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Wild Concerto
Anne Mather
Um destino cruel forçou Lani St. John a uma escolha impossível entre a
realização de seus desejos e a renúncia ao único homem que poderia amar.
Jake Pendragon, o atraente e talentoso pianista que havia despertado a
paixão em seu corpo de adolescente, estava de volta à sua vida, desta vez
para destruir-lhe todas as reservas e subjugá-la definitivamente. Mas Lani
não podia, não queria se entregar por inteiro àquele homem sedutor e
violento, provocante e imoral. Porque sua linda rival, a mulher com quem ele
estava envolvido, não era outra senão a sua própria mãe!
Livros Abril
ANNE MATHER
Lani St. John tinha catorze anos quando conheceu Jake Pendragon. Viajava
com os pais numa das raras ocasiões em que eles puderam tirar férias
juntos e, em vez de escolherem algum lugar exótico, preferiram ir para o
sudoeste da Inglaterra, até a Cornualha.
Lani não se lembrava de uma viagem com os pais que não fosse uma
experiência penosa. Os dois eram muito diferentes, um, muito volúvel,
enquanto o outro, responsável ao extremo. Fora do ambiente habitual,
geralmente brigavam como cão e gato.
Aquela viagem, Lani soube mais tarde, foi à última tentativa de conciliar as
diferenças, cimentar as rachaduras do relacionamento e recuperar o
encanto perdido. Não adiantou. Assim que a mãe descobriu que o marido
tinha sugerido a viagem a Cornualha com a intenção de visitar um cliente
rico, voltou para Londres, deixando Lani com a árdua tarefa de acalmá-lo.
Mesmo em abril, Mount's Bay não era o lugar mais quente do mundo, e a
primeira visão que Lani teve de Tremorna Point foi a de um mar cinzento
arremessando ondas vorazes sobre a praia, enquanto um vento gélido fazia
vibrar as janelas do castelo da Sra. Worth.
Quando Roger St. John estacionou o carro diante dos degraus que levavam a
uma varanda ornamentada com pilastras, Lani não esperou permissão para
sair. A curiosidade aliada a uma imaginação fértil já se encarregavam de
pintar imagens dos ocupantes da casa, e Lani não se surpreenderia se um
mordomo sombrio abrisse a porta, pedindo que entrassem num tom de voz
sepulcral.
A realidade era bem diferente. A porta se abriu quando Roger St. John
descia do carro, mas o moço que apareceu certamente não era mordomo de
ninguém. Mordomos não usavam blusões e calças justas de jeans, muito
menos cabelos despenteados. Também não mediam os visitantes com ar
irônico. Lani corou e ficou aliviada com a chegada do pai.
— A Sra. Worth está me esperando. Meu nome é Roger St. John, advogado
dela.
— Ah, sim, Sr. St. John! — 0 moço estendeu a mão. — Ela disse qualquer
coisa sobre um advogado, estou lembrando agora. Entrem, por favor. Vou
avisá-la de sua chegada.
Passaram pela porta esculpida, que dava para um hall escuro e acarpetado. O
pai de Lani sorriu.
— Muito rica. Não parece, olhando para este lugar, mas posso assegurar que
nossa cliente não precisa se preocupar em garantir a velhice.
Lani olhou ao redor com interesse. O hall se ampliava para além da
escadaria, dando acesso a uma espécie de jardim de inverno. As quatro
portas que davam para o corredor estavam fechadas, fazendo-a imaginar
aonde o rapaz teria ido.
Sua curiosidade foi satisfeita alguns instantes depois, quando ele apareceu
no alto da escadaria e pediu que subissem.
— A sra. Worth o está esperando, sr. St. John. — O sorriso do moço era
irônico, como se não estivesse dizendo exatamente a verdade, mas o pai de
Lani estava tão ansioso por qualquer oportunidade que ignorou esse detalhe.
A escada dava para um longo corredor, com várias portas e passagens. Lani
descobriu que o hall de entrada era enganador, pois a casa era muito maior
do que parecia à primeira vista, e corou de embaraço ao perceber que o
rapaz tinha notado sua perplexidade.
— É por aqui. — Ele os conduziu até o fim do corredor e os fez entrar num
quarto. — Madame, o sr. St. John — anunciou com irreverência.
Para Lani, a mulher mais parecia uma bruxa encolhida na cama e gritando
com o rapaz, que por sua vez não demonstrava a menor preocupação. Chegou
a conclusão de que correspondia à antipatia da sra. Worth: também não
gostava daquele quarto, abarrotado de mesinhas, cadeiras e sofás pesados
que cheiravam a mofo.
— Lani é minha filha, sra. Worth — Roger St. John explicou, embaraçado. —
A mãe dela. . . isto é, Lani está sob meus cuidados e naturalmente não podia
deixá-la sozinha no hotel.
— Não tenho tempo, madame. Foi um prazer conhecê-los, sr. St. John. . .
Lani. Pedirei a Hannah que os acompanhe até a porta, mais tarde.
— Não fará nada disso! — A mulher tremia de raiva. — Ainda não acabei de
falar, Jake. Aonde vai? O que vai fazer? Não pretendo ficar com os nervos
em frangalhos só porque você teve uma idéia maluca. . .
— Está bem, mas leve essa menina com você. Não vou tratar de assuntos
confidenciais na presença de uma criança. Leve-a com você e trate de
distraí-la!
— Mas. . . — Roger St. John começou a protestar, apenas para ter suas
palavras abafadas pela indignação do rapaz.
Lani passou pelo rapaz, que lhe fez uma reverência zombeteira antes de
fechar a porta do quarto da Sra. Worth e segui-la até o andar de baixo.
Lani estava determinada a ignorá-lo depois do modo como ele tinha falado
dela e se surpreendeu quando o viu parar na sua frente, antes que pudesse
abrir a porta da rua.
— Bravo!
— Que velha mais horrível! Gritando daquele jeito e dando ordens. Não sei
como você agüenta isso. Trabalha para ela ou qualquer coisa do gênero?
— Para casa.
— Nesse casarão? Não. Minha casa fica lá embaixo. Não dá para ver da
estrada.
Lani o seguiu até a borda do rochedo e espiou com cautela para baixo. Uma
trilha praticamente coberta de ervas daninhas e vegetação rasteira
enroscava-se como uma serpente pela encosta do rochedo até sumir de
vista. Por entre as rochas, viam-se ripas de madeira que formavam uma
varanda precária.
— É a Casa do Mar.
— Casa do Mar. . . Que nome bonito para uma casa. Posso conhecê-la?
— Tenho vinte e três e admito que já está bem crescidinha para precisar de
babá, mas é definitivamente jovem demais para ser vista entrando em casa
comigo!
— É melhor não ir. Olhe, desculpe se a ofendi antes, mas não estou
acostumado a lidar com feministas em estado embrionário. Valeu como
experiência. Agora, tenho de trabalhar. Tchau.
— Que tipo de trabalho? Pensei que trabalhasse para sua avó. O que você
faz? Toma conta da casa dela?
Como aquela mulher podia tratar o neto daquele jeito? Era realmente uma
bruxa! Se ela fosse Jake, não agüentaria os gritos da avó nem mais um
minuto.
A imagem dele bloqueou a visão das linhas disformes da mansão. Alto, esguio
e atraente, com a pele bronzeada como a da maioria dos habitantes da
Cornualha, não se parecia nem um pouco com a avó. Pensando naquele olhar
indolente e no sorriso gaiato, Lani desejava não ter se precipitado em se
defender.
Até então considerara o pai a síntese de tudo que havia de melhor no sexo
oposto, mas Jake não tinha nada de Roger St. John. Seu pai era atraente,
mas a pele não era bronzeada como se ele tivesse passado os últimos seis
meses nas Bahamas, nem seu andar tinha aquela curiosa graça felina do
andar de Jake, que provocava uma sensação peculiar na boca do estômago de
Lani. Embora Jake fosse praticamente o oposto de seu pai, Lani passou a
considerá-lo o homem mais atraente que já conhecera.
Jake parecia ser do tipo que gostava de música moderna, como ela, mas
gostos não se discutiam.
— Não!
— Estava curiosa, só isso. Desculpe, não sabia que a trilha era particular.
Pensei que ia dar em algum lugar.
— E dá mesmo. Aqui.
— Tenho certeza de que sabe por quê. Ouvi como a música acabou e quis ver
se era você mesmo quem tocava.
Lani o seguiu até uma sala bem mobiliada, com um assoalho de tacos de
madeira que, apesar de gasto em algumas partes, ainda conservava o brilho
do verniz.
Um piano lustroso ocupava lugar de destaque na sala. Lani imaginou como ele
teria sido transportado encosta abaixo, enquanto observava o resto do
ambiente e ia até a janela comprida e estreita, de onde se podia ver o mar
bravio.
Havia livros numa estante ao lado da lareira, uma mesinha num canto, além
de várias cadeiras, um pequeno armário e um aparelho de som. Não havia
televisão, pelo menos não à vista, e tudo parecia ser funcional, para
racionalizar o espaço. Era estranho ele morar ali sozinho, enquanto a avó
devia ter vários quartos desocupados na mansão.
Jake voltou trazendo duas canecas de cerâmica com café e sentou-se diante
dela.
— E o que esperava?
— A música que estava tocando era de Chopin, não era? Tenho aulas de
música na escola e reconheci o estilo.
— O que mais faz na escola? — Jake não respondeu à pergunta e seus olhos
escuros a observavam. — Deixe-me adivinhar... Você gosta de arte; teatro
em especial.
— É mesmo? Bem. . . é alta para sua idade. O que pretende fazer quando
crescer?
— Está bem. — Jake sorria. — Então o que pretende fazer quando terminar
os estudos? O que seus pais querem que faça? Que siga os passos do pai?
— Pendragon. Meu nome é Jake Pendragon. Minha mãe era filha da velha.
— Você também. Mas deve admitir que é meio misterioso você morar aqui
embaixo, enquanto sua avó fica sozinha naquele casarão.
— Não existe mistério algum. A Casa do Mar pertencia à minha mãe. Quando
meu avô morreu, deixou-a como herança para ela. Agora que ela também
morreu, é minha.
— ... o dinheiro dela será doado para uma instituição de caridade. Pelo
menos é o que espero. Ela não me aceita, assim como nunca aceitou meu pai.
Minha mãe casou-se sem o consentimento dos pais e a velha nunca a perdoou
por ter sido contrariada.
— Acho que faria, sim. Velhos são como crianças. Gostam de ser mimados.
— Acho que deve. — Jake lhe estendeu a mão. — Imagine se seu pai
terminar a conversa com a velha e vier procurar você...
— E daí? — Lani segurou a mão dele para ficar de pé. Próximos como
estavam, pôde olhar no fundo dos olhos dele, e aproveitou aquele momento
de intimidade para se insinuar. — Não estou fazendo nada de errado, estou?
— Não está?
— Não. Mas aconselho que não tente esse truque com mais ninguém.
— Que truque? — Lani fingiu ingenuidade. — Não sei do que está falando.
— Acho que sabe. — Jake foi até a porta. — Pegou tudo que é seu?
— Sim. .. Isto é, não trouxe nada. Só a mim.
— Hum...
Jake abriu a porta e ficou de lado, para lhe dar passagem. Lani atribuiu o
calafrio na espinha ao vento frio que soprava e saiu para a varanda,
desapontada.
— Não, não sou. — Lani mordeu o lábio inferior. — Sr. Pendragon... Jake! Por
favor, não fique bravo. Só queria provar que não sou criança, só isso.
— É tão provocante que não poderia ser tratada de outra forma — Jake
ironizou. — Mas não se preocupe. Não contarei nada a seu pai, se é disso que
tem medo.
Por um momento, Jake encarou-a com impaciência, mas logo suas feições
relaxaram.
— Só não responderei por meus atos — ele brincou, fazendo-a corar mais
uma vez.
Mas a tática não funcionou. Lani sentia-se mais infeliz num país estrangeiro
e, embora gostasse de praticar o francês, não se interessava por matérias
sociais e econômicas. Suplicou para voltar e assumir o lugar deixado pela
mãe na casa agora vazia de Kensington. Depois de mais de seis meses de
sofrimento, Roger St. John cedeu.
Por algum tempo, pareceu ser uma solução satisfatória. Lani pôs em prática
suas habilidades domésticas, organizando os jantares que o pai oferecia aos
clientes e fazendo o papel de anfitriã. Uma filha no esplendor da
adolescência era sempre um trunfo contra a falta de assunto, e todos eram
unânimes em dizer que ela se parecia com o pai e que era uma sorte a dele
ter uma companhia tão encantadora.
As oportunidades de Lani ver a mãe eram cada vez menos freqüentes. Logo
depois da homologação do divórcio, passava quase todos os domingos com
ela, no luxuoso apartamento alugado em Belgrave Square. Mas, desde a
separação, a carreira de Clare tomara novo impulso; livre de obrigações
familiares, ela pôde aceitar compromissos mais longos e desafiadores. Tinha
sido convidada para apresentar-se em Glynderbourne no verão anterior, e
seu sucesso lá propiciou uma longa excursão pela Europa, representando os
papéis de maior prestígio na ópera. Essa ausência prolongada provocou um
certo esfriamento no relacionamento delas, e, quando Clare voltou a
Londres, Lani sentiu a distância aumentar. Além do mais, sua mãe estava
chegando à idade em que certamente preferia esquecer que tinha uma filha,
e era impossível não associar isso às fofocas sobre ela e vários dos homens
com quem contracenava.
Na escola, resolveu omitir o nome da mãe. Como filha de Roger S. John, era
apenas mais uma na multidão e preferia ficar no anonimato. Só as amigas
mais íntimas sabiam do parentesco, e o comentário mais comum era de que
jamais teriam adivinhado, pois Lani era muito diferente da mãe.
Às vezes, Lani achava louvável esse comentário das amigas, mas nada
lisonjeiro. Sabia que não se parecia muito com a mãe, mas, considerando que
Clare Austin era uma mulher linda, essa falta de semelhança não era motivo
de orgulho. Sua pele pálida e os cabelos ruivos e rebeldes não tinham nada
da beleza rósea e loura da mãe. Apenas os olhos, de um raro verde
translúcido, davam algum destaque a suas feições comuns. Apesar de ser
atraente, pelo menos para quem gostava de mulheres altas e mais
rechonchudas do que mandava o figurino, sentia-se desajeitada e sem a
menor graça, se comparada à elegância sofisticada de Clare Austin.
No final do segundo ano na faculdade, Lani descobriu por acaso que tinha
jeito para contar histórias infantis. Seu primo Robin, cujo beijo num
passado remoto tinha causado tanta repugnância, estava casado e suava
para sustentar a família. A chegada de gêmeos, logo no primeiro ano de
casamento tinha desequilibrado seus planos e, quando as crianças ficaram
crescidas o suficiente para serem deixadas aos cuidados de uma babá, Lani
se ofereceu para tomar conta delas.
Foi Robin quem sugeriu que Lani explorasse seu espírito inventivo,
maravilhado com os esboços que pulsavam de vida na folha de papel. Embora
Lani menosprezasse seu talento, ele insistiu:
— Tem muito talento, será que não vê? Lani, talvez a veia artística de sua
mãe tenha passado para você dessa forma. Pelo amor de Deus, não jogue
isso fora! Poderia vender esses desenhos, tenho certeza.
— Ora, Robin... — Lani lançou um olhar de apelo para Sarah, a esposa dele.
— Não ligue, Lani — a moça aconselhou. — Robin acha que todos estão
desesperados para ganhar dinheiro. É o resultado de quatro anos se
matando para fazer face às despesas.
— Ora essa, Sarah, por que não? É óbvio que Lani está fazendo esse curso
na faculdade pensando em sua carreira. Por que não investir nisso? Droga!
Ela poderia escrever os livros e cuidar também das ilustrações. Sabe como
nossos filhos são loucos pelas histórias dela.
— Bem...
Lani pressentiu que Sarah relutava em admitir que não achava aquelas
histórias tão originais e, portanto, fez isso por ela.
— Tem idéia de quantas pessoas contam histórias aos filhos? Fico lisonjeada
por sua opinião, mas realmente não convém sonhar tão alto.
— Talvez tenha razão. Não é fácil ser filha de Clare Austin. Talvez esteja
com medo de saber a verdade.
Quase uma semana se passou até Robin entrar em contato com ela de novo,
pegando-a de surpresa. Estava combinado que tomaria conta das crianças na
noite seguinte e, a princípio, Lani achou que tinham mudado os planos.
Entretanto, Robin logo desmentiu essa possibilidade, explicando que aquele
telefonema nada tinha a ver com o combinado. O verdadeiro motivo era um
convite para almoçar com o amigo dele, no dia seguinte:
— Claro que sim! Quem é esse amigo com quem vou me encontrar amanhã? E
para que esse encontro?
— Mas Robin...
— Você tem ou não? Quero dizer, uma cópia escrita das histórias.
— Só de uma ou duas.
Alguns meses depois, Lani tinha motivos de sobra para ser grata a Robin.
Seu primeiro livro, Matilda, a Bruxa da Mão de Manteiga, foi publicado na
primavera e seu sucesso gerou outros. Na época em que terminou o curso na
faculdade, tinha lançado a quarta história sobre Matilda e estudava uma
proposta para criar novos personagens para histórias em quadrinhos numa
revista infantil. Sua maior realização veio seis meses depois, quando três de
seus livros foram comprados por uma editora dos Estados Unidos. Se
tivessem boa aceitação no mercado americano, Lani alcançaria a
independência econômica.
Lani sabia que o pai vibrava com seu êxito, embora suspeitasse que ele
preferia uma ocupação mais convencional para a filha. Escrever era uma arte
e já tivera o suficiente do temperamento artístico em sua vida. Por isso,
Lani evitava ter acessos temperamentais na presença do pai e, na realidade,
raramente chegava ao nível de irritação que a mãe demonstrava com
freqüência.
Clare, por sua vez, parecia encantada com o sucesso da filha. Na ocasião da
publicação do primeiro livro, mandou flores e uma garrafa de champanhe
para brindar ao futuro, acrescentando que lamentava não poder estar com
ela, pois fazia uma excursão pela África do Sul e só voltaria à Inglaterra no
ano seguinte.
Lani não se importou. Tinha a impressão de que o pai ficava mais feliz
quando Clare estava fora do país. As fofocas constantes envolvendo o nome
de Clare Austin eram desgastantes e não era fácil para Roger St. John
aceitar os supostos envolvimentos da ex-esposa com outros homens. Muito
do que se noticiava era exagero, mas Lani sabia que o pai, normalmente um
homem racional, acreditava em cada palavra. Parecia ter envelhecido muito
depois do divórcio, deixando transparecer o peso de sua desilusão. Pelo
menos, quando Clare estava fora, os colunistas serviam-se de outros pratos,
e Lani descobriu que não havia nada mais verdadeiro que o ditado: "Longe
dos olhos, longe do coração".
— Um drinque? Só?
Lani estava nos Estados Unidos quando a mãe voltou para Londres, chegando
sem avisar, num dia nebuloso de novembro. Lani recebeu a notícia quando
telefonou do hotel em Nova York para o pai.
— Ora, papai! Não sei por que se deixa afetar tanto! Esse não é o primeiro
homem da vida dela, nem será o último. Tente tirar da cabeça qualquer
pensamento ligado a. . .
— Parece que ela pretende casar com esse — Roger interrompeu a filha. —
Diz que está realmente apaixonada desta vez. Na verdade, o que ela quer
dizer é que os anos passam e não é mais nenhuma mocinha!
— Papai!
— Sabia que esse. . . pianista é quase vinte anos mais jovem? Vinte anos!
Meu Deus, Clare tem idade para ser mãe dele!
— Lani comentou com tristeza. — Mas o que importa isso, papai? A vida é
dela...
— Que nome! Um apelo para atrair a atenção das pessoas, suponho. Música
clássica para as massas e um pianista atraente para trazer. . .
— Pendragon? — Lani não ouviu nada além das primeiras palavras do pai. —
Você disse. .. Pendragon?
— Pensei que estivesse sabendo sobre esse rapaz. Não acredito que não
tenha lido nada sobre o assunto. É um prato cheio para os jornais.
Lani, que andava evitando ler notícias sobre a mãe com medo de deixar
escapar qualquer coisa para o pai, balançou a cabeça.
— Sei. . . Bem, imaginei que teria interesse em conhecer quem vai ser seu
padrasto. Deus! Que história mais indecente! Sua mãe deve estar louca.
— Chega de falar nela — o pai disse, para alívio de Lani. — Não me contou
ainda o que está fazendo. Falou com Lyn Vicent? O que ele disse?
— Falei, sim. Almoçamos juntos e ele disse que vai publicar os livros
praticamente sem nenhuma alteração. Parece que está apressando o
andamento das coisas para o primeiro sair antes do Natal.
Mesmo ligando o aquecimento central depois de falar com o pai, Lani não
conseguiu se livrar dos calafrios, que persistiam muito depois de ir para a
cama. Não conseguia pensar em outra coisa a não ser na possibilidade de o
Pendragon de sua mãe ser o seu Pendragon. O nome era incomum e o fato de
os dois serem pianistas era coincidência demais. Mas como poderia ser? O
homem que conhecia morava na Cornualha, na Casa do Mar. O homem com
quem sua mãe estava envolvida era supostamente americano. Devia estar
enganada. Só podia estar!
Não que tivesse motivos para considerar Jake Pendragon sua propriedade.
Mal o conhecia e só por ter floreado seu encontro para as colegas de escola
não significava que devia começar a acreditar em suas próprias histórias.
Entretanto, passou noites em claro, imaginando cartas que nunca mandou e,
por algum tempo, pensou estar apaixonada.
O transtorno na vida familiar tinha mudado tudo isso. O divórcio dos pais
tornou mais clara a distinção entre fantasia e realidade, e quando voltou da
Suíça perdera a disposição para envolvimentos românticos. Seu pai estava
sozinho e precisava dela. Seus próprios sentimentos foram relegados a
segundo plano.
Lani desembarcou em Heathrow na quinta à noite. Uma garoa fina caía sobre
a cidade, e sentiu um alívio indescritível ao ver o pai no meio da multidão.
Parecia ter envelhecido mais, naquela semana, fazendo-a concluir que o
retorno de Clare à Inglaterra o afetara demais.
Lani suspirou. Sua mãe outra vez! Será que ele não conseguia pensar em
outra coisa?
— Você a viu?
— Ontem à noite, pela tevê. Numa entrevista naquele programa que vai ao ar
duas vezes por semana.
— Sei qual é. Aquele do Chris Faulds. Que pena que não vi! Mamãe se saiu
bem?
— Como era de se esperar. Sua mãe sempre se sai bem nas entrevistas.
Estava radiante. O caso com o rapaz parece estar lhe fazendo muito bem.
— Pendragon? — O tom era desdenhoso. — Não, não estava com ela. Não
deve ter sido convidado. Afinal, quem é ele? Ninguém o conhece.
Lani queria que o pai parasse de pensar em sua mãe, para não virar uma
obsessão. Seu antigo receio de que a carreira da mãe o estivesse destruindo
voltou com força total, fazendo-a lamentar que ele não estivesse disposto a
encontrar alguém. Mas Roger St. John não se interessava por outras
mulheres e os casos da ex-esposa o enchiam de desgosto.
Lani acordou tarde no dia seguinte e teria dormido mais se a sra. Evans, a
governanta, não fosse chamá-la para atender a um telefonema. Teve um
sobressalto quando olhou para o relógio e levantou-se num pulo. Era quase
meio-dia.
— Seu pai deu ordens para não acordá-la — a sra. Evans explicou enquanto
desciam as escadas. — E concordei com ele. Além do mais, sexta-feira não é
dia para começar nada. Espere até segunda. Assim, terei tempo de arrumar
o estúdio...
— Você devia ter ido comigo. Nova York não é lugar para uma mulher
sozinha.
— Gostaria de ter ido. Nada me daria mais prazer, acredite. Só que foi
simplesmente impossível me ausentar esta semana.
— Não. Liguei para convidar você para o almoço, mas, pelo visto, acabou de
acordar, não é? Então, que tal jantarmos juntos? Podemos ir ao Mermaid. Ou
qualquer outro lugar que preferir.
Lani tinha evitado sair com Miles até então. Não que não gostasse da
companhia dele, gostava e estava preparada para aceitar que seu
relacionamento fosse além da simples amizade, mas não por enquanto.
Preferia manter certa distância, o que excluía jantares íntimos.
— Não posso esta noite, Miles. Isto é.. . cheguei tarde ontem, e papai... bem,
sei que ele gostaria que eu jantasse em casa hoje.
— Sei pai é um velho egoísta! Pelo amor de Deus, Lani. Também não a vejo a
uma semana. Será que não mereço nenhuma consideração?
— Se quiser.
— Tem certeza? — Miles hesitou, sabendo que o pai dela não aprovava
ninguém ligado ao lado artístico da vida da filha e, apesar de os dois já
terem se encontrado, não eram exatamente grandes amigos.
Lani estava no banho quando o telefone voltou a tocar. Desta vez, ouviu, mas
deixou a sra. Evans atender. Quem quer que fosse, poderia esperar. Talvez
fosse Sarah, confirmando o batizado da filha no domingo, já que Lani seria a
madrinha. Desligou o chuveiro e pegou a toalha.
— Não, não é seu pai no telefone. É sua mãe. Quer falar com ela?
— Minha mãe? — Parecia fazer anos que não tinha contato com a mãe. —
Eu... bem, é claro! Peça a ela que espere um minuto que vou me vestir, está
bem?
— Mãe?
— Não. Você e eu, bobinha. Precisamos nos encontrar. É por isso que estou
ligando. Quero que venha jantar aqui amanhã à noite. Que tal às sete e
meia?
— Amanhã? ,
— Sim, amanhã. Sabe onde moro, não é? Ainda estou no mesmo apartamento.
— Lani. . . — Clare parecia ressentida. — Lani, não me diga que vai dar
preferência a um namoradinho qualquer à sua mãe.
— Acho que não. É meu editor. Mas como vai você, mãe? Não vi sua
entrevista na televisão na outra noite.
— Como quiser.
— Vou compensá-la pelo tempo perdido, querida. Agora que voltei, podemos
nos encontrar com mais freqüência. Está uma mocinha agora, e sempre nos
demos mais como irmãs do que como mãe e filha, não acha? Que tal a idéia
de sermos mais amigas?
— Mãe, já sou uma moça. Tenho mais de vinte anos, como deve saber.
— E não é isso que estou dizendo? — Clare sabia ser teimosa quando queria
e só ouvia o que lhe interessava. — Até amanhã à noite, então. Mal posso
esperar a hora. Ponha um vestido bem bonito. Quero exibir você.
Não foi senão quando Lani estava no meio da escada que o significado da
última frase de sua mãe ficou claro. Clare queria exibi-la! Para quem? E,
mais importante ainda, a troco de quê?
Lani sentou no degrau acarpetado. Tinha sido uma boba, uma completa
idiota! Devia ter perguntado se iriam jantar a sós. Se não, teria mantido a
recusa. Agora, ficara sem saber o que a mãe tramava, e a probabilidade de a
última conquista de Clare Austin estar presente era grande. Respirou fundo
e analisou suas opções: poderia ir ao jantar conforme o combinado ou
telefonar inventando alguma desculpa. Mas que desculpa? Como convencer
Clare de que não estava sob influência do pai? A última coisa que queria era
ver a mãe culpar Roger por sua desfeita. Suspirando, levantou-se e
continuou a subir as escadas. Não podia fazer nada. Teria de ir.
CAPITULO III
Roger St. John não disfarçou o ressentimento, quando soube daquele jantar.
— Clare perdeu seus direitos quando abandonou você, Lani. É uma mãe
desnaturada. Por que acha que consegui sua custódia? Ela não se importou
com você naquele época, assim como não se importa agora. Só quer tirar
proveito de seu sucesso.
— Ora, papai, isso é ridículo. Sucesso é o que não falta a Clare, não acha?
— É bem típico dela. — Roger deu um sorriso desdenhoso. — Receio que sua
mãe não queira admitir a idade.
Miles, por sua vez, ficou desapontado quando Lani telefonou cancelando o
compromisso.
— Então quando nos veremos? Que tal domingo? Podemos descer para o
litoral.
— Sabia que o jantar era bom demais para ser verdade... Sua mãe não
aceitaria um convidado extra, não é? Por acaso ela não pediu que levasse um
amigo?
Com o coração aos pulos, tomou o elevador e examinou as roupas. Não sabia
se a ocasião era formal, mas, lembrando da sugestão da mãe para que usasse
algo bem bonito, escolheu o que tinha de mais simples no guarda-roupa. Um
conjunto de saia e colete em veludo bege, com uma blusa de seda creme, de
mangas amplas. Como a noite estava fria, vestiu um casaco de pêlo de
camelo. Não queria parecer "bonitinha", mas uma garota séria. Se Clare não
gostasse, azar o dela.
