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Termos e conceitos de fontes históricas e suas classificações

Fontes Históricas
Conceito e Tipologia

A palavra fonte, provem do latim fons, admite diversas acepções. Na primeira


acepção a palavra está por exemplo relacionada com água; uma fonte é o
manancial que brota da terra (do solo), e a própria construção provida de pelo
menos uma bica ou uma torneira por onde corre água como há em muitas
praças, jardins municipais ou em casas de algumas pessoas.

Em termos gerais, uma fonte é princípio, origem, fundamento ou causa de algo.


Fonte também é o material, documento ou livro a que recorre um autor em
busca de informação para elaborar um texto ou um trabalho de investigação.

As fontes históricas têm sido definidas como vestígios deixados pelos nossos
antepassados ou nossos ancestrais nos lugares onde viveram, tal como
enfatiza Pinsky (2006), é tudo aquilo que produzido pelo homem ou trazendo
vestígios da sua interferência pode nos proporcionar um acesso à
compreensão humana.

De acordo com Silva & Silva (2009) “a herança material e imaterial deixada
pelos antepassados é que serve de base para a construção do conhecimento
histórico” (p. 158). Esta ideia é reforçada por Padilha & Nascimento (2015), que
salientam o forte contributo que as fontes históricas têm na construção da
história, reforçando, ainda, que a sua utilização possibilita uma maior
compreensão dos acontecimentos históricos. Do mesmo modo, permitem o
acesso ao passado, o qual já não podemos vivenciar, nem alcançar
directamente (Marrou, 1976). Este autor salienta ainda que muitas fontes que
possuímos são representadas “ pelos documentos arqueológicos, as
inscrições, os papiros descobertos ao acaso das escavações” (p.63).

Ao definir fontes históricas, encontramos vários sinónimos (documentos,


registos, vestígios). De acordo com Silva & Silva (2009)

“Vestígio é a palavra actualmente preferida pelos historiadores


que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: os
mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-
se fonte para o conhecimento da história.” (p. 158).
Por seu lado, Orso (2012) defende que as fontes podem apresentar-se na
sociedade e na natureza e o seu acesso permite “conhecer o passado, permite
desvendar os hábitos, os costumes, a produção, a forma de organização de
indivíduos e das sociedades” (p. 234).

É importante ressaltar que, entre o século XVIII e o início do século XIX, se


acreditava que os documentos escritos eram os que retratavam a História e
transmitiam o conhecimento histórico, ou seja, os documentos eram a prova do
passado e nem eram questionados pelos historiadores (Silva & Silva, 2009).
No ponto de vista de Saviani (2006), os historiadores recorrem às fontes
quando pretendem compreender algum fenómeno, uma vez que as fontes
históricas permitem o acesso a realidades ou representações do que já não
temos à nossa disposição “permitindo que se realize o “estudo do homem no
tempo”, como definiu Marc Bloch, em 1940, (citado por Barros, 2010, p. 74).
Barros (2017) salientam, ainda, que as fontes nos chegam de uma realidade
que um dia já foi a própria vida e quotidiano das pessoas.

Contudo, para analisar a sociedade em si, os historiadores baseavam-se


essencialmente nas fontes documentais, visto que reflectiam o passado, as
formas de vida, de comunicação, as vivências, os costumes, ou seja, como era
a forma de vida da sociedade (Febvre, 1977). No entanto, é consensual que “
de um só documento não se pode concluir a realidade de um facto” (Marrou,
1976, p. 114).

Com o passar dos anos, o conceito de documento foi alterado e foi necessário
reflectir e interpretar o que “nos diziam”. As fontes históricas passaram a ser
relacionadas com os termos registo e vestígio (Silva & Silva, 2009). Em curtos
traços e segundo o dicionário online Priberam (2018), registo é o acto de
registar, conservar factos ou actos e vestígio é um rasto ou pegada deixada
“Aquilo que fica ou sobra do que desapareceu ou passou.” (Priberam, 2018,
para. 1).

Febvre (1977) salienta que os documentos escritos são importantes, mas


acrescenta que a História pode e deve fazer-se, não só de documentos
escritos, tal como referem Pinsky, et al (2005), as fontes históricas também
podem ser restos arqueológicos, materiais impressos, narrativas orais,
biografias, meios audiovisuais. Orso (2012), reforça esta ideia exemplificando
algumas fontes: ’’ uma ponta de lança, um resto de utensílio, um pedaço de
osso, uma arte rupestre” (p. 235).

De um modo geral e de acordo com Ragazzini (2001) “A fonte é uma


construção do pesquisador, é o único contacto possível com o passado, que
visa “confirmar, contestar ou aprofundar o conhecimento histórico’’ (p. 15).

Porém, quando falamos em fontes históricas não podemos cingir-nos ao seu


conceito
genérico, uma vez que é fundamental entender as várias tipologias existentes,
as quais
são essenciais para a compreensão e identificação de fonte histórica. Neste
sentido, procurámos dar relevância a quatro tipos de fontes, nomeadamente as
materiais, as escritas, as visuais e as orais. E no nosso caso, a nossa atenção
prende-se nas fontes orais porque pretendemos demonstrar o seu contributo
na preservação da identidade cultural dos povos de Cassongue.
Conceito de fontes orais
A palavra oral é um adjectivo. Relativo à boca; que pertence à boca; que foi
produzido pela boca; bocal: comunicação oral; higiene oral; fonema oral. ...
[Fonética] Cuja articulação se dá na boca: sons, palavras e frases orais.
“Fonte oral é o registo de qualquer recurso que guarda vestígios de
manifestações da oralidade humana” (MEIHY; HOLANDA, 2017, p. 13).
Alguns exemplos de fontes orais
Das fontes orais fazem parte as entrevistas, gravações, depoimentos,
programas de rádio, entre outras (Boito, s/d.). No entanto, Ferreira (2002)
salienta que “ o depoimento oral só ganha a sua plena significação em
confronto com o documento escrito” e ajuda a preencher lacunas deixadas
pelas fontes escritas (p. 328). Por sua vez, Thompson (1992) salienta que a “
história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional ”
(p. 17). De referir que as fontes orais se traduzem pela transmissão de
informação e que se mantêm pela tradição oral, mas que, de acordo com
Rodríguez (2010), quando são escritas se transformam em fontes escritas.
Estas fontes “podem assumir a forma de histórias ou relatos orais de vida”
(Lang, 1996, p.34, citado por Nakamura & Crippa, 2010).

A importância da oralidade
A linguagem oral é um dos aspectos fundamentais de nossa vida, pois é por
meio dela que nos socializamos, construímos conhecimentos, organizamos.
nossos pensamentos e experiências ingressaram no mundo. Assim, ela amplia
nossas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas
sociais.

Fontes orais são relatos transmitidos por meio das palavras, como mitos,
fábulas, músicas e a poesia não-escrita, e ajudam a compreender o dia-a-dia
de um povo e como compreendem a natureza.

Fontes orais: são narrativas transmitidas de geração para geração. As fontes


orais ou tradições orais, fazem parte da vida das comunidades, são geralmente
detidas pelos mais velhos e dependem da estrutura política da sociedade
estudada (Ki-Zerbo, 2010, p. 11).

As fontes orais, são segundo P.F. Miguel (2013), cronológicas e logicamente


anteriores a escrita. O problema é saber qual é o método a adoptar para
diagnosticar as tradições e seleccionar com absoluta certeza as que são dignas
de servir como fontes para a história.

As fontes orais podem ser entendidas também como materiais gravados por
um historiador atendendo às necessidades de sua pesquisa, em função de
objectivos e hipóteses bem específicos. Cabe destacar que a tendência hoje é
preferir a expressão “fonte oral” no lugar de “história oral”, pois tem a vantagem
de banalizar o procedimento, visto que todo pesquisador do muito
contemporâneo tem naturalmente, sem fazer muito alarde, o recurso às
testemunhas orais (FRANK, 1999, p. 105).

Papel das fontes orais


As fontes orais permitem, de uma forma organizada, o conhecimento e
compreensão de valores sociais, religiosos e educacionais, normas,
comportamentos veiculados por esta oralidade. A tradição oral constitui um
património da comunidade negra.

Relevância das fontes orais


A utilização das fontes orais tem sido objecto de expressiva controvérsia no
corpo de pesquisa historiográfica, sobretudo quanto a sua idoneidade e
credibilidade. A grande objecção que se opõe ao uso dessas fontes na
construção do saber historiográfico diz respeito ao cunho excessivamente
subjectivo das informações delas abstraídas, muitas vezes colidentes com
outras informações de carácter documental. Neste sentido, surge uma questão
preliminar que permeia a delimitação de critérios confiáveis para a utilização
das fontes orais, de tal sorte que sua contribuição seja avaliada na justa
medida e o facto histórico seja interpretado em bases científicas.

