarde.

— Ou, então, posso despejar sobre a sua cabeça. Custa agradecer?

— Está bem. Obrigado.

— Dormiu bem?

— Muito bem. E você?

— Mais ou menos.

— Por quê?

— Nada.

— Lani...

— Está bem. Acho que minhas pernas são longas demais. — Lani respondeu
com cinismo e mudou de assunto: — É uma linda manhã. Com sol e tudo.

— Você abriu o sofá, não? Ela ficou surpresa.

— Abrir? Como?

— O sofá vira uma cama de casal. Desculpe não ter lembrado de dizer antes.

— Quer dizer que é um sofá-cama?

— É isso.

— E passei a noite encolhida como uma bola!

— Foi você quem insistiu em ficar.

Lani não tinha resposta para aquele comentário e colocou a xícara dele
sobre a mesinha-de-cabeceira.

— Seja como for, agora que paramos de gritar um com o outro, podemos
conversar? Quero dizer, conversar de verdade.

— Lani. . .

— Não, por favor, me escute — pediu ela, sentando-se na borda da cama, e


se animou por ele não se afastar. — Sei que não me pediu para vir aqui e
talvez seja presunção minha ficar, mas quero ajudá-lo. Quero mesmo! Não
podemos conviver como se estivéssemos numa guerra. É insensatez. Como
posso ajudar você a se recuperar, se não fala comigo?

— Ninguém pode ajudar na minha recuperação, Lani. Isso depende só de


mim. É o único jeito. Foi por isso que saí do hospital.

— Não foi uma atitude precipitada? Os médicos não o manteriam lá, se não
achassem que você precisava de um tratamento.

— Que tratamento? — Jake voltou a ser ríspido. — O dr. Holland avisou que
uma de minhas pernas nunca ficará completamente curada. Quanto às
minhas mãos. . . — olhou para elas com repugnância — precisam de exercício
e do tipo que não poderiam me dar no hospital.

Lani hesitou antes de tomar a mão dele nas suas. Esperava que Jake se
afastasse, mas como isso não aconteceu começou a tirar a faixa.

— O que vai fazer? — Jake tentou puxar a mão, mas ela não deixou — Não
verá nada de bonito — avisou, e Lani empalideceu ao tirar a última
bandagem. — Vê agora por que ficam enfaixadas? Evito ao máximo olhar
para elas.

— Como aconteceu?

— Disseram que foram os cacos de vidro dos faróis. Falaram também que
tive sorte. Alguns anos atrás, teria provavelmente perdido o comando de
uma ou até das duas mãos.

— Não perdeu, então?

Jake balançou a cabeça, flexionando os dedos com relativo esforço.

— Estão fracas. Vários ossos se quebraram e houve fratura exposta em


alguns pontos. Mas as cirurgias que fizeram foram bem-sucedidas e sinto
que elas estão mais fortes a cada dia.

— Li nos jornais que suas mãos foram esmagadas.

— Quase foram, mas felizmente só um tendão ficou gravemente danificado.


O que mais preocupava eram os nervos, mas os médicos fizeram um bom
trabalho.

Incapaz de se controlar, Lani levou aos lábios a mão marcada por cicatrizes,
depositando nela um beijo suave.

— Oh, Jake. . . Não precisa esconder suas mãos.

Ele puxou a mão abruptamente e Lani enxugou as lágrimas.

— Como já disse, evito olhar para elas. Acho que são repulsivas. — Jake
apanhou as faixas. — Vai me ajudar a colocá-las ou terei de fazer isso
sozinho?

Lani cruzou os braços, não querendo ceder à teimosia dele, mas, percebendo
que ele o faria com ou sem sua ajuda, pegou a bandagem e voltou a enfaixar-
lhe a mão.

— Obrigado. Só as enfermeiras do St. Augustine fariam melhor.

— Então o pessoal do hospital não foi contra?

— Disse a eles que queria cobri-las até voltar para casa. Bem, o que
importa? Não voltarei mais a tocar.

— Mas ontem você disse. ..

— Isso foi ontem. — Jake suspirou e procurou uma posição mais confortável.
— Esta manhã, deitado aqui, percebi que foi tolice mentir sobre uma
realidade tão óbvia. Mais cedo ou mais tarde, você acabaria descobrindo que
o jovem e brilhante pianista jamais voltará a se apresentar num palco.

— Oh, Jake!

— Pare de dizer "oh, Jake" e agradeça por não ter acontecido com você.
Soube que seu ferimento mais grave foi uma fratura no crânio. Suponho que
já deve ter emendado.

— Sim.

— Muito bom.
— Não fala sério sobre parar de tocar, não é mesmo? Não acha que deve não
só a você, mas também a todos que acreditaram no seu talento. . .

A fisionomia de Jake assumiu um ar mais severo.

— E não acha que já paguei minha dívida com a sociedade? Ou fala em


termos financeiros?

— Não é da minha conta, mas...

— Realmente, não é. E acho que já conversamos demais. Vá se vestir. Está


tremendo.

— Jake...

— Agora não, Lani. Hannah pode chegar a qualquer momento e não quero que
ela encontre você aqui, no meu quarto.

— Desculpe.

Com os olhos brilhantes de lágrimas, Lani levantou-se bruscamente,


ressentida ante a rispidez daquelas palavras.

— Ouça, prometo tomar o chá. Foi gentileza sua tê-lo trazido e agradeço.
De verdade.

— É mesmo?

— Sim. Não é fácil subir e descer escadas com isso. — Ele apontou para o
par de muletas. — Geralmente espero até Hannah aparecer.

— Não me falou sobre suas pernas. O ferimento foi grave?

— Não muito. Uma delas está quase boa agora, mas a outra. . . O joelho foi
ferido e teve de ser operado. Por enquanto está praticamente inutilizada.

— Posso ver?

— Lani!

— Por que não?

— É melhor não. Não costumo usar pijama e. . .

— Não importa. Já o vi assim antes.

— Eu sei.

Subitamente a atmosfera ficou carregada de emoção e Lani perdeu a falsa


segurança. Era como se tivesse cutucado um tigre adormecido, que acordava
abruptamente para atacá-la. A expressão no olhar de Jake encheu-a de
vergonha pelo que fez. Não tinha planejado que fosse assim. Não queria que
Jake a possuísse por sentir falta de companhia feminina. Se ele a tocasse
agora, seria por conseqüência de sua provocação sensual, e a consciência
disso foi o suficiente para esfriá-la.

— Lani... — a rouquidão na voz dele a fez sair correndo.

— Talvez numa outra vez — murmurou ela sem graça e correu para a escada
sem dar a ele uma chance de responder.

Lani já havia tomado banho e se vestido quando a empregada chegou. Estava


arrumando os cabelos quando ouviu o ruído da chave girando na fechadura.

— Srta. . . St. John, não é? — Hannah não parecia surpresa ao vê-la.

— Meu nome é Lani e gostaria de agradecer-lhe por ter me dito que Jake
estava aqui. Não sabia mais onde procurá-lo.

As feições comuns de Hannah se iluminaram de satisfação.

— Tenho certeza de que teria descoberto sozinha, mais cedo ou mais tarde.
Ele deve ter ficado contente com a visita, pois vejo que passou a noite aqui.

— Oh... — Lani se apressou em dobrar o cobertor. — Eu. . . gostaria de um


chá? Não tive tempo de fazer o café ainda.

— Ora, não tem cabimento a senhorita me servir. Sempre venho a esta hora
para preparar a comida de Jake e fazer o que precisa ser feito. Dona
Amélia está só.

— Sei... Disse que o pai de Jake era viajante, não é? Como assim?

— Era um funileiro ambulante. Um cigano! — A resposta irônica foi de Jake.


— Divulgando a história da família, Hannah? Espero que não tenha esquecido
a parte em que meu avô se atira do penhasco.

Hannah não se alterou.

— Seu avô não se atirou do penhasco, Jake. Sabe muito bem disso. Foi um
acidente, um terrível acidente. Foi sua avó que resolveu culpar sua mãe por
isso.
Jake se apoiava nas muletas e recostou-se no batente da porta, procurando
uma posição mais confortável.

— Seja como for, não tenho do que me queixar. Se o velho não tivesse
morrido, esta casa provavelmente nunca seria minha.

Hannah lançou um olhar de censura a Jake, antes de colocar as fatias de


bacon na frigideira, e mudou de assunto, certamente para evitar uma
discussão.

— Como se sente esta manhã?

— Bem, tanto quanto é possível. — Jake fez ar de pouco-caso e lançou um


olhar zombeteiro a Lani. — Conhece minha hóspede inesperada?

— Já nos apresentamos — Hannah respondeu secamente. — Ela passou em


casa ontem à tarde procurando por você.

— E você informou onde me encontrar, é claro. Estava curioso mesmo sobre


isso.

— Teria lembrado deste lugar de qualquer jeito — disse Lani, defendendo a


empregada. — Só pensei que sua avó...

— Pensou que minha avó estaria cuidando de mim, não é? Vê, Hannah? Ela
não conhece a velha Amélia muito bem.

Hannah colocava as fatias de pão na torradeira.

— Onde vai tomar o café? Aqui mesmo, como sempre, ou arrumo a mesa na
sala?

Jake ergueu as sobrancelhas para Lani, dando a entender que a decisão era
dela.

— Aqui mesmo, por favor — decidiu Lani, indo até a gaveta pegar os
talheres. — Eu só quero torradas. Não estou com muita fome.

— Nem eu. — Jake sentou-se à mesa. — Não faça ovos, Hannah. Comerei
apenas um sanduíche de bacon.

— Deviam tomar um café reforçado — a empregada protestou, colocando um


pouco de biscoitos e leite na mesa parecia preocupada ao vê-lo servir-se
apenas de suco de laranja. — Quanto tempo a srta. St. John vai ficar aqui?
— Pergunte a ela — Jake retrucou, em tom nada simpático. — Não a
convidei.

Lani corou.

— Alguns dias, acho. Se houver alguma coisa que eu possa fazer, é só dizer,
por favor. Vim para ajudar e não para incomodar. '

— Hah!

A exclamação sarcástica de Jake revelava sua opinião, mas Hannah ignorou


essa reação.

— Tenho certeza de que arranjaremos alguma coisa. Agora, se me dão


licença, vou arrumar a cama e dar um jeito na casa. Se precisarem de alguma
coisa, é só me chamar.

A saída de Hannah deixou Lani embaraçada, e não ajudou nada sentir os


olhos de Jake fixos nela.

— Hannah é um amor. Ela tem filhos?

— Não. Não é casada.

— Ela trabalha há muito tempo para a sua avó?

— Há uns trinta anos, acho. Começou como dama de companhia de minha mãe
e depois passou a ser governanta de minha avó.

— Sei. . . — Lani tomou um gole de café, procurando desesperadamente


alguma coisa para falar. — Deve ser por isso que conhece tão bem a família.

— A história da família, você quer dizer. Está satisfeita, agora que conhece
todo o caso?

— Você se importa por eu saber?

— Por que me importaria? Talvez a descoberta de que sou filho de um cigano


a convença de que está perdendo seu tempo aqui.

— Não podemos escolher nossos pais. Aliás, sempre achei romântica a idéia
de viver em uma carroça e viajar de um lugar para outro.

— Sinto desapontá-la, mas não era bem assim. Meu pai trabalhava para um
circo e não há nada de romântico nisso. Lembro de ser tirado da cama tarde
da noite para ajudar a desmontar a tenda, com os dedos congelados de frio.
Também lembro de estarmos sempre sem comida e dinheiro, espremidos
numa carroça em que se amontoavam minha mãe, meu pai, a mãe dele e eu.

— Quantos anos você tinha quando veio morar aqui?

— Dez. Por quê?

— Só curiosidade. Seu pai veio também?

— Não. Só minha mãe e eu.

— Faz muito tempo que ela morreu?

— Mamãe morreu quando eu tinha dezessete anos. Acho que ela nunca se
conformou por perder meu pai. Ele a abandonou por causa de outra mulher.
— Jake deu um sorriso irônico. — Lembro que uma vez vi meu pai com a
outra e não entendi nada. Mamãe chorou muito e acabou perdendo o bebê.

— Ela estava grávida?

— Pela milésima vez. Felizmente, fui o único que vingou. Isto é, se tivesse
irmãos, talvez meu pai não tivesse agido daquela forma.

— Quem sabe? Então sua mãe resolveu voltar para casa.

— Não para casa. Para cá. Moramos aqui sete anos, até ela adoecer. Os
médicos descobriram que ela jamais deveria ter querido mais filhos, pois
tinha uma deficiência sangüínea e a gravidez agravava seu estado. Ela
morreu com apenas trinta e nove anos.

— Sinto muito.

— Também senti. Acho que me achei um pouco culpado.

— Bobagem, não foi sua culpa. O que aconteceu foi inevitável. Voltou a ver
seu pai?

— Não. Minha avó, por parte de pai, é claro, mandou uma carta dizendo que
ele tinha morrido num acidente quando tentavam montar a tenda. Mas só
soube disso quando voltei para a Inglaterra, há uns três meses. Não senti
nada. Também, fazia tanto tempo! Quis ir ao enterro, mas era tarde demais.

Lani não conseguiu dizer nada e continuavam em silêncio quando Hannah


voltou para a cozinha. Sentindo a tensão no ar, a empregada tirou a mesa
depressa e lavou a louça. Lani ajudou a enxugar.
— Vou até Helston à tarde — Hannah comentou quando terminaram. — Quer
alguma coisa, Jake?

— Não, acho que não, obrigado — disse ele, apanhando as muletas para se
levantar. — Até amanhã, Hannah. Na mesma hora.

Hananh hesitou.

— Você não disse qualquer coisa sobre um remédio para fricção, ontem?

— Não importa — respondeu Jake com impaciência.

Hannah encolheu os ombros e já ia saindo quando Lani a chamou.

— Espere! Traga o remédio. Jake, posso ajudar a aplicá-lo, se me deixar...

— Esqueça! — Ele a interrompeu e acompanhou Hannah até a sala.

Na porta, a empregada vacilou.

— Há bastante comida e trarei pão fresco de manhã. Jake, devo contar a


sua avó que a srta. St. John está aqui?

— Não quero que conte nada a minha avó. Até logo, Hannah. Vá com cuidado.

CAPÍTULO XV

Lani estava à janela, olhando para o mar, quando Jake fechou a porta e
caminhou devagar até a lareira. Ela não resistiu e seguiu-o com o olhar,
notando uma ruga de preocupação na testa dele.

— Sabe que Hannah vai dar com a língua nos dentes, não sabe? Contou a ela
onde dormiu?

— Ela mesma viu. Até me ajudou a guardar o cobertor. Jake balançou a


cabeça e, com um gesto de impaciência, sentou-se no sofá.

— E o que pretende fazer enquanto estiver aqui? Vai morrer de tédio.

— Você sente tédio?

— Durmo a maior parte do tempo.


— Também preciso dormir bastante.

— Lani.. .

— Não, por favor, não diga nada. Prometo não ficar no seu caminho.

— E se seu pai descobrir onde você está?

— Meu pai já sabe. Agora.. . bom, vou fazer um café fresco. Fique aqui e
relaxe. Não demoro.

Quando Lani voltou para a sala, encontrou-o dormindo e sentiu um aperto no


coração ante aquela demonstração de fraqueza. Com as mãos trêmulas,
cobriu-o com uma manta, tomando cuidado para não acordá-lo. Então voltou
para a cozinha nas pontas dos pés e tomou o café sozinha.

Jake ainda dormia quando deu uma espiada na sala, algum tempo depois. Num
impulso, calçou as botas, vestiu a jaqueta de pele de carneiro e saiu pela
porta dos fundos, para respirar um pouco de ar puro. O sol brilhava e o ar
marítimo era revigorante. O pio das gaivotas, somado ao barulho das ondas
do mar, levantou seu ânimo e ela se apoiou na estrutura de ferro para
descer a encosta do rochedo.

Descobriu uma trilha íngreme que ia dar na enseada lá embaixo e resolveu


descer. Agarrando-se a moitas de ervas daninhas que cresciam entre as
rochas, conseguiu chegar à base do rochedo. De cima, não dava para ver o
pequeno banco de areia, só as rochas ásperas e ameaçadoras.

Olhou para cima, onde podia ver a Casa do Mar. Será que Jake tinha
passeado por ali quando criança? Para caçar passarinhos ou nadar, no verão?
Lani imaginava um menino moreno e ágil, tirando a roupa para mergulhar no
mar revolto e voltando à tona para deitar-se ao sol.

Ainda estava parada ali, perdida em pensamentos, quando ouviu um chamado.


A princípio, pensou que tivesse se enganado e fosse o pio de uma gaivota,
mas ouviu de novo a voz e virou-se.

— Lani!

O nome chegou com distinção aos seus ouvidos, trazido pelo vento, e ela se
surpreendeu ao reconhecer Jake apoiado na estrutura de ferro.

— Lani!
Jake chamou de novo e, percebendo que ele não a tinha visto, Lani subiu com
dificuldade pela trilha. Ele não estava de casaco, só de camisa, e, embora a
temperatura fosse amena, não era aconselhável sair sem agasalho.

— Estou aqui! — gritou, subindo o mais rápido possível. — O que está


fazendo aqui fora? Vai congelar!

— E você? O que está fazendo aí? Subindo e descendo por esse rochedo
como um cabrito! Meu Deus, pensei que tivesse caído!

— Ficou preocupado? — Lani não resistiu à tentação de provocá-lo.

— Só porque não quero carregar uma morte na consciência. Droga! Do jeito


que estou, não poderia nem ajudar!

Lani suspirou e se aproximou para ajudá-lo, mas ele se afastou.

— Pode deixar. Vou sozinho.

Apoiando-se no corrimão de ferro, Jake entrou na cozinha, onde tinha


deixado as muletas. Lani seguiu-o e fechou a porta.

— Desculpe, Jake. Pensei que estivesse dormindo.

— Devia tê-la avisado — comentou Jake com ar tristonho, sentando-se. —


Essa trilha é perigosa. Faz anos que ninguém passa por ali.

— Tomei cuidado.

— Se houvesse algum deslizamento de terra, não faria muita diferença se


tomasse cuidado ou não. Assim que percebi para onde tinha ido, fui atrás de
você. Não que pudesse ajudar muito, é claro.

— Agradeço, de qualquer forma.

— Por quê? Por provar outra vez como sou inútil? Vamos enfrentar a
realidade. Se estivesse desmaiada lá embaixo, eu não poderia fazer nada.

Lani tirou o casaco, suspirando.

— Mas eu não estava. Nada aconteceu. Agora já é hora do almoço. O que


você quer comer?

— Bife com legumes. — A resposta de Jake foi imediata e ele se levantou. —


Deixe que preparo. Vá descansar. Abrir latas não requer muita habilidade.
Lani não conseguiu fazê-lo mudar de idéia. Apesar de visivelmente cansado
pelo incidente no rochedo, insistiu em fazer valer a sua vontade e, sem
alternativa, ela saiu, deixando-o às voltas com o almoço.

A refeição foi simples, mas parecia apetitosa. Na verdade, Lani provou e


gostou. Talvez o exercício de escalar o rochedo tivesse aberto seu apetite.
Qualquer que fosse o motivo, comeu com prazer, como não fazia há muito
tempo.

Depois do almoço, foram para a sala. Decidida a não deixar Jake cair na
apatia, Lani se aproximou do piano. Era a única coisa que poderia provocar
uma reação nele, e não se desapontou quando Jake protestou:

— O que está fazendo?