A sala toda decorada em tons de azul e detalhes dourados era o palco onde
Clare recebia a corte. O teto modelado, o tecido adamascado das cortinas e
as colunas espelhadas formavam um cenário digno de uma ópera italiana, e
custou muito a Lani dar o primeiro passo. Sua boca estava seca e foi alvo de
vários pares de olhos. Clare, como sempre rodeada de admiradores, não
notou a chegada da filha, e ficou a cargo de Elwyn Hughes, o empresário,
resgatar a garota de uma situação embaraçosa.
— Lani! Minha querida, quase não a reconheci. Está uma moça já.
Lani deu um sorriso forçado. Estava acostumada a ser tratada como uma
criança pelos amigos de sua mãe, mas foi mais difícil agir com naturalidade
naquela noite em que se sentia nervosa por não saber o motivo de sua
presença ali.
— Lani! — A recepção de Clare foi tão calorosa que, por um instante, ela
pensou ter se enganado. Mas logo percebeu que tudo não passava de uma
representação, da qual a filha também devia participar.
Dando outra olhada rápida ao seu redor, Lani ficou aliviada por não ver quem
mais temia encontrar. Na certa tinha se enganado e respirou fundo,
reagindo com mais entusiasmo às apresentações que a mãe fazia.
Ninguém a quem foi apresentada era Jake Pendragon. Das quinze ou vinte
pessoas na sala, nenhuma tinha um nome sequer parecido, mas apesar do
champanhe a garganta de Lani continuava seca. Onde estaria ele? Era
impossível, depois de todos aqueles boatos, que não estivesse presente. No
entanto, tudo indicava que não estava mesmo. O desapontamento de Lani foi
tão grande quanto o alívio.
— Você mudou, Lani. Não é mais acanhada como antes. Não sei se gosto
disso.
— Talvez esteja querendo dizer que já não sou tão ingênua. — A resposta de
Lani alterou as feições de Clare.
— Por que me convidou para o jantar desta noite, mãe? Precisava de mim
para completar os pares?
— Bem, minha querida. . . não é tão simples assim. Faz tanto tempo que não
nos falamos. Acho que estamos muito... distantes uma da outra, se é que
entende o que quero dizer.
— Sinto muito. Eu.... suponho que tenha a ver com esse homem que trouxe
dos Estados Unidos.
Só que agora não era mais criança, mas uma mulher, e a intensidade de seu
olhar pareceu atrair o dele. Não esperava ser reconhecida. Seria muito
querer que ele se lembrasse de uma adolescente curiosa, que tinha invadido
a privacidade de seu lar. E ficou surpresa ao ver aqueles olhos castanhos se
estreitarem e as sobrancelhas se contraírem, formando rugas. Pelo que
pareceu uma eternidade, mas poderiam ter sido apenas alguns segundos,
ficaram se olhando por entre as cabeças das outras pessoas na sala, até que
alguém o viu e chamou-o.
— Não?
— Você está bem? — Elwyn olhava ansiosamente para Lani, que, apesar de
agradecida pela demonstração de consideração, não queria atrair atenção
para si.
— Estou bem, sim. Eu. . . eu. . . você deve estar muito ocupado com. . . com. . .
com os compromissos de Clare.
— Sim — Elwyn continuou a falar. — Soube que ela queria ver você e seu pai.
Clare está muito orgulhosa de seu sucesso, Lani, mas devo admitir que ela
não ficaria tão satisfeita se fosse na área dela, se entende o que quero
dizer.
— É um gênio, Lani. Só não diga a ele que comentei isso. Quando Clare o
conheceu, tocava numa boate em São Diego.
— Numa boate?!
— Isso mesmo. Melhor do que morrer de fome, não acha? O fato de ser bom
não basta para fazer sucesso.
— Numa boate?
— Isso mesmo.
— Ouça, garota, sinto decepcioná-la, mas não foi bem assim. Quero dizer. . .
bem, sua mãe ainda é uma mulher muito bonita e precisa da companhia de um
homem. Tomara fosse eu esse homem, mas é Pendragon que ela quer.
— Ela o ama?
— É louca por ele e ele a faz feliz. Se é isso que importa, quem somos nós
para julgar?
— Não? Se Jake casar com sua mãe, será seu padrasto. Lani desviou o olhar
para as luzes da cidade de Londres, que se podiam ver da janela.
— Pelo menos é o que ela quer e está determinada a ter. E, se Jake espera
ver seu nome em letreiros luminosos no Carnegie Hall, deve querer isso
também.
Para seu alívio, Elwyn parou de falar depois disso, e o rapaz sentado à sua
direita puxou conversa. Era o mesmo que fizera o comentário sobre o
guarda de segurança e, embora já tivessem sido apresentados, Lani não se
lembrava de seu nome.
— É cantor de ópera, também, sr. Somers? Paul deu uma risada sonora.
— É muita gentileza sua, mas não tenho o menor temperamento para isso.
Devia ver as brigas que ocorrem nos ensaios. Ou talvez não. Destruiria suas
ilusões para sempre.
— Não. Desde... desde que meus pais se divorciaram, não a vejo muito.
Lani afastou-se um pouco para que a copeira tirasse seu prato de sopa e viu,
para seu desespero, que Jake Pendragon a olhava novamente. Baixou o olhar
e começou a brincar com o guardanapo no colo, ficando desconcertada
quando Paul perguntou:
— Você já o conhecia?
— Quem?
— Oh, claro! — Paul se serviu da vitela que a copeira oferecia. — Jake é boa
gente. Tem muito talento.
— Mas não o suficiente para vencer sozinho — Lani observou com ironia e
Paul fez uma careta.
— Não sei quem andou enchendo sua cabeça com fofocas. — Paul olhou
disfarçadamente para Elwyn Hughes, que não notou nada. — Ouça, meu bem,
ninguém é perfeito. Temos de nos agarrar às chances que a vida apresenta,
entende?
— Tome mais vinho. — Paul a serviu. — Se Clare não a apresentar, farei isso
com o maior prazer. Faço questão de lhe mostrar que ele não é o cafajeste
que imagina.
No final das contas, nem Clare nem Paul apresentaram Lani a Jake.
Terminado o jantar, Clare avisou que o café e o licor seriam servidos na sala
de estar, e, na confusão de convidados levantando e saindo, subitamente
Lani se viu ao lado de Jake. No instante em que roçaram um no outro, seu
coração pareceu parar, e quando ele se virou Lani quis que o chão se abrisse
a seus pés e a engolisse. Olhou rapidamente à sua volta, mas não viu Paul
Somers nem Elwyn Hughes. Isso tinha de acontecer quando mais precisava
de alguém.
— Olá.
— Olá.
Desejando que as pessoas à sua frente andassem mais rápido, Lani suou frio
quando ele acrescentou:
Ele não se lembrava! Quando seu olhar perplexo cruzou o dele, Lani
percebeu que, embora seu rosto não lhe fosse totalmente estranho, ele não
tinha idéia de onde a vira. - Sou. . . filha de Clare, sr. Pendragon. Alguns
dizem que pareço muito com minha mãe! — Embora a maioria achasse o
contrário, Lani não se importava. Era preciso que ele acreditasse nisso, e
apressou o passo, colocando a maior distância possível entre eles.
— Não? — Jake dizia. — Pensei que fosse o contrário. É óbvio que alguma
coisa está incomodando você e, se não é isso, o que pode ser?
— Não entendo o que quer dizer, sr. Pendragon. — Seu tom foi categórico e
imaginava se seu embaraço era visível aos outros. Ao rezar para que alguém
viesse resgatá-la daquela situação, mal sabia que a ajuda viria na pessoa de
sua mãe.
— Isto é, com sua filha — Jake corrigiu. — Não me disse que ela estava
aqui.
— Ia dizer. Lani, pegue uma xícara de café para mim, por favor. É só pedir a
Ethel. . .
— Lani!
A exclamação de Jake abafou as palavras de Clare, mas Lani não quis ficar
para saber se ele fizera alguma associação com o nome. Sentindo o desastre
iminente, deixou-os a sós, dirigindo-se à empregada que servia o café.
Depois de pedir que a moça servisse a mãe, seguiu com determinação até a
porta e, pegando o casaco no hall, foi embora.
CAPITULO IV
Lani acordou cedo na manhã seguinte — cedo demais, considerando que era
muito tarde quando conseguira dormir — e continuou deitada, sem a menor
vontade de sair da cama. Preferia ficar no quarto, prevendo o sermão que
receberia. Fechou os olhos para bloquear as pressões do mundo exterior. A
união de sua mãe com Jake Pendragon não tornava esse mundo menos hostil,
e ela temia enfrentar sua própria covardia.
O que os convidados de sua mãe teriam pensado na noite anterior? Como sua
mãe havia encarado sua saída brusca? O que Jake Pendragon pensava de seu
comportamento? Tinha sido um impulso precipitado e irresponsável sair da
festa daquele jeito, e Clare teria razão para ficar furiosa.
Por isso, mentiu ao pai, dizendo que havia se divertido e Clare ficara feliz ao
revê-la. Não falou de Jake, limitando-se a descrever o apartamento e a
comida. Quando o pai comentou que tinha voltado cedo, alegou estar com dor
de cabeça, o que não era exatamente mentira. Roger Insistiu para que a
filha fosse direto para a cama e não pareceu descontente por Lani ter,
evidentemente, achado a festa uma chatice.
- Por isso está vestida assim? A que horas combinou estar lá? Dez horas?
— Um pouco mais cedo? Não são nem nove horas! E não leva três horas para
chegar a Chalfront.
— Sei que não. — Lani mexia distraidamente o açúcar no café. — É que está
uma manhã bonita e pensei em dar uma volta. Quero começar a fazer os
esboços para o novo livro.
— Será que não arranjou outro encontro com sua mãe? Roger olhou para a
filha por sobre o jornal. — É isso que está tentando esconder de mim?
— Eu. . . bem, me diverti. . . mas. . . vim embora assim que terminou o jantar.
— Pode-se dizer que sim. — Ela não queria se envolver naquilo. — Acho que
não estava me sentindo à vontade, só isso. Quis contar a você porque. . .
bem, para o caso de mamãe ligar para cá hoje.
— Sei. . . — Roger observou a filha com atenção. — E é por isso que decidiu
sair tão cedo de casa? Por estar com medo de enfrentar sua mãe?
— Hum... — Roger St. John balançou a cabeça. — Sabe, Lani, não acredito
que esteja me contando toda a verdade. Aconteceu mais alguma coisa ontem
à noite, não é? Alguma coisa que viu ou ouviu. Não quer me contar o que foi?
Sou seu pai, minha querida, e me preocupo muito com você.
— Ora, papai! — Lani evitou o olhar dele. — Não aconteceu nada, juro. Acho
que fiquei com ciúmes. Quando. . . quando Jake Pendragon apareceu, ela não
deu atenção a mais ninguém. Foi isso.
— E suponho que ela contou que pretende casar, não foi? Como dizem por aí,
não há ninguém tão tolo como um tolo velho.
— Papai, Clare não é velha. Não aparenta ter mais de trinta. Agora, por
favor, vamos mudar de assunto, está bem? Estou cansada dessa história.
— Alô?
— Espere! Lani, não desligue ainda. Se não podemos nos encontrar hoje, tem
de ser amanhã. Vou tentar arrumar uma hora entre. . .
— Não precisa se incomodar. Se foi Clare quem pediu para você ligar. . .
— Droga, Clare não tem nada a ver com isso! — Jake demonstrou
impaciência. — Com certeza vai ligar para você mais tarde, mas isso não vem
ao caso agora. E, então, para quando podemos marcar o encontro?
- Sinto muito, mas... — a voz dela saiu trêmula — ... estarei ocupada o dia
todo. Foi gentileza sua ter ligado, sr. Pendragon.
— Até logo, sr. Pendragon — Lani interrompeu-o com firmeza e, sem lhe dar
chance de responder, desligou.
Ficou parada no hall por alguns instantes, abalada demais para se mover.
Mas bastou o telefone recomeçar a tocar para pegar a bolsa e a pasta de
desenho e sair correndo, para fugir à tentação. Enquanto tirava o carro da
garagem, ainda podia ouvir os chamados persistentes, mas nada a
convenceria a voltar.
— É verdade...
Lani imaginava o que Miles diria se lhe contasse que o cansaço da viagem não
era o responsável por sua insônia. Soubera pelo pai que Clare tinha
telefonado enquanto estava fora, no domingo, e isso, mais o telefonema
inesperado de Jake Pendragon, dificultou que relaxasse.
— Como foi o jantar? — Miles quis saber, depois de ouvir com detalhes o
relato da viagem a Nova York. — Valeu a pena me dar o cano?
— Não. — O sorriso dela foi irônico. — Se quer mesmo saber, preferia mil
vezes ter jantado com você, mas Clare passou muito tempo fora da
Inglaterra e. . . .
— Mais ou menos isso. — Lani girava nervosamente o copo de vinho nas mãos.
— Não vamos mais falar de Clare. Já ouvi o suficiente de papai.
— Não sei por quê, mas tenho a impressão de que não foi uma grande noite.
- Não foi mesmo. Foi realmente uma droga. Detesto lidar com pessoas
artificiais.
Miles parecia querer fazer mais perguntas, mas a fisionomia de Lani não era
nada animadora. Por causa disso, ele mudou de assunto, perguntando sobre o
batizado.
— Não, mas tenho lido muito sobre ela. Bem, como você mesma sugeriu, não
vamos mais tocar nesse assunto. Fale-me de seus livros. Já começou o
esboço das ilustrações? Acho que é uma boa idéia apresentar um novo
personagem. Já pensou no nome que vai dar a ele?
Para alívio de Lani, falaram sobre o seu trabalho durante o resto do almoço.
Quando saíram do restaurante para o ar gélido daquele dia de novembro, ela
não estava com disposição para se demorar mais.
— Está bem. — Miles parecia conformado. — Mas não demore muito. Quero
vê-la antes do Natal.
Lani segurava a bolsa como se fosse um escudo. O que ele fazia ali? O que
estaria querendo, afinal? Imagine se Clare soubesse que seu namorado
procurava sua filha com tanta insistência...
— Não temos nada para conversar. Aliás, como sabia onde me encontrar?
Como sabia que eu passaria por aqui a esta hora?
— Quando telefonei hoje de manhã, a empregada disse que você tinha saído.
Não acreditei, a princípio. Então ela disse que você provavelmente voltaria à
tarde.
— Você. . . telefonou de novo para minha casa? Disse à sra. Evans quem era?
— Ora, é claro que não! Disse que era John Smith — respondeu Jake com
sarcasmo. — Não se preocupe, não revelei meu verdadeiro nome. Imaginei
que, depois de toda a publicidade que fizeram, o sobrenome Pendragon não
seria bem-vindo aos ouvidos de seu pai.
— Como você se atreve? Que ousadia vir atrás de mim só para me chatear!
Não tem vergonha na cara? Não temos nada para conversar, sr. Pendragon.
Agora, por favor, me deixe passar.
— Que convencido!
— Está me machucando.
Lani tremia quando passou por ele, consciente de que era observada até
virar a esquina de Pelham Court. Atravessava a pequena praça quando ouviu
o ronco do motor do Porsche que, segundos depois, passou por ela em alta
velocidade, agitando as folhas espalhadas pelo chão.
Clare ligou novamente naquela noite e, desta vez, Lani não teve desculpa
para não atender. Deixando o pai à mesa de jantar, foi para o hall, fechando
a porta por medida de precaução.
- Bem. . . acho que sim. — Lani sentiu as pernas bambas só de ouvir a mãe
tocar no nome de Jake. — Foi idiotice sair daquele jeito, admito. Mas tenho
certeza de que nenhum de seus amigos a recriminou por minha estupidez.
- É claro! Foi o encontro com Jake, não foi? A consciência de que eu e seu
pai estamos definitivamente separados a perturbou. Receava que isso
acontecesse. Mas você não é mais nenhuma criança. Já é adulta o suficiente
para encarar certas coisas.
— Mãe. . .
- Não. Deixe-me acabar. Foi precipitado, sei disso. Pretendia conversar com
você sobre. . . bem, sobre Jake, mas ele estragou tudo aparecendo
inesperadamente. Ele linha ido à Cornualha, onde mora a avó, e eu não o
esperava de volta antes do domingo. E, quando ele chegou, sei que não dei
atenção a mais ninguém.
- Seja como for, agora que já se encontraram, tudo seja mais fácil. Quero
que você e ele sejam amigos, Lani. Quero dizer, é importante para mim que
as duas pessoas de que mais gosto se dêem bem. Sei que seu pai não
concordará, mas não deixe a influência dele estragar nosso relacionamento.
Por isso, quero reunir meus amigos no Royal Albert Hall, na quinta à noite. É
o recital de Jake e depois iremos todos jantar no Mancini's.
CAPITULO V
A arte de Jake foi responsável por essa mudança — sua habilidade, sua
sensibilidade e o domínio brilhante que tinha sobre o instrumento, tirando
das teclas nuances variadas de emoção. Os aplausos começaram assim que as
últimas notas morreram no ar e foram ensurducedores. Lani viu a mãe ficar
de pé e aplaudir com mais entusiasmo que qualquer espectador, mas estava
emocionada demais para fazer o mesmo. Até que sentiu uma lágrima
escorrer pela face e, enxugando o sinal traiçoeiro, levantou-se
abruptamente e participou da ovação.
Todos voltaram a sentar e Clare virou-se para a filha com uma expressão
triunfante.
— Jake sabe realmente com tocar um piano — observou Célia Nevill, uma
amiga americana de Clare. — Aquelas mãos conseguiriam tirar sangue de
notas musicais! Vou pensar nisso sempre que apertar as mãos dele.
— Acho que essa é a última coisa em que Clare pensa quando sente o toque
daquelas mãos — insinuou o marido de Célia, acrescentando — Opa, desculpe!
— quando a esposa o cutucou, olhando para Lani.
— Isso não me preocupa nem um pouco, Elwyn. Cuidarei para que ele sempre
arrume um tempinho para mim. Afinal, fui eu que o descobri e não deixarei
que esqueça Isso.
A segunda parte do concerto foi um anticlímax para Lani. Jake tocou três
prelúdios de Rachmaninoff, mas não com a mesma paixão de antes, embora
mantivesse o estilo e a elegância.
Um conjunto tocava num canto e as pessoas tendiam a falar mais alto para
serem ouvidas. A fumaça dos cigarros anuviava o ambiente e alguns casais
dançavam numa pequena pista rebaixada. Enfim, a atmosfera não contribuía
muito para aliviar a dor de cabeça que Lani começava a sentir.
A mesa estava posta para oito pessoas. Lani e Elwyn, os Nevill e mais dois
amigos de Clare sentaram-se e pediram seus drinques. Só Lani se recusou a
tomar bebida alcoólica.
Ela não aceitou, por estar completamente sem apetite. Clare chegou uns
vinte minutos depois, acompanhada de Jake, que, ao contrário do que se
podia esperar, não demonstrava a metade da euforia dela. Parecia cansado,
provavelmente sob os efeitos do desgaste emocional do concerto.
Lani receava aquele confronto depois do encontro há quatro dias, mas Jake
mal olhou para ela. Depois de receber os cumprimentos do grupo, ele
afundou numa cadeira e Clare chamou o garçom para pedir champanhe.
Clare obviamente não gostou de ver seus planos frustrados, mas parecia
disposta a perdoar qualquer coisa naquela noite. Com uma ousadia admirável,
brindou ao sucesso de Jake, que continuou impassível.
— Ora, Jake, até Malcolm Seymour elogiou seu desempenho. E todos sabem
que ele não faz isso por um inituíto qualquer.
O cinismo cruel de Jake trouxe lágrimas aos olhos azuis de Clare, e Lani
desviou o olhar, embaraçada.
O jantar foi serviço em seguida, uma refeição de dar água na boca, em que
houve salmão defumado e caviar, preparado com vinho e, para sobremesa,
salada de frutas com chantilly ao rum. Apesar da fartura, Lani notou que
Jake mal tocou na comida.
Ora, que pena! — Maggie deu tapinhas de leve no ombro de Lani. Apesar de
ter a mesma idade de Clare, não tinha a mesma vitalidade dela, e a sua
maquilagem já estava toda borrada àquela hora da noite.
Quando os dois voltaram para a mesa, ela mal ergueu o olhar. Clare notou
seu silêncio.
— Lani, venha sentar perto de nós. — Clare passou o braço pelo de Jake, e
ela não teve alternativa senão obedecer. — Então, achou o recital
fantástico, não foi, querida?
Elwyn não deu atenção à recusa, praticamente puxando Clare para a pista. A
sós com Jake, Lani não sabia para onde olhar ou o que dizer. Depois de
alguns minutos de silêncio enervante, Jake pôs a mão sobre a dela.
Jake não esperou pela resposta e puxou-a quase com brutalidade. Para
evitar uma cena, Lani teve de segui-lo, mas na pista de dança, soltou-se com
determinação. Isso, no entanto, só facilitou para que ele colocasse os braços
em sua cintura, envolvendo-a com carinho.
— Não quero dançar com você — Lani sussurrou, encarando com raiva um
olhar enigmático. — Por que está fazendo isso? Você também não quer
dançar comigo. E por que tentou me embaraçar agora a pouco falando do
modo como tocou Chopin na Casa do Mar?
— Por que não me lembraria? Você foi bem rude. Contou a Clare sobre
aquele nosso encontro... ou está deixando para contar numa ocasião mais
íntima?
— Por que deveria ter contado a Clare que já nos conhecíamos? Pelo que me
lembro, você estava bem provocante. Nem um pouco parecida com a puritana
de hoje!
Lani ficou indignada, mas Jake não se mostrou arrependido. Pelo contrário,
apertou-a mais nos braços, fazendo o sangue correr mais rápido em suas
veias. Estavam muito próximos e ela podia sentir o calor e a fragrância
máscula que emanavam daquele corpo, bem como a força dele a dominar sua
resistência. À sua volta, os outros casais dançavam totalmente indiferentes
àquele conflito silencioso. Lani, perturbada com a própria vulnerabilidade,
lançava mão de todas as armas que tinha para resistir:
— Não, não sou. Mas agora não é hora de discutirmos isso e, a menos que
queira que sua mãe nos ouça, sugiro que se acalme.
— Eu? Me acalmar?
Lani ficou indignada, mas subitamente toda a sua resistência foi por terra.
Jake tinha razão. Estava agredindo-o gratuitamente, mais em função da
atração indesejada que sentia do que por alguma coisa que Jake tivesse
feito. Consciente disso,desistiu da batalha desigual.
— Não. — Jake pôs a mão sobre os lábios de Lani e voltou a colar o rosto ao
dela.
— Não... não posso! — Lani entrou em pânico e teria saído correndo dali se
os reflexos de Jake não fossem mais rápidos.
— Sim, você pode. Juro que não farei mais nada para embaraçá-la.
— Ora vejam só! Que gentileza a sua dançar com Lani, querido. Não tinha
visto que estavam na pista.
— Não? Bem... que tal voltarmos para a mesa? Acho que o conjunto vai parar
para um intervalo.
— Se não se importar, vou embora agora, mã... Clare. — Lani sabia que não
conseguiria voltar para a mesa e agir como se nada tivesse acontecido. A
dor de cabeça que amainara enquanto dançavam tinha voltado com mais
intensidade, e tudo que queria era voltar para a cama e desfrutar da solidão
do quarto.
— Eu. .. estou com dor de cabeça, mas não se incomodem. Pegarei um táxi.
— Você não pode! — Clare protestou, uma vez passado o choque. — Querido,
a festa é sua.
— Levarei Lani para casa. Não terei de desviar muito do meu caminho e,
como ela, estou com a cabeça estourando, Clare. Você e Jake continuem com
a festa. Tenho certeza de que Maggie, Adrian e os Nevill estão animados
para uma noitada.
Mesmo assim não conseguia parar de pensar nele. Quando chegou em casa,
ficou aliviada ao constatar que seu pai já estava dormindo. Não tinha a
menor disposição para falar do recital ou do que acontecera depois. Talvez
no dia seguinte estivesse com as idéias mais claras para fazer isso.
CAPITULO VI
Lani acordou no dia seguinte com uma terrível depressão. Sentia-se apática,
sem a menor vontade de levantar da cama e começar a trabalhar. Foi só
quando o pai veio avisá-la de sua saída que se conscientizou de que era mais
tarde do que imaginava. A manhã estava tão sombria que dava a impressão
de ser ainda madrugada.
— Estou de saída, Lani. — Roger St. John olhou para a filha com
preocupação. — Você está bem? Parece pálida. Por acaso está de ressaca?
— É claro que não, papai! Só bebi duas taças de champanhe. Estou apenas um
pouco. . . fora de órbita. Provavelmente porque fui dormir tarde.
Lani sabia o quanto custava ao pai ouvir isso e desejou que Clare não a
tivesse colocado naquela situação. Mas a mãe sempre impunha a sua vontade
e, se Lani se recusasse a vê-la, era bem capaz de ir até Pelham Court acusar
o ex-marido de envenenar a mente da filha. Ela não quisera correr o risco. A
paz de espírito de seu pai era uma coisa frágil e, enquanto Clare
permanecesse no país, teria de mantê-los separados.
— Desculpe não ter tomado café com você. — Lani tentou mudar de assunto,
mas Roger não parecia disposto a isso.
— Ah...
Lani lamentou não poder dizer que o recital de Jake fora um fracasso. O pai
se sentiria mais consolado se soubesse que Clare tinha deixado as emoções
interferirem em seu julgamento.
— Não. Vou jantar no clube com o velho Harrison. Prometi a ele uma partida
de xadrez há algumas semanas e combinamos para esta noite. E você? Quais
são seus planos? Vai ver sua mãe de novo?
— Não sei. Pretendo trabalhar um pouco hoje. Disse a Miles que lhe
mostraria alguns esboços preliminares ainda esta semana, para discutirmos.
— Sei... Bem, preciso ir. Boa sorte com os desenhos. Não trabalhe demais,
está bem?
O som do telefone era tudo que precisava para acabar de vez com sua
concentração. Só pedia a Deus que não fosse Clare e teve um sobressalto
quando a sra. Evans bateu na porta do estúdio.
— É para a senhorita. O sr. Rossiter. Disse que estava em casa. Fiz bem?
— Oh.. . — O alívio de Lani foi imenso. — Oh, sim! Falarei com ele. Obrigada,
sra. Evans. Atenderei num minuto.
— Não me diga que não aprontou os esboços ainda. Faz quase uma semana
que não nos vemos. O que fez esse tempo todo?
— Na verdade, tenho visto, sim. Precisa me dar mais algum tempo, Miles.
Inclusive, estava no estúdio agora.
— Sim, sei disso. Suponho que viu as fotos dele com sua mãe nos jornais de
hoje, não foi? Não é à toa que não consegue se concentrar no trabalho.
Só então Lani entendeu por que a mãe demorara para chegar ao Mancini's.
— Eu. .. fomos todos jantar depois do recital. As fotos estavam boas? Papai
costuma levar o jornal para o escritório e não tive tempo de ler.
— São boas, sim. Ele parece meio contrariado, mas sua mãe está toda
sorrisos. E com toda a razão. Arranjar tudo aquilo deve ter custado uma
nota a ela. Pelo menos parece que terá um retorno do investimento.
— Então quando acha que terá alguma coisa pronta para me mostrar?
— Desculpe não ter atendido ao telefone, sra. Evans. Mas... bem, estava com
medo de que fosse Clare.
— E por que não quer falar com sua mãe? Saiu com ela ontem à noite, não
foi?
— Sim, mas isso não significa que queira falar com ela pelo telefone. Para
ser bem honesta, gostaria que nunca mais voltasse para Londres. Eu. .. nós,
quero dizer, papai e eu nos damos muito melhor quando mamãe está
viajando.
— Às vezes acho difícil acreditar que Clare é minha mãe. Não temos
absolutamente nada em comum.
— Herdou o talento dela. A sra. St. John sempre teve uma imaginação muito
fértil. Foi por isso que escolheu o palco, por gostar tanto de faz-de-conta.
— Seu pai ama uma ilusão. A mulher em quem ele pensa nunca existiu. Agora
vá andando, mocinha, e me deixe trabalhar.
De volta à prancheta, Lani ficou pensando no que a sra. Evans dissera. Seu
pai realmente costumava recordar os bons momentos vividos com Clare, mas
nunca mencionava as brigas que tinham marcado o relacionamento deles ou o
clima de hostilidade em que Lani fora criada.
— 0 que você quer? Pensei que era minha mãe. Ela... ela está aí com você?
Deve estar satisfeita com seu sucesso. Ouvi dizer que suas fotos estão em
todos os jornais...
— Não sei do que está falando, sr. Pendragon. Quando ligou outro dia, estava
muito ocupada, assim como estou agora. Minha mãe quer falar comigo?
— Sua mãe não está aqui comigo. Se quiser, pode ligar para cá. Estou no
Gloucester Court Hotel. Assim, verá que não estou mentindo.