O tratamento adequado das fontes orais

Os estudos historiográficos revelam que os que se dedicam a criação de


fontes orais podem situar-se em pelo menos quatro estereotipos (cf. Lozano
2005).
O primeiro, denomina-se arquivista-documentalista, caracteriza-se pela
organização de arquivos de áudio ou de documentos transcritos destinados a
leitura de historiadores e historiografos.
O segundo tipo, a que se costuma denominar de difusor populista, confere
ênfase aos factos e versões que não constam nas fontes escritas canónicas.
De orientação empirista, comete o mesmo equívoco de constituir amplos
arquivos orais sem preocupação de análise, interpretação e mesmo depuração,
não propriamente no sentido de editar as gravações, mas de encaminhar a
entrevista no sentido de sempre conferir credibilidade as informações
prestadas pelo depoente.
Um terceiro tipo, a que se denomina reducionista interpreta a informação oral
como uma ilustração dramatizada dos fatos que as fontes escritas tratam
oficialmente, por vezes burocraticamente.
Por fim, temos os analistas completos que “colhem, ordenam, sistematizam e
criticam o processo de produção da fonte oral. Analisam, interpretam e situam
historicamente as evidências orais. Complementam suas fontes orais com as
outras fontes documentais tradicionais. Não se limitam a um único método e
uma técnica, mas as completam e as tornam mais complexas” (Lozano 2005:
24).

Utilização de fontes orais

A utilização de fontes orais é imprescindível para preencher as lacunas


deixadas pelos documentos escritos na reconstrução dos fatos históricos. A
oralidade ajuda o pesquisador a resgatar a memória de pessoas de longa
vivência ou de pessoas que tenham o notório saber ou fortes vínculos culturais
a respeito de uma determinada comunidade estudada ou sobre algum tipo de
documento. O resgate da memória desempenha a função de interagir o
passado com o presente dando ao documento um status de coisa viva,
dinâmica. É importante ressaltar, de acordo com Haguete, que, pelo fato da
oralidade basear-se em depoimento e memória pessoal, o que é capturado
pode estar imerso em um depoimento parcial, enganoso e deturpado dos fatos,
e o componente ideológico está presente em todo tipo de informação
colectada, inclusive no modo como o pesquisador reconstrói o objecto de
estudo e interpreta os dados. Desta forma, as fontes orais, como qualquer
outra fonte documental, devem ser avaliadas e interpretadas em conformidade
com distintas fontes.
Fontes orais na pesquisa de história
Quando se pensa em um projecto de História oral é necessário ter
conhecimento dos procedimentos que envolvem esse tipo de pesquisa. Para
Alberti (2015), o trabalho de produção de fontes orais pode ser dividido em três
momentos: preparação das entrevistas (inclui o projecto de pesquisa e a
elaboração dos roteiros das entrevistas), sua realização e seu tratamento. O
projecto é o ponto de partida, “e o guia, que preside a noção de História oral
como algo além do ato de gravação de uma ou mais entrevistas sem
articulação, fica aberto o desafio do panejamento continuado com etapas
definidas, calibradas e evolutivas” (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p. 68). O projecto
deve ser claro e o uso da metodologia da História oral, adequada, ter uma
visão sobre o tema estudado, das narrativas dos entrevistados, que tipo de
pessoas serão entrevistadas, se uma ou mais pessoa.

“Os projectos de História oral diferem dos demais por tratar de matéria que se
relaciona com as pessoas, seres vivos, alcançáveis, que se valem de
narrativas decorrentes da memória que é sempre: dinâmica, variável e,
sobretudo selectiva” (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p. 69). Daí necessidade de todo
um planejamento e conhecimento a priori do que se pretende estudar em um
projecto de História oral.
Para realização das entrevistas é necessário um roteiro geral que embaçará os
roteiros individuais dos entrevistados.

O roteiro geral tem dupla função: sistematiza os dados levantados durante a pesquisa
exaustiva sobre o tema e permite a articulação desses dados com as questões que
impulsionaram o projecto, orientando, dessa forma, as actividades subsequentes. Ele deve
reunir um cronograma minucioso do tema tratado, análises sobre o assunto e dados sobre
documentos considerados centrais, como leis, atas, manifestos etc. Ao longo da pesquisa, o
roteiro geral sofrerá alterações, incorporando-se-lhe informações e interpretações obtidas nas
entrevistas e em outras fontes. (ALBERTI, 2015, p. 176).

A entrevista de História oral requer todo um preparo, uma vez que o


entrevistador vai lidar com pessoas com experiências e vivências diferentes.
Isso pode requer tempo e imparcialidade. Para Alberti (2015, p. 178):

A entrevista de História é, antes de mais nada, uma relação entre pessoas diferentes, com
experiências diferentes e muitas vezes de gerações diferentes. Em geral, o entrevistado é
colocado diante de uma situação sui generis, na qual é solicitado a falar sobre sua vida a uma
pessoa quase estranha e ainda por cima diante de um gravador ou câmara. Por isso convém
reservar um tempo relativamente longo para realização da entrevista. Um depoimento de
menos de uma hora de duração dificilmente rende tudo o que poderia. Em geral considera-se
que a duração de uma sessão deve ser de aproximadamente duas horas, mas há sessões que
se estendem por mais tempo. Muitas vezes ocorre de entrevistado e entrevistador
encontrarem-se várias vezes, como no caso das entrevistas de História de vida.

Realizar uma entrevista não é uma tarefa fácil, o entrevistador tem que estar
atento a todas as etapas que norteiam a entrevista. Paralelamente a realização
da entrevista é interessante ter um caderno de campo, para registo das
expressões da entrevista e análise do andamento do mesmo.

Após a realização das entrevistas, “o tratamento das entrevistas gravadas em


uma pesquisa de História oral depende do que foi definido no projecto inicial
com relação ao destino do material produzido” (ALBERTI, 2015, p. 180), neste
caso se será direccionada ao público, em áudio, vídeo ou escrito. No último
caso, na transcrição da entrevista é necessária disponibilização de tempo e
atenção. “Muitas vezes é necessário passar o texto transcrito por um trabalho
de conferência de fidelidade, que consiste em ouvir novamente toda a
entrevista e conferir se o que foi transcrito corresponde ao que foi gravado”.
(ALBERTI, 2015, p. 180).

A História Oral é um recurso inovador. As narrativas (entrevistas)


correspondem a uma metodologia usada para elaboração de registos,
documentação, arquivamento e estudos, no esforço de recuperar as
experiências humanas que normalmente estão invisíveis na documentação
histórica tradicional e de considerar essas fontes como evidências. A História
Oral é sempre uma História do tempo presente.

Géneros narrativos em história oral

Os géneros narrativos em História oral são um dos pontos que diferenciam a


História Oral das entrevistas convencionais, e que são especificados nos
projectos em História oral. Para Meihy e Ribeiro (2011), os géneros narrativos
em História oral, são basicamente quatro: História Oral de vida; História Oral
testemunhal; História Oral temática e Tradição Oral.
História oral da vida
História Oral de vida trata de uma narrativa de longo curso, com começo,
meio e fim, e narra às experiências vividas de uma pessoa. “A História oral de
vida, ao trabalhar com experiência, sugere entendimento do espaço pessoal,
subjectivo, e supõem-se que haja também um roteiro muito menos factual e
mais vinculado a alternativas pessoais através de impressões, medos,
sentimentos, sonhos (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p. 84). A História Oral de vida
vai além dos fatos, mas admite-se fantasias, delírios, silêncios, omissões e
distorções, “pois não é uma busca a verdade e sim a versão sobre a moral
existencial” (MEIHY; RIEBEIRO, 2011, p. 83). Essas narrativas dependem da
memória, que pode ter impressões diversas e até contradições da fala, nesta
questão a subjectividade se faz importante.

História oral testemunhal


A História Oral testemunhal caracteriza-se por narrativas de vivências
traumáticas “e de consequências graves, a História oral testemunhal, mais do
que
documentar e permite análises, dimensiona acções voltadas ao
estabelecimento de políticas públicas inerentes à „ reparação” (MEIHY;
RIEBEIRO, 2011, p. 85). Ganhou maior destaque a partir de abordagens
modernas, de fatos traumáticos de vários países, que começaram a ver a
importância dessas narrativas e a relevância desses testemunhos para as
sociedades contemporâneas.

