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TUTORIA 6

A avaliação do abdome é um dos segmentos de maior dificuldade no contexto do paciente traumatizado. A primeira
coisa a se pensar é em instabilidade ou estabilidade hemodinâmica.
 O sangue pode dar sinais de irritação peritoneal mais tardia (cerca de 6 a 8 horas).

Anatomia do trauma abdominal


O abdome é a maior cavidade do corpo humano e compreende a região do tronco que fica entre o tórax e a pelve.
A transição toracoabdominal tem como limites:
 limite anterior: linha transmamilar;
 limite posterior: linha infraescapular;
 limite superior: os arcos costais.

O diafragma divide a cavidade torácica da abdominal e, ao se elevar até o


nível do quarto espaço intercostal na expiração completa, fraturas de arcos
costais inferiores ou ferimentos nessa zona de transição podem gerar
lesões de órgãos abdominais.

Anatomicamente, o abdome é dividido em 9 regiões e 4 quadrantes.


Já o abdome anterior tem como limites:
 limite superior: arcos costais;
 limite inferior: ligamentos inguinais e sínfise púbica;
 limites laterais: linhas axilares anteriores.

Lesões em órgãos retroperitoneais são de difícil diagnóstico devido à impossibilidade de exame físico adequado.
Assim, sinais e sintomas podem se apresentar tardiamente, como a irritação peritoneal.

Mecanismo do trauma abdominal


No trauma fechado, pode ocorrer lesão por impacto direto por compressão de vísceras abdominais ou por um
mecanismo indireto de lesão (o pedículo do órgão pode romper pela desaceleração brusca, causando o cisalhamento).
Em trauma fechado, os órgãos mais acometidos são o baço (40 a 55%), o fígado (35 a 45%) e intestino delgado (5 a
10%).

Exames físicos para trauma abdominal


O primeiro ponto a ser avaliado é a estabilidade hemodinâmica do paciente. Doentes sem instabilidade e sem
peritonite conseguem passar por uma avaliação detalhada sem aumentar sua morbimortalidade.

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
X. Parar o sangramento
A. Via aérea com proteção da coluna vertebral;
B. Ventilação – inspeção (despir), palpação (crepitações ósseas, enfisema subcutâneo – bolsas de ar no espaço
subcutâneo sugerindo uma lesão pleural, como pneumotórax), percussão (massa e liquido apresentam um som
maciço e quando há um excesso de ar, som timpânico) e ausculta;
C. Circulação com controle de hemorragia;
D. Disfunção;
E. Exposição com prevenção da hipotermia.
F. Outros fatores
O paciente deve ser inteiramente despido e avaliado por completo.
· Exame físico abdominal: inspeção > ausculta > percussão > palpação.
· Seguido por: Análise da estabilidade pélvica, exames de uretra, períneo, reto, vagina e glúteos. (documentar
achados mesmo que negativos)
- Após o término do exame físico, o doente deve ser coberto com cobertores para ajudar a prevenir a hipotermia.

Inspeção
Expor o paciente à procura de sinais de hematomas, contusões, abrasões ou ferimentos que possam indicar lesões
intra abdominais. Lembrar de rolar em bloco para avaliação adequada do dorso.
Ao término, cobrir o doente para evitar hipotermia.

Ausculta
Na sala de emergência, é difícil realizar essa etapa. A ausculta é mais útil quando o exame físico inicial está normal.
Durante o seguimento, percebe-se alteração.

Percussão e palpação
Dor à percussão, quando presente, já indica irritação peritoneal. A palpação abdominal ajuda a definir os locais de
maior desconforto e possíveis lesões, como também a diferenciar entre uma dor superficial, apenas da parede da dor
profunda intra-abdominal.

Exame físico abdominal: se inicia pela inspeção, seguida da ausculta, percussão e palpação, evitando falsear ruídos
hidroaéreos pós-palpação; depois faz o exame da pelve e períneo.
Como medidas auxiliares durante a avaliação primária: tem o RX de bacia, que vem perdendo espaço para TC, FAST e
lavado peritoneal (muito pouco utilizado – incisão cirúrgica abaixo da cicatriz umbilical, injeta soro através de uma
sonda e aspira. Se no aspirado tiver sangue, o paciente deve ser encaminhado ao CC). A desvantagem do LPD é que é
um exame invasivo, enquanto o FAST é rápido, no entanto, tem como desvantagem ser examinador dependente
(experiencia médica).
É importante estar atento aos fatores que comprometem o exame, como álcool e outras drogas, lesão cerebral ou
medular (fazer escala de coma de Glasgow; em casos de lesão medular, pode ser que o paciente não apresente os
sinais e sintomas de dor abdominal, por exemplo – nesses casos, fazer TC como todo) e traumas de costela, coluna ou
pelve (trauma de costela pode apresentar dor muito intensa que mimetiza dor abdominal; coluna e pelve também
pode acontecer do paciente perder a sensibilidade do território examinado).
Na avaliação das fraturas pélvicas, é preciso inspecionar a região geniturinária, discrepância entre tamanho dos
membros, rotação externa; palpação do anel pélvico e avaliar sua estabilidade, exame retal, geniturinário e vaginal.