— Realmente não é. Mesmo assim, quis deixar tudo claro. Agora voltando ao
motivo do meu telefonema, quando poderemos nos encontrar?
— Não, não sabe. Ao contrário do que todos pensam, não sou propriedade de
Clare. Não tenho de pedir permissão para convidar a filha dela para tomar
chá comigo.
— Chá?
— Estarei livre depois das quatro e poderemos tomar chá aqui mesmo, isto
é, se confia o suficiente em mim. Seria mais conveniente para mim se você
viesse aqui. Tenho muito trabalho a fazer e não posso perder tempo.
— Por que não? Não vejo nada de mais nisso. Não ficaremos a sós. Tenho um
criado e uma secretária, se está preocupada com sua reputação.
— Eu... eu não posso ir ao seu hotel! Seja como for, se está tão ocupado, por
que perde tempo ligando para mim? Isso deve atrapalhar sua concentração.
— Na verdade, atrapalha um pouco. Só que isso não vem ao caso agora. Diga
logo o que pensa. Depois da noite de ontem, deve estar me achando um
crápula. Quero apenas uma chance de pedir desculpas.
— Pedir desculpas?
— Não. — O tom de Lani foi categórico. — Não posso. Aliás, nem deveria ter
me ligado. Já tinha até me esquecido de ontem. Quando as pessoas bebem
não podem ser totalmente responsabilizadas por seus atos.
— É isso mesmo que pensa? Vejo que é mais... conhecedora da vida do que
imaginei. É bom saber que não ficou ressentida. Até logo, Lani. Nós nos
veremos qualquer dia desses.
A sra. Evans trouxe um sanduíche e um copo de leite por volta da uma hora,
como sempre fazia quando Lani estava trabalhando. Mas ela não tinha o
menor apetite e, num impulso, decidiu sair. Ignorando o espanto da sra.
Evans, vestiu uma jaqueta e foi até a garagem tirar o carro.
Acelerando um pouco mais que de costume pela rua sem saída, teve de pisar
fundo para brecar e desviar do veículo que entrava por Pelham Court.
Mesmo zonza com o susto, não só reconheceu o carro em que quase bateu,
um Porsche verde-metálico, mas também o motorista.
Jake não devia estar gostando daquilo mais do que ela, mas não tinha a
menor dificuldade em manter-se na pista. Lani, por outro lado, se
desdobrava para evitar a ultrapassagem, mas o trânsito intenso impedia
manobras mais ousadas. Além disso, já estava ficando tonta de cortar a
torto e a direito pelas ruas, nas redondezas do Hospital Middlesex, quando
se viu outra vez num beco sem saída.
Sem outra alternativa, fez o retorno e entrou na primeira ruela que viu,
apenas para pisar novamente nos freios. Era uma entrada restrita aos
funcionários do hospital. Lani estivera tão preocupada em despistar Jake
que não vira a placa de entrada proibida.
— Só pela segunda vez? Isso me surpreende. Pensei que fosse pelo menos a
terceira.
— Tem razão. Só que não me dei ao trabalho de ir até Pelham Court por
nada. Mas, como você teve a idéia infantil de brincar de polícia e ladrão, não
tive outra escolha senão fazer o seu jogo.
— Muito engraçado! — Lani fez uma careta, não achando graça nenhuma.
Sentia-se deprimida e uma perfeita idiota.
— Não farei isso. Por favor, me devolva a chave. Não gostaria de levar uma
multa.
— Não. Saí para respirar um pouco de ar fresco. Pensei em dar uma volta
pelo parque. Pode vir comigo, se quiser.
— Que parque?
— Qualquer um. O Regent's Park não é longe daqui. Podemos ir lá. Isto é, se
fizer a gentileza de me devolver a chave, é claro.
— Vamos apenas andar pelo parque. — Jake indicou a direção com a cabeça e
Lani seguiu-o com indiferença.
— Por que foi até Pelham Court? — perguntou abruptamente, ansiosa para
que ele fosse direto ao assunto. — Você já tinha se desculpado pelo
telefone. Não acha que foi imprudência ir até a casa de meu pai?
— Talvez. — Jake estava com as mãos nos bolsos e ergueu os ombros com
indiferença. — É que, pensando bem, achei que devia falar pessoalmente com
você. Não queria que tivesse uma impressão errada de mim.
— Diz isso porque sabe que minha mãe não acreditará em mim! Ela está tão
obcecada por você que é capaz de pensar que inventei tudo por estar com
ciúmes!
— E não está?
Sem pensar no que fazia, Lani deu-lhe um tapa no rosto e ficou pasma com a
própria atitude, olhando horrorizada para as marcas vermelhas deixadas por
seus dedos.
Felizmente ninguém testemunhou aquela cena. Lani recuou, receando que ele
devolvesse a agressão na mesma moeda. Mas isso não aconteceu. Jake ficou
parado, como se esperasse que o próximo movimento partisse dela. Lani se
sentia em desvantagem. Para começar, estava sem maquilagem e com roupas
descontraídas, o que a fazia sentir-se desarmada para enfrentar uma
batalha psicológica. Além disso, a surpresa daquele encontro e a seqüência
dos acontecimentos a tinham deixado totalmente vulnerável. Também não
ajudava em nada saber que sairia perdendo num confronto físico com Clare.
Jake segurou-a pelo queixo, fazendo com que erguesse o rosto, e a reação
instintiva de Lani foi afastar-se. Entretanto, não deu dois passos e bateu
com as costas no tronco de uma árvore, sentindo a aspereza da casca mesmo
por cima da jaqueta.
Mas Jake não lhe deu tempo para recuperar o pouco de compostura que lhe
restava. Soltou um palavrão em voz baixa e segurou-lhe o rosto com as duas
mãos,.obrigando-a a encará-lo.
— Tão boba? Tão infantil? Tão inexperiente? É isso que quer dizer?
— Sabe que não! — A ternura anterior de Jake deu margem a uma violência
súbita. Seus dedos deslizaram para o pescoço de Lani, enquanto seu rosto se
aproximava lentamente do dela.
Enfim, desistiu de lutar. A intimidade da língua dele em sua boca era uma
violação devastadora, uma amostra tentadora de como suas defesas
poderiam ser rompidas. A consciência do que seria a posse sexual fez com
que se agarrasse a ele.
Jake, como se também estivesse abalado pela união ávida de suas bocas,
prensou o corpo de Lani ainda mais contra o tronco. As mãos deslizaram do
pescoço dela, infiltrando-se sob o casaco para acariciar o contorno dos seios
bem-feitos. Lani sentiu os bicos intumescerem sob a blusa, em resposta
imediata às carícias, e teve o impulso insano de sentir aquele toque
diretamente sobre a pele nua.
No silêncio tenso que se seguiu àquele súbito afastamento, Lani ficou imóvel,
sob o efeito do choque. Sentia um frio instigante, não só por causa do vento
que penetrava sob o casaco. Era um frio que vinha de dentro, resultante da
vergonha, do sentimento de culpa e da indignação que pareciam sufocar seu
peito. Com um suspiro de desgosto, fechou o casaco com mãos trêmulas,
esperando, embora não totalmente consciente disso, pelas desculpas
esfarrapadas de Jake.
— Não queria que isso acontecesse. Só queria vê-la. . . Não pretendia tocar
em você. Mas estava tão indignada que confortá-la me pareceu a coisa mais
natural a fazer. Devia estar maluco!
— Você não ia dizer que não devemos nos encontrar mais? Aposto como
estava a ponto de dizer o quanto queria que fôssemos amigos, mas como isso
é impossível agora.
— O que há? Estou sendo franca demais ou estou muito perto da verdade
para o seu gosto? O que esperava, Jake? Mais recriminações?
Mas ele não saiu. Tirou o Porsche da vaga e, deixando o motor ligado, saiu do
carro e foi ao encontro de Lani. Esperou que ela abrisse a janela para poder
falar mas como ela não parecesse disposta a isso, abriu a porta com
violência.
— Só para deixar sua consciência mais tranqüila, contarei a Clare que a vi. . .
— Toda rudeza dele pareceu ruir de repente, ao ver-lhe o rosto molhado de
lágrimas. — Pelo amor de Deus, Lani... O que vou fazer com você?
Ela não respondeu. Não podia. Sentindo o gosto amargo das lágrimas que lhe
escorriam pelas faces e tomada por um tormento angustiante, sabia que
seria incapaz de se defender. Jake era o culpado. Se a tivesse deixado em
paz, teria conseguido controlar seus sentimentos. Em vez disso, ele virará
seu mundo de cabeça para baixo.
Fechando a porta com a mesma violência com que fora aberta, ela colocou a
chave no contato. Não havia por que prolongar a humilhação.
Com dedos trêmulos, deu a partida e se xingou por deixar o carro morrer. A
segunda tentativa foi bem-sucedida e engatou a ré, saindo depressa.
Jake não tentou impedi-la. Ficou simplesmente parado, com as mãos nos
bolsos, vendo-a ir embora. Sua fisionomia expressava frustração, mas Lani
não quis analisar aquilo. Na certa, estava arrependido por ter se envolvido
com ela. Pelo retrovisor, viu-o voltar para o Porsche, mas não teve ilusões de
que seria seguida.
CAPITULO VII
A princípio não foi fácil. Na semana daquele encontro com Jake nada deu
certo. Clare telefonou para convidá-la para outra festa e ficou furiosa com
sua insistente recusa.
— É claro que pode ir, Lani. 0 mínimo que podia fazer por ser aceita em meu
círculo de amizades era demonstrar gratidão. Além do mais, conhecerá
muitas pessoas interessantes que poderão até ajudá-la em seu trabalho.
— Entendo... Bem, espero que se divirtam. Eu... nós nos veremos quando
voltar para a Inglaterra. Acha que estará aqui em janeiro?
— Está querendo dizer que não vai mudar de idéia? — O ânimo de Clare se
inflamou, mas Lani estava determinada a evitar outro encontro a qualquer
custo.
— Ele precisa de férias, Lani. Quanto tempo faz desde que viajaram juntos
pela última vez? Por que não tenta convencer seu pai a passar algumas
semanas tomando sol, por exemplo? A Flórida é muito bonita nesta época do
ano.
Lani suspirou.
— Papai não irá, dr. Lawson. Já tentei convencê-lo. Inclusive um amigo dele
ofereceu a casa no sul da França, mas ele não aceitou. Papai vive apenas para
o trabalho, e ai de quem ameaçar tirar isso dele...
— Oh, papai! — Lani estava tão aliviada que não sabia o que dizer. — Mas...
em que lugar das Antilhas? Trinidad? Barbados? São tantas ilhas exóticas!
Gostaria de visitar todas.
Um dos piores dias foi quando leu no jornal que Clare tinha partido para
Paris no dia anterior. Havia uma foto dela no aeroporto acompanhada pelos
homens de segurança e por uma figura indistinta, que Lani não hesitou em
identificar como sendo Jake. "Clare Austin a caminho de Milão", dizia a
legenda sob a foto. O artigo falava das apresentações no Scala de Milão e
confirmava que a grande artista não voltaria à Inglaterra antes do final de
janeiro.
Ocorreu então a Lani que seu pai podia ter ouvido algum boato parecido,
antes de tomar a decisão surpreendente de concordar com as férias.
Sabendo que a ex-mulher passaria o Natal fora do país, devia ter deduzido
erroneamente que ela voltaria ao Caribe. Afinal, o sol era uma das paixões
de Clare. Roger provavelmente não estava a par do compromisso em Milão,
mas não seria Lani quem lhe contaria a verdade, colocando em risco a saúde
dele.
Era um dia feio. A nebulosidade da manhã dera lugar a uma tarde nublada e
agora as sombras da noite já caíam sobre as ruas. Mal dava para acreditar
que fossem ainda três horas. Absorta em suas reflexões sobre o clima, Lani
estava totalmente despreparada para o homem parado à porta.
— Posso entrar? — Jake se manifestou quando ficou óbvio que ela estava
nervosa demais para falar.
— Não há ninguém em casa. Nossa empregada foi visitar a filha e meu pai
está trabalhando. Estou sozinha.
— Foi o que pensei. Ora vamos, Lani. Não é nada educado me deixar parado
aqui. Não me dei ao trabalho de vir até aqui para ficar discutindo na porta,
com um frio destes.
Lani deu passagem porque senão era capaz de ser atropelada. Ao fechar a
porta, procurou nervosamente pelo interruptor de luz. O hall de entrada
estava tão escuro que mal dava para se verem. Mas, antes que ela pudesse
se mexer, Jake se aproximou e calou qualquer tentativa de protesto com um
beijo.
Jake, com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, olhava ao redor com
interesse evidente. Seus olhos se iluminaram ao ver o quadro pintado por
Lani, que seu pai insistira em pendurar na parede.
— O que você quer, afinal? — perguntou ela sem rodeios. — Por favor. . . não
pode ficar aqui. Se meu pai vier para casa e encontrar você, ele... ele. ..
— Não precisa dizer que é mais forte que meu pai, qualquer um pode ver
isso. Mas agradeceria se não tentasse provar isso. Papai não anda bem... e
encontrá-lo aqui só vai piorar tudo.
— Está bem, Lani. Se prometer ouvir tudo que tenho a dizer, prometo sair
antes de seu pai chegar.
— Por que insiste em fazer isso? Por que não me deixa em paz? Depois...
depois do que já aconteceu, pensei que estava saturado de mim. Você mesmo
disse que não tinha tempo para... para complicações.
— Disse que não havia lugar em minha vida para complicações emocionais —
corrigiu Jake, aproximando-se dela com andar felino. — Não podemos
conversar em outro lugar? Não gosto da idéia de ser observado.
— Observado?
— Não posso...
— Por que não pode? Mostrei a você onde trabalhava, alguns anos atrás.
— Por que não era? Estou interessado, realmente. E... e se seu pai voltar,
prometo sair pelos fundos.
— Jake...
— Em Milão, acho.
Lani puxou a mão e subiu as escadas. 0 estúdio não podia estar mais
desarrumado, com pedaços de papel e tocos de lápis espalhados pelo chão.
Num canto, viam-se pilhas de blocos para desenho, potes e tubos de tinta,
cola e solvente. Como ela precisava de muito espaço, a mobília era mínima:
apenas a prancheta, a banqueta, um pequeno armário e um sofá velho de
algodão estampado, muito confortável.
— Não, eu... — Lani se desconcertou por ele ter fechado a porta. — Criei
outro personagem, Mogbat. É o novo aprendiz de Matilda. Miles, meu editor,
achou uma boa idéia criar outro personagem.
— Você está tremendo. Por quê? Não está com medo de mim, está?
— Estive em Paris.
— Perdoado você? Por que queria meu perdão? Achei que tinha me culpado
por... pelo que aconteceu naquele dia.
— Achou? De qualquer forma, não posso culpá-la de nada agora. Voltei para
cá porque queria vê-la.
— Disse à minha mãe por que estava voltando? Ou será que Clare não
merece mais sua atenção, agora que já atingiu seus objetivos?
— Avisei a Clare que ia voltar para a Inglaterra, sim — Jake respondeu com
rispidez, acariciando a nuca de Lani. — Não achei que devia magoá-la
dizendo que vinha ver você. Mas, se quiser esse privilégio, não poderei
impedi-la,
Lani ficou calada e Jake obrigou-a a encará-lo. Sua raiva pareceu abrandar
diante da fraqueza dela.
— Por que insiste em tocar no nome de sua mãe toda vez que estamos
juntos? Não faço perguntas sobre esse tal de Miles... ou Paul Somers, ou
qualquer outro homem de sua vida. Por que insiste em nos atormentar?
Lani hesitou.
— Isso não importa agora. Quero você, Lani. — Jake inclinou a cabeça,
roçando os lábios no rosto dela. — Quero ir para a cama com você. Quero
ser parte de você e torná-la parte de mim...
— Mas não pode... não podemos... — Ela entrou em pânico ao sentir o toque
dos lábios dele em sua boca e as mãos puxando-a com firmeza, aproximando-
os mais.
Ainda assim, ela tentou com desespero afastar-se, mas bastou sentir os
lábios dele deslizarem pela curva de seu pescoço antes de voltarem a
aprisionar sua boca para ficar zonza. Foi só quando Jake forçou a mão dela a
tocar em seu sexo vibrante de masculinidade que Lani deixou um gemido
escapar. A boca quente de Jake procurou novamente a dela com avidez.
— Preciso de você, Lani. Não consigo comer, dormir ou trabalhar! Não faço
nada sem pensar no quanto te quero, no quanto quero sentir você. . . nua,
junto de mim.
— Mas é bom, não acha? — As mãos de Jake se insinuaram sob a blusa dela.
— Tire isso. Quero ver seus seios.
— Jake...
— Está bem, está bem. — Ele se afastou por um momento para tirar a
jaqueta e a camisa. Quando começou a desabotoar o cinto, Lani virou-se
para o outro lado, com as faces em brasa.
— Não!
— Por que não? Não tenho vergonha de mostrar meu corpo. — Jake se
aproximou, puxando a bainha da blusa dela. — Deixe-me despir você.
Ela se deixou guiar até o canto sombrio onde ficava o velho sofá. Jake a fez
sentar, ajoelhando-se diante dela, enquanto depositava beijos cheios de
ternura em suas mãos, nos pulsos e nos braços.
Quando sentiu os lábios dele em seus seios, ela se afastou, mas não pôde
fazer nada para impedir as carícias selvagemente sensuais da língua de Jake
e dos dedos ávidos que lhe exploravam os seios e aprisionavam os mamilos.
Nova onda de pânico a dominou ao sentir o calor das coxas de Jake, que
também tinha tirado a roupa. O cheiro da pele daquele homem envolveu-a
por inteiro. Para seu próprio espanto, Lani se viu abraçando-o, trazendo-o
para mais perto.
Era uma experiência totalmente nova para Lani. Nunca havia partilhado com
ninguém o tipo de intimidade que dividia com Jake, mas tinha a impressão
remota de que ele nem sonhava com isso. O toque da pele dele, o roçar dos
pêlos que cobriam o peito e desciam numa trilha pelo ventre e mais além,
aquele cheiro másculo. .. tudo contribuía para conturbar a mente de Lani,
impedindo que pensasse no lado prático da situação. Sabia o que Jake queria
dela e se viu lutando uma batalha perdida.
— Eu... não. .. você não pode... — Lani sussurrou palavras sem nexo, enquanto
o toque insistente de Jake a levava à submissão total.
— Pelo amor de Deus, Lani! — Jake parecia fora de si, mas, vendo lágrimas
brilharem nos olhos dela, apertou-a nos braços, enterrando o rosto no
emaranhado de cabelos arruivados. — Lani, não posso parar agora... — O
tormento dele era indisfarçável e sua lenta movimentação a fez reter a
respiração.
Para surpresa de Lani, Jake não a machucou. Sem que ela mesma o soubesse,
seu corpo estava preparado para receber o dele. Na realidade, era
inacreditável a satisfação de senti-lo dentro dela, possuindo-a, e entreabriu
os lábios para um beijo voluptuoso. Suas emoções atingiam um crescendo
febril e mal podia acreditar nos sons guturais, quase selvagens, que emitia.
Quando chegaram ao clímax, gritou maravilhada, fincando as unhas na curva
macia das costas de seu conquistador.
CAPITULO VIII
Algum tempo depois, Lani ouviu o ruído do carro de seu pai entrando na
garagem. Poderiam ter se passado alguns minutos ou algumas horas, não
sabia ao certo. Só sabia que Jake ainda estava estirado ao seu lado como um
tigre, com uma perna e um braço cruzados sobre ela, assegurando que a
presa não escaparia sem ser notada.
— Eu já. Por favor, Jake, vista-se depressa! Não está ouvindo o barulho do
motor? É o carro de meu pai!
— Não precisa dizer nada, Lani. Eu sei. Acha que eu seria tão obediente se
não soubesse que você gosta de mim?
— Jake!
— Não aconselho que continue a olhar assim para mim — Jake comentou,
vestindo a jaqueta, e Lani ficou arrepiada com a ansiedade presente no
olhar dele. — E, então, estou apresentável agora? Acha que seu pai vai
aprovar? Espero não parecer como alguém que tivesse acabado de fazer
amor com a filha dele.
— Sabe o que sinto por você, não sabe? — Jake abraçou-a pela cintura,
puxando-a para perto de si. O tom de sua voz era sedutor. — Temos muito o
que conversar, não acha? Então. .. diga a seu pai que vamos sair para jantar,
está bem? Esta noite, não quero nenhuma interrupção.
— Você não entendeu. Não posso apresentá-lo ao meu pai. Você.... você
prometeu ir embora assim que ele chegasse. Por favor, vamos fazer as
coisas à minha maneira.
— A... acho que meu pai foi para o escritório. Venha, vamos. Você pode sair
sem ele desconfiar que alguém esteve aqui.
— Se é isso que quer. . . Mas lembre-se de que a idéia foi sua, não minha.
— Jake...
Lani estava quase convencida de que contar a verdade não seria tão ruim
assim, quando a porta do escritório se abriu. O pânico a dominou e o
desespero para encontrar uma desculpa superou o desejo fugaz de
confessar. Sem pensar em outra coisa a não ser na necessidade de se
proteger e poupar o pai de mais sofrimento, puxou Jake pelo braço,
praticamente empurrando-o porta afora. Nesse instante, os sentimentos
dele pouco importavam.
— Papai!
A tentação de responder que sim era grande, mas ninguém acreditaria que
tinha saído sem casaco. De qualquer forma, o pai parecia desconfiado.
— Eu... não.
— Havia alguém aqui, não havia? Um homem. Era um homem, não era, Lani?
Quem era? Conheço? E onde você estava quando cheguei?
— E por que ele teve de sair com tanta pressa? Imagino que seja um
daqueles sujeitos cabeludos que acho tão detestáveis. Não consigo pensar
em nenhuma outra razão para você agir como Mata Hari.
— Não estou agindo como Mata Hari. — Lani se indignou com o tom do pai.
Hostilidade era uma coisa e ironia, outra. — Ele. .. até que é um sujeito
simpático. Agora. .. como foi o seu dia hoje? Quer um drinque?
— Não pensei que fizesse tanta questão. Nunca tem tempo ou disposição
para conhecer meus amigos artistas.
— Quer dizer que esse rapaz é um artista? Devia ter adivinhado. — Roger
deu um sorriso de desdém. — Na verdade, não sei se aprovo a idéia de
Rossiter mandar esse amigo aqui. Afinal, devia saber que você estava
sozinha. Esse sujeito podia ser um salafrário.
Por um momento, Lani ficou chocada com a verdade de suas palavras. Era
inacreditável que tivesse se entregado tão completamente a Jake!
— Quem telefonou?
— Não é muito acessível, é, Lani? Enfim, parece que cheguei bem na hora em
que estava se divertindo com um rapaz na minha casa, acertei? Nesse caso,
acho que minha preocupação é muito natural. Você ainda é muito... inocente
em muitos sentidos.
Não era mais. Não depois de Jake ter invadido sua vida, ensinando-lhe a
diferença sutil entre coação e participação, sedução e submissão.
Não! Não era amor. As ações de Jake não tinham nada a ver com amor e sim
com desejo. Ele mesmo confessara isso e despertara o desejo nela também.
O problema era que Lani tinha confundido seus sentimentos. Para ela,
querer e amar eram a mesma coisa. A linha tênue que separava as duas
coisas fora apagada pela habilidade sexual dele.
Era óbvio que Jake fora a Paris com a única intenção de aproveitar-se dos
contatos de Clare e, depois de acompanhá-la até Milão, inventara uma
desculpa qualquer para voltar à Inglaterra. E o que ele diria quando
retornasse a Milão? Lani estava mais confusa que nunca. Lamentou ter
nascido e, apoiando a cabeça nos braços cruzados sobre a prancheta, chorou
como não fazia há muito tempo.
Por vários dias, o clima entre Lani e seu pai continuou tenso. Não tocaram
mais no assunto John Brecon, mas ela sabia que o pai não tinha esquecido e
ainda estava ressentido com sua reserva. Entretanto, com a proximidade do
dia da partida para Antígua, outros assuntos ocuparam sua atenção. Naquele
momento a idéia de viajar não era nada atraente, mas Lani forçou-se a agir
como se estivesse ansiosa para ir.
Mesmo assim, Lani sempre acordava mais cedo que o pai para ler o jornal e
procurar notícias sobre Jake. Logo depois do recital, muitos artigos sobre
ele tinham sido publicados, mas agora não havia mais nada, fazendo-a
concluir que ele estava mesmo em Milão. Lani queria se convencer de que
fazia aquilo para poupar o pai, embora no fundo soubesse que não era
verdade. Estava desesperada por informações sobre Jake e aquelas
semanas sem saber de nada eram de enlouquecer qualquer um.
Um dia antes de partir para Antígua, Lani fez uma coisa da qual se
arrependeria depois. Ligou para o Gloucester Court Hotel e pediu para falar
com o sr. Pendragon.
— Sim, o sr. Pendragon tem uma suíte neste hotel, mas não costuma atender
a telefonemas de estranhos, nem permite aglomeração de fãs na portaria.
— Não sou uma fã! Ora, esqueça. — Lani desligou e ficou algum tempo
sentada no degrau da escada, com o rosto escondido entre as mãos.
Os dez dias passados em Antígua foram marcados por muito céu azul, sol e
mar. A areia das praias, muito branca, chegava a ofuscar a visão e a água era
quente e cristalina.
Voltaram a Londres num dia cinzento de janeiro, logo depois de uma nevasca.
Em conseqüência, os bairros da zona oeste não tinham energia elétrica e
várias linhas de trem estavam paralisadas. Depois das férias numa ilha
tropical, a casa parecia um gelo, mesmo com o aquecimento central ligado e a
lareira acesa.
Lani não sentia o menor entusiasmo para retomar o trabalho e, para piorar a
situação, Roger apanhou outra gripe. O clima úmido e frio, aliado à sua
insistência em ir trabalhar sem se importar com a temperatura, acabou por
afetar a saúde já frágil. O dr. Lawson mostrou-se preocupado depois da
consulta.
— Farei com que ele fique na cama, doutor. E farei tudo que puder para que
esteja logo curado.
— Sei que fará. Não se preocupe. Seu pai vai melhorar. É só não deixá-lo
abusar até receber permissão médica para isso.
Sem dar ouvidos a nenhuma lembrança dolorosa, ela caminhou sobre a grama
congelada. Havia menos gente do que na tarde em que estivera lá com Jake.
Algumas pessoas passeavam com os animais de estimação e uma ou outra
criança brincava acompanhada dos pais ou da babá. Era um típico dia de
janeiro em Londres. Lani lembrou que o retorno de Clare estava previsto
para aquele mês. Era por isso que tinha vindo para aquele parque? Na
esperança de encontrar Jake?
Voltou para o carro de mau humor. Estava irritada consigo mesma por deixar
a lembrança de Jake acabar com sua paz de espírito.
Uma vez no carro, viu que suas emoções não seriam facilmente controladas.
Quase involuntariamente, virou à direita quando deveria seguir pela
esquerda, se fosse para casa. Quando caiu em si, fazia o retorno para
chegar ao Gloucester Court Hotel e olhava com ansiedade para as janelas.
Quando chegou em casa, encontrou o pai na sala ainda de pijama, mas com
uma aparência bem melhor, aquecendo-se ao calor da lareira. Estava
trabalhando, mas não se podia recriminá-lo por isso. Fazia mais de uma
semana que ele não abria a pasta e era compreensível que precisasse de
alguma ocupação.
— Pedirei à sra. Evans que prepare um chá para nós — Lani sugeriu depois de
cumprimentar o pai com um beijo.
Lani ficou perplexa. Depois de tanto tempo pensando em Jake, era como se
aquele telefonema fosse fruto de sua imaginação.
— E então? — Roger esperava na porta. — Não vai ligar para ele? Imaginei
que tivesse o número, já que ele não deixou nenhum recado.
— Não, não tenho. A sra. Evans atendeu e me disse que era um homem que
não quis deixar o nome. Então deduzi que fosse ele. Parece que já ligou
antes.
— Ligou? — Lani ficou eufórica por um instante, mas se acalmou. É claro que
ele já tinha ligado antes! Naquela tarde em que a perseguira pelas ruas de
Londres.
— 0 que esse rapaz significa para você? — A fisionomia de Roger St. John
revelava desaprovação. — Pensei. . . pelo menos foi a impressão que você me
deu. . . que era um contato puramente profissional. Agora não sei mais.
— Ora, papai. . .
— Lani, insisto em que responda à minha pergunta. Afinal, sou seu pai. Acho
que tenho o direito de saber.
— Pergunte a ela depois. Pelo visto, me enganei sobre você. É mesmo filha de
sua mãe.
— Papai disse que não é a primeira vez que essa pessoa liga para mim.
— Quando, sra. Evans? Quando ele ligou? — Lani tinha de saber, não
importando o que a governanta poderia pensar. — Por favor, preciso saber.