A História oral testemunhal se faz imperiosa em caso de entrevistas com pessoas ou grupos
que padeceram torturas, agressões físicas relevantes, ataques, exclusões, marcas que
ultrapassam a individualidade. Por afectar gerações ou interferir no andamento das relações
sociais, esses eventos merecem tratamentos especiais e justificam o„ trabalho de memórias,
que ganha condição de dever social. (MEIHY; RIEBEIRO, 2011, p. 86).

Entrevista com pessoas que tenham passado por algum trauma merecem
cuidados, ética, é preciso deixa o narrador à vontade, nesse caso melhor
valorizar os estímulos do que perguntas objectivas, dando mais condição de
escolha para o entrevistado.

História Oral temática

A História Oral temática é que mais se aproxima dos trabalhos académicos e


confunde História Oral com documentação tradicional, muitos trabalhos usam
os produtos da entrevista como se fosse apenas mais um documento, na busca
de esclarecimentos ou como técnica. “Quase sempre, em História oral
temática, equipara-se o uso da documentação oral ao das fontes escrita”
(MEIHY, RIBEIRO, 2011, p. 88). Usada mais para dialogar com outros
documentos, as entrevistas são vistas mais com constatação e perde parte de
sua subjectividade.

Quase sempre, a História oral temática equivale à formulação de documentos que se opõem às
situações estabelecidas. A contundência faz parte da História oral temática que se explica no
confronto de opiniões firmadas. Assim, por natureza, a História oral temática é sempre de
caráter social e nela as entrevistas não se sustentam sozinhas ou em versões
únicas. (MEIHY, HOLANDA, 2017, p. 38).

Usada como técnica ou metodologia nos projectos de História oral, busca


esclarecer situações conflitantes, polémicas, contraditória. O entrevistador deve
se preparar antes com instruções sobre o tema abordado. O questionário aqui
se torna uma peça fundamental para a aquisição dos detalhes analisados.

Tradição oral
Tradição oral, é uma mensagem transmitida de uma geração para a seguinte.
A tradição oral propriamente dita transmite evidências para as gerações
futuras.
A origem de Tradição oral pode repousar num testemunho ocular ou num boato
ou numa nova criação baseada em diferentes textos orais existentes,
combinados e adaptada para criar uma nova mensagem. Mas somente as
tradições baseadas em narrativas de testemunhos oculares são realmente
válidas (Vansina, p. 141).
As tradições incluem o verbalismo e a transmissão oral, sustenta Vansina, que
inclui «não apenas depoimentos como crónicas orais de um reino ou
genealogia de uma sociedade segmentaria, que conscientemente pretenderam
descrever acontecimentos passados, mas também da literatura oral que
fornecerá detalhes sobre o passado, muito valiosos por se tratar de testemunho
inconsciente e como fonte importante para a história das ideias, dos valores e
da habilidade oral» (Ibidem, p. 142).
José Redinha define a tradição como um «processo social onde o património
cultural se transmite de geração - a - geração por contacto e continuidade»
(RENDINHA, 1974, p. 325).
O autor Jan Vansina diz que a Tradição Oral consiste em «mensagens verbais
onde são relatadas declarações de geração actual que especifica que as
mensagens devem ser declarações orais faladas, cantadas, gritadas em
instrumentos musicas e que deve haver transmissão por palavras pelo menos
para uma geração». Ainda segundo ele «a tradição oral foi definida como
testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra. Suas
características particulares são o verbalismo e sua maneira de transmissão.
Um documento oral pode ser definido de diversas maneiras, pois um indivíduo
pode interromper seu testemunho, corrigir-se, recomeçar, etc. O testemunho
consiste em todas as declarações feitas por uma pessoa sobre a mesma
sequência de acontecimentos passados, contanto que ele não tenha adquirido
novas informações entre as diversas declarações» (VANSINA, p. 140).

As tradições, são aspectos culturais, materiais e espirituais, transmitidas


oralmente de geração em geração, através de hábitos, usos, costumes, sendo
estes últimos considerados como normas de conduta colectiva e que não são
considerados obrigatórios (Lacatos e Marconi, 2011: p. 359-360).

A tradição oral se caracteriza pela transmissão de Histórias através de várias


gerações, não “[...] se limitando apenas a entrevista, a tradição oral trabalha
com o pressuposto do conhecimento do outro em suas possibilidades mais
dilatadas” (MEIHY; HOLANDA, 2017, p. 40). Os resultados com trabalhos de
tradição oral são menos imediatos que os demais, requer observação e uma
participação constante. Os entrevistados são pessoas que possuem mais idade
e tem conhecimento das tradições orais do seu grupo. “Ainda que a tradição
oral também implique entrevista com uma ou mais pessoas vivas, ela remete
às questões do passado longínquo que se manifestam pelo que chamamos de
folclore e pela transmissão gerêncial, de pais para filhos ou de indivíduos para
indivíduos”. (MEIHY; REIBEIRO, 2011, p. 92). A tradição oral sofre interferência
dos mitos, das crenças, visões de mundo e outros que estão presentes nas
tradições orais do grupo.

O estudo da oralidade veio sendo ensaiado a partir da antropologia, no


âmbito da pesquisa dos processos de transmissão das tradições orais,
principalmente aquelas pertencentes a sociedades rurais, onde os modos
de transmissão e conhecimento ainda transitam, de maneira relevante,
pelos caminhos da oralidade. (LOZANO, 2006, p. 15).

A História se interessou pelo estudo da oralidade, pois essa metodologia se


fundamenta no esforço de recuperar as experiências daqueles que muitas
vezes não aparecem nos documentos oficiais de História. “A História
interessou-se pela ‘’oralidade na medida em que ela permite obter e
desenvolve conhecimentos novos e fundamentar análises históricas com base
na criação de fontes inéditas ou novas.” (LOZANO, 2006, p. 16).

A tradição oral é uma das mais complexas formas de se trabalhar com História
Oral, pois se baseia na busca dos mitos fundadores e explicações não
racionais. “A complexidade da tradição oral reside no conhecimento do outro
nos detalhes auto-explicativos de sua cultura” (MEIHY; HOLANDA, 2017, p.
40). A tradição oral, não se limita apenas na entrevista, exige conhecimentos
profundos do conjunto mitológico no qual a comunidade organiza sua visão de
mundo.

A tradição oral, no caso, deve revelar além das estruturas e comportamentos do grupo a noção
de passado e presente daquela cultura. Ainda que a tradição oral também implique entrevista
com uma ou mais pessoas vivas, ela remete às questões do passado longínquo que se
manifesta pelo que chamamos de folclore e pela transmissão geracional, de pais para filhos ou
de indivíduos para indivíduos. (MEIHY; RIBEIRO, 2011, p. 92).

Os trabalhos com a tradição oral são de resultados mais lentos, pois exigem
uma observação constante do grupo, a entrevista deve abranger uma pessoa
que tem um grau maior de vivências e experiências na comunidade, mais
velha. “Nesse tipo de pesquisa o sujeito é mais colectivo e menos individual, e
por isso a carga da tradição comunitária é mais prezada e presente porque
continuada” (MEIHY, RIBEIRO, 2011, p. 93).

A tradição oral para explicar o presente, faz a retomada de aspectos


transmitidos por outras gerações, muitas vezes herdados dos pais, dos avós e
dos mais velhos e considerada como um bem valioso que deve ser guardado e
preservado para as gerações futuras.

Considerando a crescente participação desse tipo de fonte historiográfica no


conjunto dos meios utilizados para tecer juízo crítico, cumpre avaliar em que
medida a denominada História oral (ou mais adequadamente deve) participar
do conjunto de evidências conduzem à formação de juízo crítico imparcial.
Nesse sentido, covém citarmos aqui uma experiência por Etienne françois
(1988:10-11), que bem elucida a importância das fontes orais na construção do
saber sobre o passado:
Memória e história

Na actualidade são inúmeros os projectos que visam registar, através da


memória, relatos orais, experiências de vidas, sejam testemunhos, História de
vida, tradições orais ou temáticas. “As sociedades contemporâneas passaram
a ter uma verdadeira obsessão pelas memórias” (FERREIRO, 2006, p. 195).
No campo do ensino de História, a História oral pode contribuir para estudos e
reflexões acerca da sociedade, cultura e identidade.

Para Frisch (2006, p. 75):

Nesse contexto, as Histórias orais ocupam o primeiro plano no conjunto mais amplo de estudos
inovadores sobre História social e cultural que tiveram profundo impacto revisionista sobre
conceitos de processo e explicação históricos, mesmo em áreas tradicionais como a da História
diplomática e política.

