ROCHA, E. A. C. infância e pedagogia: dimensões de uma intrincada relação. Revista
Perspectiva, Florianópolis, v. 15, n. 28, jul./dez 1997. p. 21-33
O texto destaca a complexidade dos dilemas enfrentados na intervenção pedagógica, com
foco na infância como objeto e na sociedade como meta. Ele propõe uma reflexão sobre o conceito de infância e de educação, considerando as mudanças na inserção social das famílias e o surgimento de novas instituições educativas. Essas transformações sociais exigem uma reavaliação das práticas educativas, especialmente para crianças de 0 a 06 anos de idade. Isso implica em romper com os modelos pedagógicos tradicionais, que historicamente se basearam na ideia de uma "infância em situação escolar". O texto sugere que a educação deve se adaptar às novas realidades sociais e culturais, oferecendo alternativas que atendam às necessidades específicas das crianças nessa faixa etária. Isso pode envolver uma abordagem mais flexível e centrada na criança, que reconheça e valorize sua diversidade e singularidade, na busca de promover uma educação mais inclusiva, sensível e eficaz para as crianças de 06 anos, considerando não apenas seu desenvolvimento acadêmico, mas também seu bem-estar emocional, social e cognitivo. Segundo a autora, ”[...] reflexão que pretendo desenvolver neste trabalho, tomando como base o eixo dos temas do curso: Teorias Sociais e Educação, que buscou "discutir algumas teorias sociais e educacionais que criticaram aspectos “desumanizantes" da modernidade e, ao mesmo tempo, elaboraram possíveis alternativas" (ROCHA, 1997, p. 22). Ao examinar essa relação de perto, os educadores podem aprimorar suas práticas, adaptando-as às necessidades individuais das crianças e contribuindo para um ambiente educacional mais rico e eficaz. De acordo com a autora a pedagogia, ao mesmo tempo em que proclama um "conceito moderno de infância", muitas vezes negligencia as características históricas do desenvolvimento humano. Enquanto campos como medicina e psicologia consideram a infância como uma fase específica do ciclo vital, a pedagogia tende a analisar a infância de forma mais restrita, especialmente no contexto escolar, “[...] A delimitação da infância, que, como muito já foi dito, tem se dado predominantemente por um recorte etário definido por oposição ao adulto, pela falta de idade, pela imaturidade ou pela inadequada integração social [...]” (ROCHA, 1997, p. 23). O "nascimento" da infância como conceito distinto e importante na sociedade está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da pedagogia. Ao longo da história, a percepção da infância evoluiu de crianças como miniaturas de adultos para a compreensão de que são seres em desenvolvimento com necessidades específicas, “[...] Nascido no contexto burguês, este sentimento sustenta-se na mudança de inserção da criança na sociedade, que deixa de assumir um papel produtivo direto, passando a ser merecedora de cuidados e de educação desde o momento em que consegue sobreviver” (ROCHA, 1997, p. 24). Para a autora, Rousseau desempenhou um papel fundamental na mudança de perspectiva sobre a infância e na formação da pedagogia moderna ”[...] Para ele a ação do educador, neste momento, deve ser uma ação natural, que considere as peculiaridades da infância, a "ingenuidade e a inconsciência" que marcam a falta da 'razão adulta” (apud Naradowski, 1997, p. 25). A infância sempre foi vista como uma das utopias mais duradouras da modernidade, uma busca constante por um ideal que parece estar sempre além do nosso alcance, mas que continuamos a perseguir incansavelmente. Desde os filósofos clássicos até os pensadores contemporâneos, “[...] As marcas dos contextos sociais, sempre presentes, mas mascaradas pelas abordagens centradas no indivíduo, gritam suas diferenças e imprimem novos contornos às ""infâncias" da sociedade atual. [...] basicamente em função das expectativas e pretensões dos adultos, a criança volta novamente a ser vista como "adulto em miniaturas” (ROCHA, 1997, p. 27). No mundo moderno, a inocência infantil e a violência contra as crianças parecem coexistir, muitas vezes no mesmo espaço. A ideia de inocência infantil, com sua pureza e vulnerabilidade, é valorizada em nossa sociedade como algo a ser protegido e preservado. No entanto, essa mesma inocência é frequentemente violada de várias maneiras, ”[...] paradoxalmente, a sociedade que idealiza a criança como forma de ressuscitar seus sonhos e revelar suas fragilidades ocultadas acompanha o desaparecimento do tempo da infância. Um tempo que acaba sendo sufocado por uma sociedade que recusa a incerteza e os "horrores sociais do nosso tempo" (apud MONGIN, 1994, p.28). A autora novamente retoma sua preocupação inicial como: “[...], será possível pensar alternativas para a educação da criança de O a 6 anos, resultantes das novas formas de inserção social da família, em novas instituições educativas (tais como creches e outras modalidades), rompendo com os parâmetros pedagógicos estabelecidos a partir de "infância em situação escolar" delimitada pela pedagogia”? (ROCHA, 1997, p. 29) A transição da infância do ambiente familiar para uma creche pode envolver uma série de mudanças e desafios para as crianças, suas famílias e os profissionais que trabalham na instituição. ”[...] diferenciam-se escola e creche essencialmente quanto ao sujeito, que neste último caso é a criança, e não o sujeito escolar (o aluno); [...] suas funções aqui se encontram em processo de constituição. Uma "Pedagogia da Infância" necessita considerar outros níveis de abordagem de seu objeto: a criança, em seu próprio tempo, uma vez que se ocupa fundamentalmente de projetar a educação destes "novos" sujeitos sociais” (ROCHA, 1997, p. 29) A observação de que a Psicologia, apesar de ter se estabelecido como uma área de conhecimento privilegiada no campo educativo, muitas vezes não inclui uma reflexão sociológica que permita lidar com variáveis sociais. No entanto, é importante notar que há uma tendência crescente na Psicologia contemporânea de incorporar abordagens mais sociológicas e interacionistas. Essas abordagens reconhecem a importância das relações sociais, culturais e contextuais na compreensão do desenvolvimento humano. ”[...] a solução deste paradoxo, pelo menos ao nível do conhecimento, só pode surgir de uma contribuição interdisciplinar, ''pois enquanto a psicologia não fizer apelo à antropologia, continuaremos apenas a ensinar crianças” (apud ROSEMBERG, 1976, p.30) A crítica à noção de universalidade da infância tem se tornado mais proeminente entre aqueles que reconhecem e enfatizam a heterogeneidade das experiências infantis. ”[...] a complexidade deste problema para a pedagogia está em que a percepção do sujeito/criança - objeto de sua ação - é multifacetada e não admite a transposição da visão de um destes recortes de forma exclusiva e parcial, [...] sujeitos múltiplos e diversos, reconhecendo sobretudo a infância como "tempo de direitos”. (ROCHA, 1997, p.31). Esse novo momento a intervenção educativa é vista como um processo de constituição de novos sujeitos na cultura, o que implica em uma dinâmica complexa entre o indivíduo e a cultura circundante. Essa interação é caracterizada por movimentos contraditórios e dinâmicos, nos quais o educador desempenha um papel fundamental na mediação e na orientação.