— Só olhando. — Lani dedilhou as teclas, lamentando que Jake não tentasse


voltar a tocar. Afinal, ele mesmo tinha admitido que suas mãos recuperavam
a força a cada dia. Lembrando do modo como ele fora atrás dela sem as
muletas, Lani estava convencida de que ele conseguiria.

— Saia daí!

Lani sentou-se no banco e apoiou o queixo na palma da mão.

— Por quê? Não posso olhar? Já que você não quer nem chegar perto...

— Tem razão. Não quero mesmo. E sua psicologia amadorística não vai
funcionar. Se pensa que ficando aqui vai conseguir me convencer a tocar de
novo, está redondamente enganada. É fato comprovado que os músculos
precisam de exercício constante para manter a elasticidade.

— Sei disso. Não estou dizendo que pode sentar e tocar uma sonata de
Chopin, mas com tempo e exercício...

— Não!

— Por que não?

— Já expliquei o porquê.

— Não explicou nada. Outras pessoas que... que sofreram acidentes


recomeçaram...

— Por acaso eram pianistas? Lani corou, mas não desistiu.


— Não acredito que não possa voltar a tocar. Suas mãos tiveram força
suficiente para segurar o corrimão de ferro lá fora.

— Ora, Lani, não é uma questão de força.

— É questão de quê, então?

— Costumava praticar horas por dia. . .

— Quantas horas?

— Em geral, oito.

— Oito! — Lani ficou surpresa.

— Lani, tocar piano não é como. . . como lutar boxe ou ser um atleta. Não é
apenas uma questão de recuperar a condição física. Minhas mãos... — Jake
olhou para elas com raiva. — Minhas mãos não são as mesmas. Estão...
desajeitadas, duras! Duvido que consiga tocar do jeito que estão agora.

— É justamente por isso que devia começar a usá-las.

— Não!

— O que quer dizer com não?

— Que não quero mais tocar piano.

— Não é verdade...

— Está bem. Vou reformular a frase. Não quero tocar do jeito que serei
capaz de tocar.

— Ora, Jake! Como pode saber do que é capaz, se nem tentou?

— Eu sei! — Os olhos de Jake pareciam faiscar de raiva.

— Nunca pensei que fosse um derrotista.

— Um derrotista! — Jake ficou chocado e indignado.

— Está bem, um covarde, então — Lani retrucou, fazendo-o levantar-se


bruscamente.

Deixando as muletas de lado, Jake praticamente se arrastou até o piano e


tirou Lani da banqueta. As notas que ecoaram pela sala puseram fim às
esperanças dela. Era uma cacofonia de sons onde mal se reconhecia um
prelúdio de Rachmaninoff. Lani segurou a respiração quando Jake bateu as
mãos enfaixadas nas teclas, antes de fechar a tampa com violência.

— Satisfeita? — Jake desafiou Lani, que não conseguiu pensar em nada para
dizer. — Se o motivo de sua estada aqui era me provar que estou liquidado,
considere sua missão cumprida. Pode voltar para o seu pai e dizer que não
precisa mais temer Jake Pendragon.

Lani estava na cozinha pensando no que fazer para o jantar quando ouviu
vozes na sala. Uma era de Jake, a outra era feminina.

Incapaz de controlar a curiosidade, ela foi espiar na sala e viu diante de


Jake uma moça bonita, de uns dezoito anos. Lani ficou com ciúmes ao ver
que conversavam amigavelmente. Não demorou muito para estarem dando
boas risadas. Lani sofreu com a consciência de que ele nunca ficava tão
relaxado em sua companhia.

Foi a moça que a viu primeiro e ficou séria no mesmo instante, levantando-se
e colocando as mãos nos bolsos do casaco de tweed. Essa atitude fez Jake
se virar e pôr-se imediatamente na defensiva.

— Oh, Lani! Não conhece Susan, não é? É a sobrinha de Hannah, que veio me
visitar.

— Olá! — Lani fez um esforço descomunal para ser simpática, mas, pela
reação de Susan, não precisava nem ter se dado ao trabalho. A moça apenas
acenou com a cabeça e se virou para Jake, para se despedir.

— Provavelmente nos veremos na semana que vem. — O sorriso de Susan era


conspirador. — Quando não estiver tão... enrolado.

— Tudo bem. — Jake fez menção de se levantar, mas Susan não deixou.

— Fique aí e descanse. Não queremos que abuse, não é? Tchau.

Ele concordou com um sorriso e a moça saiu sem ao menos olhar para Lani.
Com sua saída, a sala mergulhou no silêncio. Imaginando que a moça também
sentira ciúmes, Lani tentou ser compreensiva.

— Que moça bonita! Quantos anos ela tem?

— Dezessete, acho — Jake respondeu com indiferença irritante.

— É sobrinha de Hannah?
— Já disse que é. Gostou dela? Lani encolheu os ombros.

— Acho que ela não gostou muito de mim.

— Por que não gostaria?

— Não se faça de ingênuo.

— Acha que Susan ficou com ciúmes?

— Mesmo que não tenha razão para isso — concordou Lani e, não agüentando
mais a provocação de Jake, decidiu voltar para a cozinha.

— Não tem? — A pergunta de Jake veio num sussurro quase inaudível,


fazendo-a parar e encará-lo.

— O que quer dizer?

— Nada. — Ele desviou o olhar e Lani não teve coragem para enfrentá-lo.

Decidiu fazer uma torta de carne para o jantar. Enquanto a torta assava no
forno, voltou à sala para arrumar a mesa. Não encontrou Jake e olhou ao
redor, surpresa.

Concluindo que ele estava no banheiro, fez o que tinha de fazer e voltou à
cozinha.

Quando estava no corredor, um ruído semelhante a um gemido chamou-lhe a


atenção, deixando-a alarmada. Lembrando os esforços de Jake no decorrer
daquele dia, não pensou duas vezes antes de subir para investigar.

Ele estava sentado na cama e recebeu-a com ar contrariado. Sem calça e


sem a faixa nas mãos, ocupava-se em massagear o joelho com linimento.

— O que está fazendo? — Lani olhou para o frasco na mão dele. — Hannah
trouxe o remédio? Ou... foi a menina, não foi? Susan. Ela trouxe o remédio
que Hannah mencionou.

— E se trouxe? Ora, está bem. Hannah comprou isso sem minha permissão e
achei que deveria ao menos experimentar. Mesmo que seja apenas para
efeito psicológico.

— Posso ajudar? Tenho um pouco de experiência com meu pai. Seria bem
mais fácil.

— Sei que seria. — Jake hesitou por um instante antes de passar o frasco
para ela. — Por que não? Já que insiste em bancar a mártir...

Lani se ajoelhou ao lado dele e tentou se concentrar apenas na massagem.


Via a cicatriz da operação no joelho, bem como outras marcas do acidente,
que ressaltavam contra a pele morena.

O linimento tinha um cheiro até agradável e ela massageou o joelho com


vigor, embora tomasse o cuidado de não exagerar. A tensão nos dedos
desapareceu aos poucos e Jake se deitou, deixando-a continuar sem
supervisão. Quando Lani ergueu a cabeça por um instante, encontrou-o de
olhos fechados e ficou orgulhosa com a confiança que ele demonstrava ter
nela.

Os movimentos de seus dedos eram lentos e cadenciados, massageando os


músculos dele com sensualidade inconsciente. Seus olhos se moveram dos
tendões das coxas aos músculos do estômago, despertando-lhe lembranças
emocionais. Quando caiu em si, seus dedos quase traíam as sensações que
fervilhavam dentro de si.

Jake abriu os olhos imediatamente e Lani se afastou, corando de embaraço


pelo rumo de seus pensamentos. Esperava que suas emoções não estivessem
transparecendo enquanto fechava o frasco e limpava as mãos num lenço de
papel. Depois do episódio daquela manhã, não pretendia incitar a paixão
indesejada de Jake. Umedecendo os lábios secos, levantou com as pernas
bambas.

— Está melhor? — Ela tentou ser natural.

— Acho que sim, obrigado. Fez um bom trabalho.

— Não foi nada. Fiz uma torta para o jantar. Quer um pedaço?

— Como posso recusar? — Jake brincou, com ar zombeteiro. — É só me dar


tempo de vestir a calça.

— Você. .. — Lani corou outra vez. — Não precisa de ajuda, não é?

— Não, posso me arranjar sozinho. Vá servir a torta que já desço.

O jantar foi agradável. Jake parecia disposto a ser gentil e não poupou
elogios à torta e aos legumes cozidos. Lani ficou aliviada com aquela
mudança de comportamento, esperando apenas que não fosse por causa da
massagem. Temia que a hostilidade dele voltasse na manhã seguinte.

Depois do jantar, Jake surpreendeu-a trazendo um tabuleiro de damas e


convidando-a para jogar.

— Costumava jogar com a minha mãe. Não é gostoso? O que mais poderíamos
querer?

Com exceção de alguns comentários sarcásticos desse tipo, passaram uma


noite agradável. Jake continuou amável e, embora Lani surpreendesse alguns
olhares estranhos, seu comportamento foi impecável e a companhia,
divertida. Isso a fez lamentar tudo o que tinham perdido.

Por volta das dez, Jake foi para a cama, seguido pelo olhar frustrado de
Lani. Apesar de cansada pelo dia atribulado, não queria que a noite acabasse
e vestiu o pijama, decepcionada com aquele desfecho.

Jake tinha mostrado como abrir o sofá e Hannah providenciara lençóis


limpos e um travesseiro, além do cobertor. De fato, a cama parecia mais
confortável que na noite anterior.

Adormeceu embalada pelas chamas trêmulas do fogo que já se apagava e,


num instante, viu-se parada à beira do rochedo, lá fora. Era manhã e um
vento gélido soprava, assobiando entre as frestas do telhado da Casa do
Mar. Estava apenas de pijama, o que não a agasalhava em nada. Sentia frio e
medo, desorientada pelo ambiente que a cercava e sem a menor noção do
que fazia ali.

Tentou entrar na casa pela porta dos fundos, mas estava trancada. Ao
espiar pela janela da cozinha, viu Jake conversando e rindo com Susan, a
sobrinha de Hannah. Os dois a viram acenar e bater na vidraça, mas não lhe
abriram a porta. Pareciam não se importar por ela estar trancada do lado de
fora, quase congelando, e continuaram a conversar e rir, ignorando-a.

Lani tinha de descobrir um meio de entrar e deu a volta na casa. Mas não
havia como chegar à outra porta sem descer pelo rochedo. Logo sentiu as
mãos doloridas e sangrando.

Ofegante, agarrou-se ao corrimão de ferro antes de continuar a descida


precária pela encosta. Os chinelos que calçava não ofereciam nenhuma
segurança contra o terreno escorregadio e as mãos frias não tinham
firmeza. Desesperada, ainda tentou se segurar, mas já podia ver o mar
raivoso e as rochas pontiagudas esperando a próxima vítima. E, como a folha
de uma árvore, foi caindo e caindo... Embora chamasse por Jake, não tinha
mais esperanças de ser salva...

— Lani! Lani, acorde! Está tudo bem, ouviu? Está segura. Lani, vamos. Estou
aqui. Do seu lado. Não lute contra mim.

Lani acordou sentindo uma mão na nuca e outra afagando seus cabelos. Seu
rosto estava aninhado em um peito quente e reconfortante, de modo que
logo o pânico deu lugar à languidez e ela olhou para o rosto ansioso de Jake.

— Eu... eu...

— Você estava sonhando. Ouvi seus gritos. Está bem agora?

— Acho que sim. Agora me lembro. . . Sonhei que estava lá fora, no rochedo,
e escorreguei.

— É isso que dá se meter em aventuras perigosas — Jake brincou e, quando


levantou a mão para afastar-lhe o cabelo do rosto, Lani reparou que não
estava enfaixada. — O que aconteceu? Por acaso, empurrei você do
penhasco? Do jeito que lutava contra mim agora, parecia até que eu era a
própria encarnação do diabo!

— Desculpe. Machuquei você?

— Vou sobreviver. Acho que o jogo foi estimulante demais para você. Sabe
como é, a excitação provoca as reações mais estranhas nas pessoas.

Lani deu um sorriso trêmulo.

— É muito bom nisso, não? Aposto como já tem muita experiência.

— Em consolar donzelas aflitas? Não tanto quanto gostaria. Nós, os


Cavaleiros da Ordem dos Advogados, somos muito solicitados.

— Você não é um Cavaleiro da Ordem dos Advogados — Lani protestou, mas,


para sua decepção, Jake se afastou, fazendo-a recostar-se no travesseiro.

— Talvez sim. Agora volte a dormir como uma boa menina.

— Desculpe se o acordei.

— Não, não acordou. Estava lendo. É apenas pouco mais de meia-noite. Falta
muito ainda para amanhecer.

— Sim...

Lani se apoiou nos cotovelos, tentando parecer tão calma quanto Jake, mas
era difícil com a coxa dele roçando na sua e o calor emanando de um corpo a
outro, mesmo através da coberta.

— Boa noite, então. Durma bem.

Antes de se levantar, Jake se inclinou e roçou os lábios dela com um leve


beijo. Lani, confusa demais para resistir, entreabriu desejosamente os
lábios.

Jake se afastou um pouco, os olhos cintilando de emoção. Por um instante,


estudou os grandes olhos verdes convidativos e a curva suave dos lábios.
Incapaz de manter o controle, abraçou-a com a intensidade de um desejo há
muito reprimido e tomou seus lábios outra vez, com ávida brutalidade.

Os sentidos de Lani giravam num redemoinho estonteante, sentindo os


dedos dele se enroscarem em seus cabelos. A intensidade do beijo fez seu
sangue correr mais depressa. Sua respiração faltou, tirando-lhe a
resistência e acendendo uma chama que ameaçava consumi-la.

Quando os lábios viris deixaram os dela, foi apenas para seguirem o


contorno delicado do queixo, até o lóbulo da orelha, provocando arrepios de
prazer. A mão de Jake se insinuou pelo pijama de Lani, expondo seus seios
rijos. A respiração dele era ofegante quando se inclinou para aprisionar um
dos bicos rosados enquanto puxava a coberta, revelando as formas
femininas de Lani.

— Linda. ..

Jake se deitou sobre ela enquanto a despia. Assim que sentiu os braços
livres, Lani puxou-lhe a faixa do robe, revelando o corpo bronzeado e
dolorosamente familiar. Seu corpo arqueou-se instintivamente de encontro
ao dele, incitando mais carícias, e Jake percorreu o olhar ardente por
aquelas curvas femininas antes de capturar-lhe a boca outra vez.

Lani tremia a cada toque e perdeu todo o controle quando, num gesto mais
ousado, Jake tirou o último e minúsculo obstáculo de seda bege de seu
caminho. Os lábios dele seguiam a trilha de fogo deixada pelas mãos,
procurando e encontrando os pontos mais sensíveis. Lani deixou escapar um
protesto contra essa invasão mais íntima.

— Me deixe. ..

Mas Jake cravou o olhar naqueles olhos verdes, acabando com qualquer
resistência. Lani relaxou, facilitando a exploração, e a perícia dele a levou à
beira do êxtase.

— Oh, Jake... — murmurou Lani quando ele procurou sua boca uma vez mais,
e acariciou aquele peito forte, coberto de pêlos.

— Me toque. — A voz de Jake era tão rouca que mal deu para se ouvir o
pedido, mas os dedos incertos de Lani obedeceram e exploraram sua
virilidade. — Quero tanto você... — sussurrou, incapaz de se conter mais, e
Lani se entregou com igual fervor.

Desta vez, ela não sentiu dor, apenas prazer, quando Jake penetrou o âmago
de seu ser. Acompanhou os movimentos dele, excitando-o e atingindo com
ele o clímax. Não queria mais deixá-lo ir. E quando Jake adormeceu,
plenamente satisfeito, Lani se aconchegou mais e também se deixou
envolver pela languidez.

CAPITULO XVI

O sono de Lani foi perturbado na manhã seguinte pelo som de vozes. Voltou
à consciência contra a vontade, receando que o delicioso torpor que sentia
desaparecesse assim que abrisse os olhos. Felizmente isso não aconteceu. A
languidez não se dissipou. Pelo contrário, o contato do lençol com a pele nua
trouxe a lembrança da noite anterior, junto com uma sensação extasiante
de felicidade. Sua pele parecia ainda queimar com as marcas de amor
deixadas por Jake. Tocou de leve nos seios explorados há pouco e sentiu
uma dor sensual.

— ... na cozinha...

Essas palavras sussurradas a fizeram abandonar a exploração inocente e se


virar na cama. Jake, todo vestido de preto, conversava com Hannah em voz
baixa, enquanto caminhavam para fora da sala.

Entretanto, Hannah percebeu o movimento de Lani e parou, chamando a


atenção de Jake.

— Desculpe se a acordamos.

— Oh, está tudo bem. — Lani se encolheu sob os lençóis, sem resistir à
tentação de olhar para Jake. — Já estava mesmo na hora de acordar. Acho
que dormi demais.

— É o clima do mar — Hannah comentou, agachando-se diante da lareira


para remover as cinzas. — Está um pouco frio aqui, não? Mas podem deixar
que acendo o fogo num instante e depois faço o café.

Quando a empregada foi para a cozinha jogar as cinzas tiradas da lareira,


Lani sentou-se, protegendo-se com o cobertor. O olhar de Jake estava
cravado nela, fazendo-a imaginar em que ele pensava e há quanto tempo
estava acordado.

— É. . . uma linda manhã, não? — Lani concluiu pelo que podia ver pela fresta
da cortina.

— Pelo menos, não está chovendo, se é o que você quer dizer. — Jake se
apoiava nas muletas, surpreendendo-a por continuar sem as faixas naquelas
mãos que lhe tinham propiciado tanto prazer na noite anterior e que ele não
parecia mais fazer questão de esconder.

— Jake.. .

— Agora não, Lani — ele a interrompeu, caminhando até a porta. — Levei sua
mala para o quarto. Quando quiser, pode se trocar lá em cima. Há espaço no
armário, se quiser pendurar suas roupas.

— Quer dizer que passarei a dormir lá em cima?

— E eu vou dormir aqui embaixo — Jake retrucou, indo para a cozinha e


deixando-a com os pensamentos confusos.

Sem entender o sentido exato daquelas palavras, Lani saiu depressa da


cama. Enrolada no cobertor, corria para subir as escadas quando quase
esbarrou em Hannah.
— Oh, desculpe, senhorita. Não pensei que fosse levantar já e trouxe-lhe
uma xícara de chá.

— Está tudo bem, Hannah. — Lani deu um sorriso forçado. — Eu. . . não
trouxe meu robe. Ia me vestir agora.

Hannah franziu as sobrancelhas.

— Não está vestindo nada, não é, senhorita? Céus, vai apanhar um resfriado
andando descalça neste chão frio. Lembro de ter visto um pijama ontem,
pensei que era seu.

— Era. . . quero dizer, é! É que senti calor durante a noite e tirei.

— É mesmo?

Incapaz de continuar com aquela conversa, Lani deu outro sorriso sem graça
e subiu a escada correndo. Depois de tomar um banho e vestir-se, recuperou
parte do equilíbrio. O estranho comportamento de Jake e as perguntas de
Hannah eram perturbadoras demais e, para ganhar tempo e recuperar a
calma, desfez a mala e guardou as roupas antes de descer.

O guarda-roupa era enorme, com espaço de sobra para seus casacos e


vestidos, saias e calças. Lani colocou a mala sob a cama e deixou o quarto
exatamente como o encontrara, exceto pelo estojo de maquilagem deixado
sobre a cômoda, ao lado dos objetos de Jake.