— Bem, deixe-me ver. . . Acho que a primeira vez foi no dia de sua partida. É
isso mesmo. Foi logo depois que foram para o aeroporto, mas não contei nada
sobre sua viagem, é claro.
— Não?
— Não. Isto é, não sabia quem era e poderia ser alguém com más intenções,
não é? Não se deve sair por aí dizendo para qualquer um que a casa ficará
vaga por dez dias.
— Tem razão. — Lani tentou ser paciente. — E... ele voltou a ligar?
— Sim. Na véspera do Natal. Foi uma sorte ele me pegar em casa. Passei por
aqui para ver se estava tudo em ordem e até me assustei quando o telefone
tocou.
— Disse que a senhorita ia passar o Natal fora, mas não deixei escapar que
não ficaria ninguém em casa. Em todo caso, ele disse que ligaria depois e
ligou mesmo.
— Hoje?
— Bem, pode ter ligado antes. Enquanto seu pai estava doente, deixei o
telefone fora do gancho um ou dois dias. Estava tudo bem no escritório e,
além disso, você sabe como seu pai é quando acha que estão tentando entrar
em contato com ele.
— E então.. . hoje ele voltou a ligar. O que foi que ele falou? A senhora disse
que eu tinha saído?
— Sim, mas não sei se ele acreditou. Tive a impressão de que achou que era
mentira.
— Mas a senhora não lhe contou que papai esteve doente? — Lani corou com
a expressão de espanto no rosto da empregada. — Ele deve ter pensado que
estou tentando evitá-lo. A senhora não lhe disse nada?
— O que mais poderia dizer? Era a verdade, não era? Há alguma coisa muito
estranha nisso tudo. Por que ele não deixa o nome ou algum recado para a
senhorita entrar em contato?
— Ora. .. isso não importa. Desculpe se perdi a paciência, sra. Evans. Acho
que. .. que estou cansada, é isso.
CAPITULO IX
— Espere! — Sem pensar duas vezes, Lani foi atrás dele, quase perdendo o
equilíbrio no chão escorregadio. — Jake! Jake, espere, por favor! Não pode
ir embora sem me dizer por que veio!
— O quê? O que meu pai tem a ver com isso? A sra. Evans acabou de me
contar sobre seus telefonemas. Estive viajando e meu pai ficou doente
quando voltamos.
— Ora, vamos, Lani. Não espera realmente que eu acredite nisso, não é? Não
sabia mesmo que venho tentando entrar em contato com você nas últimas
três semanas?
— Não. — Lani tremia, mas não era de frio. — É verdade. Por que eu
mentiria para você? Desde que voltamos de Antígua, meu pai tem estado de
cama, com pleurisia.
— Quer dizer que até esta tarde você não sabia dos meus telefonemas?
— É verdade.
— Esteve em Antígua?
— Passei o Natal lá. Meu pai não tem passado bem desde o início do inverno
e o médico recomendou umas férias em algum lugar quente.
— Meu pai escolheu. Acho que ele pensou que mamãe passaria o Natal lá.
— Não agora. Sua casa não fica no caminho do aeroporto, sabia? Como já
disse — Jake passou a mão pelos cabelos, nervoso —, vim para ver você.
Droga! Não podemos conversar em outro lugar?
— Agora?
— Oh, Jake! — Lani segurou a mão dele. — Jake. . . — repetiu com a voz
trêmula.
— Diga a ele que é uma emergência. E é mesmo. E então? Quer que eu faça
isso por você?
Lani sacudiu a cabeça e entrou em casa, ainda meio tonta. Mesmo assim, viu
a cortina balançar levemente e deduziu, com um peso no coração, que seu pai
tinha visto tudo. Devia ter adivinhado, principalmente sabendo como Roger
era curioso. Só esperava que ele não tivesse identificado o visitante na
escuridão da rua. Não podia enfrentá-lo. Não agora!
Roger St. John estava parado na porta da sala quando Lani entrou.
— Eu. . . eu vou sair um pouco. — Lani teve de reunir toda a coragem para
enfrentar o pai depois do que ele certamente vira. — Não se importa, não é?
Não vou demorar. A sra. Evans já está preparando o chá. Conversaremos
quando eu chegar.
— Sim.
— É John Brecon?
— Conversaremos sobre ele mais tarde, está bem? Ele está esperando.
— Brecon?
— Sabe que é.
— Sei? Você é uma mentirosa, Lani! Uma mentirosa, está me ouvindo? Minha
própria filha, a única pessoa no mundo em quem pensei que pudesse confiar,
mentiu para mim!
— Aquele homem. .. — Roger apontou para fora. — Aquele homem não é John
Brecon. Esse nome... foi inventado para me enganar, não foi? Sua mentirosa!
Meu Deus! Pensei que a conhecesse. Pensei que nos entendêssemos. E agora
descubro que está de caso com o namoradinho de sua mãe! Céus, ficou
louca? Como pode fazer uma coisa dessas? A paixão mais recente de sua
própria mãe! O parasita com quem ela dorme há seis meses!
Lani estava chocada demais para se defender. Embora nada do que o pai
dizia fosse novidade, aquelas acusações ecoavam em sua cabeça como um
badalar fúnebre, anunciando o fim de suas esperanças. Expresso em
palavras, não parecia haver justificativa para seu comportamento. E muito
menos uma chance para um futuro com Jake.
— Você. . . não entende... — Lani não sabia o que dizer quando sentiu a
presença de outra pessoa, atenta à sua súplica. Virou-se imediatamente e
arregalou os olhos ao deparar com Jake.
— Saia da minha casa! — Roger St. John se inflamou, mas Jake não se
abalou com aquela recepção pouco convencional e falou com Lani num tom
quase casual:
— Não, ela não está! — Roger deu um passo à frente, ofegante com o
esforço que fazia para se controlar, e segurou o braço da filha, enfrentando
Jake com uma expressão ameaçadora no olhar: — Saia da minha casa, está
ouvindo? Lani não vai a lugar algum com você!
— É esse o nome que dá? Conversar? Vi o que fez com ela agora a pouco e
não me pareceu que estivessem conversando.
— Papai, por favor... — Lani estava preocupada com a saúde dele. — Papai,
vamos para a sala discutir esse assunto como pessoas civilizadas? O sereno
da noite não vai lhe fazer bem. Lembre-se de que acaba de sair da cama!
— Esse sujeito não porá os pés na minha casa! Vá embora! Saia daqui antes
que eu chame a polícia e mande expulsá-lo. Não sei como tem coragem de
aparecer aqui se está vivendo com minha mulher!
— Clare não é mais sua esposa, sr. St. John. Mas também não pretendo
discutir meu relacionamento com ela. Por favor, solte o braço de sua filha.
Não pretendo sair daqui sem falar com ela.
— Com ele?
— Pelo amor de Deus, parem com isso! Os dois! — Lani sentia a corrente de
ar frio entrando pela porta aberta. — Precisa sair dessa correnteza, papai.
Sabe que não está bem e ouviu as recomendações do médico.
— Clare não tem nada a ver com isso. — Jake foi categórico. — Lani, você
vem comigo ou não?
Ela não sabia o que fazer, dividida entre o amor pelo pai e o amor pelo
homem por quem Roger St. John se acreditava traído. Anos de convivência e
afeição a ligavam ao pai, mas esse amor marcado pela ternura não se
comparava ao que sentia por Jake. Como escolher entre afeto e fascinação,
ternura e paixão, pai e amante? Não havia escolha. Não importava o que a
mente dissesse, as emoções sempre prevaleceriam.
— Tenho de ir com ele, papai! Por favor, procure entender. Não posso fazer
nada. Eu o amo.
Lani sentiu um aperto no coração quando seu pai se virou, com o rosto
contorcido por causa daquelas palavras, e voltou para a sala, agarrando-se às
paredes como se precisasse de apoio. Foi um momento terrível para ela. Por
que estava fazendo aquilo? Por que estava abandonando o homem que
cuidara dela por todos aqueles anos, em troca de um relacionamento tão
incerto quanto a neblina que começava a cobrir a cidade? Mas bastou olhar
para Jake para ter a resposta a todas as suas dúvidas.
— Está bem.
Sem dizer mais nada, Jake deu a partida e saiu. Londres era uma massa
agitada de gente, luzes e tráfego. Era a hora do rush e todos pareciam
ansiosos para chegar em casa o mais rápido possível. Pedestres passavam
inadvertidamente diante dos carros, que por sua vez se espremiam nas ruas,
enquanto os ônibus circulavam sem a menor consideração pela cortesia no
trânsito. Os faróis altos e as buzinas faziam o acompanhamento, não
contribuindo em nada para melhorar a dor de cabeça de Lani.
— Está bem. — Ela pegou o casaco, mas antes que pudesse abrir a porta
Jake segurou-lhe a mão.
— Está bem mesmo? Puxa, Lani, não pensei que seu pai se sentisse assim.
— Não sei. Clare me disse que o divórcio foi amigável. Como eu ia adivinhar
que seu pai guardava tanta mágoa dela?
— Devia ter imaginado que ele.. . que meu pai não aprovaria nosso.. .
relacionamento.
— Por que não? Por causa de minha ligação com sua mãe? É um arranjo
profissional. Nada mais.
— Que o quê? Que sua mãe e eu temos sido vistos juntos com freqüência?
Que tenho acompanhado Clare em diversos compromissos sociais? Que ela
faz questão de que todos pensem que temos um caso porque é bom para sua
imagem?
— Está querendo dizer que.. . que nunca dormiu com minha mãe?
— Estou dizendo que não deve acreditar em tudo que os jornais publicam. —
Jake abriu a porta. — Vamos, então?
Sabia que devia estar horrível, com os olhos vermelhos e a boca totalmente
sem batom depois do beijo passional de Jake. Parecia injusto ele estar tão
atraente e controlado enquanto suas feições pálidas espelhavam todas as
suas emoções.
— Desculpe se este não é um ambiente dos mais saudáveis, mas acho que
podemos conversar tão bem aqui quanto no salão de chá do Ritz.
— Quer que eu diga que está muito bem para mim? Se está querendo um
elogio. ..
— Jake!
— Onde mais poderia ser? Aqui em Londres. Tentando falar com você.
— Não consigo acreditar. . .
— Por que não? É a verdade. Pergunte à sra. . . como é mesmo o nome dela?
— Evans.
— Sim, Evans. Ela pode confirmar que liguei na véspera do Natal. Foi quando
soube que você estava viajando. Não acreditei nela.
— Isso é loucura!
— Concordo. Não pretendia que isso acontecesse. Como já disse, não queria
me envolver emocionalmente com ninguém agora. Há muita coisa em jogo,
pelas quais sacrifiquei até meu auto-respeito.
— Seu auto-respeito?
— Não.
— Mas você sabia, não? O que Clare contou? De que mentira sou acusado
agora?
Lani hesitou e puxou a mão. Jake não fez nada para segurá-la.
— Ela disse. . . disse que queria que fôssemos amigos porque... porque somos
as duas pessoas de que mais gosta.
— Não é verdade?
— Então diga o que quer que eu fale. Vai mudar alguma coisa se disser que
fui para a cama com sua mãe? Por acaso o desejo que sentimos um pelo outro
vai diminuir se eu admitir que fiz. . . amor com sua mãe?
Eram quase nove horas quando saíram e a essa altura Lani estava tão
embriagada com as palavras doces de Jake que não fez nenhuma objeção a
ir até o hotel dele. As carícias trocadas no ambiente enfumaçado do bar a
tinham deixado tonta, incapaz de negar o desejo que sentiam um pelo outro.
Lani, por sua vez, sentia calafrios na boca do estômago, imaginando o que
passava pela cabeça do rapaz. Talvez achasse que se tratava de uma
acompanhante de luxo, vendo-a entrar no elevador com Jake.
— Você me ama?
— Não devia ficar com essa cara — comentou Jake, enquanto tirava as
chaves do bolso. — Pelo menos não antes de fazermos amor.
— Não foi o que fizemos a tarde toda? Jake tomou os lábios de Lani outra
vez.
Mesmo assim, não estava preparada para o que aconteceu a seguir. Clare
apareceu na porta vestindo nada mais que uma camisola de seda, com uma
fenda que revelava suas pernas.
— O que está fazendo aqui, Clare? Que brincadeira de mau gosto está
tramando agora? Não tem nada a fazer aqui, sabe disso. Não é bem-vinda
aqui. Agora vai se vestir ou prefere ser expulsa daqui assim mesmo?
— Que cena maravilhosa seria, não? — gritou Clare com voz estridente. Lani,
que já presenciara várias cenas parecidas com o pai, não suportaria outra.
— Você não vai a lugar nenhum, Lani. Pelo amor de Deus, não tire conclusões
precipitadas. Não é nada do que você está pensando.
— Não é? Não é? — Clare estava histérica. — Como acha que ela se sente ao
ver a mãe sendo tratada desse jeito? Pensa que ela não tem vergonha? Não
tem sentimentos? Ouça bem o que ele está dizendo, Lani, ouça! O que acha
de seu futuro padrasto agora?
— Vim para ver você, Jake. Para ficarmos juntos! Será possível que já
esqueceu o que significamos um para o outro?
— Clare...
— Não é verdade! — Lani foi categórica e Jake soltou o braço dela para
aproximar-se da outra.
— Pare com isso, Clare! Sabe tão bem quanto eu que não existe nada entre
nós!
— Não? O que você quer dizer é que não existe exclusividade entre nós, não
é? Se um dos dois sentir vontade de... variar a companhia, é só sair por aí e
procurar outra pessoa, não é assim?
— Não?
— Então, vou dirigindo até minha casa — anunciou Clare com ar de triunfo. —
Quem sabe se não encontro alguém mais do meu gosto? — E, antes que ele
pudesse impedir, ela saiu sem vacilar.
— Clare!
Lani tentou segurar a mãe, mas ela foi mais rápida e escapou, deixando a
filha e Jake olhando perplexos um para o outro.
— Você tem de ir atrás dela — Lani pediu, desesperada. — Ela não pode sair
daquele jeito na rua. Vai congelar de frio.
— E acha que ela não sabe disso? — Jake respondeu com agressividade, mas
saiu pelo corredor balançando resignadamente a cabeça.
Lani foi atrás, embora não quisesse. Tinha a leve suspeita de que Clare não
iria até o fim com aquela loucura. Era apenas mais um de seus habituais
melodramas, um dos papéis que mais gostava de representar na vida real,
numa tática para chamar a atenção de Jake e destruir tudo o que pudesse
existir entre ele e Lani. Mas o que ela estaria fazendo no hotel? Segundo
Jake, Clare não tinha nada que fazer ali. Um deles estava mentindo. . .
Quem?
Não havia sinal de Clare na portaria do hotel e Lani imaginou como a mãe
poderia ter passado por ali sem ser reconhecida. Mas talvez tivesse sido. A
camisola que vestia poderia ser facilmente confundida com um vestido de
gala extravagante. Afinal, estrelas de ópera eram famosas pela
excentricidade. E quem se atreveria a parar Clare Austin a todo vapor?
Lani apressou o passo para alcançar Jake. A névoa era tão densa que mal
dava para distinguir os carros estacionados do outro lado da rua. Mas a
camisola de Clare era bem visível e Lani desanimou ao vê-la entrar no
Porsche. — Ela é louca!
Jake correu para o meio da rua. Clare já dava a partida. Lani colocou as
mãos no rosto, horrorizada, ao ver a mãe engatar a marcha, mas seu grito
de alerta veio tarde demais. Jake parecia não acreditar que ela tivesse
coragem de atropelá-lo, mas estava enganado. Assim que percebeu a
intenção da mãe, Lani correu para o lado de Jake, num impulso desesperado
de protegê-lo. Então só se ouviu o rumor surdo do impacto do carro contra
seus corpos.
CAPITULO X
Lani voltou a si no hospital, com uma dor de cabeça que fazia as outras que
tivera parecerem brincadeira. Colocando a mão na testa, descobriu que
estava enfaixada.
— Jake... — Tentou se apoiar nos cotovelos e o esforço foi tão grande que
empalideceu assustadoramente, voltando a perder os sentidos.
Sarah deixou de lado o livro em que estava entretida, com uma expressão de
alívio.
— Como se sente? Puxa, Lani, que susto você nos pregou! O que deu em você
para correr para a rua daquele jeito?
Lani tentou mexer a cabeça, mas nem isso podia e contentou-se em apertar
a mão da amiga.
— Fale, Sarah. Quero saber. Onde está Jake? Ele. . . ele está morto?
O alívio foi tão grande que esgotou a força que lhe restava e Lani só pôde
dar um suspiro antes de desmaiar outra vez, enquanto Sarah apertava a
campainha para chamar a enfermeira.
O pequeno gole de água que lhe foi permitido parecia néctar e Lani sorriu,
consciente de que não era capaz de se servir sozinha.
— Obrigada.
— Muito bem. Acho que agora vou pedir uma sopa para você. Que tal?
— Uma semana!
— Acalme-se, srta. St. John. Ficar agitada não vai ajudar a se curar, muito
pelo contrário. Está fazendo progresso, mas não está boa o suficiente.
Agora, fique quietinha aí que vou buscar a sopa.
— Se está falando daquele homem que foi trazido com você para cá, não.
Infelizmente ele não está mais aqui.
— Quero dizer que ele foi transferido para o St. Augustine, um hospital
ortopédico. Decidiram que ele precisava dos cuidados de um especialista e o
dr. Holland é o melhor.
— Ortopedia? O que. . . o que é isso? Sei que deveria saber, mas...
— Sim, senhora.
A enfermeira Moray saiu sem demora e Lani encarou a outra com certa dose
de indignação.
— Quanto tempo tenho de ficar aqui? Parece que estou aqui há uma semana
já. Posso mandar um recado para o meu pai? Quer dizer a ele que já voltei a
mim?
— Tudo a seu tempo, srta. St. John. — A enfermeira McAllister, esse era o
nome no crachá, examinou o quadro médico. — Está com fome? Que tal uma
sopa?
— Por que não? — Lani começava a sentir cansaço outra vez. Fazer todas
aquelas perguntas fora desgastante, principalmente porque as respostas não
eram satisfatórias, e esperou com ansiedade pelo médico.
Ele era mais jovem do que se podia imaginar. Tinha uns 40 anos, cabelos
castanhos rebeldes e olhos azuis translúcidos, que transmitiam confiança.
— Bem, por ser você, não ficarei bravo. E então? Está se sentindo bem?
Sabe, você nos deixou preocupados por um bom tempo.
— Bem, você tem uma leve fratura no crânio. Nada com que se preocupar.
Vai cicatrizar sem nenhum problema.
— É só?
— Claro! Não acha que é o suficiente? — O médico riu, mas desta vez Lani
ficou séria. — Você sofreu uma ou outra contusão mais grave e sentirá
dificuldade em se mexer por enquanto, mas logo se recuperará. É jovem e
teve muita sorte. — Ele se virou para dar instruções à enfermeira, mas Lani
o interrompeu.
— Por favor. . . E minha mãe? Ela estava dirigindo o carro... Ela está bem?
— Claro, ela está bem. Agora, precisa comer alguma coisa. Deve estar
morrendo de fome.
— O sr. Pendragon vai ficar bem. Não há nada com que se preocupar.
Concentre-se apenas em sua recuperação. Depois conversaremos sobre o dia
em que poderá vê-lo.
Lani se impacientou.
— Por que não me contam a verdade? Por que insistem em dar respostas
evasivas? Será que não percebem? Preciso saber a verdade! Se não querem
me contar, então chamem meu pai aqui. Ele me contará tudo.
— Não posso fazer isso, srta. St. John — o dr. Connors retrucou. — Olhe,
não é bom se descontrolar assim. Sabe que não deve ficar nervosa.
— É claro que ele está vivo, srta. St. John! Não lhe mentiria sobre isso. Ele
foi transferido para outro hospital porque seus ferimentos não podiam ser
tratados adequadamente aqui. Além do mais, o dr. Holland trabalha no St.
Augustine, um dos hospitais mais bem equipados da cidade.
— Não sei dizer. Minha querida, foi um acidente terrível. E acho que tanto
você quanto sua mãe não deviam pensar mais nisso.
— Um acidente?!
— Estou horrível! Oh, céus, será que a senhora tem maquilagem para me
emprestar?
Lani concordou com a cabeça. Sabia que a moça tinha razão. Além do mais,
era tolice preocupar-se com a aparência quando Jake podia estar lutando
pela vida em outro hospital. Tentou acalmar os nervos enquanto ouvia passos
no corredor.
Mas não foi o pai que abriu a porta, e sim Robin e Sarah, que entraram no
quarto carregando um enorme buquê de rosas e cravos. Embora Lani ficasse
feliz em vê-los, não conseguiu disfarçar a ansiedade ao olhar por trás deles,
na esperança de ver outra pessoa.
— Não se aflija, minha querida. Tio Roger não pôde vir, só isso. Ele... não
está muito bem. Nada grave... A gripe piorou. Lembra-se de que ele teve
pleurisia, não lembra? Pois, então, parece que virou pneumonia e ele está de
cama há quatro dias.
— Sim, bem. . . acho que foi isso mesmo que aconteceu. — Robin trocou um
olhar significativo com a esposa. — Seja como for, ele está se recuperando
pouco a pouco e ficará mais tranqüilo quando souber que você está tão bem.
— Estou mesmo?
— É claro que está, meu amor! — Sarah confirmou, puxando uma cadeira
para mais perto da cama. — Não imagina como ficamos preocupados. Você
ficou muito tempo inconsciente.
— Fiz isso?
— Claro que não, Lani! — Sarah apressou-se em negar. — Não é você que
ronca. É ele. Parece um porco! Nem imagina como é. Às vezes penso em
gravar para ele mesmo ouvir o barulho que faz.
— Você não ousaria! — brincou Robin. — Sabe que posso me vingar gravando
um daqueles seus telefonemas intermináveis para tocar durante o café da
manhã. Acho que não ia gostar disso, não é, meu bem?
— Robin vai falar com o médico quando sairmos, mas talvez lhe tenham dito
qualquer coisa.
— Ficarei mais nervosa se não falarmos no assunto. Por favor, Robin, sabe o
que aconteceu?
— Fique quieta, sim, Sarah. Realmente apareceu nos jornais, Lani. Mas isso
era inevitável. Tudo que Clare Austin faz vira notícia e, quando atropela seu
mais recente namorado e a filha, é impossível manter segredo. Deve estar
sendo difícil manter os jornalistas longe do hospital. Você é um alvo e tanto,
Lani!
— Diga-me, querida, como foi que tudo aconteceu? Segundo os jornais, Clare
pisou o acelerador em vez dos freios. Esse tipo de engano é muito comum,
principalmente quando não se está acostumado com o carro. Mas por que
vocês correram para o meio da rua, praticamente se atirando na frente do
carro?
— Foi.
— Também não sei, Lani. Por que não pergunta à sua mãe? Clare deve
aparecer por aqui mais tarde.
— Não quero vê-la. — Lani foi categórica e Robin lançou outro olhar
significativo para a esposa.
— Ela não é obrigada a falar com a mãe, se não quiser. E por que não conta
de uma vez o que aconteceu a Jake Pendragon? Ela vai saber, mais cedo ou
mais tarde.
— Sarah! — Robin ficou furioso, mas Lani ouvira demais para contentar-se
com o silêncio.
— Conte-me, Robin.
— Que inferno! — Sem alternativa, Robin acabou falando. — Dizem que Jake
sofreu alguns cortes e contusões, além de ossos quebrados. Ele foi trazido
para o Royal Memorial como você, mas decidiram que precisaria de
tratamento mais específico.
— Quem decidiu?
— Parece que foi sua mão — Sarah revelou. — E Jake não quebrou apenas
alguns ossos. Correm boatos de que... as mãos foram esmagadas.
— Está melhor?
Lani percebeu que a enfermeira Moray segurava dois vasos, com as flores do
buquê que Robin e Sarah trouxeram.
— Vou colocar estes vasos no corredor. Não estão lindas? Veja que cores
maravilhosas!
— Recusar-se a receber sua mãe também não foi uma atitude sensata, não
é? Ela tem vindo ao hospital todos os dias, sem falta. Está preocupada com
você. Como pôde fazer essa maldade com sua própria mãe?
— Ela só veio porque é o que todos esperavam que fizesse. Imagine o que os
jornais diriam se Clare não demonstrasse interesse pela minha recuperação.
Principalmente sendo responsável por tudo!
Dois dias depois, Lani estava fora da cama, sentada numa poltrona perto da
janela, quando recebeu uma Visita inesperada.
— Miles!
— Você acha que sua mãe é culpada, não é? Não a censuro por isso. Aquela
mulher é uma doida varrida. Imagine dirigir um carro sem saber a diferença
entre o acelerador e o breque!
— Ei, Lani! O que foi? Ora, vamos! Não foi sua culpa, amor. Como acha que
sua mãe está se sentindo? Afinal, foi ela que o descobriu!
— Ouça, vamos conversar sobre outra coisa, está bem? Deve estar cansada
de ouvir falar em Jake Pendragon.
— Não! — Ela se obrigou a encarar Miles. — Não, você não entende. . . Quero
saber mais sobre Jake. Por favor. . . desculpe se estou agindo como uma
boba.
— Você está muito sensível ainda a tudo que aconteceu, só isso. Sei como
deve estar sendo difícil, ainda mais com seu pai doente.
— Papai. . . Oh, sim... — Para seu espanto, Lani constatou que tinha pensado
pouco no pai, desde que soubera sobre Jake. — Quero escrever para ele
agora que me sinto bem melhor. Tenho certeza de que ele vai gostar.
— É ele que não gosta de mim. Seja como for, estou feliz em vê-la tão bem.
É uma pena que a bruxinha Matilda fique fora de ação por algum tempo.
— No fim da semana, acho. — Lani, por sua vez, não tinha a menor vontade
de falar de si. — E Jake? Ainda está no hospital? Minha mãe foi visitá-lo?
— Como vou saber? Lani, por que esse interesse todo por Jake Pendragon?
Ele é problema de sua mãe, não seu. Só porque estava junto quando
aconteceu. . .
— Pelo que entendi, você estava jantando no hotel com Pedragon e sua mãe,
que depois se ofereceu para levá-la em casa. Não foi isso que aconteceu?
— Sim, foi. Lani, por que está fazendo tantas perguntas? Não se lembra do
que aconteceu?
— Lembro, sim. — Seu tom de voz revelava toda a sua angústia e não quis
tocar mais naquele assunto. Não via por que envolver Miles num assunto
estritamente pessoal. Sua única salvação era Jake.
Para alívio de Miles, o resto da conversa girou em torno de outros assuntos,
como a época em que Lani retomaria o trabalho.
— Tem certeza de que ficará bem lá? Quero dizer, uma fratura no crânio é
algo muito sério.
— Eu sei. — Lani sorriu. — Mas tive sorte. O osso não chegou a quebrar e
não houve nenhuma hemorragia interna. O dr. Connors disse que é porque
tenho a cabeça dura.
Ela recebeu alta no fim da semana e saiu pelos fundos do hospital. Um grupo
de repórteres fazia plantão na recepção e, desconfiando que Clare
aproveitaria o momento para tentar uma reconciliação, Lani quis evitar
publicidade. Além do mais, não estava totalmente recuperada e o breve
percurso de carro foi o suficiente para deixá-la exausta.
— É tão bom ver você, minha filha! Parece que faz muito tempo. .. Pode me
perdoar?
CAPITULO XI
— Não, não nos vimos desde. . . desde o que aconteceu. Ela foi ao hospital,
como deve saber. Mas eu não quis recebê-la e o médico achou melhor não me
contrariar.
— O que aconteceu?
— Sei disso. — Lani fechou os olhos por um instante. — Mas isso não quer
dizer. . . Enfim — suspirou, reconhecendo que era uma batalha perdida —
isso é coisa do passado. Ele me ama, papai, e. .. eu o amo. Vou vê-lo assim
que puder.
— Estou, sim. Papai, você não o conhece. Jake é orgulhoso, mas honesto. Ele
não liga para os boatos, só vive para a música.
— Não mais. Não soube que ele machucou as mãos no acidente? Parece que
não poderá mais tocar piano.
— Não!
— Ele já foi — respondeu a sra. Evans. — Achou que a senhorita teria muito
que conversar com seu pai e disse que ligaria mais tarde.
Lani comeu pouco e, assim que terminou, pediu licença para sair.
— Não vai se encontrar com ele esta noite, não é? — Roger parecia
angustiado.
— Não, esta noite, não. Estou exausta e, se não se importa, vou dormir cedo.
Foi um longo dia.
— É claro, vá.
Pela manhã, Lani estava mais otimista. O importante era Jake estar vivo.
Tentou disfarçar a palidez do rosto com maquilagem, pois a última coisa que
queria era preocupá-lo. Jake precisava da força dela, além da sua própria,
para se recuperar.
