Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Lisboa
2023
Estudos apontam que a DCC, ainda que seja um problema comum em cães idosos, é
subdiagnosticada em até 85% dos casos. No entanto, tratando-se de uma doença tão
debilitante e que tanto degrada a qualidade de vida do animal e do seu detentor, é
surpreendente que seja, ainda hoje, tão evidentemente subdiagnosticada (Salvin et al.,
2010). Torna-se por isso, e também face à crescente tendência de aparecimento desta
síndrome, importante compreender o que leva a esta falha de deteção e diagnóstico. Este
conhecimento permitiria assim combater a sua progressão e o desfecho clínico
desfavorável a que se assiste frequentemente e, eventualmente, possibilitaria também um
aumento das atitudes preventivas (Ilda Maria Neto Gomes Rosa, n.d.). Pensa-se que parte
desta falha na deteção se deva ao desconhecimento desta síndrome por parte do detentor,
fazendo com que estes não reconheçam os sinais clínicos, ou que os considerem como
parte integrante do normal envelhecimento do seu animal.
A DCC afeta diretamente a qualidade de vida dos cães idosos e a interação com seus
tutores, além de dificultar a comunicação entre o cão e seu detentor. Além disso, também
foi relatado que cães com esta disfunção apresentam padrões de locomoção erráticos, uma
frequência aumentada de comportamentos sem objetivo e mudanças na capacidade de
resposta social, como uma resposta diminuída ao isolamento social e à interação humana
(Chapagain et al., 2018).
O cérebro, que consome aproximadamente 20% do oxigénio total do corpo, possui níveis
mais baixos de antioxidantes endógenos em comparação com outros tecidos, tornando-se
mais vulnerável à lesão oxidativa. Durante a fosforilação oxidativa, o oxigénio é reduzido,
formando radicais livres de maneira fisiológica. No entanto, essa formação também pode
ocorrer de maneira patológica devido à radiação, processos inflamatórios ou à exposição
a metais, fármacos e produtos químicos.
Como referido, juntamente com a lesão oxidativa que ocorre ao longo do envelhecimento,
ocorre também a deposição de substância amilóide. Esta deriva da clivagem da proteína
percursora amilóide (PPA) dando origem às placas encontradas no cérebro afetado pela
disfunção cognitiva. A PPA pode ser clivada por uma das seguintes vias: uma via não
amiloidogénica (fisiológica) ou uma via amiloidogénica (patológica). É nesta última que
ocorre a formação de Aβ, tal como se encontra esquematizado na figura 2 (Haass et al.
2012; Heppner et al. 2015).
Diagnóstico da DCC
No caso da DCC, o diagnóstico é caracterizado como um "diagnóstico de exclusão", dado
que não existe um exame de diagnóstico específico para a condição. Diversas patologias
podem ocasionar os sinais observados, incluindo alterações comportamentais e cognitivas
(Denenberg et al., 2017; Benzal & Galán Rodríguez, 2016a; Sordo & Gunn-Moore,
2021).
Tratamento da DCC
Devido à natureza degenerativa do Sistema Nervoso Central na DCC, as alterações
comportamentais e o declínio cognitivo tendem a agravar-se com o envelhecimento.
Nesse sentido, é crucial realizar um diagnóstico precoce para possibilitar o início imediato
do tratamento e retardar a progressão da doença, uma vez que, até o momento, não há
cura conhecida.
Além de reduzir as mudanças no comportamento e desacelerar o avanço da condição, o
tratamento visa aprimorar não apenas o bem-estar e a qualidade de vida do animal, mas
também fortalecer a conexão entre o animal e seu proprietário. Com esse propósito,
implementa-se uma abordagem terapêutica abrangente, incluindo estratégias como
enriquecimento do ambiente, intervenções farmacológicas e a incorporação de
suplementos nutricionais.
Essas medidas são coordenadas para produzir um efeito combinado benéfico,
promovendo um cuidado integral e personalizado para o animal. (Landsberg et al., 2011;
Miele et al., 2020; Benzal & Rodríguez, 2016a).
Tabela 5 - Principais suplementos que podem ser benéficos na disfunção cognitiva em cães
Anamnese
- Adquirido aos 4 meses e meio.
- Corretamente vacinado e desparasitado.
- Alimentação com ração para sénior, vive em apartamento com a tutora e namorado.
- Apresenta episódios de destruição e falta de interesse em brincar.
- Histórico de ansiedade noturna e consulta anterior por esse motivo.
- Apresentava episódios de destruição de cartão, tapetes e cortinas quando deixado
sozinho.
- Há mais de dois anos que não demonstra interesse em brincar.
Avaliação
- Aplicação de questionário para disfunção cognitiva com pontuação de 62 (valor>50 –
alto risco).