Pegou um pente, pressionando-o contra a face. A fragrância não tinha nada


de artificial, pois Jake não usava nenhum condicionador nos cabelos, grossos
e lisos... ao contrário dos pêlos nas outras partes do corpo... Essa lembrança
acelerou subitamente sua pulsação.

— O café está pronto!

O chamado de Hannah assustou Lani, que colocou o pente de volta na cômoda


e desceu correndo. Jake já estava na cozinha e sequer ergueu o olhar
quando ela sentou-se ao seu lado. Parecia perdido em pensamentos, com a
atenção voltada para a xícara.

Depois do café, ele foi para a sala enquanto Lani ajudava a tirar a mesa.

— Diga-me — Hannah parou um instante para encarar Lani —, sabe se Jake


usou o linimento que mandei? Mandei Susan entregar, mas ele não comentou
nada.

— Oh, sim! Ele fez uma aplicação ontem, antes do jantar. Só não sei se fez
algum bem.

— Fará, se ele usar regularmente. Minha avó costumava recomendá-lo para


aliviar a artrite, por exemplo. Como Jake se recusa a fazer o tratamento
adequado, pelo menos é um meio de evitar que os músculos se atrofiem.

— Por que acha que ele se recusa a fazer o tratamento? Sei que ele não
acredita muito no que os médicos podem fazer, mas por que saiu do
hospital?

Hannah hesitou.

— Pensei que soubesse.

— Eu?

— Sim. A princípio, achei que foi por sua mãe tê-lo abandonado, mas agora já
não tenho tanta certeza.

— Como assim?

— Bem. . . Aquelas histórias e fotos publicadas nos jornais não


correspondiam a toda a verdade, não é? Sabe, nunca acreditei que Jake
fosse capaz de se apaixonar por uma mulher como ela. Quando você
apareceu aqui atrás dele, tive a confirmação disso.

Lani corou.

— Nunca o abandonarei.

— Sei disso. Mas acho que ele não acredita.

— Por quê?

— Ora, é óbvio que ele ainda levará algum tempo para se recuperar dos
ferimentos. Os jornais anunciaram que ele não vai mais tocar e não o vi
chegar perto daquele piano na sala desde que voltou.

— Ele tocou, ontem. Não por vontade própria, é claro. Insisti e ele deve ter
me odiado por isso.

— Não acho que ele a odeie, senhorita.


— Não? — Lani se encheu de otimismo.

— Não. Reparei no modo como olha para você. Jake não a odeia. Pelo menos,
não do jeito como está sugerindo.

— Existe mais de um jeito de odiar alguém?

— Acho que sim. 0 ódio de que está falando é o mais comum entre as
pessoas e gerado por antipatia ou desprezo. O outro tipo é aquele provocado
por frustração ou desespero por desejar alguma coisa que está fora do
alcance.

— Mas não estou fora do alcance dele! — Lani protestou num impulso.

— Talvez ele pense que está. — Subitamente Hannah deu uma risada de
embaraço. — Céus, o que estou dizendo? Deve me achar uma intrometida,
não é? Realmente esse assunto não é da minha conta. Só quis dizer que. . .
bem, não gostaria que o magoasse.

— Também não quero que isso aconteça. Eu. .. eu amo Jake.

— Ama? — Hannah estudou as feições preocupadas da moça. — Bem, terá de


convencê-lo disso. Pois foi de você que ele fugiu e não de Clare Austin.

Lani nunca havia pensado naquela hipótese e, embora não confiasse


inteiramente na interpretação de Hannah sobre a atitude de Jake, não
conseguia tirar a idéia da cabeça. Decerto era uma explicação para a recusa
dele em vê-la, mas como saber se Jake pensava nela, e não em si próprio?
Afinal, ele tinha deixado claro que sentia apenas atração física. Como
poderia saber se ele negaria seus sentimentos? Precisava conversar com ele,
mas teria de esperar que Hannah fosse embora. Começou a andar de um lado
para outro da cozinha, tentando pensar no que diria.

Quando Hannah saiu, Lani ainda estava na cozinha. A animação inicial fora
substituída pela incerteza. A hipótese de Jake estar escondendo seus
verdadeiros sentimentos não a convencia. Era mais provável que a angústia
pela incapacidade física temporária o tivesse levado a fugir da imprensa,
pois precisava de tempo para descansar e se recuperar. Hannah era
romântica e não via as coisas como realmente eram. Jake não a amava, como
não amava ninguém era movido apenas pela ambição.

— O que faz aqui? — A voz impaciente de Jake interrompeu seus


pensamentos, fazendo-a desviar o olhar da janela.

— Só pensando. Quer mais café? Sobrou um pouco na garrafa térmica.


Hannah fez...

— Não quero café. Acredite se quiser, mas café não é a panacéia para todos
os males. Perguntei o que faz aqui. Terei uma resposta direta ou vai me
enrolar com mais mentiras ?

— Não menti. Estava aqui pensando, só isso. Tenho cérebro, sabia?

— Sei que é uma mocinha muito esperta. Sou o primeiro a concordar.

— Não sou esperta. . .

— Talentosa, então.

— Não estava pensando em mim.

— Não? — Os olhos dele se apertaram. — Então, deixe-me adivinhar. Estava


pensando em mim.

— Precisamos conversar.

— Sobre o quê? Ontem à noite?

— Entre outras coisas. Por que resolveu dormir aqui embaixo a partir de
hoje?

— Porque sim. Se insiste em ficar aqui, mesmo depois do que aconteceu


ontem, o mínimo que posso fazer é lhe oferecer uma cama decente.

— Você se arrependeu do que aconteceu ontem à noite?

— O que acha? — Jake deu um suspiro exasperado. — Lani, não seja tão
ingênua. Sabe por que aquilo aconteceu. É uma mulher muito desejável e não
sou de ferro.

— Então. . .

— Mas não voltará a acontecer. Não por estar menos sensual hoje do que
ontem. Simplesmente porque preciso preservar minha dignidade.

— Sua... dignidade?

— Sim. Ouça, Lani, não sei como lhe dizer isso, mas não é justo... usar você.
E é exatamente o que venho fazendo. Usando-a para satisfazer minhas
necessidades... físicas.

— Não é verdade!

— É. Estou me sentindo muito por baixo atualmente e não nego que é uma
tentação aproveitar da sua. .. sua generosidade.

— Não é generosidade! Eu te amo, Jake, sabe disso. Por que não pode
aceitar meus sentimentos?

— Porque você não sabe o que diz. Tem uma idéia romântica do que nosso
relacionamento poderia ser e não quer ver as coisas com bom senso!

— E onde está o bom senso do que acabou de dizer? Não acredito. . . Não
acredito que possa fazer o que fez ontem à noite sem... sem nenhum
sentimento...

— Está enganada. Pelo amor de Deus, Lani, um homem não precisa amar uma
mulher para ter uma relação sexual com ela!

— E foi só isso que aconteceu?

— Quanto a mim, sim.

— Não acredito.

— É melhor acreditar, pois é verdade.

— Não acredito! — Lani sacudia a cabeça de um lado para outro, com os


olhos cheios de lágrimas.

— Assim, você só vai se magoar.

— Antes... antes do acidente...

— Não quero falar sobre o que aconteceu antes do acidente.

— Por que não?

— Porque não vem ao caso. É o presente que importa. Aqui e agora. E não
pretendo ir para o inferno por ter me aproveitado de uma virgem idiota a
quem, em primeiro lugar, eu jamais deveria ter violentado!

— Seu... seu estúpido!

— Exatamente. É isso mesmo que sou. Afinal, mulheres disponíveis é que não
faltam!
— Como a sobrinha de Hannah, por exemplo — Lani comentou com amargura.

— Pelo menos Susan não alimentaria esperanças bobas.

Lani não agüentou ouvir nem mais uma palavra. Se ficasse ali mais um minuto,
se desmancharia em lágrimas e isso seria humilhação demais. Controlando-se
o mais possível, correu para a porta.

Mas não chegou até lá. Ao passar com a cabeça baixa e a respiração
ofegante, Jake segurou-a pelo braço, impedindo-lhe a passagem.

— Não é verdade — confessou ele quando Lani tentou puxar o braço. — Por
Deus, não posso continuar fingindo que não me importo. Estava mentindo.
Queria amar você. Ainda quero, o que não significa que o conseguirei. Quero
dizer apenas que não sou o cafajeste que fiz parecer.

— Jake... — Lani parou de lutar e encarou-o.

— É irônico, não? Pensei conhecer as respostas para tudo. Parece que me


enganei.

— Quer dizer. .. que me ama? — Lani estendeu o braço para acariciar-lhe o


rosto, mas Jake se afastou.

— Amor! O que é o amor? Acho que não sei o significado dessa palavra. Só
sei que você mexe com as minhas emoções a tal ponto que magoá-la machuca
mais a mim mesmo. — Jake puxou-a para mais perto. — Aliás, o problema
todo é o fato de saber que devo expulsá-la da minha vida e não sei como
fazer isso.

— Como assim? Não quero ir embora.

— Não agora. Não hoje, nem esta semana. Talvez não em um mês. Porém
mais cedo ou mais tarde você irá, e é por isso que não podemos levar esse
relacionamento adiante.

— Jake...

— Não, me ouça. O que temos é bom, mas nada impede que sinta a mesma
coisa com outra pessoa. . .

— Não!

— Sim. Lani, não quero magoar você, mas também não quero sair machucado
dessa história. Por isso, será melhor para nós dois se terminarmos tudo
agora.

— Então não se importa mesmo comigo. . .

— Puxa vida! — Jake encarou-a com frustração por um momento antes de


afundar os dedos nos seus cabelos e dar-lhe um beijo selvagem e excitante.

Qualquer resistência que Lani pudesse ter derreteu-se ao calor daquela


investida passional. As carícias das mãos de Jake eram ávidas, percorrendo-
lhe todo o corpo até as partes mais íntimas, fazendo suas pernas
fraquejarem.

— Isso responde à sua pergunta? — Jake se afastou bruscamente, sem


esconder a excitação. — Como vê, quero você. Mas não dará certo. Não
tenho carreira nem perspectivas para o futuro! Vá procurar algum executivo
rico para você, Lani. Alguém que não esteja inválido. Alguém a quem possa
respeitar!

Jake apanhou as muletas e saiu da sala. Lani sabia o quanto ele estava
perturbado e irritado, tanto pela própria falta de controle como pela causa
disso, que era ela. Quis ir atrás dele e tentar convencê-lo a voltar atrás,
mas percebeu que não adiantaria nada. Jake estava determinado a provocar
uma separação, criando uma situação que a obrigasse a deixá-lo e a fizesse
concluir que ele não a merecia.

Quinze minutos depois ela já estava no carro. Num gesto impulsivo, decidira
sair um pouco da casa e ficar sozinha para tentar entender o estado de
espírito de Jake. Precisava de tempo para se acalmar e raciocinar com
clareza.

Emocionalmente, não havia o que decidir. Amava Jake e queria ficar com ele,
pouco importando como sobreviveriam ou onde morariam, contanto que
estivessem juntos. Entretanto, em termos práticos, a situação não era tão
simples assim.

Não poderia continuar vivendo ali às custas dele, sem contribuir com nada.
Por outro lado, também não podia oferecer pagamento pela hospedagem,
principalmente porque Jake não a queria lá e fazia de tudo para que
deixasse a casa.
As idéias fervilhavam na mente de Lani enquanto se afastava de Tremorna
Point. Tomou a estrada que levava ao lado oposto à orla marítima,
procurando um lugar que transmitisse a paz de que precisava. Tendo apenas
os pássaros por companhia, estacionou no topo de uma colina isolada com
vista para um lago natural. Era tranqüilizante ver os patos e gansos
selvagens, tanto que os problemas já não giravam num redemoinho louco em
sua mente. A solução apareceria a qualquer momento. De alguma forma,
Jake precisava voltar a confiar em si mesmo. Até isso acontecer, seu apoio
seria vital.

Era fim de tarde quando resolveu voltar para Helston. Tinha demorado mais
do que pretendia e o estômago começava a roncar, pois não comera nada
desde o café da manhã. Imaginava se Jake sentia sua falta e se não tinha
interpretado mal aquela sua saída para arejar a cabeça. Talvez ele ficasse
aliviado por se livrar de sua presença incômoda por algum tempo.

A umidade no ar já era grande quando estacionou ao lado da casa da sra.


Worth, imaginando que seria melhor guardar o carro na garagem. Mas isso
implicava em pedir autorização da avó de Jake, uma idéia nada agradável.

Entretanto, ao contornar a esquina da casa, viu Hannah na varanda. A


empregada acenou, fazendo um gesto para que ela se aproximasse.

— Algum problema? — Lani ficou apreensiva e olhou ansiosamente para a


beira do rochedo, mas Hannah sacudiu a cabeça, dissipando seus temores de
que algo tivesse acontecido a Jake.

— A sra. Worth quer vê-la. — O tom de Hannah soava a conspiração.

— A mim? Mas por quê? Como? Pensei que ela não soubesse que estou aqui.

— Ela a viu esta manhã e é muito perspicaz quando quer. Deve ter ouvido o
barulho do seu carro. Seja como for, é melhor entrar. Ela não gosta de
esperar.

— Aposto que não. Sabe por que quer me ver? Quero dizer, mal nos
conhecemos e os dois encontros que tivemos não foram muito cordiais.

Hannah fechou a porta e indicou o caminho.

— Não espere muito deste encontro. — A empregada baixou o tom da voz. —


Desconfio que a sra. Worth quer saber quem é você e por que está aqui.
— Acha que devo contar a verdade?

— Bem. . . tive de dizer que está hospedada na casa de Jake. Mas não se
preocupe, ela se importa muito com o neto. Mais do que parece.

Lani foi levada ao mesmo quarto em que estivera anos atrás com o pai. Tudo
parecia exatamente igual, com o ambiente entulhado de mesas, cadeiras e
bibelôs, além do mesmo cheiro de decadência impregnando o ar.

Desta vez, entretanto, a sra. Worth não estava na cama e sim numa
poltrona, embora ainda usasse a camisola de gola alta e um robe de veludo. A
cabeça estava protegida por um gorro de algodão ornamentado com
babados, e fios de cabelo grisalho escapavam aqui e ali.

— Sra. Worth, a srta. St. John está aqui — Hannah anunciou e Lani entrou
com relutância, parando diante da figura imponente da avó de Jake.

— Pode nos deixar a sós, Hannah. Sente-se, senhorita. — Indicou uma


cadeira bem à sua frente. — Então quer dizer que está morando com meu
neto?

Lani passou a língua pelos lábios, determinada a não se deixar intimidar.

— Estou. .. hospedada na casa dele.

— Então não é amante dele?

— Acho que isso não lhe interessa, sra. Worth.

— Não? Ora, vejam só que ousadia! Pois fique sabendo que tudo que se
refere ao meu neto é do meu interesse!

— Não foi essa a impressão que tive — retrucou Lani, sem pensar duas
vezes. Era óbvio que a velha queria irritá-la e estava mordendo a isca. Tinha
de manter a calma se pretendia chegar ao fim daquela conversa com
dignidade.

— Acha que negligenciei então a ele? Não precisa responder, sei


perfeitamente bem o que acha. Mas não pense que, só porque dorme com
meu neto, tem o direito de criticar a família.

— Nunca tive essa intenção.

— Mas não gosta de mim, não é, srta. St. John? Não precisa negar. Sou
muito boa em analisar as pessoas.

— Tenho certeza de que não me chamou aqui para discutirmos sua opinião
sobre mim, sra. Worth.

— Tem razão. Não foi para isso, mas ajuda conhecer o terreno em que
pisamos, não acha? Vejo claramente que guarda ressentimentos contra mim.

— Sra. Worth, nas duas vezes em que nos encontramos, a senhora foi muito
pouco educada. Portanto, não pode me recriminar por minha atitude. Não
esqueci que tentou me enganar sobre o paradeiro de Jake.

— Duas vezes?

— Sim, vim aqui pela primeira vez com meu pai.

— Oh, sim. Sim, agora me lembro. Seu pai é meu advogado. Bem, há de convir
comigo que não se pode falar de negócios na presença de uma criança.

— Não fiquei ressentida com o que disse, mas pelo modo como falou. Enfim,
isso não importa mais agora. Por que me chamou aqui?

— Tudo a seu tempo, menina. Tudo a seu tempo. Por que a pressa? Pretende
ir a algum lugar agora?

— Depende.

— Depende? De quê?

— É um assunto que diz respeito a mim e a Jake, sra. Worth.

— Está pensando em abandonar meu neto, por acaso?

— Claro que não! — Lani ficou indignada. — Não pretendo fazer isso. Não
costumo magoar as pessoas que... amo.

— Ao contrário de sua mãe, suponho — a sra. Worth observou, revelando


que conhecia a verdadeira identidade de Lani. — Jake deve ter lhe contado
sobre os infortúnios de minha filha.

— Sim, ele me contou.

— E ele também contou que, depois da morte de Elizabeth, eu lhe ofereci


um lugar nesta casa e ele recusou?

— Não, mas isso não me surpreende. Sra. Worth. . .


— Nunca cometeu um erro, srta. St. John? Nunca fez nada de que se
arrependesse? Admito que agi mal com minha filha, mas Elizabeth também
nos magoou muito e meu marido nunca se recuperou do choque. Ele caiu do
penhasco, como deve saber. Alguns dizem que foi suicídio, mas não é
verdade. A autópsia revelou que ele teve um ataque cardíaco antes de cair e
culpei Elizabeth por isso.

— Sra. Worth, sinceramente não entendo o que isso tem a ver comigo.

— Se está apaixonada por Jake, deveria entender. Fale-me dele. Como meu
neto está se arranjando? É tão teimoso que recusa a minha ajuda.

— A senhora ofereceu ajuda? — Lani se surpreendeu-se.

— Claro! Não é óbvio que devo ajudar? Afinal, sou sua avó. Jake devia saber
que é só pedir.

— E a senhora devia saber que ele nunca fará isso. -Não importa o que
aconteça, Jake nunca pedirá a sua ajuda.

— Por quê?

— A senhora pediria? Se estivesse no lugar dele, pediria ajuda?

— É diferente. Sou uma velha. ..

— Ele é seu neto, sra. Worth, e por mais que tentem negar são muito
parecidos em certas coisas.

— Veja lá o modo como fala comigo, mocinha!

— Só estou dizendo a verdade.

— E se importa com meu neto?

— Já disse que sim, sra. Worth.

— E ele? Gosta de você?

— Acho que sim.

— Não tem certeza? Lani balançou a cabeça.

— Não é a mesma coisa para ele. . .

— Como assim?

— Ora. . . Jake acha que sou jovem demais para saber o que quero e me
disse para procurar outra pessoa. . Alguém que tenha mais futuro. . .

— Futuro? Jake tem muito futuro. É meu herdeiro. Quando eu morrer, será
um homem muito rico.

— Acho que esse não é o tipo de futuro que importa para ele, sra. Worth.
Jake se considera um... fracassado e se recusa a ouvir a voz da razão. Ele
sabe, no fundo, que não deveria ter saído do hospital e precisa continuar a
terapia, mas. . .

— Espere! Quer dizer que Jake não recebeu alta do hospital em Londres?

— Não sabia?

— Como poderia saber? — A sra. Worth se exaltou. — Quase não o vejo. Ele
não confia em mim.

Lani se admirava de estar falando sobre Jake com aquela mulher


prepotente. Para seu espanto, começava inclusive a simpatizar com a sra.
Worth. Achando que já tinha falado o suficiente, levantou-se.