“O estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os


problemas do tempo e da História” (LE GOFF, 2013, p. 390). Algumas
sociedades ainda possuem pessoas e grupos que não dominam a escrita e
usam a oralidade para passar seus conhecimentos, suas tradições. “No estudo
histórico da memória histórica é necessário dar uma importância especial às
diferenças entre sociedade de memória essencialmente oral e de memória
essencialmente escrita, como também às fases de transição da oralidade para
a escrita” (LE GOFF, 2013, p. 390).

É no pós-guerra que o estudo da memória começa a ganhar um novo


significado. “Os anos do imediato pós-guerra, quando a memória começa a
toma forma” (PORTELI, 2006, p. 73), os projectos testemunhais, inauguram
essa nova fase dos estudos da memória e da oralidade. Esses projectos,
segundo Ferreiro (2006), são um dever da memória. “A ideia central postula a
necessidade de se preservar a memória do que ocorreu com o objectivo de
tentar evitar futuras manifestações de autoritarismo e desrespeito aos direitos
humanos”. (FERREIRO, 2006, p. 199).

Outro marco importante no retorno dos estudos com a memória é a criação do


Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), que segundo deu fundador,
François Brédarida (2006, p. 219), nesse momento há “o retorno vigoroso da
História e da memória, uma busca ansiosa de identidade, a crise dos
paradigmas das ciências, enfim um presente cheio de incertezas em relação a
si mesmo e ao futuro”. O renascimento do estudo da memória recebe críticas,
principalmente pelos historiadores documentalistas tradicionais.

Para Thomson (2006, p. 66):

O principal alvo dessas críticas era a memória não ser confiável como fonte histórica porque
era distorcida pela deterioração física e pela nostalgia da velhice, por preconceitos do
entrevistador e do entrevistado e pela influência de versões colectivas e retrospectivas do
passado.
A memória como fonte, principalmente a memória colectiva tem sido objecto de
estudo de muitos pesquisadores. Para Frisch (2006, p. 75) “a memória
colectiva passou a fazer parte dos estudos históricos por muitos meios e
formas”. Este ainda destaca que:

Não se trata apenas de entender as dimensões da memória colectiva no contexto da História,


mas sobre tudo de entender como a historicização formal e auto consciente vem se
transformando numa dimensão cada vez mais importante do como lembramos o passado e
entendemos sua relação com a vida e a cultura contemporânea. (FRISCH, 2006, p. 75).

Um trabalho com a memória

A memória, entendida como a presença do passado, é também uma


representação selectiva de um passado que nunca é aquele do indivíduo
somente, mas do indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional
(ROUSSO, 1996, p.94). Nesse sentido “podemos portanto dizer que a memória
é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como
colectiva, na medida em que ela é também um factor extremamente importante
do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo
em sua reconstrução em si” (POLLAK, 1992, p 204). Isso está de acordo
também com HALBWACHS (1990, p. 53-55), quando o autor analisa a
memória na sua dimensão individual e colectiva, constatando que
necessitamos de pontos de referência que estruturem a nossa memória e que
a insiram na memória da colectividade a que pertencemos
.
Dessa forma, é possível verificar de que modo algumas lembranças se
solidificam, se tornam estáveis e duráveis. Por outro lado, é necessário,
segundo POLLACK (1992, p204), levar em consideração que a memória é uma
disputa e por isso devemos analisar também os conflitos, a competição entre
memórias concorrentes.
Essa tem sido uma preocupação dos historiadores do tempo presente, que,
trabalhando na construção de memórias contemporâneas, buscam identificar,
além do mero discurso histórico, as formas múltiplas e possivelmente
conflitantes de rememoração e utilização do passado (CHARTIER, 1996, p.
216).
Contributo da memória na Historia
O estudo da memória colectiva no contexto da História contribui para uma
maior compreensão do passado e como esse passado é lembrado e está
relacionado com o presente. “A evolução das sociedades, na segunda metade
do século XX, elucida a importância do papel que a memória colectiva
desempenha” (LE GOFF, 2013, p. 435). A História Oral, a memória,
possibilitam as sociedades orais ou em fase de transição do oral para o escrito
de reescreverem suas Histórias dando-lhes um novo significado
.
Para Le Goff (2013, p. 435):

São as sociedades cuja memória social é sobretudo, oral, ou que estão em vias de constituir
uma memória colectiva escrita, aquelas que melhor permitem compreender esta luta pela
dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória.
A memória como fonte de conhecimento possibilita uma reinterpretação do
passado das sociedades humanas ao longo do tempo, permite outras leituras
das vivências colectiva e social de sua História. É importante ressaltar que a
memória individual está povoada do imaginário colectivo. A História oral, não
permite apenas uma reinterpretação da memória individual, mais uma
rememoração que necessariamente se associará a memória colectiva. “A
memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade,
individual ou colectiva, cuja busca é uma das actividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje.” (LE GOFF, 2013, p. 435).

A memória através da História Oral permite uma reinterpretação dos lugares de


memória e a construção da identidade social em diferentes espaços temporais
e sociais, dando um novo significado para o lugar de vivência.

Avaliação das fontes orais

Uma vez submetidas a minuciosa crítica, literária e sociológica, podemos


atribuir às fontes um grau de probabilidade. Essa apreciação não pode ser
quantificada, mas não é, por isso, menos real. A veracidade de uma tradição
será mais facilmente constatada se a informação que contém puder ser
comparada com a informação fornecida por outras tradições independentes ou
por outras fontes.

Duas fontes independentes concordantes transformam uma probabilidade em


algo mais próximo da certeza. Mas deve-se comprovar a independência das
fontes. Infelizmente, contudo, tem-se constatado uma tendência muito grande
em acreditar na pureza e estanquidade inequívocas da transmissão de um
grupo étnico para outro. Na prática, caravanas de comerciantes, como as dos
Imbangala de Angola, ou talvez as dos Diula e dos Haussa, podem ter levado
consigo fragmentos de história, que foram incorporados à história local por
encontrar terreno apropriado. No início do período colonial estabeleceram-se
vínculos entre representantes de diferentes grupos, que trocaram informações
a respeito de suas tradições. Esse é notadamente o caso nas regiões sob
administração indirecta, onde interesses de ordem prática encorajavam
especialmente os reinos a produzirem suas histórias. Além disso, todas essas
histórias foram influenciadas pelos primeiros modelos escritos por africanos,
como o livro de Johnson sobre o Reino Oyo (Nigéria) ou o de Kaggwa
(Uganda) para Buganda. Deu-se uma contaminação geral de todas as histórias
tardiamente colocadas em forma escrita no país Ioruba e na região
interlacustre de fala inglesa, com tentativas de sincronização visando forçar as
listas dinásticas a se igualarem, em extensão, às dos modelos. Esses dois
exemplos mostram o quanto se deve ser prudente ao afirmar que as tradições
são realmente independentes. Deve-se pesquisar os arquivos, estudar os
contactos pré-coloniais e ponderar tudo cuidadosamente, antes de se fazer
qualquer julgamento.

A comparação com dados escritos ou arqueológicos pode fornecer a


confirmação de independência desejada. Mas, ainda neste caso, é preciso que
a independência seja comprovada. O fato de autóctones atribuírem
tradicionalmente um sítio visível aos primeiros habitantes do país, devido à
presença no local de traços de ocupação humana muito diferentes dos
deixados pelos habitantes actuais, não significa que se possa automaticamente
fazer a mesma atribuição. As fontes não são independentes pois o sítio é
atribuído a essas populações por um processo lógico e apriorístico! É um caso
de iconografia. Essa constatação dá origem a interessantes especulações,
especialmente no que diz respeito aos chamados vestígios de Tellem do país
Dogon (Mali) assim como aos sítios Sirikwa (Quênia), para citar somente dois
exemplos bem conhecidos. Contudo, os casos famosos dos sítios de Kumbi
Saleh (Mauritânia) e do lago Kisale (Zaire) mostram que a arqueologia pode, às
vezes, fornecer provas surpreendentes da validade de uma tradição oral.

Geralmente, estabelecer uma concordância entre fonte oral e escrita fica difícil
porque tratam de coisas diferentes. Um estrangeiro que escreve sobre um país
habitualmente se restringe a factos económicos e políticos, muitas vezes ainda
mal compreendidos. A fonte oral voltada para o interior menciona os
estrangeiros apenas de passagem; quando o faz. Assim sendo, em muitos
casos as duas fontes não têm nada em comum, ainda que se refiram ao
mesmo período. Casos de concordância, cronológica principalmente, são
encontrados em locais onde os estrangeiros se estabeleceram por tempo
suficientemente longo para se interessarem pela política local e entende-la.
Tem-se um exemplo disso no vale do Senegal a partir do século XVIII
.
Em caso de contradição entre fontes orais, deve-se escolher a mais provável.
A prática, muito difundida, de tentar encontrar um acordo não faz sentido.
Uma contradição flagrante entre uma fonte oral e uma fonte arqueológica se
resolve em favor da última, se esta for um dado imediato, isto é, se a fonte for
um objecto e não uma inferência, pois neste caso a probabilidade da fonte oral
pode ser maior. Um conflito entre uma fonte escrita e uma oral se resolve
exactamente como se tratasse de duas fontes orais. Devemos ter em mente
que a informação quantitativa escrita, de modo geral, é mais digna de
confiança, mas que a informação oral relativa aos motivos é geralmente mais
precisa que a das fontes escritas. Por fim, cabe ao historiador tentar
estabelecer o que é mais provável. Num caso extremo, se dispomos de apenas
uma fonte oral, cujas prováveis deformações pudemos demonstrar, devemos
interpreta-la tendo em conta as deformações e utiliza-la.