- Bioquímica Sérica e Hemograma: sem alterações. Não se procedeu a mais exames
complementares.
Tratamento Instituído
- Manutenção da terapêutica, exceto Fluoxetina, substituída por Fluvoxamina.
- Adição de Gabapentina e Meloxicam.
- Tutora orientada a suspender medicação em caso de efeitos adversos.
Consulta de Acompanhamento
- Após seis semanas, tutora relata melhora significativa: O Zico dorme melhor e fica
menos ansioso quando fica sozinho.
Acompanhamento a longo prazo
- Nova consulta após três meses para reavaliação cognitiva e ajuste da medicação.
Conclusões
A disfunção cognitiva canina (DCC) é um campo de estudo crucial para compreender o
envelhecimento em cães. O seu principal objetivo é identificar, compreender e diferenciar
entre o envelhecimento natural e os processos patológicos que afetam o sistema nervoso
central dos cães idosos. Este estudo enfatiza a importância de reconhecer os sinais
precoces da DCC, permitindo intervenções terapêuticas que possam retardar sua
progressão e melhorar a qualidade de vida dos animais afetados.
O estudo do caso clínico do Zico, um cão com sintomas sugestivos de DCC, ilustra a
complexidade diagnóstica e terapêutica associada a esta síndrome.
Em suma, o objetivo deste trabalho foi explorar a disfunção cognitiva canina, desde os
seus mecanismos fisiopatológicos até ao diagnóstico e abordagens terapêuticas. O
entendimento da DCC é essencial para o reconhecimento precoce, tratamento eficaz e
melhoria da qualidade de vida de cães idosos afetados por esta síndrome, proporcionando
uma base sólida para a pesquisa contínua e o desenvolvimento de estratégias terapêuticas
mais eficazes.
Referências
Andrews, J., & Gordon, P. H. (2008). Neurodegenerative Diseases. Springer EBooks, 565–588.
https://doi.org/10.1007/978-0-387-72573-4_39
Campbell, S., Trettien, A., & Kozan, B. (2001). A noncomparative open-label study evaluating
the effect of selegiline hydrochloride in a clinical setting. Veterinary Therapeutics:
Research in Applied Veterinary Medicine, 2(1), 24–39.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19753696/
Carvalho da Silva, B., Gneiding, B., Lucioli, J., Tesser, J. S., & Gneiding, J. E. B. de O. (2018).
Chapagain, D., Range, F., Huber, L., & Virányi, Z. (2017). Cognitive Aging in Dogs.
Diesing, U., Queiroga, C., Andreia, R., & Mendes, A. (2014). UNIVERSIDADE DE ÉVORA
cognitiva canina.
Fagundes TS, & Mazzotti GA. (2016). Disfunção Cognitiva canina Canine cognitive
dysfunction.
Fast, R., Schütt, T., Toft, N., Møller, A., & Berendt, M. (2013). An Observational Study with
Survival, and Risk Factors. Journal of Veterinary Internal Medicine, 27(4), 822–829.
https://doi.org/10.1111/jvim.12109
Flávia, M., Castro Da Rocha Orientador, Duarte, M., Martins, C., Coorientador, A., Nuno, &
cuidados/envelhecimento-dos-caes
Landsberg, G. M., DePorter, T., & Araujo, J. A. (2011). Clinical Signs and Management of
Anxiety, Sleeplessness, and Cognitive Dysfunction in the Senior Pet. Veterinary Clinics
https://doi.org/10.1016/j.cvsm.2011.03.017
Maria Da Costa, R., Orientador, P., Doutora, P., Maria De Carvalho, L., Co-Orientador, S.,
Maria Neto Gomes Rosa, I. (2020). DISFUNÇÃO COGNITIVA CANINA: PERCEÇÃO DOS
Pan, Y. (2021). Nutrients, Cognitive Function, and Brain Aging: What We Have Learned from
Provoost, L. (2024). Cognitive Changes Associated with Aging and Physical Disease in Dogs
and Cats. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 54(1), 101–119.
https://doi.org/10.1016/j.cvsm.2023.08.002
Scheltens, P., De Strooper, B., Kivipelto, M., Holstege, H., Chételat, G., Teunissen, C. E.,
Cummings, J., & van der Flier, W. M. (2021). Alzheimer’s disease. The Lancet,
Tapp, P. D., Siwak, C. T., Estrada, J., Holowachuk, D., & Milgram, N. W. (2003). Effects of
Age on Measures of Complex Working Memory Span in the Beagle Dog (Canis
familiaris) Using Two Versions of a Spatial List Learning Paradigm. Learning &
WALTER F. BORON, MD, PhD, & EMILE L. BOULPAEP, MD. (2017). Medical Physiology
(ELSEVIER).