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Entrevista: “A comunicação da Palavra”

Dr. Augustus Nicodemus é pastor presbiteriano e atualmente Diretor do Centro


Presbiteriano de Pós-graduação, além de professor de exegese bíblica do Novo Testamento
no Seminário Presbiteriano JMC, São Paulo.

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1. Será que a igreja brasileira tem dado o devido valor à exegese e ao estudo das
línguas originais?

Se por igreja brasileira entendermos as denominações históricas, as pentecostais e as


neopentecostais, estas últimas representando um segmento crescente e numeroso, minha
resposta seria "não". Penso assim pelos seguintes motivos:

(1) O foco da igreja evangélica brasileira tem se mantido em torno de movimentos voltados
para crescimento de igreja, movimento de igrejas em células, movimento de batalha
espiritual, teologia da prosperidade, ministérios de libertação, etc., que, via de regra,
surgem como fruto da experiência particular de algum líder e não de exegese profunda da
Palavra. Alguns desses movimentos originaram-se em "revelações" diretas supostamente
recebidas de Deus, como o atual movimento G-12. As idéias, práticas e modelos que têm
conseguido ganhar espaço nas igrejas brasileiras impuseram-se não tanto porque são
bíblicos, mas porque deram certo na Argentina, na Coréia, na África do Sul, etc.

(2) A literatura teológica que tem sido produzida no Brasil raramente é fruto de estudo
profundo e exegético das Escrituras. São geralmente sermões e estudos adaptados,
recheados de ilustrações e experiências pessoais, nos quais a Bíblia é citada apenas para
comprovar um ponto particular. Penso que é exatamente pela falta do estudo mais profundo
e sério das Escrituras que existe um "inchaço" na igreja brasileira, produzindo um
cristianismo vulnerável a falsos mestres e a falsos ensinos.

2. Há quem diga que exegese e línguas originais são inúteis, pois precisamos de coisas
práticas para o dia-a-dia da igreja. Como responder a tal afirmação?

A melhor resposta é mostrar que essa afirmação parte de uma dicotomia falsa entre exegese
e prática. Toda prática traz subjacente uma ideologia, mesmo que se procure negar isso.
Não se faz nada no vácuo: as pessoas sempre acreditam em alguma coisa e agem seguindo
determinados conceitos e modelos, ainda que inconscientes e ocultos. Muitos pastores e
obreiros simplesmente desejam aprender como fazer as coisas funcionar, dando pouca ou
nenhuma importância ao estudo sério das línguas originais, esquecendo-se de que o
conhecimento sólido da Palavra de Deus é a base de toda a prática eclesiástica correta.

Pastores e obreiros capazes de estudar a Palavra de Deus nas línguas originais estarão em
melhor condição de entender os princípios que regulam a prática bíblica do que aqueles que
dependem somente das traduções em português.
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3. Quais os prejuízos de uma igreja que despreza a exegese séria e o estudo das línguas
originais?

Toda prática precisa de um sólido fundamento teórico. Os que abandonam o estudo sério da
Bíblia e vão diretamente para a "prática" cedo ou tarde sentirão falta de fundamentos
teóricos e doutrinários. A Palavra de Deus é o fundamento da prática missionária, do
aconselhamento, do culto, do serviço cristão. Estudá-la com seriedade e profundidade é
dever de todo aquele que usa a Bíblia como base do que faz. Como pastores e obreiros,
deveríamos ser mais profissionais e conhecer melhor aquilo que usamos diariamente em
nosso ministério. Confiaríamos nossas vidas a um médico que não leva a sério o estudo da
anatomia, da cardiologia, da fisiologia, etc? E confiaremos nossas almas a pastores e líderes
que não sabem com exatidão o que está escrito no Livro que usam para falar ao povo?
Assim como médicos mal preparados acabam por cometer erros que chegam a ser fatais,
líderes descuidados e mal preparados acabam caindo em erros antigos e já condenados pela
igreja antiga, induzindo os incautos ao mesmo caminho. Igrejas que não cuidam da
preparação séria de seus obreiros na interpretação das Escrituras, pagarão caro mais cedo
ou mais tarde.

© Expressão – Vida Nova para a teologia brasileira – Vol.4 – No. 1

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