Enfim, acontece frequentemente de o historiador não se sentir satisfeito com as


informações orais de que dispõe. Pode registar o seu descrédito em relação à
validade das informações, mas, na falta de algo melhor, é obrigado a utiliza-las,
enquanto outras fontes não forem descobertas.

As fontes na busca por mudanças em relação ao ensino da Historia na escola,


envolve o uso das fontes históricas, como recursos importantes para o
processo de ensino- aprendizagem da disciplina. E umas das fontes a que se
recorre no ensino da História são as fontes Orais ou Tradição Oral mediante as
quais os anciãos narram acontecimentos de boca em boca, de geração adulta
para a geração mais nova pela educação informal.
Segundo J.Ki-Zerbo (1999), é necessário luta-se pala valorização dos povos
quer sejam letrados ou não, porque só assim se podia procurar a identidade,
através da junção dos elementos dispersos de uma memória colectiva. Para os
ocidentais a África é continente inexistente, porque fundamentam que não tem
História própria, pois, que para eles só a História escrita é válida e considerada
verdadeiramente História.

Contributos da história oral

É mister dizer, que a história oral acompanhou os rumos internacionais, os


estudos com fontes orais tiveram grande salto a partir dos anos 60, com o
advento da era tecnológica, o que possibilitou os depoimentos orais

A história oral surgiu com as novas concepções historiográficas entre os anos


50-70, relacionada a história de baixo, que valorizava o indivíduo. Ou seja,
voltado para a nova linha de estudos culturais, a qual não mais se utilizava de
estudos estritamente quantitativos, mas sim aceitando novos objectos,
metodologias e fontes. Para Nora (1993), a memória tradicional, não tem mais
espaço, com a contemporaneidade deu-se espaço para a história crítica,
lembrando que a memória e os instrumentos de analisá-las mudaram, tendo
em vista, que a sociedade está mais dinâmica e mais rápida e rompe com
muitas barreiras que impede o processo interdisciplinar.

Diante do mundo acelerado por conta também da globalização, importante dizer que não se anula o
modo de percepção histórica do sujeito. Mas sim, coloca o sujeito como protagonista desse processo,
pois a ele cabe a tarefa de dá sentido a história a cultura do povo. Na dinâmica em que é posta a acção,
o sujeito muitas vezes deixa escapar a criatividade pela história e memória, que deixam de contribuir
para a manutenção da vida, que é história e pode ser contínua a partir da memória.

Desse modo, considera-se a história oral como um canal para uma visão mais
humanizada, pois são consideradas nesse modo de penetrá-la a proposta da
micro-história, a qual evidencia os pressupostos da história social trazendo a
baila as discussões de baixo para cima. A história oral encontrou seu lugar,
pois não se configura mais contra as críticas feitas a ela. Mas se posiciona no
campo da pesquisa e da produção histórica considerando o macro, o micro, o
social o político o individual voltada para uma prática historiográfica actual.
Porém, importante enfatizar que ao desenvolver esse processo, alguns
aspectos são necessários ressaltar para Portelli (1997), a história oral é
encarada como instrumento para fornecer informações sobre o passado, o que
lhe interessa é a subjectividade dos narrados. Portanto ainda de acordo com
Portelli, o respeito pelo valor e a importância que cada indivíduo tem se
configura como uma das principais lições de ética sobre a pesquisa na História
Oral. Onde cada indivíduo é em potencial um arcabouço de informação, e deve
ser visto como únicos nas suas narrativas.

Sobretudo, por se considerar as fontes orais uma das mais antigas maneiras
de produzir história, para Garrido (1992), a História Oral, desenvolveu-se em
situações e lugares em que a tradição de trabalho de campo da história
subsistia, a exemplo da história política, história agrária, história local.
Firmando-se numa proposta plural de fazer história. Alberti (1989: p. 52),
ratifica ao falar:

Um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica) que privilegia a realização de


entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas,
visões de mundo, como forma de se aproximar do objecto de estudo. Trata-se de estudar
acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos,
etc.

Porém, para desenvolvê-la alguns cuidados são necessários uma vez que
vamos lidar com subjectividades, na qual são as memórias individuais é o
agente ativo da história, cabendo então ao pesquisador à responsabilidade de
saber conduzir esse processo de forma ética. Segundo Portelli (1996). O
paradoxo da história oral e das memórias, incide na natureza da fonte -
pessoas não objectos, documentos, nesse aspecto são histórias de vida que o
entrevistado apresenta como sua história com suas particularidades e a
motivação para contar consiste no interesse em expressar o significado da
experiência, o que para ele tem uma importância impar, pois está narrando a
sua história e as subjectividades contida, sendo tecida pelo significado que se
dá pelos fatos narrados.

A história oral propõe registar e, portanto, propagar impressões, vivências,


lembranças dos indivíduos que intenciona a socialização de sua memória com
a colectividade e dessa forma apresentar um conhecimento da experiência do
vivido, diferente, dinâmico e repleto de situações que, somente desse modo
conheceríamos. Fonte oral engloba uma dimensão concreta, vislumbra novas
perspectivas da historiografia, o historiador, muitas vezes, necessita de
documentos variados para desenvolver seu trabalho, o importante é cercar-se
de cuidados éticos para a estruturação do estudo. Essa prática tem se
apresentado bastante significativa para a historiografia contemporânea.

Identidade: conceituação e reflexão

Na perspectiva do senso comum, quando reporta-se para o conceito de


identidade, volta-se para características própria de determinado indivíduo,
diferenciando-o de outro indivíduo. Já segundo Bauman (2005), a identidade
nasceu da crise do pertencimento, no qual o Estado buscava a obediência de
seus indivíduos, bem como esses indivíduos, uma nação propriamente dita,
sem este Estado destinava-se a ser insegura a respeito de seu passado,
incerta do presente e principalmente seu futuro seria cheio de dúvidas. Para o
mesmo autor, a identidade nacional passa a ser imposta, e quem governa
decide a nacionalidade, e também um destino compartilhado por uma nação,
mas que permanece incompleta, devido ao poder de exclusão, e da distinção
do traçar, impor e policiar a fronteira entre o “nós” e “eles”.
A identidade passa por várias discussões na teoria social, no qual o principal
argumento é de que as velhas identidades estão em declínio, mesmo que por
um determinado tempo tenham estabilizado, possibilitando novas formas de
identidades e principalmente fragmentando o indivíduo moderno, uma vez que
o mesmo encontrava-se na posição de um sujeito unificado, denominando-se
assim um período marcado pela chamada “crise da identidade” (HALL, 2006).

Neste processo de crise, ocorrem mudanças, deslocando estruturas e


processos centrais da sociedade moderna, desencadeando abalos em quadros
de referência que anteriormente sustentavam e ancoravam os indivíduos em
um mundo social estável, pois a identidade agora é “[...] algo formado, ao longo
do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na
consciência no momento do nascimento” (HALL, 2006, p. 38). Nota-se então,
que a identidade como um processo andamento, algo em construção:

A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como
indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é "preenchida" a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós
continuamos buscando a "identidade" e construindo biografias que tecem as diferentes partes
de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado
da plenitude (HALL, 2006, p. 39).

Contudo, a identidade não é um conceito essencialista, muito menos assinala


um núcleo estável, sem qualquer mudança, estando sujeita a uma
historicização radical, em um processo de mudança e transformação, como
exemplo: o que acontece com as discussões em torno da identidade exposta a
processos e práticas que perturbam o carácter de “estabelecido” de populações
e culturas, quando refere-se aos processos de globalização e aos processos de
migração forçada (ou livre), no qual essas identidades começam a invocar um
origem de um passado histórico:

Segundo Hall (2012), as identidades são construídas dentro e não fora do


discurso, sendo necessário compreendê-las como produzidas em locais
históricos e institucionais específicos, em formações de práticas discursivas
específicas, e ainda com estratégias e iniciativas específicas. Para o mesmo
autor, dentro dessas questões, a identidade precisa ser analisada no interior do
jogo de modalidades específicas de poder, demonstrando-se assim um produto
de marcação da diferença e da exclusão.