— É melhor ir andando agora.

— Tem mesmo de ir? — A sra. Worth parecia realmente lamentar. — Mas


prometa que voltará a me visitar e me manterá informada sobre o estado de
Jake.

— Não sei se poderei fazer isso, sra. Worth. Talvez a senhora deva
descobrir por si mesma.

Lá fora, Lani mal podia acreditar no que acabara de acontecer. Há meia


hora, considerava a sra. Worth uma velha egoísta, que usava o dinheiro para
manipular os outros. Subitamente, entretanto, ela se revelara um ser
humano como outro qualquer, uma pessoa solitária, que perdera a única coisa
que desejava o amor do neto.

Percebendo como era tarde, Lani deixou de lado qualquer pensamento sobre
a sra. Worth e começou a descida pela encosta. Passava das seis e Jake
deveria estar preocupado. A menos que Hannah o tivesse avisado de sua
saída, embora isso fosse pouco provável.

Assim que pisou na varanda, seu coração começou a palpitar e suas mãos
tremiam quando segurou a maçaneta.
Se esperava uma reação positiva ao seu atraso, ficou desapontada. Quando
entrou na sala, encontrou Jake estirado no sofá, lendo uma revista. A
apreensão estampada na fisionomia dele poderia ser interpretada de várias
formas, mas Lani preferiu não atribuí-la às saudades, apenas à curiosidade
de saber onde estivera.

— Não esperava chegar tão tarde. Fui dar uma volta. Precisava de tempo
para pensar.

Jake deixou a revista de lado e sentou-se no sofá.

— E conseguiu? Digo, pensou muito? Imagino que tenha considerado a idéia


de ir embora. O que decidiu, afinal?

— Quero ficar.

— Sei... — Jake apanhou a muleta para ficar em pé. — Também estive


pensando.

— É mesmo?

— Sim. E decidi deixar você ficar. Seria idiotice mandá-la embora. Esta
tarde percebi o quanto me acostumei com sua presença. Não quero ficar
sozinho de novo.

— Quer dizer...

— Quero dizer que sou egoísta o suficiente para aceitar sua oferta de. ..
amizade ou companheirismo, chame como quiser.

— Por quanto tempo?

— Não sei — Jake retrucou, mexendo os dedos instintivamente. — Isso


depende mais de você. Pode trabalhar aqui, se quiser. A escrivaninha lá em
cima deve servir e farei o possível para não atrapalhar.

— Oh, Jake!

Lani o teria abraçado, mas ele se virou, indo em direção à cozinha com
passos decididos.

— Acho melhor jantarmos agora.

Jake saiu, deixando Lani sem saber exatamente o que passava pela cabeça
dele.
CAPÍTULO XVII

Na manhã seguinte, Lani entendeu o que o acordo de Jake significava.


Depois de passar a noite sozinha na cama confortável no andar de cima,
desceu para encontrá-lo já vestido e pronto para começar o dia,
descobrindo que a intenção dele era sufocar qualquer sentimento entre eles.
A permissão de Jake para que ficasse não podia ser considerada uma
vitória. Era mais uma espécie de trégua. As hostilidades acabariam;
entretanto, nem se pensava numa reconciliação.

Embora a situação não fosse fácil de suportar, Lani teve de aceitá-la para
não gerar mais conflito. Se ainda estava lá, isso significava que ele não a
rejeitava totalmente. Dependia dela provar sua resistência e mostrar que
falava sério.

— Eu... hã... decidi voltar a Londres para pegar meu material de desenho —
comentou Lani durante o café.

— Quanto tempo vai levar?

— Se sair ainda esta manhã, estarei de volta amanhã à noite. Não poderei
voltar hoje mesmo porque preciso ver Miles e lhe dar umas explicações.

— Miles?

— Miles Rossiter, lembra-se? É meu editor e deve estar preocupado com a


minha ausência.

— Sei. . . E esse tal de Rossiter não vai tentar convencê-la a ficar lá?

— Pode ser que tente — Lani admitiu com sinceridade.

— Mas não conseguirá me convencer. Estarei de volta amanhã à noite,


prometo.

— Não precisa prometer nada — Jake retrucou com irritação e levantou da


mesa. — Sobreviverei, como sempre fiz. Dê lembranças minhas a seu pai e
diga que estou quase arrependido por não ter seguido o conselho dele.
Dirigindo pela rodovia A30, Lani se conscientizou de que teria de se
acostumar com as agressões ocasionais de Jake. Eram a válvula de escape
dele, um meio de se livrar da frustração acumulada que ameaçava sufocá-lo.
Tratava-se apenas de alguns desabafos, mas nem por isso deixavam de
magoar. Desejou que tivessem se separado em termos mais amigáveis.

Chegou a Londres no final da tarde e foi direto a Pelham Court, para


esperar o pai voltar do escritório.

— Lani, minha querida! — A recepção da sra. Evans foi calorosa. — Seu pai
ficará muito contente. Sentiu muito a sua falta, sabia?

Lani respondeu com um sorriso abatido. Tirou o casaco e foi para a sala.

— É bom vê-la também, sra. Evans. Poderia fazer um sanduíche para mim,
por favor? Não comi nada desde o café da manhã.

— É claro! Tire a bagagem do carro e leve para cima enquanto preparo o chá.

— Não trouxe nenhuma bagagem, sra. Evans. Não pretendo ficar. Isto é, só
esta noite. Na verdade, vim buscar mais coisas.

— Quer dizer que vai voltar para a Cornualha?

— É isso mesmo.

A sra. Evans balançou a cabeça de um lado para outro com ar de


desaprovação.

— Não sei, não... Tenho certeza de que seu pai não gostará disso, Lani.

— Sinto muito, mas meu pai é o único culpado.

Enquanto a sra. Evans fazia o chá, Lani telefonou para Miles.

— Lani! Até que enfim! Estava começando a achar que teria de contratar um
detetive para encontrá-la. Quase fiquei maluco com seu pai dizendo que não
sabia de seu paradeiro e os editores americanos atrás de mim, cobrando o
novo livro.. . Enfim, graças a Deus voltou! Quando podemos nos ver?

— Não é tão simples assim, Miles. Olhe, vamos marcar um encontro para
esta noite, certo? Mas, por favor, não espere demais.

— Quer dizer que não tem trabalhado? Bem, não se preocupe. Acho que
poderei contornar a situação por mais algumas semanas. Onde vamos jantar?
No meu apartamento? Tem muito o que explicar, mocinha, e será mais fácil
em particular, não acha?

Lani hesitou.

— Não posso jantar com você, Miles. Preciso conversar com meu pai
também. Passo em seu apartamento mais tarde. Pode ser às nove?

— Está bem. — Miles surpreendeu-se por ela ter concordado em ir ao seu


apartamento, depois de tantas recusas. — Espero você às nove, então.

Lani tomava banho quando seu pai chegou. Ouviu o carro entrando na
garagem e lembrou-se da ocasião em que a chegada dele a deixara em
pânico. Desta vez não se desesperou, mas a perspectiva iminente de revê-lo
trouxe de volta sentimentos que seria melhor esquecer: ressentimento,
raiva e o gosto amargo da traição, que jamais se dissipariam por completo.

A sra. Evans avisou-o da volta de Lani, que saía do banho quando o pai bateu
na porta do quarto.

— Posso entrar, Lani? — A voz de Roger St. John revelava ansiedade e ela
vestiu um robe antes de deixá-lo entrar.

— Olá, papai. Como vai? Parece bem. Seu organismo se dá melhor com o
clima quente, não é?

— Lani, Lani... — Roger estendeu os braços. — Por que essa frieza? Não
somos estranhos. Você é minha filha e, no entanto, me trata como se. .. como
se mal nos conhecêssemos.

— Sinto muito. — Ela se virou para apanhar a escova sobre a penteadeira. —


Achei que seria mais fácil se agíssemos como estranhos. Para evitar
aborrecimentos.

— Puxa vida, menina, ainda não me perdoou? Será que não entende? Se fiz o
que fiz, foi por ciúme. Queria ver Clare se descabelar de raiva, confesso,
mas como poderia adivinhar qual seria a reação dela?

Com a mão trêmula, Lani colocou a escova de volta na penteadeira.

— Isso não importa mais, papai. Está tudo acabado agora e nada do que
disser mudará a situação. Prefiro não falar mais nesse assunto. Não foi para
isso que voltei para casa.
— Pelo menos ainda considera aqui a sua casa, embora não por muito tempo.
A sra. Evans disse que pretende voltar para a Cornualha, é verdade? Está
morando com aquele sujeito?

Lani deu um suspiro de resignação.

— Estou morando na casa dele e só voltei para pegar meu material de


trabalho. Quero terminar meu livro e já marquei um encontro com Miles
hoje à noite, para explicar a situação a ele.

— Pensei que não estivesse conseguindo trabalhar. Robin disse...

— Acho que agora conseguirei. Pelo menos, vou tentar.

— Então já falou com Rossiter. ..

— Sim, conversamos pelo telefone, à tarde.

— Por acaso ele contou que tem me infernizado para descobrir onde
encontrar você?

— Sim, e contou que não houve meio de convencê-lo a dizer.

— Não mesmo. Acha que ficaria orgulhoso por minha filha estar vivendo com
o homem que minha esposa descartou? Pelo amor de Deus, Lani, volte para
casa, para o seu próprio bem. Jake Pendragon só lhe trará problemas.

O apartamento de Miles era moderno e sofisticado. Lani estacionava o carro


na Índia Mews quando ele veio ao seu encontro, acompanhando-a para
dentro do prédio.

— Não se pode facilitar — comentou ele ao entrarem no elevador. — A esta


hora, há muitos tipos suspeitos perambulando pelas ruas e quis ter certeza
de que nada estragaria esta noite.

A sala de Miles era toda decorada em cromados e espelhos, formando um


ambiente no estilo futurista. O carpete branco completava essa impressão.
Embora Lani achasse bonito, preferia o tipo mais tradicional de mobília.

Enquanto Miles preparava os drinques, ela sentou-se numa poltrona macia de


couro. Contemplava uma pintura cubista quando ele se acomodou ao seu lado
e entregou-lhe um martíni.

— Então, por onde tem andado? Telefonei para todos os seus amigos, mas
nem mesmo Robin pôde dar uma pista.

— Robin. . . não disse nada?

— Ele só comentou que você não estava conseguindo trabalhar. É a isso que
se referia?

Lani hesitou.

— Robin não falou nada sobre Jake Pendragon?

— Jake Pendragon? O protegido de sua mãe? Por que Robin falaria sobre
ele? Aliás, soube como ele ficou depois do acidente?

— Sim, soube. — Lani fez uma pausa e se apressou em falar antes de mudar
de idéia. — E lá que tenho andado. Com Jake Pendragon.

Miles teve um sobressalto.

— Esteve com Jake Pendragon? Por quê? Não foi sua culpa ele ter se
machucado. E não vá me dizer que sua mãe incumbiu você de bancar a
enfermeira até ela voltar. Lani, não pode...

— Não é nada disso — Lani o interrompeu, ficando em pé e andando de um


lado para outro da sala. — Não está entendendo, Miles. Devia ter lhe
contado antes, quando foi me visitar no hospital. Você perguntou a razão do
meu interesse por Jake e eu devia ter explicado.

— Explicado o quê? Não pode estar querendo dizer que está. . . envolvida
com ele, não é?

— Estou apaixonada por ele, sim.

— Está falando sério?

— Estou. É por isso que queria ver você, para conversarmos. Queria que
soubesse onde estarei de agora em diante e como entrar em contato comigo.
..

— Quer dizer que está morando com ele?

— Sim.

— Onde? Em Londres?

— Na Cornualha. A avó de Jake tem uma casa entre Helston e Penzance.


Pode deixar recado para mim lá.

— Então não mora com a avó dele?

— Não. Jake possui uma casa nas proximidades, mas não tem telefone.

— O sobrenome da avó é Pendragon também?

— Não. O nome dela é Worth e o do lugar é Tremorna Point. Não sei o


número, mas acho que não será difícil encontrar.

— É inacreditável, sabia? O que deu em você para se envolver com esse


sujeito? Ele. . . ele é meio aleijado!

— Nunca mais fale assim dele! — Lani deixou o copo na mesa e apanhou o
casaco. — Jake não é aleijado. Só está temporariamente inválido. Com o
tempo ele. . .

— Ele se recuperará, eu sei. — O tom de Miles era cético. — Se acreditasse


realmente nisso, não ficaria tão irritada comigo.

Lani encarou-o com olhar desafiador.

— Na verdade, pouco me importa se Jake vai se recuperar ou não. Isto é,


sei que é importante para ele, mas, quanto a mim, estou disposta a aceitar
as coisas como são.

— Não seria por que não precisará se preocupar com competição enquanto
Pendragon estiver inválido?

— É claro que não... — Lani estremeceu.

— Não acredito em você. Ora, Lani, o que fará quando sua mãe voltar? E se
Clare resolver reatar com ele? Já pensou no que Pendragon fará, se tiver de
escolher entre você e a carreira?

Eram seis horas da tarde quando Lani chegou a Tremorna Point, no dia
seguinte. Estacionou no mesmo lugar de antes e, esperando que a sra. Worth
não a visse, tirou as coisas do carro depressa.

Felizmente ninguém apareceu para detê-la e, colocando a bolsa com os


materiais de pintura no ombro, ela carregou a prancheta portátil sob o
braço. Tinha trazido também outra mala com roupas, mas decidiu que seria
mais seguro fazer duas viagens. Descer pela encosta já era tarefa árdua o
suficiente e se deu por satisfeita pelo vento não estar tão forte como
antes.

Mesmo assim, teve a maior dificuldade para levar o cavalete e a bolsa de


lona. Percebeu, um pouco tarde demais, que deveria ter trazido a bolsa e a
mala, deixando para carregar a prancheta depois. Uma ou duas vezes, os
suportes de madeira do cavalete enroscaram na vegetação rasteira, quase
desequilibrando-a. Finalmente, quando já se achava segura, as pernas do
cavalete se enroscaram entre as barras do corrimão de madeira e Lani caiu
sentada.

O grito de dor e frustração foi instintivo. Levantou-se com alguma


dificuldade pois, na queda, tinha batido o cóccix. Sentindo muita dor,
apanhou a bolsa e abriu a porta.

— Sou eu — anunciou em voz baixa, um tanto contrariada por Jake não ter
sequer se dado ao trabalho de ver se ela estava machucada. Mas encontrou
a sala vazia. — Jake!

Deixou as coisas no chão e saiu à procura dele. Logo imaginou que estivesse
na cozinha, preparando alguma coisa para comer, e que por isso não a ouvira
chegar. Mas a cozinha também estava vazia.

— Jake!

Lutando contra o desespero, ela subiu a escada correndo, indo direto para o
quarto. Também não encontrou ninguém lá e o pânico dominou-a enquanto
descia. Onde ele estava? Onde? Certamente não seria cruel a ponto de
partir sem dizer nada.

— Oh, Jake. ..

Lani sentou-se no último degrau da escada e escondeu o rosto entre as


mãos. Nisso, ouviu o barulho de água corrente. Erguendo a cabeça, percebeu
que havia alguém no banheiro e, sem hesitar, correu para lá.

— Que diabo. . . Lani!

Ela ficou parada na porta, aliviada demais para prestar atenção ao protesto
furioso de Jake. A consciência de que ele estava ali, diante dela, e não a
quilômetros de distância como temia, era tão emocionante que não conseguiu
obedecê-lo. E o fato de apenas uma toalha creme cobrir seu corpo, na altura
dos quadris, era mais um motivo para não desgrudar os olhos dele.

— Pelo amor de Deus, Lani, saia daqui! — Jake estendeu o braço para pegar
um robe marrom, mas ela se antecipou, segurando-o para ele.

Sem alternativa, Jake se virou para que ela pudesse colocar o robe sobre
seus ombros. Lani desejou beijar aquela pele morena coberta de pêlos
queimados pelo sol, mas não se atreveu.

— Não sabia onde você estava e fiquei preocupada — comentou, afastando-


se dele.

— Como assim?

— Não me ouviu chamar você? Fui até lá em cima procurá-lo. Eu. .. eu levei
um tombo na varanda. Se é que está interessado nisso, é claro.

Jake estava ocupado em ajeitar as muletas sob os braços e ergueu a cabeça


subitamente.

— Você caiu? Como conseguiu essa façanha?

— Me atrapalhei com o cavalete que trouxe. Devia perguntar se me


machuquei, em vez de ficar aí com essa cara de bravo.

— Não deve ter sido nada grave, já que conseguiu subir e descer a escada
aparentemente sem nenhuma dificuldade. Mas, na verdade, ouvi o barulho.
Foi quando resolvi sair do banho.

— Poderia ter respondido quando chamei.

— Não ouvi, mas de qualquer maneira não gostaria de recebê-la em trajes


menores.

— Pelo jeito, não sentiu a minha falta.

— Está enganada. — O olhar de Jake não revelava nenhuma satisfação. —


Esta manhã desejei muito ter seu pescocinho ao alcance das minhas mãos.
Infelizmente, é claro, você não estava.

— Não entendi.

— Minha avó veio me visitar. Agora quer sair daqui, por favor? Quero me
vestir.

— Sua avó veio visitar você? — Lani arregalou os olhos de espanto. — A sra.
Worth veio aqui?

— Ela não é inválida. Só age como se fosse. Feche a porta quando sair, sim?
Estou ficando com frio.

Lani saiu e fechou a porta, pensativa. A notícia de que a sra. Worth tinha se
dado ao trabalho de descer por aquela encosta íngreme para visitar o neto
era inacreditável. Mas por quê? Lani tremia enquanto atravessava a sala
para ir até a janela. Será que sua rápida conversa com a velha senhora tinha
alguma coisa a ver com isso? E, mais importante, a sra. Worth teria contado
a Jake que conversaram?

Ainda estava parada à janela quando ele apareceu, já vestido com calça de lã
cinza e um suéter preto. Lani notou que ele usava apenas uma das muletas e
não enfaixava mais as mãos, que perdiam a palidez provocada pela falta de
contato com o ar. Entretanto, ele nunca parecera tão perturbado ou
perigosamente vulnerável. As palavras de Miles lhe vieram à lembrança e ela
se pôs a imaginar o que Jake faria se Clare reaparecesse. Se sua mãe
descobrisse que a recuperação dele era progressiva, poderia querer outra
chance. . . E Lani não acreditava que os interesses de Clare fossem
puramente mercenários. Ela gostava de Jake, tanto do homem como do
músico, e, com tempo e estímulo, ele poderia vir a esquecer. ..

— Por que ainda está com o casaco? — disse Jake, interrompendo o curso de
seus pensamentos.

— Oh, é que deixei a outra mala no carro. Vou pegar mais tarde. Quer um
chá agora?

— Ainda não — Jake recusou, sentando-se no braço de uma poltrona. — Por


que não me contou que esteve com minha avó? Ficou com medo que eu a
atirasse pela janela por confraternizar com o inimigo?

— Ela não é sua inimiga.

— Não acredite nisso. Ela quer me dominar, ter o comando total. .. não é
essa a palavra estratégica para isso?

— Ela gosta de você e só quer ajudar.

— Ela quer me tornar sua propriedade!


— Ela veio visitá-lo.

— Porque você a fez sentir remorsos por não ter vindo ainda.

— Isso não é verdade. Ela só precisava de um. . . um motivo, entende? A sra.


Worth é uma pessoa muito solitária e infeliz.

— Vejo que ela conseguiu uma aliada.

