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ENVELHECIMENTO EM CÃES E GATOS: SÍNDROME DA DISFUNÇÃO COGNITIVA

O aumento na expectativa de vida em cães e gatos traz novos desafios à medicina veterinária.
Cuidados especiais com o paciente geriatra, garantindo sua saúde e bem-estar, cada vez mais se
tornam uma realidade na clínica de pequenos animais.
Quando pensamos em geriatria, logo associamos esse período a alterações físicas, provenientes da
redução nas funções fisiológicas, depressão do sistema imune e degenerações orgânicas. No
entanto, cães e gatos podem demostrar alterações comportamentais paralelas às mudanças físicas.
Muitas vezes não conseguimos perceber a linha tênue entre problemas físicos e comportamentais, o
que prejudica o diagnóstico e tratamento correto das queixas trazidas pelo proprietário.

Caracterização da Síndrome da Disfunção Cognitiva

Cães e gatos idosos naturalmente apresentam alterações na percepção, menor resposta a estímulos e
declínio na capacidade de aprendizado e memória. Em estudo realizado em 2001, 21% dos cães
com idade entre 11 e 12 anos avaliados apresentavam pelo menos um tipo de alteração
comportamental relacionado com a idade. Na faixa etária de 15 a 16 anos, esse número subiu para
68%. (NEILSON)
Alguns animais apresentam pouca ou nenhuma mudança comportamental com o envelhecimento,
enquanto outros desenvolvem um envelhecimento cerebral patológico, caracterizando a síndrome
da disfunção cognitiva (SDC).
A SDC é uma desordem neurodegenerativa progressiva com deterioração gradual de funções
cognitivas, que não podem ser atribuídas completamente a condições médicas ou às disfunções
sensoriais/motoras relacionadas ao envelhecimento. A SDC pode ser comparada à doença de
Alzheimer em humanos, sendo cães e gatos os modelos utilizados para o estudo da doença.

Sinais

Os sinais mais comuns da SDC são:

 Desorientação: o animal fica confuso em ambientes familiares. Ex: tenta sair pelo lado
errado da porta, não consegue sair sozinho de um canto, se perde dentro de casa.
 Mudanças na interação com humanos ou outros animais: declínio nas brincadeiras,
irritabilidade, menor afeição.
 Alteração no ciclo de sono e vigília: o animal dorme durante o dia e passa a noite acordado,
podendo vocalizar, perambular e acordar o proprietário.
 Perda do treinamento, inclusive o higiênico: o animal desaprende, não sabe mais onde deve
urinar e defecar e não responde mais a comandos.
 Alteração do nível de atividades: menor interesse em exploração, estado de inatividade
geral. Em alguns casos, ocorre o oposto, com grande aumento na atividade, perambulação e
desenvolvimento de comportamentos compulsivos.

Além disso, pode ocorrer aumento da ansiedade, alterações de apetite, redução nos cuidados com a
higiene, aumento da vocalização, intolerância ao exercício, surgimento de novos medos e fobias e
comportamentos destrutivos.
Em casos graves, pode haver perda total de contato do animal com o ambiente que o cerca,
comprometendo gravemente a relação homem-animal, a ponto de romper o vínculo entre
proprietário e animal de estimação.

Fisiopatologia
No cérebro do animal idoso ocorrem algumas mudanças que podem explicar os sinais da SDC.
Macroscopicamente, pode ser observado um espessamento das leptomeninges, alargamento dos
sulcos e estreitamento dos giros, além de um aumento no volume ventricular.
Microscopicamente, a fibrose meníngea e de vasos pode ser encontrada, além da redução no
número de neurônios e aumento de células gliais. Depósitos tóxicos no interior dos neurônios são
comuns, especialmente de lipofucsina, ubiquitina e material beta-amiloide. Dependendo da
localização desses neurônios, há diferentes comprometimentos para o animal, que incluem
alterações motoras e comportamentais.
A deposição beta-amiloide em neurônios é vista como a principal causa da SDC, podendo levar à
formação de placas, que tem correlação positiva com a gravidade da doença. As placas de material
beta-amiloide causam comprometimento da função neuronal, com esgotamento de
neurotransmissores e até perdas neuronais.
A ação dos radicais livres sobre o cérebro dos animais em processo de envelhecimento também é
apontada como causa da SDC. O cérebro é particularmente suscetível aos efeitos nocivos dos
radicais livres, devido ao seu alto teor lipídico, alta demanda de oxigênio e capacidade limitada de
defesa e reparo por antioxidantes. Com o processo de envelhecimento, há um aumento na atividade
da monoamina oxidase B, além de uma redução na função mitocondrial, incrementando a produção
de radicais livres.
Pode ocorrer uma redução no fluxo sanguíneo em alguns casos.
Funcionalmente, há um esgotamento de neurotransmissores, que também podem contribuir com o
desenvolvimento da SDC.