— Ia levar o café para você na cama. Sabe que precisa de muito descanso e,
no entanto, são oito horas e já está de pé.
— Não estou cansada e só quero café com torradas, sra. Evans. Não tenho
muita fome também.
— Foi o que notei ontem, durante o chá. Nenhum dos dois conseguiu comer
um sanduíche inteiro e eu não precisava ter me dado ao trabalho de fritar
os bolinhos.
— Desculpe. Acho que foi a excitação de voltar para casa. Estava ansiosa
para ver meu pai. Coitado, ele envelheceu muito nesses últimos dias. Estou
preocupada.
— Todos nós estamos. Confesso que fiquei surpresa por ele não ir vê-la no
hospital, quando poderia ter ido. Seu primo Robin se ofereceu para levá-lo.
— Pode ser... — A sra. Evans não parecia muito convencida. — Se quer saber
minha opinião, nada disso teria acontecido se ele fosse mais sensato.
— Seja como for, o pior já passou. Ele está bem melhor, graças a Deus.
— Você é uma boa menina, Lani. Tomara que esse homem seja digno de você.
— Só poderia saber. Seu pai não falou em outra coisa desde.. . desde o que
aconteceu.
Lani pegou a xícara que a sra. Evans lhe estendia.
— Acho que seu pai não está em condições de fazer objeção a coisa alguma.
Agora, procure se acalmar. Não quer ter uma recaída, quer?
O táxi deixou-a na porta do hospital. Era uma manhã fria, apesar do sol
brilhante. Lani já estava cansada quando chegou à recepção.
— Gostaria de ver o sr. Pendragon. Meu nome é Lani St. John. Ele. . . me
conhece.
— Sim, mas não estou aqui por causa dela. Por favor, será que pode se
apressar? Não estou me sentindo muito bem.
— Sinto muito, mas o sr. Pendragon não quer receber visitas. Ele foi
categórico quanto a isso. Não posso ir contra a vontade dele sem permissão
do médico.
— Quem é o médico?
— O dr. Holland.
— Posso falar com ele, então? Por favor. Sei que não marquei hora, mas é
muito importante.
— Infelizmente o dr. Holland não está no hospital hoje, srta. St. John. E
também não dará consultas até segunda. A menos que seja uma emergência,
é claro.
Lani quis dizer que era uma emergência, que precisava ver Jake naquele
instante, mas sabia que seria inútil. Um cirurgião tão ocupado certamente
não mudaria seus planos por razões sentimentais.
— Segunda-feira...
— Posso lhe marcar uma consulta para segunda de manhã. Tenho certeza de
que, devido às circunstâncias, o dr. Holland a receberá.
— Obrigada, mas tem certeza de que o sr. Pendragon não quer me receber?
Quero dizer, será que não poderia pelo menos perguntar? Agradeceria
muito se fizesse isso.
A enfermeira hesitou.
— Isso é muito irregular, srta. St. John. Tenho de seguir as ordens do dr.
Holland.
— Mas não disse que era Jake que não queria receber visitas? Por favor, não
poderia tentar?
— Sinto muito, mas o sr. Pendragon não quer vê-la. Bem que lhe avisei que
ele não queria visitas, não foi? Infelizmente perdeu a viagem.
— Por que ele não quis me ver? É compreensível que não queira ver Clare,
mas por que não a mim? Por quê?
— Acho que não deve se afligir tanto, srta. St. John. É comum os pacientes
que sofreram um choque traumático se isolarem por algum tempo. É uma
reação normal. Assim que ele se acostumar com a situação. . .
— Que situação? — Lani ficou de pé. — Então é verdade que suas mãos
foram esmagadas no acidente? Ele não poderá mais tocar piano?
Temos tido muitos problemas com repórteres, mas ultimamente parece que
desistiram.
Lani abanou a cabeça. A tensão emocional esgotara a pouca força que lhe
restava.
— Acho melhor chamar um táxi. Preciso ir para casa senão meu pai ficará
preocupado.
No táxi, ela foi incapaz de se controlar. Sua fraqueza era responsável pelas
lágrimas que não paravam de lhe rolar pelas faces, mas era acima de tudo a
sensação de impotência que mais a desesperava. 0 que podia fazer se Jake
não queria vê-la? Como contar o que sentia se não podia falar com ele? Será
que ele a culpava pelo que acontecera? Pelo acesso de loucura de Clare? Era
só o que faltava, levar toda a culpa por aquela situação!
Lani olhava pela janela do táxi, mas não via nada. Se pudesse ao menos falar
com Jake e ter certeza de que ele não a odiava. . . Talvez não quisesse ver
ninguém por causa dos ferimentos, ou podia ser que Clare já o tivesse
envenenado contra ela.
Como ela ousava aparecer? Onde arrumava coragem para ir até lá, perturbar
seu pai e atrapalhar suas vidas? Será que já não havia feito o suficiente?
Não tinha vergonha? Pelo visto, não sentia nenhum remorso por ferir as
duas pessoas de que dizia mais gostar. Era difícil que fosse tão insensível a
ponto de achar que podia agir como se tudo o que inventara fosse verdade.
Entretanto, a cena que viu ao entrar era bem diferente da que imaginara.
Para começar, não esperava ver seus pais sentados frente a frente, dando
toda impressão de cordialidade. Também não esperava ver a mãe servir o
chá com uma gentileza que não lhe era costumeira. Quando Clare se virou
para a porta, sua fisionomia não revelava nada além de expectativa, mas Lani
passou direi o por ela e foi ao encontro do pai, esperando uma explicação.
— Lani... — Roger começou a falar, meio sem graça, apenas para ser
interrompido pela ex-mulher.
- Ele sabia que eu viria, embora não soubesse quando. Afinal, depois que
você se recusou a me ver no hospital, tive de tomar uma atitude, não é?
— Não? — Vendo que a filha não ia mesmo sentar, Clare ficou em pé. — Será
que é tão irracional querer saber como minha filha está se recuperando? Por
Deus, não tive intenção de ferir você. Deve saber disso.
— Não quis ferir ninguém! Só queria ir embora. . . sozinha. Foi você quem me
feriu, Lani, como deve saber. E fiquei desesperada! Não pode tentar
entender meus sentimentos? Jake. . . Jake e eu éramos tão. . . íntimos!
— Você o viu? — Clare não parecia nem um pouco abalada. — Jake lhe disse
que pretende fazer isso? Ou confessou que não pretende abrir processo
nenhum contra mim porque, ao contrário de suas acusações malucas, ele não
me culpa por nada?
— Está vendo? Você não sabe de nada. Jake jamais me processará. Ele me
deve muito.
— Não acredito em você. Ele não lhe deve nada. Ele me ama e... nós vamos
nos casar.
Clare deu uma gargalhada sarcástica, muito pior que qualquer demonstração
de raiva.
— Casar! Ora, vamos, Lani! Jake pode ter sentido alguma atração por você,
mas casamento não está nos planos dele. . . com nenhuma de nós duas.
— O que foi que eu disse? — Clare era a dona da situação agora. — Que
íamos nos casar?
Mas Lani logo percebeu que havia alguma coisa errada. Roger esfregava as
mãos ansiosamente e seu olhar não era nada tranqüilizador.
— Lani, acho que deveria ouvir a sua mãe. Sabe que ela se importa com você.
— Não!
— É claro que se importa! Lani, não estamos falando sobre o acidente agora,
mas sim sobre seu futuro.
— Como assim? — Ela olhou para o pai sem compreender e ele virou-se para
a ex-esposa.
— O que seu pai está tentando dizer, Lani, é que você não deveria voltar a
se encontrar com Jake Pendragon.
— Não. . .
— Sim. É para o seu próprio bem. Não sei o que leu ou ouviu, mas posso lhe
dizer que Jake será um inválido para o resto da vida.
— Oh, não!
— Sei que é difícil de aceitar, Lani, mas é a verdade. Como acha que me
sinto? Não sei se terei coragem de encará-lo. Ele está sob os cuidados dos
melhores médicos e terá tratamento de primeira, mas saber que sou
indiretamente responsável...
— Sim, indiretamente. Não acredita realmente que planejei isso tudo para...
— Sua pequena idiota! — Clare falou com desdém. — Não sei por que vim
aqui. Não deveria me importar se você decide estragar sua vida se
dedicando a um homem que nunca será capaz de corresponder aos seus
nobres sentimentos. Como sua mãe, achei que era meu dever avisá-la, tentar
fazê-la entender que é melhor esquecê-lo. Vejo que me enganei. Acha que
Jake ficará grato se você decidir sacrificar sua vida por ele, não é? Pois
fique sabendo que não vai. Ele não lhe agradecerá por complicar a vida dele
e, toda vez que olhar para você, vai se lembrar de tudo que perdeu!
— Não, Lani. Sou apenas prática. Sabia que é igualzinha a seu pai? Acha que
encontrou uma grande causa, não é? Uma coisa que dará sentido a sua vida.
Mas lembre-se de que a piedade não pode substituir a paixão!
— Saia daqui! — Lani cambaleou de fraqueza, mas Clare ainda tinha uma
coisa a dizer.
— Por acaso, seu pai contou o que disse na noite em que foi ao meu
apartamento? Confessou que me implorou para voltarmos? Você ficou
surpresa ao me ver aqui, mas, por seu pai, tudo seria perdoado e eu estaria
morando nesta casa há muito tempo.
— Na noite... em que ele foi ao seu.. . apartamento ? Que noite? O que ela
está querendo dizer?
— Do que ela está falando, papai? O que significa tudo isso? Não me disse
que foi vê-la. Quando foi? Você esteve doente...
— Foi na noite do acidente. Voltei mais cedo que o previsto de Milão, por
causa do nevoeiro, senão ele não teria me encontrado em casa quando
telefonou.
— Oh, não... — Lani murmurou, a ponto de chorar.
CAPÍTULO XII
— Tem certeza de que quer ir para casa? — Sarah ficou preocupada com a
palidez da prima.
— Quero, sim. — Lani se curvou para dar um beijo nos gêmeos. — Já é hora
de ir. Não posso ficar aqui indefinidamente. Além do mais, Jake deve sair
logo do hospital.
— E como sabe se ele vai querer ver você? — insistiu Sarah. — Perdi a conta
de quantas vezes ligou para aquele hospital, recebendo sempre a mesma
resposta.
— Será diferente quando ele sair. Em todo caso, tentarei. Agora que Clare
foi para Los Angeles, estou mais otimista.
— Lani, você não tem certeza se sua mãe o visitava. Só sabe o que ela lhe
disse, mas Clare tem uma certa tendência a. . . a exagerar, você sabe.
Fazia quatro semanas que não via o pai e, à medida que se aproximavam de
casa, Lani ficava mais tensa. Não estava ansiosa para revê-lo, em vista do
modo como se separaram, mas tinha morado toda a vida em Pelham Court e
não conseguia se imaginar vivendo sozinha.
— Sarah disse a mesma coisa. Vocês dois são realmente maravilhosos! Não
sei o que faria sem sua ajuda.
— Acho que não. O problema é outro. Se. . . ou melhor, quando puder ver
Jake, tudo será diferente.
Para alívio de Lani, o pai não estava em casa quando chegou. A sra. Evans
recebeu-a com entusiasmo e Robin foi embora em seguida.
— Tenho certeza de que, se seu pai soubesse de sua volta, não teria ido
trabalhar hoje — comentou a empregada enquanto subiam com a bagagem. —
Quer ajuda para desfazer a mala?
— Preciso dar uns telefonemas antes, sra. Evans. Arrumarei tudo mais
tarde. Agora gostaria mesmo de uma boa xícara de chá.
— Aqui está o chá. Agora, o que vai querer para o almoço? — Só então a
empregada notou a palidez de Lani. — O que aconteceu? Foi a sra. St. John
de novo? Essa mulher só causa encrenca!
— É Jake. Jake Pendragon. Sabe quem é. Ele. . . ele deixou o hospital e não
sei para onde foi.
— Não! — Lani negou, embora a idéia tivesse passado por sua cabeça.
— Então por que está tão carrancuda? Já tentou ligar para o hotel do sr.
Pendragon? O Gloucester Court, não é?
— Como todo o mundo sabe — Lani ironizou. — Não, não tentei ligar para lá.
Acha que devo?
— Por que não? Se quer saber onde ele está. . . Mas soube pelo seu pai que
ele não quis vê-la.
— É verdade. Ele não quis. Mas não vou me conformar com isso. Tenho de
ver Jake, sra. Evans! Preciso.
O chá quente ajudou a acalmar Lani. Não havia por que entrar em pânico nem
se desesperar. O fato é que Jake sumira. E se não tivesse nenhuma pista do
paradeiro dele? Alguém devia saber onde ele estava. Mas quem?
Não era impossível Jake ter ido com Clare, mas não acreditava nisso. Como
ele poderia ter ido? Certamente ainda precisava de tratamento médico.
Talvez tivesse ido para outro hospital. Mas onde? Onde?
À tarde, Lani passou por cima do orgulho e ligou para alguns amigos de sua
mãe. Pelo tom de suas vozes, teve a nítida impressão de que o nome de Jake
era agora um tabu no círculo de amizades de Clare. Em todo o caso, ninguém,
nem mesmo Maggie Pringle, a secretária de Clare, pôde dar alguma
informação. Quando conseguiu localizar Elwyn Hughes, Lani não tinha mais
nenhuma esperança.
— Lani! Que bom você me ligar. É uma pena que vou partir para Nova York de
manhã. Poderíamos ter marcado um almoço para um dia desses.
— Sabe se Jake foi para Los Angeles com minha mãe, sr. Hughes? Tentei
falar com ele no hospital, mas disseram que saiu no dia da viagem de Clare.
— Não disse isso. Lani, por que resolveu me procurar por isso? Deve saber
que não estou nada satisfeito por você ter arruinado a vida de sua mãe.
— Arruinado a vida dela! Como pode ser tão. . . insensível? Sabe tão bem
quanto eu que Clare se saiu bem dessa. Ela poderia ser presa por negligência
no volante e até mesmo por tentativa de homicídio!
— Ora, vamos, Lani, não comece com essas acusações histéricas. Confesso
que estou falando de um ponto de vista pessoal. Sabe que sua mãe significa
muito para mim, e vocês, quero dizer, você e Jake, poderiam ter destruído a
carreira dela.
— Não desligue, por favor. Quero pedir desculpas por ter sido tão
grosseiro. Enfim, saiba que não guardo nenhum ressentimento. Ligo para
você quando voltar dos Estados Unidos. Gostaria realmente de tentar me
reconciliar com você.
— Ora, esqueça isso, sr. Hughes. Acho que não poderia esperar outra coisa.
Já me disse uma vez o que sentia por minha mãe. Devia saber que não me
ajudaria.
— Lani, gostaria de ajudar, mas não posso. . . Está bem, Jake não foi para
Los Angeles, se é que isso ajuda em alguma coisa. Como ele poderia? Ainda
está sob tratamento. Com certeza foi para casa tratar da recuperação. Se
não me engano, uma vez ouvi qualquer coisa sobre a Cornualha.
— Boa sorte, Lani. Acho que vai precisar. Se encontrar Jake, dê lembranças
minhas. Foi realmente um pianista de talento.
Quando o pai chegou, a mala que Lani tinha levado para a casa de Robin
estava novamente embaixo, apenas acrescida de alguns itens. Era fim de
março, mas ainda poderia estar frio na parte oeste do país, e Lani incluiu um
casaco de couro e uma jaqueta de pele de carneiro na bagagem.
— Não vou ficar. — Lani sentiu uma pontada de remorso ante o espanto do
pai.
— Não vai ficar? Quer dizer. . . pretende voltar para a casa de Robin?
— Não.
— Então não estou entendendo. Lani, não pretende me deixar sozinho, não
é?
— Sim, lembro de Mount's Bay. Mas por que vai para lá? Quer ficar sozinha
por uns tempos?
— O neto da sra. Worth? — Roger não entendeu nada. — Pelo amor de Deus,
Lani, que história é essa? O que a sra. Worth tem a ver com você?
— Você não o reconheceu, não é? O rapaz que nos recebeu quando estivemos
lá. Lembra-se dele?
— Vagamente. Lembro-me de um rapaz, sim, mas nem falamos com ele. Lani,
o que isso tem. . .
— Falei com ele. Aliás, passei a manhã com ele. O nome dele é Jake
Pendragon.
— Não!
— Não pode estar falando sério. . . Não pretende viajar para lá esta noite,
não é?
— Pretendo partir ainda hoje, sim. Só não sei até onde posso chegar. Isso
dependerá da minha disposição.
— Mas, Lani, você acabou de voltar! Não podemos conversar mais? Passar
algum tempo juntos? Não quer nem ouvir o que tenho a dizer?
Lani passou a noite em Exeter. Tomou a rodovia M44 a oeste, passando para
a M5 em Bristol, em direção ao sul. As estradas estavam com pouco
movimento, o que lhe deu chance para pensar.
Passou a noite num hotel à beira da estrada, acordando bem cedo no dia
seguinte para retomar a viagem. O fato de ter dormido pouco começou a
afetá-la no meio da manhã, mas continuou firme e chegou a Helston antes do
meio-dia. Sabia que devia parar e comer alguma coisa entretanto, a
ansiedade de chegar ao destino e descobrir se Jake estava realmente lá
superou tudo, até a fome e o bom senso. Depois de reabastecer o tanque,
voltou à estrada.
Levou quase uma hora para achar Tremorna Point. Na vez em que estivera lá
com o pai, não tinha prestado atenção no caminho e o fato de terem partido
de Penzance fez uma grande diferença. Finalmente, avistou as pequenas
torres da casa que procurava. Suas mãos tremiam ao diminuir a marcha para
passar pelo portão.
Dentro do carro, não dava para avaliar a intensidade do vento, e Lani foi
apanhada de surpresa, quase perdendo o equilíbrio quando saiu. Embora o dia
estivesse mais ensolarado que da outra vez, ainda fazia muito frio e ela
vestiu o casaco de couro.
Para seu alívio, ouviu passos. Uma mulher de meia-idade, toda vestida de
preto, abriu a porta. Não era a sra. Worth, é claro talvez fosse a
empregada.
— Quem é, Hannah?
A voz ríspida que Lani não esperava ouvir nunca mais ecoou do alto da
escada. Olhando para cima, ela viu a figura magra da sra. Worth. De
camisola e com um xale sobre os ombros, não mudara nada desde a última
vez.
— É uma moça que veio visitar o sr. Jake, dona Amélia — Hannah respondeu,
dando as primeiras esperanças a Lani. — Devo deixar entrar? Está muito
frio aqui fora.
— Por que essa moça quer ver Jake? — O tom autoritário da sra. Worth era
pouco animador, mas Lani viera de muito longe para ser dissuadida pela
rudeza daquela mulher.
— Quero falar com ele, sra. Worth. Meu nome é Lani St. John. Vim de
Londres e se pudesse avisá-lo de que estou aqui. . .
— Já disse que vim falar com seu neto. Poderia, por favor. ..
— Ele não está aqui. — Isso foi dito com convicção, mas Lani não acreditou.
Não podia ser verdade. Jake tinha de estar ali! Aquela mulher estava
mentindo. Só podia estar.
— Tem certeza? Por favor, é muito importante que eu fale com ele. Não
pode me dizer onde ele está?
— Por que deveria? Jake Pendragon não significa nada para mim. Agora
feche a porta, sim, Hannah? Está frio.
— Sra. Worth. ..
— A Casa do Mar?
— Não sei. — Hannah pareceu achar que tinha dito o suficiente e fechou a
porta, mas Lani estava satisfeita com o pouco que ouvira.
Ninguém respondeu, mas no fundo ela não esperava realmente que alguém
atendesse. Era loucura pensar em encontrar Jake ali. Assim, chegava a
outro beco sem saída, outra tentativa frustrada. Olhou com súbita fraqueza
para a encosta íngreme que acabara de descer. Não poderia subir.
Simplesmente não teria forças.
Indo contra o vento, caminhou pela varanda à procura de algum lugar onde
pudesse sentar e descansar. Nisso, notou uma janela aberta. Espiou como da
outra vez e viu que a sala continuava a mesma. A lareira estava acesa e havia
um homem deitado no sofá. Jake! Lani abriu a boca de espanto e ficou
imóvel por um momento, até que ele virou a cabeça e enxergou-a. Lani
recuou instintivamente, chocada ao ver Jake e subitamente consciente de
que não tinha coragem para enfrentá-lo. Uma coisa era achar, em Londres,
que tudo se acertaria, caso tivesse chance de vê-lo e falar com ele outra,
bem diferente, era enfrentar um homem inválido. Por isso ele não tinha
atendido à porta. Não podia. Provavelmente fora carregado até ali, talvez
numa maca, e sem dúvida alguém havia sido contratado para cuidar dele.
Mas, naquele momento, Jake devia estar sozinho.
— Bem?
Essa única palavra trouxe de volta o medo que Lani sentia desde o momento
em que espiara pela janela. O tom era cruel e ela lutou para manter o
controle.
— Eu. . . eu. . .
Quando Lani abriu os olhos, viu que estava deitada em um sofá. Por um
momento, não se lembrou de onde se encontrava e olhou perplexa para as
toras de madeira queimando na lareira. O esforço que fez para pensar
trouxe a incômoda dor de cabeça de volta. Ao virar-se de lado no sofá,
deparou com um par de botas e recuperou a memória num instante.
O olhar de Jake percorreu o corpo de Lani. Mesmo com o casaco, dava para
perceber que ela perdera muito peso.
— Mas você. . . Cia. . . quero dizer... — Era difícil achar as palavras certas. —
Já consegue andar por aí?
— Como vê. .. — Apontou para as muletas ao seu lado. — Assim que as mãos
estiverem mais fortes, poderei me arranjar com uma bengala e com o tempo
espero não precisar de nenhum apoio.
— Não sabia que podia andar. Aliás, não sabia nada sobre você. Nem me
deixou vê-lo.. .
— Pelo menos me diga como você está. Como está se arranjando? Quem
cuida de você?
— Ninguém. Não preciso que cuidem de mim. Não sou tão inválido como
acaba de sugerir.
— Mas não é possível que suba e desça por essa encosta toda vez que
precisa...
— Ah. . . — Lani sentia a dor de cabeça passar. — Mas não devia continuar
com a terapia? Isto é, me disseram que você deixou o hospital. Como vai
fazer para trocar as ataduras, por exemplo?
— Darei um jeito.
— Mesmo assim...
— Pelo amor de Deus, Lani! — Jake perdeu a paciência e seu olhar era hostil.
— Por que veio, afinal? Pensei ter deixado meus sentimentos bem claros.
Não quis vê-la em Londres, como não quero agora. Como pôde pensar o
contrário? O que esperava? Que recebesse a causa da minha desgraça de
braços abertos? Sabe muito pouco sobre a natureza humana!
— Por que não? Sabia desde o começo que não podia me dar ao luxo de um
envolvimento emocional e devia ter pulado fora quando ainda estava em
tempo.
As palavras de Jake eram tão injustas que, por um momento, Lani esqueceu
dos ferimentos dele e da dor que devia estar sentindo. Tudo o que via eram
aqueles olhos cheios de indiferença e, sem pensar duas vezes, forçou a
passagem por ele e correu para a porta. Tinha ouvido o suficiente e não
agüentaria mais nada. Clare estava certa. Jake não a queria e continuar ali
seria apenas prolongar o sofrimento.
— Jake! Oh, Jake, meu querido! Você está bem? Desculpe, perdão. Por
favor, por favor, diga que não se machucou.
— Estou bem.
A voz de Jake era curiosamente tensa e seus rostos estavam tão próximos
que ela podia ver o palpitar de uma veia naquela têmpora. A respiração de
Jake era irregular e o olhar de Lani, suplicante.
— Droga, Lani! — E, com mais força do que se podia imaginar que tivesse, ele
a puxou para o chão, deitando-se sobre ela. — Droga! — repetiu, os olhos
ardentes de emoção, e sua boca cobriu a dela, fazendo-a perder a noção de
tudo.
O peso dele aprisionava o corpo de Lani contra o chão, mas a posição não era
nem um pouco desconfortável. Ela correspondeu ao beijo e passou-lhe os
braços pelo pescoço, acariciando-lhe a nuca. Por um minuto inteiro, Jake
envolveu-a num abraço sufocante, as mãos enfaixadas deslizando por seu
pescoço e a boca ávida procurando e encontrando um desejo recíproco. Lani
entreabriu os lábios, sentindo e provando-o, querendo ser possuída.
Então, quando não havia como negar a excitação dos dois, Jake rolou para o
lado. Atrapalhando-se com as muletas, levantou-se meio cambaleante, mas
logo recuperou o aspecto frio. Por alguns instantes, ficou parado, ofegante,
e Lani pôs-se de joelhos. Apesar do que tinha acontecido, a raiva de Jake
era visível.
Ela hesitou antes de ficar em pé, mas não o seguiu até a porta. Em vez disso,
tirou o casaco, jogou-o no sofá e foi esquentar as mãos no fogo da lareira.
De costas para ele, não viu sua expressão contrariada diante daquela
teimosia, mas a raiva contida na voz era inconfundível.
— Vou ficar. — Lani reuniu toda coragem para desafia-lo e a reação dele não
poderia ser outra.
— Uma ova que vai! Saia já daqui. Neste minuto. Pelo amor de Deus, suma da
minha frente ou sou capaz de quebrar esse seu lindo pescocinho!
— Mas não quero que fique. Está louca? Não pode ficar contra a minha
vontade. Lani, por favor, pare com essa bobagem.
— Não...
— . . . e quero fazer isso. Me importo com você, Jake. Eu... eu te amo, sabe
disso, e você me ama.. .
— Não! Eu não te amo, Lani. Pensei ter deixado isso bem claro. Está
equivocada. Nunca existiu amor entre nós. Quis você, sim. Desejei seu
corpo, mas foi só isso. Nunca disse que te amo, disse?
— Não importa. Está bem. Então você não me ama, mas ainda me quer. . .
— Está dizendo isso por causa do que aconteceu agora? Por minha reação
perfeitamente natural ao corpo de uma mulher? Ora, Lani, esses ferimentos
não significam que estou impotente. Ainda sou normal nesse sentido. Faz
tempo que não sinto a maciez de um corpo de mulher e não posso negar meu
sexo!
— Vou ficar — Lani teimou.
— O que quer dizer com isso? Onde pensa que vai ficar?
— Aqui. Deve haver quartos nesta casa. Não se preocupe. Posso cuidar de
mim.
— Isso é loucura!
— Então pretende ficar com ou sem a minha permissão? O que a faz pensar
que deixarei?
— Suponho que esteja falando assim por causa - Jake estendeu as mãos.
— E o que acontecerá quando eu ficar mais forte e puder passar sem isto?
— Jake jogou as muletas no chão.
— Não esperava mesmo que fizesse isso - Ela umedeceu os lábios com a
ponta da língua de modo provocativo. — Podemos. . . dividir a cama.
— Nem pensar!
Desta vez a raiva o fez levantar da poltrona e o gesto foi tão brusco que a
dor o obrigou a sentar de novo - Lani sabia que nesse ponto a vontade dele
prevaleceria. Ficar na casa sem permissão era uma coisa dormir na cama
dele era outra.
— Posso dormir aqui embaixo mesmo - Lani não pretendia desistir tão
facilmente e foi para a cozinha, fechando a porta para não dar a ele a
chance de protestar.
A cozinha era bem moderna para uma casa tão antiga e estava
imaculadamente limpa. Na certa por obra de Hannah, que felizmente não o
abandonara como a avó. Pelo menos, Jake não morreria de fome e Lani não
iria esquecer da valiosa ajuda que a empregada lhe prestara.
Estava batendo ovos para fazer uma omelete quando sentiu que era
observada. Ao virar-se deparou com Jake parado à porta, apoiado apenas no
batente.
— Não precisa fazer isso. — O tom dele era ríspido. — Restaurantes é que
não faltam em Helston ou Penzance. Por que não sai e compra comida
pronta? Não entendo essa vontade de brincar de casinha agora.
— Gosto de cozinhar. Na verdade, era uma das poucas coisas que me davam
prazer no internato para onde meu pai me mandou, na Suíça. Sou boa nisso,
vai ver.
— Aleijado? É essa a palavra que está procurando? Tome cuidado com o que
diz, Lani. Não ficarei incapacitado para sempre.
— Porque não pode. Puxa vida, Lani, não liga para o que os outros podem
pensar?
— Não.
— Principalmente meu pai. Afinal, quer alguma coisa para comer ou não?
— Não estou com fome. Lani,seja razoável! Se ficar aqui, vão pensar que
estamos vivendo juntos.
— E estamos mesmo.
— Minha reputação? Ora, Jake, desde quando você se importa com a minha
reputação?
— Está bem então, a minha. Não quero que pensem que você é minha amante!
— Cale a boca!