— Não é nada disso, Jake. Não deixei que ela me intimidasse, se é isso que
pensa.

— Não? — Jake deu uma risada sarcástica. — No entanto, você contou a ela
tudo sobre mim. Até o fato de eu ter saído do hospital por iniciativa
própria.

— Não pretendia contar.

— Exatamente. Mesmo assim, minha avó conseguiu arrancar a verdade.

— O que ela queria com você?

— Conversar.

— Sobre o quê? — Lani não conseguiu reprimir a curiosidade e os olhos de


Jake se estreitaram com desconfiança.

— Por que devo contar? Você não confiou em mim.

— Ouça, Jake, eu teria contado, mas. ..

— ... mas não sabia qual seria a minha reação. Qual é o problema, afinal? Ela
por acaso quis saber sobre o nosso relacionamento?

— Talvez. . . — foi a resposta evasiva.

— Seja como for, você contou que era filha de Clare Austin.

— Não contei, ela já sabia. Mas o que importa isso agora?

— Ela acha que devo me casar com você. Sabia disso? Lani corou, mas
resistiu ao impulso de se virar.

— Não.

— Estou curioso para saber o que a fez mudar de idéia sobre você.

— Não pergunte a mim. Essa foi a única razão da visita dela?


— Ela veio também para se certificar de que você não tinha me abandonado
e sugeriu que eu faça um tratamento com um fisioterapeuta do hospital de
Penzance.

— E você concordou.

— Não.

— Oh!

Lani não conseguiu esconder o desapontamento e já começava a sentir os


efeitos da tensão emocional daquela conversa. Achava que tinha feito bem,
mas era óbvio que os sentimentos de Jake com relação à avó não tinham
mudado. Ficou embaraçada ao notar o olhar fixo dele.

— Desiste com facilidade, não é? — foi o comentário irônico de Jake. — A


velha, não. Hoje à tarde, uma fisioterapeuta veio me examinar. Foi chamada,
é claro, por minha avó, que sabia que eu não a mandaria embora.

— Uma fisioterapeuta?

— A srta. Shelley. Quando ela terminou a sessão, me senti pior do que logo
depois do acidente.

— Então era por isso que. ..

— Que estava tomando banho a esta hora. Para relaxar meus músculos
doloridos!

Lani tentou sorrir.

— Espero que lhe faça bem.

— Só sei que foi uma agonia.

— Sim, mas vai ajudar.

— Por favor, poupe-me dos chavões. Já é ruim o bastante saber que a velha
conseguiu mais uma vez impor a sua vontade.

— Ela só quer o seu bem.

— Duvido muito. Mas estou tentado a fazer o jogo dela.

— Como assim?

— Talvez me case com você. — A voz de Jake não revelava nenhuma emoção
e os joelhos de Lani tremeram.

— C... casar comigo? — Ela nem ousava imaginar que Jake falava sério.

— Por que não? Que surpresa a velha teria quando descobrisse que a filha
de Clare Austin pode ser tão falsa quanto a mãe!

— Precisa ser tão irônico?

Lani tremia da cabeça aos pés e se virou, com o peito arfando, enquanto
tentava controlar a angústia que o sarcasmo dele provocara. Jake tinha dito
palavras cruéis antes, mas aquilo era demais! Cravou as unhas nas palmas das
mãos, para refrear as emoções.

— E então?

A pergunta de Jake forçou-a a se virar e, sufocando o nó na garganta., ela


conseguiu retrucar com desdém:

— Não espera que eu leve essa proposta a sério, não é?

— Por que não?

Jake sequer pestanejou e sua firmeza quase foi a perdição de Lani. Embora
quisesse muito aceitar, ela sabia que não haveria futuro para os dois
naqueles termos.

— Todos nós. . . nós podemos mudar de idéia, sabe como é. Não deveria. . .

— O que quer dizer com mudar de idéia? — Jake se levantou do braço da


poltrona e a ironia foi substituída por uma onda súbita de hostilidade.
Segurando-a pelos ombros, fez com que o encarasse. — Pensei que era isso
que queria. Ou será que já está se cansando de morar aqui comigo?

Embora o tormento dele apertasse seu coração, Lani sabia que não poderia
ceder:

— Eu. . . pode ser. Ou talvez eu precise de mais tempo para pensar em sua
proposta.

— Pois pode esquecer! — Os olhos felinos de Jake chispavam fogo. — Retiro


a proposta. Para começar, nem deveria ter falado nisso. Você tem toda
razão. As pessoas mudam de idéia e pode ter certeza de que as minhas não
são mais inflexíveis que as suas!
O controle de Lani desmoronou.

— Jake...

Mas ele não a ouviu e atravessou a sala com uma rapidez espantosa, parando
apenas na porta para dizer com frieza:

— Espero que vá embora e avise Hannah, para ela não trazer mais comida do
que o meu estômago pode agüentar!

CAPITULO XVIII

O salão Regency do Hotel Bentynck estava lotado e Lani tomava champanhe,


esforçando-se para dar a impressão de estar se divertindo. Afinal, aquela
recepção era em sua homenagem e devia ao menos demonstrar gratidão pelo
entusiasmo dos editores por seu novo livro. Mal podia acreditar que a
história de Matilda e Mogbat estivesse pronta, considerando as
circunstâncias pouco favoráveis em que foi escrita. Mas finalmente o texto
foi examinado, o trabalho de arte aprovado, e o Novo Aprendiz de Matilda
já estava ao alcance dos leitores.

O problema era que Lani sempre ficava irrequieta quando estava longe da
Casa do Mar. Raramente deixava Jake sozinho e, embora soubesse que ele
não lhe agradecia por isso, nunca ficava em Londres mais tempo que o
necessário.

Não por achar que ele sentia sua falta. Pelo contrário, desde que a sra.
Worth fizera questão de que Hannah dividisse o tempo igualmente entre as
duas casas, Jake nunca ficava sozinho por muito tempo. A presença da
empregada também ajudou a aliviar a tensão entre ele e Lani. Além disso,
Judith Shelley vinha quase todos os dias e, enquanto a fisioterapeuta
cuidava do paciente, Lani procurava ficar fora do caminho.

Os últimos três meses não tinham sido fáceis. Foi preciso muita
determinação para continuar lá depois do incidente desastroso com Jake,
principalmente por ela saber que era culpada por aquela situação. Mas a
proposta de casamento a apanhara de surpresa e, embora quisesse muito
aceitar, os motivos que o tinham levado a fazer o pedido roubaram-lhe esse
direito. Sabia que Jake esperava que ela fosse embora, e às vezes imaginava
por que decidira ficar, mas a leve esperança de que nem tudo estivesse
perdido a prendia na Casa do Mar, suportando o sarcasmo e a raiva dele.

O fato de ter a sra. Worth como aliada não era muito consolador. Lani não
podia deixar de culpá-la pela deterioração de seu relacionamento com Jake,
pois ele a acusava de estimular sua avó a interferir em sua vida e nem a
recuperação progressiva da força nos músculos parecia animá-lo.

A noite em que Jake a confortara depois do pesadelo, quando tinham feito


amor, parecia muito distante agora. O pouco contato que mantinham se
limitava a assuntos impessoais, exceto nas ocasiões em que ele cismava em
agredi-la com ironias. Isso não era freqüente e Lani desconfiava que as
doses de uísque tinham muita influência naquelas atitudes dele.

No entanto, temia as noites em que Jake resolvia sentar na sua frente e


encará-la à luz da lareira. Aqueles olhos castanhos a examinavam com
sensualidade, minando sua tentativa de manter a compostura. As palavras
dele eram quase sempre insolentes, ditas num tom sarcástico e de desprezo.

Mesmo assim, ela continuava ali, sendo alvo de humilhações e desdém, e


tentando se convencer, sem muito sucesso, que um dia tudo melhoraria. Se
alguém lhe contasse que duas pessoas podiam viver separadas sob o mesmo
teto, não teria acreditado. Entretanto, isso não só era possível, como estava
acontecendo com ela mesma. Somente o fato de Jake não tê-la expulsado
ainda lhe dava alguma esperança.

Isso magoava muito, principalmente ao ver que ele não era tão mal-humorado
com Hannah ou Judith Shelley.

Às vezes, enquanto trabalhava no quarto, o ouvia rir com a fisioterapeuta e


nessas horas precisava de muito esforço para controlar o ciúme. Não que
Judith desse motivos para isso. Era uma especialista em seu trabalho, mas
não fazia o gênero femme fatale e as duas muitas vezes tomavam café
juntas enquanto Jake tomava banho. Mesmo assim, não conseguia deixar de
se ressentir com as horas que eles passavam juntos e que poderiam estar
sendo dedicadas a ela.
— Está se divertindo? — A voz afetuosa de Miles e o braço em sua cintura
tiraram Lani do devaneio.

— Não muito. Está abafado aqui. Quando acha que poderei ir embora?

— Bem... — Miles olhou à sua volta. — Os discursos acabaram e o champanhe


está quase no fim. Acho que poderemos sair logo, se é isso que quer. Vamos
jantar juntos, certo? Conheço um lugar muito agradável às margens do rio,
onde servem os camarões mais deliciosos que já provei.

— Não sei. . . — Lani hesitou.

— Ora, você prometeu!

— Sei que prometi, mas não quero me deitar tarde. Pretendo partir amanhã
bem cedo para a Cornualha.

— Já?

— É claro. Por que não?

— Ah, sei lá! — Miles deu um suspiro de resignação. — Sabe, fico pensando
em quanto tempo essa situação vai durar.

— Que situação?

— Não se faça de desentendida. É claro que estou falando dessas suas


viagens entre Londres e a Cornualha. Quero dizer, nem estão casados...

— É problema meu.

— Meu também. Gosto de você, Lani, sabe disso. E até esperava. . . Isto é,
não gosto de ver Pendragon se aproveitar de você desse jeito. Sei que não é
da minha conta, Lani, mas não posso fingir que aprovo esse relacionamento.

— Não sabe qual é o nosso relacionamento, Miles.

— Sei que estão morando juntos. Não sou tão idiota assim. Jake Pendragon
não é do tipo que. . . bem, que joga oportunidades fora.

— Jamais esperei tanto pudor de você, Miles.

— Não é pudor. Só não quero vê-la magoada. E é o que Pendragon vai fazer.
Tenho certeza.

— Miles, prefiro não falar mais nisso.


— Está bem, está bem. Aliás, como está ele? Teve notícias de sua mãe?

— Por que insiste em lembrar de minha mãe? Já disse que Clare continua nos
Estados Unidos e não tem mais o menor interesse em Jake. . . ou em
qualquer um de nós!

— Você é quem sabe. — Miles sacudiu os ombros.

— Sei mesmo — Lani retrucou e se virou para a porta.

— Vem comigo? Se não quiser, posso tomar um táxi para casa.

Lani passou a noite em Pelham Court, como sempre, e acordou bem cedo.
Quando Roger St. John desceu, encontrou a filha já pronta para sair. O
relacionamento deles ainda estava estremecido e ele não fez nenhum
comentário quando Lani disse que nem tomaria café.

— Dirija com cuidado, querida. — Foi sua única concessão à ansiedade, e Lani
despediu-se com um beijo talvez um pouco mais caloroso que o das outras
vezes.

— Cuide-se, papai. E despeça-se da sra. Evans por mim, está bem? Ah,
agradeça a ela por ter passado minhas roupas.

— Está bem. — Roger St. John acenou em despedida.

— Até logo.

Lani fez a viagem em tempo recorde. Apesar de a época de férias já ter


começado, as estradas estavam livres. O fato de ter saído cedo certamente
ajudou e o clima também era favorável. Aos poucos, a névoa da manhã deu
lugar a um calor cada vez mais intenso. Pela primeira vez teve a sensação
inesperada e não muito bem-vinda de volta ao lar quando as terras bem
cuidadas de Wiltshire e Somerset foram substituídas pelas extensões mais
agrestes da região oeste. Conhecia muito bem aquela estrada agora, e tinha
tranqüilidade suficiente para encontrar-se com a luz do sol refletida nos
riachos e com o reluzir distante do mar.

Esperava não ser vista pela sra. Worth enquanto se aproximava da casa em
Tremorna Point. Desde a visita à Casa do Mar, a avó de Jake parecia ter
adotado vida nova e não passava mais os dias trancada no quarto. Segundo
Hannah, ela fazia questão de se vestir todas as manhãs e, em vez de dar as
ordens do dia na cama, fazia isso no sofá na sala.

A casa parecia muito melhor com as janelas abertas e, embora jamais se


pudesse considerá-la bonita, a luz do sol dava vida à construção.

"Como a mim mesma", Lani pensou, olhando com tristeza para os braços
magros. Ultimamente, andava quase sem apetite e comia apenas o essencial,
não sentindo nenhum prazer nas refeições. A ansiedade quanto ao futuro a
acompanhava sempre e sentia a mesma apreensão quando voltava para a Casa
do Mar depois de estar algum tempo fora.

Ninguém apareceu e, com alívio, ela começou a descer a encosta do rochedo.


Era difícil ser cordial quando só conseguia pensar em como Jake estava e
com que humor o encontraria. Sua pulsação acelerou-se ao ver o teto da
casa embaixo.

Parou para recuperar a respiração, tirando do rosto os cabelos revoltos pelo


vento. Ávida por um copo de água gelada, pegou a mala e ia recomeçar a
andar quando ouviu as notas suaves de um piano que se propagavam pelo ar.
Seu coração palpitou enquanto acelerava os passos.

Não sabia explicar por quê, mas suas passadas diminuíram enquanto se
aproximava dos degraus da varanda. A música era mais nítida e, embora
pudesse vir do rádio ou do aparelho de som, ela não queria interromper.
Jake não tinha demonstrado interesse em qualquer forma de música desde o
acidente e a possibilidade de ele ter mudado de idéia foi suficiente para
deixá-la imóvel.

Era demais esperar que fosse Jake tocando e Lani nem sabia se desejava
isso. O fato de ele estar aproveitando a sua ausência para restabelecer o
contato com a música, de uma forma ou de outra, era motivo suficiente para
intimidá-la. Ficou parada, hipnotizada pela melodia. Não conhecia aquela
peça de um inconfundível apelo popular. Pensando nisso, outra idéia lhe
ocorreu de súbito: não era o tipo de música de Jake!

Não era Brahms ou Beethoven, nem Chopin ou Rachmaninoff. Nem era


música clássica. Continuava parada ali, tentando decidir se devia ou não
interromper, quando podia perfeitamente ser Hannah ou a sobrinha dela,
Susan, ouvindo o rádio.
Dominando a hesitação, Lani subiu à varanda. Não gostava nem um pouco da
possibilidade de Susan estar entretendo Jake em sua ausência e abriu a
porta com alarde.

A música cessou imediatamente e Lani parou no meio da sala, desconcertada.


Era Jake quem estivera tocando e a sua entrada foi tão súbita que ele nem
teve tempo de se afastar do piano. Em vez disso, ficou imóvel, com as mãos
nas teclas. Lani sentiu a garganta seca, consciente do que fizera. Daria tudo
para poder recuar sem que ele a visse, mas era tarde demais. Tinha de sair
daquela situação da melhor forma possível.

— Voltou cedo — Jake comentou, levantando-se e pegando a bengala.


Ultimamente não usava mais a muleta e, embora o joelho parecesse
incomodar um pouco, já podia andar sem apoio.

— É. . . — Lani colocou a mala no chão e fechou a porta. — Desculpe. . .

Jake ignorou o pedido de desculpas e se serviu da limonada que estava sobre


a mesa, oferecendo-lhe um copo.

— Tome isto. Parece que está precisando.

— Obrigada. Estou morrendo de sede. Como adivinhou?

— Não adivinhei nada. É que você estava com cara de quem ia desmaiar. Por
que não senta? Acho que o calor está afetando seu organismo.

— Não é o calor.

A resposta escapou dos lábios de Lani, mas, percebendo que Jake não
confiaria nela, aceitou a sugestão e foi sentar-se no sofá. Ele tinha razão.
Estava trêmula e não sabia como lidar com o caos de seus pensamentos. Há
quanto tempo aquilo acontecia? Por que ele tocava em segredo sabendo o
que isso significava para ela?

Jake deu a volta no sofá e sentou-se na poltrona em frente. Usava uma


camisa aberta no peito, calça de algodão e tênis. Esticou as pernas, que
ficaram bem na linha de visão de Lani.

— Por que está com essa cara? — O tom de voz dele era brusco.
Massageando a coxa, continuou: — O que espera de mim? Que peça
desculpas?
— Claro que não! Jamais esperaria isso de você. — Lani recuperava o
controle e a mágoa tomava o lugar do constrangimento. — Só quero que
admita que era você quem tocava. Pelo visto, tem feito mais progresso do
que se podia imaginar.

— Não seja boba. Estava. . . brincando com as teclas, só isso. Não toquei
nada que exigisse muita técnica. Era uma peça que compus há muitos anos,
quando achava que só teria futuro como compositor.

— Então foi você quem compôs aquela música?

— Foi, por quê? É muito ruim?

— Não! Achei ótima, de verdade! Adorei. Tem apelo popular.

— Não diga! — Jake ironizou, mas Lani continuou, entusiasmada:

— É verdade! Nunca tentou gravá-la?

— Não. Não é tão fácil assim, pode crer.

— Mas é muito boa! Compôs outras músicas?

— Ultimamente, não.

— Não quis dizer ultimamente.

— Compus algumas outras, sim. Antes de ir procurar a fama e a fortuna nos


Estados Unidos.

Lani ignorou o sarcasmo.

— Quer saber o que acho? Acho que deveria mostrar essas composições a
alguém.

— É mesmo? — Jake recostou a cabeça no encosto da poltrona. — Acha que


tenho outro talento? Esqueça, Lani. A música acabou para mim.

— Mas ainda pode tocar. ..

— Não, posso bater nas teclas. O que é bem diferente de tocar.

— Melhorou muito desde aquela primeira tentativa, lembra-se?

— Aquilo foi só para provocar você. Naquele dia, produzi uma cacofonia de
sons de propósito, para convencê-la de que era inútil me incentivar.

— Quer dizer. . . Quer dizer que sempre pôde tocar como fez agora?
— Talvez não tão bem. Tenho praticado um pouco.

— Sem me dizer nada!

— Como, se você não estava aqui?

— Que sujeira!

— Pode ser, mas pretendia contar-lhe algum dia.

— Não acredito.

— Problema seu. — O humor de Jake começava a mudar e já se viam os


primeiros sinais de hostilidade em seu rosto, mas Lani não conseguiu ficar
calada.

— Aposto como Hannah está a par disso. E Judith também! Na certa, ela se
acha responsável por isso.

— Judith recomendou mesmo que eu exercitasse as mãos o máximo possível.

— Você... você é desprezível, sabia? — Lani ficou de pé, com o peito arfando
de indignação. — Sabia o quanto isso significava para mim e, no entanto,
escondeu de propósito!

— Adivinhe por quê? Porque sabia o que aconteceria, qual seria sua reação.
Pelo amor de Deus, Lani, pare de fazer drama!

— Não estou fazendo drama nenhum! Você toca piano às escondidas e, só


porque fico magoada pela sua falta de confiança em mim, sou acusada de
fazer drama!

Jake deu um suspiro de impaciência.

— Não quis que alimentasse esperanças vãs.

— É mesmo? Ou será que pretendia retomar a carreira sem me dizer?

— Não seja ridícula!

— O que há de ridículo nisso? — Lani lembrou-se das palavras de Miles. —


Por acaso, minha mãe entrou em contato com você? É isso? Aposto como
Clare disse que vai lhe dar outra chance, se for um bom menino desta vez,
não é?