Viver em sociedade, fazer parte dela, estar relacionado a pessoas, a


instituições, ir para além da consciência ingénua e, ser capaz de fazer
reflexões críticas sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, requer que
tenhamos um domínio de aprendizado que vá além da leitura e da escrita. É
preciso filosofar, pensar, falar, conhecer sua história, sua memória, sua cultura
e sua identidade. Mais do que estar no mundo, é necessário fazer parte dele,
se sentir pertencente a um processo de construção contínua, articulado a uma
identificação para podermos buscar responder a indagação: “quem somos
nós?”
.
Munanga (2008) analisa que, identidade, que é sempre um processo e nunca
um produto acabado, não será construída no vazio. Essa construção perpassa
características comuns de determinado grupo, como por exemplo: língua,
história, território, cultura, religião, situação social etc.

Cultura

No processo evolutivo da definição do conceito de cultura observa-se que a


cultura primeiramente foi relacionada com uma raiz etimológica relacionada ao
trabalho rural, sendo sinónimo da palavra civilização, ou seja um processo de
progressão intelectual, espiritual e material, em que o homem era civilizado
pela presença de costumes e atitudes morais denominadas na época, se não
os possuísse era denominado selvagem (EAGLETON, 2011).

Então, para Bauman (2013) o conceito original de cultura seria um agente da


mudança do status quo, e não utilizado para sua preservação, elaborado
especialmente para educar as massas e refinar costumes, melhorando a
sociedade e aproximando o povo. Para o mesmo autor, o projeto iluminista
atribuiu a cultura um status de ferramenta básica para a construção de um
Estado ou Nação, e de um Estado-nação, ferramenta esta que mantinha-se
nas mão da classe dita instruída para tal.

A partir do século XX, estruturou-se uma concepção ampliada da cultura,


inaugurando-se a antropologia sócia e a antropologia política, no qual a cultura
irá exprimir, de maneira historicamente e materialmente determinada, a ordem
humana simbólica, e principalmente a individualidade e a estrutura própria da
mesma (CHAUÍ, 2008). O termo cultura então adquire uma novo abarcamento,
que não abrangia antes, sendo entendido:

Como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e das


formas do trabalho, das formas da habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de
lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, particularmente os sistemas de
parentesco ou a estrutura da família, das relações de poder, da guerra e da paz, da noção de
vida e morte (CHAUÍ, 2008, p. 57).

Neste processo, a cultura passa a ser um campo no qual os humanos são


responsáveis por: criação de símbolos e signos, instituição de práticas e
valores, definição do possível e impossível, dar sentido ao tempo (passado,
presente e futuro), diferenças estabelecidas neste espaço, ideia de lei, do
permitido e proibido, etc. (CHAUÍ, 2008).

Isto posto, o conceito de cultura depara-se com uma perspectiva antropológica,


que segundo Geertz (2008) em sua perspectiva a respeito desse conceito
passa ser essencialmente semiótico, e ressaltando assim como Max Weber,
“[...] que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 2008, p. 4’’.

Quando aborda-se a cultura, a mesma poder ser analisada sob vários enfoques
antropológicos (ideias, crenças, valores, normas, atitudes, padrões de conduta,
abstracção do comportamento, instituições, técnicas e artefactos), artefactos
estes que decorrem da técnica, mas com a utilização condicionada através da
abstracção do comportamento, no qual as instituições ordenam padrões de
conduta, expressos por atitudes, normas, valores, crenças e ideias (MARCONI;
PRESSOTO, 2010).

Segundo Marconi e Pressoto (2010, p. 27), de acordo com os antropólogos, a


cultura consiste em: 1) ideias (relacionam-se com concepções mentais, toda a
variedade de conhecimento e crenças teológicas, filosóficas, científicas,
históricas, etc.); 2) abstracções (coisas e acontecimentos não observáveis, não
palpáveis, não tocáveis); e 3) comportamento (modos de agir comuns a grupos
humanos, conjunto de atitudes e reacções dos indivíduos em face do meio
social). Para as mesmas autoras, quando observa-se uma cultura deve-se
levar em consideração os seguintes elementos: conhecimento (todas as
culturas possuem conhecimentos transmitidos de geração em geração,
aspectos referentes a ordem social), crenças (aceitação de uma proposição
comparada ou não cientificamente, podem ser pessoais, declaradas ou
públicas), valores (empregado para indicar objectos e situações consideradas
boas, desejáveis, o valor incentiva e orienta o comportamento humano),
normas (regras que determinam os modos de agir dos indivíduos em
determinadas situações) e símbolos (realidades físicas ou sensoriais, em que
os indivíduos os utilizam para atribuir valores ou significados específicos).

Então, a partir desse momento o homem torna-se o centro da sua cultura, de


suas especificações e principalmente em relação a criação de símbolos que os
distingue de outros povos ou comunidades, colocando-o ou não na posição de
inferioridade ou superioridade. Sendo assim, quando volta-se para a análise
desse processo de criação semiótica, o acesso empírico a eles, e a inspecção
desses símbolos ou signos é necessária, para evitar-se elaboração de
discussões abstraídas por padrões unificados, que não expressam realmente
os sistemas culturais (GEERTZ, 2008).

Relações dos conceitos de identidade e cultura, para o entendimento da


identidade cultural

Posto isto, a desconstrução dos conceitos de cultura e identidade, indaga-se


que o homem passa a ser elemento principal da cultura, e responsável pela
produção dos elementos que a representa, mas então como o indivíduo
engloba determinada cultura? Como acontece esse processo de identificação
cultural?

No entanto, quando volta-se para a identidade cultural, essa percepção muda,


porém não é descartada. Segundo Kuper (2002) os primeiros debates sobre
cultura e identidade nos Estados Unidos foram relacionados pela imigração, no
qual a partir dos anos 1950 e 1960, esse debate muda para discussões em
torno de raça, porém com as políticas culturais nas décadas de 1980 e 1990, a
preocupação volta-se para diferentes grupos e categoria de pessoas, como:
género, orientação sexual, deficiências, convicções religiosas, etc. Para o
mesmo autor, a partir dessas políticas culturais, essas perspectivas de
identidade cultural tomam um novo carácter, no qual as características
distintivas desses grupos serviam como reconhecimento, e também a
identidade passa a ser uma opção, embora exista uma crença subjacente,
assim como a colectividade possui uma identidade que será aflorada, o
indivíduo também possui uma identidade necessária com alguma colectividade
cultural, mesmo que está seja negada, o indivíduo possui uma identidade
essencial, derivada de uma colectividade ao qual pertence.

Assim sendo, entende-se que a identidade cultural possui vários entraves para
sua definição, e que as principais análises de seu processo de identificação
devem estar ligadas a elementos próprios da cultura, sendo ela atrelada a uma
existência de uma essência que marca as diferenças entre povos e nações, e
que atualmente está ligada ao senso de pertencimento do indivíduo a
determinado grupo que o represente, em sua identidade.

Contudo, a identidade cultural esteve ligada a aspectos da migração, e um


autor que discute identidade cultural nesta perspectiva é Stuart Hall (2003) que
explicita esse processo de identificação através da diáspora, no qual a questão
da diáspora colocada em seu estudo é principalmente por causa da luz que ela
é capaz de causar sobre as complexidades vividas pelos indivíduos.

Dessa maneira, Hall (2003) cita que a identidade cultural influenciada em


alguns casos pela globalização, vem activamente desenredando e subvertendo
seus modelos culturais herdados essencializantes e homogeneizantes, em que
as identidades que eram concebidas e estáveis, estão naufragando em uma
diferenciação que prolifera. Pois, para o mesmo autor, o processo de
migrações livres ou forçadas estão a mudar de composição, diversificando as
culturais, e pluralizando as identidades culturais que eram estáveis, no Estado-
nação dominante.

ANGOLA

O reconhecimento do outro é essencial para construção da sua própria


identidade. As abordagens relacionadas às identidades sociais e étnicas, no
seio dos Estados, sobretudo da África Subsaariana, continuam a dominar e
interferir profundamente na definição da identidade nacional. (Gonçalves 2005,
p.181). No quadro da sua construção, de acordo com Amante (2009, p. 27) o
processo contínuo e constante de descobrimento das identidades permite
distinguir as características, semelhanças e diferenças entre os grupos sociais.
A difusão das fronteiras por um lado tornou-se uma preocupação em relação à
preservação das identidades nacionais. Andrade (2010, p. 3) afirma que a
identidade é preservar as suas manifestações e como se refere Vaz (2005 p.
24) o homem é o construtor da sua própria identidade. Esta é pessoal e
subjectiva (Mendes, 2012. p, 17).