Examinar a estabilidade da bacia de forma repetida ou excessiva pode piorar a lesão – ao movimentar demais o
coágulo pode se soltar e sangrar novamente. O primeiro coágulo é o melhor! Estabilização da pelve → lençol
amarrando a pelve afim de diminuir o espaço de sangramento ou cinta pélvica.

Exames de imagem para trauma abdominal


Exames auxiliares podem ser realizados em casos de suspeita de lesão intra-abdominal, mas não pode atrasar o
tratamento definitivo do doente se ele já apresentar indicação de laparotomia.
- Radiografia AP de tórax é recomendada em vítimas de trauma fechado hemodinamicamente estáveis para avaliar
hemotórax, pneumotórax e ar intraperitoneal.
- Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST), quando realizado por pessoas devidamente treinadas, é
um exame confiável para identificar fluidos intraperitoneais, além de avaliar a presença de tamponamento cardíaco
(sensibilidade varia entre 86 a 97%). O FAST inclui o exame de quatro regiões: o saco pericárdico, o espaço
hepatorrenal (Morison), o espaço esplenorrenal e a pelve (fundo de saco de Douglas).
- Lavagem Peritoneal Diagnóstica (LPD) é um exame invasivo que apresenta alta sensibilidade para presença de
sangue intraperitoneal (98%) e baixa especificidade. Ela também é indicada em doentes estáveis com trauma fechado
quando o FAST e a TC estão indisponíveis.
Contraindicações relativas são cirurgias abdominais prévias, obesidade mórbida, cirrose avançada e coagulopatia
preexistente.
A LPD tem como opções a técnica aberta, semiaberta e fechada (Seldinger). A incisão é realizada na região infra
umbilical, exceto em gestante ou fratura de pelve em que a incisão é feita supraumbilical.
A aspiração de conteúdo gastrointestinal, fibras vegetais ou bile através da lavagem cateter ou a aspiração de 10 mL
ou mais sangue indica laparotomia.
Caso não se aspire esse volume, são introduzidos 1000 mL de solução cristaloide isotônica aquecida.
O teste é positivo quando apresenta:
 > de 100 mil hemácias por mm³;
 > 500 leucócitos por mm³ ou detecção de um Gram positivo;
 Presença de fibras alimentares ou bile.

- Tomografia computadorizada com contraste é indicada em pacientes estáveis. É o exame mais específico para
definir lesão, com sensibilidade de 92 a 98%.

As indicações para laparotomia exploradora são:


 trauma abdominal com hipotensão e LPD/FAST positivos ou evidência clínica de hemorragia intraperitoneal;
 ferimento por arma branca ou arma de fogo que penetraram a cavidade peritoneal;
 evisceração;
 peritonite;
 ar livre, ar retroperitoneal ou ruptura do hemidiafragma.

Laparoscopia é uma opção em casos de traumas abdominais fechados com dúvida de lesão intra-abdominal. Trata-se
de uma excelente opção para trauma em região de transição tóraco-abdominal.
Suas principais vantagens são visão direta das estruturas lesadas, acesso à cavidade com pequenas incisões e uma boa
visualização de vísceras maciças, diafragma. Já suas desvantagens são a abordagem invasiva e a anestesia geral.
Entre as possíveis complicações, podemos citar a lesão de estruturas durante a punção do trocater, embolia gasosa e
pneumotórax hipertensivo em casos de lesão diafragmática quando injeta gás.
Quais doentes devem ser operados? Em traumas fechados:
• Hemodinamicamente instável com suspeita de lesão abdominal;
• Gás livre (pneumoperitônio – víscera oca rompida, pode ser observada no RX com uma linha preta abaixo do
diafragma);
• Lesão de diafragma;
• Peritonite (abdômen em tábua);
• FAST, LPD ou TC positivos.
Em traumas por arma de fogo, geralmente a melhor estratégia é a operação precoce; já nas fraturas pélvicas,
primeiramente é preciso fixar a pelve para parar o sangramento – é preciso estar ciente que pode acontecer múltiplas
lesões associadas.