Jake estava jogado no sofá e não ergueu o olhar quando ela entrou. Era
como se os acontecimentos da última hora tivessem drenado toda a sua
força. Lani sentiu um aperto no coração. Tinha o direito de impor sua
presença ali? Já que ele queria tanto que fosse embora, não era melhor
fazer-lhe a vontade?
Então lembrou-se dos minutos passados nos braços dele, minutos em que
juraria ter sentido a ânsia dele por seu amor, e as dúvidas desapareceram.
Não podia deixá-lo, não sem se darem uma chance. Se ficar implicasse
sofrimento, então que fosse assim. Melhor do que nada.
— A comida está pronta. Quer vir para a mesa, por favor? Se quiser, posso
levar o prato aí.
— Já disse que não estou com fome. Quando quiser comer alguma coisa, eu
mesmo me sirvo. Agora saia daqui, está bem? Estou ocupado.
— Seu... seu...
— Fiz comida demais para uma só pessoa — Lani insistiu e Jake bateu o pé
no chão. Deve ter doído, pois ficou pálido e recostou-se no sofá, mas o olhar
continuava mortífero.
Concluindo que não adiantava discutir com ele naquele estado, lavou a louça e
resolveu conhecer o resto da casa. Afinal, se pretendia ficar ali, era melhor
se familiarizar com o local, principalmente para não ter de perguntar onde
ficava o banheiro.
O outro cômodo também não era o banheiro. Era o quarto de Jake. Lani
entrou e percorreu o olhar ansiosamente à sua volta, na esperança de
conhecer mais sobre aquele homem. Era um ambiente amplo, talvez maior
até do que a sala, com carpete estampado em marrom e bege.
A vista das janelas era espetacular e Lani imaginava o prazer de ouvir, nas
noites de verão, o murmúrio das ondas batendo contra as rochas. Naquele
momento, contudo, o ruído estrondoso não era muito convidativo.
A mobília era de madeira pesada e escura, com uma cama imponente de
quatro colunas. Havia uma estante e uma escrivaninha, onde provavelmente
Jake trabalhava. Percebendo que estava se demorando mais do que deveria,
deu uma última olhada e saiu, consciente de que sabia pouco ou quase nada
sobre a vida dele, além do que Elwyn Hughes lhe contara.
A tarde passava e Lani esperava ansiosamente pelo momento que Jake fosse
fazer o jantar. Precisava apanhar a bagagem que continuava no carro, mas
receava que Jake aproveitasse sua saída para trancar a porta, impedindo-a
de entrar.
— Não faça isso — Jake pediu de repente, revelando ter notado os olhares
dela.
— Fazer o quê?
— Os ventos estão ficando cada vez mais fortes e não a aconselho a pegar a
estrada à noite. Calculo que tenha pouco mais de uma hora antes de
escurecer.
— Não acho.
— Ouça, não adianta tentar fazer pressão. Não vai funcionar, acredite!
O olhar dele estava fixo naquelas pernas que já tivera o prazer de acariciar
e a reação de Lani foi puramente instintiva. Sem hesitar, passou as mãos por
elas e a sensualidade de seus movimentos não passou despercebida a Jake.
Não tentava excitá-lo de propósito. Apenas seguia um impulso natural e o
homem à sua frente não conseguia desviar o olhar.
Só quando suas mãos foram parar nos botões da blusa é que Jake pareceu
voltar à razão. Pegou as muletas sem demora e ficou de pé. Sem voltar a
olhar para ela, saiu da sala, subindo as escadas.
Lani respirou fundo e, puxando a saia para baixo, levantou-se. Sem querer,
tinha propiciado a oportunidade de que precisava. Poderia apanhar as coisas
no carro agora. Era pouco provável que Jake descesse tão cedo e, se
pretendia ir até o fim com aquilo, precisava de uma muda de roupa.
Vestiu o casaco e saiu. Os ventos estavam realmente mais fortes e não foi
fácil escalar a encosta. O carro ainda estava onde o deixara e Lani o
estacionou num lugar menos exposto, na parte lateral da casa. Pegou a
bagagem e retomou a trilha encosta abaixo. Exceto Hannah, ninguém sabia
onde estava e confiava na discrição da empregada.
Ele atingiu a sala com uma rapidez incrível, parando bruscamente ao vê-la de
casaco e com a mala na mão. Lani pensou em dizer que ele perdia tempo, pois
já tinha ido até o carro para apanhar suas coisas, e que, se ele pretendia
trancar a porta, seria tarde demais, mas essas palavras morreram em sua
garganta. A expressão de alívio estampada no rosto de Jake, ao constatar
que não havia sido abandonado, era tão evidente que a deixou sem fala.
Então, percebendo como sua fisionomia era reveladora, ele virou o rosto e
respirou fundo, provavelmente sentindo os efeitos do esforço despendido
para descer as escadas correndo. E Lani lutou contra o desejo de ajudá-lo,
vendo sua dificuldade em chegar ao sofá.
— Pensou que eu tivesse ido embora? — Ela pôs a mala no chão para tirar o
casaco.
— Pensei. Seria muito melhor para nós dois, se tivesse ido mesmo.
CAPITULO XIV
Lani descobriu que dormir num sofá não era a mesma coisa que dormir numa
cama. Para começar, não podia esticar as pernas além disso, o estofamento
deixava muito a desejar em comparação a um colchão. Por mais que
tentasse, não conseguia se livrar dos vãos desconfortáveis entre uma
almofada e outra.
Não ficou muito tempo à janela. O fogo na lareira tinha se apagado durante
a noite e a sala estava fria. O pijama de seda e os pés descalços sobre o
assoalho de madeira não contribuíam em nada para aquecê-la.
Descobriu uma pilha não muito longe da porta dos fundos. O combustível
também estava por perto e ela correu para dentro, reacendendo a lareira
sem demora.
Subia as escadas quando lhe ocorreu que seu traje era pouco discreto.
Morando todos aqueles anos só com o pai e a sra. Evans, tinha se
acostumado a andar pela casa à vontade e simplesmente não lembrara de se
vestir antes de servir o chá para Jake.
Ainda era cedo, pouco mais de sete e meia, mas Jake já estava acordado.
Deitado no meio da cama enorme, com os braços cruzados sob a cabeça e o
peito nu aparecendo sob a coberta, mediu-a da cabeça aos pés, semi-
cerrando os olhos. Lani ignorou isso e se aproximou da cama, com ar de
indiferença.
— Trouxe um pouco de chá. Quer ajuda? — sugeriu, pois ele não se mexeu.
— Posso levantar os travesseiros, se quiser.
— Não preciso de sua ajuda. Já que trouxe o chá, pode deixar aí. Tomo mais
tarde.
— Dormiu bem?
— Mais ou menos.
— Por quê?
— Nada.
— Lani...
— Está bem. Acho que minhas pernas são longas demais. — Lani respondeu
com cinismo e mudou de assunto: — É uma linda manhã. Com sol e tudo.
— Abrir? Como?
— O sofá vira uma cama de casal. Desculpe não ter lembrado de dizer antes.
— É isso.
Lani não tinha resposta para aquele comentário e colocou a xícara dele
sobre a mesinha-de-cabeceira.
— Seja como for, agora que paramos de gritar um com o outro, podemos
conversar? Quero dizer, conversar de verdade.
— Lani. . .
— Não foi uma atitude precipitada? Os médicos não o manteriam lá, se não
achassem que você precisava de um tratamento.
— Que tratamento? — Jake voltou a ser ríspido. — O dr. Holland avisou que
uma de minhas pernas nunca ficará completamente curada. Quanto às
minhas mãos. . . — olhou para elas com repugnância — precisam de exercício
e do tipo que não poderiam me dar no hospital.
Lani hesitou antes de tomar a mão dele nas suas. Esperava que Jake se
afastasse, mas como isso não aconteceu começou a tirar a faixa.
— O que vai fazer? — Jake tentou puxar a mão, mas ela não deixou — Não
verá nada de bonito — avisou, e Lani empalideceu ao tirar a última
bandagem. — Vê agora por que ficam enfaixadas? Evito ao máximo olhar
para elas.
— Como aconteceu?
— Disseram que foram os cacos de vidro dos faróis. Falaram também que
tive sorte. Alguns anos atrás, teria provavelmente perdido o comando de
uma ou até das duas mãos.
Incapaz de se controlar, Lani levou aos lábios a mão marcada por cicatrizes,
depositando nela um beijo suave.
— Como já disse, evito olhar para elas. Acho que são repulsivas. — Jake
apanhou as faixas. — Vai me ajudar a colocá-las ou terei de fazer isso
sozinho?
Lani cruzou os braços, não querendo ceder à teimosia dele, mas, percebendo
que ele o faria com ou sem sua ajuda, pegou a bandagem e voltou a enfaixar-
lhe a mão.
— Disse a eles que queria cobri-las até voltar para casa. Bem, o que
importa? Não voltarei mais a tocar.
— Isso foi ontem. — Jake suspirou e procurou uma posição mais confortável.
— Esta manhã, deitado aqui, percebi que foi tolice mentir sobre uma
realidade tão óbvia. Mais cedo ou mais tarde, você acabaria descobrindo que
o jovem e brilhante pianista jamais voltará a se apresentar num palco.
— Oh, Jake!
— Pare de dizer "oh, Jake" e agradeça por não ter acontecido com você.
Soube que seu ferimento mais grave foi uma fratura no crânio. Suponho que
já deve ter emendado.
— Sim.
— Muito bom.
— Não fala sério sobre parar de tocar, não é mesmo? Não acha que deve não
só a você, mas também a todos que acreditaram no seu talento. . .
— Jake...
— Agora não, Lani. Hannah pode chegar a qualquer momento e não quero que
ela encontre você aqui, no meu quarto.
— Desculpe.
— Ouça, prometo tomar o chá. Foi gentileza sua tê-lo trazido e agradeço.
De verdade.
— É mesmo?
— Sim. Não é fácil subir e descer escadas com isso. — Ele apontou para o
par de muletas. — Geralmente espero até Hannah aparecer.
— Não muito. Uma delas está quase boa agora, mas a outra. . . O joelho foi
ferido e teve de ser operado. Por enquanto está praticamente inutilizada.
— Posso ver?
— Lani!
— Eu sei.
— Talvez numa outra vez — murmurou ela sem graça e correu para a escada
sem dar a ele uma chance de responder.
— Meu nome é Lani e gostaria de agradecer-lhe por ter me dito que Jake
estava aqui. Não sabia mais onde procurá-lo.
— Tenho certeza de que teria descoberto sozinha, mais cedo ou mais tarde.
Ele deve ter ficado contente com a visita, pois vejo que passou a noite aqui.
— Ora, não tem cabimento a senhorita me servir. Sempre venho a esta hora
para preparar a comida de Jake e fazer o que precisa ser feito. Dona
Amélia está só.
— Sei... Disse que o pai de Jake era viajante, não é? Como assim?
— Seu avô não se atirou do penhasco, Jake. Sabe muito bem disso. Foi um
acidente, um terrível acidente. Foi sua avó que resolveu culpar sua mãe por
isso.
Jake se apoiava nas muletas e recostou-se no batente da porta, procurando
uma posição mais confortável.
— Seja como for, não tenho do que me queixar. Se o velho não tivesse
morrido, esta casa provavelmente nunca seria minha.
— Pensou que minha avó estaria cuidando de mim, não é? Vê, Hannah? Ela
não conhece a velha Amélia muito bem.
— Onde vai tomar o café? Aqui mesmo, como sempre, ou arrumo a mesa na
sala?
Jake ergueu as sobrancelhas para Lani, dando a entender que a decisão era
dela.
— Aqui mesmo, por favor — decidiu Lani, indo até a gaveta pegar os
talheres. — Eu só quero torradas. Não estou com muita fome.
— Nem eu. — Jake sentou-se à mesa. — Não faça ovos, Hannah. Comerei
apenas um sanduíche de bacon.
Lani corou.
— Alguns dias, acho. Se houver alguma coisa que eu possa fazer, é só dizer,
por favor. Vim para ajudar e não para incomodar. '
— Hah!
— Há uns trinta anos, acho. Começou como dama de companhia de minha mãe
e depois passou a ser governanta de minha avó.
— A história da família, você quer dizer. Está satisfeita, agora que conhece
todo o caso?
— Não podemos escolher nossos pais. Aliás, sempre achei romântica a idéia
de viver em uma carroça e viajar de um lugar para outro.
— Sinto desapontá-la, mas não era bem assim. Meu pai trabalhava para um
circo e não há nada de romântico nisso. Lembro de ser tirado da cama tarde
da noite para ajudar a desmontar a tenda, com os dedos congelados de frio.
Também lembro de estarmos sempre sem comida e dinheiro, espremidos
numa carroça em que se amontoavam minha mãe, meu pai, a mãe dele e eu.
— Mamãe morreu quando eu tinha dezessete anos. Acho que ela nunca se
conformou por perder meu pai. Ele a abandonou por causa de outra mulher.
— Jake deu um sorriso irônico. — Lembro que uma vez vi meu pai com a
outra e não entendi nada. Mamãe chorou muito e acabou perdendo o bebê.
— Pela milésima vez. Felizmente, fui o único que vingou. Isto é, se tivesse
irmãos, talvez meu pai não tivesse agido daquela forma.
— Não para casa. Para cá. Moramos aqui sete anos, até ela adoecer. Os
médicos descobriram que ela jamais deveria ter querido mais filhos, pois
tinha uma deficiência sangüínea e a gravidez agravava seu estado. Ela
morreu com apenas trinta e nove anos.
— Sinto muito.
— Bobagem, não foi sua culpa. O que aconteceu foi inevitável. Voltou a ver
seu pai?
— Não. Minha avó, por parte de pai, é claro, mandou uma carta dizendo que
ele tinha morrido num acidente quando tentavam montar a tenda. Mas só
soube disso quando voltei para a Inglaterra, há uns três meses. Não senti
nada. Também, fazia tanto tempo! Quis ir ao enterro, mas era tarde demais.
— Não, acho que não, obrigado — disse ele, apanhando as muletas para se
levantar. — Até amanhã, Hannah. Na mesma hora.
Hananh hesitou.
— Você não disse qualquer coisa sobre um remédio para fricção, ontem?
— Não quero que conte nada a minha avó. Até logo, Hannah. Vá com cuidado.
CAPÍTULO XV
Lani estava à janela, olhando para o mar, quando Jake fechou a porta e
caminhou devagar até a lareira. Ela não resistiu e seguiu-o com o olhar,
notando uma ruga de preocupação na testa dele.
— Sabe que Hannah vai dar com a língua nos dentes, não sabe? Contou a ela
onde dormiu?
— Lani.. .
— Não, por favor, não diga nada. Prometo não ficar no seu caminho.
— Meu pai já sabe. Agora.. . bom, vou fazer um café fresco. Fique aqui e
relaxe. Não demoro.
Jake ainda dormia quando deu uma espiada na sala, algum tempo depois. Num
impulso, calçou as botas, vestiu a jaqueta de pele de carneiro e saiu pela
porta dos fundos, para respirar um pouco de ar puro. O sol brilhava e o ar
marítimo era revigorante. O pio das gaivotas, somado ao barulho das ondas
do mar, levantou seu ânimo e ela se apoiou na estrutura de ferro para
descer a encosta do rochedo.
Olhou para cima, onde podia ver a Casa do Mar. Será que Jake tinha
passeado por ali quando criança? Para caçar passarinhos ou nadar, no verão?
Lani imaginava um menino moreno e ágil, tirando a roupa para mergulhar no
mar revolto e voltando à tona para deitar-se ao sol.
— Lani!
O nome chegou com distinção aos seus ouvidos, trazido pelo vento, e ela se
surpreendeu ao reconhecer Jake apoiado na estrutura de ferro.
— Lani!
Jake chamou de novo e, percebendo que ele não a tinha visto, Lani subiu com
dificuldade pela trilha. Ele não estava de casaco, só de camisa, e, embora a
temperatura fosse amena, não era aconselhável sair sem agasalho.
— E você? O que está fazendo aí? Subindo e descendo por esse rochedo
como um cabrito! Meu Deus, pensei que tivesse caído!
— Tomei cuidado.
— Por quê? Por provar outra vez como sou inútil? Vamos enfrentar a
realidade. Se estivesse desmaiada lá embaixo, eu não poderia fazer nada.
Depois do almoço, foram para a sala. Decidida a não deixar Jake cair na
apatia, Lani se aproximou do piano. Era a única coisa que poderia provocar
uma reação nele, e não se desapontou quando Jake protestou:
— Saia daí!
— Por quê? Não posso olhar? Já que você não quer nem chegar perto...
— Tem razão. Não quero mesmo. E sua psicologia amadorística não vai
funcionar. Se pensa que ficando aqui vai conseguir me convencer a tocar de
novo, está redondamente enganada. É fato comprovado que os músculos
precisam de exercício constante para manter a elasticidade.
— Sei disso. Não estou dizendo que pode sentar e tocar uma sonata de
Chopin, mas com tempo e exercício...
— Não!
— Já expliquei o porquê.
— Quantas horas?
— Em geral, oito.
— Lani, tocar piano não é como. . . como lutar boxe ou ser um atleta. Não é
apenas uma questão de recuperar a condição física. Minhas mãos... — Jake
olhou para elas com raiva. — Minhas mãos não são as mesmas. Estão...
desajeitadas, duras! Duvido que consiga tocar do jeito que estão agora.
— Não!
— Não é verdade...
— Está bem. Vou reformular a frase. Não quero tocar do jeito que serei
capaz de tocar.
— Satisfeita? — Jake desafiou Lani, que não conseguiu pensar em nada para
dizer. — Se o motivo de sua estada aqui era me provar que estou liquidado,
considere sua missão cumprida. Pode voltar para o seu pai e dizer que não
precisa mais temer Jake Pendragon.
Lani estava na cozinha pensando no que fazer para o jantar quando ouviu
vozes na sala. Uma era de Jake, a outra era feminina.
Foi a moça que a viu primeiro e ficou séria no mesmo instante, levantando-se
e colocando as mãos nos bolsos do casaco de tweed. Essa atitude fez Jake
se virar e pôr-se imediatamente na defensiva.
— Oh, Lani! Não conhece Susan, não é? É a sobrinha de Hannah, que veio me
visitar.
— Olá! — Lani fez um esforço descomunal para ser simpática, mas, pela
reação de Susan, não precisava nem ter se dado ao trabalho. A moça apenas
acenou com a cabeça e se virou para Jake, para se despedir.
— Tudo bem. — Jake fez menção de se levantar, mas Susan não deixou.
Ele concordou com um sorriso e a moça saiu sem ao menos olhar para Lani.
Com sua saída, a sala mergulhou no silêncio. Imaginando que a moça também
sentira ciúmes, Lani tentou ser compreensiva.
— É sobrinha de Hannah?
— Já disse que é. Gostou dela? Lani encolheu os ombros.
— Mesmo que não tenha razão para isso — concordou Lani e, não agüentando
mais a provocação de Jake, decidiu voltar para a cozinha.
— Nada. — Ele desviou o olhar e Lani não teve coragem para enfrentá-lo.
Decidiu fazer uma torta de carne para o jantar. Enquanto a torta assava no
forno, voltou à sala para arrumar a mesa. Não encontrou Jake e olhou ao
redor, surpresa.
Concluindo que ele estava no banheiro, fez o que tinha de fazer e voltou à
cozinha.
— O que está fazendo? — Lani olhou para o frasco na mão dele. — Hannah
trouxe o remédio? Ou... foi a menina, não foi? Susan. Ela trouxe o remédio
que Hannah mencionou.
— E se trouxe? Ora, está bem. Hannah comprou isso sem minha permissão e
achei que deveria ao menos experimentar. Mesmo que seja apenas para
efeito psicológico.
— Posso ajudar? Tenho um pouco de experiência com meu pai. Seria bem
mais fácil.
— Sei que seria. — Jake hesitou por um instante antes de passar o frasco
para ela. — Por que não? Já que insiste em bancar a mártir...
— Não foi nada. Fiz uma torta para o jantar. Quer um pedaço?
O jantar foi agradável. Jake parecia disposto a ser gentil e não poupou
elogios à torta e aos legumes cozidos. Lani ficou aliviada com aquela
mudança de comportamento, esperando apenas que não fosse por causa da
massagem. Temia que a hostilidade dele voltasse na manhã seguinte.
— Costumava jogar com a minha mãe. Não é gostoso? O que mais poderíamos
querer?
Por volta das dez, Jake foi para a cama, seguido pelo olhar frustrado de
Lani. Apesar de cansada pelo dia atribulado, não queria que a noite acabasse
e vestiu o pijama, decepcionada com aquele desfecho.
Tentou entrar na casa pela porta dos fundos, mas estava trancada. Ao
espiar pela janela da cozinha, viu Jake conversando e rindo com Susan, a
sobrinha de Hannah. Os dois a viram acenar e bater na vidraça, mas não lhe
abriram a porta. Pareciam não se importar por ela estar trancada do lado de
fora, quase congelando, e continuaram a conversar e rir, ignorando-a.
Lani tinha de descobrir um meio de entrar e deu a volta na casa. Mas não
havia como chegar à outra porta sem descer pelo rochedo. Logo sentiu as
mãos doloridas e sangrando.
— Lani! Lani, acorde! Está tudo bem, ouviu? Está segura. Lani, vamos. Estou
aqui. Do seu lado. Não lute contra mim.
Lani acordou sentindo uma mão na nuca e outra afagando seus cabelos. Seu
rosto estava aninhado em um peito quente e reconfortante, de modo que
logo o pânico deu lugar à languidez e ela olhou para o rosto ansioso de Jake.
— Eu... eu...
— Acho que sim. Agora me lembro. . . Sonhei que estava lá fora, no rochedo,
e escorreguei.
— Vou sobreviver. Acho que o jogo foi estimulante demais para você. Sabe
como é, a excitação provoca as reações mais estranhas nas pessoas.
— Desculpe se o acordei.
— Não, não acordou. Estava lendo. É apenas pouco mais de meia-noite. Falta
muito ainda para amanhecer.
— Sim...
Lani se apoiou nos cotovelos, tentando parecer tão calma quanto Jake, mas
era difícil com a coxa dele roçando na sua e o calor emanando de um corpo a
outro, mesmo através da coberta.
— Linda. ..
Jake se deitou sobre ela enquanto a despia. Assim que sentiu os braços
livres, Lani puxou-lhe a faixa do robe, revelando o corpo bronzeado e
dolorosamente familiar. Seu corpo arqueou-se instintivamente de encontro
ao dele, incitando mais carícias, e Jake percorreu o olhar ardente por
aquelas curvas femininas antes de capturar-lhe a boca outra vez.
Lani tremia a cada toque e perdeu todo o controle quando, num gesto mais
ousado, Jake tirou o último e minúsculo obstáculo de seda bege de seu
caminho. Os lábios dele seguiam a trilha de fogo deixada pelas mãos,
procurando e encontrando os pontos mais sensíveis. Lani deixou escapar um
protesto contra essa invasão mais íntima.
— Me deixe. ..
Mas Jake cravou o olhar naqueles olhos verdes, acabando com qualquer
resistência. Lani relaxou, facilitando a exploração, e a perícia dele a levou à
beira do êxtase.
— Oh, Jake... — murmurou Lani quando ele procurou sua boca uma vez mais,
e acariciou aquele peito forte, coberto de pêlos.
— Me toque. — A voz de Jake era tão rouca que mal deu para se ouvir o
pedido, mas os dedos incertos de Lani obedeceram e exploraram sua
virilidade. — Quero tanto você... — sussurrou, incapaz de se conter mais, e
Lani se entregou com igual fervor.
Desta vez, ela não sentiu dor, apenas prazer, quando Jake penetrou o âmago
de seu ser. Acompanhou os movimentos dele, excitando-o e atingindo com
ele o clímax. Não queria mais deixá-lo ir. E quando Jake adormeceu,
plenamente satisfeito, Lani se aconchegou mais e também se deixou
envolver pela languidez.
CAPITULO XVI
O sono de Lani foi perturbado na manhã seguinte pelo som de vozes. Voltou
à consciência contra a vontade, receando que o delicioso torpor que sentia
desaparecesse assim que abrisse os olhos. Felizmente isso não aconteceu. A
languidez não se dissipou. Pelo contrário, o contato do lençol com a pele nua
trouxe a lembrança da noite anterior, junto com uma sensação extasiante
de felicidade. Sua pele parecia ainda queimar com as marcas de amor
deixadas por Jake. Tocou de leve nos seios explorados há pouco e sentiu
uma dor sensual.
— ... na cozinha...
— Desculpe se a acordamos.
— Oh, está tudo bem. — Lani se encolheu sob os lençóis, sem resistir à
tentação de olhar para Jake. — Já estava mesmo na hora de acordar. Acho
que dormi demais.
— É. . . uma linda manhã, não? — Lani concluiu pelo que podia ver pela fresta
da cortina.
— Pelo menos, não está chovendo, se é o que você quer dizer. — Jake se
apoiava nas muletas, surpreendendo-a por continuar sem as faixas naquelas
mãos que lhe tinham propiciado tanto prazer na noite anterior e que ele não
parecia mais fazer questão de esconder.
— Jake.. .
— Agora não, Lani — ele a interrompeu, caminhando até a porta. — Levei sua
mala para o quarto. Quando quiser, pode se trocar lá em cima. Há espaço no
armário, se quiser pendurar suas roupas.
— Está tudo bem, Hannah. — Lani deu um sorriso forçado. — Eu. . . não
trouxe meu robe. Ia me vestir agora.
— Não está vestindo nada, não é, senhorita? Céus, vai apanhar um resfriado
andando descalça neste chão frio. Lembro de ter visto um pijama ontem,
pensei que era seu.
— É mesmo?
Incapaz de continuar com aquela conversa, Lani deu outro sorriso sem graça
e subiu a escada correndo. Depois de tomar um banho e vestir-se, recuperou
parte do equilíbrio. O estranho comportamento de Jake e as perguntas de
Hannah eram perturbadoras demais e, para ganhar tempo e recuperar a
calma, desfez a mala e guardou as roupas antes de descer.
Depois do café, ele foi para a sala enquanto Lani ajudava a tirar a mesa.
— Oh, sim! Ele fez uma aplicação ontem, antes do jantar. Só não sei se fez
algum bem.
— Por que acha que ele se recusa a fazer o tratamento? Sei que ele não
acredita muito no que os médicos podem fazer, mas por que saiu do
hospital?
Hannah hesitou.
— Eu?
— Sim. A princípio, achei que foi por sua mãe tê-lo abandonado, mas agora já
não tenho tanta certeza.
— Como assim?
Lani corou.
— Nunca o abandonarei.
— Por quê?
— Ora, é óbvio que ele ainda levará algum tempo para se recuperar dos
ferimentos. Os jornais anunciaram que ele não vai mais tocar e não o vi
chegar perto daquele piano na sala desde que voltou.
— Ele tocou, ontem. Não por vontade própria, é claro. Insisti e ele deve ter
me odiado por isso.
— Não. Reparei no modo como olha para você. Jake não a odeia. Pelo menos,
não do jeito como está sugerindo.
— Acho que sim. 0 ódio de que está falando é o mais comum entre as
pessoas e gerado por antipatia ou desprezo. O outro tipo é aquele provocado
por frustração ou desespero por desejar alguma coisa que está fora do
alcance.
— Mas não estou fora do alcance dele! — Lani protestou num impulso.
— Talvez ele pense que está. — Subitamente Hannah deu uma risada de
embaraço. — Céus, o que estou dizendo? Deve me achar uma intrometida,
não é? Realmente esse assunto não é da minha conta. Só quis dizer que. . .
bem, não gostaria que o magoasse.
Quando Hannah saiu, Lani ainda estava na cozinha. A animação inicial fora
substituída pela incerteza. A hipótese de Jake estar escondendo seus
verdadeiros sentimentos não a convencia. Era mais provável que a angústia
pela incapacidade física temporária o tivesse levado a fugir da imprensa,
pois precisava de tempo para descansar e se recuperar. Hannah era
romântica e não via as coisas como realmente eram. Jake não a amava, como
não amava ninguém era movido apenas pela ambição.
— Não quero café. Acredite se quiser, mas café não é a panacéia para todos
os males. Perguntei o que faz aqui. Terei uma resposta direta ou vai me
enrolar com mais mentiras ?
— Talentosa, então.
— Precisamos conversar.
— Entre outras coisas. Por que resolveu dormir aqui embaixo a partir de
hoje?
— O que acha? — Jake deu um suspiro exasperado. — Lani, não seja tão
ingênua. Sabe por que aquilo aconteceu. É uma mulher muito desejável e não
sou de ferro.
— Então. . .
— Mas não voltará a acontecer. Não por estar menos sensual hoje do que
ontem. Simplesmente porque preciso preservar minha dignidade.
— Sua... dignidade?
— Sim. Ouça, Lani, não sei como lhe dizer isso, mas não é justo... usar você.
E é exatamente o que venho fazendo. Usando-a para satisfazer minhas
necessidades... físicas.