Na oralidade, as autoridades tradicionais trazem uma realidade histórica


cultural que dão subsídios a literatura e a Lei constitucional do país, por
desempenhar uma função política dentro do Ministério da Cultura. Convém não
nos esquecermos que a cultura angolana, por tempo imemorável cultivou uma
literatura oral. Tal como Nascimento & Ramos (2013) dizem, é lícito o exercício
de contar e recontar as histórias como sustentabilidade da ciência do sujeito
sobre si mesmo e sobre os outros como transmissão de experiência entre
gerações.

Quando se trata de cultura na sociedade angolana faz-se menção a que


cultura? É complexo analisar as transformações que o processo colonial
provocou no quadro geral da África Negra, resultando em constantes
multivalências étnicas, e sobretudo, no contexto da ambivalência cultural. De
acordo com Sousa (S.D) cada cultura tem os seus níveis de realidade social e
cada época apresenta uma genealogia diferente. Actualmente, muito se fala
acerca da cultura, incluindo a europeia como revestimento da angolanidade.
Segundo Albano (S.D) a reafirmação da identidade cultural nacional não
significa necessariamente, absolutização da nossa em detrimento das outras,
mas sim, a convivência e troca de experiência com as demais.

O pluriétnico e o multiculturalismo caracterizam a cultura angolana, através da


identidade forjada com a entrada das forças coloniais ao longo dos séculos
alterou algumas culturas étnicas. No entanto, constata-se que povos que ainda
se encontram confinados no mundo rural, preservam a tradição como herança
dos ancestrais e como raiz comum de todos os povos. Num contexto de povos
com características diferentes percebe-se que as manifestações culturais
expressivas não convergem. Errado está quem estabelece hierarquia entre
elas ao invés de reconhecer que esta diversidade é a riqueza cultural do país.

Começar-se-á por referir a definição de Santos (1969, p.75) “a cultura é fruto


da criatividade humana, a manifestação cultural é universal, partindo do
princípio de que todos os homens são por natureza iguais na sua essência.”
Portanto, o autor alega que, por se ligar à inteligência e a vontade do homem,
ela é também dinâmica e revela alterações contínuas e constantes. O que
Justifica a relação entre o homem e a cultura. O indivíduo é naturalmente
levado a pensar segundo os moldes da sua própria cultura, em consideração
às experiências vividas. Na verdade, a relatividade cultural pode modelar o
comportamento e a personalidade social. Este é um fato que não se verifica
nos grupos etnocêntricos, que consideram a sua cultura, o seu modo de viver,
preferível a qualquer outra, com sentimento de superioridade. Nesta
perspectiva, para melhor discussão, será necessário reunir algumas definições
de Antropólogos contemporâneo que contribuíram significativamente para o
estudo da cultura. A. L. Krober (1952, p. 179) apresenta o conceito como um
instrumento político do estado. Operacionalizando-o como padrão
comportamental simbólico implícito ou explícito dentro dos grupos humanos,
considerando-o como fatos tradicionais. Tal como perspectivou, Nkrumaha, em
África, a cultura é perigosa e, sobretudo, ambígua, pela elaboração do sistema
de valores morais e intelectuais que correspondem à complexidade da África
real e possam construir um sistema de referência para os povos africanos.
Cultura refere-se automaticamente a uma expansão de conhecimentos
adquiridos, carregam valores simbólicos de forma implícitos e acompanham
aquisição desses conhecimentos. (Benot 1981, pp. 151-152).

Numa análise antropológica, todas às culturas são importantes. Todas têm


potencial igual e a diversidade cultural é, na verdade, entendida como uma
expressão identitária, e como forma de criatividade.

Segundo o sociólogo angolano Paulo de Carvalho, a afirmação que uma


identidade nacional deve-se buscar em factores como a pátria, a mitologia e o
respeito pela essência dos grupos, assim como os traços simbólicos que
naturalmente acompanham cada cultura, de forma a facilitar a ação do Estado
na elaboração da Política Cultural. Assim, para elaboração das políticas
culturais, os aspectos sociológicos são relevantes para o alcance dos
objectivos preconizados.

Ao 13 de Novembro de 1976, após a independência, foi criado o Museu


Nacional de Antropologia, a fim de ajudar o povo a (re) construir a sua
personalidade cultural, reafirma-la e revaloriza-la. Este processo remete-nos,
quer aos patrimónios herdados, quer aos patrimónios construídos e seus
significados simbólicos. Conforme a declaração da UNESCO de 1982,
património cultural constitui-se como os trabalhos arquitectónicos, músicas,
danças, lendas populares, assim como outros valores que dão sentido a vida,
para sobreviver e realizar as suas necessidades.

Identidade cultural, conceito e concepções

O termo identidade cultural caracteriza-se, tal como a própria identidade, pela


sua polissemia (Cuche, 1999, p. 136). Segundo Melo (2002, p. 54), “a
construção ou descoberta do sentido de uma identidade cultural é um processo
de tradução sempre já em curso, um processo de tradução sem princípio nem
fim; um processo de tradução permanente sem texto originário ”. De acordo
com Gandra (1999, p. 17), a identidade cultural resulta de um diálogo vivo, sem
dúvida conflituoso, entre o mesmo e o outro, em que o mesmo é tanto mais ele
próprio quanto mais se abrir ao outro”. Com efeito, vivendo numa esfera social
marcada pelas interacções globais, o indivíduo negoceia ´´ a todo o instante os
sentidos das influências e mensagens externas que, recombinadas, são
devolvidas sob forma de identidade cultural readaptada” (Fortuna & Silva, 2001,
p. 451). Contudo, o processo de constante negociação entre a identidade
cultural e a globalização nem sempre ocorre de forma complementar, conforme
sugere Delors (1999, p. 39). Assim, na obra de Maalouf; Identidades
Assassinas (1998) –, o autor dá conta da visão de algumas culturas perante o
panorama da mundialização.

Atravessamos uma época bem desconcertante, no decurso da qual a mundialização aparece


aos olhos de um grande número dos nossos semelhantes não como um enorme cadinho
enriquecedor para todos, mas como uma uniformização empobrecedora e uma ameaça contra
a qual nos devemos bater para preservar a nossa própria cultura, a nossa identidade, os
nossos valores (p. 116).

Na mesma obra, o autor afirma: “é indiscutível que a mundialização provoca,


como reacção, um reforço do sentimento de identidade” (p. 105). A declaração
do autor diz respeito àqueles que, com receio de perder a sua identidade, os
seus valores herdados e distintos de outras culturas, se opõem ao que
consideram diferente, desconhecido, defendendo e valorizando afincadamente
o que é seu. De facto, tal como sugere Robertson (2000, in Ferreira, 2005, pp.
67-68), “ a globalização não significa que o mundo se tenha tornado
homogéneo culturalmente, assistindo-se, pelo contrário, a um fenómeno de
afirmação de diferenças, em termos de identidades regionais e locais”.

Neste sentido, importa perceber que o entendimento que os grupos fazem da


identidade cultural pode ser bastante diverso. Cuche (1999) distingue aqueles
que defendem concepções objectivistas e aqueles que seguem concepções
subjectivistas. Os objectivistas relativamente aos quais Cuche (1999)
estabelece algumas ramificações entendem a identidade a partir de um certo
número de critérios determinantes, considerados como ‘objectivos’, como a
origem comum (a hereditariedade, a genealogia), a língua, a cultura, a religião,
a psicologia colectiva (a ‘personalidade de base’), a ligação a um território ”.
Dentro da concepção objectivista, existem os que:

Concebem a identidade como um dado que definiria de uma vez por todas o indivíduo e que o
marcaria de maneira quase indelével. Esta preexistiria ao indivíduo que não poderia deixar de
aderir a ela, sob pena de se tornar um marginal, um “desenraizado”. Assim concebida, a
identidade surge como uma essência que não é susceptível de evoluir e sobre a qual nem o
indivíduo nem o grupo têm qualquer preensão (Cuche, 1999, p. 137).