MEDIDAS AUXILIARES
• Sonda vesical: monitorar debito urinário. Uma das formas de avaliar se o paciente está respondendo bem ao volume
administrado é avaliando a diurese (0,5 mL/Kg/hora). Sabendo que doentes com fratura de bacia tem risco elevado de
lesão de bexiga e uretra, é importante estar atento a presença de hematúria e equimose em região perineal (lesão de
uretra) que contraindica a sondagem vesical.
• Exame de sangue e urina: hemodinâmica anormal (paciente instável) é preciso fazer tipagem sanguínea e prova
cruzada, tendo em vista que o paciente vai precisar de sangue, e mulheres em idade fértil, fazer teste de gravidez
(risco de radiação no primeiro trimestre, medicamentos contraindicados, estar atento aos dois pacientes, mãe e feto);
• Exames radiológicos: em traumas fechados, segundo o ATLS, fazer RX de tórax e bacia, em AP; ferimentos
penetrantes, fazer RX de toráx em AP e abdômen com marcas radiopacas (se o paciente estiver hemodinamicamente
normal). *professor falou que na prática, em Maringá, faz TC direto.
• Exames contrastados: tomografia, uretrografia, cistografia, urografia excretora e tubo digestivo. Atenção para que
esses exames auxiliares não devem retardar o tratamento definitivo!
• Gasometria arterial (coleta de sangue arterial e avalia SatO2, SatCO2, pH sanguíneo, bicarbonato circulando em
corrente sanguínea);
• ECG;
• Oximetria de pulso (avalia quanto de Hb está ligada e carregando O2 – a porcentagem que aparece não está
necessariamente chegando as células)

CHOQUE HIPOVOLÊMICO
Reconhecimento do choque
A pressão cai apenas quando 30% do volemia for perdida
Avaliar frequencia respiratória, perfusão periférica e pressão de pulso (diferença entre sístole e diástole)
Taquicardia: fc acima de 100 no adulto
Hemorragia definição: perda aguda de volume sanguíneo
Vol sanguíneo em adulto: 7% do seu peso corporal
Classificação fisiológica
Baseadas em sinais clínicos – útil para estimar a perda sanguínea aguda
Sinais clínicos servem para guiar o inicio do tratamento e a reposição volemica subsequente é determinada pela
resposta do doente a terapia instituido
Classificação para enfatizar sinais precoce e fisiopatologia do estado de choque

1. Hemorragia classe I: exemplificada pela condição do doador de uma unidade de sangue


• < 15 de perda de volume sanguíneo
Em situações não complicadas ocorre taquicardia leve, não ocorre alterações mensuráveis na pressão arterial,
pressão de pulso ou na frequencia respiratória
Restauram volume sanguíneo dentro de 24 horas

2. Hemorragia classe II: representada pela hemorragia não complicada mas na qual a reposição de cristaloides é
necessária
• 15% a 30% de perda do volume sanguíneo
Taquicardia, taquipneia e redução da pressão de pulso (aumento da pressão arterial diastólica devido aumento das
catecolaminas circulantes o que produz um aumento do tônus e da resistência vascular periférica)
Alteração em pressão sistólica mínima, mudanças sutis no nível de consciência, ansiedade, medo e hostilidade, debito
urinário levemente aferrado (20 a 30 ml por hora).
Perdas hidroeletrolíticas podem agravar manifestações clinicas.

3. Hemorragia classe III: estado complicado, necessária reposição de cristaloides e possivelmente de sangue
• 31 a 40% de perda do volume sanguíneo
• Sinais clássicos: taquicardia e taquipneia pronunciados, alterações significativas no estado mental e queda
mensurável da pressão arterial sistólica (menor volume que desencadeia a queda da pressão sistólica)
Abordagem é interrupção da hemorragia por intervenção cirúrgica ou embolização Maioria necessitar de
transfusão e outro hemoderivados

4. Hemorragia classe IV: evento pré terminal a menos que medidas agressivas sejam adotadas, o doente entrara
em óbito dentro de poucos minutos, tranfusao sanguínea necessária
• >40% de perda do volume sanguíneo
Ameaça imediata a vida Sintomas como taquicardia acentuada, redução significativa da pressão sistólica e
presença de pressão de pulso muito estreita ou pressão diastólica não mensurável.
Estado de consciência deprimido, pele fria e pálida Frequentemente necessitam de transfusão rápida e
intervenção cirúrgica.