— Você está louca!


— Será?

Sufocando um soluço, Lani se virou, não querendo demonstrar o quanto ele a


transtornava. Devia ir embora dali agora. Jake era mentiroso, enganador e
só destruiria sua vida.

— Lani...

O tom frustrado com que Jake pronunciou seu nome foi como uma carícia
ardente e, exatamente quando Lani decidia que precisava de mais tempo
para pensar em toda aquela situação, sentiu o calor da respiração dele em
seu pescoço. Estavam tão próximos que a energia de um corpo parecia
passar para o outro. Lani prendeu involuntariamente a respiração ao sentir
os braços fortes envolvendo sua cintura. Incapaz de resistir, recostou-se
àquele corpo másculo e seu coração acelerou-se ao sentir a língua dele
acariciando-lhe a pele sensível do ombro. Era uma carícia quente e úmida,
extremamente sensual, e ela abandonou qualquer resistência, convidando-o a
continuar.

Com um murmúrio ininteligível, Jake mordiscou-lhe a ponta da orelha


delicada, machucando-a e excitando-a ao mesmo tempo, fazendo-a
contorcer-se insinuantemente contra o corpo dele, incitando-lhe o desejo.
Fazia muito tempo que Jake não a tocava nem beijava, revelando o quanto
sua presença o perturbava. Ele a fez virar-se para poder encará-la, e Lani
sentiu toda a excitação do corpo que pressionava o seu.

— Se ao menos eu não te desejasse tanto. . . — Jake sussurrou, aninhando


rosto de Lani nas duas mãos, com um olhar ardente. Então, quando os lábios
dela se entreabriram para protestar, um beijo ávido sufocou qualquer
palavra.

Era uma invasão violenta nos sentimentos mais íntimos de Lani. Aquele beijo
deixou-a frágil e vulnerável, incapaz de impedir a exploração ousada de seu
corpo. As mãos de Jake subiram pelas coxas dela até infiltrarem-se sob a
camiseta para acariciarem os seios túrgidos de excitação, enquanto o beijo
se tornava mais e mais ardente.

Lani parecia flutuar, latejando de ansiedade pelo toque dele. Queria ser
acariciada em todo o corpo e, mais que isso, desejava ser possuída e
invadida por Jake.

Instintivamente, ela começou a explorar o corpo dele também, abrindo a


camisa para afundar o rosto nos pêlos macios que cobriam toda a extensão
daquele peito viril. Queria tocá-lo do mesmo modo como ele a tocava. Suas
mãos deslizaram pelo corpo de Jake e, num gesto ousado, abriram o zíper da
calça, sentindo o membro vibrante de desejo sob os dedos. Jake
estremeceu com aquela carícia íntima.

— Lani. . .

Então os dois gelaram ao ouvir passos. Mais do que depressa, ela se afastou,
ajeitando as roupas e os cabelos, e Jake fez o mesmo. Quando Judith
Shelley bateu na porta, a fisionomia dele era impassível, e só Lani notou a
chama passional naqueles olhos castanhos e a veia que pulsava em ritmo
acelerado na têmpora.

— Você voltou — comentou Judith ao ver Lani.

— Mais cedo do que esperava — Lani concordou, lançando um olhar


significativo a Jake, que deu um sorriso velado antes de cumprimentar a
fisioterapeuta.

Judith entrou, aparentemente sem notar a comunicação silenciosa entre os


dois. Era quase da altura de Lani, embora de constituição mais forte e
braços cheios de músculos, provavelmente adquiridos em decorrência de sua
profissão. Mas acima de tudo era uma moça simpática, de atitudes bem
femininas, tendo o mesmo gosto de Lani por roupas descontraídas e
perfumes franceses.

— Pelo visto, melhorou muito desde a última vez que nos vimos — comentou a
fisioterapeuta, notando que seu paciente se apoiava apenas na bengala.
Quando estive aqui há dois dias, ele estava intratável e se recusou a
cooperar.

— É mesmo? — Lani arregalou os olhos, surpresa com aquela informação, e


olhou para Jake, buscando em vão uma confirmação.

— Acho que Lani não está interessada nisso, Judith. Onde me quer? Aqui ou
na varanda?

— Puxa, que proposta! — Judith brincou, mas ele não estava com disposição
para isso.

— Podemos andar logo com isso? — Jake se impacientou e Judith encolheu


os ombros.

— Na varanda é melhor. Está tão quente, não?

Lani estava entretida com os próprios pensamentos e concordou


distraidamente com o comentário de Judith. A informação de que Jake
estivera de mau humor durante sua ausência era até certo ponto lisonjeira.
Tinha partido para Londres na segunda-feira e tudo levava a crer que,
afinal, Jake sentira saudades.

Era uma idéia tão tentadora que ela perdeu a noção de tempo e espaço.
Quando foi para a cozinha preparar um suco, quase não tinha consciência do
que fazia, e ficou surpresa ao voltar para a sala e descobrir que a
fisioterapeuta já tinha ido embora. Encontrou Jake na varanda, estirado no
banco estofado. Quando apareceu à porta, ele a mediu com os olhos semi-
cerrados. Tinha tirado a camisa e a calça e cobrira-se apenas com uma
toalha enrolada nos quadris. Sua aparência era mais viril e saudável que
nunca e Lani cerrou os punhos, antecipando o que aconteceria a seguir.

— Parece calmo — comentou, enfiando as mãos nos bolsos da calça, para


esconder o tremor. Mesmo assim, Jake pareceu notar e levantou-se, num
movimento brusco.

— Vou tomar um banho agora.

— Ainda não — Lani protestou, impedindo-lhe a passagem. Quando estendeu


a mão para tocá-lo, ele se afastou.

— Acho melhor tomar meu banho agora. Sente-se aqui e relaxe. Não
demoro. Temos muito o que conversar.

— Não podemos conversar agora?

— Não estou em trajes decentes, não acha?

— Para mim está muito bem.

— Não, Lani. Não estou. — Jake estava decidido e entrou em casa, sem
dizer mais nada.

Quando ele voltou, encontrou-a abatida. Estava sentada no banco, com as


costas apoiadas na parede, e nem o sol que ainda brilhava conseguiu
levantar-lhe o ânimo. Sabia que havia alguma coisa errada. A chegada
inoportuna de Judith representara mais do que o adiamento do amor.
Parecia ter destruído o que os aproximara naquele instante. Lani sentiu um
peso no coração quando viu Jake.

— Quer um drinque?

Ela recusou, com o olhar perdido nos reflexos da luz do sol sobre a
superfície do mar. Estava a ponto de chorar e não tinha certeza de que
conseguiria continuar como antes, se era isso que Jake queria.

Ele tomou um gole do seu aperitivo e deixou o copo no parapeito da varanda.


Parecia pensativo e pouco à vontade, fazendo-a imaginar o que fizera o
humor dele mudar. Lani continuou a olhar para baixo e ele se recostou a uma
das colunas da varanda.

— Quero que vá embora, Lani. Hoje. Esta noite. O mais cedo possível. Não
confio mais em mim com você por perto e quero que vá embora.

— Quer mesmo?

— Quero.

— Mas não quero ir! — Diante das circunstâncias, ela via pouca perspectiva
de ficar, mas insistiu: — Antes de Judith chegar, nós. . .

— Antes de Judith chegar, eu tinha perdido a cabeça. Desculpe, mas foi


você quem me provocou. O que houve, afinal? Por acaso levou o fora do seu
namoradinho de Londres ou coisa parecida?

Lani ficou perplexa.

— Não tenho nenhum namorado em Londres.

— Não?

— Não. Sabe que não, Jake. Acho que é você quem tem de explicar o que
está acontecendo.

— Aquele sujeito... o tal Rossiter. . . parece muito atencioso.

— Miles é meu editor!

— Sei que ele sempre manda recados por meio de Hannah.


— Jake, são recados sobre negócios. Ele estava preocupado com o novo
livro.

— Estava?

— Sim. Jake, está com ciúmes?

— Por que deveria? Não tenho direitos exclusivos sobre você.

Lani balançou a cabeça, confusa.

— Não entendo nada disso.

— Não? — O tom de voz dele era cético. — Então suponho que tocou no
nome de sua mãe agora há pouco só por acaso, não foi?

— Minha mãe não tem nada a ver conosco.

— Não?

— Não. Jake, vamos conversar como gente civilizada? Vivemos juntos há


tanto tempo.. .

— Nós não vivemos juntos — Jake corrigiu com agressividade. — Apenas


moramos sob o mesmo teto, e vejo agora que foi loucura deixar você ficar.
Contanto que não tocasse em você, não havia perigo. Só que esta tarde ficou
provado que o desejo ainda existe. Que não o destruí, só estava adormecido.
E não posso viver com isso.

— Por quê?

— Porque esse tipo de relacionamento não me interessa.

— É mentira!

— Tem de acreditar.

— Jake, você disse que gostava de mim!

— As coisas eram diferentes na época.

— Diferentes como?

— Ainda tinha ilusões de que você gostava de mim.

— E gosto mesmo. Sabe que sim.

— Não me refiro a piedade, Lani.


— Nem eu!

— Mas não gosta o suficiente para aceitar um relacionamento mais


permanente!

— Um relacionamento mais permanente? Não sei do que está falando.

— É claro que sabe! Na tarde em que lhe contei que a velha esteve aqui, se
não me falha a memória, fiz uma proposta e você simplesmente recusou.

— Quer dizer... está falando da proposta de casamento?

— Então se lembra. — O sorriso de Jake era irônico.

— Não pensei que estivesse falando sério.

— Por que não?

— Você disse qualquer coisa sobre dar uma lição em sua avó.

— É. . . talvez tenha dito.

— Sabe que disse, assim como sabia muito bem que eu recusaria qualquer
proposta naqueles termos. Você me fez recusar.

— Eu?

— Pare com esses seus joguinhos, Jake. Sabe que sempre quis casar com
você. Por que outro motivo eu teria ficado aqui todo esse tempo, mesmo
contra a sua vontade?

— Já me fiz essa pergunta um milhão de vezes.

— E qual sua conclusão?

— Não encontrei nenhuma resposta satisfatória ainda.

— Ora, Jake!

As lágrimas reprimidas há quase uma hora transbordaram de repente e Lani


virou o rosto. A tensão foi demais para um dia só. Primeiro, a sensação de
ter sido traída quando ele aproveitava suas ausências para tocar, depois a
tempestade emocional, o anticlímax quando ele a deixara sozinha na varanda,
e agora a angústia de ser mandada embora. Soluçava como se o peito fosse
explodir e Jake a observava, frustrado.

— Meu Deus, Lani... — ele começou a dizer, aproximando-se, mas ela se


encolheu mais contra a parede, sem encará-lo.

Foi então que a ponta de um envelope branco debaixo do banco chamou sua
atenção. Embora meio atordoada e com a visão turva pelas lágrimas, Lani se
abaixou para apanhar o envelope. O selo não lhe deu nenhuma pista sobre a
identidade do remetente, mas ela reconheceu a caligrafia de imediato. Era a
letra de sua mãe e fora entregue, sem dúvida, por Judith Shelley.

Jake ficou imóvel quando a viu pegar a carta e Lani ergueu os enormes olhos
verdes, esperando uma explicação, embora talvez não consciente disso.

— Leia, se quiser, Lani.

Ele não tentou sequer se defender, mas Lani jogou o envelope no banco como
se estivesse contaminado.

— Não preciso ler. Posso imaginar o que diz. De algum modo, Clare conseguiu
envenenar sua cabeça contra mim, não é? E mesmo depois de tudo que
aconteceu você não hesita em acreditar mais nela do que em mim.

— Já não sei em quem acreditar. Pensei que podia confiar em você...

— E agora não confia mais. Por quê? O que Clare disse, afinal? Que não era
ela quem dirigia aquele carro, e sim eu?

— Não seja boba...

— Quem está sendo boba? Também pensei que podia confiar em você e, no
entanto, descubro que se corresponde secretamente com minha mãe.

— Não estou me correspondendo com sua mãe. O que pensa que sou?

— Começo a duvidar.

— O que quer dizer com isso?

— Acho muito estranho Clare escrever justamente agora que você começa a
se recuperar. Se eu não fosse tão ingênua, diria que foi você quem escreveu
para ela. Talvez pedindo ajuda!

— É isso que pensa?

— Por que não? Minha mãe já o ajudou muito uma vez. Por que não outra
vez?

A fisionomia de Jake era dura e fria.


— 0 que está insinuando?

Lani encolheu os ombros, sabendo que estava a caminho da autodestruição,


sem chances de salvamento.

— Como posso saber por que minha mãe resolveu incentivar você? Só tenho
a sua palavra de que tudo não passou de um arranjo comercial. Talvez não
tenha sido. Quem sabe se as condições não foram bem mais pessoais? Foi
por isso que ela escreveu? Para ter o retorno de seu investimento?

Jake ergueu o braço num impulso, mas no último instante pareceu recuperar
o bom senso e desistiu do gesto de violência. No entanto, a raiva não passou,
erguendo entre ele uma barreira intransponível, e Lani sabia que não havia
mais nada a dizer.

- Suma da minha frente — ele falou pausadamente, sem erguer a voz, mas
aquelas palavras revelavam toda a intensidade de seu ódio. Não havia
emoção, só uma fria determinação. Reprimindo um soluço, Lani correu para
dentro de casa.

CAPITULO XIX

— Está muito bom — comentou Miles, caminhando pela sala do apartamento.


— Você tem bom gosto. Aliás, sempre soube disso. Tem certeza de que será
feliz morando aqui sozinha?

— Acho que sim — Lani respondeu sem muita convicção e virou o rosto. Às
vezes, perguntas como aquela ainda a perturbavam, se bem que aos poucos ia
aprendendo a viver consigo mesma. — O que vai tomar? Scotch ou vinho?
Infelizmente você não tem muita opção, mas o uísque é bom. Foi presente de
meu pai.

Miles aceitou o uísque e sentou-se no sofá, examinando novamente o


ambiente com admiração.

— Devo dizer que fez maravilhas com esse revestimento de madeira. Pelo
que me lembro, seu tom era meio esverdeado.
— Só raspei a camada de tinta e recuperei a cor natural da madeira.

— Parece fácil, mas deve ter levado horas para fazer isso.

— É verdade — concordou Lani, e sentou-se na cadeira de balanço estofada,


cruzando as pernas e lembrando como o cansaço físico ajudara a tornar a
vida suportável depois da volta da Cornualha. — Mas gostei do trabalho e
confesso que a qualidade do material ajudou muito.

— É verdade.. . mas não posso negar que preferia vê-la trabalhando em


outro livro, em vez de brincar de decoradora.

— Não estava brincando. Esta é a minha casa, Miles. Pretendo morar aqui
por muito tempo e não podia deixar a decoração nas mãos de outra pessoa.

— Muito bem, mas agora já terminou, não é? Quanto tempo faz que mudou
para cá? Três ou quatro semanas?

— Faz seis semanas, para ser mais exata. Quer mais uísque? Ou tem algum
compromisso?

Miles sorriu.

— É um jeito educado de dizer que não quer minha companhia para o jantar?

— Bem, na verdade, queria me deitar cedo hoje.

— Está bem, Lani. Entendi o recado. Só vou tomar uma última dose antes de
ir embora.

Lani se levantou para servir outra dose. Desta vez, quando ela estendeu o
copo, Miles segurou sua mão.

— Quanto tempo vai levar ainda para derreter seu gelo, donzela? Já faz
quase dois meses. Não pode continuar assim. Mais cedo ou mais tarde, terá
de ceder.

— Solte a minha mão, Miles — Lani pediu num tom categórico e deixou o
copo na mesinha antes de voltar para a cadeira. — Isso não foi justo. Não
me intrometo em sua vida e também não deveria se meter na minha. A Lani
que vê agora é a única que existe. Agora, por favor, vamos conversar sobre
outra coisa.

— Por que não fala comigo?


— Não é isso que estou fazendo? Pensei que fosse.

— Sabe muito bem do que estou falando. Já viu sua mãe? Ela voltou para
Londres, como deve saber.

— Miles, já lhe pedi para...

— ... para cuidar da minha vida. Só que você é a minha vida, Lani. E está se
desgastando.

— Eu? Não acabou de dizer que preferia me ver trabalhando?

— Não é o que quero dizer e sabe muito bem disso. Desde que voltou da
Cornualha, está fechada em si mesma e, se não se abrir com alguém, acabará
tendo um colapso nervoso.

— Obrigada pela informação. É só o que eu precisava saber.

— Lani, pare com isso! — Miles tomou o resto do drinque e se levantou. —


Fiquei calado esses dois últimos meses, mas não pense que vou ficar de
braços cruzados, vendo você se acabar sem ao menos tentar ajudar.

— Francamente, Miles. — Lani assumiu um tom entediado, mas não conseguiu


enganá-lo.

— Estou falando sério. Não sairei daqui até me contar o que aconteceu na
Cornualha. Pelo amor de Deus, Lani, o que Pendragon fez?

— É muita gentileza sua, Miles — Lani também ficou em pé —, mas está


fazendo tempestade em copo d'água. Meu. . . relacionamento com Jake. . .
acabou. Já disse que concordamos que a separação seria a melhor solução
para nós.

— Assim? Sem mais nem menos?

— Sem mais nem menos.

— Não acredito.

— É um direito que lhe assiste.

— Lani, pare com isso! Conheço você o suficiente para saber quando algo não
está bem. Se seu pai não pretende fazer nada, faço eu.

— Vamos deixar meu pai fora disso, certo? Miles, sei que tem boas
intenções, mas sinceramente não preciso de sua ajuda. Se... se ando um
pouco... um pouco distante ultimamente é por causa de toda essa agitação
com a mudança para o apartamento. Assim que voltar ao trabalho ... —
Forçou um sorriso. — Me dê um tempo.

— É só o que faço na vida — murmurou Miles com amargura. — Tempo para


você ver sua mãe, estar com seu pai, se recuperar do acidente com
Pendragon e... tempo para se matar, quem sabe? Lani corou.

— Não diga bobagem.

— É bobagem tentar impedir que alguém se destrua?

— Miles, não estou me destruindo!

— Mas suponho que Pendragon tenha feito um bom trabalho nesse sentido.

— Miles!

— Não é verdade?

— Acho melhor você ir embora agora, Miles.

— Por quê? Será que estou chegando perto da verdade?

— Sim! Não! Quero dizer.. . Puxa, Miles, pare de me atormentar! Será que
não percebe? Não quero falar nesse assunto!

— Mas é exatamente isso que precisa fazer. E não tem mais ninguém além
de mim para desabafar, tem? Talvez Robin, mas duvido que o incomode com
seus problemas.

Lani fechou os olhos por um instante.

— O que quer saber, Miles? Sabe o que aconteceu. Tive uma briga com Jake
e saí de lá. Ponto final.

— Mesmo? — Miles deu um suspiro irônico. — Vai me dizer que não o ama
mais? Que existe esperança para mim?

— Não quero falar sobre meus sentimentos. — Lani balançou a cabeça de um


lado para outro.

— Por que não? Se são tão claros?

— Não são — Lani confessou e afundou na cadeira de balanço. — Está bem,


está bem. Meus sentimentos por Jake não mudaram. O problema é que. . .
bem, descobri que minha, mãe tem escrito para ele.

— Clare?

— Sim. Só não me pergunte por quê. Só sei que Jake preferiu acreditar nela
do que em mim. Então perdi o controle e disse algumas coisas que não
deveria.

— E resolveu sair de lá?

— Ele me pediu para sair.