Considerando esta perspectiva, mas num sentido mais extremo, o mesmo


autor (idem, ibidem, p. 137) refere-se à questão da “ origem aplicada à
identidade cultural [poder] desembocar numa racionalização dos indivíduos e
dos grupos, estando a identidade, para certas teses extremas, praticamente
inscrita no património genético pensada como uma condição imanente do
indivíduo, definindo-a de maneira estável e definitiva”. Ainda a propósito da
concepção objectivista, Cuche (1999), identifica as perspectivas culturalista e
primordialista. Na perspectiva culturalista, e segundo este autor (ibidem),

Acentua-se o legado cultural, ligado à socialização do indivíduo no interior do seu grupo


cultural. O indivíduo é levado a interiorizar os modelos culturais que lhe são impostos, tanto e
de tal modo que não poderá deixar de se identificar com o seu grupo de origem (p. 138)
.
Na perspectiva primordialista, “ a pertença ao grupo étnico é a primeira e a
mais fundamental de todas as pertenças sociais, aquela na qual se contraem
os laços mais determinantes, porque são laços que se firmam numa genealogia
comum” (Cuche, 1999, p. 138). No que respeita aos que defendem as
concepções subjectivistas,

A identidade cultural não pode ser reduzida à sua dimensão atributiva: não é uma identidade
recebida de uma vez por todas. A identidade etcnocultural não é mais que um sentimento de
pertença ou uma identificação com uma colectividade mais ou menos imaginária. O que conta
são as representações que os indivíduos formam da realidade social e das suas divisões
(Cuche, 1999, p. 139).

Identidade cultural local

A reacção das comunidades ao fenómeno da globalização tem, em muitos


lugares do mundo, desencadeado movimentos de protecção e revivalismo por
parte de culturas locais e, por conseguinte, de afirmação de identidades
regionais e locais (Ferreira, 2005, citando Robertson, 2000). Na verdade, e
conforme afirma Santos (2001),

A medida que a interdependência e as interacções globais se intensificam, as relações sociais


em geral parecem estar cada vez mais desterritorializadas, abrindo caminho para novos
direitos às opções, que atravessam fronteiras até há pouco tempo policiadas pela tradição, pelo
nacionalismo, pela linguagem ou pela ideologia, e frequentemente por todos eles em conjunto.
Mas, por outro lado, e em aparente contradição com esta tendência, novas identidades
regionais, nacionais e locais estão a emergir, construídas em torno de uma nova proeminência
dos direitos às raízes (p. 60).

No mesmo sentido, Santos (1996, p. 17 in Mendes, 2001) refere que “a


multiplicação das opções, em tempo chamado de globalização, concorre em
simultâneo, e em aparente contradição, com um tempo de localismos,
territorializações de identidade, de singularidades, de genealogias e de
memórias” (p. 499). A este fenómeno dinâmico, em que a informação global e
local se cruza, e em que os espaços, territórios ou fronteiras perdem o seu
carácter enquanto homogeneizadores de culturas alguns autores (Ferreira,
2005, citando Robertson, 2000; Covas & Covas, 2011), dão o nome de
“globalização”.

Assim, perante este cenário, compreenda-se a ideia de Machaqueiro (2002, in


Costa, 2002, p. 13) quando este afirma que é “praticamente impossível
conceber a própria ideia de identidade cultural, visto que destas tendências e
daquelas tensões derivam imensas possibilidades práticas, que em nada
abonam a ideia da existência de identidades culturais uniformizadas e
pacificamente assumidas a um nível espacialmente definido”. Com efeito, à luz
da globalização, a noção espacial associada às culturas locais perdeu o seu
sentido enquanto permanente e definida: “as fronteiras das culturas locais são
vistas como tendo-se tornado mais permeáveis e difíceis de manter, a ponto de
se proclamar que ‘tudo é igual em todo o lado’” (Meyrowitz, 1985 in
Feathersone, 2001, p. 92). Contudo, ainda que de forma diferente, o espaço (o
local) não deixa de contribuir para as características de determinada cultura,
como refere Featherstone (2001):

Os conhecimentos comuns aos habitantes das culturas locais, bem como todo o ambiente
físico (a organização do espaço, os edifícios, a natureza, etc.), são vistos como relativamente
fixos, persistem para além do tempo e podem mesmo incorporar rituais, símbolos e cerimónias
que contribuem para reforçar os elos que ligam os indivíduos a um lugar e a partilhar de um
sentimento comum face ao passado (p. 91).

No mesmo sentido, Costa (2002) refere que


A primeira consequência da tentativa de saber que função desempenha o espaço na identidade
cultural é a aceitação de que ele condiciona a maneira como a cultura é construída pelos
grupos que, ao ocuparem, classificam-no, distinguem-no e valorizam-no consoante a
importância que ele adquire no seu dia-a-dia (p. 41).

Na perspectiva dos autores, tanto a cultura local como o meio em que o


indivíduo se estabelece contribuem para o desenvolvimento da sua identidade
cultural. Assim, assumindo que “a identidade cultural caminha em alternância
com o sentimento de afeição entre os elementos de um grupo social concreto e
entre eles e o seu meio” (Costa, 2002, p.12), cremos que a expressão que
melhor representa a ideia em causa é a de identidade cultural local. Utilizada
por autores como Costa (2002), Huffer (2006), Castells (2007) e Mota (2008),
esta é resultado do contacto dos indivíduos com a sua cultura local, e da
relação de afeto que com esta estabelecem. Como indica Featherstone (2001,
p. 91), trata-se de um “sentimento de pertença, de experiências vividas que se
foram sedimentados, assim como de formas culturais que se relacionam com
um dado lugar ”. Neste sentido, o “lugar” pode ser o espaço de origem (ou
não), o espaço onde o indivíduo cresce, mas que identifica enquanto lugar de
pertença (Connerton, 1989 in Featherstone, 2001), espaço de pertença (Costa,
2002), ou comunidade de pertença (Delors, 1999). É claro que, em muitos
casos, as pertenças podem ser múltiplas (Maalouf, 1998), e com a crescente
indefinição das fronteiras culturais, os conhecimentos associados a
determinada cultura local revelam-se, como refere Mota (2008, p. 9), cada vez
menos específicos: “tentar estudar uma região específica traz as referências
locais, mas no mundo globalizado e globalizante temos os intercâmbios do
global no local cada vez mais evidente nesta realidade”. De facto, como
menciona Canclini (2008, in Mota, 2008), “ dentro do processo de globalização,
as fronteiras são um lugar de encontros e desencontros, de identidades
nacionais que se hibridizam. O nacional, o popular, o estrangeiro, se misturam
e formam uma comunidade imaginada de aspectos globalizadores” (p. 9).

Com efeito, é na sua reflexão sobre a “capacidade de ler e de escrever”


(definição de literacia –DLP, 2012) que este autor valoriza não só o saber local
defendendo a sua inserção nos currículos escolares como os locais, as
pessoas que detêm esses saberes: “vai sendo tempo de claramente
demonstrar respeito pelo saber popular, o mesmo é dizer que deverá ser dada
voz aos detentores desses saberes, integrando-os, com poder, em toda e
qualquer estratégia ” (Madureira, 2014, p. 21). Com semelhante posição, e
partindo igualmente do conceito de literacia, Gaspar (2014, p. 22) declara que

Para fala da importância fundamental que literacia, o conhecimento da realidade popular tem
ou deveria ter para um sólido, enraizado e profundo desenvolvimento, nada melhor do que
recorrer à sabedoria dos mestres e desafiar cada terra, cada aldeia, cada freguesia, cada
bairro, cada escola dos mais diversos níveis a recolherem, estudarem, conhecerem e
divulgarem os usos e costumes da sua terra.

A posição dos autores é, pois, a integração de “saberes e sabedores” na


escola. Defendendo uma mesma perspectiva no que respeita à presença de
atores locais no contexto escolar, Santos e Cabeça (2010) consideram, no
entanto, menos importante a formalidade associada a esta transmissão que a
escola confere, e mais importante a proximidade cultural entre novos e velhos,
ou seja, o encontro inter geracional:

O desafio consiste portanto menos no facto de a estrutura do processo de transmissão ser


mais formal, mais “escolar”, o que não é, aliás, uma fatalidade, do que na própria distância
cultural entre os detentores dos saberes práticos (o canto) e os novos públicos que podem ser
envolvidos na transmissão (Santos & Cabeça, 2010, p. 183).

No actual panorama escolar, realidades formais e não formais convivem no


mesmo espaço, e pensar a escola enquanto “centro cultural local” parece ser
uma realidade espontânea no âmbito dessa convivência. De acordo com Trilla
(2004), a educação não formal considera “actividades que contam com
objectivos explicitamente formulados muitos deles de carácter educativo e
tentam desenvolver-se, metodicamente, mas quase sempre fora do limite dos
curricula próprios do ensino regulado ” (pp. 32-33). Uma metodologia que
acontece essencialmente segundo moldes não formais, e cuja prática é já
bastante comum nos cenários escolares é a Animação Sociocultural. Segundo
a ANASC (1999, in Lopes, 2008),

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