Fatores de confusão: idade do doente, gravidade da lesão (tipo, local anatômico), reposição volêmica pre
hospitalar, tempo decorrido, medicamentos para doenças crônicas.
• Perigoso aguardar que o doente se enquadre em uma classificação fisiológica precisa antes de iniciar a
reposição volêmica apropriada
• Controle da hemorragia e reposição volêmica iniciados logo na suspeita e não quando a pa estiver em queda
Alterações hidroeletrolíticas secundarias a lesão de partes moles
1. Perda sanguínea no local lesado (ex fratura de úmero ou tíbia pode ocasionar 750ml de perda, 1500 para o
fêmur e varios litros em hematoma retroperitoneal
2. Edema nas partes moles perde fluidos, por meio da resposta inflamatória sistêmica e produção e liberação
de múltiplas citocinas. Edema tecidual resulta da transferência de líquidos (plasma) para o espaço extracelular
espoliando o volume intravascular.

REPOSIÇÃO VOLEMICA INICIAL


1. Bolus inicial de solução isotônica aquecida
2. 1 litro para adultos e 20ml/kg para crianças com menos de 40kg
3. Volume total baseado na resposta do doente a reposição
4. Avaliar a reposta do doente
5. Identificar evidencias de perfusão de órgãos alvo e de oxigenação tecidual adequadas
6. Infusão contínua de grandes volumes de fluidos e de sangue na tentativa de atingir pa normal não substitui
o controle da hemorragia.

Avaliação da reposta a reposição volêmica


Mesmo sinais e sintomas são uteis para avaliar a reposta do doente ao tratamento, a normalização da pa e
pressão de pulso e FC são sinais que a perfusão esteja retornando ao normal, no entanto essas observações
não fornecem informações da perfusão orgânica e oxigenação tecidual.
Volume do debito urinário é indicador de perfusão renal → diurese normal (sem efeitos de medicamentos,
lesão renal ou hiperglicemia)
• Reposição adequada de volume deve restabelecer um valor de debito urinário de aproximadamente
0,5ml/kg/h no adulto e de 1ml/kg/h em pediátricos, e de 2ml/kg/h abaixo de 1 ano.
• A incapacidade de manter o debito urinário sugerem reanimação inadequada—aumentar reposição e
continuar investigando o choque

CHOQUE HIPOVOLEMICO
• Alcalose respiratória inicial devido taquipneia seguida por acidose metabólica leve
• Em choque severo ou prolongado pode haver acidose metabólica devido a perfusão tecidual inadequada e a
produção de acido lático – persistência sugere reanimação inadequada o sangramento ativo
• Tratar com reposição de fluidos
PADROES DE RESPOSTA DO DOENTE
Chave para determinar tratamento subsequente, pode se modificar o plano de tratamento de acordo com a
resposta do doente
• Pode identificar doente cuja perda sanguínea tenha sido maior que a estimada e aqueles com sangramento
ativo persistente que necessitarão de controle cirúrgico de hemorragia interna

Três grupos
1. RESPOSTA RÁPIDA
Respondem rapidamente a reposição volêmica inicial e se tornam hemodinamicamente normal não
apresentando mais sinais de perfusão e oxigenação tecidual inadequadas
• Reduzir velocidade de infusão para taxas de manutenção
• Usualmente são classe I (perda de <15%)
Não esta indicada a reposição adicional ou transfusão sanguínea
• Sangue deve ser tipado e com provas cruzadas (manter a disposição)
Indispensável avaliação do cirurgião
2. RESPOSTA TRANSITÓRIA
Repondem ao bolus inicial mas começam demonstrar sinais de deterioração dos índices de perfusão assim
que reduz a adm de fluidos para taxa de manutenção → indica reposição volêmica inadequada ou
presença de sangramento ativo persistente
• Classe II ou III (de 15% a 40%)
• Indicada transfusão de sangue e de hemoderivados
• Identificar e reconhecer que os doente necessitam de controle cirúrgico ou angiográfico da hemorragia
• Reposta transitória adm de sangue identificam doentes com sangramento ativo e que exigem rápida
intervenção cirúrgica
• Considerar protocolo de transfusão maciça (PTM)

3. RESPOSTA MINIMA OU AUSENTE


Falta de resposta a adm de cristaloide e de sangue na sala de emergência
• Necessidade de internação definitiva imediata para controle da hemorragia
• Casos raros de resposta inadequada: insuficiência da bomba por traumatismo cardíaco, tamponamento ou
pneumotórax hipertensivo
• Classe IV (diferenciar de choques não hemorrágicos)
• Técnicas de monitoração avançada como ultrassom miocárdico
• Iniciar protocolo de transfusão maciça

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