— Ele pediu?

— Está bem. Jake me expulsou de lá! Nem perdi tempo arrumando minhas
coisas, ele me mandou tudo depois.

— E foi o último contato que teve com ele?

— Além da peça musical que ele mandou, sim.

— Uma peça musical! Que peça?

— Foi uma peça que ele compôs. Eu.. . gostei e sugeri que deveria ser
gravada, mas ele achou que não era tão boa assim.

— E mandou-a para você? Por quê?

— Não sei. Talvez por me considerar tão ruim quanto a peça.

— Por que não perguntou a ele?

— Sei que ele não esperava isso de mim. Não me mandou nenhuma carta, nem
ao menos um bilhete. Só a composição, num envelope.

— Que estranho!

Lani também tinha estranhado quando abrira o envelope e então se


convencera de que ele não esperava nenhuma resposta.

— E onde está? — Miles parecia ansioso.

— Por que quer saber?

— Quero dar uma olhada.

— Por quê?

— Porque sim. Você disse que é boa e tenho um amigo nesse ramo que poderá
dar uma opinião mais abalizada.

— Não é música clássica.

— Meu amigo não lida com música clássica.

— Não sei se devo... — Lani hesitou.

— Por que não? Ele não mandou para você? Então é sua. E se achou que é boa
o bastante para ser gravada. ..

— Sim, mas. . .

— Mas o quê?

— Não sei se minha opinião tem algum valor.

— Qual é o problema, afinal? Está hesitando por causa do valor sentimental


da peça?

— E se for? — Lani suspirou, pensou por um instante e decidiu. — Espere um


minuto.

Voltou logo depois com um envelope na mão e entregou-o para Miles com uma
reverência.

— Concerto... — Miles leu a palavra escrita por Jake no canto esquerdo da


folha. — O que significa? Não disse que não era clássica?

— E não é. Talvez seja o título que Jake escolheu para a peça.

— Sei. . . Bem, parece adequado. Concerto. Soa bem.

— Não vai perder isso, vai?

— Não. — Miles enrolou a partitura com cuidado. — Vou tirar xerox e


devolverei o original para você, está bem? Darei a cópia para Danny.

— Danny?

— O amigo que trabalha no meio musical. Deixe comigo, Lani. Mesmo que dê
em nada, você não terá o que perder.

Dois dias depois, Lani estava no estúdio montado em caráter provisório,


arrumando alguns livros e o material de desenho, quando a campainha tocou.
Era quase meio-dia e já estava pensando em fazer um sanduíche para o
almoço. Por isso, esperava que a visita, fosse quem fosse, não se demorasse
demais. Pretendia começar a trabalhar naquela tarde e uma interrupção
prolongada atrapalharia seus planos.

O apartamento era bem espaçoso e a campainha tocou de novo enquanto ela


atravessava a sala. A janela da sacada dava para a Avenida Kilburn, banhada
pelo calor ameno de setembro. Já se viam folhas amareladas nas árvores;
aqui e ali, um galho desfolhado dava o testemunho das tempestades que
tinham assolado a costa sul na última semana.

— Mamãe! — A reação instintiva de Lani foi mais reveladora do que


pretendia e Clare se impacientou, entrando.

— Não vou esperar que me convide para entrar, minha querida. Então este é
o seu esconderijo. Que gracinha!

Lani procurou se recompor e fechou a porta para evitar que a vizinhança


ouvisse a conversa.

— O que quer comigo, mãe? Foi papai quem a mandou aqui? Ele não tinha o
direito de lhe dar meu endereço.

— Ora, não seja boba, menina. — Clare lançou um olhar à sua volta com
indiferença. — Sou sua mãe, embora a contragosto. E queria vê-la. Não vejo
nada de estranho nisso. Me importo com você.

— Nada de fingimentos, mamãe. — Lani foi seca e se afastou da porta,


esfregando as palmas úmidas de nervosismo na calça. Para piorar, estava
consciente de que sua aparência nem se comparava à elegância sofisticada
da mãe, e nem mesmo a mobília de bom gosto seria poupada pelo olhar
crítico de Clare. — Por que veio aqui? Não temos nada para conversar.

— Discordo. — Clare jogou a jaqueta no sofá. — Posso sentar?

Lani hesitou, embora soubesse que não podia negar, e concordou com um
gesto de resignação.

— Se quiser. Ia fazer o almoço. Aceita alguma coisa?

— Não, obrigada, querida. Mas não se prenda por mim. Parece mesmo que
precisa comer. Está tão magra.

Lani deu a volta no sofá e não sentou ao lado da mãe. Em vez disso, sentou
no braço de uma poltrona, esperando ansiosamente que Clare dissesse logo o
que queria.

— Seu pai me disse que está morando aqui há uns dois meses. Desde que
voltou da Cornualha, não é? Por que não foi para casa?

— Porque não quis. Achei que já era hora de ter o meu próprio canto. Notei
que a decoração não é muito do seu gosto, mas me sinto muito bem aqui.

— Deve reconhecer que não é nenhum Ritz, não é, querida? — Clare sorriu.
— Mas tem um certo charme boêmio, para quem gosta desse tipo de coisa.

— Eu gosto.

— Muito bem. Fico satisfeita por encontrá-la tão feliz. Sabia que aquela
empolgação por Jake não duraria.

— Sabia? — Lani sentiu um nó na garganta. — E suponho que você não teve


nada a ver com isso.

— Eu? Não pode me culpar pela confusão que armou em sua própria vida.
Agradeça por ter saído ilesa dessa história. Poderia ter acabado pior.

— Pior?

— Sim. Quero dizer, sua atitude foi um pouco imprudente, não acha?
Impondo sua presença na casa dele daquele jeito. — Vendo a expressão
perplexa de Lani, Clare explicou: — Ah, sim, ele me contou o que aconteceu.
Sei como você insistiu em ficar, embora soubesse que não havia futuro
nisso. Eu bem que avisei, não foi? Jake não é do tipo que pensa em
casamento. Por acaso pensou no que faria se ficasse grávida?

Lani abriu a boca para protestar, mas logo voltou a fechá-la. Não conseguiria
convencer Clare de nada. Se Jake decidisse contar detalhes de sua
convivência naqueles três meses em que ela se hospedara na Casa do Mar, o
problema era dele. Sem dúvida, isso não tinha acontecido ainda. Caso
contrário, Clare não estaria ali, sondando seus sentimentos.

— É só isso? — Lani perguntou, irritando Clare.

— Não, não é só isso. Queria que fosse a primeira a saber que me propus a
tomar Jake sob minha proteção de novo. As mãos dele se recuperaram além
das expectativas e, embora possa levar meses ou mesmo anos até ele voltar
a tocar profissionalmente, tenho certeza de que isso vai acontecer um dia.
Há um osteopata na Suíça, especialista em tratar de atletas. Lembra-se
daquele saltador que quebrou a perna, Martin Adler? Pois então, o dr.
Heinrich tratou dele e agora dizem que o atleta vai participar da próxima
Olimpíada. Ele é muito inteligente. Quero dizer, o dr. Heinrich. E, é claro,
Jake terá muito tempo para praticar. Pretendo alugar uma casa lá, para ele
não precisar morar em hotel, e ficaremos juntos todas as vezes que meus
compromissos permitirem.

Lani ficou calada durante todo o discurso da mãe e suas feições impassíveis
não revelaram quase nenhuma emoção. O sorriso de Clare era petulante.

— Então, menina? Não vai dizer nada? Pensei que me agradeceria. Afinal,
estou restituindo o que foi tirado.

— O que você tirou, não é, mamãe? — Lani estava pálida, mas Clare não
pareceu notar o esforço que ela fez para falar.

— Ora, francamente, Lani! O que aconteceu, aconteceu. Foi um acidente, um


lamentável acidente. Fui negligente ao volante, admito. Mas estava tão fora
de mim por ressentimento — Por ciúme — corrigiu Lani. — Sabia que eu e
Jake estávamos juntos e odiou isso!

— Está bem. — Clare pareceu desistir de agradar a filha. — Está bem, fiquei
fora de mim de ciúme. Por que não? Jake pertencia a mim, não a você.

— As pessoas não pertencem a ninguém, mamãe!

— É uma interpretação ingênua. Jake e eu fomos amantes.

— Não!

— Claro que sim! — E olhou a filha com piedade. — Ele disse que não éramos?
Bem, isso já era de se esperar. Você sempre foi tão ingênua.

Lani se levantou e apontou para a porta com a mão trêmula.

— Quero que saia, mamãe. Agora. Neste minuto! Não sou obrigada a ouvir
suas mentiras em minha casa.

— Mentiras? Se realmente acreditasse que estou mentindo, não me


expulsaria.

— Não se importa com mais ninguém a não ser você mesma, não é?
— Bobagem. Me importo com muitas coisas.

— Gosta de Jake?

— Claro que sim. Senão, por que gastaria tanto com ele?

— Não sei. — A cabeça de Lani latejava, indicando que não conseguiria mais
trabalhar à tarde como planejara. — Só gostaria de saber o que escreveu
naquela carta a Jake. Que mentiras contou sobre mim?

— Que obsessão você tem por mentiras, não, Lani? Não menti para Jake. Só
contei a verdade. Uma coisa que evidentemente você preferiu não fazer.

— A verdade? Que verdade?

— Sobre seu pai, é claro. Bem, levei algum tempo para descobrir, mas enfim
cheguei à conclusão de que estava protegendo Roger. É bem típico de você.

— Protegendo papai? Como?

— Não contando a Jake que foi ele que me levou àquele estado de
desespero.

— Pensei que Jake soubesse. Estava certa de que você tinha contado.

— Infelizmente não tinha. — Clare apanhou o casaco e a bolsa levantando-se


para encarar a filha. — Imagine como Jake ficou chocado quando soube, isto
é, principalmente quando expliquei como você se sentia. . . hum. . .
responsável pelo que aconteceu.

Os lábios de Lani tremiam e apertou-os para esconder a emoção, antes de


dizer:

— Quer dizer que fez Jake pensar que escondi isso dele?

— E não escondeu?

— Não!

— Bem... — Clare encolheu os ombros e caminhou até a porta. — Isso não


importa mais agora. Naquelas circunstâncias, foi talvez a melhor coisa que
poderia ter acontecido. Seu caso. . . não tinha mesmo nenhum futuro, não é?
Tomou a atitude certa afastando-se dele. Evitou um bocado de sofrimento.

— Por que foi me envolver em sua vida? Por que não esqueceu da minha
existência?
— Oh! — Clare abriu a porta e se virou para a filha. — Se quer mesmo saber,
foi idéia de Elwyn e não minha. Meu empresário é muito sentimental no que
se refere a laços familiares e achou que seria bom para minha imagem se
fôssemos vistas juntas.

— E esse foi o único motivo por que me procurou?

— O que mais poderia ser? Nunca fui do tipo maternal. Mas já devia saber
disso, querida.

CAPÍTULO XX

Quando Miles apareceu, alguns dias depois, Lani já tinha conseguido superar
o choque provocado pela intrusão de Clare em sua vida. Não tinha esquecido
o episódio, na verdade nem tentara, mas se convencera de que não faria bem
algum ficar remoendo aquilo e, assim, tratara de recuperar o controle.

A lembrança do que sua mãe dissera custou-lhe algumas noites de insônia


que lhe acentuaram as olheiras e a palidez. Estava tensa e irritadiça e,
embora achasse que se sentiria melhor quando voltasse a trabalhar, a
inspiração para criar era dispersiva.

A primeira reação de Miles foi preocupar-se com sua aparência.

— Que diabo tem feito consigo mesma?

— Por que veio aqui? — Foi tudo que Lani conseguiu dizer.

— Preciso ter um motivo? Já que se recusa a atender ao telefone, o que


mais poderia fazer?

Lani corou.

— Foi você quem ligou? Tive receio de que fosse minha mãe. Ela esteve aqui
há alguns dias e prefiro evitar qualquer contato futuro, pelo menos por um
bom tempo.

— Por que ela não a deixa em paz? Será que não vê que só está perdendo
tempo?
Lani não queria falar sobre Clare e sentou-se no sofá, encarando-o com
vivacidade fingida.

— Bem, não posso acreditar que não tenha nada melhor para fazer do que
me visitar no meio da tarde. Qual é o problema? Não me diga que os
editores americanos estão atrás de outro livro.

— Eles estariam, se soubessem de algum em perspectiva — observou Miles e


sentou-se na poltrona oposta à dela, tirando um rolo de papel do bolso. — Na
verdade, este é o motivo de minha visita. Vim para devolver a partitura.

— Ah, a música! O que aconteceu? Danny. . . é esse o nome do seu amigo, não
é? Ele. . . gostou?

Miles recostou na poltrona e cruzou a perna.

— Sim. A bem da verdade, gostou muito. Tanto que quer saber se Pendragon
compôs mais alguma coisa.

— Como vou saber? — Lani ficou tensa.

— Pensei que soubesse.

— Infelizmente não sei. Terá de perguntar a ele. Não tenho nada a ver com
isso.

— Está bem. Já previa que você não gostaria de se envolver. Talvez nem
queira saber da novidade. . .

— Que novidade?

— Danny acha que conhece o conjunto ideal para gravar a música.

— Um conjunto! Quer dizer. ... com órgãos eletrônicos, guitarras e esse tipo
de coisa?

— É isso mesmo. É claro que não soará exatamente como quando Pendragon a
tocou, mas Danny acha que será um sucesso.

— Não posso acreditar! Não pensei que fosse tão fácil.

— Sabe, Lani, a sorte tem um papel predominante em tudo. Não acredite em


quem disser o contrário. E, verdade seja dita, nem sempre importa o que se
sabe, mas quem se conhece! Foi sorte Danny Apollo ser meu amigo. Esse
pequeno concerto caiu nas mãos da pessoa certa!
— Danny Apollo! — Lani pestanejou, associando aquele nome à Gravadora
Apollo.

— Sabia que ficaria contente. — Miles descruzou a perna e se inclinou para


a frente, fincando os cotovelos nos joelhos. — Então, o que me diz? Quer
dar a notícia a Pendragon?

— Eu? — Lani se alarmou. — Miles, não quero ter nada a ver com isso. A
música é de Jake, não minha.

— Mas ele mandou a partitura para você.

— Eu sei.

— Quer dizer que vai recusar? Lani apertava a peça contra o peito.

— Não. . . não posso tomar essa decisão.

— Está bem. Então teremos de entrar em contato direto com Pendragon.


Afinal, a música é dele. Mas tenho certeza de que não haverá nenhum
empecilho. Pode imaginar o quanto isso pode render? Se ficar entre as dez
melhores. . .

— Não, Miles. Não entendeu. Eu. . . Clare. . . Clare me contou que. . . que
Jake vai voltar a tocar. Ela conhece um médico na Suíça que o ajudará a
recuperar a habilidade para tocar. Em questão de meses, talvez um ano ou
pouco mais, ele poderá estar de volta a um palco e acho que não se
interessará em compor. . . esse tipo de música, não concorda?

— Quer dizer que, mesmo depois do que aconteceu. . .

— Sim — cortou Lani, que já estava cansada de pensar naquilo. — Então,


como vê. . .

— Ele deve estar louco!

— Não, só é ambicioso. Agora, por favor, vamos falar de outra coisa?

A Kilburn High Street sempre tinha muito movimento e Lani evitava ao


máximo passar por ali. Entretanto, eram três horas daquele sábado quando
descobriu que a despensa estava vazia. Com a proximidade do fim de
semana, tinha de dar um jeito na situação, principalmente porque esperava
uma visita de Robin e Sarara no domingo.
Por isso, vestiu um colete sem mangas sobre a camisa e a calça, prendeu os
cabelos com uma fita e correu para o supermercado. Raramente usava o
carro para fazer compras. Era mais fácil ir andando e evitar a frustração de
não encontrar lugar para estacionar. A menos que tivesse muita coisa para
carregar, apreciava o passeio.

Caminhando de volta pela Kilburn High Street pensou que não estava muito
ansiosa pela visita de Robin e Sarah no dia seguinte. Ultimamente Sarah
passava a maior parte do tempo recriminando-a por não se cuidar melhor..
Lani sabia que aquelas censuras eram bem-intencionadas, mas traziam
emoções dolorosas demais. Além disso, receava que seu primo ou a esposa
tivessem sabido das intenções de Clare através da imprensa. Ela própria
evitava ler jornais desde a visita da mãe. Não queria saber de sua nova
companhia.

Andava de cabeça baixa e já estava perto do portão do edifício quando viu


um carro parar ao seu lado. Era esporte, verde-metálico, e, com o coração
aos pulos ela reconheceu o homem ao volante.

Sua primeira reação foi virar-se e sair correndo, mas continuou firme.
Afinal, não tinha nada a temer. Era ele que não tinha o direito de estar ali.
Direito nenhum.

— Oi, Lani.

Jake saiu do carro e se aproximou com movimentos ágeis e seguros. Vendo-o


tão saudável agora, parecia inacreditável que há apenas seis meses não
pudesses andar sem a ajuda de muletas. Sua boa aparência contrastava com
a de Lani, que estava fraca e com olheiras profundas. Com calça de veludo e
camisa de seda preta, ele estava mais atraente do que nunca, e apenas as
linhas ao redor da boca revelavam que ainda sentia um pouco de dor quando
andava.

— Jake. . . O que está fazendo aqui?

— Acho que será capaz de descobrir por si mesma. É aqui que mora, não é?
Qual é o andar?

— O primeiro. Só tem oito apartamentos. Dois no térreo, dois no primeiro e.


..
— Sei. Vamos entrar? — Jake já ia em direção ao portão.

— Não — Lani respondeu com firmeza, embora o braço já doesse com o peso
dos pacotes do supermercado. — Não sei por que veio aqui, Jake, mas
prefiro que não entre. Não temos nada para conversar e sinceramente. . .

— Lani! Não pense que aceitarei isso de você. Quando foi à minha casa,
deixei que entrasse. Não acha que me deve o mesmo tratamento?

— Foi diferente. Desmaiei em sua porta e você não teve escolha senão me
levar para dentro.

— Gostaria que eu fizesse o mesmo? — O olhar de Jake era desafiador. —


Poderia, com facilidade. Dirigir até aqui não foi tão fácil como pensei e para
dizer a verdade minha perna dói bastante.

— Jake! Jake, por que está fazendo isso? Por que veio me procurar? Eu. . .
Clare já me contou sobre seus planos. Se pensa que me deve alguma
explicação, esqueça. Estou feliz por tudo ter acabado bem para você.

— Podemos entrar? — Jake insistiu, revelando um pouco de cansaço na voz.

— Oh, está bem. — Ela não teve como recusar e se odiou por isso. Tirou as
chaves do bolso e indicou o caminho.

No hall de entrada, Lani recusou a oferta dele para carregar os pacotes e


subiu correndo as escadas. Quando ele chegou ao primeiro andar, ela já
estava na cozinha guardando as compras.

Por mais que tentasse se recompor, continuava no mesmo estado de agitação


quando voltou à sala e não a acalmou nada ver Jake bem à vontade,
confortavelmente instalado no sofá. Lani ficou parada à porta, sem saber se
devia oferecer uma bebida.

— Quer tomar alguma coisa? — acabou oferecendo, afinal. — Infelizmente


só tenho vinho e café.

— Não quero nada, obrigado. Venha cá e sente-se. Quero conversar com


você.

— Ouça, Jake.. .

— Já disse para vir sentar aqui — repetiu Jake indicando a almofada ao seu
lado. — Está com cara de quem precisa descansar. De fato, desconfio que
sou responsável por seu abatimento e estou disposto a consertar isso. . .