— Não é verdade!
— É. Estou me sentindo muito por baixo atualmente e não nego que é uma
tentação aproveitar da sua. .. sua generosidade.
— Não é generosidade! Eu te amo, Jake, sabe disso. Por que não pode
aceitar meus sentimentos?
— Porque você não sabe o que diz. Tem uma idéia romântica do que nosso
relacionamento poderia ser e não quer ver as coisas com bom senso!
— E onde está o bom senso do que acabou de dizer? Não acredito. . . Não
acredito que possa fazer o que fez ontem à noite sem... sem nenhum
sentimento...
— Está enganada. Pelo amor de Deus, Lani, um homem não precisa amar uma
mulher para ter uma relação sexual com ela!
— Não acredito.
— Porque não vem ao caso. É o presente que importa. Aqui e agora. E não
pretendo ir para o inferno por ter me aproveitado de uma virgem idiota a
quem, em primeiro lugar, eu jamais deveria ter violentado!
— Exatamente. É isso mesmo que sou. Afinal, mulheres disponíveis é que não
faltam!
— Como a sobrinha de Hannah, por exemplo — Lani comentou com amargura.
Lani não agüentou ouvir nem mais uma palavra. Se ficasse ali mais um minuto,
se desmancharia em lágrimas e isso seria humilhação demais. Controlando-se
o mais possível, correu para a porta.
Mas não chegou até lá. Ao passar com a cabeça baixa e a respiração
ofegante, Jake segurou-a pelo braço, impedindo-lhe a passagem.
— Não é verdade — confessou ele quando Lani tentou puxar o braço. — Por
Deus, não posso continuar fingindo que não me importo. Estava mentindo.
Queria amar você. Ainda quero, o que não significa que o conseguirei. Quero
dizer apenas que não sou o cafajeste que fiz parecer.
— Amor! O que é o amor? Acho que não sei o significado dessa palavra. Só
sei que você mexe com as minhas emoções a tal ponto que magoá-la machuca
mais a mim mesmo. — Jake puxou-a para mais perto. — Aliás, o problema
todo é o fato de saber que devo expulsá-la da minha vida e não sei como
fazer isso.
— Não agora. Não hoje, nem esta semana. Talvez não em um mês. Porém
mais cedo ou mais tarde você irá, e é por isso que não podemos levar esse
relacionamento adiante.
— Jake...
— Não, me ouça. O que temos é bom, mas nada impede que sinta a mesma
coisa com outra pessoa. . .
— Não!
— Sim. Lani, não quero magoar você, mas também não quero sair machucado
dessa história. Por isso, será melhor para nós dois se terminarmos tudo
agora.
Jake apanhou as muletas e saiu da sala. Lani sabia o quanto ele estava
perturbado e irritado, tanto pela própria falta de controle como pela causa
disso, que era ela. Quis ir atrás dele e tentar convencê-lo a voltar atrás,
mas percebeu que não adiantaria nada. Jake estava determinado a provocar
uma separação, criando uma situação que a obrigasse a deixá-lo e a fizesse
concluir que ele não a merecia.
Quinze minutos depois ela já estava no carro. Num gesto impulsivo, decidira
sair um pouco da casa e ficar sozinha para tentar entender o estado de
espírito de Jake. Precisava de tempo para se acalmar e raciocinar com
clareza.
Emocionalmente, não havia o que decidir. Amava Jake e queria ficar com ele,
pouco importando como sobreviveriam ou onde morariam, contanto que
estivessem juntos. Entretanto, em termos práticos, a situação não era tão
simples assim.
Não poderia continuar vivendo ali às custas dele, sem contribuir com nada.
Por outro lado, também não podia oferecer pagamento pela hospedagem,
principalmente porque Jake não a queria lá e fazia de tudo para que
deixasse a casa.
As idéias fervilhavam na mente de Lani enquanto se afastava de Tremorna
Point. Tomou a estrada que levava ao lado oposto à orla marítima,
procurando um lugar que transmitisse a paz de que precisava. Tendo apenas
os pássaros por companhia, estacionou no topo de uma colina isolada com
vista para um lago natural. Era tranqüilizante ver os patos e gansos
selvagens, tanto que os problemas já não giravam num redemoinho louco em
sua mente. A solução apareceria a qualquer momento. De alguma forma,
Jake precisava voltar a confiar em si mesmo. Até isso acontecer, seu apoio
seria vital.
Era fim de tarde quando resolveu voltar para Helston. Tinha demorado mais
do que pretendia e o estômago começava a roncar, pois não comera nada
desde o café da manhã. Imaginava se Jake sentia sua falta e se não tinha
interpretado mal aquela sua saída para arejar a cabeça. Talvez ele ficasse
aliviado por se livrar de sua presença incômoda por algum tempo.
— A mim? Mas por quê? Como? Pensei que ela não soubesse que estou aqui.
— Ela a viu esta manhã e é muito perspicaz quando quer. Deve ter ouvido o
barulho do seu carro. Seja como for, é melhor entrar. Ela não gosta de
esperar.
— Aposto que não. Sabe por que quer me ver? Quero dizer, mal nos
conhecemos e os dois encontros que tivemos não foram muito cordiais.
— Bem. . . tive de dizer que está hospedada na casa de Jake. Mas não se
preocupe, ela se importa muito com o neto. Mais do que parece.
Lani foi levada ao mesmo quarto em que estivera anos atrás com o pai. Tudo
parecia exatamente igual, com o ambiente entulhado de mesas, cadeiras e
bibelôs, além do mesmo cheiro de decadência impregnando o ar.
Desta vez, entretanto, a sra. Worth não estava na cama e sim numa
poltrona, embora ainda usasse a camisola de gola alta e um robe de veludo. A
cabeça estava protegida por um gorro de algodão ornamentado com
babados, e fios de cabelo grisalho escapavam aqui e ali.
— Sra. Worth, a srta. St. John está aqui — Hannah anunciou e Lani entrou
com relutância, parando diante da figura imponente da avó de Jake.
— Não? Ora, vejam só que ousadia! Pois fique sabendo que tudo que se
refere ao meu neto é do meu interesse!
— Não foi essa a impressão que tive — retrucou Lani, sem pensar duas
vezes. Era óbvio que a velha queria irritá-la e estava mordendo a isca. Tinha
de manter a calma se pretendia chegar ao fim daquela conversa com
dignidade.
— Mas não gosta de mim, não é, srta. St. John? Não precisa negar. Sou
muito boa em analisar as pessoas.
— Tenho certeza de que não me chamou aqui para discutirmos sua opinião
sobre mim, sra. Worth.
— Tem razão. Não foi para isso, mas ajuda conhecer o terreno em que
pisamos, não acha? Vejo claramente que guarda ressentimentos contra mim.
— Sra. Worth, nas duas vezes em que nos encontramos, a senhora foi muito
pouco educada. Portanto, não pode me recriminar por minha atitude. Não
esqueci que tentou me enganar sobre o paradeiro de Jake.
— Duas vezes?
— Oh, sim. Sim, agora me lembro. Seu pai é meu advogado. Bem, há de convir
comigo que não se pode falar de negócios na presença de uma criança.
— Não fiquei ressentida com o que disse, mas pelo modo como falou. Enfim,
isso não importa mais agora. Por que me chamou aqui?
— Tudo a seu tempo, menina. Tudo a seu tempo. Por que a pressa? Pretende
ir a algum lugar agora?
— Depende.
— Depende? De quê?
— Claro que não! — Lani ficou indignada. — Não pretendo fazer isso. Não
costumo magoar as pessoas que... amo.
— Sra. Worth, sinceramente não entendo o que isso tem a ver comigo.
— Se está apaixonada por Jake, deveria entender. Fale-me dele. Como meu
neto está se arranjando? É tão teimoso que recusa a minha ajuda.
— Claro! Não é óbvio que devo ajudar? Afinal, sou sua avó. Jake devia saber
que é só pedir.
— E a senhora devia saber que ele nunca fará isso. -Não importa o que
aconteça, Jake nunca pedirá a sua ajuda.
— Por quê?
— Ele é seu neto, sra. Worth, e por mais que tentem negar são muito
parecidos em certas coisas.
— Como assim?
— Ora. . . Jake acha que sou jovem demais para saber o que quero e me
disse para procurar outra pessoa. . Alguém que tenha mais futuro. . .
— Futuro? Jake tem muito futuro. É meu herdeiro. Quando eu morrer, será
um homem muito rico.
— Acho que esse não é o tipo de futuro que importa para ele, sra. Worth.
Jake se considera um... fracassado e se recusa a ouvir a voz da razão. Ele
sabe, no fundo, que não deveria ter saído do hospital e precisa continuar a
terapia, mas. . .
— Espere! Quer dizer que Jake não recebeu alta do hospital em Londres?
— Não sabia?
— Como poderia saber? — A sra. Worth se exaltou. — Quase não o vejo. Ele
não confia em mim.
— Não sei se poderei fazer isso, sra. Worth. Talvez a senhora deva
descobrir por si mesma.
Percebendo como era tarde, Lani deixou de lado qualquer pensamento sobre
a sra. Worth e começou a descida pela encosta. Passava das seis e Jake
deveria estar preocupado. A menos que Hannah o tivesse avisado de sua
saída, embora isso fosse pouco provável.
Assim que pisou na varanda, seu coração começou a palpitar e suas mãos
tremiam quando segurou a maçaneta.
Se esperava uma reação positiva ao seu atraso, ficou desapontada. Quando
entrou na sala, encontrou Jake estirado no sofá, lendo uma revista. A
apreensão estampada na fisionomia dele poderia ser interpretada de várias
formas, mas Lani preferiu não atribuí-la às saudades, apenas à curiosidade
de saber onde estivera.
— Não esperava chegar tão tarde. Fui dar uma volta. Precisava de tempo
para pensar.
— Quero ficar.
— É mesmo?
— Sim. E decidi deixar você ficar. Seria idiotice mandá-la embora. Esta
tarde percebi o quanto me acostumei com sua presença. Não quero ficar
sozinho de novo.
— Quer dizer...
— Quero dizer que sou egoísta o suficiente para aceitar sua oferta de. ..
amizade ou companheirismo, chame como quiser.
— Oh, Jake!
Lani o teria abraçado, mas ele se virou, indo em direção à cozinha com
passos decididos.
Jake saiu, deixando Lani sem saber exatamente o que passava pela cabeça
dele.
CAPÍTULO XVII
Embora a situação não fosse fácil de suportar, Lani teve de aceitá-la para
não gerar mais conflito. Se ainda estava lá, isso significava que ele não a
rejeitava totalmente. Dependia dela provar sua resistência e mostrar que
falava sério.
— Eu... hã... decidi voltar a Londres para pegar meu material de desenho —
comentou Lani durante o café.
— Se sair ainda esta manhã, estarei de volta amanhã à noite. Não poderei
voltar hoje mesmo porque preciso ver Miles e lhe dar umas explicações.
— Miles?
— Sei. . . E esse tal de Rossiter não vai tentar convencê-la a ficar lá?
— Lani, minha querida! — A recepção da sra. Evans foi calorosa. — Seu pai
ficará muito contente. Sentiu muito a sua falta, sabia?
Lani respondeu com um sorriso abatido. Tirou o casaco e foi para a sala.
— É bom vê-la também, sra. Evans. Poderia fazer um sanduíche para mim,
por favor? Não comi nada desde o café da manhã.
— É claro! Tire a bagagem do carro e leve para cima enquanto preparo o chá.
— Não trouxe nenhuma bagagem, sra. Evans. Não pretendo ficar. Isto é, só
esta noite. Na verdade, vim buscar mais coisas.
— É isso mesmo.
— Não sei, não... Tenho certeza de que seu pai não gostará disso, Lani.
— Lani! Até que enfim! Estava começando a achar que teria de contratar um
detetive para encontrá-la. Quase fiquei maluco com seu pai dizendo que não
sabia de seu paradeiro e os editores americanos atrás de mim, cobrando o
novo livro.. . Enfim, graças a Deus voltou! Quando podemos nos ver?
— Não é tão simples assim, Miles. Olhe, vamos marcar um encontro para
esta noite, certo? Mas, por favor, não espere demais.
— Quer dizer que não tem trabalhado? Bem, não se preocupe. Acho que
poderei contornar a situação por mais algumas semanas. Onde vamos jantar?
No meu apartamento? Tem muito o que explicar, mocinha, e será mais fácil
em particular, não acha?
Lani hesitou.
— Não posso jantar com você, Miles. Preciso conversar com meu pai
também. Passo em seu apartamento mais tarde. Pode ser às nove?
Lani tomava banho quando seu pai chegou. Ouviu o carro entrando na
garagem e lembrou-se da ocasião em que a chegada dele a deixara em
pânico. Desta vez não se desesperou, mas a perspectiva iminente de revê-lo
trouxe de volta sentimentos que seria melhor esquecer: ressentimento,
raiva e o gosto amargo da traição, que jamais se dissipariam por completo.
A sra. Evans avisou-o da volta de Lani, que saía do banho quando o pai bateu
na porta do quarto.
— Posso entrar, Lani? — A voz de Roger St. John revelava ansiedade e ela
vestiu um robe antes de deixá-lo entrar.
— Olá, papai. Como vai? Parece bem. Seu organismo se dá melhor com o
clima quente, não é?
— Lani, Lani... — Roger estendeu os braços. — Por que essa frieza? Não
somos estranhos. Você é minha filha e, no entanto, me trata como se. .. como
se mal nos conhecêssemos.
— Puxa vida, menina, ainda não me perdoou? Será que não entende? Se fiz o
que fiz, foi por ciúme. Queria ver Clare se descabelar de raiva, confesso,
mas como poderia adivinhar qual seria a reação dela?
— Isso não importa mais, papai. Está tudo acabado agora e nada do que
disser mudará a situação. Prefiro não falar mais nesse assunto. Não foi para
isso que voltei para casa.
— Pelo menos ainda considera aqui a sua casa, embora não por muito tempo.
A sra. Evans disse que pretende voltar para a Cornualha, é verdade? Está
morando com aquele sujeito?
— Por acaso ele contou que tem me infernizado para descobrir onde
encontrar você?
— Não mesmo. Acha que ficaria orgulhoso por minha filha estar vivendo com
o homem que minha esposa descartou? Pelo amor de Deus, Lani, volte para
casa, para o seu próprio bem. Jake Pendragon só lhe trará problemas.
— Então, por onde tem andado? Telefonei para todos os seus amigos, mas
nem mesmo Robin pôde dar uma pista.
— Ele só comentou que você não estava conseguindo trabalhar. É a isso que
se referia?
Lani hesitou.
— Jake Pendragon? O protegido de sua mãe? Por que Robin falaria sobre
ele? Aliás, soube como ele ficou depois do acidente?
— Sim, soube. — Lani fez uma pausa e se apressou em falar antes de mudar
de idéia. — E lá que tenho andado. Com Jake Pendragon.
— Esteve com Jake Pendragon? Por quê? Não foi sua culpa ele ter se
machucado. E não vá me dizer que sua mãe incumbiu você de bancar a
enfermeira até ela voltar. Lani, não pode...
— Explicado o quê? Não pode estar querendo dizer que está. . . envolvida
com ele, não é?
— Estou. É por isso que queria ver você, para conversarmos. Queria que
soubesse onde estarei de agora em diante e como entrar em contato comigo.
..
— Sim.
— Onde? Em Londres?
— Não. Jake possui uma casa nas proximidades, mas não tem telefone.
— Nunca mais fale assim dele! — Lani deixou o copo na mesa e apanhou o
casaco. — Jake não é aleijado. Só está temporariamente inválido. Com o
tempo ele. . .
— Não seria por que não precisará se preocupar com competição enquanto
Pendragon estiver inválido?
— Não acredito em você. Ora, Lani, o que fará quando sua mãe voltar? E se
Clare resolver reatar com ele? Já pensou no que Pendragon fará, se tiver de
escolher entre você e a carreira?
Eram seis horas da tarde quando Lani chegou a Tremorna Point, no dia
seguinte. Estacionou no mesmo lugar de antes e, esperando que a sra. Worth
não a visse, tirou as coisas do carro depressa.
— Sou eu — anunciou em voz baixa, um tanto contrariada por Jake não ter
sequer se dado ao trabalho de ver se ela estava machucada. Mas encontrou
a sala vazia. — Jake!
Deixou as coisas no chão e saiu à procura dele. Logo imaginou que estivesse
na cozinha, preparando alguma coisa para comer, e que por isso não a ouvira
chegar. Mas a cozinha também estava vazia.
— Jake!
Lutando contra o desespero, ela subiu a escada correndo, indo direto para o
quarto. Também não encontrou ninguém lá e o pânico dominou-a enquanto
descia. Onde ele estava? Onde? Certamente não seria cruel a ponto de
partir sem dizer nada.
— Oh, Jake. ..
Ela ficou parada na porta, aliviada demais para prestar atenção ao protesto
furioso de Jake. A consciência de que ele estava ali, diante dela, e não a
quilômetros de distância como temia, era tão emocionante que não conseguiu
obedecê-lo. E o fato de apenas uma toalha creme cobrir seu corpo, na altura
dos quadris, era mais um motivo para não desgrudar os olhos dele.
— Pelo amor de Deus, Lani, saia daqui! — Jake estendeu o braço para pegar
um robe marrom, mas ela se antecipou, segurando-o para ele.
Sem alternativa, Jake se virou para que ela pudesse colocar o robe sobre
seus ombros. Lani desejou beijar aquela pele morena coberta de pêlos
queimados pelo sol, mas não se atreveu.
— Como assim?
— Não me ouviu chamar você? Fui até lá em cima procurá-lo. Eu. .. eu levei
um tombo na varanda. Se é que está interessado nisso, é claro.
— Não deve ter sido nada grave, já que conseguiu subir e descer a escada
aparentemente sem nenhuma dificuldade. Mas, na verdade, ouvi o barulho.
Foi quando resolvi sair do banho.
— Não entendi.
— Minha avó veio me visitar. Agora quer sair daqui, por favor? Quero me
vestir.
— Sua avó veio visitar você? — Lani arregalou os olhos de espanto. — A sra.
Worth veio aqui?
— Ela não é inválida. Só age como se fosse. Feche a porta quando sair, sim?
Estou ficando com frio.
Lani saiu e fechou a porta, pensativa. A notícia de que a sra. Worth tinha se
dado ao trabalho de descer por aquela encosta íngreme para visitar o neto
era inacreditável. Mas por quê? Lani tremia enquanto atravessava a sala
para ir até a janela. Será que sua rápida conversa com a velha senhora tinha
alguma coisa a ver com isso? E, mais importante, a sra. Worth teria contado
a Jake que conversaram?
Ainda estava parada à janela quando ele apareceu, já vestido com calça de lã
cinza e um suéter preto. Lani notou que ele usava apenas uma das muletas e
não enfaixava mais as mãos, que perdiam a palidez provocada pela falta de
contato com o ar. Entretanto, ele nunca parecera tão perturbado ou
perigosamente vulnerável. As palavras de Miles lhe vieram à lembrança e ela
se pôs a imaginar o que Jake faria se Clare reaparecesse. Se sua mãe
descobrisse que a recuperação dele era progressiva, poderia querer outra
chance. . . E Lani não acreditava que os interesses de Clare fossem
puramente mercenários. Ela gostava de Jake, tanto do homem como do
músico, e, com tempo e estímulo, ele poderia vir a esquecer. ..
— Por que ainda está com o casaco? — disse Jake, interrompendo o curso de
seus pensamentos.
— Oh, é que deixei a outra mala no carro. Vou pegar mais tarde. Quer um
chá agora?
— Não acredite nisso. Ela quer me dominar, ter o comando total. .. não é
essa a palavra estratégica para isso?
— Porque você a fez sentir remorsos por não ter vindo ainda.
— Não é nada disso, Jake. Não deixei que ela me intimidasse, se é isso que
pensa.
— Não? — Jake deu uma risada sarcástica. — No entanto, você contou a ela
tudo sobre mim. Até o fato de eu ter saído do hospital por iniciativa
própria.
— Conversar.
— ... mas não sabia qual seria a minha reação. Qual é o problema, afinal? Ela
por acaso quis saber sobre o nosso relacionamento?
— Seja como for, você contou que era filha de Clare Austin.
— Ela acha que devo me casar com você. Sabia disso? Lani corou, mas
resistiu ao impulso de se virar.
— Não.
— Estou curioso para saber o que a fez mudar de idéia sobre você.
— E você concordou.
— Não.
— Oh!
— Uma fisioterapeuta?
— A srta. Shelley. Quando ela terminou a sessão, me senti pior do que logo
depois do acidente.
— Que estava tomando banho a esta hora. Para relaxar meus músculos
doloridos!
— Por favor, poupe-me dos chavões. Já é ruim o bastante saber que a velha
conseguiu mais uma vez impor a sua vontade.
— Como assim?
— Talvez me case com você. — A voz de Jake não revelava nenhuma emoção
e os joelhos de Lani tremeram.
— C... casar comigo? — Ela nem ousava imaginar que Jake falava sério.
— Por que não? Que surpresa a velha teria quando descobrisse que a filha
de Clare Austin pode ser tão falsa quanto a mãe!
Lani tremia da cabeça aos pés e se virou, com o peito arfando, enquanto
tentava controlar a angústia que o sarcasmo dele provocara. Jake tinha dito
palavras cruéis antes, mas aquilo era demais! Cravou as unhas nas palmas das
mãos, para refrear as emoções.
— E então?
Jake sequer pestanejou e sua firmeza quase foi a perdição de Lani. Embora
quisesse muito aceitar, ela sabia que não haveria futuro para os dois
naqueles termos.
— Todos nós. . . nós podemos mudar de idéia, sabe como é. Não deveria. . .
Embora o tormento dele apertasse seu coração, Lani sabia que não poderia
ceder:
— Eu. . . pode ser. Ou talvez eu precise de mais tempo para pensar em sua
proposta.
— Jake...
Mas ele não a ouviu e atravessou a sala com uma rapidez espantosa, parando
apenas na porta para dizer com frieza:
— Espero que vá embora e avise Hannah, para ela não trazer mais comida do
que o meu estômago pode agüentar!
CAPITULO XVIII
O problema era que Lani sempre ficava irrequieta quando estava longe da
Casa do Mar. Raramente deixava Jake sozinho e, embora soubesse que ele
não lhe agradecia por isso, nunca ficava em Londres mais tempo que o
necessário.
Não por achar que ele sentia sua falta. Pelo contrário, desde que a sra.
Worth fizera questão de que Hannah dividisse o tempo igualmente entre as
duas casas, Jake nunca ficava sozinho por muito tempo. A presença da
empregada também ajudou a aliviar a tensão entre ele e Lani. Além disso,
Judith Shelley vinha quase todos os dias e, enquanto a fisioterapeuta
cuidava do paciente, Lani procurava ficar fora do caminho.
Os últimos três meses não tinham sido fáceis. Foi preciso muita
determinação para continuar lá depois do incidente desastroso com Jake,
principalmente por ela saber que era culpada por aquela situação. Mas a
proposta de casamento a apanhara de surpresa e, embora quisesse muito
aceitar, os motivos que o tinham levado a fazer o pedido roubaram-lhe esse
direito. Sabia que Jake esperava que ela fosse embora, e às vezes imaginava
por que decidira ficar, mas a leve esperança de que nem tudo estivesse
perdido a prendia na Casa do Mar, suportando o sarcasmo e a raiva dele.
O fato de ter a sra. Worth como aliada não era muito consolador. Lani não
podia deixar de culpá-la pela deterioração de seu relacionamento com Jake,
pois ele a acusava de estimular sua avó a interferir em sua vida e nem a
recuperação progressiva da força nos músculos parecia animá-lo.
Isso magoava muito, principalmente ao ver que ele não era tão mal-humorado
com Hannah ou Judith Shelley.
— Não muito. Está abafado aqui. Quando acha que poderei ir embora?
— Sei que prometi, mas não quero me deitar tarde. Pretendo partir amanhã
bem cedo para a Cornualha.
— Já?
— Ah, sei lá! — Miles deu um suspiro de resignação. — Sabe, fico pensando
em quanto tempo essa situação vai durar.
— Que situação?
— É problema meu.
— Meu também. Gosto de você, Lani, sabe disso. E até esperava. . . Isto é,
não gosto de ver Pendragon se aproveitar de você desse jeito. Sei que não é
da minha conta, Lani, mas não posso fingir que aprovo esse relacionamento.
— Sei que estão morando juntos. Não sou tão idiota assim. Jake Pendragon
não é do tipo que. . . bem, que joga oportunidades fora.
— Não é pudor. Só não quero vê-la magoada. E é o que Pendragon vai fazer.
Tenho certeza.
— Por que insiste em lembrar de minha mãe? Já disse que Clare continua nos
Estados Unidos e não tem mais o menor interesse em Jake. . . ou em
qualquer um de nós!
Lani passou a noite em Pelham Court, como sempre, e acordou bem cedo.
Quando Roger St. John desceu, encontrou a filha já pronta para sair. O
relacionamento deles ainda estava estremecido e ele não fez nenhum
comentário quando Lani disse que nem tomaria café.
— Dirija com cuidado, querida. — Foi sua única concessão à ansiedade, e Lani
despediu-se com um beijo talvez um pouco mais caloroso que o das outras
vezes.
— Cuide-se, papai. E despeça-se da sra. Evans por mim, está bem? Ah,
agradeça a ela por ter passado minhas roupas.
— Até logo.
Esperava não ser vista pela sra. Worth enquanto se aproximava da casa em
Tremorna Point. Desde a visita à Casa do Mar, a avó de Jake parecia ter
adotado vida nova e não passava mais os dias trancada no quarto. Segundo
Hannah, ela fazia questão de se vestir todas as manhãs e, em vez de dar as
ordens do dia na cama, fazia isso no sofá na sala.
"Como a mim mesma", Lani pensou, olhando com tristeza para os braços
magros. Ultimamente, andava quase sem apetite e comia apenas o essencial,
não sentindo nenhum prazer nas refeições. A ansiedade quanto ao futuro a
acompanhava sempre e sentia a mesma apreensão quando voltava para a Casa
do Mar depois de estar algum tempo fora.
Não sabia explicar por quê, mas suas passadas diminuíram enquanto se
aproximava dos degraus da varanda. A música era mais nítida e, embora
pudesse vir do rádio ou do aparelho de som, ela não queria interromper.
Jake não tinha demonstrado interesse em qualquer forma de música desde o
acidente e a possibilidade de ele ter mudado de idéia foi suficiente para
deixá-la imóvel.
Era demais esperar que fosse Jake tocando e Lani nem sabia se desejava
isso. O fato de ele estar aproveitando a sua ausência para restabelecer o
contato com a música, de uma forma ou de outra, era motivo suficiente para
intimidá-la. Ficou parada, hipnotizada pela melodia. Não conhecia aquela
peça de um inconfundível apelo popular. Pensando nisso, outra idéia lhe
ocorreu de súbito: não era o tipo de música de Jake!
— Não adivinhei nada. É que você estava com cara de quem ia desmaiar. Por
que não senta? Acho que o calor está afetando seu organismo.
— Não é o calor.
A resposta escapou dos lábios de Lani, mas, percebendo que Jake não
confiaria nela, aceitou a sugestão e foi sentar-se no sofá. Ele tinha razão.
Estava trêmula e não sabia como lidar com o caos de seus pensamentos. Há
quanto tempo aquilo acontecia? Por que ele tocava em segredo sabendo o
que isso significava para ela?
— Por que está com essa cara? — O tom de voz dele era brusco.
Massageando a coxa, continuou: — O que espera de mim? Que peça
desculpas?
— Claro que não! Jamais esperaria isso de você. — Lani recuperava o
controle e a mágoa tomava o lugar do constrangimento. — Só quero que
admita que era você quem tocava. Pelo visto, tem feito mais progresso do
que se podia imaginar.
— Não seja boba. Estava. . . brincando com as teclas, só isso. Não toquei
nada que exigisse muita técnica. Era uma peça que compus há muitos anos,
quando achava que só teria futuro como compositor.
— Ultimamente, não.
— Quer saber o que acho? Acho que deveria mostrar essas composições a
alguém.
— Aquilo foi só para provocar você. Naquele dia, produzi uma cacofonia de
sons de propósito, para convencê-la de que era inútil me incentivar.
— Quer dizer. . . Quer dizer que sempre pôde tocar como fez agora?
— Talvez não tão bem. Tenho praticado um pouco.
— Que sujeira!
— Não acredito.
— Aposto como Hannah está a par disso. E Judith também! Na certa, ela se
acha responsável por isso.
— Você... você é desprezível, sabia? — Lani ficou de pé, com o peito arfando
de indignação. — Sabia o quanto isso significava para mim e, no entanto,
escondeu de propósito!
— Adivinhe por quê? Porque sabia o que aconteceria, qual seria sua reação.
Pelo amor de Deus, Lani, pare de fazer drama!
— Lani...