Diagnóstico

O diagnóstico definitivo de SDC só pode ser feito mediante histopatologia cerebral. Clinicamente,
realiza-se um diagnóstico por exclusão de outros processos patológicos. Alguns autores
desenvolvem testes cognitivos para cães e gatos, mas ainda são incompletos e de difícil execução na
prática.
Quando nos deparamos com um animal com alterações comportamentais no envelhecimento,
devemos realizar uma minuciosa anamnese clínica e comportamental para entender a evolução do
quadro. Muitas vezes, são problemas comportamentais previamente existentes que se exacerbaram
com o envelhecimento, o que não caracteriza a SDC.
As causas clínicas devem ser descartadas através de rigoroso exame clínico, laboratorial e
diagnóstico por imagem, quando necessário.
Além disso, devemos ficar atentos aos sinais que o animal manifesta e enquadrá-los nos sinais da
SDC.

Tratamento

Os objetivos do tratamento da SDC são reverter a progressão da doença e repor os níveis de


neurotransmissores ou facilitar seu metabolismo.
Para a reversão da progressão da doença, um programa comportamental deve ser adotado, além da
administração de ácidos graxos e antioxidantes.

Comportamental

A estimulação do animal idoso é de extrema importância para a reversão do quadro.


Em cães, são indicados passeios diários com intensidade adequada à idade do cão, de preferência
com socialização com outros animais. Além disso, devem ser oferecidos brinquedos com variadas
texturas e tamanhos, além de ossos e courinhos mastigáveis.
Petiscos podem ser escondidos na cama do cão ou em diferentes locais da casa, estimulando-o a
encontrar as recompensas, ou podem ser oferecidos através de brinquedos educacionais, que podem
ser recheados com alimento.
Tanto em cães quanto em gatos, o proprietário deve manter uma interação positiva diária com o
animal. Caso o animal faça truques, deve ser sempre estimulado a demonstrá-los.
O enriquecimento ambiental em gatos pode ser feito com o uso de arranhadores, diferentes tipos de
brinquedos, colocação de prateleiras nas paredes, brincadeiras com sacolas e caixas de papelão.
Para evitar ansiedade, uma rotina deve ser mantida e, caso mudanças forem necessárias, devem ser
feitas de forma gradual.
Caso seja diagnosticada outra questão comportamental concomitante à SDC, ela também deve ser
tratada.

Medicamentoso

A Selegilina foi o primeiro medicamento licenciado para o tratamento da disfunção cognitiva em


cães na América do Norte e atua no aumento da transmissão dopaminérgica, além de inibir a enzima
monoamino-oxidase B. Ela deve ser utilizada com cuidado em pacientes nefro e hepatopatas, pois
tem efeito acumulativo.
A administração de antioxidantes demonstrou excelente eficácia em estudos (MILGRAM,
COTMAN, LANDSBERG, LIM), contrabalanceando as ações deletérias dos radicais livres e
diminuindo a progressão da SDC, bem como dos sintomas demonstrados. O uso de antioxidantes
concomitante à estimulação do animal teve um efeito sinérgico no tratamento da SDC
(MILGRAM).
A administração de Gerioox® (Labyes) garante o aporte de antioxidantes e ácidos graxos
necessários para a reversão da progressão da doença. A vitamina E, o selênio, o zinco e o cobre
eliminam os radicais livres, enquanto os ácidos graxos EPA e DHA (ômega 3) reduzem o acúmulo
de material beta-amiloide e ajudam a proteger as membranas.

Prognóstico
Como em toda doença neurodegenerativa progressiva, quanto antes for realizada uma intervenção,
melhor o prognóstico. Quando o tratamento medicamentoso e o programa comportamental são
introduzidos em uma fase inicial da doença, com sinais sutis, conhecida como declínio cognitivo, o
prognóstico é bom. Nos demais casos, temos prognóstico reservado.
Com o tratamento não há uma reversão completa do quadro, mas sim uma melhora dos sinais e
interrupção da progressão da doença. O proprietário deve ser instruído a manter o tratamento pelo
resto da vida do animal.
O diagnóstico precoce da SDC pode garantir uma maior longevidade, com melhor qualidade de
vida para o paciente geriátrico.

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