— O quê? — Ela ficou perplexa. — O que disse? Que é o responsável pelo


meu estado? Quem disse isso? Minha mãe? Meu Deus! Que desplante o seu. .
.

— Acalme-se, Lani! — Ele se levantou com relutância e se aproximou. —


Ouça, sei que não estou conseguindo me expressar direito. . .

— Não está mesmo! — Lani tremia de raiva e mágoa. Raiva por ele achar que
podia aparecer e acalmá-la com desculpas, e mágoa pela esperança fugaz
más inextinguível de que Clare tivesse mentido. — Acho melhor você ir
embora. Sua. . . namorada já me explicou a situação e. . .

— Ela não é minha namorada! — Dominando com dificuldade os esforços


frenéticos de Lani para manter distância, Jake segurou-a pelos braços,
puxando-a para perto de si. — Pelo amor de Deus, Lani, não temos de passar
por tudo de novo, não é? Queria fazer isto da maneira certa, queria
conversar antes de chegar a este ponto, mas você não me deixa alternativa.

Aproveitando-se de encontrar a boca de Lani entreaberta de frustração,


Jake beijou-a. Lutando com desespero, ela mordeu com toda a força os
lábios que aprisionavam os seus. Mesmo assim, ele não a soltou. Com uma
persistência inflexível, o beijo se tornou cada vez mais possessivo e
devassador, até a fraqueza e o desejo natural por aquele homem
transformarem a resistência dela em paixão. As unhas que tentavam
arranhar as costas de Jake estavam agora cravadas na pele macia, e as
pernas bambearam enquanto ela amoldava o corpo ao dele.

Sentindo a submissão de Lani, os lábios de Jake se abrandaram e o beijo


ficou mais sensual. As mãos fortes deslizaram dos ombros para a cintura
dela, infiltrando-se sob o colete e deslizando por debaixo da camisa para
acariciar-lhe a curva suave das costas. Com uma ternura infinita, ele não se
cansava de depositar beijos nos lábios macios e, com perícia inquestionável,
ele a seduziu até a rendição total.

— Seu. . . seu estúpido! — Lani balbuciou, virando o rosto, mas Jake não
estava disposto a deixá-la escapar tão facilmente.

— Por que sou um estúpido? — Ele a segurou pela nuca com uma das mãos
enquanto tentava controlar-lhe os pulsos com a outra. — Não foi você que
me censurou por acreditar nas mentiras de Clare? No entanto, é
surpreendente ver como está disposta a acreditar nela agora!

— Pare de tentar mudar de assunto! — Lani gritou, procurando se soltar. —


O que quer de mim, Jake? Que tipo de homem é você, afinal? Você não me
quer, me expulsou da sua casa. Então por que resolveu voltar agora que tudo
entre nós está acabado?

— Não acredita nisso, tanto quanto eu. Se me desse pelo menos uma chance
de explicar. . .

— Explicar? Explicar o quê? Por que decidiu aceitar a oferta de Clare? Por
que vai morar na Suíça. ..

— Não vou morar na Suíça! — Jake negou, mas ela não prestou atenção.

— Qual é o problema, Jake? Sua consciência? Bem, não se preocupe com


isso. Eu devia ter percebido desde o início que era a segunda da lista!

Jake soltou-a tão bruscamente que Lani cambaleou. Num instante, ela lutava
para se afastar dele no outro, Jake virava as costas e voltava para o sofá.
Lani notou que ele se apoiava mais numa perna do que na outra e afundou na
almofada com um cansaço que a deixou com remorsos.

— O que está fazendo? — Ela manteve o tom agressivo, com receio de ceder
a ele mais uma vez. — Não pode ficar aqui. Tenho muito trabalho a fazer.
Oh, Jake, por que decidiu vir me atormentar agora? O que quer de mim? O
que quer que eu faça?

— Case comigo.

— O quê? — Lani teve de se segurar no encosto da cadeira de balanço.

— Case comigo. — Jake repetiu a proposta surpreendente com a indiferença


de quem faz um comentário sobre o tempo e Lani balançou a cabeça de um
lado para outro, incapaz de acreditar.

— É uma crueldade brincar com os sentimentos das pessoas, sabia? Acho


melhor você ir embora agora. Se isso é algum plano esperto que elaborou
com minha mãe...

— Pelo amor de Deus, esqueça a sua mãe! Você perguntou o que queria e
respondi. Agora, aconselho-a a considerar sua resposta com cuidado, porque
posso ter a sensatez de nunca mais repetir a proposta!

— A proposta? Jake, por favor. ..

— Ora, Lani! — Ele ficou de pé, visivelmente exaltado. — Está bem. Vou
dizer só mais uma vez: quero que case comigo. Pronto, fui convincente o
bastante? Se não, sinto muito, mas não sei de que outra maneira poderei
dizer. Tentei expor o que sinto, mas não me deixa nem tocar em você!

— Não estou entendendo. — Lani engoliu em seco. — E Clare?

— O que tem Clare?

— Você sabe. Ela me contou que pretende ajudá-lo a retomar a carreira e


falou também de um especialista na Suíça que pode tratar de você. Não é
verdade?

— Que existe um médico na Suíça que pode me ajudar? Talvez. Mas, se


prestasse atenção no que digo, saberia que não tenho a menor intenção de ir
para a Suíça.

— Mas Clare disse. . .

— Posso imaginar. Tenho certeza de que ela disse muitas coisas e que a
maioria é pura invenção.

Lani não podia acreditar naquilo.

— Quer dizer. . . vocês não têm se visto?

— Ah, sim! Ela foi me visitar. A meu convite, inclusive.

— A seu convite?

— Sim. Quer ouvir sobre isso ou estarei desperdiçando o meu tempo e o


seu?

— Quero ouvir. Pode falar.

— Está bem. Não prefere sentar? — Jake apontou para o sofá.

— Ali?

— Por que não? Ou ainda não confia em mim?

Ela hesitou.
— Não, eu. . . Puxa vida, está bem. Por que não? Lani deu a volta pela cadeira
de balanço e sentou-se no sofá, tentando manter a maior distância possível
entre eles, mas não adiantou. Jake se aproximou o mais que pôde, roçando
inclusive em sua perna ao procurar uma posição mais cômoda na almofada.

— Tudo bem? — Jake se virou de lado, colocando o braço por trás de Lani no
encosto do sofá, consciente do poder que exercia sobre ela.

— Tudo bem.

— Lembra aquela carta que viu? Muito bem, Clare contou o que escreveu
nela, não? — Lani concordou e ele continuou: — Então tente imaginar o que
senti quando li a carta. Não foi nada fácil saber que você estava lá só porque
sua mãe pedira.

— O quê? — Lani ficou perplexa.

— Não disse que sabia o que estava escrito na carta?

— Não estou entendendo. . . Não foi isso que minha mãe me contou. Ela. .. ela
disse que você estava com raiva por saber que meu pai a tinha levado a... a
fazer o que fez.

— Seu pai?

— Sim. Ora, bolas. Acho que não tem mais sentido você não saber. Papai
falou com minha mãe naquela noite, assim que ela voltou de Milão, e contou
que eu e você estávamos juntos. Ele queria convencê-la de que estava
perdendo tempo com você.

— Está falando da noite do acidente?

— Sim.

— Já sabia disso. Clare me contou tudo alguns dias depois do acidente,


quando forçou a entrada no meu quarto, no hospital. Não pude impedi-la e as
enfermeiras ficaram comovidas com as lágrimas de arrependimento dela.
Aliás, acredito que ela tenha se arrependido do que fez no minuto seguinte,
mas já era tarde demais.

— Então. . . então o que. . .

— Calma, é o que estou tentando contar. — Jake falou com tranqüilidade,


enquanto afastava uma mecha de cabelo do rosto dela. — Lani, quero que
responda agora se foi à Cornualla só porque Clare pediu.

— É claro que não! Na verdade, ela me pediu que não fosse. Disse que estava
perdendo meu tempo.

— Isso faz sentido. Então por que foi até lá?

— Sabe por quê. Jake, se isto é. . .

— Pare de tirar conclusões precipitadas — interrompeu-a Jake, acariciando-


lhe o rosto com os dedos. — Deixe-me contar como foi, certo?

— Se quiser.

— Faço questão. Muito embora o que eu queira realmente fazer seja mais
satisfatório.

— Jake!

Lani encarou-o, meio trêmula e meio em protesto, enquanto ele, incapaz de


se controlar, passou o dedo sobre seus lábios.

— Está bem — Jake concordou quando ela conseguiu reunir coragem para
afastar aqueles dedos insinuantes. — Sabe como foi quando chegou à Casa
do Mar. Queria você, mas não achei justo colocar esse peso em suas costas.
Quero dizer. . . droga, eu estava praticamente inválido e tinha certeza de
que você só sentia pena de mim...

— Não é verdade! — Lani não podia deixar que ele pensasse aquilo e Jake
colocou a mão no joelho dela, reconhecendo o erro.

— Sei disso agora. Mas naquela época sentia pena de mim mesmo e acho que
era mais fácil jogar a culpa nos outros do que assumir meus próprios
sentimentos.

— E no entanto você não me mandou embora.

— Como poderia? Ficava louco de ciúme toda vez que você vinha a Londres
para ver aquele sujeito, o Rossiter.

— Então me forçou a deixá-lo.

— Bem. . . imaginei que, se estivesse cansada de mim, poderia me consolar


com a idéia de que nunca se importara realmente comigo.

— Não posso acreditar. . .


— Por quê? Não acredita em mim? Por que outro motivo eu a teria deixado
ficar? Principalmente depois de ter se metido com a minha avó.

— Mas tem de reconhecer que a fisioterapeuta o ajudou muito!

— Sei disso agora. Doçura, tente se colocar no meu lugar. Lá estava eu,
fisicamente arruinado, sem nenhuma perspectiva de reabilitação e
apaixonado por uma linda garota, que parecia disposta a sacrificar seu
futuro por um aleijado! Fui um cabeçudo, sei disso, mas logo depois daquele
acidente não acreditava mais em milagres.

— Oh, Jake!

— É verdade. Sabe, quando conheci sua mãe naquela boate na Califórnia,


comecei a acreditar em fadas-madrinhas. Mas todos sabem como aquilo
acabou e percebi de repente que estava me auto-destruindo.

— Pensei que me culpasse pelo que aconteceu. . . Pensei que me odiasse.

— Odiar você? — Jake ergueu os olhos para o teto. — Puxa, amor, não sabe
como foi difícil ficar longe de você.

Lani estremeceu.

— E a carta?

— Ah, sim. A carta. Parece que Clare calculou o tempo com precisão.

— Por quê?

— Tinha decidido expor meus sentimentos a você e, se Judith não chegasse


naquela hora, teria mandado a cautela às favas e arriscado. Você já tinha
descoberto sobre minha volta ao piano. Com o tempo, acreditava que poderia
melhorar minha habilidade e queria muito dividir essa esperança com você.
Mas a carta de Clare chegou e acho que estava ainda muito desconfiado das
intenções dos outros para raciocinar com clareza. Perdi a cabeça, como o
grande idiota que sou, e mandei você embora.

— Você me expulsou de lá, isso sim! — Lani protestou, fazendo-o sorrir.

— E não foi a primeira vez. Por que me obedeceu daquela vez e não das
outras?

Lani deu risada.


— Acho que foi por saber que a carta era de Clare. Por que pediu a ela que
fosse visitá-lo?

— Porque tinha de convencê-la de que nossa ligação, a minha e a dela, quero


dizer, estava acabada.

— Mas ela veio aqui me visitar. . .

— Calculei que viria mesmo. Sua mãe é uma mulher vingativa. Depois de
falhar comigo, tinha de fazer a última tentativa com você.

— Mas. . . você contou a ela que fiquei na Cornualla contra a sua vontade, não
é?

— Sim. Pelo que me lembro, Clare inventou essa história sobre ter pedido a
você que fosse cuidar de mim e eu retruquei que, se essa fora a única razão
que tinha levado você até lá, tinha resistido bem ao meu mau humor.

— E aí?

— Aí, Clare foi embora. Fez muitas ameaças e recriminações, mas nós dois
sabíamos que não eram sérias. Nosso relacionamento nunca foi emocional,
seja qual for a versão que ela lhe deu.

— Acredito. E por que esperou tanto tempo?

— Para vir aqui? — Jake acariciava-lhe a coxa com insistência perturbadora.


— Tinha de provar uma coisa a mim mesmo, entende? Mandei aquela
partitura para que começasse a perceber, mas como não deu resposta. . .

— Esperava mesmo que eu mandasse alguma resposta?

— Esperava. Entretanto, acho que foi até melhor você não ter entrado em
contato comigo. Assim, fiquei mais estimulado para continuar com uma idéia
que você me deu.

— Eu?

— Sim, você. A música, lembra-se?

— Quer dizer que mandou a peça para uma gravadora?

— Não aquela que mandei para você. Mas outras.

— E?
— Foi sorte ter amigos no ramo.

— Não está falando de Danny Apollo!

— Não. Cliff Collins, que conheci quando estive nos Estados Unidos. Ele
esteve na boate uma noite e me ouviu tocar uma composição minha. Então
disse que, se eu algum dia resolvesse entrar para esse ramo de negócio,
podia procurá-lo. Mas, sabe como é, as pessoas costumam falar muito da
boca para fora e eu não tinha muita esperança.

— E o que aconteceu?

— Collins gostou de duas músicas e vai gravar uma pessoalmente.

— Oh, Jake! — Lani se entusiasmou. Cliff Collins era um dos cantores mais
populares dos Estados Unidos.

— Bom, não é? Então, o que acha? Pode me perdoar por. . . por tudo?

— Ora, Jake! Sabe que sempre amei você!

— Amou? — Ele assumiu um ar sério. — No passado?

— No passado, no presente e no futuro — ela afirmou, sentindo um arrepio


na espinha. Incapaz de se controlar mais, passou os braços pelo pescoço
dele, chegando mais perto. — Beije-me, Jake. Beije-me, por favor! Prometo
deixar que vá até o fim desta vez. . .

— Então este é o seu quarto — Jake murmurou algum tempo depois,


deitando de costas para examinar o teto. — Muito bonito. Terá de perdoar
se não reparei antes, mas quando entrei não estava em condições de admirar
a decoração... só a ocupante do quarto.

Lani deu um sorriso trêmulo, mal conseguindo acreditar no que tinha


acontecido. Como se percebesse a confusão que se armara na cabeça dela,
Jake virou de lado para abraçá-la.

— Você é linda — ele sussurrou, afastando-lhe o cabelo do rosto. — Mas


está pálida demais. Temos de fazer alguma coisa para remediar isso. Que tal
o Taiti? Poderíamos passar parte da nossa lua-de-mel lá. Já temos um
convite para visitar Cliff na Califórnia, se gostar da idéia.

— Oh, Jake! — Os lábios de Lani tocaram o ombro dele, deliciando-se com o


gosto daquela pele bronzeada e quente. — Vou para qualquer lugar com você.
Não importa onde, contanto que estejamos juntos.

— É exatamente o que penso. — Ele beijou-lhe o pescoço. — Agora quer, por


favor, aliviar o meu ciúme? Quem é Danny Apollo?

— Nunca ouviu falar da Gravadora Apollo?

— Ah, aquele Apollo?

— É.

— Como o conhece?

— Não precisa fazer essa cara feia. Miles é amigo de Danny e levou aquela
música que você me mandou para mostrar a ele. E ele se interessou em
gravar.

— E?

Lani deslizou a mão pelo peito dele, descendo audaciosamente em direção


aos quadris.

— Não deixei.

Jake estremeceu com a intimidade da carícia, mas murmurou:

— Por quê?

— É sua, não minha. Sugeri que Miles falasse com você primeiro.

— Dei-a a você e, portanto, é sua. Pensei que o título a convenceria a voltar


para mim.

— O título? Concerto?

— Sim. Concerto é uma peça musical composta de três movimentos. — As


palavras de Jake soaram abafadas, pois seus lábios estavam ocupados em
acariciar os seios de Lani. — Partilhamos os dois primeiros. Queria que
vivêssemos o terceiro também.

— Oh, Jake! — Lani balançou a cabeça e se deitou sobre ele, cobrindo o


rosto dele com os cabelos sedosos. — Me ame — sussurrou. Seus
movimentos eram um convite insinuante a que Jake não teve forças para
resistir.

Seis meses se passaram antes de voltarem para Londres, um período em que


Lani conheceu o verdadeiro sentido da felicidade. Esperava um filho de Jake
e nunca estivera tão bonita. As linhas angulares de seu corpo foram
substituídas por formas mais roliças e o amor de Jake lhe deu uma
autoconfiança que nem o sucesso como escritora tinha conseguido trazer.

O jantar que ofereceram no apartamento de Lani, logo depois da volta a


Londres, valeu como uma comemoração atrasada do casamento, que se
realizara apenas alguns dias depois de seu reencontro. Os únicos convidados
para a cerimônia foram Robin e Sarah, além do pai de Lani. Mas o jantar foi
mais concorrido, contando com a presença da avó de Jake, Miles e, para
surpresa geral, de Clare e Elwyn Hughes, que apareceram na última hora,
quando todos já estavam à mesa.

— Clare não se contentaria se não fizesse uma grande entrada — Jake


comentou com a esposa antes de levantar para receber os recém-chegados.

Quem visse Clare cumprimentando Jake nunca acreditaria nas manobras


dela para impedir aquele casamento. Só mais tarde, quando os convidados
foram embora, é que Lani ficou à vontade, aninhada no colo do marido, na
cadeira de balanço.

— No final, tudo acabou bem, não é? — murmurou ela.

— Muito bem. Agora podemos nos ajustar à vida de casados com mais
tranqüilidade, sabendo que todas as diferenças foram resolvidas.

— Clare foi muito legal, não acha? Parecia realmente contente com a notícia
do bebê.

— Acha que foi por isso que ela aceitou a proposta de Elwyn, depois de
tantos anos? Por estar com medo de que ser avó acabe com o mito de sua
eterna juventude?

Lani afundou o rosto no peito dele.

— Não seja tão maldoso.

— Mas não é uma idéia tão absurda. Seja como for, parece que seu pai
finalmente aceitou a idéia da separação.

— É verdade. Pobre papai! — Pela primeira vez, Lani admitia a idéia de


perdoar o pai pelo que fizera. — Ele disse que não vê a hora de ser avô,
talvez para tentar se redimir pelo que aconteceu.

— Bem, tudo isso faz parte do passado agora. 0 que importa mesmo é que
não se arrependa de nada, sra. Pendragon.

— Me arrepender? De quê?

— Disto. — Jake encarou-a atentamente enquanto lhe acariciava a barriga.


— Acha que foi egoísmo meu deixar isso acontecer?

— Está esquecendo que é preciso dois para que isso aconteça? Ora, Jake,
não seja bobo. Nada na vida me deu maior alegria do que sentir seu filho me
chutando por dentro.

— Sabia que te adoro? E tenho de confessar que, com o casamento, ficou


mais difícil aceitar que tem sua própria vida. Só não quero que pense que
tentarei impedi-la de escrever seus livros.

— Querido, acho que um compositor de sucesso na família é o suficiente.


Além disso, terei tempo de sobra para criar quando estiver contando
histórias aos nossos filhos. Por enquanto, fico satisfeita em desfrutar de
sua fama. Tenho tudo que quero, acredite.

— Tem certeza?

O bebê pareceu dar um pontapé e Lani caiu na risada.

— Certeza absoluta. E, pelo jeito, seu filho concorda comigo.

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