O tom frustrado com que Jake pronunciou seu nome foi como uma carícia
ardente e, exatamente quando Lani decidia que precisava de mais tempo
para pensar em toda aquela situação, sentiu o calor da respiração dele em
seu pescoço. Estavam tão próximos que a energia de um corpo parecia
passar para o outro. Lani prendeu involuntariamente a respiração ao sentir
os braços fortes envolvendo sua cintura. Incapaz de resistir, recostou-se
àquele corpo másculo e seu coração acelerou-se ao sentir a língua dele
acariciando-lhe a pele sensível do ombro. Era uma carícia quente e úmida,
extremamente sensual, e ela abandonou qualquer resistência, convidando-o a
continuar.
Era uma invasão violenta nos sentimentos mais íntimos de Lani. Aquele beijo
deixou-a frágil e vulnerável, incapaz de impedir a exploração ousada de seu
corpo. As mãos de Jake subiram pelas coxas dela até infiltrarem-se sob a
camiseta para acariciarem os seios túrgidos de excitação, enquanto o beijo
se tornava mais e mais ardente.
Lani parecia flutuar, latejando de ansiedade pelo toque dele. Queria ser
acariciada em todo o corpo e, mais que isso, desejava ser possuída e
invadida por Jake.
— Lani. . .
Então os dois gelaram ao ouvir passos. Mais do que depressa, ela se afastou,
ajeitando as roupas e os cabelos, e Jake fez o mesmo. Quando Judith
Shelley bateu na porta, a fisionomia dele era impassível, e só Lani notou a
chama passional naqueles olhos castanhos e a veia que pulsava em ritmo
acelerado na têmpora.
— Pelo visto, melhorou muito desde a última vez que nos vimos — comentou a
fisioterapeuta, notando que seu paciente se apoiava apenas na bengala.
Quando estive aqui há dois dias, ele estava intratável e se recusou a
cooperar.
— Acho que Lani não está interessada nisso, Judith. Onde me quer? Aqui ou
na varanda?
— Puxa, que proposta! — Judith brincou, mas ele não estava com disposição
para isso.
Era uma idéia tão tentadora que ela perdeu a noção de tempo e espaço.
Quando foi para a cozinha preparar um suco, quase não tinha consciência do
que fazia, e ficou surpresa ao voltar para a sala e descobrir que a
fisioterapeuta já tinha ido embora. Encontrou Jake na varanda, estirado no
banco estofado. Quando apareceu à porta, ele a mediu com os olhos semi-
cerrados. Tinha tirado a camisa e a calça e cobrira-se apenas com uma
toalha enrolada nos quadris. Sua aparência era mais viril e saudável que
nunca e Lani cerrou os punhos, antecipando o que aconteceria a seguir.
— Acho melhor tomar meu banho agora. Sente-se aqui e relaxe. Não
demoro. Temos muito o que conversar.
— Não, Lani. Não estou. — Jake estava decidido e entrou em casa, sem
dizer mais nada.
— Quer um drinque?
Ela recusou, com o olhar perdido nos reflexos da luz do sol sobre a
superfície do mar. Estava a ponto de chorar e não tinha certeza de que
conseguiria continuar como antes, se era isso que Jake queria.
— Quero que vá embora, Lani. Hoje. Esta noite. O mais cedo possível. Não
confio mais em mim com você por perto e quero que vá embora.
— Quer mesmo?
— Quero.
— Mas não quero ir! — Diante das circunstâncias, ela via pouca perspectiva
de ficar, mas insistiu: — Antes de Judith chegar, nós. . .
— Não?
— Não. Sabe que não, Jake. Acho que é você quem tem de explicar o que
está acontecendo.
— Estava?
— Não? — O tom de voz dele era cético. — Então suponho que tocou no
nome de sua mãe agora há pouco só por acaso, não foi?
— Não?
— Por quê?
— É mentira!
— Tem de acreditar.
— Diferentes como?
— É claro que sabe! Na tarde em que lhe contei que a velha esteve aqui, se
não me falha a memória, fiz uma proposta e você simplesmente recusou.
— Você disse qualquer coisa sobre dar uma lição em sua avó.
— Sabe que disse, assim como sabia muito bem que eu recusaria qualquer
proposta naqueles termos. Você me fez recusar.
— Eu?
— Pare com esses seus joguinhos, Jake. Sabe que sempre quis casar com
você. Por que outro motivo eu teria ficado aqui todo esse tempo, mesmo
contra a sua vontade?
— Ora, Jake!
Foi então que a ponta de um envelope branco debaixo do banco chamou sua
atenção. Embora meio atordoada e com a visão turva pelas lágrimas, Lani se
abaixou para apanhar o envelope. O selo não lhe deu nenhuma pista sobre a
identidade do remetente, mas ela reconheceu a caligrafia de imediato. Era a
letra de sua mãe e fora entregue, sem dúvida, por Judith Shelley.
Jake ficou imóvel quando a viu pegar a carta e Lani ergueu os enormes olhos
verdes, esperando uma explicação, embora talvez não consciente disso.
Ele não tentou sequer se defender, mas Lani jogou o envelope no banco como
se estivesse contaminado.
— Não preciso ler. Posso imaginar o que diz. De algum modo, Clare conseguiu
envenenar sua cabeça contra mim, não é? E mesmo depois de tudo que
aconteceu você não hesita em acreditar mais nela do que em mim.
— E agora não confia mais. Por quê? O que Clare disse, afinal? Que não era
ela quem dirigia aquele carro, e sim eu?
— Quem está sendo boba? Também pensei que podia confiar em você e, no
entanto, descubro que se corresponde secretamente com minha mãe.
— Não estou me correspondendo com sua mãe. O que pensa que sou?
— Começo a duvidar.
— Acho muito estranho Clare escrever justamente agora que você começa a
se recuperar. Se eu não fosse tão ingênua, diria que foi você quem escreveu
para ela. Talvez pedindo ajuda!
— Por que não? Minha mãe já o ajudou muito uma vez. Por que não outra
vez?
— Como posso saber por que minha mãe resolveu incentivar você? Só tenho
a sua palavra de que tudo não passou de um arranjo comercial. Talvez não
tenha sido. Quem sabe se as condições não foram bem mais pessoais? Foi
por isso que ela escreveu? Para ter o retorno de seu investimento?
Jake ergueu o braço num impulso, mas no último instante pareceu recuperar
o bom senso e desistiu do gesto de violência. No entanto, a raiva não passou,
erguendo entre ele uma barreira intransponível, e Lani sabia que não havia
mais nada a dizer.
- Suma da minha frente — ele falou pausadamente, sem erguer a voz, mas
aquelas palavras revelavam toda a intensidade de seu ódio. Não havia
emoção, só uma fria determinação. Reprimindo um soluço, Lani correu para
dentro de casa.
CAPITULO XIX
— Acho que sim — Lani respondeu sem muita convicção e virou o rosto. Às
vezes, perguntas como aquela ainda a perturbavam, se bem que aos poucos ia
aprendendo a viver consigo mesma. — O que vai tomar? Scotch ou vinho?
Infelizmente você não tem muita opção, mas o uísque é bom. Foi presente de
meu pai.
— Devo dizer que fez maravilhas com esse revestimento de madeira. Pelo
que me lembro, seu tom era meio esverdeado.
— Só raspei a camada de tinta e recuperei a cor natural da madeira.
— Parece fácil, mas deve ter levado horas para fazer isso.
— Não estava brincando. Esta é a minha casa, Miles. Pretendo morar aqui
por muito tempo e não podia deixar a decoração nas mãos de outra pessoa.
— Muito bem, mas agora já terminou, não é? Quanto tempo faz que mudou
para cá? Três ou quatro semanas?
— Faz seis semanas, para ser mais exata. Quer mais uísque? Ou tem algum
compromisso?
Miles sorriu.
— É um jeito educado de dizer que não quer minha companhia para o jantar?
— Está bem, Lani. Entendi o recado. Só vou tomar uma última dose antes de
ir embora.
Lani se levantou para servir outra dose. Desta vez, quando ela estendeu o
copo, Miles segurou sua mão.
— Quanto tempo vai levar ainda para derreter seu gelo, donzela? Já faz
quase dois meses. Não pode continuar assim. Mais cedo ou mais tarde, terá
de ceder.
— Solte a minha mão, Miles — Lani pediu num tom categórico e deixou o
copo na mesinha antes de voltar para a cadeira. — Isso não foi justo. Não
me intrometo em sua vida e também não deveria se meter na minha. A Lani
que vê agora é a única que existe. Agora, por favor, vamos conversar sobre
outra coisa.
— Sabe muito bem do que estou falando. Já viu sua mãe? Ela voltou para
Londres, como deve saber.
— ... para cuidar da minha vida. Só que você é a minha vida, Lani. E está se
desgastando.
— Não é o que quero dizer e sabe muito bem disso. Desde que voltou da
Cornualha, está fechada em si mesma e, se não se abrir com alguém, acabará
tendo um colapso nervoso.
— Estou falando sério. Não sairei daqui até me contar o que aconteceu na
Cornualha. Pelo amor de Deus, Lani, o que Pendragon fez?
— Não acredito.
— Lani, pare com isso! Conheço você o suficiente para saber quando algo não
está bem. Se seu pai não pretende fazer nada, faço eu.
— Vamos deixar meu pai fora disso, certo? Miles, sei que tem boas
intenções, mas sinceramente não preciso de sua ajuda. Se... se ando um
pouco... um pouco distante ultimamente é por causa de toda essa agitação
com a mudança para o apartamento. Assim que voltar ao trabalho ... —
Forçou um sorriso. — Me dê um tempo.
— Mas suponho que Pendragon tenha feito um bom trabalho nesse sentido.
— Miles!
— Não é verdade?
— Sim! Não! Quero dizer.. . Puxa, Miles, pare de me atormentar! Será que
não percebe? Não quero falar nesse assunto!
— Mas é exatamente isso que precisa fazer. E não tem mais ninguém além
de mim para desabafar, tem? Talvez Robin, mas duvido que o incomode com
seus problemas.
— O que quer saber, Miles? Sabe o que aconteceu. Tive uma briga com Jake
e saí de lá. Ponto final.
— Mesmo? — Miles deu um suspiro irônico. — Vai me dizer que não o ama
mais? Que existe esperança para mim?
— Clare?
— Sim. Só não me pergunte por quê. Só sei que Jake preferiu acreditar nela
do que em mim. Então perdi o controle e disse algumas coisas que não
deveria.
— Ele pediu?
— Está bem. Jake me expulsou de lá! Nem perdi tempo arrumando minhas
coisas, ele me mandou tudo depois.
— Foi uma peça que ele compôs. Eu.. . gostei e sugeri que deveria ser
gravada, mas ele achou que não era tão boa assim.
— Sei que ele não esperava isso de mim. Não me mandou nenhuma carta, nem
ao menos um bilhete. Só a composição, num envelope.
— Que estranho!
— Por quê?
— Porque sim. Você disse que é boa e tenho um amigo nesse ramo que poderá
dar uma opinião mais abalizada.
— Por que não? Ele não mandou para você? Então é sua. E se achou que é boa
o bastante para ser gravada. ..
— Sim, mas. . .
— Mas o quê?
Voltou logo depois com um envelope na mão e entregou-o para Miles com uma
reverência.
— Danny?
— O amigo que trabalha no meio musical. Deixe comigo, Lani. Mesmo que dê
em nada, você não terá o que perder.
— Não vou esperar que me convide para entrar, minha querida. Então este é
o seu esconderijo. Que gracinha!
— O que quer comigo, mãe? Foi papai quem a mandou aqui? Ele não tinha o
direito de lhe dar meu endereço.
— Ora, não seja boba, menina. — Clare lançou um olhar à sua volta com
indiferença. — Sou sua mãe, embora a contragosto. E queria vê-la. Não vejo
nada de estranho nisso. Me importo com você.
Lani hesitou, embora soubesse que não podia negar, e concordou com um
gesto de resignação.
— Não, obrigada, querida. Mas não se prenda por mim. Parece mesmo que
precisa comer. Está tão magra.
Lani deu a volta no sofá e não sentou ao lado da mãe. Em vez disso, sentou
no braço de uma poltrona, esperando ansiosamente que Clare dissesse logo o
que queria.
— Seu pai me disse que está morando aqui há uns dois meses. Desde que
voltou da Cornualha, não é? Por que não foi para casa?
— Porque não quis. Achei que já era hora de ter o meu próprio canto. Notei
que a decoração não é muito do seu gosto, mas me sinto muito bem aqui.
— Deve reconhecer que não é nenhum Ritz, não é, querida? — Clare sorriu.
— Mas tem um certo charme boêmio, para quem gosta desse tipo de coisa.
— Eu gosto.
— Muito bem. Fico satisfeita por encontrá-la tão feliz. Sabia que aquela
empolgação por Jake não duraria.
— Eu? Não pode me culpar pela confusão que armou em sua própria vida.
Agradeça por ter saído ilesa dessa história. Poderia ter acabado pior.
— Pior?
— Sim. Quero dizer, sua atitude foi um pouco imprudente, não acha?
Impondo sua presença na casa dele daquele jeito. — Vendo a expressão
perplexa de Lani, Clare explicou: — Ah, sim, ele me contou o que aconteceu.
Sei como você insistiu em ficar, embora soubesse que não havia futuro
nisso. Eu bem que avisei, não foi? Jake não é do tipo que pensa em
casamento. Por acaso pensou no que faria se ficasse grávida?
Lani abriu a boca para protestar, mas logo voltou a fechá-la. Não conseguiria
convencer Clare de nada. Se Jake decidisse contar detalhes de sua
convivência naqueles três meses em que ela se hospedara na Casa do Mar, o
problema era dele. Sem dúvida, isso não tinha acontecido ainda. Caso
contrário, Clare não estaria ali, sondando seus sentimentos.
— Não, não é só isso. Queria que fosse a primeira a saber que me propus a
tomar Jake sob minha proteção de novo. As mãos dele se recuperaram além
das expectativas e, embora possa levar meses ou mesmo anos até ele voltar
a tocar profissionalmente, tenho certeza de que isso vai acontecer um dia.
Há um osteopata na Suíça, especialista em tratar de atletas. Lembra-se
daquele saltador que quebrou a perna, Martin Adler? Pois então, o dr.
Heinrich tratou dele e agora dizem que o atleta vai participar da próxima
Olimpíada. Ele é muito inteligente. Quero dizer, o dr. Heinrich. E, é claro,
Jake terá muito tempo para praticar. Pretendo alugar uma casa lá, para ele
não precisar morar em hotel, e ficaremos juntos todas as vezes que meus
compromissos permitirem.
Lani ficou calada durante todo o discurso da mãe e suas feições impassíveis
não revelaram quase nenhuma emoção. O sorriso de Clare era petulante.
— Então, menina? Não vai dizer nada? Pensei que me agradeceria. Afinal,
estou restituindo o que foi tirado.
— O que você tirou, não é, mamãe? — Lani estava pálida, mas Clare não
pareceu notar o esforço que ela fez para falar.
— Está bem. — Clare pareceu desistir de agradar a filha. — Está bem, fiquei
fora de mim de ciúme. Por que não? Jake pertencia a mim, não a você.
— Não!
— Claro que sim! — E olhou a filha com piedade. — Ele disse que não éramos?
Bem, isso já era de se esperar. Você sempre foi tão ingênua.
— Quero que saia, mamãe. Agora. Neste minuto! Não sou obrigada a ouvir
suas mentiras em minha casa.
— Não se importa com mais ninguém a não ser você mesma, não é?
— Bobagem. Me importo com muitas coisas.
— Gosta de Jake?
— Claro que sim. Senão, por que gastaria tanto com ele?
— Não sei. — A cabeça de Lani latejava, indicando que não conseguiria mais
trabalhar à tarde como planejara. — Só gostaria de saber o que escreveu
naquela carta a Jake. Que mentiras contou sobre mim?
— Que obsessão você tem por mentiras, não, Lani? Não menti para Jake. Só
contei a verdade. Uma coisa que evidentemente você preferiu não fazer.
— Sobre seu pai, é claro. Bem, levei algum tempo para descobrir, mas enfim
cheguei à conclusão de que estava protegendo Roger. É bem típico de você.
— Não contando a Jake que foi ele que me levou àquele estado de
desespero.
— Pensei que Jake soubesse. Estava certa de que você tinha contado.
— Quer dizer que fez Jake pensar que escondi isso dele?
— E não escondeu?
— Não!
— Por que foi me envolver em sua vida? Por que não esqueceu da minha
existência?
— Oh! — Clare abriu a porta e se virou para a filha. — Se quer mesmo saber,
foi idéia de Elwyn e não minha. Meu empresário é muito sentimental no que
se refere a laços familiares e achou que seria bom para minha imagem se
fôssemos vistas juntas.
— O que mais poderia ser? Nunca fui do tipo maternal. Mas já devia saber
disso, querida.
CAPÍTULO XX
Quando Miles apareceu, alguns dias depois, Lani já tinha conseguido superar
o choque provocado pela intrusão de Clare em sua vida. Não tinha esquecido
o episódio, na verdade nem tentara, mas se convencera de que não faria bem
algum ficar remoendo aquilo e, assim, tratara de recuperar o controle.
— Por que veio aqui? — Foi tudo que Lani conseguiu dizer.
Lani corou.
— Foi você quem ligou? Tive receio de que fosse minha mãe. Ela esteve aqui
há alguns dias e prefiro evitar qualquer contato futuro, pelo menos por um
bom tempo.
— Por que ela não a deixa em paz? Será que não vê que só está perdendo
tempo?
Lani não queria falar sobre Clare e sentou-se no sofá, encarando-o com
vivacidade fingida.
— Bem, não posso acreditar que não tenha nada melhor para fazer do que
me visitar no meio da tarde. Qual é o problema? Não me diga que os
editores americanos estão atrás de outro livro.
— Ah, a música! O que aconteceu? Danny. . . é esse o nome do seu amigo, não
é? Ele. . . gostou?
— Sim. A bem da verdade, gostou muito. Tanto que quer saber se Pendragon
compôs mais alguma coisa.
— Infelizmente não sei. Terá de perguntar a ele. Não tenho nada a ver com
isso.
— Está bem. Já previa que você não gostaria de se envolver. Talvez nem
queira saber da novidade. . .
— Que novidade?
— Um conjunto! Quer dizer. ... com órgãos eletrônicos, guitarras e esse tipo
de coisa?
— É isso mesmo. É claro que não soará exatamente como quando Pendragon a
tocou, mas Danny acha que será um sucesso.
— Eu? — Lani se alarmou. — Miles, não quero ter nada a ver com isso. A
música é de Jake, não minha.
— Eu sei.
— Quer dizer que vai recusar? Lani apertava a peça contra o peito.
— Não, Miles. Não entendeu. Eu. . . Clare. . . Clare me contou que. . . que
Jake vai voltar a tocar. Ela conhece um médico na Suíça que o ajudará a
recuperar a habilidade para tocar. Em questão de meses, talvez um ano ou
pouco mais, ele poderá estar de volta a um palco e acho que não se
interessará em compor. . . esse tipo de música, não concorda?
Caminhando de volta pela Kilburn High Street pensou que não estava muito
ansiosa pela visita de Robin e Sarah no dia seguinte. Ultimamente Sarah
passava a maior parte do tempo recriminando-a por não se cuidar melhor..
Lani sabia que aquelas censuras eram bem-intencionadas, mas traziam
emoções dolorosas demais. Além disso, receava que seu primo ou a esposa
tivessem sabido das intenções de Clare através da imprensa. Ela própria
evitava ler jornais desde a visita da mãe. Não queria saber de sua nova
companhia.
Sua primeira reação foi virar-se e sair correndo, mas continuou firme.
Afinal, não tinha nada a temer. Era ele que não tinha o direito de estar ali.
Direito nenhum.
— Oi, Lani.
— Acho que será capaz de descobrir por si mesma. É aqui que mora, não é?
Qual é o andar?
— Não — Lani respondeu com firmeza, embora o braço já doesse com o peso
dos pacotes do supermercado. — Não sei por que veio aqui, Jake, mas
prefiro que não entre. Não temos nada para conversar e sinceramente. . .
— Lani! Não pense que aceitarei isso de você. Quando foi à minha casa,
deixei que entrasse. Não acha que me deve o mesmo tratamento?
— Foi diferente. Desmaiei em sua porta e você não teve escolha senão me
levar para dentro.
— Jake! Jake, por que está fazendo isso? Por que veio me procurar? Eu. . .
Clare já me contou sobre seus planos. Se pensa que me deve alguma
explicação, esqueça. Estou feliz por tudo ter acabado bem para você.
— Oh, está bem. — Ela não teve como recusar e se odiou por isso. Tirou as
chaves do bolso e indicou o caminho.
— Ouça, Jake.. .
— Já disse para vir sentar aqui — repetiu Jake indicando a almofada ao seu
lado. — Está com cara de quem precisa descansar. De fato, desconfio que
sou responsável por seu abatimento e estou disposto a consertar isso. . .
— Não está mesmo! — Lani tremia de raiva e mágoa. Raiva por ele achar que
podia aparecer e acalmá-la com desculpas, e mágoa pela esperança fugaz
más inextinguível de que Clare tivesse mentido. — Acho melhor você ir
embora. Sua. . . namorada já me explicou a situação e. . .
— Seu. . . seu estúpido! — Lani balbuciou, virando o rosto, mas Jake não
estava disposto a deixá-la escapar tão facilmente.
— Por que sou um estúpido? — Ele a segurou pela nuca com uma das mãos
enquanto tentava controlar-lhe os pulsos com a outra. — Não foi você que
me censurou por acreditar nas mentiras de Clare? No entanto, é
surpreendente ver como está disposta a acreditar nela agora!
— Não acredita nisso, tanto quanto eu. Se me desse pelo menos uma chance
de explicar. . .
— Explicar? Explicar o quê? Por que decidiu aceitar a oferta de Clare? Por
que vai morar na Suíça. ..
— Não vou morar na Suíça! — Jake negou, mas ela não prestou atenção.
Jake soltou-a tão bruscamente que Lani cambaleou. Num instante, ela lutava
para se afastar dele no outro, Jake virava as costas e voltava para o sofá.
Lani notou que ele se apoiava mais numa perna do que na outra e afundou na
almofada com um cansaço que a deixou com remorsos.
— O que está fazendo? — Ela manteve o tom agressivo, com receio de ceder
a ele mais uma vez. — Não pode ficar aqui. Tenho muito trabalho a fazer.
Oh, Jake, por que decidiu vir me atormentar agora? O que quer de mim? O
que quer que eu faça?
— Case comigo.
— Pelo amor de Deus, esqueça a sua mãe! Você perguntou o que queria e
respondi. Agora, aconselho-a a considerar sua resposta com cuidado, porque
posso ter a sensatez de nunca mais repetir a proposta!
— Ora, Lani! — Ele ficou de pé, visivelmente exaltado. — Está bem. Vou
dizer só mais uma vez: quero que case comigo. Pronto, fui convincente o
bastante? Se não, sinto muito, mas não sei de que outra maneira poderei
dizer. Tentei expor o que sinto, mas não me deixa nem tocar em você!
— Posso imaginar. Tenho certeza de que ela disse muitas coisas e que a
maioria é pura invenção.
— A seu convite?
— Ali?
Ela hesitou.
— Não, eu. . . Puxa vida, está bem. Por que não? Lani deu a volta pela cadeira
de balanço e sentou-se no sofá, tentando manter a maior distância possível
entre eles, mas não adiantou. Jake se aproximou o mais que pôde, roçando
inclusive em sua perna ao procurar uma posição mais cômoda na almofada.
— Tudo bem? — Jake se virou de lado, colocando o braço por trás de Lani no
encosto do sofá, consciente do poder que exercia sobre ela.
— Tudo bem.
— Lembra aquela carta que viu? Muito bem, Clare contou o que escreveu
nela, não? — Lani concordou e ele continuou: — Então tente imaginar o que
senti quando li a carta. Não foi nada fácil saber que você estava lá só porque
sua mãe pedira.
— Não estou entendendo. . . Não foi isso que minha mãe me contou. Ela. .. ela
disse que você estava com raiva por saber que meu pai a tinha levado a... a
fazer o que fez.
— Seu pai?
— Sim. Ora, bolas. Acho que não tem mais sentido você não saber. Papai
falou com minha mãe naquela noite, assim que ela voltou de Milão, e contou
que eu e você estávamos juntos. Ele queria convencê-la de que estava
perdendo tempo com você.
— Sim.
— É claro que não! Na verdade, ela me pediu que não fosse. Disse que estava
perdendo meu tempo.
— Se quiser.
— Faço questão. Muito embora o que eu queira realmente fazer seja mais
satisfatório.
— Jake!
— Está bem — Jake concordou quando ela conseguiu reunir coragem para
afastar aqueles dedos insinuantes. — Sabe como foi quando chegou à Casa
do Mar. Queria você, mas não achei justo colocar esse peso em suas costas.
Quero dizer. . . droga, eu estava praticamente inválido e tinha certeza de
que você só sentia pena de mim...
— Não é verdade! — Lani não podia deixar que ele pensasse aquilo e Jake
colocou a mão no joelho dela, reconhecendo o erro.
— Sei disso agora. Mas naquela época sentia pena de mim mesmo e acho que
era mais fácil jogar a culpa nos outros do que assumir meus próprios
sentimentos.
— Como poderia? Ficava louco de ciúme toda vez que você vinha a Londres
para ver aquele sujeito, o Rossiter.
— Sei disso agora. Doçura, tente se colocar no meu lugar. Lá estava eu,
fisicamente arruinado, sem nenhuma perspectiva de reabilitação e
apaixonado por uma linda garota, que parecia disposta a sacrificar seu
futuro por um aleijado! Fui um cabeçudo, sei disso, mas logo depois daquele
acidente não acreditava mais em milagres.
— Oh, Jake!
— Odiar você? — Jake ergueu os olhos para o teto. — Puxa, amor, não sabe
como foi difícil ficar longe de você.
Lani estremeceu.
— E a carta?
— Ah, sim. A carta. Parece que Clare calculou o tempo com precisão.
— Por quê?
— E não foi a primeira vez. Por que me obedeceu daquela vez e não das
outras?
— Calculei que viria mesmo. Sua mãe é uma mulher vingativa. Depois de
falhar comigo, tinha de fazer a última tentativa com você.
— Mas. . . você contou a ela que fiquei na Cornualla contra a sua vontade, não
é?
— Sim. Pelo que me lembro, Clare inventou essa história sobre ter pedido a
você que fosse cuidar de mim e eu retruquei que, se essa fora a única razão
que tinha levado você até lá, tinha resistido bem ao meu mau humor.
— E aí?
— Aí, Clare foi embora. Fez muitas ameaças e recriminações, mas nós dois
sabíamos que não eram sérias. Nosso relacionamento nunca foi emocional,
seja qual for a versão que ela lhe deu.
— Esperava. Entretanto, acho que foi até melhor você não ter entrado em
contato comigo. Assim, fiquei mais estimulado para continuar com uma idéia
que você me deu.
— Eu?
— E?
— Foi sorte ter amigos no ramo.
— Não. Cliff Collins, que conheci quando estive nos Estados Unidos. Ele
esteve na boate uma noite e me ouviu tocar uma composição minha. Então
disse que, se eu algum dia resolvesse entrar para esse ramo de negócio,
podia procurá-lo. Mas, sabe como é, as pessoas costumam falar muito da
boca para fora e eu não tinha muita esperança.
— E o que aconteceu?
— Oh, Jake! — Lani se entusiasmou. Cliff Collins era um dos cantores mais
populares dos Estados Unidos.
— Bom, não é? Então, o que acha? Pode me perdoar por. . . por tudo?
— É.
— Como o conhece?
— Não precisa fazer essa cara feia. Miles é amigo de Danny e levou aquela
música que você me mandou para mostrar a ele. E ele se interessou em
gravar.
— E?
— Não deixei.
— Por quê?
— É sua, não minha. Sugeri que Miles falasse com você primeiro.
— O título? Concerto?
— Muito bem. Agora podemos nos ajustar à vida de casados com mais
tranqüilidade, sabendo que todas as diferenças foram resolvidas.
— Clare foi muito legal, não acha? Parecia realmente contente com a notícia
do bebê.
— Acha que foi por isso que ela aceitou a proposta de Elwyn, depois de
tantos anos? Por estar com medo de que ser avó acabe com o mito de sua
eterna juventude?
— Mas não é uma idéia tão absurda. Seja como for, parece que seu pai
finalmente aceitou a idéia da separação.
— Bem, tudo isso faz parte do passado agora. 0 que importa mesmo é que
não se arrependa de nada, sra. Pendragon.
— Me arrepender? De quê?
— Está esquecendo que é preciso dois para que isso aconteça? Ora, Jake,
não seja bobo. Nada na vida me deu maior alegria do que sentir seu filho me
chutando por dentro.
— Tem certeza?